Renata Sales de Moraes Borges
Renata Sales de Moraes Borges
Renata Sales de Moraes Borges
PUC-SP
PROPOSTA DE FORMAÇÃO
FORMADORES
SÃO PAULO
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
PROPOSTA DE FORMAÇÃO
FORMADORES
SÃO PAULO
2015
Banca Examinadora:
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________________________________
Dedico este trabalho a todos os profissionais
da Educação que, direta ou indiretamente,
colaboram com o processo de formação de
pessoas para as quais a escola é a única
oportunidade de mudança. E aos professores,
aos quais admiro a cada dia, pois descubro
que, cada um a seu modo, dá o máximo de si
frente a tantas barreiras existentes no caminho.
E eu me incluo e me orgulho de fazer parte
desta classe tão desvalorizada e, ao mesmo
tempo, tão guerreira. Deixo aqui minha gratidão
a todos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais Pedro e Maria Inês, os quais, mesmo com
pouca escolarização, mostraram-me que o sucesso só viria através dos
estudos.
Paulo Freire
BORGES, Renata Sales de Moraes. DESAFIOS AO EDUCADOR NA
TRANSIÇÃO DO QUINTO PARA O SEXTO ANO NAS ESCOLAS PÚBLICAS
DO ESTADO DE SÃO PAULO: UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO. Trabalho
Final. Mestrado Profissional em Educação: Formação de Formadores. PUCSP,
2015.
RESUMO
Este estudo aborda a transição dos alunos do quinto para o sexto ano do
ensino fundamental, considerando as expectativas em relação a esta realidade
escolar, para demonstrar aos professores que atuam com esses grupos a
necessidade de adotar uma postura profissional apoiada em uma formação
diferenciada, pois esta transição ainda pode ser caracterizada por suas
rupturas e descontinuidades no trabalho pedagógico. Nesse sentido, a
pesquisa tem por objetivo geral: construir uma proposta de formação
continuada, a ser desenvolvida junto a professores do ensino fundamental II,
refletindo sobre a passagem dos alunos do quinto para o sexto ano. E por
objetivos específicos: Enumerar as dificuldades que os professores vivenciam
na relação com os alunos do sexto ano; Identificar as características dos
alunos, que são desejáveis para os professores dos anos iniciais do ensino
fundamental II; Refletir sobre os processos de mudança necessários à
reconstrução da relação professor-aluno. A investigação foi desenvolvida na
forma de pesquisa bibliográfica e documental, e apoiou-se na consulta aos
professores do sexto ano de uma escola da rede estadual de ensino, pela
aplicação de um questionário, para a construção da proposta de formação
continuada. A pesquisa permitiu revelar, ao longo do processo, que vários são
os fatores que, diretamente ou indiretamente, influenciam essa transição do
quinto para o sexto ano, tanto para os alunos como para os professores que os
recebem. Um aspecto, porém se destacou entre os demais: o aluno está
sozinho nessa passagem, porque ela não é entendida como um novo espaço
no processo de escolarização. As crianças, na maioria das vezes, sentem e
sofrem em silêncio, ou se defendem de forma inadequada, porque se trata de
uma transição invisível e desconhecida por seus professores.
ABSTRACT
This study discusses the transition of students from the fifth to the sixth grade of
elementary school, considering the expectations in relation to this reality, to
demonstrate to teachers who work with these groups the need to adopt a
professional stance based on a differentiated formation, since this transition can
still be characterized by its ruptures and discontinuities in the pedagogical work.
In this sense, the research aims to: build a proposal for continuing education, to
be developed along the teachers of elementary school II, reflecting on the
passage of pupils from the fifth to the sixth grade. And specific objectives:
Enumerating the difficulties teachers experience in relationship with the
students of the sixth grade; Identify the characteristics of the students, which
are desirable for teachers from early years of elementary school II; Reflect on
the processes of change necessary for the reconstruction of teacher-student
relationships. The investigation was developed in the form of bibliographic and
documentary research, and supported in consultation with professors in the
sixth year of a school in the State schools, by the application of a questionnaire,
to the construction of the proposed continuing education. The research has
revealed, throughout the process, that there are several factors that, directly or
indirectly, influence the transition from the fifth to the sixth grade, both for
students and for teachers who receive them. One aspect, however, stood out
among the others: the student is alone in this passage, because it is not
understood as a new space in the process of schooling. The children, most of
the time, feel and suffer in silence, or defend themselves inappropriately
because it is a transition invisible and unknown by their teachers.
