Cultura, Escola e Educação Criadora
Cultura, Escola e Educação Criadora
Cultura, Escola e Educação Criadora
Cultura, escola e
educacao criadora:
FORMAÇÃO ESTÉTICA E SABERES SENSÍVEIS
Itajaí/Joinville – 2015
Expediente
Reitor Reitora
Prof. Dr. Mário César dos Santos Profa. Dra. Sandra Aparecida Furlan
Produção editorial
Coordenador da Editora
Prof. Dr. Rogério Corrêa
Coordenação da Editora
Secretária da Editora
Andréa Schneider
Francine Lucatelli
Secretária da Editora
Assistente de Marketing
Adriane Cristiana Kasprowicz
Ricardo Luiz Aoki
Projeto gráfico e diagramação
Produção Gráfica (Apoio)
Marisa Kanzler Aguayo
Rogério Marcos Lenzi
Ilustrações capa e entradas
Revisão
Silvia Teske
Profa. Ma. Ana Cláudia Reiser de Melo
Livraria Universitária
Daniele Gamba da Silva
Conselho Editorial
Profa. Dra. Adair de Aguiar Neitzel
Prof. Dr. André Silva Barreto
Prof. Dr. Angelo Ricardo Christoffoli – Presidente
Profa. Dra. Angélica Garcia Couto
Profa. Dra. Denise Schmitt Siqueira Garcia
Prof. Dr. Flavio Ramos
Prof. Me. Jairo Romeu Ferracioli
Prof. Dr. Joaquim Olinto Branco
Profa. Ma. Luciane Angela Nottar Nesello
Prof. Dr. Luís Fernando Maximo
Prof. Dr. Ovídio Felippe Pereira da Silva Jr.
Prof. Dr. Rodolfo Wendhausen Krause
Criar a orelha de um livro é uma tentativa
de dar voz ao título para que ele chegue a outras
orelhas. Este livro discute questões fundamentais
na sociedade contemporânea – cultura, escola
e educação. Não qualquer educação, trata-se
daquela que cria a partir da tradição. O título
dá voz a duas áreas que pouco a pouco foram
e ainda estão sendo apagadas nos currículos
escolares – “a formação estética” e “os saberes
sensíveis”. Ênfases que precisam ser promovidas
e postas em cena.
De onde falam os autores? De lugares
que lhes conferem autoridade. Falam, porque
pesquisam e fazem educação criadora, ou seja,
experimentam o tema na prática. A educação
escolarizada não é uma ação que eles têm pela
memória distante. Pelo contrário, parte da
reflexão presente nessa obra. Nasce porque
os autores estão na escola implementando
educação estética e produzindo saberes sensíveis.
Nesses casos, os adjetivos são fundamentais para
entender a abrangência dos capítulos aqui postos.
A obra é formada por quatro grandes temas, e
cada capítulo surge como um enunciado que se
configura como resposta ao sistema educacional
vigente, às práticas implementadas no PPGEd
da UNIVALI, às vivências oriundas do PIBID.
Retomando Antonio Candido, que defende o
direito à literatura, diria que esta obra é uma
estratégia para que a educação formal e informal
contribua para que as artes sejam acessadas pelas
pessoas, contribuindo para que esse direito se
efetive.
A meta do livro é, pois, ser propulsora na
formação estética das pessoas, suscitar outros
enunciados. Enfim, os autores almejam partilhar
seus estudos por meio de mais uma publicação
do grupo de pesquisa.
293 p.
CDD 370
Todas as informações contidas nesta obra são de total responsabilidade dos autores.
Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa
à EDITORA UNIVALI.
Sumário
PREFÁCIO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
FORMAÇÃO DE LEITORES
POR QUE UM ALUNO DE MEDICINA PRECISA DE LITERATURA? . . . . . . . . . 76
Denise Viuniski da Nova Cruz
PRÁTICAS ESTÉTICAS
O PIBID DE ARTES VISUAIS DA UNIVALI: CONCEPÇÕES E ESTRATÉGIAS
PARA A EDUCAÇÃO ESTÉTICA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
Denise Costa
ESTRATÉGIAS DE ENSINO E MATERIAL DIDÁTICO PARA O ENSINO DA
ARTE VISUAL: FORMAÇÃO ESTÉTICA EM DEBATE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162
Carla Carvalho / Carlos Caetano
(MEIRA; PILLOTTO, 2010). Esse outro modo de pensar abarca a arte, a educação
e as culturas do nosso tempo, que nos ensina porque nos coloca frente a outro
modo de ser/sentir, diante de uma experiência outra, um encontro outro, com o
ruído e seus vestígios.
O salto para esse outro modo de pensar precisa de arranjos, de combinações
e de gestos ousados e criadores, que não acontecem sozinhos; é a relação que
lhe oferece a condição e a dimensão dramática para seu exercício de ser, para
as afetações interativas de que o corpo necessita. Educar pelo sensível implica
afecções mútuas que potencializam uma ação comum na formação das pessoas.
Pessoas que irão pautar suas relações presentes e futuras pelas transformações
que aprenderam a elaborar também na escola; pessoas que irão somar ou subtrair
das lições afetivo-sensíveis os elementos mais valiosos para melhoria do seu ser,
sabendo-se que a vida social é permanente desafio (MEIRA; PILLOTTO, 2010).
Desse ponto é que o professor começa sua diária aprendizagem sobre
como ser professor. Uma aprendizagem que, sem a relação afetivo/sensível com
sua própria obra pedagógica, sem a relação afetivo/sensível com suas cognições,
seus sentimentos, suas emoções e suas ações, acabam lamentavelmente em
desencantamento. E desencantar-se também é parte do inventário das relações
afetivas. Mas ponto arriscado, no qual podemos optar por permanecer no
desencanto ou dar a virada criativa para transmutar dor em prazer.
E o que significa então ser? Talvez signifique construir afetos, seja no contexto
da família, da escola e em qualquer outro lugar pensado e até mesmo imaginado.
E o sensível nesses contextos? O sensível desvela-se e revela-se no ruído, pois não
é mais possível entendê-lo como uma janela contemplativa do mundo, pois o
mundo recua, cala-se e as metas cessam... Não somos mais devolvidos ao mundo
como metas, nem ao menos como abrigo ou esperança, portanto falar do sensível
pela contemplação ou pelo repouso já não é mais possível; o ruído tomou conta,
tomou espaço e lugar! Estamos diante do ruído da arte, da educação, das culturas,
da política e da existência...
Isso tudo causa embates tendo em vista a nossa preocupação em buscar
respostas definitivas e coerentes, nos moldes mais tradicionais, que nossa carga
histórica impõe-nos e imprimi-nos. Para romper e dar novas significados aos
velhos paradigmas é preciso compreender que estamos diante de uma educação
que não prevê resultados. A educação contribui em nossa existência não porque
nos oferece saídas, mas porque problematiza nossa relação com a realidade,
levando-nos à reflexão! O que a educação, a arte e as culturas oferecem-nos hoje
não é mais o que nossos velhos hábitos esperariam – a salvação e a esperança. O
que nos oferecem e deixam vir à luz é o ruído indizível, que se alastra em nosso ser,
nas incertezas, nos medos, nos desejos e nos afetamentos.
PREFÁCIO
Referências
BALANDIER, G. A desordem: elogio do movimento. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1997.
ordem, ou seja, quando gera uma ordem nova que substitui e pode ser superior à
antiga.
De um lado, a realidade é amputada de ordens; de outro, enriquecida por
novas formas de ordem. A criação da ordem procede, assim, da desordem, por
desorganizações e reorganizações sucessivas (BALANDIER, 1997). A modernidade
destrói essa dinâmica ao privilegiar o racional com a forma mais importante
de conhecer, ou seja, ordem. Maffesoli (2004) chama de “violência totalitária”
esse “universalismo” que necessita de desordens advindas de uma sabedoria
“incorporada, mais vivida do que pensada”, relativista, que admite o selvagem,
capaz de “embaralhar os códigos racionalistas [...] de uma vida programada e
sem riscos” (MAFFESOLI, 2004, p. 34). Sabedoria dionisíaca, demoníaca, que se
identifica com a infância, a arte e o sensível.
Como consequência, um aparelho monstruoso, apoiado no poder do
intelecto, expurga a desordem, ou, na impossibilidade de fazê-lo, a endereça a
lugares de controle ou dispersão: escolas, presídios, manicômios, conventos,
hospitais e seus programas totalitários, homogeneizadores, que demarcam
os diferentes, os estranhos, os marginais. Extirpa o mal em um totalitarismo
ontológico (Deus, Ser, perfeição, razão) (MAFFESOLI, 2004), obscurecendo
a força da alteridade, ignorando que, em cada situação, existe seu contrário.
Institucionaliza-se uma pedagogia que deseja indivíduos perfectíveis, cujas formas
de convivência, apoiadas na submissão ou mesmo na coerção violenta, sequestram
da vida cotidiana o que ela tem de enraizado na desordem, no afeto, no risco, na
paixão. O racionalismo exagerado desregula e elimina a vida e a possibilidade de
uma infância coligada à desordem.
para lavar as mãos; trabalhinhos servem a datas decorativas; desenhos para pintar,
à mercê de uma razão linear que privilegia o ler, o escrever e o contar.
O que deve ficar claro é que, seja na educação, na formação de professores
ou na vida, ela é uma experiência (ético-estética) que necessita de um fazer
que, em sua radicalidade de pensamento em ação, encontre um campo de
experimentação e investigação que manifeste a criação para haver produção
de sentido, em uma perspectiva histórico/crítica e, sobretudo, como valor de
imanência, contingência, transcendência, sacralidade, até: criação e destruição
simultaneamente, novamente ordem e desordem.
A experiência é intransferível, relacional, relativizadora do sujeito pensante
da modernidade. “Permite dissipar a ilusão hegemônica”, diz Maffesoli (2005, p.
92-93), pois “a relação com outrem determina o que sou”. A experiência precisa da
arte porque ela “não deve ser vivida por um ego forte e solitário, ela deve ser dita,
contada, vista”. Constitui uma “ética” que permite “a união dos membros de uma
mesma comunidade”. É uma ultrapassagem do lugar comum:
Segundo Damásio (2004, p. 15), “[...] os sentimentos são a expressão do florescimento ou do sofrimento
humano, na mente e no corpo [...] não uma mera decoração das emoções, [mas] “revelações” do estado de
vida dentro do organismo”. Os sentimentos dão-se na mente; e as emoções, no corpo.
"INFANCIAMENTO": DESORDEM, CRIAÇÃO E MUTAÇÕES ÉTICO-ESTÉTICAS NA FORMAÇÃO DOCENTE 17
A Mutação
A primeira das urgências foi a de que os alunos pudessem dar início ao
processo de designar, desfazendo a noção de Arte como um “dom”, de que criar
é só com os artistas, de que a obra de arte é o que está só no museu, de que
podemos construir uma ética de convivência, despojados das máscaras cotidianas
do dever-ser: “Eu acreditava que Arte tinha a ver com dom, hoje sei que tem a ver
85 h/a, no 6º semestre do Curso de Pedagogia. Abrange as artes na escola, Arte-Educação, processos
criadores, fazer gráfico-plástico e construtivo na infância, linguagens expressivas, produção cultural da criança,
cultura visual, combate a estereótipos da criança e do professor. Pesquisa a arte infantil, suas linguagens. Realiza
pesquisa de campo em escolas da região. Oferta situações vivenciais, teóricas e reflexivas no campo da Arte,
construindo conhecimentos intelectuais e saberes sensíveis.
22 ESTÉTICA NA FORMAÇÃO DOCENTE
É evidente que com todas as aprendizagens que fizemos, precisei repensar meus
conceitos e minha prática. Sinto-me mais segura depois de ter experimentado
tantas coisas que mexeram comigo, me fizeram pensar e querer sempre mais,
porque a criança merece todo o nosso respeito. Para isso, tivemos que viver em
nós mesmas tudo... Não foi fácil! (M., 2010).
Os dados para esta pesquisa foram colhidos nos anos de 2009 e 2010, e apenas as iniciais dos sujeitos
participantes são utilizadas neste trabalho.
"INFANCIAMENTO": DESORDEM, CRIAÇÃO E MUTAÇÕES ÉTICO-ESTÉTICAS NA FORMAÇÃO DOCENTE 23
As oficinas práticas foram muito importantes para mim, através delas pude
perceber que sou sim também capaz de produzir arte. Tornei-me mais sensível no
sentido de conseguir interpretar a arte, principalmente a contemporânea. Pude
ver que posso expressar meus sentimentos através da arte; minha relação com
o outro também se modificou, pois a criação e as oficinas me mostraram que
o que é verdade para um pode não ser para outro, tudo depende do ponto de
vista a que me refiro. Pude perceber que a minha relação com o outro ficou mais
tolerante e, por conseguinte, mais respeitosa. (D., 2012).
Nesse semestre uma das disciplinas que mais gostei foi essa, relembrei coisas
que há muito não utilizava. Sempre gostei das artes, agora mais ainda, ficou
de herança a paixão pelas mais diferentes formas de expressão artística. Essa
disciplina só me acrescentou, me mostrou aspectos importantes que eu não
conhecia, pois, uma coisa é criar e outra é ensinar a criar, e essa não é uma tarefa
muito fácil, a arte te ensina que nem tudo se explica com palavras e números!
(M., 2011).
Acredito que com essas aulas é impossível uma pessoa não se tornar mais sensível
ou mais criativa. As aulas, oficinas e seminários foram fantásticos, trabalhei um lado
meu que eu achei que estivesse meio morto, mas pude perceber que ainda tenho
muita criatividade e o mais importante muita vontade para usá-la. (S., 2009).
nenhum sentido oculto”, mas toda ela “é feita de luz. Moral da história, histórias
são amorais”. Na geração das fábulas, diz o autor, os homens cifraram o desejo
infinito de uma vida sem fim. “O amor é amoral”, não pode estar submetido a
nada, somente a si e ao Outro: “Eu me amo, não posso viver sem mim. Em pedra?
Em estrela? Em flor? Façam suas escolhas. Em que vou me transformar, no final?”
(LEMINSKI, 1994, p. 34).
Transformam-se em fábulas as falas dos participantes de Oficinas:
Referências
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2000.
Muitas vezes o bolo da padaria é lindo e gostoso, mas prefiro o bolo da mãe
sem recheio e queimadinho por causa da humanidade.
Acadêmico do PIBID
e é na ação que assumem seu significado e sua utilidade (TARDIF, 2002). Esses
saberes provêm de diversas fontes: cultura pessoal, história de vida, cultura
escolar anterior. Apoiam-se em certos conhecimentos disciplinares adquiridos
na Universidade, em certos conhecimentos didáticos e pedagógicos oriundos
de sua formação profissional e em certos conhecimentos curriculares veiculados
pelos guias e programas escolares. E, por fim, baseiam-se no próprio saber, na
experiência de outros professores e nas tradições peculiares ao ofício de professor.
Assim, os saberes profissionais são personalizados e localizados. “Um professor
tem uma história de vida, é um ator social, tem emoções, um corpo, poderes,
uma personalidade, uma cultura, ou mesmo culturas, e seus pensamentos e ações
carregam as marcas dos contextos nos quais se inserem.” (TARDIF, 2002, p. 11).
Os estudos sobre os professores não podem estar dissociados das suas
experiências, pois a personalidade do professor também é absorvida nesse
processo. Assim sendo, não são apenas as técnicas, mas também o sensível que
deve estar presente na prática do professor. As pessoas “[...] que trabalham com
seres humanos devem habitualmente contar consigo mesmas, com seus recursos
e com suas capacidades pessoais, com sua própria experiência e com a de sua
categoria para controlar seu ambiente de trabalho” (TARDIF, 2002, p. 12).
Os saberes são contextualizados entre professores e alunos, pois “[...] os
saberes dos professores carregam as marcas do ser humano” (TARDIF, 2002, p.
12). Os professores lidam com as particularidades de cada aluno, mesmo que este
esteja trabalhando em um grupo. Cada um é um ser único, carregado de marcas
que são humanas e sociais, que o singularizam. Isso exige dos docentes uma
sensibilidade que pede uma revisão de seus saberes adquiridos. “Os trabalhos
realizados de acordo com essa perspectiva mostram que os saberes docentes
são temporais, plurais e heterogêneos, personalizados e situados, e que carregam
consigo as marcas do seu objeto, que é o ser humano.” (TARDIF, 2002, p. 14).
O PIBID/UNIVALI está dividido em projetos nas áreas das Artes Visuais e Música, Pedagogia, Letras,
Matemática, Geografia, Educação Inclusiva, Educação Física.
SABERES DOCENTES E FORMAÇÃO ESTÉTICA DOS LICENCIANDOS DE MÚSICA 31
Diante desse percurso, esta pesquisa teve como foco a formação do professor
de Música que atua no ensino de Arte na Educação Básica, visto que os saberes
profissionais dos professores devem ser vistos como colaboradores, pois o saber é
produzido na prática e estimula a reflexão e a criticidade. Os dados desta pesquisa
foram coletados em um encontro articulado na etapa de Estudo e planejamento,
no qual os acadêmicos estavam reunidos com a coordenação de área e professores
supervisores em um momento de estudo. O intuito foi de identificar o que os 18
acadêmicos do PIBID/UNIVALI consideram ser o papel da música na escola e o
que é relevante para se constituir um professor de Música.
Fonte: Dados coletados na dinâmica 1 pelo Grupo de Pesquisa. Elaborado pelos autores
Sistematizadas e definidas anteriormente pelo Grupo de Pesquisadores parte do GP: Cultura, Escola e
Educação Criadora do PPGE de Educação da UNIVALI.
SABERES DOCENTES E FORMAÇÃO ESTÉTICA DOS LICENCIANDOS DE MÚSICA 39
Fonte: Elaborada pelos autores com base nas falas dos acadêmicos do Grupo A
formação é de uma educação que se pauta em uma atitude generosa de uns com
os outros, em que há compartilhamento, desafios cotidianos a serem vencidos
e o compromisso de pensar continuamente sobre as questões que permeiam o
espaço escolar, e, nesse momento de formalização e implantação da música no
currículo, com a urgente pauta de como ensinar música na escola.
O que esperamos é um levante no sentido da desmistificação do fazer
musical: que a escola abra-se para escutar a música dos sons e dos silêncios,
das paisagens, dos instrumentos, do corpo e da voz. Para que isso seja possível,
será necessário que a escuta inicial desses meninos e meninas, percebendo-se
professores, seja ouvida por outros pares, e que esses sons transformem-se em
música e conhecimento, música e energia, música e alegria, música e sensibilidade,
música e estesia.
Por meio das falas dos acadêmicos, foi possível identificar a preocupação
destes quanto às questões de trabalho docente relacionadas à afetividade relacional.
Tanto no Grupo A quanto no B, fatores como: amor, emoção, compreensão,
flexibilidade e humanismo foram levados em consideração para a constituição de
um professor de qualidade.
O saber específico, aqui denominado de Saberes Musicais, está presente nas
falas dos dois grupos que compreendem a relevância de se saber música para
se ensinar música. Nesse sentido, compreendem que é mais importante que
os alunos das escolas convencionais vivenciem a música por meio de fruições,
práticas, exercícios rítmicos e melódicos, cantos, conhecimento histórico cultural,
etc., do que aprendam a dominar a leitura e a escrita musical, que só teria sentido
no caso do ensino de um instrumento específico.
Para que isso aconteça na escola, é necessária uma sólida formação deste
profissional, que está, neste momento, em formação acadêmica, mas que é
completada pela formação musical que se dá para além da acadêmica. Observou-
se na fala desses acadêmicos músicos que todos já possuem uma relação com
a música anterior à universidade, por isso a compreendem como elemento
fundamental em suas vidas. Para alguns desses acadêmicos, a relação com a
música vem do contexto familiar, outros profissionais, religiosos, enfim, saberes
que se cruzam na vida pessoal e profissional dos acadêmicos bolsistas do PIBID.
Os saberes acumulados durante toda a nossa vida principiam por meio dos
sentidos essenciais do corpo: audição, olfato, paladar, visão e tato. É a partir desses
sentidos que geramos e desenvolvemos importantes informações, apreendemos
conhecimentos, enfim, sentimos o mundo. A sensibilidade e a formação estética
são um longo processo no qual o ser humano, na relação com as outras pessoas,
com o contexto e consigo mesmo, desenvolve seus sentidos. Nesse sentido, esse
é um processo social e histórico, marcado pelos contextos em que acontecem.
Nesse processo, o homem humaniza seus sentidos nas relações que são culturais
e sociais (VÁZQUEZ, 1978).
SABERES DOCENTES E FORMAÇÃO ESTÉTICA DOS LICENCIANDOS DE MÚSICA 43
humana como uma espécie de escola da sensibilidade, e para isso, a formação dos
professores é a questão mais fundamental: eles têm que saber que podem e como
devem fazer isso.” (BREIM, 2012, p. 169).
Observamos, no percurso dessa investigação, que os saberes docentes são
complexos e se articulam aos diversos espaços e contextos vivenciados pelo
professor. Os acadêmicos, professores em formação inicial, percebem e têm
consciência dessa dinâmica e desses saberes que são mais amplos e subjetivos do
que os saberes técnicos que também fazem parte da formação.
Os acadêmicos do curso de licenciatura em Música percebem que os saberes
musicais e pedagógicos são relevantes para sua formação, mas que, no percurso
do programa, outros saberes como os estéticos e os relacionais ganham espaço e
se ampliam no contexto das atividades que desenvolvem. Observamos que, para
esses acadêmicos, o conhecimento musical é de extrema relevância, pois é este
que os coloca na condição de professor de Música, mas percebem, também, que
o sensível é aspecto fundamental na formação do professor. Os saberes relacionais
foram colocados em evidência e considerados pelos acadêmicos relevantes na
formação do professor. Observa-se, com isso, que suas falas articulam-se com
aspectos relacionados ao conhecimento específico musical, estético e relacional.
O exercício para o processo de formação na área de música é aliar, sem perder
o foco, os saberes que permeiam a constituição da identidade desse profissional.
A formação na docência em Música é extremamente jovem no contexto no qual
esta pesquisa foi realizada. À medida que o curso solidifica-se nesse contexto,
interfere e acompanha as políticas públicas de ensino de música, formalizando
e mobilizando os debates na região. Os acadêmicos envolvidos nesta pesquisa
participam deste debate, fazem parte de um programa (o PIBID) que é uma política
pública de formação de professores e percebem-se atores nesse contexto.
Observa-se, nesse processo, que há uma construção gradual da compreensão
profissional desses professores em formação. Assim, esse é um processo que se
constitui na relação com diferentes elementos que fundamentam a profissão, e
sua integração no cotidiano escolar leva à tomada de consciência e integra e leva
à sua construção de identidade profissional (TARDIF, 2002).
Esses acadêmicos vivenciam e tornam-se mais e melhores professores na
medida em que aprendem a ser professores e percebem-se pessoas em formação.
Nesse processo, eles questionam acerca da presença da música na escola e
percebem a relevância de seu trabalho. Os indicadores desses professores em
formação demonstram que eles percebem a música de forma mais ampla e
compartilham da reflexão de Louro: “Eu não acho que o papel da música na escola
é formar músicos. Eu vejo a música na escola cumprindo um papel transformador,
humanizador, de sensibilização do ser humano” (LOURO, 2012, p. 190).
46 ESTÉTICA NA FORMAÇÃO DOCENTE
Referências
ARROYO, M. G. Uma celebração da colheita. In: TEIXEIRA, I. A. de C. A Escola vai
ao cinema. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008, p.125-135.
MOLINA, S. Vozes e ouvidos para a música na escola. In: JORDÃO, G.; ALLUCCI,
R.; MOLINA, S. (Orgs.). A Música na Escola. São Paulo: Allucci Associados
Comunicações, 2012, p. 7-10.
VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. As ideias estéticas de Marx. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1978.
IMPACTOS DO PIBID NA FORMAÇÃO DO
PROFESSOR SUPERVISOR
Adair de Aguiar Neitzel
Maria Luiza Passos Soares
Elaine Martins
Carla Carvalho
Monica Uriarte
No artigo intitulado Estratégias de leitura no ensino médio - o PIBID de Letras, de autoria de Neitzel et al.,
publicado neste livro, há um detalhamento dos projetos desenvolvidos pelo PIBID de Letras da UNIVALI.
50 ESTÉTICA NA FORMAÇÃO DOCENTE
efetiva em sala de aula, que terá o papel de coformador desses bolsistas. Nesse
sistema, ao mesmo tempo em que o programa proporciona aos universitários
uma formação docente na prática em uma escola real, o supervisor é estimulado
a rever sua trajetória e crescer em sua prática docente. Assim sendo, ao mesmo
tempo em que o supervisor atua e recebe os estudantes, este se aprimora em sua
profissão, constrói, desconstrói e adquire novos saberes.
Por tratar-se de um programa que oportuniza a formação inicial e continuada
para o futuro professor e para o membro do magistério em sua carreira, o PIBID
estabelece como objetivo geral promover o planejamento, a execução e a avaliação
de atividades educativas na Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio para
inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação,
buscando a integração entre educação superior e educação básica.
Desde 2009, há programas do PIBID/UNIVALI sendo desenvolvidos em
escolas públicas estaduais catarinenses e escolas municipais nas regiões de
Barra Velha, Balneário Piçarras, Navegantes, Itajaí, Balneário Camboriú, Itapema,
Camboriú e Tijucas. Os objetivos do PIBID/UNIVALI, nas diversas licenciaturas,
deverão priorizar o desenvolvimento de projetos inovadores nas instituições
públicas, envolvendo as diversas linguagens. Além disso, ele deverá elaborar
materiais didáticos e instrucionais que auxiliem e dinamizem o processo de ensino
e aprendizagem; implementar ações que possibilitem a formação continuada dos
envolvidos diretamente no projeto, a saber, licenciandos, professores supervisores
e coordenadores; incentivar a participação dos licenciandos em atividades como
reuniões de professores e de pais e conselhos de classe; promover a reflexão do
grupo acerca das ações desenvolvidas na escola de forma sistematizada, por
meio do registro escrito; e incentivar projetos na escola que visem à formação
humanística, cultural e estética dos envolvidos no processo educativo.
