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6 Revista Brasileira de Viticultura e Enologia 2014 PDF

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palavra do

DIRETORIA presidente
Presidente:
LUCIANO VIAN

Arquivo ABE
Vice-Presidente:
LEOCIR BOTTEGA
uando lançamos o projeto
1º Tesoureiro:
da Revista Brasileira de
Dario Crespi
Viticultura e Enologia em
2º Tesoureiro: 2009 assumimos um compromisso
GABRIEL CARISSIMI com a construção do conhecimento
dos profissionais que integram a
1º Secretário:
cadeia produtiva da uva e do vinho.
DIRCEU SCOTTÁ De lá para cá, já foram publicados
2ª Secretária: 50 trabalhos originais nas áreas da
JOICE SEIDENFUS Viticultura, Enologia, Legislação e
Mercado, e que agora com a sexta
Diretor Social: edição somam 60 artigos.
CHRISTIAN BERNARDI Luciano Vian
Presidente ABE Nas páginas a seguir, vocês encontram 10 trabalhos inéditos,
Diretores de Eventos:
seis deles em Enologia, nossa área mais difundida. Esta
JULIANO PERIN
iniciativa, hoje consolidada, não apenas estimula a pesquisa,
ANDRÉ PERES JÚNIOR
preenchendo uma lacuna existente no meio científico do
Diretores de Degustação: setor, como também aproxima o profissional de novos
GILBERTO SIMONAGGIO estudos, estimulando a atualização nas mais diversas áreas.
DANIEL SALVADOR
Aqui, queremos compartilhar o ineditismo de novas visões a
Diretor Cultural:
partir de uma metodologia científica capaz de elucidar temas,
ANTONIO CZARNOBAY aproximando a teoria da prática e, com isso, ampliando as
Diretores Técnicos em Viticultura: possibilidades para o avanço do setor vitivinícola. Este é o
CARLOS ABARZÚA nosso caminho.
JOÃO CARLOS TAFFAREL
Promovemos o vinho com eventos como a Avaliação
Diretores Técnicos em Enologia: Nacional de Vinhos, o Concurso Internacional de Vinhos do
EDEGAR SCORTEGAGNA Brasil e o Concurso do Espumante Brasileiro, mas também
SAMUEL CERVI damos suporte aos enólogos com palestras e visitas técnicas,
Diretores Regionais Centro-Sul: degustações e cursos.

ANDERSON DE CÉSARO
Entretanto, o fascínio que reside no mundo do vinho não
ÁTILA ZAVARIZE
reside apenas na sensibilidade, mas vive, principalmente,
Diretores Regionais Norte-Nordeste: no campo do conhecimento que se reconstrói a cada safra.
Giuliano Elias Pereira Sendo assim, convidamos todos a degustar cada artigo,
FLAVIO DURANTE harmonizando com goles de sabedoria na companhia de um
bom vinho.
Secretárias:
Eliane Cerveira Saúde!
Adriane Biasoli
sumário
Comissão Organizadora
• Enól. Luciano Vian
• Dr. Alberto Miele
• Enól. Carlos Abarzúa
Viticultura
Fenologia, produção e evolução da curva de
• Enól. Christian Bernardi 8
• Dra. Cláudia Stefenon maturação da videira Cabernet Franc cultivada
• Enól. Dario Crespi em clima úmido
• Enól. Dirceu Scottá
• Enól. Juliano Perin 16 Evolução da maturação fenólica de uvas
• Enól. Leocir Bottega nas regiões de Grave del Friuli e Serra Gaúcha
• Secretária: Adriane Biasoli

Comitê Editorial
• Dr. Alberto Miele (Editor-Chefe) Enologia
• Dr. Carlos Eugênio Daudt
24 Determinação de ocratoxina A em suco de uva
• Dr. Celito Crivellaro Guerra
integral por cromatografia líquida de alta eficiência
• Dr. Eduardo Giovannini
• Dr. Erasmo José Paioli Pires
• Dr. Jean Pierre Rosier 30 Evolução dos compostos fenólicos e da
• Dr. Luciano Manfroi cor de vinhos tintos da variedade Merlot
• Dr. Maurilo Monteiro Terra
• Dra. Regina Vanderlinde 40 Efeito do tipo de solo nos compostos fenólicos
• Dr. Sérgio Ruffo Roberto e na atividade antioxidante do vinho
• Dr. Vitor Manfroi

50 Taninos elágicos e atividade antioxidante


Assessores Científicos em 2014 de aparas de madeira de carvalho usadas na
• Dr. Alberto Miele – Embrapa Uva e Vinho
maturação do vinho
• Prof. Carlos Eugenio Daudt – Universidade Federal
de Santa Maria
58 Influência da cepa de levedura nas características
• Dr. Celito Crivellaro Guerra – Embrapa Uva e Vinho
físico-químicas e organolépticas de vinhos
• Dra. Cláudia Alberici Stefenon - Biotecsul
• Dr. Erasmo José Paioli Pires – Instituto Agronômico espumantes
de Campinas
• Dr. Jaime Evaldo Fensterseifer - Universidade de 66 Avaliação físico-química dos sucos das uvas
Caxias do Sul provenientes da espécie de Vitis labrusca
• Dr. José Eduardo Monteiro – Embrapa Uva e Vinho acondicionados em diferentes recipientes
• Dr. José Fernando da Silva Protas - Embrapa Uva e
Vinho
• Profa. Larissa Dias de Ávila – IFRS Bento Gonçalves
• Prof. Luciano Manfroi - IFRS Bento Gonçalves
Mercado
• Dr. Marco Antônio Fonseca Conceição – Embrapa 74 Motivações e inibições para o consumo de
Uva e Vinho vinhos espumantes no mercado brasileiro
• Prof. Marcos Gabbardo - Universidade Federal do
Pampa
• Prof. Sérgio Ruffo Roberto – Universidade Estadual Legislação
de Londrina
Elaboração, tramitação e sanção
• Prof. Vitor Manfroi - Universidade Federal do Rio 80
da lei do vinho artesanal do Brasil
Grande do Sul

Revista Brasileira de Viticultura e Enologia Foto Capa: Fabiano Mazzotti


Publicação da ABE - Associação Brasileira de Enologia Revisão português: Professora Teresinha Dalla Costa
Rua Matheus Valduga, 143 - 95700-000 - Bento Gonçalves - RS Revisão inglês: Professora Beatriz Farina Glauche
Revisão das Referências: Bibliotecária Luisa Veras de Sandes Guimarães
Tel. (54) 3452.6289 - revista@enologia.org.br Editoração: Vania M. Basso
www.enologia.org.br Impressão: Fórmula Prática | Tiragem: 2.500 exemplares
Exemplares desta publicação podem ser adquiridos na sede da ABE.
ISSN 2176-2139
carta do
editor
Arquivo Pessoal

m continuação às inovações que estão sendo implementadas, a


partir deste fascículo a Revista Brasileira de Viticultura e Enologia
passa a contar com a colaboração de uma bibliotecária, a qual fará a
revisão das referências bibliográficas citadas nos trabalhos.

A presente edição é composta de 10 artigos, sendo dois de viticultura, seis


de enologia, um de mercado e um de legislação. Essas contribuições são
majoritariamente do Estado do Rio Grande do Sul e, também, de São Paulo.
Além disso, há a contribuição de um artigo de Portugal.

Os trabalhos de viticultura enfocam a fenologia e os componentes de


produção da videira e a composição do mosto da uva Cabernet Franc,
cultivada em São Paulo. O outro trata da determinação da maturação
Alberto Miele
fenólica das uvas Merlot e Cabernet Sauvignon nas regiões vitícolas da Serra Gaúcha
Editor-Chefe
(Brasil) e de Grave Del Friuli (Itália) pelo método Polyphenolic Meter Index.

Os trabalhos de enologia contemplam as áreas de suco de uva, vinho, mercado e


legislação. Com relação ao suco de uva, há estudo sobre a presença de ocratoxina A
em suco de uva integral, a qual se situou abaixo das concentrações especificadas pela
legislação brasileira. Em outro artigo, avalia-se a estabilidade temporal do suco de
uva armazenado em recipientes de vidro com três cores diferentes. Quanto ao vinho,
predominam as pesquisas relacionadas aos compostos fenólicos. Um deles enfoca a
evolução dessas substâncias no vinho Merlot elaborado na Serra Gaúcha e na Campanha.
Outro estuda o efeito de três tipos de solo do Vale dos Vinhedos nos compostos fenólicos
e na atividade antioxidante do vinho Merlot. E um terceiro evidencia os teores de taninos
elágicos em aparas de madeira de carvalho e seu efeito no envelhecimento do vinho
e em sua atividade antioxidante. Há, ainda, um artigo que mostra o efeito da cepa de
levedura nas características físico-químicas e sensoriais de espumantes.

Fatores motivadores e inibidores do consumo de espumante no Brasil são relatados


em artigo, onde 222 pessoas responderam a questionários enviados online. O prazer
e a companhia de amigos são as maiores motivações para o consumo de espumante,
enquanto que o preço do produto e o hábito de não consumir são os principais pontos
inibidores. No que se relaciona à legislação, discute-se a construção, a tramitação
e a sanção do vinho artesanal no país, visando à tipificação do vinho produzido pela
agricultura familiar.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.7, 2014 7


Silvia Tonon

Fenologia, produção e evolução da curva de maturação


da videira Cabernet Franc cultivada em clima úmido

Mário José Pedro Júnior1,2


José Luiz Hernandes1
Gabriel Constantino Blain1
Ludmila Bardin-Camparotto1,3

Resumo
oram avaliadas as características fenológicas, produtivas e químicas
do mosto da uva para vinho Cabernet Franc sustentada em espaldeira
e cultivada sob as condições de clima úmido da região vitícola de São
Roque (SP), durante os anos agrícolas de 2010/11, 2011/12 e 2012/13.
A duração total do ciclo para as diferentes safras foi, respectivamente, 172, 182
e 179 dias, enquanto o período de maturação foi de 46, 52 e 52 dias. Nessas
safras, foram obtidos os seguintes valores de produtividade: 13,5, 15,2 e 12,6
t.ha-1. As características do mosto, na época da colheita, foram: teor de sólidos
solúveis: 19,0, 19,8 e 20,0 °Brix; acidez titulável: 99, 79 e 98 meq.L-1 e pH: 3,35, 3,28
e 3,35. Observou-se, também, que a qualidade do mosto para a Cabernet Franc,
1
Instituto Agronômico cultivada em São Roque, foi comparável a das principais regiões vitivinícolas do
13012-970 Campinas, SP sul do país, portanto essa cultivar apresenta potencial de utilização em região de
2
Bolsista do CNPq
clima úmido, visando à elaboração de vinhos de qualidade.
3
Bolsista da Fapesp
Autor correspondente:
mpedro@iac.sp.gov.br
Palavras-chave: teor de sólidos solúveis, acidez titulável, uva para vinho.
8 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.8-15, 2014
Abstract

Phenology, yield and maturation curve for the


Cabernet Franc grapevine grown under humid
climatic condition
The characterization of phenology, yield and maturation curve of the yeast of Cabernet
Franc grapevine trellised under vertical shoot positioning branches were done for the humid
climatic conditions of São Roque, São Paulo State, Brazil during the growing seasons: 2010/11,
2011/12 and 2012/13. Obtained values of total cycle duration, for the different growing
seasons were, respectively: 172, 182 and 179 days and for the maturation period: 46, 52 and 52
days. Obtained values of yield of the Cabernet Franc for the different growing seasons were:
13.5, 15.2 and 12.6 t.ha-1 and the must characteristics at harvest were: total soluble solids:
19.0, 19.8 and 20.0 °Brix; titratable acidity: 99, 79 and 98 meq.L-1 and pH: 3.35, 3.28 and 3.35.
The obtained values of must quality for the Cabernet Franc grown at São Roque were similar
to most of the vine growing regions from the south of the country therefore, the variety has
potential for cultivation under humid climate aiming to obtain fine quality wines.

Key words: soluble solids, titratable acidity, grapevine.

Introdução

A região vitivinícola de São Roque (SP), tradicionalmente, região de produção.


tem se caracterizado pela produção de vinho artesanal
elaborado a partir de uvas rústicas. Recentemente, com As características físico-químicas do mosto da Cabernet
o incremento e estruturação do enoturismo promovido Franc foram avaliadas, em Bento Gonçalves (RS) (MANFROI
pelos próprios produtores e governos municipal e estadual et al., 2004, 2006); em São Joaquim (SC) (GRIS et al., 2010)
(VERDI et al., 2011), iniciou-se uma tendência à produção de e no noroeste do Estado de São Paulo (REGINA et al.,
vinhos de melhor qualidade produzidos com uvas viníferas. 2011). Esses autores verificaram que a Cabernet Franc,
Porém, a época de maturação das uvas coincide com nas diferentes regiões de produção, apresentou valores
período chuvoso, e as precipitações pluviais interferem no adequados de teor de sólidos solúveis e de acidez titulável
processo de acúmulo de açúcares no mosto (MANFROI et para elaboração de vinho. Gris et al. (2010) relataram
al., 2006). que a Cabernet Franc apresenta bom potencial para a
produção de vinhos finos em São Joaquim (SC). Também,
Nesse contexto, dentre as cultivares disponíveis no mercado, Amaral et al. (2009) concluíram que o cultivar apresentou
a Cabernet Franc tem se destacado para elaboração de ótimas características produtivas e enológicas na região da
vinho tinto jovem (RIZZON; MIELE, 2001). Essa cultivar foi, Campanha (RS), tendo, ainda, se mostrado bem adaptado
por longo tempo, a principal uva vinífera tinta no Brasil às condições climáticas da região da Serra do Sudeste do
(GIOVANINI; MANFROI, 2009). No território brasileiro, a Rio Grande do Sul.
Cabernet Franc tem sido avaliada sob diferentes aspectos.
A caracterização fenológica foi feita na Serra Gaúcha De acordo com Rizzon e Mielle (2001), a uva Cabernet
(MANDELLI et al., 2003); na região de Uruguaiana, fronteira Franc possui bom potencial de acúmulo de açúcar,
oeste do Rio Grande do Sul (BRIXNER et al., 2010) e Quaraí, podendo, em função de manejo adequado, originar vinhos
no Rio Grande do Sul (AMARAL et al., 2009); em região de sem necessidade de correção do mosto, sendo a acidez
altitude, em São Joaquim, Santa Catarina (GRIS et al., 2010; adequada para elaboração de vinho tinto. Regina et al.
BRIGHENTI et al., 2013). Esses estudos evidenciaram ser (2011) obtiveram valores elevados de acúmulo de sólidos
a Cabernet Franc de ciclo médio em relação à brotação e solúveis (25,4 °Brix) para produção em regime de dupla
médio a tardio com respeito à maturação em função da poda e colheita durante o inverno. Esses autores relataram

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.8-15, 2014 9


também que o cultivar, na região noroeste do Estado de São para pH=8,2 como ponto final da titulação e o resultado
Paulo, alcançou maturação tecnológica no momento da final sendo expresso em meq.L-1.
colheita com alto potencial alcoólico e acidez equilibrada,
principalmente em cultivo durante o período de inverno, Na época da colheita foi feita a determinação de massa,
quando as condições climáticas são mais favoráveis pela comprimento e largura de trinta cachos coletados ao
menor ocorrência de chuvas durante a maturação das uvas. acaso no vinhedo. A produção foi estimada pela massa
média e número dos cachos. Os valores médios, tanto
A região vitícola de São Roque caracteriza-se por apresentar das características fitotécnicas das videiras e dos cachos
uma estação de crescimento e maturação para as videiras, quanto das químicas do mosto, foram submetidos à análise
com ocorrência de chuvas que, muitas vezes, prejudicam de variância de delineamento inteiramente casualizado e
o acúmulo de açúcares nas uvas. Entretanto, os resultados comparados pelo teste t, ao nível de 5% de significância.
promissores acima descritos, obtidos em diferentes regiões
do país, com a Cabernet Franc, para elaboração de vinhos
finos, induziram à realização desse experimento visando à
caracterização fenológica, produtiva e físico-química dessa Resultados e Discussão
uva vinífera cultivada em condições de clima úmido, como
a existente na região vitícola de São Roque (SP). Na Figura 1 é apresentada a variação dos valores diários de
temperatura máxima e mínima e de precipitação pluvial
observados durante os meses de setembro a março para
as safras de 2010/11; 2011/12 e 2012/13. Durante o período
Material e Métodos de maturação, desde o início até a colheita das uvas, foram
registrados, respectivamente, 322, 445 e 308 mm de chuva
O experimento foi realizado em vinhedo comercial da para as safras de 2010/11; 2011/12 e 2012/13. Entretanto,
Vinícola Góes, localizado no município de São Roque considerando apenas os 10 dias anteriores à colheita, foram
(SP), com altitude média de 800 m. O clima, de acordo registrados, respectivamente, 89, 26 e 38 mm nas safras
com Koeppen, é Cfb, sendo que durante a maturação e avaliadas.
colheita das uvas, em janeiro e fevereiro, a precipitação
pluvial média é de 400 mm. As videiras de Cabernet Franc Em relação à caracterização fenológica da Cabernet Franc, na
foram enxertadas sobre Paulsen 1103 e sustentadas em região de São Roque (Figura 1), verificou-se que as durações
espaldeira alta, com espaçamento de 1,2 m entre plantas dos subperíodos fenológicos (Tabela 1) nas safras avaliadas
e 2,7 m entre as ruas. Os tratamentos fitossanitários e de foram respectivamente: poda-floração − 60, 50 e 50 dias;
manejo da cultura foram feitos conforme recomendação floração-pintor − 66, 80 e 77 dias; início da maturação-
técnica para a região. colheita − 46, 52 e 52 dias. O ciclo total das videiras
observado para as diferentes safras foi, respectivamente,
A caracterização fenológica foi feita em dez plantas 172, 182 e 179 dias. Os valores médios da duração do ciclo
marcadas ao acaso no vinhedo tendo sido anotadas, por total de 178 dias foram semelhantes aos relatados por
meio da escala de Lorenz et al. (1995), as datas médias Amaral et al. (2009) para a região de Quaraí (RS) e inferiores
da floração, início de maturação ou pintor e colheita. Em aos obtidos por Gris et al. (2010) e Brighenti et al. (2013)
trinta plantas, distribuídas ao acaso no vinhedo, foram para São Joaquim (SC). Nesse caso, as temperaturas mais
determinados, durante as safras de 2010/11, 2011/12 e baixas que ocorrem na região de altitude de Santa Catarina
2012/13, número de cachos e ramos, massa dos cachos influenciaram no prolongamento do ciclo das videiras.
e estimativa da produção. As datas de poda e de colheita
foram, respectivamente, 6/9/10, 8/9/11; 8/9/12 e 20/2/11; Os valores médios do número de cachos (Tabela 2) foram
8/3/12; 4/3/13. estatisticamente iguais nas safras analisadas, variando entre
29 e 32 cachos por planta. Amaral et al. (2009) relataram
A evolução da curva de maturação foi feita por meio de 24,5 cachos.planta-1 em Quaraí (RS) para a Cabernet Franc
amostragens quinzenais, coletando-se ao acaso 100 bagas sustentada em espaldeira com espaçamento de 3 x 2 m. Em
divididas em quatro subamostras de 25 bagas para fins de relação à massa dos cachos (Tabela 2), foram observados
análise química. Foram analisados: teor de sólidos solúveis os maiores valores médios durante a safra de 2011/12
(°Brix), medido com refratômetro ótico manual com escala alcançando 155,5 g, em comparação às safras de 2010/11
de 0 a 32 °Brix; pH, determinado por pHmetro de bancada e 2012/13, cujos valores foram, respectivamente, 147,2 g
e acidez titulável, medida por titulação do suco do mosto e 136,4 g. A menor massa dos cachos durante a safra de
com solução padronizada de NaOH, tendo sido ajustado 2012/13 pode ter sido influenciada pelo maior número de

10 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.8-15, 2014


50 150
Safra 2010/11
Início da
40 Poda Floração Maturação Colheita 120

30 90

20 60

10 30

0 0
50 150
Safra 2011/12
Início da
Poda Floração Maturação Colheita
40 120
Temperatura do ar (ºC)

30 90

Chuva (mm)
20 60

10 30

0 0
50 150
Safra 2012/13
Início da
Poda Floração Maturação Colheita
40 120

30 90

20 60

10 30

0 0
1/9
11/9
21/9
1/10
11/10
21/10
31/10

20/11
30/11

30/12
9/1
19/1

8/2
18/2
28/2
10/3
20/3
30/3
10/11

10/12
20/12

29/1

Data

Figura 1. Variação diária das temperaturas máxima, mínima e chuva e indicação das datas de ocorrência
de estádios fenológicos da uva Cabernet Franc para diferentes safras em São Roque (SP).

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.8-15, 2014 11


ramos deixados durante a desbrota. Os valores de massa 15,17 t.ha-1, tendo sido superiores aos relatados por Amaral
do cacho obtidos nesse experimento foram inferiores aos et al. (2009), cujo valor médio foi 4,97 t.ha-1.
relatados por Rizzon e Miele (2001) para a Serra Gaúcha
(223,6 g) e superiores aos obtidos por Amaral et al (2009) Na Figura 2 é mostrada a evolução da curva de maturação
na região de Quaraí (RS) (92,9 g). por meio do aumento do teor de sólidos solúveis (TSS) e da
diminuição da acidez titulável (AT) para a Cabernet Franc
A produção da Cabernet Franc (Tabela 2) variou entre 4,08 e na região de São Roque (SP). Durante as safras avaliadas,
4,92 kg.planta-1, sendo o maior valor obtido durante a safra foi observado um aumento do TSS, durante o período de
de 2011/12, quando foram observados os maiores valores maturação, que variou de 12 °Brix, no início da segunda
de número de cachos por planta e massa de cacho. Os quinzena de janeiro, início da maturação, até atingir 19 a
valores de produtividade estimada variaram entre 12,58 e 20 °Brix na colheita, enquanto a AT decresceu, no mesmo

20 500
Safra 2010/11
400
15

300
10
200

5
100

0 0
Teor de sólidos solúveis (ºBrix) e pH

12/01 25/01 08/02 16/02 02/03

Acidez titulável (meq.L-1)


20 500
Safra 2011/12
400
15

300
10
200

5
100

0 0
04/01 18/01 02/02 15/02 29/02

20 500
Safra 2012/13
400
15
pH
TSS 300
10
AT 200

5
100

0 0
03/01 17/01 06/02 14/02 28/02

Data amostragem

Figura 2. Evolução do teor de sólidos solúveis (TSS), pH e acidez titulável (AT) para a uva Cabernet Franc
em diferentes safras em São Roque (SP).

12 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.8-15, 2014


Tabela 1. Data de ocorrência e duração dos subperíodos fenológicos para a Cabernet Franc na região de São Roque (SP).

Data de ocorrência
Safra
Poda (P) Florescimento (F) Início Maturação (IM) Colheita (C)

2010/11 06/09/2010 05/11/2010 10/01/2011 25/02/2011

2011/12 08/09/2011 28/10/2011 16/01/2012 08/03/2012

2012/13 06/09/2012 26/10/2012 11/01/2013 04/03/2013

Duração do subperíodo fenológico


Safra
P-F F-IM IM-C Ciclo total

2010/11 60 66 46 172

2011/12 50 80 52 182

2012/13 50 77 52 179

Média 53 74 50 178

Tabela 2. Médias do número de ramos e cachos, massa, comprimento e largura dos cachos, produção por planta e
produtividade da Cabernet Franc na região de São Roque (SP).

Número de Número de Massa do Comprimento Largura Produção Produtividade


Safra cacho (g) do cacho (cm) do cacho (cm) (kg.planta-1) (t.ha-1)
ramos cachos

2010/11 21 c 29 a 147,2 ab 12,7 b 6,4 b 4,37 ab 13,49 ab

2011/12 24 b 32 a 155,5 a 14,1 a 7,8 a 4,92 a 15,17 a

2012/13 28 a 29 a 136,4 b 14,4 a 6,1 b 4,08 b 12,58 b

dms 2,0 2,8 17,3 0,89 0,5 0,73 2,26


Médias seguidas da mesma letra nas colunas diferem entre si ao nível de 5% pelo teste t.

período, de valores entre 200 e 220 meq.L-1 até atingir o valor do TSS foi de 18,9 °Brix. Esse menor valor coincidiu
valores médios entre 80 e 100 meq.L-1 na ocasião da com a precipitação de 89 mm de chuva 10 dias antes da
colheita. Manfroi et al. (2004) obtiveram curvas da evolução colheita, enquanto durante as safras de 2011/12 e 2012/13
da maturação semelhantes aos obtidos nesse trabalho para os valores de TSS, média de 20 °Brix, foram estatisticamente
a Cabernet Franc conduzida no sistema lira aberta na região superiores aos obtidos para a safra de 2010/11. No caso das
de Bento Gonçalves (RS). safras de 2011/12 e 2012/13, foram observados menores
valores de ocorrência de chuvas no período precedente à
Na Tabela 3 são mostrados os valores médios de TSS, que colheita, registrando, respectivamente, 26 e 38 mm. Esses
variaram entre 18,9 e 20,0 °Brix, tendo sido estatisticamente valores evidenciam a influência da precipitação pluvial
diferentes na comparação entre safras. Valores de TSS da nos últimos dias que antecedem a colheita, mostrando
mesma ordem de grandeza dos obtidos nesse trabalho a necessidade de planejamento da poda, de forma que
foram considerados elevados para a Cabernet Franc na Serra a colheita coincida com períodos menos chuvosos,
Gaúcha (RIZZON; MIELE, 2001). Durante a safra de 2010/11, considerando uma série histórica de dados climáticos.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.8-15, 2014 13


Tabela 3. Médias de teor de sólidos solúveis (TSS), pH e acidez titulável (AT) no mosto da uva Cabernet Franc em
São Roque (SP).

Safra TSS (°Brix) pH AT (meq.L-1)

2010/11 18,9 b 3,35 a 99 a

2011/12 19,8 a 3,28 b 79 b

2012/13 20,0 a 3,35 a 98 a

dms 0,47 0,06 3,37


Médias seguidas da mesma letra nas colunas diferem entre si ao nível de 5% pelo teste t.

Manfroi et al. (2006) obtiveram valores mais baixos de na Serra Gaúcha.


TSS influenciados pelo vigor das plantas, adubação
nitrogenada e precipitação pluvial ocorrida durante o Os valores de pH variaram entre 3,28 e 3,35 (Tabela 2) para
período compreendido entre a mudança de cor e a colheita. as diferentes safras e foram comparáveis aos relatados por
Apesar das chuvas durante o período de maturação, a Rizzon e Miele (2001) e Manfroi et al. (2006) relativos à
Cabernet Franc mostrou possuir potencial genético para Cabernet Franc, cultivada na região da Serra Gaúcha, e por
acúmulo de açúcar. Os valores obtidos de TSS, entre 19 Amaral et al. (2009) para a região da Campanha (RS). Esses
e 20 °Brix, são comparáveis aos relatados por Amaral et valores, da ordem de 3,3, são considerados adequados para
al. (2009) para Quaraí (RS). Porém, foram inferiores aos elaboração de vinhos (RIZZON; MIELE, 2001).
relatados por Brighenti et al. (2013) para São Joaquim (SC),
provavelmente pelo maior tempo de duração do período Os resultados obtidos nesse trabalho relativos à produção,
de maturação nessa região e aos obtidos por Regina et al. teor de sólidos solúveis, acidez titulável e pH no mosto
(2011), devido ao fato de a colheita da Cabernet Franc na da Cabernet Franc foram comparáveis aos relatados para
região noroeste do Estado de São Paulo ter ocorrido entre a região sul do país, indicando ter o cultivar potencial
os meses de julho e agosto, ou seja, durante os meses mais agronômico de utilização em região de clima úmido no
secos do ano, propiciando melhor condição climática para Estado de São Paulo, visando à elaboração de vinhos de
o acúmulo de açúcar, pela adoção do sistema de dupla qualidade.
poda.

