Imperialismo Greco Romano
Imperialismo Greco Romano
Imperialismo Greco Romano
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Imperialismo
antigo e moderno
O conceito
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A crtica recente aos ultramodernistas permitiu descartar definitivamente
uma associao imediata entre imperialismo moderno e antigo no tocante s
suas causas e conseqncias econmicas. Os trabalhos mais recentes, ao
contrrio, parecem centrar sua ateno nos fenmenos relativos esfera do
poder, da dominao poltica e da expanso militar, como elementos
essenciais do imperialismo greco-romano.
Essa importncia dos fatores polticos em sua definio ressaltada
mesmo por autores que encontram pouca eficcia no conceito para se
entender fenmenos de expanso e domnio na Antigidade, como Paul Veyiie
no caso de Roma. Permanece, contudo, uma grande indefinio sobre o
sentido exato conferido ao termo, sobre a validade de seu emprego e sobre
suas relaes com o imperialismo no mundo capitalista. O mesmo ocorre
quanto s caractersticas e especificidade dos processos de expanso militar
e poltica no mundo greco-romano e sua relao com a estrutura econmica
das cidades-Estados da Grcia e da Itlia.
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Embora a guerra seja uma atividade fundamental na cidade-Estado
antiga e esteja intimamente relacionada com qualquer fenmeno de expanso
imperialista, no se confunde com esta. Tanto em Atenas como em Roma a
guerra uma atividade da qual participam todos os cidados adultos capazes,
cujas obrigaes militares so distribudas segundo os recursos materiais das
diferentes classes de cidados. Os ricos, que podem adquirir um cavalo,
participam da cavalaria ou so encarregados de tarefas especiais, como a
construo de barcos de guerra; os que podem adquirir uma armadura,
completa ou no, compem a infantaria pesada ou ligeira. Os cidados abaixo
de um determinado mnimo censitrio, como os thetes atenienses, participam
como remadores na marinha ou, como osproletarii romanos, esto isentos do
servio militar (at que este se torne voluntrio, no final do s-
culo II a.C.). Uma tal relao entre guerra e cidadania um dos fatores
determinantes no carter coletivo da expanso imperialista da cidade-Estado
antiga. A distribuio dos encargos relaciona-se, por sua vez, com a repartio
dos benefcios advindos do poder imperial e de seu controle poltico interno.
A guerra, contudo, apenas um dos elementos dessa expanso,
podendo ocorrer fora de qualquer quadro propriamente imperialista. Existiram,
sem dvida, guerras defensivas, quando uma comunidade enfrentava um
ataque externo, como a luta contra os invasores persas na Grcia, em 480
a.C., ou a resistncia romana invaso gaulesa de 386 a.C. Podiam
igualmente ocorrer guerras motivadas por rivalidades regionais, como disputas
fronteirias pelo controle de rotas de gado ou de sal, ou por territrios restritos,
mas que no levavam submisso poltica de um Estado ou comunidade por
outro mais forte. A guerra, alm disso, possua um carter religioso e
ritualstico, particularmente acentuado entre os romanos (ius fetiale) e que teve
seu papel na representao ideolgica da expanso imperialista. Este ltimo
aspecto, todavia, extrapola a anlise dos mecanismos e da dinmica de
expanso que pretendemos desenvolver aqui.
Imperialismo e poder
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formas de expresso desse poder, permanece um fator de importncia
fundamental que diferencia essencialmente o imperialismo antigo do moderno:
enquanto este, como vimos, desenvolve formas econmicas de explorao de
sua periferia, os mecanismos de concentrao no imperialismo antigo so,
antes de tudo, pljticos. A explorao a, quase sempre, espoliao, exao
direta de tributos, no apenas garantida, mas exercida e obtida por meio da
fora bruta ou da ameaa de seu emprego. Tal fato corresponde, em certa
medida, s formas de explorao do trabalho na antigidade clssica,
baseadas no controle poltico de uma massa trabalhadora dependente. Da
resultam, a nvel da representao ideolgica, manifestaes bastante distintas
daquelas geradas pelo imperialismo moderno.
Tais consideraes no negam as motivaes econmicas por detrs da
expanso de uma cidade-Estado, mas ressaltam que as necessidades
econmicas associadas ao imperialismo antigo eram satisfeitas por
instrumentos polticos. Apenas em Roma, a partir do sculo II a.C.
desenvolvem-se mecanismos propriamente econmicos de explorao da
periferia conquistada, mas mesmo assim de forma parcial e subsidiria no
conjunto de bens e vantagens que compunham o fluxo centrpeto.
Esse quadro geral que esboamos permite-nos levantar algumas
questes sobre os processos de expanso imperialista em Atenas e Roma, que
ordenaro nossa investigao nos captulos subseqentes. Em primeiro lugar,
quais so as causas e motivaes iniciais e de que maneira a conquista se
articula com a estrutura de classes em ambas as cidades. Isso implica analisar
as vantagens que o poder conferia, por quem era exercido no centro imperial e
em benefcio ou prejuzo de que grupos. Nas suas relaes com a periferia,
importa determinar os modos de exerccio do poder, as formas de explorao e
sua evoluo no tempo, a reao dos povos submetidos ao domnio do centro.
No tocante a Roma, o desenvolvimento de formas mais diretamente
econmicas de explorao, concomitante com o notvel florescimento
econmico da Itlia nos sculos II e 1 a.C., merecer uma ateno especial,
pelos problemas que coloca definio de imperialismo que propusemos.
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A formao do
imprio ateniense
A Liga de Delos
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infestavam o Egeu, assolando as pequenas ilhas gregas e prejudicando o
comrcio martimo; alm disso, expulsou os persas do mar, combatendo com
sucesso a armada fencia, na qual se baseava o poderio naval persa (batalha
do Eurimendonte, em 468 a.C.). At 462 a.C., portanto, a liga exerceu uma
atividade essencialmente martima, apoiada na poderosa frota ateniense que
Temstocles fizera construir para enfrentar a ameaa de invaso persa aps
Maratona.
Desde o incio, contudo, o peso econmico e militar de Atenas no
conjunto das cidades da liga fez com que se concentrasse em suas mos o
poder executivo da aliana e que tendesse a carrear para si os benefcios que
as aes militares traziam, O que em teoria deveria ser uma aliana igualitria
e com a participao espontnea de seus membros, foi aos poucos
convertendo-se, pela superioridade de Atenas, num sistema de explorao de
seus membros e de concentrao de riquezas em Atenas mantido pela fora
militar e do qual as cidades no podiam se desligar livremente.
Esse fato manifesta-se claramente j em cerca de 470 a.C., quando
Naxos, um dos membros mais poderosos da aliana, tentou desligar-se desta.
A cidade foi assediada pela armada da liga e obrigada a reintegrar-se, devendo
entregar seus navios de guerra e demolir suas muralhas. A importncia do
evento na transformao da aliana militar num imprio controlado pelos
atenienses foi ressaltada por Tucdides (1, 98), segundo o qual Naxos foi a
primeira cidade que Atenas escravizou contra o que fora estabelecido.
Dessa forma, desde seu incio a liga martima comea a configurar-se
como um sistema fechado, do qual Atenas detm o comando militar, o poder
poltico e que, em breve, passar a considerar como fonte de recursos para
resolver seus problemas internos.
Desenvolvimento da liga
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da liga, do qual os atenienses se utilizaram em benefcio prprio, da forma
como veremos no captulo seguinte. Correspondentemente, diminuiu a
autonomia das cidades em relao a Atenas. A esta perda de autonomia
acompanhou-se um incremento no estabelecimento de clerquias de
atenienses no territrio das cidades participantes da liga e submetidas a seu
poder. As clerquias consistiam na ocupao de lotes (kleroi) das melhores
terras agrcolas no territrio dos Estados da liga por cidados atenienses que
no dispunham de propriedades agrrias na tica. Aqueles que eram
agraciados com tais lotes conservavam a cidadania ateniense e no se
integravam ao corpo social das cidades em cujo territrio se estabeleciam.
