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Egípcia: História 2

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artigo

História Breve dos Pigmentos:


2 - Da Arte Egípcia
JOÃO M PEIXOTO CABRAL

Muitos dos pigmentos que foram e o British Museum, cujos resultados vermelhos, presentes em obras de
usados pelos artistas têm vindo pouco a pouco a enrique- arte egípcia, se tem observado ainda a
pré-históricos, sobretudo os ocres cer o nosso conhecimento. Uma revi- presença de ilmenite (FeTiO3).
e o carvão, continuaram a sé-lo são dos dados disponíveis sobre pig- Papel importante na pintura
depois da descoberta da escrita. mentos foi efectuada recentemente egípcia parece que desempenharam
Com a arte dos Antigos Egípcios por investigadores do Louvre e do igualmente os pigmentos negros, em
surgiram os primeiros pigmentos Laboratoire de Recherche des Musées de particular os derivados da combustão
azuis e verdes, a principio apenas France (LRMF) [2]. ou da calcinação de diversas substân-
produtos naturais mas a partir da interessante notar que, tal cias orgânicas, como madeira e ossos,
IV dinastia também materiais como muitos anos mais tarde nos e os óxidos de manganês.
sintéticos. Pouco a pouco, novos templos gregos e nas catedrais medi- Outros pigmentos, todavia, vie-
pigmentos destas e doutras cores evais ainda costumava fazer-se, os ram pouco a pouco enriquecer a pa-
foram sendo igualmente monumentos egípcios eram pintados. leta dos pintores, quase todos produ-
descobertos, alguns dos quais De acordo com os autores da revisão tos naturais mas também alguns sin-
ainda hoje fazem parte das atrás citada, cada cor desempenhava téticos. É destes novos pigmentos
paletas dos pintores. No presente na pintura um papel simbólico im- que trataremos nas linhas que se se-
artigo tecem-se breves portante. guem, focando a atenção no período
considerações sobre a sua Ainda segundo os mesmos auto- correspondente ao intervalo de
natureza e apresentam-se alguns res, os artistas egípcios distinguiam tempo compreendido entre a data do
exemplos de aplicação do ponto de vista granulométrico aparecimento da escrita — ã roda de
correspondendo ao período duas categorias de pigmentos — os 3 300 a.C. na Mesopotâmia e de
compreendido entre a data do que se apresentavam na natureza 3 100 a.C. no Egipto — e o início da
aparecimento da escrita e o início sob a forma de pós e se mediam em época ptolemaica, i.e. 332 a.C. (ver
da época ptolemaica. unidades de volume, como era o Tabela 1).
caso dos pigmentos amarelos e ver-
melhos; e os que tinham de ser moí-
1. INTRODUÇÃO dos e se mediam em unidades de
peso, como acontecia com os pig-
Deve-se a Lucas, um químico e mentos azuis e verdes. O preto e o
conservador que fazia parte da equi- branco eram considerados ã parte.
pa que em 1922 descobriu o túmulo Contudo, relativamente ãs caracterís-
de Tutankhamon, uma das maiores ticas de tais pigmentos, os textos
contribuições para o estudo dos ma- egípcios poucas informações contêm.
teriais usados pelos egípcios na Anti- Quase tudo o que se sabe sobre isso é
guidade, incluindo materiais de pin- fruto da investigação efectuada du-
tura, e a primeira compilação de rante os últimos cem anos.
grande envergadura dos conheci-
mentos existentes sobre tal matéria.
Essa compilação foi feita em 1926 e 2. PIGMENTOS HERDADOS
constitui o célebre livro Ancient Egyp- DO PASSADO
tian Materials and Industries [1], que
Harris reviu e ampliou em sucessivas Como era de esperar, verificou-
edições, a última das quais (em se que não há praticamente nenhum
1962) compreende os resultados de pigmento que tenha sido usado pelos
estudos elaborados até ao fim de pintores dos tempos pré-históricos
1960. Este livro adquiriu uma impor- que não fosse também empregado
tância de tal modo grande que ainda pelos artistas egípcios depois do apa-
hoje, passados 35 anos, é uma refe- recimento da escrita.
rência fundamental para os investi- Os mais comuns parecem ter
gadores envolvidos no estudo das sido os ocres, tanto amarelos como
tecnologias do Antigo Egipto. vermelhos. Recorde-se que eles são
Entretanto, novos trabalhos em geral constituídos por argilas con- Fig. 1 - [stela de Nefertiabete (IV dinastia),
foram sendo realizados, sobretudo tendo proporções variáveis de óxidos pormenor da figura de Nefertiabete, Museu do
por equipas de investigação associa- de ferro— goetite (a-Fe0OH) e limo- Louvre.. De acordo com análises da camada
pictórica na área do vestido, efectuadas tanto por
das aos museus europeus onde se nite(1), no caso dos ocres amarelos, e XRD como por SEM/XRF, o vestido foi p intado
conservam muitas e importantes hematite (a-Fe203), no caso dos ocres usando como pigmento uma mistura de jarosite e
obras de arte egípcia, como o Louvre vermelhos. É de notar que nos ocres natrojarosite.

