Duplicatas
Duplicatas
Duplicatas
Leonardo Parentoni
Doutor em Direito Comercial pela USP. Mestre em Direito Empresarial pela UFMG.
Especialista em Direito Processual Civil pela UnB. Professor adjunto de Direito
Empresarial da UFMG e do IBMEC-MG. Ex-membro de Comissões do CNJ e do CJF.
Procurador federal de Categoria Especial/AGU parentoni@gmail.com
O objetivo deste texto não é rediscutir o tema, já por demais debatido, mas sim registrar
sua evolução, colocando-o em perspectiva. Ou seja, com os olhos de hoje, demarcar
quais foram as principais fases históricas do assunto e o que se pode esperar do futuro,
quanto à desmaterialização dos títulos de crédito.
O surgimento da duplicata – como costuma acontecer com grande parte dos institutos
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de Direito Comercial – é fruto da práxis mercantil . Somente em época posterior veio a
ser formalmente regulado pelo Direito. Podem-se divisar, na visão deste autor, quatro
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fases evolutivas desse título de crédito, as quais serão brevemente descritas a seguir .
Antes, porém, é preciso delimitar o que se considera por duplicata. Para tanto são
citadas duas definições, uma sintética e outra mais analítica:
“A duplicata é título de crédito formal, impróprio, causal, à ordem, extraído por vendedor
ou prestador de serviços, que visa a documentar o saque fundado sobre crédito
decorrente de compra e venda mercantil ou prestação de serviços, assimilada aos títulos
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cambiários por lei, e que tem como seu pressuposto a extração da fatura.”
O antecedente remoto das duplicatas na legislação brasileira foi o art. 219 do Código
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Comercial de 1850 . Esse dispositivo impunha que nas vendas a prazo, entre
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comerciantes, o vendedor deveria apresentar ao comprador a fatura em duas vias
idênticas, assinadas por ambas as partes, ficando uma com o vendedor e outra com o
comprador. Não havendo reclamação no prazo de dez dias, as contas presumiam-se
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líquidas . Na sequência, o Decreto 737/1850 – mais conhecido como “Regulamento
737”, tão lembrado quando se estuda a vetusta teoria dos atos de comércio –, no art.
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246 e seguintes , conferia ao vendedor ação para executar créditos decorrentes de
compra e venda mercantil, no prazo de dez dias. As faturas, assim, documentavam a
compra e venda mercantil desde a época do Império. Elas eram utilizadas principalmente
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para requerer a falência do comprador caso este não efetuasse o pagamento devido .
Até então, porém, não se cogitava da existência das duplicatas. Nesse momento
embrionário, a fatura servia para documentar a compra e venda a prazo, celebrada entre
comerciantes, mas inicialmente não viabilizava a circulação do crédito. Ela não permitia,
por exemplo, que o vendedor efetuasse descontos bancários para antecipar o
recebimento de parte do valor das vendas. Tais operações só viriam a se difundir na
década de 20 do século seguinte.
É curioso observar que a duplicata surgiu como alternativa ao saque das letras de
câmbio, justamente para propiciar maior agilidade e menos formalismo na circulação do
crédito. Surgiu de uma necessidade prática dos comerciantes. Com efeito, em razão das
dimensões continentais do Brasil e do deficiente sistema nacional de transportes no
início do século passado, o procedimento para receber os valores documentados na letra
de câmbio era demorado. Primeiro seria preciso sacar o título, em seguida remetê-lo
para aceite, recebê-lo de volta (o que raramente ocorria na prática) e posteriormente
ainda reapresentá-lo para pagamento. Todo esse lento percurso desestimulou,
historicamente, o uso da letra de câmbio no comércio interno do país. Ainda hoje, o
título é pouco utilizado para essa finalidade, apesar de ser com base nele que muitos dos
manuais estudam títulos de crédito, o que já sugere uma revisão na metodologia da
disciplina e na estruturação de tais obras, a fim de conferir maior atenção aos títulos de
uso corrente no país, em vez de dedicar-lhes posição subalterna.
Fato é que paulatinamente foi se tornando comum, no dia a dia do comércio, no lugar de
sacar a letra de câmbio e aguardar todo o moroso procedimento descrito acima,
simplesmente colher a assinatura do cliente na segunda via da fatura e, a partir dela,
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A duplicata virtual e os títulos de crédito eletrônicos
Ocorre que o moroso e burocrático procedimento para cobrança das duplicatas, fixado
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originariamente na Lei 187/1936 e mantido na atual Lei 5.474/1968 , é totalmente
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contrário ao dinamismo que o comércio requer para a circulação dos créditos . Isso
trouxe para tais títulos o mesmo entrave que anteriormente havia feito com que as
letras de câmbio caíssem em desuso no comércio interno. Porém, no caso das
duplicatas, em vez de caírem em desuso, os comerciantes preferiram mantê-la,
adotando, na prática, um procedimento de circulação abreviado, que passou a suprimir
algumas etapas do trâmite ideal previsto na legislação. Ou seja, desde o início a prática
da circulação cambial das duplicatas já omitia alguns passos previstos na lei, em prol da
agilidade e simplicidade na cobrança dos créditos. Isso é próprio da cultura empresarial
brasileira. Tal constatação será muito importante adiante, ao verificar-se que a duplicata
virtual nada mais é do que a adaptação desse procedimento às exigências
contemporâneas de celeridade, à luz das novas tecnologias.
O que precisa ficar claro é que já nessa primeira fase histórica as duplicatas não eram
formalmente aceitas nem devolvidas. O sacador/credor principal as encaminhava ao
sacado e este, ao recebê-las, direcionava-as para o setor contábil, a fim de serem
inseridas em “contas a pagar” e, de regra, quitadas na data prevista. Com isso,
suprimiam-se ao menos duas fases do procedimento legal: devolução da cártula com
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aceite e reapresentação para pagamento . É de se destacar que nessa primeira fase
havia, ao menos, a extração regular da cártula e seu envio ao devedor principal. Ocorria,
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portanto, circulação do próprio título de crédito, na clássica definição de Vivante , com
apresentação da via original do título ao devedor principal.
Pode-se afirmar, então, que a primeira fase histórica foi marcada pela circulação da
cártula, ou seja, pela extração das duplicatas em papel e circulação do próprio título.
Porém, o comércio clamava por ainda mais agilidade na cobrança das duplicatas. E essa
celeridade foi possível graças à intermediação das instituições financeiras, originando
uma segunda fase na circulação cambial desse título.
ver a duplicata, porque ela não era sequer confeccionada. Em lugar disso, recebia um
documento em papel, com os dados de cobrança, conforme registrado na fatura.
Destarte, o boleto bancário passou a fazer o papel da duplicata, tornando-se a rotina
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brasileira nas décadas de 1970 e 1980 .
Ainda que na época não existisse lei resguardando esse procedimento, especificamente
para as duplicatas, o costume mercantil e a celeridade própria do comércio o acolheram
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e consolidaram . Essa segunda fase marcou a substituição da circulação da cártula pela
escrituração do crédito. A Lei 6.404/1976 definiu ação escritural como aquela que fica
registrada em conta de depósito, transferindo-se por simples anotação, dispensada a
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emissão de certificado de propriedade das ações . Ou seja, circulação escritural é
aquela que se processa mediante simples registro em sistema específico, dispensando a
transferência física de qualquer documento. Quem vende uma ação escritural não
precisa entregar comprovante de venda ao comprador, bastando registrar essa operação
em sistema próprio, administrado pela própria companhia ou por terceiro contratado.
Assim, a transferência do direito não se perfaz pela tradição de um título, mas pelo
registro em livro ou sistema específico, inclusive eletrônico. A expressão de língua
inglesa que designa crédito escritural já sugere isso: book entry credits.
