Ọfún PDF
Ọfún PDF
Ọfún PDF
Mesa Diretora:
Ôbaluaye gbà mi o
Õrúnmìlà gbà mi o
Peço ao meu criador, Olorun, que, com compaixão, respeito e força pura, coloque em
ordem a minha espiritualidade pois sou sua filha.
Meu pai e minha mãe, que me deram nascimento e educaram, mas que já se foram
proteja-me, tenha paciência.
Õÿösi, Aquele que surge quando é chamado através do som, receba-me e proteja-me.
Sumário
Àköÿo – Prefácio
................................................................................................................................... 17
Instrumento
...........................................................................................................................................
....25
Gênero
...........................................................................................................................................
................28
Elemento
...........................................................................................................................................
...........30
Wájì =
Cor.....................................................................................................................................
............. 37
Ajôba = Regência
................................................................................................................................. 40
Kiki = Saudação
..................................................................................................................................44
Ìtan de 1 a 28
..........................................................................................................................................
46
Êda-Òkúta = Reino Mineral
........................................................................................................ 63
Sentenças
...........................................................................................................................................
.........98
Åwõ = Interdito
................................................................................................................................... 103
Comportamentos Adequados
.................................................................................................. 104
Elementos de
Çbô..............................................................................................................................106
Colocação de Çbô
..............................................................................................................................108
Ôfõ = Encantamentos
................................................................................................................... 111
Simbologia
...........................................................................................................................................
....114
Fontes Bibliográficas
......................................................................................................................... 125
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
Introdução
A Coleção Ôdu Àdájô tem como objetivo primordial contribuir para que a religião trazida
pelo povo africano para o Brasil seja mais bem compreendida e, assim, possa ser mais
respeitada. O preconceito é fruto do desconhecimen- to e gera conflitos que interferem
na vida individual e coletiva. Explanando a filosofia da religião dos oríÿa, sem precisar
devassar seus mistérios – os quais interessam apenas a seus sacerdotes, por serem
eles os responsáveis pela execução dos rituais –, pretende-se dar uma contribuição no
sentido de ajudar para que a distância entre as pessoas, decorrente de desavenças
religiosas, possa tornar-se cada dia mais insignificante. Essa coleção se desti- na,
portanto, a qualquer pessoa que busque ter uma visão mais ampliada da existência,
aos estudiosos de culturas diversas e, principalmente, aos inicia- dos da religião que é
conhecida no Brasil pelo nome de candomblé.
É da natureza humana o hábito de tentar planejar a vida, o que termina por fazer com
que o homem busque formas de penetrar no desconhecido futu- ro. Uma das formas
muito utilizada é a adivinhação, que consiste na tentativa de predizer o que está por vir.
O povo africano, não fugindo a essa regra, também tenta desvendar o que está
encoberto através da interpretação dos muitos sistemas oraculares complexos que
possui. Por terem esses oráculos origem divina, optou-se por chamá-los de sistemas
divinatórios, ao invés de adivinhatórios. O sistema divinatório mais completo do referido
povo é o Cor- po de Ôdu de Ifá, que é um conjunto culturalmente codificado, que permi-
te a obtenção de revelações sobre importantes situações consideradas vitais, como:
doenças e morte; condição social, profissional, afetiva e econômica;
9
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
10
calamidades e perdas em geral. As respostas reveladas que o sistema divina- tório dá
ao consulente têm como objetivo contribuir para que este adquira uma qualidade de
vida capaz de lhe proporcionar a longevidade necessá- ria ao cumprimento da missão
que a ele foi confiada pelos seres superiores. Acredita-se que a felicidade vem da paz
e que esta só é conseguida quando a consciência pode dizer: missão cumprida. O
conhecido “povo-de-santo” ab- sorveu a crença africana que considera o mundo como
sendo permanente- mente influenciado pela força dos ancestrais e das várias
divindades conhe- cidas como oríÿa, as quais são comandadas pelo Deus Supremo –
Olorun /Olódúmaré.
O Sistema Divinatório de Ifá, que foi entregue ao oríÿa Õrúnmìlà pelo pró- prio Olorun, é
considerado um oráculo pelo fato de as respostas obtidas para as perguntas feitas
serem sempre inspiradas pelos deuses consultados. Õrúnmìlà é a divindade, enquanto
Ifá pode ser tanto a divindade, quanto o sistema divinatório a Ele associado. É ao
Corpo de Ôdu inserido no referi- do sistema que os babalawo – sacerdotes guardiões
dos mistérios – repor- tam-se para orientar as pessoas que os procuram. Os epítetos
de Õrúnmìlà fornecem os dados necessários para a compreensão deste oríÿa: Gbáiyé-
Gbôrun – Aquele que vive tanto no Õrun como no Aiyé e, assim, pode servir de
intermediário entre os homens e o deus supremo; Ôgbön-ìmö – Aquele que representa
a sabedoria e o conhecimento; Çlëbê Ìpilë - Ad- vogado, desde a origem, do destino dos
homens. Sobre Õrúnmìlà é dito: oKiki pa ôjó iku dà = confunde a morte e consegue
alterar sua data. Õrúnmìlà é, assim, a divindade oracular que pode orientar os
sacrifícios, ofe- rendas e reformas comportamentais necessárias para modificar o que
pode ser modificado no destino de cada um, a fim de que acontecimentos infelizes
possam ser evitados ou retificados.
A Coleção Ôdu Àdájô tem por base o mais importante sistema divinatório do povo
yorubá, o Jogo de Ifá, que deu origem ao Mërìndinlogun, o conhecido Jogo de Búzios,
oráculo africano mais utilizado no Brasil. No início dos tempos, os oráculos africanos só
foram ensinados por Õrúnmìlà a Seus discípulos, os quais eram apenas do sexo
masculino. Um dia, porém, Õÿun cismou que gostaria também de ser divinadora.
Õrúnmìlà negou o pedido da deusa, veementemente. Õÿun, que não é de se deixar
convencer tão fa- cilmente, apelou para o melhor amigo de Õrúnmìlà, Èÿu, que não se
dispôs
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
a trair o amigo. Inconformada, e sendo uma poderosa feiticeira, a dona dos rios
preparou uma porção mágica, conseguindo fazer com que Èÿu prome- tesse que Lhe
ensinaria a fazer uso de oráculos. Quando o efeito da porção passou, Èÿu ficou
arrasado, mas era tarde, Ele já tinha feito a promessa. Èÿu só teve tempo de trocar a
posição dos ôdus, tentando com isto convencer a Õrúnmìlà de que não tinha caído na
armadilha preparada por Õÿun, pois o oráculo transmitido estava todo confuso, com os
ôdu todos trocados de posição. É por essa razão que o ôdu Öfun Méjì, por exemplo,
encontra-se na décima sexta posição em Ifá e na décima posição no Mërìndinlogun,
onde é conhecido pelo mesmo nome; já o ôdu Çjônile Méjì se encon- tra na primeira
posição em Ifá, onde é chamado de Çjì-Ogbé, e na oitava posição no Mërìndinlogun.
Surgia, assim, o Mërìndinlogun, o Jogo de Búzios, que Õÿun, consequentemente as
mulheres, “ganhou” o direito de manusear. Afinal, o rio e a vida correm para frente.
11
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
A busca pela ampliação do conhecimento deve ter como interesse princi- pal o
aprimoramento pessoal, visando uma amplificação das capacidades enquanto ser
humano. A Coleção Ôdu Àdájô pretende ser composta por dezesseis volumes, que
correspondem aos dezesseis ôdu. A edição de cada volume segue a ordem de
chegado dos ôdu de acordo com o Sistema de Ifá, pois só assim a relação entre os ôdu
pode ser bem entendida. A nomen- clatura utilizada, no entanto, é a do Mërìndinlogun,
uma vez que esta é mais conhecida pelos brasileiros. Ficando, portanto, os volumes
dispostos da seguinte maneira:
Volume 1 – Öfun Méjì (ôdu no 16 em Ifá, onde é chamado também de Öfun, que
corresponde no Mërìndinlogun ao no 10).
Volume 2 – Çjônile Méjì (ô du no 1 em Ifá, onde é chamado de Çjì- Ogbé Méjì, que
corresponde no Mërìndinlogun ao no 8).
Volume 3 – Çjìlõgbõn Méjì (ôdu no 2 em Ifá, onde é chamado de Õyêkú Méjì, que
corresponde no Mërìndinlogun ao no 13).
Volume 4 – Åjìlaÿebôrà Méjì (ôdu no 3 em Ifá, onde é chamado de Ìwôrín Méjì, que
corresponde no Mërìndinlogun ao no 12).
Volume 5 – Odi Méjì (ôdu no 4 em Ifá, onde é chamado também de Odi Méjì, que
corresponde no Mërìndinlogun ao no 7).
Volume 6 – Irösún Méjì (ôdu no 5 em Ifá, onde é chamado também de Irösún Méjì, que
corresponde no Mërìndinlogun ao no 4).
Volume 7 – Owárin Méjì (ô du no 6 em Ifá, onde é chamado de Õwòrì Méjì, que
corresponde no Mërìndinlogun ao no 11).
13
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
14
Volume 8 – Ôbarà Méjì (ôdu no 7 em Ifá, onde é chamado também de Ôbarà Méjì, que
corresponde no Mërìndinlogun ao no 6).
Volume 9 – Ôkánrá Méjì (ôdu no 8 em Ifá, onde é chamado também de Ôkárán Méjì, que
corresponde no Mërìndinlogun ao no 1).
Volume 10 – Çta Ògúndà Méjì (ôdu no 9 em Ifá, onde é chamado também de Ògúndà
Méjì, que corresponde no Mërìndinlogun ao no 3).
Volume 11 – Ôsa Méjì (ôdu no 10 em Ifá, onde é chamado também de Ôsa Méjì, que
corresponde no Mërìndinlogun ao no 9).
Volume 12 – Ikà Méjì (ô du no 11 em Ifá, onde é chamado também de Ikà Méjì, que
corresponde no Mërìndinlogun ao no 14).
Volume 13 – Åji Ôkó Méjì (ôdu no 12 em Ifá, onde é chamado de Ôtùropnön Méjì, que
corresponde no Mërìndinlogun ao no 2).
Volume 14 – Aláfia Méjì (ôdu no 13 em Ifá, onde é chamado de Ôtùwà Méjì, que
corresponde no Mërìndinlogun ao no 16).
Volume 15 – Ögbéogùndá Méjì (ôdu no 14 em Ifá, onde é chamado de Iretè Méjì, que
corresponde no Mërìndinlogun ao no 15).
Volume 16 – Ôÿê Méjì (ôdu no 15 em Ifá, onde é chamado também de Ôÿê Méjì, que
corresponde no Mërìndinlogun ao no 5).
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
Proposta de leitura da
Coleção Ôdu Àdájô
Sugere-se que a coleção seja lida por inteiro – de maneira superficial ou pro- funda, a
depender do interesse do leitor –, pois assim se tem uma visão glo- bal do Sistema
Oracular de Ifá, do qual foi gerado o Mërìndinlogun. O volume de maior interesse do
leitor deve ter uma dedicação especial, com uma primeira leitura completa, a fim de
que o ôdu seja entendido por inteiro, e depois se transforme em uma espécie de livro
de cabeceira. Não só esse volume, mas a obra completa fica como fonte de consulta,
para quando ne- cessário. O fato de todas as palavras em yorubá terem sido colocadas
com a grafia correta é uma forma de preservar a língua. As palavras em yorubá não têm
plural, esta é a razão que faz com que o leitor encontre no texto, por exemplo: os çbô,
os oríÿa. Para que o leitor vá aprendendo, gradativamente, a língua “religiosa” usada no
candomblé de nação ketu, é bom entender um pouco sobre a pronúncia de alguns
sinais: ç (é); ô (ó); ÿ (x).
Como o conteúdo da coleção, em sua grande parte, derivou da oralidade, foi utilizada
uma bibliografia mínima. É em razão do uso desse tipo de trans- missão de
conhecimento que são encontradas divergências de pronúncia e tradução dos orin
(cântico), adúrà (rezas), ôfõ (feitiço), entre os terreiros/ templos de candomblé. O fato de
uma comunidade religiosa de culto aos oríÿa cantar uma música de um jeito e a outra
comunidade cantar de forma diferente não quer dizer que uma esteja correta e a outra
não, mas é impor- tante que se busque sempre, e de maneira mais límpida possível,
pronunciar o yorubá corretamente, assim como entender o que é dito de forma condi-
zente com os fundamentos, e não aleatoriamente.
Aconselha-se que os çbô identificados na coleção só sejam realizados por ini- ciados,
principalmente por aqueles que tenham “caminho” para executar este
15
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
16
tipo de ritual. Nunca, em hipótese nenhuma, deve ser feito por não iniciados, uma vez
que os corpos destes não foram devidamente preparados para ma- nipular energias
mágicas, isto é, não possuem o àÿç (energia) necessário para a realização desse
preceito; como também não possuem conhecimentos que impeçam de que graves
erros sejam cometidos. Realizar tarefas que não foram solicitadas ou indicadas, só
serve para atrapalhar o destino daquele que se per- mite fazer o que não é preciso que
ele faça.
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
Àköÿo – Prefácio
Ser iniciada aos catorze anos de idade, fez com que eu tivesse a vantagem da
inocência. Sem saber da responsabilidade que me esperava, eu brincava de caçador.
Afinal, fui consagrada para o oríÿa Õÿösi – a divindade caçadora. Na minha mocidade,
pude conciliar a profissão com a religião, cuidando do ser humano como enfermeira
sanitarista durante trinta e cinco anos, quando me aposentei, ao tempo em que servia
também aos deuses. Curiosamente, alguns mais velhos insistiam em me repassar os
conhecimentos que possuíam sobre os fundamentos do candomblé. Em uma época
em que nossa tradição era transmitida apenas oralmente, Bida de Iyemonjá, por
exemplo, contrariava o costume e de maneira obstinada mandava que eu anotasse
nossas conversas. Muito tímida e respeitosa, não era fácil fazer o que ela mandava.
Com o passar do tempo, entendi que os mais velhos queriam munir-me de
conhecimentos, pois cada dia eu recebia mais informações. Só em dezenove de março
de mil novecentos e setenta e sete, quando fui escolhida iyáloríÿa do terreiro de
candomblé onde fui iniciada – o Ilé Àÿç Opo Afonjá, na Bahia –, é que pude enfim
compreender o porquê de toda aquela atenção para comigo.