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artigos

Tabela 1 - Cronologia egípcia 131

Data (a.C.) Época Dinastias Manifestações artísticas


4500 - 3000 Época Pré-Dinástica Vasos em cerâmica e em pedra.
Paletas geométricas e zoomórficas.

3000 - 2660 Época Arcaica ou Tinita I - II Mastabas em tijolo.


Apogeu do fabrico dos vasos em pedra.

2660 - 2180 Império Antigo Ill - VI Esfinge e pirâmide de Guiza (IV din.).
Pirâmide escalonada de Sakara (VI din.).
Mastabas de funcionários.
Estatuária clássica de reis e de altos funcio-nários
(escribas e sacerdotes).

2180 - 2040 Primeiro Período Intermediário VII - X Estatuetas funerárias em madeira.

2040 - 1780 Império Médio XI - XII Reaparecimento da estatuária real e das pirâ-mides.
Requinte da joalharia.

1780 - 1560 Segundo Período Intermediário XIII - XVII Estagnação artística e cultural.

1560 - 1070 Império Novo XVIII - XX Construção de grandes templos.


Túmulos cavados na rocha.
Brilhantismo na escultura, pintura e artesana-to
(artes de metamorfose).

1070 - 664 Terceiro Período Intermediário XXI - XXV Sarcófagos, papiros, amuletos e chauabtis

Época Baixa XXVI - XXX Renascimento artístico e cultural.


664 - 332
Época Ptolemaica Ptolemaica Continuidade estilística na construção de templos,
332 - 30
escultura e artesanato.

3. PIGMENTOS AMARELOS 3.1 Jarosite e natrojarosite 3.2 Auripigmento

Embora os ocres ocorram abun- Estes minerais são sulfatos de ferro O auripigmento é um sulfureto
dantemente em território egípcio e e metais alcalinos, respectivamente de arsénio — As2S3 — natural, de
as suas jazidas representem a princi- K.Fe3(SO4)2(OH)6 e NaFe3(SO4)2(OH)6, um amarelo muito brilhante, que
pal fonte de matéria prima da fabri- que se formam em geral por alteração ocorre em diversos lugares mas em
cação de pigmentos amarelos natu- de óxidos de ferro em condições climá- pequenas quantidades (Fig. 2). De
rais, há indícios de que outras subs- ticas especiais. Ambos ocorrem no acordo com observações efectuadas
tâncias minerais teriam sido explora- Egipto, embora em quantidades relati- no SEM/XRF, foi utilizado para pin-
das pelos egípcios com o mesmo ob- vamente pequenas. tar a estela de Nitoua e Nitneb, datada
jectivo, em particular a jarosite, a na- A sua presença tem sido obser- da II dinastia, bem como o sarcófago
trojarosite e o auripigmento. vada em algumas obras de arte em de Senhetep referido anteriormente
Estes indícios têm sido encon- pedra do Império Antigo, conserva- [2]. Segundo Spurrell, teria sido
trados através de exames de peque- das no Museu do Louvre, como por também empregado nas pinturas de
nas amostras cortadas transversal- exemplo na estela de Nefertiabete (IV Tell el-Amarna, da mesma época que
mente à superfície das obras de arte, dinastia), proveniente da necrópole este sarcófago [4].
os quais se realizam por via de regra de Guiza (Fig. 1), e na mastaba de Note-se que o auripigmento,
com auxílio do microscópio óptico, Akhethetep (V dinastia) proveniente sob a acção da luz, se decompõe
em luz reflectida, e/ou do microscó- de Sakara. Foram detectados tam- dando origem a um óxido de arsé-
pio electrónico de varrimento associ- bém num elemento de decoração do nio — As203 — de cor branca e à li-
ado a um espectrómetro de raios X sarcófago de Senhetep (fim da XVIII di- bertação de SO2, a qual leva por
(SEM/XRF). Por vezes, recorre-se nastia), verificando-se neste caso que vezes a uma alteração das cores dos
também à difracção de raios X se encontram misturados com o pigmentos situados na sua vizi-
(XRD). cres [2]. nhança [5].