Inaugurou-se, então, uma terceira fase histórica, caracterizada pelo uso cada vez maior
do suporte eletrônico na escrituração dos créditos, inclusive daqueles que poderiam
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ocasionar o saque de uma duplicata . Nessa fase surgiram dispositivos legais que
permitiam, por exemplo, realizar o protesto por indicação a partir de comunicações
eletrônicas entre o credor (ou instituição financeira intermediária) e o cartório de
protestos. No Direito Comparado, a escrituração eletrônica do crédito desenvolveu-se na
década de 1970. No Brasil, porém, sua consagração legislativa ocorreu somente no final
da década de 1990.
diferença de que não era criada, ab initio, em fita magnética, mas apenas convertida
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nessa mídia em determinada fase de sua circulação . Ou seja, ambas as modalidades
apresentavam ao menos parte da circulação em meio eletrônico. O que as diferenciava
era, basicamente, o fato de que a LCR-fita circulava integralmente em meio eletrônico
(fita magnética), não havendo extração da cártula/papel em momento algum do
percurso. Por tal razão, foi a modalidade mais polêmica, chegando alguns juristas
franceses da época, como Vasseur, a afirmarem que, por não gerar cártula, a LCR-fita
equivaleria, no máximo, a um contrato de mandato, não podendo ser considerada
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autêntico título de crédito .
“Art. 445. Título de crédito é o documento, cartular ou eletrônico, que contém a cláusula
cambial.
Art. 455. O título de crédito emitido em um suporte pode ser transposto para o outro.”
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crédito com suporte eletrônico . Já em vigor, também, as disposições do Código Civil
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(LGL\2002\400) a respeito , mas que só se aplicam aos títulos atípicos .
Esses dois exemplos servem para evidenciar um movimento legislativo que busca
introduzir no país o título de crédito eletrônico, ou seja, a criação e circulação do
documento integralmente em suporte digital. Isso, porém, ainda não pode ser
considerado realidade, pois o que existe atualmente, como visto, é a mera circulação
escritural e eletrônica do direito de crédito, não do próprio título de crédito. Tanto assim
que os títulos de crédito eletrônicos atípicos, cuja criação restou autorizada pelo Código
Civil (LGL\2002\400), desempenham, hoje, papel de menor importância na prática
mercantil.
Destarte, na fase atualmente em curso, não se pode, a rigor, entender que a duplicata
se tornou o primeiro título de crédito eletrônico. O que existe é a chamada “duplicata
virtual”, que nada mais é do que uma forma de circulação escritural do crédito, não do
próprio título. Com efeito, nessa terceira fase histórica não existe a formação da cártula
da duplicata, do próprio título de crédito. O direito de crédito é que circula, de maneira
escritural e eletrônica. É possível, porém, extrair-se a cártula, a qualquer tempo, visto
que houve de fato o negócio jurídico subjacente, o qual se encontra documentado na
fatura ou nota-fiscal fatura. A duplicata não é geralmente extraída por conveniência do
próprio mercado, tendência que, como visto, acompanha esse título de crédito desde as
suas origens. Nesse contexto, a duplicata permanece em estado potencial, já que não é
de fato extraída, mas pode sê-lo a qualquer tempo, caso isso se mostre necessário.
Essa potencialidade de que uma coisa venha a surgir a partir de outra (no caso, a
duplicata a partir da fatura) é o significado mais preciso da palavra “virtual”, segundo o
prestigiado entendimento de Pierre Lèvy:
“A palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus, força,
potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato. O
virtual tende a atualizar-se, sem ter passado no entanto à concretização efetiva ou
formal. A árvore está virtualmente presente na semente. Em termos rigorosamente
filosóficos, o virtual não se opõe ao real, mas ao atual: virtualidade e atualidade são
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apenas duas maneiras de ser diferentes.”
O que precisa ficar claro, em relação à atual fase histórica, é o fato de que nela se
autoriza apenas a circulação escritural do crédito, em meio eletrônico. Não se admite,
ainda, a circulação eletrônica do título de crédito, da própria duplicata. Esta, como visto,
não é sequer sacada, permanecendo num estado potencial (virtual). Assim, não se pode
confundir a circulação escritural, em meio eletrônico, do direito de crédito, com a
existência de um autêntico título de crédito eletrônico. A consequência prática dessa
distinção é enorme. Com efeito, não havendo título de crédito, não há que se cogitar de
outros institutos exclusivamente cambiais, como o aceite, endosso e aval. Foi com base
nesse contexto que o Superior Tribunal de Justiça analisou a executoriedade da duplicata
virtual.
Ou seja, os mesmos passos que a duplicata em papel percorria na primeira de suas fases
históricas serão resgatados, porém dessa vez em meio eletrônico. Isso terá a vantagem
de reavivar na duplicata os institutos cambiais que caíram em completo desuso após a
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circulação escritural, como o aceite, o endosso e o aval . Mas uma coisa é certa: só é
de se esperar que se inaugure essa nova fase histórica caso o trade off entre os ganhos
proporcionados pela reintrodução desses institutos supere os custos e as dificuldades
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decorrentes da certificação digital . A evolução histórica das duplicatas bem demonstra
que caberá ao mercado, e não ao Direito, realizar essa ponderação.
Ao final desta breve digressão e perspectiva histórica, podem-se resumir as quatro fases
evolutivas da duplicata, no Brasil, da seguinte forma:
da fatura.
(duplicata virtual)
4 Criação e circulação Título de crédito Perspectiva.
da duplicata eletrônico.
integralmente em
meio eletrônico.
(duplicata eletrônica)
Como se sabe, a vigente Lei 5.474/1968 manteve a duplicata como único título de
crédito passível de ser emitido na compra e venda a prazo, celebrada entre empresários
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, ampliando essa possibilidade também para os prestadores de serviço . Como esse
título documenta o crédito decorrente de uma operação já realizada, o sacado, em regra,
deve arcar com o pagamento dos valores ajustados. Por isso, o aceite na duplicata é
obrigatório, só podendo ser recusado em situações excepcionais, quando o devedor
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comprova haver algum vício no bem adquirido ou na prestação do serviço .
Além de obrigatório, o aceite nas duplicatas é também presumido. Com efeito, desde a
sua primeira fase histórica o normal era que as duplicatas fossem recebidas pelo sacado
e automaticamente direcionadas para “contas a pagar”, sendo quitadas no vencimento,
como qualquer outra dívida do empresário. Não havia a formalização do aceite no
próprio título de crédito e sua devolução ao sacador. Destarte, criou-se a presunção
relativa de que o título não devolvido após o prazo legal de dez dias teria sido aceito pelo
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sacado, pois esgotado o prazo para que fundamentasse a recusa do aceite .
Consequentemente, após esse prazo o credor já poderia realizar operações de crédito
que envolvessem a duplicata. Por exemplo, descontos bancários. Ou seja, antes mesmo
do vencimento do título o empresário já poderia antecipar o recebimento de parte dos
valores nele mencionados.
Outro ponto a ser destacado é o fato de que tanto o envio da duplicata/cártula quanto
do boleto bancário cumprem, em essência, a mesma função, a mesma finalidade:
cientificar o devedor da existência do débito, informar-lhe o valor e prazo para
pagamento, além de oportunizar a recusa justificada. Portanto, ainda que os cartórios
não exijam a prova da prestação do serviço ou entrega da mercadoria ao realizar o
protesto por indicação, judicialmente o devedor poderá questionar esses pontos,
demonstrando justa causa para a recusa. Isso pode levar ao reconhecimento da
inexigibilidade da dívida e, em casos extremos, até configurar o crime de duplicata
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simulada . Assim, as oportunidades que o devedor tem para se defender são
essencialmente as mesmas, quer se trate de protesto baseado na duplicata em papel ou
no boleto bancário (duplicata virtual). A substituição da cártula pela escrituração digital
do crédito, por si só, não acarreta maiores gravames ao devedor.