Keywords: transition from the fifth to the sixth year; continuing education;
affectivity; elementary school.
LISTA DE ABREVIATURAS
Paulo
Quadro 4: Especialização............................................................................. 48
escolar .......................................................................................................... 78
Introdução .................................................................................................... 13
Referências .................................................................................................. 61
Apêndices..................................................................................................... 66
13
INTRODUÇÃO
A escola onde trabalho atingiu a meta estipulada nos anos de 2007, 2008 e
2009. Depois disso, não conseguiu mais alcançar os índices pré-determinados
e passou a integrar um rol de escolas consideradas prioritárias; o que significa
que essas unidades ainda não conseguiram evoluir, em relação aos resultados
de aprendizagem e devem permanecer nessa situação até encontrarem
caminhos para estimular a aprendizagem de seus alunos e atingir os resultados
recomendados.
1
SARESP - Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo é uma prova aplicada
anualmente, desde 1996, pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP) para avaliar o
Ensino Básico na rede estadual.
15
E essa questão não aparece apenas nessa escola, nem é problema recente na
história da educação escolar, no Brasil. Segundo Dias-da-Silva (1997), a quinta
série2, historicamente, concretiza a ruptura entre "primário" e "ginásio", nas
concepções bacharelescas do ensino elementar. É a série que centraliza as
maiores dificuldades de trabalho para os professores do ensino fundamental, e
que vem sendo apontada como uma das maiores entraves, no sistema
educacional. Nesta série, no ensino fundamental de oito séries, que prevaleceu
até 2008 no estado de São Paulo, ocorre uma síntese da ruptura, que
concretiza no dia-a-dia da escola a negação do direito à escolaridade
elementar de nove anos a todo cidadão brasileiro.
2
A quinta série corresponde ao sexto ano. O ensino fundamental era constituído por oito séries. A partir
de 2004, com previsão de modificação total até 2010, o ensino fundamental passou a ser formado por
nove anos. (http://portal.mec.gov.br/ensino-fundamental-de-nove-anos)
17
que determina que, muitas vezes, eles apenas reproduzam o fracasso escolar.
Dessa forma, para que este estudo se efetive, é necessário deixar claro a
minha identidade profissional: sou professora e respeito os professores.
Valorizo o meu trabalho, o trabalho de cada um deles e a escola onde atuo.
Além disso, reconheço que é muito comum, nos dias de hoje, afirmar que a
escola deve proporcionar formação integral (intelectual, afetiva e social) às
crianças, uma idéia presente entre os educadores desde o início do século XX,
e ainda bem longe de ser concretizada. E, no entanto, os professores ainda
não se reconhecem como profissionais capazes e responsáveis por esta
formação integral e nem desfrutam de condições de trabalho para realizá-la.
CAPÍTULO 1
REVISÃO DA LITERATURA
Introdução
E, ampliando a busca para o Google, foi possível observar que esse tema foi
abordado por Scandelari (2008), em um artigo denominado “As reflexões em
torno do processo da passagem dos alunos da 4ª para a 5ª série do ensino
fundamental”, que teve como principal objetivo abordar a questão da transição
dos alunos da 4ª para a 5ª série do ensino fundamental II, no que se refere às
expectativas em relação a esta nova realidade escolar, com a intenção de
compreender porque esta passagem é apresentada como um momento de
dificuldades, e não de alegrias, e de fragilidade no desempenho escolar. Essa
transição, segundo a autora, exige dos alunos uma adaptação à nova série
que, por ter uma organização bem diferente das anteriores, pode se dar de
forma mais ou menos conturbada dependendo do trabalho pedagógico que
seja desenvolvido pelos professores envolvidos nesse processo.
Estes conflitos ocasionam outro problema: a falta dos professores, pois eles
acabam desistindo das aulas em qualquer época do ano e, até que a
Secretaria de Educação encaminhe um substituto, os alunos ficam sem aula de
uma ou mais disciplinas. Esta desorganização contribui para deixar os alunos
mais acomodados e sem vontade de estudar.