18 QUÍMICA 66 . 1997
art i

4. PIGMENTOS VERMELHOS

Apesar de os ocres serem tam-


bém a matéria prima mais abundan-
te, em território egípcio, para produ-
zir pigmentos vermelhos naturais,
encontraram-se do mesmo modo in-
dícios de que outras substâncias mi-
nerais desta cor teriam sido utiliza-
das para pintar obras de arte egípci-
as, designadamente o realgar e o ci-
nábrio.

4.1 Realgar

O realgar é um sultureto de ar-


sénio — a-As4S4 — natural, verme-
lho alaranjado, que se apresenta em
regra associado ao auripigmento
(Fig. 2). Green [5] detectou-o num
papiro da XIX dinastia, verificando
que se achava parcialmente alterado
em para-realgar — y-As4 S4 — de
tom mais amarelado. Por outro
lado, foi observado num elemento
de decoração do sarcófago de Tamout-
Nefret, conservado no Museu do Fig. 2 - Auripigmento com realgar.

Louvre, o qual data também da XIX


dinastia [2].

4.2 Cinábrio

O cinábrio é um sulfureto de
mercúrio — HgS — natural, verme-
lho intenso (Fig. 3). No entanto,
quando finamente moído, adquire
tons alaranjados.
De acordo com Gettens e Stout
[6], há provas de natureza arqueoló-
gica de que este mineral já estaria a
ser utilizado como pigmento na
China durante o III milénio a.C.. Es-
tranhamente, porém, parece não ter
sido empregado na Mesopotâmia
pelos artistas da mesma época e, no
Egipto, só se encontraram indícios
dele em obras de arte da Época
Baixa [I].
Segundo Caley e Richards [7],
os gregos já o exploravam no séc. VI
a.C., sendo possível por isso que ti-
vessem sido eles que o fizeram en-
trar no Egipto através de trocas co-
merciais. Fig. 3 - Cinábrio.
É interessante notar que este

QUÍMICA. 66 • 1997 19
artigos

5. PIGMENTOS AZUIS

Com a arte dos egípcios surgi-


ram os primeiros pigmentos azuis.
Curiosamente, porém, apesar de eles
disporem no seu território de fontes
naturais de minerais azuis, como a
azurite, o pigmento que mais utiliza-
ram foi um produto sintético — azul
egípcio — cuja aplicação já se fazia
no Império Antigo. Por outro lado,
parece haver indícios de que mais
tarde, durante a XVIII dinastia, teri-
am usado um outro pigmento sinté-
tico azul — o azul-de-cobalto. Há
que notar, no entanto, que o empre-
go deste último pigmento na pintura Fig. 5 - Leão devorando um núbio, Metropolitan
egípcia desse tempo é controverso. Museum of Art, Nova Iorque. Azul egípcio e ouro

5.1 Azurite
mento no Egipto durante a IV dinas-
A azurite é um carbonato básico tia [1]. Deve notar-se, contudo, que
de cobre — Cu3(CO3)2(OH)2 — na- em nenhuma das obras de arte do
tural (Fig. 4), que se forma por oxi- Louvre até agora analisadas se con-
dação do cobre nativo. Tende a seguiu detectá-la [2]. É possível que
transformar-se por hidratação em isto seja o reflexo de um consumo
malaquite, o que leva a que estes muito diminuto, resultante da desco-
dois minerais se encontrem por berta do azul egípcio o qual, prova-
vezes associados. velmente, teria passado a ser produ-
Fig. 4 - Azurite.
Segundo Lucas, a azurite teria zido em condições economicamente
começado a ser aplicada como pig- mais vantajosas do que a azurite.

