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Arte e Periferia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

ESPECIALIZAÇÃO EM PEDAGOGIA DA ARTE

Kayane Rodrigues Hörlle

Arte da Periferia e arte na periferia: Reflexões sobre um Teatro em Trânsito

Porto Alegre, 2011

1
Kayane Rodrigues Hörlle

Arte da Periferia e Arte na periferia:

Reflexões sobre um teatro em Trânsito

Trabalho de conclusão do Curso de


Especialização em Pedagogia da
Arte,
do Programa de Pós Graduação em
Educação da Faculdade Federal do
Rio Grande do Sul

Orientadora: Ruth Sabat

Porto Alegre, 2011

2
Dedico este trabalho aos
meus alunos da Igreja
Santíssima Trindade na
Vila Dique

3
Meu muito obrigada à minha família, de maneira especial aos meus pais,
minhas irmãs Kyndze e Kyzie.
À Cleusa Prates e Marcus Wittmann pelo auxílio.
Aos meus amigos sempre prontos pra me acolher e ajudar a dar luz aos meus
pensamentos quando eles estavam perdidos.
Aos colegas de curso que deixaram todo o processo mais fácil.
Ao João Pedro Izé Jardim pelo apoio e carinho.
E aos meus alunos da Vila Dique com que aprendi muito.

4
RESUMO

HÖRLLE, Kayane Rodrigues. Arte na periferia e arte da periferia: Reflexões


sobre um teatro em trânsito. Porto Alegre: UFRGS, 2011. Monografia
(Especialização Pedagogia da Arte) – Programa de Pós Graduação em
Educação. Faculdade de Educação. Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2011.

Resumo: Este trabalho surge a partir de meus questionamentos como arte-


educadora na Vila Dique e trata-se de uma análise sobre o Teatro nesta
comunidade. Tem como objetivos compreender as ações teatrais realizadas
neste contexto, refletir sobre sua função para os moradores e para o
Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB); traçar o perfil de seus
moradores para conhecer os integrantes das oficinas e avaliar o trabalho do
educador teatral, a fim de compreender seu papel dentro de uma realidade de
reassentamento. Os dados foram coletados através de uma pesquisa de
campo, da análise do Projeto de Trabalho Técnico e Social (PTTS) e do Diário
de Aula das Oficinas dadas na Igreja Santíssima Trindade. Esta pesquisa
apresenta uma reflexão sobre a Arte realizada pelos moradores da Vila Dique.

Palavras-chave: Arte educação, Reassentamento,Vila Dique, Teatro, oficinas


teatrais

Abstract: This research has began from my questioning as an art educator


in Vila Dique and is a review about the theater in this community.
It aims to understand the theatrical actions performed in this
context, to reflect on their role for the residents and for the
Municipal Housing Department (DEMHAB); to profile their
inhabitants and so learn about the members of the workshops and evaluate the
work of thetheater educator in order to understand their role within a
reality of resettlement. Data were collected through a
field research, analysis of the Technical and Social Work Project
(PTTs) and the Diary of the lectures in the Workshops given at the Santíssima
Trindade Chruch. This research presents a reflection on the Art held
by the residents of Vila Dique.
Keywords: art education, Resettlement, Vila Dique, theatre, theatrical
workshops

5
SUMÁRIO

Introdução.................................................................................7

1.Situação:

1.2 Da Vila Dique.............................................................9

1.3 Do Teatro dentro do Projeto de Trabalho Técnico e

Social..............................................................................14

2. Práticas Teatrais.................................................................18

3. Ator atuador e Ator atuante...............................................27

4. Educador: Animador e Mediador......................................31

5. Considerações Finais .......................................................36

Referências Bibliográficas....................................................42

6
INTRODUÇÃO

Esta pesquisa surgiu a partir de questionamentos sobre meu trabalho


como educadora teatral na Vila Dique em Porto Alegre. Sabendo que este local
está passando por um momento de transição onde das mil cento e quarenta e
duas (1142) famílias que o habitavam, dez por cento (10%) delas deixaram
suas casas enquanto os noventa por cento (90%) restantes ainda deixará, para
viver em um condomínio popular oferecido pelo Departamento Municipal de
Habitação (DEMHAB) de Porto Alegre, passei a observar com maior atenção o
teatro e refletir sobre o seu papel dentro deste contexto.

As atividades Teatrais na Vila Dique foram inseridas dentro do Projeto


de reassentamento para auxilio nas práticas do eixo de Educação Sanitária e
Ambiental. Meu trabalho nesta comunidade iniciou em outubro de 2009 com o
intuito de estabelecimento de Grupos de Teatro. Constituindo uma relação de
proximidade com a Dique, pude observar algumas particularidades da vila e
perceber que um trabalho em um local em transferência trazia desafios inéditos
para mim, o primeiro de relacionar o teatro com um assunto pré-estabelecido.

Em anteriores atividades de ensino tive contato com a realidade da


periferia, enfrentar, entretanto, a particularidade da situação em que minhas
oficinas estavam inseridas na Vila Dique, fez com que me deparasse com
alguns questionamentos que me fizeram pensar o papel do Teatro e do
educador neste contexto.

Este trabalho recebe o nome de Arte na periferia e arte da periferia:


reflexões de um teatro em trânsito, por justamente questionar o que é imposto
para os oficineiros, refletindo o que na verdade vem desta periferia. Afinal, até
que ponto o educador não impõe suas verdades aos alunos? A presente
pesquisa, analisa também Grupos de Teatro para uma comunidade em
7
realidade de transferência, onde a qualquer momento pode-se receber a notícia
que um integrante está partindo.

A comunidade que existe a mais de 30 (trinta) anos hoje adapta-se a


realidade de transferir-se para um novo ambiente. Como quase setenta por
cento (70%) das famílias estabeleceram-se ali há mais de dez anos, muitos
possuem receio em mudar-se, por já terem estruturado a vida nos padrões
desta vila e de seu entorno. Ficar, entretanto, não é uma possibilidade, na
avaliação feita pela prefeitura que pretende aumentar o aeroporto Salgado
Filho com vistas a Copa de 2014. Os moradores situação exatamente na área
onde dar-se-á a ampliação.

Em um local que está para ser transferido, seus moradores


estabelecem uma postura de desapego com as atividades da comunidade.
Sabendo que para se trabalhar um Grupo de Teatro deve-se incentivar a
constância nas participações, como trabalhar o Teatro com aqueles que estão
para partir?

Das reflexões sobre as oficinas de teatro surgiram os seguintes


objetivos: Refletir sobre a função do teatro na Vila Dique, seu papel para os
moradores e para o Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB);
observar os habitantes da Vila Dique, seus hábitos e vivência para traçar o
perfil dos integrantes das oficinas; analisar o trabalho desenvolvido pelo
educador teatral, a fim de compreender sua função; estudar as criações
teatrais realizadas pelos participantes das aulas, suas dramaturgias, assim
como a metodologia utilizada para realizá-las.

Com intuito de coletar dados para a construção deste trabalho foram


utilizados como material, informações do Departamento Municipal de Habitação
(DEMHAB) de Porto Alegre, o Projeto de Trabalho Técnico e Social (PTTS)
desenvolvido pelo mesmo órgão, e também os diários de aula das oficinas
dadas na Igreja Santíssima Trindade localizada na Vila Dique.

8
Dessa forma, a estrutura do trabalho organiza-se da seguinte maneira:
Análise da situação da Vila Dique e do processo em que se encontra, reflexões
sobre a caracterização do teatro dentro do Projeto de Trabalho Técnico e
Social (PTTS), exame das práticas teatrais realizadas na comunidade, com o
foco centralizado nas oficinas realizadas na Igreja Santíssima Trindade,
meditação sobre o aluno ator nas aulas e apresentações e também
pensamentos sobre o professor dentro dos Grupos de Teatro em uma
comunidade de periferia em fase de mudança.