Entre esses conflitos diários, a indisciplina foi o problema mais apontado por
professores da quinta série. Para eles, os alunos vindos da quarta série
sentem-se muito livres e soltos na quinta série, o que os faz mais
indisciplinados. Por não terem mais a vigilância de uma única professora, como
acontecia na quarta série, muitos alunos comportam-se como se não tivessem
limites. Na verdade, desconhecem as regras escolares dessa nova escola e
percebem cedo a heterogeneidade didática e de pessoas entre seus novos
professores. Assim, vão descobrindo que há professores que lhes dão maior ou
menor liberdade em sala de aula e com os quais se relacionam de forma
melhor ou pior.
A pesquisa que deu origem à obra analisada foi realizada por Dias-da-Silva
como tese de doutorado denominada “O professor como sujeito do fazer
docente: a prática pedagógica nas quintas séries”, defendida na Universidade
de São Paulo, em 1992, e não localizada em versão digital. A autora também é
citada por Andrade (2011) e por Hauser (2007) nos trabalhos analisados.
e expectativa social, faz com que o aluno tenha que lidar com a dor que esse
crescimento pode trazer.
CAPÍTULO 2
Introdução
Para caracterizar com mais clareza a questão central desta pesquisa, parece
necessário realizar uma retrospectiva histórica, no sentido de buscar a provável
origem dos problemas que marcam a fase transitória do quinto para o sexto
ano do ensino fundamental. E, ao mesmo tempo, investigar possibilidades
pedagógicas que ofereçam caminhos para a superação dessas dificuldades e
rupturas.
E, nesse processo, foi possível recuperar aquele que parece ser um dos pontos
iniciais da reorganização da educação no Brasil, na segunda metade do século
XX. Após o suicídio do presidente Getúlio Vargas em 1954, as eleições foram
vencidas pela dupla Juscelino Kubitschek de Oliveira e João Goulart,
respectivamente Presidente e Vice-Presidente, que elaboraram um programa
de governo que objetivava promover o intenso progresso do país. (RIBEIRO,
1991)
Parece possível afirmar que, no período de 1955 a 1961 e ainda nos anos
seguintes até 1964, houve a diversificação das atividades econômicas, com a
criação de novos empregos, em quantidade e qualidade, e a intensa
exploração da mão de obra, como forma de acumulação. Em outras palavras,
este foi o período em que a sociedade brasileira identificou a criação de um
novo grupo profissional, composto por dirigentes brasileiros de empresas
estrangeiras, engenheiros, advogados, relações públicas, cujos interesses
estavam intimamente relacionados aos grupos estrangeiros. (RIBEIRO, 1991)
E determina, no Art. 18, que o ensino de 1º grau tenha a duração de oito anos
letivos, abrangendo os cursos primários e ginasiais da legislação anterior. No
entanto, ao ampliar o 1º grau, de quatro para oito anos letivos, o governo
estabeleceu para si, em termos de escola pública, uma obrigação ainda mais
difícil de ser cumprida. (BRASIL, 1971)
Desse modo, a seriação deu lugar ao regime de ciclos, uma idéia muitas vezes
reformulada ao longo do tempo, que efetivamente ainda não conseguiu superar
as permanências do sistema educacional brasileiro. Desse processo, apenas o
ciclo básico, com duração de dois ou três anos, e como objetivo de propiciar
maiores oportunidades de escolarização, em especial, para a alfabetização
efetiva das crianças, pareceu obter sucesso.
Diante disso, parece possível afirmar, mais uma vez, que os interesses da
reorganização das escolas da rede estadual se definia muito mais em função
da ordem política e econômica, do que da educacional ou pedagógica.
Após refletir sobre os fatos históricos que parecem indicar a origem da questão
em análise, ou seja, os desafios que a transição do quinto para o sexto ano do
ensino fundamental impõe ao professor torna-se necessário analisar os
aspectos pedagógicos relacionados ao tema.
Wallon foi um dos primeiros teóricos a levar não só o corpo da criança, mas
também suas emoções para dentro da sala de aula. Fundamentou suas idéias
em quatro elementos básicos, que se comunicam o tempo todo: a afetividade,
o movimento, a inteligência e a formação do eu como pessoa. As emoções,
para ele, têm papel preponderante no desenvolvimento da pessoa. É por meio
38
delas que o aluno exterioriza seus desejos e suas vontades. Em geral, são
manifestações que expressam um universo importante e perceptível, mas
pouco estimulado pelos modelos tradicionais de ensino. (WALLON, 2007)
Henri Wallon nasceu no final do século XIX em Paris, cidade onde passou toda
a sua vida. Ingressou na Escola Normal Superior em 1899 e formou-se em
filosofia, tornando-se, em seguida, professor efetivo do ensino secundário.