De acordo com Amaral et al. (2009), a vitivinicultura do país


concentra-se em regiões de clima temperado e subtropical,
ambas com verões considerados úmidos, cuja ocorrência Conclusão
de chuvas influi no processo de maturação das uvas,
justificando, portanto, estudos que permitam a orientação A videira Cabernet Franc, cultivada em região de clima
das operações de manejo, com o intuito de obter melhor úmido, se caracterizou por apresentar massa do cacho
qualidade dentro de cada condição específica de produção. variando entre 136,4 e 155,5 g e produtividade entre 12,58
a 15,17 t.ha-1. A duração média do ciclo total das videiras foi
A AT na região de estudo variou entre 79 e 99 meq.L-1 de 178 dias e do período de maturação de 50 dias. O mosto
tendo sido os valores médios estatisticamente diferentes apresentou teores de sólidos solúveis (18,9 a 20,0 °Brix) e de
entre si na comparação entre safras. Os valores obtidos acidez titulável (79 a 99 meq.L-1), considerados adequados
nesse experimento foram inferiores em cerca de 20% aos para a vinificação.
verificados por Brighenti et al. (2013) em São Joaquim (SC)
e Manfroi et al. (2006) em Bento Gonçalves (RS). Rizzon e
Miele (2001) consideram valores médios de AT da ordem
de 109 meq.L-1 adequados para a elaboração de vinho tinto

14 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.8-15, 2014


Agradecimentos

À Vinícola Góes pelas facilidades fornecidas na execução


do trabalho em seu campo experimental e de produção,
situado no município de São Roque (SP).

Referências

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Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.8-15, 2014 15


Marcos Gabbardo

Evolução da maturação fenólica de uvas


nas regiões de Grave del Friuli e Serra Gaúcha

Marcos Gabbardo1
Emilio Celotti2
Valmor César Rombaldi3

Resumo
nalisou-se a evolução da maturação de duas cultivares Vitis vinifera usadas
para produção de vinhos tintos (Merlot e Cabernet Sauvignon), em duas
regiões: a Serra Gaúcha (Brasil) e a região de Grave del Friuli (Itália). Para
monitorar a maturação, empregou-se um método baseado na absorção de luz,
que determina um índice de polifenóis das uvas, o PMI (Polyphenolic Meter
Index). Para testar a validade do uso da técnica em uvas da Região Sul do Brasil,
compararam-se testes em vinhedos italianos e brasileiros. Como esperado, o
uso do PMI apresentou-se como viável para uvas Merlot e Cabernet Sauvignon
produzidas na Serra Gaúcha. Dos 23 vinhedos de Cabernet Sauvignon estudados,
15 na Itália e oito no Brasil, verificou-se que o PMI foi de 223 (Itália) e 221 (Brasil);
1
Unipampa
96450-000 Dom Pedrito, RS as diferenças entre o PMI máximo e mínimo foi de 49 e 53, e o desvio-padrão
2
Università degli Studi di Udine de 13 e 14, respectivamente. Esses valores indicam que há boa uniformidade de
33100 Udine, Itália maturação e que há leve superioridade do Cabernet Sauvignon produzido na
3
UFPel
96010-900 Pelotas, RS Itália. Em relação ao cv. Merlot, a tendência foi inversa, ou seja, a uva produzida
Autor correspondente: na Serra Gaúcha apresentou maior PMI.
mgabbardo@yahoo.com.br
Palavras-chave: PMI, enologia, terroir.
16 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.16-22, 2014
Abstract

Evolutions of phenolic maturation of grapes


in Grave del Friuli and Serra Gaucha regions
We analyzed the evolution of maturation of Vitis vinifera cultivars used to produce red wines
(Merlot and Cabernet Sauvignon), in two regions: the Serra Gaucha (Brazil) and in the region
of Grave del Friuli (Italy). To monitor maturation we used PMI (Polyphenolic Meter Index), a
method based on light absorption to determine an index of polyphenols in grapes. To test
the validity of the use of this technique in grapes from southern Brazil, the results between
Italian and Brazilian vineyards were compared. As expected, the use of PMI is presented as
viable for Merlot and Cabernet Sauvignon produced in Serra Gaucha. Of the 23 vineyards of
Cabernet Sauvignon studied, 15 in Italy and 8 in Brazil the PMI was 223 in Italy, and 221 in
Brazil. The difference between the maximum and minimum PMI was 49 and 53, and standard
deviation of 13 and 14, respectively. These values indicate that there is good uniformity of
maturation, and that there is as light superiority of Cabernet Sauvignon produced in Italy. In
the Merlot cultivar, the grapes produced in Serra Gaúcha showed higher PMI, so the trend
was reversed.

Key words: PMI, enology, terroir.

Introdução

Para as uvas tintas é conveniente diferenciar a maturação para a qualidade do vinho, acumulam-se em grande parte
tecnológica (açúcar e acidez) da maturação fenólica da mesma maneira que as antocianinas (RIBÉREAU-GAYON
(quantidade e qualidade dos compostos fenólicos), já et al., 2003). Entretanto, o método mais utilizado para
que nem sempre evoluem de modo correlato (ROSTI analisar esses componentes (GLORIES; AUGUSTIN, 1993) é
et al., 2011). A maturação tecnológica, mais fácil de ser moroso e, em muitos casos, o resultado obtido na análise
monitorada, é feita através da estimativa do teor de açúcar laboratorial não se reflete no vinho. Há casos em que se
e, por conseguinte, do teor de álcool potencial, da acidez obtêm elevados teores de antocianinas extraíveis, mas a
titulável e do pH. A determinação da maturação fenólica coloração do vinho deixa a desejar (COSME et al., 2009).
como instrumento de trabalho prático para os técnicos Isso se dá em função do método proposto por Glories e
oferece dois obstáculos principais: primeiro, os compostos Augustin (1993), que pode superestimar a extração dos
fenólicos das uvas são numerosos e complexos, por isso compostos que, dependendo da vinificação, resulta em
são difíceis de quantificar e identificar; em segundo lugar, menores teores de antocianinas nos vinhos.
mesmo que a sua influência sobre a qualidade do vinho
seja incontestável, a evolução durante a maturação e a Novas tecnologias que permitam uma boa correlação
determinação durante a colheita demandam métodos positiva entre o teor de polifenóis da uva com o teor
sofisticados e/ou de determinação demorada (BLOUIN; de polifenóis do vinho e que sejam de fácil realização
GUIMBERTEAU, 2004). no campo estão sendo desenvolvidos, aprimorados e
demandados pelo setor vitivinícola mundial (CELOTTI et
O monitoramento do teor de antocianinas na película das al., 2007). Dentre os métodos rápidos e não destrutivos
uvas constitui-se em variável importante, pois permite mais estudados estão o NIR (RODRÍGUEZ-PULIDO et al.,
inferir sobre o estádio de maturação e a qualidade do 2012), UV e fluorescência (MONTEALEGRE, 2006; FERRER-
vinho. Além disso, o teor de antocianinas serve como GALEGO et al., 2011). Ambos se constituem em boas
indicador para acompanhar a evolução dos outros alternativas, gerando bons resultados e permitindo inferir
compostos fenólicos no decorrer da maturação. Os taninos acerca da qualidade do vinho a partir dos dados obtidos na
da película, geralmente reconhecidos como importantes avaliação da uva (RODRÍGUEZ-PULIDO et al., 2012). Porém,

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.16-22, 2014 17


a maioria dos equipamentos que utilizam esses princípios Essa mesma lógica pode ser utilizada em cultivares para
de avaliação tem elevado custo de aquisição, cerca de a produção de vinhos brancos e espumantes, como é o
35.000 euros (CELOTTI et al., 2010). Assim, é importante caso de Chardonnay, Riesling Itálico, Pinot Noir e Moscato
que se desenvolvam métodos de menor custo e/ou que se Branco.
viabilizem equipamentos de menor custo (CELOTTI et al.,
2007). Segundo Celotti et al. (2010), nos primeiros testes Paralelamente a esses avanços, é importante que se
realizados com o método PMI (Polyphenolic Meter Index), popularize o conhecimento acerca do vinho, de modo a
foi verificada a existência de uma variação proporcional simplificar o entendimento de identidade e de qualidade.
da quantidade de luz em função do teor polifenólico Na atualidade, os padrões de qualidade dos vinhos tintos
da película. O coeficiente de correlação que se obtém finos ainda estão fortemente baseados nos cultivares.
relacionando os valores obtidos da leitura da película e o teor Assim, tem-se a ‘ditadura’ do Cabernet Sauvignon e do
de polifenóis totais e de antocianinas totais é significativo. Merlot, por exemplo. Nesse contexto, no âmbito da
O valor PMI representa a relação entre a luz que passa sem viticultura e enologia, duas ações principais precisam ser
a presença da película (medida em branco) e a luz que implementadas: 1) entender o potencial de cada cultivar e
passa em presença da película. Esse valor pode ser definido clone em cada região ou microrregião e 2) verificar quais
como “índice de maturação”. Para todos cultivares testados, genótipos são os melhores adaptados a cada ecossistema.
a leitura obtida possui boa correlação (aproximadamente
0,9) com o índice de polifenóis totais (CELOTTI et al., 2007). Nesse experimento, buscou-se comparar a eficácia do
Nas medições, a quantidade de luz que passa pela película método PMI em uvas Cabernet Sauvignon e Merlot, em
diminui ao aumentar o teor de compostos fenólicos. A essa duas regiões vitícolas: Grave del Friuli, na Itália, e Serra
medição se pode adicionar um refratômetro e um GPS, de Gaúcha, no Brasil. Na região de Grave Del Friuli todos os
modo a dar base a uma viticultura de precisão, visando a vinhedos são conduzidos no sistema de espaldeira, com
reduzir ao mínimo a necessidade de avaliações analíticas poda em arco duplo, vigor de médio a elevado e com
de laboratório durante o período de safra. A simplicidade irrigação, localizados numa planície distante 120 km do mar
do instrumento e a facilidade de análise permitem que Adriático, altitude média de 100 m, pluviosidade mensal
seja utilizado em grandes e pequenos empreendimentos média de 45 mm.mês-1 no período de maturação. A região
vitivinícolas (CELOTTI et al., 2010). da Serra Gaúcha se caracteriza por serem conduzidos no
sistema espaldeira simples ou latada aberta, com poda
Cada cultivar responde às condições edafoclimáticas e em cordão esporonado, solo predominante tipo argissolo,
de manejo de forma diferente, de modo que cada clone altitude de 580 m e pluviosidade média no período de
expressa seu máximo desempenho em condições bastante maturação de 40 a 90 mm.mês-1.
específicas (KOUMDOURAS et al., 2008). Por exemplo, nos
últimos anos, os países do novo mundo identificaram O uso do método PMI no monitoramento da maturação
cultivares emblemáticos, como é o caso de Tannat no fenólica, em especial do teor de antocianinas, em vinhedos
Uruguai, de Syrah na Austrália, de Malbec na Argentina e italianos da região de Friuli já foi validado. Então, nesse
de Sauvignon Blanc na Nova Zelândia. Isso aconteceu em experimento exploratório, foi testado esse método,
função das características dos vinhos obtidos que permitem pela primeira vez, nos cvs. Merlot e Cabernet Sauvignon
distinção em relação aos demais países produtores. Além cultivados em Bento Gonçalves, RS.
disso, em cada microrregião desses países estão sendo
identificados os melhores clones ou cultivares, com o
intuito de melhor caracterizar a aptidão de cada local.
Material e Métodos
No Brasil, esse trabalho iniciou mais recentemente e,
embora os resultados não sejam numerosos (FALCÃO et Os vinhedos avaliados na Itália foram conduzidos no
al., 2008), já há indicativos do potencial. Por exemplo, na sistema espaldeira, com poda do tipo arco duplo (Guyot
principal zona produtora de uvas finas do Brasil, a Serra adaptado). A produtividade dos vinhedos de todos os
Gaúcha e em especial no Vale dos Vinhedos, o cv. Merlot é clones avaliados foi, em média, de 13,4 t.ha-1, com manejo
o que produz vinhos tintos de maior tipicidade e qualidade do dossel baseado na aplicação das seguintes práticas:
e, possivelmente, se tornará o cultivar emblemático dessa desbrota, desfolha, desponta e ajuste da produção com
região. Porém, há necessidade de mais estudos com vistas retirada de cachos. A idade média das videiras avaliadas foi
a testarem-se novos genótipos, sobretudo aqueles não de onze anos. As condições climáticas, no período avaliado,
clássicos, como é o caso de cultivares como Marselan, foram dentro da média histórica da região (45mm.mês-1),
Sagrantino e Teroldego. com poucas chuvas no período de verão (isso foi amenizado

18 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.16-22, 2014


pelo uso do sistema de irrigação). Na Itália foram avaliados Resultados e Discussão
29 genótipos, incluindo cultivares e clones.
Desse estudo, realizado em uma única safra no Brasil,
Os vinhedos brasileiros eram cultivados no sistema observou-se que, em média, para a Cabernet Sauvignon, o
espaldeira ou latada descontínua, com produção média PMI foi de 221, a diferença PMI máx – PMI mín foi de 53 e o
de 20,8 t.ha-1. A poda mista e a desponta foram as práticas desvio-padrão de 14,2. Na Itália, as avaliações respectivas
empregadas. Essa característica representa a média dos para essas variáveis foram de 223, 49 e 13, respectivamente
vinhedos da região da Serra Gaúcha que, atualmente, está (Tabela 1).
num processo de conversão para o sistema de condução
em espaldeira simples, buscando um incremento no teor Como o método foi desenvolvido e otimizado nas condições
de açúcar e de polifenóis, visando à produção de vinhos da Itália, onde se sabe que o índice PMI proporciona boas
de alta gama. As condições climáticas no período foram correlações com o teor de antocianinas e polifenóis totais
caracterizadas por uma estiagem no período de verão (30 (CELOTTI et al., 2008), percebe-se que o método é aplicável
a 60 mm.mês-1), favorecendo a maturação. No Brasil foram também no Brasil. No que tange ao cultivar, há melhor
analisados 16 genótipos, incluindo cultivares e clones, desempenho do Cabernet Sauvignon produzido na Itália
sendo oito no sistema espaldeira e oito no sistema latada do que no Brasil, embora as diferenças sejam pequenas.
aberta.
Dentre os clones de Cabernet Sauvignon avaliados na Itália
As bagas foram retiradas aleatoriamente da parte inferior (Tabela 2), o clone R5 apresentou o maior valor de PMI (231);
dos cachos, em fileiras com cerca de cem plantas, para já o clone VCR 184 resultou em menor valor (217) (Tabela 2).
cada cultivar. Para realizar a medição do PMI, utilizou-se a Essa diferença é de 14 pontos. Segundo Celotti et al. (2008),
película dupla logo após eliminação da polpa, conforme diferenças de PMI acima de cinco unidades já podem ser
preconizado por Celotti et al. (2007). consideradas significativas, assim, as características dos
vinhos serão distintas.
Para medir o PMI, utilizou-se o instrumento denominado
Alcyone PM-03, produzido pela sociedade Caeleno, de Em relação às diferenças entre PMI máx e PMI mín, os
Verona (Itália), que é constituído de uma simples pinça, menores valores foram obtidos para o clone VCR 500 do
dotada de uma fonte luminosa e um fotodiodo situado cv. Cabernet Sauvignon, indicando melhor uniformidade
do lado oposto. O valor da medida é o PMI (Polyphenolic de maturação. Isso pode ser explicado, ao menos em parte,
Meter Index) e varia de cerca 100 PMIs, para uvas com por se tratar de uma seleção recente, com cacho pequeno e
poucas substâncias fenólicas, a 300 PMIs, para uvas ricas visando à maior qualidade enológica, o que se constitui em
em polifenóis. tendência atual das seleções de clones feita pela empresa
Vivai Cooperativi Rauscedo - VCR. O pior desempenho
A operação do aparelho é simples, iniciando pela calibração nesse grupo foi observado para o Cabernet Sauvignon VCR
que foi feita através de leituras sem película/polpa na 9, com diferença PMI máx –PMI mín de 65,5.
câmara de leitura. Após isso, realizaram-se as avaliações
colocando a película entre os leitores da pinça. As medições Para o cv. Merlot e seus clones (Tabela 3), o valor médio
foram realizadas com o mesmo aparelho nas duas regiões para uvas produzidas na Itália foi de 215,73, diferença PMI
avaliadas.

Tabela 1. Valores médios do PMI e da variação PMI máx – PMI mín de clones de Cabernet Sauvignon e Merlot,
produzidos na Itália (Friuli) e no Brasil.

PMI máximo
Cultivar Local PMI médio Desvio-padrão
PMI mínimo

Cabernet Itália (n=15) 223 49 13,00


Sauvignon Brasil (n=8) 221 53 14,20

Merlot Itália (n=14) 215 49 13,68


Brasil (n=8) 220 47 12,45

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.16-22, 2014 19


máx – PMI mín de 48,94 e desvio-padrão de 13,68. Para a Esses resultados, embora sem repetições de safras e sem
Merlot da Serra Gaúcha, os respectivos valores foram de avaliação dos respectivos vinhos, no caso do Brasil são
220,70 (PMI), 47,10 e 12,45. Frente ao exposto, embora com coerentes com as predições teóricas citadas (ABE et al.,
pequenas diferenças, há melhor desempenho do Merlot da 2007; GIOVANNINI, 2008; GIOVANNINI; MANFROI, 2009),
Serra Gaúcha. segundo as quais as condições da região da Serra Gaúcha,
e no caso específico a do Vale dos Vinhedos, teriam melhor
Frente aos resultados obtidos com Cabernet Sauvignon potencial para o Merlot do que o Cabernet Sauvignon.
e Merlot, percebe-se que, ao se comparar as regiões, os Assim, embora o resultado não seja inovador, indica que o
melhores desempenhos foram para o Cabernet Sauvignon uso do PMI é viável.
na Itália (Friuli) e para o Merlot no Brasil (Serra Gaúcha).

Tabela 2. Valores de PMI (Polyphenolic Meter Index) em uvas Cabernet Sauvignon e Merlot, de vários clones, produzidos
na Região de Friuli, Itália, safra 2011.

PMI máximo
Cultivar PMI médio PMI mínimo PMI máximo Desvio-padrão
PMI mínimo

Cabernet Sauvignon R5 231 53,2 199,3 252,5 15,3


Cabernet Sauvignon ISV-FV2 223 58,5 188,2 246,7 16,2
Cabernet Sauvignon ISV 105 228 58,3 198,3 256,6 14,8
Cabernet Sauvignon VCR 8 224 57,9 200,5 258,4 14,1
Cabernet Sauvignon VCR 11 224 36,4 206,2 242,6 10,1
Cabernet Sauvignon ISV 117 218 43,9 190,9 234,8 12,2
Cabernet Sauvignon VCR 19 219 39,9 191,5 231,4 10,7
Cabernet Sauvignon VCR 184 217 50,9 186,5 237,4 15,2
Cabernet Sauvignon VCR 13 218 57,4 190,3 247,7 13,9
Cabernet Sauvignon VCR 492 229 59,3 197,2 256,5 15,4
Cabernet Sauvignon VCR 7 222 54,2 196,3 250,5 12,9
Cabernet Sauvignon VCR 500 221 33,4 205 238,4 9,0
Cabernet Sauvignon VCR 90 220 50,4 200,4 250,8 13,7
Cabernet Sauvignon VCR 198 221 36,7 206 242,7 11,9
Cabernet Sauvignon VCR 9 225 65,5 186 251,5 15,1
Média 223 50 196 247 13
Merlot R12 217 37,6 192,3 229,9 12,0
Merlot R3 216 28,4 199,7 228,1 8,6
Merlot VCR 13 225 57,7 192,6 250,3 14,6
Merlot VCR 101 216 46,2 187,8 234 12,5
Merlot VCR 110 222 55,2 189 244,2 17,4
Merlot VCR 36 209 49,4 183,2 232,6 13,1
Merlot VCR 407 216 61,4 187 248,4 15,8
Merlot VCR 401 219 51 187,1 238,1 15,4
Merlot VCR 103 211 65,7 172,7 238,4 15,8
Merlot VCR 1 200 40,8 181,3 222,1 13,9
Merlot VCR 488 216 45 195,2 240,2 12,8
Merlot VCR 489 210 40,1 186,4 226,5 12,1
Merlot VCR 490 221 51,2 201,8 253 13,7
Merlot VCR 494 223 55,5 194,9 250,4 13,8
Média 215,73 48,94 189,35 238,3 13,68

20 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.16-22, 2014


Na avaliação de clones de Merlot, o VCR 1 atingiu PMI Os valores médios das avaliações realizadas durante a
200, o que pode ser considerado baixo para o cultivar safra 2012 no Brasil foram muito próximos e ligeiramente
(CELOTTI et al., 2007). Esse desempenho indica ser clone superiores para o cv. Merlot, se comparados com os das uvas
para a produção de vinhos leves ou rosados. Já o clone avaliadas na Itália, merecendo destaque pelo maior valor
VCR 13 destacou-se pelo maior valor médio de PMI (225), de PMI dos clones ISVF V5, de Cabernet Sauvignon, e Entav
caracterizando maior acúmulo de polifenóis, especialmente 181, de Merlot (Tabela 3). O clone Entav 181 representa boa
antocianinas. Isso pode ser resultante do fato de se tratar parte da área produtiva dos vinhedos mais novos no Brasil,
de um clone que apresenta cacho relativamente pequeno sendo que muito se deve pelas caracterísiticas destacadas
e menos compacto do que a média dos clones de Merlot, dos vinhos.
proporcionando uma melhor maturação.

Tabela 3. Valores de PMI (Polyphenolic Meter Index) em uvas Cabernet Sauvignon e Merlot, de vários clones, produzidos
na Região da Serra Gaúcha, Brasil, safra 2012.

PMI máximo
Cultivar PMI médio PMI mínimo PMI máximo Desvio-padrão
PMI mínimo

CS R5 - Espaldeira 225 39,5 192,5 245,7 9,6


CS R5 - Latada 221 56,5 197,5 242,5 13,4
CS 169 - Latada 217 58,6 189,3 263 15,6
CS 169 - Latada 220 52,1 195,2 256,8 16,2
CS VCR 11 - Latada 221 66,2 194,5 249,7 14,5
CS ISV FV5 - Espaldeira 226 39.4 192,7 248,9 13,7
CS - Espaldeira 224 47,8 196,3 252,7 16,8
CS - Latada 218 52,1 194,4 249,3 13,9
Média 221,7 53,2 194 251,1 14,2

Merlot R3 - Latada 215,3 41,1 197,2 264,3 16,1


Merlot R3 - Espaldeira 221,2 44,8 188,5 255,5 14,5
Merlot 343 - Latada 212,5 48,7 193,7 263 11,2
Merlot 343 - Espaldeira 218,6 46,8 192 248,1 10,8
Merlot 343 - Espaldeira 216,4 54,7 187,9 263,6 10,1
Merlot R12 - Latada 224,7 38,3 192,1 259,8 11,1
Merlot 181 - Latada 226,9 59,3 190,5 264,4 12,7
Merlot 181 - Espaldeira 229,8 43,1 193,1 268,3 13,1
Média 220,7 47,1 191,9 260,9 12,45
CS = Cabernet Sauvignon.

Quando se avaliam os clones dentro de cada cultivar razoáveis quanto à diferença PMI máx – PMI mín (53,2 para
e região, detecta-se uma marcante variabilidade de Itália e 39,5 para Brasil) e desvio-padrão (15,3 para Itália e
resultados. Por exemplo, no caso do Cabernet Sauvignon 9,6 para Brasil).
produzido na região de Friuli, os melhores PMIs foram
obtidos com os clones R5 (231), VCR 492 (229) e ISV FV105 Por sua vez, o cv. Merlot e seus clones evidenciaram haver
(228), e os piores com os clones VCR 184, ISV FV 117 e VCR variabilidade de resultados em função da região. Para o
13 (Tabela 2). Para os clones avaliados no Brasil, os melhores Merlot produzido na região de Friuli, os melhores PMIs
PMIs foram detectados nos clones Cabernet Sauvignon ISV foram obtidos com os clones VCR 13 (225), VCR 494 (223) e
FV5 (226) e R5 (225), e os piores no Cabernet Sauvignon VCR 110 (222), e os piores com os clones VCR1, VCR 36 e 489
latada (218) e 169 latada (217). (Tabela 2). No Brasil, os melhores PMIs foram detectados
nos clones Merlot 181 espaldeira (229) e R3 espaldeira
Apesar das diferenças, o clone R5 se apresenta como de (221), e os piores no Merlot 343 espaldeira (212,5).
bom desempenho quanto aos valores de PMI, assim como
Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.16-22, 2014 21
Conclusão Merlot destacou-se na Serra Gaúcha, o que é embasado em
estudos vitícolas e enológicos anteriores.
Embora preliminar, com reduzido número de clones e
referindo-se apenas a uma safra, o método PMI se apresenta
como promissor para diferenciar a maturação de cultivares Agradecimentos
e clones produzidos na região da Serra Gaúcha. Além disso,
o PMI permite prever, com alguma segurança, o potencial À Capes, pela bolsa concedida pelo Programa Doutorando
enológico dos cultivares e clones, tendo em vista que o no Brasil com Estágio no Exterior – PDEE.

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22 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.16-22, 2014


Banco de Dados Ibravin

Determinação de ocratoxina A em suco de uva integral


por cromatografia líquida de alta eficiência

Marlei Baggio1
Fernanda Rodrigues Spinelli2
Sandra Valduga Dutra2
Regina Vanderlinde1,2

Resumo
produção e o consumo de sucos de uva no Brasil têm aumentado
consideravelmente a cada ano. O controle de qualidade destes produtos
é de extrema importância, devido à possível presença de micotoxinas
e outros compostos prejudiciais à saúde. Micotoxinas são metabólitos
secundários produzidos por fungos filamentosos durante o processo de
maturação da uva. Entre as micotoxinas destaca-se a ocratoxina A, pelas
suas propriedades carcinogênica, nefrotóxica, imunotóxica e teratogênica.
O objetivo deste trabalho foi determinar a concentração de ocratoxina A
em amostras de sucos de uva integrais por cromatografia líquida de alta
eficiência, com detector de fluorescência, após separação em colunas de
1
UCS imunoafinidade. Os sucos analisados apresentaram concentrações inferiores
95070-560 Caxias do Sul, RS
2
Laren e Ibravin
ao limite máximo estabelecido pela legislação brasileira para ocratoxina A em
95084-470 Caxias do Sul, RS sucos de uva, que é de 2 µg.L-1.
Autor correspondente:
marleibg@yahoo.com.br
Palavras-chave: micotoxina, imunoafinidade, controle de qualidade.

24 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.24-29, 2014


Abstract

Determination of ochratoxin A in
whole grape juice by high performance
liquid chromatography
The production and consumption of grape juices in Brazil has been increasing significantly.
The quality control of these products is of extreme importance due to the possible
presence of mycotoxins and other compounds harmful to health. Mycotoxins are secondary
metabolites produced by filamentous fungi during grape ripening. Among the mycotoxins
the ochratoxin A stands out because of its carcinogenic, nephrotoxic, immunotoxic and
teratogenic characteristics. The objective of this study was to determine the concentration
of ochratoxin A in grape juice samples by high performace liquid chromatography with
fluorescence detector after separation by immunoaffinity columns. The analyzed juices
showed concentrations below the limit established by Brazilian legislation for ochratoxin A
in grape juices that is 2 µg.L-1.

Key words: mycotoxin, immunoaffinity, quality control.