Dentre as licenciaturas da UNIVALI, o Curso de Letras – Português e
respectivas Literaturas – é um dos participantes do PIBID – atualmente com dois
subprojetos, envolvendo quarenta licenciandos, oito professores supervisores
e duas coordenadoras de área, as quais atuam em oito escolas da rede pública.
Neste texto, temos como objetivo perceber os impactos que este programa teve
sobre dois professores supervisores do PIBID de Letras de duas escolas públicas
de Ensino Médio de Itajaí, SC, Brasil. Nossos sujeitos de pesquisa são apenas
esses dois professores porque, entre 2009 e 2011, a UNIVALI possuía apenas
um subprojeto de Letras, com foco na Leitura, fazendo parte, desse subprojeto,
esses dois professores supervisores, dez licenciandos e um coordenador de área.
Nosso objetivo é perceber se a ação dos professores supervisores foi influenciada
durante o programa com os licenciandos na escola, como estes foram afetados ao
experienciarem, em sua prática pedagógica, o PIBID, e quais impactos os projetos
desenvolvidos por esses alunos causaram nas unidades escolares.
IMPACTOS DO PIBID NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR SUPERVISOR 51
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.
Manuel de Barros
espaço não consegue tornar-se um lugar apropriado para que os alunos sintam-
se realmente em um ambiente educativo. “Contrariamente ao operário de uma
indústria, o professor não trabalha apenas um ‘objeto’, ele trabalha com sujeitos
e em função de um projeto: transformar os alunos, educá-los e instrui-los [...] é
saber agir com outros seres humanos que sabem que lhes ensino; é saber que
ensino a outros seres humanos que sabem que sou um professor, etc.” (TARDIF,
2002, p. 13).
Paulo Freire (1996, p. 142) ensina-nos: “A alegria não chega apenas no encontro
do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode
dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”. Os espaços educacionais
precisam ser esse espaço de boniteza e promover o devaneio, possibilitando o
sonho, a imaginação, a integração entre o sensível e o inteligível, porque é pelos
sentidos que apreendemos o mundo. Um espaço de ensino criativo, um ambiente
de estímulo, leva o sujeito a aprender feliz, satisfeito. Assim, propomos uma
dinâmica de trabalho mais humana.
Uma escola em que cada professor tem sua sala ambiente, outra em que
as salas são de uso comum. O que move um grupo de professores a optar pelas
salas ambientes? Com certeza, é o desejo de criar tempos mais flexíveis, espaços
mais abertos à interação, ao convívio, enriquecer os processos de aprendizagem,
oferecendo recursos materiais e físicos que proporcionem uma abordagem
pedagógica mais criativa. Uma sala de Artes ou de Língua Portuguesa, de Matemática
ou de História,..., apresentaria sua identidade. Essa forma de organização do trabalho
demonstra professores e gestão preocupados com esses convívios. E assim precisa
ser: não uma forma de controlar os convívios, mas de estimulá-los, pois: “Ensinar é
agir com outros seres humanos” (TARDIF, 2002, p. 13).
Uma escola com sala informatizada, outra que não dispõe de nenhum
recurso audiovisual. Para a geração Y, que fica conectada em média sete horas
por dia, aprender apenas por meio da preleção e do quadro de giz não é fácil. Ou,
ainda, a geração Z, que nasceu no boom tecnológico e desempenha várias tarefas
usando, simultaneamente, a tecnologia, um bom filme, um site, uma música, um
vídeo, um jogo eletrônico, livros digitais, todos são recursos que podem dinamizar
as aulas e mudar a organização de nosso trabalho.
Uma escola que serve refeições aos alunos e outra que não dispõe nem
de cantina. A escola é um território que não está apartado da vida, um espaço
socialmente construído, que é usufruído não apenas pelos alunos, mas pelos
professores e pais. Para além de um lugar de ensino, o espaço escolar, a escola,
deve ser um lugar que promove o bem-estar. A arquitetura escolar e seus espaços
ocupados e vazios revelam sentidos múltiplos, sempre é portadora e transmissora
de mensagens de sentidos múltiplos, como indica Tardif (2002).
Ambas as escolas sem biblioteca. Abensour (2008, p. 72), ao discutir sobre
a utopia dos livros, convida-nos a pensar sobre a materialidade do livro: ele não é
IMPACTOS DO PIBID NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR SUPERVISOR 55
uma coisa como uma cadeira, um giz, um quadro ou outra ferramenta qualquer.
Ele porta uma utopia que alça o homem, por meio da sua leitura, a outro patamar
de humanidade, uma compreensão do livro que ultrapassa aquela de simples
portador de conhecimento. O homem, além de ser dotado de linguagem, é um
homem literário, “[...] puis il passe du livre à l’ inspiration prophétique, ou plus
exactement du langage à l’inspirations prophétique par la médiation du livre et
de son interprétation” (ABENSOUR, 2008, p. 72). Para Abensour, o livro é um
instrumento que permite ao homem transcender seu estado natural, que é um
estado inacabado e, portanto, é um instrumento que se diferencia de todos os
outros porque permite a revelação da subjetividade humana de nosso ser.
Eucoubas (2008) inicia o artigo Rechercher sur le conditions de possibilité du
livre – Emmanuel Levinas – Maurice Blanchot reportando-se a um fato acontecido
em 1533 entre o imperador Inca Atahualpa, no Peru, e o conquistador espanhol
Prancisco Pizarro. Este último enviou ao imperador Inca seus emissários com uma
bíblia e a seguinte mensagem: Pegue esse livro, ele vai te falar. Atahualpa coloca o
livro na orelha, não escuta nada e, pensando que os emissários estavam fazendo
pouco caso dele, lança o livro no chão. Por esse ato, os emissários jogam-se sobre
ele e o massacram. Escoubas (2008, p. 59, grifo do autor) inicia seu discurso sobre
o livro afirmando: “Un livre ne parle donc pas de lui-même et par lui-même. Il faut
quelqu´un d´autre, un ‘autre’ pour délivrer le lisible de son enfermement dans le
visible”.
Com isso, queremos dizer que, sendo o livro um elemento material diferente
de qualquer outro que se encontra na escola, porque ele nos fala, é um enigma
a ser revelado, um objeto que porta uma voz que precisa ser desvelada, cuja voz
pode nos alçar a várias possibilidades de compreensão do mundo e da nossa
própria humanidade, ele precisa ter um lugar de destaque, precisa ser o centro de
todo o processo educativo e, nesse sentido, não é possível conceber esse espaço
sem uma biblioteca.
Apresentando resultados: o impacto do PIBID na formação do
professor supervisor
Ao pensarmos sobre o impacto que o PIBID tem na formação do professor
supervisor, devemos considerar que esse profissional faz parte de uma comunidade
escolar que tem um projeto pedagógico. Ao fazer parte do programa, ele se propõe
“[...] em seguida ele passa do livro à inspiração profética, ou mais precisamente, da linguagem à inspiração
profética por meio da mediação do livro e de sua interpretação.” (ABENSOUR, 2008, p. 72, tradução nossa).
“Um livro não fala, portanto, de si e para si próprio. É preciso de um outro, um ‘outro’ para libertar o que pode
ser lido de seu visível confinamento.” (ESCOUBAS, 2008, p. 59, grifo do autor, tradução nossa).
56 ESTÉTICA NA FORMAÇÃO DOCENTE
Fica explícito, em sua fala, que existe uma preocupação com a articulação
entre teoria e prática e que ele se sente um coformador desses licenciandos. Sua
participação no PIBID o provoca a conhecer mais, a procurar referenciais teóricos
que o auxiliem no processo de orientação dos licenciandos, colocando-o como
protagonista nesse processo de formação dos futuros professores. O desejo de ter
um interlocutor é forte. E essa questão mostrou-se também nas falas do professor
da escola B mostradas anteriormente. Elas denunciam a realidade da prática
pedagógica nas escolas públicas estaduais, uma prática solitária, sem oportunidades
de trocas de experiências e de estudos. O programa proporciona, por intermédio do
contato com a academia, que o professor repense a própria formação e seus valores,
oportuniza uma autoavaliação e, ao menos nas práticas em que os licenciandos
estão envolvidos na escola, há um esforço de tornar suas experiências pedagógicas
melhores, como afirma o professor supervisor da escola B.
Madadayo foi o último filme dirigido e escrito por Akira Kurosawa, feito em 1993.
60 ESTÉTICA NA FORMAÇÃO DOCENTE
por uma estética da docência que se mostra como um espaço não apenas do
conhecimento intelectivo, mas também de um saber sensível. No entanto, para
podermos perceber a escola como esse lugar também do sensível e recuperar
a humanidade perdida nesses espaços, precisamos deixar-nos “[...] contaminar
por outras formas de ver, sentir e ler a realidade”, o que nos possibilitaria um
“trato poético de nossa docência” (ARROYO, 2008, p. 127). Madadayo leva-nos
a refletir sobre o processo formativo humano “[...] como um processo pelo qual
se auxilia o homem a desenvolver sentidos e significados que orientem a sua
ação no mundo” (DUARTE JR., 1983, p. 15). Nesse processo, a docência passa por
uma transcendência dos limites impostos pela concepção tradicional do que é
ensinar e aprender, e avança para uma percepção de educação como processo
de construção do próprio professor que, à medida que ensina, também aprende.
Para aprender, é necessário rever sua prática e incorporar outras formas de ver e
de pensar.
Segundo o professor supervisor da escola A, a proposta do PIBID de fazer
leitura fruitiva, a princípio, causou-lhe estranhamento, pois não era uma vivência
comum em sua prática, que era marcada pela leitura-fichamento-resumo, uma
sequência de ações que resultavam em um produto palpável para o professor
saber o que o aluno entendeu; bastava saber se o aluno tinha chegado a mesma
interpretação do educador. Essa prática, desvinculada da arte literária como
parte da formação do sujeito, o professor supervisor X não concebe mais – ele
parte dessa leitura despretensiosa para entender e refletir criticamente sobre a
situação.
alunos, outros profissionais da escola que nunca tinham ido ao teatro para assistir
a uma peça. Fica visível que o projeto do PIBID instaura um movimento cultural
na escola.
À luz de Tardif (2002, p. 148), o trabalho docente é “[...] uma prática social
global e complexa, interativa e simbólica ao mesmo tempo”. Vai além da técnica
instrumental, fortalece-se na prática. Nesse caso, o professor é ator de sua prática,
é ele quem “[...] lhe dá corpo e sentido no contato com os alunos (negociando,
improvisando, adaptando)”. Essa prática concorre para articular o “[...] ambiente
de trabalho do professor, de seu objeto, de seus objetivos profissionais, de seus
resultados, de seus saberes e de suas técnicas, [...] de sua personalidade e experiência”,
não podemos esquecer, ainda, “[...] dos dilemas que marcam constantemente
o trabalho por eles realizado, nem das implicações éticas [...].” O trabalho do
professor supervisor, portanto, dá-se em uma construção social, interativa e,
também, individual. Ele vai se aperfeiçoando e agindo sobre o meio, atuando
nele, interferindo no processo de gestão da escola, dos pares, e simultaneamente
sofrendo mudanças, sejam elas de ordem subjetiva ou profissional.
Outro impacto da reaproximação com a Universidade é o professor da
escola B sentir-se novamente aprendiz, ao perceber que alguns de seus diretores
e coordenadores do projeto continuam estudando e publicando. Ao ver que
seus textos identificam-se com a sua realidade, encoraja-se também a produzir,
a manifestar o desejo de voltar ao meio acadêmico e a valorizar a produção
científica.
Considerações finais
A educação é uma arte, uma técnica, uma interação e muitas outras coisas,
mas é também a atividade pela qual prometemos às crianças e aos jovens um
mundo sensato no qual devem ocupar um espaço que seja significativo para si mesmos.
Maurice Tardif
Referências
BARROS, M. de. Memórias inventadas. São Paulo, SP: Planeta do Brasil, 2010.
DUARTE JR., João Francisco. Por que arte-educação? Campinas: Papirus, 1983.
______. O Sentido dos Sentidos: A Educação (do) Sensível. Curitiba: Criar, 2010.
A natureza não trata melhor o homem que suas demais obras: age
em seu lugar onde ele ainda não pode agir por si mesmo como
inteligência livre. O que o faz homem, porém, é justamente não
se bastar com o que dele a natureza fez, mas ser capaz de refazer
regressivamente com a razão os passos que ela antecipou nele,
de transformar a obra da privação em obra de sua livre escolha
REFINAMENTO ESTÉTICO DO COORDENADOR PEDAGÓGICO 65
estética, o ser humano passa a conhecer-se, fica mais sensível, mais observador
e mais perceptível com o que no dia a dia passa despercebido, é sinal de que
os professores necessitam discutir mais sobre a temática arte para compreender
suas características e possibilidades. Há de entender-se que a educação estética
permeia todas as temáticas elencadas e priorizadas pelos coordenadores nas
formações. Por meio de vivências individuais ou de grupo que possibilitem o
contato com a arte, seja por observação, apreciação, experimentação ou simples
envolvimento, pode acontecer a sensibilização do ser humano, oportunizando
um aprendizado cultural que interferirá na sua forma de perceber o contexto em
que vive. Nas palavras de Soares:
Tecendo considerações...
Discute-se a ideia de uma escola que possibilite ao aluno uma formação para
a vida em sociedade, pautada na concepção de que o discente deva ser visto em
um todo, que compete a este desenvolver sua autocrítica, ou seja, ser conhecedor
de causas e efeitos de suas ações no ambiente. Fica evidente, assim, que o inteligível
deva caminhar lado a lado com o saber sensível, mesclando novas percepções,
novos olhares sobre o mundo e sobre a vida (DUARTE JR., 2010).
A escola, portanto, que reproduz metodologias que considerem a formação
de faculdades humanas isoladas, separando a sensibilidade do inteligível,
provavelmente não atenderá às necessidades da sociedade contemporânea; uma
vez que, no dia a dia, o cidadão precisa resolver seus problemas refletindo o todo
da questão, enquanto sua formação escolar preparou-lhe de forma fragmentada
e descontextualizada da humanização. Instaura-se, assim, uma inquietude, a qual,
se bem canalizada e aliada ao desenvolvimento dos sentidos, pode dar origem
ao impulso criador, já sinalizado por Schiller em seu livro A educação estética do
homem.
O coordenador pedagógico pode desenvolver habilidades e competências
resultantes de seu processo de refinamento estético, com significativas vivências
com as artes, com manifestações culturais e com a diversidade étnica cultural.
Acredita-se que, por meio de vivências estéticas, desencadeie-se o aprimoramento
da percepção e do olhar sensível para a real necessidade da sociedade atual,
reconhecendo a arte de ser e de viver neste mundo. Segundo Arroyo (2008,
p. 127), é necessário surpreender e estreitar os laços entre cultura, educação e
docência e para tal falta deixarmo-nos “[...] contaminar por outras formas de ver,
sentir e ler a realidade”.
Este texto apresentou reflexões em torno da sensibilização do coordenador
pedagógico, sensibilização esta associada à humanização do sujeito, sugerida,
aqui, como fruto do refinamento estético, ou seja, do refinamento dos sentidos.
Concorda-se com Schiller quando este afirma que: “O impulso sensível, portanto,
precede o racional na atuação, pois a sensação precede a consciência, e nesta
prioridade do impulso sensível encontramos a chave de toda a história da
liberdade humana” (SCHILLER, 2013, p. 97).
Em suma, há de investir-se na educação do sensível (estésica) do
coordenador pedagógico, no intuito de possibilitar o seu refinamento estético e,
consequentemente, o seu pleno desenvolvimento humano, para que ele passe a
ver e a sentir o meio social, pessoal e educacional que o cerca.
REFINAMENTO ESTÉTICO DO COORDENADOR PEDAGÓGICO 73
Referências
ARROYO, M. G. Uma celebração da colheita. In: TEIXEIRA, I. A. C.; LOPES, J. S. M.
A escola vai ao cinema. 2. ed. 1. reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
DUARTE JR., J. O sentido dos sentidos: educação (do) sensível. 5. ed. Curitiba, PR:
Criar, 2010.
EISNER, E. The arts and the creation of mind. New Haven: Yale University Press,
2002.
Talvez o título deste capítulo pudesse ser mais curto: Por que um aluno precisa
de Literatura? Ou, ainda melhor, quiçá o título devesse buscar a universalidade,
algo como: Por que precisamos de Literatura? Entretanto, seguindo a lógica do
método – afinal, sempre somos modernos [demasiados modernos] –, optou-se
ir do particular ao universal e, assim, tentar responder à pergunta específica: Por
que um médico precisa ler textos literários?
A resposta acadêmica a essa questão passa pelo estudo de uma nova
disciplina que desponta no Brasil e que vem sendo incluída pelos currículos
dos cursos de medicina na Europa e nos Estados Unidos desde os anos de 1980.
Essa nova disciplina tem sido denominada por muitos autores (HURWITZ;
GREENHALGH, 1998; CHARON, 2004, 2006) de Medicina Narrativa e compõe, ao
lado de disciplinas afins, um campo maior denominado Humanidades Médicas.
No entanto, afinal, de que tratam as tais Humanidades Médicas? Muitos
conceitos têm sido atualizados no sentido de reaproximar a prática da medicina às
disciplinas conhecidas como humanas, ou humanidades, tais quais: Antropologia,
Sociologia, História, Filosofia, Artes, Literatura. Digo reaproximação porque,
como mostra uma visita à história da medicina, para os gregos – pais da medicina
[da filosofia, da literatura e da cultura ocidental] –, a prática médica não podia
ser separada do conhecimento filosófico que, necessariamente, acompanhava o
aprendizado de habilidades curativas e cirúrgicas dos profissionais.
Hipócrates (1997) deixa transparecer nos seus aforismos e nas suas prescrições
que o médico, antes de tudo, deve ser sábio. E saber, para os gregos, significava domínio
das artes, das letras, da retórica, da argumentação, além dos segredos práticos da
profissão. Para exemplificar essa proximidade, recorro ao aforismo mais famoso de
Hipócrates: “A vida é curta, a arte é longa, a oportunidade fugidia, a experiência
enganosa, o julgamento difícil”. Fica explícita a proximidade da arte (tecvh ‘ –
téchne), prática da medicina com as questões do julgamento (ética) e metafísicas.
Hipócrates utiliza o termo kairós (kairoV) ‘ para falar do tempo fugidio, o tempo
da oportunidade, tempo fugaz relacionado a decisões irrevogáveis do médico; em
‘
vez de usar chronos (XrovoV– tempo extensivo) ou aion (aiwv), ‘ tempo intensivo
denotando preocupação filosófica nos ensinamentos dirigidos aos asclepíades
(médicos sucessores de Asclépio, o deus da medicina).
A medicina hipocrática foi resgatada, e muito pouco atualizada, no início
da era cristã por Galeno, cujos ensinamentos foram praticados e repassados por
POR QUE UM ALUNO DE MEDICINA PRECISA DE LITERATURA? 77
dos pacientes (OSLER, 1910, p. 8-11). Esse sentimento provocou uma crescente
sensação de falta, de abandono, com pacientes cada vez menos compreendidos
ou satisfeitos nos seus anseios de acolhimento e empatia.
Então, o paradoxo havia se estabelecido: se por um lado a medicina
havia alcançado desenvolvimento tecnológico deslumbrante; por outro, esse
afastamento do médico e da medicina dos sentimentos e das emoções do paciente
provocou insatisfação e decepção com uma prática que não se mostrava capaz de
cuidar plenamente de seus pacientes e que já não satisfazia os anseios nem dos
doentes, nem dos próprios médicos. Os ideais da Modernidade colocados em
dúvida. O conhecimento das menores partes não chega ao todo ou ao menos a
um todo satisfatório. O conhecimento técnico-científico não basta para trazer a
sensação de conforto, de segurança, de alívio ou de aceitação frente às inevitáveis
dores e às perdas da existência. Ao contrário, os séculos XX e XXI, tão ricos de
técnicas e de descobertas científicas, abundam de barbaridades e atos humanos
que desmentem as promessas de um mundo mais ordenado, mais feliz, mais justo,
seguindo o meteórico progresso das ciências.
A modernidade prometeu e não pôde cumprir suas promessas. Ordem não
trouxe teleologicamente progresso. O conhecimento [científico] não proporcionou
justiça social. É indiscutível que o desenvolvimento tecnológico trouxe grandes
avanços diagnósticos e terapêuticos para a medicina, mas ainda poucos se
beneficiam dessas novas tecnologias. Uma grande parte da humanidade vive ao
largo dos benefícios da indústria farmacêutica, dos recursos estelares de máquinas,
de aparelhos, de ressonâncias magnéticas, de cirurgias robóticas, endoscópicas ou
do uso de células tronco. Mesmo mudando a lente telescópica do social para
o singular, ouvem-se as queixas e a insatisfação de pacientes que repetem em
uníssono que não são ouvidos por seus médicos; que não têm seus sentimentos
levados em consideração pelos profissionais que cuidam de suas feridas, de seus
cânceres, seus traumas e suas dores; que não se sentem atendidos.
A medicina superespecializada tem ensinado que buscar a cura é seu objetivo
máximo, assim como buscar a verdade era a razão de ser do método cartesiano.
Nem a verdade se fez possível, nem a cura se sustenta como objetivo máximo da
medicina. Faz-se necessário buscar uma fórmula mais ampla, “um pensamento
que se tenha reconciliado com a vida” (MAFFESOLI, 1998, p. 23).
A Verdade com “V” maiúsculo supõe a universalidade, valor supremo, o
correto, o Bem. E, a partir de tal conceito, a Modernidade derivou as dicotomias
tão caras ao pensamento hegemônico do homem de ciência. Certo e errado.
Homem ou mulher. Branco ou negro. Direita ou esquerda. Pecado e perdão.
Matéria e espírito. Corpo e mente. Bem e mal. Eu ou o outro. Saúde ou doença.
Dicotomias tão caras ao cidadão moderno, em duplo sentido. Caras porque sem
elas o sujeito não pode existir. Descartes e seu cogito são a origem deste paradigma
POR QUE UM ALUNO DE MEDICINA PRECISA DE LITERATURA? 79
moderno: se penso, não duvido e existo; se duvido, logo não posso pensar, e
minha existência fica comprometida. Caras, também, no sentido de custosas,
porque a partir dessas dicotomias, tão demarcadas e maniqueístas, muito do que
é humano foi deixado de fora do estatuto de cientificidade e de conhecimento
útil nas escolas, nas profissões, na medicina.
Se o branco é relacionado com a paz, com o bom; o que sobra para o negro?
Se o homem é a razão, como fica a mulher? Se o heterossexual é a norma, o que
fazer com os fora da norma? Se a sanidade mental é colocada em polo oposto à
loucura, o que fazer com os loucos? Se a saúde é o bem, então a doença é o mal? Se
a vida é o propósito da Natureza, como lidar com a morte? Se o médico moderno
é formado para seguir, sem questionar, os ideais da modernidade e pensar dentro
do método tradicional, como pode lidar com o lado escuro tão presente nas
vidas de seus pacientes e em suas próprias vidas, por serem tão constituintes da
natureza humana quanto os atributos do bem? “There’s a paradox here at the
heart of medicine, because a doctor, like a writer, must have a voice of his own,
something that conveys the timbre, the rhythm, the diction, and the music of
his humanity that compensates us for all the speechless machines.” (BROYARD,
1992).
Medicina e Narrativas
Como um cirurgião super habilidoso, mas afastado das “humanidades”, pode
compreender o medo no olhar do seu paciente a caminho do centro cirúrgico?
Como o oncologista, baseado nas tantas evidências de sobrevida, nas porcentagens
de cura, nos prognósticos otimistas pode aceitar que sua paciente não queira
se submeter à quimioterapia? Como fazer medicina na África subsaariana sem
tomografias ou anticorpos monoclonais? Como cuidar de pacientes terminais?
Como aceitar a morte de forma natural? Como cuidar dos nossos avôs, dos
pacientes centenários no final de suas vidas, sem submetê-los à frieza e ao
constrangimento de internações hospitalares? Como empatizar, atender, cuidar
e compartilhar nosso tempo de médicos com pacientes portadores de doenças
crônicas e degenerativas? Como aceitar que há condições que estão muito além de
potencialidades terapêuticas? Como entender que aquilo que eu, médica, penso
ser melhor para meu paciente nem sempre é? Que a ideia de doença ou de dor ou
de vida e morte que me é tão própria pode ser tão diversa entre os pacientes que
vou encontrar durante minha vida profissional, quando somos uns dos outros, no
que concernem nossos corpos, nossas ideias, nossos sonhos e desejos?
“Existe um paradoxo aqui no coração da medicina, porque um médico, como um escritor, deve ter uma
voz própria, algo que transmita o timbre, o ritmo, a expressão, e a música da sua humanidade, algo que nos
compense por todas as máquinas que não falam.” (BROYARD, 1992, tradução nossa).
80 FORMAÇÃO DE LEITORES
Afinal, há muito mais cores entre o preto e o branco. Há muita sombra nesse
caminho. Luzes e sombras. Dores e delícias. Cada um sabe, ou nem sabe bem,
de que cores é composto. Entretanto, nesta calha de roda giramos a entreter a
razão, cada um de nós constitui um estilo, buscando uma maneira de viver. Cada
um conta uma história sobre si mesmo. Cada um se constitui sujeito, constrói
uma identidade a partir das narrativas que edifica sobre si.
Essa é um dos principais conceitos filosóficos descrito por Paul Ricoeur
(2010) nas últimas das mais de mil páginas de seus três volumes intitulados
Tempo e Narrativa. Ricoeur afirma que construímos nossas identidades a partir
das narrativas que contamos sobre nós mesmos. Outros teóricos já haviam nos
alertado sobre o poder dos discursos sobre a constituição de nossas identidades;
afinal Michel Foucault (1996) demonstrou como já nascemos inscritos dentro
de um discurso que nos assujeita e ao qual nos sujeitamos durante nossas
existências.