Nos anos que se seguiram, não apenas os mais velhos, mas também pessoas mais
novas me enviavam importantes materiais de pesquisa sobre a religião que nos foi
legada pelos africanos. As minhas atividades como iyáloríÿa são muitas e nunca me
permitaram organizar tudo que eu recebia por revelação divina ou por gentileza dos
homens, o que muito me preocupava. Pela graça do próprio oríÿa, iniciei alguém
possuidora das característas essenciais para executar a tarefa de selecionar e
estruturar o rico material que colecionei durante toda uma vida. Como filha de Iyemonjá,
Iyá Ibårè possuia a concentração necessária para realizar trabalho tão minuncioso. Meu
objetivo primeiro era apenas o de não deixar perder essa valiosa herança de nossos
ancestrais. Entretando, a chegada da internet m e obrigou a refletir se ainda seria
possível manter em segredo
17
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
18
absoluto os mistérios que envolvem essa religião iniciática. Até porque esse importante
meio de comunicação muitas vezes é utilizado de forma simplista, que termina por
vulgarizar assuntos de extrema profundidade. Assim foi que optei por fazer uso da
tradição escrita para, respeitosamente, oferecer a riqueza da filosofia yorubá, que nos
foi transmitida pela tradição oral – ìpita, sem, no entanto, expor fundamentos que não
são de interesse de todos. Como iniciada que sou, tenho a tendência de resguardar os
mistérios, evitando retirar os véus que os encobrem. Por isso, não foi uma decisão
nada fácil editar a coleção que agora entrego ao público. A ousadia veio da
necessidade, mas a coragem veio da permisão dos oríÿa. Diante da modernidade, essa
ficou sendo minha única alternativa de evitar deturparções da essência de uma religião
milenar. Quero deixar claro que o que aqui transmito tem como base o candomblé
como é professado no Ilé Àÿç Opo Afonjá, na Bahia. Se a mim os deuses deram a
tarefa de receber e guardar os conhecimentos registrados nesta coleção, para minha
filha Ibårè a tarefa dada foi não só a de organizar, aprofundar e registrar de maneira
escrita os conhecimentos, mas também a de garimpar pessoas que pudessem
colaborar conosco. Fica, então, minha gratidão ao empenho de Olúàlàdé – José de
Ribamar Feitosa Daniel; Ôba Tóbiwá – Ângela Botelho e Nipaiÿç – Rose Vermelho.
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
Öfun Méjì
Öfun Méjì é o 16o ôdu na ordem de chegada ao Áiyè, no Sistema Ora- cular de Ifá,
onde é conhecido pelo mesmo nome; enquanto que é o 10o ôdu no Mërìndinlogun –
Jogo de Búzios. Dezesseis é um importantíssimo número para o candomblé. É, por
exemplo, a quantidade de búzios usada para divinação; é o número dos principais
ôdu... Sobre o número dezesseis é dito: “Este número, quadrado de quatro, indica a
realização da força mate- rial. Enquanto tal, toma também uma significação moral
perigosa, a de uma exaltação do orgulho, de uma vontade de poder sem controle... Se,
por outro lado, considerarmos que é o dobro de oito, ele se torna a multiplicação, para
o ser, dos ciclos de vicissitude e de renascimento... o que tão pouco vem a ser uma
situação de completa tranquilidade” ( CHEVALIER. p. 335). O número dez, por sua vez, é
símbolo da unidade universal em movimento, de onde surge a criação. Ele comporta
em si a soma dos quatro primeiros números, o que lhe confere “um sentido de
totalidade, de conclusão. O sentido de volta à unidade. Simbolizando, embora, um
conjunto, 10 tem conotação de dua- lismo fundamental, princípio do movimento. Não é
de surpreender, nessas condições, que o dez possa exprimir do mesmo modo a morte
e a vida, sua alternância, sua coexistência...” ( CHEVALIER. p. 334). Öfun Méjì é, portanto,
um ôdu de extrema complexidade, que como símbolo da síntese universal, car- rega
em Si a responsabilidade pela “Criação” e por todo tipo de criação, que acontece por
oposição ou complementação dos opostos, enfim, através de permanente movimento.
“A criação simboliza o fim do caos, pelo advento, no uni- verso, de
uma certa forma, de uma ordem, de uma hie- rarquia... Segundo as
diversas cosmogonias... a obra do criador precede o caos ou lhe
sucede. O caos não passa
19
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
20
de uma primeira fase: uma massa elementar e indiferen- ciada que o
espírito penetra, dando-lhe forma... O ato de criação, no seu sentido
lato, é a energia, que organiza os primeiros dados, informes... Depois
do ato criador, duas forças são geralmente percebidas como distintas:
uma, imanente da matéria, que é a própria matéria, participan- do da
energia criadora e tendendo espontaneamente a formas sempre
diferenciadas; a outra, transcendente, a energia criadora que continua
sua obra e sustenta essa obra de existência – pois o mundo foi
concebido como uma criação contínua” ( CHEVALIER. p. 300-301).
Öfun Méjì é o ôdu da unidade e, por isto, tem como instrumento a Ca-
baça-da-Existência, correspondente ao Ovo Cósmico de outras Tradições, que
comporta tudo o que foi ou que há de ser criado através do movimento dos diversos
pares de opostos: masculino/feminino, positivo/negativo, ação/ repouso, luz/trevas,
preto/branco, macho/fêmea, vida/morte. Öfun Méjì – ôdu representado por Ôbàtálà –
comanda a vida através de Seu “filho” Çjì-Ogbé/Çjônile, ôdu relacionado a Oÿàlá; e
comanda a morte através de Õyêkú/Çjìlõgbõn, ôdu relacionado a Odùdúwá. Oÿàlá e
Odùdúwá quando em estado de união formam o par cósmico primordial. A relação entre
esses dois oríÿa “contém ao mesmo tempo as ideias de movimento, de continuidade,
de autofecundação e, em conseqüência, de eterno retorno” (ver Simbologia – Àilópin
Àbõ) ( CHEVALIER. p. 922). Öfun Méjì rege o movi- mento que conduz a criatura ao Criador,
retornando ela, assim, à Unidade Primeira.
O ôdu Öfun Méjì foi criado pelo Êmí de Olorun, isto é, pelo Sopro de Deus Supremo (ver
Simbologia – Fø). Criado Öfun Méjì, Ele deu nascimen- to a Çjì-Ogbé – ôdu em Ifá no 1,
que corresponde no Mërìndinlogun ao no 8, onde é conhecido pelo nome de Çjônile – e
a Õyêkú – ôdu em Ifá no 2, que corresponde no Mërìndinlogun ao no 13, onde é
conhecido pelo nome de Çjìlõgbõn. Considerado hermafrodita, Öfun Méjì é pai e mãe
dos dois ôdu acima citados. Apresenta, entretanto, muito mais semelhança com Çjônile,
tanto que quando Öfun ou Çjônile aparecem no jogo divi- natório, o sacerdote deve
levantar-se três vezes e reverenciá-Los exclamando ¦pà Baba! Expressão que foi
utilizada por Öfun Méji, no momento em que
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
encontrou uma divinadora leprosa (itan 1 e 6), quando Ele ainda estava no Õrun, onde
era conhecido pelo nome Õragún ou Orogun. ¦pà Baba é uma exclamação através da
qual se pede clemência ao Grande Pai – Oÿàlá, em virtude de algum medo que se
esteja sentindo.
Öfun Méji é o ôdu que, junto com Çjônile, revelou os acontecimentos que ocorreriam na
“Peregrinação de Oÿàlá”, a qual deu origem ao ritual co- nhecido como Omi Oÿàlá. Rege
todos os mistérios, inclusive o que se re- fere à ressuscitação dos mortos, que o ôdu
Ôÿê Méji adquiriu Dele, através de uma relação incestuosa. Öfun Méji gerou todos os
ôdu e foi gerado pelo Êmí – o Sopro Criador – de Olorun. Por isso se diz que é através
de Öfun Méji que o homem se comunica diretamente com o deus supremo. Öfun Méji é
atmosfera, ar, firmamento. Öfun é Óførufú. É àgba, tendo, portanto, sob Sua regência
tudo o que já está manifestado no universo, mas
21
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
22
também o que ainda está por manifestar. Foi Ele quem gerou todos os ôdu e não
apenas Çjônile e Çjìlõgbõn. Öfun Méji é o Grande Pai – Oÿàlá – e ao mesmo tempo a
Grande Mãe – Odùdúwá. Ôbàtálà é um nome muito utilizado quando a intenção é
referir-se a Oÿàlá, mas, na verdade, esta é a de- nominação dada às duas principais
divindades funfun – Oÿàlá/Odùdúwá – quando Elas ainda se encontravam unidas no
Õrun, antes da criação do Áiyè. Essa é razão de Ôbàtálà ser representado por um casal
de pombos brancos. Literalmente, a palavra Ôbàtálà significa Algodão Alvejado que
Ger- mina. Öfun Méji é Dídá – o ôdu da “Criação”.
No Õrun, Odùdúwá unida a Oÿàlá formavam um só oríÿa – Ôbàtálà –, símbolo do casal
mítico primordial, propulsor da “Criação”, existente nas cosmogonias de diferentes
culturas. O ôdu Ôtùropön/Åji Ôkó se une ao ôdu Õwòrì/Owárìn para formar o ômô ôdu
Ôtùropön-Õwòrì, que relata a história mítica sobre a Criação do Mundo
(Ìtànìgbà-ndá-àiyé), se- gundo a cosmogonia yorubá:
No principio de tudo, quando não havia separação entre o que está em cima e o que
está embaixo, cuja representação maior é o que normalmente se costu- ma chamar de
Céu e Terra, Oÿàlá e Odùdúwá viviam juntos dentro da Caba- ça-da-Existência (Igbá
Iwa), também conhecida como Cabaça-dos-Destinos (Igbádu). Oÿàlá e Odùdúwá viviam
muito apertados naquele local, tendo que dormir um em cima do outro. O que
determinava quem dormiria por cima ou por baixo era os sete anéis que Eles
possuíam. Oÿàlá sempre conseguia colocar quatro anéis e por isto tinha o privilégio de
ficar por cima. Odùdúwá se conformou com aquela situação por muito tempo, mas um
dia Ela disse que usaria os quatro anéis. Oÿàlá não aceitou e a luta entre o casal/irmão
foi tão grande que a Cabaça se rompeu em duas metades, ficando Oÿàlá na parte
superior e Odùdúwá na parte inferior. Estava rompida a união do Grande casal (ver
Instrumento).
O casal já não podia viver junto no mesmo local e, assim, Olorun resolveu criar a Terra.
O oráculo de Ifá foi consultado e o primeiro a se apresentar foi Õfun Méjì, o ôdu
hermafrodita representado por Ôbàtálà – Oÿàlá/ Odùdúwá. Em seguida se apresentou
Çjì-Ogbé/Çjônile Méjì – o ôdu da vida, representado por Oÿàlá. Logo depois surgiu
Õyêkú/Çjìlõgbõn – o ôdu da morte, que é comandado por Odùdúwá. Tudo indicava que a
mis- são seria coroada com êxito, mas para que Èÿu ajudasse no cumprimento
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
da missão, Ele precisaria receber Sua oferenda. Assim a Lei Universal da Troca seria
respeitada. A união entre Oÿàlá e Odùdúwá estava rompida, o que impossibilitou Õfun
Méjì de sair do Õrun para criar a Terra. Como Çjônile Méjì foi o segundo ôdu a se
apresentar, Olorun confiou a Oÿàlá aquela tão grandiosa tarefa. A divindade suprema
entregou a Oÿàlá a Cabaça-da-Exis- tência, contendo nela o germe de tudo que há no
mundo e Lhe relembrou a necessidade de oferendar Èÿu. Oÿàlá não obedeceu à
recomendação de dar oferenda a Èÿu. Ele não aceitou submeter-se ao oríÿa símbolo da
existência diferenciada, o princípio dinâmico de propulsão, mobilização, transformação
e crescimento que conduz à criação. Oÿàlá se esqueceu da importância de Èÿu Yangí –
Èÿu Àgba, a primeira matéria criada, formada de água e terra. Èÿu da Laterita Vermelha,
um rochedo avermelhado (laterita) que ganhou vida ao receber o “Hálito” de Olorun. A
primeira matéria que daria forma a todas as outras subsequentes, inclusive daria forma
à humanidade.
23
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
Instrumento
25
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
26
como Igbádu – cabaça onde estão guardados todos os destinos (ôdu). A
Cabaça-da-Existência é conhecida ainda por Igbá Àjë – Cabaça Grande da Feiticeira –,
uma referência a Odùdúwà (ver Ìtànìgbà-ndá-Àiyé).
A simbólica da Cabaça-da-Existência é a mesma do Ovo Cósmico e do Atanor
Alquímico. Os bambaras, um povo africano, diz que a cabaça é “símbolo do ovo
cósmico, da gestação, do útero em que se elabora a vida. Os bamba- ras chamam ao
cordão umbilical a corda da cabaça da criança” ( CHEVALIER, p. 151). O simbolismo da
cabaça, enquanto recipiente que guarda o germe de toda “Criação”, está para algumas
tradições, entre elas a yorubá, como o Ovo Cósmico está para a cosmogonia de outros
povos: “O ovo, considerado como aquele que contém o germe e a partir do qual se
desenvolverá a mani- festação, é um símbolo universal e explica-se por si mesmo. O
nascimento do mundo a partir de um ovo é uma ideia comum a celtas, gregos,
egípcios, fení- cios, cananeus... às populações da Sibéria e da Indonésia e muitas
outras ain- da” ( CHEVALIER, p. 672). A cabaça também é comparada ao atanor dos
alquimistas, “símbolo do cadinho de transmutações físicas, morais ou místicas... A
fundição dos ingredientes no cadinho simboliza... o retorno à indiferenciação primor-
dial, exprimindo-se como sendo um retorno à matriz, ao estado embrionário. A abertura
superior do atanor está assimilada à perfuração simbólica existente no cimo da cabeça,
por onde se efetua a saída do cosmo, e por onde escapa... o embrião em seu processo
de retorno ao vazio” ( CHEVALIER, p. 96).
