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QueeTeologiaBiblica CFL 345 PDF

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CFL: Unidade 2 | Aula 1

James M. Hamilton Jr.

o que
Teologia
Bblica?
Um guia para a histria, o simbolismo
e os modelos da Bblia
H218 Hamilton, James M., 1974-
O que teologia bblica? : um guia para a histria, o
simbolismo e os modelos da Bblia / James M. Hamilton Jr.
So Jos dos Campos, SP : Fiel, 2016.

123 p.
Traduo de: What is biblical theology? : a guide to the
Bible's story, symbolism, and patterns
ISBN 9788581323558

1. Bblia Teologia. 2. Bblia Introdues. I. Ttulo.

CDD: 230/.041

Catalogao na publicao: Mariana C. de Melo Pedrosa CRB07/6477

O que Teologia Bblica? Um guia para a Todos os direitos em lngua portuguesa reservados por
histria, o simbolismo e os modelos da Bblia Editora Fiel da Misso Evanglica Literria
Traduzido do original em ingls
What Is Biblical Theology? A Guide to the Bibles Story Proibida a reproduo deste livro por quaisquer
por James M. Hamilton meios, sem a permisso escrita dos editores,
Copyright 2014 James M. Hamilton Jr. salvo em breves citaes, com indicao da fonte.

Publicado por Crossway Books, Diretor: James Richard Denham III


Um ministrio de publicaes de Editor: Tiago Jos dos Santos Filho
Good News Publishers Traduo: Elizabeth Gomes
1300 Crescent Street Reviso: Elaine Regina Oliveira dos Santos
Wheaton, Illinois 60187, USA. Diagramao: Rubner Durais
Capa: Rubner Durais
Copyright 2015 Editora Fiel
Primeira edio em portugus 2016 ISBN: 978-85-8132-355-8

Caixa Postal 1601


CEP: 12230-971
So Jos dos Campos, SP
PABX: (12) 3919-9999
www.editorafiel.com.br
Captulo 3

A NARRATIVA

Do que feita a narrativa? As narrativas tm ambiente, caracte-


rizao e trama. As tramas (ou enredos) so feitas de episdios e
conflitos e, se bem sucedidas, elas comunicam temas.

CENRIO
A Bblia est situada no mundo conforme ns o conhecemos. A
maior parte de sua histria acontece nos trs pontos de terra ao
redor do Mar Mediterrneo, mas a histria trata do mundo todo.
A Bblia apresenta uma interpretao de seu prprio cenrio que
chega ao significado e propsito deste mundo que Deus criou.
Shakespeare mostrou sua genialidade em um teatro cha-
mado Globo. O lugar tinha um nome apropriado, pois nele
Shakespeare erguia o espelho para a natureza e retratava o
mundo como ele . Este mundo real em que Deus mostra sua
genialidade o arqutipo do teatro onde Shakespeare mostrava
O QUE TEOLOGIA BBLICA?

sua genialidade. Deus construiu esse palco para demonstrar sua


arte. O mundo um teatro que exibe a glria de Deus.
Deus elaborou o palco (criando o mundo) para que hou-
vesse um lugar onde ele conhecido, servido, adorado, e estar
sempre presente. Os lugares onde os deuses eram conhecidos,
servidos, adorados e estavam presentes so chamados templos.
Deus construiu a terra como o seu templo, e nela ele colocou
sua imagem e semelhana. O ambiente criado por Deus um
templo csmico; a imagem que Deus colocou nesse templo, para
representar a si mesmo, a humanidade. Tudo que Deus criou
era bom, mas as personagens nesse drama se rebelaram contra
Deus e profanaram o seu templo. Em resposta ao pecado de
Ado, Deus sujeitou a criao escravido, mas ofereceu a espe-
rana de que haveria uma restaurao.
No percamos de vista as conexes entre o palco e as perso-
nagens. Deus criou e dono do cenrio. dele. para ele. Trata
sobre ele.
O cenrio mundial da histria da Bblia apresentado como
templo csmico de Deus. O tabernculo e, mais tarde, o templo
que Deus deu a Israel eram microcosmos: verses em pequena
escala do cosmos (Salmo 78.69). Tal compreenso do cenrio da
histria tem implicaes para os personagens dessa histria: afir-
mar que o mundo um templo csmico quer dizer que um lugar
onde Deus conhecido, servido, presente e adorado. As perso-
nagens humanas no templo so o que real, e so reproduzidas
e imitadas pelos idlatras que edificam templos a falsos deuses
para, ento, colocar imagens de pedra ou madeira desses deuses
em seus templos. Na histria verdadeira, a imagem de Deus, no
templo de Deus, um ser humano vivo, que respira e adora.

28
A Narrativa

Existem tambm os inimigos: a serpente e sua semente


procuram usurpar a Deus, mas tudo o que conseguem a profa-
nao (temporria) do templo de Deus.
Como o ambiente da histria est relacionado s perso-
nagens dessa histria, tambm o cenrio chave para a trama.
A trama comea com a construo do templo csmico, que foi
aviltado pelo pecado. Porm, uma vez maculado, Deus faz afir-
maes que sugerem a restaurao. Eventualmente, Deus d
nao de Israel uma verso em pequena escala do cenrio, um
microcosmo, quando lhes d primeiro o tabernculo e, mais tar-
de, o templo. Os juzos que vm sobre os microcosmos (quando
o tabernculo e o templo so destrudos) apontam adiante para
o juzo que Deus trar sobre o macrocosmo (o mundo), e ento
Deus dar um novo e melhor templo csmico, novo cu e nova
terra. Nesta restaurao, Deus far com que as coisas sejam me-
lhores do que eram no princpio.

PERSONAGENS
Sem ofender voc no a personagem principal da grande
histria do mundo. Uma das melhores coisas que podem acon-
tecer a descoberta de nosso papel na histria real do mundo.
O Deus trino o protagonista desse drama csmico, sendo
Satans o antagonista (infinitamente vencido). Existem outros
seres celestiais envolvidos na histria. Deus e Satans esto em
conflito, cada qual buscando obedincia dos seres humanos
criados imagem de Deus. Protagonista e antagonista conten-
dem pelo domnio sobre o mundo que Deus criou. No precisa
ser um gnio para predizer vitria do Criador, mas necessrio
o poder do Esprito para tomar o seu lado.

