ATITUDE Livro
ATITUDE Livro
ATITUDE Livro
Recife, 2016.
Introduo
O Programa ATITUDE (Ateno Integral aos Usurios de Drogas e seus Familiares) foi criado em setembro de 2011 como elemento central da poltica sobre drogas do Estado de Pernambuco.
Alm da inovao de trabalhar de acordo com o paradigma da
reduo de danos, o programa foi desenhado de modo a atuar na
preveno aos crimes violentos letais intencionais, o que fez do
Atitude parte da poltica de segurana pblica do governo de Pernambuco, a saber: o Pacto Pela Vida, cuja prioridade a reduo
dos crimes contra a vida. A coordenao e gesto do Atitude, no
entanto, pertenciam Secretaria Estadual de Desenvolvimento
Social e Direitos Humanos( 1 ) .
Conforme apontado acima, o Atitude uma poltica que corrobora os princpios gerais da reduo de danos; ou seja, o seu foco
no est exclusivamente na busca pela abstinncia, mas na promoo de uma maior qualidade de vida para os usurios e seus
familiares.
Principais
diretrizes do
programa:
Promover fatores
de proteo social
e de reduo de
danos para o pblico
do programa.
A Estratgia
do ATITUDE
AT I T U DE NA S RUA S
Promove interveno psicossocial
junto a seu pblico-alvo usurios
de crack e de outras drogas de
forma itinerante em espaos como
praas, ruas e comunidades.
Articulao e Informaes
sobre a rede de servios
Preservativos
OFER TA S :
Prevenir o
encarceramento dos
usurios de droga.
gua
Ateno psicossocial
15 equipes de
redutores de dano
A Estratgia do ATITUDE
CEN T RO S DE
ACOL H I M EN T O E A P OIO
Promovem um servio como casa
de passagem, oferecem banho,
alimentao, pernoite, atividades
socioeducativas, com atendimento
de baixa exigncia 24h.
Pernoite
Banho
Alimentao
OFER TA S :
Atividades socioeducativas
5 unidades no Estado
A Estratgia do ATITUDE
CEN T RO S DE
ACOL H I M EN T O I N T EN SI VO
Promovem a proteo integral
24h daqueles usurios que esto
em situao de risco, com tempo
de permanncia variado de
acordo com a pessoa - geralmente,
entre dois e seis meses.
OFER TA S :
Moradia
Atividades
socioeducativas
6 unidades no Estado
11
A Estratgia do ATITUDE
A LUGU EL S O CI A L
um mecanismo de reinsero
social de moradia com uma ou mais
pessoas (repblica), vinculado a
trabalho e/ou estudo, e que possui
acompanhamento de uma equipe que
faz visitas sistemticas residncia.
OFER TA S :
40 casas para um
ou mais usurios
10
Moradia
13
Pesquisa Qualitativa
EN T R EV IS TA S E G RU P O S F O C A IS
COM USU R IO S E SEU S FA M I L I A R E S
E PROFIS SIONA IS D O AT I T U DE
12
15
Por meio dos grupos focais foram discutidas questes polmicas, como a distino entre usurios e traficantes de drogas, e
sobre o impacto do Atitude na vida de usurios do programa, de
seus familiares e das suas respectivas comunidades.
No houve dificuldades para a organizao da pesquisa de
campo. A equipe de pesquisadoras afirmou ter sido bem recebida
em todas as casas pelas funcionrias do Atitude, as quais ofereceram condies adequadas para a realizao de entrevistas e grupos
focais.
Houve a percepo, entre as pesquisadoras, de algumas diferenas nas dinmicas entre as casas. Os Centros de Apoio tm dinmica diferente das demais casas (que so os Intensivos), pois so
casas de passagem alguns usurios ficam apenas o dia ou a noite
nesse servio. Essa casa , portanto, a mais barulhenta e agitada
entre todas as visitadas, devido intensa rotatividade. Os Centros
de Acolhimento Intensivo so casas menos agitadas. O clima entre
os usurios, de modo geral, pareceu-lhes bastante tranquilo.
J o Intensivo especfico para mulheres, no Recife, tinha um
clima de interao especfico e intenso. As mulheres acolhidas
pareciam mais integradas entre si e tambm com os funcionrios
do servio. Existem tambm crianas circulando nesse espao, que
so os filhos e filhas das usurias.
