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Parte 5 Manual Processos Cisolo

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APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO

1
PARTE V

PROCESSOS NO SOLO

1. FACTORES DE FORMAÇÃO DO SOLO


Baseado em Oliveira et al., 1992 É preciso ressaltar que há distinção entre clima atmosférico e clima
do solo, não obstante haja entre ambos uma estreita relação.
Todos os solos existentes na paisagem reflectem sua história. Dentro duma área fisiográfica podem ocorrer condições particulares
Desde o primeiro instante da sua génese até o presente, fenómenos que determinam variação no clima do solo, às vezes a curta
físicos e químicos diferenciados ocorreram no material que lhes deu distância.
origem; tendo motivado progressivas transformações que se
reflectem na sua morfologia e nos seus atributos físicos, químicos e Moçambique, devido a sua grande extensão norte-sul, oferece
mineralógicos. condições muito diferenciadas de recebimento das radiações do sol.
Assim, na região de baixa latitude (norte), a energia solar que atinge
Podemos distinguir cinco factores de formação do solo que a superfície da terra é, em igualdade de condições de relevo, bem
motivam directa ou indirectamente as manifestações mais ou menos maior do que a recebida pelas províncias sulinas. A latitude influi,
agressivas de transformação: clima, relevo, seres vivos, material de portanto, directamente nos regimes térmicos regionais. Isso é muito
origem e tempo (JENNY, 1941). importante no fenómeno de desenvolvimento dos solos, pois a
velocidade de muitas reacções químicas é directamente (e
É preciso sempre ter em mente que qualquer solo é o produto positivamente) relacionada à temperatura.
do efeito da acção combinada de todos esses factores de formação:
é o resultado de acções, condicionamentos e interacções Além da temperatura, a quantidade de água de chuvas que
envolvendo tais factores de diversas formas, como indicado atinge e penetra a superfície, é factor igualmente destacado nos
esquematicamente na Figura V-1. processos de formação dos solos. Regiões húmidas, com
excedentes de água, apresentam normalmente solos mais
É verdade que diferenças em um deles, por exemplo relevo, evoluídos do que regiões secas, porque os processos ocorrem num
podem ser a principal causa para o desenvolvimento de meio aquoso (na interface líquido-sólido), e porque a remoção
determinado solo. Porém, as diferenças de relevo estão associadas contínua de subprodutos das reacções, (sob clima húmido) causa o
com variações na vegetação, com o regime hídrico do solo e, procedimento dessas, sem que equilíbrios, possam se estabelecer.
provavelmente, com sua drenagem, exercendo conjuntamente
influência no seu desenvolvimento. O enorme volume de água que percola através dos solos nas
regiões húmidas, promove a hidratação de constituintes e favorece
Quando atenção é dada apenas a um dos factores de a remoção dos catiões libertados dos minerais pela hidrólise 1,
formação, subestimando ou ignorando o efeito combinado de todos, acelerando as transformações de constituintes e,
podem ocorrer sérios erros de entendimento da variabilidade dos consequentemente, o processo evolutivo do solo.
solos na paisagem, implicando incorrecta compreensão da sua
identificação. É pelos fenómenos de hidratação e de hidrólise, aliados ao de
redução e oxidação, que a solução do solo age sobre os minerais
Numa perspectiva muito simplista e abreviada, o clima e os das rochas, do material de origem e dos horizontes do perfil do solo,
seres vivos podem ser tidos como factores activos que exercem alterando-os e promovendo o transporte selectivo de elementos
acções modificadores, providenciam energia e fornecem compostos libertados e de compostos neo-formados, quer de um horizonte para
líquidos, gasosos e sólidos orgânicos. O relevo é responsável, outro, quer mesmo removendo-os do perfil rumo aos rios, lagos e
sobretudo, por condicionamentos modificadores das acções oceanos.
exercidas pelos anteriores, similarmente, ao tempo, que é
responsável pela duração em que as acções exercidas possam Deve-se ainda ressaltar que cabe à precipitação pluvial,
operar. O material originário responde pela diversidade de especialmente pela sua erosividade2, importante participação na
matéria-prima, passível às modificações que se venham a operar à modelagem da paisagem. É claro que nos processos erosivos, tanto
medida que a formação dos solos se processe. nos episódicos, como nos catastróficos, há retirada de material do
solo e das rochas das áreas situadas nas porções mais altas da
paisagem (zona de ablação) e sua deposição (sedimentação) nas
1.1. Clima partes mais baixas. Em certas regiões também o vento pode actuar
O clima constitui um dos mais activos e importantes factores de como um importante agente erosivo.
formação do solo. De seus elementos, destacam-se a temperatura,
a precipitação pluvial, a deficiência e o excedente hídrico.
1
Hidrólise: reacção entre os íons H+ e OH- da água com os constituintes mineralógicos das rochas.

2
Erosividade: poder intrínseco da chuva em causar erosão, que depende da sua intensidade, frequência e
duração.

Parte V "Processos no solo"


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2

Erosão
RELEVO CLIMA
Rejuvenescimento

ORGANISMOS
MATERIAL PARENTAL Temperatura
H2O microor-
CO2 ganismos
minerais
O2

microorganism-os &
matéria
orgânica
uso de
nutrientes

S
e
d Hidrólise, Hidratação, solução Humificação
i Oxidação, Redução
m
e
n
t
o
s

RESÍDUOS
RESISTENTES HUMUS, NO3-, NH4+
Quartzo, zircon ÁCIDOS ORGÂNICOS

COMPOSTOS ALTERADOS SOLUÇÃO DE METEORIZAÇÃO DE


Óxidos hidratados, ROCHAS
minerais de argila, sílica Na+, K+, Ca2+, Mg2+, SiO44-, Cl-, SO42-, etc

Dispersão, Agregação
Precipitação, troca de iões, translocação

Lixiviação

SOLO Água freática e


superficial

Figura V-1. Acções e interacções dos factores de formação do solo

Parte V "Processos no solo"


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3

Figura V-2. Velocidade de produção (A) e decomposição (B) de matéria orgânica sob drenagem boa (B1) e
má (B2), em função da temperatura média anual (Fonte: Van Dam, 1971).

Além das chuvas, outros elementos climáticos intervêm no O termo relevo refere-se às formas do terreno que compõe a
regime hídrico dos solos e na lixiviação dos mesmos. A evaporação paisagem. O relevo influência a formação dos solos de diversas
na superfície dos solos pode causar o movimento ascendente da formas interligadas:
solução do solo por efeito da transmissão por capilaridade, o que  dinâmica da água, tanto no sentido vertical (infiltração), como
pode levar à acumulação de sais solúveis. Assim, afora o regime de no sentido lateral (escoamento superficial e fluxo da água
chuvas, a insolação, a humidade relativa do ar e a incidência de subterrânea), resultando em variações de:
ventos têm influência nos processos de formação dos solos.  processos de erosão e sedimentação;
 hidrólise e lixiviação;
O clima tem um marcado efeito condicionador na distribuição  clima do solo (humidade);
dos seres vivos, particularmente no tocante à vegetação primária.  clima do solo (temperatura e humidade) através da incidência
Assim, as formações vegetais naturais guardam relações de diferenciada da radiação solar;
dependência com as condições climáticas, incluindo a influência do  clima do solo (temperatura) através do decréscimo das
regime de humidade dos solos. Exemplos marcantes são, entre temperaturas com o aumento da altitude.
outros, as florestas equatoriais ombrófilas (húmidas) densas no
médio Amazonas e África Central; os bosques abertos e savanas A água que cai sobre um terreno e não se evapora, tem dois
das regiões sub-húmidas e semi-áridas da África Austral e as possíveis caminhos: penetrar no solo ou escorrer pela superfície.
florestas de clima temperado (pinheiros) no Canadá. Geralmente, segue concomitantemente ambos os caminhos, com
maior ou menor participação de um ou outro, dependendo das
O ciclo do material orgânico no solo está intimamente condições do relevo (declive e comprimento da vertente), da
relacionado com o clima e com as espécies que determinam a cobertura vegetal e de factores intrínsecos do solo.
velocidade de produção e decomposição de matéria orgânica. Tanto
a velocidade de produção como de decomposição aumentam com a Em terrenos declivosos, a quantidade de água que penetra no
temperatura, e dependem do regime hídrico, mas de formas solo é, em igualdade de incidência de precipitação pluvial,
diferentes. Assim, o teor de matéria orgânica do solo no ponto de normalmente menor que nos terrenos menos inclinados. Na
equilíbrio pode ser considerada como função do clima pedológico, coexistência de ambas as situações, compartilhando uma porção da
como ilustrado simplificadamente na Figura V-2. paisagem, as áreas menos declivosas recebem o acréscimo de
água do escoamento superficial proveniente das áreas mais altas.
Os aspectos climáticos são, portanto, muito importantes no que
concerne à distribuição dos solos na paisagem. Áreas territoriais A quantidade e velocidade do escoamento superficial da água
com prevalência de importantes diferenças do ponto de vista dependem tanto do declive como do comprimento da vertente e da
climático são cobertas por solos diferentes. presença de obstáculos (microrrelevo). Nos casos em que a energia
cinética da chuva for suficiente para deslocar partículas da
superfície do solo, depende da quantidade e velocidade da água
que escoa pela superfície se estas partículas podem ser removidas
e transportadas (erosão) e/ou sedimentadas. A remoção das
1.2. Relevo partículas do solo pela erosão, em termos de formação do solo é

Parte V "Processos no solo"