sulfureto pode apresentar-se pelo


menos sob duas formas cristalinas,
de cores diferentes: o cinábrio ver-
melho, que cristaliza no sistema tri-
gonal; e o metacinábrio negro, que
cristaliza no sistema cúbico e é ins-
tável em relação ao primeiro, trans-
formando-se nele por sublimação
ou digestão com polisulfuretos alca-
linos. Mas a presença de impurezas
no cinábrio pode levar a que tam-
bém este possua uma instabilidade
apreciável, de tal modo que a sua
moagem ou exposição a luz poderão
provocar a sua conversão no meta-
cinábrio.
De acordo com Vitrúvio, esta
transformação parece ter contribui-
do para o infortúnio de alguns artis-
tas, como por exemplo do escriba
Fabério em Roma, o qual, terá visto
numa dada altura a sua bela decora-
ção em cinábrio vermelho destruída Fig. 6 - Taça e respectivo pé, Walters Art Gallery, Baltimore. Azul egípcio.
ao fim de trinta dias.

20 QUÍMICA 66-1997
artigo

5.2 Azul egípcio composição química do azul egípcio daí ser conhecido também pelo
e, por outro, demonstrar que ele e o nome de azul de Thénard.
Tudo leva a crer que o azul mineral natural cuprorivaíte corres- Aconteceu, porém, que em
egípcio (Fig. 5), cujo aparecimento pondem ao mesmo material. 1974 Riederer comunicou que obser-
no Egipto parece ter ocorrido duran- Recentemente, vários investiga- vara a presença de azul-de-cobalto
te a IV dinastia [1], teria sido o pri- dores [8, 15-171 deram um novo em cerâmicas pintadas de Malgatta e
meiro pigmento a ser sintetizado contributo muito significativo para o Tell el-Amarna [18]. Em 1975, Noll
pelo homem. Cerca de dois séculos conhecimento do processo de fabri- determinou a sua estrutura, chegan-
depois, viria a ser utilizado para colo- cação deste pigmento, estudando do a conclusão de que era análoga
rir os célebres "Textos das Pirâmides" não só a influência de algumas variá- do azul de Thénard. Por outro lado,
[8]. 0 seu uso mais corrente foi, to- veis sobre a qualidade do produto fa- o mesmo investigador verificou que
davia, na pintura mural, o qual se di- bricado, mas também as característi- nenhuma cerâmica pintada com este
fundiu pelo Próximo Oriente(2) e cas de várias amostras provenientes pigmento era posterior a XX dinastia,
Mediterrâneo Oriental e, mais tarde, do Egipto, da Mesopotamia e da Eu- o que sugere que o seu emprego, a
pelo Império Romano. ropa Ocidental, abrangendo um ter-se praticado, se teria confinado a
Deve notar-se que o azul egíp- largo intervalo de tempo desde os um curto intervalo de tempo [19].
cio também foi utilizado como mate- primórdios do Império Antigo até ao Note-se, no entanto, que a cir-
rial cerâmico para fazer pequenos período romano, características essas cunstância de a fabricação da cerâ-
objectos, tais como vasos (Fig. 6), es- que se revelam bastante diversas no mica obrigar a passar pela cozedura
tatuetas, contas, embutidos e escara- que respeita a composição química, do objecto decorado e, por isso, não
velhos, sobretudo nos períodos com- microestrutura, dureza e cor. A títu- ser claro se o pigmento teria sido in-
preendidos entre os sécs.XIV e XII lo de ilustração, indica-se a seguir o tencionalmente aplicado antes da co-
a.C. e os sécs. IX e V a.C. [8]. processo que foi reproduzido por zedura ou resultado ocasionalmente
Este produto desde há muito Ullrich [8]. Primeiramente, as maté- dela, e, por outro lado, o facto de o
que tem vindo a ser estudado. Em rias primas — areia quartzífera, cal, mesmo pigmento não ter sido detec-