A despeito dessas diferenas entre os servios e espaos do
Atitude, as pesquisadoras perceberam certa ociosidade entre os
usurios, em todas as casas visitadas, tambm semelhante a uma
dinmica residencial. No momento das visitas, alguns usurios
assistiam TV em uma sala; outros conversavam em grupos; outros
estavam sentados sozinhos; alguns reclamavam de dores ou algum
outro desconforto fsico; alguns conversavam isoladamente com
membros da equipe tcnica etc.
Durante o tempo de permanncia das entrevistadoras nesses
locais, foi observada pouca realizao de atividades, como oficinas, grupos de discusso ou qualquer outra programao voltada a
preencher o tempo das pessoas acolhidas. Isso pode ter acontecido
propositadamente, para que as pessoas pudessem participar da
14
17
Aspectos
abordados:
A Pesquisa
Qualitativa
30
ENTREVISTAS
realizadas entre fevereiro
e maro de 2015
14
8
8
USURIOS
Trajetria
em servios
pr-ATITUDE
FAMILIARES
Grupos
Focais
Homens
Mulheres
Familiares
Maioria dos
entrevistados
pr-selecionados
pelo servio.
16
Biografias dos
usurios e famlias
Rotinas e
processos (dos
profissionais)
PROFISSIONAIS
NO TA S
Grande
disponibilidade
dos usurios e
profissionais
para participar.
Grupos familiares
compostos
basicamente
por mes.
O PER FI L D O S USU R IO S AT EN DI D O S
A maioria dos usurios compartilha determinado perfil socioeconmico e possui trajetrias biogrficas com muitas semelhanas: so negros, pobres, jovens, possuem baixa escolaridade, com
experincias de trabalho no mercado informal e por vezes criminoso, com backgrounds de famlias desestruturadas, com laos
sociais fragilizados, so moradores de comunidades perifricas
e, em geral, violentas, em cujo espao h a presena do mercado
ilegal de drogas.
Em seus relatos muito comum a ausncia paterna, por motivos diversos. A me solteira era tambm a nica responsvel pelo
sustento da famlia. Assim, por vezes, a superviso e a educao
dos filhos ficava a cargo de outros parentes ou de vizinhos. Apesar
de existirem, so raros os relatos de infncias felizes e de convivncia familiar harmnica. Foi um pouco difcil porque eu fui
criada com v e com pai. Minha me me deixou com seis meses nos
braos do meu pai. E ela sempre ia me visitar, mas eu conheci ela
19
como tia, no como minha me. (...) S via ela de 15 em 15 dias. (...)
Era difcil porque eu via meu pai usando muitas drogas, meu pai
fumava maconha, meu pai usava pico [droga injetvel]. (...) Eram
duas casas, a casa da minha av e a casa do meu pai. Eu morava
nas duas, fica pra l e pra c. (...) A sensao era como se eu tivesse
fumando tambm, porque a fumaa vinha toda pra mim, j tava
acostumada j. [usuria]
Alm disso, possvel afirmar que a maior parte dos informantes estava situada em contextos permeados por uma sociabilidade
violenta. Muitos relatam terem perdido pais, irmos e amigos assassinados por grupos criminosos de seus bairros. J o meu irmo
foi por causa do crack. Meu irmo gmeo! Tava devendo l em cima
no Alto Jos do Pinho. A os cara mataram ele. A gente ia num brega
que tem l em cima. Ia direto. A gente ia direto pra l. Amanhecia
tomando conta de carro. A nesse dia eu disse: - No vou subir no,
veio! Sobe no, vamos dormir. Foi uma coisa, t ligado? Que me deu.
Foi de manh chuva que Deus mandava. A quando amanheceu meu
irmo tava l estirado no beco com seis tiros nas costas. [usurio]
A escola vista mais como ambiente de socializao do que de
estudo. A maioria deixou de frequentar a escola porque no tinha
interesse nos contedos e/ou porque precisava trabalhar para ter
acesso a algum dinheiro.
O caminho do uso recreativo dependncia no linear, e a
interpretao de cada um para essa virada em suas vidas muito
pessoal. Todavia, possvel perceber que, para alguns, esse salto
para o uso abusivo est ligado a situaes mais dramticas, como
o vazio gerado por diversos tipos de perdas (morte ou separao)
e pela incapacidade de lidar com esses traumas. Para outros, no
entanto, o percurso da recreao a uma situao de dependncia
explicado por meio de vivncias mais cotidianas, como uma curiosidade de experimentar novas sensaes, o uso do crack para ser
aceito em determinado grupo etc.
interessante apontar que, segundo os relatos, o uso do crack, em vrios casos, permaneceu como recreativo por um tempo,
at se tornar mais frequente e evoluir para uma situao abusiva,
desmistificando, em alguma medida, o discurso associado a essa
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substncia como uma droga superpoderosa capaz de gerar a dependncia no primeiro contato.
