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DO POPULISMO “CLÁSSICO” AO NEOPOPULISMO: trajetória e crítica de um conceito – por Otávio Erbereli Júnior

DO POPULISMO “CLÁSSICO” AO NEOPOPULISMO: trajetória e crítica de um


conceito1

Otávio Erbereli Júnior


Mestrando em História – Unesp/Assis
Bolsista do CNPq

RESUMO: O foco central do artigo é a crítica de Angela de Castro Gomes à utilização dos
conceitos de populismo e neopopulismo na caracterização de determinados períodos da
vida política brasileira, notadamente 1930-1964. Pelo fato de esta historiadora ter por
inspiração teórica a História dos Conceitos, achamos por bem reconstituir o trajeto de crítica
à tradicional História das Ideias, bem como expor as principais formulações acerca do
populismo com os quais Castro Gomes irá dialogar e rejeitar. Por fim, expomos sua
proposta de adoção do termo trabalhismo em substituição ao populismo.

PALAVRAS-CHAVE: populismo; história dos conceitos; Angela de Castro Gomes.

ABSTRACT: The central focus of the article is the Angela de Castro Gomes’ review to the
use of populism and neopopulism concepts for characterization certain periods of Brazilian
political life, notably 1930-1964. Because this historian have been theoretical inspirited by the
History of Concepts, we well found reconstructed the review’s path of the traditional History
of Ideas, as well to expose the mains populism’s formulation that Castro Gomes will both
dialogue and reject. Finally, we show her proposal adoption of labourism’s term instead of
populism.

KEYWORDS: populism; history of concepts; Angela de Castro Gomes.

Introdução

Pretendemos aqui apontar algumas questões em torno do debate acerca da


qualificação da política brasileira para o período 1930-1964, que ficaram conhecidos como
anos populistas. Para tanto, abordaremos o populismo a partir das inspirações teóricas
surgidas no movimento de questionamento à tradicional História das Ideias.
Além desta introdução, na próxima seção exporemos as várias vertentes
historiográficas que se opuseram à assim chamada tradicional História das Ideias, até a
História dos Conceitos surgida na Alemanha, em um movimento, obviamente, não

1
Este artigo resulta da apresentação de um seminário sobre populismo na disciplina “Vertentes da historiografia
política e cultural da América Latina” do Programa de Pós-Graduação em História e Sociedade da FCL-
Assis/Unesp, ministrada pelos professores doutores Carlos Alberto Sampaio Barbosa e José Luis Bendicho
Beired, no primeiro semestre de 2012.
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Revista Eletrônica História em Reflexão: Vol. 7 n. 13 – UFGD – Dourados, jan/jun - 2013
DO POPULISMO “CLÁSSICO” AO NEOPOPULISMO: trajetória e crítica de um conceito – por Otávio Erbereli Júnior

progressivo2. Este percurso faz-se necessário devido ao fato de que, como veremos na
última seção deste artigo, Angela de Castro Gomes, subsidiada pela História dos Conceitos,
irá criticar a tradição historiográfica que se utiliza do conceito de populismo para caracterizar
determinado período da vida política brasileira.
Na seção seguinte, abordaremos alguns dos estudos sobre o populismo na política
brasileira. Iniciaremos com o que aqui chamamos de populismo “clássico”, ou seja, aquelas
primeiras formulações acerca do fenômeno populista, notadamente as formulações dos
sociólogos argentinos Gino Germani e Torcuato di Tella, juntamente com o sociólogo
brasileiro Octavio Ianni. A famosa formulação de Francisco Weffort, hegemônica nos anos
70 do século passado, será tratada no tópico seguinte, uma vez que Angela de Castro
Gomes estabelece com ela profícuo diálogo. Também abordaremos as formulações caras
aos anos 80 e 90, bem como contemporaneamente, ou seja, o que se convencionou chamar
de neopopulismo ou populismo neoliberal, também rejeitadas por Angela de Castro Gomes.
Após este percurso, exporemos as principais críticas de Angela de Castro Gomes às
formulações anteriores e sua proposta de substituir o conceito populismo por trabalhismo.
Por fim, teceremos algumas considerações em nível final.

Da tradicional História das Ideias à História dos Conceitos

O estudo das ideias é algo extremamente amplo, caro à, principalmente, filósofos,


historiadores e cientistas políticos. Em função disso Robert Darnton em seu famoso livro O
beijo de Lamourette intentou classificar os estudos gerais que possuem as ideias enquanto
objeto em 4 grupos. O primeiro seria a História das Ideias, compreendida como um estudo
sistemático do pensamento presente nos grandes tratados filosóficos; o segundo grupo seria
aquele ocupado pela História Intelectual, compreendida como o estudo do pensamento
informal, dos climas de opinião e dos movimentos literários; o terceiro seria a História Social
das Ideias, ou seja, o estudo das várias ideologias bem como o estudo da difusão das
ideias; e por fim, a História Cultural, com seus estudos acerca da cultura em um sentido
mais antropológico, abordando representações, concepções e visões de mundo, e também
as mentalidades (DARNTON, 1990: 188). Podemos notar que as ideias não possuem um
campo exclusivo de tratamento, nem mesmo dentro da historiografia.

2
Dividimos esta seção em vários itens, cada um tratando de determinado autor à fim de que suas ideias não se
confundam. Tal procedimento foi sugerido pelo parecerista deste artigo. Mesmo sem conhecê-lo, deixamos aqui
nosso agradecimento.
2
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DO POPULISMO “CLÁSSICO” AO NEOPOPULISMO: trajetória e crítica de um conceito – por Otávio Erbereli Júnior

O intento de Francisco Falcon (1997) é exatamente mostrar o tratamento concedido


às ideias pelas várias correntes ou tendências historiográficas. Falcon inicia seu percurso
acerca de uma História da História das Ideias pelo século XVIII com os historiadores
iluministas, passando pelo historicismo, marxismo, Annales, História das Ideias norte-
americana, abordando também as relações da História com o linguistic turn e com a
literatura, até os estudos de historiadores brasileiros contemporâneos. Da grande gama de
autores e abordagens tratados por Falcon, debruçaremo-nos aqui sobre dois membros da
chamada Escola de Cambridge: Quentin Skinner e John Pocock. Veremos também uma
importante contribuição que Falcon não menciona: de Pierre Rosanvallon e, por fim, a
contribuição de Reinhart Koselleck dentro da História dos Conceitos.

a) O contextualismo lingüístico de Quentin Skinner

Iniciaremos aqui com Quentin Skinner, pelo fato de que foi o primeiro historiador da
Escola de Cambridge a sistematizar o método que ficou conhecido por “contextualismo
lingüístico”. Em texto “fundador” intitulado Meaning and Understanding in the History of Idea,
publicado em 1969 na History and Theory, Skinner irá criticar a tradicional História das
Ideias e ao mesmo tempo sistematizar o método do contextualismo lingüístico3.
Em primeiro lugar, iniciaremos com as críticas de Skinner às Histórias das Ideias
praticadas até o momento em que escreve seu texto. Em um segundo instante, exporemos
sua proposta metodológica, bem como seus principais contatos4. Seu principal intento no
texto será demonstrar a natureza anacrônica da História das Ideias praticada até então, uma
vez que esta historiografia buscava estudar uma obra filosófica ou literária com o propósito
de se extrair delas demandas atemporais na forma de ideias universais e uma sabedoria
sem tempo com uma pretensa aplicação universal.

Mi método consistirá en revelar en qué medida el estúdio histórico actual de ideas


éticas, políticas, religiosas y otras semejantes está contaminado por la aplicación
inconsciente de paradigmas cuya familiaridad, para el historiador, encubre un
carácter esencialmente inaplicable al pasado (SKINNER, 2000: 152).