O iniciado no candomblé sabe que é em seu Igbá que está guardada sua essência
divina, a qual encerra em si seu destino pessoal, seu ôdu, juntamen- te com o dom
vinculado a ele, o qual deverá ser usado com sabedoria pelo iniciado, para que assim
possa a criatura assemelhar-se ao Criador. A cabaça, Igbá, dos sacerdotes do
candomblé dos tempos atuais, foi substituida por uma porcelana redonda com tampa,
em virtude da maior durabilidade desta.
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
27
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
28
Gênero
Tôkônrin (masculino)
O ôdu Õfun Méjì é hermafrodita, mas é visto como tôkônrin pelo fato de Ele ser formado
por AR sobre AR – elemento masculino.
Diz Mãe Stella: “A magia é lógica”. A quinta Ìyálorìÿa do tradicional terreiro de can- domblé Ilé
Àÿç Opo Afonjá assim fala porque conhece a complexidade e a coerência do sistema de
ordenação de mundo desta religião. “No pensamento africano, de maneira geral, a sexualidade
e as relações por elas supostas, ‘a maneira pela qual elas se definem simbólica e praticamente,
as naturezas dos dinamismos sociais elementares, dos quais elas são o ponto de origem’,
macho e fêmea, ficam sendo a base lógica dos sistemas de classificação” ( BARROS. p. 1993).
Macho e fêmea formam um par, de oposição e complementariedade, que permeia todo
o referido sistema. Ele é encontrado nas divindades do panteão yorubá, onde os oríÿa
são considerados masculinos (ôkônrin) e femininos (oborin), dependendo das
características que possuem. As plantas também são clas- sificadas como: ewé apá õtun
(folhas do lado direito) e ewé apá osín (folhas do lado esquerdo), querendo dizer que
elas possuem características consideradas masculinas (gùn/excitantes) ou femininas
(êrô/calmantes). A maioria das tradições, inclusive a yorubá, relaciona o lado direito ao
gênero masculino e o lado esquerdo ao gênero feminino. Elbein dos Santos, em seu
livro Os Nago e a Morte, diz: “Ambas as categorias são igualmente importan- tes e
suas funções têm valores equivalentes e complementares. Assim, por exemplo, um
indivíduo está constituído de elementos da direita, herdados de seu pai, e de seus
ancestrais masculinos, e de elementos de esquerda, herdados de sua mãe e de seus
ancestrais femininos”.
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
29
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
30
Elemento Afåfë =
AR
Para muitas culturas, os quatro elementos – ar, fogo, água e terra – são fun- damentais
no que diz respeito à criação do planeta e dos seres que nele ha- bitam. A tradição
yorubá não foge a essa regra. Para ela, cada divindade está relacionada a um
elemento. A antiga semana yorubá era composta por cinco dias: um dia para cada
elemento e suas respectivas divindades, sendo que o quinto dia ficava destinado ao
repouso. No que diz respeito aos dezes- seis ôdu, cada grupo de quatro está interligado
a cada um dos elementos, os quais interagem entre si.
Õfun Méjì é o único ôdu que é considerado hermafrodito, mas Seu ele- mento – o ar – é
masculino e ativo, assim como o fogo, o elemento de Çjô- nile, dois ôdu que são
intimamente ligados. O fogo só existe na presença do gás oxigênio (ar), assim como
Çjônile só passou a existir depois que Õfun O “liberou”. O ar e o fogo são tão
interligados que a cosmogonia de algumas tradições tem o fogo como a origem de
tudo; enquanto outras, como a cos- mogonia yorubá, veem o elemento ar como o
principio criativo da Grande Criação, entendendo que é o ar concentrado que faz surgir
o calor, o fogo, e com ele todas as formas de vida.
Dizem ser o ar comprimido, que adquirido de maneira adequada pelo ser hu- mano e
“estocado” nos seus diversos corpos, a fonte de energia necessária para que se tenha
poder criativo, que é o que faz com que o homem se assemelhe a Deus. Possuindo
uma parcela do deus supremo, o homem pode a Ele asse- melhar-se. Afinal, todo ser
vivo foi pelo “Ar Divino” vivificado, não conseguindo, assim, sem Ele viver. Sem deus o
homem não vive, assim como não vive sem o ar para respirar. O elemento de Õfun Méjì
é, portanto, o ar vinculado à Olorun, pois este ôdu foi fecundado pelo àÿç de Õrúnmìlà e
pelo Êmí
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
de Deus Supremo, que é o Sopro da Vida: a Respiração Divina que vivifica o espírito,
dando movimento ao que ainda se encontra em estado inanimado. O Sopro Divino
pode ser chamado pelo nome yorubá Óførufú, palavra que também significa atmosfera:
a fina camada de gases que proteje a Terra e toda vida nela existente, pois absorvendo
a radiação ultravioleta evita que a temperatura chegue a condições insupurtáveis. O
Êmí de Deus Supremo é, portanto, criador e protetor da vida, como o àlà (importante
símbolo de Oÿàlá), sobre o qual é dito: “Oxalá..., que mantém a proteção vital, individual
e coletiva, representada pelo Alá (pano branco que simboliza a atmosfera). O alá está
associado a essa massa invisível de ar que está suspensa como um grande pano
aberto acima de todas as cabeças dos indivíduos nascidos. O Alá preserva a existência
dos vivos e ao fechar-se sobre alguém significa a morte do corpo, perda do calor vital,
nascimento de Orí, no Orún” ( RODRIGUÉ, p. 78).
31
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
32
trevas a dentro e por onde passava espalhava o pó branco...
Imediatamente surgiu no espaço uma suave brisa que, au- mentando de
intensidade, transformou-se em forte ventania, formando um turbilhão qe
se chocava furiosamente com as trevas... tomando-a e substituindo-a
por luz... Estava criado o elemento ar, e com ele nascera a luz... Odudua
ordenou: - Oiyá, comanda o vento, cavalga-o e domina-o para que possa
servir fielmente aos nossos planos” (OXALÁ, p. 44-45).
O Espaço “... é não somente o lugar dos possíveis – e, nesse caso sentido, sim- boliza
o caos das origens –, mas também o das realizações – nesse caso, sim- boliza o
cosmo, o mundo organizado... simboliza o meio – interior e exterior – no qual todo ser
se move, seja ele individual ou coletivo” (CHEVALIER, p. 391). Ôya é também chamada de
Iyansã – Mãe dos Nove – pois comanda os nove espaços universais que, para o povo
yorubá, separa o Õrun do Aiyé. Tam- bém na tradição hindu o vento está relacionado ao
espaço: “o vento, Vayu, é o sopro cósmico e o Verbo; é o soberano do domínio sutil,
intermediário entre o Céu e a Terra, espaço preenchido, de acordo com a terminologia
chinesa, por um sopro, k’i... O espírito, instigado pelo desejo de criar... gera o espaço.
Da evolução desse éter nasceu o vento... do vento nasceu a luz iluminadora que,
resplandecente, afasta as trevas...” (CHEVALIER, p. 935-936)
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
• Ar | |
|
• Ar | |
|
Ìwõ-Õrun Ponto
Cardeal
Segundo a tradição yorubá, em cada dia o deus supremo criou quatro ôdu, fazendo
surgir as dezesseis predestinações principais do Sistema Oracular de Ifá. Cada um dos
dezesseis ôdu tem nos pontos cardeais, colaterais e sub- colaterais seu local de
adoração, nos quais são depositadas oferendas aos deuses, a fim de que se tenha
uma boa orientação (ìtöni) de caminho.
O ôdu Õfun Méjì tem como local de orientação e adoração o ponto co- lateral
SUDESTE, que como diz o próprio nome fica localizado entre o Sul (Gùsù) e o Leste
(Gábàsí), o que faz com que Õfun possua características mágico/simbólicas destas duas
localizações:
• O SUL tem relação com o elemento FOGO. A relação de Õfun Méjì com o ponto cardeal
sul diz respeito, principalmente, ao fato de Ele ter sido gerado pelo Êmí de Olorun. O
Sopro Criador do Deus Supremo é o AR que carrega em si o FOGO vivificador,
aquele que dá vida a todos os seres. Além disso, Õfun Méjì tem como um de seus
principais oríÿa, Oÿàlá, símbolo do espírito e do sol, que para os povos africanos
estão re- lacionados ao fogo vivificador e purificador. Oÿàlá é Fogo Celeste; Oÿàlá é
Pai da Criação, por isto comparado ao sol (órun), que é o espírito criador de toda a
matéria.
35
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
36
deal Leste dá a Õfun Méjì poderes de nascimento/renascimento, uma vez que neste
ponto o sol “renasce”, fazendo com que a renovação seja possível a cada alvorada,
momento de nascimento do referido ôdu (ver Ìtan-Àtowodowo = Fecundação). Um
dos mitos de Öfun diz que na alvorada, os raios do sol nascente surgiram por trás de
Oÿàlá e, passando entre as penas vermelhas do papagaio, fizeram com que o povo
pensasse que labaredas de fogo saiam de Sua cabeça e por isto gritaram ¦pà Baba!
O Leste está relacionado ao branco, cor representativa da pureza e da paz. Foi pela
pureza das intenções de Olorun que Õfun Méjì foi gerado, para levar tranquilidade ao
planeta Terra quando este fosse criado. O Les- te é branco como as brumas da
alvorada, mas carrega em si um pouco do vermelho-claro e brilhante dos raios
solares do amanhecer, das penas (ekôdidé) do papagaio-africano que enfeitaram a
cabeça de Oÿàlá e fez com que Ele voltasse a ser respeitado. É o vermelho do fogo
brando que estimula o movimento, a ação. É a cor do fogo e do sangue: “A cor do
Les- te é antes de tudo o vermelho do sangue novo e da força vital, o vermelho do
sol nascente” ( CHEVALIER. p. 732).
Assim como o ôdu Çjônile (fogo) está ligado a Õfun Méjì (ar), o FOGO está sempre
vinculado ao AR. Afinal, sem o oxigênio existente no ar o fogo não pode ser produzido.
Sem este fundamental elemento o homem não respira e morre. Sul e Leste, fogo e ar,
Sopro Criador de Olorun que dá ao homem a energia de vida. Todas essas informações
fornecem importantes indicativos para que os mistérios que rondam Õfun possam ir
sendo clareados, gradati- vamente, como os passos de um ìgbín.
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
Wájì = Cor
Indiscutivelmente, é com a cor BRANCA, denominada funfun pelos yoru- bá, que o ôdu
Õfun Méjì tem Sua maior relação. Branca é a cor de Õfun Méjì porque é a cor de
Ôbàtálà: ser espiritual representativo do casal pri- mordial Oÿàlá/Odùdúwá, que enquanto
viviam juntos só se vestiam com roupas brancas. Poder-se-ia perguntar o porquê da
cor preta não ter também relação com Õfun Méjì, uma vez que preta foi a cor da roupa
que vestiu Odùdúwa, quando este oríÿa veio criar a Terra. Primeiro, é preciso lembrar-
se que Odùdúwa é uma das divindades funfun, isto é, aquelas que se ves- tem de
branco, e que Ela só passou a vestir-se de preto depois que se separou de Seu
esposo/irmão e recebeu a grandiosa missão de criar a Terra; segundo, é preciso
conhecer melhor sobre cor e, neste caso, mais especificamente so- bre a cor branca e
a preta, para que se possa compreender o porquê de cada ôdu estar relacionado a uma
cor.
Cor e luz são “fenômenos” intimamente vinculados. Os objetos não possuem luz
própria, por isto, só se tornam visíveis aos nossos olhos quando um feixe de luz,
proveniente de alguma fonte de energia (sol, fogo, luz elétrica...), os clareia. Os raios
que clareiam um objeto são compostos de todas as cores, mas cada objeto reage
absorvendo todas menos uma, que é aquela que ele reflete. É exatamente essa cor
não absorvida, pois é refletida, que é a cor que vemos e dizemos ter o objeto. A fim de
melhor esclarecer esse assunto, dá-se como exemplo a cor de uma blusa que
absorveu todas as cores de uma fonte de luz, mas refletiu apenas a vermelha, fazendo
com que afirmemos que a blusa em questão é vermelha.
37
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
38
as cores”; mas sobre a cor branca também se diz que é a “ausência de cor”, quando se
quer defini-la levando-se em conta o fato de que não ABSORVE nenhuma cor. Já
sobre o preto se diz as mesmas coisas, porém por motivos inversos: o preto é visto
como a “ausência de cor” porque não REFLETE ne- nhuma das cores advindas da
fonte luminosa; considera-se o preto “a reunião de todas as cores”, no entanto, quando
é observado o fato de ter o poder de ABSORVER todas as cores recebidas.
A cor preta esquenta porque absorve energia. Enquanto a branca esfria por- que reflete
toda energia que recebe. Como a cor é uma das formas de ma- nifestação de energia,
cada ôdu e cada oríÿa estão relacionados a uma ou mais de uma cor, a depender da
essência energética que carrega em si. Oÿàlá é o oríÿa frio que se veste de branco,
vinculado ao ôdu Õfun Méjì, que fala em conjução de pares de opostos, entre elas a cor
branca e a preta.
A cor do ôdu Õfun Méjì é BRANCA, a “cor da luz”, que é assim considerada pelo fato de
refletir todos os raios luminosos, característica que faz com que o branco possua o
máximo de clareza, sendo por isto a cor da “Verdade”, escrita com letra maiúscula para
demonstrar que é a verdade advinda da iluminação divina. É a cor da generosidade por
receber todas as cores, mas não ficar com nenhuma para si, uma vez que reflete
todas. No aspecto espiritual, simboliza clareza, purificação, ordem, paz...
características que precisam possuir um ser iluminado, como iluminado é Ôbàtálà, nome
que designa a união de Oÿàlá /Odùdúwa, as duas principais e mais antigas divindades
da família funfun, que usam a cor branca como símbolo de purificação, pois são oríÿa
criados diretamente de Olorun – a Suprema Pureza – o Absoluto, como absoluta é a cor
branca, pois não possui variações, quando muito pode ser vista como fosca ou
brilhante.