A despeito disso, h o consenso no discurso dos usurios sobre o
poder destrutivo do crack e da diferena entre ele e a maconha, por
exemplo. Chegam a dizer que a dependncia em crack destituiu-os da
condio de cidados pois no se sentem assim e no so tratados
dessa forma pela sociedade. O lcool tambm aparece no discurso de
alguns como uma droga destruidora, pela promoo da agressividade e
pela sua associao ao consumo do crack. H relatos do uso de outras
drogas (LSD, cocana, tarja-preta etc.). No entanto, para os entrevistados, o crack sempre a droga destruidora que aparece em suas vidas,
geralmente aps alguma situao limite de estresse.
Em muitos casos, os informantes j estavam envolvidos com
atividades criminosas antes de fazer um uso nocivo de drogas.
Quando passaram dependncia, essa situao tornou-se mais
complicada. Alguns relataram ter praticado agresses, furtos e
roubos antes do envolvimento com o crack, e depois de tal situao
chegaram a traficar; um dos entrevistados relatou que possui o trauma de ter matado, sem inteno, uma criana durante um assalto.
Por conta do envolvimento com a criminalidade violenta, no
raro que os informantes j tenham passagem pelo sistema prisional. Os relatos sobre esse perodo so absolutamente negativos,
bem como os que se referem a contatos prvios com a polcia. Os
entrevistados contam inmeros casos de abusos por parte de policiais civis e militares agresses, extorses, ameaas, os mais
diversos tipos de humilhaes. Muitas vezes chegavam na Mar,
dava na gente, sem a gente t fazendo nada, s porque somos usurias eles no tm direito de nos agredir. [usuria]
Entre as mulheres entrevistadas, so mais comuns os relatos
de violncia domstica e de violncia sexual tanto em casa (pai,
ex-companheiro) quanto na rua. Alm disso, em suas narrativas
est mais presente a relao entre o uso nocivo de drogas e a prostituio. Vrias das entrevistadas tm filhos (so comuns os casos
de gravidez na adolescncia), muitos gestados durante perodos
de uso abusivo do crack.
21
A AVA L I AO D O PRO G R A M A
A imensa maioria dos entrevistados, nos trs grupos focais
(usurios, familiares e profissionais), faz uma avaliao positiva
do Atitude. O programa foi muito elogiado por todos, principalmente por conta de sua abordagem inovadora, calcada na reduo
de danos e no na imposio da abstinncia.
Houve um consenso manifestado de modo diverso entre os informantes quanto importncia do acolhimento aos usurios de
drogas e da sensibilidade em trat-los como cidados para, desse
modo, possibilitar a recuperao da autoestima para que se percebam e ajam como cidados.
De acordo com a anlise das entrevistas e grupos focais, so diferentes as expectativas e as demandas dos usurios com relao ao
programa, a depender da situao que esto vivendo quanto ao uso de
drogas. Em determinado momento, o usurio deseja apenas o abrigo;
em outro, busca o programa para tentar aprender a administrar o uso
20
23
Os usurios relatam que o Atitude promoveu mudanas efetivas em suas vidas, especialmente na retomada de laos afetivos
e na recuperao de alguma esfera de autocontrole. Acreditam
que a dinmica de relao com os colegas e funcionrios dentro
do programa baseada no respeito mtuo ajudou-os a se sentir
mais calmos, menos agressivos, proporcionando a retomada de
um cotidiano e de uma sociabilidade fora do mundo da rua e das
drogas. Se eu no tivesse conhecido o Atitude , eu no estaria hoje
aqui contando uma histria para voc. Uma histria, no. Assim...
Todos os relatos que eu fiz agora. Talvez eu no tivesse aqui. Talvez
no tivesse esperana de rever minha filha novamente. Rever os
meus valores morais da minha famlia e de tica mesmo. Na verdade, se no tivesse conhecido o Atitude , eu no estaria vivo. Ou
eu ia morrer na droga ou a droga ia me matar. [usurio]
Essas mudanas so percebidas positivamente tambm pelos
familiares. A me de um dos usurios do Centro de Acolhimento
Intensivo do Recife revelou como ela percebeu as transformaes
no comportamento do seu filho, em uma visita que o rapaz fez
famlia na poca da pesquisa. Vale ressaltar que essa me estava
visitando o Atitude pela primeira vez, no tendo conhecimento
prvio que influenciasse sua avaliao.