1. SITUAÇÃO

1.1 Da Vila Dique

A Vila Dique trata-se de um caso de ocupação informal de terrenos


inabitados. É uma das maiores Vilas em extensão da Cidade de Porto Alegre,
tem seu início na Rua Taim, uma travessa da Avenida Sertório, e seu término é
encontrado na Avenida Marechal Osório, mais conhecida como Free Way.

9
Na localização mostrada pelo quadro acima, moram 1142 (mil cento e
quarenta e duas) famílias que moram, em sua maioria, em casas sem infra-
estrutura.

Dos mil quatrocentos e setenta e seis (1.476) domicílios,


50,44% (745) são construídos de madeira, em 26,11% (385)
foram utilizadas alvenaria e madeira na construção, 18,58%
(274) são de alvenaria e 4,87% (72) são construídos de sobras
de diversos materiais. As condições de habitabilidade são muito
ruins, uma vez que 44% (649 domicílios) das construções
apresentam estado de conservação entre precário e péssimo.
Além deste fator, existe um grande adensamento no uso do
solo, configurando acessos precários às moradias e condições
insalubres de habitação. (Projeto de Trabalho Técnico e Social
– 08)

Os moradores não utilizam, mesmo nas casas de melhores padrões,


serviços regularizados para obtenção de energia elétrica, esgoto ou água.
Nesta localidade, existem duas associações de moradores que não
possuem sede própria (Associação Amigos e Moradores da Vila Dique e
Associação Comunitária Santíssima Trindade), o Clube de Mães Margarida

10
Alves (que possui uma padaria comunitária em funcionamento), a
Associação de Catadores de Materiais Recicláveis Santíssima Trindade, a
Creche Comunitária Galpãozinho e o Posto de Saúde Santíssima Trindade.
No que diz respeito ao Saneamento básico, a Vila Dique não é
contemplada pelos cuidados como canalização e tratamento de esgotos,
limpeza pública de ruas e avenidas, coleta e tratamento de resíduos
orgânicos. Ao caminhar pela Avenida Dique, observa-se a quantidade de lixo
no chão e também do esgoto que corre a céu aberto.
A partir dos dados coletados pode-se perceber que os moradores da Vila
Dique estão em situação de vulnerabilidade social. Em sua maioria trabalham
sem carteira assinada ou vínculo empregatício, muitas famílias sobrevivem da
coleta e venda de lixo seco e utilizam-se de cavalos e carroças para esta
realização. Parte da área ocupada está sobre um arroio poluído.

Em 2008 iniciou-se o processo de reassentamento da Vila Dique. Seus


moradores começaram a ser transferidos para um condomínio habitacional
localizado no Bairro Sarandi, na Região Norte de Porto Alegre.

11
Segundo o Projeto de Trabalho Técnico e Social (PTTS), o Condomínio
de casas, planejado pelo órgão da Prefeitura de Porto Alegre DEMHAB
(Departamento de Habitação) em parceria com a empresa contratada para a
execução, prevê habitações com saneamento básico e infra-estrutura
melhorada em comparação das habitações encontradas na Zona entre a Rua
Taim e a Avenida Free Way, juntamente com um trabalho de educação socio-
ambientais, buscando que seus moradores encontrem-se em situação de
cidadania.

Na tentativa de reverter essa trajetória histórica de exclusão e


de apartação social é necessário o fortalecimento e
reconstrução de identidades, através da inserção dos sujeitos
no conjunto da cidade. (Projeto de Trabalho técnico e Social,
2008, p 20)

Observando o Projeto de Trabalho Técnico e Social (PTTS) observa-se


a proposta da empresa construtora em parceria com a Prefeitura de Porto
Alegre em tornar os moradores da Vila Dique potenciais de liderança, fazendo
com que eles assumam o papel de transformadores da sociedade. Este fato
mostra-se nítido em diversos pontos do Projeto analisado, por exemplo: os
sujeitos deverão tornem-se protagonistas e partícipes do processo de
remanejamento (Projeto de Trabalho técnico e Social, 2008, p. 21). Entretanto,
mesmo demonstrando uma intenção de tornar os moradores da Vila Dique
protagonistas de sua própria história, o Projeto de Trabalho Técnico e Social
não respeita a opinião destes indivíduos ao ignorarem sua vontade de
permanecerem no local onde já habitam. Mais da metade dos moradores da
Vila Dique estabeleceu-se neste local há no mínimo 10 (dez) anos. O vínculo
afetivo que estas famílias criaram com o espaço, faz com que, inclusive,
mudem-se de casas, mas permaneçam na mesma Vila.

(...)constatou-se que 69% das famílias habitam há mais de dez


anos nestas vilas irregulares. No entanto há uma grande
rotatividade interna; as famílias, em conseqüência das
péssimas condições de moradia, deslocam-se à procura de
12
locais menos insalubres. Constata-se este fato a partir do
tempo médio de moradia no domicílio, que é de 8,5 anos.
(Projeto de Trabalho Técnico e Social, 2008, p 08)

Dentro de seu planejamento, o Projeto em nenhum momento prevê a


participação dos moradores da Vila Dique para a idealização do loteamento
onde irão mudar-se. Os mesmos sujeitos também não têm direito a opinar
sobre os cursos a serem oferecidos pela empresa construtora das casas, os
quais eles irão participar.

Dessa forma, mostra-se nítido o papel de expectador colocado ao


morador da Vila Dique em relação à mudança. A ele cabe a função de receptor,
não há dentro do Projeto nenhuma proposta real de diálogo entre a
comunidade e o Departamento Municipal de Habitação. Desempenhando esta
figura passiva, o habitante apenas absorve as propostas. O papel de cidadão,
desta forma, não é exercido.

Se, por um lado, é descrito no planejamento do projeto a necessidade de


um trabalho em conjunto com a comunidade, como neste parágrafo:

Neste âmbito, trabalhar-se-á a noção de participação


como balizadora do Projeto de Trabalho Técnico Social,
pois ao se desenvolver um trabalho participativo,
instaura-se um novo protagonismo junto à população
beneficiária, sendo que, através deste movimento, o
indivíduo toma parte, faz parte, da própria construção da
cidadania. (Projeto de Trabalho Técnico e Social, 2008, p
25)

Por outro lado, no mesmo projeto mostra-se que os moradores da Vila


Dique deverão mudar-se para que, apropriando-se de um outro
comportamento, para tornarem-se aceitos pela sociedade.

(...) o trabalho técnico social - PTTS prevê uma série de


ações que investem no homem, tanto de forma individual,
quanto coletivamente, buscando desencadear o
sentimento de auto-estima pessoal e coletiva. Desta
forma, poder-se-á contribuir para uma maior apropriação
e pertença ao novo local de moradia, incluindo novos

13
hábitos comportamentais e habilidades laborativas.
(Projeto de Trabalho Técnico e Social, 2008, p 20)

Os benefícios educativos colocados no PTTS, dessa forma expostos,


deixam claro a vontade de transformar os sujeitos que moram na Vila Dique em
indivíduos que se enquadrem na sociedade, ignorando suas características e
cultura própria.

A imposição de propostas para os moradores impedem que os mesmos


protagonizem o momento em que estão a viver. Como coadjuvantes de sua
própria história os habitantes da Dique, em sua maioria, mostram-se
descontentes com o processo de mudança.

1.2 Do Teatro dentro do Projeto de Trabalho Técnico e Social (PTTS)

O Projeto de Trabalho Técnico e Social tem previsto para o processo de


reassentamento ações que contemplem três eixos principais: Mobilização e
Organização Comunitária-MOC, Educação Sanitária e Ambiental-ESA,
Geração de Trabalho e Renda-GTR.