O branco é a cor da pureza que deve ser buscada por todos, mas principal- mente
pelos regidos por Õfun, para quem se diz: “Alaso àlà ki ilo joko si iso-elépo” = “Quem usa
roupa branca não se senta na graxa”, lembrando- lhes que nunca devem estar sujos,
impuros. Para os filhos desse ôdu, dão-se nomes vinculados à cor branca: Abigbàlà =
Nasceu da roupa branca, que o recebeu e o aceitou; Àlàlade = Chegou quem é puro e
alvo como a roupa branca; Tálàbí = Nascido do Algodão Alvejado. Essa última
denominação é a mesma dada à criança mulher que nasce “empelicada”, envolta na
bolsa amniótica que simboliza o Àlà de O
ÿàlá.
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
Ajôba REGÊNCIA
Por ser o ôdu da “Criação do Mundo”, Õfun Méjì rege a vida e a morte; o que já foi
criado e o que ainda será; todos os mistérios que já foram revela- dos e os que ainda
estão obscuros. Todos os destinos, consequentemente, as sortes e azares estão sob
Seu comando. Vinculado aos oríÿa funfun, Õfun Méjì rege tudo que é branco. Os
cabelos brancos são importantes para esse ôdu em virtude de ser a cor branca aquela
que expressa a pureza de intenções e por ser o branco a cor dos cabelos na velhice,
etapa do de- senvolvimento humano onde a experiência de vida propicia a aquisição de
uma maior espiritualidade, que por sua vez favorece a revelação dos misté- rios que
Õfun guarda a dezesseis chaves. Sendo o ôdu que rege o mais alto grau de
espiritualidade, aquele que faz a criatura assemelhar-se ao Criador, Õfun Méjì rege
todas as aves – símbolo do espírito. Espiritualidade que só é alcançada por aqueles
que têm Õfun como caminho, de maneira lenta e gradual. Afinal, Õfun Méjì é o ôdu mais
velho de todos e por isto, apesar de comandar tudo o que se move, Seu movimento é
lento como o de um ìgbín, animal que mesmo com toda sua lentidão, move-se de
maneira a alcançar espaços considerados improváveis.
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
A palavra Õfun significa garganta. Por isso Õfun Méjì traz muitos pro- blemas nesse
órgão, os quais podem, inclusive, afetar a fala. Quando sob a influência de Oÿàlá, Õfun
Méjì rege todos os fluidos (aÿà) do corpo hu- mano, principalmente a saliva, o sêmen, o
suor... Tanto que uma das formas pela qual Ele é chamado é Lãgøn, que significa suar,
transpirar. O referido ôdu - quando sob a influência de Odùdúwà, portanto, das Ìyámi -
rege a menstruação (junto com os ôdu Õsá e Ìròsún), causando problemas de barriga e
aborto: se Õfun Méjì aparece no Jogo de Búzios, é aconselhado ao divinador e ao
consulente bater as palmas das mãos sobre o ventre por três vezes e logo em seguida
soprá-las também por três vezes, exclamando ¦pà Baba! Esse ato mágico/simbólico visa
espalhar, através do sopro, a forte energia existente nesse ôdu, o que ajuda a diminuir
as possibilidades de do- enças no abdome. Como o ar é o elemento de Õfun, esse ôdu
traz Consigo muitos problemas respiratórios. Por ser o mais velho dos ôdu, doenças
típi- cas da velhice como artrose, reumatismo (àrìnká), doenças circulatórias e
cardíacas se relacionam a Õfun. Psicologicamente, o cuidado deve ser com a falta de
energia, geralmente decorrente do tédio de viver, que gera desâ- nimo, melancolia e
até depressão. Doenças simples podem transformar-se em problemas sérios que
levam à morte. Entre todas, a doença que é mais diretamente ligada a Õfun é a LEPRA
(Ìtan 4 e 6).
41
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
42
Por ser um ôdu que deve ser muito respeitado, ou melhor, temido, é melhor evitar
pronunciar qualquer um de Seus nomes e escolher dizer ¦pà Baba!
Os yorubá também chamam Õfun Méjì de: Lãgøn, Òfù, Ôfø, Ôfún, Òjì Òfù, Ôlôgbön,
Ologún.
Õfun = Garganta, papo, palavras que são usadas de maneira metafórica para se referir
à capacidade de persuasão através da fala que possuem os regidos por Õfun, o que
faz com que alguns deles sejam apelidados de ôlöfun = bom de papo, de conversa.
Algumas palavras em yorubá servem para con- firmar a relação do ôdu Õfun com
garganta e com o sentimento de asfixia e estrangulamento: fúnkì = abafar, sufocar,
asfixiar, reprimir; fúnlokùn = estrangular; fulôrùn = apertar, abafar, sufocar, estrangular;
fulôrùnpa = matar por estrangulamento; fúnpa = estrangular, matar por asfixia.
Òfù = Perda. O ôdu Òfù passou por significativas perdas devido à Sua ar- rogância,
tanto que era apelidado de fújà (fanfarrão, cheio de si) e fúnnu (aquele que se
vangloria).
Ôfø = Ele é o sopro, o som do vento. A palavra fø transmite a idéia de limpar um objeto
ou local com o vento produzido pelo sopro, sendo este ato um tabu para os regidos
pelo ôdu Ôfø (ô = ele; fø = o som do vento).
Ôfún = Ele dá. A generosidade é fundamental para a prosperidade das pes- soas
regidas por esse ôdu (ô = ele; fún = dar).
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
Ôfún = Ele espirra pelo nariz. É, principalmente, em respeito a esse ôdu que os
integrantes dos cultos aos oríÿa pedem a benção aos mais velhos quando espirram (ô =
ele; fún = espirrar pelo nariz).
Ologún = Senhor que recebeu herança [ogún = aquilo que é obtido por herança (Ìtan 5)].
43
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
44
Kiki Saudação
A principal saudação para Õfun Méjì é ¦pà Baba! Sendo åpa uma excla- mação de
surpresa ou medo, esta é uma saudação através da qual se procu- ra demonstrar o
respeito pelo que ou quem está se vendo. A palavra åpa é também usada pelos
membros da sociedade Ôgböní (Ìtan 8), sobre a qual se diz ser a primeira sociedade
secreta criada e que tem o ôdu Õfun Méjì como regente (Ìtan 6).
Outra saudação é: Funfun yçni, akán yçni yçni ôyçnyçn = O ôdu Ôfún é puro, bom,
impecável, digno, exemplar. Segundo o ôdu Õfun Méjì, é fundamental que se procure
estar sempre limpo, incólume, brilhante, estimulando o gosto pelo belo e o cuidado com
a aparência. Enfim, cuidar do corpo para que o espiritual se sinta cuidado.
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
Ìtan-Àtowodowo =
Fecundação
Ìsëlê – o primeiro homem criado, cujo nome significa abnegado e flexível – foi
convocado por Olorun para ajudá-Lo a criar um ôdu que fosse capaz de tranquilizar e,
consequentemente, equilibrar o planeta Terra, pois este estava prestes a ser criado.
Para realizar tão importante trabalho, Ìsëlê recebeu a seguinte recomendação: ele
deveria raspar çfun sobre uma peça de prata, onde já se encontrava uma folha
chamada ewé Iyá; misturá-lo a um pedaço de cristal-de-rocha, orvalho, neblina e
colocar a mistura sobre um monte de areia, no alto de um morro. Ìsëlê seguiu a
recomendação e no raiar do sol do outro dia nasceu o ôdu Õfun Méjì, que foi gerado
pela pureza das inten- ções de Olorun.
Os mesmos elementos são relatados pela nação jeje para narrar a fecunda- ção do ôdu
Õfun Méjì: Olorun orientou Õrúnmìlà a colocar uma es- pécie de argila branca (çfun)
dentro de dezesseis gotas de orvalho e du- rante dezesseis dias seguidos depositar ali
um pouco de Seu poderoso àÿç. Õrúnmìlà fez tudo como Lhe tinha sido recomendado.
Grande foi Sua ale- gria quando viu o brilho que saia da argila, de onde surgiu grânulos
esbran- quiçados. Õrúnmìlà colocou os grânulos e raspas da brilhante argila em um
pano branco (fø) e seguiu para mostrar Seu trabalho a Olorun. O deus supremo
transformou os grânulos em brisa (afåfë-jëjë), que ao ser soprada por Olorun virou
òjo-didi: chuva de granizo. Õfun Méjì nasceu, portanto, de çfun e do àÿç de Õrúnmìlà e
teve como “bolsa amniótica” gotas de orvalho (Omira = é o fluido aminiótico onde o
embrião fica imerso). Õfun é o próprio ar, é o som da brisa soprada por Olorun – fø.
45
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
46
Ìtan de 1 a 28
Ìtan 1 Õfun Méjì no Õ
run Õfun Méjì é o filho mais velho de
Õrúnmìlà
O nome de Õfun Méjì no Õrun era Õragún Dêyìnçkùn – Ser pleno, maduro, que é louvado
por ter obtido herança de seu pai. Õfun era o mais velho dos ôdu, sendo por isto o
primeiro que deveria vir para o Àiyé e reinar sobre os outros destinos dos homens. Õfun
recebeu como herança o título de Olodu – Senhor dos Ôdu. Õfun foi, realmente, o
primeiro a chegar ao planeta Terra, mas não ficou sendo o número um dos ôdu porque,
por exer- cer Seu reinado de maneira ditatorial, logo teve que retornar para o Õrun. O
título de Olodu, dado a Õfun por direito hierárquico foi, então, transferido para Seu filho
Çjônile Méjì, que passou a ser o primeiro ôdu em Ifá (cor- respondendo ao número oito
no Mërìndinlogun). Õfun só voltou para a Terra quando todos os outros ôdu já estavam
aqui instalados. Ele ficou sendo, assim, o último ôdu a chegar ao Àiyé e por isto é o
décimo sexto no Sistema de Ifá (correspondendo ao número dez no Mërìndinlogun).
Õfun Méjì e Çjônile Méjì são intimamente relacionados. Õfun foi criado do ar e através
dele deu vida a Çjônile (ver Elemento).
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
pano vermelho ficar ainda mais vermelho ao passar osùn e depois o usou para envolver
as penas da cauda de Papagaio. Magicamente, todas as penas da cauda de Papagaio
ficaram vermelhas. Papagaio obteve múltiplas rique- zas; ele teve também múltiplas
esposas; ele teve muitos filhos que têm se multiplicado. Èÿu disse que daquele dia em
diante todas as divindades só poderiam ser capazes de ter autoridade e ver o futuro se
usassem as penas vermelhas de Papagaio.
Não há divindade que não use as penas do papagaio-africano (ver Êdá-Çlé- mi/ Odidç),
pois estas representam a luz com que elas veem o futuro. Foi assim que o papagaio se
tornou um pássaro nobre, cujas penas são usadas como decoração, mas também
como símbolo de autoridade. Foi através do seguinte poema que Õfun Méjì, ainda no
Õrun, revelou a maneira como o papagaio-africano adquiriu suas penas vermelhas e
passou a ser considera- do um pássaro a ser honrado e glorificado: “Dìmú Odidç
wérewére ajé Ilé áya ômô” = Papagaio segurou rapidamente riquezas, casas, esposas e
filhos.
Logo depois Õrúnmìlà foi à divinação com Divinador da Estrada, para des- cobrir uma
maneira de tomar todos os àÿç de Ògún. Foi recomendado a Õrúnmìlà que Ele fizesse
oferenda de uma ovelha, um pombo e um rabo de cavalo. Depois de fazer a oferenda,
Õrúnmìlà foi visitar Ògún e recitou o seguinte encantamento: “Uma criança pequena não
recusa o leite materno; A ave não recusa o convite para o milho; O pênis não recusa o
convite para a vagina; Ninguém pode ignorar a picada de uma cobra; Ninguém resiste
à necessidade de tossir; Ninguém ignora a picada de um escorpião; A terra não
47
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
48
pode recusar os raios do sol; O pano não pode recusar o ataque violento de uma
agulha; Ninguém pode impedir o gato de caçar o rato; Ninguém deso- bedece ao
chamado da natureza; Dessa forma você, Ògún, não pode resistir à visão de um
cachorro”.
Dominado magicamente, Ògún foi a seu recinto secreto, pegou seus àÿç e timidamente
entregou-os para Õrúnmìlà, que logo tratou de engolir tudo. Só cinco dias depois, Ògún
se deu conta de que seus poderes tinham desa- parecido. Ele relembrou que a única
divindade que O visitara nos últimos cinco dias tinha sido Õrúnmìlà, por isto decidiu ir à
Sua procura para investigar o ocorrido. Percebendo que Ògún não se lembrava de
nada, Õrúnmìlà disse para Ògún que Ele estava tendo uma alucinação temporária.
Arrasado, Ògún voltou para casa, enquanto Õrúnmìlà cantava: “ßígõ ÿígõ agò tö; ÿígõ ÿígõ
agò tö” = Descobri um bobo, um estúpido e usei sua tolice para atrapa- lhá-lo; descobri
um bobo, um estúpido e usei sua tolice para atrapalhá-lo.
Desgostoso com Sua própria conduta, Õfun Méjì decidiu retornar para o Õrun. Durante
Sua jornada de retorno, Õfun encontrou a divinadora sem lábios que fez divinação
quando Ele desejou sair do Õrun para o Àiyé. A divi- nadora não reconheceu Õfun
porque tinha perdido a memória. Foi só nesse momento que Õfun percebeu que a
criatura que O tinha ajudado anterior- mente não tinha boca, nem pernas e nem mãos.
Ele correu apavorado e excla- mou: ¦pà! A mulher O chamou de volta e Õfun se
aproximou relutante.
A divinadora estava desesperada porque tinha sido atingida pela lepra. Ela implorou a
Õfun que fizesse divinação, pois estava suspeitando que Ele era um grande sacerdote
de Ifá. A leprosa desejava ser curada daquela doença, principalmente para poder ter
um filho. Õfun divinou para a desesperada mulher, que um dia já Lhe tinha socorrido e
disse para ela sacrificar três cabras, três galinhas, três pombos, três caracóis, três
ratos, três peixes, três orógbó, três obì e três medidas de comprimento (10,914 metros)
de pano branco.