CR T IC A S E R E COM EN DAE S
A despeito da avaliao positiva e do nvel alto de satisfao dos
usurios, familiares e profissionais com o Atitude, todos apontaram questes que podem ser melhoradas no programa.
Usurios e profissionais sugeriram melhorias do ponto de vista
da infraestrutura, dos recursos humanos, das atividades de capacitao, entre outras. Abaixo, o rol mais detalhado:
22
25
24
Uma das principais crticas feitas ao programa por usurios, familiares e profissionais est na necessidade de cuidar dos egressos,
ou seja, de desenvolver um acompanhamento ps-acolhimento
e, como desdobramento disso, a preocupao com uma ao para educar e capacitar os acolhidos para modalidades de trabalho
formal. Como se reconhece que no objetivo do programa garantir esse ps, a ideia que o Atitude fosse capaz de desenvolver/
fortalecer uma parceria com outras agncias da rede de ateno
ao usurio de drogas, ou com polticas pblicas geridas por outras
secretarias do executivo (como a de educao e trabalho) para ajudar em sua reinsero na sociedade.
Por essa razo, e por outros desafios cotidianos do programa,
entre os profissionais clara a necessidade de melhorar a articulao entre as instituies da rede de ateno aos usurios de
droga em Pernambuco.
O Centro de Ateno Psicossocial CAPS aparece no discurso
de todos os usurios como um fator essencial para o incio de seus
tratamentos e tambm para a sua continuidade.
Alguns usurios relatam passagem pelo Hospital Ulysses Pernambucano durante seus surtos devido ao uso das drogas. E eles
se mostram descontentes e insatisfeitos com isso, pois no se consideram loucos e nem acham o ambiente do mencionado hospital
psiquitrico adequado para tratar das suas necessidades. Essas
so experincias traumticas para os usurios.
Outra crtica bastante recorrente entre os usurios diz respeito
ociosidade dentro dos centros do programa. Em sua maioria, os
usurios do Atitude desejariam ter mais atividades, tanto culturais
quanto profissionalizantes.
Apresentados os principais resultados identificados ao longo da
pesquisa qualitativa, iniciaremos a discusso da parte quantitativa
da pesquisa que originou este relatrio, a partir da anlise do banco
de dados do prprio programa Atitude. A anlise quantitativa do
cadastro dos usurios do servio complementar os achados das
entrevistas e grupos focais, ao permitir o acesso a dados de maior
escala e capacidade comparativa sobre perfil socioeconmico de
usurios, seu background social, seus laos sociais e afetivos, suas
vulnerabilidades, seu consumo de drogas, entre outros.
27
2 A variao no nmero de usurios cadastrados, por banco de dados, em cada um dos municpios
pesquisados diz respeito a questes metodolgicas e estatsticas e no representa necessariamente
uma diferena na produtividade dos servios em termos de nmero de atendimentos realizados.
26
29
A diviso das anlises em torno desses quatros blocos demonstrou-se consistente, no sentido de indicar as caractersticas de
origem poltico-geogrfica do cadastrado, seu perfil de sexo, raa
e etrio, os vnculos familiares e o background social e, finalmente,
aspectos do tipo de droga motivadora do acesso ao programa, bem
como sua situao de vulnerabilidade em termos de ameaa de
morte e tentativa de homicdio e suicdio.
Alm disso, preciso fazer uma ressalva acerca das limitaes
dos dados em questo, tendo em vista que o cadastro dos usurios
no tinha, no momento de sua criao, a pretenso de funcionar
como uma base de dados que pudesse subsidiar pesquisas e diagnsticos em torno do programa (recomendamos, inclusive, que este
seja um objetivo a ser incorporado pelos gestores do programa no
futuro). Em vistas de realizar a caracterizao dos usurios cadastrados no Atitude, algumas decises metodolgicas foram tomadas
de modo a consolidar os dados disponveis em informaes consistentes e teis.
Desse modo, como pertinente s pesquisas com dados secundrios, uma primeira anlise de consistncia dos dados foi realizada, revelando uma grande quantidade de casos ausentes em
diferentes variveis que, em sua concepo, apresentavam grande
potencial informativo. Em funo disso, algumas estatsticas tiveram sua capacidade descritiva comprometida, haja vista que, em
certas situaes, registramos 95% de casos ausentes.
A grande proporo de subnotificaes foi o principal entrave
para o desenvolvimento de nossas anlises, o que restringiu o leque
de recursos e tcnicas estatsticas de investigao e inferncia.
Por esse motivo, cabe salientar que os resultados de tais anlises possuem um carter essencialmente exploratrio-descritivo,
merecendo, portanto, maior ateno nas interpretaes as quais
devem ser realizadas com cautela, em funo do entrave citado.