Introdução

O suco de uva é uma bebida não fermentada, obtida do A OTA é uma micotoxina, definida como metabólito
mosto simples, sulfitado ou concentrado, de uva sã, fresca secundário produzido por fungos filamentosos que,
e madura, sendo tolerada a concentração de até 0,5 °GL. mesmo em pequenas concentrações, pode ser tóxica ao
Dependendo do processo de elaboração, o suco de uva homem e aos animais (RINGOT et al., 2006; ALMEIDA et
pode ser classificado como concentrado, reprocessado ou al., 2007; NUNES, 2008; PEREIRA, 2008; JORDÃO, 2009;
reconstituído, integral e adoçado. O suco integral é obtido ABREU et al., 2011). É produzida pelos fungos Penicillium
da uva por meio de processos tecnológicos adequados, verrucosum e Penicillium nordicum e um número variado
sem a adição de açúcares e na sua concentração natural de espécies do gênero Aspergillus, tais como: A. ochraceus,
(BRASIL, 1990). A. niger e A. carbonarius (WORLD, 1996; RINGOT et al., 2006;
VARGA; KOZAKIEWICZ, 2006; NUNES, 2008; PEREIRA, 2008;
Os sucos de uva são ricos em compostos fenólicos e vários ABREU et al., 2011).
estudos têm demonstrado que essas substâncias possuem
ação antitumoral, antimutagênica e antioxidante. Além As evidências de propriedades toxicológicas da OTA se
das propriedades funcionais, os benefícios nutricionais são devem a efeitos nefrotóxicos (WORLD, 1996; VARGA;
evidentes, dada a presença de açúcares e minerais (DANI, KOZAKIEWICZ, 2006, RINGOT et al.,2006; PEREIRA, 2008;
2006). ZHANG et al., 2009), ação teratogênica e imunotóxica(WHO,
1996; RINGOT et al., 2006; ZHANG et al., 2009) e neurotóxica
Os sucos de uva podem apresentar ocratoxina A (OTA) (ZHANG et al., 2009). Além disso, é classificada pela
pela contaminação da uva durante a sua maturação International Agency for Research on Cancer no grupo 2B,
(WORLD, 1996; GOLLUCHE; TAVARES, 2004; SHUNDO et ou seja, como substância possivelmente carcinogênica em
al., 2006; VARGA; KOZAKIEWICZ, 2006; ALMEIDA et al., humanos (IARC, 1993).
2007; BURDASPAL; LEGARDA, 2007). A presença de OTA
em vinhos e sucos de uva foi primeiramente relatada em O suco de uva pode ser uma importante fonte de
1996, em pesquisa realizada por Zimmerli e Dick (1996), contaminação por OTA, tendo em vista a tendência cada
que encontraram quantidades máximas de 0,45 µg.L-1 da vez maior de seu consumo. Segundo dados da União
micotoxina em vinhos e 0,33 ug.L-1 em sucos. Brasileira de Vitivinicultura, o consumo de sucos de uva

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.24-29, 2014 25


aumentou em mais de 100% de 2007a 2012 (UVIBRA, 2012). descrita na Resolução 16/2001 pelo Office International
de la Vigne et de Vin (OIV). Para a elaboração da curva de
Nem todos os países apresentam legislação para calibração, foi utilizado um padrão da marca Sigma-Aldrich
a ocratoxina A em sucos de uva e não há um valor (St. Louis, MO). Foram pesados exatos 0,108 mg de OTA
padronizado entre os países que possuem legislação, o e diluídos para 10 mL com tolueno-ácido acético (99:1,
que pode originar barreiras comerciais (TEIXEIRA, 2011). v/v) obtendo 10,8 mg.L-1 de OTA (solução-mãe). Foram
A Bulgária e a Suíça estabelecem como limite 3 µg.L-1; transferidos 100 µL da solução-mãe para um frasco e, em
Eslováquia, Hungria, Irã e Sérvia, 10 µg.L-1. O Brasil, bem seguida, evaporados até o resíduo com nitrogênio (5.0). Em
como a Organização Internacional da Uva e do Vinho e seguida, o resíduo foi dissolvido com 10 mL de fase móvel
a Comissão das Comunidades Europeias estabelecem o (água mili-Q: acetonitrila: ácido acético, 99:99:2, v/v/v)
limite de 2 µg.L-1 de OTA (OIV, 2002; FAO, 2004, COMISSÃO, obtendo uma solução padrão de 108 µg.L-1. A partir da
2006; BRASIL, 2011). solução padrão foram preparadas, por diluições sucessivas,
soluções (µg.L-1): 0,52, 1,05, 2,11, 5,29, 10,58 e 21,16 de OTA
O perigo potencial de OTA na saúde pública, aliada à em fase móvel, sendo que cada concentração foi analisada
inevitável presença em produtos alimentícios, uma vez em triplicata (OIV, 2001).
que não há modelo seguro e de solução definitiva de
prevenção e controle de micotoxinas, requer a utilização Para a determinação de OTA (OIV, 2001), 10 mL da amostra
de métodos altamente sensíveis e eficientes de detecção foram diluídos com 10 mL de solução de polietilenoglicol
(COUNCIL, 2003; PEREIRA, 2008; JORDÃO, 2009; DUARTE, a 1% e hidrogenocarbonato de sódio a 5% e, em seguida,
2010). A cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE), foi realizada uma filtração com filtro de microfibra de vidro.
com detector de fluorescência, tem sido a técnica mais Foi realizada a purificação em coluna de imunoafinidade
utilizada para detecção de OTA (ALCAIDE; AGUILAR, 2008; Ochratest (Vicam Inc., USA), conectada a uma seringa de
PEREIRA, 2008). Além disso, as colunas de imunoafinidade vidro e a um sistema de vácuo, em um fluxo de 1mL.min-1.
são muito eficientes para remover impurezas, o que reduz Após lavagem da coluna com 5mL de solução aquosa de
ou elimina possíveis interferentes da análise (NUNES, 2008). cloreto de sódio a 2,5% e hidrogenocarbonato de sódio
a 0,5%, seguida de 5mL de água destilada, foi realizada
Considerando a importância econômica do suco de uva eluição com 2 mL de metanol. Da porção recolhida com
e seu crescente consumo pela população brasileira, é de metanol, foi feita evaporação até o resíduo, em atmosfera
suma importância a quantificação de OTA devido ao risco de nitrogênio (5.0), a 50 °C, e reconstituição imediata com
potencial dessa substância para a saúde humana. O objetivo 250 µL da fase móvel utilizada no cromatógrafo.
deste trabalho consistiu em determinar a concentração de
OTA em amostras de suco de uva integral por cromatografia A separação e quantificação de OTA foram realizadas em
líquida de alta eficiência, visando ao controle de qualidade. cromatógrafo líquido de alta eficiência da marca Agilent,
modelo 1100 Series, com detector de fluorescência
(excitação 333 nm e emissão 460 nm), coluna Zorbax 300
SB C18 (15 cm x 4,6 mm, 5 µm), precedida de pré-coluna
Material e Métodos Zorbax ODS 4-Pack Agilent (4,6 x 12,5 mm, 5 µm). O fluxo
da fase móvel foi de 1mL.min-1, durante 15 min, a 25 °C.
Nessas condições, o tempo de retenção da OTA foi de
As análises foram realizadas no Laren (Laboratório de aproximadamente 4 min.
Referência Enológica) situado junto à sede da Divisão
de Enologia do Departamento de Produção Vegetal da A quantidade de OTA foi calculada pela área dos picos e
Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Agronegócio tempo de retenção comparada com a curva de calibração,
do Estado do Rio Grande do Sul, em Caxias do Sul, no levando-se em consideração as diluições realizadas e
segundo semestre de 2012. a recuperação da coluna de imunoafinidade. A curva
de calibração apresentou coeficiente de correlação de
Foram analisadas 12 amostras de sucos de uva integrais 0,99967, constituindo assim técnica linear para análise
(comerciais) produzidos no Rio Grande do Sul, sendo cada de OTA. O limite de quantificação, equivalente ao menor
amostra analisada em duplicata. Em nenhuma embalagem nível determinado com precisão e exatidão aceitáveis,
havia informações sobre as variedades das uvas utilizadas correspondeu a 0,038 µg.L-1. Concentrações abaixo desta
na elaboração de cada suco e a safra vitícola. foram analisadas e excluídas por não apresentarem
exatidão. O limite de detecção foi de 0,010 µg.L-1.
Para a análise da OTA foi realizada a mesma metodologia

26 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.24-29, 2014


Resultados e Discussão

As amostras apresentaram concentrações de OTA de até A região geográfica pode influenciar na produção de OTA.
0,319 µg.L-1 (Tabela 1). Todas as concentrações foram Essa hipótese foi estudada por Shundo et al. (2006), em que
inferiores ao limite máximo estabelecido pela legislação foram analisados vinhos brasileiros e as amostras foram
brasileira, que é de 2 µg.L-1 (BRASIL, 2011). Esse fato é divididas em regiões Norte e Sul, sendo que a região Sul
positivo em termos de valorização dos sucos de uva apresentou apenas 7% de amostras contaminadas, com
integrais produzidos no Rio Grande do Sul. valores de OTA entre 0,1 e 0,24 µg.L-1; já a região Norte
apresentou 100% de amostras contaminadas, e o valor
Os resultados dessa pesquisa são semelhantes aos estudos máximo foi de 1,33 µg.L-1.
realizados no Brasil, com sucos de origem brasileira,
em 2004 e 2006. Em estudo realizado por Rosa et al. A OTA está presente na uva e tem como importante
(2004), foram analisadas 64 amostras de suco de uva e foi característica a estabilidade térmica e a resistência a
detectada a presença de OTA em 25% das amostras, nas diferentes formas de processamento da uva. Isso indica
concentrações de 0,021 a 0,1 µg.L-1. Já no estudo realizado que a remoção de ocratoxina A pode ser muito difícil, tendo
por Shundo et al. (2006) foram analisados 38 sucos de como melhor forma de proteção a prevenção à formação
uva, sendo que a OTA não foi detectada em nenhuma das de micotoxinas (SIMON, 2006; NUNES, 2008; DUARTE, 2010).
amostras analisadas. Portanto, um suco de uva de qualidade, sem a presença
de OTA, está diretamente relacionado à qualidade da uva
A baixa incidência de OTA nas amostras analisadas utilizada como matéria-prima.
pode estar relacionada à baixa presença de fungos
ocratoxicogênicos nas uvas utilizadas como matéria-prima,
à presença de fungos potencialmente produtores que não
produziram OTA e/ou às condições climáticas durante as Conclusões
safras de produção dos sucos (SHUNDO et al., 2006; SIMON,
2006; TEIXEIRA, 2011). O tipo de uva e as diferentes práticas 1. Todas as concentrações de ocratoxina A encontradas
utilizadas no cultivo destas também podem exercer nos sucos analisados são inferiores ao limite máximo
influência na produção de OTA (SHUNDO et al., 2006). estabelecido pela legislação brasileira.
Ainda, os resultados desse estudo podem ser devidos à 2. A determinação de OTA em sucos visa à qualidade
proteção fitossanitária das uvas utilizadas na produção de do produto, obtendo, assim a seguridade do ponto de
sucos, à remoção dos cachos que apresentaram fungos vista do consumidor e a conquista de novos mercados
(facilmente observados pela coloração característica) consumidores.
e à correta higienização dos recipientes utilizados no
transporte da fruta (SIMON, 2006; JORDÃO, 2009).

Valero et al. (2008) constataram que diferentes tipos Agradecimentos


de tratamentos das uvas, conforme as características
do produto desejado, têm um papel importante na Ao Laren e ao Ibravin pela infraestrutura cedida durante a
concentração de OTA. Isso pode explicar as diferenças de execução das análises.
sua incidência e concentração em derivados da uva.

Tabela 1. Resultados das análises de ocratoxina A em sucos de uva.

Número da amostra
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

OTA (µg.L-1) 0,32 NQ(1) NQ(1) 0,11 NQ(1) NQ(1) 0,04 NQ(1) NQ(1) 0,06 0,082 NQ(1)
(1)
Não quantificado.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.24-29, 2014 27


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Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.24-29, 2014 29


Gilmar Gomes

Evolução dos compostos fenólicos e da


cor de vinhos tintos da variedade Merlot

Aline Fogaça1
Carlos Eugenio Daudt2
Florencia Sainz Perez1

Resumo
objetivo deste trabalho foi acompanhar as mudanças nos teores de
compostos fenólicos e na cor de vinhos da variedade Merlot, produzidos
em duas regiões, nas safras 2009 e 2010, analisados em tempos diferentes
de envelhecimento. Em todos os vinhos analisados, ocorreu um aumento
na quantidade de pigmentos poliméricos durante o seu envelhecimento, fato
comprovado pela redução na quantidade de antocianinas sensíveis ao bissulfito,
redução na porcentagem de cor devido às antocianinas monoméricas, aumento
na porcentagem de cor devido às antocianinas poliméricas e aumento da cor a
420 nm. Os vinhos elaborados com uvas da região da Campanha diferenciaram-
se dos elaborados com uvas da Serra Gaúcha por alguns fatores. Durante o
envelhecimento dos vinhos da Campanha, houve aumento da cor devido
à copigmentação e às antocianinas poliméricas, sendo que avelocidade de
polimerização foi maior nos vinhos da Campanha, mas a intensidade de cor e as
1
Unifra
97010-032 Santa Maria, RS antocianinas totais foram maiores nos vinhos da Serra Gaúcha. De maneira geral,
2
UFSM o tempo de maceração de 15 dias é o mais recomendado, por resultar em maior
97105-910 Santa Maria, RS intensidade de cor. No entanto, a influência do tempo de maceração diminui com
Autor correspondente: o envelhecimento do vinho.
alinefogaca@uol.com.br
Palavras-chave: antocianinas, taninos, copigmentação, uva.

30 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.30-38, 2014


Abstract

Evolution of phenolic compounds and color


of Merlot red wines
The aim of this work was to assess changes in the levels of phenolic compounds and
color of Merlot wines, 2009 and 2010 harvests, produced in two regions and analyzed at
different times of aging. In all the wines analyzed there was an increase in the amount of
polymeric pigments during the aging process, a fact evidenced by the reduction in the
amount of anthocyanin sensitivity to bissulfite bleaching, decrease in the percentage of
color supported by the monomeric anthocyanins, increase in the percentage of color due to
the polymeric anthocyanins and increase in color at 420 nm. Wines made with grapes of the
Campanha Gaúcha region differed from the wines made with grapes of the Serra Gaúcha
region by some factors. During aging of Campanha wines, there was an increase in color
revealed by the copigmentation and the polymeric anthocyanins; comparing the data, the
polymerization rate was higher in the Campanha wines, however, the color intensity and
total anthocyanins were higher in the Serra Gaúcha wines. In general, the maceration time
of 15 days is recommended because it results in greater color depth, however, the influence
of maceration time decreases with the aging of wine.
Key words: anthocyanins, tannins, copigmentation, grape.

Introdução

As reações químicas de polifenóis são particularmente poliméricos, com participação das antocianinas extraídas
importantes em vinhos tintos, uma vez que esses são da casca da uva (BAKKER et al., 1993). Essa mudança é
responsáveis pelas mudanças de cor e de sabor que atribuída à formação de pigmentos poliméricas novos
ocorrem durante o envelhecimento (CHEYNIER, 2005). A e mais estáveis, através de reações entre antocianinas
cor de um vinho é resultado de uma mistura interessante originárias da uva com outros compostos fenólicos, em
e desafiadora, composta por vários componentes (VERSARI particular os flavan-3-ols (JURD, 1969; SCOLLARY, 2010),
et al., 2007), incluindo a presença de antocianinas sendo que o primeiro estudo confirmando a reação direta
monoméricas livres (MAZZA, 1995), a influência do entre antocianinas e taninos em vinhos tintos foi realizado
fenômeno de copigmentação com outros compostos por Remy et al. (2000). Esses pigmentos poliméricos são
fenólicos não coloridos (BOULTON, 2001) e os pigmentos mais resistentes ao branqueamento com dióxido de enxofre
poliméricos (SOMERS, 1971). e menos sensíveis a variações de pH, quando comparados
às antocianinas (SCOLLARY, 2010). Vários fatores podem
Inúmeras reações de flavonóides ocorrem durante o influenciar a polimerização de uma vinho. Na ausência de
processo de vinificação e envelhecimento do vinho, acetaldeído, o dióxido de enxofre reduz a taxa de perda de
produzindo uma grande variedade de produtos antocianinas e reduz levemente a polimerização. Quando o
incolores e pigmentos (FULCRAND et al., 2006). Durante acetaldeído está presente, os efeitos do dióxido de enxofre
o envelhecimento, o vinho tinto sofre mudanças em não são mais observados (PICINELLI et al., 1994). Monagas
algumas de suas características: alguns vinhos envelhecem et al. (2005), trabalhando com vinhos das variedades tintas
rapidamente, alcançando uma qualidade superior já no Tempranillo, Graciano e Cabernet Sauvignon, observaram
primeiro ano, enquanto que outros requerem muitos anos que durante o envelhecimento na garrafa ocorreu uma
de estocagem antes de atingir sua qualidade máxima redução progressiva do conteúdo de antocianinas, sendo
(SOMERS; EVANS, 1977). essa mais pronunciada entre três e nove meses após o
engarrafamento.
Durante o processo de envelhecimento, a cor do vinho
tinto muda de vermelho brilhante para uma tonalidade A variedade Merlot é cultivada em várias regiões vitícolas
vermelho amarronado, devido à formação de pigmentos do Rio Grande do Sul, Brasil, e seu vinho tem grande

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.30-38, 2014 31


comercialização. O objetivo deste trabalho foi acompanhar por bissulfito, expressos em mg.L-1 de malvidina-3-
as mudanças nos teores de compostos fenólicos e da cor glicosídeo (RIBÉREAU-GAYON; STONESTREET, 1965); e
do vinho Merlot produzido em duas regiões, nas safras taninos, por hidrólise ácida, expressos em mg.L-1 de cloreto
2009 e 2010, e analisados em diferentes tempos de de cianidina (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).
envelhecimento.
A análise estatística foi realizada através do programa
StatSoft (Statistica) e do Microsoft Office Excel©. As médias
obtidas foram submetidas à análise de variância (Anova)
Material e Métodos e as médias foram separadas pelo teste de Tukey a 5%. A
partir do agrupamento dos dados de cada vinho, calculou-
As uvas, da variedade tinta Vitis vinifera cv. Merlot, foram se o coeficiente de correlação linear entre os parâmetros.
obtidas em vinhedos comerciais, em plena produção, A análise de componentes principais foi realizada através
localizados em duas regiões diferentes do Rio Grande do do software Pirouette 4.0 (Infometrix, Woodinville, EUA),
Sul: Campanha e Serra Gaúcha. Na safra de 2009 foram sendo os dados autoescalados.
elaborados os vinhos 1 e 2, de vinhedos localizados no
município de Dom Pedrito (região da Campanha); na safra
2010 foram elaborados os vinhos 3, 4 e 5, de vinhedos
localizados nos municípios de Dom Pedrito (vinho 3) e de Resultados e Discussão
Bento Gonçalves (vinhos 4 e 5).
Em todos os vinhos analisados, foi observada uma redução
A colheita foi realizada no momento da maturação na quantidade de antocianinas presentes entre os dois
tecnológica, ou seja, de acordo com os parâmetros de tempos de envelhecimento. Ressalte-se que essa análise
°Brix, acidez e pH. De cada vinhedo foram realizadas três não se refere à quantidade total de antocianinas presentes
microvinificações, com tempos de maceração diferentes na amostra, e sim à quantidade de pigmentos sensíveis
(4, 8 e 15 dias), em triplicata. Os experimentos foram ao bissulfito (SOMERS; EVANS, 1977). O branqueamento
realizados em recipientes com capacidade de 5 L. Após o por bissulfito é consequência da adição de hidrogênio
desengace e o esmagamento, foi realizada a sulfitagem (50 do sulfito no anel do cátion flavilium, nas posições 2 ou 4
mg.L-1 de SO2) e a inoculação de levedura (Saccharomyces (SCOLLARY, 2010). Durante o processo de envelhecimento
cerevisiae bayanus da marca Perdomini®, tipo Blastocel de um vinho, os novos pigmentos formados podem ser
Grand Cru), na dose de 20 g.100L-1. A temperatura de completamente (visitina A) ou parcialmente resistentes
fermentação foi mantida em 28 °C, sendo realizadas duas (visitina B) ao branqueamento por dióxido de enxofre
remontagens diárias. Após o término da fermentação, foi (BAKKER; TIMBERLAKE, 1997), já os pigmentos oligoméricos
realizada nova sulfitagem (20 mg.L-1 de SO2) e trasfega, com podem ser branqueados pelo bissulfito. Dessa forma, a
separação da borra. Após dois meses, foi realizada nova redução no teor de antocianinas deve-se à formação de
trasfega e engarrafamento. Os vinhos foram analisados em pigmentos poliméricos resistentes ao branqueamento com
dois tempos de envelhecimento: na safra 2009, aos 18 e 28 bissulfito, os quais iniciam o processo de formação logo
meses; na de 2010, aos seis e 12 meses. após o esmagamento da uva (BAKKER et al., 1986).

As análises foram realizadas utilizando cubetas de quartzo Os teores de taninos apresentados nas Tabelas 1 e 2
de 1 ou 10 mm de caminho ótico, de acordo com o representam, na verdade, uma estimativa do teor de
comprimento a ser lido, em um espectrofotômetro UV 11- procianidinas da amostra. Essa metodologia baseia-se no
000, marca Pró Análise (UV/Visível). fato de que, quando aquecidos em meio ácido, algumas
ligações desses compostos são quebradas, resultando
A intensidade de cor e a tonalidade dos vinhos foram em carbocátions, que são posteriormente convertidos
determinadas (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006) através em cianidinas, desde que o meio permita essa oxidação
da leitura da absorbância das amostras, em pH natural, (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006). Na safra 2009 (Tabela 1),
nos comprimentos de onda 420, 520 e 620 nm. A conforme esperado, com 15 dias de maceração foram
copigmentação foi avaliada de acordo com a metodologia encontrados os maiores valores de taninos, para todos os
proposta por Boulton (1996), através da determinação de vinhos estudados. Por outro lado, na safra 2010 (Tabela 2),
antocianinas copigmentadas, monoméricas, poliméricas e as diferenças entre os tempos de maceração foram pouco
totais. As seguintes metodologias também foram utilizadas: significativas. Em relação ao processo de envelhecimento,
polifenóis totais, expresso em mg.L-1 de ácido gálico em ambas as safras, observa-se uma tendência de redução
(SINGLETON; ROSSI, 1965); antocianinas, por descoloração no teor de taninos. Essa redução pode ser explicada

32 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.30-38, 2014


pela instabilidade das moléculas de prociadininas, que ligações e rearranjos dos taninos em um vinho (FULCRAND
podem sofrer reações de oxidação e polimerização et al., 2006).
(RIBÉREAU-GAYON et al., 2006), da mesma forma que, para
antocianinas, a redução no teor de taninos está ligada à De maneira geral, a copigmentação é importante em
formação de pigmentos mais estáveis. Algumas amostras vinhos tintos jovens, podendo explicar até 50% da cor de
apresentam um aumento do teor de taninos com o passar um vinho (BOULTON, 2001). De acordo com a Tabela 3, os
do tempo, entretanto, de acordo com Ribéreau-Gayon et al. resultados mostram que, entre 12 e 28 meses, aumentou a
(2006), não é incomum observar um aumento nos valores influência da copigmentação e dos polímeros na cor dos
de taninos durante o envelhecimento dos vinhos, o que vinhos, ocorrendo uma expressiva redução em relação
não corresponde a um aumento na quantidade de taninos. a monômeros, em quase todos os vinhos estudados da
Essa variação pode ser explicada pela contínua quebra de safra 2009. Na média, com 28 meses, 50% da cor desses

Tabela 1. Concentração de fenóis totais, antocianinas e taninos em vinhos da variedade Merlot, safra 2009, com
diferentes tempos de maceração. Vinhedo de Dom Pedrito.

12 meses 28 meses
Variável Vinho
4 dias 8 dias 15 dias 4 dias 8 dias 15 dias

FT 1 3.057,4a 3.174,1a 3.137,0a 1.158,2b 1.109,0b 1.383,6b

2 3.042,6a 3.040,7a 3.353,7a 889,1c 1.286,6b 1.392,7b

ANT 1 461,7b 551,3a 531,4a 102,2c 102,1c 103,0c

2 582,2b 589,4b 747,8a 166,8c 178,6c 148,5c

TAN 1 1,39bc 1,65b 1,97a 1,24c 1,50bc 1,49bc

2 0,94cd 0,82d 1,90a 1,20cd 1,33bc 1,70ab

FT = fenóis totais (mg.L-1 ácido gálico); ANT = antocianinas (mg.L-1 malvidina-3-glucosídeo); TAN = (g.L-1 cloreto de cianidina).
*Médias seguidas por letras iguais, na mesma linha, não apresentam diferença significativa pelo teste de Tukey (p>0,05).

Tabela 2. Concentração de fenóis totais, antocianinas e taninos em vinhos da variedade Merlot, safra 2010, com diferentes
tempos de maceração. Vinhedos localizados em Dom Pedrito (vinho 3) e Bento Gonçalves (vinhos 4 e 5).

6 meses 18 meses
Variável Vinho
4 dias 8 dias 15 dias 4 dias 8 dias 15 dias

FT 3 1.820,5b 2.057,7ab 2.245,2a 675,8c 631,8c 896,7c

4 1.490,5b 1.918,3a 2.027,2a 1.140,2c 1.425,3bc 1.355,7bc

5 1.754,1ab 2.040,2a 2.106,3a 528,4c 1.389,9b 1.224,5b

ANT 3 242,7a 228,1a 177,6b 138,5c 123,5cd 96,2d

4 263,5ab 289,2a 278,8ab 105,6c 186,2bc 142,8c

5 213,3bc 367,9a 228,4bc 164,5c 231,4b 178,7bc

TAN 3 1,13ab 1,30a 0,81ab 0,73b 0,87ab 0,96ab

4 0,92ab 1,11a 1,18a 0,74b 1,02a 1,00ab

5 1,68a 1,09ab 1,80a 0,43c 1,26ab 0,50bc


FT = fenóis totais (mg.L-1 ácido gálico); ANT = antocianinas (mg.L-1 malvidina-3-glucosídeo); TAN = (g.L-1 cloreto de cianidina).
*Médias seguidas por letras iguais, na mesma linha, não apresentam diferença significativa pelo teste de Tukey (p>0,05).

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.30-38, 2014 33


vinhos foi devida às antocianinas polimerizadas. Para os O teor de antocianinas totais apresentou redução durante
vinhos elaborados na safra 2010 (Tabela 4), observa-se que o envelhecimento. Entretanto, as diferenças foram mais
o vinho 3 apresentou um comportamento similar aos da acentuadas na safra 2010, onde o tempo de envelhecimento
safra 2009, ressaltando que esses três vinhos provêm de foi menor.
vinhedos localizados na mesma região. Entretanto, para
os vinhos 4 e 5, a influência da copigmentação diminuiu, A variação na intensidade de cor durante o envelhecimento
e os monômeros, apesar de sofrerem redução, ainda está ligadaao tipo de pigmentos formados. Por exemplo:
contribuíram com 30% da cor. Possivelmente, os vinhos 4 considera-se que alguns pigmentos derivados de
e 5 apresentaram uma velocidade de polimerização menor antocianinas apresentam uma tonalidade amarelo-
em relação ao vinho 3. avermelhada ou laranja-avermelhada, com máximo

Tabela 3. Antocianinas copigmentadas, monoméricas, poliméricas e antocianinas totais em vinhos Merlot, safra 2009,
com diferentes tempos de maceração, em duas épocas de estocagem.Vinhedos no município de Dom Pedrito.

12 meses 28 meses
Vinho
4 dias 8 dias 15 dias 4 dias 8 dias 15 dias

1 Copigmentação (%) 22,1a 27,5b 16,1bc 35,7a 39,0a 41,3a


Monômeros (%) 35,4a 22,4b 39,3a 9,8c 8,2c 7,8c
Polímeros (%) 42,4c 50,0ab 44,5bc 54,5a 52,8a 50,9ab
AT 3,4ab 3,7ab 3,9 a 2,8 b 2,9ab 3,8ab

2 Copigmentação (%) 20,4ns 22,0 33,3 33,6 38,1 18,5
Monômeros (%) 29,5a 24,9ab 27,4a 10,9bc 9,1c 34,1a
Polímeros (%) 50,1ab 53,1ab 39,3b 55,6a 52,8ab 48,6ab
AT 4,6ns 5,1 4,9 4,3 4,7 3,9
AT = antocianinas totais, medidas apos adição de acetaldeído à amostra (unidades de absorbância).
*Médias seguidas por letras iguais, na mesma linha, não apresentam diferença significativa pelo teste de Tukey (p>0,05).