Constituam, assim, ao mesmo tempo uma excelente vlvula de escape para
as presses sociais em Atenas e um nus ofensivo para os aliados.
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interesse mtuo. Ilustrativo, a esse respeito, o juramento prestado pelos
calcdios, em 446 a.C.:
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estiveram longe de ser unvocas e unidirecionais, mas sofreram de forma
acentuada a influneia da luta de classes no interior das prprias cidades do
imprio, colocando este como um momento fundamental da profunda crise
social que sacudiu os Estados gregos no sculo V a.C.
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O imperialismo ateniense:
natureza, motivaes,
conflitos
A natureza da expanso de Atenas
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exportar esses produtos alhures, ou sero impedidos por ns, ou no iro por
mar. Quanto a mim, que sou ateniense, sem qualquer esforo fao vir do
continente todos esses produtos por via martima.
(A repblica dos atenienses, II, 11-2)
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como verdade a representao ideolgica que os prprios atenienses tinham
de seu poder. Encontramo-la em diversos textos da poca e, de forma mais
elaborada, o debate entre atenienses e melianos que antecedeu a destruio
de Melos, em 415 a.C., tal como reescrito por Tucdides (sobre a concepo de
poder em Tucdides, ver FRENCH, A. Thucydides and the power syndrome.
Greece & Rome, Oxford, 27: 22-30, 1980):
Benefcios do imprio:
controle e distribuio
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processos de luta nos quais, a perodos de equilbrio entre os grupos em
conflito, seguem-
-se constantemente momentos de choque, em que alguns tentam ou
conseguem sobrepor-se aos demais. Como se sabe,
aps a reforma de Efialtes, em 462 a.C., o rebaixamento do censo
mnimo e a introduo da mistoforia, a assemblia de Atenas e o conselho dos
quinhentos tornaram-se os principais rgos decisrios no governo da cidade.
Tal fato assegurava a possibilidade de uma ampla participao das camadas
populares (dos pobres) no processo poltico, sendo irrelevante, no caso, avaliar
o interesse e a efetiva atuao do povo na tomada de decises na assemblia,
que, contudo, deveria ser grande (cf. FINLEY, 1985, p. 92).
Contudo, apesar do poder efetivo detido pela assemblia e pelo demos,
observamos que a conduo executiva e o controle do processo de expanso
permaneceram, por muito tempo, nas mos dos chefes militares (strategoi),
nicos magistrados com direito reeleio. Tais magistrados, alm de
controlarem diretamente as relaes com os aliados, exerceram uma grande
influncia nas decises da assemblia at meados da guerra do Peloponeso.
Isto no significa que a assemblia cedesse por completo seu poder de
deciso, mas que compartilhava esse poder com grupos oriundos da
aristocracia e que ocupavam postos na estratgia.
O que se observa, com a evoluo poltica interna em meados do sculo
V a.C., uma progressiva passagem do controle executivo do imprio da
aristocracia mais conservadora para uma aristocracia moderada, passagem
espelhada no conflito entre figuras como Pricles e Cmon ou Tucdides. Tal
conflito, contudo, como ressalta Finley, no se referia existncia do imprio
como tal (Cmon, lder dos conservadores, comandou o ataque ilha de
Samos, que pretendera uma defeco), mas distribuio dos benefcios
internamente e aos desequilbrios que tais benefcios poderiam acarretar na
repartio do poder. Plutarco nos d uma idia desses conflitos:
Isto, mais do que qualquer outra coisa, atraiu o dio dos adversrios de
Pricles, que o caluiiavam nas reunies pblicas, exclamando que o povo havia
adquirido mau nome e fama, por haver transportado o tesouro federal de Delos
para Atenas (...). Pricles explicava aos atenienses que estes no tinham que
dar conta desse dinheiro aos aliados, porque combatiam em lugar daqueles e
mantinham os brbaros distncia (...). Alm disso, era justo que a cidade,
estando provida das coisas necessrias para a guerra, convertesse o restante
em bens materiais, que lhe trariam glria eterna (...) e que possibilitariam
manter com pagamentos quase toda a cidade, que se embelezaria e nutriria a
si prpria.
(Vida de Pricles, 12)
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(1, 2)
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Isso no significa, contudo, que os cidados pobres fossem os nicos
beneficirios da posio dominante de Atenas, como tampouco dispunham do
poder poltico total, como vimos. A repartio, tanto do poder como dos
benefcios advindos de seu exerccio, dependia dos equilbrios e desequilbrios
sucessivos entre os vrios grupos nas lutas internas em Atenas. Devemos,
portanto, analisar com maior detalhe quais os frutos gerados pelo imprio
ateniense e a que camadas da populao beneficiavam.
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A execuo de tais trabalhos, contudo, no era privilgio dos cidados
atenienses, pois deles podiam participar, como comprovam as inscries do
Erkhteion (cf. Inscriptiones lraecae, 12, 374), tambm metecos (estrangeiros
domicilia- dos em Atenas) e escravos. Neste ltimo caso, o salrio recebido
(por volta de um dracma dirio) deveria permanecer, .m grande parte, nas
mos dos respectivos proprietrios.
Se os trabalhos pblicos efetivamente constituam uma forma de
redistribuio de renda, no necessrio que os objetivos por trs de sua
execuo se restringissem mesma (como poderamos supor pelo texto de
Plutarco). No devemos esquecer a importncia ideolgica de que se revestia
o embelezamento urbano de Atenas, exaltando e magnificando seu poder entre
os povos subjugados e em toda a Grcia, difundindo respeito e admirao e,
assim, de certa forma, contribuindo para a prpria manuteno do diferencial
de poder que o tornara possvel e do qual era um sinal visvel.
As clerquias constituam-se, provavelmente, na maior vantagem
advinda do imprio para os cidados pobres, recebendo entre oito e dez mil
atenienses sem terra. Os lotes distribudos, no valor de duzentos dracmas,
permitiam a elevao de categoria entre as classes censitrias solonianas,
representando uma rpida ascenso econmica e social para os beneficirios.
Essa distribuio das terras dos aliados (Lesbos, por exemplo, recebeu 2 700
colonos) funcionou como uma vlvula de escape no interior do corpo social
ateniense, permitindo aliviar a presso dos cidados sem terra (que, contudo,
em 404 a.C. ainda amontavam a cinco mil) e minimizar os efeitos da
devastao da guerra entre a populao mais pobre.
Aferir as vantagens obtidas diretamente pelos ricos , sem dvida, mais
difcil, o que no significa que a eles estivessem reservados apenas os
encargos do imprio. Algumas dessas vantagens so de ordem ideolgica,
derivadas do prestgio advindo do comando militar, em geral reservado aos
aristocratas. Tucdides enumera, em vrias passagens, como o exerccio do
imprio conferia aos aristocratas glria, honra, esplendor, renome ou a
recordao de seu feitos. A atribuio de tais qualificativos de grande
importncia numa sociedade em que o prestgio individual tem um papel
fundamental na organizao das relaes sociais e polticas. Isso se observa,
igualmente, no exerccio das liturgias, ou seja, no pagamento de atividades
pblicas como a coregia (no teatro) ou a equipagem de uma trirreme, que
conferiam prestgio e influncia aos cidados mais ricos que delas se
encarregavam.
Os benefcios materiais so menos claros, mas de forma alguma
ausentes. H uma passagem em Tucdides, de difcil interpretao, na qual
Frnico, um aristocrata moderado, ope-se, em 412 a.C., volta de Alcibades
e ao estabelecimento de uma oligarquia nos seguintes termos:
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411 a. C.? Pesquisas recentes (cf. GAUTHIER, 1973) permitem entrever ao
menos uma das possveis vantagens que os aristocratas retiravam do poder
imperial de Atenas: a posse de terras nos territrios aliados fora das clerquias.