29
O QUE TEOLOGIA BBLICA?

Os humanos so, ou semente da mulher, ou semente da


serpente. A palavra hebraica traduzida como semente, prole
ou (menos afortunadamente) descendente no portugus, pode
se referir a uma semente ou a um bocado de sementes. Exis-
tem manifestaes individuais (Gl 3.16; Ap 12.5) e coletivas (Rm
16.20; Ap 12.17) da semente da mulher e da semente da serpente
na Bblia. Existem os bons e os maus.
Aqueles que chamam pelo nome do Senhor (Gn 4.26; Rm
10.13) so nascidos de Deus e a semente de Deus permanece
neles (1 Joo 3.9). Foram vivificados pelo Esprito Santo (Joo
3.5-8; Ef 2.5). So a semente coletiva da mulher contra a qual
o antigo drago, que o diabo e Satans, se ira (Ap 12.17). Eles
confiam na singular semente da mulher, que os salvou ao es-
magar a cabea da serpente (Gn 3.15; Joo 12.31). Os caras de
chapu preto, rebeldes que se aliam contra o Senhor e seu un-
gido (Sl 2.1-3), so semente da serpente (Jo 8.44). A semente
da serpente no so literalmente cobras, mas pessoas que falam
e agem como o drago (cf. Rm 16.17-20; Ap 13.11). Como seu
pai, o diabo, desonram aqueles a quem Deus abenoa e, por isso,
Deus os amaldioa (Gn 3.14-15; 4.11; 9.25; 12.3).
Deus amaldioou a serpente e a sua semente: serpente
ele disse: Maldita s (Gn 3.14), e disse ento as mesmas pa-
lavras a Caim, depois que ele matou a Abel (Gn 4.11). Depois,
Cana foi amaldioado aps o pecado de Cam contra No (Gn
9.25), e Deus disse a Abrao que ele amaldioaria aqueles que
o desonrassem (Gn 12.3). Os que matam, como Caim, exaltam
a si mesmos como Lameque (Gn 4.23), zombam como Cam, e
se opem aos propsitos de Deus ao lutar contra Abrao e seus
descendentes, pertencem, nas palavras figurativas de Jesus, a seu

30
A Narrativa

pai, o Diabo (Joo 8.44). So semente da serpente, ou, nas pala-


vras de Joo Batista, raa de vboras (Mt 3.7).
Em contraste cuidadosamente traada uma linha de des-
cendncia por todo o Antigo Testamento, comeando com Ado,
passando por No at Abrao, Isaque e Jac, e continuando por
Davi at Jesus, o Messias. As genealogias da Bblia preservam com
cuidado esta linha de descendncia desde Ado at Jesus. Jesus a
semente singular da mulher. Aqueles que assumem as promessas
de Deus e se alinham com os propsitos de Deus se identificam
com o Prometido pela f. So a semente coletiva da mulher.
Quando Deus criou o palco, o templo csmico, ele deu do-
mnio sobre ele ao homem e sua mulher (Gn 1.28). Quando eles
pecaram, Satans roubou o controle como prncipe dos poderes
do ar, e com ele esto os filhos da desobedincia, os filhos da
ira (Ef 2.2-3). Deus prometeu, porm, que o filho de Davi rei-
naria (Sl 110). Ele receber o domnio sobre o templo csmico
restaurado de Deus (Ap 11.15-19).
Que parte voc desempenha neste drama? Voc j abraou
o papel ao qual voc foi criado para atuar, ou est tentando ser
Deus? Voc est com Deus, que triunfar, ou com Satans, que
por enquanto parece bem?

ENREDO
Nos termos mais amplos, o enredo da Bblia pode ser resumi-
do com quatro palavras: criao, queda, redeno e restaurao.
Esta no a histria de Satans. Ele introduziu o conflito da
trama que ser resolvido. Ele ser vencido. No tome o partido
dele, no o ajude nem apoie suas causas, e no inveje aqueles que
tomam o partido dele.

31
O QUE TEOLOGIA BBLICA?

Deus criou um templo csmico. A boa criao de Deus foi


profanada pelo pecado que resultou da tentao da serpente,
que acaba sendo o arqui-inimigo que procura usurpar o trono
de Deus.
Deus respondeu ao orgulho de Satans com a humildade
de Jesus. Deus respondeu rebeldia de Satans com a obedincia
de Jesus. Toda a miserabilidade e fria de Satans vencida pela
graa e amor de Jesus, que pela alegria que lhe estava proposta
suportou a cruz (Hb 12.2). Essa cruz a grande virada da tra-
ma: o heri h muito esperado veio, e no somente foi rejeitado
como tambm morto. Verdadeiramente morto. Posto na tum-
ba. Ento, a esperana ressurgiu da morte. A morte de Cristo
no foi sua derrota, mas sua conquista. Deus julgou o pecado,
o condenou, e Cristo morreu na cruz para pagar a penalidade
do pecado. Pelo juzo que recaiu sobre Jesus, Deus salva a todos
quantos confiam nele. Sendo as demandas da justia satisfeitas
pela morte do Filho, o Pai demonstra misericrdia aos que se ar-
rependem e creem. Jesus morreu para dar vida abundante (Joo
10.10), para completar a alegria (Joo 15.11).
Uma das muitas grandes realizaes de Deus, como autor
de todas as coisas, que ele fez isso acontecer. Deus orques-
trou os acontecimentos que realizaram a salvao. Ele enviou o
Redentor, que no foi aceito, mas rejeitado, no recebido com
aclamao, mas assassinado e, por meio disso, Deus garantiu a
resoluo da trama.
Um dos grandes mritos dos autores bblicos que eles
conseguem contar esta histria com tamanha habilidade que
ns jamais recuamos da Bblia, balanando a cabea e deixan-
do de lado essa histria como inacreditvel. Os autores contam

32
A Narrativa

to bem a histria, que ns no somente cremos que os judeus


rejeitaram e mataram seu prprio Messias, como tambm enten-
demos como esses acontecimentos se passaram. Soa verdadeiro.
O enredo culminar com a volta de Jesus para julgar seus
inimigos e salvar seu povo. As pessoas que Jesus salvou sabe-
ro, serviro e adoraro a Deus, vendo sua face em um novo
templo csmico, novo cu e nova terra. O enredo ser resolvi-
do. As personagens sero transformadas imagem de Cristo. E
o mundo, o ambiente ou palco em que elas se encontram, ser
renovado, refeito.
No um alvio saber que o enredo do mundo no se limita
ao breve tempo de nossas vidas? Damos sentido a nossos dias,
luz dessa narrativa que cobre tudo. A grande trama da Bblia,
com sua garantia de ressurreio e nova criao, d confiana
mesmo em face da morte. A grande histria da Bblia abre as
janelas dos cmodos sem graa e sufocantes de ltimos prazos e
datas de entrega, mortes e desapontamentos, deixando que so-
prem por elas as brisas frescas da criao para a nova criao.
Agora que vimos o enredo por cima, voltamos para outro
vislumbre do grande conflito que o impulsiona e alguns de seus
principais episdios, e nestes ns vemos seu tema principal.