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Uma vez efetuado o protesto, formaliza-se a inadimplência do sacado , permitindo a
execução judicial da duplicata. É daqui por diante que surgem as dúvidas jurídicas
relacionadas à executividade da duplicata virtual. Com efeito, caso fosse rigorosamente
seguido o iter previsto na Lei 5.474/1968, como o aceite é obrigatório e pode ser
presumido em caso de não devolução da cártula, após dez dias, bastaria ao credor
comprovar o envio do título de crédito ao sacado, por qualquer meio (correspondência
com aviso de recebimento, notificação extrajudicial, e-mail etc.), bem como o transcurso
do citado prazo, para viabilizar a execução. O Superior Tribunal de Justiça, há anos,
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havia pacificado esse tema .
Ocorre que na prática mercantil a cártula sequer chega a ser extraída, pois a cobrança
se tornou meramente escritural e intermediada por instituições financeiras. O que se
enviava ao devedor eram outros instrumentos de cobrança, em papel (boletos
bancários) ou meio eletrônico (DDA e demais tipos de escrituração eletrônica do
crédito). Nesse contexto, a questão é saber se o protesto por indicação pode ser feito
com base nesses instrumentos, de modo a viabilizar a execução de um título de crédito
cuja cártula nunca chegou a se materializar (duplicata virtual). Esse é o ponto central
que doutrina e jurisprudência precisaram enfrentar, e que será abordado nos tópicos
seguintes.
De início, é preciso advertir o leitor para o fato de que este tópico não tem a pretensão
de esgotar o assunto, transcrevendo e analisando a opinião dos mais diversos
profissionais que se manifestaram a respeito. Ao contrário, seu escopo é bem mais
modesto. Busca-se, apenas, olhar para trás, destacando alguns dos principais
posicionamentos sobre o tema, a fim de que o leitor tenha clara percepção da evolução
dos debates que culminou no atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
E, sobre esse debate, não é exagero afirmar que as discussões podem ser resumidas em
duas grandes correntes de pensamento. Ainda que com certa variação em seus
argumentos, os diversos autores enquadram-se numa ou noutra vertente.
“Em face do até aqui exposto, cumpre, mais uma vez, chamar a atenção para o que está
ocorrendo nos dias de hoje: a desobediência aos termos da Lei vigente. Como é sabido,
a maioria das duplicatas são apresentadas por intermédio dos bancos, seja por terem
recebido endosso mandato, seja por qualquer outra forma que tomam os contratos
bancários.
Mas não são só os bancos que estão praticando esse ato contrário à lei, a quase
totalidade daqueles a quem é dado o direito de sacar duplicatas, assim estão
procedendo.
Nesse passo, não cabe modificação na lei, autorizando a apresentação da cártula por
meio de documento eletrônico, pois isso é macular todos os princípios que orientam os
títulos de crédito: é reduzir a duplicata a um título sem valor, como já está acontecendo
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com o cheque.”
Um dos mais ferrenhos defensores desta corrente foi Wille Duarte Costa. Para ele,
jamais haveria título de crédito eletrônico e o protesto de uma duplicata nunca poderia
ser feito a partir da apresentação de boleto bancário. Tal autor sempre desferiu ferozes
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críticas a quem ostentasse posicionamento contrário .
O que sustentava essa corrente alternativa, em resumo, era o fato de que o princípio da
cartularidade dos títulos de crédito estava a merecer releitura contemporânea, com a
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progressiva substituição da cártula em papel por documentos eletrônicos . Newton De
Lucca fez a percuciente observação a seguir:
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A duplicata virtual e os títulos de crédito eletrônicos
Como visto há pouco, uma das principais críticas ao documento eletrônico era o fato de
que, nele, não havia assinatura autógrafa, dada de próprio punho pelas partes
vinculadas ao instrumento. Consequentemente, não haveria como identificar, com
segurança e precisão, quem seriam as pessoas obrigadas no título de crédito. Hoje,
evidentemente, já existem recursos tecnológicos capazes de assegurar a autoria e
integridade de um documento eletrônico. Curioso é notar que, na década de 1980, muito
antes da dispersão da internet para fins comerciais ou da assinatura digital assimétrica,
Newton De Lucca já havia alertado para o problema, esclarecendo haver mecanismos
alternativos à solução do impasse. Com efeito, citado autor relembra que nos primórdios
da Idade Média os documentos eram identificados por selos que lhes eram apostos, e
não por assinaturas, até porque nem mesmo os nobres eram todos alfabetizados. Tal
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fato não impediu que aqueles documentos fossem regularmente aceitos como prova .
Ou seja: a assinatura manuscrita nem sempre foi a maneira tradicional de identificação
da autoria e integridade de um documento. Algumas existiram antes dela e outras
podem surgir depois, sem maiores problemas.
Também não se diga que a assinatura manuscrita confere maior segurança do que
outras formas de identificação. Na verdade ocorre o contrário. A maior segurança adviria
da forma preconceituosa com que se identificam atualmente os analfabetos, pela
aposição do polegar embebido em tinta, a fim de colher suas digitais. A falsificação de
assinaturas é muito mais fácil do que a das digitais, visto que estas, em regra, não se
alteram ao longo da vida. E, no entanto, hoje é raro quem sugira que todos,
indistintamente, identifiquem-se nos negócios do dia a dia pela aposição das digitais em
vez da assinatura, como fazem os analfabetos...
Porém, admitindo-se que a história é cíclica, não será espanto se num futuro próximo
todos venham a se identificar de maneira análoga ao que fazem atualmente os
analfabetos, ou seja, por características físicas singulares, como as impressões digitais
ou o contorno da íris, em lugar da tradicional assinatura de próprio punho. É o que
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sugere o futuro da biometria . Assim, afirmar – como fez a primeira corrente – que a
assinatura manuscrita é a única forma de assegurar a autoria e integridade de um
documento, capaz de convertê-lo em título de crédito, representa, a um só tempo,
desprezo tanto do passado quanto do provável futuro da humanidade.
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textos escritos . O que importa destacar é que a prova documental deve sempre estar
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fixada em algum suporte material , ou seja, um substrato que permita preservar as
informações ao longo do tempo. Isso, porém, não autoriza concluir que somente o papel
seja suporte material válido. Antes dele, outros materiais exerceram essa função, como
a madeira e o pano. No cenário atual, ganham cada vez mais espaço as mídias
eletrônicas, como os discos rígidos de computador, pen drives, DVDs, armazenamento
em nuvem etc. Todas permitem preservar o conteúdo do documento, enquadrando-se
no conceito de suporte material. E isso não por predileção pessoal do autor, mas por
força de lei.
Com efeito, desde o ano de 2001 o Brasil implantou sistema destinado a garantir a
autenticidade e integridade dos documentos armazenados em suporte eletrônico. Tal
sistema denomina-se Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, ou simplesmente
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ICP-Brasil. Tem por objetivo conferir segurança aos documentos eletrônicos ,
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equiparando seus efeitos jurídicos aos do documento em papel . Existe no país,
destarte, inegável fundamento legal para a validade jurídica do documento eletrônico.
Tanto assim que o próprio processo judicial vem se desmaterializando, progressivamente
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. Por meio da ICP-Brasil e do procedimento de assinatura digital assimétrica , é
possível assegurar que um documento eletrônico tenha confiabilidade igual ou superior à
dos documentos em papel. Esse procedimento garante, com precisão matemática, que o
documento tenha sido realmente assinado por determinado sujeito, bem como sua
completa transmissão ao destinatário, sem interceptações ou alterações de conteúdo
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(integridade) .