Em O banquete, de Xenofonte, cujo dilogo se passa em 422 a.C., h uma
meno a tais propriedades, quando Crmides, um rico ateniense que
participaria do golpe de 404 a.C., afirma: Agora que fui privado das
propriedades que possua fora das fronteiras (da tica) (..) (IV, 31).
Um outro documento significativo a esse respeito so as estelas de
confiscao dos bens dos hermocpidas, que datam de 415/13 a.C. Em 416
a.C, s vsperas da grande expedio Siclia, que marcaria uma reviravolta
no poderio ateniense, apareceram mutiladas as esttuas de Hermes que
ornavam as ruas da cidade. O sacrilgio gerou uma grande comoo na cidade
e o feito foi atribudo aos grupos aristocrticos como parte de um plano para
subverter o regime democrtico. Iniciou-se uma grande perseguio aos
suspeitos, que em sua maior parte situavam-se entre os cidados mais ricos,
como o famoso Alcibades, que comandava a expedio Siclia e que, ao
saber das suspeitas que pesavam sobre si, refugiou-se no Peloponeso. Os
condenados tiveram seus bens confiscados, e a relao desses bens foi
inscrita em pedra e exposta. Nessa relao podemos identificar grandes
proprietrios de terras em Atenas, mas que possuam, igualmente,
propriedades no territrio de regies submetidas, como Thasos, Eubia, e
Abidos. Essa posse de terras em territrios estrangeiros s pode ser explicada
pelo exerccio do poder discricionrio conferido pelo imprio, que permitia
romper as fortes barreiras existentes na poca para a aquisio de
propriedades por no-cidados. Trata-se, portanto, de um benefcio material
direto, e provavelmente no oficial, usufrudo pelos aristocratas atravs do
imprio ateniense.
Das consideraes expostas acima podemos concluir que o
imperialismo ateniense, em termos de distribuio interna do poder e de seus
benefcios, constitua-se num fenmeno complexo e dinmico. A paz social de
que gozou Atenas durante a existncia do imprio, apenas abalada pelo golpe
de 411 a.C. que no entanto foi incruento e esgotou-se sozinho , no deve,
portanto, ser considerada como um dos objetivos conscientes da expanso,
mas como um de seus resultados. O poder e as vantagens advindas do imprio
no foram objeto de concrdia entre as classes e, sim, de um acirrado conflito
por seu controle e distribuio. O que se pode considerar que a grande
quantidade de tributos arrecadados e um relativo equilbrio do poder na
metrpole permitiram o usufruto geral do imprio, de forma a minimizar a
intensidade dos conflitos, na medida em que se lutava para administrar no a
escassez, mas a abundncia.
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democratas. Tucdides, comentando os distrbios em Crcira, em 428 a.C.,
trata longamente das lutas sociais do perodo:
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submetidas, jamais interviu ao nvel de suas estruturas produtivas, que
permaneceram inalteradas em relao poca anterior. Sobrepondo-se s
estruturas locais sem modific-las, o imperialismo ateniense projetava-se como
uma superestrutura de poder que arrecadava tributos, concentrando-os no
centro imperial, sem proceder a uma explorao econmica que integrasse
essas regies ao seu prprio sistema produtivo. Portanto, do ponto de vista dos
povos subjugados, e com exceo das clerquias (que na verdade constituam
enclaves), a dominao ateniense sempre foi um fator externo cuja
concretizao, em termos econmicos, dava-se apenas por ocasio do
pagamento do tributo anual.
Como veremos nos captulos seguintes, o imperialismo romano, mesmo
possuindo muitos pontos de contato com o modelo ateniense, apresenta
caractersticas especficas que o destacam do conjunto dos processos de
dominao entre sistemas polticos na Antigidade.
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O imperialismo romano:
natureza, fases
Importncia e significado
Imperialismo defensivo?
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Alguns autores, como P. Veyne, descartam o uso do conceito de
imperialismo no caso romano, afirmando que a expanso foi imotivada e quase
involuntria, na medida em que o senado romano nunca buscou
conscientemente a hegemonia (com exceo da segunda guerra macednica,
em 200 a.C). A prova estaria na recusa romana em anexar os territrios
conquistados, contentando-se em estabelecer protetorados ou em finlandizar
os povos submetidos J no sculo passado, T. Mommsen defendia a idia de
uma expanso involuntria e defensiva de Roma, que se teria limitado a
responder s agresses externas e a preveni-las.
E na conquista da Grcia helenstica, em particular, que os defensores
da tese do imperialismo preventivo ou defensivo concentram sua ateno.
Segundo M. Holleaux, a interveno romana na Grcia derivaria da ingenujda
do senado romano, manipulado pelos embaixadores gregos, de seu medo de
Antioco e de Felipe e de um sincero filo-helenismo, manifesto na sua
determinao em libertar a Grcia do jugo macednico. Tal tese seguida por
H. Scullard, que identifica em Roma um genuno interesse pelo bem-estar da
Grcia. T. Frank, que aceita o motivo de ajuda desinteressada aos gregos no
surgimento desse conflito, ressalta tambm elementos Poltico-ideolgicos
como a nsia de glria, fama e dignidade por parte da aristocracia romana.
freqente, igualmente, encontrarmos uma distino entre um primeiro
momento, defensivo, do imperialismo romano e uma etapa expansionista e
agressiva, cujo incio se coloca, segundo a periodizao adotada e o ponto de
vista de cada autor, na primeira guerra pnica, quando Roma se aventura pela
primeira vez fora da Itlia, na segunda guerra com Cartago ( a tese de J.
Carcopino) ou no curso do sculo II a.C., seja nas campanhas orientais
(segundo De Sanctis), seja no episdio da destruio de Cartago e Corinto, em
146 a.C.
Apesar das diferenas que observamos entre os defensores do
imperialismo involuntrio e defensivo, baseiam-se todos em alguns
pressupostos comuns sobre a natureza da expanso romana e suas causas.
Em primeiro lugar h uma nfase quase absoluta em fatores polfticos (ou
mesmo psicolgicos) e a tendncia a negar qualquer fator econmico
subjacente expanso (segundo T. Frank, Scullard, M. Holleaux etc.) ou a
localizar uma influncia de tais fatores apenas a partir de certo momento (de
acordo com De Sanctis e G. Colin). Outro elemento comum uma maior
ateno s determinaes externas da expanso presso de outros povos,
alianas, necessidades defensivas em contraposio s circunstncias
internas desse processo, em termos de luta de classes, presso demogrfica,
divergncias entre faces etc.
A noo de guerra defensiva, por outro lado, deriva em parte de uma
leitura acrtica de determinadas fontes (em especial Tito Lvio) e da aceitao,
como realidade de fato, da auto-representao ideolgica, de cunho religioso,
que os romanos elaboraram nas etapas iniciais da expanso. Na Roma
primitiva, com efeito, e ao menos at meados do sculo 111 a.C., a guerra em
Roma revestia-se de um profundo carter religioso. A declarao de guerra
envolvia um complexo ritual, executado por um colgio de sacerdotes,
denominados feciais, e implicava sempre a noo de guerra justa, ou seja, a
guerra como reparao de uma injustia ou dano cometido contra o povo
romano. Antes de qualquer ato de guerra, os feciais deviam, segundo o ritual,
pedir satisfaes (res repetere), reclamar as injrias sofridas (clarigatio) e, em
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caso de no atendimento, declarar a guerra, atirando uma lana
ensangentada em territrio inimigo. Vencida a guerra, os adversrios batidos
deviam entregar-se discrio, tanto pessoas como bens (deditio), e
estabelecer um tratado (foedus), pelo qual se colocavam sob a proteo de
Roma (uenire in fidem). Essa aliana, efetuada por meio dos feciais, era
consagrada com o sacrifcio de um porco, invocando-se a vigilncia de Jpiter
para seu cumprimento (para o ritual dos feciais veja-se TIT0 Livio, Histria de
Roma desde afundao da cidade, 1, 24).