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considerado um fenómeno de rejuvenescimento, pois o solo mais manifestações mais notórias nos solos são decorrentes do aumento
"maduro" é constantemente removido (ablação) enquanto o material das condições de humidade, com suas consequências no contexto
parental fica mais exposta à superfície. mineralo-químico, e a diminuição das temperaturas, favorecendo a
acumulação de matéria orgânica, exibida pela espessura e cor
O relevo, ao favorecer ou limitar a penetração da água no solo, escura dos horizontes superficiais dos solos das regiões
age sobre o seu regime hídrico e, consequentemente, também montanhosas.
sobre a sua evolução: a variação do volume de água que percola no
solo implica directamente o grau de eficiência dos fenómenos de
hidratação, hidrólise e, destacadamente, o de lixiviação, 1.3. Organismos
promovendo transferência de solutos. Os organismos - microflora, microfauna, macrofauna e
macroflora - pelas suas manifestações de vida, quer na superfície,
Em terrenos aplainados, a eliminação da água pelo quer no interior dos solos, actuam como agentes de formação do
escoamento superficial é fraca. Assim, num sistema aberto (de solo. O homem também faz parte desse contexto, pois, pela sua
drenagem livre), há um acentuado fluxo de água através do perfil actuação, pode modificar intensamente as condições originais do
favorecendo a lixiviação. Num sistema (mais) fechado, onde os solo. A macroflora, de entre os organismos, sobressai pela sua
solos ocorrem em terreno plano e/ou deprimido com condições que intensa e mais evidente actuação como factor pedogenético.
restringem o fluxo da água (i.e. restrição da drenagem) a lixiviação é
muito limitada. Nestes sistemas, as condições são ideais para os A acção mais importante da macroflora é nos fenómenos de
fenómenos de redução, devido ao prolongado encharcamento, adição de compostos orgânicos, tanto na superfície, através dos
resultando em solos particulares, denominados hidromórficos: solos resíduos vegetais aí depositados, como no interior do solo,
caracterizados pela presença de cores/ou mosqueamentos mediante restos que se decompõem. Dependendo da espécie
acinzentados ou até azulados/esverdeados. Na circunstância fornecedora e do clima, formam-se variados compostos orgânicos,
extrema de ambiente permanentemente saturada com água promovendo acções específicas sobre a complexação de
(pântano), dá-se o acúmulo superficial crescente de matéria compostos químicos e as translocações selectivas no solo.
orgânica, podendo originar os chamados solos orgânicos.
A vegetação tem uma participação activa nos processos de
Solos de terrenos íngremes apresentam, em geral, clima mais troca catiónica no material do solo, pela acção do contacto directo
seco do que aqueles de relevo mais suave. Em consequência, a das raízes com as superfícies coloidais. Também tem uma
vegetação natural dos solos das vertentes declivosas consiste de participação relevante no armazenamento de nutrientes do sistema,
matas mais secas do que os solos de terrenos menos íngremes. pela absorção de nutrientes da solução do solo (às vezes de
Nas áreas cuja vegetação revela menor disponibilidade de água profundidades consideráveis), os quais retornam ao solo devolvidos
e/ou maior transitoriedade de residência das águas pluviais, as nos resíduos vegetais na superfície, ou são exportados pela retirada
reacções de hidrólise e dissolução processam-se em condições de matéria vegetal, por exemplo pelas colheitas agrícolas.
hídricas menos favoráveis e é aumentada a frequência de
alternação de humedecimento e secagem dos constituintes Fenómenos importantes de reciclagem de nutrientes são
coloidais inorgânicos. Disso resultam solos relativamente menos comuns em matas. Há registros de solos com soma de bases3 de
profundos e menos evoluídos do que os situados em condições de mais de 200 mmolc.kg-1 na camada superficial e menos de 20
relevo mais suave, onde as condições hídricas determinam um mmolc.kg-1 nos horizontes subsuperficiais (OLIVEIRA & MENK,
ambiente húmido mais duradouro. 1984). Esses transportes selectivos, efectuados pelas soluções
vasculares, portanto independentes das forças da gravidade, são
Outra implicação do relevo é sobre a taxa de radiação e, valiosos para a diferenciação de horizontes.
consequentemente, sobre o clima do solo em diferentes situações
de exposição do terreno à acção solar. Em regiões montanhosas, Os remanejamentos mecânicos realizados nos vazios deixados
por exemplo, dependendo da orientação das encostas, a variação pelas raízes que se decompõem no interior do solo, assim como
de incidência da radiação solar é significativa. Nas vertentes mais aqueles devidos à queda de árvores, influem no processo de
sombreadas (face sudeste, no hemisfério sul), as temperaturas dos homogeneização do material do solo. Similarmente, a pressão
solos são menores, assim como a evapotranspiração, resultante do crescimento dos órgãos subterrâneos das plantas e o
condicionando ambientes mais húmidos, em comparação com as efeito aglutinante pela aderência das radicelas e a extracção de
vertentes voltadas para o noroeste, mais ensolaradas à tarde líquidos exercem acção mecânica.
(encostas soalheiras). Resultam, dessas condições, solos com
morfologia e composição diferenciadas segundo as posições das A cobertura vegetal, composta pela macroflora, tem uma acção
encostas. passiva como agente atenuante da agressividade climática. Sua
acção protectora depende de sua estrutura e tipo. Assim, tomando
Ainda como acção indirecta do relevo, exercendo apenas os casos extremos, há, nas florestas densas uma cobertura
condicionamento modificador no clima, pode-se citar o "zoneamento eficaz, protectora contra a acção directa das chuvas. Nas regiões
altitudinal" do clima pelos aumentos de grande magnitude da semi-áridas as chuvas, raras e usualmente torrenciais, encontram
elevação dos terrenos nas regiões serranas em comparação às
terras baixas adjacentes. As temperaturas decrescem com a
altitude, constatando-se uma diminuição de 0.5ºC nas temperaturas 3
bases: termo muito usado para indicar cations não ácidos, os mais comuns no solo são Na+, K+, Ca++ e
médias (média das médias) anuais para cada 100 m. As Mg++

Parte V "Processos no solo"


APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
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uma vegetação bem menos efectiva na protecção do solo,
resultando em acentuadas enxurradas de forte poder erosivo.
1.4. Material de origem
A cobertura vegetal, proporcionando sombreamento e um O termo material de origem ou material parental (Ing. parent
manto de resíduos vegetais, revestindo a superfície dos terrenos, material) refere ao material inconsolidado a partir do qual o solum se
também exerce efeito atenuador na temperatura do horizonte desenvolve (Soil Survey Staff, 1951).
superficial dos solos, repercutindo na diminuição da evaporação. A
cobertura vegetal desempenha também uma função protectora na No caso dos solos desenvolvidos em sedimentos não
fixação de materiais sólidos, como nas dunas ou nas planícies consolidados, estes sedimentos formam o material de origem. Nas
aluvionais. descrições pedológicas podem ser indicadas como camada C.

É interessante mencionar a acção exercida pelas florestas, No caso dos substratos rochosos, o material de origem
através da transpiração das plantas, particularmente notável nas distingue-se da rocha mãe (Ing. parent rock) por já ter sofrido
regiões equatoriais de alta densidade vegetal. Não só têm processos de meteorização4 que transformaram a rocha dura num
participação relevante na composição gasosa da atmosfera como material não consolidado, mas que ainda conserve a estrutura
intervêm no ciclo da água, retirando-a dos solos e transferindo-a no rochosa, denominado saprolita. Nas descrições pedológicas este
estado gasoso à atmosfera. Bem ilustrativo é o facto de, naqueles material é indicado como horizonte C, e a rocha mãe, como camada
ambientes florestais equatoriais húmidos e superhúmidos, os R.
terrenos se apresentarem, por algum tempo, mais húmidos logo
após as derrubadas. A distinção entre a formação do material parental a partir da
rocha mãe, e a formação dos solos é apenas uma questão de
Cabe ainda lembrar o efeito da cobertura vegetal nas visualização conceitual, porque, como fenómenos naturais, ambas
condições microclimáticas e até climáticas regionais que podem se devem à interferência dos mesmos agentes e são ocasionados
sofrer mudanças com as grandes alterações na cobertura vegetal por reacções da mesma natureza e que se efectivam mediante
em amplas extensões territoriais. alterações, decomposições e neoformações análogas. Pode-se
dizer que a meteorização age, tanto na produção de material
Muito relevante é a acção dos organismos exercida na saprolítico derivado das rochas, como no processamento da
composição do ar dos solos. A função respiratória dos seres vivos e formação dos solos. Existem muitos casos em que o solo assenta
as transformações inerentes ao metabolismo alimentar afectam praticamente directamente na rocha mãe, não há horizonte C. Isto
reacções de oxidação, de redução, de carbonatação, condicionando significa que a formação do solo acompanha a transformação da
a solubilização de minerais das rochas, de compostos químicos rocha mãe em saprolito.
inorgânicos delas derivados, tornando-os disponíveis ou não na
água do solo. Não é sempre fácil identificar o material de origem com certeza.
Especialmente em regiões tropicais, ao longo dos tempos, foram
A macrofauna actua sobretudo como agente homogeneizador frequentes os retrabalhamentos dos mantos superficiais; sendo os
dos solos; desfazendo a estrutura rochosa e/ou estratificação do produtos da meteorização sobre as rochas transportadas tanto a
material de origem. São muito citados os efeitos dos tatus, curta como a longa distância. Por outro lado, as condições de
pangolins, toupeiras e de muitos roedores que cavam buracos. A meteorização no ambiente tropical húmido e subhúmido são
chamada mesofauna, consistindo de minhocas e insectos como notavelmente agressivas, promovendo intensas alterações e
térmitas e formigas, bem como as larvas de muitos insectos decomposição muito adiantada dos constituintes iniciais. Nessas
voadores, são responsáveis pela formação dum sistema de poros circunstâncias, torna-se difícil vislumbrar o que tenha existido e
estáveis e heterogéneos. Estes poros melhoram o enraizamento vindo a transformar-se nos solos presentemente encontrados.
das plantas e a disponibilidade de água, bem como a remoção de
excessos de água e consequente aeração do solo. Vários Os materiais de origem dos solos podem ser provenientes do
pesquisadores atribuem a típica microestrutura dos solos vermelhos substrato em que se encontram (solos ditos autóctones), ou
fortemente meteorizados das regiões tropicais à acção das térmitas. oriundos de fontes distantes. No primeiro caso, a produção do
material de origem e o desenvolvimento dos solos têm lugar
Os micróbios, por sua vez, têm acção marcante na directamente a partir da rocha subjacente e as transmutações
decomposição dos compostos orgânicos, na fixação de nitrogénio, operam (ou operaram) em materiais de origem de natureza
em certos processos de oxidação e/ou redução. Todas estas acções comparável àquela dos actuais produtos de meteorização do
têm importantes reflexos na morfologia e composição dos solos. substrato sobre o qual se encontra. Nos materiais oriundos de
outros locais, próximos ou não, os materiais de origem dos solos
O homem constitui um elemento perturbador da constituição e sobrepõem-se ao substrato rochoso local. Esses materiais são
arranjo das camadas dos solos, através das modificações que chamados pseudo-autóctones se forem de composição similar
imprime na paisagem: desmatamentos, reflorestamentos, aberturas aos produtos de meteorização do substrato a que se encontram
de estradas, aplainamentos, escavações; ou através de alterações sotopostos, como acontece frequentemente nos retrabalhamentos
que visam a modificação directa do solo, como arrações e
4
gradagens, aplicação de correctivos e fertilizantes, irrigação, conjunto de processos físicos, químicos e biológicos, que atuam sobre as rochas e minerais expostos

drenagem; ou mesmo através da simples e continuada deposição na interface litosfera - atmosfera, desintegrando-os e decompondo-os quimicamente. No Brasil, o termo

de restos da sua faina diária. meteorização é considerado obsoleto entre os pedólogos, preferindo-se "intemperismo".