Alusão ao poema Autopsicografia de Fernando Pessoa. Disponível em: <http://www.insite.com.br/art/
pessoa/cancioneiro/143.php>. Acesso em: 20 jan. 2014.
POR QUE UM ALUNO DE MEDICINA PRECISA DE LITERATURA? 81
enfrentar o mundo de uma maneira singular (o que Deleuze chama de ipse), única
(DELEUZE, 2009; SHEERIN, 2009).
Contudo, argumentamos, aqui, junto aos teóricos citados - Foucault
(e o discurso), Ricoeur (e a identidade narrativa), e mesmo Deleuze (com as
micronarrativas e a linguagem como palavra de ordem) -, que é, indubitavelmente,
por meio da linguagem que expressamos nossa subjetividade, representamos nossos
anseios e damos voz às nossas identidades. E a forma linguística que usamos para
contar sobre nossas vidas chama-se narrativa. Como afirma Roland Barthes,
limitados à terça parte do Pensamento (porque parece certo que quem não lê,
não se aproxima da Filosofia, a terceira perna da trindade). Além disso, os textos
literários fazem parte dos objetos estéticos.
Os objetos estéticos são produções humanas (para diferenciar das obras
da Natureza) e, portanto, objetos culturais que chegam a nossa consciência
por uma via diferente da razão cognitiva ou dos sentidos (embora se utilize
deles para funcionar) (CAUQUELIN, 2005). Seguindo o pensamento kantiano, a
razão cognitiva ou pura é aquela que trata do conhecimento a priori, ou seja,
independentemente da experiência. Por sua vez, o conhecimento empírico é o que
se dá a partir dos sentidos, das percepções, da experiência, sendo útil e necessário
para a vida prática. O juízo estético seria da ordem do conhecimento sem utilidade,
sem fim prático (SCHILLER, 2011). Objetos estéticos são aqueles que provocam
o arrepio que percorre o corpo quando ouvimos a Ode à Alegria, de Beethoven.
Ou da comoção que não contém lágrimas quando assistimos àquela cena de A
Vida é Bela, de Roberto Benigni ou da emoção provocada pelas páginas finais da
Metamorfose, de Kafka ou da Hora da Estrela, da Clarice Lispector (1998), quando
antecipamos o trágico final das personagens - do inseto varrido porta afora de
seu quarto na fria Praga de Kafka (2012) ou a visão Macabéa despedindo-se da
existência observando a grama da sarjeta molhada das ruas do Rio de Janeiro.
Difícil conceituar, mas fácil de sentir. Estética trata daquela sensação de
desconforto, de prazer, de ser outro, de ter devido outra coisa após assistir Jude
Law no papel de Henry V, de Shakespeare no teatro em Londres ou de ter visto
os quadros do enlouquecido Van Gogh que pintou girassóis, cadeiras e paisagens
como quem expia dores da existência.
Como definem Deleuze e Guattari (2007), os artistas são criaturas que,
sentados diante de telas brancas ou de páginas em branco, viajam ao virtual de
tudo o que é possível, e buscam, nesse caos de intensidades e forças, um pedaço
do infinito que será fixado para sempre em forma de obra de arte. Uma ideia,
um estilo, uma forma e um conteúdo que terão duração, transformado em
cerâmica, na escultura, na partitura, no quadro, no texto literário. Uma obra de
arte é um acontecimento sempre vivo, sempre pronto a provocar em cada um de
nós, humanos, novas reações, renovadas emoções, incontáveis perceptos e afetos
(SHAVIRO, 2014). Como já teorizamos em outra oportunidade: “Para sempre,
mesmo que o criador há muito tenha desaparecido, aquele acontecimento
estético perdura, aquele sorriso [do quadro] sempre será capaz de expressar o
sentimento vivido” (MOSTAFA; NOVA CRUZ, 2009, p. 91-92).
É isso, e é por causa disso, também, que os jovens [médicos] precisam ler e
ouvir música e ver Arte. Para serem afetados pelos objetos estéticos. Há uma parte
da nossa razão que, como teorizou Kant e explicou Schiller, não é nem teórica (razão
pura), nem prática (razão moral). É estética (julgamento estético) e essa, segundo
os pensadores alemães, é o juízo que nos faz propriamente humanos, equilibrados
entre a selvageria dos instintos e a barbárie da moral (SCHILLER, 2011). O melhor
POR QUE UM ALUNO DE MEDICINA PRECISA DE LITERATURA? 83
de nós vem à tona quando provocado pelas experiências estéticas. É por isso, então,
que todos precisamos de literatura, de arte. É por isso, também, que os alunos de
medicina precisam ler textos clássicos, para que, durante a formação do médico, este
possa ser apresentado à dimensão estética da existência, para que o futuro médico
desenvolva as habilidades narrativas, saiba ouvir as histórias de seus pacientes com
a emoção e o afeto de quem lê um texto clássico.
Então, ler os clássicos para retomar um caminho abandonado lá atrás desde
a Modernidade. Para retornar ao médico que conhece as Humanidades, para
se tornar um médico que reconheça os anseios humanos, demasiados humanos
que habitam cada recôndito claro-escuro dos corpos e mentes dos pacientes e de
si próprios. Para deixar a frieza e o cálculo para os momentos de pura técnica e
poder encantar-se e emocionar-se com a sua própria dimensão humana. E disso
trata a Medicina Narrativa. Trata de ampliar as habilidades clínicas do médico para
que fique atento às potencialidades presentes nas narrativas que nos circundam.
Como tenho afirmado desde que ouvi essa narrativa: nunca mais uma
Dulcineia será somente uma paciente qualquer, internada em uma das muitas
enfermarias do hospital. Para aqueles jovens médicos que leram comigo trechos de
Dom Quixote, Dulcineias e, espero todos os pacientes que encontrarem em seus
caminhos de médicos [errantes], provocarão uma fagulha de afeto que singulariza
cada Dulcineia. Essa é a potência do texto literário: os perceptos provocados
pela literatura revelam àquelas mentes tão inteligentes, racionais e diretas algo a
mais: afeto. A aprendizagem de sentimentos, de emoções, de cores e de sabores
que a ciência, por si só, não é capaz de expressar. A cada Simão Bacamarte lido
Esta narrativa faz parte dos dados coletados para a Tese de Doutorado em Educação da autora do PPGE-
UNIVALI, a qual está em andamento.
84 FORMAÇÃO DE LEITORES
a) pertencentes ao imperador
b) embalsamados
c) domesticados
d) leitões
e) sereias
f) fabulosos
g) cães em liberdade
h) incluídos na presente classificação
i) que se agitam como loucos
j) inumeráveis
k) desenhados com um pincel muito fino de pelo de camelo
l) et cetera
m) que acabam de quebrar a bilha
n) que de longe parecem moscas.
POR QUE UM ALUNO DE MEDICINA PRECISA DE LITERATURA? 85
Referências
ABBOTT, H. P. The Cambridge Introduction to Narrative. Cambridge: University
Printing House, 2008.
Alusão ao poema de Alberto Caeiro. Disponível em: <www.insite.com.br/art/pessoa/ficcoes/acaeiro/tejo.
php>. Acesso em: 17 fev. 2014.
86 FORMAÇÃO DE LEITORES
CALVINO, I. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007.
______. Narrative Medicine: honouring the stories of illness. New York: Oxford
University Press, 2006.
MOSTAFA, S. P.; NOVA CRUZ, D. V. Para ler a filosofia de Gilles Deleuze e Félix
Guattari. Campinas: Alínea, 2009.
SHEERIN, D. London: Deleuze and Ricoeur: Disavowed Affinities and the Narrative
Self. Continuum International Publishing Group, 2009.
LEITURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
O LEITOR EM FORMAÇÃO E O TEXTO LITERÁRIO
Janete Bridon
[...] ler significa despojar-se de toda a intenção e todo preconceito para estar pronta
a captar uma voz que se faz ouvir quando menos se espera, uma voz que vem não se
sabe de onde, de algum lugar além do livro, além do autor, além das convenções da
escrita: do não-dito, daquilo que o mundo ainda não disse sobre si e ainda não tem
as palavras para dizer.
Ítalo Calvino
A dissertação de mestrado de Patrícia Cesário Pereira Offial, Formação de leitores do literário: uma
experiência na Escola da Ponte, apresenta um breve esboço de alguns dos mais importantes programas de
leitura implementados no Brasil.
LEITURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: O LEITOR EM FORMAÇÃO E O TEXTO LITERÁRIO 89
Para que o aluno tenha o “pleno domínio da leitura”, este necessita ser
introduzido a textos variados que o levem a desenvolver competências a fim
de poder compreender os textos e, também, ser capaz de refletir sobre eles e
formar opinião sobre aquilo que lê. Como formar e motivar leitores sem leitura
constante? Sem levar os alunos a entrar no texto e perceber todas as suas certezas
e incertezas? Sem dar aos discentes as ferramentas necessárias para que estes
sejam leitores ativos, que reajam ao texto?
A Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), mais conhecida
como Prova Brasil, aplicada pela primeira vez em 2005, é a avaliação da qualidade
proporcionada pelas escolas públicas, recebendo o Brasil, cada região, cada estado,
cada município e cada unidade escolar seu resultado global, procurando, assim,
estimular tanto a qualidade quanto a equidade da educação básica, de forma a
reduzir as desigualdades e cooperar com a democratização da gestão do ensino
público (BRASIL, 2005). A Prova Brasil, segundo o PDE/Prova Brasil (BRASIL, 2008),
é capaz de verificar se todos os alunos matriculados na escola básica valem-se
de seu direito “[...] ao aprendizado de competências cognitivas básicas e gerais”
(BRASIL, 2008, p. 11). A Prova Brasil é aplicada a cada dois anos, acontecendo a
última em 2011.
Na Prova Brasil, medem-se as competências em leitura (Língua Portuguesa)
e a resolução de problemas (Matemática). O nível de desempenho em relação à
competência leitora e à resolução de problemas pode mostrar a quantas andam
a aprendizagem dos discentes em todas as disciplinas do currículo escolar, já que
em Ciências, em História, em Geografia, etc., há a necessidade de competências
leitoras e de resolução de problemas. Sem competências leitoras, dificilmente,
haverá aprendizagem.
Na cidade de Itajaí (SC), pode-se ter uma ideia do que acontece nas escolas ao
se reunir os resultados da Prova Brasil de 2011 em Língua Portuguesa (Figura 1).
92 FORMAÇÃO DE LEITORES
De acordo com o documento PDE/Saeb (BRASIL, 2008), não há consenso entre organizações, estados e
municípios em relação ao nível adequado de desempenho que os alunos do 5º e 9º anos devam alcançar.
Entretanto, o mesmo documento afirma que o PDE adotou como adequadas as médias definidas pelo
movimento Todos pela Educação: acima de 200 pontos para o 5º ano do Ensino Fundamental.
LEITURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: O LEITOR EM FORMAÇÃO E O TEXTO LITERÁRIO 93
De acordo com o documento PDE/Saeb (BRASIL, 2008), a média considerada adequada para o 9º ano do
ensino fundamental é acima de 275 pontos.
94 FORMAÇÃO DE LEITORES
O que acontece com os alunos de uma série para outra? Tal resultado
demonstra que, conforme o andamento das séries, os discentes não estão
adquirindo as competências em leitura necessárias para que eles lidem com os
textos que lhes são apresentados nas avaliações nacionais, como a Prova Brasil.
Arroyo, em 2000, em seu texto Fracasso/Sucesso: um pesadelo que perturba nossos
sonhos, afirma: “Há problemas em nossas escolas que nos perseguem como um
pesadelo” (ARROYO, 2000, p. 33). Tais problemas, treze anos depois, continuam
a nos perseguir.
A qualidade na educação depende de vários fatores, dentre eles: a formação
do docente, as condições de trabalho do professor, o número de horas com
as quais este precisa lidar em seu dia a dia de trabalho, o papel da família no
processo educativo do aluno, o espaço da escola e a forma como esta é gerida.
No meio desse remoinho de problemáticas, encontram-se os alunos, que não
podem ser afetados. Há a necessidade, assim, de um olhar que leve o professor,
a escola, a universidade, o governo, a repensar como melhorar a qualidade na
educação básica – falamos aqui de melhorar a qualidade e não os índices. Estes,
automaticamente, melhoram ao ter qualidade.
Para Gatti (2010), apesar dos múltiplos fatores que afetam, segundo a
autora, os “graves problemas” da escola básica, dentre eles: políticas educacionais;
financiamento da educação básica; aspectos das culturas nacional, regionais e
locais; formação dos gestores; condições sociais e de escolarização de pais e mães
de alunos das camadas populacionais, a pesquisadora considera a formação inicial
dos professores o ponto crucial em todo esse processo: “Procura-se contribuir para
o debate que busca a melhoria da qualidade da formação desses profissionais, tão
essenciais para a nação e para propiciar, nas escolas e nas salas de aula do ensino
básico, melhores oportunidades formativas para as futuras gerações” (GATTI,
2010, 1359). Ao pensar-se na leitura como ponto importante da educação, já que
dela o aluno depende para seu sucesso escolar, é preciso considerar como futuros
professores são preparados para lidar com isso na escola, lembrando, aqui, que a
leitura não acontece somente nas disciplinas voltadas às línguas. Ela faz parte de
todo o contexto escolar. Há leitura em Geografia, em História, em Biologia, em
Matemática... Além disso, durante sua vida acadêmica e profissional, o docente
precisa ter ou adquirir o gosto pela leitura, visto que, para um professor ter alunos
leitores, ele necessita, primeiramente, ser leitor.
LEITURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: O LEITOR EM FORMAÇÃO E O TEXTO LITERÁRIO 95
OECD - Organization for Economic Cooperation and Development - organização conhecida no Brasil como
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
98 FORMAÇÃO DE LEITORES
A média alcançada pelo 9º ano na Escola Odete Barroso, por exemplo, foi
de 244,4 (INEP, 2011a). Essa pontuação pertence ao nível 5 de desempenho em
competência leitora da Prova Brasil, já que a pontuação nesse nível fica entre 225
e 250 pontos. Aparentemente, uma situação mediana ao observar-se a escala de
desempenho em língua Portuguesa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2011b) de 0-9. Entretanto, essa pontuação
encontra-se abaixo da média de 275 estabelecida pelo PDE/Saeb (BRASIL, 2008),
confirmando o quadro estabelecido pela Qedu (2012e), visto que apenas 26% dos
alunos dessa escola no 9º ano encontram-se no nível adequado de leitura.
A cidade de Sobral lançou seu projeto Escola Aprender Melhor em setembro
de 2011. A intenção desse programa, de acordo com o Boletim Municipal da
cidade, “[...] é composto por uma série de ações importantes que visam fortalecer,
ainda mais, a política educacional do município de Sobral” (PREFEITURA DE
SOBRAL, 2011). Dessa forma, talvez, o projeto não tenha tido tempo ainda de
ter melhorado a qualidade em todos os níveis. Entretanto, é preciso atentar para
que quaisquer projetos necessitam atingir, continuamente, todas as séries. Afinal,
como apontam Oliveira, Boruchovitch e Santos (2008, p. 532): “A aprendizagem
é, pois, um processo contínuo que envolve aspectos como ambiente, emoções,
valores e constante aprimoramento”.
O que acontece com os alunos durante a caminhada do 5º para o 9º ano?
Por que os discentes do 5º ano parecem ter competências das quais os do 9º
carecem? Por que os resultados avaliativos não se mantêm ou não evoluem?
Segundo Oliveira, Boruchovitch e Santos:
daqueles 73% da Escola Paulo Bauer de Itajaí, os quais que se encontram, hoje,
acima da média estabelecida pelo PDE/Saeb?
As “competências básicas e essenciais” anunciadas pelo PDE/Prova Brasil,
as quais, conforme os resultados de algumas escolas aqui apresentados, não
fazem parte da vida acadêmica de muitos discentes da educação básica, fazem-
se necessárias, pois a permanência desses alunos na escola e a continuidade
no sistema educacional podem depender dessas competências. De acordo
com os PCNs, espera-se que o discente do Ensino Fundamental, dentre outras
habilidades,
chamado pelos autores de shallow processing. Nos dois últimos níveis, inferência
e monitoramento, o leitor tem a capacidade de embrenhar-se nos emaranhados
do texto, de formar novos conceitos, de posicionar-se perante o texto. Tal nível de
processamento é chamado de deep processing (GAGNÉ; YEKOVICH; YEKOVICH,
1993). Esses últimos níveis são necessários e importantes na formação do leitor,
pois é a partir daí que ele lidará com conceitos velhos e novos, fará relações e criará
hipóteses. Se os discentes forem levados apenas a lidar com a decodificação e a
compreensão literal dos textos, poucas chances eles terão de desenvolver todos
os níveis de compreensão leitora.
O docente é a figura que tem contato direto com o leitor em formação.
As avaliações, as escalas de desempenho, as matrizes referenciais, os resultados
servem para apontar caminhos que o docente pode seguir na tentativa de
melhorar o quadro do leitor em formação. Hoje, segundo Castro (2009), o que
se quer de forma mais complexa é “[...] construir e valorizar a boa escola pública,
agora democrática e para todos” (CASTRO, 2009, p. 7), mas, para isso, é necessário
prestar atenção aos resultados do sistema de avaliação em busca dessa melhoria,
desde o macro até o micro, ou seja, não só todas as instâncias do governo (federal,
estadual, municipal), mas também os profissionais da educação diretamente
ligados à escola, sendo o docente uma das principais figuras desse processo.
Percebe-se, assim, que os resultados das avaliações do Saeb contribuem nas
decisões que o docente pode tomar perante a formação de seu leitor.
De acordo com os resultados da Prova Brasil (BRASIL, 2012), boa parte
dos jovens da escola básica brasileira avaliada é capaz de lidar apenas com
textos simples. Pode-se inferir, assim, que a leitura de textos em sala de aula que
substituam leituras mais longas e mais complexas não colabora na formação de
leitores. Assim, os leitores em formação precisam lidar com textos que vão desde
o simples até o mais complexo, desde aqueles que carregam apenas informações
explícitas até aqueles envolvidos pelo implícito, textos que os deixem intrigados,
para que eles possam ir à busca de significados. No entanto, antes de tudo, é
preciso conquistar leitores, afinal competências leitoras são adquiridas com a
constância da leitura.
O termo poderia ser traduzido como “processamento superficial” (tradução nossa).
O termo poderia ser traduzido como “processamento profundo” (tradução nossa).
102 FORMAÇÃO DE LEITORES
de seu nascimento, mas é na escola que essa relação vai se aprofundar. Dessa
forma, todas as experiências vividas com a leitura em sala de aula vão influenciar
o indivíduo positiva ou negativamente. Para Calvino (2000), a escola é o lugar que
vai instrumentalizar o aluno com leituras para, depois, o aluno escolher, como diz
o autor, aquele livro “[...] que se torna o ‘seu’ livro”. (CALVINO, 2000, p. 13, grifo
do autor).
Hoje, o que os jovens querem é lidar com aquilo que faça sentido, que
tenha um propósito, por isso fazem sempre uma pergunta que incomoda muitos
professores: “Por que estamos fazendo isso?”. Petit (2009) relata uma experiência
do grupo A cor da letra, o qual se aproximou de jovens de uma favela brasileira
com sacolas cheias. Quando os jovens viram que as sacolas estavam repletas de
livros, estes se decepcionaram, pois, para eles, suas experiências na escola com
obras literárias foram desprovidas de sentido, uma anestesia à criatividade.
Todorov (2010, p. 39) afirma: “Sem qualquer surpresa, os alunos do ensino médio
aprendem o dogma segundo o qual a literatura não tem relação com o restante
do mundo, estudando apenas as relações dos elementos da obra entre si”. Ou seja,
a falta de estabelecer laços com a leitura e com o conhecimento de mundo pode
levar ao desinteresse e ao afastamento. Permitir, assim, aos jovens associarem suas
histórias às histórias lidas, pode ajudar na conquista do leitor, já que a leitura passa
a fazer sentido.
Alguns usam o texto literário como pretexto para ensinar algo: trabalhar
linguagem, gramática, vocabulário; para elaboração de resumos. Contudo, o
texto literário deve ser usado sim como pretexto, mas como pretexto para
conquistarem-se leitores, para atraí-los para o mundo da leitura, visto que, para
o aluno ser formado leitor, ele necessita ler e ler muito. A literatura é excelente
ferramenta para isso por ser, muitas vezes, um objeto que provoca o leitor, que
desperta sua curiosidade. A partir do momento em que a leitura passa a fazer parte
do cotidiano do sujeito, ele será capaz de desenvolver quaisquer competências
leitoras e atingir os níveis mais elevados de compreensão leitora. Dessa forma, é
primordial pensar em como conquistar alunos para o mundo da leitura de forma
a envolvê-los, a abraçá-los, a cativá-los para que sejam sempre leitores.
O texto literário tem papel importante na formação do leitor, visto que ele
pode ser fonte que alimenta todos os níveis de compreensão leitora devido às
características que uma obra literária pode carregar: possibilidade de reflexão, de
A cor da letra é um centro de estudos e pesquisa que tem como objetivo “Promover a disseminação e a
construção de conhecimentos no âmbito da leitura, da literatura e da transmissão cultural entre gerações;
que contribuam para o pleno desenvolvimento e a formação das pessoas” (A COR DA LETRA, 200-). O
grupo trabalha, também, com a formação de mediadores de leitura com o intuito de ampliar o acesso ao
livro e à literatura. Os projetos de A cor da letra podem ser encontrados no seguinte endereço: <http://www.
acordaletra.com.br/index.htm>. Acesso em: 14 jan. 2013.
LEITURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: O LEITOR EM FORMAÇÃO E O TEXTO LITERÁRIO 103
Referências
ARROYO, M. G. Fracasso/Sucesso: um pesadelo que perturba nossos sonhos. Em
Aberto, Brasília, v. 17, n. 71, p. 33-40, jan. 2000.
CALVINO, I. Por que ler os clássicos. Tradução Nilson Moulin. 6. reimp. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
MAGGI, L.; ALVES, C. 37% das cidades não atingem metas do Ideb 2011. Veja
– Educação. Agosto de 2012. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/
educacao/ideb-mais-de-37-dos-municipios-do-pais-nao-atingem-meta-nos-
anos-finais-do-ensino-fundamental>. Acesso em: 20 jul. 2013.
PETIT, M. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. São Paulo: 34, 2008.
_____. Distribuição dos alunos por nível de proficiência. 2012c. Disponível em:
< http://www.qedu.org.br/cidade/717-itajai/proficiencia>. Acesso em: 11 nov.
2012.
108 FORMAÇÃO DE LEITORES
A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e
sentimento, uns com os outros acho que nem não se misturam. Contar seguido, alinhavado, só
mesmo sendo as coisas de rasa importância. Assim eu acho, assim eu conto. Tem horas antigas
que ficaram mais perto da gente do que outras, de recente data.
Guimarães Rosa
“Eu sempre quis fazer literatura, que é arte não reversível, reversível. Portanto meus romances não têm
começo nem fim, no sentido clássico da palavra.” (PÁVITCH, 2013, tradução nossa).
114 FORMAÇÃO DE LEITORES
Além das anedotas, o leitor é levado a outro balão que apresenta uma
digressão da história central, assim como das anedotas contadas. O leitor dá
um salto do enredo linear para enveredar-se nas incríveis histórias do bichinho
da maçã. Conduto, se o leitor não aceitar o desafio de adentrar nesse link, de
desvendar o que se esconde no substrato dessa palavra-símbolo, todas essas
condições de expressão do hipertexto ficam reduzidas à esfera da potencialidade.
É no ato de parceria entre autor e leitor que a abertura e o dinamismo de uma
obra se efetivam. Esse processo de interatividade compõe uma visão da literatura
como processo que se constrói mediante as intervenções do leitor. Mas para isso
é necessário que o leitor tenha uma postura multivalente e de coautoria frente à
obra, que seja um produtor de significações, como aponta Neitzel (2009).
Se em Cigamiga e Formigarra temos uma obra que explora várias formas de
contar, propondo uma leitura aos saltos, envolvendo o leitor em um jogo de palavras
cuja preocupação maior é manter a ambiguidade dos sentidos, em O bichinho da
maçã temos apenas uma quebra da linearidade pela introdução das piadas na
narrativa, as quais suspendem a sequencialidade do enredo. Duas obras, portanto,
que apresentam mecanismos de interação entre obra e leitor bem distintos. A
primeira é mais transgressora, pois seu texto constrói-se em forma de rede, sem
um comando central único; enquanto que a segunda abre uma janela e depois de
adentrar nela o leitor retoma a trilha pela qual vinha caminhando. O primeiro livro
propõe, portanto, uma leitura mais dinâmica, expansível e interativa.
O menino, o cachorro e O cachorro, o menino, escrito por Simone Bibian e
ilustrado por Mariana Massarani, é um livro que seus paratextos já revelam que
não se trata de um livro comum. Uma dupla capa aponta para dois começos,
assim como o título indica que o leitor encontrará no percurso algumas surpresas.
O livro imbrica duas histórias, a de um menino que “nasceu numa família de pai e
mãe, mas nenhum bicho”, e a história de um cachorro que “nasceu numa família de
mãe, irmãos e pessoas, mas nenhuma criança”. Ambos têm um desejo: o primeiro
de ter um cachorro de estimação, e o segundo de ter uma criança de estimação.
Contudo, esses dois enredos não são contados na mesma história, cada um possui
sua própria trajetória. Essa obra apresenta poucas frases, sendo elas bem curtas, e
a mesma estrutura frasal repete-se em ambas as histórias, com algumas variações,
mudando o enredo apenas para adaptar-se o sujeito, ora o menino, ora o cachorro,
como podemos constatar a seguir.