Podemos, portanto, afirmar que a guerra na Roma primitiva envolvia
aspectos religiosos importantes, na forma de tratar o estrangeiro ou inimigo e,
ao menos no que diz respeito s relaes entre os homens e o mundo divino,
devia ser apresentada como uma reparao, como a recuperao de algo
perdido e, no, como uma conquista ou saque objetivando um ganho
consciente e imotivado. Contudo, embora tal formulao religiosa deva ter
influenciado o processo de expanso romana, devemos considerar que
representa to somente uma das elaboraes ideolgicas envolvendo tal
processo, que preserva traos bastante arcaicos, devidos sua insero na
esfera do sagrado. No podemos descartar, dessa forma, a elaborao
paralela de explicaes leigas ou polticas para a atividade expansionista, que
surgiam e eram utilizadas nos debates e choques internos que precediam a
declarao de uma guerra. Quando dispomos de fontes romanas
contemporneas, a partir do sculo 11 a.C., observamos uma elaborao leiga
que, sem dispensar a noo de guerra justa, no centra nela sua ateno: para
os autores do final da repblica, a expanso se explicava, entre outros fators,
por uma vocao divina de Roma (cf. VJR;ILIO, Eneida, 1, 279), pela paz e
segurana trazidas pelo imprio (cf. CiCERO, Repblica, 1, 63) ou, mais
simplesmente, pela possibilidade de se obterem poder e ganhos materiais
elevados (cf. SALSTIO, Histrias, IV, 69; CCERO, Cartas a ticv, IV, 16).
Alm do fato de a representao religiosa, mesmo que eventualmente
predominante, no ser a nica possvel num mesmo momento, parece-nos que
o problema principal envolvido na noo de guerra defensiva reside na
adoo imediata, pelos autores modernos, de uma forma de representao
que, na sociedade romana, era mediada pelas relaes sociais e polticas. Os
procedimentos envolvidos no direito fecial implicavam o estabelecimento de
relaes desiguais entre vencidos e vencedores, vantajosas para estes ltimos.
Qualquer que fosse a motivao consciente da guerra, portanto, ou a forma de
representar/justificar seu incio, a vitria acarretava a obteno de bens
materiais (presas de guerra, territrios, escravos e soldados), alm de poderio
poltico (glria para os chefes, alianas com aristocracias locais). Estes
deveriam ser administrados e distribudos entre os vencedores, seguindo os
percursos de sua prpria estrutura poltica e econmica. , assim, absurdo
supor que conseqncias de tal entidade, advindas de uma vitria, no
entrassem nas consideraes sobre o incio de uma determinada campanha.
Imperialismo e economia
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influenciaram, sem dvida, o processo de expanso romana, sobretudo a partir
do sculo II, mas no nos termos em que aparecem atualmente, nem
tampouco, com a possvel exceo de algumas guerras localizadas,
constituindo-se no nico elemento em jogo no desenvolvimento do
imperialismo romano. Como afirmamos no primeiro captulo, os fatores polticos
e econmicos so inextrincveis no estudo do imperialismo antigo. Se a
expanso militar ocasiona um diferencial de poder entre Estados ou povos,
esse poder no uma categoria abstrata (como uma vontade de poder, visto
como poder em si), mas se define sempre para alguma coisa, ou seja, tendo
em vista objetivos delimitados. Alm disso, implica uma dupla relao de poder.
Uma primeira, que define um centro (expansionista) e uma periferia
(submetida) e que permite um fluxo centrpeto de bens, materiais ou no,
necessrios metrpole. E uma segunda, igualmente fundamental, que se
estabelece internamente, a partir da prpria estrutura de poder da cidade
imperialista, tendo em vista a delimitao dos objetivos da expanso (o que se
visa obter) e de sua distribuio (como distribuir seus frutos). Essa estrutura de
poder, por sua parte, remete estrutura econmica da cidade-Estado, s
diferenas de acesso terra entre ricos e pobres e, portanto, est ligada ao
equilbrio poltico resultante da luta de classes em seu interior.
As fases da expanso
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particular aps a destruio de Cartago, como uma nova fase do poder imperial
de Roma, mas por motivos diferentes:
Alm disso, as lutas entre o partido popular e as classes dirigentes,
causa de todos os males que se seguiram, haviam surgido poucos anos antes
em Roma, resultantes do cio e da fartura, os bens mais estimados pelos
homens. Pois antes da destruio de Cartago, o povo e o senado romano
administravam conjuntamente a repblica com placidez e moderao. Nem a
glria, nem o poder geravam disputas entre os cidados, pois o medo do
inimigo mantinha a cidade no bom caminho.
(Guerra de Jugurta, XLI, 1-2)
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conseqncias. Tal distino, a nosso ver, origina-se da especificidade das
relaes econmicas e polticas em Roma nos dois momentos. A expanso da
Roma monrquica e republicana, at o sculo III a.C., foi realizada por uma
sociedade essencialmente camponesa, na qual os cidados se definiam pela
propriedade de lotes de terra, em geral de pequena extenso, que eram
cultivados pelo proprietrio e sua famlia ou, no caso das famlias aristocrticas,
por trabalhadores dependentes, ligados classe dominante por laos de
clientela. As unidades produtivas tendiam, assim, a ser autrquicas, e a
produo destinava-se, fundamentalmente, ao consumo direto do prprio
produtor e de seus dependentes. Tratava-se, portanto, de uma economia
voltada para a produo de valores de uso, na qual o mercado e as trocas
eram subsidirios no conjunto das atividades produtivas. Os conflitos sociais
envolviam a luta pela terra e pela abolio das dvidas (que submetiam os
pequenos camponeses aristocracia) e, em termos polticos, pela igualdade
civil e jurdica e pelo acesso s magistraturas.
No curso do sculo III a.C. e, com maior intensidade, a partir da segunda
guerra pnica, desenvolve-se em Roma a produo mercantil, baseada na
utilizao de mo-de-obra escrava em larga escala. O desenvolvimento, pela
primeira vez no Mundo Antigo, do modo de produo escravista como sistema
produtivo dominante foi possibilitado e favorecido pela expanso imperialista
anterior, que propiciara a acumulao de recursos em bens materiais, terras
e escravos em grande quantidade e sua inverso numa forma de produo
(a fazenda ou vilia escravista) voltada produo de bens agrcolas para
venda num mercado em expanso. Por outro lado, essa vasta transformao
econmica alterou profundamente a dinmica e a prpria natureza do
imperialismo romano, na utilizao e distribuio dos recursos e na forma de
organizar e administrar as conquistas.
Esse fato observvel no apenas no tratamento dado aos vencidos e
na forma como o poder exercido sobre os mesmos, mas igualmente nas
disputas polticas em Roma, onde alteraes na estrutura social levariam a
uma agudizao dos conflitos, no final da repblica, pela distribuio dos
benefcios do poder imperial. Contudo, a caracterstica mais original desse
perodo, se tomar-mos o conjunto dos imperialismos antigos, a capacidade
de o imperialismo romano alterar a estrutura econmica das regies
subjugadas e, em grande medida, integr-las sua prpria economia, mercantil
e escravista. Nesse sentido, o estabelecimento do principado agir sobretudo
na esfera da superestrutura poltica, mediando e regulando as relaes entre
as classes no interior da metrpole e organizando um sistema de explorao
das provncias, sob o signo da paz romana, condizente com as dimenses
territoriais do imprio romano.
