Saude Comunitaria - Livro
Saude Comunitaria - Livro
Saude Comunitaria - Livro
na sade comunitria:
Conselho Editorial
Alex Primo UFRGS
lvaro Nunes Larangeira UTP
Carla Rodrigues PUC-RJ
Ciro Marcondes Filho USP
Cristiane Freitas Gutfreind PUCRS
Edgard de Assis Carvalho PUC-SP
Erick Felinto UERJ
Francisco Rdiger PUCRS
J. Roberto Whitaker Penteado ESPM
Joo Freire Filho UFRJ
Juremir Machado da Silva PUCRS
Marcelo Rubin de Lima UFRGS
Maria Immacolata Vassallo de Lopes USP
Michel Maffesoli Paris V
Muniz Sodr UFRJ
Philippe Joron Montpellier III
Pierre le Quau Grenoble
Renato Janine Ribeiro USP
Rose de Melo Rocha ESPM
Sandra Mara Corazza UFRGS
Sara Viola Rodrigues UFRGS
Tania Mara Galli Fonseca UFRGS
Vicente Molina Neto UFRGS
Perspectiva psicossocial
na sade comunitria:
Organizadores:
Jorge Castell Sarriera,
Enrique Tefilo Saforcada e Jaime Alfaro I.
Autores, 2015
Capa: Humberto Nunes
Projeto grfico e editorao: Niura Fernanda Souza
Reviso: Gabriela Koza e Simone Cer
Reviso grfica: Miriam Gress
Editor: Luis Antnio Paim Gomes
Julho/2015
Sumrio
Prlogo..................................................................................................................................7
Jorge Lpez
Introduo..........................................................................................................................11
Sobre os autores................................................................................................................319
Prlogo
montante que representa uma parte trivial de gastos com defesa ou dos juros
sobre a dvida dos pases em posies superiores na economia global.
Porm no necessrio se restringir ao mbito dos pases empobrecidos
para demonstrar a dinmica da espoliao nesta rea. No que diz respeito s
sociedades aparentemente desenvolvidas, o campo da sade reflete de forma
particular as estratgias que nas ltimas dcadas tm favorecido a passagem
desde o processo de redistribuio equitativa da riqueza, promovido pelo modelo do Estado de Bem-estar, ao fluxo de acumulao de riqueza nos setores
favorecidos, produzido sob a proteo desta criatura multiforme e monstruosa que chamamos, j com toda propriedade, de modelo neoliberal. Como
em outras reas, no campo da sade o coquetel neoliberal fez uma amlgama
de discursos ideolgicos e prticas sociais, de estratgias polticas e de organizao econmica que servem ao propsito de crescimento e perpetuao da
desigualdade. Na esfera ideolgica, impe-se a percepo da sade como um
elemento da responsabilidade individual por excelncia, em que a capacidade de acessar recursos para cuidados altamente sofisticados e tecnicamente
avanados, em um ambiente de mercado competitivo, faz a diferena entre
os que podem e no podem. Da mesma forma, prevalece a percepo de
que so os esforos individuais que devem dar conta dos transtornos decorrentes de fenmenos como a sobrecarga de trabalho ou a indisponibilidade
de tempo e de recursos adequados para as tarefas de auto e heterocuidado.
Fenmenos que, na realidade, esto longe de depender de escolhas individuais e so o resultado das condies estruturais do sistema. Essas percepes,
como acontecem em reas como a segurana pblica, levam demanda, por
parte da populao, de polticas e aes de interveno que tenham efeito
imediato, com perspectiva de curto alcance, com foco, no caso da sade, na
corporeidade individual e na preeminncia da abordagem biofisiolgica em
detrimento de estratgias preventivas com abordagem social que demandam
um trabalho permanente, articulado e que geram menor crdito e visibilidade meditica. Na dimenso poltica e social, o desenvolvimento hipertrofiado
dos dispositivos de cuidados especializados acima de servios de promoo e
preveno contraria a evidncia contrastada sobre os determinantes da sade,
promovendo a acumulao, de recursos pblicos e privados nos profissionais
do campo biomdico e das corporaes mdico-farmacuticas, reproduzindo
e perpetuando o modelo assistencialista e paternalista. Da mesma forma, a
existncia de evidentes conexes e alternncias entre os funcionrios pbli| 8
cos da rea da sade e os diretivos e conselheiros das corporaes mdico-farmacuticas permite a articulao poltica de situaes de ameaa sade
pblica e de gesto, a fim de garantir o ganho das referidas sociedades (ver
caso paradigmtico da gripe H1N1 e as polticas governamentais de vacinao e de compras de antirretrovirais). Por sua vez, o sobredimensionamento
econmico da indstria farmacutica e de servios mdicos permite sua ao
como lobby em mltiplas frentes, fechando o crculo de condicionamento
dos discursos sociais e de prticas polticas.