Assim, não se justifica o temor de que, por ser composto de mera sequência de bits em
vez de consubstanciar cártula em papel, seja impossível diferenciar o original de um
documento eletrônico e sua cópia. Com efeito, essa distinção é possível quando um dos
documentos está digitalmente assinado e o outro não:
Assim sendo passamos a ter um tertium genus, o documento original como sendo aquele
assinado digitalmente, as cópias eletrônicas exatas do documento eletrônico contendo
também a assinatura digital, que também são originais e a cópia do documento
eletrônico ou de seu conteúdo desacompanhada da assinatura digital, cuja integridade e
autoria somente são aferidas mediante a comparação com o conteúdo do documento
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assinado digitalmente.”
Pode-se resumir o que foi dito há pouco em duas conclusões: 1) a assinatura manual, de
próprio punho, não é a única forma legalmente admissível para assegurar a autoria e
integridade de um documento; 2) o papel não é o único suporte material admissível para
o registro dos documentos. Essas conclusões apontam para a validade jurídica dos
documentos eletrônicos, eventualmente até daqueles que consubstanciem título de
crédito.
Há, todavia, quem sustente que o conceito de documento, em sua feição clássica, tal
como utilizado para definir título de crédito, não poderia contemplar o documento
eletrônico, visto que esse tipo de suporte material não existia à época. A parte final do
raciocínio é incontestável: quando Cesare Vivante cunhou seu conhecido conceito de
títulos de crédito, não existiam documentos eletrônicos. A divergência reside na
conclusão que se extrai disso. Segundo alguns autores, porque a modalidade eletrônica
não fora cogitada expressamente no conceito clássico de documento, ela seria
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incompatível com esse conceito . Ora, a tão aclamada técnica dos conceitos normativos
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abertos, ou indeterminados , visa justamente permitir que os dispositivos legais se
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adaptem à evolução da humanidade sem necessidade de alteração do texto da lei .
Alguém duvida que o conceito de empresa do art. 966 do Código Civil (LGL\2002\400)
poderá vir a abarcar novas atividades empresariais que porventura surjam, justamente
por ser indeterminado? Seria por acaso equivocado qualificar novas atividades como
empresa, quando venham a preencher todos os requisitos do art. 966, simplesmente
porque à época da entrada em vigor do Código Civil de 2002 elas ainda não existiam?
Evidentemente, a resposta é negativa.
Vale destacar que, na mesma época das críticas feitas pela primeira corrente doutrinária,
já existiam estudos sobre o armazenamento de documentos em suporte eletrônico e a
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assinatura digital assimétrica como sucedâneo da assinatura manuscrita . Inclusive, tais
práticas estavam em estágio avançado nos Estados Unidos da América, o que evidencia
que a releitura do conceito clássico de documento não somente é possível como
palpável.
Se, como visto, o documento pode ser eletrônico ou em papel, sua circulação também
pode se processar dessas duas maneiras. Há, inclusive, a possibilidade de transposição
do suporte material, do papel para o meio eletrônico, ou vice-versa. Em outras palavras,
o título de crédito eletrônico não deixa de ser um autêntico documento, modifica-se
apenas o seu suporte material. A regra a ser observada para evitar fraudes é a de que
um só tipo de suporte possa circular de cada vez, sendo vedada a circulação simultânea
do mesmo título, em mais de um suporte material ou em mais de uma via do mesmo
suporte. Pode ocorrer, por exemplo, que o título tenha por base inicialmente o papel,
mas ao longo de sua circulação adote o suporte eletrônico. Nesse caso, só serão válidas
as declarações cambiais (como endosso e aval) lançadas na via eletrônica, devendo o
espelho em papel sair imediatamente de circulação.
Ademais, cada via eletrônica do título mantém sua singularidade, pois a certificação
digital assimétrica torna esse documento único e insuscetível de alteração não
consentida. O propalado risco de vias simultâneas do mesmo título e a insegurança disso
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decorrente não é atributo exclusivo do suporte material eletrônico. Como visto,
também nos documentos em papel é possível extrair simultaneamente duas ou mais vias
originais, desde que todas estejam assinadas (como rotineiramente ocorre nos
contratos). E nem por isso doutrina e jurisprudência vislumbram qualquer ilegalidade
nessa prática. Assim, dizer simplesmente que a mudança no modo de assinar estimularia
fraudes não é argumento sólido. Quem poderia emitir ilicitamente um título de crédito
em papel, assinando-o de próprio punho, poderia fazer o mesmo com um documento
eletrônico digitalmente assinado. A fraude está na intenção do agente mais do que no
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instrumento utilizado para praticá-la . O importante é deixar claro que a assinatura
digital assimétrica torna possível diferenciar original e cópia de um documento
eletrônico, tal como se faz nos documentos corporificados em papel.
Assim, é possível afirmar que tanto do ponto de vista tecnológico quanto jurídico
existem bases suficientes para flexibilizar a conceituação clássica do princípio da
cartularidade, passando a admitir-se que também sejam considerados no conceito de
cártula os documentos com suporte eletrônico. E, mais do que isso, as necessidades do
sistema financeiro fazem com que o recurso a esse tipo de suporte material seja uma
tendência irrefreável.
por conveniência do próprio mercado (costume mercantil). Ainda que não tenha sido
extraída, a cártula permanece potencialmente presente ao longo de todo o
procedimento. Por isso, a segunda corrente doutrinária, à qual aqui se filia, sustenta que
a execução do título de crédito (duplicata virtual) pode se basear no boleto bancário, já
submetido a protesto por indicação, acompanhado do comprovante de entrega da
mercadoria ou prestação do serviço. Tal procedimento foi descrito, com precisão, por
Celso Barbi Filho:
Que o boleto bancário não é título de crédito e realmente não se sujeita a aceite são
pontos incontroversos. A questão é que tais características não obstam o protesto por
indicação, pois a Lei 9.492/1997 passou a autorizar, inclusive, que ele seja feito pela
remessa dos dados do título ao cartório, em meio eletrônico. Aliás, o protesto por
indicação é justamente a modalidade que dispensa a apresentação original da cártula.
Essa sistemática resguarda o devedor contra a cobrança de dívidas inexistentes
(duplicata simulada). De fato, provando-se que o credor oportunizou ao devedor o
pagamento do título, e provando-se também que executou suas obrigações relacionadas
ao negócio jurídico subjacente, não haveria por que obstar-lhe o recebimento do crédito,
com base no formalismo de não ter sido extraída a cártula da duplicata. Mesmo porque,
não custa lembrar, nesse título o aceite é obrigatório e presumido.
2. Embora a norma do art. 13, § 1º, da Lei 5.474/68 permita o protesto por indicação
nas hipóteses em que houver a retenção da duplicata enviada para aceite, o alcance
desse dispositivo deve ser ampliado para harmonizar-se também com o instituto da
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A duplicata virtual e os títulos de crédito eletrônicos
6. No caso dos autos, foi efetuado o protesto por indicação, estando o instrumento
acompanhado das notas fiscais referentes às mercadorias comercializadas e dos
comprovantes de entrega e recebimento das mercadorias devidamente assinados, não
havendo manifestação do devedor à vista do documento de cobrança, ficando atendidas,
suficientemente, as exigências legais para se reconhecer a executividade das duplicatas
protestadas por indicação.
6 Conclusão
A duplicata é um título de crédito de origem tipicamente nacional. Além disso, tem como
traço histórico marcante o fato de, na prática, sempre ter circulado por meio de rito
abreviado em relação ao iter previsto em lei, a fim de atender às necessidades do
mercado, em termos de celeridade na cobrança do crédito. Justamente por isso é nela
que se pode vislumbrar o embrião do primeiro título de crédito genuinamente eletrônico,
ou seja, criado e transmitido integralmente como documento eletrônico. Ainda que já
existam as bases (tanto fática/tecnológica quanto jurídica) para a existência do título de
crédito genuinamente eletrônico, fato é que o Brasil ainda não ingressou nesta fase
histórica.