26
5
Os incios do
imperialismo romano
As fases iniciais da expanso romana, aps o estabelecimento da
repblica, so conhecidas apenas atravs da tradio posterior, em particular
por meio de autores como Tito Lvio e Diodoro da Siclia, que escreveram no
sculo 1 a. C. A reconstruo dos eventos e, para alm deles, da dinmica do
imperialismo nessas etapas recuadas s pode ser tentada atravs de uma
avaliao crftica das informaes contidas nessas fontes, com base nos
modelos desenvolvidos sobre a estruturao social e o funcionamento da
economia romana nessa poca. Alm dos relatos legendrios, dos recursos
estilsticos (como os discursos) e das limitaes impostas pela viso prpria
que nossas fontes tinham dos perodos iniciais da expanso romana, vemo-nos
freqentemente diante de reconstrues anacrnicas, que projetam no
passado de Roma episdios da histria posterior, dos eventos e conflitos que
marcaram o fim da repblica. Tais elementos impregnam as evidncias
disponveis, dificultando a anlise das causas e objetivos da expanso romana
em seus incios.
Terra e expanso
27
romano como ager publicus (terras pblicas). A ampliao do ager publicus
tornou-se, assim, um dos principais resultados da expanso romana e o foco
das lutas polticas travadas em torno da distribuio de seus benefcios em
Roma.
28
norte da Itlia (ager gaiicus) pelo tribuno Caio Famnio, no final do perodo que
estamos considerando, foi violentamente combatida pelo senado, que, pela
primeira vez, perdia o controle sobre a distribuio dos benefcios da expanso.
Polbio, historiador grego do sculo II a.C., viu nessa derrota o incio de uma
longa crise poltica em Roma: foi para os romanos a origem do pervertimento
do povo.
A maior parte do ager publicus, contudo, permanecia indivisa e era
ocupada por aqueles que possuam os meios para cultiv-lo, mediante o
pagamento de uma taxa para o Estado. Tais terras eram, por vezes, deixadas
aos habitantes originais, dos quais se obtinha assim uma renda, mas, em geral,
acabavam nas mos da aristocracia fundiria romana (at o sculo IV a.C., o
patriciado), que a encontrava uma forma de estender suas propriedades e de
aumentar sua riqueza.
Ao contrrio das assignaes a camponeses, a ocupao do ager
publicus pela aristocracia no levava, necessariamente, a um grande
deslocamento populacional, pois ela cultivava os lotes ocupados por meio de
seus dependentes ou utilizando-se da mo-de-obra local. Tais lotes, alm de
mais extensos que os pequenos terrenos distribudos populao pobre,
localizavam-se longe de Roma e se repartiam por vrios territrios. Assim, sua
ocupao por uma aristocracia cada vez mais urbana, que no os geria
diretamente, visando to-somente a obteno de uma renda agrcola,
representaria um passo importante na transformao da economia camponesa,
essencialmente familiar e autrquica, em direo ao modo de produo
escravista e economia mercantil.
As leis agrrias
29
das terras arveis (como faz T. Frank). Fatores mais importantes foram, sem
dvida, uma forte presso demogrfica e uma estrutura agrria que distribua
desigualmente o acesso terra. Enquanto a aristocracia dispunha de vrios
lotes de terra, relativamente grandes e espalhados por um amplo territrio
(graas ocupao do agerpublicus), a famlia camponesa depositava todas as
suas esperanas em uma nica unidade produtiva, em geral de reduzida
dimenso. Deve-se ressaltar, ainda, o baixo nvel tecnolgico da agricultura,
que expunha os camponeses a graves crises sazonais, quando a produo no
atingia o montante necessrio reproduo do prprio ncleo familiar. Da
advinham a fome, o endividamento e a conseqente perda da propriedade e
sujeio s famiias ricas, cujas propriedades eram menos susceptveis aos
efeitos de uma crise.
30
lugar, enquanto os cidados mais pobres (os proletaril), que no atingiam um
censo pecunirio mnimo e no participavam do exrcito, votavam em uma
nica centria. Era a assemblia centunada que elegia os magistrados e
aprovava declaraes de guerra, deixando uma grande margem de controle
nas mos dos ricos.
Tendo em vista o domnio exercido pela aristocracia fundiria no
comando da expanso, como entender que a busca de terras constitusse um
dos fatores por trs do imperialismo romano e uma vlvula de escape das
tenses sociais? De que maneira os romanos sem terra, cuja participao no
sistema poltico era insignificante, poderiam influenciar na conduo e
delimitao dos objetivos da guerra? Por outro lado, possvel supor que o
exrcito romano, formado por camponeses que j possuam um lote de terra,
fizesse guerra tendo em vista os interesses daqueles que nem mesmo eram
recrutados?
Para responder a tais questes necessrio admitir que a resoluo das
tenses sociais no era um dos objetivos explcitos da expanso, mas o
resultado, seja da maior disponibilidade de terras, seja das lutas internas na
prpria Roma. Os benefcios da conquista, portanto, podiam levar, num
primeiro momento, agudizao dos conflitos e, no, sua soluo. A
aristocracia fundiria tinha na expanso uma forma de ampliar seu prprio
poder, adquirindo glria e prestgio militar, estabelecendo alianas com as
aristocracias dos Estados aliados, fortalecendo o exrcito com os contingentes
provindos destes ltimos. No tocante s terras confiscadas, sua principal
preocupao residia no aumento de suas propriedades atravs da ocupao do
ager publicus. J para a massa camponesa plebia, que possua pequenos
lotes de terra cultivados pela prpria famlia, tais terras representavam a
possibilidade de aliviar os efeitos da presso demogrfica, evitando a
excessiva fragmentao de suas propriedades por herana ou dote. No se
tratava, portanto, da multiplicao dos lotes de uma mesma famlia, como no
caso da aristocracia, mas da multiplicao das unidades familiares. Por outro
lado, a participao no exrcito oferecia a oportunidade de adquirir presas de
guerra, em especial gado e outros bens mveis. Para os proletarii, que nessa
poca constituam, provavelmente, um contingente minoritrio da populao
mas que se ampliar constantemente at o sculo 1 a.C. , essas terras
representavam a possibilidade de acesso ao meio bsico de produo, com
conseqente elevao de seu status social e de sua participao poltica.
Tambm os interesses dos aliados, que participavam no esforo militar
romano, deviam ser levados em considerao. Em primeiro lugar, porque a
expanso romana at o sculo IV a.C. foi, como dissemos, em grande parte
uma ao conjunta da Liga Latina. Alm deste fator, entretanto, o imperialismo
romano implicava uma integrao progressiva das reas conquistadas sua
estrutura poltica, baseando-se numa aliana entre grupos aristocrticos com
objetivos comuns. Se a conquista romana representava a perda de bens
materiais e da autonomia poltica dos vencidos, possibilitava que as camadas
dominantes destes ltimos preservassem sua autonomia frente plebe,
baseando-se no imenso poderio militar de Roma. Esta, por sua vez, integrava a
seus interesses expansionistas aqueles dos aliados, fossem comerciais
como na defes dos comerciantes itlicos, em particular aps a conquista da
Magna Grcia , polticos ou sociais (na distribuio de terras).
31
Os interesses de todos esses grupos achavam-se, de certa forma,
conjugados na fundao de colnias, em especial aquelas de direito latino.
Como vimos, contudo, os lotes repartidos eram de extenso muito reduzida,
localizados em regio hostil e distante de Roma, fazendo com que seus
colonos perdessem seus direitos polfticos de cidado romano. Alm disso,
devemos admitir que a oligarquia reservava para si as melhores terras (em
fertilidade e proximidade de Roma). Esses fatores explicam uma certa
resistncia, por parte dos plebeus pobres, em aceitar a emigrao para essas
colnias, fossem romanas ou latinas, ou seu abandono logo aps a fundao
(cf. TIT0 Lvio, X, 21).