116 FORMAÇÃO DE LEITORES
Uma história nada habitual o leitor encontra em Gato Tom e o Tigre Tim,
escrita por Iacy Rampazzo, ilustrada por Elvira Vigna e com projeto gráfico de
Fernando Rodrigues. Com um enredo fragmentado e um texto bastante denso de
significados, estabelece-se um paralelo entre a vida de dois personagens, um gato
e um tigre, situando o leitor em um universo que se contrapõe: a liberdade dos
gatos e a vida em cativeiro dos tigres. A obra é marcada por uma exploração dos
vazios da página e por construções sintáticas pausadas que lembram o projeto de
Mallarmé com o poema Un Coup de Dés Jamais N'Abolira Le Hasard. Rampazzo,
assim como Mallarmé, utilizou recursos linguísticos e tipográficos para expandir
o espaço da folha branca. A enunciação gráfica empregada por Rampazzo é bem
diversificada, ela aposta no aspecto gráfico em exaustão, utilizando palavras com
fontes diferenciadas, como se pode observar na Figura 5.
Figura 6 - O equilibrista
Considerações finais
Neste capítulo, foram analisadas as características de livros de literatura
infantil contemporâneo, com enfoque para as narrativas que possuem indícios
de hipertextualidade. Pesquisas realizadas recentemente com professores da
Educação Infantil e do Ensino Fundamental acerca do uso da literatura em sala
de aula revelam que os professores ainda se utilizam fartamente dos clássicos
e das fábulas, além de preferirem livros que abordam temáticas pedagógicas,
manifestando pouco uso da literatura contemporânea, que prima pela concepção
de linguagem como fenômeno estético.
A criança mudou, a sociedade mudou e o livro de literatura também. Faz-se
necessário investigar quais as características desses livros para que os professores
possam estabelecer critérios adequados na seleção de livros. Essa é uma pesquisa
bibliográfica, de abordagem qualitativa, cujo corpus de amostra foi 184 obras que
fazem parte do acervo literário do Proler Univali. Foram adotados os seguintes
procedimentos para coleta de dados: a) leitura das obras literárias que faz parte
do acervo do Proler Univali; b) mapeamento das suas características básicas; c)
elaboração de resenha de cada obra literária lida. Deste acervo de 184 obras,
encontramos 16 obras com indícios de hipertextualidade. Desse conjunto de 16
obras, conseguimos resenhar seis delas, das quais apresentamos aqui a análise de 4.
O problema de pesquisa proposto foi: Quais as características do livro de
literatura infantil contemporâneo? Como resultado da análise desse conjunto
de quatro obras, apresentamos: a) todas trazem uma hibridação da sintaxe; b) a
composição dos principais elementos da narrativa altera-se, principalmente no
O JOGO DAS CONSTRUÇÕES HIPERTEXTUAIS NO LIVRO DE LITERATURA INFANTIL CONTEMPORÂNEO 121
que diz respeito ao tempo e ao espaço; c) apenas uma das narrativas não apresenta
um enredo não linear; d) três delas compõem-se em um projeto gráfico ousado
que explora o espaço para dar dinamicidade ao texto; e) há um diálogo entre as
linguagens visual e verbal e a imagem tem autonomia sobre a narrativa verbal,
extrapolando a ideia de texto ilustrado; f) todas as obras investiram na ampliação
do potencial da folha plana explorando os seus vazios; g) um texto investe no
caráter ficcional, distanciando-se de textualidades didáticas ou que indicam
moralidade, priorizando o valor estético da obra; h) os livros não apresentam
textos ou imagens estereotipadas, gerando grandes sortidos interpretativos.
Pesquisas como as de Neitzel (2006) trouxeram à baila questões relacionadas
à concepção de literatura dos professores e dos procedimentos metodológicos
necessários a projetos de leitura. A formação inicial e continuada de professores
necessita oferecer, ao seu público, possibilidades de leitura e análise do acervo
literário contemporâneo, para que o professor possa ampliar seu repertório e,
paralelamente, conceber o livro também como um objeto artístico que necessita
ser apreciado, repensando, assim, a forma como vem fazendo uso do livro de
literatura em sala de aula. Literatura é arte e como tal necessita ser vista como
objeto artístico, e por isso não serve a um objetivo didático, moral ou prático. Os
livros de literatura da atualidade têm características diferentes dos livros editados
há 20 anos. Perceber as suas características leva à percepção de que o livro
mudou porque o perfil do leitor atual também mudou, e as práticas pedagógicas
relacionadas à leitura precisam mudar.
Referências
ALMEIDA, F. L. de; LOPES, F. de C. O equilibrista. 11. ed. São Paulo: Ática, 2006.
CAMARGO, L. H. de. Para que serve um livro com ilustrações? In: JACOBY, S. (Org.).
A Produção Cultural para a Criança. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2003.
PÁVITCH, M. Beginning and the end of the novel. 2013. Disponível em: <http://
www.khazars.com/en/biografija-milorad-pavic/pocetak-i-kraj-romana>. Acesso
em: 10 maio 2013.
RAMPAZZO, I. O gato Tom e o tigre Tim. Ilustrações Elvira Vigna. Rio de Janeiro:
Lamparina, 2007.
[...] Para avançar na leitura, é preciso um gesto que atravesse a solidez material do
livro e dê a você o acesso à substância incorpórea dele.
Ítalo Calvino
Que gesto será este que deverá o leitor fazer para atravessar a solidez material
do livro? De que substâncias incorpóreas fala Calvino (2011)? Nesse fragmento,
o autor provoca-nos a pensar na leitura como uma atividade que necessita da
iniciativa do leitor para desvelar suas camadas, adentrar nos sentidos para além
do texto. O gesto que se espera do leitor não se limita ao inteligível, mas também
ao sensível, porque ler o implícito, de forma a penetrar nas fugas do texto, nos
seus interstícios, exige sensibilidade para com os textos subliminares. “Só a
possibilidade de ser lido por determinado indivíduo prova que o que está escrito
participa do poder da escrita, um poder fundado sobre algo que ultrapassa o
indivíduo. O universo se expressará a si mesmo na medida em que alguém puder
dizer: Leio, logo escreve.” (CALVINO, 2011, p. 180). O ato de ler exige, portanto,
competências sensoriais e cognitivas do leitor de forma articulada para que a
leitura opere a multiplicação dos sentidos.
Se é verdade que todo texto traz, em seu bojo, uma substância incorpórea,
afinal a língua sempre é portadora de múltiplos sentidos, não é menos verdade
que há textos mais robustos do que outros, textos que nos levam a vários
caminhos, permitindo-nos adentrar em outros territórios, ler para além de
supostas mal traçadas linhas. “Às vezes penso no assunto do livro a ser escrito
como algo que já existe: pensamentos já pensados, diálogos já proferidos, histórias
já ocorridas, lugares e ambientes já vistos; o livro não deveria ser outra coisa senão
o equivalente do mundo não escrito traduzido em escrita.” (CALVINO, 2011, p.
176). Nesse sentido, a obra literária, denominada por Barthes (1992) de plural,
por Calvino (1990) de hiper romance e por Eco (2004) como obra aberta, são
textos que possuem uma potência que os diferenciam de outros escritos, porque
foram construídos segundo uma concepção de escrita hipertextual. Esta pode
ser conceituada como uma escrita que possibilita ao leitor elevado movimento
124 FORMAÇÃO DE LEITORES
diante do texto, exigindo dele maior participação porque sua leitura faz-se na
junção de fragmentos, na montagem de episódios, fatos, reflexões, um jogo de
palavras lançadas em pontos estratégicos no tabuleiro, que, nesse caso, é o livro,
composto por textos pulverizados em outros textos que dinamizam o processo
de leitura. “O livro que eu gostaria de ler agora é um romance em que se narre
uma história ainda por vir, como um trovão ainda confuso, a história de verdade
que se mistura ao destino das pessoas, um romance que dê o sentido de estar
vivendo um choque que ainda não tem nome nem forma.” (CALVINO, 2011, p.
78-79).
Mesmo que, ainda, persista a ideia de que não há leitura linear, pois toda ela
nos propõe pausas por meio de alusões, citações, pastiches, paródias de outros
textos, e que toda leitura exige atos de intervenção do leitor, não podemos negar
que obras como Grande sertão: veredas, Dicionário Kazar, Se um viajante numa
noite de inverno, O livro de areia, dentre tantos outros, desafiam-nos muito mais a
intervenções por serem obras que movimentam o leitor pelo feixe de associações
que abarcam. “– Não me perguntem onde está a sequência deste livro! – É um
grito agudo que parte de um ponto impreciso entre as estantes. – Todos os livros
continuam além.” (CALVINO, 2011, p. 77).
Muitos são os elementos que expandem as possibilidades de escrita e de
leitura e que concorrem para ampliar a potência da obra, que colocam o leitor
em um processo de produtividade muito maior do que outras que priorizam o
enredo focado na causa e na consequência, sem grandes deslizes da narrativa e,
assim, oferecem uma leitura confortável, alienante no seu prazer de chegar ao fim.
Uma obra concebida como objeto hipertextual não apresenta chaves de leitura,
antes lança dúvidas sobre si mesma. “É um livro que você gosta: transmite uma
sensação de mal-estar desde a primeira página.” (CALVINO, 2011, p. 161).
Mas gostaria que as coisas que leio não estivessem todas ali, concretas a
ponto de ser tocadas, e sim que se pudesse captar ao redor algo que não
se sabe exatamente o que é,
o sinal de não sei o quê...
Italo Calvino
A caligrafia de Dona Sofia é escrita e ilustrada por André Neves (2011). Foi
publicada pela Editora Paulinas, em 2011, sendo obra integrante da Coleção Estrela.
Segundo o autor, o processo criativo dessa obra está atrelado à sua professora de
arte, Badida. Ela o apresentou ao mundo literário da melhor forma, por meio da
sua paixão pelas palavras, frases, enfim, versos que até de ponta cabeça faziam
sentido. A paixão de Badida pela arte literária fez com que os poemas e as poesias
não só povoassem os livros, mas passassem a fazer parte da sua casa, misturavam-
se entre os objetos, as flores, sua vida, e não eram somente peças de decoração,
e sim leitura gratuita, leitura boa, substância incorpórea, como aponta Calvino
(2011), gravada, pintada, decorada além das páginas do livro. Na casa de Badida,
os textos estão soltos, ocupam espaços e estão livres para apreciação e reflexão,
contribuindo, dessa forma, para alimentar a alma.
O autor escolheu contar a história de vida de uma professora aposentada
por meio da sua grande paixão, a poesia. Para Dona Sofia, a poesia conta, registra
e ilustra a sua vida. Suas vivências foram cruzadas com poesias que foram, por
LEITURAS HIPERTEXTUAIS E FORMAÇÃO DO LEITOR MIRIM 127
ela mesma, registradas nas paredes de sua casa. A trama revela uma experiência
estética muito marcada pela intertextualidade, pois é composta por dois gêneros
textuais: o lírico e o narrativo. Há a convivência de poemas escritos em épocas
passadas e atuais que se costuram com o enredo de Sofia e seu Ananias. Esse
encontro de vozes poéticas diversas configura em um objeto estético dinâmico
e aberto. Os textos acrescentam um jogo à ilustração e, em conjunto, propõem
um percurso de leitura provocativo, levando o autor a deslizar da narrativa para
o poema.
Os poemas trazidos em A caligrafia de Dona Sofia podem ser considerados
como links de leitura. Esses links são caminhos para uma literatura descontínua,
fragmentada e inovadora, no sentido de colocar o leitor em um movimento interno
para estabelecer relações e significar essa nova forma de escrever que aproxima
narrativa e poesia. Nesse contexto, a convivência de dois gêneros literários é
determinante para a expansão da leitura, estabelecendo pausas no enredo.
Com relação aos aspectos gráficos, em todas as páginas dessa obra,
percebemos linhas, coloridos, formas e caracteres variados. As imagens lembram
uma parede, bem como sugerem tipos diferentes de azulejos que também trazem
a escrita. Trata-se de uma tessitura que explora toda a folha plana do livro em
uma conversa de muitas linguagens em uma mesma folha. As páginas apresentam
imagens que nos mostram outros livros, objetos que os acomodam com o cuidado
e exposição que merecem. Entre as ilustrações encontramos objetos que nos
remetem à música, à natureza, à tecnologia, ao cultivo das plantas e da alma. Já as
pessoas são ilustradas com características cujo tom do cabelo e a expressão facial
revelam-nos acolhimento e sabedoria. Identificamos que as ilustrações conversam
com o enredo que se torna sofisticado. De acordo com Ramos e Nunes (2013, p.
254), “[...] palavra e ilustração precisam acolher o leitor e permitir-lhe encontrar
no texto uma brecha para dele fazer parte, interagir, interferir, exercendo o papel
de leitor, aqui entendido como produtor de sentido”.
Cada parte é importante para compor o todo e dar vasão à interpretação
para além das páginas e do espaço de leitura. A caligrafia de Dona Sofia apresenta-
se com trinta e sete páginas, no formato retangular e sem margens definidas. As
caixas nas quais se encontra o enredo variam entre as páginas, ora é quadrada,
ora é retangular; enfim, as colunas do texto são remodeladas a cada página. Já
os poemas que atravessam o enredo e a ilustração amplificam a percepção e o
sentido de um layout inovador para o livro de literatura infantil contemporâneo.
Letras de estilos diversos, ilustrações que nos lembram de pisos e paredes com
formas diversificadas, bem como objetos que são próprios de uma casa.
12 FORMAÇÃO DE LEITORES
O processo de autorreflexividade é
observável nesta página: a história
dentro da história por meio da
ilustração que aparece no canto
superior à direita. A leiteira de Vermeer
com a imagem de André Neves
de Dona Sofia e seu Ananias, num
processo de metalinguagem.
isto é, não propõe um layout que explora os limites das páginas. Neste sentido,
possui uma estrutura física rígida. Assim como as imagens, o layout não propõe
frestas para devaneios de leitura.
Com relação aos aspectos simbólicos, é importante pontuar que a narrativa
que tem seu aspecto pedagógico em primeiro plano não se constrói de forma
a gerar ambiguidades, pois são, geralmente, portadoras de um único sentido.
Quando um texto lida com verdades, sem névoas nem fumaças, um livro que traz
explícito o que quer dizer, ele não provoca o leitor a desvelar inesperados sentidos
porque se mantém distante das metáforas. Apesar disso, precisamos pontuar
que esse texto narrativo é tecido com muita musicalidade. O autor utiliza-se dos
artifícios da rima e do refrão, repetindo, na maioria das páginas: “Este é o Parque
Real...”, introduzindo o leitor a um espaço sonoro agradável.
Enquanto a obra A caligrafia de dona Sofia explora, de forma intensa, a
combinação dos gêneros narrativo e lírico, O pequeno rei e o parque real concentra-
se em contar uma narrativa tradicional, cujo enredo apresenta uma proposta de
ensinar o certo e o errado. Para cumprir seu objetivo, faz uso da figura do vilão
que faz pouco caso das pessoas com quem convive, reforçando o estereótipo de
que meninos ricos são esnobes e egoístas e que a riqueza não traz felicidade. Neste
tipo de narrativa, o papel do leitor é limitado porque, de acordo com Ramos e
Nunes (2013, p. 259), “[...] tende a ser o de observar e conhecer os personagens da
narrativa e suas ações que facilmente podem ser descritas [...]”.
Uma das ousadias que encontramos é a possibilidade de escolha do final. O
autor escreve dois finais e o leitor pode escolher aquele que preferir. Uma escolha
que é limitada a uma bifurcação, mas que, de certa forma, abre possibilidade do
leitor deixar de ser mero observador. O enredo segue linearmente até que o corte na
narrativa acontece, e o autor diz que é do leitor a responsabilidade de decidir como
vai acabar a história, fazendo surgir um embrião da não linearidade. Nessa quebra
da narrativa, o autor sinaliza uma rasa interatividade, sugere uma breve parada
e solicita a atenção de quem está lendo, assim, provoca um diálogo superficial
entre autor e leitor. Esse diálogo é estabelecido por meio do questionamento: “E
aí você sabe o que o Pequeno Rei fez? Sabe qual é o final dessa história?”. O uso da
palavra “você” é um recurso estilístico que o autor utiliza para dar uma suposta
voz ao leitor e para chamá-lo à responsabilidade, oferecendo, dessa forma, uma
escolha para o término da história, utilizando a seguinte expressão: “Bom, é você
quem vai decidir como ela acaba, porque eu vou colocar dois finais aqui e você vai
escolher um deles”. Na Figura 4, podemos observar o chamamento da obra para o
leitor intervir na narrativa.
LEITURAS HIPERTEXTUAIS E FORMAÇÃO DO LEITOR MIRIM 133
Algumas considerações
[...] Que porto pode acolhê-lo com maior segurança que uma grande
biblioteca? Certamente haverá uma na cidade da qual partiu e à qual
retorna depois de uma volta ao mundo de um livro a outro [...].
Italo Calvino
Referências
ARAÚJO, R. da C. Lições do olhar: Os sentidos coreográficos das ilustrações. 2011.
Disponível em: <http://desenredos.dominiotemporario.com/doc/9_resenha_-
_rodrigo_da_costa_araujo.pdf>. Acesso em: 15 maio 2013.
CAMARGO, L. Uma conversa sobre ilustração por Luís Camargo. Portal Cultura
Infância. 2009. Disponível em:
<http://www.culturainfancia.com.br/layout_portal2/index.php?option=com_
content&view=article&id=61:uma-conversa-sobre-ilustracao&catid=39:artes-
plasticas&Itemid=61>. Acesso em: 20 jul. 2012.
______. Obra aberta. Tradução: Giovanni Cutolo. São Paulo: Perspectiva, 2012.
PETIT, M. A arte de ler. Tradução Arthur Bueno e Camila Boldrini. São Paulo: 34,
2009.
RAMOS, F. B.; NUNES, M. F. Efeitos da ilustração do livro de literatura infantil no
processo de leitura. Educar em revista, Curitiba, UFPR, n. 48, p. 251-263, abr./jun.,
2013.
A beleza das palavras de Vincent Van Gogh (2007) pode ser um convite à
reflexão sobre a formação de jovens educadores, de estudantes e de docentes
que se reinventam, reaprendem, recriam, pelo ato de ensinar e aprender. À luz,
eles emanam o brilho supremo do saber; à sombra, eles desenvolvem habilidades
poderosas da contínua formação humana.
Michel Maffesoli (1998) dá sustentação à afirmação quando sugere cessar
o pensamento racional “puro e duro” para que se reconheça a ambivalência de
cada situação. A reação do artista é um belo exemplo de estesia, que encontra
evidências, também, no pensamento de Duarte Jr. (2010), quando este afirma que
a beleza, ou seu sentimento, origina-se nos domínios do vasto reino do sensível
onde habita a existência humana. Duarte Jr. (2010, p. 155) reforça que “a estesia,
o saber sensível, consiste fundamentalmente num experienciar a beleza, já que
as coisas se nos revelam como prazerosas e surpreendentes, ainda que, às vezes,
assustadoras ou terríveis”. Assim acontece conosco quando observamos a beleza
da natureza, uma obra de arte, um olhar, um sorriso. Somos tomados por alguma
sensação. Não há escolha sem sentido e não há caminho sem sentido. O “sentido”
direção ou o sentido “sensação”.
Nessa caminhada, que nos exige um percurso pela luz e pelo escuro, o ser
humano amplia suas percepções. A educação estética pode auxiliar tanto na
formação discente como na formação docente, pois proporciona a educação do
sensível. Para isso, é necessário oferecer práticas que favoreçam a interação com
diversos meios que despertem o sentido humano no processo educacional. Duarte
Jr. (2010) considera que o sensível e o inteligível, separados pela modernidade
O PIBID DE ARTES VISUAIS DA UNIVALI: CONCEPÇÕES E ESTRATÉGIAS PARA A EDUCAÇÃO ESTÉTICA 141
Ambiente virtual de aprendizagem gratuito utilizado de acordo com a necessidade do curso ou site.
O PIBID DE ARTES VISUAIS DA UNIVALI: CONCEPÇÕES E ESTRATÉGIAS PARA A EDUCAÇÃO ESTÉTICA 143
é necessário que o ensino da arte utilize as diferenças culturais “[...] como recursos
que permitam ao indivíduo desenvolver seu próprio potencial humano e criativo,
diminuindo o distanciamento existente entre arte e vida” (RICHTER, 2008, p. 51).
A CAV cita que compreendendo que “[...] é por meio da cultura que nos
fazemos/tornamos humanos e a arte, a formação cultural e artística é parte da
cultura humana. Ainda é importante porque nos fazemos humanos na medida
em que historicamente nos percebemos seres de linguagem e por meio dela nos
expressamos, pensamos e fazemos o mundo”.
A CAV afirma que “[...] primar por um ensino que enfoque os aspectos
sensível/estético e o aspecto cultural/artístico possibilita olhar para a vida
humana diferenciadamente”. Ela cita que a escola carece dessas percepções,
mas esclarece que os conceitos teóricos são importantes e que o saber artístico
deve estar articulado a eles. “Penso na arte como linguagem contextualizada,
histórica e socialmente transformada. Precisamos perceber o mundo atual para
compreender a arte atual. Está aí nossa fragilidade!”
O processo de introdução dos licenciandos de Artes Visuais ocorre seguindo
etapas sistematizadas no plano institucional do programa, como apontado na
Figura 1.
Fonte: Elaborada pela autora a partir de informações do projeto institucional e subprojeto de Artes Visuais
“[...] o contato com alguns artistas locais, que visitaram os alunos na própria escola
para contextualizar obras e desenvolver atividades relativas aos seus trabalhos
artísticos”.
A LAV 2 confirma que a escolha dos artistas foi justamente por estarem
mencionados no plano municipal da disciplina de Arte e não haver material para
desenvolvimento de estratégias. A licencianda afirma ainda que, por acreditarem
que as pessoas necessitam de contato mais próximo com os artistas e suas obras,
entendem como importante conhecer o contexto em que as obras foram criadas
e vivenciar um pouco as técnicas utilizadas por eles. “Sem contar que os artistas
trabalhados formam parte da história cultural da cidade dos alunos, permitindo
um aprendizado mais significativo”, ela comenta.
O LAV 3 formou com outros alunos, inclusive de Licenciatura em Música, o
Grupo Coletivo Arteiro. O LAV 3 diz que, para o grupo, as estratégias não seguiram
necessariamente os conteúdos estabelecidos pela rede: “Nosso primeiro passo foi
seguir os parâmetros já pré-estabelecidos pela proposta do programa, que era a
relação com a produção artística e cultural regional”. Ele conta que realizaram
uma pesquisa em forma de questionário com os alunos que iriam participar das
ações. “Queríamos identificar os conceitos básicos de arte, entendendo que só
poderíamos começar as ações depois disso”. O LAV 3 conta, ainda, que depois de
identificar os conceitos básicos de arte, estreitaram o que foi identificado com a
produção artística regional. “Depois das ações específicas com alunos, começamos
a ampliar as ações para além das aulas, atingindo a todo corpo da comunidade
escolar”, relata o LAV 3. Foram organizados ciclos de formações continuadas e
oficinas com professores e especialistas, bem como promoção de ações culturais
e artísticas dentro e fora da escola, com a participação dos pais dos estudantes.
A LAV 4 esclarece que participou do PIBID durante 2011 e 2012, fazendo
parte do Grupo Coletivo Arteiro, do qual se orgulha muito. Para ela, desenvolver
os projetos no PIBID foi importante para a formação, efetivando a relação entre
os diferentes níveis de ensino, considerando que a Universidade tomou a iniciativa
de colocar-se como parceira na escola, valorizando ainda mais a sua contribuição.
O grupo buscou projetos que vivenciassem o momento da cultura local atual,
“[...] sempre seguindo conteúdos em concordância com a escola e a professora
supervisora, que aprovaram nossas estratégias”.
Segundo Mattar:
2
Márcia D’Ávila é artista plástica nascida em Itajaí (SC).
3
Lindinalva Deólla da Silva é artista plástica nascida em Itajaí (SC).
152 PRÁTICAS ESTÉTICAS
6º e 8º Anos do Ensino Fundamental.
O PIBID DE ARTES VISUAIS DA UNIVALI: CONCEPÇÕES E ESTRATÉGIAS PARA A EDUCAÇÃO ESTÉTICA 153
Stuhr e Morris (2005, p. 270) definem que “[...] a cultura provém de um projeto
dinâmico, de nosso modo de viver, e demarca nossas possibilidades para a
compreensão e ação”. A partir desse conceito, entende-se que o objetivo principal
- promover diálogos entre as linguagens artísticas -, abarca, em primeiro plano, a
proposta de Hernandez (2000), em que, por meio de projetos de trabalho, pode-se
reorganizar a gestão do tempo e da relação entre professor e alunos, permitindo
a redefinição sobre os conteúdos e os temas, bem como seu modo de aplicação.
Em segundo plano, delineia-se o tratamento da educação multicultural que,
para Chalmers (2005, p. 255), é “um exercício de relações humanas”, aparente no
decorrer da aplicação das ações do grupo.
Nesse mesmo dia, o G2 mostrou duas animações: Pedro e o Lobo e Papa
Léguas, seguidas de intervenções com alguns instrumentos inusitados, como
placas de Raios X e “conversas” entre os alunos utilizando os instrumentos
musicais. Reconhece-se que as estratégias alcançaram o conceito de Hernandez
(2000, p. 141): “[...] aprender é um processo social, comunicativo e discursivo”, por
haver movimento e comunicação na ação do grupo.
O G2, durante a oficina Músicas figuradas, brincou com as sensações de
alegria, tristeza e medo, causadas pelas interferências musicais e visuais a partir da
obra do artista Roy Lichtenstein. Também utilizaram referências orais e escritas
formando onomatopeias e sons com instrumentos inusitados, criados a partir de
objetos do cotidiano. Dentre as ações propostas pelo G2, houve a apresentação
do grupo de percussão da UNIVALI, com o objetivo de fruição da música.
Essa preocupação do grupo em proporcionar vivência estética à comunidade
escolar ocorreu outras vezes, demonstrando a vontade de partilhar e oferecer
mais conhecimento por meio da apreciação. A oficina Contação de histórias
foi oferecida com cenário e sonoplastia, integrando novamente as linguagens
artísticas e os integrantes do PIBID das licenciaturas de Artes Visuais e Música.