3
Este texto de Skinner apareceu primeiramente com o polêmico título On the Unimportance of the Great Texts to
the History. Aqui, utilizaremo-nos da seguinte versão: SKINNER, Quentin. Significado y comprensión en la
historia de las ideas. Prismas: revista de historia intelectual, n. 4, 2000, p. 149-191.
4
Poderíamos ter utilizado aqui o termo influência, mas sabemos quão controverso é seu uso e o quanto este tem
sido contestado. Por isso escolhemos utilizar o termo contato a fim de expressar as principais tradições
presentes em determinado autor.
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Para ele, a História das Ideias é marcada por duas posturas metodológicas
principais: a contextualista e a textualista. “La primera (...) insiste en que el contexto “datos
factores religiosos, políticos y económicos” [sic] determina el sentido de cualquier texto
dado, y por ello debe proporcionar “el marco decisivo” [sic] para cualquier intento de
comprenderlo” (SKINNER, 2000: 149). O textualismo, a vertente de maior aceitação e que
Skinner mais critica em seu texto, “insiste en la autonomia del texto mismo como la única
clave necesaria ¿eso sentido, y por lo tanto desecha cualquier Miento de reconstruir el
“contexto total” [sic] como “gratuito e inconcluso algo peor”? [sic]”. (SKINNER, 2000: 149).
Estas posturas, para Skinner (2000), não poderiam produzir histórias, mas sim o que ele
denominou de mitologias.
A primeira mitologia apontada por Quentin Skinner é a “mitologia das doutrinas”.
Nesta mitologia o historiador buscaria sistematizar as várias ideias de determinado autor
clássico que, em um primeiro momento, estariam dispersas ao longo de seu texto ou de sua
obra, em doutrinas, imputando ao autor algo que ele não pretendeu fazer. “La mitología más
persistente se genera cuando el historiador es movido por la expectativa de comprobar que
cada autor clásico (...) enuncia alguna doctrina sobre cada uno de los tópicos juzgados
constitutivos de su matéria”. (SKINNER, 2000: 153). A segunda mitologia é denominada por
Skinner de “mitologia da coerência”. Neste caso, esta mitologia é facilmente derivada da
primeira. Se esta última traz consigo a necessidade de se buscar nos autores clássicos
doutrinas que seriam formuladas ex post, aqui – nesta segunda mitologia – busca-se dotar
de coerência e sistemática um pensamento que não o é. Skinner nos dá um exemplo deste
tipo de mitologia bastante comum nos estudos sobre David Hume:

Si no hay un sistema coherente “fácilmente accesible” [sic] al estudioso de las


obras políticas de Hume el deber del exegeta consiste en “explorar una obra tras
otra” [sic] hasta que el “alto grado de coherencia de todo el corpus” [sic] aparezca
debidamente y (en otra frase también bastante reveladora) “a cualquier costo” [sic]
(SKINNER, 2000: 161).

Na terceira mitologia apontada por Quentin Skinner, a “mitologia da prolepse”, o


historiador estaria mais preocupado com o significado para ele mesmo da obra, do que para
o próprio autor dela. Esta mitologia surge “cuando el historiador está más interessado –
como es lícito que lo esté – en la significación retrospectiva de una obra o acción históricas
dadas que en su significado para el propio agente”. (SKINNER, 2000: 166). Podemos
perceber que esta mitologia conduz facilmente ao teleologismo, ou seja, é o futuro que dará
significado ao que se escreveu. Por fim, a “mitologia do localismo”. Esta surge quando o
historiador, muito distante do universo mental do autor, constrói esquemas que acabam
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aproximando o universo do autor de seu próprio universo. Skinner aponta ainda para um tipo
especifico de “localismo”: o “localismo conceitual”. “Siempre existe el peligro de que el
historiador conceptualice un argumento de manera tal que sus elementos extraños se
disuelvan en una familiaridad aparente pero engañosa”. (SKINNER, 2000: 169). Ele também
nos dá um bom exemplo de como isso pode ocorrer.

Consideremos el caso de un historiador que decide (...) que un rasgo fundamental


del pensamiento político radical durante la Revolución Inglesa fue el interés en la
ampliación del derecho al voto. Es posible que se incline entonces a
conceptualizar esta demanda típicamente “igualadora” [sic] en términos de un
argumento en favor de la democracia (SKINNER, 2000: 169).

Em determinado momento do texto, Skinner menciona o nome de Collingwood, um


de seus inspiradores e também da Escola de Cambridge, que por vezes é denominada de
abordagem collingwoodiana da História do Pensamento Político.

É o historicismo de Collingwood que está subjacente à convicção de Skinner de


que a história do pensamento político deve ater-se ao contexto imediato da
produção dos textos cujos significados o historiador pretende compreender. A
inexistência de “idéias perenes” [sic] na história da teoria política decorre do fato
de que todo autor, por mais inovador que seja, está irremediavelmente situado
num universo de convenções lingüísticas que são, ao menos em parte, exclusivas
do contexto de enunciação (SILVA, 2010: 306).

Em outro momento Skinner cita J. L. Austin. Trata-se de John Austin. Skinner


remete-se ao conceito que Austin chamou de “força ilocucionária intencional”.

Austin distingue três dimensões dos atos de fala: a dimensão locucionária, relativa
ao conteúdo proposicional do proferimento e manifesta no ato de dizer (of saying)
algo; a dimensão ilocucionária, relativa ao que o agente está fazendo ao dizer (in
saying) algo, e a dimensão perlocucionária, relativa aos efeitos produzidos pelo
ato de fala na audiência, aquilo que ocorre por dizer-se (by saying) algo (SILVA,
2009: 309).

Outro contato presente no método proposto por Skinner é o filósofo Wittgenstein,


especialmente sua filosofia da linguagem, na qual se tem a compreensão de que palavras
são atos.

Skinner argumenta que para interpretar o significado dos textos, respeitando


minimamente os contextos lingüísticos originais de sua produção, o historiador
intelectual deve procurar compreender mais quais eram as intenções e motivações
dos autores ao pronunciarem uma determinada palavra, frase ou enunciado
(SOUZA, 2008: 7).

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DO POPULISMO “CLÁSSICO” AO NEOPOPULISMO: trajetória e crítica de um conceito – por Otávio Erbereli Júnior

É a teoria dos atos de fala. Todas estas inspirações teóricas de Skinner servem
como subsidio para compreendermos seu método de interpretação de textos.
Resumidamente, o método proposto por Quentin Skinner baseia-se nos atos de fala,
onde sua mera enunciação, seja através da escrita ou da fala, pode desembocar em uma
ação. Daí a necessidade, central para Skinner, de se conhecer quais eram as intenções do
autor, ou, em outras palavras, o que o autor estava fazendo. Estas intenções podem se
concretizar em uma ação sobre o auditório em que o discurso é emitido, ou não.

Todo enunciado hecho u outra acción realizada debe presuponer una intención de
hacerlo – si les gusta, llámenla causa – , pero también una intención al hacerlo,
que no puede ser una causa pero debe aprehenderse si se pretende que la acción
misma se caracterice correctamente y, de esse modo, se entienda (SKINNER,
2000: 185).

Geralmente, ao abordar-se a Escola de Cambridge se faz menção ao pensamento


de Skinner e Pocock de modo indistinto. Aqui, ao expormos o método proposto por John
Pocock faremos questão de demarcar as principais distinções entre os dois.

b) A História dos Discursos Políticos de John Pocock

As preocupações de Pocock centram-se nos séculos XVII e XVIII.

(...) o centro de suas preocupações é o pensamento político de língua inglesa, e


seus estudos giram em torno das linguagens políticas em operação no período
que vai do advento da “Revolução Gloriosa” [sic], nos anos de 1670-1690, até o
advento da Independência Americana e da Revolução Francesa, entre os anos de
1770-1790 (ARAÚJO, 2003: 12).

A História do Pensamento Político em Pocock torna-se a História dos Discursos


Políticos. Pocock reconhece que – com as contribuições de Skinner ao incorporar a filosofia
da linguagem à análise da história do pensamento político – ela

(...) [a história do pensamento político] torna-se uma história da fala e do discurso,


das interações entre langue e parole. Sustenta-se não somente que esta história
do pensamento político é uma história do discurso, mas que ela tem uma história
justamente em virtude de se tornar discurso (POCOCK, 2003: 28).

A parole, ou seja, os atos de fala emitidos por um sujeito podem modificar a langue.
“O historiador deve mover-se de langue para parole, do aprender as linguagens para o

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determinar os atos de enunciação que foram efetuados “dentro” [sic] delas”. (POCOCK,
2003: 66).
Pocock acrescenta à proposta de Skinner de se conhecer as intenções de um autor,
a necessidade de se saber se o mesmo tinha consciência ou não do que pretendia. “Mas
também achamos possível perguntar se um autor “sabia o que estava fazendo” [sic],
sugerindo, com isso, a possibilidade de uma lacuna entre intenção e efeito, ou entre a
consciência do efeito e o efeito propriamente dito.” (POCOCK, 2003: 29). Pocock ainda
descreve a prática do historiador do discurso político à semelhança do arqueólogo. E mais:

Grande parte da prática do historiador do pensamento político, continua Pocock,


consiste em aprender a ler os diversos idiomas do discurso político na forma em
que se encontravam disponíveis na cultura e na época que o historiador está
estudando; identificá-los à medida que aparecem na textura lingüística de uma
determinada obra e saber o que eles comumente teriam tornado possível ao autor
do texto “dizer” [sic] aquilo (AMADEO, 2011: 29).