Neste cenrio, quais so os desafios operacionais que enfrentam aqueles
que de uma forma ou de outra se inserem no trabalho no campo da sade a
partir de uma perspectiva crtica e holstica? Quais so os recursos conceituais,
organizacionais e tcnicos nossa disposio para lidar com uma nova forma
de pensar e trabalhar para a sade de todos e de todas? No h dvida de
que o livro que nestas pginas est se abrindo representa uma tentativa bem-sucedida de responder a essas perguntas, reunindo uma tradio de reflexo
e ao solidamente construda a partir de vrias fontes. Esta tradio comea
no seu dia, como detalham os autores, pela entrada meritria no campo da
sade da vertente social e antropolgica, pela relevncia dos elementos estruturais e da reflexo sobre a necessidade da abordagem coletiva na promoo
e preveno. No entanto, ele no termina neste ponto e propicia um avano
que supera as limitaes das abordagens estritamente de natureza estrutural:
a abordagem psicossocial e, especificamente, comunitria. Assim, essencial,
para conseguir um trabalho eficaz na recuperao do direito sade, a passagem de uma abordagem estritamente biomdica para uma abordagem sistmica, da passagem de uma abordagem intervencionista restritiva ou paliativa
para uma abordagem desde a dimenso da promoo e da preveno. Mas no
podemos esquecer que falar sobre sade comunitria significa incorporar a reflexo de que o trabalho em prol da sade no se torna sustentvel com a mera
modificao de elementos estruturais ou contextuais. Deve necessariamente
integrar os elementos que promovem a auto-organizao e a recuperao da
autonomia e do poder de indivduos, organizaes e comunidades. O trabalho em sade da comunidade deve estar intimamente ligado, portanto, no
interesse da eficincia e sustentabilidade com a perspectiva de conscientizao
e com estratgias de fortalecimento que ocorrem em um nvel sistmico com
dimenses pessoais, grupais e coletivas. Pois neste ponto crtico formado
pelo espao de interao da pessoa com seu contexto, neste mbito de criao
9 |
de percepes, normas e identidade que se criam as condies de desenvolvimento dos comportamentos sociais.
So os promotores deste livro pessoas de longa trajetria intelectual e
profissional na conceituao e interveno nas diferentes dimenses do trabalho comunitrio. E este livro um dos exemplos mais bem-sucedidos da sua
capacidade de catlise e articulao coletiva, tendo em vista a criao de um
corpus de conhecimentos e experincias que nos permite gradualmente inverter os processos de desapropriao dos bens comuns. Vai assim, em nome daqueles que somos destinatrios ou gentilmente convidados para este encontro,
a nossa gratido por seu esforo sustentado e sua materializao neste novo
fruto tangvel. Restam para outros pargrafos a gratido pelas suas qualidades
humanas e amizade, por jogar as redes em ambos os lados do Atlntico, e o
desejo de novas e agradveis parcerias no futuro.
Pamplona, 31 de maro de 2015.
Sr. Jorge Lpez1
| 10
Introduo
disciplina a mais importante e qual deve levar o timo de tal empreendimento ou, diretamente, de todo o campo, neste caso o da Sade Pblica. Porm,
se a reao e a reflexo subsequentes centram-se nos seres humanos e nos conglomerados que formam, a servio dos quais a disciplina deve ser colocada, o
tema do poder se dilui e passa-se a colocar toda ateno na eficcia e eficincia
dos esforos que se empregam com o objetivo de alcanar as melhores condies de sade das populaes humanas. No somente se muda a orientao
das reflexes e desenvolvimentos neste sentido, seno que a nova atitude abre
a possibilidade de considerar as pessoas como instncias de direitos; portanto,
o que se pensa e prope, envolver o respeito irrestrito dos direitos humanos.
Dogmatizar teorias e disciplinas com os fins de empoderamento pessoal ou
corporativo, ou forar os desenhos de polticas e projetos de modo que se
ampare poderes do mbito profissional, j , em si mesmo, violar os direitos
humanos.
Quanto mais cincias e profissionais (essenciais para a compreenso do
fator humano e seu processo de sade) se incluam na coluna central de sustentao da sade pblica, maior ser a eficcia das polticas, programas e
projetos de sade que se desenhem e ponham em execuo. Isto pelo simples
fato de que o fator humano biolgico, psicolgico, cultural e social; seu desenvolvimento normal, desde a gestao at a senilidade e a morte, no pode
prescindir de nenhum dos quatro componentes, vertentes e aspectos constituintes da vida humana.
Por considerar somente um aspecto como exemplo clarificador do pargrafo anterior: se um dos componentes faltasse, o desenvolvimento do crebro
no seria normal; no beb recm-nascido o crebro est totalmente imaturo
ou incompleto, sua progressiva maturao e posterior evoluo dependem de
questes tais como a nutrio, a estimulao afetivo-emocional e sensorial, a
socializao ou incorporao da cultura, e o transcurso da vida em um meio
social. Como sinalizou Clifford Geertz, a mente humana est completamente
vazia se no se consideram as ferramentas e formas culturais que possibilitam
que opere. A isto soma-se o que remarcou outro destacado cientista social, Jerome Bruner: o homem no uma espcie natural seno o produto da histria
e da cultura. A essncia da humanidade sua forma nica de compartilhar as
atividades mentais, isto , o que entendemos por intersubjetividade humana.
Para os pases de nossa regio, ameaados por problemas oramentrios
e o combate das oligarquias regionais que se opem aos programas de redis13 |
15 |