33
Captulo 4

ENREDO:
CONFLITO, EPISDIOS
E TEMAS

CONFLITO
O prncipe da potestade dos ares, a antiga serpente que o
Diabo e Satans, se envolveu em uma campanha csmica para
derrubar o Senhor do mundo, tirar de Deus Pai aquilo que, por
direito, pertence somente a ele. Satans e sua semente esto em
guerra contra Deus e seus filhos (Ef 6.12; 1 Joo 3.9-15).
No mistrio de sua sabedoria, Deus escolhe para si pes-
soas que em sua maior parte so fracas e insignificantes. Ele no
deseja jactncia humana (1 Co 1.29), e quer que dependamos
dele, no de ns mesmos (2 Co 1.9). Quando Deus comea a
fazer uma grande nao de um dos descendentes humanos, ele
comea com um homem cuja mulher era estril. Quando ele
quer escolher um rei, escolhe um rapaz cujo prprio pai no
acreditava que ele pudesse ser rei, de modo que, vindo o pro-
feta para ungir um dos seus filhos, Jess nem chamou a Davi,
O QUE TEOLOGIA BBLICA?

at que Samuel tivesse passado por todos os seus irmos mais


velhos (1 Sm 16.10-11). Quando Deus quer salvar o mundo, ele
envia seu Filho como beb, nascido de uma moa camponesa
em circunstncias questionveis, e o envia no a uma grande
capital mundial, mas para um pequeno vilarejo na Galileia.
quase como se Deus desse uma largada inicial mais fcil para o
oponente que jamais correr mais que ele.
Satans sempre parece tirar vantagem em tudo. A semente
da serpente sempre impressiona pelos padres mundanos, e eles
no se retraem de tticas draconianas: Caim mata a Abel; Is-
raelitas mpios rejeitam a Moiss; Saul persegue Davi; os lderes
judeus crucificam Jesus; e o mundo tem tratado os cristos da
mesma forma que tratou Jesus.
Porm, Deus ressuscita os mortos, e se algo impossvel
aos homens, tudo possvel para Deus. Assim, em face do que
aparenta ser o triunfo dos maus, toda a fraqueza e loucura do
amor e humildade, alegria e esperana mostram o poder e sabe-
doria do Deus verdadeiro e vivo, contra o qual nenhum inimigo
prevalecer.
Isto acontece repetidas vezes, conforme veremos ao olhar
os episdios da trama.

EPISDIOS DA TRAMA
Uma trama composta de eventos ou episdios. Aqui, quero
chamar ateno a cinco episdios no enredo da Bblia: o exlio
do den, o xodo do Egito, o exlio da terra, a morte de Jesus
sobre a cruz e a promessa de sua volta em glria.
Exlio do den. Ado e sua mulher estavam no lugar perfei-
to, onde havia uma s proibio. Eles a transgrediram. Tentaram

36
Enredo: Conflito, Episdios e Tema

se cobrir. Ouviram passos. Entraram em pnico. Se esconderam.


Deus havia criado esse lugar. Eles eram responsveis perante ele.
Quebraram a sua lei. Ele havia prometido a morte por isso. Eles
pegaram folhas de figueira. No havia onde se esconder. Deus os
chamou e com palavras de juzo, embutiu esperana.
xodo do Egito. Deus enviou dez pragas. O primognito
morreu. O sangue do cordeiro marcou os umbrais das portas.
O po asmo foi comido s pressas. Como no dilvio, as guas
se fecharam sobre os rebeldes. Como No foi salvo pelas guas,
Israel passou o Mar Vermelho em terra seca.
Os autores bblicos posteriores trataram os eventos do
xodo como um paradigma da salvao de Deus. Os detalhes
so dignos de nota: Moiss flutuou em uma arca coberta de
piche sobre guas em que outros morreram (sombras de No).
Deus humilhou o forte e orgulhoso Fara, por meio das dez
pragas e a morte do primognito. Deus identificou a nao de
Israel como o seu filho primognito. A morte do cordeiro da
Pscoa redimiu os primognitos de Israel. O povo fugiu para
o deserto, tendo despojado os egpcios, e foram batizados na
nuvem e no mar (1 Co 10.2).
Deus sustentou seu povo no deserto com man do cu
e gua da rocha, alimento e bebida espiritual que nutriu es-
perana pelo prometido redentor (1 Co 10.3-4). Deus entrou
em aliana com Israel no Monte Sinai, e deu-lhes instrues
para a construo do tabernculo, smbolo do universo. Deus,
ento, encheu o microcosmo a verso em pequena escala do
cosmos com a sua glria, mostrando a Israel o seu propsito
para todas as coisas. Israel viajou rumo Terra da Promessa,
que era habitada por gigantes, a quem o pequeno exrcito com

37
O QUE TEOLOGIA BBLICA?

tecnologia inferior venceu, por meio de estratgias de batalha


fracas e tolas (marchar ao redor da cidade por sete dias e os
muros cairo).
Exlio da terra. Uma vez na Terra prometida, Israel fez exa-
tamente o que Moiss profetizou que fariam (Dt 4.26-31). A
nao de Israel era como um novo Ado, em novo den.
Como Ado, eles transgrediram. Como Ado, eles foram
expulsos. Como Ado, eles saram com palavras de esperana
embutidas nas denncias profticas. Idolatria e imoralidade
fizeram com que ouvissem os passos, o som de Iav vindo na
fresca da tarde, mas, desta vez, os passos vinham de botas de sol-
dados marchando pesadamente. Os profetas lhes disseram que o
juzo de Deus seria como novo dilvio: nuvens de tempestade se
ajuntariam, os cus escureceriam e as guas derramariam. No
seria literalmente gua, mas um exrcito (Is 8.7-8). O exrcito
estrangeiro deixou as cidades desoladas, a terra destruda e o
templo em runas. O exlio da terra era uma descriao. O tem-
plo, smbolo do mundo, derrubado. Sol escuro, lua em sangue,
montanhas derretidas.
Quando Deus chamou Ado e Eva para prestar contas por
seu pecado, palavras de esperana estavam embutidas no juzo
que Deus declarou serpente. Quando Deus chamou Israel para
prestar contas por seu pecado, palavras de esperana estavam
embutidas no juzo que Deus falou pelos profetas. Anunciando
que Deus expulsaria Israel da terra, os profetas declararam tam-
bm que Deus salvaria a Israel, como ele fizera no xodo um
novo xodo (Is 11.11-16); que Deus levantaria um novo Davi
(Os 3.5); que Israel entraria em novo pacto com Iav (Jr 31.31;
Os 2.14-20); que, como o Esprito foi dado a Moiss e aos setenta