Para a realização da última oficina, o G2 escolheu o teatro de mãos e sombras.
A partir da exibição de um vídeo e da contação de uma história com moldes
para projeção visual e utilização de sons, os próprios estudantes manipularam os
elementos, construindo histórias.
Ao retornar às atividades no primeiro semestre de 2012, O G2, do Coletivo
Arteiro, em sua primeira visita à escola, teve a participação de dois acadêmicos
do curso de Licenciatura em Música que saudaram a comunidade escolar com
um repertório de música brasileira. Procederam da mesma forma para a recepção
História composta em 1936 por Sergei Prokofiev com o objetivo de apresentar sonoridades de instrumentos
diversos para crianças. Os personagens são representados por instrumentos musicais.
Personagem de desenho animado americano.
Artista americano, integrante do movimento Pop Art, que criticava o consumo excessivo nos anos 1960,
também conhecido por suas obras com características das histórias em quadrinhos.
154 PRÁTICAS ESTÉTICAS
dos alunos em seu primeiro dia de ano letivo, aproximando toda a comunidade
escolar dos acadêmicos do projeto. A estratégia tinha o objetivo de ampliar as
ações para além da comunidade escolar, atingindo os arredores da Escola Básica
Antônio Ramos, conforme será relatado mais adiante.
Assim como o G1, o G2 também realizou formações para os professores da
Escola Básica Antônio Ramos, como A palavra como proposição artística. Essa
formação foi realizada em duas ações: primeiro a apresentação do uso da palavra
nas artes visuais e a trajetória histórica da arte, desde o movimento dadaísta até a
contemporaneidade. Em seguida, uma roda de leitura de publicações de artistas.
A ampliação das ações para além da comunidade escolar foi organizada pelo
G2 em parceria com o ProLer, a Rede Itajaiense de Teatro e o grupo de teatro Sua
Cia, também de Itajaí, em homenagem ao dia das Mães, com o espetáculo De algum
lugar para lugar algum. Cerca de 200 mães de alunos da EBAR compareceram,
além de professores e estudantes. O sucesso do evento se deu pelo esforço dos
licenciandos do G2, que investiu na divulgação do evento.
O Coletivo Arteiro, ou G2, novamente em parceria com o ProLer, mobilizou
a comunidade escolar, além de moradores do entorno da EBAR para participar da
abertura do 6º Itajaí em Cartaz: um cortejo artístico realizado na Rua Hercílio Luz,
em Itajaí, pelo grupo de maracatu Encantos do Sul e o espetáculo Júlia, apresentado
pelo grupo de teatro Cinquinho do Revirado, de Criciúma (SC). O LAV 3 relata que
o resultado foi comovente, pois a participação foi muito grande.
A presença da comunidade aos eventos e a atenção para a produção cultural
e artística regional pode ser fundamentada no que revela Hernandez (2000) sobre
a necessidade das práticas educativas irem além dos muros das escolas. O autor
evidencia que a realização de atividades artísticas expande todos os sentidos. Vai
além da visão, da audição, do tato; fortalece a capacidade de discernimento, de
compreensão, de representação do indivíduo e do que o cerca. As vivências e as
experiências estéticas ajustam o equilíbrio entre o sensível e o inteligível.
Os integrantes do G2 também divulgaram seus trabalhos em eventos e
produziram publicações acerca de suas vivências pedagógicas no ensino da Arte. É
importante pontuar que esses relatos adquirem a função multiplicadora de novas
ideias e estratégias, promovendo e valorizando a autoria dos futuros docentes.
Busca-se, aqui, apoio nas palavras de Mattar (2010, p. 185) para sustentar a
importância do reconhecimento da autoria e do processo de formação pelo
próprio licenciando: “perfaz um caminho de transição da dependência de planejar
as aulas à capacidade de refletir autonomamente”.
Os projetos desenvolvidos privilegiaram os alunos com momentos de
encantamento durante as vivências, que contam com atividades variadas,
Projeto de extensão com objetivo de promover a leitura e o desenvolvimento de atividades artísticas e
culturais em escolas públicas e educacionais, sem fins lucrativos.
O PIBID DE ARTES VISUAIS DA UNIVALI: CONCEPÇÕES E ESTRATÉGIAS PARA A EDUCAÇÃO ESTÉTICA 155
e tantas outras produções. Arroyo (2010, p. 158) diz com firmeza que “[...] se a
ciência transmitida e aprendida não se transforma e manifesta em produtos, e
em registros, os mestres e alunos não terão como identificar-se, não terão obras,
produtos onde refletir sua imagem”. Esse procedimento de registro e socialização
dos resultados efetiva-se por meio do blog criado pelo grupo: http://gt01pibid.
blogspot.com.br/, cujos integrantes registram todas as atividades, tornando
públicas suas atuações na rede de ensino de Itajaí.
Ao se questionar os licenciandos sobre a contribuição do PIBID para a sua
formação profissional, recebem-se respostas de satisfação: “Brilhantemente, estas
intervenções no ambiente escolar tem transformado minha formação” - LAV
1, referindo-se à possibilidade de estar no ambiente escolar. Ela diz, ainda, que
tem a oportunidade de refletir sobre as ações e os resultados e conviver em um
espaço destinado para a arte-educação. “As ações propostas transformam, não
somente aquele espaço, mas a mim totalmente”, reflete LAV1. Ela faz menção
ao apoio pedagógico e financeiro que o programa oferece para a realização
das ações, questão que remete, novamente, às condições do trabalho docente.
“É fantástico, pois fortalece não somente a mim como futura docente, mas o
processo de ensino e aprendizagem de toda a escola e também as práticas das
demais docentes.” A LAV 1 percebeu mudanças nos educandos: “A forma que
elegemos para estas ações como oficinas práticas, os fez gostar mais ainda das
aulas de arte.” Ela afirma, ainda, que “[...] diante da prática estabelecida, sinto-me
transformada, e modificada totalmente minha visão de ser professora, de fazer
uma prática planejada, diferenciada, inovadora com um diferencial focado no
comprometimento e na vontade de fazer. Por mais difícil que seja é possível sim!”
Uma afirmação que aponta para o alcance dos objetivos do programa, que é a
formação dos licenciandos.
Para a Coordenadora de Artes Visuais, o alcance dos objetivos das ações
desenvolvidas deve-se ao foco do trabalho. “Por vezes quase nos desviamos do
que tínhamos inicialmente pensado, mas sempre fizemos com as supervisoras
o exercício de focar os objetivos.” Disse, ainda, pensar que outros fatores
contribuíram: “Quero enfatizar: a autonomia dos grupos, cada grupo focou suas
atividades nos resultados da pesquisa inicial que realizam em cada escola”. A
CAV comenta sobre a autoria dos grupos: “[...] cada professor supervisor e cada
acadêmico foi elevado a autor do processo, principalmente pensante no processo
da tomada de decisão”. Isso remete ao pensamento de Arroyo (2011), no qual
o autor afirma que, ao criar práticas e significados novos para o novo contexto
social e cultural, o professor faz crescer sua autoria profissional. A CAV lembra
que o enfoque na arte regional possibilitou a direção dos trabalhos e um conjunto
importante de saberes a serem pesquisados. Sobre acrescentar ou excluir ações,
ela diz não ter clareza, pois o fato de estarem em um processo, avalia que muitas
O PIBID DE ARTES VISUAIS DA UNIVALI: CONCEPÇÕES E ESTRATÉGIAS PARA A EDUCAÇÃO ESTÉTICA 157
coisas que não deram certo foram, no percurso, sendo pensadas e transformadas.
A CAV relata que algumas atividades foram aplicadas com determinados grupos
e logo percebiam que poderiam ser diferentes: “Isso é importante para os
acadêmicos perceberem que ser professor é acertar e errar. Não se acerta 100%
das vezes que ministramos aulas, por isso penso que em relação à formação de
professores, este processo é relevante”. Ela conta que houve apenas um aspecto
que poderia ser diferente: “No início nos prendemos um pouco nos tempos das
aulas dos professores supervisores”. A CAV analisa que, por conta disso, dois
grupos acabaram por aplicar oficinas semelhantes a diversos grupos e isso tornou
o início do projeto um pouco cansativo. “Talvez pouco diferenciado. Depois, aos
poucos isso foi se transformando”.
Os resultados indicam as perspectivas para a docência a partir de um
programa inovador, que possibilita vivências pedagógicas e, nesse movimento,
redireciona o olhar dos licenciandos para a profissão docente. É importante reforçar
que, aqui, a Arte vem ampliar o sentido perceptivo da função estética. Arnheim
(2011) aponta para a negligência em utilizar os sentidos para a compreensão,
o que resulta na dificuldade de entender o significado do que vemos, por isso
é natural que se procure o refúgio das palavras. Os sentidos, muitas vezes, são
colocados em plano inferior e desprezados pela alta valorização do intelecto, ou
do “racionalismo puro e duro”, como diz Maffesoli (1998, p. 19).
Esta pesquisa confirma que a arte na escola é um dos meios para educar-
se o sensível. Duarte Jr. (2010, p. 178) afirma que a arte é “conhecimento
fundamentalmente sensível”. Contudo é preciso ter clara a compreensão de que a
educação da sensibilidade, como diz Duarte Jr.(2010, p. 171), “[...] é um processo
de se conferir atenção aos nossos fenômenos estésicos e estéticos”. Assim, ao olhar
o panorama educacional atual, entende-se que não se pode abrir mão desse rico
material que é o docente de Arte, que carrega consigo um importante aparato
intelectual a ser explorado na educação do sensível.
Nessa perspectiva, é importante e necessária uma educação estética também
nos cursos de formação docente nas áreas concernentes às artes. A afirmação
está apoiada nas palavras de Duarte Jr. (2010), que declara que é preciso levar aos
estudantes dos cursos superiores de arte a dimensão sensível e artesanal da produção
artística. O currículo, como relata Pimentel (1999, p. 158), é uma norma que pode
ser vista tanto como regra obrigatória a seguir quanto como referência para ir além.
Dessa forma, será possível alcançar a formação acadêmica na sua complexidade,
para que atenda às necessidades da Educação Básica. A autora conta, ainda, que a
escola não pode ser um lugar para receitas padronizadas, imunes ao atravessamento,
referindo-se à competência transdisciplinar da escola.
Os estudos feitos acerca da vivência inicial dos licenciandos de Artes Visuais
nas escolas apontam uma perspectiva educacional com novos profissionais
15 PRÁTICAS ESTÉTICAS
As teorias sobre educação estética depõem a favor do que traz Read (2001,
p. 8-9), ao afirmar que “[...] a educação da sensibilidade estética é de fundamental
importância”, e que o “[...] ajustamento dos sentidos ao seu meio ambiente objetivo
talvez seja a função mais importante da educação estética”. A intervenção da
arte persiste, como no dizer de John Dewey (2010, p. 93), sobre a existência desta
matéria: “A arte é a prova viva e concreta de que o homem é capaz de restabelecer,
conscientemente e, portanto, no plano do significado, a união entre sentido,
necessidade, impulso e ação que é característica do ser vivo”. Aqui, registra-
se, também, a essencial permanência do sensível em territórios do inteligível,
lembrando que a situação oposta apresenta o mesmo nível de importância. Os
enfoques utilizados no ensino da arte devem permitir a construção crítica da
realidade pelo caminho da liberdade pessoal, em que as diferenças culturais sirvam
O PIBID DE ARTES VISUAIS DA UNIVALI: CONCEPÇÕES E ESTRATÉGIAS PARA A EDUCAÇÃO ESTÉTICA 159
Referências
ARNHEIM, R. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São
Paulo: Cengage Learning, 2011.
______. Ofício de mestre: imagens e autoimagens. 12. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2010.
Projeto de pesquisa financiado pelo Artigo 171. Este texto é parte da primeira etapa da pesquisa intitulada:
As estratégias de ensino de Arte Visuais, utilizada pelos bolsistas do programa PIBID/UNIVALI e a formação
estética.
ESTRATÉGIAS DE ENSINO E MATERIAL DIDÁTICO PARA O ENSINO DA ARTE VISUAL: FORMAÇÃO ESTÉTICA 163
EM DEBATE
contato ao longo de sua existência, das histórias que ouviu, viu e vivenciou. Ao
apreciar uma obra, entra-se em contato com as particularidades de um sujeito
que é marcado por suas vivências e por suas experiências. Na obra, estão expressas
essas relações, no entanto a obra de arte fala por si só, dialoga com o leitor, com o
sujeito que a aprecia e com ela se relaciona, articulando os conteúdos e as formas
da arte com suas experiências pessoais.
No contexto do ensino da arte, cada sujeito percebe, sente e compreende
uma obra de arte de forma diferenciada, sendo, dessa forma, necessária a
compreensão cultural e artística para refinar seu olhar acerca dos objetos e dos
eventos artísticos que o rodeiam. Para Panofsky (1979, p. 36), “[...] a experiência
recreativa de uma obra de arte depende não apenas da sensibilidade natural e
do preparo visual do espectador, mas também de sua bagagem cultural. Não há
espectador totalmente ingênuo”.
No âmbito escolar, é imprescindível que haja contato do aluno com a
arte. Para que tal experiência torne-se completa, são necessários diversos tipos
de conhecimentos, dentre eles aqueles que se relacionam ao conhecimento
elaborado no contexto escolar. Além desse conhecimento formal, que tem o
professor como mediador do processo, há, também, o conhecimento empírico
que cada ser humano possui de sua vida, de sua cultura, de suas vivências
artísticas. Esse conhecimento só será válido se for articulado com a arte e se,
nesse processo, o ser humano tiver contato com ela. Fala-se, aqui, da sensibilidade
do ser humano para o mundo, com as pessoas que o rodeiam, com as situações
vividas e, também, com a arte, além do preparo visual que esse espectador tem
diante do que ele está prestes a contemplar. A relação estética será tão grandiosa
quanto a bagagem cultural e a sensibilidade que o espectador adquiriu ao longo
da vida e sua capacidade de manifestar essa interação com a arte. Para Martins, o
importante é que, na relação com a arte, as pessoas possam compreender mais do
humano que está na obra que foi produzida, elaborada por outro ser humano:
está nos museus e nas galerias, mas também nas ruas, nas estradas, nas escolas,
nos muros, e em vários outros lugares, onde nem se imagina que estivessem. É
muito importante que o estudante tenha acesso a esses espaços/lugares para
ampliar suas relações com o objeto artístico e, com isso, inter-relacionar novos
saberes. Para que o estudante tenha essas experiências, o papel do professor, como
mediador desse conhecimento, é muito significativo, pois é este quem proporciona
o encontro do estudante com o mundo da arte e, consequentemente, com a
cultura. O professor, nesse sentido, é o mediador, a pessoa que compreende esse
processo, que tem clareza e busca indicar caminhos, abre possibilidades, amplia a
relação com a arte, com o mundo.
O contato com a arte e a sua leitura não está ligado, simplesmente, a um
tempo ou a um lugar, mas traz a bagagem de uma cultura arraigada na arte. A
obra de arte leva o apreciador a viajar no tempo, trazendo a história da arte que
está apreciando e, ao mesmo tempo, fazendo a fusão de sua cultura, de seu fazer
artístico, de sua concepção estética. Dessa forma, a escola e o professor têm o papel
fundamental de possibilitar/mediar o conhecimento da arte ao aluno, que, além
de seu conhecimento empírico, precisa de bagagem artística para decifrar/ler/
perceber a obra. As experiências artísticas promovidas pela escola proporcionam
ao discente uma vivência rica de experiências de épocas diferentes e diferentes
segmentos da arte para que ele se torne um ser capaz de fruir e de compreender
a obra de arte.
Em se tratando do ensino da arte visual, é importante salientar que a
ferramenta dessa linguagem é a imagem em suas diversas possibilidades. Em um
mundo em que as pessoas são cada dia mais bombardeadas pelas imagens, é
preciso compreender essa linguagem, lê-la e sensibilizar-se ou não diante delas.
Trabalhar o visual implica transcender o normal, abrir possibilidades para as
diversas formas da linguagem visual, dialogar com as pessoas e instrumentalizar
os estudantes de forma que estes percebam uma obra de arte em que o objeto
estético é a própria imagem.
A extinção da disciplina de Educação Artística e a aprovação, na nova LDB,
da disciplina de Artes, promoveram alterações significativas na concepção de
ensino dessa área do conhecimento:
Neste sentido, somente o suporte das imagens não é suficiente para que o
aluno tenha a real ou a aproximação da experiência estética proposta pelo artista.
Pensar nesses suportes variados, nas proposições metodológicas que envolvem
o fazer docente pode promover outras e inovadoras experiências estéticas. O
espaço físico escolar, os tempos vividos pela escola nem sempre possibilitam ou
favorecem a mobilidade do professor em relação à arte e às reais proposições das
obras de arte.
Compreende-se que a escola deve oferecer ao aluno a chance de tornar-se
um amante da arte visual, trazendo para a sua realidade as sensações que a arte
proporciona, criando estratégias contagiantes e estimulantes para que a interação
entre o visualizador não seja apenas um espectador, mas sim um crítico, que
possa dar sua opinião de acordo com sua posição no mundo e o conhecimento
empírico e adquirido sobre a obra. Diante disso, acredita-se que o foco do ensino
das artes seja a formação estética. Recorre-se ao conceito de Duarte Jr. (1983) ao
estabelecer o porquê de uma arte-educação, com foco na formação estética, que
tenha a arte como uma das principais aliadas, que permita maior sensibilidade
para com o mundo em volta de cada um. A consciência estética, segundo Duarte
Jr., seria a finalidade da arte-educação, pois é mais do que apreciação da arte, é
ESTRATÉGIAS DE ENSINO E MATERIAL DIDÁTICO PARA O ENSINO DA ARTE VISUAL: FORMAÇÃO ESTÉTICA 167
EM DEBATE
Outra atividade que teve como foco a intervenção no espaço físico da escola
foi a elaboração de estênceis para serem aplicados em uma parede (Figura 2).
ESTRATÉGIAS DE ENSINO E MATERIAL DIDÁTICO PARA O ENSINO DA ARTE VISUAL: FORMAÇÃO ESTÉTICA 171
EM DEBATE
Esse projeto teve envolvimento dos alunos de várias formas. Eles puderem
apreciar e refletir sobre a arte pública, sobre o fazer artístico e sobre a arte no
espaço público. De alguma maneira, os alunos foram mobilizados a pensar sobre
arte, o lugar da arte, as mudanças do que é considerado arte em nosso tempo.
Os limites e as transformações da arte na contemporaneidade são reflexões
pertinentes ao contexto escolar.
Quando os alunos precisaram construir arte, embasados no que vivenciaram e
aprenderam com os artistas e auxiliados pelos professores, houve uma mobilização
para o aprendizado e o fazer artístico, trazendo novos sentidos estéticos para a
escola por meio desse movimento. O foco do projeto estava na arte regional, pois
foram apresentados aos alunos artistas regionais para que pudessem interagir e
aprender. O fato de as crianças terem se envolvido na apreciação e na produção,
fez com que elas ficassem circundadas pela estética, pois houve pesquisa, houve
interação com o objeto artístico, houve apreciação das obras dos artistas locais. É
importante mencionar que a mediação para que os alunos se envolvessem com a
arte trouxe, para eles, uma visão um pouco mais contextualizada de arte e novas
174 PRÁTICAS ESTÉTICAS
visto que, por vezes, alunos e bolsistas dialogaram e conversaram sobre Deolla,
por vezes sobre D’Ávila e, por vezes, cruzando as duas artistas, suas aproximações
temáticas e possíveis relações regionais.
Na sequência, foi elaborada uma exposição com obras originais das artistas
no contexto escolar (Figuras 6 e 7). Observaram-se nos relatos dos licenciandos
as dificuldades encontradas em relação ao espaço físico para que as obras fossem
recebidas e expostas na escola. Nos registros dos portfólios, foi possível perceber o
movimento dos bolsistas para adaptar um espaço expositivo dentro do refeitório
da escola para que pudessem receber a quantidade de turmas previstas para as
atividades. Os relatos apontam que as crianças indicaram como muito relevante
a experiência de ter as obras na escola, de conhecer as artistas e que as oficinas
trouxeram muitas novidades. Os depoimentos dos licenciandos demonstram que
as exposições e as entrevistas mobilizaram as crianças e a comunidade escolar e
que promoveu maior interação com as obras e as artistas. Na leitura dos portfólios,
percebeu-se que o movimento realizado anteriormente a conhecer um pouco
mais sobre as artistas e suas obras, bem como de elaborarem perguntas às artistas,
fez com que as crianças se mobilizassem e ficassem à espera da atividade do dia
para conhecer as artistas.
A ideia de trabalhar com artistas locais trouxe aos alunos a interação com a
obra e com as artistas, possibilitando um envolvimento maior dos alunos com a arte
e, consequentemente, com o objeto. Os alunos foram mobilizados esteticamente,
pois pesquisaram sobre as artistas e interagiram com elas, podendo entender o
processo de criação e material utilizado, tendo um envolvimento maior com a
arte, por meio da apreciação e, posteriormente, por meio da criação de novas
obras com base no que vivenciaram.
Por fim, observou-se que, na sequência, foi realizada uma oficina lúdica
referente às artistas para possibilitar aos alunos um momento de descontração,
utilizando jogos de memória sobre as obras apreciadas no desenvolvimento do
projeto e das brincadeiras. Kishimoto (1998) analisa o papel do jogo na Educação.
A partir de suas apreciações, a autora esclarece que o professor pode considerar
o jogo e os brinquedos como materiais pedagógicos quando, na ação docente,
esses recursos didáticos estabelecerem vínculos com o processo de ensino e
aprendizagem.
É importante salientar que houve preocupação dos bolsistas do projeto em
fazer com que os alunos participassem efetivamente, e tivessem contato com a
arte - é o que mostra uma fala retirada de um dos portfólios:
Considerações
Quando se pensa em estratégias de ensino para o ensino da arte, é importante
considerar que estas se articulem aos eixos de ensino da arte e possibilitem a
formação estética. Para ler obras de arte é preciso possibilitar o acesso às obras.
Para conhecer a arte, é importante criar momentos nos quais se pesquise sobre
história da arte, os contextos em que foram criadas, as relações que as crianças
podem estabelecer com o objeto artístico, a relação com o nosso tempo. Ainda,
nas aulas de arte, é importante experimentar a linguagem artística. Assim, o fazer
artístico possibilita aos estudantes perceber como se expressar por meio de uma
determinada linguagem. Para Panofsky (1979), é com a linguagem e na relação
com a linguagem que o ser humano faz arte. Para o autor, a arte é um modo dos
seres humanos expressarem e falarem sobre sua forma de viver, pensar e elaborar
o mundo. Assim é um modo ímpar de comunicar-se e expressar-se.
Como se viu no decorrer desse projeto, o papel da escola é mediar e
canalizar o conhecimento, tornando-o mais coeso e estruturado por meio das
estratégias e dos materiais apresentados aos alunos. O contato com o artista, com
a obra, como essa obra é concebida, tudo isso é parte importante no processo de
desenvolvimento estético e sensível do aluno para as Artes Visuais.
A comunicação por meio das linguagens visuais sempre encantou os seres
humanos. Ao longo de nossa existência, percebeu-se que trabalhar com artes é
vislumbrar e poder transmitir, por meio das obras, as possíveis e mais diferenciadas
formas do ser humano ser, sentir, perceber e elaborar o mundo.
Observou-se na análise desses projetos que algumas questões, como o
lugar da arte e o espaço da arte, foram discutidas com os alunos. Assim, foram
permeadas conversas que a arte não está somente nas galerias e nos espaços
reservados para exposição de quadros, etc., a arte está nas ruas - o que torna isso
possível é a interação das pessoas com a obra, sendo esta parte da nossa história,
da nossa cultura.
Por meio dessa pesquisa, notou-se que as principais estratégicas de ensino
foram: aproximação com os artistas regionais, leitura de imagens de obras de arte
e o fazer artístico, mesclado às linguagens estudadas. Percebeu-se que um grupo
focou sua relação mais no fazer artístico, explorando as características das crianças
178 PRÁTICAS ESTÉTICAS
pequenas na relação com o objeto artístico, pois o grupo atuou com crianças
dos anos iniciais do Ensino Fundamental. O desafio de discutir arte no contexto
urbano com as crianças é bastante complexo e a formação estética, nesse caso,
perpassa a relação das crianças com o espaço em que vivem. O outro grupo atuou
com crianças maiores. Isso fez com que as atividades propostas fossem focadas
em uma metodologia de conhecer a obra e o artista, ter contato com as obras
originais e compreender um pouco mais do processo de criação de cada artista.
Aqui a formação artística está mais pautada em um trabalho sistematizado
que se repete e se amplia a cada artista. Os jogos desenvolvidos possibilitaram
brincadeiras com as imagens das obras de arte, articulando com as crianças uma
relação livre com o objeto artístico.
Na arte visual, o importante é compreender que, ao se lidar com arte, está
se trabalhando com a formação estética das pessoas (DUARTE JR., 1983). Nos
dois projetos, foi possível perceber a intencionalidade na formação artística que
possibilita a formação estética, marcada, principalmente, pelos momentos nos
quais as crianças puderam se relacionar com o objeto artístico de forma livre e
puramente lúdica. Com esses projetos, percebeu-se a importância de mostrar
para os alunos de uma escola regular a arte em si, colocando-os em contato
com a arte, contato com a criação e o criador e, ainda, fazendo-os construir,
conceber arte, embasados no que viram, sentiram e tocaram, ou seja, por meio da
experiência real. Isso é arte sensível; é perceber o belo, o estético, o ver, o participar
e o construir.
Referências
BARBOSA, A. M. (Org.). Arte/Educação Contemporânea, Consonâncias
Internacionais. São Paulo: Cortez, 2005.