A principal diferenciação entre Pocock e Skinner é que

Enquanto Skinner enfatiza a necessidade de recuperação das “intenções autorais”


[sic] no processo de compreensão do significado da “ação lingüística” [sic], Pocock
está mais preocupado com a reconstituição de “paradigmas” [sic], “linguagens”
[sic] e “discursos” [sic] políticos que informam o significado de um texto (SILVA,
2010: 327).

Como demarcamos acima, a principal questão se dá em torno das intenções do


autor.

c) A História Conceitual do Político de Pierre Rosanvallon

Enquanto Quentin Skinner e John Pocock pertencem a uma mesma “tradição”


interpretativa conhecida como Escola de Cambridge e centrada na linguagem, Pierre
Rosanvallon

se inscreve em uma tradição teórica de matriz weberiana que remonta a Raymond


Aron (...). Com Rosanvallon, o recurso à História Conceitual do Político busca a
solução para um novo conjunto de questões que, assim como o resgate do
Republicanismo Clássico, permite auscultar a democracia contemporânea
(OLIVEIRA JÚNIOR, 2008: 2-3).

Fica claro que a principal questão para Rosanvallon é em relação ao regime


democrático e seus impasses. O ponto nodal de sua análise é o distanciamento entre
discurso e prática na democracia moderna.
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Interessante notar que assim como Skinner enumera as mitologias presentes na


tradicional História das Ideias, Rosanvallon identifica 5 fraquezas nela presentes. A primeira
delas, Rosanvallon chama de “a tentação do dicionário” e o que a caracteriza é que “(...)
essas obras não têm nada de histórico [sic]. São dicionários especializados de obras ou
manuais de doutrinas políticas.” (ROSANVALLON, 1995: 13). A segunda é a “história das
doutrinas”, onde se buscam os vestígios de determinada ideia em autores precedentes,
como no caso do materialismo histórico, por exemplo. Parte-se em uma busca teleológica
de autores que supostamente conteriam o gérmen do materialismo histórico de Marx.
A terceira fraqueza metodológica da tradicional História das Ideias identificada por
Rosanvallon é denominada por ele de “o comparativismo textual”. A ideia aqui é bem
simples e quase sempre também caminha junto com a história das doutrinas: “Comparar-se-
a Rousseau, Tocqueville e Gambetta sem se preocupar com o fato de que o termo
democracia não tem o mesmo sentido para nenhum deles.” (ROSANVALLON, 1995: 15). “O
reconstrutivismo” é a quarta fraqueza metodológica apontada por Rosanvallon de que
padece a tradicional História das Ideias. Consiste na prática de se buscar explicitar melhor o
que determinado autor supostamente quis dizer. “O Marx de Althusser é o exemplo quase
perfeito desse reconstrucionismo.” (ROSANVALLON, 1995: 15). Por fim, “o tipologismo”.
Consiste em catalogar uma série de obras e autores, segundo alguns clichês.
Rosanvallon dialoga com Skinner e chama seu projeto de história contextual das
ideias (ROSANVALLON, 1995: 20). Para Rosanvallon, Skinner poderia ter chegado a uma
história conceitual do político. Se em Skinner temos uma História do Pensamento Político
pela busca do contexto lingüístico em que se deram os atos de fala e em Pocock uma
História do Discurso Político e das interações entre langue e parole, em Rosanvallon
teremos uma História Conceitual do Político. “O objeto da história conceitual do político é a
compreensão da formação e evolução das racionalidades políticas, ou seja, dos sistemas de
representações que comandam a maneira pela qual uma época, um país ou grupos sociais
conduzem sua ação encaram seu futuro”. (ROSANVALLON, 1995: 16). Contudo,
Rosanvallon faz questão de demarcar que a originalidade da História Conceitual do Político
está muito mais em seu método do que em seus objetos. É um método ao mesmo tempo
interativo e compreensivo.

Interativo, pois consiste em analisar a forma como uma cultura política, as


instituições e os fatos interagem uns nos outros, compondo figuras mais ou menos
estáveis: a análise dos hábitos, das separações, dos recobrimentos, das
convergências, dos vazios que acompanham esta interação e assinalando tanto
seus equívocos e ambiguidades como as formas de realização. Compreensivo

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pois se esforça por compreender uma questão re-situando-a [sic] em suas


condições efetivas de emergência (ROSANVALLON, 1996: 17).

Aqui podemos identificar outro contato de Rosanvallon: a compreensão no sentido


weberiano.

O projeto passa a ser a realização de uma história da democracia ocidental a


partir de um método interativo e compreensivo. Um método empático “porque
supõe a capacidade de retomar uma questão situando-se no interior de seu
trabalho” [sic]. Uma empatia controlada que não implica identificação (a
compreensão de Weber), mas sim, a inserção dos testemunhos em seu contexto
de produção (OLIVEIRA JÚNIOR, 2012: 175).

A postura do historiador para Rosanvallon deve ser uma postura de engajamento,


onde seu principal papel é esclarecer o presente. E aqui reside uma grande diferenciação
entre Skinner e Ronsanvallon.

(...) não se tratava apenas de restituir o pensador (...) ao seu contexto lingüístico e
social de produção como desejaria um historiador da política como Quentin
Skinner. O historiador espera intervir no debate político contemporâneo a partir de
uma história das ressonâncias entre nossa experiência e o passado (OLIVEIRA
JÚNIOR, 2012: 175).

Também podemos encontrar uma distinção básica entre Pocock e Rosanvallon. O


primeiro, como vimos, nega qualquer filosofia política, enquanto para Rosanvallon “a história
conceitual do político, em sua dimensão compreensiva, permite, ao contrário, suprimir a
barreira que separa a história política da filosofia política” (ROSANVALLON, 1996: 19).

d) A História dos Conceitos de Reinhart Koselleck

Como estamos falando de História Conceitual e, como veremos, Angela de Castro


Gomes a tem por inspiração teórica, nada melhor para encerrarmos nossa exposição acerca
dos métodos e inspirações teóricas surgidas a partir do questionamento à tradicional
História das Ideias, do que expormos, em linhas gerais, as principais contribuições de
Reinhart Koselleck à História dos Conceitos.

A história conceitual alemã surgiu no final dos anos 1960 com Otto Brunner (1898-
1982), Werner Conze (1910-1986) e Reinhart Koselleck, quando este deixava a
condição de discípulo para assumir a liderança do movimento. Ela se erigiu em
torno da produção de duas obras fundamentais: Geschichtliche Grundbegriffe –
Historisches Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland (Conceitos
básicos de história – um dicionário sobre os princípios da linguagem político-social
na Alemanha) publicado em Stuttgart entre 1972-1997 em nove volumes e o
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Handbuch politisch-sozialer Grundbegriffe in Frankreich 1680-1820 (Manual de


conceitos político-sociais na França – 1680-1820), iniciado em Munique
(BENTIVOGLIO, 2010: 118-119).

Falamos até agora em conceitos, sem, contudo, defini-los. O que é um conceito? O


que o diferencia de meras palavras, categorias etc? O conceito deve ser necessariamente
polissêmico, ou seja, portador de vários sentidos e significados possíveis. “O conceito reúne
em si a diversidade histórica assim como a soma das características objetivas teóricas e
práticas em uma única circunstância, a qual só pode ser dada como e tal e realmente
experimentada por meio desse mesmo conceito”. (KOSELLECK, 2006: 109). Koselleck
divide os conceitos em três grupos: “os tradicionais cujo significado original é sempre
resgatado, conceitos cujo significado se modificou tal como o de história e os neologismos”
(BENTIVOGLIO, 2010: 127).
Definimos o que é um conceito, seus tipos e classificação, mas, afinal, o que é a
História dos Conceitos de Reinhart Koselleck? “(...) a história dos conceitos é, em primeiro
lugar, um método especializado da crítica de fontes que atenta para o emprego de termos
relevantes do ponto de vista social e político e que analisa com particular empenho
expressões fundamentais de conteúdo social ou político” (KOSELLECK, 2006: 103).
Um mesmo conceito, além de ser portador de vários significados, pode também
portar múltiplas temporalidades.