Parte V "Processos no solo"


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ocorridos a curta distância. Materiais de composição distinta, são
indicadas por alóctones.
1.5. Tempo
O material de origem, qualquer que seja sua fonte, tem Dos factores de formação, o tempo é mais passivo: não
primordial importância em muitos atributos dos solos, entre os quais adiciona, não exporta material nem gera energia que possa acelerar
se destacam a textura, a cor e a composição química e os fenómenos de meteorização mecânica e química, necessários à
mineralógica. formação de um solo. Contudo, o estado do "sistema solo" não é
estático, varia no decorrer das transformações, transportes, adições
A composição granulométrica dos constituintes sólidos e perdas que têm lugar na sua formação e evolução.
inorgânicos em que consistem os solos, depende intimamente da
granulometria e da constituição mineralógica do material de origem, A história da maioria dos solos tem início num passado mais ou
aliada às condições climáticas locais: materiais de origem de menos remoto, a partir de um imaginário tempo zero. A partir desse
constituição arenoquartzosa (arenitos, coberturas superficiais referencial, os materiais que lhe deram origem, começaram a sofrer
arenosas) vão originar, em qualquer condição climática, solos de uma série contínua de transformações, as quais são tanto mais
textura arenosa, muito porosos, com pequena capacidade de intensas e rápidas quanto mais agressivas forem as acções
retenção de humidade e baixíssima fertilidade, salvo os que pedogenéticas actuantes.
ocasionalmente tenham ou tiveram adição de constituintes
alienígenas favoráveis, como o acréscimo de detritos conchíferos A despeito dessa formação conceitual simplificada, não existe
existentes em locais do litoral. Materiais oriundos de rochas como o um divisor rigoroso entre o que se deseje visualizar como mais
diabásico, basalto, diorito, micaxisto, mármore e ardósica, sob afecto à meteorização do substrato rochoso e produção de material
condições de clima quente e húmido e em terrenos de topografia originário (catamorfismo propriamente dito) num lado, e à geração
suave, tendem a originar solos profundos e argilosos de variada dos solos (pedogênese, em sentido restrito) noutro lado. Na
composição química e mineralógica. No entanto, é importante realidade, com referência ao material originário, os fenómenos são
ressaltar que de um mesmo material de origem, dependendo das contínuos, sendo pouco comuns os casos em que se pode, de
condições impostas pelos outros factores de formação podem facto, reconhecer o início da formação dos solos.
resultar solos muito diferentes.
O conhecimento da duração do período de gestão dos solos é,
Usualmente, a composição mineralógica dos solos e a sua contudo, muito complexo. A geomorfologia ensina que, na África e
constituição química dependem directamente da natureza das América do Sul, é possível encontrar desde materiais de origem
fontes que lhes deram origem. Materiais de origem bem providos recente até aqueles que se situam entre os mais velhos de que se
em minerais ricos em cálcio, ferro, magnésio, fósforo, potássio e tem notícia na Terra.
outros elementos, facultam naturalmente condições, mas não
constituem garantia, para que os solos apresentem teores elevados Nas planícies aluvionais que ainda recebem, através das
desses elementos. Como corolário, verifica-se que fontes pobres, inundações, adições periódicas de material, encontram-se exemplos
por via de regra, geram solos pobres. Todavia, a natureza engendra de cronologia muito recente. Por outro lado, nas extensas áreas
situações aparentemente paradoxais, que muitas vezes podem ser continentais, como os planaltos que constituem os divisores dos
explicadas por adições externas, p.e.: solos que recebem poeiras grandes sistemas hidrográficos - por exemplo o soco precambriano
vulcânicas; que recebem elementos químicos veiculados pelas encontram-se velhas superfícies de aplainamento, cobertas por
brisas marítimas; e, em áreas de poluição atmosférica intensa, solos depósitos superficiais correlativos, os quais têm a mais longa
afligidos pelas chuvas ácidas5. história entre os solos Africanos e mesmo no contexto geográfico
mundial. Seu início de formação deu-se há muitos milhões de anos.
A neoformação de minerais de argila, como a caulinita e a
smectita, depende também da existência de determinados Entre esses casos extremos, há toda uma profusão de áreas,
elementos na solução do solo, os quais têm como fonte o material com materiais dos quais resultaram solos das cronologias mais
de origem. variadas.

Adicionalmente, o material de origem influi na intensidade das É interessante fazer a distinção entre idade (cronologia) e
reacções perante o tempo necessário para as transformações que maturidade (evolução) dos solos. Alguns solos podem apresentar
se devem realizar no transcurso da formação dos solos. Por idade absoluta relativamente pequena e ser bem mais maduros
exemplo, no material de origem proporcionado por um siltito existem (evoluídos) que outros com idade absoluta bem maior. A idade
menos constituintes a alterar, decompor, mobilizar, translocar para absoluta de um solo é a medida dos anos transcorridos desde seu
processamento da formação de solos evoluídos, do que nos início até determinado momento, enquanto a maturidade é expressa
produtos derivados de um diabásico. No segundo caso, a formação pela evolução por ele sofrida, manifesta por seus atributos, em dado
de um solo evoluído seria mais demorada, caso os demais factores momento de sua existência.
da formação dos solos forem iguais.
Em igualdade de condições de duração de eventos
pedogenéticos concernentes a determinado material de origem em
zonas semi-áridas e os concernentes a um material de origem numa
5 zona quente e húmida, e admitida igualdade de condições de
Nota-se que estes materiais devem ser considerados como parte do material de origem, e não como

produtos da formação do solo.


relevo, os solos resultantes são menos evoluídos na zona semi-

Parte V "Processos no solo"


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árida do que na região quente e húmida, onde as temperaturas e deposição desse material num clima húmido (com uma precipitação
precipitações elevadas aliadas a eficiente actividade biológica que excede a evapotranspiração) vários processos afectarão a
favorecem a meteorização física e química e, consequentemente, composição química do material. O carbonato de cálcio é dissolvido
aceleram a evolução pedológica. e pode ser removido com a água de drenagem. Esse processo
chamado decalcificação começa na superfície do solo, e estende-
O factor de formação tempo é tido, portanto, como uma se subsequentementemente para as camadas mais profundas.
combinação do período através do qual o solo se formou e a Como a velocidade de dissolução do carbonato de cálcio é elevada
velocidade e intensidade das actividades químicas, físicas e em comparação com a velocidade de percolação de água, o
biológicas responsáveis pela transformação do material de origem percolado fica rapidamente saturado com carbonato de cálcio.
"bruto" em um solo. O conhecimento de tempo da formação em Portanto a dissolução somente pode ocorrer na parte superior da
termos cronológicos absolutos (reais), só é possível em casos raros camada que ainda contêm calcário. Consequentemente o limite
em que a natureza propicia condições favoráveis, ou a acção entre o solo superficial decalcificado e o solo subsuperficial com
humana faculta a datação cronológica de eventos realizados que calcário tende a ser abrupto. Na prática este limite costuma ser mais
ocasionaram a sua formação. gradual, enquanto o processo decorre a pouca profundidade
A PROCESSOS TÍPICOS PARA SOLOS BEM DRENADOS DE (<1.5m), devido à actividade biológica que causa uma certa
CLIMA (SUB)HÚMIDO homogeneização dos materiais.

Apesar dos processos discutidos nesta secção serem típicos Na ausência de ácidos fortes no solo, a solubilidade de CaCO3
para solos bem drenados de clima húmido ou subhúmido, estes depende da pressão de CO2 na pedosfera (atmosfera do solo) e da

Figura V-3. Solubilidade de Carbonato de cálcio em função da pressão parcial


de CO2 a 5oC e a 20oC (Van Breemen and Protz, 1988)

processos não são totalmente confinados para estas condições. temperatura. A Figura V-3 mostra esta relação, baseada no
Alguns dos processos discutidos podem ocorrer também em solos equilíbrio para a reacção (2.1)
hidromórficos ou sob clima árido.
CaCO3 + CO2 + H2O  Ca2+ + 2HCO3- (2.1)
2. HIDRÓLISE E LIXIVIAÇÃO A solubilidade é maior sob pressão parcial de CO 2 alta e
temperatura baixa. A pressão de CO2 na pedosfera está comumente
2.1. Dissolução e lixiviação de carbonato de cálcio entre 0.1 e 1 kPa, i.e. várias ordens de magnitude maior que no ar
O material de origem de muitos sedimentos (eólicos, marinhos, livre (3.10-2 kPa). Este valor alto é causado pela combinação da
fluviais) contém quantidades consideráveis de calcário. Depois da actividade respiratória de microorganismos e raízes, e a lenta

Parte V "Processos no solo"


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difusão de CO2 do solo para a atmosfera. Resumindo, a velocidade e o material de origem, tende a ser difusa; e uma mesma camada
de decalcificação depende da velocidade de percolação de água; pode conter tanto minerais primários, como secundários.
da velocidade de produção de CO2 pelas raízes e microorganismos;
da velocidade de difusão de CO 2 do solo para a atmosfera; e da
temperatura. 2.3. Formação de óxidos de ferro; coloração bruna e vermelha
do solo
A solubilidade de Fe(III) é muito baixa. O Fe(II) que ocorre em
2.2. Lixiviação de sílica e cations básicos pequenas concentrações em muitos silicatos é mais solúvel que
Praticamente todos os componentes do solo dissolvem em Fe(III). No entanto, se o solo for bem drenado, o Fe(II), liberado
água, mas a maioria destes componentes são pouco solúveis e durante o processo de meteorização é prontamente oxidado ao
dissolvem numa velocidade muito menor que partículas finas de Fe(III). Neste estado o ferro fica precipitado na forma de cristais
carbonato de cálcio. O quartzo por exemplo tem uma solubilidade muito pequenos de goetita (-FeOOH). Este processo é
muito baixa: 4 a 8 mg de SiO 2 por litro. A concentração de silica em responsável pela cor acastanhada de muitos solos. Sob condições
equilíbrio com vários minerais de argila varia entre 5 e >120 mg de de temperatura elevada e baixa humidade, em certas regiões
SiO2 por litro, dependendo (entre outros factores) do pH, e da tropicais e mediterrâneas, uma mistura de goetita e hematita
concentração de outras substâncias dissolvidas como Al, Fe, Mg e (-Fe2O3, vermelha) são responsáveis por uma coloração
K. avermelhada.