O presente trabalho foi realizado com apoio do PIBIC/CNPQ e PIBID - Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência (PIBID), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e
do CNPQ/2012 – edital Universal. Participaram desta pesquisa dois bolsistas de Iniciação Científica: Gisele
Onofre e Augusto Santos da Cruz.
ESTRATÉGIAS DE LEITURA NO ENSINO MÉDIO – O PIBID DE LETRAS 181
imbuído do estado poético, o ser humano transforma sua percepção do real. Essa
movimentação de um pensar a outro - da visão do mundo prosaico ao mundo
poético – dá-se pelas vias estéticas, possibilitadas pelo devaneio que a literatura
permite. Nessa lógica, segundo Duarte Jr. (2010), poderíamos balizar duas formas
de apreensão do mundo: a percepção prática e a percepção estética.
A percepção prática vem sendo largamente desenvolvida na sociedade, seja
pela família ou pela escola, pois aprendemos a ver as coisas pelo seu modo de
utilidade, de serventia. É ela que nos permite resolver os problemas básicos da
sobrevivência cotidiana, desde pegar um ônibus, escolher um restaurante, entrar
em um supermercado a praticar um esporte porque precisamos manter a saúde
física e mental. Já a percepção estética - como não está atrelada à utilidade, à
funcionalidade -, é entendida, muitas vezes, como “perda de tempo”, coisa de
desocupados, como lembra Duarte Jr. (2010).
Lidar com a literatura tendo em vista a percepção estética em uma instituição
escolar requer, portanto, inovar nas metodologias de ensino, com estratégias de
leitura que levem o leitor a perceber o texto como poético, para que não nos
arrisquemos a afastá-lo do texto literário. Ao apresentarmos aspectos literários
do texto, possibilita-se, pelo belo, “o amor pela literatura”, como sinaliza Todorov
(2009).
Inquietados com essa problemática, o Grupo de Pesquisa Cultura, escola,
educação criadora traçou como objetivo, para este capítulo, analisar práticas de
leitura que respeitassem a expressão artística do texto literário e priorizassem a
percepção estética que visassem ao texto em si - não como material a ser perfurado
na busca incessante de movimentos literários, da tipologia das personagens,
sobrepujando a teoria ao texto, mas que aguçassem a sensibilidade poética
dos estudantes, para primeiro levá-los a amar o texto e assim auxiliá-los na sua
compreensão.
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID)/Letras
da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) tem como objetivo colaborar na
formação de leitores do ensino médio por meio da literatura fruitiva. Assim
sendo, escolhemos como objeto de estudo as estratégias de leitura desenvolvidas
por esse grupo com o intuito de averiguar se as estratégias de ensino empregadas
respeitam a concepção de leitura fruitiva e se a metodologia utilizada pelo grupo
aproxima os alunos do texto literário.
O PIBID é uma política pública de valorização da docência que coloca os
licenciandos em contato com o cotidiano escolar, promovendo a relação da
universidade com a instituição de ensino, priorizando atividades voltadas ao
desenvolvimento de projetos inovadores, de estratégias de ensino e de materiais
didáticos. O PIBID de Letras, preocupado com a formação de leitores e com o
incentivo à leitura, desenvolve projetos que abordam a leitura por meio de
diferentes temáticas, conforme podemos observar na Figura 1.
182 PRÁTICAS ESTÉTICAS
cada um naquele percurso novo de leitura. Para representar toda essa caminhada
literária, os alunos elaboraram tirinhas fílmicas com imagens de revistas.
• Banca Literária
Muitas descobertas nascem de provocações daqueles que fazem parte de
nosso grupo social e familiar. Os canais de contato com a obra literária são variados:
escola, família e a própria obra, provocando-nos a descobrir a literatura. Michèle
Petit faz referências ao processo de formação de leitores indicando que este se
revela mais significativamente na família, “[...] na maioria das vezes, tornamo-nos
leitores porque vimos nossa mãe ou nosso pai mergulhados nos livros quando
éramos pequenos” (PETIT, 2010, p. 22).
Como tornar a leitura uma necessidade orgânica, essencial para todos? Os
licenciandos tinham, na escola, dois desafios iniciais: romper com a cultura de
que a leitura literária é algo difícil, fora do alcance do grupo; e evitar que os alunos
ficassem assustados com o número de páginas, com palavras nunca lidas. Afinal,
ler, simplesmente ler, não era uma atividade que constava no programa curricular
Esse levantamento foi realizado por meio de um diagnóstico previamente aplicado com as turmas. Consistia
em perguntas na tentativa de identificar a situação atual da turma, nível de leitura, preferências, meios de
acesso, etc. Posteriormente, foram realizados índices gráficos para estudo. Tudo isso feito pelos professores
supervisores.
ESTRATÉGIAS DE LEITURA NO ENSINO MÉDIO – O PIBID DE LETRAS 187
n Asas de papel
Esse depoimento de Petit retrata o perfil dos jovens com os quais o grupo do
PIBID deparou-se: alunos não leitores, cujas causas poderiam ser o medo do livro
ou a falta de vontade de lidar com ele. Como desenvolver competências leitoras
em um jovem que não tem o desejo de ler?
A estratégia de leitura intitulada Asas de Papel teve como objetivo geral levar
os estudantes do ensino médio a desmistificar sua visão acerca do texto literário,
levando-os a dialogar com a obra Amrik, de autoria de Ana Miranda, mediados
pelos bolsistas do PIBID.
ESTRATÉGIAS DE LEITURA NO ENSINO MÉDIO – O PIBID DE LETRAS 189
Esse livro foi escolhido para ser trabalhado nesse grupo porque é uma
literatura que apresenta um misto de ficção e história dos imigrantes que vieram
para o Brasil. A história narra a vida de Amina: “Hoje vou ensinar Amina, gazelinha
que vai ser dançarina, posso adivinhar, Amina tem olhar de uma serpente do
Nilo, o passo leve, estudados intervalos no tempo, olhar de desdém como
olhasse um deserto distante [...]” (MIRANDA, 1997, p. 20). Ingredientes como a
liberdade, a diferença, o aprendizado e o amor apimentam a história romântica
de Amrik. Uma ficção que traz contextos iguais e diferentes a nossa realidade,
possibilitando a discussão dos fatores internos e externos a qual movimenta os
conflitos da juventude por meio da história de uma jovem que se sente muito só
em um país estranho pela sua língua, pelos costumes e pelas tradições. Segundo
Petit, a literatura “[...] tornou-se um atalho, cada vez mais utilizado, para escapar
do tempo e do lugar em que supostamente se deveria estar; escapar desse lugar
predeterminado, dessa vida estática e do controle mútuo que uns exercem sobre
os outros” (PETIT, 2008, p. 28).
Assim, para seduzir esse público de jovens considerados não leitores, os
bolsistas saíram do espaço da sala de aula e, no refeitório, organizaram o ambiente
de forma a ficar esteticamente convidativo à leitura. Um círculo foi feito com os
participantes, sobre uma colcha rendada com almofadas para proporcionar uma
relação estética com o texto. No centro da roda, foram disponibilizados materiais
diversos, como alguns volumes de Amrik, lápis de cor, canetas coloridas, tintas, giz
de cera, cola, tesoura, folhas A4 e papel Kraft. Para entrada no texto, o objeto livro
foi observado, havendo uma detalhada exploração dos seus paratextos: a capa e a
contracapa, as artes visuais presentes tanto fora quanto dentro do começo do livro,
o significado do nome “Amrik” e a leitura e a discussão da epígrafe. O grupo afetou-
se muito pela epígrafe de Auden na obra Amrik: “ser livre é, frequentemente, ser
só”. A temática da liberdade foi bastante discutida e os alunos, individualmente,
escreveram um pequeno parágrafo acerca do significado da palavra liberdade,
seguida da leitura da produção em voz alta.
Para aproveitar o diálogo que os alunos começaram a estabelecer com a
obra por meio da epígrafe, um dos licenciandos apresentou ao grupo um livro
de dobraduras e o convite para criarem, por meio da técnica de dobradura, um
objeto simbólico da liberdade. Escolheram realizar um tsuru (técnica japonesa
para dobraduras) em forma de pássaro. Cada aluno selecionou o material artístico
disponível para personalizar seu tsuru. Realizada a dobradura, esta foi colocada
junto ao texto produzido por eles sobre a liberdade, em seguida, foram expostos
os trabalhos no mural da escola.
Os encontros passaram a proporcionar aos alunos momentos de leitura em
voz alta e leitura silenciosa, entremeados com momentos de diálogo sobre o texto.
Segundo uma das licenciandas, “[...] a leitura em voz alta faz parte da didática do
nosso projeto e o objetivo desta estratégia é que cada um vá ganhando confiança
190 PRÁTICAS ESTÉTICAS
na leitura em voz alta, para que não se sinta um estranho ao ler para outros, o
importante é soltar a voz”. Ao receber o texto de ouvido, o leitor-ouvinte percebe
a sua poeticidade e a leitura passa a ser coletiva. Ao tomar posse da história pela
voz do outro, passamos a ter a coexistência do texto oral e do escrito.
A leitura compartilhada por si só pode promover uma atividade que faz
com que o indivíduo sinta-se parte de algo e não um ser excluído ou solitário.
“Ao compartilhar a leitura [...] cada pessoa pode experimentar um sentimento
de pertencer a alguma coisa, a esta humanidade, de nosso tempo ou de tempos
passados, daqui ou de outro lugar, da qual pode sentir-se próxima” (PETIT, 2008,
p. 43). Essa dinâmica permitiu ao mediador perceber o trajeto de leitura realizado
pela turma. A modulação da voz, o olhar, o desejo do aluno que quer adentrar
no texto, que brinca com ele e, assim, desenvolve uma intimidade com o objeto
literário, tudo isso estreita as relações entre obra e leitor. O mediador tem um
papel de suma importância na formação de leitores, o qual pode ser, como lembra
Petit (2008, p. 28), “[...] um professor, um bibliotecário ou, às vezes, um livreiro, um
assistente social ou um animador voluntário de alguma associação, um militante
sindical ou um político, até um amigo ou alguém com quem cruzamos”.
A leitura de uma obra pode mexer com o jovem quando este se relaciona
com o texto por meio da fruição, que é a relação que o sujeito estabelece com o
texto. Pennac (2008, p. 104), ao afirmar que “[...] o verdadeiro prazer do romance
está ligado à descoberta dessa intimidade paradoxal: o autor e eu...”, alerta-nos
que é no silêncio que travamos com o autor, na busca solitária pelos sentidos
do texto, nas linhas, sublinhas e entrelinhas que vencemos a banalidade, o trivial
e aventuramo-nos ao jogo das sensações que o texto provoca. Esse movimento
de procura em que o leitor se envolve o convida a estabelecer diversas relações
intertextuais, as quais possibilitam abrir os canais de percepção ao prazer estético.
Assim como Pennac (2008), Petit (2008) auxilia-nos a compreender como a
leitura do texto literário contribui para a construção da subjetividade do leitor, a
entender sua condição humana e a ampliar sua visão de mundo.
[...] preferiram inicialmente fazer uma leitura silenciosa, até porque eles não se
sentiam muito seguros para fazer leitura coletiva [...] a cada instante ia
passando e vendo se eles estavam lendo mesmo e notei que os alunos estavam
realmente lendo e gostando da leitura. (Licenciando 2).
Como demonstramos aquilo que vimos, que escutamos, que sentimos, que
apreendemos? Tudo o que nos cerca nos chega pelos sentidos, é pelo corpo que
mostramos nossas reações diante do vivido. Zumthor (2000) convida-nos a refletir
sobre o corpo como um instrumento de diálogo e interação com o mundo. A
esse sentimento materializado em movimento, a essa exteriorização fisiológica,
Zumthor chama de performance. O autor “[...] se refere de modo imediato a um
acontecimento oral e gestual [...] a ideia da presença de um corpo” (ZUMTHOR,
2000, p. 45).
O envolvimento da leitura com o corpo foi no passado mais evidente porque
a leitura popularizou-se como prática social, que fazia uso da oralidade, figurando
como atividade teatral. Depois a leitura tornou-se uma prática silenciosa. A
leitura quer seja silenciosa, vocal, individual ou em equipe, envolve, também,
o corpo e uma performance: “O texto vibra: o leitor o estabiliza, integrando-o
192 PRÁTICAS ESTÉTICAS
àquilo que é ele próprio. Então é ele que vibra, de corpo e alma. Não há algo que
a linguagem tenha criado nem estrutura nem sistema completamente fechados
[...]” (ZUMTHOR, 2000, p. 63).
Desse ponto de vista não há como desconsiderar o corpo quando o assunto
é leitura, porque ela se materializa pelo corpo, pelos sentidos e se constrói no
corpo. A leitura nasce na interação do corpo com o livro, sua compreensão dá-se
no corpo e sua ressignificação utiliza-se do corpo - receptáculo responsável por
nossa relação produtiva com o livro, com o mundo.
A leitura pede uma entrega do leitor, exige um envolvimento completo do corpo
que age sobre o espaço físico. É nesse contexto que a estratégia do jogo das cores foi
pensada. O espaço da sala de aula foi reorganizado para que os alunos pudessem
explorá-lo durante a leitura oral e silenciosa. Um espaço no qual conseguissem
locomover-se, ficar de pé, caminhar ou sentar, sentindo-se confortável para ir ao
encontro do texto literário e adentrar em suas fissuras. Os licenciados ofertaram,
assim, um conjunto de cartões com cores diferentes que deveria ser escolhido pelos
alunos. Cada cor teve uma orientação a ser seguida durante a leitura, que implicava
o envolvimento do corpo por meio da leitura dramática. Os alunos entraram em
sala, viram as cores, mas não sabiam do que se tratava. Cada um escolheu uma cor
de sua preferência. Cada cor indicava um comando que iria orientar a forma que ele
deveria expressar-se durante a leitura oral.
• Amarelo – Se esse cartão foi o primeiro escolhido, peça que o aluno faça
a leitura de maneira padrão, porém andando em torno do grupo que
estará em círculo. Não sendo o primeiro, o aluno deverá tentar explicar
o sentimento lido, e deverá ler um parágrafo no mesmo sentimento
expressado por seu colega.
• Lilás – Como foi seu dia? (o aluno deverá ler 10 linhas do livro, evidenciando
o sentimento que marcou seu dia).
• Preto – Amor... Ah... O amor, contrariando o peso dessa cor, leia fragmentos
deste livro, como se estivesse totalmente apaixonado.
ESTRATÉGIAS DE LEITURA NO ENSINO MÉDIO – O PIBID DE LETRAS 13
O termo bricolagem vem do francês bricolagem, que indica um trabalho de improviso, manual que aproveita
materiais diversos com a ideia, portanto, de compor um quadro imagético do tipo postal.
196 PRÁTICAS ESTÉTICAS
n Círculos de leitura
Promover a roda de leitura no ensino médio exige, inicialmente, uma
mudança de atitude em relação à leitura. Ela precisa ser vista como atividade
curricular, uma experiência singular que passa a fazer parte do cotidiano das aulas
de Língua e Literatura. Apesar de a escola reconhecer a contribuição da leitura do
literário no processo de formação pessoal e profissional do sujeito, na construção
de sua identidade e na elaboração de sua subjetividade, a leitura de romances e
contos em sala de aula, principalmente no ensino médio, é uma atividade atípica,
alimentando, assim, paradoxalmente, uma hostilidade do jovem com a cultura
escrita literária.
Quando o PIBID de Letras iniciou o processo de planejamento da atividade
de roda de leitura, houve, por parte de um dos professores supervisores, inclusive,
uma descrença na própria atividade, uma vez que ela não iria demandar nenhuma
produção material do aluno. Esse afastamento da escola da estratégia de leitura
fruitiva dá-se, em parte, porque o racionalismo afasta-nos da possibilidade do
devaneio e aproxima-nos da concepção instrumentalista da linguagem. Então,
distanciando-se desse modelo de tratamento utilitário do texto literário, o PIBID
de Letras objetivou recuperar a democratização da leitura entre os jovens e o
espaço da leitura na escola, por meio da roda de leitura. Formando-se círculos
de leituras e explorando diversos espaços da escola, os alunos do Ensino Médio
entraram em contato com o livro como objeto estético, que vai muito além da sua
função comunicativa.
Adentrando nesse “território íntimo que é a leitura, dessa liberdade e solidão”
(PETIT, 2010, p. 17), os licenciandos, de posse das três obras (Terra Papagalli, Amrik
e Cidade Ilhada), dividiram a turma em pequenos grupos (cerca de 5 a 8 alunos
por grupo) e promoveram sessões de leitura silenciosa e oral. Petit (2008) lembra-
nos de que ler em silêncio, no século atual, é uma experiência singular. A leitura
silenciosa seria, então, “[...] um atalho para elaborar sua subjetividade quanto um
meio de chegar ao conhecimento”. (PETIT, 2008, p. 20). A leitura de si e para si, no
exercício da liberdade de ler. A solidão do leitor diante do texto, segundo Petit
(2008, p. 28), abre espaço para o devaneio e fuga “[...] dessa vida estática e do
controle mútuo que uns exercem sobre os outros”.
Já a leitura oral faz parte de nossas lembranças: a mãe contando histórias
quando éramos pequenos, a professora lendo em voz alta na sala de aula, o padre
lendo e explicando as parábolas na igreja, os vizinhos contando causos, etc. Se na
leitura silenciosa está em jogo a subjetividade do leitor, sua apropriação do texto de
maneira livre, tirando dele satisfações estéticas e intelectuais, em uma “caça furtiva”
aos significados, como diria Certeau (1980), na leitura oral, muitas vezes, o senso de
coletividade impera e uma verdade por parte do emissor quer se fazer valer.
Com o objetivo, portanto, de fazer com que a leitura literária fizesse parte
das atividades da turma na sala de aula, durante as aulas de Língua e Literatura,
os licenciandos organizaram dezesseis sessões de leitura silenciosa e oral. Algumas
ESTRATÉGIAS DE LEITURA NO ENSINO MÉDIO – O PIBID DE LETRAS 197
sessões de leitura eram seguidas de conversas sobre a obra, uma abertura para
o outro, que é, segundo Petit (2008, p. 96), “novas formas de sociabilidade, de
partilhar e conversar em torno dos livros”. Essa partilha pode contagiar o outro e
introduzi-lo no universo da literatura, como foi constatado por alguns licenciandos,
os quais declararam que alguns alunos que não queriam ler no início do projeto,
após algumas sessões, passaram a fazê-lo. Os bolsistas juntamente com os alunos
percorreram vários espaços no ambiente escolar na tentativa de extrapolar a sala de
aula. Foram acontecendo rodas de leitura nos corredores, no pátio, no refeitório e
na sala de aula. A escola passa a ser um espaço também de leitura.
Segundo os dois professores supervisores, coformadores desses licenciandos
e regentes das turmas do ensino médio, as outras turmas que não participavam
do projeto de leitura passaram a mostrar-se “enciumadas” com essa atividade
diferenciada, solicitando participação. Por outro lado, um dos gestores da escola
deu um depoimento mostrando preocupação com a falta de conteúdo que esses
alunos enfrentariam, pois as aulas de Língua Portuguesa, uma vez por semana, se
reduziram a “apenas leitura”. Nesse sentido é que reafirmamos a importância de
uma mudança de atitude com relação à leitura, não só por parte dos alunos, mas
de toda a comunidade escolar.
Durante a realização dessa estratégia, constatou-se a necessidade de a escola
reorganizar seus espaços, pois há poucos ambientes de convivência e lazer, quase
todos são ocupados com salas de aula. Inclusive, essas duas escolas de ensino
médio não dispunham de bibliotecas, local que poderia também ser utilizado
nesse tipo de atividade. A biblioteca é o lugar de afirmação da leitura. Esse lugar
simbólico manifesta a compreensão da escola acerca da importância da leitura
para o desenvolvimento pleno do sujeito, espaço que pode mudar o seu percurso
pessoal e profissional, levá-lo a perceber de outra maneira seu bairro, sua cidade,
o país em que vive, como exemplifica Petit (2008).
Na proposta do PIBID de Letras, em que a leitura vai além de depreender
os significados básicos do texto, os licenciandos perceberam que, muitos alunos,
inicialmente resistentes, de certa forma “renderam-se” ao deleite da leitura
fruitiva. Alunos que não liam em voz alta, ou que se mostravam desinteressados
no início do processo, aos poucos foram aderindo às estratégias e realizando-as
com sucesso, demonstrando avanços dentro da proposta a cada encontro das
turmas de Ensino Médio com os bolsistas. Certamente porque a leitura fruitiva
libera inquietações que instigam a curiosidade para novos desafios, reflexões
sobre a obra e processos de atribuições de significados.
n Do texto ao filme
Os estudantes brasileiros, ao final do ensino médio, podem, para ingressar na
universidade, prestar o exame do ENEM, que exige o desenvolvimento de várias
capacidades e competências de leitura, dentre elas, ler e interpretar textos; analisar
e criticar informações; extrair conclusões por indução e/ou dedução; estabelecer
198 PRÁTICAS ESTÉTICAS
Uma das licenciandas que participou dessa atividade afirmou: “Isso foi feito
de maneira surpreendente, visto que bastava olhar a imagem escolhida para fazer
relação com um ou outro conto”. Posteriormente à construção dos negativos, as
frases dos contos destacadas pelos alunos no início da atividade foram associadas
às imagens. As escolhas efetuadas pelos alunos do ensino médio mostraram sua
trajetória de leitura. Os fragmentos expressavam a totalidade do conto lido. A
leitura das palavras provocou uma cadeia de associações de imagens. A mesma
licencianda declarou sobre a atividade: “Pedi para os alunos que se sentassem à
vontade, mostrassem a fotografia/imagem recortada da revista, e falassem sobre
ela - a qual conto e momento do livro se referem, qual a sua importância, que
sentimentos ela traz (saudades, alegrias...) etc.”.
Ao materializar de forma pictórica o que foi lido no texto, os licenciandos
utilizaram outra linguagem para identificar o sentido literal da obra. A releitura
é uma atividade que leva ao aprimoramento da capacidade leitora quando ela é
seguida da análise e da atribuição de sentidos outros. Para Walty:
Referências
ANDRADE, C. D. de. A senha do mundo. Rio de Janeiro: Record, 1999.
_____. O texto não é pretexto. Será que não é mesmo? In: ZILBERMANN, R.;
RÖSING, T. M. K. (Orgs.) Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. São
Paulo: Global, 2009.
Contei sobre a escola com que sempre sonhei, sem imaginar que
pudesse existir. Mas existia, em Portugal... Quando a vi, fiquei alegre e repeti,
para ela, o que Fernando Pessoa havia dito para uma mulher amada:
"Quando te vi, amei-te já muito antes...".
Rubem Alves
esgotando, portanto na relação eu-tu”. Essa mediação que Paulo Freire cita e que
Pacheco aplica em seu “círculo de estudos” é uma mediação aberta, crítica e ativa.
Na questão do diálogo, Freire (2009) discute a sua relação com o amor.
Aponta que só é possível uma relação de diálogo onde existe amor, pois quem
não possui uma relação de amor com o mundo, com a vida e com os homens,
consequentemente, não torna possível o diálogo. O filósofo defende, também, a
importante relação do diálogo com a humildade, com o pensar crítico, com a fé
nos homens. Conforme a ideia do autor, indaga-se: Como educar sem dialogar?
Como interferir no mundo sem dialogar? “Só educadoras e educadores autoritários
negam a solidariedade entre o ato de educar e o ato de serem educados pelos
educandos; só eles separam o ato de ensinar do de aprender, de tal modo que
ensina quem se supõe sabendo e aprende quem é tido como quem nada sabe.”
(FREIRE, 2009, p. 27).
Os ambientes escolares nem sempre contribuem para uma prática dialógica.
O que existe, muitas vezes, é um monólogo que contribui somente para o
engessamento do educando, levando-o à possível alienação e à ingenuidade.
Segundo Freire, a base do diálogo é o amor, pois o amor é humildade, é compromisso,
e nas palavras do autor: “Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os
homens, não é possível o diálogo” (FREIRE, 2005, p. 92). Nessa lógica, segundo o
educador: “O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto
a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como
inconclusão em permanente movimento na história” (FREIRE, 1996, p. 136). Se
pensarmos em uma escola que não promove o diálogo, consequentemente esta
estará estática, fechada ao seu entorno social e geográfico. Para que o educador
tenha clareza dessa compreensão, é necessário que pense de forma coerente,
segundo o autor, pensar certo.
e ética” (FREIRE, 2005, p. 32). Essa estética a que Freire se refere é a de um saber
sensível, que conduz a uma formação mais humana.
Para Neitzel e Carvalho (2010), ensinar exige estética e ética, pois se percebe
a grande importância e, de certa forma, urgência, de um saber sensível na profissão
docente. Sensibilidade esta que, com o passar dos anos, foi sendo deixada de lado,
e que, hoje, pode reconhecer-se a falta que ela faz, principalmente na educação.
Não há como separar a profissão docente de uma formação do sensível, pois é
na relação estética do aluno, professor e aprendizagem que se manifestam as
competências e desenvolvem-se as habilidades. Para tanto é fundamental que:
Nessa fala, Duarte Jr. aponta para uma educação estética do sensível na
formação do ser. Ele traz a necessidade de a educação lançar um olhar a esse
saber, que, por tanto tempo, foi menosprezado por conta da supervalorização
do inteligível desde a modernidade. O ser humano precisa sair de seu estado de
“anestesia” e despertar para uma consciência holística, repensar sobre seu papel
no planeta; resgatar valores ofuscados por uma cegueira coletiva. O ser adulto
precisaria aprender a ver o mundo com o mesmo entusiasmo de uma criança
e, a partir daí, reencontrar-se com seu eu, individual e coletivo. Nesse contexto
Moraes (2010) enfatiza:
Referências
ALVES, R. Escola da Ponte 2. A casa de Rubem Alves. 2001. Disponível em: <http://
www.rubemalves.com.br/escoladaponte2.htm>. Acesso em: 6 jul. 2011.
DUARTE JR., J. F. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. 5. ed. Curitiba:
Criar, 2010.
_____. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 48. ed.
São Paulo, SP: Cortez, 2009.