Depois, cursou medicina com o objetivo de tornar-se neuropsiquiatra e
psicólogo, pois na época os estudos médicos eram atrelados aos estudos da
psicologia, nos quais o funcionamento corporal era determinante. (WALLON,
1998)
Sendo assim, é pela emoção que o organismo se liga ao social. Em que pese o
papel importante da emoção na constituição do individuo, ela está entrelaçada
com os conjuntos motor e cognitivo. Wallon pode ser, pois, mais
acertadamente, caracterizado como psicólogo da integração.
meios e grupos para que ele possa exercitar suas possibilidades e desenvolver
suas ações; reconhecendo que o processo da educação deve tender para a
autonomia. (DANTAS, 1990)
Cabe ainda lembrar que a escola é uma instituição social que assume múltiplos
papéis na continuidade da socialização dos alunos. A cultura da escola, tanto
pela via dos conteúdos explícitos que veicula, como pelo currículo oculto que
corre paralelo ao explicito, impõe mecanismos sutis para incutir valores e
modelar comportamentos. Compreender a criança como uma pessoa completa,
integrada, contextualizada, é o caminho para garantir que a escola seja
promotora de inclusão, e não exclusão social.
E como fica a formação dos professores? Wallon argumenta que esta formação
deve levar em conta: o conhecimento do conteúdo e de sua melhor forma de
apresentação; o conhecimento das etapas de desenvolvimento e das
diferenças individuais; a aquisição do sentido pedagógico, não por simples
rotina, mas pela experiência, reduzindo-a a preceitos ou princípios.
45
CAPÍTULO 3
CAMINHOS DA PESQUISA
Introdução
Com base no que apontam Ludke e André (1986), por meio da observação é
possível investigar como se constroem as relações entre os professores e os
alunos dos sextos anos: suas facilidades e dificuldades, características
peculiares, entre outros. Segundo as autoras, nos estudos da pesquisa
qualitativa,
Quadro 2: Idade.
Idade Freqüência
Entre 20 e 30 anos 02
Entre 31 e 40 anos 03
Entre 41 e 50 anos 03
Mais de 51 anos -
Total 08
Quadro 3: Graduação
Graduação Freqüência
Uma 04
Duas ou mais 04
Total 08
Quadro 4: Especialização
Especialização Freqüência
Sim 06
Não 02
Total 08
Quadro 5: Aperfeiçoamento
Aperfeiçoamento Freqüência
Sim 06
Não 02
Total 08
A questão 10, Você gostaria de participar de uma ação formadora com foco
nos sextos anos? pretendia diagnosticar o nível de interesse das professoras
em participar de um curso de formação direcionado exclusivamente a este
público, ou seja, professores que ministram aula no sexto ano do ensino
fundamental. Apenas uma professora respondeu negativamente. Ao responder
Sim, as professoras foram convidadas a indicar o assunto que consideram
necessário para a sua formação. Foram mencionados os seguintes temas:
Alfabetização (três menções); Letramento (duas menções); Disciplina; Como
inserir a matemática deixando-a significativa; Cursos de aperfeiçoamento;
Formação Continuada.
51
Essas respostas permitem afirmar que as professoras não têm muita clareza
sobre os objetivos de seu trabalho com os alunos do sexto ano, pois diante da
possibilidade de realizar uma formação, que deveria auxiliar a melhorar a
qualidade de sua ação junto a esse grupo em particular, parece que elas não
conseguem visualizar o aluno como um todo, de uma forma global, e suas
reivindicações permanecem fragmentadas, privilegiando aspectos não
diretamente relacionados às dificuldades que enfrentam com os alunos do
sexto ano.
Por fim, quatro professoras indicam o sábado como melhor opção para a
realização da formação continuada; duas indicam a noite, uma marcou três
alternativas (manhã, tarde, sábado); e outra não respondeu.
O autor ressalta ainda que não se trata apenas de uma formação como
aquisição de um conjunto de técnicas e procedimentos, mas que ela tem uma
53
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora seja sempre necessário ter um olhar cuidadoso para essa questão, foi
possível perceber a interligação de uma série de variáveis que se interpõem
continuamente nessas relações entre professor e alunos, determinando
situações de causa e efeito; uma vez que se organizam muitas vezes com base
nas expectativas dos professores e na influência que elas exercem sobre os
seus depositários, ou seja, os alunos.