(...) considerando-se a relativa estabilidade da linguagem em geral, cada situação


discursiva específica pode conter (...) conceitos com estruturas temporais distintas.
(...) A diversidade de significados e temporalidades que um conceito pode conter é
o que dá sentido à História dos Conceitos concebida por Koselleck (KIRSCHNER,
2007: 50).

A linguagem possui papel importante na metodologia koselleckiana. Contudo,

Embora a linguagem tenha um papel fundamental para a compreensão dos


conceitos, Koselleck se afasta de seu mestre Gadamer ao enfatizar a
irredutibilidade da experiência histórica à linguagem, posto que embora a História
Conceitual supere e transcenda a História Social muitas vezes lhe conferindo
sentindo [sic], ela jamais a esgota (BENTIVOGLIO, 2010: 122).

Aqui Koselleck se afasta de Skinner e Pocock nos usos e compreensão da


linguagem. Contudo, há entre eles uma importante convergência. O conceito para Koselleck
cria experiência, assim como a linguagem para Skinner e Pocock atuam na transformação
da realidade. Assim, o conceito em Koselleck possui o mesmo papel que a linguagem e o
discurso em Skinner e Pocock.
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Koselleck chamará atenção para este poder dos conceitos de transformar a


história, isto é, de “criar experiência” [sic], em um de seus ensaios. Se os
conceitos podem ser produtos de realidades históricas concretas, por outro lado
há conceitos que, eles mesmos, criam novas realidades históricas (BARROS,
2011: 3).

Destarte as várias diferenças e aproximações entre as 4 propostas acima expostas,


o mais importante aqui é demarcarmos que todas elas possuem uma característica
fundamental ao ofício de historiador e que nos será muito útil na análise das construções do
populismo que veremos na próxima seção: todas surgem para se confrontar com a
tradicional História das Ideias que naquele momento trazia em sua “alma” a mácula e o
pecado maior para o historiador: o anacronismo, ou em outras palavras, as ideias estavam
“fora de lugar”. Veremos no próximo item, como o conceito de populismo tem sido
compreendido e tratado historicamente por vários autores à fim de que possamos ter claro
com qual tradição Angela de Castro Gomes está dialogando.

Alguns estudos sobre populismo

Começaremos aqui nosso percurso em torno dos conceitos de populismo, com as


formulações dos anos 50 e 60 do século passado, especialmente com três autores: Gino
Germani, Torcuato di Tella e Octavio Ianni.

a) O Populismo para Gino Germani

Em texto publicado originalmente em 1965 e intitulado Democracia Representativa y


Clases Populares, o sociólogo argentino Gino Germani5 (1973) irá discutir os problemas que
impedem os países latinoamericanos de ingressar em uma democracia do tipo
representativa e de participação total. Germani é tido como um dos sociólogos da teoria da
modernização, ou seja, da análise da passagem da dita sociedade tradicional para a
sociedade industrial. Na evolução dos países iberoamericanos, Germani (1973) expõe sete
estágios: o primeiro é denominado por Germani de “Guerras de liberación y proclamación
formal de la independencia”; o segundo, “Guerras civiles, caudillismo, anarquía”; o terceiro
estágio de evolução ele denomina de “autocracias unificantes”; o quarto, “Democracias

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Comumente refere-se a Gino Germani como um sociólogo argentino. Destarte o fato de que nasceu em Roma
em 1911, muito cedo chegou à Argentina, fugido do regime de Mussolini. Seu papel na institucionalização da
sociologia na Argentina é muito reconhecido.
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representativas de participación ‘limitada’ [sic]”; o quinto estágio seria “Democracias


representativas de participación ‘extensa’ [sic]”; o sexto estágio, “Democracias
representativas de participación ‘total’ [sic]”; e o último estágio apresentado por Germani
seria o de “Revoluciones ‘nacionales-populares’ [sic]”, apontado por ele como uma
alternativa aos três tipos anteriores de democracia (GERMANI, 1973: 15). O padrão de
comparação utilizado por Germani é sempre a Europa Ocidental, inspirado no modelo de
estágios de desenvolvimento de W. W. Rostow.
Segundo Germani, nos dois primeiros estágios não tivemos nenhuma mudança em
relação à sociedade tradicional. As características principais desta sociedade tradicional
seriam: “economia de subsistencia, formas mentales y control social basados en los
mecanismos y en las normas de las instituciones tradicionales”. (GERMANI, 1973: 19).
Neste esquema o fenômeno da migração do campo para o meio urbano e a formação dos
grandes centros possui papel central. “La forma de esta movilización tiene también su
importancia. En la mayoría de los casos, se trata de una movilización por desplazamiento
físico, por ejemplo: grandes migraciones del campo a la ciudad”. (GERMANI, 1973: 31). A
transição para o quarto estágio, o das democracias com participação limitada, se daria pela
possibilidade de participação real destas classes populares na vida política. Neste sentido,
os termos “movilización” e “integración” são muito importantes para a compreensão da
análise de Gino Germani.

No momento em que a disponibilidade se traduz em participação mais intensa do


que se produzia anteriormente, deve-se falar em mobilização. Quando por fim se
tenham produzido as mudanças que permitam legitimar e oferecer possibilidades
efetivas de realização do aumento agregado da participação dos grupos
mobilizados se falará de integração (DOMINGUES E MANEIRO, 2004: 648).

Através deste processo de mobilização e de integração das camadas populares na


vida política latino-americana, Germani irá analisar como se deu este “desvio”, ou seja,
como na América Latina, de modo geral, não se atingiu o nível de democracia representativa
de participação total, mas sim “as revoluções nacional-populares”. Um dos motivos para isso
Germani identifica na alteração das relações entre a elite dirigente e as massas, onde há o
surgimento de técnicas de manipulação aplicadas às classes populares em vias de
mobilização acelerada. Para Germani, geralmente este processo de incorporação das
massas populares/classes populares se dá em um meio de ideologia industrializante,
combinando por vezes tendências ideológicas opostas. Nesta relação entre elites e classes
populares, Germani identifica duas características básicas: a primeira diz respeito ao fato de
que são os fins políticos das elites que impedem a ação dos movimentos populares de
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transformar a estrutura social; a segunda diz respeito a uma pré-condição destas massas na
aliança com aquelas elites: a necessidade de certo grau de participação efetiva. Para
Germani, “esta libertad se ejerce en el grado inmediato de la experiência personal”
(GERMANI, 1973: 33).

Esta tendencia ha encontrado su expresión típica en las llamadas “ideologías de


industrialización” [sic], cuyas características principales parecen ser el
autoritarismo, el nacionalismo y alguna que otra forma del socialismo, del
colectivismo o del capitalismo del Estado: es decir, movimientos que, de diversas
maneras, han combinado contenidos ideológicos opuestos (GERMANI, 1973: 29).

Destarte este caráter autoritário, em alguns casos, como aponta Germani para a
Argentina de Perón e o Brasil de Vargas, encontramos o direito ao voto. Mas no geral, “esta
participación no se produce a través de los mecanismos de la democracia representativa:
derechos individuales de expresión, de organización, etc., y ejercicio del derecho de voto”
(GERMANI, 1973: 33).
Portanto, para Gino Germani, a chave deste regime nacional-popular é a participação
popular e como esta se efetiva. Para ele, não há uma relação estreita entre a sensação de
participação das massas populares e melhoras de caráter econômico que estes regimes
seriam capazes de realizar. “A pesar de la opinión general de que la adhesión de las clases
populares se obtiene gracias a promesas económicas demagógicas, el fundamento real del
apoyo popular es la “experiência de participación” [sic], lo que hemos intentado describir”.
(GERMANI, 1973: 35). Dentro das preocupações de Skinner e Pocock, em nenhum
momento do texto Germani se utiliza do termo “populismo”. Contudo, já este estava
disponível na linguagem política do momento, uma vez que o texto de Torcuato di Tella que
iremos adentrar, é do mesmo ano, ou seja, 1965.