Feitas essas consideraes gerais, procuramos, aqui, retomar os
pontos centrais abordados para os quatro bancos de dados analisados nessa parte da pesquisa quantitativa, na tentativa de traar
uma linha comparativa entre as caracterizaes realizadas seja
28
31
Registros
do ATITUDE
Nmero de cadastros
disponveis em cada cidade.
Foram analisados os
cadastros de 5.714 usurios
atendidos nas unidades de
4 CIDADES
RECIFE
1755
CARUARU
1913
J O A B O A T O
DOS GUARARAPES
116 5
CABO DE
SANTO AGOSTINHO
8 81
F L O R E S TA
Os registros da cidade no
foram analisados na pesquisa.
PR I NCI PA IS EI XO S DE A N L ISE :
Localizao
do usurio
30
Perfil do
usurio
Histrico
e Vnculos
familiares
Contexto de
uso de drogas
Por fim, no que diz respeito ao contexto de uso de drogas, encontramos como principal droga motivadora para a procura do servio o crack, em todos os municpios analisados. Essa , de longe, a
droga que mais afeta e motiva a busca pelo programa Atitude. Alm
disso, na varivel sobre o tempo em que o usurio faz uso da droga motivadora, observamos que, em geral, os maiores percentuais
encontram-se nas categorias entre 3 e 5 anos. No concernente
frequncia semanal, temos a utilizao diria da droga, geralmente
em todos os horrios do dia.
Um bloco de questes foi construdo no intuito de captar alguns aspectos da vulnerabilidade dos usurios cadastrados, frente
ao cenrio de violncia urbana em que se encontram inseridos.
Assim, observamos percentuais relevantes, mais de 40%, de cadastrados que j sofreram tentativa de homicdio, que j estiveram
em situao de ameaa de morte e que possuem ou j possuram
dvidas com o trfico. Outro contexto relevante que aproximadamente 30% j haviam tentado suicdio.
Cabe ressaltar que essas consideraes so feitas em carter
exploratrio, uma vez que a j mencionada fragilidade dos dados
nos impede de traar relaes causais e de tirar concluses mais
abrangentes que possam ser generalizadas.
Ainda de acordo com as nossas anlises, foi possvel observar
que o perfil do beneficirio do aluguel social , majoritariamente,
de homens, negros e heterossexuais, com uma idade mdia em
torno dos 33 anos. A principal droga motivadora para a procura
pelo programa Atitude foi o crack, seguido, de longe, pelo lcool.
De maneira geral, Caruaru foi a cidade que contribui mais fortemente para a composio dos usurios desse servio do programa,
seguida do Recife.
No que diz respeito ao perfil socioeconmico dos beneficirios
do aluguel social, a maioria declarou receber um salrio mnimo.
Entretanto, ao agregarmos as categorias de renda inferior a esse
recorte, temos aproximadamente 70% dos casos recebendo abaixo
de um salrio mnimo. Em consonncia, observamos, tambm, que
a grande maioria dos cadastrados situa-se no trabalho informal.
33
32
35
A Pesquisa Quantitativa
PERCEP O D O AT I T U DE PELO S
U SU R IO S D O PRO G R A M A
O presente survey teve incio em 4 de maio de 2015, sendo finalizado em 22 de maio de 2015, e contou com um total de 191
questionrios aplicados com os usurios do Programa Atitude. O
propsito desse survey foi avaliar o Programa Atitude a partir da
percepo de usurios atendidos em nove centros localizados em
cinco cidades diferentes do Estado de Pernambuco, incluindo a
capital Recife e sua Regio Metropolitana, alm da cidade de Caruaru, localizada na Mesorregio Agreste do Estado.
A realizao do survey se deu mediante treinamento da equipe
composta por seis aplicadores e uma coordenadora de campo. Foi
realizado um pr-teste no dia 29 de abril, no Centro da Juventude, o que permitiu avaliar o instrumento que havia sido elaborado
para a coleta de dados e, assim, fazer alteraes que se mostrassem
necessrias. Destaca-se que o referido centro recebe jovens que j
foram ou ainda esto sendo atendidos, tambm, pelo Programa Atitude, principalmente nas Casas de Apoio no Recife e em sua RMR.