Constatando a importância do eixo de Educação Sanitária e Ambiental


(ESA), já que nele estão inclusas as ações de ensino para o comportamento
dentro do novo condomínio de casas, o de Trabalho Técnico e Social (PTTS)
descreve a necessidade de aproximar-se da comunidade com uma didática
descrita como atrativa e criativa:

O trabalho relativo a este eixo é imprescindível, haja vista as


implicações decorrentes da não preservação do ambiente,
tanto individual, quanto coletivamente. Por esta razão,
pretende-se desenvolver atividades junto às famílias
beneficiárias, tanto antes, quanto após o remanejamento das
mesmas, usando-se de uma didática criativa e atrativa, das
quais: cd’s gravados (estilo Funk) com músicas educativas
adaptadas ao tema proposto, filmes, cartilhas, convites,
informativos e peças teatrais objetivando sensibilizar os
moradores do futuro empreendimento, acerca da educação
14
ambiental e dos cuidados com a limpeza e organização do
futuro empreendimento. Acredita-se que desta forma poder-se-
á mobilizar e sensibilizar o maior número de pessoas, e não
somente os titulares dos domicílios. (Projeto de Trabalho
Técnico e Social, 2008 p 39)

Desta forma, para auxiliar em uma didática mais atrativa e criativa e na


busca da construção de um trabalho educativo mais eficaz foi previsto em seu
planejamento Grupos de Teatro. Estes grupos serviriam para ensinar aos seus
participantes atitudes a serem tomadas em suas novas casas, educando para
que os mesmos tomem conhecimentos dos cuidados a serem adotados com o
ambiente que receberão do Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB).

(...) serão organizados grupos de teatro, tanto de adultos,


quanto com adolescentes, conforme a inscrição nos plantões
realizados e nas visitas domiciliares, no intuito de montar peças
relativas ao cuidados com o ambiente, com as unidades
habitacionais, importância da vizinhança e outras temáticas,
visando contribuir na formação de multiplicadores com a
sensibilização do conjunto de moradores. Também estes
grupos teatrais visam sensibilizar os participantes quanto aos
cuidados com a saúde individual. (Projeto de Trabalho Técnico
e Social, 2008, p 40)

O Teatro dentro do Projeto de Trabalho Técnico e Social (PTTS) seria


um multiplicador das idéias planejadas pela prefeitura, auxiliando aos seus
participantes a mudarem os antigos hábitos para atitudes que se enquadrem
melhor com o padrão aderido pela sociedade. Assim, os Grupos de Teatro
compreenderiam o integrante da oficina como um ser receptor e as oficinas
teatrais, dentro deste projeto, seriam apenas auxiliares para o trabalho do eixo
de Educação Sanitária e Ambiental (ESA). Não haveria espaço para um real
contato com a Arte, objeto de reflexão e catarse. Sendo assim, aqueles que
participassem das oficinas oferecidas deveriam reconhecer os atos a serem
tomados nas novas casas e não refletir sobre seus atuais hábitos, observando
aquilo que desejassem manter ou abandonar no novo condomínio de casas.

A partir da montagem destas peças, estas serão apresentadas,


conforme a possibilidade, em reuniões/oficinas, festas
comunitárias, cursos de multiplicadores de Educação Sanitária
15
Ambiental, Curso de Capacitação de Lideranças (Projeto de
Trabalho Técnico e Social, 2008 p 40)

Com o tema pré estabelecido para a construção de espetáculos teatrais,


os alunos das oficinas teriam pouco espaço para a construção de um material
teatral particular, as ideias para a composição seriam as já determinadas
dentro do eixo de Educação Sanitária e Ambiental (ESA) e quase não haveria
como contemplarem-se as ideias dos indivíduos integrantes dos Grupos de
Teatro. Deste modo, a tentativa de estabelecer uma didática criativa e atrativa,
não estaria sendo aplicada, já que um dos maiores atrativos do Teatro é a
possibilidade de criação.

O Teatro descrito no Projeto acaba sendo um limitador e não uma forma


de expressão de ideias daqueles que participam das Oficinas. A eles caberia a
construção de teatros sobre atitudes já determinadas pelo Projeto de Trabalho
Técnico e Social (PTTS). Dessa forma, sem possibilitar a manifestação de
ideias dos integrantes, não seria respeitado suas opiniões, impossibilitando a
construção da ideia de autonomia descrita no mesmo Projeto. Paulo Freire
aponta o respeito à autonomia como um dever do e um direito dos seres
humanos: O direito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo
ético e não um favor que podemos conceder ou não uns aos outros (FREIRE,
1996, p 59), com o oficinando incapacitado de expor-se por completo através
de seus pensamentos, estaria ele assumindo um papel de receptor passivo
dentro dos Grupos Teatrais enquanto o educador teatral posicionar-se-ia como
um canal que passa informações para que o aluno absorva.

Com o educador nesta posição, tendo a incumbência de apenas


transferir o conhecimento não existe espaço para o conhecimento que o aluno
já possui. Com uma única verdade estabelecida, aquela dos que estão
impondo a mudança da Vila Dique para o condomínio de casas situado no
Bairro Sarandi, ao integrante das oficinas, assim como os demais moradores
da comunidade caberia o encargo unicamente de moldarem-se aos padrões de
comportamento impostos. A inclusão social, justificativa principal para o

16
reassentamento, seria principalmente a mudança de hábitos destes indivíduos
para serem melhor aceitos por uma sociedade que os marginaliza.

Sem a humildade para compreender que indivíduos em situação de


vulnerabilidade social também possuem o que ensinar, e podem também ter
contribuições e não apenas receber, não há respeito para com os moradores
da Vila Dique:

Se a estrutura do meu pensamento é a única certa,


irrepreensível, não posso escutar quem pensa e elabora seu
discurso de uma maneira que não a minha. Nem tampouco
escuto quem fala ou escreve fora dos padrões da gramática
dominante. E como estar aberto às formas de ser de pensar,
de valorar, considerados por nós demasiado estranhas e
exóticas de outra cultura? Vemos como o respeito às
diferenças e obviamente aos diferentes exige de nós a
humildade que nos adverte dos riscos de ultrapassagem dos
limites além dos quais a nossa autovalia necessária vira
arrogância e desrespeito aos demais. (FREIRE, Paulo. 1996, p
121)

Sabendo que o pensamento de cada sujeito é composto por suas


vivências, compreende-se que ignorar as ideias de um indivíduo é também
ignorar seu contexto. Sendo assim, as práticas teatrais tais como descritas no
projeto, estariam ignorando os viveres e as experiências de cada aluno das
Oficinas de Teatro, desrespeitando, assim, seu histórico. Quanto a isso Paulo
Freire diz que: Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade, a seu
ser formando-se, à sua identidade fazendo-se, se não se levam em
consideração em que eles vem existindo(...) (FREIRE, 1996. p 64).

O quadro de constante mudança em que estão sujeitos os Grupos de


Teatro também não foi pensado no Projeto. A qualquer momento um dos
integrantes da Oficina pode ser reassentado, deixando de participar das
atividades teatrais. O educador teatral deve manter-se preparado para não
contar com a presença dos alunos, já que eles a qualquer momento podem
mudar-se, interrompendo o processo das Oficinas. O Teatro realizado pelos
moradores da Vila Dique, tais quais suas oficinas dentro dos Grupos tem o
caráter transitório. Há, desta maneira, um prejuízo para aqueles que participam
17
dos Grupos de teatro, reconhecendo que a qualquer momento pode não se
fazer mais presente, é difícil a compreensão dos conceitos de seriedade e
constância deveras importantes para o Teatro.

Assim, o educador teatral além de ocupar-se em abordar, dentro de suas


oficinas, os conteúdos de educação ambiental propostos para o eixo de
Educação Sanitário Ambiental (ESA), deve também preparar-se para as
adversidades de um Teatro em Trânsito.

2. PRÁTICAS TEATRAIS

Com o caráter impositivo dos Grupos de Teatro e com a falta de locais


apropriados para Oficinas, as atividades teatrais não atingiram grande público.
Mesmo dando maior ênfase para aquelas oferecidas para crianças e
adolescentes, os participantes não duravam muito tempo nas aulas. A solução
encontrada foram parcerias feitas com as Escolas da redondeza. Dentro das
escolas, a maioria das vezes, os grupos já estavam estabelecidos pelas
turmas. Nas Oficinas dadas com outras parcerias como Templos Evangélicos
ou Igrejas, entretanto, precisava realizar-se uma divulgação através de visitas
domiciliares aos moradores da Vila Dique.