b) O Populismo na perspectiva de Torcuato di Tella

Em um longo artigo intitulado Populismo y Reformismo, o sociólogo argentino


Torcuato S. di Tella irá analisar o populismo, não somente na América Latina, mas procurará
construir um modelo de análise que possa ser aplicado em uma grande gama de realidades
distintas, pois, para ele, este fenômeno ocorre em todos os países subdesenvolvidos do
mundo onde não há a possibilidade de incorporação das massas através do liberalismo e há
ausência de um movimento de trabalhadores organizados. “En lugar del liberalismo o el
obreirismo hallamos una variedad de movimientos políticos que, a falta de un término más
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adecuado, han sido a menudo designados con el concepto múltiple de ‘populismo’ [sic]” (DI
TELLA, 1973: 39).
Para di Tella, o conceito de populismo abarca uma série de variações e
possibilidades e destaca que o mesmo tem sido utilizado em um sentido pejorativo. Di Tella
aponta ainda que não é o caráter meramente subdesenvolvido destes países que os
conduzem ao populismo, mas a forma de inserção na economia internacional. Di Tella
parece inspirado pelas formulações da CEPAL, especialmente quanto ao constructo centro-
periferia, pois afirma que os países subdesenvolvidos “no solo son pobres en términos
absolutos, sino que constituyen la periferia que rodea a zonas más ricas y centrales”. (DI
TELLA, 1973: 40). Ocorre que quando estas economias subdesenvolvidas ou em
desenvolvimento – di Tella utiliza ambos os termos – atingem algum nível de
desenvolvimento e de inserção no mercado mundial, ocorre o que ele denomina “efecto
demostración”, ou seja, alguns grupos de maior poder de compra são atraídos pelos
padrões de consumo dos países desenvolvidos e querem imitá-los.
Somada à condição de subdesenvolvimento e de dependência externa, di Tella
destaca ainda 3 fatores que, unidos, contribuem para o surgimento do populismo: o primeiro
deles é “una élite ubicada en los niveles médios o altos de la estratificación y provista de
motivaciones anti-statu quo”; o segundo, “una masa movilizada formada como resultado de
la ‘ revolución de las aspiraciones’ [sic]”; e o último, “una ideología o un estado emocional
entre líderes y seguidores que cree un entusiasmo colectivo”. (DI TELLA, 1973: 48). Este
último fator abre espaço para a atuação do líder personalista e carismático.
Di Tella irá sistematizar sua exposição na forma de tabelas e esquemas a fim de
conseguir abarcar as várias possibilidades e tipos de ocorrência do populismo. Ele irá tratar
dos países menos desenvolvidos e não somente da América Latina, mas também irá citar os
casos da Índia, da Turquia, do Iraque etc. Conforme tabela constante na página 50, temos 4
tipos possíveis de populismo, de acordo com as várias combinações de classe. Um primeiro
tipo seria composto por elementos da burguesia, do exército ou do clero, legitimados dentro
de suas próprias classes. Este seria o tipo mais moderado de populismo, podendo até
mesmo perder seu caráter populista e transformar-se em conservador. O segundo tipo
possível de populismo seria aquele que incluiria somente elementos das classes mais
baixas ou intelectuais, todos com legitimação oriunda de suas respectivas classes. Esta
tendência se inclina a buscar soluções dentro da ordem legal. Contudo, com duras criticas a
ordem social vigente. O terceiro tipo de movimento populista possível seria aquele onde a
burguesia, o exército ou o clero não contam com a legitimação interna de sua respectiva

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classe. Este tipo de populismo apresenta a tendência de se utilizar de meios violentos,


porém aceitam os valores mais básicos da ordem social estabelecida. O quarto tipo de
populismo é o mais radical. É formado por elementos das classes médias inferiores ou por
intelectuais, não contando com nenhuma legitimação interna de classe. Este tipo de
populismo requer uma revolução que altere o padrão básico da propriedade.
Após expor os tipos possíveis de populismo de acordo com as várias combinações
de coalizão de classes, di Tella irá analisar os casos concretos em que estas conformações
aparecem. O primeiro tipo de populismo que descrevemos no parágrafo acima, se manifesta
na forma de partidos integrativos policlassistas, caso do PRI mexicano e do Partido do
Congresso da Índia. O segundo tipo aparece na forma dos partidos apristas. O terceiro, com
os partidos reformistas militares, caso do regime de Rojas Pinilla e do Nasserismo. Por fim,
o último tipo se manifesta na forma dos partidos social-revolucionários, caso do castrismo
em Cuba e do comunismo chinês. Di Tella analisa cada um deles pormenorizadamente.
Aqui nos deteremos apenas às circunstâncias em que di Tella estabelece alguma
comparação com o caso brasileiro.
Di Tella inicia pela caracterização dos partidos que ele denomina de “integrativos
policlasistas”. Este tipo de populismo, de acordo com o esquema A apresentado na página
55, possui a participação desde membros da classe alta até a classe trabalhadora urbana ou
rural, com grande presença da classe média baixa. “De todas las variedades populistas,
este tipo es el más moderado, aquél en el cual el vínculo entre las masas y los líderes está
menos mediatizado por fuertes envolvimientos emocionales o por el carisma personal”. (DI
TELLA, 1973: 56). Para di Tella, o governo Vargas de 1930 até 1945 se aproximou bastante
deste modelo. Com toda sua extensa exposição acerca das várias possibilidades, formas e
tipos de populismo, di Tella pretendeu demonstrar que “el populismo es el único vehículo
disponible para quienes se interesan en la reforma (o en la revolución) en América Latina”.
(DI TELLA, 1973: 81). Portanto, para Torcuato di Tella a única maneira de os países da
América Latina superarem sua condição de subdesenvolvimento seria através do populismo,
um tipo de “mal” necessário, dado a impossibilidade de um liberalismo com movimento
trabalhista altamente organizado como o que ocorreu na Europa ocidental.
Por fim, finalizando os primeiros trabalhos surgidos sobre o populismo na América
Latina, temos a contribuição do sociólogo brasileiro Octavio Ianni.

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c) O Populismo segundo Octavio Ianni

Em texto de 1972, intitulado Populismo y Relaciones de Clase, após citar os


principais trabalhos acerca dos aspectos sociais, culturais e políticos que propiciaram o
surgimento dos movimentos de massa na América Latina, Ianni (1973) elenca estes: “La
urbanización, la industrialización, las transformaciones tecnológicas y sociales en el mundo
agrário, la revolución de expectativas y la explosión demográfica”. (IANNI, 1973: 83). Dentre
os trabalhos citados por Ianni estão as publicações da CEPAL, os trabalhos de José Medina
Echavarría, de Víctor Alba, Gino Germani, Philip M. Hauser e Jorge Graciarena.
A preocupação principal de Octavio Ianni neste texto será explicar como os grupos
populares em determinados momentos foram colocados em segundo plano ou até mesmo
excluídos do cenário político. “En Brasil, en 1964, la deposición del presidente Goulart no
provoco una respuesta revolucionaria de las masas, acción que los propios golpistas
temían” (IANNI, 1973: 84).
Ao longo do texto podemos perceber a explícita orientação teórica de Octavio Ianni,
calcada no aporte teórico marxista. Sua análise é eminentemente estruturalista, no sentido
de que as transformações na estrutura econômica são a base para toda gama de mudanças
políticas e sociais. A todo o momento encontramos os termos da tradicional análise
marxista, como luta de classes, contradições internas, valor de uso e valor de troca, além
dos termos subalterno e subclasse tomados de Antonio Gramsci.
Ianni irá buscar as origens do populismo na América Latina no processo de crise do
Estado oligárquico, cuja formação remonta ao século XIX. A natureza deste Estado seria
eminentemente ambígua, e é por não mais conseguir sustentar suas ambigüidades frente às
pressões das novas classes que este encontra seu fim. “Como sínteses de las
ambigüedades recurrentes en las relaciones entre la sociedad nacional y la economia
dependiente, el poder oligárquico no resistió las presiones de las clases asalariadas y de la
burguesia industrial, fuerzas organizadas en la alianza populista”. (IANNI, 1973: 106). Esta
aliança somente foi possível devido a duas transformações estruturais que são o carro-chefe
da análise de Ianni: a industrialização e a migração do campo para as cidades.
A industrialização ocorre através das restrições impostas pela Primeira Guerra
Mundial, onde os países da América Latina se verão obrigados a fazer frente à sua própria
demanda por bens manufaturados, outrora importados da Europa. Este é o famoso
processo de industrialização por substituição de importações, como seria denominado
posteriormente pela CEPAL. A industrialização conduz à urbanização que atrai levas cada

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vez maiores de migrantes do campo. Com isso, a burguesia industrial se firma como
principal classe social.

Así, poco a poco, crecen los grupos de empresarios y obreros. Al mismo tiempo
aumenta el número de empleados en los transportes y comunicaciones, en la
administración pública, en el sistema de enseñanza. La expansión del sector
industrial provoca efectos dinâmicos en el sector terciário, al mismo tiempo que
hace crecer la demanda de productos agropecuários y también minerales (IANNI,
1973: 100).