38
Enredo: Conflito, Episdios e Tema

ancios, ele seria derramado sobre toda a carne uma nova ex-
perincia do Esprito (Joel 2.28-32); que haveria nova conquista
da terra (Os 2.15), que se tornaria, ela mesma, novo den (Is
51.3; Ez 36.35). Disto tudo vemos uma verdadeira chave, digna
de destaque: Os profetas de Israel usaram o paradigma do passa-
do de Israel para predizer o futuro de Israel.
A cruz. Em seu ensino antes da cruz, e quando abriu o enten-
dimento deles depois dela (Lucas 24), Jesus ensinou os discpulos
a compreend-lo por meio dos acontecimentos paradigmticos
da queda, do dilvio, do xodo e do exlio. Noutras palavras, os
eventos da histria de Israel funcionam como esquemas ou mati-
zes e so usados para comunicar o significado de quem era Jesus e
o que ele realizou. Por isso que Joo Batista preparou o caminho
para Jesus com palavras de um texto de volta do exlio (veja o
uso das palavras de Isaas 40.3, em Joo 1.23). Esta a razo pela
qual Mateus destaca como Jesus recapitula a histria de Israel
nascido de uma virgem, ameaado na infncia por Herodes, como
o infante Moiss foi ameaado por Fara, chamado do Egito, ten-
tado no deserto, aclamado como cordeiro, expulso ao exlio em
sua morte, ressurreto para trazer restaurao.
Deus salvou seu povo pelo juzo que caiu sobre Jesus, cum-
prindo o modo como os salvou do juzo na queda, no dilvio, no
xodo e no exlio.
Jesus o novo Ado, cuja obedincia vence o pecado de
Ado (Rm 5.1221). Deus identificou Israel como seu filho, e
Jesus veio como representante de Israel, o Filho de Deus. Jesus
redimiu seu povo da maldio da lei, tornando-se em maldi-
o (Gl 3.13), tornando possvel aos gentios receber a bno de
Abrao nele (Gl 3.14). Jesus cumpriu tipologicamente a morte

39
O QUE TEOLOGIA BBLICA?

substitutiva do cordeiro da Pscoa nenhum de seus ossos foi


quebrado (Joo 19.36; 1 Co 5.7) quando morreu para iniciar o
novo xodo. Os autores do Novo Testamento falam dos cristos
como sendo os que foram libertos da escravido, vivificados, que
se movem em direo Terra Prometida, exilados que retornam
ao seu verdadeiro lar, a cidade que tem fundamentos. Toda a
histria da Bblia depende da morte e ressurreio de Jesus para
realizar a redeno, e ela culminar na volta de Jesus em juzo
para consumar o seu reino.
A volta prometida. Daniel 7.13 fala do filho do homem que
vir nas nuvens do cu para receber o domnio eterno (cf. Gn
1.28), e em Atos 1.9-11, Jesus ascendeu ao cu e foi recebido
nas nuvens, com um anjo anunciando que Jesus voltar, assim
como foi visto subir nas nuvens do cu. O cordeiro morto
vir como Leo que governa (Ap 5.5-6). O servo humilde ser
Rei dos reis. O ltimo ser o primeiro, o menor ser o maior.
Os inimigos sero mortos pela palavra que sai de sua boca; os
rebeldes sero lanados no lago de fogo. O verme no morrer.
As chamas no sero apagadas. Ressoam aleluias e hosanas, os
sinos tocam, as trombetas soam, o reino vem. Cristo Senhor.
Ele reinar.

TEMA
O que esses episdios de enredo tm em comum? Em cada um,
Deus demonstra sua glria ao salvar seu povo do juzo.
A severidade e bondade de Deus brilham em cada um des-
ses episdios: Deus julgou a Ado e Eva, banindo-os do reino
da vida, o den. Ado voltaria ao p da terra do qual fora for-
mado, mas saiu com uma promessa de que a semente da mulher

40
Enredo: Conflito, Episdios e Tema

esmagaria a cabea da serpente. Esta promessa veio na palavra


de juzo falada serpente. A palavra de salvao: bondade, veio
na palavra de juzo: severidade.
Foi assim no xodo: Israel foi redimido mediante a mor-
te do cordeiro da Pscoa e do primognito dos egpcios. Assim
tambm no exlio: como Ado saiu do jardim com a promessa,
Israel foi exilado da terra com a profecia de uma gloriosa res-
taurao no final dos tempos ressoando em seus ouvidos. Estes
exemplos de salvao mediante o juzo apontavam adiante para
a cruz, onde Jesus foi julgado para que seu povo pudesse ser sal-
vo. Quando ele voltar, a salvao de seu povo vir por meio do
julgamento da serpente e de sua semente.
A Bblia, claro, est repleta de temas, e cada um desses
brilha com a glria de Deus. Estes temas fluem todos, e voltam
a fluir para a glria de Deus. Instituir e lanar estes temas o
fundamento da justia de Deus, sobre o qual ele constri uma
torre de misericrdia, a fim de fazer um nome para si. Se no
houvesse justia, se Deus no cumprisse sua palavra e punisse
os transgressores, no haveria misericrdia, pois ningum ne-
cessitaria dela, j que ningum seria condenado. Se Deus no
fosse justo, ele no seria santo, no seria verdadeiro nem fiel, e
no haveria algo como uma promessa cumprida, nem o pecador
justificado pela f.
Quando Deus traz salvao mediante o juzo, a justia ser-
ve como o pano escuro sobre o qual Deus mostrar o diamante
de sua misericrdia. A pedra reluzente, o pano de contraste, e a
luz que brilha sobre ambos so resultado de uma demonstrao
da glria de Deus de tirar o flego. O tema central da Bblia a
glria de Deus na salvao, por meio do juzo.

41
O QUE TEOLOGIA BBLICA?

Deus encher a terra do conhecimento de sua glria ao


salvar e julgar. O mundo foi criado com este propsito, como
demonstram as pr-estreias do tabernculo e templo. O prprio
Deus anunciou que ele encheria a terra com sua glria (Nm
14.21). Os serafins proclamaram estar a terra cheia da sua glria
(Is 6.3). Davi olhava para o dia em que sua semente reinar e a
terra se encher da glria de Iav (Sl 72.18-19). Isaas disse que
aconteceria (Is 11.9), e Habacuque ecoou o mesmo (Hc 2.14). Os
caminhos de Deus so inescrutveis, no se descortinam, e Deus
no deve nada a ningum. Ele no pode ser devedor, nem pode
ser subornado. Dele, por meio dele, e para ele so todas as coisas.
Dele a glria para sempre (Rm 11.33-36).

42
Captulo 5

O MISTRIO

O QUE SO ESSAS MOEDAS DE OURO NO CAMINHO?