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A duplicata virtual e os títulos de crédito eletrônicos
7 Referências bibliográficas
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3 . A divisão proposta neste estudo não se confunde com aquela sugerida por Rubens
Requião: REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 21. ed. São Paulo: Saraiva,
1998. p. 485-490. Entre outras distinções quanto ao enquadramento dos períodos
históricos, este estudo vislumbra uma última fase que não foi – e nem poderia ter sido,
apesar da genialidade daquele autor – antevista por Rubens Requião, dada a realidade
da época, fase essa que consiste na substituição da cártula pela circulação integralmente
eletrônica do crédito.
5 . RESTIFFE NETO, Paulo. Novos rumos da duplicata. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1975. p. 10.
6 . ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Títulos de crédito. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
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A duplicata virtual e os títulos de crédito eletrônicos
2006. p. 673.
8 . ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Títulos de crédito. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2006. p. 668. “Em todo contrato de compra e venda mercantil entre partes domiciliadas
no território brasileiro, a extração da fatura pelo vendedor, para apresentação ao
comprador, será obrigatória apenas quando o prazo de pagamento for superior a 30
(trinta) dias, contado da data da entrega ou do despacho das mercadorias (LD, art. 1º),
porque o legislador considera como venda a prazo. Quando o prazo de pagamento for
inferior a trinta dias, a extração da fatura será facultativa (...).”
9 . RESTIFFE NETO, Paulo. Novos rumos da duplicata. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1975. p. 3. “Na sua origem, destinava-se a duplicata a documentar o contrato
de compra e venda de mercadorias, em grosso ou no atacado, entre comerciantes, e a
representar, pela assinatura aposta pelo vendedor na via do comprador, e,
reciprocamente, pela assinatura do comprador aposta na via do vendedor, a relação
débito-crédito correspondente, com presunção de liquidez da conta (assinada), sempre
que decorrido o prazo de 10 dias subsequentes à entrega e recebimento dos gêneros
sem reclamação por parte do vendedor ou do comprador, segundo o art. 219 do Código
Comercial.”
10 . BRASIL. Império. Decreto n. 737. Rio de Janeiro: 25.11.1850. “Art. 246. Consiste
esta acção na assignação judicial de dez dias para o réo pagar, ou dentro delles allegar e
provar os embargos que tiver.”
“Art. 247. Compete esta acção:
(...)
“Art. 248. Esta acção é incompetente para por ella se demandarem instrumentos
illiquidos, ou cujas obrigações são dependentes de factos, e condições que carecem de
provas além das mesmas escripturas, salvo si esses fáctos e condições puderem ser
provados in continente por documentos ou confissão da parte.”
11 . PENNA, Fábio O. Da duplicata. Rio de Janeiro: Forense, 1952. p. 12. “Para suprir as
dificuldades dos comerciantes exportadores em grosso, contra a má-fé dos compradores,
o Govêrno Provisório introduziu na reforma do instituto da falência, levada a efeito pelo
dec. n. 917, de 24 de outubro de 1890, a possibilidade de verificação judicial das contas
extraídas dos livros comerciais revestidos das formalidades intrínsecas e extrínsecas,
dando ao resultado positivo a qualidade de título líquido e certo, para o efeito de
requerimento da falência. Foi o primeiro passo para tornar efetiva a aceitação da fatura,
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A duplicata virtual e os títulos de crédito eletrônicos
prevista no art. 219 do Cód. Comercial. Mas, se, juridicamente, ficou em parte resolvida
a posição dos vendedores, econômicamente perdurou a situação: continuaram sem
títulos comprobatórios, de visu, das suas transações e com os quais pudessem mobilizar
os seus capitais.”
13 . Aliás, a própria etimologia da duplicata remete a uma cópia, segunda via de algo.
No caso, um título de crédito extraído a partir da segunda via da fatura.
14 . Não se descuida que alguns autores foram árduos críticos da duplicata, como
Carvalho de Mendonça: CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de direito
comercial brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1945. v. 6. Tópico 634.
Porém, a prática desmentiu tais críticas, na medida em que a duplicata é um sucesso e
vem se adaptando às novas necessidades do mercado, principalmente à influência da
tecnologia.
16 . BRASIL. República. Lei n. 187. Rio de Janeiro: 05.12.1936. “Art. 1º Nas vendas
mercantis a prazo entre vendedor e comprador domiciliados no território brasileiro,
aquelle é obrigado a emittir e entregar ou remetter a este a factura ou conta de venda e
respectiva duplicata, que este lhe devolverá, depois de assigna-la, ficando com aquella.”
18 . p. 650. “La dichiarazione cartolare può enunciare la causa della obbligazione del
creatore o può invece non enunciarla: nel primo caso si parla di titolo di credito causale,
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A duplicata virtual e os títulos de crédito eletrônicos
nel secondo caso di titolo di credito astratto.” No mesmo sentido: DE LUCCA, Newton.
Aspectos da teoria geral dos títulos de crédito. São Paulo: Pioneira, 1979. p. 117. “Numa
primeira aproximação, assim, poderíamos dizer que o título causal é aquele no qual o
negócio jurídico que lhe deu origem, por força da lei, vincula-se ao título de tal sorte que
produz efeitos sobre a sua vida jurídica. Abstratos, em contraparida, são aqueles títulos
nos quais a causa não determina uma consequência jurídica.”
20 . ASCARELLI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. Campinas: Servanda, 2009.
p. 40. “(...) a circulação do crédito é exigida pela economia moderna (...). Circulação dos
créditos, vale dizer o máximo de rapidez e de simplicidade ao transmiti-los a vários
adquirentes sucessivos com o mínimo de insegurança para cada adquirente que deve ser
posto, não só em condições de conhecer pronta e eficazmente aquilo que adquire, mas
também a salvo das exceções cuja existência não lhe fosse dado notar, facilmente, no
ato da aquisição. A satisfação dessa exigência que se faz sentir profundamente no
moderno mundo econômico, constitui fator do desenvolvimento deste.”
23 . Curioso notar que a intermediação dos bancos já estava prevista desde a Lei
187/1936. Nesta, porém, tal intermediação destinava-se apenas a entregar a duplicata
ao sacado, não admitindo a substituição da cártula por boleto bancário, eis que a
primeira fase histórica, como visto, foi marcada pela circulação da cártula: BRASIL.
República. Lei n. 187. Rio de Janeiro: 05.12.1936. “Art. 10. A remessa da duplicata
poderá ser feita directamente pelo vendedor ou por seus representantes, por intermédio
de bancos, procuradores ou correspondentes, que se incumbam de apresentá-la ao
comprador, na praça ou lugar de seu estabelecimento, podendo os intermediários
devolvê-la depois de assignada, ou conservá-la em seu poder até o momento do
resgate, seguindo as instrucções de quem lhes commetteu o encargo.”
Tribunal de Justiça. 2ª Seção, EREsp. 1.024.691/PR, j. 22.08.2012, rel. Min. Raul Araújo.
“O comércio, enquanto atividade marcada pelo dinamismo e celeridade, precede em
muito o direito comercial, que tem marcante fonte consuetudinária, incorporando, desde
suas origens medievais, as práticas comerciais dos mercadores associados em
corporações de ofício.”
26 . BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 6.404. Brasília, DF, 15.12.1976. “Art. 34. O
estatuto da companhia pode autorizar ou estabelecer que todas as ações da companhia,
ou uma ou mais classes delas, sejam mantidas em contas de depósito, em nome de seus
titulares, na instituição que designar, sem emissão de certificados.”
“Art. 35. A propriedade da ação escritural presume-se pelo registro na conta de depósito
das ações, aberta em nome do acionista nos livros da instituição depositária.