1804, cinco anos depois da expedi- minério de cobre ou resíduos de tado em nenhum outro tipo de obra
ção ao Egipto do general Bonaparte bronze e natrão(3) de Wadi Natrum de arte, tem levado a que outros in-
— o futuro imperador Napoleão I —, — seriam moídas até à obtenção de vestigadores duvidem de que o azul-
Chaptal [9] deu início a sua investi- pós finos. Misturarar-se iam então os de-cobalto tivesse sido fabricado no
gação. Em 1815, um ano depois de pós na proporção de 5:2:2:1, intro- Antigo Egipto.
se ter encontrado nas escavações de duzir-se-ia depois a mistura em cadi-
Pompeia uma quantidade razoável nhos e, por fim, estes seriam aqueci-
num pequeno vaso, achado que des- dos sem tampa, a uma temperatura 6. PIGMENTOS VERDES
pertou grande interesse na comuni- rondando os 900-950 °C, durante 24
dade científica, foi a vez de Sir a 48 horas. Produzir-se-ia assim uma Contrariamente ao que se verifi-
Humphrey Davy [10] dar uma con- massa vítrea, de cor azul intenso, ca na pintura pré-histórica, onde não
tribuição para o seu estudo. Nos anos com uma elevada percentagem de foi ainda detectado nenhum pigmen-
1880, alguns mineralogistas france- azul egípcio, percentagem esta que, to verde, na pintura egípcia posterior
ses retomaram a sua investigação e, no entanto, poderia ser aumentada e data do aparecimento da escrita já
em 1889, Fouqué [11], com base em o azul tornado ainda mais intenso se encontram diversos pigmentos
resultados da análise química, con- moendo o produto obtido e ague- desta cor, não só produtos naturais —
cluiu que ele seria o tetrasilicato de cendo-o uma segunda vez. malaquite, atacamite, paratacamite,
cálcio e cobre — CaCuSi4010. Poucos No que respeita aos objectos ce- crisocola, planchéite e sampléite —
anos depois, o mesmo investigador, râmicos de azul egípcio, o processo como ainda produtos sintéticos —
em colaboração com alguns quími- de fabricação consistiria primeiro em verde egípcio e verdigris.
cos, procurou sintetizá-lo, no que moer este pigmento, em colocar de- interessante notar, além disso,
parece ter sido bem sucedido. Os es- pois o pó num molde com a forma que no Antigo Egipto alguns artistas
tudos sobre a sua síntese foram reto- desejada e, finalmente, em submeter obtinham a cor verde na pintura so-
mados em 1914 por Laurie et al. o molde a um aquecimento. brepondo uma camada de pigmento
[12], os quais investigaram de ma- amarelo a outra de pigmento azul.
neira sistemática o efeito da concen- 5.3 Azul - de - cobalto Julgou-se durante algum tempo que
tração dos álcalis e da temperatura esta técnica só teria surgido no Im-
de aquecimento. Todavia, foi só em Até meados dos anos 70, sem- pério Novo. No entanto, exames re-
1959 que Pabst [13, 141 realizou o pre se considerou que este pigmento, centes a camada pictórica de um ele-
seu estudo cristalográfico, o qual que é sobretudo um aluminato de mento verde da decoração de um re-
permitiu, por um lado, confirmar de cobalto — CoAl204 —, havia sido levo da V dinastia — os portadores de
forma inequívoca a já conhecida descoberto por Thénard em 1802, e oferendas—, conservado no Museu

QUÍMICA • 66 • 1997 21
a r t i g o s

"

do Louvre, vieram provar que tal


técnica já era conhecida nesta última
época. Na verdade, os referidos exa-
mes mostraram que o verde da deco-
ração não é mais do que o efeito re-
sultante da sobreposição de uma ca-
mada de ocre amarelo, com 15 pm
de espessura, noutra de azul egípcio,
com a espessura de 300 pm [2].