O instrumento de produo de dados possui seis pginas, aproximadamente (vide Anexo I), e est estruturado em quatro blocos,
a saber:
A Variveis Sociodemogrficas;
B Chegada do Usurio ao Programa
Atitude e Avaliao Geral das Modalidades;
C Reduo de Danos;
D Sugestes de Melhoria e
34
37
O PER FI L D O U SU R IO AT EN DI D O
O perfil predominante do usurio do Programa Atitude, conforme captado pelo survey realizado, indica uma composio ampla
de homens, jovens (entre 20 e 29 anos), negros, com renda familiar
Pesquisa
Quantitativa
191
21
A A MO S T R A
USURIOS
9
CABO DE
SANTO AGOSTINHO
30
40
CARUARU
43
CENTROS
DO SERVIO
O S BL O CO S
T E M T ICO S
A
Variveis
sociodemogrficas
C
Reduo
de danos
36
CAMARAGIBE
5 CIDADES
J O A B O A T O
DOS GUARARAPES
57
RECIFE
B
Chegada do
usurio ao
programa
D
Sugestes
e avaliao
Respostas abertas
Sugestes de melhorias
Indicao de 3 pontos
fortes do programa
Avaliao Nota de 0 a 10
Indicaria o programa
para um amigo?
39
80,6
Masculino
88+12
19,4%
Feminino
O R I E N TA O
SEXUAL
88
25,5
25 a 29 anos
43,5
RAA
2,6 %
15 a 19
3+2126181573+21
GNERO
FA I X A E T R I A
20,9 %
20 a 24
Parda
17,8 %
14,7%
30 a 34
35 a 39
6,8 %
6,8 %
40 a 44
45 a 49
2,6 %
1%
0,5 %
0,5 %
50 a 54
55 a 59
60 a 64
65 a 69
EMPREGADO?
Preta
28,5%
90,1
No
%
9,9% Sim
Heterossexuais
5,3%
Homossexuais
R E N D A FA M I L I A R
Branca
21,5%
Bissexuais
2%
Transexuais
0,5%
Travesti
Indgena
3,7%
Amarela
3,1%
54
54+309+61
4,2%
38
9010+
80+20
Perfil
dos Atendidos
30%
At 1
salrio
mnimo
8,7%
6%
1,3%
1 a 2
2 a 3
3 a 4
4 a 5
41
de at 1 salrio mnimo, baixa escolaridade (at a 7 srie) e cuja atividade ocupacional de baixa qualificao, mas est desempregado
no momento.
T E M P O NO PRO G R A M A
No que se refere ao Atitude, esse jovem tpico est no programa h,
no mximo, seis meses. Em suma, trata-se de um perfil recorrente e
bastante consolidado no que se refere aos diagnsticos de vulnerabilidade s drogas e situaes de violncia.
Primeira
Droga
Experimentada
47, 6%
PR I M EI R A DRO G A E X PER I M EN TA DA
Percebe-se que duas drogas se sobressaram como sendo as primeiras drogas consumidas pelos usurios entrevistados. Trata-se do
lcool e do tabaco (cigarro), que foram citados por 157 usurios entrevistados como sendo as primeiras drogas que consumiram na vida.
Essa quantidade representa 82,2% do total de entrevistados.
PADR O DE USO DE DROGAS: ANTES E DEPOIS
Percebe-se que a quantidade de usurios que consumiam drogas diariamente reduziu significativamente. Se antes 82% declararam consumir drogas diariamente, depois que estes passaram a ser
atendidos pelo Programa Atitude, apenas 22,1% declararam utilizar
drogas nessa mesma frequncia. Cabe fazer um apontamento aqui:
dentre os usurios que fazem uso de drogas diariamente, ressalta-se
que, em alguns casos (principalmente nos intensivos, cujo tempo de
permanncia na casa integral), esse consumo se refere ao tabaco
(cigarro), segundo relatam os entrevistados. O uso de outras drogas,
como lcool, maconha e crack, ocorre durante as sadas, e numa frequncia de at um dia por semana, uma vez a cada 15 dias ou uma vez
por ms. J nas Casas de Apoio (onde h maior rotatividade/circulao de usurios ao longo da semana), h consumo frequente durante
a semana (quando os usurios esto fora das casas) de drogas como
lcool, cocana, maconha, crack, inalantes e solventes, etc., segundo
relatam os entrevistados.
MACONHA,
HAXIXE
0 , 5%
CIGARRO COM
CRACK
6 , 8%
INALANTES E
S O LV E N T E S
3 4 , 6%
TA B A C O (C I G A R R O )
2 ,1%
CRACK
1%
BENZODIAZEPNICO
40
7,3%
LCOOL
mais frequente
43
82,1%
Dirio
22,1%
4,7%
4 a 5 dias
por semana
4,2%
Frequncia de Uso
de Drogas:
Antes e Depois
2,1%
2 a 3 dias
por semana
4,2%
PADR O DE USO
1,1%
Uma vez
por semana
10%
A quantidade de usurios
que consumiam drogas
diariamente reduziu
significativamente. Esse
levantamento diz respeito
ao uso de qualquer droga,
inclusive tabaco e lcool.