Ao lermos a Bblia, encontramos moedas de ouro, uma aps ou-
tra, no caminho das promessas bblicas. Essas moedas de ouro
parecem ter sido cunhadas no mesmo local, e quando ns as
examinamos, observamos duas coisas. Primeiro, h uma relao
entre elas. As que surgem depois assumem o desenho e a im-
presso das que vieram antes. Segundo, ao caminharmos pelo
desenvolvimento dos desenhos sobre as moedas, descobrimos
curiosas combinaes dos desenhos mais antigos e mais recen-
tes, bem como uma espcie de histria que pode ser traada por
essas imagens.
No estou falando, literalmente, sobre moedas de ouro.
Falo das promessas que Deus fez sobre um redentor que endirei-
tar todas as coisas. A crescente pilha de promessas influenciou
os autores bblicos mais recentes, ao escolherem o que incluir em
O QUE TEOLOGIA BBLICA?

suas narrativas. As promessas mais antigas fizeram com que os


autores bblicos posteriores observassem os padres e semelhan-
as entre personagens mais antigos, levando-os a destacarem os
modelos e caractersticas similares no prprio material.
Quando vemos um autor mais recente apresentar uma re-
petio de um modelo mais antigo, que foi informado por uma
promessa, como leitores ns comeamos a perceber que estamos
lidando com uma sequncia de eventos (um tipo, modelo ou es-
quema) que os autores bblicos viam como significativos, mesmo
sem entend-los completamente (cf. 1 Pe 1.10-12). A repetio
desses modelos cria uma espcie de gabarito que representa o
tipo de coisas que Deus faz, ou o tipo de coisas que acontecem
com o povo de Deus. Quando comeamos a pensar no que tipi-
camente acontece, estamos tratando da tipologia, e como isto
o que aconteceu tipicamente no passado, comeamos a esperar
que este o tipo de coisa que Deus far no futuro. Ou seja, o tipo
prospectivo, olhando para a frente, ao apontar alm de si para o
seu cumprimento.
As promessas parecem ter estimulado os profetas a no-
tarem os modelos e, assim, podemos ver isso como uma
tipologia em forma de promessa. Ouvindo as promessas, for-
mava-se uma expectao na mente dos profetas, e depois um
modelo de eventos era interpretado luz da expectao gerada
pelas promessas.
Se isso nos parece confuso, mesmo em alguns pontos!
Os discpulos de Jesus ficaram surpresos com o que ele fez; no
entanto, tudo que ele fez foi visto em sombra, no Antigo Testa-
mento. No podemos examinar toda moeda de ouro neste curto
estudo, mas vamos examinar algumas.

44
O Mistrio

CUNHADA POR UM S CRIADOR


Aqui o nosso objetivo ver as conexes entre as promessas-chave
no Antigo Testamento, que instigaram os profetas a reconhece-
rem os moldes. Se uma promessa uma moeda de ouro, ento
a presena dessas promessas na Bblia significa que os autores
bblicos as viram como vindas de Deus e relacionadas ao plano
de Deus. Isso faz com que essas promessas sejam como moedas
de ouro cunhadas em um mesmo lugar.
A mais antiga impresso proftica vem na palavra de juzo
que Deus disse serpente, em Gnesis 3.15. O homem e sua mu-
lher tinham todo direito de esperar que morressem naquele dia
em que comeram o fruto do conhecimento do bem e do mal (Gn
2.17). Mas, enquanto Deus amaldioou a cobra, Ado e sua esposa
ouviram que haveria inimizade contnua entre a serpente e a mu-
lher, e entre sua semente e a semente da mulher. Alm do mais,
enquanto a semente da mulher seria ferida no calcanhar, a ser-
pente receberia uma ferida muito mais sria, sobre a cabea (Gn
3.15). A contnua inimizade e a referncia semente da mulher
indicavam que Ado e sua esposa no morreriam imediatamen-
te, mas continuariam a viver, ainda que tenham experimentado
a morte espiritual (Gn 3.7-8). Quando Ado deu sua mulher o
nome de Eva, porque ela seria me de todos os vivos (Gn 3.20),
ele respondeu em f palavra de juzo que Deus falara sobre a
serpente. Aparentemente, a f veio ao ouvirem a palavra da se-
mente da mulher (Gn 3.15; cf. Rm 10.17). Ado e Eva creram que
no experimentariam imediatamente a morte fsica: viveriam em
conflito com a serpente, e seu descendente feriria a sua cabea.
As respostas de Eva ao nascimento de Caim (Gn 4.1) e Sete
(4.25) indicam que ela esperava que sua semente realizasse esta

45
O QUE TEOLOGIA BBLICA?

vitria sobre o tentador. A linha de descendncia da mulher


cuidadosamente traada em Gnesis 5; e em Gnesis 5.29, La-
meque expressa a esperana de que seu filho No seja aquele que
trar o alvio da maldio declarada em Gnesis 3.17-19. Quan-
do lemos Gnesis 5.29, luz de Gnesis 3.14-19, parece que os
que chamam pelo nome do Senhor (Gn 4.26) esto procurando
pela semente da mulher que, ao ferir a cabea da serpente (Gn
3.15) reverter a maldio sobre a terra (Gn 5.29; cf. 3.17-19).
Outra genealogia, em Gnesis 11, continua a traar a des-
cendncia da semente da mulher. Ento, as promessas de Deus
a Abrao, em Gnesis 12.1-3, como um amontoado de moedas
de ouro no caminho, responde s maldies de Gnesis 3.14-19
de ponto a ponto:

Respondendo inimizade que Deus colocou entre a semen-


te da mulher e a serpente e sua semente (Gn 3.15), Deus
promete abenoar aqueles que abenoam a Abrao e amal-
dioar aqueles que o amaldioam (Gn 12.3).
Respondendo dificuldade que Deus colocou no parto e
nos relacionamentos do casamento (3.16), Deus promete
fazer de Abrao uma grande nao (12.2), e nele abenoar
todas as famlias da terra (12.3).
Respondendo maldio sobre a terra (3.17-19), a promes-
sa de Deus de que Abrao seria uma grande nao tambm
implica em territrio (12.2), e em alguns versculos adiante
(12.7) Deus promete dar a terra a Abrao e sua semente.

Depois da morte de Abrao, Deus prometeu confirmar a


Isaque o juramento feito a Abrao (Gn 26.3-4), e ento Isaque
passou esta bno de Abrao para seu filho Jac (28.3-4).

46
O Mistrio

Tendo em mos estas moedas, podemos coloc-las lado a


lado, e ver que alm de serem promessas de Deus, elas pem
em movimento a histria. Aparentemente, as promessas fizeram
com que Moiss reconhecesse um modelo.
Moiss parece ter ouvido dizer que haveria inimizade entre
a semente da serpente e a semente da mulher. Assim, ele notou
e por essa razo documentou o modo como a semente
da serpente perseguiu a semente da mulher: Caim matou Abel;
Cam zombou de No, como fez Ismael com Isaque; Esa queria
matar Jac. Este modelo de perseguio provavelmente instigou
Moiss a observar o modo como os irmos de Jos reagiram a
ele, impelindo Moiss a dar um tratamento extenso ao sofrimen-
to e exaltao de Jos. Os seus irmos queriam mat-lo, mas,
em vez disso, o venderam como escravo. No Egito, Jos foi exal-
tado, abenoando o mundo inteiro ao prover alimento em meio
fome (cf. Gn 12.3), e ao perdoar seus irmos, preservou as suas
vidas da maldio sobre a terra.
A bno de Abrao foi passada para Isaque, em seguida,
para Jac, e parece que Jac a concedeu aos filhos de Jos (Gn
48.15-16). Deus disse a Abrao que reis procederiam dele e de
Sara (Gn 17.6, 16), e poderamos esperar que o rei viesse da li-
nhagem que recebeu a bno. Porm, surpreendentemente,
quando Jac abenoou aos seus filhos, falou sobre Jud em ter-
mos reais (Gn 49.8-12). Isso provoca a explanao de 1 Crnicas
5.2 que, embora o direito de primogenitura e de bno fosse
para Jos, a cabea viria de Jud.
Em Nmeros, Moiss ajunta vrias moedas de ouro e as
pe lado a lado para ns. Quando Balao deixou de amaldioar
a Israel e, em vez disso, os abenoou, Moiss o apresenta dizendo