Iniciei o trabalho com Teatro na Vila Dique em outubro de 2009. Por


estar substituindo outro oficineiro, meu trabalho limitou-se à finalização das
oficinas na Escola Aurélio Reis. Por não fazer parte concretamente da equipe,
não participei de reuniões ou tive acesso aos planejamentos para qualquer
área, nem mesmo a do teatro. Fui acessar e tomar conhecimento dos objetivos
do Teatro para o reassentamento apenas no início de 2010, ao aproximar-me
efetivamente do projeto. Assim, comecei a ser inserida em reuniões e conhecer
o papel do teatro neste meio. Era notável o descontentamento dos

18
responsáveis do projeto pelos resultados das oficinas de teatro. Não
compreendiam como não havia um número significativo de participantes dentro
dos Grupos de Teatro.

Juntamente com a bióloga do projeto, participei de reuniões com as


escolas aos arredores da comunidade e também com as organizações da
própria Dique, como Clube de Mães e a Igreja Católica local, para conseguir
salas para as oficinas. Após conseguirmos sede em uma escola e em uma
Igreja, foi iniciado um processo de divulgação das oficinas.

Com oficinas estabelecidas, através de parcerias de escolas aos


arredores da comunidade e também em uma Igreja, mesmo com baixo número
de participantes, começou-se um processo de análise dos Grupos. Em
algumas oficinas os membros permaneciam mais tempo frequentes que em
outras, mesmo elas sendo realizadas pelo mesmo educador. Pode-se perceber
que as Oficinas em que tinham jovens mais dinâmicos com personalidade de
liderança eram as que se perpetuavam. Assim mesmo, nenhum grupo, nem
mesmo naqueles com os jovens mais participativos conseguia-se estabelecer
ânimo para a construção de apresentações de peças. Em nenhuma oficina o
interesse em participar de espetáculos era demonstrado, mesmo com o
estímulo do educador.

Experimentando uma fuga da formalidade das atividades propostas pelo


Projeto de Trabalho Técnico e Social (PTTS). Iniciei, juntamente com a bióloga,
em uma das Oficinas realizadas em parceria com a Igreja Santíssima Trindade
uma busca pela reflexão e consciência crítica dos membros, mudando a
estrutura passiva, na qual os jovens da oficina estavam inseridos. Assim, as
Oficinas começaram a contar com jogos que incentivassem a troca entre seus
membros, momentos de partilha, atividades de vídeo, observação de fotos e
jornais, entrevistas com os demais moradores da Dique e improvisações com
temas livres. Esta mudança de postura frente à Oficina, fez com que se
pudessem abordar temas de seu interesse, mesmo que as temáticas não

19
estivessem relacionadas àquelas propostas pelo eixo de Educação Sanitária e
Ambiental (ESA).

A mudança do perfil da oficina que, retirando a posição passiva de seu


freqüentador, valorizou suas opiniões e incentivou sua expressão, fez com que
ela se tornasse mais livre. Com esta nova característica, mesmo com a
precariedade do espaço do Salão Paroquial oferecido pela Capela Santíssima
Trindade, os jovens que a iniciaram mantiveram-se presentes e participativos
no Grupo de Teatro. A sede das oficinas, que possui chão e janelas quebradas
e que localiza-se em um dos locais mais próximos do valo em que muitos
moradores da comunidade depositam o lixo, não afugentou aqueles que
participavam do Grupo, mostrando, desta forma, que os integrantes dentro das
oficinas de teatro gostariam de assumir o papel de criadores. Colocados em um
papel ativo, tiveram mais interesse pelas aulas dadas.

A possibilidade de criação, invenção e construção, de que o ser humano


é capaz, é o que traz prazer em aprender:

Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e


historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso,
somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora,
algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente
repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir,
constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e
a aventura de espírito. (FREIRE,1996, p. 69)

A possibilidade de se trabalhar diversos temas fez com que os alunos


traçassem seu perfil. Seus gostos, conflitos e medos, mostrados a cada dia nas
atividades, eram utilizados nas improvisações teatrais e, através delas,
opiniões eram construídas, não impostas, mas refletidas pelo grupo e por cada
indivíduo. A divergência nas opiniões, muitas vezes motivo de briga entre os
membros do Grupo, traziam a meditação de que os seres humanos, apesar de
parecidos em sua estrutura eram diferentes, mas essa diferença se houvesse
abertura poderia ser algo muito positivo para a criação cênica.

20
Oficina na Igreja Santíssima Trindade

Grupo de Teatro da Igreja Santíssima Trindade

21
Roda de conversa com o Grupo de Teatro da Igreja Santíssima Trindade

Com liberdade para interagir nas Oficinas, os alunos propunham temas


para as atividades e para as improvisações. Assim, pôde-se observar que um
dos temas mais freqüentes na Oficina era a mudança da Vila Dique para os
novos condomínios de casas. Apesar de saberem pelos adultos, as crianças
não se conformavam com o reassentamento e, muitas vezes, diziam esperar
que alguma coisa ocorresse para não terem que se mudar.

O tema recorrente fez iniciar-se um trabalho de reflexão sobre o


reassentamento. As oficinas de Teatro que serviriam apenas para o auxilio da
Educação Sanitária e Ambiental acabaram assumindo um papel de reflexão do
processo de mudança. Apoiados na construção de cenas a partir de
improvisações, os alunos que participavam da Oficina na Igreja Santíssima
Trindade começaram a expressar o que sentiam sobre a Vila Dique e também
sobre o novo local para onde iam. As improvisações viraram forma de
expressão de pensamentos e de transformação deles.

22
O número dos participantes mesmo não sendo significativo para as
oficinas de teatro idealizadas, começou a chamar atenção da construtora das
casas e mais tarde do Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB) pela
assiduidade de quem participava. Em Junho de 2010 o Grupo de Teatro da
Santíssima Trindade foi convidado pelo Departamento Municipal de Habitação
a apresentar-se em sua sede, mesmo sem ter apresentado nenhuma peça na
comunidade. Assumindo uma postura de liderança, os jovens aceitaram o
desafio e pela primeira vez um dos Grupos de Teatro da Dique iria se
apresentar.

O texto sugerido pelo órgão da prefeitura narrava a história de duas


meninas que visitavam sua tia no novo loteamento, ali faziam intervenções de
como seriam os bons hábitos para aqueles que morassem no condomínio.
Uma das participantes da oficina, que estava com a mudança estabelecida
para um período próximo, sentiu-se ofendida pelo texto e chorou por não
querer interpretá-lo. Ela estava triste por ter que mudar-se, e era esse o
sentimento que trazia sobre o novo condomínio. Solidários com a amiga, os
demais participantes recusaram-se a apresentar a temática da mudança
daquela forma. Tomando mais uma atitude protagonista e apoiados pelo
educador teatral, os jovens, não aceitaram apresentar o texto que lhes foi
solicitado.

A negativa à proposta dramática dada pela prefeitura, entretanto,


determinou à turma uma nova problemática: a construção de uma dramaturgia
própria. Com essa nova questão estabelecida, o educador recorreu, juntamente
aos alunos ao trabalho realizado nas oficinas desde o início das oficinas da
Igreja Santíssima Trindade.

Não se pode pensar em Drama sem pensar em processo o que


implica num grupo engajado em torno da dinâmica proposta. O
Processo é assim determinado pela efetiva participação de
todos os membros do Grupo, cada qual a seu modo, na
definição das situações e nas criações cênicas que fazem
avançar o processo. (DESGRANGES, 2006, p. 125)

23
Assim, utilizando-se do material trabalhado no Grupo de Teatro desde
março de 2010, foi construída uma dramaturgia que, ao contrário da que era
enviada pelo DEMHAB, questionava a mudança. Refletindo sobre o contexto
em que se encontrava a Vila Dique e o novo condomínio e auxiliados pelo
educador, os integrantes da oficina construíram uma estrutura dramática que
apresentava seus prós e contras para mudarem-se, nesta estrutura falava-se
sobre a dificuldade de estar na Dique, mas da vontade que tinham em
permanecer, da saudade que sentiriam ao partir.