Tabela 4. Antocianinas copigmentadas, monoméricas, poliméricas e antocianinas totais em vinhos Merlot, safra 2010,
com diferentes tempos de maceração, em duas épocas de estocagem. Vinhedos localizados em Dom Pedrito
(vinho 3) e Bento Gonçalves (vinhos 4 e 5).

6 meses 18 meses
Vinho
4 dias 8 dias 15 dias 4 dias 8 dias 15 dias

3 Copigmentação (%) 37,8a 28,9ab 15,0b 44,9a 33,5ab 34,3ab


Monômeros (%) 29,7bc 43,9ab 53,4a 11,9c 21,9bc 15,1c
Polímeros (%) 32,5cd 27,2d 31,5cd 43,3ab 44,6ab 50,3a
AT 3,5 a 3,5 a 3,2 a 2,4 b 2,4 b 2,4 b

4 Copigmentação (%) 31,9a 27,3a 20,1ab 12,0b 21,7ab 20,9ab
Monômeros (%) 39,3bc 47,4ab 48,5a 39,3bc 34,3bc 32,5c
Polímeros (%) 28,8b 25,4b 31,2b 49,0a 44,1a 44,7a
AT 4,2 a 4,7 a 5,0 b 3,1d 3,4cd 3,6c

5 Copigmentação (%) 40,5a 32,5ab 41,3a 14,2bc 34,1ab 11,3c


Monômeros (%) 24,6ns 36,4 23,7 36,4 22,1 35,7
Polímeros (%) 35,7ns 31,1 45,8 47,5 41,8 53,5
AT 4,7 b 6,2a 6,8a 3,6b 4,2b 4,8b

AT = antocianinas totais, medidas após adição de acetaldeído à amostra (unidades de absorbância).


*Médias seguidas por letras iguais, na mesma linha, não apresentam diferença significativa pelo teste de Tukey (p>0,05).

34 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.30-38, 2014


de absorbância a 420 nm (BIRSE, 2007). Nos vinhos da associado à formação de polímeros entre antocianinas-
safra 2009 (Tabela 5), observa-se que, após 28 meses de acetaldeído-catequina, resultando na formação de
envelhecimento na garrafa, ocorreu uma redução na intermediários altamente coloridos com aumento na
intensidade da cor em relação à análise realizada com 12 absorbância, sendo que a temperatura influencia a
meses; por outro lado, para a tonalidade de cor, apesar de velocidade de polimerização.
pouco expressiva, observou-se um aumento. É interessante
observar que, para o vinho 1, o tempo de maceração de 15 A análise dos componentes principais (Figura 1), permite
dias apresentou uma maior intensidade de cor; já para o observar a variação nos compostos fenólicos nos vinhos
vinho 2, a maior intensidade de cor foi observada no tempo estudados durante o processo de envelhecimento, além
de maceração de oito dias. Entretanto, para os vinhos da safra das diferenças entre safras. O CP1 (que explica 34,73%
2010 (Tabela 6) observou-se um aumento na intensidade da variação) permitiu separar os dois vinhos da safra
de cor e na tonalidade durante o envelhecimento, o que 2009 de acordo com o tempo de envelhecimento, sendo
pode ser explicado pela análise ter sido realizada com 12 as principais variáveis (Figura 2) a porcentagem de
meses, e não com 28 meses, como na safra 2009. Nesse ano, monômeros (% M), as antocianinas totais (TA), a tonalidade
o tempo de maceração com 15 dias apresentou a maior (TON) e a porcentagem de amarelo (% A). Uma das
intensidade de cor para os três vinhos analisados. Gómez- principais diferenças entre os vinhos analisados com 12
Plaza (1999), trabalhando com a variedade Monastrell, na meses e 28 meses foi o aumento no teor de pigmentos
Espanha, encontrou resultados semelhantes aos desse mais marrons (o que resultou em aumento da tonalidade
estudo, ou seja, decréscimo na quantidade de antocianinas do vinho) e o aumento no teor da cor devido a pigmentos
totais, aumento no teor de antocianinas poliméricas e poliméricos (% P). Um aspecto interessante é que, com 28
tonalidade ao longo de 12 meses de envelhecimento. meses, a diferença entre os tempos de maceração parece
ser menor, uma vez que há uma aproximação das amostras
De acordo com esse autor, o aumento na tonalidade está dos vinhos no espaço do gráfico. O CP2 (que explica 19,57%

Tabela 5. Intensidade de cor e tonalidade em vinho Merlot, safra 2009, com diferentes tempos de maceração.
Vinhedos localizados em Dom Pedrito.

12 meses 28 meses
Vinho
4 dias 8 dias 15 dias 4 dias 8 dias 15 dias

1 Intensidade 6,12bc 6,06bc 7,70a 5,81c 6,01bc 7,11ab


Tonalidade 0,80ab 0,80ab 0,74c 0,92a 0,94a 0,85ab

2 Intensidade 8,0ab 10,3a 6,8b 7,8ab 7,8ab 6,3b
Tonalidade 0,88ns 0,84 0,90 0,91 0,91 0,96

*Médias seguidas por letras iguais, na mesma linha, não apresentam diferença significativa pelo teste de Tukey (p>0,05).

Tabela 6. Intensidade de cor e tonalidade em vinhos Merlot, safra 2010, com diferentes tempos de maceração.
Vinhedos localizados em Dom Pedrito (vinho 3) e Bento Gonçalves (vinhos 4 e 5).

12 meses 28 meses
Vinho
4 dias 8 dias 15 dias 4 dias 8 dias 15 dias

3 Intensidade 3,79b 3,94ab 4,75ab 4,24ab 4,44ab 4,81a


Tonalidade 0,83ns 0,82 0,81 0,88 0,87 0,85

4 Intensidade 4,57b 5,55ab 5,65ab 5,98a 5,71ab 5,90a
Tonalidade 0,76ns 0,78 0,77 0,79 0,81 0,77

5 Intensidade 7,05b 8,09b 11,03a 6,68b 7,93b 9,49ab


Tonalidade 0,68b 0,81a 0,63b 0,82a 0,87a 0,80a
*Médias seguidas por letras iguais, na mesma linha, não apresentam diferença significativa pelo teste de Tukey (p>0,05).

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da variação) permitiu separar os vinhos de acordo com a menor intensidade de cor em ambas as regiões. As variáveis
safra, à exceção do vinho 5. Um dos principais fatores de que distinguiram o vinho 5 foram a intensidade de cor (IC) e
separação foi a intensidade de cor e o teor de taninos (Figura a quantidade de antocianinas totais (AT).
2). Dessa forma, os vinhos da safra 2010 apresentaram

Figura 1. Distribuição das amostras na Análise de Componentes Principais em vinhos da variedade Merlot:
duas safras (2009 e 2010); dois tempos de estocagem (A e B); e três tempos de maceração (4, 8 e 15 dias).
Vinhos 1, 2 e 3 – Dom Pedrito; vinhos 4 e 5 – Bento Gonçalves.

Figura 2. Pesos das variáveis na Análise de Componentes Principais em vinhos da variedade Merlot. FT
= fenóis totais (mg.L-1 ácido gálico); ANT = antocianinas (mg.L-1 malvidina glicosídeo); TAN = taninos (g.L-
1
cloreto de cianidina); IC = intensidade de cor; % C = antocianinas copigmentadas; % M = antocianinas
monoméricas; % P = antocianinas poliméricas; TA = antocianinas totais (unidades de absorbância); IPT
= índice de polifenóis totais; ApH 1 = antocianinas potenciais (mg.L-1 malvidina glicosídeo); ApH 3,2=
antocianinas extraíveis (mg.L-1 malvidina glicosídeo); IMC % = índice de maturidade celular; TC % =
proporção de taninos nas cascas; TS % = proporção de taninos nas sementes.

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Analisando somente os vinhos elaborados na safra 2010, ao bissulfito, redução na porcentagem de cor devido às
observa-se que no vinho 3, entre seis e 12 meses, ocorreu antocianinas monoméricas, aumento na porcentagem de
um aumento da importância dos pigmentos marrons cor devido às antocianinas poliméricas e aumento da cor
(% A) e uma diminuição no efeito da maceração sobre as a 420 nm.
características do vinho. A nítida separação do vinho 3,
com 12 meses, dos demais vinhos elaborados nessa safra, 2. Nos vinhos elaborados com uvas produzidas em Dom
ocorreu devido à queda na porcentagem de antocianinas Pedrito, nas duas safras analisadas, com o passar do tempo,
monoméricas (% M), comprovando a diferença na há um aumento na cor devido às antocianinas poliméricas
velocidade de polimerização dos vinhos. e à copigmentação. No entanto, nos dois vinhos elaborados
com uva produzida em Bento Gonçalves, esse fato não é
observado.
Conclusões
3. De maneira geral, o tempo de maceração de 15 dias
1. Durante o envelhecimento do vinho, ocorre aumento na resulta em maior intensidade de cor, no entanto, a influência
quantidade de pigmentos poliméricos, fato comprovado do tempo de maceração diminui com o envelhecimento do
pela redução na quantidade de antocianinas sensíveis vinho.

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38 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.30-38, 2014


Argissolo
Argissolo abrúptico
abrúptico Cambissolo
Cambissolo Neossolo litólico

Carlos Alberto Flores

Efeito do tipo de solo nos compostos fenólicos


e na atividade antioxidante do vinho

Alberto Miele1
Carlos Alberto Flores2
José Maria Filippini Alba2
Cristiane Bárbara Badalotti3

Resumo
onduziu-se este trabalho em 2012 com o objetivo de estudar o efeito do solo
sobre os compostos fenólicos do vinho Merlot. Amostrou-se uva de cada
tipo de solo e fez-se vinho em duplicata para cada um deles. Analisaram-se
14 variáveis, cujos parâmetros foram submetidos à análise de componentes
principais (ACP). Os resultados mostram que a ACP discriminou os vinhos
avaliados, onde os três componentes principais (CPs) representaram 95,01% da
variação total. O CP1 discriminou o vinho elaborado com uva proveniente do
Argissolo 2, o qual foi representado por valores mais elevados das absorbâncias
420, 520 e 620 nm, intensidade de cor, índice de polifenóis totais, antocianinas e
atividade antioxidante, e mais baixos de matiz. O CP2 discriminou o vinho da uva
produzida no Neossolo 1 e no Neossolo 2, os quais se caracterizaram por valores
1
Embrapa Uva e Vinho mais baixos de malvidina, resveratrol, kaempferol e quercetina, mas maiores de
95700-000 Bento Gonçalves, RS
2
Embrapa Clima Temperado taninos. O CP3 discriminou o vinho proveniente do Argissolo 1, que teve valores
96010-971 Pelotas, RS mais elevados de miricetina. Esses resultados evidenciam que o solo tem efeito
3
IFRS - Campus Bento Gonçalves sobre a composição fenólica do vinho Merlot e, por extensão, pode ter sobre sua
95700-000 Bento Gonçalves, RS qualidade, características sensoriais e tipicidade.
Autor correspondente:
alberto.miele@embrapa.br Palavras-chave: viticultura de precisão, polifenóis, flavonóis, resveratrol,
malvidina.
40 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.40-47, 2014
Abstract

Effect of the soil type on the phenolic compounds


and the antioxidant activity of the wine
This experiment was carried out in 2012 aiming to study the effect of soil on the phenolic
compounds of the Merlot wine. Grape sampling was performed in each soil type and wine was
made in duplicate. Analyses were related to 14 variables, which parameters were submitted to the
principal component analysis (PCA). Results show that PCA discriminated wines, where the three
principal components (PCs) represented 95.01% of the total variation. PC1 discriminated wine
from the Argissolo 2, which was represented by higher values of absorbance 420, 520, and 620
nm, color intensity, total polyphenols index, anthocyanins, and antioxidant activity, and lower
hue. PC2 discriminated wines from the Neossolo 1 and Neossolo 2, which were characterized
by lower values of malvidin, resveratrol, kaempferol, and quercetin, but higher tannins. PC3
discriminated wine from Argissolo 1, which was represented by higher values of myricetin. These
results show that the soil has effect on the phenolic composition of the Merlot wine, hence it can
have influence on its quality, sensory characteristics, and typicality.

Key words: precision viticulture, polyphenols, flavonols, resveratrol, malvidin.

Introdução

A utilização de tecnologias de agricultura de precisão em (ARNÓ et al., 2009). Ainda, segundo esses autores, as
viticultura iniciou na Austrália (BRAMLEY; PROFFITT, 1999) e pesquisas realizadas com tecnologias de viticultura de
nos Estados Unidos (WAMPLE et al., 1999) há pouco mais de precisão visam principalmente a quantificar e avaliar a
uma década. Posteriormente, foi adotada por viticultores variabilidade espacial do solo, determinar zonas de manejo
de países vitivinícolas da Europa, como França e Espanha, baseadas em análises e interpretação dessa variabilidade,
e da América do Sul. desenvolver tecnologias para aplicação de insumos por
taxa variável e avaliar as oportunidades para o manejo do
Essas tecnologias proporcionam condições para melhorar vinhedo em área específica.
a habilidade de se manejar o vinhedo, considerando-se
que há variabilidade espacial do solo que, com frequência, Os compostos fenólicos, juntamente com as substâncias
ocorre em espaços diminutos. Para atingir esse objetivo, aromáticas, são importantes para a determinação das
há equipamentos e tecnologias que proporcionam aos características e qualidade do vinho. Sua ação é mais
viticultores oportunidade de direcionar a produção de expressiva nos aspectos visuais, como intensidade de cor
uva de acordo com o desempenho do vinhedo, visando a e matiz, especialmente dos vinhos tintos, e no paladar,
harmonizar a produtividade do vinhedo e a qualidade da destacando-se a estrutura, a persistência, a longevidade
uva e a causar menor impacto negativo ao meio ambiente e as características organolépticas do produto. Mais
(BRAMLEY et al., 2001). recentemente, as pesquisas com vinho têm evidenciado
sua ação benéfica à saúde humana.
As tecnologias de viticultura de precisão relacionam-se
a vários aspectos, especialmente a sensores e monitores A presença desses compostos na uva depende dos mais
de produção, sensores proximais e remotos, sistemas de diversos fatores, todos eles relacionados ao cultivo da
posicionamento orientados por satélite, como o GPS, videira. Citam-se, especialmente, o efeito do cultivar, do
equipamentos e maquinaria para aplicação de insumos a clone e do porta-enxerto; das características físico-químicas
taxa variável e sistemas para espacialização, interpretação do solo; dos fatores climáticos que ocorrem durante o
e análise de dados, como os SIGs e aplicativos estatísticos ciclo vegetativo da videira, especialmente durante a fase

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.40-47, 2014 41


de maturação da uva; e das práticas culturais utilizadas da Embrapa. Os cinco solos foram dois Argissolos (alta
no cultivo do vinhedo. A ação conjunta desses fatores é saturação por alumínio), um Cambissolo (alta saturação
responsável pela presença, concentração, diversidade e de bases) e dois Neossolos (alto teor de carbono e muito
características da composição fenólica da uva. Presentes pedregosos), de acordo com a seguinte especificação:
na uva, esses compostos passam para o vinho durante ARG1 (PBACal 3 - Argissolo Bruno Acinzentado Alítico
a vinificação, sendo, então, influenciados pelas práticas abrúptico A proeminente textura franco-argilosa/argilosa
enológicas utilizadas na elaboração do vinho. relevo ondulado 13% a 20% + PBACal 2 - Argissolo Bruno
Acinzentado Alítico abrúptico A proeminente textura
Os trabalhos de pesquisa contemplando os compostos franco-argilosa/argilosa relevo moderadamente ondulado
fenólicos são amplamente difundidos no mundo, inclusive 8% a 13%); ARG2 (PBACal 1 - Argissolo Bruno Acinzentado
no Brasil, onde vários artigos científicos têm sido publicados. Alítico típico A moderado textura argilosa relevo suave
Os trabalhos realizados no país referem-se a aspectos os ondulado 3% a 8%); CAM (CXve 3 - Cambissolo Háplico
mais diversos, como à safra vitícola (RIZZON; MIELE, 2006), Ta Eutrófico típico A moderado textura franco-argilosa/
clones (BURIN et al., 2011; MIELE, 2012), produtividade do argilosa relevo forte ondulado 20% a 45% + CXve 2 -
vinhedo (MIELE; RIZZON, 2006; SILVA et al., 2008), região Cambissolo Háplico Ta Eutrófico típico A moderado textura
vitícola (MIELE et al., 2010; ROSA et al., 2011; TIMM et al., franco-argilosa/argilosa fase pedregosa relevo forte
2012; DAUDT; FOGAÇA, 2013), maturação da uva (MANFROI ondulado 20% a 45%); NEO1 (RRh 4 - Neossolo Regolítico
et al., 2009), composição do vinho (RIZZON; MIELE, 2003; Húmico típico textura franco-argilo-arenosa cascalhenta/
TECCHIO et al., 2007; MIELE; RIZZON, 2009), práticas vitícolas franca cascalhenta fase pedregosa relevo forte ondulado
(MANFROI et al., 1997, 2006; MIELE et al., 2009; PÖTTER et 20% a 45%); NEO2 (RRh 1 - Neossolo Regolítico Húmico
al., 2010; CHAVARRIA et al., 2011b) e práticas enológicas típico textura franco-argilo-arenosa cascalhenta/franca
(RIZZON et al., 1997; RIZZON; MIELE, 2005; MANFROI et al., cascalhenta fase pedregosa relevo suave ondulado 3% a
2010; DAL’OSTO; MOTA, 2012; FOGAÇA et al., 2012; TIMM et 8% + RRh 2 - Neossolo Regolítico Húmico típico textura
al., 2012; DAUDT; FOGAÇA, 2013; GABBARDO et al., 2013) e franco-argilo-arenosa cascalhenta/franca cascalhenta
à revisão de literatura sobre os polifenóis da uva e do vinho fase pedregosa relevo moderadamente ondulado 8% a
(GUERRA, 2012). 13% + RRh 3 - Neossolo Regolítico Húmico típico textura
franco-argilo-arenosa cascalhenta/franca cascalhenta fase
Até o momento, entretanto, são restritos os trabalhos pedregosa relevo ondulado 13% a 20%). Os Argissolos
realizados no Brasil concernente ao efeito do solo nos representam 31,07% da área do Vale dos Vinhedos; os
compostos fenólicos. Nesse contexto, despontam dois Cambissolos, 48,42%; e os Neossolos, 13,38%. O restante da
artigos: um que estudou as relações hídricas e a videira área é formada por Chernossolos, Nitossolos e Planossolos
Cabernet Sauvignon cultivada em três classes taxonômicas (FLORES et al., 2012).
de solo (CHAVARRIA et al., 2011a) e outro, que abordou o
efeito, também de classes taxonômicas, em 40 variáveis do Por ocasião da maturação, amostraram-se 40 kg de uva de
vinho Merlot (MIELE et al., 2014). cada solo, as quais foram colocadas em caixas de plástico
e transportadas, no mesmo dia, para o Laboratório de
Face ao exposto, este trabalho teve por objetivo avaliar o Microvinificação. Essa uva foi dividida em duas parcelas
efeito de cinco tipos de solo na composição fenólica do de 18 kg cada, sendo processadas em pequena escala,
vinho Merlot, especialmente em flavonóis (kaempferol, separando a baga da ráquis com uma desengaçadeira-
quercetina, miricetina), malvidina e resveratrol, e em sua esmagadeira. As partes sólida e líquida da uva foram
atividade antioxidante. colocadas em recipientes de vidro de 20 L, adaptados
com válvulas de Müller. Adicionaram-se, a seguir, 50 mg.L‑1
de dióxido de enxofre e 0,20 g.L‑1 de levedura seca ativa
(Saccharomyces cerevisiae). O tempo de maceração foi de
Material e Métodos cinco dias, com duas remontagens diárias. A fermentação
alcoólica ocorreu em sala com temperatura de 24±1 °C. O
Este trabalho foi realizado em vinhos Merlot, elaborados por vinho foi trasfegado, filtrado e engarrafado.
microvinificação a partir de uvas provenientes de videiras
cultivadas em cinco tipos de solo do Vale dos Vinhedos. A Os vinhos foram analisados nos laboratórios de Enoquímica,
classificação desses solos foi feita por Flores et al. (2011) de Instrumentação e de Microbiologia da Embrapa
como parte do projeto “Agricultura de precisão para a Uva e Vinho. As variáveis avaliadas foram antocianinas,
sustentabilidade de sistemas produtivos do agronegócio absorbâncias 420, 520 e 620 nm, intensidade de cor, matiz,
brasileiro”, que está sendo conduzido por pesquisadores índice de polifenóis totais, taninos, malvidina, kaempferol,

42 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.40-47, 2014


quercetina, miricetina, resveratrol e atividade antioxidante. WILLIAMS et al.,1995). Os resultados foram expressos como
atividade de oxirredução equivalente para Trolox (TEAC
As antocianinas foram analisadas pelo método de diferença µM).
de pH e os taninos, por hidrólise ácida (RIBÉREAU-GAYON;
STONESTREET, 1965, 1966). As absorbâncias 420, 520 e 620 Os parâmetros das variáveis avaliadas foram submetidos à
nm foram determinadas em espectrofotômetro UV/VIS, análise de componentes principais.
com cubeta de 1 mm de percurso ótico; os polifenóis totais,
medindo a absorbância a 280 nm com cubeta de 10 mm
de percurso ótico. A intensidade de cor foi calculada pela Resultados e Discussão
soma das três absorbâncias − 420, 520 e 620 nm − e o matiz
pela divisão das absorbâncias 420 nm e 520 nm. A análise de componentes principais (ACP) discriminou
os vinhos avaliados, onde os três componentes principais
A análise de resveratrol, kaempferol, miricetina, quercetina (CPs) representaram 95,01% da variação total, ou seja, o CP
e malvidina foi realizada adaptando o protocolo proposto 1, 54,35%; o CP 2, 25,23%; e o CP 3, 15,43%.
por Matsubara et al. (2006) e Silva et al. (2011). As amostras
de vinho foram diluídas em solução metanólica e filtradas. O CP 1 discriminou, principalmente, o vinho elaborado
As soluções foram analisadas por meio de um aparelho de com uva proveniente do Argissolo 2 (Figura 1A), o qual é
cromatografia líquida acoplado a um detector DAD. Para representado por valores elevados das variáveis – entre
isso, utilizou-se uma coluna de fase reversa, com eluição no parênteses estão os coeficientes de correlação entre as
modo gradiente de mistura composta por uma fase aquosa variáveis e os componentes – absorbância 420 nm (420)
e uma fase orgânica: o metanol. Os comprimentos de onda (-0,99), absorbância 620 nm (620) (-0,99), intensidade de
para a detecção e quantificação foram selecionados de cor (INC) (-0,99), absorbância 520 nm (520) (-0,98), índice
acordo com o máximo de absorção de cada composto. O de polifenóis totais (IPT) (-0,86) e antocianinas (ANT) (-0,74);
método desenvolvido foi validado através dos parâmetros por outro lado, caracterizou-se por valores mais baixos de
de especificidade, linearidade, precisão, exatidão e matiz (MAT) (0,89).
robustez. Os teores de cada analito foram calculados com
base nas suas respectivas equações das retas obtidas com O CP 2 discriminou especialmente o vinho do Neossolo 1 e,
as curvas-padrão. em segundo plano, o do Neossolo 2 (Figura 1B). Esses vinhos
caracterizaram-se por valores mais baixos de malvidina
A atividade antioxidante do vinho foi determinada pela (MAL) (-0,89), resveratrol (RES) (-0,85), kaempferol (KAE)
redução do DPPH, que é estável, por substâncias presentes (-0,78) e quercetina (QUE) (-0,73); mas, maiores de taninos
no vinho, usando uma solução standard de Trolox (BRAND- (TAN) (0,85).

(A) (B)

Figura 1. Projeção dos vinhos (A) e das variáveis (B) nos planos formados pelos componentes principais 1 x 2. Legenda: ARG1= vinho do
Argissolo 1; ARG2= vinho do Argissolo 2; CAM= vinho do Cambissolo; NEO1= vinho do Neossolo 1; NEO2= vinho do Neossolo 2; MAV=
malvidina; RES= resveratrol; QUE= quercetina; MIR= miricetina; KAE= kaempferol; AOX= atividade antioxidante; 420= absorbância 420
nm; 520= absorbância 520 nm; 620= absorbância 620 nm; INC= intensidade de cor; MAT= matiz; IPT= índice de polifenóis totais; ANT=
antocianinas; TAN= taninos; AOX= atividade antioxidante.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.40-47, 2014 43


O CP 3 discriminou, principalmente, o vinho do Argissolo 1 Vale dos Vinhedos teve maior concentração de taninos
(Figura 2A), o qual é representado por valores mais elevados que a do Argissolo. Isso porque esses solos tiveram menor
da variável miricetina (MIR) (0,74) (Figura 2B). disponibilidade hídrica, o que induziu a menor potencial
de água na folha, crescimento dos ramos e produtividade
O vinho do Argissolo 2 teve valores mais elevados que o do da videira, mas não houve diferença significativa na
Cambissolo, especialmente nas variáveis relacionadas aos concentração de antocianinas (CHAVARRIA et al., 2011a).
pigmentos. De fato, a absorbância 420 nm foi 29,3% maior; Em outro trabalho, realizado na mesma região, mas com
a 520 nm, 39,2%; a 620 nm, 39,6%; o índice de polifenóis vinhedos do cv. Merlot, os resultados indicam que vinhos
totais, 16,6%; as antocianinas, 22,1%; e a intensidade de cor, do Argissolo Bruno Acinzentado Alítico abrúptico A tiveram
34,0%. Os valores mais elevados dos pigmentos vermelhos teores mais elevados de variáveis relacionadas à cor e a
fizeram com que o vinho do Argissolo 2 tivesse matiz taninos, como as absorbâncias 420 e 620 nm, a intensidade
mais baixo, principalmente quando comparado com o do de cor, o índice de polifenóis totais, as antocianinas e os
Argissolo 1 e o do Cambissolo, ou seja, teve cor vermelha taninos. Além disso, teve valores mais elevados de extrato
mais pronunciada que os demais vinhos. Contudo, a seco e relação álcool em peso/extrato seco reduzido
malvidina, que é um dos tipos de antocianinas presentes na (MIELE et al., 2014). Esses resultados, aparentemente
uva e no vinho, teve concentração mais elevada no vinho díspares, evidenciam que deve haver outros fatores, além
do Neossolo 2 que no do Argissolo 2. O vinho do Neossolo da disponibilidade hídrica do solo, que influenciam na
1 e, em parte, do Argissolo 2, teve maior concentração de composição fenólica da uva e do vinho.
taninos (+15,5%) que o do Cambissolo.
Quanto aos flavonóis, seu comportamento não seguiu um
Os parâmetros das variáveis absorbâncias 420, 520 e 620 padrão determinado, pois o kaempferol foi 49,8% maior no
nm, antocianinas, intensidade de cor, matiz, taninos e índice vinho do Argissolo 2 que no do Neossolo 1; a quercetina,
de polifenóis totais dos cinco vinhos Merlot avaliados, em entretanto, foi 39,4% maior no do Cambissolo que no do
geral, estão de acordo com trabalhos realizados com esse Argissolo 1; e a miricetina, 21,4% maior no do Argissolo 1
varietal (RIZZON; MIELE, 2003) e com outros cultivares que no do Cambissolo. Em trabalho realizado com vinhos
viníferas (RIZZON; MIELE, 2002) ou mesmo com cultivares Tannat da Serra Gaúcha e da Campanha, os primeiros
de uvas americanas (TECCHIO et al., 2007). apresentaram maiores concentrações de procianidinas B1,
B2, B3 e B4, mas menores de catequina (ROSA et al., 2011).
Trabalho realizado visando à determinação do efeito do Comparando vinhos de dois clones de Cabernet Sauvignon,
solo nos compostos fenólicos da película da uva Cabernet 169 e 685, o clone 169 teve valores mais elevados de
Sauvignon, proveniente de Planossolo e de Neossolo do catequina, quercetina, ácido gálico, ácido ferúlico e ácido

(A) (B)

Figura 2. Projeção dos vinhos (A) e das variáveis (B) nos planos formados pelos componentes principais 1 x 3. Legenda: ARG1= vinho do
Argissolo 1; ARG2= vinho do Argissolo 2; CAM= vinho do Cambissolo; NEO1= vinho do Neossolo 1; NEO2= vinho do Neossolo 2; MAV=
malvidina; RES= resveratrol; QUE= quercetina; MIR= miricetina; KAE= kaempferol; AOX= atividade antioxidante; 420= absorbância 420
nm; 520= absorbância 520 nm; 620= absorbância 620 nm; INC= intensidade de cor; MAT= matiz; IPT= índice de polifenóis totais; ANT=
antocianinas; TAN= taninos; AOX= atividade antioxidante.