27 . BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 6.404. Brasília, DF, 15.12.1976. “Art. 100, § 2º,
tanto na redação originária quanto na atual.”
obter-se um código do sacado (n. de seu banco, da agência e de sua conta bancária)
que permitiu o tratamento eletrônico de dados.”
32 . DE LUCCA, op. cit., p. 28-29. “Seja-nos permitido adiantar, apenas, que a inovação
básica consiste no fato de que o título não vai mais circular materialmente: após a
remessa da LCR-papel ao banco do sacador, todos os dados são transportados para a
fita magnética. O título é conservado em poder do banco sacador. Passa a circular
somente a fita magnética: do banco sacador ao ‘computador da compensação’ do Banco
da França e deste ao banco do sacado. Somente no banco do sacado é que o papel vai
reaparecer: é o estrato da LCR (relevé).”
37 . BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 9.492. Brasília, DF, 10.09.1997. “Art. 8º (...)
Parágrafo único. Poderão ser recepcionadas as indicações a protestos das Duplicatas
Mercantis e de Prestação de Serviços, por meio magnético ou de gravação eletrônica de
dados, sendo de inteira responsabilidade do apresentante os dados fornecidos, ficando a
cargo dos Tabelionatos a mera instrumentalização das mesmas.”
39 . BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 1.572. Autor: Deputado Vicente
Cândido. Brasília, DF, 14.06.2011.
42 . ENEI, José Virgílio Lopes. O caráter supletivo das normas gerais sobre títulos de
crédito: comentários ao art. 903 do novo Código Civil. In: PENTEADO, Mauro Rodrigues
(Coord.). Títulos de crédito: teoria geral e títulos atípicos em face do Novo Código Civil
(análise dos artigos 887 a 903). São Paulo: Walmar, 2004. p. 152-153. “Quer nos
parecer, portanto, que a primeira interpretação – segundo a qual a disciplina geral não
revoga as remissões feitas pelas leis especiais que a precederam – é a que melhor se
afina à lógica dos títulos de crédito e ao sistema vigente.”
43 . LÉVY, Pierre. O que é o virtual. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 2007. p.
15.
Acesso em: 10.09.2013.) Tais números falam por si sós, afastando a alegação de que os
boletos bancários são, de regra, emitidos com intuito fraudulento, como sugere parte da
doutrina: FERNANDES, Jean Carlos. O abuso de direito no protesto de boleto bancário.
Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 28, p. 42-51, out. 2006. p. 45. “Na prática, são
encaminhados grandes volumes de boletos aos cartórios de protesto, sendo todos eles
protestados por simples indicações dos portadores. Que indicações? Se não existe a
duplicata regularmente emitida, enviada ao sacado e por ele retida, como, então,
legitima-se o protesto por indicações? A resposta a tais indagações conflui para uma
mesma direção: ‘falsidade ideológica’.”
47 . É o que Carlos Alberto Rohrmann já defendia, há muitos anos, por ocasião de seus
estudos nos Estados Unidos da América: ROHRMANN, Carlos Alberto. Electronic
promissory notes. Los Angeles: University of California, 1999. p. 90. “More than four
hundred years after the first negotiable instruments, commerce faces new markets
brought to the real world by the ‘online world’. Bringing customers closer and breaking
geographic barriers, e-commerce is a challenge for commercial law. (…) the most
interesting example is how the law will regulate the substitution of paper and written
based documents for electronic documents. (…) This Article proposes a practical and
pragmatic application of digital signature to implement not only the electronic
promissory note but also, its negotiability and circulation.” Mais recentemente:
FIGUEIREDO, Ivanildo. O suporte eletrônico dos títulos de crédito no Projeto do Código
Comercial. In: COELHO, Fábio Ulhoa; LIMA, Tiago Asfor Rocha; NUNES, Marcelo Guedes
(Coord.). Reflexões sobre o Projeto de Código Comercial. São Paulo: Saraiva, 2013. p.
246. “A busca pela desmaterialização integral da duplicata eletrônica será, certamente, o
próximo passo no aperfeiçoamento dos títulos digitais. (...) Sendo a duplicata um título
de crédito causal, que exige a apresentação do comprovante de entrega das mercadorias
ao sacado ou comprador, este fato também pode ser provado eletronicamente, existindo
tecnologia informática apropriada e suficiente para a implantação desse procedimento.”
49 . A não ser que o mercado opte por novamente abreviar esse procedimento, em
alguma(s) de suas etapas, como tem sistematicamente ocorrido ao longo da história das
duplicatas.
50 . A duplicata eletrônica pode ser mais um exemplo de que a evolução dos institutos
jurídicos, numerosas vezes, ocorre em espiral. Ou seja, algo que era extremamente
utilizado vai se modificando, cai em desuso e, anos mais tarde, retorna com nova
roupagem. Osmar Brina descreve muito bem esse fenômeno: CORRÊA-LIMA, Osmar
Brina. Sociedade anônima. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 5. “Na metodologia
em espiral, o mesmo conceito aparece empregado em contextos diferentes, e é, como
que, ‘dilapidado’ aos poucos. Resta-nos um consolo, entretanto. Estudos sérios, recentes
e avançados, publicados pelos professores Gheorghiu e Kruse, das Universidades de
Giessen e de Bremen, na Alemanha, lograram comprovar que o aparelho psíquico
humano possui um mecanismo automático de desambiguização e formação de ordem
autônoma.”
Acesso em: 09.09.2013. p. 309-311. “A idéia que o título ‘poderá’ ser emitido a partir
dos caracteres criados em computador está aquém da própria realidade no Brasil, dado
que as ações escriturais, previstas na Lei de Sociedades por Ações, são documentos que
só existem, efetivamente, no meio eletrônico. (...) A desmaterialização, para ser viável,
deve possuir pelo menos mais vantagens do que desvantagens quanto à sua emissão e
quanto às conseqüências jurídicas que são proporcionadas. Isso porque não seria viável
que todo esforço para inclusão da não cartularidade fosse causar desvantagens maiores
capazes de não fazer prosperar a emissão pela forma eletrônica. Como vantagens,
podem ser citadas: a) preservação de meio ambiente; b) celeridade nos negócios e c)
modernidade e praticidade [ao que acrescento redução de custos]. (...) Como
desvantagens, podem ser citadas: a) falta de regulamentação da assinatura digital
[apesar da existência da Medida Provisória 2.200-2/2001]; b) insegurança e falta de
privacidade e c) o custo elevado para sua implementação [que tende a se reduzir no
futuro].”
53 . BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 5.474. Brasília, DF, 18.07.1968. “Art. 20. As
emprêsas, individuais ou coletivas, fundações ou sociedades civis, que se dediquem à
prestação de serviços, poderão, também, na forma desta lei, emitir fatura e duplicata.”
56 . BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 5.474. Brasília, DF, 18.07.1968. “Art. 13. A
duplicata é protestável por falta de aceite de devolução ou pagamento.
§ 1º Por falta de aceite, de devolução ou de pagamento, o protesto será tirado,
conforme o caso, mediante apresentação da duplicata, da triplicata, ou, ainda, por
simples indicações do portador, na falta de devolução do título. (...)”
“Art. 14. Nos casos de protesto, por falta de aceite, de devolução ou de pagamento, ou
feitos por indicações do portador do instrumento de protesto deverá conter os requisitos
enumerados no artigo 29 do Decreto n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908, exceto a
transcrição mencionada no inciso II, que será substituída pela reprodução das indicações
feitas pelo portador do título.”