A presso popular se exercia, portanto, no sentido de se distriburem,
individualmente, as terras mais frteis e prximas a Roma, sem a criao de
colnias. Essa forma de repartio chocou-se com uma forte oposio
senatorial todas as vezes em que foi proposta, como na j citada distribuio
das terras de Veios ou naquela que foi a primeira tentativa de assignao
individual, a lei agrria de Esprio Cssio (data tradicional, 486 a.C.), cujas
vicissitudes nos so descritas por vrias fontes posteriores. O relato de Tito
Lvio, apesar de certos anacronismos, permite-nos ter uma idia das
aspiraes e conflitos envolvidos:
32
gozassem de uma vida pacfica em casa, comeassem a pensar em coisas
proibidas liberdade, terras prprias para cultivar, a diviso das terras
pblicas, o direito de votar segundo sua vontade.
(TIT0 Livio, IV, 58)
33
vencidos, sobre a qual recaam ao contrrio do que ocorria no imprio
ateniense os encargos mais pesados da dominao. Alm disso, essas
aristocracias participavam na distribuio das presas de guerra e na fundao
de colnias. A concesso da cidadania romana, que se ampliou no decorrer
desse perodo, permitia tambm uma maior integrao de interesses, em
especial entre as camadas dominantes, amenizando a distino entre centro e
periferia. Por fim, e em termos mais gerais, a dominao romana representava
a paz interna e o fim dos conflitos entre cidades, na medida em que todo o
esforo militar era concentrado para fora da rea de dominao romana.
A expanso romana dos primeiros sculos da repblica assentou as
bases para as grandes transformaes sociais econmicas que observamos a
partir de fins do sculo III a.C. A conquista da Itlia propiciou a Roma
abundantes recursos materiais e humanos, colocando-a em contato com os
grandes remos helensticos do Oriente e com as rotas comerciais que
cruzavam o Mediterrneo. A unidade poltica italiana representou um incentivo
integrao econmica da pennsula. Por outro lado, o afluxo de riquezas e
sua concentrao nas mos da aristocracia romana foi um fator fundamental
para a superao da antiga economia camponesa de auto-subsistncia e sua
substituio pelo modo de produo escravista, com suas unidades produtivas
voltadas para a venda ao mercado, e que se instaurou nas propriedades da
oligarquia romana espalhadas pelo territrio italiano. No possvel
estabelecer uma data fixa para essa transio, mas podemos observar seus
efeitos internos e externos j durante o sculo III a.C. e, com muito maior
intensidade, no sculo seguinte. Essa transformao, por sua vez, afetou
profundamente a dinmica do prprio imperialismo romano, modificando a
organizao das conquistas, os objetivos e resultados da expanso e as
formas de distribuio de seus benefcios em Roma.
34
6
Os ltimos sculos da repblica
A organizao das conquistas
35
Outras fontes de arrecadao eram o imposto alfandegrio, cobrado nos
portos, e os rendimentos provenientes das minas, confiscadas e tornadas
propriedade estatal. Tais minas eram particularmente importantes na Espanha,
onde os romanos retomaram e ampliaram a explorao iniciada por Cartago. O
sistema empregado era semelhante quele de arrecadao de tributos, isto ,
os direitos de explorao eram cedidos a particulares, que procediam
extrao do minrio. Segundo Estrabo (Geographia, III, 2, 10), citando Polbio,
apenas nas minas de Nova Cartago trabalhavam quarenta mil pessoas,
representando um ingresso de 25 mil dracmas dirias para o Estado romano.
Tambm na Macednia havia minas importantes, j exploradas antes da
conquista romana. Contudo, quando Roma se assenhorou definitivamente da
regio, em meados do sculo II a.C., ordenou o fechamento dessas minas,
proibindo sua explorao por alguns anos. Mencionamos tal fato, pois ele
freqentemente apontado como prova da ausncia de objetivos econmicos na
expanso (segundo T. Frank). Como o prprio Tito Lvio assevera (XLV, 18), no
entanto, essa deciso parece inserir-se no contexto dos choques internos entre
parte da aristocracia senatorial e os publicanos (que, como vimos, deveriam
arrendar os direitos de extrao), conflito esse manifesto desde a censura de
Cato, em 184 a.C. (cf. TIT0 Livio, XXXIX, 44).
No ltimo sculo da repblica, segundo Plutarco (Vida de Pompeu, 45),
a entrada total de recursos das provncias amontava a cerca de duzentos
milhes de sestrcios, soma que teria se elevado, com a sistematizao
promovida por Pompeu, a 340 milhes, o suficiente para garantir a subsistncia
de dezenas de milhares de pessoas durante um ano. E isso antes da conquista
da Glia e do Egito, que representaram um notvel aumento dos ingressos.
Alm dos rendimertos regulares, o sistema de tributao punha em
funcionamento uma srie de mecanismos de acumulao privada, que onerava
a carga das provncias. O arrendamento dos tributos e taxas aos publicanos,
aliado ao desinteresse do Estado pela exao direta, incentivavam uma
cobrana excessiva das populaes submetidas. Onde se encontravam os
publicanos, nos diz Tito Lvio (XLV, 18), no havia direito pblico ou liberdade.
Essa atividade predatria era tolerada pelos prprios governadores romanos,
de extrao senatorial: Parece-me que queres saber como lido com os
publicanos. Tenho por eles um respeito sagrado, peo seu conselho, encho-os
de cumprimentos (CCERO, Cartas a tico, VI, 1, 6).
Os governadores, por sua vez, participavam do processo espoliatrio
atravs do controle que exerciam da justia e do poder militar. O cargo de
governador representava assim, para a aristocracia senatorial, a possibilidade
de aumentar extraordinariamente suas riquezas. Atravs dos discursos de
Ccero contra Verres, j mencionados, podemos ter uma idia da extenso e
magnitude desse fenmeno.
Para fazer frente a essas exigncias, as cidades submetidas eram
obrigadas a tomar dinheiro emprestado da prpria aristocracia romana, o que
aumentava o fluxo de riquezas para esta, graas aos juros exorbitantes que
cobrava. Sua, por exemplo, durante suas campanhas orientais, imps uma
contribuio de vinte mil talentos s cidades da sia. Com os juros sobre os
emprstimos que estas fizeram para pag-la, a quantia devida sextuplicou,
atingindo 120 mil talentos (cf. PLUTARCO, Vida de Si/a, 25).
Em um artigo publicado em 1977 (Rome and the Greek world: economic
relationships. Economic History Review, Cumbria, Economic History Society,
36
30(1): 43-52, 1977), M. Crawford procurou demonstrar que grande parte do
tributo arrecadado por Roma no mundo grego permanecia no prprio local,
graas aquisio de terras e de produtos gregos por parte dos comerciantes,
soldados e da aristocracia romana. Essa tese, se vlida, aplica-se apenas
massa monetria tributada, mas no nega o fluxo de bens materiais para a
metrpole, nem o carter espoliatrio da dominao romana. Alm disso, as
camadas responsveis pelo pagamento do tributo no eram as mesmas que se
beneficiavam com o comrcio promovido pelos soldados e mercadores
romanos.
Outra fonte de recursos, derivada da expanso, eram as presas de
guerra, obtidas durante as campanhas militares, com o saque das cidades
conquistadas e a escravizao de sua populao. A partir do sculo III a.C.,
quando Roma entrou em confronto com os grandes Estados do Mediterrneo,
o volume e a importncia dos bens extrados como presas de guerra
aumentaram extraordinariamente. As guerras na Espanha renderam grande
quantidade de ouro e prata, alm daquela extrada das minas, enquanto os
imensos tesouros acumulados pelos reis helensticos, no Oriente, foram
expropriados pelos romanos e colocados em circulao, alimentando sua
economia florescente.