6.1 Malaquite

Este mineral é um carbonato


básico de cobre — Cu2CO3(OH)2 —
verde azulado (Fig. 7), que se forma
quer por oxidação do cobre nativo
quer por oxidação da azurite.
A malaquite teria sido introdu-
zida como pigmento na arte egípcia
durante a época pré-dinástica, apare-
cendo em geral associada ã pintura
de estátuas designadamente à pintu-
ra de olhos [1]. A partir da IV dinas-
tia começou a ser utilizada também
na pintura de túmulos, tornando-se
a fonte principal de cor verde nas
pinturas sobre madeira e sobre
pedra. Por exemplo, as decorações
verdes da mastaba de Akhethetep em
pedra, datada da V dinastia, anterior-
mente citada, assim como do sarcófa-
go de Tanethereret em madeira, pinta-
do na XXI dinastia, foram feitas com
este pigmento [2].

6.2 Atacamite e paratacamite

Estes minerais são cloretos bási-


cos de cobre — Cu2(OH)3C1 — ver-
des, que ocorrem raramente e se
acham em regra associados a minas
de cobre. Diferem apenas na estrutu-
ra cristalina, pertencendo a atacami-
te ao sistema ortorrômbico e a para-
tacamite ao sistema trigonal.
A sua descoberta numa pintura
egípcia deve-se a Terrace, que os de-
tectou no sarcófago de Djehoutynakht,
da XII dinastia, proveniente de Deir Fig. 7 - Malaquite.

el Bersheh [20]. Posteriormente,


exames efectuados no LRMF têm
mostrado que a camada pictórica da mite e malaquite, como se verifica vestigações recentes. Por um lado,
maioria das decorações verdes dos no par Raherka e Merseânkh conserva- verificou-se que a presença destes
objectos do Império Antigo é consti- do no Louvre [2]. dois minerais na pintura egípcia po-
tuída quer por paratacamite, como No entanto, a utilização de ata- derá resultar de uma reacção de alte-
acontece na estela falsa porta de Mery, camite e paratacamite pelos pintores ração do azul egípcio, ou do verde
quer por uma mistura de parataca- egípcios foi posta em causa por in- egípcio de que falaremos adiante,