47
O QUE TEOLOGIA BBLICA?

algo, em Nmeros 24.9, que combina as declaraes da bno


de Jud, em Gnesis 49.9; com afirmaes da bno de Abrao
(Gn 12.3). Isso significa que Moiss pensava que Deus cumpriria
as promessas a Abrao, por meio da prometida figura real, vinda
de Jud. Uns poucos versculos adiante, em Nmeros 24.17, a
imagem de Gnesis 3.15 da cabea esmagada combinada com
a linguagem e imagens figuradas da bno de Jud, em Gnesis
49.8-12. Nmeros 24.19 passa, ento, a falar do domnio que
exerceria este que vem de Jac, mostrando que ele exerceria o
domnio que Deus deu a Ado, em Gnesis 1.28. Deus cumpriria
as promessas a Abrao por meio do Rei de Jud, que a semente
da mulher, que esmagaria a cabea da serpente e sua semente.
Desta forma, Deus cumpriria os propsitos que comeara a
cumprir na criao.
Surgiu um rei da linha de Jud em Israel. A caminho de
tornar-se rei, este jovem, ainda no provado na batalha, saiu
de encontro com o poderoso Golias, cuja cabea esmagou com
uma pedra e, em seguida, removeu com uma espada. Como a
semente da mulher que o precedeu, Davi foi, ento, perseguido
pela semente da serpente (Saul), que o perseguiu pelo deserto
de Israel.
No somos os primeiros a tentar ler essas promessas luz
dos modelos. Os autores bblicos dos Salmos e os Profetas abri-
ram a trilha para ns.

OS SALMISTAS E PROFETAS
INTERPRETARAM ESSAS MOEDAS
Deus fez surpreendentes promessas a Davi (2 Samuel 7). Os pro-
fetas e salmistas interpretaram as promessas a Davi e os modelos

48
O Mistrio

que o precederam de modo a apontar adiante, ao que Deus rea-


lizar quando fizer essas coisas acontecerem.
O Salmo 72 parece ser a orao de Davi em favor de Salo-
mo (cf. supra inscrito e o Salmo 72.20). Davi ora para que os
inimigos de seu filho, a semente da promessa (2 Samuel 7), lam-
bam o p como seu pai, o diabo (Sl 72.9; cf. Gn 3.14). Ora para
que os opressores sejam esmagados (Sl 72.4; cf. Gn 3.15). Ele ora
para que a semente de Davi tenha um grande nome como o que
Deus prometeu a Abrao, e que, como Deus prometeu a Abrao,
as aes fossem abenoadas nele (Sl 72.17; cf. Gn 12.1-3). Tudo
isso culmina na orao de Davi para que Deus cumpra o que
props fazer na criao, enchendo a terra de sua glria (Sl 72.19;
cf. Nm 14.21).
Um exemplo de interpretao proftica dessas passagens, e
existem muitas, a de Isaas 11. Isaas claramente tem em vista as
promessas a Davi de 2 Samuel 7, quando fala do tronco de Jess
sair um rebento, e das suas razes, um renovo (Is 11.1). O Es-
prito de Iav repousar sobre ele em plenitude (11.2), e ele trar
justia e paz (11.3-5). Tais eventos so comparados, mais tarde
no captulo, ao xodo do Egito (11.16), e pertencem ao reajun-
tamento de Israel aps o exlio da terra (11.11). Estas realidades
tornam o que diz Isaas, no versculo 8, ainda mais notvel:

A criana de peito brincar sobre a toca da spide, e o j des-


mamado meter a mo na cova do basilisco.

Quando o Rei de Jess levantar para realizar este novo xo-


do e retornar do exlio, no ser apenas um retorno do exlio
da terra de Israel, como tambm um retorno do exlio do den.

49
O QUE TEOLOGIA BBLICA?

Quando reinar este Rei da linha de Davi, a inimizade entre a


semente da mulher e a semente da serpente, introduzida em
Gnesis 3.15, no mais existir. sobre isso que Isaas fala, ao
mencionar bebs brincando com cobras e no temendo mal ne-
nhum. O mal ser abolido. No haver mais maldio. Quando
Deus cumprir a promessa de Gnesis 3.15, mediante as promes-
sas feitas a Davi em 2 Samuel 7, como no Salmo 72.19, assim
como em Isaas 11.9:

A terra se encher do conhecimento do SENHOR,


como as guas cobrem o mar.

A maior parte do que eu disse sobre as promessas, at aqui,


tem a ver com a redeno. Semelhantemente, a maior parte do
que eu disse, at este ponto, sobre os modelos tem a ver com
a perseguio e o sofrimento daqueles que se agarram a essas
promessas, aqueles por meio dos quais as promessas sero cum-
pridas. O mistrio est no entretecimento dessas duas linhas de
desenvolvimento.

DIZERES E ENIGMAS OBSCUROS


Ento, as promessas vo se amontoando at a concluso de que
Deus vencer o mal e reabrir o caminho ao den, quando a
semente da mulher surgir para receber a bno de Abrao, e a
semente da mulher viria da tribo de Jud e descenderia de Davi.
Como isso complicado, enigmtico, ou difcil? O mistrio
se desenvolve ao redor de duas questes principais: Primeiro,
que negcio esse sobre o sofrimento do vencedor? Segundo,
como exatamente os gentios sero abenoados? O quadro que