49
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
50
Entretanto, a mulher lembrou a Õfun que eles não estavam na Terra e por isto não
encontrariam aqueles materiais com facilidade. Então, Õfun e a mulher voltaram juntos
para a Terra em busca dos materiais do sacrifício. Eles atingiram uma encruzilhada
tripla, onde a mulher declarou que devido a sua condição ela estava proibida de viver
na cidade e de viajar a luz do dia. Com o auxilio do inspetor da encruzilhada, eles
cortaram caminho pela floresta e construíram uma cabana da maneira como a mulher
tinha pedido: sem porta e com um único caminho para a entrada da cabana, a qual
ficava em frente à árvore da vida, akóko. A entrada da cabana, conhecida como Ilejì –
Casa do Pavor –, era marcada por uma folha-de-palma amarrada. Curioso, Õfun
perguntou à mulher como Ele seria capaz de vê-la, já que a cabana não tinha entrada.
A divi- nadora doente ensinou, então, a fórmula para Õfun entrar na cabana. Com as
costas unidas à folha-de-palma, que marcava a entrada da cabana, Ele deveria recitar
três vezes o seguinte encantamento: “± ró êhin kì mú åwò åpà! Àikõ ró lù le awo” =
Costas na posição ereta, comprimida firmemente. Bater à porta com firmeza,
produzindo som claro ao dizer: μpà! A fim de que o Sacerdote do Mistério dê permissão
para o que era proibido.
Õfun procurou Seu confidente íntimo Apåna, título que significava Aque- le que convoca
assembleia. Õfun sabia que Seu amigo estava à procura de uma esposa. Ele pensou
em oferecer a mão da mulher leprosa para Seu amigo, mas antes precisava contar-lhe
a condição da mulher, para saber se ele estava preparado para casar com alguém com
tantas deformidades. Para surpresa de Õfun, Apåna concordou em se encontrar com a
mulher. Õfun e Apåna tra- taram logo de conseguir os materiais para o sacrifício e
depois retornaram para a cabana. Em frente a uma misteriosa vara, Apåna jurou nunca
revelar a con- dição de sua futura esposa. Também jurou nunca permitir que outro
alguém a visse, com exceção de Õfun e dos outros sacerdotes de Ifá.
Õfun Méjì realizou o sacrifício e a divinadora que sofria de lepra ficou cura- da,
deixando sua juventude e beleza à vista de todos. Õfun pode, enfim, retornar para o
Õrun, na tentativa de descobrir o porquê de estar passando por tantos problemas na
Terra. Chegando ao Õrun, Õfun seguiu para a casa
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
da sacerdotisa de Ifá que tinha divinado para Ele antes de Sua ida para a Terra, pois
acreditava que só ela poderia fazê-Lo prosperar.
Como Õfun não conseguiu encontrar a mulher em lugar algum, compreen- deu que a
mulher que Ele tinha ajudado na Terra era exatamente quem ele estava procurando.
Rapidamente, então, Õfun retornou ao mundo terrestre e encontrou a divinadora. Ela
disse para Õfun que os problemas pelos quais Ele estava passando eram decorrentes
de Suas tendências ditatoriais e que estes só seriam suavizados caso Ele fizesse
sacrifício, em uma encruzilhada, com dois pombos, pano preto, bengala, inhame
pilado, obì e búzios. Só as- sim Õfun Méjì se tornaria novamente um rei.
Ìtan 8 Com Õfun Méjì surgem as sociedades secretas
O casamento entre Apåna e a divinadora leprosa caminhava muito bem. Eles tiveram
dezesseis filhos. Os dois mais velhos se chamavam: Ôgbön – apelidado de Yaya – e
Oní – apelidado de Yôyô, tendo os dois nomes o significado de plenitude. Os irmãos
brigavam muito, chegando ao ponto de cada um tentar destruir o outro. O pai de Ôgbön
e Oní ao descobrir o que estava acontecendo, colocou os irmãos na cabana que já
tinha sido habitada por Çdan, a mãe deles. Os pais fizeram com que os filhos jurassem
nunca conspirar ou fazer qualquer coisa um contra o outro. Surge, assim, a primeira
sociedade secreta, que foi denominada Ôgböní em alusão aos dois funda- dores Ôgbön
e Oní.
Encontrando-se na Terra pela segunda vez, Õfun Méjì começou a praticar a arte de Ifá.
Ele se tornou um especialista em encantamentos. Sobre Ele era dito: “Õfun olo fø fún
åní owó, Õfun olo fø fún åní àya, Õfun olo fø fún åní ômô” = Õfun, senhor do pano branco,
aquele que dá dinheiro, casamento e filhos. No entanto, o povo não se esquecia do
passado de Õfun e por isto vivia zombando Dele. Õfun alertava aos zombadores que
51
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
52
Ele tinha em Sua essência o poder de causar medo e pavor. Os zombeteiros ignoraram
os avisos. O povo voltou a sentir a fúria de Õfun, outra vez, e ficou apavorado. Quando
Õfun foi para divinação, recebeu o conselho de abando- nar Sua postura agressiva. Os
awo que fizeram divinação para Õfun foram: Fø yë ômô ko aje = Pano branco que faz
todas as vontades aos filhos e não os castiga; Odídçrëmõ awo agbado = O papagaio
sabe o mistério do milho. Õfun fez sacrifício por paz, prosperidade, riqueza e vida
longa. Ele ficou sendo conhecido como Orogun de Ilá e Seu amigo, Apåna de Itagbolu.
Orogun e Àkógun disputavam o trono de Seu falecido pai. Os ministros do reino, vendo
que os irmãos se destruiriam, resolveram dar o trono ao tio deles, que logo veio a
falecer. Só depois da morte do tio, os dois irmãos se tor- naram amigos, o que fez com
que os ministros decidissem dar o trono a um dos irmãos – Orogun (Õfun). Àkógun
tornou-se o porta-voz do reino. Tendo o irmão como um importante assessor, o
segundo reinado de Õfun Méjì foi pacífico e longo. É por isso que se diz: “Èku tè le tó
sörô fún »jö õrô jù »jö nà õrô jù” = Respeitar quem é capaz, tem força e pureza para falar
o suficiente e diariamente para que a palavra possa se espalhar e ser passada para
frente. Diariamente espalhar as palavras, passá-las à frente.
Ìtan 11 Õfun Méjì faz divinação para uma mulher estéril
Õfun tútù tù bi èle ijì. Àmu Omi ji kùtùkútu wênú. Ìbí titun má kan ju. Run run ãle wò mã ni sìn.
Adífa fun Àganbi Ilé-Ìfë ni jõ tö fi Omi õju ÿu bë rë ômô tú rù tù = Õfun, quando é acal-
mado, alivia a dor e o pavor que nasce da violência. Levantar cedo e beber água limpa
do pote, para ter um novo nascimento sem lepra nem dor. Assim
Çdan e Ôgböní são duas palavras que têm igual significado: auxiliares ocultos
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
se trata o doente para dominar e extirpar a lepra para sempre. Àganbi, a mulher estéril
que suplica para ficar sob os cuidados do sacerdote de Ifá de Ilé-Ìfë; suplica para que a
água ajude a aliviar a dor das feridas e ela possa suportar o cansaço, a escuridão e,
assim, possa educar seus filhos.
Esse foi o encantamento dito por Àganbi, que também foi orientada a fazer sacrifício
com um pano branco, um galo branco, uma galinha branca, milho e mel. Ela deveria
fazer o sacrifício para não ser mais abandonada devido ao fato de não poder ter filhos
e também para poder casar com um sacerdote de Ifá. Àganbi fez o sacrifício e se casou
com um sacerdote de Ifá. Ela logo ficou grávida e teve o primeiro filho. Sua segunda
gravidez foi de gêmeos. Depois disso, todos que a tinham abandonado retornaram
para se alegrar com ela. Àganbi cantava: “Õfun – O Branco – é tão frio quanto água de
chuva; Beber água do pote e mantê-lo limpo toda manhã, antes de enchê-lo
novamente; A sombra fria não precisa preocupar-se por carência de compa- nhia,
porque o sol em breve trará clientes para ela”.
Foi divinado para Oÿàlá Ôÿërégbó – Aquele que tem maturidade para ser cordial com
quem Lhe causa dano e Lhe ofende. Ele queria ter filhos. O divi-
53
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
54
nador orientou o Grande Pai a oferecer vinte mil búzios, uma roupa branca, dez
caramujos e uma galinha branca. Oÿàlá Ôÿërégbó ofereceu o sacrifício e pode gerar
Seus filhos: Bágbàla – Aquele que encontra e recebe a roupa branca; Tálàbi – Nasceu
do Algodão Alvejado; Alaládé – Chegou o sonha- dor. Depois desses três, foram
incontáveis os filhos de Oÿàlá, que em louvor entoou o seguinte cântico: “Se alguém
tem dinheiro, o filho deste alguém leva roupa branca com ele; Se alguém tem filhos, o
filho deste alguém leva roupa branca consigo”.
Ìtan 14 Õfun Méjì é caracterizado pela mosca tùnrúyetùnrúye e pelo falcão
negro africano
Olókun era estéril. A divindade dos oceanos queria ter filhos, por isto bus- cou ajuda
dos divinadores. Eles jogaram e Õfun Méjì revelou que Olókun possuia a força
procriadora, que os filhos seriam muitos se fossem oferecidos vinte mil búzios, um
porco, roupa branca e uma galinha branca. Olókun fez a oferenda, começou a ter
muitos filhos e a criá-los. Olókun agradeceu aos divinadores e a Õfun Méjì, que é
caracterizado pela mosca tùnrúyetùn- rúye – aquela cujo modo de vida é excitante; e
pelo falcão negro africano – o falcão da lagoa que é o chefe daqueles que vivem nas
águas. Olókun cantou: “Eu sacrifiquei um porco, olhem para os muitos filhos atrás de
mim”.
O rei logo percebeu a trama de seus dois atendentes e ordenou que os guar- das os
levassem até ele. O rei disse: “Você rato, é esta a corda que eles usarão para puxar e
te matar”. O rei também disse: “Você galo, sacrifícios serão sua pe- nitência”. Então o
rei cantou: “Galo, eis seu destino, você teve um acerto com Ifá e O traiu. Rato, eis seu
destino, você teve um acerto com Ifá e O traiu”.
O divinador do chocalho ßèkçrç foi o mesmo que divinou para o chocalho Agogo. O
divinador disse para Agogo oferecer duzentas contas de latão e uma vara (que é aquela
que se usa para fazer soar o agogo); para ßèkçrç, o divinador mandou que ele
oferecesse duzentos búzios, um novelo de linha e uma cabaça (que são os materiais
usados para confeccionar o ÿèkçrç). Só Agogo obedeceu à ordem por completo. ßèkçrç
fez o çbô pela metade. O divinador mandou que eles saíssem pelo mundo afora.
Quando ßèkçrç ressoa, ele diz: “Eu ofereci duzentos búzios, as coisas são duras para
mim”. Quando Agogo ressoa ele está dizendo: “Eu ofereci duzentas contas de la- tão e
uma vara, as coisas são fáceis para mim”.
Foi divinado para o negro Ògún Tìèle – Aquele que tranca com força. Co- berto por
folhas de palmeira novas, Ògún Tìèle guerreava na cidade de Gbendugbendu. Õfun Méjì
Lhe disse: “O mosquito faz da torrente seu caminho. Uma guerra no Monte Ijamo não
terá sucesso, mas muitos filhos nascerão”. Foi dito então a Ògún que Ele fizesse
sacrifício contra impotência com vinte mil búzios e uma galinha branca. Õfun Méjì disse:
“Grande sabe- doria é a chave de grande sabedoria; Se não se tem grande sabedoria,
não se faz grande medicina; Se não aprendemos medicina forte, não curamos doen-
ças fortes; Se não curamos doenças fortes, não ganhamos grandes riquezas; Se não
ganhamos grandes riquezas, não faremos grandes coisas”.
55
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
56
Também foi divinado para Õrúnmìlà, que ia para a cidade de Ilá praticar Sua arte de
divinação. Õrúnmìlà nunca tinha ido à cidade de Ilá antes. Disseram a Ele que
oferecesse vinte mil búzios abertos, dois sacos para guardar roupas, duas cordas e
dois tecidos brancos. Ele ofereceu ainda duas galinhas brancas, dois pombos brancos
e dois caramujos. Os divinadores tomaram um saco como pagamento e Lhe deu o
outro, tomaram um pano branco como pa- gamento e Lhe deu o outro, tomaram uma
das cordas como pagamento e lhe entregaram a outra. Confiante, Õrúnmìlà seguiu para
a cidade de Ilá. A caminho de Ilá, Ele encontrou fazendeiros, para quem pediu ajuda no
sen- tido de Lhe mostrar o caminho para Ilá. Um fazendeiro se ofereceu para le- var
Õrúnmìlà a Seu destino. Ifá aceitou sem se dar conta que o fazendeiro pensava que,
mesmo nunca tendo ido à guerra e nem atacado ninguém de surpresa, Olorun lhe tinha
dado um escravo de presente.
Foi com esse pensamento que o fazendeiro conduziu Õrúnmìlà. Quando chegou a sua
casa, o fazendeiro abriu a porta e disse a Õrúnmìlà que entras- se. Tão logo Õrúnmìlà
entrou, o fazendeiro O trancou em sua casa. O fazen- deiro disse ao chefe de sua tribo
que um escravo tinha ido até ele na fazenda, que não tinha havido combate nem tocaia
e que tinha ganhado ele de Olo- run. O chefe disse que o levasse ao rei Õragún. Então,
o fazendeiro levou Õrúnmìlà ao rei de Ilá. O fazendeiro queria Õrúnmìlà preso. Õrúnmìlà
disse que não era escravo para ser preso, que deveria ficar com Seu mestre, que
aquilo que Seu senhor ordenasse ele faria e não fugiria. O rei não permi- tiu que
Õrúnmìlà fosse preso. Entretanto, os fazendeiros O tratavam como escravo. Eles
mandavam Õrúnmìlà à fazenda buscar lenha, ervas, água da fonte e frutos de palmeira.
Ele obedecia.
Quando Õrúnmìlà deixou Sua casa a fim de praticar Sua arte em Ilá, esque- ceu-se de
levar Seu aparelho divinatório. Por isso, quando ia à fazenda, Ele aproveitava para
apanhar coquinhos de quatro olhos. Aos poucos, Ele con- seguiu completar os
dezesseis coquinhos necessários para exercer Sua arte. Õrúnmìlà aproveitou também
para colher as seguintes folhas: jagba, jo- gbo, janyinjanyinfu, arère, wérépépè, Omini, têtê e
õdúndún. De posse das folhas, Ele lavou Seus dezesseis coquinhos.