44 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.40-47, 2014


ρ-cumárico, mas menores de malvidina, delfinidina e discriminou o Argissolo 1 dos demais solos, especialmente
peonidina (BURIN et al., 2011). Contudo, não há registro do Cambissolo, o que sugere a influência do teor de Al,
na literatura brasileira sobre o efeito do solo sobre essas muito embora isso não tenha sido constatado no Argissolo
substâncias. No que se relaciona à atividade antioxidante, 2, que também é Alítico.
ela foi maior no vinho do Argissolo 2 e menor (-28,5%) no
do Argissolo 1.

A concentração de resveratrol, que é um estilbeno, foi Conclusão


maior (+53,9%) no Neossolo 2 e menor no Argissolo 2.
Constata-se, portanto, que houve correlação positiva entre Os solos do Vale dos Vinhedos caracterizam-se por
a concentração de malvidina e a de resveratrol, o que pode serem formados de várias classes taxonômicas, as quais
indicar que uvas que contenham maiores concentrações apresentam propriedades físico-químicas diferenciadas,
desse pigmento tenham também maiores de resveratrol. características que podem conferir ao solo importante
Resultados de pesquisas realizados no país mostram que papel na composição físico-química e sensorial dos vinhos
o vinho do clone de Cabernet Sauvignon 169 teve maior elaborados com uvas cultivadas nesses solos. Podem-se
concentração de trans-resveratrol que o do 685 (BURIN mencionar os efeitos sobre os compostos fenólicos, que
et al., 2011) e que o do vinho Tannat da Serra Gaúcha foi se constituem num conjunto de substâncias que tem
maior que o da Campanha (ROSA et al., 2011). Entretanto, ação direta na tipicidade e qualidade do vinho e em sua
não houve diferença significativa entre os vinhos Tannat atividade antioxidante.
brasileiros e uruguaios (TIMM et al., 2012).

Resumidamente, constata-se que o CP1 separou a parte alta


(Argissolo 2 + Neossolo 2) onde, em geral, há declividade
inferior a 13% e elevados teores de C e N, dos demais solos, Agradecimentos
com declividade superior a 13% e teores baixos de C e N. Essas
características sugerem que eles têm efeito na cor e matiz Os autores agradecem à Vinícola Miolo, que disponibilizou
do vinho. O CP2 discriminou principalmente o Neossolo 2 os vinhedos para a realização deste trabalho; aos colegas
− que tem semelhança com o Cambissolo −, do Neossolo 1. da Embrapa Uva e Vinho − Celito Crivellaro Guerra, Letícia
O Neossolo 2, embora mapeado como Neossolo Regolítico, Flores da Silva, Eliane Perissutti e Gildo Almeida da Silva
apresenta-se com profundidade efetiva reduzida, o que − pela colaboração prestada nas análises relacionadas
sugere possível enquadramento como Neossolo Litólico. aos polifenóis e à atividade antioxidante dos vinhos; ao
Isso explicaria, em parte, um regime hídrico diferenciado, o CNPq, pela concessão de Bolsa de Iniciação Científica a
que influi no comportamento fisiológico da videira e, como Cristiane Bárbara Badalotti; e a todos que colaboraram
consequência, nas características enológicas da uva. O CP3 anonimamente para a realização deste trabalho.

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Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.40-47, 2014 47


Giovani Nunes

Taninos elágicos e atividade antioxidante de aparas de


madeira de carvalho usadas na maturação do vinho

António Jordão1
Ari de Mari2

Resumo
fetuou-se a avaliação do teor em taninos elágicos e da atividade antioxidante
de 14 aparas (chips) de madeira de carvalho (Quercus spp.), que podem
ser encontradas no mercado de produtos enológicos (incluindo o Brasil),
como produtos alternativos à utilização de barricas para a maturação de
vinhos. A atividade antioxidante total foi quantificada utilizando-se dois dos
principais métodos químicos: DPPH e ABTS, assim como o teor em fenóis totais.
Foram também quantificados, por HPLC, quatro taninos elágicos (vescalagina,
castalagina, roburina D e roburina E) e, ainda, o ácido elágico. As amostras de
aparas de madeira de carvalho da espécie Quercus petraea apresentaram valores
de atividade antioxidante significativamente mais elevados que as amostras
1
Instituto Politécnico de Viseu -
da espécie Quercus alba. No geral, a atividade antioxidante decresceu com o
Escola Superior Agrária aumento do nível de tosta das amostras de aparas analisadas. Efeito similar foi
3500-606 Viseu, Portugal detectado nos teores em taninos elágicos estudados. Por outro lado, o processo
2
AEB - Bioquímica Portuguesa S.A. de tosta induziu a um aumento dos teores em compostos fenólicos totais e ainda
3500-618 Viseu, Portugal
da concentração em ácido elágico.
Autor correspondente:
antoniojordao@esav.ipv.pt Palavras-chave: aparas de madeira, atividade antioxidante, compostos fenólicos,
taninos elágicos.
50 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.50-57, 2014
Abstract

Ellagitannins content and antioxidant activity


of oak wood chips used for wine ageing
The ellagitannins and antioxidant capacity content from 14 different commercial oak wood
pieces (Quercus spp.), which can be found on the oenological products market (including
Brazil) as alternatives to barrels for ageing wines, were studied. Total antioxidant capacity
was evaluated by two of the most usual chemical methods: DPPH and ABTS ones, so as
by measuring the total phenols content. Four ellagitannins (vescalagin, castalagin, roburin
D and roburin E) and ellagic acid were evaluated by HPLC. Commercial oak wood pieces
samples from Quercus petraea had significantly higher antioxidant activity values than
the pieces from Quercus alba species. In general, antioxidant capacity decreased with the
toasting level of the oak wood pieces samples analyzed. A similar effect was detected in the
individual ellagitannin content studied. However, the total phenolic content and the ellagic
acid concentration increased with the toasting process.

Key words: oak wood pieces, antioxidant activity, phenolic compounds, ellagitannins.

Introdução

Atualmente, ao se pretender obter vinhos tintos com uma dos vinhos tintos, sendo tal fato explicado pela extração a
maior capacidade de envelhecimento, associada a uma partir da madeira de grandes quantidades de compostos
maior complexidade de sabores e aromas, as opções do fenólicos. Nesse âmbito, os taninos elágicos presentes
enólogo passam pela utilização de uvas em bom estado na madeira de carvalho desempenham um papel
sanitário e com bom nível de maturação (em particular fundamental (GONÇALVES; JORDÃO, 2009). Os taninos
em termos fenólicos), pela realização de macerações mais elágicos encontram-se presentes em várias espécies de
prolongadas para favorecer a extração de compostos madeira de carvalho, pertencendo ao grupo dos taninos
fenólicos e, ainda, pelo estágio dos vinhos em barricas de hidrolisáveis e representando um valor acima de 10%
madeira, nomeadamente de carvalho (JORDÃO et al., 2006). da matéria seca da madeira (SCALBERT et al., 1988). A
vescalagina e a castalagina são os taninos elágicos que se
O contato do vinho com a madeira de carvalho permite encontram predominantemente nas madeiras de carvalho
a difusão da madeira para o vinho de vários compostos, (ALAÑÓN et al., 2011).
induzindo a um incremento qualitativo destes (DE
CONINCK et al., 2006). Os componentes da madeira que De acordo com vários autores (MOUTOUNET et al., 1989;
podem ser transferidos para o vinho incluem vários tipos VIVAS; GLORIES, 1996), esses compostos estão envolvidos
de compostos, como sejam taninos (VIRIOT et al., 1993; nos processos de oxidação que ocorrem nos vinhos ao
VIVAS; GLORIES, 1996; JORDÃO et al., 2007), compostos longo do tempo, desempenhando um importante papel
voláteis presentes naturalmente na madeira ou resultantes ao nível da capacidade em absorverem o oxigênio presente
da termodegradação da lignina (ORTEGA-HERAS et al., nos vinhos, facilitando a estabilidade da cor, além de
2004; JORDÃO et al., 2005), hemiceluloses e, ainda, outros aumentar o potencial antioxidante existente.
componentes macromoleculares (CHATONNET, 1995).
Nos últimos anos, o contato do vinho com a madeira deixou
Alguns autores têm referido que a conservação dos de ser única e exclusivamente associado à maturação dos
vinhos em contato com a madeira de carvalho contribui vinhos em barricas. Assim, surgiram outras alternativas
positivamente para o aumento da capacidade antioxidante a essa metodologia tradicional, nomeadamente através

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.50-57, 2014 51


da aplicação de aparas (chips) aos vinhos durante a Material e Métodos
fermentação e amadurecimento, com o objetivo de
transmitir aos vinhos características da madeira de forma Analisaram-se catorze diferentes amostras comerciais de
similar e rápida, como ocorre quando estes se encontram aparas de madeira de carvalho com diferentes designações
a amadurecer nas barricas. Vários trabalhos experimentais comerciais. As características principais disponibilizadas
têm sido realizados nessa área, apontando para a pelo fornecedor estão na Tabela 1. Na Figura 1 encontra-
obtenção de resultados similares aos obtidos nos vinhos se, também, apresentado o aspecto visual de algumas das
amadurecidos em barricas de madeira (DE CONINCK et al., aparas estudadas.
2006; KOUSSISSI et al., 2009).
Preparação das amostras
A possibilidade de utilização da madeira de carvalho, de A preparação das amostras com vista à obtenção de extratos
uma forma mais fácil e barata, tem feito com que no mercado para quantificação dos fenóis totais, taninos elágicos, ácido
dos produtos enológicos exista uma grande variedade de elágico e da atividade antioxidante total foi efetuada
aparas ao nível da sua forma (chips, granulados, blocos, segundo a metodologia descrita por Jordão et al. (2007). Em
pó, cubos e aduelas), dimensão, origem, nível de tosta resumo, 100 mg de cada apara foram submetidos durante
e, ainda, com diferentes designações de acordo com as 160 min a um processo de extração com uma solução de
empresas produtoras. Porém, essa diversidade não tem água/acetona (3:7), sob agitação constante e ao abrigo da
sido acompanhada por um aumento da informação luz. As extrações foram efetuadas em triplicado, sendo os
relativa à composição química desses tipos de produto. extratos previamente filtrados.
Assim, torna-se importante efetuar uma caracterização de
alguns dos compostos presentes nas aparas, com especial Determinação dos fenóis totais
destaque para aqueles que podem apresentar um impacto Nos extratos, efetuou-se a determinação dos compostos
nas características dos vinhos, tendo sido dado no presente fenólicos totais utilizando o reagente Folin-Ciocalteau e o
trabalho particular ênfase ao teor em taninos elágicos e, ácido gálico como padrão (SINGLETON; ROSSI, 1965).
ainda, à atividade antioxidante. Trata-se, pois, de aspectos
ainda pouco explorados ao nível da caracterização das Quantificação da atividade antioxidante total
diferentes aparas de madeira de carvalho disponíveis no Para a determinação da atividade antioxidante total,
mercado dos produtos enológicos.

Tabela 1. Características gerais das amostras de aparas de madeira analisadas.

Espécie de madeira Dimensão das


Amostras Nível de tosta
de carvalho aparas (mm)

FB Média + Forte a Q. petraea + Q. alba 8,0


SCH Média + Forte a
Q. petraea + Q. alba 8,0
DTM Média Q. petraea 2,5 x 5,0 x 0,5 b
DTF Forte Q. petraea 2,5 x 5,0 x 0,5 b
A2M Média Q. alba 2,0
A2F Forte Q. alba 2,0
A8M Média Q. alba 8,0
A8F Forte Q. alba 8,0
F2L Ligeira Q. petraea 2,0
F2M Média Q. petraea 2,0
F2F Forte Q. petraea 2,0
F8L Ligeira Q. petraea 8,0
F8M Média Q. petraea 8,0
F8F Forte Q. petraea 8,0
a
Mistura de 50% para cada nível de tosta
b
Dimensões (largura x comprimento x espessura), expressas em cm.

52 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.50-57, 2014


Fotos dos autores

Figura 1. Aspecto visual de algumas das aparas de madeira para uso enológico analisadas.

recorreu-se a duas das principais metodologias: métodos o ácido elágico. Os picos cromatográficos relativos a cada
ABTS e DPPH. O método ABTS é baseado na descoloração tanino elágico foram identificados de acordo com dados
que ocorre quando o radical do cátion ABTS+ é reduzido a de referência previamente publicados (VIRIOT et al., 1994;
ABTS (RE et al., 1999). A coloração produzida é quantificada JORDÃO et al., 2007). Para o ácido elágico, a identificação
a uma absorvância de 734 nm após 15 min de reação. foi efetuada por comparação do tempo de retenção do
No método DPPH, seguiu-se a metodologia descrita por respectivo padrão externo.
BRAND-WILLIAMS et al. (1995). A coloração resultante da
reação produzida entre o DPHH e o extrato é quantificada Análise estatística
após 20 min a uma absorvância de 515 nm. Em ambos os Para a análise das diferenças entre os resultados das
métodos, os resultados foram expressos em equivalentes diferentes variáveis, efetuou-se uma análise de variância e
de Trolox, com elaboração prévia das respetivas curvas de comparação das médias, usando o programa SPSS versão
calibração. 11.0 (SPSS Inc., Chicago, EUA). As diferenças das médias
foram analisadas recorrendo ao teste de Duncan (α < 0,05).
Determinação dos taninos elágicos e do ácido elágico
A partir de 2 mL de cada extrato, efetuou-se a sua
concentração sob corrente de nitrogênio para remover a
acetona, tendo depois o resíduo sido redissolvido com 3 mL Resultados e Discussão
de água destilada. Retiraram-se, em seguida, 10 µL do extrato
de forma a serem analisados os taninos elágicos através da Pela análise da Figura 2A, verifica-se que houve uma
cromatografia líquida de alta performance (HPLC). No caso elevada variação no teor em fenóis totais entre as amostras
da determinação do ácido elágico, a análise cromatográfica de aparas estudadas (variação entre 128,3 e 824,8
foi feita diretamente a partir dos extratos de madeira. As mg.L-1, respectivamente, na amostra DTF e F2F). Tal como
condições de preparação dos extratos para análise e as seria esperado e confirmando a bibliografia (DOUSSOT
condições cromatográficas (nomeadamente os solventes et al., 2002), no geral as aparas de madeira da espécie
e respectivos gradientes) seguiram a metodologia descrita Quercus petraea (carvalho francês) apresentaram valores
por Jordão et al. (2007). O equipamento de HPLC usado significativamente mais elevados de fenóis totais e de
foi um Dionex Ultimate 3000 equipado com uma bomba ácido elágico comparativamente às amostras de aparas da
quaternária modelo LPG-3400A e um injetor automático madeira da espécie Quercus alba (carvalho americano).
modelo ACC-3000, sendo a coluna utilizada uma C18
Acclain® 120 (250 x 4.6 mm) mantida a uma temperatura de Para a maior parte dos resultados, o aumento do nível
25 ºC. Os comprimentos de onda utilizados foram de 280 de tosta das aparas também influenciou o teor em fenóis
e 370 nm, respetivamente, para os taninos elágicos e para totais presentes, sendo que o aumento do nível da tosta

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.50-57, 2014 53


Fenóis totais
900 A
824.8 G

763.0 A
Fenóis totais (mg.L-1 eq. ác. gálico)

723.9 A
700
641.0 B
592.1 B

512.9 F
483.4 F
500
427.6 F

360.8 E
333.7 E 333.9 E
284.7 C
300
244.7 C

128.3 D
100
FB SCH DTM DTF A2M A2F A8M A8F F2L F2M F2F F8L F8M F8F
Amostras de aparas

Ácido elágico B
19
14.7c
Ácido elágico (mg.g-1 madeira seca)

16
12.6 e
13
9.6 a 9.7 a 10.5 a
8.6 a
10
6.9 c
6.0 c
7
4.7 b
4.2 b 3.4 b 4.0 b
3.2 b
4
2.3 d

1
FB SCH DTM DTF A2M A2F A8M A8F F2L F2M F2F F8L F8M F8F
Amostras de aparas

50
Taninos elágicos C
Taninos elágicos (mg.g-1 madeira seca*)

Roburina E
Roburina D
40
Castalagina

30 Vescalagina

20

10

0
FB SCH DTM DTF A2M A2F A8M A8F F2L F2M F2F F8L F8M F8F

Amostras de aparas

Figura 2. Valores médios em fenóis totais, ácido elágico e taninos elágicos individuais das aparas de madeira de carvalho analisadas.
(Ver tabela 1 para decodificação de cada amostra; os valores médios com diferentes letras são significativamente diferentes, α < 0,05).
*Valores expressos em equivalentes de ácido elágico.

54 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.50-57, 2014


traduziu-se em aparas de madeira com valores médios é explicado pelo aumento da termodegradação da lignina
mais elevados de fenóis totais e, consequentemente, da madeira, resultando daí a produção de vários compostos
num maior potencial de transferência para os vinhos. No de natureza fenólica (ALAÑÓN et al., 2011). Por outro lado,
entanto, nas amostras DTM (tosta média), DTF (tosta forte), esse aumento é também explicado devido ao aumento
F2L (tosta ligeira) e F2M (tosta média), essa tendência não dos níveis de ácido elágico resultantes da degradação
se verificou, o que pode estar relacionado com alguma falta sofrida pelos taninos elágicos durante o processo de tosta
de homogeneidade dos lotes estudados. O aumento do (JORDÃO et al., 2007), tal como é observável na figura 2B.
nível de fenóis totais com aumento da intensidade da tosta Os resultados obtidos permitem ainda verificar que, em

Atividade antioxidante (método DPPH)


210 201.1 F

177.8 A

170
158.4 A
(TEAC µmol.g-1 madeira seca)

150.2 A
Atividade antioxidante

130 122.3 A

90.5 D
90 85.8 D
78.6 D
67.6 D
59.4 E
56.4 E
45.5 B
50
38.0 B

16.9 C

10
FB SCH DTM DTF A2M A2F A8M A8F F2L F2M F2F F8L F8M F8F

Amostras de aparas

Atividade antioxidante (método ABTS)


200
184.0 G

169.5 E
(TEAC µmol.g-1 madeira seca)

160
Atividade antioxidante

120.1 A 121.0 A
120 111.9 A

86.4 F
81.8 F
80

53.6 D
47.1 D 47.2 D

40 30.9 B 28.6 B
28.8 B

8.8 C

0
FB SCH DTM DTF A2M A2F A8M A8F F2L F2M F2F F8L F8M F8F

Amostras de aparas

Figura 3. Valores médios da atividade antioxidante total das aparas de madeira de carvalho analisadas por dois métodos.
(Ver tabela 1 para decodificação de cada amostra; os valores médios com diferentes letras são significativamente diferentes, α < 0,05).

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.50-57, 2014 55


geral, para a mesma espécie de madeira de carvalho e apresentaram valores significativamente mais elevados
tipo de apara, foi possível quantificar maiores valores em de atividade antioxidante, comparativamente aos valores
fenóis totais nos extratos produzidos a partir de aparas de obtidos para as aparas de madeira de carvalho americano.
menor dimensão (por exemplo, 763,0 e 333,9 mg.L-1 para as Esses resultados estão em concordância com a mesma
amostras F2L e F8L, respectivamente). tendência verificada para os teores em compostos fenólicos
já apresentados. No geral, as aparas de madeira de carvalho
No que diz respeito aos taninos elágicos (Figura 2C), a com tosta ligeira e média conduzem à obtenção de extratos
castalagina e a vescalagina são os taninos elágicos mais com maior atividade antioxidante, comparativamente aos
abundantes nas aparas de madeira estudadas, confirmando- extratos obtidos a partir de aparas com tosta mais elevada.
se, assim, os resultados já obtidos em diferentes tipos de Esse fato é similar ao verificado também com os taninos
madeiras (CANAS et al., 2000; JORDÃO et al., 2007). Observa- elágicos.
se, também, que as aparas de madeira de carvalho francês
apresentaram valores mais elevados de taninos elágicos
comparativamente às amostras de carvalho americano.
Também, o nível de tosta teve um impacto importante
nos teores em taninos elágicos presentes nas aparas de Conclusões
madeira. Assim, os teores desses compostos tenderam
a decrescer com o aumento do nível de tosta. Em todos 1. Considerando os resultados obtidos neste trabalho,
os casos, as aparas com níveis correspondentes à tosta pode-se concluir que os teores em fenóis totais e em taninos
forte apresentaram níveis de taninos elágicos mais baixos elágicos e a atividade antioxidante das aparas de madeira
relativamente às aparas com tostas médias ou ligeiras. Tal usadas para fins enológicos são muito condicionadas pela
como já foi referido, esse decréscimo resulta da degradação espécie de madeira de carvalho e, ainda, pelo nível de tosta.
térmica a que os taninos elágicos são submetidos com os
níveis de tosta mais elevados. É ainda possível verificar que 2. O presente trabalho demonstra que é importante associar
para as aparas com as mesmas características (espécie de o tipo de aparas de madeira a usar em função do tipo de
carvalho e nível de tosta), os taninos elágicos são também vinho que se pretende, isto é, ao se pretender uma maior
mais facilmente extraídos no caso das aparas de menor transferência de taninos elágicos e de conferir um maior
dimensão estudadas (aparas de 2,0 mm). Vários autores potencial antioxidante aos vinhos, a utilização de aparas
apontam para que a quantidade de compostos fenólicos de madeira de carvalho francês, com tosta ligeira ou média,
extraídos da madeira pelo vinho seja proporcional à relação poderá ser uma opção válida. Por outro lado, as aparas com
entre a superfície de contacto da madeira e o volume de tostas mais intensas conduzem a um maior potencial de
vinho (KADIM; MANNHEIM,1999). extração de compostos fenólicos na sua globalidade. Além
disso, o uso de aparas com menores dimensões permitem
No que diz respeito à atividade antioxidante total dos uma maior extração de compostos. Outros aspetos devem
extratos das diferentes aparas, os valores médios obtidos ser levados em consideração quanto à escolha do tipo de
são apresentados na Figura 3. Os valores variaram entre aparas para o perfil químico e sensorial dos vinhos, como
16,9 e 201,1 e entre 8,8 e 184,0 µmol.g-1 madeira seca, pela seja o potencial aromático que esse tipo de produtos
aplicação dos métodos DPPH e ABTS, respectivamente. No alternativos de madeira pode conferir às características
geral, também as aparas de madeira de carvalho francês sensoriais dos vinhos.

56 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.50-57, 2014


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Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.50-57, 2014 57
Gilmar Gomes

Influência da cepa de levedura nas características


físico-químicas e organolépticas de vinhos espumantes

Laércio Spadari1,2
Ana Paula L. Delamare1
Alejandro Cardozo3
Regina Vanderlinde1,4
Sergio Echeverrigaray1

Resumo
Serra Gaúcha apresenta uma excelente aptidão enológica para produzir
vinhos espumantes de qualidade. O desenvolvimento de algumas tecnologias
como, por exemplo, o uso de leveduras selecionadas, tem contribuído em
aportar maior complexidade e tipicidade aos espumantes. Neste trabalho
foram avaliadas as características físico-químicas e organolépticas de vinho base
e de vinhos espumantes naturais, elaborados com diferentes cepas de leveduras,
pelo Método Tradicional, e com oito cepas de leveduras secas ativas comerciais
Saccharomyces cerevisiae e Saccharomyces cerevisiae rf. bayanus. O vinho base e
os vinhos espumantes foram analisados quanto à composição básica e avaliados
1
UCS sensorialmente. Os resultados das análises básicas dos espumantes mostraram
95070-960 Caxias do Sul, RS que, independente da levedura utilizada, a segunda fermentação foi concluída
2
Veneto Mercantil de forma adequada. Os espumantes exibiram uma tendência geral de redução na
95270-000 Flores da Cunha, RS intensidade de frutado, floral e vegetal, e aumento na intensidade de levedura em
3
Vinícola Piagentini relação ao vinho base. Foram detectadas importantes diferenças nas características
95020-183 Caxias do Sul, RS sensoriais entre os espumantes obtidos com distintas leveduras, especialmente
4
Ibravin/Laren
no que diz respeito à qualidade de espuma, intensidade e fineza de aromas,
95084470 Caxias do Sul, RS
persistência e qualidade geral, destacando-se as leveduras SP665, X5 e X16.
Autor correspondente:
selaguna@ucs.br Palavras-chave: levedura, espumante, segunda fermentação, características
sensoriais.
58 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.58-64, 2014
Abstract

The influence of the yeast strain on the


physicochemical and organoleptic
characteristics of sparkling wines
The Serra Gaúcha region shows an excellent oenological competence to produce high
quality wines and sparkling wines. The development of some technologies, such as the use of
selected yeasts has contributed to provide greater complexity and specificity to the sparkling
wines. In this work physical and chemical characteristics and organoleptic properties of the
base wine and the natural sparkling wines elaborated by the traditional method with eight
active dry commercial strains of Saccharomyces cerevisiae, and Saccharomyces cerevisiae rf.
bayanus. The base wine and the sparkling wines were analyzed for their basic physicochemical
characteristics and evaluated by a panel of qualified tasters. The results of the basic analyses
the sparkling wines showed that independently of the yeast used the second fermentation
was completed. The sparkling wines showed a general tendency towards reduction in the
intensity of the fruit, floral and vegetable aroma and a meaningful increase in the intensity of
yeast aroma, in relation to the base wine. Important differences were detected in organoleptic
characteristics among the sparkling wines obtained from different yeasts, particularly the
foam quality, intensity and finesse of aroma, persistence and global quality, highlighting the
yeasts SP665, X5 and X16.

Key words: yeast strains, sparkling wines, second fermentation, sensory characteristics.