Às vésperas da apresentação, entretanto, a Oficina recordou sua


característica de teatro transitório, onde não se pode considerar a presença de
um corpo de grupo constante, já que a qualquer momento um dos integrantes
poderia partir sem volta para o novo condomínio de casas. Assim, o Grupo
sofreu a perda de duas participantes, que sem terem como deslocar-se do
bairro Sarandi até a Vila Dique, deixaram de integrar o elenco das aulas e da
dramatização.

O Grupo, mesmo abatido com a falta das duas integrantes, prosseguiu


com o trabalho de ensaios para a apresentação na sede do DEMHAB. Para
isso houve uma reestruturação do Drama que seria encenado e os alunos
passaram a ensaiar não apenas no horário semanal combinado para o teatro,
mas sim durante todos os dias da semana com ou sem a presença do
educador.

O empenho dos participantes da oficina pôde ser conferido no dia 18 de


Junho de 2010, quando o órgão da prefeitura responsável pelo reassentamento
recebeu o Grupo de Teatro da Igreja Santíssima Trindade para assisti-los
encenar.

24
Apresentação na Sede do DEMHAB

O curto espetáculo produzido durante a oficina, para aqueles que


participaram, trouxe a sensação de grandeza, a Dramaturgia, corpo de um
espetáculo, dessa forma, foi transformada em possibilidade de voz ativa
desses jovens. Uma forma de transformação em arte dos pensamentos e dos
questionamentos vividos por eles.

O processo de mudança para os jovens da oficina na Igreja Santíssima


Trindade gerava conflitos. Muitos observavam o futuro nas novas casas com
medo, sabiam que teriam ganhos em saneamento básico por exemplo, mas
não queriam abandonar a vida que conheceram ali. As casas, que eram
destruídas na frente de todos, mesmo em condições ruins eram para muitos
jovens tudo o que conheciam sobre lar, devido ao fato de que muitos nasceram
ali. As opiniões de cada um desses jovens, por terem idade inferior a 18 anos
não eram ouvidas pelos adultos. Não tendo com quem nem onde debater as

25
questões que os afligiam, os jovens calavam-se e apenas sofriam com a
possibilidade de mudar-se. Criava-se uma mitificação da mudança, das novas
casas, do DEMHAB.

Ao utilizar, entretanto, as oficinas de teatro como um veículo de diálogo


aberto, havendo troca e não apenas um discurso, as oficinas tornaram-se um
veículo de debate, de exploração, transformando-se assim, em uma atividade
mais interessante para os alunos. Pode-se observar, então, a importância para
esses jovens de serem ouvidos, mesmo que o que eles digam não altere o
processo de mudança.

Em avaliação sobre a apresentação feita no DEMHAB a maioria dos


alunos expressou estarem lisonjeados por terem feito uma peça em um órgão
da prefeitura. Para eles, aquele órgão era o responsável pela maior
transformação em suas vidas, já que era ele que decidia quem partir da Dique
e quando partir. Serem escutados por um veículo de tanta importância, trazia
aos integrantes da oficina a constatação de que da mesma forma eram
importantes.

Os alunos tinham antes das oficinas pensamentos a respeito do


processo em que sua comunidade sofria. Através das atividades teatrais, dos
jogos dramáticos e improvisações essas idéias foram reveladas e debatidas no
grupo. Houve, então, uma ação reflexiva onde pouco a pouco se construiu a
conscientização de que esses pensamentos poderiam ser ouvidos e através
disso poderia se ter acesso a transformações. Suzana Albornoz Stein, em uma
reflexão às palavras de Freire, recorda a importância da tomada de consciência
para a inclusão:

Esse mundo que o indivíduo, em diálogo com os outros,


conscientiza, não é um mundo hipotético, abstrato, ou livre de
condicionamentos: é um mundo que comporta situações
concretas de opressão. (...) é dominando a situação pela
consciência, pela conscientização, que já é ação enquanto é
reflexão, o que se faz pelo dizer da palavra, que o homem pode
inserir-se na realidade para transformá-la: para remover a
opressão. (STEIN, 1976 p. 55)

26
A tomada de consciência, pelos oficinandos, de que poderiam adquirir
uma postura ativa perante o processo de mudança teve seu ápice com a
apresentação para o DEMHAB. Nela, os integrantes enxergaram estar
presentes dentro desta engrenagem que é o reassentamento, sendo assim,
perceberam que não é apenas o DEMHAB que está presente neste processo,
mas uma junção de pessoas e órgãos de igual importância. Eles, não apenas
receptores passivos, passavam a compreender-se como pessoas não mais
invisíveis, mas responsáveis e capazes de transformação se assim quisessem.

Na sequência das oficinas surgiu a proposta de manter-se o contato com


as duas meninas que estabeleceram moradia condomínio do Sarandi Por
nunca terem recebido ou enviado uma carta utilizando o serviço dos Correios,
os alunos demonstraram interesse por trocarem cartas.

A primeira carta, escrita coletivamente para as duas ex-colegas contava


como estavam sendo as oficinas, narrava alguns fatos da Vila Dique, e
colocava algumas perguntas sobre o condomínio onde elas moravam. Os
jovens queriam saber como estava sendo adaptação delas, como era morar
naquele lugar. As demais cartas, tanto escritas quanto respondidas, foram
entregues para os endereços individuais, portanto, faziam parte das oficinas
apenas indiretamente com os comentários dos participantes. A escrita,
entretanto, uma memória que recorda esse teatro em trânsito e a tentativa de
construir a raiz e a constância de um grupo teatral de um projeto de
reassentamento.

3.O ATOR ATUADOR E O ATOR ATUANTE

Compreendendo homens e mulheres como cidadãos, considera-se que


sejam partícipes e responsáveis por suas escolhas. Entretanto, Ana Mae
Barbosa faz um alerta em relação às opções:

27
Ao adulto hoje colocam-se diversas opções, deve escolher
entre diversas alternativas. Embora compreendendo a
necessidade de optar, é sempre possível deixar-se levar pelo
“já pronto”, pelos mecanismos autorizados, sem decidir, sem
optar, sem empreender sem nenhuma mudança. (BARBOSA,
1984.)

Sabendo que incluir significa fazer parte, percebe-se que a inclusão


social dos moradores da Vila Dique não acontece apenas com a mudança de
seus hábitos para que sejam aceitos pela sociedade. Todavia, a inclusão só
pode fazer-se possível com a possibilidade do indivíduo fazer parte da
sociedade e isto implica em consciência e escolha. A inclusão não é possível
sem que o sujeito tome seu conhecimento, da mesma forma que não é
realizável sem que se opte por ela. A inclusão, se imposta, não é verdadeira.

Em um contexto como o da Vila Dique a Arte pode ser veículo para a


conscientização de seus moradores para com o processo em que estão
vivendo.