Um dia, o primogênito do rei pediu a Õrúnmìlà que lhe trouxesse seu cavalo. Õrúnmìlà
viu a “sombra” do filho do rei e fez uso de Sua arte para entender o que estava
acontecendo. Õfun Méjì apareceu. Õrúnmìlà cobriu o ôdu
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
com um caco de louça. Ninguém notou nada. O primogênito do rei montou em seu
cavalo e todos começaram a bater tambores, seguindo o príncipe que estava indo até a
casa de seu amigo. Quando os seguidores do príncipe, cantando suas rezas,
aprontaram-se para voltar com ele, Õrúnmìlà come- çou a cantar os versos do ôdu que
tinha sido marcado. Ao ouvir os versos, o primogênito do rei desmaiou. Ninguém
conseguia acordá-lo. Õrúnmìlà se ofereceu para ajudar. Desesperados, todos
aceitaram. Õrúnmìlà disse ao rei que preparasse mais um trono, que dividisse as coisas
de seus filhos em dois e colocasse metade ao lado do novo trono. O mesmo deveria
ser feito como as coisas do rei. O rei dividiu suas esposas e as esposas de seus filhos.
Õrúnmìlà começou a alimentar o filho doente do rei com ëkô e o banhou com água
fresca. Quando acabou o banho, o primogênito do rei disse: “Pai, o homem que tem
nos servido não é um escravo. Ele é um rei. Todos os encan- tos que eles me
puseram, Ele os quebrou. Majestade é como meu pai deveria aclamá-lo”. Satisfeito
com a cura de seu filho, o rei mandou que Õrúnmìlà se sentasse no novo trono.
Õrúnmìlà disse: “Há agora dois reis”. Nesse dia houve dois reis em Ilá.
Grande Leopardo estava gravemente doente e lutava para se levantar. Ele buscou
ajuda com os divinadores e estes lhe mandaram oferecer vinte mil búzios, uma roupa
tingida com batik. Grande Leopardo fez a oferenda. Ele se levantou e nenhum outro
animal pode mais enfrentar Leopardo. Õfun Méjì diz: “A brancura é a mãe de Ôyë. O
queixo não deixa o sol iluminar a barriga do tubarão”.
Aranha achou que precisava buscar ajuda com os divinadores. Eles lhe orde- naram
que fizesse um sacrifício oferecendo vinte mil búzios e uma galinha branca para Oÿàlá.
Aranha tudo fez e recebeu as bênçãos do Grande Pai. Aranha passou a ser a
mensageira de Oÿàlá. Desde esse dia se diz: “Aonde
57
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
58
a Aranha vai, trabalha conforme anda; ninguém vê a roca de fiar da Aranha; ninguém
sabe como ela tece sua teia”. Õfun Méjì diz: “Mesmo na floresta, o fogo é notável;
mesmo na margem do rio, àraba é notável; a banana car- rega seus filhos nas costas,
como se fosse um egungun”. E Aranha cantou: “Como mágica, eu faço tudo como
mágica; eu me tornei um deus; como mágica eu trabalho”.
Foi divinado para o chefe de Ìgbêtì, quando este queria gerar um filho. Foi indicado que
ele oferecesse uma cabaça cheia de cinzas, vinte mil búzios, uma roupa branca e uma
galinha branca. O chefe de Ìgbêtì obedeceu. Foi então indicado que ele levasse dez
caramujos e que os desse a Oÿàlá. O chefe de Ìgbêtì gerou Ôyë. Ele dançou e louvou os
divinadores. E estes louvaram Oÿàlá. Õfun Méjì diz: “Não se herda as nádegas limpas.
Exceto o fazendeiro que não senta no chão”.
Õrun e Áiyé iam confrontar-se porque os dois foram caçar e conseguiram apenas um
rato. Õrun disse que ficaria com a caça só para ele. Áiyé achou que tinha o mesmo
direito. Sem acordo, Õrun pegou o rato e correu. Os divinadores, preocupados, fizeram
jogo para eles e aconselharam que os dois fizessem çbô para evitar uma briga ainda
maior. Entretanto, o que cada um queria saber mesmo era como fazer para matar o
outro. Para que a briga não acontecesse, foi indicado a Õrun que sacrificasse um
cabrito, muito dendê, búzios e bebida. Para Áiyé foi dito que também fizesse um çbô,
mas Terra não conseguiu fazê-lo. A disputa, então, tornou-se inevitável e Terra e Céu
marcaram o duelo em uma encruzilhada. No dia marcado, o duelo começou com Õrun
atirando flechas contra Áiyé, que resolveu vingar-se cortando as árvores. A união entre
Õrun e Áiyé estava rompida. Antes desse ocorrido, Õrun e Áiyé estavam ligados pelas
árvores.
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
aparência externa
Galinha d’angola não era respeitada pelas outras aves porque não tinha uma boa
aparência. Ela foi então procurar ajuda com a divinação e lhe foi aconse- lhado a ter
boa vontade, principalmente com os desconhecidos. Toda rique- za que Galinha
d’angola possuía não era suficiente para fazê-la feliz e por isto a ave optou por viver
só. Galinha d’angola saiu sem rumo. Após muitos dias de caminhada, Galinha d’angola
encontrou um velho, que ela não conhecia, gemendo de dor. Ela deu água e comida ao
velho doente. Depois de cuida- do, o pobre velho pode descansar. Ao despertar, o
doente se deparou com
59
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
60
a ave velando seu sono. Mais bem disposto, o velho perguntou à galinha o que ela
fazia no interior daquela floresta, já que aquela era uma floresta sa- grada e só os
iniciados podiam frequentá-la. Galinha d’angola desabafou sua triste história: “Sou rica,
porém muito solitária. Ando sem rumo, pois minha feia aparência não deixa que
ninguém se aproxime de mim”. O velho disse à tristonha ave que ela possuia uma
incomparável beleza interior, mas que o cuidado com a aparência exterior também era
muito importante e que por isto ele faria umas pequenas modificações na aparência
dela.
Galinha d’angola não sabia ainda que o velho que ela tinha ajudado era Oÿàlá.
Agradecido, o Grande Pai pintou todo o corpo de Galinha d’angola com çfún. Reuniu
misteriosos elementos sagrados e modelou com eles um cone, o òÿu, símbolo da
aliança formalizada entre o iniciado e seu oríÿa. Ga- linha d’angola passou a ser, assim,
o animal mais importante na religião dos oríÿa. A ave que antes sofria de solidão,
decorrente do desprezo dos outros, aprendeu a conviver com a “solidão acompanhada”
dos iniciados.
Õfun Méjì é filho do próprio Olorun, nascido do “Sopro” do deus supre- mo. Ele herdou
de Seu Pai o maior de todos os poderes – o poder de criação.
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
São Seus filhos todos os demais ôdu. Muitos acretidam ser Çjì-Ogbé/Çjô- nile Seu
primogênito; enquanto outros acham que é Õyêkú/Çjìlõgbõn; há ainda os que dizem ter
os dois ôdu nascidos no mesmo dia. A pergunta persiste: Quem nasceu primeiro, Õyêkú
ou Çjì-Ogbé? Quem nasceu pri- meiro, a treva ou a luz? A morte ou a vida?... Essas
perguntas são respondidas de diferentes maneiras pela cosmogonia yorubá.
Dizem que foi a Õyêkú que Olorun entregou a chave responsável por abrir a porta da
luz, que faria com que o mundo fosse criado. O referido ôdu, que tinha como tabu a
ingestão de qualquer bebida fermentada, recebeu tam- bém as chaves dos dias.
Aconteceu que Õyêkú não resistiu à tentação e bebeu uma grande quantidade de
vinho-de-palmeira (çmu). Ele ficou tão embriagado que adormeceu. Çjì-Ogbé esperou
que Õyêkú acordasse, mas como isto não acontecia e já chegando o momento de voltar
para casa, Ele pegou as chaves da luz e as do dia e voltou para casa.
Õfun, ao ver Çjì-Ogbé, logo tratou de saber onde estava o guardião das chaves.
Çjì-Ogbé não teve outra saída a não ser contar o ocorrido. Õfun então perguntou se
Çjì-Ogbé tinha bebido, uma vez que bebida fermen- tada também era um de Seus
tabus. Tendo recebido uma resposta negativa, Õfun confiou a guarda das chaves da luz
e as do dia a Çjì-Ogbé.
Quando Õyêkú se curou da bebedeira, seguiu para casa. Envergonhado, tentou
explicar a Õfun que não resistiu à tentação e por estar embriagado perdeu as chaves
que Lhe foram confiadas. Logo ficou sabendo que elas já estavam nas mãos de Seu
irmão e, de certa forma, sentiu um alívio. Õyêkú ficou também sabendo que daquele dia
em diante obedeceria a Çjì-Ogbé. Sendo muito preo- cupado com os outros, Çjì-Ogbé
pediu a Õfun que desse uma nova ocupação para Õyêkú, pois é insuportável viver sem
ter uma função. Sugeriu que Õyêkú recebesse as chaves da noite, consequentemente,
das trevas e da morte.
Essa é uma das muitas explicações para o fato de Çjì-Ogbé ter passado a ocupar o
primeiro lugar entre Seus irmãos.
Este ìtan é contado de diversas maneiras: Tendo sido Çjì-Ogbé a se embria- gar e passando
Õyêkú a ser responsável pela criação do Áiyé; outras vezes ele é narrado mudando Çjì-Ogbé
para Oÿàlá e Õyêkú para Odùdúwa.
61
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
62
Ìtan 28 Çjì-Ogbé também adquiriu o hábito de ficar embriagado
O mito anterior muitas vezes é contado substituindo os ôdu – Çjì-Ogbé e Õyêkú – pelos
oríÿa correspondentes: Oÿàlá e Odùdúwa. Por isso é con- tado que Oÿàlá também
adquiriu o costume de embriagar-se, perdendo a confiança do deus supremo e
deixando de ser respeitado pelos homens. Quem antes Lhe reverenciava, passou a
zombar Dele. Humilhado, Oÿàlá bus- cou auxílio no Oráculo de Ifá e na consulta surgiu
Õfun Méjì que voltou a Lhe dar como åwõ a ingestão de bebida fermentada. Ainda mais
humilhan- do, Oÿàlá teve que revelar que estava completamente viciado. Para ajudá-Lo,
o divinador passou o seguinte çbô com o objetivo de acabar com qualquer tipo de vício:
oferecer um bode para Èÿu, quatro galos brancos e bebida fer- mentada; cobrir o Igbá
de Oÿàlá inteiramente com panos brancos e sobre eles arrumar dezesseis ekôdidë,
espetandos-os em uma bola de òrí, como se fosse uma coroa; depois de dezesseis
dias, esta “coroa” deveria ser levada ao alto de uma montanha, na hora em que o sol
estivesse nascendo. Para que Oÿàlá voltasse a ser respeitado, foi indicado o seguinte
sacrifício: um bode, quatro galos, um colar de contas brancas, panos brancos e
dezesseis penas de ekôdidë. Oÿàlá ofereceu os bichos a Èÿu e, antes do nascer do sol,
foi sentar-se no alto de uma montanha que ficava na entrada da cidade. Ele se enrolou
nos panos brancos, colocou o colar no pescoço e enfeitou a cabe- ça com as penas.
Na alvorada, os raios do sol nascente surgiram por trás do Grande Pai e ao passar
entre as penas de ekôdidé causaram a impressão de que labaredas de fogo saiam de
Sua cabeça. Apavorados, todos que viram a cena lançaram-se ao chão gritando
aterrorizados: ¦pà Baba!
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
ÊDÁ-ÒKÚTA REINO
MINERAL
Para a fecundação de Õfun Méjì foram utilizados do reino mineral: cristal- de-rocha,
rochas calcárias (çfun) e prata (fadaká).
A ametista (cor violeta) e o citrino (cor amarela) são também exemplos de cristais, mas
é o quartzo-puro (incolor), popularmente conhecido como cris- tal-de-rocha, o mais
comum de todos os cristais, por ser o mais abundante, uma vez que suas propriedades
não permitem que ele seja atacado, com facilidade, por agentes naturais. Para o
geólogo Pércio de Moraes Branco, a denominação de cristal-de-rocha dada ao
quartzo-incolor não é correta pelo fato de que “... todos os minerais formam cristais e
todas as rochas são com- postas de minerais...”.
Çfun – Palavra yorubá usada para se referir à cal, substância obtida através da
calcinação do carbonato de cálcio existente nas rochas calcárias (àpáta çfun), que se
apresentam na natureza com cores que vão do branco ao preto, a depender do tipo e
da quantidade de impurezas que apresentam. A cal comumente chamada é um
composto sólido branco, usado como agente branqueador nas siderúrgicas, indústrias
de cerâmicas e farmacêu- ticas; na metalurgia extrativa é utilizada para purificar o ferro,
separando
63
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
64
as impurezas contidas nele, principalmente a areia. A cal é, portanto, um agente
purificador.
A cal, o óxido de calcio dos cientistas, é o çfun do povo yorubá, um impor- tante
elemento de culto do candomblé, que está vinculado a Oÿàlá – oríÿa da brancura, da
pureza e da “Criação”. O çfun representa o principio criador e é utilizado no candomblé
em importantes rituais, ou simplesmente em seu dia-a-dia. É um pó mágico sobre o
qual é dito erroneamente que serve para afastar as energias trazidas por egún –
“espírito de morto”, mas que, na ver- dade, é um elemento usado para que se tenha
uma relação harmoniosa com estes seres, quando assim se faz necessário. Diz-se que
o çfun é um pó sela- dor. Analisando-se gramaticalmente o verbo selar, fica mais bem
entendido o significado mágico do referido pó: enquanto verbo transitivo direto, selar
pode ser traduzido como concluir, tornar válido, confirmar; já enquanto ver- bo
intransitivo, selar é sinônimo de ceder, arquear com o peso; como verbo pronominal, a
tradução para selar é manchar-se, sujeitar-se, submeter-se.