Enquanto o solo tiver carbonato de cálcio, o pH ficará


geralmente entre 7 e 8.5. Neste ambiente a solubilidade de muitos 2.4. Formação de minerais secundários de alumínio
minerais de sílica é muito baixa. Depois da decalcificação o pH pode O alumínio também tem uma solubilidade muito baixa num
baixar para valores entre 5 e 7, nos quais os silicatos são muito ambiente com pH neutro. Se a concentração de sílica continuar
mais solúveis. A dissolução (meteorização) de silicatos em água muito baixa, como em regiões com alta precipitação, gibbsita,
contendo CO2 resulta em sílica dissolvida (H 4SiO4) e K+, Ca2+, Mg2+, Al(OH)3, pode ser formada (Eq. 2.3). Geralmente no entanto, o
bem como bicarbonatos, que são removidos com a água que alumínio, juntos com parte da sílica e dos cations básicos (Mg, K)
percola pelo solo. Este processo de dessilicação é ilustrado pela liberados durante a meteorização de silicatos, são transformados
seguinte reacção: em minerais de argila. Este processo é ilustrado pela Equação (2.2):
Feldspato é meteorizado, resultando na formação de H4SiO4, K+,
HCO3- e caolinita. O mineral de argila que é formado depende da
2KAlSi3O8 + 11H2O +2CO2  2K+ + 2HCO3-+ composição da solução do solo. Condições de pH relativamente alto
(>7) e concentrações elevadas de sílica e magnésio são favoráveis
(K-feldspato) + 4H4SiO4 + Al2Si2O5(OH)4
para a formação de montmorilonita. A caolinita é formada sob
(caolinita) (2.2) condições de pH mais baixo e soluções mais diluídas. Se a
A reacção 2.2 é um exemplo de dissolução parcial dum mineral lixiviação for forte e o solo contiver minerais de argila expansíveis
primário (feldspato), e a formação simultânea dum mineral como vermiculita ou smectita, um outro processo pode ocorrer:
secundário (caolinita). Minerais primários são geralmente instáveis camadas de hidróxido de alumínio podem ser formadas entre as
em solos e tendem a decompor (meteorizar). Minerais secundários lâminas das partículas de argila. O resultado desta
também podem ser meteorizados, particularmente sob condições "interstratificação" é o desaparecimento do poder de expansão e a
ácidas ou se houver forte lixiviação (precipitação pluviométrica muito diminuição da capacidade de troca de cations. Esta argila
elevada que mantém a solução do solo muito diluída e interstratificada é chamada clorita pedogenética (Vide Parte I).
consequentemente "agressiva"):

Al2Si2O5(OH)4 + 5H2O  2H4SiO4 + 2Al(OH)3 3. TRANSPORTE VERTICAL DE ARGILA E DE MATERIAL DO


(2.3) SOLO
(caolinita) (gibbsita)
Muitos solos tem um horizonte subsuperficial com teor de argila
Minerais secundários formados de minerais primários e maior do que os horizontes sub e sobrejacentes. A origem de muitos
produtos de meteorização contínua (p.e. gibbsita) de minerais destes horizontes é pedogenética (são o resultado de processos
secundários contêm relativamente mais Al e menos sílica e bases ocorrendo no solo), e não geogénica (p. e. sedimentação laminada).
do que os minerais originais. Estes horizontes chamados "texturais" ou "árgicos" são
diagnóstico para a maioria dos sistemas de classificação de solos, e
A dissolução de silicatos num ambiente com clima húmido interferem em certas propriedades do solo.
(onde há lixiviação) é geralmente lenta demais para a solução do
solo chegar ao estado de equilíbrio. Por isto a velocidade de
meteorização destes minerais é determinada principalmente pela
cinética de dissolução, e menos (como no caso de calcário) pela 3.1. Eluviação e iluviação de argila
velocidade de lixiviação. Consequentemente, a transição entre o
material meteorizado, com predominância de minerais secundários Sob certas condições, partículas de argila podem facilmente

Parte V "Processos no solo"


APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
9
ficar dispersas e ser transportadas para baixo com a água que está suficiente para manter a argila floculada. Na maioria dos solos que
percolando no perfil do solo. Em outras condições as partículas contêm carbonato de cálcio, o (quase) equilíbrio da solução do solo
tendem a ficar floculadas e não podem migrar facilmente. Discutir- com CaCO3, mantém a concentração de Ca dissolvido neste nível;
se-á primeiramente as condições sob as quais as partículas ficam pelo menos no intervalo de pH 6.5 a 8.5. Se o pH for maior que 9, o
dispersas ou floculadas; depois serão discutidos os processos de que ocorre em solos com Na 2CO3, a solubilidade de CaCO3 é
dispersão, migração e iluviação, que causam a formação de deprimida, porque o equilíbrio da reacção Ca 2+ + CO32-  CaCO3 é
horizontes texturais. puxado para a direita, devido à concentração elevada de CO 32-.
Como resultado o cálcio é removido do complexo de troca e
A espessura da camada dupla difusa (CDD, a camada sob precipita como CaCO3 sólido, enquanto a participação de sódio no
influência das cargas negativas das lâminas de argila; veja Parte IV, complexo de troca aumenta. A argila com alto teor de sódio trocável
química do solo) depende principalmente da concentração de sais é facilmente dispersível.
na solução do solo e da composição catiónica no complexo de
troca. Se a concentração de sais for elevada, como em solos A estabilidade de argila contra dispersão também aumenta se
salinos, a CDD fica comprimida, e a argila tende a ficar floculada, as partículas de argila forem cimentadas por hidróxidos ou óxidos
independentemente da natureza dos cations trocáveis. Se a de ferro, como em solos fortemente meteorizados.
concentração de sais for baixa, a CDD também ficará comprimida (e
a argila floculada), se o complexo de troca for dominado por ions Mesmo se a argila for susceptível à dispersão, normalmente as
divalentes (Ca2+, Mg2+) ou trivalentes (Al3+). A CDD expandirá, e a partículas de argila não entram em suspensão espontaneamente. A
argila poderá dispersar, se a contribuição de ions Na + no complexo suspensão ocorre muitas vezes como resultado de pequenas
de troca for importante (>10% da CTC). Na figura V-4 indica-se de "explosões de ar". Isto ocorre tipicamente com as primeiras chuvas
forma esquematizada, como a estabilidade de argilas contra a depois duma época seca, quando agregados na superfície do solo
dispersão depende do tipos de cations dominantes na solução e do ficam rapidamente imersos. O ar nos poros desses agregados é
pH do solo. comprimido pela água que está entrando pela força capilar. A

Figura V-4. Estabilidade de argila contra a dispersão em solos não salinos


(esquemática). Fonte: Brinkman & Van Breemen, 1988.

Quanto mais baixo o pH, maior será a concentração de pressão do ar nos agregados pode ficar tão grande que os
alumínio (Al3+) na solução do solo em equilíbrio com minerais que agregados ficam destruídos por uma pequena "explosão". Como
contêm alumínio. Isto é consequência da reacção de equilíbrio: resultado disto, a argila pode entrar em suspensão, e ficará dispersa
se as composições do complexo de troca e da solução do solo
Al(OH)3 + 3H+  Al3+ + 3H2O (3.1) permitirem.
A suspensão pode mover-se para baixo através dos poros largos ou
Sob pH baixo (<5) o teor de Al 3+ é suficientemente elevado para pode ser "chupada" por acção capilar pelos poros finos. Se a água
manter a argila floculada, mesmo se a participação de Na + for for absorvida pela massa do solo, as lâminas de argila serão
grande. Sob pH maior que 5, o teor de Al 3+ trocável fica demasia- empurradas contra as paredes dos poros médios e largos. Isto
damente baixo para uma floculação efectiva. Entre pH 5 e 7 as resultará na formação de películas de argila orientada, também
concentrações de cations divalentes são geralmente pequenas (a chamadas "argilãs" (Ing: argillans ou clayskins). As películas
menos que haja uma fonte de Ca2+ relativamente bem solúvel, como podem ser identificados sob o microscópio na análise de lâminas
p.e. gipso), e a argila pode dispersar mais facilmente. delgadas. Ao olho nú podem dar um aspecto de "cerosidade"
(lustrosidade) às faces dos agregados, mas que podem facilmente
Em solos com pH entre 7 e 8.5 as concentrações de cations ser confundidos com "faces de pressão". "Ferri-argilãs" são
divalentes estão geralmente na ordem de 1 a 2 mmol.l -1, o que é

Parte V "Processos no solo"


APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
10
películas que obtiveram uma cor acastanhada devido à presença de "massa", procede-se numa velocidade maior que a migração de
óxidos de ferro. argila, e pode causar problemas sérios de compactação de
Geralmente a argila transmigrada tem um teor relativamente horizontes subsuperficiais. Translocação vertical de material de solo
elevado de argila fina (<0.2 ), o que indica que as partículas finas é um processo natural em regiões de clima sub-húmido a semi-
são transportadas com maior facilidade do que as partículas mais árido, onde a vegetação natural não oferece ao solo uma cobertura
grossas. Uma migração vertical de argila secular ou milenar pode completa, especialmente no fim da estação seca. Solos sódicos são
dar origem à formação de um "horizonte textural", caracterizado particularmente vulneráveis por causa da sua fraca estabilidade
pela presença de argila iluviada. estrutural e da actividade biológica limitada nestes solos.