Introdução

A região da Serra Gaúcha é a principal produtora de vinhos componentes voláteis majoritários são formados durante
espumantes do Brasil. Atualmente, são produzidos mais de a fermentação e dependem da cepa de levedura (POZO-
onze milhões de litros de vinho espumante natural. Entre os BAYÓN et al., 2009). Claras evidências de influência da cepa
fatores que determinam a aptidão enológica e a tipicidade de levedura no perfil sensorial e compostos voláteis do
do vinho espumante da Serra Gaúcha, destacam-se: (1) os vinho base foram obtidas por Torrens et al. (2008).
relacionados ao vinho base (cultivares, maturação, clima,
solo, processo de extração, clarificação e fermentação) e Segundo Zambonelli (2003), a cepa de levedura
(2) os relacionados com a tomada de espuma (cepas de responsável pela segunda fermentação tem influência
leveduras, temperatura, tempo de fermentação e autólise marcante na qualidade dos vinhos espumantes, já que
das leveduras). essa etapa é conduzida em ambiente fechado, que impede
a dispersão de alguns compostos voláteis e apresenta
Os vinhos espumantes produzidos pelo método tradicional condições particularmente estressantes para as leveduras,
ou champenoise têm suas características particulares o que tem levado à utilização de cepas de Saccharomyces
determinadas por processo fermentativo duplo. Numa bayanus, atualmente S. cerevisiae rf. bayanus. Se, por um
primeira fermentação é obtido o vinho base, o qual, após lado, a capacidade de autofagia/autólise de leveduras tem
clarificação e filtração, recebe açúcar e levedura e procede sido claramente associada à qualidade de espuma, aroma
a uma segunda fermentação em garrafa para tomada de e sabor de espumantes (ALEXANDRE; GUILLOUX-BENATIER,
espuma e maturação (POZO-BAYÓN et al., 2009). 2006; POZO-BAYÓN et al., 2009), ainda não é clara a
contribuição de distintas leveduras, usadas na segunda
As características organolépticas de vinhos brancos e fermentação, na composição de compostos voláteis (POZO-
espumantes são decorrentes de diversos fatores, entre BAYÓN et al., 2003).
os quais sobressaem as variedades de uvas empregadas,
as cepas de leveduras e as condições utilizadas durante Nesse contexto, no presente trabalho foi avaliada a
a elaboração (UBEDA et al., 2000). Apesar de um grande influência de distintas cepas de leveduras comerciais
número de componentes aromáticos ser oriundo da uva, os (Saccharomyces cerevisiae e Saccharomyces cerevisiae

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.58-64, 2014 59


rf. bayanus) sobre as características físico-químicas e pH, açúcares redutores (g.L-1) e SO2 livre (mg.L-1).
sensoriais de espumantes brasileiros elaborados pelo
método tradicional. Avaliação sensorial
As análises sensoriais foram realizadas na sala de degustação
do Laboratório de Análise Sensorial da Embrapa Uva e
Vinho. O vinho base e os espumantes foram avaliados
Material e Métodos por um painel de onze degustadores experimentados.
A avaliação foi realizada através de análise sensorial
Vinho base utilizando metodologia de análise quantitativa descritiva
A elaboração do vinho base e os experimentos com (LAWLESS; HEYMANN, 1998). Os degustadores avaliaram
espumantes foram realizados na Vinícola Cia. Piagentini. O um conjunto de descritores, que incluíram características
assemblage do vinho base (safra 2012) foi realizado após visuais, olfativas e gustativas. A intensidade de cada
o término da fermentação alcoólica, sendo a composição atributo foi ranqueada numa escala de 0 a 5, e outorgada
final de 70% Chardonnay e 30% de Pinot Noir. O vinho base uma nota de qualidade final de 0 a 100. Cada degustador
foi submetido à estabilização proteica com a adição de 50 avaliou duas amostras de cada espumante em esquema de
g.hL-1 de bentonita enológica (Pentagel® - Perdomini IOC) blocos casualizados.
durante oito dias e a estabilização tartárica a frio por dez
dias a -3 °C. Antes da segunda fermentação, o vinho foi Análise estatística
filtrado em módulos filtrantes de 0,4 micrômetros. Foram calculadas as médias de cada degustador para os
distintos parâmetros, e as mesmas utilizadas para análise
Leveduras utilizadas na segunda fermentação estatística univariada (análise de variância e comparação de
As seguintes leveduras secas ativas comerciais foram médias pelo teste de Tukey ao nível de 0,05%) e multivariada
utilizadas na segunda fermentação: S. cerevisiae − (1) (componentes principais) utilizando o programa SPSS 12.0
Zymaflore VL3, Laffort, (2) Zymaflore X5, Laffort (3) for Windows.
Zymaflore X16, Laffort – e S. cerevisiae rf. bayanus − (4)
Blastosel Delta, Perdomini-IOC, (5) Maurivin PDM, Maurivin,
(6) Zymaflore Spark, Laffort, (7) La Claire SP665, Perdomini-
IOC e (8) EC1118, Lallemand. Resultados e Discussão
Segunda fermentação O vinho base apresentou teor alcoólico de 11,43% v/v, baixa
Para a segunda fermentação, o vinho base foi acrescido de concentração de açúcares redutores residuais (1,2 g.L-1),
20 g.hL-1 Bioarom® (Laffort), 24g.L-1 de sacarose e 5 g.hL-1 acidez titulável de 84,57 meq.L-1 e concentração de SO2 livre
de bentonita (Pentagel® - Perdomini IOC). Para a segunda de 26,23 mg.L-1. Esses parâmetros são semelhantes àqueles
fermentação, o nitrogênio prontamente assimilável (NPA) encontrados por Poerner et al. (2010) numa avaliação de
foi corrigido para 180 mg.L-1, com fosfato de amônia e vinhos base Chardonnay e Pinot Noir da Serra Gaúcha,
tiamina (Thiazote® - Laffort). indicando que o vinho base utilizado no presente trabalho
é típico da região.
As leveduras foram reidratadas com preparador de
leveduras (Superstart® - Laffort) na dose de 30 g.hL-1 e Após a adição de açúcar, leveduras e coadjuvantes para
inoculadas na concentração de 2 a 3x106 cel.mL-1. A segunda início da segunda fermentação ou tomada de espuma, o
fermentação e envelhecimento ocorreu em ambiente vinho apresentou 24,1 g.L-1 de açúcares totais e 10,80%
climatizado com temperatura entre 12 °C e 14°C. Após 180 v/v de álcool, sem importantes alterações no pH e acidez
dias, foi realizada a remuage e o dégorgement, e as garrafas e redução na concentração de dióxido de enxofre livre
tampadas novamente sem adição de licor de expedição. (Tabela 1).
As 15 garrafas de espumante de cada cepa de levedura e
do vinho base foram mantidas a 12 °C até o momento das De um modo geral, poucas variações foram encontradas
análises e degustação. entre os espumantes obtidos com as oito leveduras
avaliadas quanto às análises básicas, fato também
Análises clássicas observado por Torrens et al. (2008). Os espumantes,
As análises clássicas foram realizadas segundo as independente da cepa de levedura (S. cerevisiae ou S.
recomendações estabelecidas pela legislação vigente do cerevisiae vf. bayanus) utilizada, apresentaram teor alcoólico
Mapa (BRASIL, 2005). Foram analisadas as variáveis básicas: médio de 12,01% v/v e açúcar residual de 1,78 g.L-1 (Tabela
álcool (% v/v), acidez titulável (meq.L-1), acidez fixa (meq.L-1), 1). O pequeno aumento de acidez titulável durante a

60 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.58-64, 2014


segunda fermentação pode ser atribuído à produção de na intensidade de frutado, floral e vegetal, e aumento
ácidos intermediários do ciclo dos ácidos tricarboxílicos, significativo na intensidade de levedura em relação ao
particularmente o ácido succínico (RIBÉREAU-GAYON et al., vinho base. A diminuição dos aromas de frutas e flores tem
2006). sido associada à redução da concentração de ésteres por
hidrólise durante o processo de envelhecimento de vinhos
Por sua vez, a diminuição na concentração de dióxido de e espumantes (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006; TORRENS et
enxofre observada nos espumantes avaliados pode ser al., 2008). Por outro lado, o aumento na intensidade de
atribuída à conjugação do SO2 com diversos compostos levedura é decorrente do longo contato com a borra pós-
nas condições de baixo pH, alta concentração de etanol e fermentação, durante o qual ocorrem autofagia e autólise
relação redox encontrada durante a segunda fermentação de leveduras (SARACCO; GOZZELINO, 1995; POZO-BAYÓN
e envelhecimento dos espumantes (RIBÉREAU-GAYON et et al., 2003; ALEXANDRE; GUILLOUX-BENATIER, 2006).
al., 2006).
Poucas diferenças foram constatadas em relação às
Na análise sensorial, foi evidenciada importante variação características aromáticas dos espumantes elaborados
na nota global, sobressaindo os espumantes elaborados com as oito cepas de leveduras estudadas. Entretanto, os
com a cepa de S. cerevisiae vf. bayanus SP665 e as cepas de espumantes exibiram diferenças na apreciação geral de
S. cerevisiae X5 e X16 (Figura 1A). intensidade de aromas, ressaltando aqueles elaborados
com as leveduras X5, PDM e SP665. Martínez-Rodríguez
Variação significativa foi observada nas características de et al. (2002) constataram diferenças significativas na
espuma entre os espumantes elaborados, sobressaindo autólise de leveduras entre cepas, fato que pode explicar
o espumante elaborado com a cepa SP665 (Figura a variação de intensidade aromática observada. Por outro
1B). As características de espuma estão intimamente lado, Pozo-Bayón et al. (2003) não evidenciaram diferenças
relacionadas ao vinho base e à levedura empregada na importantes na concentração de compostos voláteis em
segunda fermentação, pois são afetadas pela liberação espumantes elaborados com distintas cepas de levedura.
de compostos tensoativos do metabolismo e do processo
autolítico (SARACCO; GOZZELINO, 1995; POZO-BAYÓN et Assim como para as características aromáticas, poucas
al., 2003; ALEXANDRE; GUILLOUX-BENATIER, 2006). Cabe variações foram detectadas entre as características
observar que os espumantes elaborados com a levedura gustativas (Figura 1D). As tendências mais relevantes foram
SP665 exibiram a segunda maior nota para intensidade de aumento geral do corpo em boca, intensidade de paladar
levedura (Figura 1C). e persistência em boca, redução da acidez e amargor nos
espumantes em relação ao vinho base. O aumento do
Os espumantes exibiram uma tendência geral de redução corpo, da intensidade e da persistência pode ser associado

Tabela 1. Análises básicas do vinho base e dos espumantes obtidos com oito cepas de leveduras.

Etanol Açúcares Acidez Acidez SO2 livre


pH
(% vol.) totais (g.L-1) titulável (meq.L-1) fixa (meq.L-1) (mg.L-1)

Vinho base 11,43 B 1,2 BC 3,21 A 84,57 A 79,07 A 26,23 A


Base com açúcar 10,80 C 24,1 A 3,20 A 82,33 C 77,50 B 15,80 B
VL3 12,06 A 1,8 B 3,21 A 82,13 C 74,73 D 9,90 C
X5 12,07 A 1,8 B 3,21 A 82,00 C 75,70 CD 7,07 C
X16 12,06 A 1,8 B 3,18 B 83,30 B 76,43 BC 8,47 C
Delta 12,01 A 1,7 B 3,15 C 83,30 B 75,63 CD 10,70 C
PDM 11,99 A 1,8 B 3,16 C 82,67 BC 76,57 BC 7,37 C
Spark 11,97 A 1,8 B 3,15 C 83,27 B 76,47 BC 10,70 C
SP665 12,01 A 1,7 B 3,15 C 83,30 B 76,40 BC 7,87 C
EC1118 11,95 A 1,8 B 3,16 C 82,00 C 74,77 D 7,73 C

Médias seguidas por letras distintas, na coluna, são significativamente diferentes pelo teste de Tukey (P≤0,05).

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.58-64, 2014 61


Figura 1. Características sensoriais de vinhos espumantes elaborados com oito leveduras comerciais.

1,50
Grupo 1
7

1,00 2 3

0,50
CP 1

0,00
6
Grupo 3
5
-0,50
1

-1,00 Grupo 2
4
8

-1,50

-2,00 -1,00 0,00 1,00 2,00


CP 2

Figura 2. Análise de componentes principais com base nas características organolépticas de


espumantes obtidos com oito leveduras. Os dois primeiros componentes acumulam 64,74% da
variância. Legenda: 1-VL3, 2-X5, 3-X16, 4-Delta, 5-PDM, 6-Spark, 7-SP665, 8-EC1118.

62 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.58-64, 2014


à liberação de peptídios, manoproteínas e glucanos por leveduras dos grupos 2 e 3 podem ser consideradas
autofagia/autólise das leveduras (ALEXANDRE; GUILLOUX- leveduras neutras, enquanto as leveduras do grupo 1
BENATIER, 2006; RIBÉREAU-GAYON et al., 2006). apresentam maior contribuição aromática e gustativa,
associada com boa qualidade de espuma.
A análise multivariada, com base nas características
sensoriais (Figura 2), permitiu a separação dos espumantes
em três grupos. As variáveis que contribuíram para a Conclusão
separação dos espumantes pelos componentes 1 e 2
encontram-se discriminadas na Figura 3. 1. Cepas de Saccharomyces cerevisiae ou Saccharomyces
cerevisiae vf. bayanus são capazes de realizar a segunda
O Grupo 1 foi composto pelos espumantes obtidos com as fermentação de espumantes, imprimindo características
leveduras X5, X16 e SP665. Esses espumantes apresentaram particulares ao produto.
valores elevados de intensidade de efervescência e
qualidade de espuma, associados com importante 2. O emprego de distintas leveduras durante a segunda
intensidade de aroma frutado, intensidade de paladar, fermentação de espumantes pode contribuir para a
doçura, corpo em boca, acidez e persistência em boca. Em obtenção de produtos com propriedades organolépticas
conjunto, essas características contribuíram para que esses particulares, especialmente no que se refere à qualidade
espumantes recebessem os maiores valores de qualidade de espuma, intensidade de aroma, persistência em boca e
geral. qualidade geral.

Os espumantes obtidos com as leveduras Delta e PDM


(Grupo 3) apresentaram as menores notas de qualidade Agradecimentos
global (Figura 1), enquanto os espumantes das leveduras
VL3, Spark e EC1118 exibiram notas baixas para intensidade Aos participantes do painel de degustação e ao Ibravin/
de aroma, frutado, floral e de levedura, assim como várias Laren pela sua participação na realização deste trabalho. À
características gustativas. Com base nos resultados, as Fapergs, à SCIT-RS e ao CNPq pelo apoio financeiro.

1,0 FINPAL
FINAROM INTAROM
INEFER PERSIST
QUALESP
INTPAL INTFRUT
QUALGERAL CORPO

INTFLOR
0,5 DOC
ACID

INTLEV
CP 1

0,0

GOSTIND
INTCOR BORB

-0,5

INTVEG AMARG
ODINDES

-1,0

-1,0 -0,5 0,0 0,5 1,0


CP 2
Figura 3. Contribuição das variáveis da análise sensorial dos espumantes. Legenda: INTCOR = intensidade de cor;
INEFER = intensidade de efervescência; QUALESP = qualidade de espuma; BORB = tamanho de borbulhas; INTAROM
= intensidade de aroma; INTFRU = intensidade de frutado; INTFLOR = intensidade de floral; INTLEV = intensidade de
levedura; INTVEG = intensidade de vegetal; FINAROM = fineza de aroma; ODINDES = aromas indesejáveis; INTPAL =
intensidade de paladar; DOC = doçura; CORPO = corpo em boca; FINPAL = fineza de paladar; ACID = acidez, amargor;
GOSTIND = gosto indesejável; PERSIST = persistência em boca; QUALGERAL = qualidade global.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.58-64, 2014 63


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64 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.58-64, 2014


Banco de Dados Ibravin

Avaliação físico-química dos sucos das uvas


provenientes da espécie de Vitis labrusca
acondicionados em diferentes recipientes

Sheila Canossa1
Diane Lenz Mossmann1
Bruna Dachery1
Vitor Manfroi1

Resumo
m volume considerável de uva do grupo das americanas é destinado para
a produção de suco de uva caseiro. Considerando-se que o consumo de
produtos derivados de frutas vem crescendo consideravelmente devido
ao seu valor nutricional, a produção de sucos e produtos derivados de uva
deve ser estimulada. Assim sendo, este trabalho teve por objetivo avaliar o suco de
uva elaborado a partir das variedades Concord, Niágara Branca e Niágara Rosada,
por extração a vapor, bem como estudar sua estabilidade físico-química durante
0, 120, 240 e 360 dias de armazenamento em três diferentes cores de garrafas. As
análises físico-químicas realizadas foram: pH, sólidos solúveis totais expressos em
1
UFRGS °Brix e absorbâncias em comprimento de ondas de 420, 520 e 620 nm. Os valores
91509-900 Porto Alegre, RS de pH, °Brix e absorbância apresentaram diferentes comportamentos durante o
armazenamento, entretanto não variou significativamente quanto às três cores
Autor correspondente: das garrafas empregadas.
sheilacssa@gmail.com
Palavras-chave: caracterização físico-química, armazenamento, cor.

66 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.66-71, 2014


Abstract

Physicochemical evolution of grape


juice from the species Vitis labrusca
bottled in different containers
A great amount of American grapes is employed to produce homemade juice. Taking in
consideration that presently the consumption of products derived from fruits is growing
considerably because of its nutricional value, the production of juices or other derivative
products from grape should be stimulated. Therefore the purpose of this work was to
evaluate the grape juice obtained from the Concord, Rosy Niagara and White Niagara
cultivars by steam extraction, as well as to study its physical and chemical stability during
0, 120, 240 and 360 days of storage in three different colors of bottles. The physicochemical
analysis done were: pH, °Brix (total soluble solids) and absorbance at 420, 520 and 620 nm
wavelength. The value for pH, °Brix and absorbance showed different behavior during
storage, however they did not change significantly as regards the three colors of bottles
used.

Key words: physicochemical characterization, storage, color.

Introdução

Suco de uva é a bebida não fermentada e não diluída, cultivares são submetidos (MARZOTO, 2005). De acordo
obtida da parte comestível da uva (Vitis ssp.) através de com Miele et al. (1990), o suco de uva possui compostos
processo tecnológico adequado (BRASIL, 2010). fenólicos responsáveis pela cor, adstringência e estrutura.
Os principais compostos fenólicos são as antocianinas, os
As variedades de Vitis labrusca constituem a base na taninos e os ácidos fenólicos. Os polifenóis agem contra
elaboração de vinho de mesa e suco de uva no Brasil. o envelhecimento do organismo e reduzem a oxidação
Concord, Isabel e Bordô são os principais cultivares utilizados de outras moléculas, sendo os maiores responsáveis pela
na produção de suco de uva. Esses cultivares possuem diminuição dos radicais livres (CHIVA-BLANCH et al., 2012).
elevada capacidade produtiva e baixa susceptibilidade
às principais doenças fúngicas que atacam a videira. Diferentes equipamentos são utilizados na elaboração
Os cultivares como Niágara Branca e Niágara Rosada de sucos de uva (FULEKI; SILVA, 2003). O método mais
destacam-se como uvas de mesa, por sua tolerância às empregado pelos produtores de suco de uva caseiro é
doenças fúngicas e apresentarem boa adaptação ao clima realizado por um equipamento simples denominado de
úmido (DETONI et al., 2005). panela extratora. Nesse método de elaboração, o suco é
engarrafado a quente para garantir a estabilidade biológica
O suco de uva vem despertando interesse devido às suas sem aditivos químicos (RIZZON et al., 1998). Nas empresas
características nutricionais e sua capacidade antioxidante, de maior porte é muito comum o emprego de trocadores
já que apresenta quantidades significativas de flavonóides, de calor. Nesse caso, as uvas são desengaçadas, aquecidas
onde se destacam as catequinas, as epicatequinas e as e, por fim, são adicionas as enzimas. O engarrafamento é
antocianinas (WANG et al., 1996). Segundo Dani et al. realizado por um trocador de calor tubular ou de placas
(2011) os sucos tintos e brancos são ricos em compostos onde é pasteurizado. Segundo Rizzon e Meneguzzo (2007),
bioativos, e esses, por sua vez, auxiliam na prevenção nesse processo não há contato com vapor de água utilizado
de câncer e doenças cardíacas. A composição química para aquecer e pasteurizar o suco.
do suco de uva depende da variedade, da maturação,
do clima e dos tratamentos fitossanitários em que os Na matriz produtiva, com exceção dos sucos concentrados,

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.66-71, 2014 67


grande parte da produção se concentra em cooperativas de extração foi de 2 h. As garrafas de vidro utilizadas foram
e empresas de micro e pequeno porte. Nas empresas de de três diferentes cores: âmbar, transparente e verde.
pequeno porte é muito comum o uso de equipamentos Os sucos foram armazenados em caixas de papelão, a
semimanuais denominados de extratores a vapor, ou mais temperatura e a umidade monitoradas, simulando as
comumente chamados de “suqueiras”. condições de estocagem normalmente encontradas pelo
consumidor.
O objetivo deste estudo foi avaliar a característica físico-
química dos sucos de uva elaborados a partir dos cultivares Foram realizadas as seguintes análises: ºBrix e índice de
Vitis labrusca Concord, Niágara Rosada e Niágara Branca. refração no refratômetro de bancada; a absorbância em
Utilizou-se o método de extração a vapor. O suco foi 420, 520 e 620 nm foi realizada com espectrocolorímetro; e
envasado a quente, aproximadamente a 75 °C, em três cores o pH foi determinado com um pHmetro. As análises dessas
de garrafa: âmbar, transparente e verde. A estabilidade variáveis foram realizadas nos tempos 0, 120, 240 e 360
desse suco foi acompanhada durante 0, 120, 240 e 360 dias dias de estocagem. Todo o experimento foi realizado em
de armazenamento. duplicata.

Material e Métodos
Resultados e Discussão
A extração do suco de uva dos cultivares Niágara Branca,
Niágara Rosada e Concord foi realizada no laboratório de pH
Enologia e Bebidas do Instituto de Ciências e Tecnologia
de Alimentos da Universidade Federal do Rio Grande do Apesar de o pH não ser uma variável exigida pela legislação,
Sul, seguindo o protocolo descrito por Rizzon et al. (1998). ela é importante, pois exerce influência principalmente na
As uvas utilizadas no experimento foram provenientes da forma pela qual as antocianinas encontram-se presentes no
Estação Experimental Agronômica da UFRGS, localizada no produto (WROLSTAD et al., 2005). O pH corresponde à acidez
município de Eldorado do Sul, RS, e também dos vinhedos real e representa a concentração de íons de hidrogênio que
da Vitivinícola Jolimont, em Canela, RS. provêm da dissociação dos ácidos (CABANIS, 2000).

Os sucos foram obtidos através do sistema semi-industrial Pode-se perceber que em se tratando de pH, o
de extração, designado de panela extratora, que procede a comportamento dos sucos armazenados nas diferentes
extração do mesmo por vapor d’água. Esse equipamento garrafas não obteve diferença significativa (Tabela 1). Os
apresenta capacidade de aproximadamente 18 kg de uva. sucos dos três cultivares mantiveram o pH estável nos
Foram utilizadas apenas uvas inteiras, desengaçadas e primeiros 240 dias, apresentando uma pequena queda
selecionadas manualmente. O envase do suco foi realizado quando armazenados a 360 dias. Segundo Pinheiro
a quente, com temperatura superior a 75 °C, para garantir et al. (2009), o suco da variedade Benitaka também
a estabilidade biológica sem adição de conservantes apresentou uma redução do pH no período de 180 dias de
químicos. O “head space” deixado foi o mínimo possível para armazenamento.
evitar a contaminação e o desenvolvimento microbiano.
Sólidos solúveis totais (°Brix)
O experimento teve como objetivo avaliar a influência da
garrafa durante o armazenamento, sendo que o processo Os principais açúcares encontrados na uva são glicose e

Tabela 1. pH dos sucos de uva Concord, Niágara Rosada e Niágara Branca.

0 Dia 120 Dias 240 Dias 360 Dias


Cor da garrafa
Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara
Concord Concord Concord Concord
Rosada Branca Rosada Branca Rosada Branca Rosada Branca

Verde 3,05 3,16 3,26 2,98 3,17 3,20 2,98 3,175 3,19 2,80 3,13 3,01
Âmbar 3,05 3,16 3,26 2,96 3,17 3,21 2,96 3,17 3,22 3,38 3,04 2,85
Transparente 3,05 3,16 3,26 2,96 3,19 3,20 2,97 3,19 3,17 2,84 2,935 3,02

68 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.66-71, 2014


frutose (RIZZON et al., 1998). Pode-se observar que os sucos análise de cor em 420 nm (Tabela 3), pode-se observar que
dos três cultivares armazenados (Tabela 2) apresentaram cada suco apresentou comportamento diferente. Contudo,
comportamento semelhante ao longo do tempo. Após a tendência é que aumente a absorbância lida ao longo
120 dias de armazenamento, a quantidade de açúcares do tempo de armazenamento para os três sucos e para as
aumentou significativamente, com queda acentuada após três cores das garrafas, significando que os compostos de
240 e 360 dias. O comportamento da cor da garrafa para as cor estão sendo modificados ao longo do tempo devido às
três variedades de uva não apresentou diferença. Resultado oxidações.
semelhante foi encontrado no estudo realizado por Pinheiro
et al. (2009) com o suco do cv. Benitaka, que apresentou A absorbância em 520 nm depende das antocianinas e
aumento significativo no período de armazenamento entre do pH do suco de uva (RIZZON; MIELE, 1995). Quando se
90 e 120 dias, com queda até 210 dias. observam os compostos corantes em 520 nm, nota-se
uma ligeira oscilação entre as diferentes garrafas utilizadas
Observou-se, também, que os valores de °Brix avaliados para o armazenamento. Porém, a tendência é que ocorra
nesse estudo apresentaram-se abaixo da legislação, a um aumento da absorbância com o passar do tempo de
qual estabelece o mínimo de 14 °Brix (BRASIL, 2010). estocagem. Os dados da absorbância em 520 nm podem
Rizzon e Link (2006) estudaram a composição de suco ser visualizados na Tabela 4.
caseiro das uvas Isabel, Bordô, Concord e Cabernet
Sauvignon, e também encontraram valores abaixo do A absorbância em 620 nm também apresentou um
mínimo estabelecido, que variou entre 12,2 e 13,1 °Brix. aumento conforme o tempo de armazenamento (Tabela 5).
Segundo Rizzon e Link (2006), valores baixos de °Brix se
devem ao efeito da diluição do vapor de água utilizado no Segundo Pinheiro et al. (2008), o aparecimento de cor ao
aquecimento e na extração da matéria corante da uva em longo do tempo em sucos de frutas é uma medida indireta
decorrência do tipo de equipamento utilizado. da concentração polimérico-corados que se formam. De
acordo com Pinheiro et al. (2009), o suco envasado pelo
Absorbância no comprimento de onda de 420, 520 e processo hot fill apresentou aumento na matéria corante
620 nm com o decorrer do armazenamento, indicando tendência
ao escurecimento não enzimático. Estudo realizado por
O índice de cor em 420 nm mostra a intensidade de cor Pinheiro et al. (2009) mostra uma notável redução nas
amarela no suco de uva. Segundo trabalho realizado por análises de absorbância dos sucos da variedade Benitaka
Cristofoli (2007), quanto menor for o valor desse índice, elaborado na panela extratora.
melhor é o suco, pois a cor amarela indica oxidação. Na

Tabela 2. °Brix dos sucos de uva Concord, Niágara Rosada e Niágara Branca.

0 Dia 120 Dias 240 Dias 360 Dias


Cor da garrafa
Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara
Concord Concord Concord Concord
Rosada Branca Rosada Branca Rosada Branca Rosada Branca

Verde 11 11,7 11,2 12,2 12,5 11,7 11,1 11,7 10,8 10,8 11,5 11
Âmbar 11 11,7 11,2 12,0 12,5 11,8 11,2 11,8 11,0 10,8 11,5 11
Transparente 11 11,7 11,2 12,4 12,5 12,1 11,1 11,7 10,8 10,8 11,5 11

Tabela 3. Absorbância em 420nm dos sucos de uva Concord, Niágara Rosada e Niágara Branca.

0 Dia 120 Dias 240 Dias 360 Dias


Cor da garrafa
Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara
Concord Concord Concord Concord
Rosada Branca Rosada Branca Rosada Branca Rosada Branca

Verde 0,958 0,898 2,240 0,902 1,761 1,472 1,367 1,633 1,569 1,655 2,001 1,973
Âmbar 0,958 0,898 2,240 1,382 1,741 0,146 1,249 1,596 1,401 1,643 1,571 1,808
Transparente 0,958 0,898 2,240 1,683 1,687 1,523 1,481 1,757 1,370 1,814 2,152 2,055

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Conclusões

1. As três cores de garrafa utilizadas para armazenar o suco 2. O processo com panela extratora apresentou bons
de uva não mostraram diferença significativa entre si, de resultados quanto ao pH, °Brix e cor nos três comprimentos
modo geral os sucos podem ser armazenados em qualquer de onda analisados, 420, 520 e 620 nm).
cor de garrafa, seja ela âmbar, transparente ou verde.