Esse fato ligado a outras circunstâncias, tais como a importância dada pelo
aluno à opinião do professor, a percepção do aluno sobre o controle de sua
aprendizagem, a valorização das atividades escolares e sua auto valorização,
que se expressa no reconhecimento de sua capacidade para a realização das
atividades escolares, constituem variáveis que podem contribuir para que
essas expectativas se cumpram. O fato sabido é que, quando se espera pouco
ou quase nada de uma situação, investimos menos energia em sua realização.
Por outro lado, também é observável que o espaço de sala de aula nem
sempre permite a ocorrência de uma interação eficiente e que os alunos nem
sempre têm a oportunidade de corrigir uma imagem falsa que o professor
eventualmente construa a seu respeito. E desse desentendimento inicial
podem surgir muitos outros numa cadeia interminável.
58
E Wallon (2007), por sua vez, afirma que, para a criança, só é possível viver
sua infância. Conhecê-la compete ao adulto. Contudo, o que irá predominar
nesse conhecimento, o ponto de vista do adulto ou o da criança?
Outra atitude, ainda segundo Wallon (2007), seria observar a criança em seu
desenvolvimento, tomando-a como ponto de partida, e seguindo-a no curso de
suas sucessivas idades e estudando os estágios correspondentes, sem
submetê-los à censura prévia de nossas definições lógicas. Para quem olha
cada um dos estágios em sua totalidade, a sua sucessão pode parecer
descontínua; a passagem de um para o outro não corresponde a uma simples
amplificação, mas indica um remanejamento. Ou seja, atividades
preponderantes no primeiro estágio são aparentemente reduzidas ou, às
vezes, suprimidas no seguinte. Entre os dois, parece se abrir uma crise, que
pode afetar visivelmente a conduta da criança. Portanto, conflitos pontuam o
crescimento, como se fosse preciso escolher entre um tipo antigo e um tipo
novo de atividade. A atividade que se vê submetida à lei da outra tem de se
transformar, perdendo em seguida seu poder de reger de maneira útil o
comportamento do sujeito. Mas o modo como o conflito se resolve não é
absoluto nem necessariamente uniforme em todos os sujeitos, e deixa em cada
um a sua marca.
Por fim, é preciso lembrar continuamente que o sexto ano corresponde a uma
passagem, porém uma passagem arriscada, para a qual professores e alunos
se mostram desesperados e desamparados. Aqueles que sobrevivem ao
turbilhão agarram-se com todas as forças a suas próprias experiências e
tentam incessantemente ajudar aqueles que se perdem no meio do caminho.
Trata-se de uma passagem sem ponte, uma ruptura e não um processo.
No entanto, desejo que, com o passar do tempo e com essas mudanças que se
anunciam a cada dia no sistema de ensino, o tema desta pesquisa se torne
finalmente obsoleto e que a transição deixe de ser um problema para ser uma
passagem natural entre os anos escolares. E que, diferentemente do que vem
ocorrendo há décadas, o sexto ano deixe de ser um desafio para professores e
alunos. No entanto, essa certeza só pode ser construída ao longo do tempo e
com a realização contínua de trabalhos de intervenção e de formação
continuada.
61
REFERÊNCIAS
FREIRE, P. Educação e Mudança. 31ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
APÊNDICE 1
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Abrindo as cortinas... Quinta série: Caos aparente que, “se pudesse, nenhum
professor pegava!”
Foi neste cenário que resolvi abrir as cortinas e inscrever-me no III Seminário Olhares
e Perspectivas Espaços para Emancipação, realizado pela Diretoria de Ensino região
Norte 2.
Quando comecei a preparar o material, ficava olhando fixamente para ele e pensando
se aquele era o caminho certo. O motivo que me levava a este questionamento era
muito simples: eu pensava se a fase transitória do 5º para o 6º ano seria um problema
que causava inquietação somente em mim ou em outros educadores também.
Chegou a minha vez. Quando comecei a falar, estava muito ansiosa e apreensiva.