O seguinte mito esconde um simbolismo muito precioso do çfun, que pode ser
entendido por aqueles adeptos do candomblé que estão mais vin- culados a pratica da
feitçaria (não tendo aqui esta palavra nenhum sentido pejorativo). Para traduzir esse
simbolismo é importantíssimo observar que a palavra farinha em yorubá é iyê fún e não
çfun. Gracinha Rodrigué conta o mito do oríÿa Ajalá, através do qual demonstra ser Ele
o responsá- vel por modelar as cabeças humanas, as quais são feitas de bolas de çfun
e ficam, no Õrun, em um local chamado Ilé Orí. “O fato mais significativo dessa Casa de
Oÿàlá no Õrun é que só pode ser visitada com ordens de Õrúnmìlà, que testemunhou e
testemunha todos os nascimentos e mortes. Passa-se por Õrúnmìlà (Ifá) em consulta
ao Oráculo para tratar do nasci- mento no Aiyé... Õrúnmìlà encaminha a pessoa à Ilé
Funfun, com uma exigência, caminhar em direção ao seu objetivo e livre de dúvidas,
escolher uma bola de çfun, um Orí, uma cabeça. Õrúnmìlà, o sábio, alerta também que
não é necessário saudar a entidade da porta, deve-se passar direto. Esse é o protocolo
dessa Casa. Após a escolha do Orí e a saída só há uma direção- transformação:
caminhar para o Aiyé, preparar-se para nascer. Os que não atendem ao conselho de
Õrúnmìlà e permanecem em dúvida, durante a escolha, acabam consultando a Ajalá, o
qual conhece todas as cabeças na presença de Õrúnmìlà e deixou algumas para a sua
diversão. Aos duvido-
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
sos, Ajalá aconselha pegar a mais brilhante, a maior, e a redonda que pareça perfeita.
Quem escolhe essa bola de efún corre o risco de se dissolver no caminho para o Aiyé,
ou quando nasce, em geral, tem uma história de vida que exige cuidados constantes”
(RODRIGUÉ, p. 84).
Fadaká = Prata
65
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
66
ÊDÁ-EWÉKO REINO
VEGETAL
A casca da Ceiba pentandra é usada como uma bebida enteógena, palavra que
significa literalmente “manifestação interior do divino”, que facilita o tran- se devido a
ingestão de substâncias alteradoras da consciência. Esse compor- tamento que
sempre existiu em todas as partes do mundo e em todos os tempos, até mesmo por
parte dos animais: javalis e macacos, por exemplo, cavam para conseguir raízes
portadoras de poderosas atividades psicotrópi- cas. Além da casca da Ceiba
pentandra, muitas outras plantas indutoras do transe são usadas em rituais religiosos,
como é o caso da Ayahuasca, da Ama- zônia. Os indios amazonenses reverenciam a
mafumeira como a “mãe-das- árvores”, pois quando suas raízes arrebentam irrigam
toda a área em torno dela. Essas raizes vistas como “escada do céu”, unidas à sua
altura, porte e beleza ajudam a fazer de àraba a “Árvore da Vida”. Õfun Méjì diz: “Mesmo
na floresta, o fogo é notável; mesmo na margem do rio, àraba é notável; a banana
carrega seus filhos nas costas, como se fosse um egungun”.
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
Akóko (Ìtan 6) – Reino Plantae, Divisão Magnoliophyta, Classe Magno- liopsida, Ordem
Lamiales, Família Bignoniaceae, Gênero Newbouldia, Espécie Iaevis. Nome científico:
Newbouldia Iaevis. Árvore de origem africana que é conhecida no Brasil por seu nome
em yorubá: akóko. Da mesma família do ipê, também possui lindas flores e, mesmo não
tendo um tronco grosso, ela é muito alta, o que lhe garante um porte magestoso, típico
de quem possui elevada posição. Em África, uma pessoa só é confirmada rei após ser
coloca- da a folha de akóko em sua cabeça, a fim de que a imponência e a força da
árvore sejam transferidas para o novo rei. O mesmo se dá nas religiões de ma- trizes
africanas, que fazem uso dessa planta quando desejam concretizar um trabalho feito e,
principalmente, firmar um cargo ou o àÿç, sendo esta a razão de ser fundamental no
Ôdún Méje – Obrigação de Sete Anos. As folhas de akóko não devem ser usadas de
maneira corriqueira e banal no culto aos oríÿa, pois é uma planta de muIto fundamento.
67
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
68
Kàrítè – Árvore encontrada exclusivamente na África, ela é da Classe Mag- noliopsida,
Ordem Ericales, Família Sapotaceae, Gênero Vitellaria, Espécie pa- radoxa. Nome
científico: Vitellaria paradoxa. Devido às características do solo, Mali e Sudão
produzem o melhor limo-da-costa, produto utilizado para fins sagrados e profanos, o
qual é extraído da amêndoa do fruto da árvore em questão. Òrí, como esta espécie de
manteiga é mais conhecida no Brasil, é muito utilizada pelo povo que cultua os oríÿa, o
qual herdou dos africanos o respeito pela árvore que produz esta banha. Ela é usada
nos ritos mais impor- tantes, principalmente na iniciação de sacerdotes. Uma iniciação
feita com seriedade precisa importar alguns produtos, os quais só são encontrados no
continente africano. A atenção aqui chamada para esse fato é porque se tem notícia do
uso de banha-de-carneiro em substituição à banha-de-òrí, que em relação à iniciação
tem que ser de origem vegetal e não animal.
Kàrítè pode ser considerada a planta de maior importância do ôdu Õfun. Fundamental
para a compreensão da sacralidade de kàrítè e sua relação com o ôdu Õfun, é o
conhecimento do outro nome yorubá pelo qual esta árvore é chamada: çmi. Essa
palavra, escrita com outra forma de acentuação (êmi), é traduzida como vida,
RESPIRAÇÃO, espírito. Por isso se canta: Êmi mö awo, êmi mö çsç kanÿoÿo ki Baba = O
espírito renasce no mistério, o espírito renasce em ordem, o ser individualizado saúda
o pai. Também, para entender a importância sagrada da banha extraída do fruto da
árvore kàrítè, faz-se uso do mesmo “processo linguístico”. Òrí é o nome dado a
qualquer tipo de manteiga, como é o caso de òrí-àmö – a manteiga feita de leite reti-
rado da vaca. Òrí (observar acentuação), a manteiga feita do fruto da árvore kàrítè, é
utilizada no culto à Cabeça, única parte do corpo físico considerada divindade. O oríÿa
Cabeça, chamado de Orí pelos yorubá (palavra escrita da mesma maneira que a banha
òrí, mudando apenas a acentução), é tão sacralizado no candomblé que possui culto
específico – Borí. Na cabeça fí- sica, no entanto, não é permitido o uso de òrí, uma vez
que este produto é específico para a cabeça espiritual.
• Õrúnmìlà: Um mito do ôdu Õfun (Ìtan 1) conta que Õrúnmìlà foi enganado por um
fazendeiro da cidade de Ila, que O queria como escra- vo. O chefe do fazendeiro,
entretanto, ordenou que ele levasse Õrúnmìlà ao rei de Ila, que se chamava Õragún
(nome do ôdu Õfun no Õrun). O rei não permitiu que Õrúnmìlà fosse preso, mas os
fazendeiros con- tinuaram a trata-Lo como escravo, ordenando que Õrúnmìlà
realizasse trabalhos na fazenda. Nessas idas à fazenda, Ele aproveitava para apanhar
coquinhos de palmeira, os quais foram lavados com o sumo de algumas folhas, entre
elas wérépépè, têtê e õdúndún. Õrúnmìlà fez divina-
69
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
70
ção e viu surgir Õfun Méjì. Ele cantou os versos do ôdu, conseguindo salvar o
primogênito do rei, que agradeceu mandando que Õrúnmìlà se sentasse em um
trono. Õrúnmìlà disse: “Há agora dois reis”. Nesse dia houve dois reis em Ila.
Õpê = Palmeira – Classe Liliopsida, Ordem Arecales, Família Arecaceae, Gê- nero
Elaeis, Espécie guineensis. Nome científico: Elaeis guineensis. As palmeiras não são
árvores, já que o diâmentro de seus caules não é capaz de formar um tronco que
produza madeira. Palmeiras há, inclusive, cujos caules são subter- râneos. São,
portanto, plantas arborecentes, de natureza perene. As palmeiras possuem esta
denominação devido ao fato de, anteriormente, terem perten- cido à família botânica
Palmae ou Palmaceae. Arecaceae é a única família da ordem Arecales, mas são vários
os gêneros pertencentes a ela, incluindo al- guns muito conhecidos no Brasil, como:
Attalea – piaçava; Bactris – pupunha; Copernicia – carnaúba; Euterpe –
açaí; Mauritia –
babaçu; Raphia –
buriti; Orbignya – palmeira-da-ráfia; Cocos – coco-da-bahia; Elaeis –
dendê. Da seiva retirada do caule de algumas espécies de Arecáceas é produzido o
vinho- de-palma, o qual só pode ser extraído da palmeira cuja flor é masculina. Esse
tipo de vinho, chamado pelos yorubá de çmu, é um dos åwö de Oÿàlá, assim como
também é tabu de Oÿàlá o azeite-de-dendê (epo pupa), que só é fabricado a partir da
polpa do fruto (èso) do dendezeiro que produza a flor feminina. Õpê – dendezeiro – é
considerada a primeira planta da Terra, tida, inclusive, como o próprio Oÿàlá. Para
Oÿàlá se canta: Baba buru kan çyìn awo. Baba buru kan çyìn Õrun = O pai está doente,
amargurado, por causa do mistério do fruto do dendezeiro. O pai está doente,
amargurado, por causa da relação de Sua essência com o fruto da palmeira.
Oÿàlá não usa azeite-de-dendê, mas usa óleo-de-palma (yánkò, àdín): um óleo branco
que é extraído da amêndoa do fruto do dendezeiro, que por sua vez é åwö de Èÿu. Na
verdade, do dendezeiro muita coisa é feita: das folhas (àko) e nervuras são feitos
cestos, esteiras, vestimentas, cobertura para cabanas; os coquinhos (ikin) são usados
no oráculo de Ifá; dos resíduos deixados pelo azeite-de-dendê se faz defumadores e
quando são acessos ilu- minam o ambiente (ògùÿõ = tocha). O azeite-de-dendê está
tão relacionado ao fogo que a polpa de seu fruto é chamada çyìn, nome muito parecido
com a forma com que os yorubá se referem à brasa (çyín).
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
Owù = Algodão (Ìtan 26) – Planta pertencente à Classe Magnoliopsida, Or- dem
Malvales, Família Malvaceae, Gênero Gossypium. As espécies utilizadas para fins
têxteis são: barbadense, herbaceum, hirsutum, vitifolium. Ôbàtálà é o verdadeiro oríÿa
que representa o ôdu Õfun Méjì. Como já foi apresenta- do, Ôbàtálà, cuja tradução literal
é Algodão Alvejado que Germina, represen- ta o par cósmico, Oÿàlá/Odùdúwa,
responsável por dar nascimento a todos os seres da Terra. O tecido branco feito do
algodão é o preferido de Oÿàlá. É com esse tecido, muito bem lavado e passado, que
os regidos por Õfun devem procurar estar sempre vestidos. Odùdúwa é a representação
mais antiga de Iyemonjá que, quando está na qualidade de Saba, é a fiandeira de
algodão. Simbolicamente, o algodão serve para limpar as mágoas, as feridas da alma.
Serve também para çbô de iluminação de caminho, pois com ele que se faz o pavio das
lamparinas, os quais são alimentados com azeite. Além do mais, ao se retirar as
mágoas do coração, a mente fica muito mais clara e pode sair do labirinto (ver
Simbologia) em que os regidos por Õfun tendem a entrar.
71
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
72
Para alfavaquinha-de-cobra, canta-se: Tútù dùn dùn tutu rínrín, na kí iye nípa ìmí = Calma,
suave, agradável, luminosa é alfavaquinha-de-co- bra, em primeiro lugar
cumprimentamos seu valor, sua potência. Alfavaqui- nha-de-cobra é fresca e por isto é
usada contra irritação física e emocional: Êrõwõõ ni ti rínrín = Alfavaquinha-de-cobra é
sempre calma e fresca (Verger, p. 140-141); Rínrín kì í gbóná = Alfavaquinha-de-cobra nunca
fica quente (Verger, p. 178-179); Ní kí inú rê ó má gbóná tùtú rínrín. Ní kí inú rê k’ó má tùtú = Seu
estômago não deve ficar quente. O estômago de alfavaquinha-de-cobra é fresco ( Verger,
p. 182-183); Àwòsàn ni ti rínrín = Alfavaquinha-de-cobra sempre cura por completo ( Verger, p.
150-151).
Têtê = Bredo (ìtan 17) – Classe Magnoliopsida, Ordem Caryophyllales, Fa- mília
Amaranthaceae, Gênero Amaranthus, Espécie viridis. Nome científico: Amaranthus
viridis. Planta conhecida popularmente como bredo-sem-espi- nho ou bredo-frio. Doril
(Alternanthera brasiliana), erva-da-riqueza (Alternan- thera tenella) e espinafre
(Spanacia oleracea) também fazem parte da Família Amaranthaceae. Muito conhecida
pelo nome caruru, bredo é uma planta rica em ferro, potássio, cálcio e vitaminas A, B1,
B2 e C e tem sido resgatada na culinária para fazer, com suas folhas e talos refogados,
molhos, tortas, pastéis e panquecas; suas sementes podem, simplesmente, serem
comidas torra- das ou podem ser usadas na fabricação de pães. Apesar de ser
considera- da erva-daninha pelo fato de nascer com muita facilidade, adaptando-se às
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
condições climáticas do lugar, bredo é uma planta excelente para indicar a qualidade
do solo: indica terra boa e rica em potássio.
Bredo é uma planta de muito uso no candomblé, por isto é de suma impor- tância não
confundir o bredo-sem-espinho, têtè, que em yorubá é uma planta conhecida também
pelo nome de têtê égun, com o bredo-com- espinho – têtê çlëgun. Através de Õfun,
sabe-se que Õrúnmìlà lavou Seus coquinhos de divinar com têtê e õdúndún, duas folhas
que são mui- tas vezes usadas juntas, principalmente quando é para combater
doenças: “Àt’òjò àtçêrùn ki í rç Õdúndún. Àt’òjò àtçêrùn ki í rç Têtê. Àt’òjò àtçêrùn ki í rç
Rínrín = Folha-da-costa nunca está doente. Bre- do nunca está doente.