Tabela 4. Absorbância em 520nm dos sucos de uva Concord, Niágara Rosada e Niágara Branca.

0 Dia 120 Dias 240 Dias 360 Dias


Cor da garrafa
Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara
Concord Concord Concord Concord
Rosada Branca Rosada Branca Rosada Branca Rosada Branca

Verde 1,051 0,607 0,480 1,282 0,945 0,824 1,212 0,678 0,868 1,307 1,128 0,868
Âmbar 1,051 0,607 0,480 1,253 0,944 0,817 1,119 0,714 0,855 1,308 0,890 0,855
Transparente 1,051 0,607 0,480 1,440 0,955 0,880 1,231 0,719 1,006 1,366 1,195 1,006

Tabela 5. Absorbância em 620 nm dos sucos de uva Concord, Niágara Rosada e Niágara Branca.

0 Dia 120 Dias 240 Dias 360 Dias


Cor da garrafa
Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara Niágara
Concord Concord Concord Concord
Rosada Branca Rosada Branca Rosada Branca Rosada Branca

Verde 0,333 0,259 0,250 0,410 0,453 0,419 0,388 0,400 0,429 0,489 0,554 0,518
Âmbar 0,333 0,259 0,250 0,405 0,453 0,421 0,341 0,387 0,358 0,485 0,443 0,471
Transparente 0,333 0,259 0,250 0,507 0,461 0,461 0,413 0,445 0,369 0,541 0,580 0,532

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M.C.P.; MACHADO, P.H.S.; MAIA, G.A. Appraising the PINHEIRO, E.S; COSTA, J.M.C. da; CLEMENTE, E; MACHADO,
sensorial quality of grape juice prepared from Benitaka P.H.S; MAIA, G.A. Estabilidade físico-química e mineral do
cultivar. Journal of Food, Agriculture & Environment, suco de uva obtido por extração a vapor. Revista Ciência
v.6, p.124-128, 2008. Agronômica, v.40, p.373-380, jul./set. 2009.

PINHEIRO, E.S; COSTA, J.M.C. da; CLEMENTE, E; MACHADO,


P.H.S; MAIA, G.A. Estabilidade físico-química e mineral do
suco de uva obtido por extração a vapor. Revista Ciência
Agronômica, v.40, p.373-380, jul./set. 2009.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.66-71, 2014 71


Gilmar Gomes

Motivações e inibições para o consumo de


vinhos espumantes no mercado brasileiro

Franciele Nunes Marques1


Leandro Correia Ebert2

Resumo
xplorar os fatores motivadores e inibidores do consumidor de vinhos
espumantes no mercado brasileiro foi o objetivo central deste trabalho.
Utilizou-se uma metodologia de pesquisa exploratória através de um
questionário aplicado em um ambiente online, disponibilizado em um
website, a consumidores de vinho espumante no mercado brasileiro. Foram
utilizados dados de 222 respondentes no território nacional, que afirmaram
consumir vinhos espumantes. Verificou-se uma nova tendência de consumidores
nesse mercado, onde, além de um público com elevado nível de instrução e de
renda, o público jovem universitário, com renda de até três salários mínimos, já
se faz presente. As maiores motivações para esse consumidor são o prazer e a
companhia de amigos, mesmo que ainda possa se considerar esta como uma
bebida motivada por comemorações. Dentre as maiores inibições para o aumento
de consumo, uma grande fatia dos respondentes afirmou já consumir o suficiente,
1
Centro Universitário Franciscano sendo que, além do preço, a falta de hábito demonstra ser um importante fator
97010-491 Santa Maria, RS inibidor. Tais informações podem ser exploradas quando se visa a estimular o
2
UFSM aumento de consumo nesse mercado. Esse estudo traz novas perspectivas em
97105-900 Santa Maria, RS relação ao consumidor brasileiro de espumantes, indicando novas ações para a
Autor correspondente: gestão do marketing.
francielenunesmarques@hotmail.com Palavras-chave: comportamento do consumidor, vinhos espumantes, fatores
motivadores e inibidores.
74 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.74-79, 2014
Abstract

Motivations and inhibitions to the


consumption of sparkling wines in
the Brazilian market
The main aim of this work was to explore the factors that motivate or inhibit the consumption
of sparkling wines in the Brazilian market. It was used a methodology for exploratory
research through a questionnaire in an online environment, available on a website, to
the consumers of sparkling wine in the Brazilian market. It was collected data from 222
respondents who consumed sparkling wines throughout the country. It was observed a new
trend of consumers in this market. In addition to the public with high level of education and
income, college students with earnings of up to three minimum wages were also present.
The major reasons for consumption are consumer pleasure and company of friends, even
though it might still be considered as a drink suitable for celebrations. Among the major
inhibitors to increased consumption, a large share of respondents stated being already
consuming enough, and, besides the cost, the lack of consumption habit proves a major
inhibiting factor. Such information can be exploited when it aims to encourage increased
consumption in this market. This study brings new perspectives in relation to the Brazilian
consumer of sparkling, indicating new actions to manage its marketing.
Key words: consumer behavior, sparkling wines, motivating factors and inhibitors.

Introdução

Nesses tempos de grande consumismo, o que há algumas que apesar de representar apenas uma pequena fatia
décadas era considerado supérfluo e fútil, ou sequer nem desses dois litros, vem apresentando as maiores taxas de
existia, tornou-se uma necessidade primária e essencial na crescimento dentre os tipos de vinho fabricados no Brasil
vida de muitas pessoas e, nesse contexto, as preferências (HOLANDA, 2012). De acordo com Mello (2011), os vinhos
dos consumidores mudaram e se tornaram altamente espumantes, cujo mercado tem absorvido toda a produção
diversificadas. De acordo com Schiffman e Kanuk (2000), gaúcha, pelas características e elevada qualidade, em 2011
esses novos consumidores passaram a preferir produtos continuaram sua trajetória crescente, com uma ascensão
diferenciados, que pudessem refletir suas necessidades de 6,26% nas vendas. Em Santa Catarina, conforme Protas
próprias e especiais, personalidades e estilos de vida. e Camargo (2011), alguns produtores já estão revendo
suas estratégias mercadológicas, substituindo parte da
No mercado de vinhos, essa mudança ocorreu na mesma produção de vinho tinto pela produção de espumantes,
proporção. Com a internacionalização desse mercado e a cujo mercado interno continua firme e crescente. Todas
entrada dos países considerados do novo mundo vinícola, as questões relativas ao comportamento de consumo
estabeleceu-se uma competição acirrada no setor com um merecem ser estudadas, com o objetivo de fornecer
consequente aumento no portfólio de produtos (GARCIA- elementos elucidativos para os agentes que atuam na
PARPET, 2004). O Brasil faz parte desse novo mundo e a cadeia produtiva do vinho no Brasil.
produção brasileira vem crescendo, tanto nos aspectos
de produtividade quanto de qualidade, destacando-se O estudo do comportamento do consumidor é uma função
especialmente os vinhos espumantes, para os quais o Brasil essencial do marketing, contribuindo efetivamente para
apresenta elevado potencial (ALBERT, 2008). o sucesso do negócio (SAMARA; MORSCH, 2005). Em
conformidade com Kotler e Keller (2006), uma vez que o
Apesar da expansão da indústria vitivinícola brasileira, propósito do marketing centra-se em atender e satisfazer
o consumo de vinho ainda é baixo quando comparado a às necessidades e aos desejos dos consumidores, torna-se
outros países, situando-se na faixa de dois litros per capita fundamental conhecer o seu comportamento de consumo.
(SATO, 2009). Entretanto, o consumo de vinhos espumantes, A resposta do consumidor é o teste decisivo para verificar se

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.74-79, 2014 75


uma estratégia de marketing será bem-sucedida. Os dados os resultados marcados. As respostas selecionadas por ele
sobre os consumidores ajudam as organizações a definir eram automaticamente inseridas em uma planilha virtual a
o mercado e a identificar ameaças e oportunidades para qual, posteriormente, foi salva como arquivo do programa
uma marca (SOLOMON et al., 2008). Essa pesquisa se torna informático Microsoft Office Excel® 2007, para tabulação
relevante, pois pode auxiliar a indústria nacional a conhecer das informações.
o comportamento do consumidor brasileiro, através
das motivações e inibições que este tem em relação ao O endereço para acesso foi enviado por e-mail, juntamente
consumo de vinhos espumantes. Com esse conhecimento, com uma apresentação sobre a pesquisa e divulgado em
as empresas desse setor podem desenvolver ações, visando ambientes da internet como grupos de redes sociais e
a estimular a procura e promover o consumo dessa bebida sites sobre o assunto. Assim, objetivou-se alcançar um
de forma mais eficiente. maior número amostral possível, ou seja, quanto maior o
número de respondentes, maior a representatividade da
Para tanto, esse trabalho teve como objetivos identificar pesquisa. A escolha dos locais para divulgação foi feita por
o perfil socioeconômico dos consumidores de vinhos acessibilidade e conveniência.
espumantes no mercado brasileiro, explorar os fatores
motivadores do consumo de vinhos espumantes nesse Cabe ressaltar que dentre as limitações deste estudo,
mercado e analisar os fatores inibidores do consumo dessa destaca-se que por ser um método de pesquisa qualitativo,
bebida no Brasil. ele confere liberdade de interpretação dos dados, estando,
portanto, sujeito à subjetividade e ao viés do pesquisador.
Além disso, em termos de amostragem, pode ter ocorrido
o chamado viés do respondente, uma vez que este é quem
Material e Métodos decidiu se participaria ou não da pesquisa.

A metodologia consistiu em uma pesquisa exploratória a Para o processamento dos dados, primeiramente foi
partir da aplicação de um questionário a consumidores de analisado o perfil da amostra atingida pelo questionário,
vinhos espumantes no mercado brasileiro. Para a coleta de de forma a verificar se foi alcançada uma amostra
dados, utilizou-se um questionário estruturado, adaptado representativa do público alvo objetivado. Foram recebidas
para um ambiente online. O uso da internet para coleta cerca de 300 respostas no site, sendo que 290 no território
de dados através da disponibilização de um questionário brasileiro. Dessas, 222 afirmaram consumir vinhos
para que quaisquer usuários acessem e respondam-no espumantes, sendo essa a amostra considerada para esse
foi justificada por diversos autores, como Evans e Mathur estudo. A distribuição geográfica da amostra abrangeu 15
(2005) e Gonçalves (2008). estados brasileiros, sendo eles Rio Grande do Sul (54,1%),
São Paulo (13,5%), Santa Catarina (8,1%), Rio de Janeiro
O questionário foi disponibilizado aos respondentes, (6,8%), Paraná (4,5%), Distrito Federal (3,6%), Minas Gerais
utilizando uma tecnologia de desenvolvimento de (2,7%), Pernambuco (1,8%), Maranhão (0,9%), Rio Grande
formulários da plataforma Google Drive® 2013, durante do Norte (0,9%), Bahia (0,9%), Ceará (0,9%), Espírito Santo
três semanas, a partir de 15 de setembro de 2013, em um (0,5%), Goiás (0,5%) e Mato Grosso (0,5%).
site desenvolvido para a pesquisa, no endereço: www.
ProjetoConsumidordeEspumante.webnode.com. Em seguida, os porcentuais das frequências de cada opção
de resposta às questões foram calculados e comparados
Ele foi estruturado e aplicado em duas partes, sendo entre si em tabelas elaboradas no programa informático
a primeira com a finalidade de delinear o perfil Microsoft Office Excel® 2007, apresentadas a seguir.
socioeconômico dos consumidores de vinhos espumantes,
com questões sobre dados pessoais, e a segunda, acerca
dos fatores motivadores e/ou inibidores do consumo desse
produto. Nessa segunda parte, duas questões de múltipla Resultados e Discussão
escolha foram propostas: uma sobre as motivações de
consumo e a outra sobre as inibições onde, em cada uma, Perfil socioeconômico dos consumidores
variados fatores foram listados e o indivíduo poderia de espumantes
selecionar aqueles que consideraria os mais relevantes Na análise do perfil socioeconômico dos respondentes,
para cada tema. não houve diferença de gênero (masculino e feminino, 50%
cada).
No último campo, o entrevistado tinha a opção de enviar

76 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.74-79, 2014


Observou-se (Tabela 1) que a faixa etária dos consumidores levam os pesquisados a consumirem espumantes.
questionados foi bastante abrangente, sendo que 92,8% Esses resultados indicam que a principal motivação do
marcaram de 18 a 55 anos. Entretanto, houve uma consumidor brasileiro para beber espumante é o prazer que
concentração de 58,5% dos respondentes consumidores essa bebida proporciona e, em seguida, ainda se destaca a
na faixa de 18 a 35 anos, o que pode ser considerado companhia de amigos e familiares. Na sequência, aparece
um público jovem. A renda também teve uma boa o consumo para comemorações e festas, seguido pelo
distribuição, mas pôde-se observar a ocorrência de dois réveillon. Tais resultados demonstram que esse consumo
polos de concentração de faixa de renda mensal (Tabela sazonal e associado a comemorações já perde espaço para
2): o maior polo, com uma faixa de mais de oito salários o consumo mais cotidiano, por prazer e com companhias,
mínimos e outro, de até três salários mínimos. Com que obteve a maior quantidade de respostas.
relação à escolaridade, Pós-graduação foi o nível mais
respondido pelos respondentes (Tabela 3), sendo Superior Também são consideráveis, pelo porcentual de respostas
Incompleto o segundo mais marcado, indicando que tal (Tabela 5), as motivações como: o estado de espírito, quando
consumidor possui níveis de escolaridade avançados e que estou alegre; preço acessível; e o brinde a algo especial. Já
o vinho espumante tenha alcançado jovens consumidores os fatores: tradição familiar ou cultural; acessibilidade; e
universitários. Ainda, apesar de o estado civil ter sido bem estado de espírito, para me alegrar, não demonstraram ser
distribuído, a maior parte declarou ser solteira (Tabela 4). tão importantes, enquanto que o status, os benefícios à
saúde e por ser um produto natural e sustentável foram os
Fatores motivadores e inibidores do consumo que obtiveram o menor porcentual de respostas.
A Tabela 5 apresenta os fatores e as motivações que

Tabela 1. Faixa etária dos consumidores de vinho Tabela 2. Faixa de renda mensal dos consumidores
espumante. de vinho espumante.

Faixa etária Resposta (%) Faixa de renda mensal Resposta (%)

Até 18 anos 0,5 Até 3 salários mínimos 27


18 a 25 26,1 3 a 5 salários mínimos 20,7
26 a 35 32,4 5 a 8 salários mínimos 16,2
36 a 45 18 Mais de 8 salários mínimos 34,7
46 a 55 16,2 Sem renda 1,4
56 a 65 5,9
66 ou mais 0,9

Tabela 3. Nível de escolaridade dos consumidores Tabela 4. Estado civil dos consumidores de
de vinho espumante. vinho espumante.

Escolaridade Resposta (%) Estado civil Resposta (%)

Ensino fundamental incompleto 0,5 Solteiro 47,7


Ensino fundamental completo 0,5 Casado 28,8
Ensino médio incompleto 0,5 Divorciado 8,1
Ensino médio completo 7,2 Viúvo 0,5
Ensino superior incompleto 28,8 Separado ou desquitado 1,8
Ensino superior completo 23,4 União estável 13,1
Pós-graduação 39,2

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.74-79, 2014 77


É notável o baixo porcentual de respostas atribuído ao status aumento do consumo é o preço, fator que ainda dificulta
como fator que leva o consumidor a beber espumantes, o crescimento do mercado de vinhos espumantes no
diferentemente do afirmado por Schiffman e Kanuk cenário nacional. Outra fatia de consumidores apontou
(2000). Sendo assim, pode-se considerar que a estratégia que ainda não adquiriu um hábito de consumo frequente,
de relacionar o espumante à elegância, representação de apesar de gostar de beber espumante. Nesse último
riqueza ou status, pouco atinge esse perfil de consumidor. caso, o hábito de consumo pode ser estimulado pelas
O mesmo ocorre em relação à sustentabilidade ou aos empresas, especialmente se forem considerados os fatores
benefícios à saúde do consumo de vinhos espumantes. motivadores discutidos anteriormente.
Essa pesquisa indica um consumidor que está mais Outro importante porcentual (Tabela 6) considera o vinho
interessado no próprio prazer do ato de beber, que investe espumante apenas uma bebida para festas e, por isso,
nos prazeres que o consumo de espumante proporciona e não aumenta o consumo, o que pode ser trabalhado ao
na companhia de amigos. relacionar o vinho espumante ao prazer e à boa companhia,
como levantado anteriormente. O mesmo ocorre com o
Já a Tabela 6 trata dos fatores que impedem aqueles fator subsequente, em que os respondentes indicaram que
que consomem espumantes de aumentar tal consumo: seu grupo de amigos não costuma beber. Logo em seguida,
as inibições. O fator “já bebo o suficiente” representou alguns respondentes indicaram que o vinho espumante
a maioria das respostas, indicando que para uma não é, na opinião deles, uma bebida prática para consumo
considerável parcela de consumidores não há, ou pouco há, em pequenas quantidades. Esse resultado indica um
possibilidade de aumento de seu consumo, por acharem consumidor em potencial, caso haja essa possibilidade de
que já consomem o suficiente. Para esse consumidor, consumo em menores quantidades.
estratégias que criem novas necessidades ou ocasiões
para apreciar o vinho espumante podem trazer novas Já os fatores relativos à dor de cabeça no dia seguinte, à
possibilidades que aumentem essa faixa de consumo. acessibilidade, à preferência pelo sabor, ao conhecimento
Ainda, para outra parcela considerável, a maior barreira de acerca de vinhos espumantes, à complexidade do ritual

Tabela 5. Fatores motivadores do consumo de Tabela 6. Fatores inibidores de aumento do consumo


vinho espumante. de vinho espumante.

Fatores motivadores Resposta (%) Fatores inibidores Resposta (%)

Prazer (gosto) que a bebida me proporciona 73,9 Já bebo o suficiente 40,1


Companhia de amigos e/ou familiares 56,3 O preço é muito alto 32,0
Comemorações, festas, ocasiões especiais 55,0 Gosto de beber, mas não adquiri um hábito de 27,5
consumo frequente
Réveillon 35,1
Considero apenas para festas, comemorações, 18,0
Companhia em momentos íntimos 31,5
ocasiões especiais
Estado de espírito, quando estou alegre 26,6
Meu grupo de amigos não costuma beber 17,1
Preço é acessível 23,4
Não é prática para consumo em pouca 14,4
Apenas para brindar algo especial 23,4 quantidade
Tradição familiar, cultural e/ou regional 16,2 Procuro evitar dores de cabeça que pode me 3,6
causar no dia seguinte
Acessibilidade à bebida 14,9
Tenho pouco acesso na minha região 3,2
Estado de espírito, para me alegrar 9,9
Não gosto tanto do sabor 2,3
Status - imagem relacionada à elegância, 8,1
riqueza, etc. Não conheço o suficiente 2,3
Benefícios à saúde do consumo moderado 7,2 É muito complicado, exigindo taças adequadas 0,9
e ritual de consumo
Por ser um produto natural e sustentável 3,2
Não entendo as informações do rótulo 0

78 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.74-79, 2014


de consumo e à compreensão das informações do rótulo 3. O vinho espumante continua sendo uma bebida
foram os com menor porcentual de respostas, pouco motivada pelas comemorações, pelas ocasiões especiais
ou não exercendo influência negativa sobre o consumo e até por momentos íntimos, mas vem ganhando espaço
de vinhos espumantes no mercado brasileiro. Com base para além da sazonalidade de consumo.
nesses dados, estratégias focadas nesses fatores não seriam
recomendadas, por não, ou pouco, demonstrar serem 4. Identifica-se um perfil de consumidor em potencial,
inibidores de consumo. o qual tem como inibição de aumento de consumo a
falta de hábito, questão que pode ser trabalhada pelo
setor, considerando os fatores motivadores e inibidores
Conclusões destacados neste trabalho.

1. Este estudo demonstra que o vinho espumante atrai,


além de um público com elevado nível de instrução e de Agradecimentos
renda, um público jovem universitário com renda de até
três salários mínimos. Os autores agradecem especialmente a todos que
auxiliaram na divulgação do questionário e que
2. O prazer de consumir vinhos espumantes e a companhia disponibilizaram alguns minutos de seu tempo para
de amigos e familiares estão sendo, entre os fatores respondê-lo.
motivacionais de consumo, mais importantes que o status,
a elegância da bebida e os benefícios à saúde.

Referências

ALBERT, A.Z. Borbulhas: tudo sobre champanhe e MELLO, L.M.R. Vitivinicultura brasileira: panorama 2011.
espumantes. São Paulo: Senac, 2008. Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2011.

EVANS, J.R.; MATHUR, A. The value of online surveys. PROTAS, J.F. da S.; CAMARGO, U.A. Vitivinicultura
Internet Research, v.15, 2005. brasileira: panorama setorial de 2010. Brasília: Sebrae;
Bento Gonçalves: Ibravin: Embrapa Uva e Vinho, 2011.
GARCIA-PARPET, M.F. Mundialização dos mercados
e padrões de produção: vinho, o modelo francês em SAMARA, B.S.; MORSCH, M.A. Comportamento do
questão. Revista Tempo Social, v.16, nov. 2004. consumidor: conceitos e casos. São Paulo: Pearson, 2005.

GONÇALVES, D.I.F. Pesquisas de marketing pela internet: SATO, G.S. O Consumo do vinho no Brasil. Revista
as percepções sob a ótica dos entrevistados. Revista de Brasileira de Viticultura e Enologia, Bento Gonçalves,
Administração Mackenzie, v.9, 2008. v.1, p.10-17, 2009.

HOLANDA, M.H.R. Evolução do espumante na indústria SCHIFFMAN, L.G.; KANUK, L.L. Comportamento do
vinícola brasileira: análise de sua evolução articulada consumidor. 6. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2000.
com as teorias das convenções e dos capitais do
conhecimento. 2012. 102p. Dissertação (Mestrado) – SOLOMON, M.R.; RIBEIRO, L.B.; FARIAS S.A. O
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. comportamento do consumidor: comprando, possuindo
e sendo. 7. ed. Porto Alegre: Bookman, 2008.
KOTLER, P.; KELLER, K.L. Administração de marketing. 12.
ed. São Paulo: Pearson, 2006.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.74-79, 2014 79


Silvia Tonon

Elaboração, tramitação e sanção


da lei do vinho artesanal do Brasil

Kelly Lissandra Bruch1


Adriana Carvalho Pinto Vieira2
Antonio Marcio Buainain3

Resumo
s agricultores familiares têm enfrentado, particularmente no setor
vitivinícola, diversos obstáculos para se manter no mercado, abrir novas
frentes e criar possibilidade de expansão. Um de seus grandes problemas
refere-se à legislação vigente. Diante desse cenário, busca-se verificar como
se deu a construção, tramitação e sanção da lei do vinho artesanal no Brasil. A
partir da pergunta problema, o presente artigo tem como objetivo analisar quais
conteúdos foram trabalhados no âmbito jurídico, referentes à regulamentação
do vinho artesanal, bem como quais perspectivas e desafios foram enfrentados
pelos atores da cadeia produtiva, para que a construção dessa nova norma fosse
realizada, em que contexto se deu sua discussão e que possíveis resultados
podem ser esperados de sua publicação. Pode-se concluir que houve um grande
1
Inedi/Cesuca
concerto no âmbito do setor vitivinícola, com participação de diversos atores,
94935-630 Cachoeirinha, RS
na elaboração dessa norma, o que resultou em um texto final possível, mas que
2
Unesc
88806-000 Criciúma, SC acabou sendo vetado em um ponto relevante quando da sanção presidencial.
3
Unicamp
O resultado final é a Lei Federal nº 12.959/2014, que alterou a Lei do Vinho –
13083-970 Campinas, SP Lei Federal nº 7.678/1988, com o objetivo de tipificar o vinho produzido por
agricultor familiar.
Autor correspondente:
kellybruch@gmail.com Palavras-chave: vitivinicultura, agricultura familiar, tradição, desenvolvimento,
vinho colonial.
80 Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.80-88, 2014
Abstract

Construction, procedure and enactment


of the artisanal wine law in Brazil
Family farmers, particularly the ones in the wine industry, have faced many obstacles to
keep up with the market, to open new fronts and to create the possibility of expansion.
One of their big problems refers to the current legislation. Given this scenario, we try to
look at the construction, procedure and enactment of the colonial wine law in Brazil. From
the problem question, this article aims to analyze what contents were worked in the legal
framework relating to the regulation of artisanal wine as well as prospects and challenges
that were faced by the actors of the vitiviniculture chain to reach this new standard, in
which context it was its discussion and possible outcomes that can be expected of its
publication. It can be concluded that there was a great concert in the wine sector, with
the participation of various actors in the preparation of this standard, which resulted in a
possible final text, but a relevant point was vetoed by the president. The final result is the
Federal Law n. 12.959/2014, which amended Law Wine - Federal Law. 7.678/1988, aiming to
typify the wine produced by family farmers.

Key words: viticulture, small farmer, tradition, development, colonial wine.