Porém, a fim de que a burguesia industrial possa atingir o poder e nele se perpetuar,
faz-se imprescindível que a nova leva de trabalhadores também seja incorporada ao poder
político. Pari passu, as organizações trabalhistas vão se formando e se fortalecendo,
principalmente em torno dos sindicatos. “En este contexto los trabajadores de la
construcción, los obreros industriales y los empleados de transportes (...) adquieren una
mayor relevância en el cuadro general de las relaciones de producción y de las relaciones
políticas” (IANNI, 1973: 106).
O populismo, desta maneira, é formado por uma aliança tática ou tácita, onde a
classe trabalhadora cujos inimigos são tradicionalmente a burguesia, ludibriados pela
possibilidade de ascensão social e pela inclusão no mundo do consumo, acabam por adotar
os mesmos inimigos da própria burguesia nacionalista, ou seja, o capital estrangeiro e as
tradicionais oligarquias, protelando seu papel revolucionário. “La lucha contra la oligarquia,
la burguesia agrario-exportadora y el imperialismo, es apresentada como la lucha principal,
consumiendo la mayor parte de la movilización y de los recursos políticos del proletariado”.
(IANNI, 1973: 142). As antigas organizações de trabalhadores, anarco-sindicalismo,
sindicatos comunistas e socialistas são transformados pelas mudanças estruturais e pela
incorporação dos trabalhadores provenientes do campo, passando de revolucionários a
reformistas. Em função disso, “la visión del mundo de las masas permanece en un atraso
relativo a su situación real, a su posición en el proceso productivo”. (IANNI, 1973: 146).
Contudo, em períodos de profunda crise, as massas são alijadas do poder e a
burguesia se une a seus aliados tradicionais: o exército ou a Igreja. “En las ocasiones de
crisis las fuerzas armadas, el clero y el grueso de la clase media reaparecen como fuerzas
políticas de estabilización”. (IANNI, 1973: 143). Foi o que ocorreu em 1955 na Argentina de
Perón e em 1964 no Brasil de João Goulart. Exatamente no momento em que as massas,
através dos trabalhadores, intelectuais e estudantes se conscientizaram de seu papel
revolucionário, as armas lhes foram negadas e as mesmas foram alijadas do processo
político. Concluindo, Ianni afirma que “la verdad es que las transformaciones sociales y
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económicas ocurridas en la época más importante del populismo no resolvieron el problema


de las masas. Tampouco concretizaron el ideal de um capitalismo nacional [sic], como
querían Cárdenas, Perón, Vargas y otros” (IANNI, 1973: 148).
Geralmente estas três formulações acerca do populismo na América Latina são
vinculadas à teoria da modernização, ou seja, grosso modo, o populismo seria fruto das
transformações pelas quais passou a região, principalmente a industrialização e a
superação de uma condição exclusivamente agrário-exportadora. Destarte esta questão,
habitualmente não se demarcam as distinções de análise entre os três autores, em um
intento de dotá-las de alguma coerência, no sentido apontado por Quentin Skinner na
sessão anterior de nosso artigo. Contudo, pudemos observar importantes diferenças de
análise entre os três sociólogos acima expostos. Isso se explica pelas diferenças teóricas e
metodológicas entre eles: notadamente o funcionalismo de Gino Germani e o estruturalismo
marxista de Octavio Ianni. Percebemos na exposição de Torcuato di Tella uma postura
bastante comum entre os sociólogos: a tentativa de se construir um modelo explicativo geral
que de conta de abarcar todos os aspectos do populismo em diferentes espaços e
realidades, preocupando-se pouco com as múltiplas temporalidades de cada caso.
A exposição da formulação hegemônica dos anos 70 do século passado de
Francisco Weffort será tratada no tópico seguinte, uma vez que Angela de Castro Gomes o
tem como principal interlocutor. Passemos à caracterização do que se convencionou
chamar, pós-regime militar na América Latina, de neopopulismo ou populismo neoliberal.

d) O Neopopulismo ou Populismo Neoliberal

Neste novo contexto latino-americano, muitos são relutantes em enxergar uma


sobrevivência do fenômeno do populismo em um suposto neopopulismo ou populismo
neoliberal, pelo simples fato de que para estes autores o populismo é apenas conciliável
com o nacionalismo econômico e não com um sistema econômico neoliberal. Desta forma, o
conceito de populismo perderia todo seu potencial explicativo. Segundo Alan Knight (1998)
“Kurt Weyland was one of the first to question ‘basic divergence between populism and
economic liberalism’ [sic] and to note ‘unexpected affinities’[sic]”. (KNIGHT, 1998: 243-244).
Knight ainda vê alguma utilidade na utilização do conceito de populismo na análise histórica
da América Latina, pois, “I would therefore prefer to build my potentially useful ‘populism’
[sic] on the basis of historical processes [sic] rather than historiographical convergences
[sic]”. (KNIGHT, 1998: 225).

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Para o citado Kurt Weyland, “populist politics survived the assault and experience a
stunning resurgence in the 1980s and 1990s in a different socioeconomic context”.
(WEYLAND, 2001: 6-7). Para ele, o neopopulismo ou populismo neoliberal é um subtipo do
populismo, pois o neopopulismo preservaria as características políticas do populismo
clássico, porém em um novo contexto econômico: do neoliberalismo. Em texto de 2003, Kurt
Weyland procura demonstrar as “synergies and affinities between neoliberalism and
neopopulism”. (WEYLAND, 2003: 1097). Para ele, no início das profundas reformas de
mercado preconizadas pelos neoliberais, as lideranças personalistas tiveram papel
fundamental na superação do modelo econômico anterior e ambos possuíam um sentimento
anti-elite e pró populações mais pobres comum. Estes programas de redução da pobreza
são bem vistos pelos neoliberais, uma vez que lhes garantem estabilidade política. A
confluência de interesses não para por aí, pois

they maintain distance from trade unions, professional associations and even
many organized [sic] business groups, which personalistic plebiscitarian leaders
see as fetters on their autonomy and power and which neoliberal experts condemn
as rent-seeking ‘special interests’ [sic] who seek to interfere with the market
(WEYLAND, 2003: 1098).

Teorias estabelecidas do populismo apontam que as reformas neoliberais são


extremamente impopulares e em regimes democráticos os governos teriam o mesmo final
que Fernando Collor no Brasil, ou seja, o neoliberalismo somente funcionaria em regimes
autoritários. Mas como explicar o sucesso de governos como os de Menem na Argentina e
Fujimori no Peru, que realizaram profundas reformas de mercado em condições
democráticas?

Despite the significant transitional costs, the restoration of minimal economic


stability ended the great losses that hyperinflation imposed on the population,
specially the poorer sectors. By making daily life again predictable, Menem and
Fujimori gave people tranquility. And, as growth returned, the two presidents won
the opportunity to institute targeted anti-poverty programmes with which they could
strengthen their mass support (WEYLAND, 2003: 1099-1100).

Contudo, após o aprofundamento das reformas de mercado, quando é necessário


dotar o modelo de estabilidade, a ousadia dos líderes neopopulistas não é mais bem-vista
pelos neoliberais. Agora a postura dos neoliberais muda: eles apóiam as novas elites, são
anti-pobres e requerem estabilidade institucional. Os líderes neopopulistas, por sua vez,
vêem o apoio das massas entrar em crise, uma vez que, após contida a hiperinflação, o

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modelo é limitado em atender as novas demandas, ou seja, o crescimento e o emprego.


Estas questões não podem ser resolvidas facilmente pelos líderes neopopulistas.

Thus, the very success of neoliberal populists in ending the initial crisis came to
weaken their political standing over time and to cause a growing tension and
divergence between the political interests of neopopulist leaders and the economic
discipline enforced by neoliberal experts and the international financial institutions
(WEYLAND, 2003: 1108).

Mas, ao contrário do que se possa conceber, devido à grande impopularidade de


suas medidas econômicas na manutenção do novo modelo de desenvolvimento, o
neoliberalismo, mais do que nunca, precisa do neopopulismo para dirimir e mitigar os
conflitos sociais oriundos do baixo crescimento econômico e da incapacidade do modelo de
gerar os empregos necessários. “Personalistic, plebiscitarian leaders often promote the unity
of the people by calling for an end to factional conflicts and ideological rifts”. (WEYLAND,
2003: 1110).
Kurt Weyland (2003) parece ver com bons olhos o neopopulismo na América Latina,
pois este não beneficiaria os mesmos setores que o populismo clássico e estenderia os
benefícios materiais e reconhecimento simbólico aos segmentos mais pobres da população
há muito tempo negligenciados. Para ele, o neopopulismo também faria avançar a
democratização social, onde a possibilidade de influência nas decisões governamentais
seria muito maior do que no populismo clássico. Por fim, Weyland reitera seu ponto de vista
de que, mais do que a possibilidade de existência e de convívio entre o neopopulismo e o
neoliberalismo, ambos necessitam um do outro para se reproduzir no tempo.