_____. Pedagogia do Oprimido. 48. ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2005.
_____. Para Alice, Com Amor. São Paulo, SP: Cortez, 2004.
[...] que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com
balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser
medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.
Manoel de Barros
da escola propiciar condições para o refinamento citado por Duarte Jr. (2010)? O
autor inicia suas discussões, pautado por nossas corriqueiras atividades: morar,
conversar, caminhar, comer, tocar, ver, cheirar, trabalhar - atividades comuns a
todos nós, cuja qualidade vem se deteriorando a olhos vistos. Duarte Jr. (2010)
discorre sobre cada uma dessas atividades, levando-nos a uma reflexão sobre o
modo de como estamos vivendo, quais os valores dados às “pequenas” coisas do
nosso dia a dia, e de que forma estamos nos relacionando com as pessoas, com a
natureza e com tudo que está a nossa volta.
Nossas casas e nossos apartamentos são práticos, pequenos e versáteis, tudo
para facilitar a vida tão corrida. Tempo para conversar, trocar ideias, papear é raro
e, quando acontecem, geralmente são por meio de equipamentos eletrônicos.
Nossos alimentos são feitos às pressas e de maneira industrializada. Além disso,
o contato com a natureza é cada vez menor. E as crianças, como vivem e se
relacionam em meio a esse mundo? De que forma e onde vivem, como, com
quem e onde interagem e brincam?
Vygotsky (1984) aponta que o brincar, além de ser uma atividade
essencialmente humana, é recurso privilegiado de desenvolvimento na infância
e mediador básico na formação da consciência da criança. Para o autor, a
imaginação não surge do nada, mas de elementos de experiências anteriores. Não
há separação entre realidade e fantasia. Ele afirma, ainda, que quanto mais rica for
a experiência da criança, maior será o material de que dispõe a imaginação. Daí a
importância de dar às crianças a oportunidade de brincar, quer seja interagindo
com adultos, quer seja com crianças e objetos.
Em uma sociedade cada vez mais industrializada, jogos e brinquedos
eletrônicos estão muito presentes na vida das crianças. Em contrapartida,
o contato com a natureza e com o mundo que as cercam está cada vez mais
distante. Duarte Jr. (2010) afirma que o exponencial desenvolvimento tecnológico
vem acompanhado de profundas regressões nos planos sociais e culturais, com
um notável embrutecimento das formas sensíveis do ser humano relacionar-se
com a vida.
Em meio a essa tamanha correria e ao mundo tão globalizado, as crianças
também dirigem suas atenções e suas escolhas para as tecnologias. Por meio
desse meio, elas conversam, brincam, jogam e interagem com outras crianças.
Assim sendo, é preciso percebermos que essas crianças necessitam, também, de
outras formas de interação. Elas precisam sentir, brincar e conviver pessoalmente
umas com as outras. Essas ações precisam ser refletidas e reavaliadas tanto pelas
famílias quanto pelo contexto escolar.
Alarcão (2004, p. 10) identifica o professor como sendo fundamental para
ajudar a navegar no turbulento mar da informação. Nesta sociedade, que, por
ser do conhecimento, necessita da aprendizagem; e que, por ser globalizante,
requer a compreensão da identidade individual. Assim, de que forma a escola
Programa Cultura e Travessura:uma política pública educacional para o desenvolvimento do saber 217
sensível
que abranjam as diferentes linguagens artísticas, para que ele possa refletir, rever,
reavaliar e renovar a sua prática em sala de aula, em busca uma educação mais
humanizadora e sensível.
Cada reeditor tem o compromisso de elaborar projetos interdisciplinares,
tendo como foco ações culturais e artísticas nas unidades de ensino. Ao final de
cada encontro ofertado pelo programa, é aplicado um instrumento de avaliação
com os reeditores, os quais servem para que estes possam avaliar o trabalho
realizado, fazer suas proposições e dar sua contribuição nesse processo de parceria
firmado entre o programa, as parceiras estabelecidas, os reeditores e as unidades
de ensino.
Toro e Werneck (2004) definem o reeditor como aquele que interpreta e
amplia o conteúdo para adequar ao seu público. A qualidade de seu trabalho
não é medida pela fidelidade ao conteúdo original, mas pelo enriquecimento da
mensagem, pela sua adequação, por meio do uso de códigos, valores e experiências
próprios dos grupos de trabalho aos quais ele pertence.
As ações desenvolvidas nos Polos de Cultura fazem parte da agenda mensal
do Programa Cultura e Travessura com apresentações nas unidades escolares, bem
como nos eventos desenvolvidos pela Prefeitura Municipal. Hoje, o programa
conta com três Polos de Cultura nos bairros Cidade Nova, São Vicente e São
Judas, os quais desenvolvem atividades voltadas à dança e à música. Todas as
apresentações são agendadas com antecedência e constam na Agenda Mensal do
programa, a qual é enviada mensalmente às Unidades de Ensino.
O Polo de Danças Folclóricas, localizado no Bairro Cidade Nova, tem o
objetivo de disseminar as diferentes culturas que compõem nossa etnia. Os alunos
desse polo realizam ensaios semanais, bem como aprofundam seus conhecimentos
sobre diferentes culturas. Esse polo atende cerca de 150 alunos com idade entre
sete e quatorze anos nos períodos matutinos e vespertinos. Durante as aulas, os
alunos, além de aprenderem a dançar, têm a oportunidade de conhecer a história
e a cultura das danças portuguesas, alemãs, africanas, indígenas e italianas. O Polo
de Dança de Rua está localizado no Bairro São Judas. Ele atende a 126 alunos com
idade entre sete e quatorze anos nos períodos matutinos e vespertinos. O polo
realiza ensaios semanais. Na Figura 1, podemos visualizar os alunos que compõem
o Polo de Dança de Rua em uma de suas aulas.
PROGRAMA CULTURA E TRAVESSURA:uma política pública educacional para o desenvolvimento do saber 223
sensível
Foi uma tarde muito agradável, despertou em nós o gosto pela literatura,
pelos livros e pela contação de histórias de uma forma diferente. Não que ela
não existisse, mas agora é um olhar pautado na fruição e no prazer pela leitura.
(Reeditora C - 2º encontro, Junho/2013. Assunto: Contação de histórias, teoria e
prática).
Este encontro como todos os outros foi muito interessante e produtivo, as ações
aqui vivenciadas enriquecem a nossa prática em sala de aula. (Reeditora D
– 3º encontro).
Algumas considerações
Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro
que lês. Quando fechas o livro, eles alçam voo como de um alçapão. Eles não
têm pouso nem porto alimentam-se um instante em cada par de mãos e
partem. E olhas, então, essas tuas mãos vazias, no maravilhado espanto
de saberes que o alimento deles já estava em ti...
Mário Quintana
Referências
ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez,
2004.
DUARTE JR., J. F. O Sentido dos Sentidos: a educação (do) sensível. 5. ed. Curitiba:
Criar Edições, 2010.
Alberto Caeiro (2011, poema II), nesses versos, permite-nos pensar sobre
a importância do olhar que destinamos ao que está ao nosso redor, em todas as
direções. Um olhar que se abre para o novo, a cada movimento, rejuvenescendo
nossa forma de perceber o mundo. Esse treino do olhar amplia nossa percepção
e, por meio dela, descobrimos um universo sempre “amanhecente”, um mundo
com frescor e livre dos hábitos do cotidiano. É com esse olhar que queremos
discutir o filme em sala de aula, em uma perspectiva que o percebe como um
elemento essencial na educação estética do ser humano. Segundo Rubem Alves
(200-), a primeira função da educação é ensinar a ver, e com a intenção de colocar
uma lupa sobre o assunto buscamos enxergar o filme como uma possibilidade de
Educação Estética, na concepção compreendida por Duarte Jr. (2001).
Uma ideia de senso comum é de que o filme é uma excelente estratégia de
ensino. Essa é a ideia que vimos procurando desacomodar quando nos lançamos
no desafio, já semeado por Teixeira e Lopes (2008), de que o filme sendo uma
arte, portanto sem fins utilitários, pode ser empregado no ambiente escolar para
fins estéticos. Quando pensamos em assistir a um filme, logo nos envolvemos ou
com sua temática ou seu roteiro. Mas o ato de assistir a um filme pode ocasionar
experiências sensíveis que levam à formação estética. A palavra estética vem do
grego aisthesis e, hoje, ela adquire um significado diferente daquele atribuído
pelos gregos, que é relacionado ao belo. Hoje estética está relacionada à
Alberto Caieiro, chamado de “O Mestre”, é um dos heterônimos de Fernando Pessoa.
O FILME EM SALA DE AULA: proposições para sua exploração estética 231
Essa discussão oral seria uma oportunidade para debater questões éticas
e estéticas, pois abre a possibilidade para que o humano apareça e olhares e
ideias colocados nessas imagens possam dar sentido, compreender e ressignificar
as coisas do mundo. Conforme apontam Teixeira e Lopes, o cinema permite a
experiência estética, pois este “[...] fecunda e expressa dimensões da sensibilidade,
das múltiplas linguagens e inventividade humana” (TEIXEIRA; LOPES, 2008, p. 11).
Segundo Duarte Jr. (2001), é necessário recuperar uma aproximação com as coisas
do mundo – o que requer “uma certa atenção para com a dimensão sensível”
(DUARTE JR. 2001, p. 164). O autor enfatiza a necessidade de estabelecermos
uma ligação entre o saber sensível e o intelectivo ou lógico-conceitual, pois
abandonamos completamente a face sensível do conhecimento explorando tão
somente sua feição pragmática.
A reeducação do olhar torna-se, assim, uma necessidade. Por isso a
importância da educação estética na formação do professor, para que o uso
do filme não seja apenas para suprir necessidades curriculares e uma estratégia
de ensino. Há a necessidade de pensar-se na função estética do filme e na
contribuição que a exploração do filme como arte pode trazer para a construção
da sensibilidade do sujeito.
O FILME EM SALA DE AULA: proposições para sua exploração estética 237
Referências
ALVES, R. A arte de ver. [200-]. Disponível em: <http://www.rubemalves.com.
br/aartedever.htm>. Acesso em: 20 mar. 2010.
DUARTE JR., J. F. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba, PR:
Criar, 2001.
sensibilizar em educação. São eles: Duarte Jr. (2010), Torre e Zwierewicz (2009)
e Morin (2001, 2011). Esses autores propõem conceitos-chave para alcançar-
se uma educação menos preocupada com a quantidade, com a forma e com a
informação a ser transmitida; e mais preocupada e atenta a uma prática sensível,
menos compartimentada, inovadora e, por isso, criativa. Os autores que aqui
buscamos aproximar, ao mesmo tempo em que propõem ideias, conceitos e
elementos que podem contribuir para uma mudança de metodologia, de agir
e de pensar em educação, traçam críticas bastante pontuais ao modo ocidental
moderno de pensar. São críticos da modernidade, que, para os autores, já não
comporta a demanda educacional atual.
Para Toffler (1980 apud TORRE, 2009), houve três grandes ondas ou mudanças nas formas de vida da
humanidade: a onda agrícola (desde a sociedade colhedora até meados do século XVIII), a onda industrial
(desde meados do século XVIII até a expansão telemática), a onda das telecomunicações (na qual estamos
imersos).
SENSIBILIDADE, CRIATIVIDADE E RELIGAÇÃO DOS SABERES: BREVES APROXIMAÇÕES 245
Os três autores concordam que a escola que se pretende não é a que ainda
permanece mesmo “caduca”, a “ensinar” a grande maioria dos indivíduos. Tal
reflexão, muitas vezes, nem passa pela cabeça dos próprios atores do processo
educacional. Morin faz uma crítica direta àqueles professores que - para manterem-
se seguros em suas práticas, pois a fazem de maneira programática e previsível,
confortável até - resistem ao desafio de mudar, ou pelo menos enxergar algo além:
“Muitos professores estão instalados em seus hábitos e autonomias disciplinares.
Estes são como os lobos que urinam para marcar seu território e mordem os que
nele penetram. Há uma resistência obtusa, inclusive entre os espíritos refinados.
Para eles, o desafio é invisível” (MORIN, 2011, p. 99).
Os autores expressam a urgência no contemporâneo de trabalharem-se
questões sensíveis e ainda ressaltam que não apenas no âmbito da escola. “A
deterioração dos nossos sentidos vem se dando nas relações rotineiras”, no nosso
dia a dia “corrido”, “sem tempo para nada”. “O que se pretende é tornar evidente
o quanto o mundo de hoje desestimula qualquer refinamento dos sentidos
humanos e até promove a sua deseducação, regredindo-os a níveis toscos e
grosseiros.” (DUARTE JR., 2010, p. 18).
Urge uma educação que contemple o indivíduo em sua totalidade sem
separá-lo do seu meio, da vida “real”. E a escola, como vem lidando com a
educação do sensível? Deleitar-se lendo um poema de Manoel de Barros faz
parte do currículo escolar? Ou a poesia é usada como mero pretexto para ir às
regras gramaticais e conceitos teóricos de disciplinas? Os projetos educacionais
modernos e seus currículos, tendo como referencial o paradigma tradicional da
ciência, valorizam a mente, o intelecto em detrimento do corpo, dos sentidos, do
saber sensível. Separam corpo e mente (ou sensibilidade e pensamento) como
formas distintas do conhecimento humano. A escola não permite, muitas vezes,
um desenvolvimento pleno, total, integral do indivíduo, pois, como os autores
aqui trazidos levantam, persegue um conhecimento “puro”, “verdadeiro”. “A
sensibilidade que funda nossa vida consiste num complexo tecido de percepções
e jamais deve ser desprezada em nome de um suposto conhecimento ‘verdadeiro’.”
(DUARTE JR., 2010, p. 22).
Querendo romper com essa lógica. Os autores aqui evidenciados sugerem
possibilidades, caminhos para mudança, conceito que o paradigma tradicional
da Ciência descarta. Tudo deve ser muito previsível, linear e praticamente sem
alterações. Em sua proposta de um caminho novo para a Educação, Duarte Jr.
sinaliza como a sensibilidade foi afastada da razão, da inteligência. “[...] conhecer,
SENSIBILIDADE, CRIATIVIDADE E RELIGAÇÃO DOS SABERES: BREVES APROXIMAÇÕES 247
então, é coisa apenas mental, intelectual, ao passo que o saber reside também na
carne, no organismo em sua totalidade, numa união de corpo e mente” (DUARTE
JR., 2010, p. 127).
Nesse momento, Duarte Jr. (2010) e Torre e Zwierewicz (2009) aproximam-
se, propondo, para o campo da Educação, não apenas a valorização do inteligível,
do pensamento. Os autores propõem valorizar de igual maneira o sensível e as
emoções. Duarte Jr. (2010) e Torre e Zwierewicz (2009) coadunam-se no sentido
de unir saber sensível e inteligível, o pensamento e as emoções.
O conceito de Sentipensar desenvolvido por Torre e Moraes (2004) é uma
proposta para trabalhar conjuntamente as diferentes linguagens do pensamento
e as emoções.
Outro ponto em que Duarte Jr. (2010) e Torre e Zwierewicz (2009) aliam-se
diz respeito à intuição. Para Duarte Jr. (2010), a intuição significa
Para Torre e Zwierewicz (2009, p. 64), “[...] a intuição não é uma qualidade
privativa dos artistas [...] A intuição é renunciar ao controle da lógica racional
para confiar no sexto sentido”. Ao contrário de estimular o pensamento intuitivo,
a escola ensina uma espécie de pensamento absoluto: “A resposta é apenas uma”,
“Qual cálculo você usou para chegar a essa resposta?”. É o que os alunos escutam
de seus professores. Ensina-se em função de respostas específicas, do certo e
do errado. Não se conduz o aluno pelo caminho da dúvida, da incerteza, das
possibilidades, da mudança de rota.
Morin (2001) aproxima-se também de Duarte Jr. (2010) e Torre e Zwierewicz
(2009) quando afirma:
Algumas considerações
Percebemos o quanto os três autores, entrelaçados em suas ideias e em seus
conceitos, convergem no sentido de unir razão e emoção, corpo e mente, pensar
e sentir, ou seja, como enfatiza Morin (2011), religar os saberes.
Intuição, sensibilidade, criatividade, “tecer junto” - conceitos que
fundamentam iniciativas e possibilidades de mudança do atual cenário educacional
para os autores aqui aproximados. Ainda abordando a criatividade, “[...] somos
criativos quando nos permitimos sê-lo” (TORRE; ZWIEREWICZ, 2009, p. 77).
Tanto a criatividade quanto a sensibilidade e com elas a intuição e o “tecer
junto” devem percorrer os espaços, transparecer nas atitudes, nos procedimentos
e nas metodologias da escola de modo que não haja barreiras, impedimentos,
pressões, inibições. Religar os saberes do corpo e o conhecimento da mente.
Apenas dessa forma, como afirmam os autores, os conceitos e todos os seus
benefícios aplicados à Educação se farão efetivos, executáveis e reais, não apenas
constando por escrito em documentos, currículos e planejamentos de professores,
ou, então, ocorrendo na prática sem o devido aprofundamento teórico e sem
que assim o professor tenha ideia de que atua de acordo com esses conceitos.
Alguns até possuem uma prática diferenciada, inovadora e sensível, porém se
sentem isolados e receosos por serem “diferentes” em seus fazeres pedagógicos.
Para Morin (2011), “[...] é preciso substituir um pensamento que isola e separa
por um pensamento que distingue e une. É preciso substituir um pensamento
disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo, no sentido originário do
termo complexus: o que é tecido junto” (MORIN, 2011, p. 89).
Nessa perspectiva, os currículos, as metodologias e os discursos que
representam as práticas escolares não devem mais deixar esses conceitos
(criatividade, intuição, sensibilidade, complexidade, “tecer junto”) escondidos,
acontecendo na prática algumas vezes, sem explicitá-los nos planejamentos e
nos planos de ensino (tanto por falta de aprofundamento teórico quanto por
desconsiderá-los como possibilidade de levar o aluno ao conhecimento). Ou,
ainda, endeusar tais conceitos como se só alguns “afortunados pela natureza” ou
“alguns abençoados” pudessem desenvolver tais maneiras de conhecer.
Assim, para desenvolver a criatividade, a sensibilidade e a intuição em sala
de aula e o “tecer junto”, não basta o professor querer. Ele precisa também ser e
estar preparado para isso. Não pode tentar atuar em determinados momentos
dessa maneira só porque está na “moda”, ou porque a “diretora exigiu”. Ou ainda
usar um belo discurso e atuar em sala de forma diferente do que fala. Acima de
250 OUTRAS APROXIMAÇÕES COM A FORMAÇÃO ESTÉTICA
tudo, o professor precisa querer mudar, querer que seu discurso corresponda a
sua prática. Uma prática mais conectada com a realidade, mais sensível, mais
criativa, inovadora.
Uma escola que se pretende criativa, sensível e intuitiva e que religa os
saberes não tem como pretensão a separação metodológica entre sujeito e objeto,
como decorrência da dicotomia corpo/mente. Os autores aqui aproximados, por
seus conceitos e ideias referentes a uma nova maneira de se fazer Educação, com
novos referenciais teóricos e metodológicos, apostam em uma escola que prepare
a partir da vida e para a vida, que parta do real, do que está ao lado, do entorno,
para uma visão também global, universal. Uma proposta que faça do aluno
sujeito sensível, criativo, intuitivo, que religa os saberes assim como um sujeito
intelectivo, que pensa, que resolve problemas. Um sujeito que pensa, sente, religa
e cria promovendo as mudanças, lidando com as incertezas, com as emergências
que se colocam a cada dia e que percebemos ser impossível prever. Um sujeito
livre e em condições reais de criar o seu mundo para melhor lidar e atuar no
mundo.
Referências
BARROS, M. de. Memórias inventadas. São Paulo, SP: Planeta do Brasil, 2010.
DUARTE JR., J. F. O sentido dos sentidos: a educação do sensível. 5. ed. Curitiba,
PR: Criar Edições LTDA, 2010.
TORRE, S. de la. Criatividade aplicada: recursos para uma formação criativa. São
Paulo: Madras, 2008.
O SENSÍVEL NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
UMA PROPOSTA DE ROTINA PARA OS BEBÊS
Gesiele Reis
Ia embora. Então, por que ainda não tinha ido? Por muito tempo, o motivo, não soubera
se explicar. Mas agora, sabia. Que ali tinha uma pessôa, que ele só a custo de desgosto
podia largar, triste rumo de entrar pelo resto da vida. Assaz essa pessoa era dona
Rosalina. Desde aquele ano todo, quase dia com dia, se acostumara a buscar da
bondade dela, os cuidados e carinho, os conselhos em belas palavras que formavam o
pensar por caminhos novos, e que voltavam à lembrança nas horas em que a gente
precisava. Sua voz sabia esperanças e sossego. Às vezes, olhado por aqueles olhos,
homem destremia da banzeira da vida, se livrava de qualquer arrocho e ria de si mesmo
um pouco, respirando mais. Assim dona Rosalina tinha gostado dele, como mãe gosta
de um filho: orvalho de resflôr, valia que não se mede nem se pede – se recebe.
João Guimarães Rosa
nosso olhar sobre a vida e, por meio dela, temos a oportunidade de ler e interpretar
o mundo de uma maneira mais sensível.
Sabemos que nos constituímos leitores a cada dia, que a formação de leitores
não é algo que se obtém como um título: para toda a vida. Ela se dá no próprio
processo de leitura, de vivência do texto e, por isso, um ambiente letrado, cujo
livro possui uma representação cultural forte e é mais propício para a movência
de leitores. Para que o gosto pela literatura venha ser despertado na criança
pequena, é necessário que o adulto apresente o livro para esse público. De acordo
com Petit (2009), quando pequenos, tornamo-nos leitores ao vermos nossos pais
lendo livros. No entanto, quando a família não é leitora, é preciso que se tenha
outra referência de leitor efetivo. Petit (2008) sinaliza que, para adentrar o universo
literário, é preciso que haja um mediador, que, segundo a autora, geralmente é um
bibliotecário ou um professor.
bebê precisa sentir-se seguro para interagir com o adulto, com a história e com
o livro que lhe está sendo apresentado. O bebê que não se sente acolhido em
uma leitura ou em uma contação de histórias pode sentir-se incomodado com
esse momento e começar a chorar; então, o que era para ser um momento de
interação, torna-se um incômodo para o bebê. Por isso, é necessário que o
narrador tenha alguns cuidados antes de ler uma história. Um desses cuidados
é o de conhecer bem a história que irá ler ou contar para os bebês, sem esperar
que todos permaneçam em roda (como, geralmente, é feito com as crianças
maiores), pois “o narrador oferece a história como quem oferece um presente”
(FOX; GIRARDELLO, 2004, p. 122).
O manuseio do livro pelas crianças, que deve ser uma atividade cotidiana, é
uma motivação à leitura, principalmente quando a criança vê e ouve um adulto
ler uma história de um livro para ela, ou simplesmente quando a criança vê um
adulto lendo silenciosamente um livro. É preciso dar oportunidade à criança de
conhecer e interagir com o livro dentro do espaço em que está integrada: a creche.
Por isso, o presente capítulo traz uma discussão acerca da rotina dos bebês de
0 a 1 ano de idade nos centros de educação infantil, pensando em uma rotina
que oportunize a educação para o sensível por meio das atividades realizadas no
cotidiano da creche.
As mudanças econômicas e sociais, no desenrolar dos séculos, influenciaram
para a construção de uma sociedade estritamente capitalista e embrutecida
como a que vivemos no atual século XXI. Além disso, conforme as mulheres foram
conquistando seu espaço no mercado de trabalho na década de 70, começou a
haver a necessidade de abrirem-se casas assistenciais para, assim, deixarem o seu
filho para poderem trabalhar sem a “preocupação” com a criança. Diante desse
quadro, as mulheres foram ganhando cada vez mais espaço na sociedade e, hoje, é
cada vez mais raro mulheres que ficam em casa cuidando dos filhos. As mulheres
trabalham fora, estudam, abrem o seu próprio negócio; enfim, têm uma carreira
que exige mais do seu tempo. Com isso, as famílias vêm trabalhando mais, e os
filhos já frequentam a creche desde muito cedo. O bebê passa pouco tempo com
os pais e esse tempo, em sua maioria, não tem qualidade. Pode-se dizer, assim,
que a creche brasileira já não é mais a segunda casa da criança, e sim a primeira.
A criança chega às 7 horas da manhã e vai embora às 7 da noite - ao total, são 12
horas diárias dentro da creche. No caso dos bebês, estes já saem com o banho
tomado e adormecidos pelo cansaço do dia.
Durante a minha carreira do magistério, presenciei algumas cenas
embaraçosas e tristes como a de uma menina com 3 anos de idade que ficava o
dia todo na creche desde quando era bebê. Apesar das passagens de turma de
um ano para o outro, a sua rotina era a mesma sempre. Era uma criança assídua
à creche. Em um determinado dia, seus pais vieram buscá-la, ao final da tarde. Ela
não quis ir para os braços da mãe; a criança se escondeu atrás da porta e depois
O SENSÍVEL NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA PROPOSTA DE ROTINA PARA OS BEBÊS 255
Isso significa que as atividades desenvolvidas com os bebês não devem ser
segmentadas: primeiramente atividades de rotina, depois atividades psicomotoras
ou ainda atividades cognitivas - como se uma atividade como o banho ou a
alimentação não pudesse ser uma atividade cognitiva, lúdica, de aprendizagem.
Atualmente, as atividades na creche são pensadas de forma fragmentada, com
256 OUTRAS APROXIMAÇÕES COM A FORMAÇÃO ESTÉTICA
horários bem demarcados, em que uma atividade não interfere na outra, conforme
a Figura 1.
Por que a troca de fraldas não pode se dar em um ambiente onde o bebê
escuta música? Ou o professor declama uma poesia? Por que a rotina não pode
ser um momento produtivo? Por que o livro precisa circular sempre em um
momento especial para a leitura e não no dia a dia, nas horas mais comuns? Por
que o brincar não tem a representatividade que deveria ter na rotina dos bebês?