Introdução

Os agricultores familiares produtores de vinhos têm vinícola brasileira, em fase de expansão e modernização,
enfrentado diversos obstáculos no novo mercado global. e dos vinhos importados de todas as partes do mundo,
De um lado, os produtos artesanais tradicionais tendem a com especiais facilidades para os provenientes dos países
ser desvalorizados pela grande distribuição, e o artesanato integrantes do Mercosul e de outros com os quais esse
tende a ser eliminado pela concorrência de escala, que bloco regional mantém acordo de preferência tarifária.
coloca nos mercados produtos mais baratos e tem maior
capacidade para inovar e atender às demandas cada vez A viabilidade econômica dos produtores rurais,
mais diversificadas dos mercados contemporâneos. De particularmente de menor porte, está necessariamente
outro lado, alguns produtos artesanais logram se valorizar correlacionada ao seu contexto local (BUAINAIN; GARCIA,
justamente pela natureza diferenciada de seus produtos 2013), e essas condições não têm sido muito favoráveis
que, apesar da tradição que o acompanha, precisa ser aos produtores artesanais de vinho. Tradicionalmente os
construída para ser reconhecida no e pelo mercado. agricultores familiares lograram explorar as vantagens
Uma alternativa comum tem sido estender o período de associadas à disponibilidade de mão de obra familiar e
sobrevivência, aceitando a desvalorização e vendendo o baixo custo de gestão do trabalho familiar em setores
a produção artesanal por preços relativos cada vez mais intensivos em trabalho, como é o caso da produção de
baixos. É isso que explica a forte correlação, observável vinho (BUAINAIN et al., 2009). Esse quadro vem mudando
empiricamente, entre comunidades de artesões e pobreza radicalmente no período mais recente, com a saída dos
no meio rural, notadamente no Nordeste e Norte do Brasil. jovens filhos dos agricultores familiares para as cidades. Em
muitos casos, o que era vantagem virou desvantagem, uma
Os vitivinicultores artesanais, que têm potencial para vez que o custo da mão de obra assalariada elevou-se e os
valorizar seu produto, necessitam apoio de politicas agricultores familiares não se capitalizaram para aumentar
públicas para se inserir em nichos de mercado do setor de a produtividade do trabalho por meio da mecanização e de
forma competitiva. Sem o reconhecimento da condição processos poupadores de mão de obra, que sempre fora
econômica especial que os caracteriza, dificilmente um recurso abundante.
poderão enfrentar a crescente concorrência da indústria

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.80-88, 2014 81


Para Abramovay (1997), a agricultura familiar (AF) é aquela como objetivo analisar que conteúdos foram trabalhados
na qual a gestão, a propriedade e a maior parte do trabalho no âmbito jurídico referentes à regulamentação do vinho
vêm dos sujeitos que mantêm entre si laços de sangue ou artesanal, bem como quais perspectivas e desafios foram
de casamento. O autor caracteriza a AF por três elementos: enfrentados pelos atores da cadeia produtiva para que
gestão, propriedade e trabalho familiar. Para Guanziroli a construção dessa nova norma fosse realizada, em que
(2013) a precondição básica para ser considerada familiar contexto se deu sua discussão e que possíveis resultados
não é o tamanho da área, mas a relação social que podem ser esperados de sua publicação.
estrutura a unidade familiar, a qual deve ser baseada no
trabalho majoritariamente familiar e com a direção do
estabelecimento exercida pelo produtor. A atual legislação para o
produtor de vinho artesanal
Buainain et al. (2009) aponta o aumento da participação da
AF na produção agropecuária, de 37,9% para 40%, numa No Brasil, busca-se, por diversas formas, controlar a
década de expansão do setor (1996-2006), o que indica elaboração do vinho. Muitas são plenamente justificáveis,
que os produtores familiares ganharam mais espaço e especialmente as relacionadas à segurança dos alimentos;
reconfirma sua importância econômica e social. Os dados outras são injustificadas ou problemáticas, em particular a
publicados no Censo Agropecuário de 2006 inovam regulamentação que equipara os produtores artesanais de
ao contabilizar a agricultura familiar como categoria vinho às grandes indústrias, exigindo-se destes não apenas
específica nas pesquisas feitas pelo Instituto Brasileiro de padrões técnicos inadequados, mas também tributos e
Geografia e Estatística (IBGE, 2006). Foram identificados procedimentos administrativos muitas vezes inacessíveis a
4.367.902 estabelecimentos de agricultura familiar, que esta camada de produtores rurais.
representam 84,4% do total, ocupando apenas 24,3%
da área dos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Nessa parte do presente artigo, apresenta-se a
Quando se trata de vinhos, segundo dados do IBGE, no regulamentação existente acerca da produção de vinhos
Brasil declaravam-se produtores de vinho, em 2006, 8.383, pela agroindústria familiar até a publicação da Lei Federal
dos quais 6.452 afirmavam tratar-se de produção para nº 12.959, de 19 de março de 2014 (BRASIL, 2014),
consumo próprio (IBGE, 2006). Desses, pouco mais de 1000 ressaltando os esforços observados pela sociedade civil
produtores encontram-se registrados junto ao Ministério organizada para a elaboração dessa norma. Para analisar
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). a legislação vigente, os pontos mais críticos relacionados
com o objeto de estudo foram considerados o direito
Essa diferença se deve, dentre outras variáveis, ao fato de o societário, notadamente definição de empreendimento,
Censo do IBGE contabilizar uma situação de fato declarada os direitos sociais e o direito ambiental. Essas áreas foram
pelos produtores: esses produzem vinho, seja para destacadas com base nos trabalhos realizados por um
consumo próprio, seja para comercialização. Já o Mapa, grupo constituído para estudar o tema, conforme se explica
apenas contabiliza e reconhece como produtores de vinho adiante.
aqueles que efetivamente tenham procedido ao pedido de
registro de estabelecimento junto a esse órgão. Obrigatoriedade de dispor de um CNPJ: a origem de um
problema
Nesse ponto, iniciam-se grandes discussões, especialmente Afinal, quais passos são necessários para se poder
sobre os requisitos necessários para que um produtor elaborar um vinho? Um dos primeiros requisitos seria
possa se registrar no Mapa, como ter acesso aos mercados, atender à legislação vigente, notadamente a Lei Federal
pagar ou não determinados tributos, ser obrigado ou nº 7.678/1988 – Lei do Vinho (BRASIL, 1988), o Decreto
não a determinada forma de licenciamento ambiental, Federal nº 8.198/2014 (BRASIL, 2014) (Decreto do
questionar-se sobre sua condição de segurado especial. E é Vinho que recentemente revogou o Decreto Federal nº
nesse contexto que surge a possibilidade de se estabelecer 99.066/1990) (BRASIL, 1990) e as normas administrativas
uma norma diferenciada para agricultores familiares que os regulamentam. Todavia, como interpretar o que é
produtores de vinhos artesanais. obrigatório?

Diante desse contexto, pergunta-se: como se dá a Por um lado, aparentemente é necessário que o produtor
construção, tramitação e sanção da lei do vinho artesanal de vinhos possua empresa legalmente constituída e
no contexto da vitivinicultura brasileira? possuidora do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ)
para obter o registro de estabelecimento no Mapa, bem
A partir da pergunta problema, o presente artigo tem como o registro de seus produtos. Por outro lado, possuir

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um CNPJ pode tornar-se um grande empecilho para indispensáveis à inocuidade dos alimentos e que devem
garantir outros direitos para determinados produtores ser implantadas pelos estabelecimentos.
rurais, como a seguridade social.
No Brasil, a produção, circulação e comercialização do
Considerando esse histórico de contradições, em 2011 vinho e derivados da uva e do vinho são reguladas pela Lei
formou-se um Grupo de Trabalho (GT) com o objetivo de Federal 7.678/1988 (BRASIL, 1988) e pelo Decreto Federal
discutir e buscar formas de regulamentar a vitivinicultura nº 8.198/2014 (BRASIL, 2014). Essa lei estabelece, em seus
artesanal. Esse GT é composto de técnicos de instituições artigos 27 e 28, que os estabelecimentos produtores,
voltadas para a vitivinicultura, dentre os quais técnicos da estandardizadores e engarrafadores de vinho e derivados
Embrapa Uva e Vinho, Emater/RS-Ascar, IFRS, ABE, Ibravin, da uva e do vinho, deverão ser registrados no Ministério
Secretaria da Agricultura, Pecuária e Agronegócio do Estado da Agricultura. Da mesma forma, os vinhos e os derivados
do Rio Grande do Sul, Secretaria de Desenvolvimento Rural, da uva e do vinho, quando destinados à comercialização
Pesca e Cooperativismo do Estado do Rio Grande do Sul, e consumo, deverão estar previamente registrados no
municípios das regiões vitivinícolas, entre outros (EMBRAPA, Ministério da Agricultura.
2012; IBRAVIN, 2012; RIO GRANDE DO SUL, 2012).
Em regra, um estabelecimento é entendido como sendo
Esse GT identificou que havia, no âmbito da legislação uma Pessoa Jurídica, com CNPJ, devidamente registrado
vigente, falta de harmonização de normas e procedimentos, nos órgãos federais, estaduais e municipais competentes,
bem como ausência de atribuições legais claras dos embora do ponto de vista doutrinário essa questão levante
principais stakeholders e a existência de interpretações inúmeras discussões (SOUZA, 2008).
distintas referente à produção e comercialização de vinhos
elaborados em pequena escala por agricultores familiares, Nesse sentido, o Código Civil Brasileiro estabelece, em
com base em matéria-prima própria. Assim, objetivando seu artigo 44, que são pessoas jurídicas de direito privado
buscar alternativas para essa falta de harmonização, iniciou as associações, sociedades, fundações, organizações
estudos visando propor formas para viabilizar e estimular religiosas, partidos políticos e as empresas individuais de
a produção de vinhos artesanais pelos agricultores. O responsabilidade limitada, sendo que o mesmo considera,
primeiro passo foi estudar a legislação vigente sobre em seu artigo 966, como Empresário “quem exerce
cada um dos temas abordados para verificar quais eram profissionalmente atividade econômica organizada para
as discrepâncias com a realidade dos produtores e dos a produção ou a circulação de bens ou de serviços.” E
mercados locais (EMBRAPA, 2012; IBRAVIN, 2012; RIO estabelece para este, em seu artigo 967, a obrigatoriedade
GRANDE DO SUL, 2012). de “inscrição do empresário no Registro Público de
Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início
Entre a livre iniciativa e regulação de uma atividade de sua atividade”. O art. 971 determina, ainda, que o
Segundo dispõe o art. 170, da Constituição da República empresário, cuja atividade rural constitua sua principal
Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), “a ordem profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam
econômica, fundada na valorização do trabalho humano o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro
e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em
existência digna, conforme os ditames da justiça social”. que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os
Complementa em seu artigo único que “é assegurado a efeitos, ao empresário sujeito a registro.
todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, Nesse sentido, apenas pessoas jurídicas estariam aptas a se
salvo nos casos previstos em lei”. Finaliza ainda o art. 174 registrarem como estabelecimento produtor no Mapa.
ao afirmar que: [...] como agente normativo e regulador da
atividade econômica que o Estado exercerá, na forma da Ocorre, contudo, que na agricultura o “estabelecimento” é,
lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, em geral, identificado com a propriedade sobre a qual atua
sendo este determinante para o setor público e indicativo uma pessoa física, e não com pessoa jurídica: a maioria dos
para o setor privado. fazendeiros, estancieiros, agricultores, mesmo de grande
porte, respondem à Receita Federal como pessoas físicas,
No caso específico da produção de alimentos, deve ser e não como empresas. Ademais, muitos trabalhadores
ressaltado que esta representa potenciais riscos à saúde. rurais, especialmente da agricultura familiar, têm em sua
Portanto, é obrigatória a atuação do poder público propriedade a produção artesanal de diversos produtos,
junto à iniciativa privada, por meio da regulação de sua dentre os quais a produção de uvas e vinhos.
atividade, exigindo e verificando a aplicação das medidas

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Atualmente, para obter o registro perante o Mapa, esses do núcleo familiar e é exercido em condições de
produtores rurais devem obrigatoriamente constituir uma mútua dependência e colaboração, sem a utilização de
pessoa jurídica. Todavia, sua constituição - com exceção empregados permanentes” (art. 12, parágrafo primeiro, Lei
da cooperativa - necessariamente tira o trabalhador rural 8.212/1991) (BRASIL, 1991).
de sua condição de segurado especial perante o INSS, sem
contar os custos envolvidos na constituição da “empresa” Deve-se considerar que a Lei Federal n° 11.326/2006
e nos custos de transação associados à manutenção deste (BRASIL, 2006), em seu artigo 3°, definiu que para os efeitos
status, que inviabilizariam, para a maior parte, competir dessa Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor
nos mercados locais e regionais, que já são crescentemente familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural,
ocupados pela produção artesanal. atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:

Outra consequência, bastante onerosa, é que essa produção I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4
artesanal hoje é equiparada à produção industrial, o que (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente
torna obrigatório o recolhimento de todos os tributos e mão de obra da própria família nas atividades econômicas
cumprimento das demais obrigações legais, notadamente do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha
sanitárias e ambientais, e que contribuem para inviabilizar percentual mínimo da renda familiar originada de atividades
a produção. econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento,
na forma definida pelo Poder Executivo; IV - dirija seu
Do direito societário ao direito social: a obrigatoriedade estabelecimento ou empreendimento com sua família.
do CNPJ leva à perda da seguridade social?
No âmbito da seguridade social, segundo dispõe o artigo 12, Dessa forma a industrialização rudimentar, que compreende
inciso VII, da Lei n° 8.212/1991 (BRASIL, 1991), considerando- a fermentação, permite englobar a produção de vinhos
se as alterações feitas pela Lei n° 11.718/2008 (BRASIL, e derivados. Todavia, o § 11 do Artigo 25 considera o
2008), considera-se segurado obrigatório da Previdência processo de beneficiamento ou industrialização artesanal
Social o segurado especial. Entende-se, nessa condição, “a aquele realizado diretamente pelo próprio produtor rural
pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado pessoa física, desde que não esteja sujeito à incidência do
urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). Ao contrário
em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio do anterior, este parágrafo, ao excluir os produtos que
eventual de terceiros a título de mútua colaboração”, que estejam sujeitos ao IPI, exclui os vinhos e derivados.
seja produtor, podendo ser este “proprietário, usufrutuário,
possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgado, Da maneira como se encontra a legislação vigente, o
comodatário ou arrendatário rural”, desde que explore trabalhador rural segurado especial, apenas poderia
atividade: (1) “agropecuária em área de até 4 (quatro) legalizar a sua produção se constituísse uma empresa –
módulos fiscais”. De outra forma, não descaracteriza (§9) perdendo, nesse caso, sua condição de segurado especial,
a condição de segurado especial: (V) a utilização pelo ou se constituísse uma cooperativa – não perdendo
próprio grupo familiar, na exploração da atividade, de essa condição. Deve-se recordar, todavia, que para se
processo de beneficiamento ou industrialização artesanal, constituir uma Cooperativa, conforme dispõe a Lei Federal
na forma do § 11 do art. 25 desta Lei; e (VI) – a associação nº 5.764/1971 (BRASIL, 1971) e todas as posteriores
em cooperativa agropecuária. O § 3do Art. 25 disciplina alterações, é necessário, primeiramente, a concordância de
que integram a produção, para os efeitos deste artigo, 21 cooperados. Depois disso, todos os custos envolvidos na
os produtos de origem animal ou vegetal, em estado constituição da referida empresa, posto que a cooperativa
natural ou submetidos a processos de beneficiamento ou em termos constitutivos é tão ou mais complexa que esta, e
industrialização rudimentar, assim compreendidos, entre após toda a tributação que, embora diferenciada, também
outros, os processos de lavagem, limpeza, descaroçamento, incide sobre a produção (KRUEGER, 2009).
pilagem, descascamento, lenhamento, pasteurização,
resfriamento, secagem, fermentação, embalagem, Ocorre que para muitos trabalhadores rurais a produção
cristalização, fundição, carvoejamento, cozimento, de vinho não é a atividade principal da propriedade
destilação, moagem, torrefação, bem como os subprodutos rural, nem tão pouco se constitui em um volume ou valor
e os resíduos obtidos através desses processos. considerável, o que inviabilizaria a constituição de uma
empresa. Todavia, há outras formas de beneficiamento ou
Entende-se por economia familiar “a atividade em que o industrialização artesanal que permitem ao trabalhador
trabalho dos membros da família é indispensável à própria rural conservar a sua condição e, legalmente, colocar o
subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico seu produto no mercado, como a produção de queijos e

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embutidos, por exemplo. apresentação da documentação mencionada.

Nesse sentido, um dos questionamentos se dirige à Dessa forma, estaria em tese superada a necessidade de
possibilidade de estender essa exceção a esses produtores uma forma mais simplificada de se obter o licenciamento
por meio de uma alteração na Lei n° 8.212/1991 (BRASIL, ambiental para o agricultor familiar. Mas seu requerimento
1991), na qual se excetuaria a restrição prevista no parágrafo não está dispensado.
11 do art. 25, para englobar na definição de processo de
beneficiamento ou industrialização artesanal a elaboração
de vinhos e derivados da uva e do vinho. Resultados: a construção da lei
do vinho artesanal
Em resposta, visando resolver essa questão, foi publicada a
Lei Federal nº 12.873/2013 (BRASIL, 2013), a qual, entre seus Considerando o que foi levantado pelo grupo de estudo,
inúmeros dispositivos esparsos e destinados a assuntos verificou-se que alguns aspectos já se encontravam ou
bastante diferenciados, estabeleceu em seu artigo 4°, que vieram a ser sanados. No entanto, outros aspectos ainda
“não perderá a condição de segurando especial desde precisavam de uma regulamentação. Estes se focam
que, mantido o exercício da sua atividade rural, o qual haja especialmente na questão da obrigatoriedade de se
incidência de IPI”. Nesse caso, o problema foi resolvido estabelecer uma Pessoa Jurídica e, consequentemente,
por meio da alteração da legislação da seguridade social exigir-se o CNPJ desta, bem como em suas consequências.
vigente.
Segundo divulgado pelo GT, o objetivo foi focado na
Direito ambiental e vinho artesanal construção de um documento referente ao tema, no
Com relação à legislação ambiental, segundo passo para qual ficasse claro que se buscava uma regulamentação
garantir a perfeita regularização do produtor, verificou- diferenciada para o produtor do vinho artesanal, dentro
se que foi editada a Resolução Conama n° 385, de 27 de de seu contexto da agricultura familiar (EMBRAPA, 2012).
dezembro de 2006 (MINISTÉRIO, 2006), a qual “estabelece Todavia, o GT buscava deixar claro que não se abriria
procedimentos a serem adotados para o licenciamento mão de: a) respeitar a legislação em termos sanitários,
ambiental de agroindústrias de pequeno porte e baixo ambientais e tributários; b) resguardar a venda direta do
potencial de impacto ambiental”. produtor ao consumidor; c) definir uma forma de limitar
o volume máximo de produção; d) levar em consideração
Segundo dispõe a resolução, a agroindústria de pequeno os aspectos culturais desse produtor que vem fazendo
porte e baixo potencial de impacto ambiental é todo o o vinho na colônia – para que continue a fazê-lo, sendo
estabelecimento que: I - tenha área construída de até 250 valorizado, mas com os devidos controles e legalizado; e)
m²; II - beneficie e/ou transforme produtos provenientes respeitar os padrões de identidade e qualidade – inclusive
de explorações agrícolas, pecuárias, pesqueiras, aquícolas, com a possibilidade de criar um padrão de identidade e
extrativistas e florestais não-madeireiros, abrangendo qualidade específico para o vinho colonial/artesanal; f )
desde processos simples, como secagem, classificação, produção própria da uva; g) atender às exigências sanitárias;
limpeza e embalagem, até processos que incluem h) ter obrigatoriamente responsável técnico, embora sem
operações físicas, químicas ou biológicas, de baixo impacto exclusividade; i) ter um cadastro de todos os produtores
sobre o meio ambiente. e produtos; j) ter assistência técnica obrigatoriamente;
k) fornecer capacitação e treinamento aos produtores,
Para requerer a sua licença ambiental de forma especialmente boas práticas agrícolas e de fabricação; l)
simplificada, o empreendedor deverá apresentar a definir que tipo de vinho poderá ser denominado como
seguinte documentação ao órgão ambiental responsável artesanal e garantir-se a viabilidade da produção artesanal e
pelo licenciamento: I - requerimento de licença ambiental; sua sustentabilidade, mas dentro da legalidade. Alguns dos
II - projeto contendo descrição do empreendimento, participantes, inclusive, argumentavam que não haveria
contemplando sua localização, bem como o detalhamento necessidade de se alterar a Lei do Vinho, posto que os
do sistema de Controle de Poluição e Efluentes, maiores problemas encontravam-se na legislação tributária
acompanhado da Anotação de Responsabilidade Técnica e previdenciária, ou ainda na interpretação estadual acerca
(ART); III - certidão de uso do solo expedida pelo município; do enquadramento da atividade de elaboração do vinho
e IV - comprovação de origem legal quando a matéria (EMBRAPA, 2012).
prima for de origem extrativista, quando couber. Ressalte-
se que as agroindústrias de pequeno porte e baixo impacto Concomitante a isso, foram apresentados dois Projetos de
ambiental já existentes, poderão se regularizar mediante a Lei junto à Câmara dos Deputados. O primeiro, o Projeto

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de Lei nº 2.693/2011, de autoria do Deputado Federal sanção presidencial, que ocorreu no dia 19 de março de
Pepe Vargas. O segundo, o Projeto de Lei nº 3.183/2012, 2014, sob n° 12.959 (BRASIL, 2014). Todavia, essa sanção se
de autoria do Deputado Federal Onyx Lorenzoni (CÂMARA deu com veto que, de certa forma, abalou um dos pilares
DOS DEPUTADOS, 2014). da própria lei: a comercialização do vinho pelo agricultor
familiar com o talão do produtor.
Na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento
e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados,
o Relator, Deputado Alceu Moreira, sugeriu em 21 de Discussão
setembro de 2012, a realização de uma Audiência Pública
para discutir o tema. Esta foi organizada na Embrapa Uva e Pode-se verificar que, em sumarizada análise, na redação
Vinho, e à mesma compareceram mais de cento e cinquenta substitutiva apresentada pelo Deputado Alceu Moreira, a
produtores de uva e de vinho. Também esteve presente o qual acabou por ser sancionada com o veto – do qual se
GT supra mencionado, que apresentou uma Nota Técnica falará posteriormente –, foi aproveitado muito dos dois
(EMBRAPA, 2012; IBRAVIN, 2012). projetos inicialmente apresentados. Do projeto de lei
submetido pelo Deputado Pepe Vargas é trazida a limitação
No escopo desta, alguns temas que estavam sendo quantitativa: “será fabricado, exclusivamente, com no
discutidos desde 2011, foram apresentados. Dentre estes, mínimo 70% (setenta por cento) de uvas produzidas na
destaca-se que: a legislação proposta não deve definir um propriedade rural unifamiliar de origem e na quantidade
novo produto, mas sim a regulamentação da produção e máxima de 20.000 (vinte mil) litros anuais”, que acaba
comercialização de vinhos pelos produtores da agricultura sendo transportada para a redação final. Além dessa,
familiar; o termo “colonial” é de uso mais frequente no sul consta também a forma fiscal de comercialização que na
do Brasil e, portanto, deveria ser suprimido ou substituído sanção foi vetada: “A comercialização de Vinho Colonial
por “artesanal”, que condiz mais com a forma de elaboração será realizada através de emissão de nota do talão de
do produto, a qual já encontra definição legal e pode ser Produtor Rural e exigirá em sua rotulagem a especificação
compreendida em todo o país; a limitação de produção de sua denominação, origem e características do produto.”
deve se restringir ao preconizado pela definição de Por outro lado, a forma física de comercialização foi
agricultor familiar, o qual, segundo a legislação vigente, aproveitada da redação apresentada pelo Deputado
tem um limite máximo de renda bruta anual para toda a Onyx Lorenzoni: “A comercialização do vinho colonial será
renda proveniente da propriedade, que deve ser limitada realizada diretamente ao consumidor final do produto, na
a quatro módulos fiscais (EMBRAPA, 2012; IBRAVIN, 2012). sede da propriedade rural familiar ou em estabelecimento
mantido por associação de produtores”, tendo sido esta
Com base nessa audiência pública e levando em acrescida de “ou cooperativa de produtores rurais ou em
consideração inúmeras das propostas apresentadas, o feiras da agricultura familiar.”
Relator apresentou um Projeto de Lei substitutivo, no qual
se buscou condensar o que havia sido proposto e atender Há pontos que ambos os deputados apresentaram,
ao que havia sido discutido na referida Audiência. Com como a denominação “vinho colonial”, que acabou
essa redação, o Projeto de Lei Substitutivo foi aprovado sendo incorporada no substitutivo. Contudo, questões
na Comissão de Agricultura, bem como na Comissão de diferenciadas foram trazidas ao substitutivo, que não
Constituição e Justiça (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2014). constavam anteriormente, como a inserção dessa lei na
Lei do Vinho nº 7.678/1988 (BRASIL, 1988), fazendo com
Todavia, nem toda a lógica ficou consolidada no projeto. que o produtor da agricultura familiar fosse agregado à
Por exemplo, embora o substitutivo tenha sido redigido de vitivinicultura, e não tratado a parte por uma legislação
forma a não definir um novo produto, em partes específicas diferenciada.
cita o “vinho colonial”, sem que o defina. Assim, com essa
mesma redação, esse foi encaminhado ao Senado. Desses pontos, pode-se aferir que a audiência pública,
que reuniu todos os elos da cadeia produtiva, bem como
No Senado Federal, o PLC nº 110/2013, foi encaminhado instituições relacionadas com vitivinicultura, pública e
à Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, no qual a privada, pôde efetivamente cumprir seu papel de ouvir a
relatora, Senadora Ana Amélia Lemos, levou à aprovação sociedade e apresentar uma redação aperfeiçoada, mesmo
com a mesma redação proveniente da Câmara (SENADO que esta não tenha contentado a todos. Certamente
FEDERAL, 2014). a redação final abrangeu grande parte dos anseios
demonstrados.
Aprovado no Senado, o Projeto de Lei foi encaminhado à

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Todavia, quando da sanção presidencial, um importante n° 12.873/2013 (BRASIL, 2013), de modo a permitir que
item foi vetado: o § 5º, que diz que “A comercialização de o produtor rural segurado especial não perdesse essa
vinho colonial será realizada por meio de emissão de nota condição ao elaborar e comercializar o vinho.
do talão de produtor rural e exigirá em sua rotulagem a
especificação de sua denominação, origem e características Resta saber se a nova Lei n° 12.959/2014 (BRASIL, 2014)
do produto”. compreendeu as questões societária e fitossanitária e se,
nesse escopo, a questão tributária acabou por ser abarcada,
Esse item específico garantiria, na forma da lei, que a especialmente se considerado o veto à comercialização
comercialização se daria com base nos pressupostos mediante o uso do talão do produtor. Em uma análise
da agricultura familiar, ou seja, utilizando-se o talão do preliminar, verifica-se que, no âmbito da questão
produtor. Nessa forma não poderia incidir sobre o vinho a fitossanitária, a lei aprovada permite que a legislação que
ser comercializado nenhum tributo sobre a industrialização vier a regulamentá-la possa estabelecer diferenciais para a
(IPI), sobre comercialização (ICMS) ou, ainda, sobre a renda agricultura familiar. Todavia, somente a lei não é suficiente
ou faturamento na forma de uma pessoa jurídica (PIS, para suprir essa necessidade, pois é a regulamentação por
Cofins, IRPJ, CSLL). O produtor rural, nesse caso, apenas meio de decreto e instruções normativas que permitirá sua
estaria obrigado a recolher o Funrural sobre sua renda efetivação.
bruta.
Já no tocante à questão societária, que acaba por ser
A razão do veto, comunicada pela Presidente da República indiretamente tocada por meio do veto, há necessidade
ao Presidente do Senado Federal, parece induzir que de se verificar como será interpretado o mesmo, se este
efetivamente aquela não alcançou a compreensão do efetivamente for mantido em eventual análise por parte do
texto legal sancionado ao afirmar que “A determinação Congresso Nacional. E como este repercutirá em todos os
da comercialização de vinho colonial por meio de nota demais tributos e na própria exigência da criação de uma
do talão de produtor rural pode ser interpretada como pessoa jurídica. Tem-se aqui nova insegurança jurídica
desobrigação da emissão de nota fiscal, necessária na gerada.
sistemática de arrecadação do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI)”. Nesse escopo, verifica-se que o processo legislativo, a
participação da sociedade civil, a realização da audiência
Se efetivamente se buscava regular um produto artesanal, pública, todos esses movimentos contribuíram para
é porque o mesmo não é industrializado. Para que, então, que ações decisivas fossem tomadas no sentido de se
fazer incidir o imposto sobre produtos industrializados implementar políticas públicas voltadas à agricultura
neste? familiar e sua relação com a produção artesanal de vinho.
Todavia, ao final do processo, nem todos os objetivos foram
Todavia, juntamente com esse, poderão vir outros tributos, alcançados. A regulamentação da lei e sua implementação
e outras obrigações acessórias, e quem sabe a exigência é que poderão demonstrar a efetividade dessa norma.
da constituição de uma pessoa jurídica, pois, quem será o Para tanto, faz-se necessário que o grupo de atores que se
sujeito passivo nessa relação tributária? organizou continue a trabalhar para que esta colocação em
prática seja próxima do que foi imaginado e é adequado
para a agricultura familiar e para o setor vitivinícola
Considerações finais: entre o brasileiro.
esperado e o conquistado

A questão que se busca responder é se, da forma como


foi sancionada, a lei poderá atender ao que se buscava
inicialmente. Como já afirmado, havia sido verificado certo Referências
descompasso entre as legislações societária, fitossanitária,
ambiental e previdenciária. Teria essa nova lei resolvido ABRAMOVAY, R. Juventude e agricultura familiar:
essas questões? desafios dos novos padrões. Brasília: Unesco, 1997.

Primeiramente, verificou-se que a legislação ambiental BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
já se encontrava, de certa forma, em conformidade com Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.
a simplificação necessária para a agricultura familiar. A gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso
legislação previdenciária foi modificada, por meio da Lei em: 20 abr. 2014.

Rev. Bras. Vitic. Enol., n.6, p.80-88, 2014 87


BRASIL. Decreto n° 8.198, de 20 de fevereiro de 2014. BRASIL. Lei nº 12.959, de 19 de março de 2014. Altera
Regulamenta a Lei nº 7.678, de 8 de novembro de 1988, a Lei nº 7.678, de 8 de novembro de 1988, para tipificar o
que dispõe sobre a produção, circulação e comercialização vinho produzido por agricultor familiar ou empreendedor
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em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011- produção e comercialização e definir diretrizes para o
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Regulamenta a Lei nº 7.678, de 8 de novembro de 1988,
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