8,4%
Apenas nos
fins de semana
12,1%
1,1%
Uma vez
a cada
15 dias
4,2%
ANTES
menos frequente
0,5%
42
Uma vez
por ms
4,7%
0%
Abstinncia
38,4%
DEPOIS
45
Mesmo que
alguns usurios
tenham reduzido
a frequncia do
consumo de crack,
nos momentos em
que consomem
essa droga, as
vezes ainda o
fazem de maneira
compulsiva.
Exemplo do que acontece
com alguns usurios:
ANTES
C ON S UMI A M AT
pedras
EM 2 A 3 DIAS
POR SEMANA
DEPOIS
15
PASSAR AM A
CONSUMIR MAIS DE
44
pedras
A CADA
15 DIAS
Intensidade
do Uso de Drogas:
Antes e Depois
57%
ANTES
DEPOIS
39,4%
35,6%
24,8%
21%
14,6%
13%
12,5%
10%
0%
Abstinncia
menos compulsivo
At 5
De 5 a 10
De 5 a 15
Mais de 15
mais compulsivo
47
Exemplifica-se com aqueles usurios que consumiam at 7 pedras de crack de 2 a 3 dias por semana e passaram a consumir mais
de 15 pedras de crack a cada 15 dias. Ou seja, o usurio consegue
se segurar por um intervalo de tempo mais longo, mas, quando
consome a droga, o faz de forma compulsiva. Aos entrevistados
e s entrevistadas foi esclarecido o seguinte: considera-se pedra
como sendo a quantidade colocada no cachimbo a cada vez.
AVA L I AO S OB R E A PRPR I A S A DE
O percentual de entrevistados que respondeu positivamente
se a sade melhorou aps a entrada no Programa foi de 91,1%, ou
seja, 174 usurios responderam Sim, que sua sade melhorou aps
serem atendidos pelo programa. J 8,9% do total de entrevistados
responderam No, isto , 17 usurios no perceberam melhoras em
sua sade aps serem atendidos pelo Programa ATITUDE.
Nota-se, dentre os 174 entrevistados que responderam Sim, que
sua sade melhorou depois que comearam a ser atendidos pelo
Programa ATITUDE, que o intensivo parece ter obtido um impacto
maior entre os entrevistados, visto que quase 97% dos usurios que
estavam nessa modalidade declararam melhoria na sade aps
entrada no programa. O apoio, por sua vez, obteve um percentual
de quase 85% de seus usurios.
E X P O SI O V IOL NCI A
No que se refere violncia, temos que 65,4% dos entrevistados
sofreram algum tipo de ameaa, nos ltimos seis meses, em funo
de seu envolvimento com as drogas. Essa foi a resposta dada por
125 usurios, ao passo que 66, que representam 34,6% do total de
entrevistados, responderam No para essa pergunta.
Registra-se que 146 usurios, que correspondem a 77,2% do
total de entrevistados, responderam Sim, que se sentem protegidos
contra a violncia pelo fato de estarem no Programa Atitude, ao
passo que 43, ou seja, 22,8%, responderam que No e 2 entrevistados no souberam responder.
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Proteo contra
Violncia Letal
Voc sofreu algum tipo de ameaa nos ltimos seis meses?
SIM: 65,4%
NO: 34,6%
S I M : 7 7, 2 %
NO: 22,8%
49
Avaliao
do Programa
AVA L I A O D O PRO G R A M A
Considerando-se as informaes do banco de dados deste survey, alm dos relatos dos usurios entrevistados, pode-se
afirmar que durante o tempo (ou perodos) em que esto nas casas
do Programa Atitude, seja nos Apoios ou nos Intensivos, os usurios sentem-se protegidos contra a violncia nas ruas, apreciam
orientaes com vistas reduo de danos e sentem-se menos
vulnerveis tentao de usar drogas ou de se envolverem em
situaes de risco, por exemplo.
Assim sendo, salienta-se a relevncia do Programa Atitude no
que tange aos servios prestados e transformao nas trajetrias
de vida dos usurios de drogas que so atendidos a cada ms. Por
fim, destacam-se as duas falas a seguir, que se mostram bastante
ilustrativas no que tange percepo de outros usurios sobre o
Programa Atitude: Se no fosse o ATITUDE, eu tava noiando na
rua. Enquanto a gente t aqui na casa, a gente t guardado e no
se envolve com coisa errada na rua.