50
O Mistrio

obtemos do Antigo Testamento da nao de Israel conquistan-


do todas as demais naes, subjugando-as a Iav e sua boa lei
mediante o poder militar. O Ungido da linhagem de Davi reina-
r sobre eles com cetro de ferro (Sl 2.8-9). As naes viro a Sio
para aprender a lei de Iav (Is 2.1-4; cf. Dt 4.6-8).
O que h de misterioso nisso? Um, o programa atinge a de-
sobedincia de Israel. As naes no conseguem ver a glria da
lei de Iav, porque Israel profanou a Iav sua vista (cf. Ez 20.9).
Em vez de sujeitar as naes a Israel, Iav sujeita Israel s naes,
e as naes expulsam Israel da terra. Ento, quando Israel volta
terra, a sua desobedincia vista quando eles se casam com os
idlatras no arrependidos, vindos das naes (por exemplo, Ed
9.11, 14). Como que as naes sero abenoadas em Abrao e
em sua semente (Gn 22.17-18)?
O outro aspecto do mistrio est ligado a este. Conforme
notamos acima, os modelos foram reconhecidos luz da pro-
fecia. Estes moldes reconhecidos tinham a ver com a morte de
Abel e a perseguio de Isaque, Jac, Jos, Moiss, Davi e outros.
Parece que Davi refletiu sobre esse modelo de sofrimento nos
Salmos, especialmente aqueles Salmos que tratam do justo so-
fredor, como nos Salmos 22 e 69 (h muitos outros).
Isaas viveu depois de Davi, e parece que a reflexo de Davi
sobre essas coisas influenciou o modo como Isaas desenvolveu
profecia e modelo, em sua descrio do servo sofredor. O re-
bento do tronco de Jess, de Isaas 11.1, parece ser o renovo
perante ele e como raiz de uma terra seca de Isaas 53.2. O que
notvel aqui, e em outros lugares de Isaas, o modo como
aquele que reina tambm descrito como o que est sendo es-
magado, fustigado e afligido (53.4), homem de dores e que sabe

51
O QUE TEOLOGIA BBLICA?

o que sofrimento (53.4), ferido pelas transgresses, esmaga-


do pelas iniquidades e castigado para a cura de seu povo (53.5).
Aquele que justo justificou a muitos, ao carregar sobre si as
suas iniquidades (Is 53.11).
Antes que Jesus viesse cumprir essas profecias, os profetas
do Antigo Testamento estavam confusos quanto aos mistrios (1
Pe 1.10-11). A maneira que os discpulos de Jesus reagiram a seu
anncio de que ia a Jerusalm para ser crucificado mostra que
eles no tinham entendimento deste aspecto do mistrio.
As linhas da promessa e do modelo apontam para a vitria
e o sofrimento. Construindo sobre Isaas, o anjo Gabriel informa
a Daniel que o Messias ser cortado e nada ter (Dn 9.26). Se-
melhantemente, Zacarias fala de Israel vendo o Senhor, a quem
traspassaram, e lamentando sobre ele como quem pranteia
sobre um unignito (Zc 12.10). Zacarias passa a falar sobre o
Senhor clamando pelo despertar da espada contra seu pastor, o
homem que est de p a seu lado o pastor ser ferido e as ove-
lhas espalhadas (13.7). Como disse Isaas: ao SENHOR agradou
mo-lo, fazendo-o enfermar (Is 53.10).

PROMESSA, MODELO, MISTRIO


Talvez, o resumo dos mistrios e destaque dos enigmas que eles
representam nos auxilie a contempl-los.
Primeiro, fica claro que um redentor foi prometido. Este
redentor vencer o mal e o Maligno, bem como aqueles que se
alinham com ele, e essa vitria acabar com as maldies e resul-
tar numa nova experincia de vida ednica. A terra ser frtil;
as pessoas no precisaro de armas, porque no tero necessida-
de de se defender, nem desejo de atacar a outros; o Rei governar

52
O Mistrio

em justia, estabelecendo a paz; a glria de Iav cobrir a terra


como as guas cobrem o mar.
Segundo, existe, porm, o problema da desobedincia do
povo de Israel em especial, e o pecado da humanidade em geral.
Este problema resulta no exlio do homem do den, depois o
exlio de Israel da sua terra. Se Deus verdadeiro e justo, es-
tes pecados tm de ser punidos. Ser que, com o exlio da terra,
realmente o povo de Deus paga em dobro por todos os seus pe-
cados, conforme indica Isaas 4.1? Haveria um modo de Deus
punir o pecado e mostrar misericrdia?
Terceiro, o que dizer desse tema da perseguio e do sofri-
mento da semente da mulher? Abel morreu pela mo de Caim.
Jos foi tirado da cova e entregue aos gentios. Moiss quase foi
apedrejado por Israel. Davi sofreu oposio primeiro por Saul,
depois por Absalo. Quando Deus fez promessas a Davi, men-
cionou algo sobre a disciplina com varas e aoites dos homens (2
Sm 7.14; o termo hebraico para aoites usado em Is 53.4, 8).
Quarto, alm das fortes afirmativas, quanto a como o Mes-
sias reinaria, alm das linhas do que encontramos nos Salmos 2
e 110, temos tambm essa conversa misteriosa sobre um servo
sofredor em Isaas 53, um Messias que ser cortado em Daniel
9.26, o prprio Senhor sendo traspassado em Zacarias 12.10, e a
espada despertada contra o homem que est a seu lado em Zaca-
rias 13.7, que fala de um pastor ferido e suas ovelhas espalhadas.
Quinto, o que dizer dos gentios? Deus disse que todas as
famlias da terra seriam abenoadas na semente de Abrao (Gn
12.3; 22.17-18). Isaas disse que estrangeiros seriam sacerdotes e
levitas (Is 66.21), mas no final do Antigo Testamento, Esdras e
Neemias se certificaram de que os israelitas no se casassem com

53
O QUE TEOLOGIA BBLICA?

pessoas no israelitas. Como que Deus abenoar os gentios


pela semente de Abrao?
Quando chegamos ao final do Antigo Testamento, no
temos resposta s perguntas de como todas essas coisas sero
resolvidas. Como ser cumprido o tema do Messias vencedor,
luz do modelo de sofrimento e da profecia de que o Messias
morreria? O que dizer desse novo xodo e o prometido retorno
do exlio?

SER QUE TUDO VAI DESMORONAR?


Teria a histria fugido ao controle? Existe caminho para as indi-
caes vindas dessas moedas de ouro para serem ajuntadas em
resoluo que satisfaa?
Essa resoluo acontece por meio da maior reviravolta de
trama na histria do universo: a conquista do Messias, que pa-
recia uma derrota. Satans parecia ter vencido. Parecia ter ferido
muito mais que o calcanhar da semente da mulher.
O jeito que os discpulos reagiram, quando Jesus anunciou
que iria a Jerusalm para morrer, mostra como o estratagema se-
creto de Deus era inesperado. Pedro repreendeu Jesus e disse-lhe
que isso nunca aconteceria. Aconteceu.
Jesus cumpriu o modelo da semente sofrida da mulher.
Quando morreu na cruz, ele cumpriu as predies de que o
Messias seria cortado, o servo sofreria, a espada despertaria
contra o homem em p ao lado do Senhor. Realmente, aqueles
que o viram morrer viram o Senhor a quem traspassaram. Os
pecados de Israel foram duplamente pagos (Is 40.2), porque a
morte de Jesus prov perdo completo (Hb 10.1-18). Ele morreu
como servo sofredor (Isaas 53). Deus chama Israel de seu filho