Primeiramente, falei um pouco sobre o meu “problema”, tentei deixar o mais claro
67
Naquele momento, percebi que atraía a atenção também dos menos dispostos ou
atentos. Quem estava debruçado sobre a cadeira mudou de posição, demonstrando
atenção e até mesmo aqueles que já estavam com a bolsa na mão, esperando o
melhor momento para “escapar”, começaram a se interessar pelo assunto. Os
participantes faziam movimentos de aprovação com a cabeça a cada fala.
Eu não tinha muito tempo, apenas quinze minutos, mas que foram de uma riqueza
inimaginável. Falei um pouco sobre as pesquisas que já foram desenvolvidas sobre
este assunto, me baseando nos referenciais teóricos, fiz um breve panorama das
características emocionais, comportamentais e psicológicas da faixa etária de 10 a 12
anos e fiz o fechamento, deixando claro que a intenção da minha pesquisa é elaborar
uma proposta de formação para professores do Ensino Fundamental II.
Fiquei muito surpresa com a reação das pessoas. Algumas se dirigiram até mim para
me cumprimentar, outras se dirigiram até o diretor da escola em que trabalho para
cumprimentá-lo e dizer que ele estava muito bem assessorado. Um participante me
pediu que enviasse alguns textos, que lhe ajudassem a se informar um pouco mais
sobre o assunto e uma PCNP (Professor Coordenador do Núcleo Pedagógico) me
convidou para fazer outra apresentação, na semana seguinte, para um grupo de
professores de matemática do Ensino Fundamental II. Aceitei na hora, é claro, pois
representava mais um desafio.
Na semana seguinte, fui novamente à Diretoria de Ensino Norte 2 para mais uma
apresentação. Logo de inicio, o que mais me chamou a atenção é que o título do curso
de formação para aquele grupo era: “O desafio do educador na fase transitória do
quinto para o sexto ano”. Fiquei feliz, embora um pouco enciumada.
Quando me deparei com o grupo, confesso que senti certo medo, porque estas
formações oferecidas pela Diretoria de Ensino são impostas para os professores da
rede. Ou seja, todas as escolas são obrigadas a mandar um professor daquela
disciplina solicitada e a maioria vai contra a vontade porque já possuem a
representação, na forma de um discurso pronto, de que aquelas formações não
acrescentam nada. Então, os professores já chegam com “cara de poucos amigos”.
68
Pensei em começar apresentando meu problema, mais com o olhar situado no ponto
de vista do professor, procurando ser imparcial, mas mostrando que as dificuldades
em sala não são privilégio de alguns, ocorrem com a maioria. Na verdade, foi uma
tentativa de provocar o grupo e despertar a sua atenção para o assunto. E foi uma
tentativa acertada, porque os professores começaram a se movimentar nas cadeiras,
fazendo sinais de aprovação com a cabeça em cada fala ou slide apresentado.
Quando estava próximo do final do tempo, a PCNP pediu a palavra e disse que
precisaria interromper, pois precisava cumprir a pauta preparada. Um professor a
interrompeu e disse: “vocês vivem chamando a gente aqui para nada, hoje que tem
uma pessoa com um assunto tão interessante, vocês querem parar por causa de uma
pauta? Pelo amor de Deus né?” Em seguida, esse professor se dirigiu a mim e disse:
Para finalizar a apresentação, deixei claro para o grupo que o meu objetivo é discutir
alternativas para a prática docente no 6º ano, para possibilitar a superação dessa
ruptura. Todos se mostraram extremamente interessados em participar de uma
possível formação, mesmo que ela ocorra fora do horário de trabalho.
APÊNDICE 2
QUESTIONÁRIO
APÊNDICE 3
PLANO DE ENSINO
Objetivo de ensino:
Específicos:
Compartilhar com as professoras consultadas a análise da entrevista.
Analisar os temas, que serão trabalhados e considerar sua pertinência.
Refletir sobre as relações interpessoais e a valorização do professor.
Analisar as características do aluno ideal e do aluno real.
Refletir sobre afetividade e inteligência com base nas idéias de Wallon.
Retomar aspectos relevantes da história da educação escolar, no Brasil.
Avaliar o trabalho realizado e projetar seus desdobramentos.
Avaliar uma situação escolar.
Refletir sobre a relação professor/aluno.
Avaliar o processo de formação e auto avaliar-se nesta experiência.
Conteúdos de ensino:
Teorias Psicogenéticas.
História da Educação.