22 QUÍMICA • 66 . 1997
a r t igos

'Mkt-

cio, ou verde-de-frita por ser de na-


tureza vítrea. Julga-se que o seu pro-
cesso de fabricação seria semelhante
ao da produção do azul de cobalto,
com algumas diferenças. Segundo
Ullrich [8], usar-se-ia uma maior
percentagem de cal e o aquecimento
da mistura das matérias primas seria
feito em atmosfera redutora. De
acordo com outros investigadores
[25], a mistura seria aquecida a uma
temperatura mais elevada a fim de
evitar a formação de azul egípcio que
é, como vimos, de natureza cristali-
na. Note-se, todavia, que o verde
egípcio, apesar de rico em fase amor-
fa, não é inteiramente amorfo, pos-
suindo uma fase cristalina de metasi-
licato de cálcio e cobre — Cai.„Cux_
SiO3 —, a cuprowollastonite, a qual
tem permitido que seja identificado
mediante análise por difracção de
raios X [2].
Fig. 8 - Matagal de papiros. Fragmento da pintura mural do túmulo de Neferhotep, Museu do Louvre.
Este pigmento tem sido indevi-
damente descrito por alguns investi-
gadores como um azul egípcio cuja
quando em contacto com carbonato ma obra de arte da colecção do Lou- cor teria mudado para verde em re-
de cálcio, água e sal [21]. Por outro vre, examinada no LRMF [2]. sultado de uma adição de ferro.
lado, provou-se, através de exames certo que isso pode acontecer por
efectuados a pinturas murais euro- 6.4 Planchéite vezes, como se verificou por exem-
peias, que a paratacamite poderá plo no verde de um fragmento de
ainda resultar de uma reacção de al- Este mineral é também um silica- pintura mural do túmulo de Nefe-
teração da azurite [22]. Assim, torna- to de cobre — Cu8Si8022(OH)4.H20 rhotep — o matagal de papiros (Fig. 8)
se impossível discernir se a existência — verde azulado, cuja ocorrência — que data da XVIII dinastia [2].
de atacamite e paratacamite na pin- mais rara que a da crisocola. Esses casos são porém raros, sendo
tura egípcia é devida à sua aplicação A sua utilização como pigmento provável que a sua ocorrência esteja
pelos artistas ou ã alteração doutro na pintura egípcia foi revelada num ligada ao emprego de uma areia fer-
pigmento — azul egípcio, verde egíp- material proveniente de Karnak ruginosa na sua fabricação.
cio ou azurite — que tenha sido 123]. Ainda segundo Ullrich [8], o
usado. verde egípcio parece ter surgido mais
6.5 Sampléite tarde que o azul egípcio, designada-
6.3 Crisocola mente durante a VI dinastia, o que
A sampléite é um fosfato de cobre está de acordo com os resultados de
A crisocola é um silicato de hidratado—NaCaCu5(PO4)4C1.5H20. observação de Lucas que o havia en-
cobre — CuSiO3.nH20 — natural, de Foi identificada num lote de contrado nas paredes dum túmulo
cor verde azulada, cujas jazidas são pigmentos descoberto em 1903, em desta época. Contudo, no LRMF,
frequentes, particularmente no Egip- Héliopolis, o qual se conserva actual- tem sido identificado apenas em
to e na península do Sinai. Foi utili- mente no Museu de Turim [24 ]. obras do Império Novo ou posterio-
zada não só como pigmento mas Contudo, ela também nunca foi ob- res. Daí que os investigadores deste
também como pedra preciosa, tendo servada em nenhuma obra de arte Laboratório pensassem que, sem
sido este último uso o mais corrente. da colecção do Museu do Louvre [2]. uma análise por difracção de raios X,
A sua presença como pigmento este pigmento poderia ter sido con-
na pintura egípcia foi verificada por 6.6 Verde egípcio fundido com azul egípcio contendo
Spurrell em certos túmulos de Deir vestígios de ferro. Daí, também, que
el Bersheh e de Kahun, da XII dinas- Os egípcios sintetizaram tam- se interrogassem sobre se a ausência
tia [1]. Note-se, todavia, que a criso- bém um pigmento verde a que se dá de verde egípcio em objectos do Im-
cola nunca foi observada em nenhu- usualmente o nome de verde egíp- pério Antigo seria devida a uma alte-

QUÍMICA • 66 • 1997 23
artigos

4111111111Met118141911C1itirii......

ração que impedisse actualmente a sarcófago de Mesré, proveniente do 3. L. M. de Araújo, em Antiguidades Egípcias, Museu

sua detecção, ou à circunstância de a Alto Egipto e datando do fim da Nacional de Arqueologia, Instituto Português de Mu-
seus, 1993, 46.
sua fabricação ter sido pouco desen- XVIII dinastia [2].
volvida. Para responder a esta ques- 4. F. C. J. Spurrell, The Archaeological Journal 52
tão torna-se necessário prosseguir as 7.3 Huntite (1895) 222.
investigações [2].
5. L. R. Green, em Brown et al. (Editores), Conservation
Este mineral é um carbonato de
in Ancient Egyptian Collections, Archetype Books,
6.7 Verdigris cálcio e magnésio - Mg3Ca(CO3)4 1995, 85.
- que resulta da alteração de rochas
O verdigris é um acetato básico dolomíticas e de outras contendo 6. R. J. Gettens, G. L. Stout, Painting Materials a Short
de cobre - Cu(C2H302)2.2Cu(OH)2 magnésio. Encyclopaedia, Dover Publications Inc., 1966.

- que se prepara introduzindo cobre Tem sido identificado, tanto na


num banho de vinagre ou subme- camada pictórica como na prepara- 7. E. R. Caley, J. F. C. Richards, Theophrastus on Stones,
University Press, 1956.
tendo o cobre a vapores de vinagre ção, em pinturas feitas sobre estelas
aquecido. e sarcófagos de madeira conservados 8. D. Ullrich, PACT 17 (1987) 323.
Foi utilizado no Antigo Egipto, no Museu do Louvre [2].
não só como pigmento mas também 9. M. Chaptal, Annales de Chimie 70 (1809) 22.
como cosmético e medicamento. 7.4 Gesso
Tanto quanto se sabe, teria começa- 10. H. Davy, Philosophical Trasactions 105 (1815) 97.
do a ser usado como pigmento a par- O gesso é o sulfato de cálcio di-
tir da XVIII dinastia [2]. hidratado - CaSO4.2H20 - natural. 11. F. Fouqué, Bull. Soc. de Mines de France 12 (1884) 36.