As películas não duram para sempre. Parte deles passará pelo O mesmo processo pode ocorrer também em regiões húmidas,
intestino de animais do solo para aparecer como pequenos mas não sob cobertura vegetal natural. As condições mais propícias
agregados de argila orientada, chamados "papules". Com o tempo a para translocação em clima húmido ocorrem quando o solo está
orientação nos "papules" pode desaparecer. Isto explica porque há descoberto, por exemplo depois do preparo do solo para o cultivo.
muitas vezes uma discrepância entre a quantidade de argila
orientada no horizonte textural, e a quantidade iluviada, como
deduzida das diferenças texturais ao longo do perfil. Uma outra 4. QUELAÇÃO E LIXIVIAÇÃO POR ÁCIDOS ORGÂNICOS:
razão para discrepâncias pode ser a actuação de outros processos QUELUVIAÇÃO
que podem dar origem a uma diferenciação textural como:
 destruição de minerais de argila no horizonte superficial; Certos solos, geralmente arenosos, apresentam uma
 neo-formação de argila a partir de minerais primários no solo sequência típica de horizontes, caracterizada por um horizonte
sub-superficial; distinto, de cor esbranquiçada, de eluviação sobre um horizonte de
 erosão selectiva de partículas finas da superfície, deixando as cor preta ou vermelha escura, de iluviação. A morfologia típica
mais grosseiras; destes chamados Podzóis é o resultado de processos de
 transporte lateral de argila em suspensão; interacções específicas entre ácidos orgânicos, ferro e alumínio,
 descontinuidade litológica, p.e. um sedimento de material mais indicados por queluviação ou podzolização. Este capítulo discute
grosseiro sobre um de granulação mais fina. os processos envolvidos e as condições sob quais ocorrem.

Da discussão acima podemos concluir que os processos de


translocação vertical de argila e consequente formação do horizonte 4.1. Processos no horizonte superficial: queluviação
B texturais só podem ocorrer sob condições especiais: Conjuntos de grupos carboxílicos e fenólicos de ácidos
(1) a argila deve ser facilmente dispersível (pH 5-7 ou >9; fúlvicos6 apresentam uma afinidade muito forte com cations
baixa concentração de sais); metálicos trivalentes, como Al+ e Fe+. Compostos de ácidos fúlvicos
(2) as condições climáticas devem favorecer as "explosões com alumínio ou ferro chamam-se quelatos (do grego:
de ar" (chuvas fortes depois de períodos secos); chela=garra). A solubilidade de quelatos é muito maior do que a
(3) deve haver percolação suficiente para a migração de solubilidade de minerais de Al ou Fe (III). Assim, a concentração de
argila. Al na solução do solo pode aumentar várias ordens de magnitude
na presença de quelantes. Porém, quando todos as "garras"
É muito comum observar horizontes texturais em solos sob estiverem ocupadas com Al ou Fe, a solubilidade do complexo
condições não favoráveis para sua formação. Nestes casos o diminui acentuadamente, e o complexo saturado precipitará.
horizonte textural pode ser um fenómeno fóssil. Por exemplo: a
meteorização contínua e a lixiviação de cations básicos do solo Como resultado quantidades apreciáveis de Al e/ou Fe podem
pode resultar num teor elevado de Al trocável, estabilizando os ser transportadas como quelatos para a parte inferior do perfil do
agregados e terminando o processo de migração de argila. As solo. Este processo chama-se queluviação (= quelação +
películas existentes serão transformados em papules, e (depois de eluviação).
séculos) podem ser destruídos completamente pela actividade
faunal. No entanto, traços de argila orientada podem persistir Ácidos orgânicos simples, também podem ter um papel na
durante muito tempo (milhares de anos), especialmente em migração de Al sob temperaturas baixas (p.e. <10oC). Sob
profundidades maiores no solo, onde a actividade biológica é temperaturas elevadas, como nos trópicos, ácidos orgânicos com
restrita. peso molecular pequeno, não tem muita importância, porque são
rapidamente decompostos em CO2 e H2O, ou transformados em
ácidos fúlvicos. Ácidos fúlvicos são formados em quantidades
3.2. Translocação vertical de material do solo relativamente grandes se a decomposição de matéria orgânica for
O impacto directo de gotas de chuva na superfície do solo lenta devido à escassez de nutrientes ou devido à temperatura
pode suprir energia suficiente para deslocar partículas maiores que baixa ou condições excessivamente húmidas (aeração limitada).
argila. Neste caso a suspensão contém não apenas argila, mas Como estes ambientes são desfavoráveis para o desenvolvimento
também partículas de limo (silte), areia fina e matéria orgânica. A de uma mesofauna activa, a maior parte do material orgânico fica
suspensão pode mover para baixo pelos maiores bioporos e pelas
fendilhas. Assim que a velocidade de percolação diminui, este 6
ácidos fúlvicos: fração de matéria orgânica que mantém se solúvel após a acidificação com HCl do
material será depositado na forma de "entupimentos", laminares ou extrato com solução de NaOH a 0.5 M; consiste de moléculas relativamente pequenas, pouco polimerizados,
bem solúveis em água, com teor relativamente baixo em C (43-52 %); rico em grupos funcionais (Van
massivos, no fundo das fendilhas ou poros. Este transporte em Breemen et al., 1992).

Parte V "Processos no solo"


APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
11
concentrado na parte superior do solo, ou mesmo na superfície. favoráveis para a formação de ácidos fúlvicos, e podem também
Destas camadas orgânicas ("horizontes O" ou "H"; veja Parte II), resultar na redução química de Fe3+ para Fe2+, que é mais solúvel.
grandes quantidades de ácidos fúlvicos podem ser dissolvidos e Quelatos com Fe2+ não precipitam facilmente e podem ser lixiviados
entrar na água que está percolando no solo. A necessidade de uma para a água subterrânea. Por isso muitos Podzóis mal drenados
camada de material orgânico no topo do solo mineral limita o apresentam um horizonte de iluviação relativamente pobre em ferro.
processo de queluviação aos solos não aráveis com uma cobertura
vegetal mais ou menos natural.
B PROCESSOS EM SOLOS HIDROMÓRFICOS
Se o solo contiver quantidades apreciáveis de óxidos de ferro
livres ou de minerais meteorizáveis que podem fornecer Fe e Al, os Processos de oxidação e redução, envolvendo Fe(III), Mn(III),
ácidos fúlvicos ficarão prontamente saturados com Al e Fe. Neste S(VI) e O2 como oxidantes, e matéria orgânica, Fe(II), Mn(II) e S(II)
caso os complexos precipitarão numa profundidade muito rasa, p.e. como redutores influenciam muitas propriedades morfológicas e
alguns mm abaixo da superfície orgânica, e o resultado do processo químicas do solo. Isto vale particularmente para solos
será facilmente obliterado pela homogeneização biológica. Porém, periodicamente (p.e. sazonalmente) encharcados.
se o solo puder suprir apenas pequenas quantidades de Al ou F, ou
se Al e Fe forem liberados numa velocidade pequena em
comparação com a velocidade de produção de ácidos fúlvicos, os 5. REDUÇÃO DO SOLO
quelatos formados podem migrar sobre distâncias maiores:
decímetros até mesmo centenas de metros. Nos casos mais 5.1. Matéria orgânica como fonte de energia, diferentes
comuns os quelatos ficam saturados com Fe e Al depois de terem aceptores de electrões
migrados alguns decímetros, e precipitam. Esta é a profundidade A fotossíntese dá origem a centros locais de condições
mais comum para um horizonte "B espódico" dum Podzol. Em fortemente reduzidas (material orgânico), bem como a um
solos arenosos com muito pouco Fe ou Al, uma grande parte dos reservatório de oxigénio. Organismos não fotossintéticos tendem a
ácidos fúlvicos pode terminar na água subterrânea ou nos manter o equilíbrio, ao decompor (oxidar) material orgânico morto. A
chamados "córregos de água negra". Nestas condições o horizonte maior parte de material orgânico é decomposto no solo. Em solos
B espódico pode estar ausente. bem aerados o aceptor de eléctrons (oxidante) neste processo de
oxidação é o O2, na reacção invertida de fotossíntese:

4.2. Processos de iluviação CH2O + O2  CO2 + H2O (5.1)


A precipitação de ferro e alumínio com ácidos fúlvicos não
ocorre exclusivamente depois da saturação dos ácidos fúlvicos. Se o oxigénio não estiver disponível, outros elementos
Ácidos fúlvicos parcialmente saturados também podem precipitar, redutíveis presentes no solo podem aceitar eléctrons da matéria
quando o solvente (água) desaparece, por exemplo, num Podzol orgânica. Na presença de diferentes tipos de oxidantes, o material
bem drenado durante um período seco depois de uma chuva orgânico será oxidado numa sequência de reacções, seguindo um
pesada. Os quelatos precipitarão neste caso na profundidade até potencial redox decrescente. O primeiro elemento a ser reduzido é o
onde a água da chuva penetrou no solo. Uma parte da matéria O2. Depois que o O2 é virtualmente completamente gasto, o nitrato
orgânica pode ser decomposta pela actividade microbiológica, começa a ser utilizado; seguido por respectivamente Mn(IV), Mn(III),
resultando na saturação do restante dos ácidos fúlvicos, que ficam Fe(III) e S(VI). Por exemplo, a redução de Fe(III) para Fe(II),
estáveis contra dissolução na próxima chuva. As chamadas "fibras somente pode ocorrer sob as seguintes condições: (1) presença de
de húmus" ou "lamelas" em Podzóis bem drenados provavelmente matéria orgânica; (2) ausência de oxigénio, nitrato e óxidos de
se formaram desta maneira. Uma vez que um horizonte de manganês facilmente reduzíveis; e (3) presença de
acumulação de quelatos estiver formado, a matéria orgânica pode microorganismos anaeróbios. O requisito de ausência de oxigénio
ser lentamente decomposta por microorganismos. Os cations (Al, pode ser satisfeito quando o solo estiver alagado. O intercâmbio de
Fe) serão liberados e precipitarão como óxidos ou hidróxidos livres gases no solo é virtualmente zero no solo encharcado porque a
ou como interstratificação em minerais de argila expansíveis. difusão de gases na água é aproximadamente 104 vezes menor do
que na fase gasosa. A alguns mm dos poros aerados, o solo tende a
tornar-se anaeróbio, pois o consumo potencial de oxigénio é maior
4.3. Condições favoráveis para a queluviação do que a reposição pela difusão.
Como pode ser deduzido dos parágrafos anteriores, a
queluviação ocorre principalmente em solos com excesso de Como as concentrações de Mn, N e S (N e S principalmente
precipitação sobre evapotranspiração. Sob condições mais secas, a incorporados na matéria orgânica) no solo são relativamente
lixiviação é lenta demais e as concentrações de cations básicos são pequenas, o ferro é geralmente o oxidante principal em solos
geralmente demasiadamente grandes para a formação de ácidos periodicamente alagados. Depois da redução de praticamente todo
fúlvicos livres. Sob clima húmido com estação fria bem definida, os ferro e enxofre, pode ocorrer o processo de fermentação. Neste
Podzóis podem ocorrer em vários materiais de origem não processo uma parte da matéria orgânica é oxidada (para CO 2);
calcários. Em climas húmidos mais quentes, os Podzóis estão enquanto uma outra parte fica reduzida, por exemplo para gás
praticamente confinados a areias quartzosas pobres, tanto nos bem metano, (CH4, "gás de pântano"). A continuação da respiração sob
como nos mal drenadas. Solos arenosos moderadamente pobres potenciais redox cada vez mais baixos providencia cada vez menos
podem apresentar um horizonte B espódico, somente sob energia por unidade de matéria orgânica oxidada.
drenagem impedida. Condições de drenagem impedida são mais