Quais as atividades de linguagem que estão inseridas nessa rotina? A preocupação
maior da rotina é com o desenvolvimento do bebê, mas um desenvolvimento
físico, como se este fosse apartado do inteligível e do sensível, como se a saúde
mental e emocional do bebê não afetasse sua saúde física e vice-versa.
Como então organizar as atividades da creche? A proposta seria outra rotina,
transdisciplinar, sem deixar de pontuar as necessidades assistenciais ao bebê, e
propor uma rotina aberta para que os interlocutores possam interagir entre si,
construindo novos conhecimentos que estejam próximos à realidade para que
seja de fato instaurada uma Educação para o Sensível.
Segundo Duarte Jr. (2010), conhecemos o mundo por meio de nossos
sentidos: pelo olfato, pelo paladar, pelo tato, pela visão e pela audição. Todos
os sentidos do corpo são perceptíveis a tudo que está ao nosso redor. Quando
o bebê está no ventre da mãe, os primeiros sons que ele ouve são vindos do
ventre materno. Ao nascer, o som que lhe é familiar é a voz materna. Após o
O SENSÍVEL NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA PROPOSTA DE ROTINA PARA OS BEBÊS 257
bebê começa a reconhecer outras vozes, começa a ouvir outros sons que lhe são
novidade. Quando está aprendendo a engatinhar, ele para e observa qualquer
movimentação diferente, como a borboleta pousada no canto da sala, um objeto
sendo deslocado de um lugar para o outro pelo adulto. Sente o cheiro de novos
odores, como o perfume da mãe, o cheiro de uma flor - novidades para ele. Depois
de aprender a mamar o leite materno, aos seis meses, começa a experimentar,
aos poucos, outros alimentos e, assim, conhece, pelo paladar, o gosto do doce, do
salgado, do azedo, do amargo, podendo ou não gostar de todos os sabores. O bebê
sente-se seguro pelo toque da mãe, sente frio e calor de um carinho, como a dor
de um joelho ralado nas primeiras tentativas para andar. Todas essas sensações
são naturais e estão em constante descoberta para o bebê. Conforme a criança vai
crescendo, essas sensibilidades podem desgastar-se devido à sociedade industrial
na qual estamos inseridos. A tendência é que os sentidos vão se desgastando, até
na alimentação - os sabores já se confundem, já não se sabe se o amargo é doce,
se o doce é azedo, apenas a comida é logo ingerida compulsivamente. Então é
preciso regressar a sensibilidade por meio de nossos sentidos, que, outrora, não
eram tão poluídos pela modernidade.
Duarte Jr. (2010) comenta que a palavra chave da modernidade é “eficiência”.
As pessoas giram em torno da tecnologia em que a criança de 5 anos tem mais
de um celular de última geração. Comunicamo-nos apenas por mensagens de
celulares, e já não há mais um diálogo com os amigos na praça do bairro e nem
no final de tarde embaixo de uma sombra de árvore; afinal, até as sombras das
árvores estão sendo substituídas pelas sombras dos longos edifícios de concreto.
As pessoas estão sendo substituídas em grandes fábricas por eficientes máquinas.
As empresas que ainda têm um grande quadro de funcionários prezam a eficácia
da mão de obra - um bom empregado é aquele que apenas produz e reproduz.
Sem que percebamos, a “eficiência” também tem adentrado nas instituições
escolares, e, por incrível que pareça, até a creche tem sofrido a turbulência do
mundo moderno por meio dos horários demarcados pelo sistema escolar.
Foucault (2012) esclarece que estamos vivendo em uma sociedade vigiada
pelo sistema, em que todos acabam seguindo o mesmo caminho, ou seja, as
pessoas já não sabem mais “quem são”, apenas seguem o mesmo padrão de vida,
ocultando sua própria identidade e, nesse sentido, acabam se acomodando com
uma vida acinzentada. Portanto, é preciso regressar àquelas primeiras sensações
despertadas pelos sentidos quando bebês. A educação para o sensível dá a
oportunidade à criança de descobrir-se, ainda que as primeiras descobertas sejam
naturais, como os primeiros sorrisos de quando se é bebê; de alimentar-se com
calma para sentir os gostos dos alimentos ouvindo uma música; de, quando no
banho, apreciar uma poesia recitada pelo adulto; de poder brincar de casinha
258 OUTRAS APROXIMAÇÕES COM A FORMAÇÃO ESTÉTICA
“Nós quando procuramos definir a identidade das crianças, pensamos em uma criança como sujeito ativo que
participa com curiosidade para a construção de suas próprias experiências e do próprio conhecimento. Não
pensamos em um vaso vazio a ser preenchido. Mas pensamos em uma pessoa com a sua própria identidade,
que participa ativamente ou tranquilamente nos processos de seu conhecimento.” (FORTUNATI, 2013).
O SENSÍVEL NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA PROPOSTA DE ROTINA PARA OS BEBÊS 261
da alimentação. As mesas da sala que servem para brincar vira um lugar para
alimentar o corpo. Uma pessoa traz a comida, os pratos e os talheres para a sala,
as toalhas já estão postas à mesa. As crianças sentam e uma criança é o ajudante.
Ela ajuda a colocar os pratos e a servir as demais. Durante o vídeo essa cena
chama a atenção porque uma criança, ao tentar colocar a comida em seu prato,
encontra dificuldades. A professora, que também está sentada à mesa, fica apenas
observando a situação, enquanto o menino tenta servir-se. Ela afasta um pouco a
cadeira da criança e diz “alzati” . A criança levantou-se e a professora permaneceu
mediando. A criança não conseguiu pegar com a colher a comida, e vendo que
todos os seus colegas já estavam servidos e almoçando, sua alternativa mais
acessível, naquele momento, foi pegar a comida com a mão, sem que se sentisse
envergonhada com isso. Ela demonstrou satisfação em resolver a situação.
A atitude da professora causou certo impacto para alguns que assistiam
ao vídeo, na justificativa de que a criança estava com fome e, assim, ela deveria
ajudar. No entanto, o procedimento dado à situação proporcionou à criança
um momento para ela resolver uma situação na qual estava envolvida. Naquele
momento, a preocupação não era com o tempo que estava passando e o menino
ficando para trás com o prato ainda vazio, ou com a mão na comida; o único
interesse demonstrado foi que a criança, na qualidade de sujeito ativo, pudesse
construir seu próprio conhecimento por meio da experiência vivenciada – afinal,
“comer é uma festa” (DUARTE JR., 2010, p. 92).
Ao observar a rotina de aprendizagem de San Miniato, em que a criança
participa ativamente do seu processo de desenvolvimento, percebemos uma
educação mais integrada, que não se constrói por meio de atividades segmentadas,
mas vivências de aprendizagem que são tecidas no desenrolar da própria rotina,
sem que haja momentos especiais para a leitura, para a brincadeira, para as
artes. Uma proposta que entende a rotina dos bebês que frequentam a creche
de maneira aberta, pensando na criança como um sujeito ativo. Essas atividades
constituem um saber estético que promove a educação do saber sensível.
A Figura 2 foi idealizada pensando-se em uma rotina que não segmentasse
as atividades, que entendesse o seu desenvolvimento de forma transdisciplinar. A
acolhida, a despedida, o banho, a alimentação, a troca de fraldas, o descanso, as
atividades psicomotoras, lúdicas e artísticas estão em todos os lados e, ao mesmo
tempo, estão entrelaçadas umas com as outras. De maneira aberta, a contação
de história pode estar no momento do banho, a leitura de um livro pode estar na
hora do almoço, uma poesia pode estar escrita na parede ao alcance das crianças
e ser recitada pela professora no momento de uma brincadeira.
Levanta.
262 OUTRAS APROXIMAÇÕES COM A FORMAÇÃO ESTÉTICA
professor Aldo Fortunati não entendeu ao certo o que seria essa pergunta, pois
conforme os vídeos que ele nos transmitiu, a cultura parece estar atrelada ao
contexto da sala de aula e principalmente ao cotidiano das crianças. O ambiente
no qual as crianças estão inseridas oportuniza o acesso à cultura por meio de
obras de arte fixadas nas paredes da sala feitas pelas próprias crianças e obras de
artistas plásticos que estão na altura e ao alcance das crianças, onde elas podem
admirá-las e tocá-las.
Além disso, há estantes literárias com livros à disposição das crianças. O
banheiro torna-se um ambiente propício ao sensível, pois, ali, a criança pode ler e
admirar um livro tranquilamente. As mesas da sala nas quais o grupo se alimenta
são usadas para construir outros conhecimentos, por meio das brincadeiras. Por
isso, interpretando a reação e as palavras do professor Aldo Fortunati quanto à
pergunta lançada pela ouvinte, pode-se dizer que, em San Miniato, a cultura não é
um projeto pedagógico à parte dos outros conteúdos disciplinares, e muito menos
um passatempo para a Educação Infantil, mas a cultura é parte integrada de todo
o processo de aprendizagem de todas as crianças. É interessante citar que, de 0 a
3 anos, o contato entre as crianças nas creches de San Miniato é permanente e,
com isso, as aprendizagens se constituem como uma troca de experiências, dentre
elas, as vivências culturais.
Essas elucubrações acerca de San Miniato levam-nos a refletir e a indagar
sobre qual o caminho para se chegar a transdisciplinariedade por intermédio
da educação estética na Educação Infantil. Será que estamos ainda amarrados
a uma pedagogia tradicional e dicotômica, em que a rotina de um berçário tem
atividades apartadas umas das outras? Uma rotina cujo adulto estabelece o que
fazer e a hora que devem ser realizadas as atividades? Segundo Akiko Santos (2008),
transdisciplinariedade visa ao ser integrado, e o próprio ser é um protagonista na
construção de seus conhecimentos. Por isso,
Algumas considerações
Diante do objetivo proposto por este capítulo - discutir a rotina dos bebês
de 0 a 1 ano de idade nos centros de educação infantil -, pensando em uma rotina
que oportunize a educação para o sensível por meio das atividades realizadas no
cotidiano da creche, podemos elencar algumas considerações abertas que visam
à possibilidade de reflexão e ampliação de ideias acerca de uma educação sensível
para os bebês, dentre elas, a ideia de uma rotina voltada à transdisciplinaridade.
O transdisciplinar trabalha com a articulação de conceitos, de fatores,
de disciplinas e de conteúdos, ou seja, não há um divisor de águas, e sim uma
conjunção entre os envolvidos, tornando, assim, o conceito A complemento para
o conceito B e o conceito B para o A, porém com funcionalidade diversificada
resultando em outros conceitos. Por essa visão, a rotina dos bebês pode ser
aberta, em que todas as atividades mantêm-se em conexão - o banho pode ser um
momento de leitura e com isso a literatura não precisa ser apenas um conteúdo
de um dos eixos temáticos do Referencial Curricular - Linguagem oral e Escrita- e
nem é mais uma atividade para ser realizada mediante a disponibilização de um
tempo vago entre as ditas atividades assistenciais, mas se complementa a outras
atividades. Com isso, a criança constrói outros conhecimentos, como a apreciação
da leitura de um livro e a própria manipulação do objeto livro.
Quando as atividades do cotidiano da creche têm a cultura integrada, não
é necessário realizar projetos com objetivos unicamente voltados à promoção da
cultura. Fazer da música, da dança, do teatro, do cinema, das artes visuais e da
literatura meras atividades com horários demarcados com cantinhos intocáveis
ou fora do alcance das crianças, especialmente dos bebês, veda o acesso ao
conhecimento cultural, conhecimento esse que deve estar “entrelaçado” à nossa
vida e não apenas ao fazer uma “parte divisível” dela.
Um professor transdisciplinar é incomodado com incertezas. Seu papel é
mais elaborado do que um mero transmissor de conhecimentos. Ele é o mediador
na construção de novos conhecimentos e na reconstrução de conhecimentos
ancorados pela criança no decorrer de suas descobertas. Por isso, damos o exemplo
das creches de San Miniato, cuja estrutura da sala de aula é pensada para a criança,
cujos móveis são de um tamanho proporcional a elas, as obras de arte estão em
um campo de visão perceptível à criança, os brinquedos estão à disposição dos
pequenos. Em toda essa organização, os professores não interferem diretamente
na rotina da sala de aula, mas mediam todas as ações das crianças, intervindo de
forma direta apenas quando necessário.
266 OUTRAS APROXIMAÇÕES COM A FORMAÇÃO ESTÉTICA
Referências
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil.
Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental, 1º
vol. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CANTON, K. Espaço e Lugar. São Paulo: Martins Fontes, 2009. (Coleção Temas da
Arte Contemporânea).
DUARTE JR., J. F. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. 5. ed. Curitiba,
PR: Criar Edições, 2010.
Matta (2010) provoca-nos a pensar e a indagar sobre o que vemos no
trânsito, sobre o quanto as pessoas preocupam-se apenas com aparências e
status, sem prestar atenção no outro, tratando-os com indiferença. Essas atitudes
demonstram a falta de sensibilidade dos cidadãos quando estão transitando.
Vanderbilt (2009) reforça a afirmação de Matta ao enfatizar que a simples ação
da troca de olhares entre os usuários das vias é considerada uma dificuldade para
muitos.
Pelo fato de o contato visual ser tão raro no trânsito, quando ele
acontece a sensação pode ser de desconforto. Você já parou em
um sinal e “sentiu” que alguém em um dos carros ao lado estava
olhando para você? Provavelmente ficou incomodado. A primeira
razão é que isso pode violar o senso de privacidade que sentimos
no trânsito. A segunda é que não há propósito algum para isso,
tampouco uma reação neutra apropriada, uma condição que
pode provocar uma reação de lutar ou fugir. Então, o que você
fez no cruzamento quando viu alguém olhando para você? Se
acelerou, você não foi o único. (VANDERBILT, 2009, p. 28).
As situações citadas por Vanderbilt (2009) fazem parte de uma cultura em
que prevalece o individualismo, o hábito de nos ocuparmos apenas conosco, com
o que nos convém - situações cada vez mais presentes na vida contemporânea.
Estamos tão acostumados à insensibilidade no trânsito que, quando percebemos
que alguém está nos olhando, nesse ambiente, ficamos incomodados e procuramos
afastar-nos dessa situação. Contudo, o que nos faz agir dessa maneira, sem olhar,
sem sentir e sem refletir sobre o que está em nossa volta?
Talvez a pressa do dia a dia causada, geralmente, pelo excesso de tarefas,
faz-nos correr contra o tempo. Parece que se pararmos para a travessia de um
COMOÇÃO EM CAMPANHAS EDUCATIVAS PARA O TRÂNSITO: UM ESTUDO COM 269
JOVENS E ADULTOS
pedestre, vamos perder tempo. Outro motivo que pode influenciar a nossa falta
de sensibilidade é a insegurança emanada pelas características da modernidade.
Nosso cotidiano está repleto de casos que nos assustam e nos deixam inseguros.
Duarte Jr. (2001) cita algumas dessas ocorrências:
“O modo prático de ver o mundo” (DUARTE JR., 2001) pode ser identificado
também no trânsito - espaço disputado por pessoas, muitas delas apressadas,
preocupadas com o tempo e com os seus objetivos individuais. Seres humanos
que, talvez, por olharem o mundo de modo prático, ao perceberem que não há
fiscalização na rodovia, tiram proveito disso em prol de seu benefício, cometendo
infrações como dirigir em alta velocidade, falar ao celular ao volante, estacionar
sobre as calçadas.
270 OUTRAS APROXIMAÇÕES COM A FORMAÇÃO ESTÉTICA
Em uma analogia ao exemplo citado por Duarte Jr., podemos fazer a seguinte
suposição: se formos fazer uma pesquisa a fim de obtermos sugestões para a
melhoria na mobilidade urbana, provavelmente o indivíduo que vê o mundo de
modo prático, sendo motorista, irá afirmar que é preciso construir mais faixas
de tráfego, aumentar a quantidade de vagas de estacionamento e alargar os
leitos, nem que, para isso, seja necessário estreitarem as calçadas, destinadas
aos pedestres. Sendo pedestre, este, possivelmente, irá sugerir que as calçadas e
os canteiros centrais das rodovias sejam mais largos, mesmo que, para isso, seja
necessário estreitarem os leitos. Caso essas pessoas pesquisadas tenham um olhar
estético, provavelmente, independentemente se na condição de motorista ou de
pedestre, irão fazer sugestões em prol do bem comum, pois se deixarão levar pela
sensibilidade, permitindo que a emoção flua.
Ver o mundo apenas de modo prático, além da insensibilidade, estimula a falta
de honestidade e a falta de solidariedade - valores indispensáveis no ambiente do
trânsito. Olhar para o outro procurando apenas obter vantagens, preocupar-se só com
as questões sociais e práticas, torna os cidadãos mais individualistas e incapazes de
conviver em um espaço compartilhado, como o das vias. Além disso, essa praticidade
incentiva a falta de harmonia, de tranquilidade e de segurança no trânsito.
Por outro lado, olhar o mundo e dar oportunidade para o sentimento
fluir, permitindo que os sentidos atuem, poderá proporcionar profundas emoções,
importantes reflexões e grandes transformações. Por isso, a importância de uma
educação para o trânsito que comova o público-alvo e que provoque a reflexão
sobre as consequências das atitudes nas vias.
Nesse contexto, a fim de encontrar o estilo de campanhas educativas
para o trânsito que proporcionem um melhor efeito sobre o público-alvo para,
assim, possibilitar a discussão sobre alternativas eficazes para a diminuição da
violência viária, este capítulo apresenta parte da análise dos dados da dissertação
intitulada: Campanhas educativas para o trânsito: o olhar sensível de jovens e
adultos. O objetivo geral do estudo é analisar a percepção sensível de estudantes
da educação de jovens adultos acerca das campanhas educativas para o trânsito,
veiculadas nos meios de comunicação, promovidas pelo Ministério das Cidades
em parceria com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
O objeto de análise da pesquisa foram as respostas a um questionário
aplicado a jovens e adultos acerca de quatro campanhas educativas para o trânsito,
promovidas pelo Ministério das Cidades, em parceria com o Denatran, a saber: a)
Campanha Depoimento: Bebida e direção. “O efeito do álcool passa, a culpa fica para
sempre; b) Campanha: Pedestre. "Pare, pense, mude"; c) Campanha: Moto Interior. “É
Preciso Saber Usar. É Preciso Respeitar”; d) Campanha de Fim de ano.
A investigação foi realizada com 23 estudantes da Educação de Jovens e
Adultos (EJA) – Ensino Médio, frequentadores do Núcleo Avançado de Ensino
Supletivo (NAES), localizado à Rua José Manoel Reis, número 100, na cidade de
Tijucas, SC.
COMOÇÃO EM CAMPANHAS EDUCATIVAS PARA O TRÂNSITO: UM ESTUDO COM 271
JOVENS E ADULTOS
Quanto à faixa etária, a maioria dos sujeitos pesquisados é jovem, com idade
entre 18 e 25 anos (Gráfico 1), representando 57% do total. 26% têm idade entre
26 e 35 anos; 4%, entre 36 e 45 anos; e 13%, acima de 45 anos.
Percebe-se que a maioria (83%) está com idade entre 18 e 35 anos, faixa
etária que mais recebeu indenização por morte no trânsito, no Brasil, em 2012,
conforme Boletim Estatístico da Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro
DPVAT (2013). Por isso é importante investigar a percepção do público dessa
faixa etária em relação às campanhas educativas, para que estas sejam realizadas
com base nessas percepções.
Para a análise das respostas aos questionários, quatro categorias foram
estabelecidas com base nas perguntas estabelecidas1: interesse, comoção, clareza
e reflexão. Após a análise dos dados, observou-se que a comoção é uma categoria
1
As perguntas que fizeram parte do questionário foram as seguintes: Assinale o vídeo mais interessante. Por
que é mais interessante? Assinale o vídeo menos interessante. Por que é menos interessante? Assinale o vídeo
que tem a mensagem mais clara. Assinale o vídeo que tem a mensagem menos clara. Assinale o vídeo que
mais tocou você e responda por quê. Assinale o vídeo que menos tocou você. Assinale o vídeo que mais fez
você pensar. Pensou sobre o quê? Assinale o vídeo que menos fez você pensar.
272 OUTRAS APROXIMAÇÕES COM A FORMAÇÃO ESTÉTICA
Esse filme me fez pensar cada vez que vou para as baladas e
dirijo sob efeito de álcool e que, muitas vezes, ainda faço isso em
alta velocidade. (Sujeito 13).
O vídeo dessa campanha pode ser encontrado no seguinte endereço: <http://www.youtube.com/
watch?v=scROmogkw4o>.
276 OUTRAS APROXIMAÇÕES COM A FORMAÇÃO ESTÉTICA
O vídeo dessa campanha pode ser encontrado no seguinte endereço: http://www.youtube.com/
watch?v=45DENkAYNY0>.
COMOÇÃO EM CAMPANHAS EDUCATIVAS PARA O TRÂNSITO: UM ESTUDO COM 277
JOVENS E ADULTOS
O vídeo dessa campanha pode ser encontrado no seguinte endereço: <http://www.youtube.com/
watch?v=wNK7wAs2EIQ>.
278 OUTRAS APROXIMAÇÕES COM A FORMAÇÃO ESTÉTICA
O vídeo dessa campanha pode ser encontrado no seguinte endereço: <http://www.youtube.com/
watch?v=ZU9vsVPB2JE>.
COMOÇÃO EM CAMPANHAS EDUCATIVAS PARA O TRÂNSITO: UM ESTUDO COM 279
JOVENS E ADULTOS
Quadro 1 – Justificativas para a escolha do vídeo Campanha de fim de ano como o mais
tocante
Sujeitos Justificativas
1 Pelo simples fato da mulher ter morrido.
Porque todo mundo estava com a família e agora não vai poder ser mais a
4
família, por uma besteira.
6 Porque estavam todos felizes e acabou morrendo bruscamente.
A gente acha sempre que acontece só com os vizinhos, mas também pode
8
acontecer com a gente.
9 Porque o acidente foi muito triste e ela morreu.
Porque eu botei a vida da moça dentro de mim. Se fosse eu? Não estava
10
bebendo e dirigindo e bati o carro e matei a moça.
11 Por motivo que depois de uma festa veio a tristeza.
Porque geralmente neste tipo de acidente há muitas vítimas fatais. No meu
16 ponto de vista, os acidentes envolvendo bebidas alcoólicas são sempre de
grandes proporções.
Por ser uma data comemorativa, no dia seguinte iriam falar que no próximo
19
ano iriam se lembrar com alegria, mas não foi bem assim.
Fonte: Elaborada pela pesquisadora com base nas repostas dos questionários
COMOÇÃO EM CAMPANHAS EDUCATIVAS PARA O TRÂNSITO: UM ESTUDO COM 281
JOVENS E ADULTOS
Apesar de parecer que o sujeito 17 refere-se ao sujeito que atropelou a criança, na continuidade da conversa,
ficou mais claro que ela se referia à criança morta.
COMOÇÃO EM CAMPANHAS EDUCATIVAS PARA O TRÂNSITO: UM ESTUDO COM 283
JOVENS E ADULTOS
É possível observar que os sujeitos 12, 13, 14 e 23 justificaram que esse vídeo
é o mais comovente porque está relacionado à motocicleta. O sujeito 23 salienta
que se lembrou da morte do primo, que aconteceu nas mesmas circunstâncias
exibidas na campanha. Vale salientar que as mortes envolvendo motoristas de
motos vêm aumentando muito no Brasil. Em matéria publicada no Globo.com,
consta que:
O número de mortes em acidentes de trânsito com motos no
Brasil aumentou 263,5% em 10 anos, segundo dados do Sistema
de Informações de Mortalidade (SIM), criado pelo Ministério
da Saúde. Em 2011, foram 11.268 mortes no país, contra 3.100
usuários de motos mortos em 2001. (MIOTTO, 2013).
Considerações finais
tocante por 39% dos sujeitos pesquisados, sendo o elemento morte o principal
motivo da escolha. Assim, percebemos, por meio desses sujeitos, que a comoção
não significa consciência, mas pode ser um caminho importante para chegarmos
à reflexão, à conscientização e à segurança no trânsito.
Cabe lembrar que o estilo emotivo também consta nos vídeos Campanha:
Depoimento - Bebida e direção. “O efeito do álcool passa, a culpa fica para sempre”,
indicado por 35% como o mais tocante, e Campanha: Moto Interior. “É Preciso
Saber Usar. É Preciso Respeitar”, citado por 26% como o vídeo mais comovente. Já
a Campanha: Pedestre. "Pare, pense, mude", com estilo cômico, não tocou nenhum
dos sujeitos da pesquisa, demonstrando que esse estilo não causa comoção,
portanto, campanhas voltadas a esse estilo talvez não provoquem o efeito que se
pretende com campanhas educativas.
No contexto em que se vive, os indivíduos são levados a ver o mundo de
modo prático. Para ter-se educação no trânsito, há necessidade de trabalhar com
a sensibilidade, aspecto relevante na formação do ser humano, na sua relação com
o seu cotidiano e, em especial, com sua ação diante do trânsito. Assim, deseja-se
acenar para uma educação que prime o sensível e articule o inteligível a ações
mais harmônicas, seguras e respeitosas no trânsito.
Referências
BARBOSA, M. A morte imaginada. In: XIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL
DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO – Compós. GT
Comunicação e Sociabilidade. Anais... São Paulo: Compós/Umesp, 2004.
DPVAT. Boletim Estatístico. In: Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT.
Janeiro a dezembro de 2012. 2013. Disponível em: <http://www.seguradoralider.
com.br/SitePages/boletim-estatistico.aspx>. Acesso em: 27 maio 2013.
DUARTE JR., J. F. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba: Criar,
2001.
VANDERBILT, T. Por que dirigimos assim?: e o que isso diz sobre nós. Rio de
Janeiro: Campus, 2009.
288 CULTURA, ESCOLA E EDUCAÇÃO CRIADORA: FORMAÇÃO E SABERES SENSÍVEIS