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A duplicata virtual e os títulos de crédito eletrônicos
58 . Veja-se a redação revogada: BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 5.474. Brasília, DF,
18.07.1968. “Art. 13. A duplicata é protestável por falta de aceite, de devolução ou de
pagamento:
I – por falta de aceite o protesto será tirado mediante apresentação da duplicata, ou à
vista da triplicata, extraída, datada e assinada pelo vendedor, e acompanhada da cópia
da fatura, ou, ainda mediante apresentação de qualquer documento comprobatório do
recebimento do título pelo sacado além do recibo a que se refere o § 2º do art. 1º, ou de
outro documento comprobatório da entrega da mercadoria; (...)”
59 . Essa particularidade histórica foi muito bem resumida por Paulo Restiffe, ainda que
mencionando equivocadamente o conceito de Vivante: RESTIFFE NETO, Paulo. Novos
rumos da duplicata. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975. p. 4. “É indisfarçável
a progressiva perda de perspectiva das regras e princípios de Direito Cambiário, que
poderiam ser enfeixados na concepção Vivanteana, de títulos de crédito, como o
documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido [sic]. Isto
é, do princípio tradicional nulla executio sine titulo, chegou-se, no auge da eficácia da Lei
n. 5.474, com as modificações introduzidas pelo Decreto-lei n. 436, de 27.1.1969, ao
extremo oposto da execução, mesmo sem a presença da duplicata, suprida (...) pelo
instrumento de protesto tirado por indicações do credor, acompanhado de documento
comprobatório da simples remessa da mercadoria.”
60 . BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 5.474. Brasília, DF, 18.07.1968. “Art. 15. A
cobrança judicial de duplicata ou triplicata será efetuada de conformidade com o
processo aplicável aos títulos executivos extrajudiciais, de que cogita o Livro II do
Código de Processo Civil, quando se tratar:
(...)
61 . BRASIL. Congresso Nacional. Código Penal. Rio de Janeiro, 07.12.1940. “Art. 172 –
Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida,
em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado.
Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrerá aquêle que falsificar ou adulterar a
escrituração do Livro de Registro de Duplicatas.”
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A duplicata virtual e os títulos de crédito eletrônicos
63 . BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma, AgRg. nos ED. no AI. 466.075/DF,
j. 07.04.2003, rel. Min. Massami Uyeda.
Vide, ainda: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma, REsp. 1.037.819/MT, j.
23.02.2010, rel. Min. Massami Uyeda.
64 . ASCARELLI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. Campinas: Servanda, 2009.
p. 61.
65 . ANGELICI, Carlo; FERRI, Giovanni. Manuale di diritto commerciale. 12. ed. Torino:
Utet Giuridica, 2006. p. 638. “La necessità e la sufficienza del documento per la
realizzazione della prestazione sono condizioni indispensabili perché alla circolazione del
documento, e per effetto di questa, consegua la circolazione del diritto alla prestazione
stessa.”
69 . ARANOVICH, op. cit. “A assinatura deve ser real, legítima, verdadeira e do próprio
punho do emitente. No entanto, Newton De Lucca insinua, como já afirmamos, que o
título de crédito eletrônico, nascendo para ele do § 3º do art. 889, o requisito assinatura
‘deve ser tido como suprível’. Isto quer dizer que não precisa existir a assinatura. Esse
absurdo nós não vamos engolir. Só ele pode enxergar tal disposição, admitindo a
possibilidade da inexistência da assinatura nos títulos de crédito. Ali, no Código, ninguém
vê tamanha bobagem. Até alunos iniciantes no Curso de Direito entendem o contrário do
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A duplicata virtual e os títulos de crédito eletrônicos
que aquele autor afirmou. Tal afirmação é insustentável e só é mantida pela vaidade
própria.” Em obra posterior, o mesmo autor reforçou esse posicionamento: COSTA, Wille
Duarte. Títulos de crédito: de acordo com o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey,
2003. p. 422. “É verdade que o Professor Newton De Lucca sugeriu apenas a aplicação
do exemplo francês ao nosso Direito. Mas outros fizeram afirmações como se fossem
verdades, como aconteceu com Celso Barbi Filho, Luiz Emygdio e Fábio Ulhoa Coelho,
que não tiveram o menor cuidado em suas análises, confundindo leitores, analistas e
aplicadores do Direito. Quem tem achado ótimo são as Instituições Financeiras, que só
têm a ganhar com o procedimento. Por isso, elas procuram incentivar tal prática
contrária ao Direito, mas, para elas, ótima para desburocratizar os serviços bancários e
reduzir seus custos.”
71 . COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de empresa. 12. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008. v. 1. p. 469. “Ao admitir o pagamento a prazo de uma venda, o
empresário não precisa registrar em papel o crédito concedido; pode fazê-lo
exclusivamente na fita magnética de seu microcomputador. A constituição do crédito
cambiário, através do saque da duplicata virtual, se reveste, assim, de plena
juridicidade. Na verdade, o único instrumento que, pelas normas vigentes, deverá ser
suportado em papel, nesse momento, é o Livro de Registro de Duplicatas. (...) O crédito
registrado em meio eletrônico será descontado junto ao banco, muitas vezes em tempo
real, também sem a necessidade de papelização. Por via telefônica, os dados são
remetidos aos computadores da instituição financeira, que credita – abatidos os juros
contratados – o seu valor na conta de depósito do empresário. Nesse momento,
expede-se a guia de compensação bancária que, por correio, é remetida ao devedor da
duplicata virtual. De posse do boleto, o sacado procede ao pagamento da dívida, em
qualquer agência de qualquer banco do país. Em alguns casos, quando o devedor tem o
seu microcomputador interligado ao sistema da instituição descontadora, já se dispensa
a papelização da guia, realizando-se o pagamento por transferência bancária eletrônica.”
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A duplicata virtual e os títulos de crédito eletrônicos
74 . DE LUCCA, op. cit., p. 72-73. “É difícil conhecer-se, hoje, a razão pela qual
passou-se a aceitar a simples assinatura, sendo provável, como faz ver Dino Viesi, que
tal aceitação tenha se dado porque os grandes senhores de terras tenham aprendido a
ler e a escrever. (...) Se o problema fosse apenas de segurança, teríamos de utilizar, na
verdade, o sistema hoje prevalecente para os analfabetos que, em termos de
identificação, é positivamente muito mais seguro do que a assinatura. Serve a presente
digressão para mostrar que a concepção de um documento sem assinatura poderá
representar a própria evolução natural dos fatos, não devendo o jurista supor que os
seus conceitos sobre a realidade social sejam imutáveis.”
78 . THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 37. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2001. v. 1. p. 393. “Na definição de Carnelutti, documento é ‘uma
coisa capaz de representar um fato.’ É o resultado de uma obra humana que tenha por
objetivo a fixação ou retratação material de algum acontecimento. Contrapõe-se ao
testemunho, que é o registro de fatos gravados apenas na memória do homem. Em
sentido lato, documento compreende não apenas os escritos, mas toda e qualquer coisa
que transmita diretamente um registro físico a respeito de algum fato, como os
desenhos, as fotografia, as gravações sonoras, filmes cinematográficos, etc. Mas, em
sentido estrito, quando se fala da prova documental, cuida-se especificamente dos
documentos escritos, que são aqueles em que o fato vem registrado através da palavra
escrita, em papel ou outro material adequado.” Vide, ainda: MARINONI, Luiz Guilherme;
ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000. v. 5. t. 2. p. 19. “Documento é toda coisa capaz de representar um
fato. Pode constituir prova documental se for apta a indicar diretamente este fato ou
prova documentada, quando a representação do fato se dê de forma indireta.”
82 . BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 11.419. Brasília, DF, 19.12.2006. “Art. 1º O uso
de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e
transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei.” Aliás, a
tendência à desmaterialização do processo vem se manifestando mundialmente, como
concluíram os anais do XIII Congresso Mundial de Direito Processual: WALKER, Janet;
WATSON, Garry D. New technologies and the civil litigation process Common Law:
general report. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; CALMON FILHO, Petrônio (Coord.). Direito
processual comparado: XIII Congresso Mundial de Direito Processual. Rio de Janeiro:
Forense, 2007. p. 119-151.