Parte V "Processos no solo"


APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
12
O material do solo não pode ficar reduzido se não houver pelo Dependendo da distribuição de poros, da presença de matéria
menos um pouco (alguns décimos de um porcento) de matéria orgânica e da ocorrência de sítios mais ou menos compactados no
orgânica como fonte de energia. Sem isto não há actividade dos perfil do solo, pode haver mais ou menos heterogeneidade do
microorganismos anaeróbios heterotróficos, cuja respiração induz o potencial redox sobre pequenas distâncias, o que se expressa em
processo de redução. mosqueamento. Concentrações elevadas de óxidos de ferro podem
permanecer visíveis localmente durante muitos anos, mesmo se o
"matriz" do solo estiver reduzido.
5.2. Produtos da redução do solo
Os produtos das reacções de redução incluem N 2 e N2O
(gasosos) de nitrato; Mn2+ e Fe2+ (solúveis e trocáveis) e compostos 6. ALTERNAÇÃO DE REDUÇÃO E OXIDAÇÃO
sólidos de Mn(II) e Fe(II) de óxidos de ferro (Fe(III)) e manganês
(Mn(IV)); e H2S, de sulfato. Se as condições para a redução de
Fe(III) forem favoráveis (solo fértil com microorganismos adaptados 6.1. Redistribuição de ferro e manganês
a encharcamentos temporários), entre 1 e 20%, às vezes mesmo
até 90%, do Fe(III) livre (não incorporado em silicatos) pode ser A maioria dos solos sazonalmente encharcados apresenta
reduzido para Fe(II) dentro de um a três meses de encharcamento. partes com predominância de cores acastanhadas ou
Normalmente apenas uma fracção pequena do Fe(II) aparece na avermelhadas devido a presença de (hidróxidos ou óxidos de Fe(III);
solução do solo como Fe2+. A maior parte fica na forma trocável ou bem como partes com cores acinzentadas, devido à presença de
sólida, por exemplo como FeS (mackinawita (não datado)), FeS2 Fe(II); ou à ausência de qualquer composto de ferro livre. Manchas
(pirita), ou oxi-hidróxidos amorfos de Fe(II) ou de misturas de Fe(II) pretas distintas de óxido de manganês podem estar associadas a
e Fe(III). Estes últimos podem ser responsáveis por cores cinzentas manchas vermelhas de óxidos de ferro.
ou esverdeadas, comumente observadas em solos hidromórficos.
Produtos de fermentação de matéria orgânica incluem gás Praticamente todos os sistemas de classificação de solos usam
hidrogénio (H2), gás metano(CH4) e H2S em adição a CO2 e os fenómenos de mosqueamento devido à presença de
bicarbonato. concentrações locais de Fe(III) ou Mn(III&IV) para diferenciar solos
bem drenados de solos (sazonalmente) mal ou imperfeitamente
O desaparecimento de NO3- ou SO42- e o aparecimento de Mn2+ drenados. O termo "glei" (Ing: gley) é muito usado para denominar
2+
e Fe com a redução do solo tende a elevar o pH. Como resultado, o material de solo com mosquedo azulado e avermelhado.
solos ácidos com pH entre 4 e 6 podem ficar praticamente neutros.
Isto será explicado a seguir para o caso de ferro. Solos glei "freáticos" são solos cujo subsolo é
permanentemente saturado com água e que sazonalmente
A reacção geral para a redução de goetita (FeOOH) é: encharcados até a superfície. Solos glei superficiais comumente
chamados "pseudogleis", são solos que apresentam um horizonte
FeOOH + 1/4CH2O + 2H+  Fe2+ + 1/4CO2 + 7/4H2O superficial sazonalmente saturado com água enquanto os
(5.2) horizontes subsuperficiais ficam predominantemente bem aeradas,
devido à presença duma camada pouco permeável numa certa
Esta reacção mostra que 1/4 mol de "matéria orgânica" (CH2O) profundidade. Esta camada pouco permeável pode ser um
é oxidada para CO2, junto com a redução de 1 mol de FeOOH para horizonte B textural (veja capítulo 2.1); uma camada de textura
Fe2+. Veja bem que é consumida uma quantidade de H + equivalente argilosa em sedimentos de textura mais grosseira; ou uma camada
à quantidade de Fe2+ formada. Na realidade pouco H+ livre é fisicamente compactada, devido ao uso inadequado de máquinas
presente na solução do solo, e estabelece-se uma cadeia de pesadas, ou ao maneio de solos de arroz irrigado. A Figura V-5
reacções que providenciam H+, p.e. da hidrólise de Al3+ trocável, ou mostra esquematicamente os perfis destes dois tipos de solos
da dissociação de CO2 (CO2 + H2O  HCO3- + H+). No primeiro hidromórficos. A Figura V-6 mostra a relação destes tipos de solo
caso Al3+ trocável será trocado por Fe2+; no segundo caso Fe2+ ficará com a fisiografia. Em solos glei o interior dos elementos estruturais
na solução do solo junto com bicarbonato HCO3-. De qualquer tende a ser acinzentado, enquanto o solo nas paredes dos poros
maneira, o efeito será o aumento do pH. largos e das faces dos elementos estruturais, onde O2 da atmosfera
consegue penetrar, mostra concentrações elevadas de óxidos de
Fe(III) castanho/avermelhado e de Mn(IV), preto. No entanto, em
5.3. Marcas visíveis de condições reduzidas solos com pseudoglei as cores acinzentadas dominam as partes
Sob condições aeróbias, materiais de solo contendo mais porosas, que ficam rapidamente encharcadas com água
compostos de ferro livre tem cores características, de vermelha para percolando de cima. As acumulações de óxidos de Mn(IV) e Fe(III)
castanha, se não estiverem cobertas pela cor escura da matéria ocorrem na zona de transição para o horizonte subjacente, aerado;
orgânica. Sob condições reduzidas há uma predominância de cores no interior dos elementos estruturais. Se o movimento vertical de
"frias", de cinzenta para esverdeada ou azulada, em dependência água estiver fortemente impedido, pode predominar uma
da concentração de compostos com Fe(II); ou preto se partículas translocação lateral de ferro.
finas de FeS tiverem tingido o solo. A pirita praticamente não altera a
cor do solo.

Parte V "Processos no solo"


APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
13

Figura V-5. Morfologia de um perfil com glei freático (A) e com pseudoglei (B).

oficialmente de petro-plintita. Outros nomes para a petroplintita são


A continuação dos processos de gleização pode depois de ferricrete e couraça.
muito tempo (milhares de ano) levar à formação de um horizonte
com enriquecimento absoluto de ferro, (p.e. transportado
lateralmente de áreas vizinhas mais elevadas; Figura V-6). Em solos
fortemente meteorizados o teor de ferro pode ficar localmente tão
elevado que o material do solo poderá ficar irreversivelmente
endurecido se ficar sujeito a períodos alternados de humedecimento
e secagem. Este material chama-se plintita (Ing: plinthite). Um
nome obsoleto, mas ainda muito popular para este material é

Figura V-6. Posições de solos glei freáticos e de água de


superfície numa paisagem hipotética.

laterita7, que também é usado para denominar o material já


irreversivelmente endurecido. Este material passou a chamar-se Os seguintes processos individuais podem ser resumidos
como partes do processo global da segregação de ferro associada
7 com reacções do tipo redox (processos similares ocorrem com o
Do latim: later = tijolo
Mn):

Parte V "Processos no solo"


APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
14
a) dissolução de ferro livre (III) pela redução para Fe2+. Isto pode
ocorrer se (1) houver presença de matéria orgânica como fonte A continuação prolongada deste ciclo levará à destruição duma
de energia para microorganismos; (2) o solo estiver saturado parte significativa da argila no horizonte superficial. Geralmente há
com água para diminuir a difusão de O 2; e (3) houver uma transição abrupta ou clara para o horizonte subsuperficial bem
microorganismos capazes de reduzir Fe(III). aerado. A sílica libertada pode ser parcialmente lixiviada ou
precipitada na forma de agregados de tamanho de limo ou areia
b) transporte de Fe2+ por difusão, ou por transporte em massa fina. Os hidróxidos de Al formados (passo 2) podem formar inter-
(percolação ou capilaridade); estratificações em minerais expansíveis dando origem à clorita (veja
Capítulo 2.4).
c) imobilização de Fe2+ por um dos seguintes processos: (1)
precipitação de compostos de Fe(II), favorecida por pH alto ou
concentração elevado de sulfureto; (2) adsorção no complexo 6.3. Génese de solos tiomórficos
de troca catiónica; ou (3) oxidação para Fe(III), o que pode ser Solos tiomórficos são solos que acumularam grandes
catalisado por microorganismos; quantidades de sulfetos durante a formação do material parental,
sob condições anaeróbias, e que, quando drenados, acidificam
d) oxidação do Fe(II) por O2 livre, transportado pela difusão ou acentuadamente para valores de pH inferiores a 4.
(sob drenagem rápida) por convecção.
Solos tiomórficos ocorrem frequentemente em planícies
costeiras onde sedimentos contendo pirita (FeS2) foram drenados e
6.2. Ferrólise expostos à atmosfera.
A ferrólise, (Ing, ferrolysis=dissolution by iron) é um processo
pedogenético, governado por reacções (bio)químicas relacionadas Pirita é formado nos sedimentos por reacções químicas e
com condições alternadas de oxidação e redução do solo. microbiológicas, de redução de sulfato na presença de óxidos de
Solos sob forte influência de ferrólise são comuns em áreas planas ferro; o resultado líquido destas reacções pode ser:
(p.e. terraços), sazonalmente inundadas pela água da chuva
(pseudo-glei). Estes solos são caracterizados por horizontes Fe2O3 + 4SO42- + 8CH2O + ½O2 
superficiais ácidos, de cor parda, com baixo teor de argila e matéria 2FeS2 + 8HC
orgânica, sobrejacentes a um horizonte subsuperficial pouco O3- + 4H2O
alterado. (6.2)
Nesta reacção CH2O representa matéria orgânica.
O processo compreende o seguinte ciclo de reacções.
Pode-se constatar que os ingredientes essenciais para a
1) Quando o solo ficar reduzido, na estação chuvosa, o Fe2+, formação de pirita são: (1) sulfato, (2) minerais contendo Fe(III), (3)
formado (veja Equação 5.2) troca com os cations básicos matéria orgânica, e (4) condições de aeração limitada. Um outro
(Ca2+, Mg2+, K+, Na+) do complexo de troca, e/ou com Al3+ (em factor importante é a presença de correntes (marés), que garantem
solos ácidos). o suprimento limitado de O 2 (e de SO42-) e a remoção do
bicarbonato.
2) Os cations básicos e parte de Fe2+ libertados, podem ser
lixiviados juntos com anions, como por exemplo HCO 3-, Um ambiente particularmente propício para a formação de
formado durante a redução. O Al3+ libertado do complexo de pirita é formada pelos mangais, com um fluxo constante das marés,
troca pode precipitar na forma de hidróxidos de Al, devido às a presença de quantidades elevadas de matéria orgânica (da
condições menos ácidas. vegetação) e de SO42- (da água do mar). Em correntes de água
doce a concentração de sulfatos é baixo demais para a formação de
3) Durante a aeração, no período seco, o Fe 2+ no complexo ficará quantidades apreciáveis de pirita.
oxidado para compostos de Fe(III) insolúveis, por exemplo:

4Fe2+ + O2 + 6H2O  8H+ + 4FeOOH


(6.1) (6.1)

Os lugares deixados no complexo de troca pelo Fe 2+ serão


ocupados pelo H+ liberado.

4) Minerais de argila são parcialmente dissolvidos pelas bordas,


devido à acidez e à instabilidade de argila com saturação
elevada de H+. O complexo de troca fica saturado com Al3+
proveniente da argila dissolvida.

5) Na estação chuvosa o solo fica saturado e o ciclo recomeça.

Parte V "Processos no solo"


APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
15
A drenagem, natural ou artificial de um solo contendo pirita Calcário secundário é o calcário formado no solo como
pode induzir modificações dramáticas. Dentro de algumas semanas resultado de processos de formação do solo, que podem envolver
de aeração os efeitos da oxidação de pirita começam a ficar dissolução, transporte, e precipitação ou neoformação a partir de
aparente: aparecem manchas acastanhadas de óxidos de Fe(III), e, ions de Ca+ e CO3-- , HCO3- e/ou CO2.
se o poder tampão do solo não for muito grande, o pH diminui
acentuadamente (até valores entre 2.5 e 3.5) e manchas amarelas Em climas semi-áridos, com um excesso relativamente
do mineral jarosita podem formar-se. pequeno de evapotranspiração potencial sobre a precipitação, a
maior parte da água pluviométrica é absorvida e transpirada pelas
As seguintes reacções químicas são responsáveis por estes plantas após ter penetrado o solo até uma certa profundidade.
fenómenos: Ocasionalmente, pancadas de chuva muito fortes podem causar a
percolação para uma profundidade além do alcance das raízes.
4FeS2 + 15O2 + 10H2O  4FeOOH + 8H2SO4 Uma parte dessa água pode eventualmente chegar ao lençol
(6.3) freático. Se o solo for bem drenado, com o lençol freático a vários
ácido sulfúrico! metros de profundidade, estas percolações ocasionais seriam
e suficientes para remover a maior parte dos sais bem solúveis,
4FeS2 + 15O2 + 10H2O + 4/3K+  produtos da meteorização ou provenientes da chuva ou de poeiras.
4KFe3(SO4)2(OH)6 + 16/3 SO42 + 12H+ Porém, a remoção de sais pouco solúveis, como carbonato de
jarosita (6.4) cálcio, é insignificante nessas condições. Consequentemente estes
solos se tornarão calcários, não salinos. No entanto, o carbonato de
A reacção (6.3) pode ser catalisada pela acção de bactérias cálcio é translocado dentro do perfil do solo por processos que
(Thiobacillus spp), que usam a pirita como fonte de energia. Uma envolvem a dissolução, transporte e precipitação.
consequência da diminuição do pH é a destruição de partes dos
minerais de argila, e a liberação de alumínio das redes cristalinas, O carbonato de cálcio dissolvido nos horizontes superficiais do
na forma de Al3+. O Al3+ estabiliza a argila ao trocar com H + no solo pela água proveniente da chuva, relativamente agressiva, será
complexo de troca. Parte da Al3+ fica na solução do solo, onde pode transportado para uma certa profundidade, e precipitirá novamente
causar toxicidade para a maioria das plantas. quando a água evaporar directamente, p.e. em poros largos ou
fissuras. Deste modo o solo superficial ficará lentamente
A jarosita em si não é muito importante para as características decalcificado, e um horizonte com CaCO3 secundário (Ing: second-
físicas ou químicas do solo. No entanto é uma importante indicação ary lime) é formado numa certa profundidade. Se este horizonte for
morfológica para reconhecer os solos tiomórficos, devido à cor bem definido, pode ser classificado como horizonte cálcico (Ing:
amarela clara, que faz lembrar dejectos de gato. Uma denominação calcic horizon). Quanto menor for o excesso de evapotranspiração
popular para os solos tiomórficos em inglês é cat clays. A jarosita sobre precipitação, maior será a profundidade deste horizonte.
não é estável sob pH>4; e uma actividade elevada de K+ (o que é O calcário secundário consiste primeiramente de fios macios de
comum em solos de origem marinho) é necessária para a sua material poeirento, parecendo-se com o micélio de fungos, pelo que
formação. é chamado de pseudomicélio. Acumulação prolongada deste dá
origem a nódulos macios e duros, que podem ser arredondados ou
Nem todos os solos que contêm pirita no estado reduzida se na forma de tubos em volto de poros ou raízes.
tornarão solos tiomórficos após a drenagem. A maioria dos
sedimentos marinhos contêm substâncias neutralisantes como Como águas freáticas geralmente contêm bicarbonato de
cations trocáveis ou básicas, como carbonato de cálcio (conchas!), cálcio, a acumulação de calcário é um processo muito comum em
que podem amenizar ou mesmo prever os efeitos da oxidação de regiões (semi-)áridas com o lençol freático raso. Se o lençol freático
pirita. Na presença de cations trocáveis abundantes, a acidez pode estiver dentro do alcance da acção capilar, a evapotranspiração
ser mais facilmente lixiviada. O calcário reage com o ácido sulfúrico, será elevada, e o processo de acumulação poderá proceder
formando CO2 e gipso (CaSO4.2H2O). rapidamente. A recristalização do material macio pode levar à
formação dum horizonte concrecionário duro e adensado:
O alagamento e a consequente redução dum solo tiomórfico horizonte petrocálcico.
implica a transformação de SO42- para H2S, e portanto o aumento do
pH. Por isto muitos solos tiomórficos podem ser aptos para o cultivo
de arroz irrigado.

C PROCESSOS EM SOLOS DE CLIMA (SEMI-)ARIDO

7. ACUMULAÇÃO DE CARBONATO DE CÁLCIO E GIPSO

7.1. Calcário secundário

Parte V "Processos no solo"


APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
16
7.2. Formação do horizonte gípsico O grau de salinização pode mostrar uma grande variabilidade
O gipso (CaSO4.2H2O) pode acumular-se num horizonte espacial e temporal. O teor de sais numa certa camada do solo não
distinto como resultado de processos similares aos discutidos para é uma propriedade permanente porque os sais podem dissolver, ser
CaCO3. O gipso será levado mais longe pela água (evaporando) do transportados e precipitar rapidamente. A variabilidade temporal

Tabela 7.1 Solubilidade (mol.l-1) de sais diferentes a temperaturas de 10 e 30oC. [ Fonte: adaptada de Vergouwen, 1981]

Composição Nome do mineral K (10oC) K (30oC)