A sua presença na pintura egíp-


cia tem sido verificada sobretudo nas 12. A. P. Laurie, W. F. P. McLintock, F. D. Miles, Proc.
Roy. Soc. A89 (1914) 418.
7. PIGMENTOS BRANCOS preparações e menos frequentemen-
te nas camadas pictóricas [2]. 13. F. A. Pabst, Acta Crystallgr. 12 (1959) 733.
Todos os pigmentos brancos que
ate agora foram encontrados na pin- 14. Mazzi, A. Pabst, Am. Mineral. 47 (1962).
tura egípcia são produtos naturais AGRADECIMENTOS
designadamente a calcite, a cré, a 15. W. T. Chase, em R. H. Brill (Editor), Science and Ar-
huntite e o gesso. Agradece-se à Professora Maria On- chaeo)ogy, MIT Press, 1971, 80.

dina Figueiredo alguns esclarecimentos


sobre nomenclatura mineralógica. 16. G. Bayer, H. G. Wiedemann, Sandoz Bulletin 40
7.1 Calcite
(1976120.

A calcite é a forma mineral mais 17. M. S. Tite, M. Bimson, M. R. Cowell, em 1. B. Lam-


comum do carbonato de cálcio - * ITN, Departamento de Química, Estrada Nacional bert (Editor), Archaeological Chemistry, Ill, American
CaCO3. N° 10, 2686 Saca vém Codex. Chemical Society, 1984, 215.

Tem sido detectada não só na


camada pictórica mas também na 18.). Riederer, Archaeometry 14 (1974) 102.

preparação dos suportes sobre os NOTAS 19. W. Noll, Neues Jahrbuch fur Mineralogie 9 (1981)
quais foram executadas as pinturas.
416.
(1) Mistura natural complexa de óxidos e hidróxidos de
ferro com algum carbonato.
7.2 Cré 20. E. L. B. Terrace, Egyptian Paintings of the Middle
(2) Não é de excluir a possibilidade de que na Mesopo- Kingdom, Braziller, 1968.
A cré é uma rocha mole, porosa e tâmia o azul egípcio tenha sido descoberto mais cedo
do que no Egipto, ou na mesma época mas indepen-
friável constituída principalmente por dentemente, como sugerem alguns achados em Kish de 21. S. Schiegl, K. I. Weiner, A. El Goresy, Materials Re-

carbonato de cálcio. Quando formada conchas contendo pigmentos. search Society Symposim Proceedings, 1992, 831.

a partir de uma vasa marinha apre- natrão é um produto natural constituído essencial-
131 0 22. G. Kerber, M. Koller, F. Mairinger, 3rd Triennal Me-
senta em geral vestígios fósseis de mente por carbonato de sódio hidratado, eting, I COM Committee, Madrid, 1983.
algas unicelulares, alguns dos quais - Na2CO3.10H20.

os cocólitos - se prestam excelente- 23. 0. Rouchon, J. Fabre, M. P. Etcheverry, M. Schvii-


mente para fazer a sua caracterização REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS rer, Revue d'Archéométrie 14 (1990187.
e determinar a sua proveniência.
A título de exemplo refere-se 1. A. Lucas, J. R. Harris, Ancient Egyptian Materials and 24. E. Angelini, P. Bianco, E. D'Amicone, I. Vigna, Pig-
Industries, 4th ed., Histories & Mysteries of Man Ltd, ments et Colorants (1990) 117.
que a presença de cocólitos foi obser-
1989.
vada, com auxílio do SEM, por in-
25. D. Le Fur, La Conservation des Peintures Murales
vestigadores do LRMF numa amostra 2. S. Colinart, E Delange, S. Pagés, TECHNE 4 (1996) des Temples de Karnak, Editions Recherches sur les Ci-
da preparação de uma pintura do 29. vilisations, 1994.

24 QUÍMICA 66. 1997

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