84 . NORI, op. cit., p. 40-41. “A assinatura digital não é propriamente uma assinatura
como estamos acostumados a reconhecer uma, mas é meramente a prova através de
procedimento informático da integridade de um arquivo e de sua associação com uma
cifra associada a um certificado. Não há vinculação direta entre a assinatura digital e seu
titular sendo essa relação auferida indiretamente a partir da relação de titularidade entre
o autor da assinatura e o certificado.”
87 . LOMBARDO, Luigi. Profili delle prove civili atipiche. In: CARIOLA, Agatino et alii
(Coord.). Il diritto delle prove. Torino: Giappichelli, 2008. p. 46. “Una prima categoria di
prove da prendere in esame è quella dei nuovi mezzi di riproduzione meccanica del fatto;
prove documentali che solo in apparenza sono atipiche, ma che in realtà costituiscono
una specie con variazioni di corrispondenti prove tipiche.”
92 . Vide, por todos: ROHRMANN, Carlos Alberto. Electronic promissory notes. Los
Angeles: University of California, 1999.
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94 . Assim pensa, por exemplo: SPINELLI, op. cit., p. 198. “Sempre que se transmite um
documento eletrônico ele é duplicado (logo, o documento eletrônico nunca será único),
sendo ingenuidade crer que a transmissão de um documento digital seja equivalente à
tradicional transmissão de uma cártula. Portanto, sendo viável a reprodução do
documento, justamente o que ocorre quando ele é endossado a outrem, tem-se que sua
matriz é exatamente igual ao documento transmitido; inexiste diferença entre o
documento que fica com o endossante e o repassado ao endossatário, salvo a existência
de uma assinatura (digital) a mais, referente ao endosso. Todavia, tal não satisfaz a
necessidade de segurança, essencial à disciplina dos títulos de crédito, visto que, à
medida que o endossante permanece com o documento ‘original’, pode ele também
cobrar o débito do(s) devedor(s) cambiário(s).”
95 . Caminhar em sentido contrário seria fechar as portas para a validação jurídica das
novas tecnologias, como advertiu, com propriedade, Newton De Lucca: DE LUCCA,
Newton. Do título papel ao título eletrônico. Revista de Direito Bancário e do Mercado de
Capitais, v. 60, p. 169-188, abr. 2013. p. 176. “Conclui-se, então, que não existe razão
para a celeuma toda que certa parte da doutrina vem criando em torno da duplicata
escritural. A situação jurídica continua sendo igual à que existe em relação à duplicata
tradicional, igualmente não revestida do atributo da cartularidade enquanto não aceita.”
96 . BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 8.929. Brasília, DF, 22.08.1994. “Art. 19. A CPR
poderá ser negociada nos mercados de bolsas e de balcão.
(...)
I – será cartular antes do seu registro e após a sua baixa e escritural ou eletrônica
enquanto permanecer registrada em sistema de registro e de liquidação financeira;
97 BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 11.076. Brasília, DF, 30.12.2004. “Art. 1º Ficam
instituídos o Certificado de Depósito Agropecuário – CDA e o Warrant Agropecuário –
WA.
§ 1º O CDA é título de crédito representativo de promessa de entrega de produtos
agropecuários, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico, depositados
em conformidade com a Lei n. 9.973, de 29 de maio de 2000.
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§ 1º Os registros dos negócios realizados com o CDA e com o WA, unidos ou separados,
serão atualizados eletronicamente pela entidade registradora autorizada.”
“Art. 21. Para a retirada do produto, o credor do CDA providenciará a baixa do registro
eletrônico do CDA e requererá à instituição custodiante o endosso na cártula e a sua
entrega.
98 . BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 11.882. Brasília, DF, 23.12.2008. “Art. 3º A LAM
será emitida sob a forma escritural, mediante registro em sistema de registro e de
liquidação financeira de ativos autorizada pelo Banco Central do Brasil.
Parágrafo único. A transferência de titularidade da LAM será operada no sistema referido
no caput deste artigo, que será responsável pela manutenção do registro das
negociações.”
“Art. 4º Aplica-se à LAM, no que não contrariar o disposto nesta Lei, a legislação
cambiária.”
99 . BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 1.572. Autor: Deputado Vicente
Cândido. Brasília, DF, 14.06.2011. “Art. 455. O título de crédito emitido em um suporte
pode ser transposto para o outro.”
101 . BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 5.474. Brasília, DF, 18.07.1968. “Art. 9º (...)
§ 1º A prova do pagamento é o recibo, passado pelo legítimo portador ou por seu
representante com podêres especiais, no verso do próprio título ou em documento, em
separado, com referência expressa à duplicata.”
102 . Funcional no sentido de que se preocupa mais com a função do instituto e de sua
aptidão para realizá-la do que com a nomenclatura que se lhe atribua ou o procedimento
utilizado para realizar tal função, como paradigmaticamente tratado na seguinte obra:
KRAAKMAN, Reinier et alii. The anatomy of corporate law: a comparative and functional
approach. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2009. p. 4. “Our analysis is ‘functional’
in the sense that we organize discussion around the ways in which corporate laws
respond to these problems, and the various forces that have led different jurisdictions to
choose roughly similar – though by no means always the same – solution to them.”
103 . BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 5.474. Brasília, DF, 18.07.1968. “Art. 15. A
cobrança judicial de duplicata ou triplicata será efetuada de conformidade com o
processo aplicável aos títulos executivos extrajudiciais, de que cogita o Livro II do
Código de Processo Civil, quando se tratar:
(...)
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(...)
Entendimento que prevaleceu no STJ até alguns anos atrás: BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça. 3ª Turma, REsp. 953.192/SC, j. 07.12.2010, rel. Min. Sidnei Beneti.
105 . ROCHA FILHO, José Maria. Curso de Direito Comercial: parte geral. 3. ed. Belo
Horizonte: Del Rey. 2004. p. 152. “(...) à vista da responsabilidade ilimitada do titular,
tanto faz ele assinar a firma ou razão ou assinar seu próprio nome, como faz na carteira
de identidade, por exemplo. Por isso até, nem mesmo as Juntas Comerciais, com a
orientação do DNRC, vêm exigindo o lançamento da firma ou razão individual nos
documentos a ela submetidos. É uma regra, pois, em desuso e fadada a desaparecer.”
68 . ARANOVICH, Eduardo Dorfmann. Duplicata sem aceite: título de crédito que está
perdendo seu valor. Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 13, p. 90-97, jan. 2003. p.
96-97. Vide, ainda: COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito eletrônicos. Revista da
Faculdade de Direito Milton Campos, Belo Horizonte, ano 1, n. 1, 1994. “[O boleto
bancário] não pode ser considerado duplicata, já que a duplicata tem, por força de lei,
modelo próprio. Então, o estabelecimento de outro modelo para a duplicata, diferente do
oficial, é absurdo e é abusivo. (...) Então, não há como falar e admitir
duplicata-eletrônica, duplicata-escritural, duplicata-virtual e outras, pois seu aspecto
formal e o seu nome não podem ser modificados sem determinação legal.”
77 . DOCUMENTO. In: DICIONÁRIO Eletrônico Houaiss. São Paulo: Objetiva, dez. 2001.
versão 1.0.
100 . BARBI FILHO, Celso Agrícola. A duplicata mercantil em juízo. Rio de Janeiro:
Forense, 2005. p. 37-40. No mesmo sentido: DE LUCCA, Newton. Do título papel ao
título eletrônico. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 60, p.
169-188, abr. 2013. p. 176. “Para mim, o direito positivo brasileiro, graças à
extraordinária invenção da duplicata, encontra-se suficientemente aparelhado para, sem
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