Teoria de Henri Wallon.
Avaliação Educacional.
Prática docente e cotidiano escolar.
71
APÊNDICE 4
Para que alguém se veja como profissional, é preciso que tenha a oportunidade de ser
reconhecido como tal, inclusive no seu processo de formação.
APÊNDICE 5
As relações interpessoais
Será que a forma com que professores e alunos atualmente se relacionam na maioria
das escolas é coerente com o desenvolvimento de competências para lidar com a
diversidade e o conflito de idéias, com as influências das culturas e com os
sentimentos e emoções presentes nas relações o sujeito consigo mesmo e com o
mundo?
Existe uma assimetria natural existente nas relações escolares em virtude dos
diferentes interesses e responsabilidades dos atores e atrizes da instituição escolar,
mas isso não justifica o autoritarismo que reina na maior parte das escolas. Como
exemplo de tais situações, lembramos que na maioria das instituições as regras são
estabelecidas exclusivamente pelos adultos, e a cobrança de seu cumprimento é feita
por meio de instrumentos autoritários à disposição de professores, como as
avaliações, a humilhação pública, e os gritos; o conhecimento abordado é geralmente
imposto aos estudantes a partir de interesses alheios às suas necessidades e de
maneira bem autoritária; o respeito cobrado pelos adultos é unilateral, uma vez que a
recíproca não aparece, ou seja, o adulto geralmente não precisa respeitar os
sentimentos e desejos de alunos e alunas.
APÊNDICE 6
APÊNDICE 7
Afetividade e Inteligência
A afetividade, nesta perspectiva, não é apenas uma das dimensões da pessoa: ela é
também uma fase de desenvolvimento, a mais arcaica. O ser humano foi, logo de saiu
da vida puramente orgânica, um ser afetivo. Da afetividade diferenciou-se, lentamente,
a vida racional. Portanto, no início da vida, afetividade e inteligência estão
sincreticamente misturadas, com o predomínio da primeira.
A sua diferenciação logo se inicia, mas a reciprocidade entre os dois
desenvolvimentos se mantém de tal forma que as aquisições de cada uma repercutem
sobre a outra permanentemente. Ao longo do trajeto, elas alternam preponderâncias, e
a afetividade reflui para dar espaço à intensa atividade cognitiva assim que a
maturação põe em ação o equipamento sensório-motor necessário à exploração da
realidade.
A partir daí, a história da construção da pessoa será constituída por uma sucessão
pendular de momentos dominantemente afetivos ou dominantemente cognitivos, não
paralelos, mais integrados. Cada novo momento terá incorporado as aquisições feitas
no nível anterior, ou seja, na outra dimensão. Isto significa que a afetividade depende,
para evoluir, de conquistas realizadas no plano da inteligência, e vice-versa.
A idéia de fases do desenvolvimento da inteligência é bastante familiar; bem menos
comum é a noção de etapas da afetividade, fora da psicanálise, onde ela se aplica a
uma sexualidade que se desenvolve à margem da racionalidade. Aqui existe a
suposição de que ela incorpora de fato as construções da inteligência, e, por
conseguinte tende a se racionalizar. As formas adultas de afetividade, por esta razão,
podem diferir enormemente das suas formas infantis.
No seu momento inicial, a afetividade reduz-se praticamente às suas manifestações
somáticas, vale dizer, é pura emoção. Até ai, as duas expressões são intercambiáveis:
trata-se de uma afetividade somática, epidérmica, onde as trocas afetivas dependem
inteiramente da presença concreta dos parceiros.
Depois que a inteligências construiu a função simbólica, a comunicação se beneficia,
alargando o seu raio de ação. Ela incorpora a linguagem em sua dimensão semântica,
primeiro oral, depois escrita. A possibilidade de nutrição afetiva por estas vias passa a
se acrescentar as anteriores, que se reduziam à comunicação tônica: o toque e a
entonação de voz. Instala-se o que se poderia denominar de forma cognitiva de
vinculação afetiva. Pensar nesta direção leva a admitir que o ajuste fino da demanda
às competências, em educação, pode ser pensado como uma forma muito requintada
de comunicação afetiva.