(...) the mediocre economic performance of the new market model and the frequent
need for new rounds of adjustment limit the resources that presidents can
distribute to their mass followers. On the other hand, the widespread acceptance of
the market model diminishes sharp political conflict and allows these leaders to
gain support by ‘unifying the people’ [sic] and focusing on pragmatic solutions to
concrete problems (WEYLAND, 2003: 1113).

Após termos reconstituído o percurso do conceito de populismo, desde o que


chamamos de Populismo clássico dos anos 50 e 60 do século passado até o neopopulismo,
veremos a seguir uma visão alternativa, que rejeita a utilização do conceito populismo, em
sua formulação clássica e neopopulista.

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Críticas e proposta

Neste tópico iremos expor a crítica de Angela de Castro Gomes à utilização do


conceito de populismo para caracterizar a vida política brasileira entre 1930 e 1964, bem
como sua proposta. A crítica de Castro Gomes se insere em uma perspectiva de análise
cara aos historiadores cariocas vinculados à Universidade Federal Fluminense e ao Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Procuraremos demonstrar que os
argumentos de Castro Gomes possuem uma trajetória que se inicia com sua tese de
doutoramento defendida em 1987 no IUPERJ sob a orientação de Wanderley Guilherme dos
Santos, A invenção do trabalhismo, culminando com um artigo publicado no ano de 2002.
Em sua tese de doutoramento Castro Gomes não explicita as motivações de se
adotar o termo trabalhismo em detrimento do conceito de populismo. Castro Gomes apenas
o fará em artigo intitulado O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a
trajetória de um conceito, publicado em 2001. O artigo é fruto de uma exposição da autora
em um congresso internacional em Liverpool, no ano de 1996. Nele, Castro Gomes (2001)
irá empreender uma contundente crítica à formulação hegemônica do populismo quando da
escrita de sua tese, ou seja, à formulação de Francisco Weffort.
O marco inicial da discussão é 1952, com o Grupo de Itatiaia – com destaque para a
figura de Hélio Jaguaribe – que em 1953 seria o núcleo originário do IBESP (Instituto
Brasileiro de Economia, Sociologia e Política), e que, posteriormente, constituiria o núcleo
formativo do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros). Este grupo de intelectuais irá
pensar na crise que o país vivenciava e propor soluções aos seus principais problemas.
Dentre estes, o “populismo na política brasileira” foi diagnosticado como um deles em
exposição no artigo intitulado O que é o ademarismo?, publicado no primeiro semestre de
1954. No artigo, refletindo acerca das condições que propiciaram a ascensão do político
paulista Ademar de Barros como principal favorito na sucessão presidencial de Vargas, os
autores o classificam como “populista”, negando-o como clientelista. No caso de Ademar de
Barros, ressalta-se que todo seu poderio político não advém de uma organização partidária,
mas sim de seu forte carisma. É a figura de Ademar que dá organicidade ao Partido e não o
contrário. Sendo Ademar qualificado como populista, os autores do artigo apontam a
necessidade de qualificar o termo, tão pouco sistematizado no Brasil. O artigo traz consigo
caracterizações do populismo que seriam amplamente adotadas em formulações seguintes.
A primeira diz respeito ao fato de que o populismo se caracteriza como uma política de
massas, onde há a proletarização dos trabalhadores urbanos. Contudo, esta classe de

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trabalhadores não possui consciência de seu estado espoliativo, sendo, portanto, uma
classe trabalhadora que não atingiu a tão desejada consciência de classe do marxismo
ortodoxo. A segunda demarca a nova condição política da classe dirigente do país, que
tendo perdido representatividade/poder, se vê na necessidade de buscar o apoio das
massas para a efetivação de seus projetos políticos. O terceiro ingrediente desta tríade, diz
respeito exatamente ao tipo de político responsável por encabeçar este processo: a figura
do líder carismático, com poder de mobilização das massas.
Outro diálogo estabelecido por Castro Gomes, e a quem irá se contrapor, é com
Francisco Weffort. Castro Gomes se debruça sobre o artigo O populismo na política
brasileira.

Para Weffort, simplificando muito, pode-se dizer que o populismo é o produto de


um longo processo de transformação da sociedade brasileira, instaurado a partir
da Revolução de 1930, e que se manifesta de uma dupla forma: como estilo de
governo e como política de massas (GOMES, 2001: 32).

A análise de Weffort é dividida em duas partes: uma que busca as origens do


populismo na Revolução de 1930 e outra que trata do período 1945-1964. A partir da análise
das motivações que levaram à Revolução de 30, Weffort formula seu conceito de Estado de
compromisso, uma formulação, sem dúvida, de inspiração gramsciana. Grosso modo, este
Estado estabelece um equilíbrio que tende à instabilidade, posto que tenta conciliar, ao
mesmo tempo, grupos dominantes e anseios populares, sob a tutela de um líder
carismático. O cerne do mecanismo de funcionamento do populismo para Weffort está na
relação entre Estado e massas populares. Ao mesmo tempo em que o Estado manipularia
estas massas, também atenderia parte de suas demandas materiais. Por isso, a categoria-
chave para Weffort é “manipulação populista” e não “massificação”, como destacado pelo
Grupo de Itatiaia. É a partir deste esquema, que Weffort explicará o golpe de 1964 e que
tradicionalmente ficará conhecido, como aponta o título de um livro de Octavio Ianni, como
Colapso do populismo. Para Weffort e o grupo de sociologia da USP, 1964 representa o
esgotamento do Estado populista, ou seja, principalmente devido ao fato de que se assume
que as massas atingem certo nível de consciência, as relações de manipulação não mais se
sustentariam, abrindo espaço, paradoxalmente, para a democracia. Isto, do ponto de vista
político. Do ponto de vista econômico, teríamos o esgotamento do processo de
industrialização por substituição de importações e do caráter redistributivo do crescimento
econômico brasileiro. Portanto, nesta perspectiva de análise, o populismo teria criado as
condições para o estabelecimento da democracia brasileira. Contudo, quando as massas

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DO POPULISMO “CLÁSSICO” AO NEOPOPULISMO: trajetória e crítica de um conceito – por Otávio Erbereli Júnior

atingem certo nível de consciência, ter-se-ia que efetivar as reformas de base. No entanto, o
que houve foi a supressão destas mesmas reformas, bem como da participação popular.
A partir deste momento se pensaria em redemocratização e, por conseguinte, o
período pós 1945 assumiria papel-chave, através da análise das relações entre Estado e
sindicatos. O debate acerca da impossibilidade de uma negociação e da necessidade de
realização das reformas toma foro central nas ciências sociais em fins dos anos 1970 e
inicio dos anos 1980. Neste contexto, Castro Gomes também irá dialogar com o texto de
Regis de Castro Andrade, intitulado Perspectivas no estudo do populismo brasileiro, de
1979. O mote central do texto de Regis de Castro Andrade é flexibilizar a manipulação como
sustentáculo central do Estado populista, conforme preconizado por Weffort. Mas, a
despeito destas revisões, o que Angela de Castro Gomes quer destacar é a “hegemonia” do
conceito, sem alternativas de maior volume.
Castro Gomes irá dialogar com sua própria tese de doutorado, como tentativa de se
contrapor ao uso do conceito de populismo. Explicita o principal intento de sua tese:
“assumindo uma perspectiva interdisciplinar, produzir uma interpretação histórica alternativa,
fundada em pesquisa empírica mais demorada e iluminada pelas novas contribuições da
produção internacional sobre a formação da classe trabalhadora.” (GOMES, 2001: 45).
Inspirada nas formulações de Edward Palmer Thompson, Castro Gomes (1987) irá conceber
a classe trabalhadora de outra maneira. Não como era concebida nos consagrados estudos
sobre o populismo: como uma massa sem consciência, que, em um marxismo ortodoxo,
havia se desviado de seu caminho rumo a uma consciência de classe. Castro Gomes quer
quebrar com este teleologismo na análise e pensar a classe trabalhadora como heterogênea
e como um sujeito histórico que pode realizar escolhas diante de um horizonte de
possibilidades. O Estado também é repensado. Não é tido somente como aquele “ente” que
interferi e desvia a classe trabalhadora de alcançar seu status de consciência de classe,
mas sim como um agente de interlocução. Agora, Castro Gomes (2001) deixa explicitado o
porquê da rejeição do conceito de populismo em sua tese. Para ela, a utilização do conceito
implicaria aceitar exatamente a compreensão de classe trabalhadora que estava procurando
rejeitar, ou seja, de uma massa de trabalhadores que nem mesmo poderiam ser
compreendidos enquanto classe. Também o termo cooptação é rejeitado pela autora, posto
que este traz consigo uma relação unilateral, onde o cooptado seria completamente passivo.
Em substituição a “cooptação”, utiliza o termo “pacto trabalhista”, que, destarte o fato de
realmente estabelecer uma relação entre desiguais, demarca que esta é uma relação entre
sujeitos, que se não são autônomos, ao menos tem escolhas e possibilidades. Por fim,