A Arte tem poder transformador e o ser humano tem o poder de


transformar a Arte. Assim, como num círculo, somos capazes de mudar e
sermos mudados em contato com o objeto artístico. Vygostsky chama a
atenção para a vivência intensa da Arte e seus efeitos:

Uma obra de arte vivenciada realmente pode ampliar nossa


opinião sobre certo campo de fenômenos, obrigar-nos a
observá-lo com novos olhos, generalizar e reunir fatos por
vezes totalmente dispersos. Como toda vivência intensa, a
vivência estética cria um estado muito sensível para as ações
posteriores e, naturalmente, nunca passa sem deixar marcas
em nosso comportamento posterior. (VYGOTSKY 2003, p. 234)

Assim como os demais tipos de Arte, o Teatro causa uma transformação


para aquele que o experiencia, tanto para aqueles que o fazem quanto para
aqueles que, como público, participam:

Ao fazermos teatro, Realizamos o ato estético. E essa


aventura, seja como atores ou espectadores, ampliamos nossa
visão sobreo mundo e nos treinamos na percapção da nossa

28
visão sobre o mundo e nos treinamos na percepção da nossa
própria individualidade. (VIGANÒ,2006, p 38)

Dentro do Projeto de Trabalho Técnico e Social (PTTS) observa-se a


proposta de aplicar o teatro como um meio didático do ensino de hábitos
corretos em relação à higiene e meio ambiente, dessa forma disposto, seria
pouco proporcionada a experiência estética, que por si só já é transformadora,
aos alunos da oficina. A experienciação da Arte de sua forma completa faz com
que o aquele que a vive entre em contato com sua intimidade, com suas
verdades, mesmo que isso se dê de forma fantástica:

Todas as nossas vivencias fantásticas e irreais transcorrem, no


fundo, numa base emocional absolutamente real. Deste modo
vemos que o sentimento e a fantasia não são dois processos
separados em si mas, essencialmente o mesmo processo, e
estamos autorizados a considerar a fantasia como expressão
central da reação emocional (VYGOTSKY, 1998, p. 246).

Fugindo do planejamento do Projeto de Trabalho Técnico e Social


(PTTS), através das atividades teatrais, os jovens participantes das oficinas de
teatro puderam contatar sua imaginação e a partir dela seus pensamentos.
Para que houvesse um processo de apropriação dos conceitos trabalhados e
também para que os alunos tivessem consciência do que estavam vivenciando
foi estabelecido que ao final da aula haveria uma roda para o diálogo, através
delas, as primeiras reflexões foram constituídas dentro do Grupo de Teatro

Ao incentivar a conversa sobre as ações feitas, para os integrantes das


oficinas, elas não são apenas atos desconexos, ou sem lógica. Assim,
adquirem ciência de que as atividades tem propósitos e compreendem, através
da análise de suas atitudes e postura, alguns dos conhecimentos que estão
adquirindo. Dessa forma, através da palavra dita e ouvida, o aluno torna-se,
juntamente ao educador, consciente e responsável pelas suas descobertas:

Pelo diálogo se abre um processo, o processo de


desbravamento de níveis, obscurecidos de consciência, o
processo de conscientização da realidade de si mesmo, do seu
mundo e suas relações com o mundo. (STEIN, 1976, p. 55)
29
Com consciência das situações vividas, o aluno tem a possibilidade de
participar das escolhas nas aulas tanto das propostas para as atividades,
quanto para os temas a serem trabalhados. Também é através da consciência
que o participante da oficina de teatro poderá ser ativamente um ator em duplo
sentido: ator atuador e ator agente. Ao primeiro tipo de ator cabem as ações de
improvisar, jogar e interpretar papéis, ao segundo cabe a incumbência de agir
frente ao mundo. Neste contexto de teatro dentro de uma vila em
reassentamento a oficina teatral deve incentivar os dois tipos de atores, as
atividades artísticas, dessa forma, se completam com o conteúdo existente
nelas.

Durante as atividades teatrais na Vila Dique, os alunos do Grupo de


Teatro da Igreja Santíssima Trindade puderam experienciar os dois tipos de se
fazerem atores. Ativos e reflexivos, protagonizaram a possibilidade de ação
cênica em que atuaram e foram agentes ao apresentarem ao DEMHAB suas
opiniões e questionamentos e também durante todo o processo de ensaios e
improvisações, já que as oficinas já eram consideradas teatro em quanto corpo
artístico, pois:

Se o fato artístico-teatral se caracteriza fundamentalmente pelo


encontro entre ator(o artista teatral) e espectador, ou entre
aquele que organiza e emite um discurso em cena e aquele
que observa da sala, e se esse encontro se efetiva com vigor
intenso nas oficinas e processos de jogos improvisacionais, por
que não compreender a prática destes enquanto teatro,
efetivamente? (DESGRANGES, 2006, p. 90)

Flávio Desgrantes chama a atenção para as oficinas teatrais, deixando


claro que as atividades realizadas nela já podem ser consideradas Teatro
efetivamente. Dar importância para as aulas, elevá-las ao de caráter arte, faz
com que o aluno participe mais ativamente e seriamente do Grupo, já que ali já
é considerado, além de aluno, um ator.

30
Como atores no duplo sentido que a palavra comporta, o público adquire
um papel ativo e não apenas o de um espectador. O Ator, sendo atuador e
atuante torna-se um agente sócio-cultural, interferindo diretamente na platéia.

Neste caso, as Oficinas Teatrais não possuem o compromisso apenas


com a Arte ou apenas com a Educação, mas sim serve de ponte direta para
que seus integrantes possam transformar em Arte as reflexões sobre o
processo em que estavam vivendo. Tornando-se assim, sujeitos atores no
sentido de agentes interventores e questionadores e também atores atuadores
de improvisações, cenas e peças teatrais. Constrói-se, assim, uma vivência
estética e, também, crítica.

Sobre o trabalho em conjunto entre a estética e a crítica Suzana


Schimidt Viganó apresenta o seguinte pensamento sobre os bnefícios:

Ao se desenvolver a consciência estética, aliada ao julgamento


crítico, ganha-se uma maneira especial dever o mundo, que
passa pelos sentidos, pela imaginação e pela capacidade de
criar alternativas e possibilidades de existência. (VIGANÒ,
2006 p 28)

Em um processo de oficina como o que se realizou no Grupo de Teatro


da Igreja Santíssima Trindade na Vila Dique, o aluno experiencia a consciência
estética e crítica, tornando-se, assim, um ator completo.

4.O EDUCADOR TEATRAL: ANIMADOR E MEDIADOR

Em um contexto de periferia, onde o acesso às artes é limitado, torna-se


comum que o educador encontre alunos que não saibam dizer o que é teatro e
que não o consideram uma arte. Aqueles que não têm o contato a aulas
teatrais ou espetáculos juntamente a Escola, dificilmente acessam esta arte por
outras vias. Dos quatro Grupos estabelecidos na Vila Dique em que ministrei

31
Oficinas, apenas um deles possuía pessoas que já tinham assistido uma peça,
e esta ação se deu na Instituição de Ensino que eles freqüentaram. Dar
oficinas sobre um conteúdo que pouco se sabe a respeito, portanto possui um
conceito abstrato, torna-se um desafio para o professor.

Os jovens moradores da Vila Dique têm suas vivências situadas dentro


desta comunidade ou nos colégios aos arredores e pouco saem da
comunidade. Sua educação acontece dentro deste ambiente e o que eles
conhecem como certeza são as noções passadas pelas famílias, vizinhos ou o
que é passado pela televisão, muito assistida em todas as casas. Para o
educador teatral trabalhar uma arte, para eles, abstrata, deve inserir-se no
cotidiano, utilizando as vivências do aluno como uma ponte para chegar-se ao
Teatro. É importante, neste caso, o professor estudar a comunidade, descobrir
seus interesses, as mídias que tem acesso, estar em contato com a atualidade,
saber o que a interessa.

Partindo do interesse do aluno, de seu conhecimento, há a possibilidade


de aproximação do professor. Em minha vivência enquanto educadora na
periferia pude perceber que o educando não compreende o educador por ter
uma vivência que consideram distante da sua, por ter tido acesso a
informações que o aluno não conhece, ou por serem considerados
ultrapassados, ou por gostar de músicas diferentes da sua. O professor deve
ter consciência de que no momento em que entra em sala, já está recebendo
avaliação dos alunos:

Saber que não posso passar desapercebido pelos alunos, e


que a maneira como me percebem me ajuda ou desajuda no
cumprimento de minha tarefa de professor, aumente em mim
os cuidados com meu desempenho. (FREIRE, 1996, p 97)

Sabendo que o olhar do aluno é atento em relação a figura do professor,


o educador, deveria lançar olhar também investigativo a ele. Observando as
características da comunidade, compreendendo os gostos daquele que educa,
o professor aproxima-se e o aluno torna-se mais aberto ao seu conteúdo.