42,9%
97,4
SIM
2,6
NO
19,4%
Notas dos usurios para
o Programa ATITUDE.
De 0 (pior) a 10 (melhor)
14,7%
10,5%
10,5%
6,8%
3,7%
0,5%
nota
0%
0%
3,7%
77
48
10
dos usurios do
notas de 8 a 10
para o programa
51
AVALIAO DO
ATITUDE COM
CRITRIOS DA OMS
100
87
70
Na aplicao do questionrio da pesquisa quantitativa foi solicitado ao entrevistado atribuir notas (0 a 100) para cada servio do
ATITUDE. Considerando que a percepo das pessoas pode sofrer
influncias de fatores externos, foi necessrio buscar um mtodo
para diminuir esses fatores e garantir maior credibilidade para
essas respostas. Para isso, foram utilizados critrios metodolgicos
definidos pela Organizao Mundial de Sade OMS, fortalecendo
a confiabilidade estatstica desse tipo de informao, conforme
exemplo do instrumento WHOQOL (World Health Organization
Quality of Life).
Logo, seguindo esses parmetros da OMS, foi necessrio reduzir a quantidade inicial de 191 questionrios aplicados para 116,
pelo fato de terem um nmero maior de questes respondidas e
demonstrarem maior consistncia do ponto de vista estatstico.
74
50
0
ACOLHIMENTO
E APOIO
50
74
ALUGUEL
SOCIAL
ACOLHIMENTO
INTENSIVO
ATITUDE
NAS RUAS
53
Concluses
52
55
As entrevistas em profundidade e os grupos focais com usurios, familiares e profissionais mostram avaliaes positivas em
relao ao Atitude. A equipe de profissionais foi bastante elogiada.
Para os usurios, estes profissionais mostram compromisso com o
trabalho e cuidado genuno com eles. Os usurios foram vistos como pessoas que precisam de ajuda e como vtimas do microtrfico
de drogas. O encarceramento dos usurios no visto como uma
soluo para o problema das drogas; ao contrrio do que se pensa,
pode vir a afetar com maior intensidade a vida desses sujeitos.
Houve um consenso entre os informantes quanto importncia do
acolhimento aos usurios de drogas, da sensibilidade em trat-los
como cidados para, desse modo, recuperarem a autoestima para
que se percebam e ajam como cidados.
Por outro lado, as principais crticas feitas ao programa, por
usurios e profissionais, centraram-se na necessidade de cuidar dos egressos e no desenvolvimento de um acompanhamento
ps-acolhimento. Como desdobramento disso, relevante a preocupao com uma ao para educar e capacitar os acolhidos em
modalidades de trabalho formal. O que pleiteado com mais nfase
o fortalecimento das redes provedoras de empregos formais aos
usurios que completam o ciclo de etapas do programa.
As razes para a busca pelo Atitude foram principalmente duas:
situaes de ameaa de morte relativas, principalmente, ao envolvimento com drogas e a percepo de terem chegado ao pice da
dependncia. O crack foi descrito como a droga de maior poder com
a qual os usurios tiveram contato. Os entrevistados afirmam que
a dependncia no crack os destituiu da condio de cidado, pois
no se sentem assim e no so tratados como tal.
O survey com os usurios foi realizado nos nove centros do
Programa Atitude, distribudos em cinco cidades do Estado de
Pernambuco: Recife, Camaragibe, Jaboato dos Guararapes, Cabo
de Santo Agostinho e Caruaru. A finalidade central foi avaliar duas
modalidades do programa: Apoio e Intensivo.
Em todas essas localidades as avaliaes positivas em relao
ao Atitude prevaleceram. As respostas mostram que os usurios,
aps participarem do programa, melhoraram sua vida social, sa-
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57
ATITUDE
O QUE
AVANOU?
Ter invertido a lgica da prioridade no cuidado com
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O QUE NO
AVANOU?
O QUE
PROMISSOR?
Acompanhamento posterior
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crditos
xo/demarcao de que
polticas de reduo de
danos na Amrica Latina
devem incorporar, tanto
conceitualmente quanto
no plano das prticas
desenvolvidas, um elemento
de proteo da violncia
(ou preveno da violncia).
Reduo de danos no
contexto latino-americano
deve ir alm da definio
convencional de reduo de
danos em contextos norteamericanos ou europeus.Em
tais contextos, o conc
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