CaCl2.6H2O (10oC) 5.9


.4H2O (30oC) 9.2

NaCl Halita 6.1 6.3

MgCl2.6H2O 5.6 5.9

KCl 4.2 5.0

MGSO4.7H2O Epsomita 2.4 3.3

Na2CO3.10H2O 1.2 4.1

Na2SO4.10H2O Mirabilita 0.66 3.0

NaHCO3 Nahcolita 0.96 1.3

K2SO4 Arcanita 0.52 0.74

CaSO4.2H2O gipso/gipsita 1.1*10-2 1.1*10-2

CaCO Calcita 1.4*10-4


Fonte
: 3

que o carbonato de cálcio, pois é mais solúvel. Mesmo sob regimes pode estar ligada às variações sazonais e anuais de precipitação e
de humidade com apenas algumas centenas de mm de chuva por a variações da solubilidade de sais em função da temperatura.
ano, a concentração de sais bem solúveis em solos bem drenados Variações espaciais podem estar correladas com factores
pode ser baixa, enquanto o gipso e o carbonato de cálcio topográficos, hídricos e edáficos.
acumulam. Em solos de regiões áridas, com lençol freático Diferentes minerais secundários dominam em áreas sub-
profundo, muitas vezes há ocorrência de gipso na forma de húmidas e áridas; ou numa planície aluvial numa região árida:
pequenos (<2cm) cristais claros e planos nos primeiros 20 cm do carbonato de cálcio nos lugares menos áridos; depois
solo. respectivamente gipso, sulfato de magnésio, sulfato de sódio e
cloreto de sódio, e finalmente, apenas sob condições extremamente
áridas, os higroscópios e muito bem solúveis cloretos de cálcio e
8. SALINIZAÇÃO E SODIFICAÇÃO magnésio. Esta sequência (que na prática ocorre somente em
casos simples) pode ser derivada das solubilidades relativas de
8.1. Salinização sais, apresentadas na Tabela V-1, e depende do tipo de água e da
A acumulação de sais solúveis no solo ocorre se a presença de fontes que podem dar origem a diferentes tipos de
evapo(transpi)ração for maior ou igual à precipitação efectiva. Sais sais.
podem provir da meteorização de rochas ou de sedimentos locais
ou podem ter sido transportados pela água ou pela poeira.
A salinização é um processo geral em regiões áridas e semi-áridas; 8.2. Sodificação
mas pode ocorrer também localmente, em regiões sub-húmidas. Sodificação é o tipo de salinização que leva ao aumento da
Condições favoráveis para a salinização em climas sub-húmidos relação entre o sódio e cations di-(e tri-)valentes: a percentagem de
ocorrem quando há suprimento lateral de água de partes mais sódio trocável (PST). Níveis elevados de Na são nocivos para as
elevadas, como em depressões; ou na presença de um lençol culturas. Além disso, a sodificação traz o risco de diminuição da
freático raso, que permite evaporação, enquanto a precipitação estabilidade da estrutura, seguido pela dispersão de material
efectiva for baixa, devido ao escoamento superficial. A salinização argiloso. Na literatura antiga os termos "alcalinização" e "solos
também pode ocorrer em regiões húmidas: áreas costeiras, com alcalinos" foram usados para denominar respectivamente
intrusão de água das marés. sodificação e solos sódicos. Estes termos são equívocos, pois a
No entanto, em regiões áridas também podem ocorrer situações sodificação não está restrita aos solos com uma reacção alcalina,
que mantém a concentração de sais a níveis baixos. Tal é o caso embora a ocorrência desta combinação seja muito comum.
por exemplo do suprimento superficial de água por escoamento de
sítios mais elevados ou ao longo de grandes rios por inundação em A sodificação pode ser causada por dois processos diferentes:
combinação com um sistema de drenagem para remover os sais (1) Um solo originalmente não salino fica salinizado por sais de
lavados da parte superior do perfil. sódio, p.e. pelo suprimento de água freática contendo cloreto
ou sulfato de sódio. A saturação por Na + no complexo de

Parte V "Processos no solo"


APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
17
troca aumenta devido à troca de cations divalentes por Na +, A conexão estreita entre água e sais também oferece a possibili-
que é favorecida sob elevadas concentrações destes. Os dade de maneio de salinidade e sodicidade, como será discutido a
solos sódicos formados desta maneira tem pH geralmente seguir.
em torno de 8.5.

(2) A evapo(transpi)ração duma solução que contém mais 8.3.1. Maneio de solos salinos
alcalinidade8 do que cations divalentes - na prática Sob clima húmido, a única maneira de remover sais do solo é
principalmente Ca2+. A evaporação desta solução causa a por dissolução na solução do solo ou em água superficial, se o solo
precipitação de CaCO3 até que a maior parte dos ions Ca 2+ estiver alagado; seguido por drenagem vertical ou lateral. Nesta
tenham sido consumidos, enquanto as concentrações dos situação os sais drenarão finalmente para o mar. Sob clima árido,
sais bem solúveis (bicarbonato de sódio e carbonato de sais dissolvidos podem ser levados para campos adjacentes, pela
sódio) continuam a aumentar. O Ca 2+ trocável também é água subterrânea ou superficial. Ali os sais transportados podem
removido do complexo de troca e precipita como CaCO3: acumular dentro do perfil ou na superfície, por concentração
evaporativa. Este processo é chamado "drenagem seca". A
Ca2+troc + 2Na+aq + 2HCO3-aq  CaCO3 + CO2 + H2O drenagem seca pode causar a salinização rápida de glebas não
+ 2Na+troc (8.1) irrigadas em posições relativamente baixas, ou de glebas
insuficientemente irrigadas com drenagem impedida. A irrigação
Este tipo de sodificação é muito efectivo, produzindo solos seca também pode ser usada propositadamente como ferramenta
sódicos com o suprimento de muito pouco Na +. Os solos de maneio, para desalinizar campos irrigados pela promoção da
produzidos têm pH maior que 8.5; podendo chegar a 11. concentração dos sais em campos vizinhos, não utilizados para
agricultura. Em solos dominados por minerais de argila expansíveis
Em certos casos o primeiro tipo de sodificação pode também (Vertissolos), os efeitos da salinização para culturas irrigadas
levar a valores de pH>8.5. Por exemplo em "playa's" com tendem a ser minimizadas, por causa dos processos de expansão e
acumulação de Na2SO4. Na presença de matéria orgânica e formação de fendas. Sais provenientes da água de irrigação podem
inundações sazonais, o sulfato fica reduzido, o que resulta na ser imobilizadas da seguinte maneira:
formação de H2S (que pode sair do sistema por volatilização) e Durante um período seco, a camada superficial do solo apresentará
Na2CO3. Enquanto a concentração de sais for elevada, a argila fica fendilhamento e quebra em pequenos elementos. Horizontes mais
floculada, mesmo se o complexo de troca estiver saturado com profundos secam mais lentamente e fendas profundas (até 1-1.5m)
sódio. No entanto, quando a solução do solo ficar diluída, p.e. pela podem se desenvolver, resultando numa estrutura prismática
água da chuva, a argila ficará facilmente dispersa (Capítulo 2). Isto grosseira. Durante a irrigação ou chuvas pesadas depois do pousio,
poderá levar à eluviação de argila e a formação de um horizonte B a água que está a escoar sobre a superfície e dentro das fendilhas
textural, com PST elevado, que apresenta uma estrutura colunar e levará sais dissolvidos da superfície do solo para a subsuperfície. A
com uma densidade aparente elevada na sua base. Este tipo de água com os sais dissolvidos entrará na massa do solo e os
solo chama-se Solonetz. elementos prismáticos expandirão. O resultado é que quantidades
apreciáveis de sais podem acumular debaixo da zona radicular, em
Em certas condições, sob clima (sub)húmido, a camada material muito pouco permeável, sem prejudicar as culturas. Estas
superficial do solo sódico poderá perder o Na+ trocável sob a características podem ser aproveitadas para a agricultura, em
influência de CO2: esquemas de irrigação bem manejados, em áreas com Vertissolos.
O arroz é moderadamente tolerante para com a salinidade, e
Na+troc + H2O + CO2  H+troc + Na+aq + HCO3-aq (8.2) pode ser cultivado em solos salinos, se houver disponibilidade de
água de boa qualidade para irrigação para manter a conductividade
Isto resulta num solo com uma camada superficial ácida e com eléctrica da camada superficial (0-20cm) abaixo de 6 dS.m-1. Desta
teor de argila relativamente baixo, sobre um horizonte B textural maneira, pode-se combinar a lavagem de sais com o cultivo de
adensado, saturado com sódio, o que é característico dos arroz.
chamados "solonetz degradados" ou Solods.

8.3.2. Maneio de solos sódicos


8.3. Efeitos humanos e aspectos de maneio A diluição de sais em solos sódicos pela adição de água
Muitos solos salinos e sódicos devem a sua formação à acção proveniente de chuva ou irrigação, causa a expansão da camada
do homem. Milhões de hectares de solos potencialmente férteis em dupla difusa (CDD) das partículas de argila, seguida da dispersão
regiões áridas e semi-áridas ficaram produtivas pela irrigação, mas das mesmas. O resultado pode ser a formação de camadas muito
tornaram-se depois em desertos salinos. A irrigação levará compactadas no solo, devido ao colapso de poros ou o seu
inevitavelmente à salinização ou sodificação, mesmo se a água enchimento com a suspensão dispersa da camada superior. Em
utilizada tiver baixa concentração de sais, a não ser que um solos com textura franco-siltosa ou mais argilosa isto resultará numa
excesso de água (sobre a demanda de evaporação) for suprido e conductividade hidráulica muito baixa.
removido pela drenagem.
Para prevenir a compactação do solo, sais solúveis de cálcio
(p.e. gipso) são normalmente aplicados antes da dessalinização.
8. Em solos sódicos com pH elevado, o alto teor de carbonato solúvel
) alcalinidade: soma das equivalências de anions alcalinos: 2*(CO 32-) + (HCO3-) + (OH-) ; na prática
principalmente HCO3- deprime o nível de Ca2+ solúvel (reacção 2.1), e consequentemente

Parte V "Processos no solo"


APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
18
a troca de Na+ por Ca2+. Enxofre elementar ou pirita podem ser
usados como aditivo em solos sódicos de pH elevado. Ambas
substâncias oxidarão para ácido sulfúrico (reacção 5.3).

No entanto, uma vez compactado, a percolação de água pelo


solo será lenta, e ficará difícil recuperar o solo até uma profundidade
maior que alguns cm da superfície. Algum sucesso pode ser obtido
pela plantação de árvores resistentes, para desenvolver um sistema
de bioporos. Os benefícios adicionais desta prática incluem a adição
de matéria orgânica para melhorar a estabilidade estrutural, e o
aumento da pressão parcial de CO 2 no solo, o que promove a
dissolução de CaCO3 (Reacção 1.1). O cultivo de arroz irrigado
também tende a melhorar os solos sódicos. Os efeitos benéficos
desta cultura provavelmente estão relacionados também com a
elevação do nível de CO2 no solo, e com a inundação contínua que
promove a lixiviação vertical.

Enquanto uma percentagem de sódio trocável (PST)


excedendo 15% geralmente causa problemas em solos argilosos
com mineralogia mista, isto não acontece em Vertissolos que se
expandem e contraem fortemente com Na+ entre 6 e 15%, sob
condições alternadas de humedecimento e secagem, o que resulta
numa estrutura estável, especialmente se houver um teor elevado
de matéria orgânica ou óxidos de ferro. Se a PST for menor que
6%, o solo tende a ficar maciço e pouco permeável, mesmo ao
secar; enquanto somente sob valores muito elevados (PST>20-
25%) ocorre uma dispersão séria ao humedecer. Assim, um teor
moderado a elevado de Na+ trocável ajuda a manter uma boa
estrutura em Vertissolos.

Em solos muito ácidos (pH<4.5), a PST elevada também não


interfere na estabilidade da estrutura do solo, por causa da
presença de Al3+ como cation dominante no complexo de troca (veja
Figura V-4).

Parte V "Processos no solo"

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