Em seu último grande momento de construção, a puberdade, retorna para o primeiro
plano um tipo de afetividade que incorporou a função categorial (quando esta se
construiu evidentemente). Nasce então aquele tipo de conduta que coloca exigências
racionais às relações afetivas: exigências de respeito recíproco, justiça, igualdade de
direitos, etc. Não atendê-las tende a ser percebido como desamor; o que ocorre
freqüentemente entre adolescentes e seus pais, quando estes persistem em alimentá-
los com um tipo de manifestação que não corresponde mais às expectativas da sua
nova organização afetivas.
Enfrentando o risco do esquematismo, falaríamos então em três grandes momentos:
afetividade emocional ou tônica; afetividade simbólica e afetividade categorial: o
qualitativo corresponde ao nível alcançado pela inteligência na etapa anterior.
77
APÊNDICE 8
APÊNDICE 9
Wallon atual
APÊNDICE 10
O filme “Pink Floyd - The Wall” foi produzido no ano de 1982 pelo diretor britânico Alan
Parker, baseado no álbum The Wall, da banda Pink Floyd. O roteiro foi escrito pelo
vocalista e baixista da banda, Roger Waters. O roteirotem poucos diálogos, um sentido
metafórico e apresenta as músicas de fundo sendo interpretadas com seqüências de
animação, dirigidas pelo cartunista político Gerald Scarfe.
No filme, Pink é um roqueiro, que apresenta um comportamento depressivo. Começa
o filme em um quarto de hotel, que acabou de devastar, ao som de Vera Lynn
cantando "The Little Boy that Santa Claus Forgot". Mais à frente, o filme apresenta
cenas de escola, nas quais o protagonista é humilhado por compor poemas ("The
Happiest Days of Our Lives") - as letras de "Money", de The Dark Side of the Moon -
quando pensar em se rebelar ("Another Brick In The Wall (Part II)").
Entre várias situações de sofrimento e depressão, julgamento e humilhação, ofilme
trata da construção de um "muro" imaginário, que representa os obstáculos a serem
derrubados ao longo da vida das pessoas. Numa visão geral, o tema central do filme é
a decadência de um músico, provocada pela depressão e pelo abuso de alucinógenos,
decorrentes da sofrida infância de Pink, que viveu durante regimes e guerras.
APÊNDICE 11
A Criança e o Adulto
de seu meio e de sua época. Por outro lado, caso aconteça de ele reconhecer que os
modos da criança são especificamente diferentes dos seus, não lhe resta alternativa
senão considerá-los uma aberração. Aberração constante, sem dúvida, e nesse
sentido tão necessária, tão normal quanto seu próprio sistema ideológico; aberração
cujo mecanismo é preciso demonstrar.
Outra atitude poderia constituir em observar a criança em seu desenvolvimento,
tomando-a como ponto de partida, em segui-la no curso de suas sucessivas idades e
em estudar os estágios correspondentes, sem submetê-los à censura prévia de
nossas definições lógicas. Para quem olha cada um em sua totalidade, a sucessão
deles parece descontínua; a passagem de um para o outro não é uma simples
amplificação, mas um remanejamento; atividades preponderantes no primeiro são
aparentemente reduzidas ou às vezes suprimidas no seguinte. Entre os dois, muitas
vezes parece abrir-se uma crise que pode afetar visivelmente a conduta da criança.
Portanto, conflitos pontuam o crescimento, como se fosse preciso escolher entre um
tipo antigo e um tipo novo de atividade. A atividade que se vê submetida à lei da outra
tem de se transformar, perdendo em seguida seu poder de reger de maneira útil o
comportamento do sujeito. Mas o modo como o conflito se resolve não é absoluto nem
necessariamente uniforme em todos os sujeitos, e deixa em cada um a sua marca.
Alguns desses conflitos foram resolvidos pela espécie, ou seja, o mero fato de crescer
leva o individuo a revê-los. Para tomar um exemplo, o sistema motor do homem
apresenta uma estratificação de atividades cujos centros estão escalonados no eixo
do cérebro-espinhal na ordem de seu aparecimento durante a evolução. Essas
atividades entram em jogo sucessivamente durante a primeira infância, mais ou menos
da forma como poderão se integrar nos sistemas que se seguiram a elas e que as
modificaram, de modo que seu exercício isolado produz apenas efeitos parciais e em
geral inúteis.
APÊNDICE 12
Mestra Silvina
Cora Coralina
CORALINA, C. Mestra Silvina. In: Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais, Rio
de Janeiro: Ed. José Olympio, 1965.