32
Para o teatro, uma arte pouco inserida na Vila Dique, a abertura dos
alunos é fator fundamental para a possibilidade da oficina. É a partir da vontade
dele que desaparece o estranhamento causado pelo pouco contato com esta
arte. O professor torna-se uma ponte que aproxima sua realidade do Grupo de
Teatro. É necessário, dessa forma, utilizar-se de assuntos conhecidos à
comunidade para iniciar o processo educativo. Precisa-se estar reciclado e livre
de preconceitos para não ver os meios de comunicação como antagonistas,
pois desta vez, são aliados para a ponte a ser estabelecida.

Não tornar a televisão um vilão pode ser um uma dificuldade para o


professor. Quanto a isso Ana Mae Barbosa descreve:

A televisão compete com o professor, que em geral enfrenta a


competição minimizando o adversário ou culpando-o pelos
males da utilidade e pela má formação da consciência e do
pensamento dos seus alunos. (BARBOSA, 1984, p.148)

Sendo assim, para se entrar em um processo educativo em uma vila o


professor deve despojar-se de preconceitos para a utilização de recursos a ele
não usuais. Todavia, não deve abandonar-se a consciência crítica quanto a
esses recursos. Com a ponte estabelecida, o papel do educador também é o
de questionador, utiliza-se do material conhecido pelo aluno para a indução de
uma reflexão. Já que, como um veículo de comunicação ele de fato já possui
um discurso:

É que pensar em televisão ou na mídia em geral nos põe o problema


da comunicação, processo impossível de ser neutro. Na verdade,
toda comunicação é comunicação de algo, feita de certa maneira em
favor ou na defesa, sutil ou explícita, de algum ideal contra algo e
contra alguém, nem sempre claramente deferido. (FREIRE, Paulo,
p.139)

Partindo do conhecimento do aluno, mas incentivando o debate e a


reflexão, o professor está oportunizando a exploração de conteúdos e a
transformação dos mesmos. Anima-se a partir da zona de conforto do aluno,
das vivências às quais ele tem acesso, mas esses saberes transcendem.
Oficineiro e oficinando, assim, reciclam seus saberes, não saem da aula da
mesma forma que entraram. O professor se coloca no papel também de aluno
33
ao dar a oportunidade de trabalhar-se um assunto onde o mesmo tenha mais
domínio, da mesma forma, o aluno é um professor na medida em que não
absorve, apenas, mas também ensina.

Paulo Freire reflete sobre esse papel mutante de professor e aluno e nos
brinda com a seguinte frase:

É preciso que, pelo contrário, desde o começo do processo, vá


ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si
quem forma se forma e se reforma ao formar e quem é formado
forma-se e forma ao ser formado. (FREIRE, 1996 p23).

É preciso compreender que, como seres em constante formação,


homens e mulheres aprendem e ensinam ao expressarem-se. Utilizando o
Teatro como maneira de formação, proporciona-se não apenas a expressão de
opiniões, mas a transformação dos mesmos em arte. Criando meios artísticos
para a manifestação de pensamentos causa-se a mutação para outro estado
dos mesmos, não é apenas uma idéia, é uma idéia em cena. Ao educador
teatral, cabe a condução para que o aluno possa corporificar seus
pensamentos.

Dessa forma, o Teatro assume o papel de condutor para a reflexão,


oportunizando, assim, a exposição da visão de mundo de cada integrante das
oficinas de Teatro. Em um contexto como este vivenciado na comunidade Vila
Dique, o educador teatral adota a responsabilidade de Mediador Sociocultural,
adquirindo compromisso tanto com a arte quanto com a cidadania.

Quanto a isso, pode-se observar a seguinte citação de Avelino Bento:

É por esta razão que as expressões artísticas, em contexto de


animação sociocultural, traduzem a essência da vida das
pessoas, isto é, ajudam a identificar a origem ou a fonte da
sensibilidade, da imaginação e da criatividade (Bento, 2007)

Assim, passo a compreender os processos teatrais na Vila Dique como


uma ferramenta para a revelação e possibilidade de expressão de jovens que
não possuem sua voz ouvida de transformar suas vivências em Arte.

34
É no contato com suas verdades, confrontando-as, que o ser humano
descobre seus valores. Compreendendo essa necessidade, a tarefa do arte-
educador em sua oficina, torna-se conduzir seu aluno para o encontro com as
verdades do seu ponto-de-vista. “Nesse sentido, o bom professor é o que
consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade do movimento de seu
pensamento”. (FREIRE, 1996, p86)

O educador teatral, nesta visão, torna-se um animador para que, nas


oficinas, o aluno contate sua intimidade e expresse-se, é seu papel estimular
para que o aluno reflita suas vivências e descubra outras. É também uma
ponte de contato entre duas realidades: a Vila Dique e a da sociedade que a
exclui.

Traçar uma ponte diminui distâncias. Coloca-se uma ponte para que dois
locais liguem-se. É compreendendo a idéia desta imagem que penso no
mediador Sócio-Cultural, um elo que une duas realidade.

. As técnicas e jogos teatrais realizados com os integrantes das oficinas


servem como veículo para a construção e expressão de opiniões. Estimulando
o encontro do olhar destes jovens com a visão de outros, há uma
reestruturação em cada indivíduo. Já que, em cada exercício realizado há o
contato com as individualidades expostas pelos sujeitos que compõe a aula.

É através dos jogos teatrais que o aluno torna-se aberto. O jogo retira as
preocupações dos pensamentos, para jogar é preciso viver o presente e, para
tanto, mantêm-se a atenção no momento. Já expostos no jogo, em atividade
lúdica, o participante tira amém suas amarras como a preocupação com a sua
imagem, com o olhar do outro. Assim, o participante da oficina torna-se mais
livre para experimentar os estímulos do educador e construir, através dele, seu
próprio saber.

Ao oportunizar a construção de um saber próprio, conduzindo à reflexão


e não impondo suas verdades, o educador abre campo para o exercício da

35
autonomia pelo educando. É através dela que o individuo pode passar para o
processo de independência, para a sua inclusão:

É com ela, a autonomia, penosamente construindo-se que a libertade


preenchendo o “espaço” antes “habitado” por sua dependência. Sua
autonomia que se funda na responsabilidade vai sendo assumida.
(FREIRE, 1996, p 94)

Apenas quando independente, compreendendo sua responsabilidade e


a importância de sua escolha e conduta que o indivíduo pode inserir-se,
finalmente fazer parte, para poder ser possível a inclusão social descrita no
projeto idealizado pelo Departamento Municipal de Habitação.

5. DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Transição é um ato de passagem, de mudança. Os moradores da Vila


Dique em Porto Alegre passam por esse processo de transitar, de transformar-
se. Sabendo que nada é estático, que mesmo o ser humano inerte passa pelo
processo de envelhecimento, portanto mutante, compreende-se que
naturalmente este local iria transformar-se. O procedimento que acontece nesta
comunidade, entretanto, por ser brusco faz com que seus moradores tenham
que adaptar-se às transformações de maneira também brusca. A Vila Dique em
breve não irá existir, sua comunidade reassentada se manterá, mas num novo
ambiente, com outro contexto.

Analisando o contexto da comunidade Vila Dique, observamos a


intenção do Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB) de transferir
seus moradores para um loteamento popular no Bairro Sarandi sem que
perpetuem, nas novas moradias, os hábitos que possuem. Há dentro do
planejamento do projeto do órgão municipal medidas educativas que auxiliem

36
os moradores a adquirir uma nova postura, novas atitudes que os identifiquem
com a sociedade que atualmente os exclui.