54
O Mistrio

primognito (x 4.23), e Jesus representa a Israel como Filho


de Deus. A morte de Jesus satisfaz a ira de Deus, encerrando a
maldio contra o Israel que quebrara o pacto.
Na transfigurao, Moiss e Elias conversavam com Jesus
sobre o xodo que ele estava prestes a realizar em Jerusalm
(Lucas 9.31). Jesus morreu como o cordeiro de Deus em novo
xodo, que tipologicamente cumpriu o xodo do Egito. Jesus
cumpriu as promessas do Antigo Testamento de que Deus re-
dimiria a seu povo de forma a eclipsar o xodo do Egito (por
exemplo, Jr 16.14-15; 23.7-8).
A morte de Jesus colocou em movimento o novo xodo, e
os seguidores de Jesus so descritos, no Novo Testamento, como
forasteiros (exilados 1 Pe 1.1) que esto sendo edificados em
novo templo (1 Pe 2.4-5), ao se dirigirem para a Terra Prometida
(1 Pe 2.11), o novo cu e nova terra, em que habita a justia (2
Pe 3.13). Quando os autores do Novo Testamento falam dessa
forma, esto usando a sequncia de eventos que ocorreram no
xodo do Egito como matiz interpretativa para descrever o sig-
nificado da salvao que Deus realizou em Jesus.
O que dizer dos gentios? Bem, Paulo levou o evangelho pri-
meiro ao judeu, depois ao grego (Rm 1.16). Quando os judeus
rejeitaram o evangelho, Paulo foi para os gentios (por exemplo,
Atos 13.46). Paulo ensina que, quando o nmero completo de
gentios tiver entrado, Jesus voltar e salvar o seu povo (Rm
11.25-27). Todas as famlias da terra sero abenoadas na se-
mente de Abrao: Jesus, o Messias (Gl 3.14-16).
Paulo ensina em Efsios que este foi o plano escondido de
Deus para os gentios: o mistrio que foi revelado a Paulo e aos
outros apstolos e profetas (Ef 3.4-6). Embora estivera oculto

55
O QUE TEOLOGIA BBLICA?

durante sculos e geraes, os crentes hoje conhecem a hist-


ria completa (Cl 1.26). Conhecer Cristo significa compreender
o grande mistrio de Deus (Cl 2.2-3). Moiss profetizou e de-
monstrou isso por modelos, que foram repetidos nas histrias e
proclamado pelos profetas. Jesus cumpriu tudo, e Paulo explica
que o mistrio da vontade de Deus era este plano apresentado
em Cristo na plenitude do tempo, a fim de que todas as coisas
(judeus e gentios), no cu e na terra, fossem unidas em Cristo
(Ef 1.9-10). Os cristos gentios gozam todas as bnos dadas a
Israel, no Antigo Testamento (Ef 1.13-14).
Quando o evangelho tiver sido pregado a todas as naes
(Mt 24.14), quando as duas testemunhas tiverem completado o
seu testemunho (Ap 11.7), quando todos os mrtires tiverem sido
fiis at a morte (Ap 6.11), quando todo o nmero dos gentios
tiverem sido completo (Rm 11.25), Jesus vir. Os judeus que esti-
verem ento vivos o vero e crero, tero seus pecados perdoados,
e sero trazidos para dentro da nova aliana: E, assim, todo o
Israel ser salvo (Rm 11.26-27). A trombeta soar, o Senhor des-
cer, dizendo: O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do
seu Cristo, e ele reinar pelos sculos dos sculos (Ap 11.15).

NEM MESMO A MORTE O DESFAZ


O que Deus fez, em Jesus, trouxe resoluo a um mistrio que
estivera sem soluo no final do Antigo Testamento, e a con-
sumao prometida pela garantia do Esprito Santo far novas
todas as coisas. O mistrio foi solucionado, o resultado da
histria foi revelado, e agora vivemos pela f em que os acon-
tecimentos que comearam a entrar em movimento realizaro
todas as nossas esperanas (Rm 8.18-30). Podemos viver sob

56
O Mistrio

esta esperana, porque no existe nada que mude para desprezo


o amor de Deus nem mesmo a morte (Rm 8.31-39).
Voc tem medo da morte? Voc pensa em sua morte, ou na
morte de algum a quem ama, luz da grande histria da Bblia?
Mais cedo neste livro, eu relatei parte do que aconteceu na
noite de 6 de janeiro de 2010, a noite em que um amigo meu saiu
de sua cadeia mortal. Poucos dias mais tarde, tive o privilgio de
pregar em seu funeral. Naquele dia nos reunimos para glorificar
a Deus por dar-nos a alegria de t-lo conhecido.
Diz o Salmo 90.10:

Os dias da nossa vida sobem a setenta anos ou,


em havendo vigor, a oitenta;
neste caso, o melhor deles canseira e enfado,
porque tudo passa rapidamente, e ns voamos.

Pela fora, o meu amigo viveu at os oitenta e um anos


de idade. Foi fiel at morte. Confiou em Jesus Cristo e serviu
fielmente a Igreja Batista de Kenwood como dicono. Agora ele
serve na presena do Rei dos Reis e Senhor dos Senhores. Ele to-
mou seu lugar na corte celestial e enxerga o trono da Majestade
Altssima.
A grande conquista da vida de meu amigo era que ele ven-
ceu o mundo. Ele rejeitou as mentiras do mundo em favor da
verdade de Deus. Ao confiar em Jesus, ele venceu. A sua luta
acabou. Sua batalha foi vencida. Foi um conflito pico entre o
bem e o mal que durou toda sua vida, muito mais significativo
que qualquer jogo de futebol ou qualquer eleio. Na sua vida
humana, como em toda vida, estava a glria do prprio Deus.

57
O QUE TEOLOGIA BBLICA?

Ele glorificou a Deus no seu casamento. Amava sua esposa


como Cristo amou a igreja, entregando-se por ela e sendo-lhe
fiel at o final.
Tambm glorificou a Deus em seu compromisso com a
igreja de Cristo. Estava sempre pronto e empenhado para fazer
discpulos de Jesus.
Ele e sua esposa, juntos, glorificaram a Deus ao adotarem
uma filha, assim como o seu Pai celestial os adotou.
O seu corpo foi ativo durante oitenta e um anos, e agora
um cadver. Plantamos seus restos sem vida no cho, e a prxima
coisa que esses restos mortais experimentaro ser a ressurrei-
o, quando Jesus voltar, conforme descrito pelo apstolo Paulo,
em 1 Corntios 15.42-49.
Nosso primeiro pai foi exilado do den. Israel foi expulso da
terra. Todos ns vivemos fora da presena imediata de Deus. A
histria da Bblia a nossa histria, e o mistrio se fez conhecido.
Veio o heri, que experimentou o momento mais profun-
do e tenebroso de exlio por ns, desamparado pelo Pai, e ento
ele inaugurou o retorno do exlio por meio da sua ressurreio
dos mortos.
O Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, cumpriu
a Pscoa, e ns que cremos fomos libertados da escravido do pe-
cado. Estamos agora viajando em direo Terra da Promessa. A
fim de entendermos como Deus nos conduz atravs desse deser-
to, tomaremos alguns dos smbolos da Bblia na segunda parte.

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