O trao, contudo, mais marcante nessa fase do expansionismo romano
foi a escravizao em massa das populaes vencidas. O montante de
escravos obtidos pelas conquistas cresceu sem cessar a partir do sculo III
a.C.: treze mil em Palermo, 25 mil em Agrigento, na primeira guerra pnica;
trinta mil em Tarento, cinqenta anos aps; 150 mil epirotas, durante a terceira
guerra macednica (cf. TITO LIvio, XLV, 34), e, a crermos em Plutarco (Vida de
Csar, 15), um milho de gauleses durante as campanhas de Csar. Estima-se
(de acordo com P. A. Brunt) que mais de dois milhes de escravos chegaram
Itlia, nos dois ltimos sculos da repblica, para trabalharem nas propriedades
rurais da aristocracia romana ou servirem-na, como domsticos, em suas
residncias urbanas.
Com a reordenao das provncias empreendida por Augusto, aps o
fim das guerras civis em Roma, o domnio romano perdeu suas caractersticas
espoliatrias, assumindo a forma de um sistema de explorao regular e
estvel, cujo corolrio poltico e ideolgico foi a paz romana. A importncia
das presas de guerra caiu enormemente e, embora o tributo anual se elevasse,
os abusos de publicanos e governadores foram coibidos, com o surgimento de
uma administrao mais eficaz e burocrtica. Aos poucos, no curso dos trs
sculos do principado, a distino entre centro e periferia se atenuou,
sobretudo em termos polticos, com a absoro das aristocracias provinciais na
estrutura de poder em Roma. Ao menos at meados do sculo III a.C.,
contudo, a Itlia permaneceria como centro poltico do imprio e foco de
concentrao de seus excedentes produtivos.
Os mecanismos de explorao cuja configurao esboamos acima so
essencialmente polticos, ou seja, dependem de um diferencial de poder que
propicie um fluxo centrpeto de bens. Como veremos, ao lado dessa explorao
poltica de seu imprio, surgem, a partir do sculo II a.C., formas de
explorao mais diretamente econmicas. Se sua instaurao dependeu
tambm do controle poltico das regies conquistadas, seu funcionamento
dava-se numa esfera mais propriamente econmica, como parte do sistema
imperial-escravista romano (cf. CLAVEL-LvQUE, 1977, p. 10-27). Sua
37
existncia e desenvolvimento, por outro lado, ligam-se estreitamente
expanso do escravismo na Itlia e s transformaes de sua economia no
final da repblica.
38
vendedor, nunca um comprador. Alm disso, as pequenas propriedades
camponesas nunca desapareceram de todo. Deve-se admitir, pelo contrrio,
que o sistema produtivo campons, produtor de valores de uso, permaneceu
majoritrio na Itlia, mas subordinado e integrado ao modo de produo
escravista, fornecendo mo-de-obra sazonal s fazendas da aristocracia.
O sistema de villae rusticae expandiu-se, fundamentalmente, pela Itlia
central, onde a disponibilidade de frteis terras pblicas e a proximidade dos
grandes centros urbanos incentivai am o investimento dos frutos da conquista
por parte da aristocracia. De Cato (meados do sculo II a.C.) a Varro
(meados do sculo 1 a.C.), esse sistema floresceu notavelmente, aumentando
o ndice de mercantilizao e a extenso das propriedades, que eram
exploradas intensiva- mente. Na primeira metade do sculo 1 a.C., Varro
podia referir-se agricultura italiana nos seguintes termos: Como
sentssemos, Agrsio nos perguntou: Vs, que percorrestes tantas regies,
por acaso vistes alguma melhor cultivada do que a Itlia?. Eu, na verdade,
respondeu grio, acredito que no existe nenhuma to intensamente
cultivada(Sobre a agricultura, 1, 2, 2-3).
O sistema produtivo escravista entra em crise no curso do sculo 1 d.C.
Num lento processo de transio, as mdias propriedades escravistas so
substitudas por grandes latifndios, que se fecham progressivamente para a
produo mercantil e que so trabalhados por uma massa camponesa em
regime de parceria (colonato). Os sinais da crise so evidentes nas fontes
arqueolgicas, como mostraram as recentes escavaes em sta, apontando
para um decrscimo na produo mercantil de azeite e vinho, bem como na
tradio textual. Columela, escritor agrrio do sculo 1 d.C., via assim a
situao da agricultura italiana em sua poca:
E assim, neste Lcio, terra de Saturno, onde os deuses ensinaram a
seus filhos os frutos da terra, ns adjudicamos em hasta pblica a importao
de trigo das provncias ultramarinas, para no passarmos fome, e
armazenamos os vinhos dos Cicladas, da Btica e da Glia. Nem de se
admirar, j que hoje em dia a agricultura geralmente tida, e publicamente
considerada, como um trabalho srdido, como um negcio que no necessita
de ensino ou de direo.
(Sobre a agricultura, 1, 20)
39
Um outro elemento dessa crise, ligado falta de mo-de-obra to
constantemente denunciada por nossas fontes, tem recebido menor ateno.
Como afirmamos acima, as fazendas escravistas funcionavam com um
contingente relativamente reduzido de escravos, responsvel pela conduo
das tarefas ordinrias e quotidianas. Nos perodos em que se fazia necessria
uma grande quantidade de trabalho (implantao de vinhedos, colheita,
aragem), era essencial, para a sobrevivncia do sistema, que existisse mo-de-
obra livre disponvel na regio. Contudo, a expanso das vil!ae rusticae na
Itlia central expulsou as famlias camponesas dos territrios mais frteis e
vizinhos s cidades, empurrando-as para as reas montanhosas e menos
ricas, perifricas ao sistema dominante. O prprio crescimento e apogeu do
sistema escravista, portanto, limitava um recurso fundamental para sua
continuidade.
40
controle e explorao das populaes subjugadas, ao mesmo tempo que
incentivava a dissoluo dos sistemas produtivos comunitrios, ligados
economia de subsistncia.
Na guerra como na paz, tudo era decidido pelo arbtrio de uns poucos:
em suas mos encontravam-se o tesouro pblico, as provncias, as
magistraturas, as glrias e triunfos; ao povo reservava-se o servio militar e a
pobreza; as presas de guerra eram confiscadas pelos generais e alguns
poucos. Enquanto isso, os pais ou filhos daqueles soldados, cujas
propriedades confinavam com as dos poderosos, eram expulsos de suas
habitaes.
(Guerra de Jugurta, XLI)
41
renovando o antigo sistema de recriminaes contra os senadores, acusou.05
de fazer surgir guerra aps guerra, para impedir que o povo aproveitasse as
douras da paz.
(TITO Lvio, XXXI, 6)
42
A partir de 123 a.C. iniciou-se a distribuio de trigo populao de
Roma. Inicialmente subvencionadas, as distribuies estatais assumiriam uma
grande importncia no curso do sculo seguinte, tornando-se gratuitas a partir
de 58 a.C. e atingindo, poca de Csar, 320 mil beneficirios nmero que
o ditador reduziu para 150 mil. Segundo Ccero (A favor de Sstio, XXV), a
entrega de trigo gratuito populao representava um quinto das entradas
totais do Estado, que assumia, assim, um papel fundamental na repartio dos
benefcios do imprio entre os grupos sociais romanos.