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Castro Gomes aponta que as origens deste pacto devem ser buscadas na Primeira
República e que o período pós-30 apenas o ressignifica, sendo, portanto, que esta tradição
do trabalhismo não é algo novo e original dos assim chamados “anos populistas”.
Em texto de 2002 publicado na revista Varia História Angela de Castro Gomes vai
dar continuidade às suas reflexões de 2001, agora por conta de um convite para uma
palestra sobre culturas políticas em um seminário da UFMG. Reitera que o caminho mais
uma vez por ela escolhido é o da História dos Conceitos. Continua por explicitar suas
escolhas, no sentido das motivações que a fizeram rejeitar o conceito de populismo em sua
tese e adotar o trabalhismo. E aqui temos novos esclarecimentos. O trabalhismo remontava
ao contexto do Estado Novo durante a II Guerra Mundial e à tradição política inglesa, sendo
mais ancestral que o populismo, original dos anos 1950. Ademais, o uso do trabalhismo
permitia uma aproximação maior com novos e iluminadores trabalhos, como o sempre
citado Edward Palmer Thompson e de Barrington Moore.
Castro Gomes cita o livro intitulado Na luta por direitos: estudos recentes em história
social do trabalho. Destaca a entrevista ao final do livro dos pesquisadores Daniel James e
Jonh French. O que chama a atenção de Castro Gomes nesta entrevista é que os autores
realizam um balanço acerca da recente produção em torno de populismo e trabalhismo. O
que fica evidente para ela é que “questões acadêmicas são tratadas como questões
políticas, associadas a interesses de partidos ou organizações sindicais.” (GOMES, 2002:
60). Para Castro Gomes, a partir de excertos da entrevista, fica claro que o debate procura
culpabilizar ou absolver lideranças como Getúlio Vargas e a preocupação não é com o
alcance da implantação da legislação trabalhista, mas sim há o predomínio de certo
teleologismo, posto que se concebe que toda esta legislação trabalhista foi de antemão
pensada para ser um grande engodo e não para ser realmente implementada. Em segundo
lugar, como decorrência do que foi dito anteriormente, os intelectuais e políticos por trás
desta formulação da legislação trabalhista são vistos apenas como manipuladores
inescrupulosos e que agem de má fé. Nesse sentido, estudos que criticam o uso do
populismo, mas que ao mesmo tempo se preocupam com o alcance desta legislação,
seriam taxados de textos não-acadêmicos. No que tange ao trabalhismo, este se
remontaria, como dissemos, à Primeira República.
A proposta de Castro Gomes nesta palestra é analisar o populismo como um mito e
o trabalhismo como uma tradição, ambos inseridos na cultura política brasileira – ela
também aponta que a própria noção de cultura política é datada e passível de críticas. Para
ela o estatuto mítico do populismo atingiria o mesmo nível que o mito da democracia racial

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brasileira e do “país bonito por natureza”. Aqui, ela vai se servir do livro de Raul Girardet
intitulado Mitos e mitologias políticas de 1987. Castro Gomes (2002) dialoga com a análise
de Marilena Chauí, também citada em seu texto de 1996. Para Marilena Chauí e a tradição
dos estudos do populismo como mito da cultura política brasileira, a conformação das
características populistas, de líderes e elites manipuladoras e de um povo ingênuo e
manipulável, remontaria à formação do povo brasileiro e por sua vez ao século XVI, sendo,
portanto, ontológica. Castro Gomes é mais otimista e custa a pensar a sociedade brasileira
de forma tão rebaixada. Mais uma vez justificando as motivações que a levaram a rejeição
do conceito de populismo.
Quanto à tradição do trabalhismo, Castro Gomes (2002) reconhece que não possui a
mesma profundidade e capacidade de arraigamento do mito, mas o considera mais útil para
se pensar a cultura política brasileira – cultura política aqui é pensada no sentido empregado
por historiadores e antropólogos, tendo como referência básica o texto de Serge Berstein no
livro de Sirinelli e Rioux Por uma História Cultural de 1997 – pois sua historicidade é
diferente do mito e podemos datá-lo e circunscrevê-lo. Para ela, obviamente que o
trabalhismo possui raízes no período da Primeira República, mas em seu contexto
originário, ou seja, pós-1930 é reapropriado e reformulado, tanto pelas elites como pela
classe trabalhadora, e no pós-1945 também adquire outras características. Contudo,
trabalhismo é datado e não algo que se remontaria ao século XVI, ou à formação do povo
brasileiro, sendo dotado de grande historicidade.

Considerações finais

Ao longo deste artigo, procuramos demonstrar a grande leva de interpretações em


torno do populismo como fenômeno político, mas, principalmente, como conceito.
Destacamos as primeiras interpretações do populismo com os sociólogos argentinos Gino
Germani e Torcuato di Tella, pouco lidos atualmente no Brasil, e do sociólogo brasileiro
Octavio Ianni. Fizemos questão de demarcar, destarte as três trabalharem com a teoria da
modernização, as diferenças entre elas. Expusemos também as formulações mais recentes
em torno do populismo, com o neopopulismo ou populismo neoliberal, com suas várias
polêmicas. Sempre tendo as reflexões em torno da rejeição da tradicional História das Ideias
e do novo tratamento conferido às ideias como inspiração teórica de fundo.
Vimos que Angela de Castro Gomes, assim como vários outros historiadores,
notadamente os oriundos do meio acadêmico carioca, rejeitam a utilidade do conceito de

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populismo na caracterização da vida política brasileira pós 1930 até o golpe militar de 1964.
Como rejeitam o populismo para este período, tampouco aceitam as novas formulações em
torno do neopopulismo.
O fato é que as formulações “clássicas” do populismo, principalmente com Gino
Germani, Torcuato di Tella e Octavio Ianni, procuram dar conta do fenômeno populista com
uma grande amplitude no tempo e no espaço. Esta é uma característica das formulações
sociológicas, ao mesmo tempo em que perdem na análise das nuances mais especificas.
Outra questão relevante e apontada pelos críticos é que realmente a consagrada formulação
do cientista político Francisco Weffort tem uma concepção um tanto quanto tacanha da
classe trabalhadora, bem distante das recentes contribuições da História Social inglesa.
Contudo, deveríamos abandonar completamente o conceito de populismo? E mais:
deveríamos adotar o conceito, categoria ou termo – não fica claro o que é, pelo menos nos
estudos de Angela de Castro Gomes que expusemos acima – trabalhismo, que seria,
segundo Angela de Castro Gomes, muito mais ancestral que o próprio populismo enquanto
fenômeno político? Não temos respostas prontas e tampouco queremos fechar a questão,
tamanha a complexidade e duração da mesma. Propusemos sim, algumas questões, cujas
reflexões podem conduzir a alguns esclarecimentos.
Fato é que esta rejeição ao conceito de populismo se baseia na análise de casos
específicos e muito bem estabelecidos no tempo e no espaço, não tendo as pretensões dos
modelos de maior alcance dos sociólogos. Com isso, a precisão aumenta, mas também se
perde qualquer articulação com o todo e com movimentos mais amplos. Ademais, a
proposta de adoção do trabalhismo não procuraria ressignificar a herança Vargas, dado o
“lugar social”6 que muitos destes historiadores ocupam, principalmente em torno da
Fundação Getúlio Vargas (FGV)? Ou esta postura se deve simplesmente ao fato de que o
trabalhismo foi mais presente na cultura política carioca do que em outras partes do Brasil,
como São Paulo, onde predominou a interpretação dos sociólogos uspianos? Ficam as
questões.

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Recebido em: 16/09/2012


Aprovado em: 20/02/2013

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