A proposta das oficinas de teatro surgiu dentro das medidas educativas


como um meio de ensinar aos moradores hábitos perante o condomínio de
casas: as crianças encenariam os benefícios da nova localidade e das
moradias. Segundo o projeto, deveriam ser uma alternativa de motivação para
a transformação, assim, encenando ou observando as peças, os habitantes da
comunidade poderiam descobrir seus erros e corrigi-los, copiando as novas
atitudes mostradas pelo espetáculo educativo. Podendo, nesta visão conferir
aos indivíduos da Vila Dique subsídios para inclusão na sociedade.

A inclusão social, um dos motivos pelo qual a prefeitura promoveu o


projeto de reassentamento, no entanto não poderia ser, desta maneira,
contemplada. Já que os sujeitos em questão estariam apenas copiando e não
refletindo suas atitudes. Estariam eles mais uma vez excluídos, pois quem está
incluído faz parte, portanto tem escolhas, pode optar. A postura aderida na
vida, se for resultado de um recorte e de uma colagem é apenas uma ilusão, se
for pensada é um valor de vida, uma alternativa escolhida.

O Teatro neste contexto exposto, é uma prática educativa


domesticadora. Suzana Albornoz Stein, quanto a este tipo de ensino reflete:
“não praticamos o diálogo multi e mútuo-estimulante, mas praticamos uma
domesticação das consciências, dos comportamentos dos indivíduos e dos
grupos”. (1976, p 56).

No entanto, os moradores da Vila Dique, encontram-se em estado de


vulnerabilidade social, outro motivo descrito pelo Projeto de Trabalho Técnico e
Social pelo qual a prefeitura de Porto Alegre solicita o reassentamento. Mudar
este contexto é preciso. Mas de que maneira? Qual o método, o caminho?

Foi possível, nessa monografia, observar que o texto proposto pela


Prefeitura foi rejeitado pelas crianças. Eles não se sentiam confortáveis com as
ideias que o mesmo trazia, o texto não falava o que elas realmente sentiam

37
com relação à mudança. Assim, avalia-se que o incentivo ao protagonismo e
autonomia possa ser um caminho para uma educação menos determinista e
mais possibilista.
As oficinas teatrais que passaram a assumir uma postura onde não se
tentava domesticar ações, foi transformada num momento facilitador do
protagonismo de alguns jovens moradores da comunidade. Os mesmos,
utilizavam este espaço como um meio de expor seus sentimentos. Logo foi
criada uma nova peça teatral criada pelos oficinandos, partindo de suas
experiências. A construção de uma dramaturgia a partir de um processo
criativo trouxe ganhos únicos para o grupo teatral.
Verifico que a oportunidade de revelar-se de forma artística, que
significa, neste caso, expressar-se através do teatro, possibilitou aos
integrantes da oficina uma abertura para o mundo. Expondo suas opiniões e,
em contrapartida, visualizando às ideias expostas pelos colegas os alunos
podem traçar comparações para a chegar a um novo pensamento, ou para o
reafirmar a convicção em seus antigos pensamentos, construindo consciência
crítica. A consciência crítica é uma possibilidade de recriar a realidade
individual e do grupo, ética e esteticamente.
A reflexão traz possibilidades que as verdades estáticas não
possibilitam. Quando existe um tema e esse é examinado, discutido com
opiniões diferentes pode-se chegar a conclusões que não se calculavam.
Quando, por outro lado, temos uma opinião única elevada ao patamar do
indiscutível, temos como resultado uma forma domesticada, sem a essência
consciencial.
O educador que está aberto aos saberes do educando não entende a
sua opinião como incontestável, pois está sujeito a conseguir mais do que
apenas ensinar, está inclinado a também aprender.
A consciência de que estes alunos da periferia da Vila Dique possuem
pensamentos de relevância pra serem ditos ao mundo faz com que elevemos
esses indivíduos da situação de necessitados ao patamar de necessários.
Fazer com que isso seja descoberto pelo aluno faz com que ele compreenda

38
sua responsabilidade social. Todavia, como construir uma metodologia que
possibilite a chegada desta compreensão?
Ao iniciar meu processo de busca às respostas dos questionamentos
que iniciaram este trabalho deparei-me com mais perguntas. A falta de material
específico sobre a mudança fez com que me enxergasse, não apenas no papel
de professora, mas também investigadora e cientista. Como se a todo o dia
não houvessem respostas, mas a possibilidade de fazer experiências. Me
perguntava: como realizar um trabalho onde todos estão compartilhando? E
como resposta encontrava um “não sei”. Questionando-me sobre a relação que
deveria ter com estes alunos que, sem raízes, freqüentam minha sala?
Encontrava como resposta “não sei”. Colocando em cheque como organizar
peças teatrais onde não se pode contar com a presença constante de todos,
recebia mais uma vez como resposta um “não sei”. Minhas respostas a
perguntas também minhas me impulsionaram a investigar. O “não sei”
freqüente, pouco a pouco evoluindo para uma metodologia bem mais simples
do que imaginava.

A verdade é que sempre se tem dúvidas, como educadores, no entanto,


estamos acostumados a respondê-las, muitas vezes escondidos em métodos
aplicados inúmeras vezes porque sabemos que funcionam. Sem essa
sustentação, afinal, quem somos?

“Contra a parede” descobri coisas únicas que não aprenderia em minha


zona de conforto. O medo de que desse tudo errado, sempre constante em
minhas práticas na Vila Dique, também presente na falta de hábito em escrever
me trouxeram inúmeras descobertas. Primeiro a de que, sim, temos que ser
esperançosos enquanto educadores, correr riscos, mas esperando os melhores
resultados, mesmo que eles não apareçam toda vez que se tente. É nessa
entrega ao inesperado que deixamos de ser apenas professores, tornamo-nos
também aprendizes. Refletindo sobre toda esta caminhada vejo que este
processo pode ter transformado a mim muito mais do que eu a ele.

39
Foi assim, sem respostas, que encontrei a diferença entre um teatro na
periferia e da periferia. Já que, construindo, estando aberta às inúmeras
possibilidades que os alunos traziam não impus, conduzi e também me permiti
ser conduzida.

Para o trabalho de Teatro na Vila Dique o Projeto de Trabalho Técnico e


Social (PTTS) já possuía respostas, a de uma reflexão sobre Saneamento
Básico e Meio Ambiente. Esses assuntos, mesmo que ricos em possibilidades
já desenhavam o caráter das oficinas. Escapando dessas decisões
anteriormente estabelecidas encontrei um trabalho particular de um Grupo de
Teatro, a peça teatral funcionou como uma expressão de seus pensamentos.

Neste contexto de teatro na periferia, ter o que se expressa torna-se tão


importante quanto expressar. O processo de construção de consciência deve
ser também principio para as práticas de arte-educação, pois é através dele
que o sujeito toma posse de seu histórico, debate seus pensamentos e também
o expande.

O arte-educador não é apenas um transmissor de informações, mas um


elo entre dois mundos. É através dele que os alunos têm contato com o
universo do qual estão a margem pela baixa renda de suas famílias e também
pela localidade em que moram. Como uma ponte que liga duas situações, o
educador faz o intermédio dos pensamentos dessas realidades para que o
indivíduo em situação de vulnerabilidade social reflita e construa seus saberes.

O aluno em uma prática teatral neste contexto não trabalha apenas para
conhecer-se ator, mas para transformar-se em um ator em duplo sentido
atuador e atuante, para que como agente artista possa mudar sua realidade.

O teatro pode e também tem o dever de, em um contexto de educação


na periferia, ir além de uma preocupação apenas com a estética ou com a
crítica social:

40
Ao proporcionara a experiência estética o senso de
coletividade e a capacidade para o diálogo, o teatro torna os
indivíduos capazes de fazer escolhas e produzir um discurso
crítico sobre a realidade, para então levá-lo ao debate do
espaço público. (VIGANÒ, 2006, p35)

Sendo assim, a educação teatral acontece de forma a proporcionar a


observação do participante da oficina sobre a realidade, compreendendo,
assim, sua história para que perceba que não é estática e está passível de
mudança, para que também descubram sua responsabilidade perante essa.

41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, A. M. Conflitos e Acertos. São Paulo: Max Limonad, 1984

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