Alfavaquinha-de-cobra nunca está doente. Para Bredo de canta: Têtê kô mã tê, dání ÿò ni
lç = Bredo acorda sempre quem é insípido, segura o inseguro, o preguiçoso, o
indolente.
Wérénjéjé = Olho-de-Pombo (Ìtan 17) – Classe Magnoliopsida, Ordem Fa- bales, Família
Fabaceae, Gênero Abrus, Espécie precatorius. Seu nome cientí- fico é Abrus
precatorius. Wérénjéjé, como conta um ìtan do ôdu Õfun, é uma das folhas que Õrúnmìlà
usou para lavar Seus coquinhos de divinar, pois desejava vencer as lutas, sem perder
a tranquilidade. Wérénjéjé é tam- bém chamada em yorubá de pákun ãboìÿà – folha que
apaga o fogo do incêndio, mas também nos protege dos aguaceiros – e de ojú çiyçlé,
pala- vra traduzida como olho-de-pombo devido ao fato de suas sementes serem
vermelhas e pretas, parecendo, assim, com os olhos desta ave.
O cântico da folha olho-de-pombo existente nos rituais, demonstra que ela é uma
planta vinculada a Oÿàlá, pois as características exaltadas são aquelas relacionadas ao
“Grande Pai”: estabilidade de comportamento, humildade, calma; ela apaga o fogo,
quer dizer, acaba com brigas. Já as sementes verme- lhas e pretas desta planta,
pertencem a Èÿu e quando pisadas causam brigas no local. Sendo assim, percebe-se
que a parte da planta que se diz consagra- da a Èÿu são as sementes, nunca as folhas.
Canta-se, em círculo, para a folha da planta wérénjéjé pedindo que ela der- rame luz na
comunidade: ewé wérénjéjé, wérénjéjé, ará ta ni masa ká ma bagbe o. Em outro momento,
canta-se para wérénjéjé, ajoelhan- do-se para implorar ao oríÿa para o qual o ritual está
sendo feito, que inter- ceda por nós e que seja nosso mestre, o dono de nosso modo
de viver; neste
73
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
74
canto também se implora ao oríÿa que Ele nos dê sempre Suas Instruções para que
possamos terminar com as muitas discussões e tristezas criadas por nós, uma vez que
somos instáveis.
Arère (Ìtan 17) – Àrvore africana, pertencente à Classe Magnoliopsida, Ordem Malvales,
Família Malváceae, Gênero Triplochiton, Espécie scleroxylon. Seu nome científico é
Triplochiton scleroxylon. Na Costa do Marfim é conheci- da pelo nome “samba”; em
Nigéria é arère. É essa última denominação que o povo de língua yorubá usa.
Acentuada de maneira diferente – arére, esta palavra é usada pelos yorubá para pedir
silêncio. Comportamento que tam- bém é pedido através da palavra atótó, saudação à
Ômôlù, oríÿa da peste, das doenças contagiosas (como a lepra), que domina o ciclo
vida/morte. Para o povo Ashanti, da África Ocidental, a Triplochiton scleroxylon é
conhecida por waba e sua semente, wawa aba, tem um grande valor simbólico para a
cul- tura akan, um grupo étnico da região. Por ser extremamente dura, a semente da
árvore arère simboliza durabilidade e força, indicando a importância de perseverar
através da resistência; apresenta ainda o poder de não permitir que uma pessoa seja
desmoralizada, quando comete algum erro. Todo esse simbolismo, principalmente o
último descrito, faz com que a árvore africa- na arère esteja relacionada ao ôdu Õfun.
Com um simbolismo tão rico, o nome da semente da referida árvore foi usado para
denominar a bola de futebol oficial do Campeonato Africano das Nações de 2008 –
Waba Aba.
Jókónijë (Ìtan 12) – A planta chamada de jókónijë pelo povo yorubá, e chamada de
jarrinha pelo povo baiano, possui a seguinde classificação cien- tífica: Classe
Magnoliopsida, Ordem Ranunculales, Família Menispermaceae, Gênero Cissampelos,
Espécie owariensis. Nome científico: Cissampelos owa- riensis. Conhecida no
candomblé como jarrinha, esta trepadeira tem outros nomes em yorubá: àkojë,
indicando sua característica de segurar pessoas que gostam de fazer muitas
andanças; jókójë ou jëjóko, refere-se ao po- der que jarrinha tem de fazer com que as
pessoas tenham “assentamento” e, assim, possam ser bons discípulos. Um ìtan de
Õfun conta que Asáre Akásàn, Caminhante que segue as pegadas do mestre – o bom
discípulo –, divinou para Olho e o orientou a fazer çbô com uma mistura de òrí com
folhas de jëjóko, a fim de que a ninguém fosse dado o direito de ler seus pensamentos.
Foi quando Ifá disse: “A ninguém será dado o direito de saber o que seus olhos dizem”.
Os olhos simbolizam ambição, que muitas vezes é
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
acompanhada de avareza, por isto na língua yorubá a pessoa avarenta é cha- mada de
akónijç. A denominação de ankëmí létí dada à jarrinha, que é traduzida como “vai
acalmando o espírito, deixando-o cordato”, demonstra a importância desta planta no
ato da iniciação, pois antes deste acontecimen- to a energia do oríÿa encontra-se
próxima do futuro sacerdote, deixando-o muito agitado, e só depois da iniciação é que
ela fica devidamente “assenta- da”, consequentemente, a energia espiritual torna-se
cordata.
Jókónijë é confundida com uma trepadeira chamada papo-de-peru. Isso não pode
acontecer em rituais de iniciação, pois são duas plantas que não pertecem nem à
mesma família. Papo-de-peru tem a seguinte classificação científica: Classe
Magnoliopsida, Ordem Piperales, Família Aristolochiaceae, Gênero Aristolochia,
Espécies: arcuata, gigantea, cymbifera, triangularis, espe- ranzae, ridícula,
brasiliensis... A confusão ocorre porque as plantas do Gênero Cissampelos e as do
Gênero Aristolochia s ão trepadeiras cujas folhas têm for- mato de coração, mas é
possível identificar a diferença entre elas ao observar- se a flor de algumas das
espécies pertencentes ao Gênero Aristolochia, que apresentam cor
vermelha-amarrozada (cor do fígado), com formato tubular, que dá a elas uma
aparência de papo-de-peru, que é a razão de ser este um de seus nomes. O fato de
essa flor exalar um odor fétido que atrai as mosca, fa- zendo destes animais seus
polinizadores, mostra que papo-de-peru também pertence ao ôdu Õfun, que tem a
mosca como um de Seus representantes no reino animal. O Gênero Aristolochia
apresenta mais de cinquenta espécies, uma delas é esperanzae, popularmente
conhecida por cipó mil-homens, que se supõe ser assim chamado pelo fato de o
sanitarista Carlos Chagas tê-lo usado para tratar os muitos ferroviários que tinham sido
atingidos por malá- ria. Milome é a conhecida cachaça feita com o cipó mil-homens,
que tem a fama popular de, por ter gosto amargo, ser boa para o fígado.
75
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
76
Êdá-Çlémi REINO
ANIMAL
Alántakùn ou Çlënà = Aranha – Animal da Classe dos Arachnida, Ordem Araneae. Na
classificação científica, as três subordens se subdividem em diver- sas famílias,
gêneros e em uma média de quarenta mil espécies. Contrariando o que normalmente
se pensa, apenas cerca de trinta espécies de aranhas são consideradas perigosas
para o homem. Os aracnídeos são muito antigos, da era Paleozóica. Atualmente são
terrestres. Originalmente marinhas, hoje só cinco espécies de aranhas ainda fazem da
água o lugar de sobrevivência.
De simbologia diversa, para o ôdu Õfun, a aranha é a mensageira de Oÿàlá (Ìtan 19).
“Intercessora entre dois mundos – humano e divino –, fazem com que a aranha
simbolize também um grau superior de iniciação” (CHEVALIER, p. 72). Os bambaras, povo
africano já comentados neste estudo, usam o nome do referido animal para designar
“uma classe de iniciados que já alcançaram a interioridade, a potência realizadora...”
(CHEVALIER, p. 72). Essa representação da aranha como “Criadora Cósmica” é uma outra
ligação entre este animal e Õfun, que é o principal ôdu que orientou a Criação do
Mundo. “Entre os povos da África Ocidental, por exemplo, existe uma crença de que foi
Anansé, a aranha, quem preparou a matéria dos primeiros homens, criou o Sol, a Lua
e as estrelas; depois, Nyamé, o deus do céu, insuflou a vida no homem. Assim, a
aranha continua ocupando a função de intercessora entre a divindade e o homem”
(CHEVALIER, p. 71) (ver Simbolismo – Àìlópin Àbõ).
As teias das aranhas possuem características muito interessantes: são mais finas do
que um fio de cabelo, mais leves que o algodão e cinco vezes mais fortes do que um
aço de iguais dimensões; apresentam grande poder de elasticidade, esticando-se
quatro vezes mais que seu comprimento inicial; são muito resistentes à água e não se
rompem mesmo que a temperaturas chegue a -45 °C. As teias das aranhas são
armadilhas para suas presas, mas os pelos de suas patas não permitem que elas
caiam nas próprias armadilhas. As aranhas tecem suas teias permanentemente. Õfun
Méjì, através da relação de opostos, expressa a ideia de movimento constante, que
implica em um contínuo criar. O movimento de tecedura da aranha é circular e produz
uma rede dotada de um centro, o qual é visto, simbolicamente, como o centro do
mundo buscado nos mitos do “eterno retorno” (ver Simbologia – Àìlópin Àbõ):
movimento regressivo do sopro e do sêmen; o retorno à Fonte Primei- ra, onde o novo
embrião renascerá, simbolizando a reintegração à origem, a obtenção da longevidade
(as tarântulas vivem até vinte e cinco anos) ou até mesmo a “imortalidade”.
A teia de aranha é comparada ao labirinto (Ver Simbologia) que “é, essencial- mente,
um entrecruzamento de caminhos, dos quais alguns não têm saída e constituem assim
impasses; no meio deles é mister descobrir a rota que conduz ao centro dessa bizarra
teia de aranha. A comparação com a teia de
77
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
78
aranha não é aliás exata, porque a teia é simétrica e regular, enquanto a es- sência
mesma do labirinto é circunscrever no menor espaço possível o mais completo
emaranhado de veredas e retardar assim a chegada do viajante ao centro que deseja
atingir” ( CHEVALIER, p. 530). As transformações necessárias ocor- ridas durante a
peregrinação iniciática (ver Simbolismo – Ìrìn-àjò) são identi- ficadas de igual maneira
em dois ôdu que são intimamente vinculados, Õfun e Çjônile, através de dois animais
diferentes, respectivamente a aranha e a serpente. A aranha, um dos animais
representativos de Õfun Méjì, precisa trocar de pele (õhô= descamação da pele)
periodicamente durante seu cres- cimento e mesmo depois de ter crescido, pois sua
pele, assim como as vestes do homem, fica gasta (ver Simbolismo – Aÿô); a serpente,
um dos animais de Çjônile, também precisa trocar de pele e por isto este ôdu diz que
“ô ká jóko pçpç ré pé” = “a serpente sentou-se no altar, a fim de mudar a pele”.
Õfun Méjì gerou todos os ôdu e foi gerado pelo Êmí – o Sopro Criador – de Olorun, que
também deu vida ao homem e a tudo que existe. Por isso se diz que é através de Õfun
Méjì que o homem se comunica diretamente com o deus supremo. Õfun Méjì diz:
“Ninguém vê a roca de fiar de Aranha; ninguém sabe como ela tece sua teia”. E ela
canta: “Como mágica, eu faço tudo como mágica; Eu me tornei um deus; Como mágica
eu trabalho” (Ìtan 19).
Awó ou Çtú = Galinha d’angola, conquém – Ave da Ordem Galliformes, Família
Numididae, Gênero Numida, Espécie meleagris. Nome cientifco: Nu-
Maria Stella de Azevedo Santos • Graziela Domini Peixoto
Sendo considerado o primeiro animal iniciado, não é difícil entender a ne- cessidade da
galinha d’angola de viver em comunidade, melhor dizendo, em bando. É uma ave que
precisa do bando para se reproduzir, pois só assim sentem estímulo para o
acasalamento. Essas aves formam grupos organiza- dos, onde vivem e se locomovem
guiadas por um líder. Também não é de se estranhar o fato de a galinha d ́angola ser
chamada em yorubá de awó, palavra que os iniciados usam constantemente para não
se esquecerem de que são guardiões de mistérios (awó – mistério, segredo). Õfun Méjì
é o ôdu da palavra (ver Simbologia – Õrô) e a galinha d’angola “fala”, ou melhor, grita
muito: “tou fraca, tou fraca...”. Tanto que Vinicius de Morais escreveu:
79
Odu Àdájô • Coleção de Destinos • Öfun
80
Gosta muito de fofoca E adora intriga Fala tanto Que
parece que engoliu uma matraca E vive reclamando
Que está fraca
Tou fraca! Tou fraca! Tou fraca! Tou fraca!
Tou fraca!
Çiyçlé – O pombo é um animal que pertence à Classe Aves, Ordem Colum- biformes,
Família Columbidae, Gênero Columbo. O pombo comum é da es- pécie livia, sendo
seu nome científico, portanto, Columbo livia. Popularmente é chamado de
pombo-doméstico ou pombo-das-rochas e existem exem- plares de cor marrom, cinza,
branca, sendo estes últimos específicos dos ôdu através dos quais falam Oÿàlá. Para o
pombo se canta: Çiyçlé ni wá jà adiç. O jù mã mã. Àgò àlà oríÿa oní bá tè = Pombo não é
galinha. Não chega brigando. Ele é um ser superior, que tem licença para alcançar e
venerar o oríÿa dono do àlà. Õfun Méjì tem o casal de pombos como uma de suas fortes
representações. Õfun Méjì é o ôdu que revela o mistério do Algodão Alvejado que
Germina – Ôbàtálà, nome que designa as duas prin- cipais divindades, Oÿàlá /Odùdúwa,
da “família” que usa a cor branca como