As tentativas de reforma em 133 e 123, apenas parcialmente
implementadas, foram incapazes de pr um trmino aos conflitos internos na
metrpole, que se acentuaram no curso do sculo 1 a.C., dando origem s
violentas guerras civis que antecederam o principado. Os choques entre
populares e conservadores assumiram, ento, um carter nitidamente militar,
com a interveno direta de soldados e seus generais entre os quais
construam-se laos de interesse comum nos embates polticos. Como
resultado desses conflitos, mais de 250 mil soldados receberam lotes de terra
na Itlia no perodo entre Sila e Augusto por meio de legislao agrria
ou apossando-se das propriedades confiscadas de setores aristocrticos que
se viam momentaneamente derrotados. Estima-se que, entre 80 e 8 a.C.,
metade dos camponeses italianos abandonou seus lotes de terra, seja
assentando-se em outras regies da Itlia, seja migrando para as provncias.
Essa grande redistribuio e reorganizao das propriedades agrrias,
durante as guerras civis, no foi, contudo, capaz de restaurar a pequena
propriedade camponesa. O que observamos, ao contrrio, um aumento
extraordinrio das grandes riquezas (como as de Crasso, Pompeu, Lculo),
formadas poca das confiscaes, e um progressivo desenvolvimento do
latifndio, de produo extensiva, que faz seu aparecimento no incio do
principado (cf. KuzIcIIN, p. 272) e se amplia nos dois sculos seguintes, em
detrimento das mdias fazendas escravistas em decadncia.
Com o fim das guerras civis, no principado, o Estado assumiria o papel
de mediador desses conflitos, administrando e controlando a explorao das
provncias e encarregando-se da concentrao e distribuio desses recursos
entre a populao.
43
7
Concluso
Nos captulos anteriores, tentamos apresentar e discutir, de forma
sinttica, alguns dos problemas envolvidos no studo do imperialismo antigo.
Em ambos os casos, como vimos, as causas, motivaes e conseqncias da
expanso so mltiplas: econmicas, polticas, ideolgicas. Dentre estas,
parecem prevalecer as determinaes de ordem poltica, tanto a nvel interno
nas disputas sobre a conduo do processo quanto externo, na medida
em que as relaes com a periferia so sempre de poder. Podemos, contudo,
observar algumas diferenas significativas entre os processos de expanso de
Atenas e Roma. Uma primeira distino remete aos diferentes regimes polticos
das duas cidades. Enquanto Atenas democratizou-se progressivamente no
curso do sculo V a.C., o governo romano permaneceu sempre oligrquico,
marginalizando do processo poltico a grande massa da populao.
Desse fato derivaram padres diferentes de controle e distribuio das
vantagens obtidas dos respectivos imprios. Em Atenas, o domnio imperial
possibilitou a ascenso econmica das camadas mais pobres, garantindo e
reforando sua posio poltica. O fluxo de riquezas encontrou a mecanismos
eficazes de distribuio que atenuaram os conflitos internos. A oposio
aristocrtica, quando se fazia sentir, voltava-se contra os resultados polticos
do imprio o fortalecimento do demos , sem contestar sua existncia ou
propugnar sua extino. Em Roma, o processo de expanso beneficiou, acima
de tudo, as camadas mais ricas, que controlavam o sistema poltico, a
conduo do exrcito e, conseqentemente, a partilha dos frutos do
imperialismo. Uma distribuio mais eqitativa desses frutos foi assim, quase
sempre, o resultado de uma intensa presso popular seja na luta pela
repartio dos territrios conquistados, seja pela utilizao do Estado como
agente redistribuidor.
Tambm em suas relaes com os povos submetidos, os imprios de
Atenas e Roma organizaram-se de forma diversa. Em correspondncia aos
respectivos sistemas polticos, Atenas tendia a favorecer regimes
democrticos, enquanto Roma apoiava-se nas aristocracias dos Estados
conquistados. Por outro lado, Roma propiciava uma maior integrao poltica
das regies sob seu domnio, o que se explica, em certa medida, por seu
prprio sistema oligrquico. A expanso romana, at o sculo III a.C.,
desenvolveu-se como uma aliana entre aristocracias municipais, que se
reforavam mutuamente e compartilhavam o comando e os frutos da
expanso. Mesmo a concesso gradual da cidadania romana, que se estendeu
a toda a Itlia aps a guerra dos aliados, em 90/89 a.C., no implicava os
mesmos privilgios que representariam no caso ateniense, tendo em vista o
crculo restrito no qual se concentravam o poder e as riquezas imperiais.
A diferena mais significativa, contudo, dava-se no sistema de
explorao da periferia, O domnio ateniense repousava no estabelecimento de
uma superestrutura de poder sobre os Estados do imprio, que possibilitava a
exao de um tributo prefixado por mecanismos essencialmente poltico-
militares. J o desenvolvimento da economia mercantil e do escravismo em
Roma levou a uma maior integrao econmica das regies de seu imprio,
44
com a expanso do sistema de fazendas escravistas para as reas
conquistadas, onde, sobretudo a ocidente, a aristocracia romana investia os
lucros obtidos na expanso, subordinando os modos de produo locais ao seu
prprio sistema produtivo e levando-os dissoluo.
Embora se destaque dos imperialismos antigos nesse aspecto,
tampouco o imperialismo romano aproximou-se, em sua segunda fase, das
formas de dominao imperialista do mundo contemporneo. Os mecanismos
fundamentais de explorao e concentrao de recursos permaneceram
polticos e a economia mercantil manteve-se restrita a certas reas e setores,
sem conseguir dissolver e integrar plenamente as formas no mercantilizadas
de produo. Da mesma forma, estavam ausentes fatores que so
fundamentais ao imperialismo atual: busca de mercados, de matrias-primas,
investimento de capitais em regies de mo-de-obra barata e sem poder de
presso etc. O imperialismo antigo no foi um imperialismo industrial e
capitalista, mas um processo de expanso de sociedades camponesas, de
pequenos e grandes proprietrios, movidos pelas insuficincias de sua
economia e pelos conflitos internos resultantes de uma distribuio desigual do
meio de produo essencial: a terra. Por isso, terra foi sempre um tema
fundamental na expanso das cidades-Estados antigas, como investimento
principal dos frutos imperiais para os ricos, como possibilidade de acesso, pela
distribuio dos territrios submetidos, para os pobres. Ou ainda, de forma
indireta, garantindo-se, por meio do Estado, a sobrevivncia dos que
permaneciam excludos dela, como forma de aliviar as presses sobre os
proprietrios.
Dessa forma, o conceito de imperialismo, nos termos em que foi aqui
proposto, parece-nos um til instrumento analtico na investigao dos
processos de expanso na antigidade greco-romana. Permite-nos, ao mesmo
tempo, aproximar e distinguir esses processos em pocas e formaes sociais
distintas, possibilitando uma compreenso mais profunda de suas
caractersticas e especificidades no passado e no presente.
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Vocabulrio crtico
Ager publicus: extenso de terra pertencente ao Estado romano, em
geral resultado das conquistas territoriais de Roma. Parte do terreno pblico
era destinada fundao de colnias ou distribuio entre os cidados, mas
uma parcela considervel acabava nas mos da aristocracia, atravs da
ocupao legal ou ilegal.
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incluindo jogos atlticos e uma grande procisso que percorria a cidade em
direo ao templo da deusa, na Acrpole.
Plebiscito: deciso da plebe, votada nos comcios por tribo. No incio era
vlido apenas para a plebe e no para o patriciado. A partir de 286 a.C., os
plebiscitos adquiriram fora de lei para todo o corpo de cidados.
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Bibliografia Comentada
CLAVEL-LVQUE, M. 1977. Imprialisme, dveloppement et transition:
pluralit des voies et universalisme dans le modele imperial romain. La Pense,
Paris, Ed. Sociales, 196:
10-27.
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PERCIRKA, J. 1982. Athenian imperialism and the Athenian economy.
Eirene, Praga, Tchekoslovenka Akademia Ved, 19: 117-25.
O Autor critica as abordagens primitivista e modernista sobre o
imperialismo ateniense, dentro de uma perspectiva marxista, mas com muitos
pontos de contato com as reflexes de Finley.
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