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Martyn Lloyd Jones - Efesios 02 - Reconciliacao - O Metodo de Deus (Para Copiar0

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RECONCILIAÇÃO: O

MÉTODO DE DEUS

(Exposição sobre Efésios 2)

D. M. LLOYD-JONES

PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS


Caixa Postal 1287 01059-970-São Paulo- SP
ÍNDICE
1. Introdução ........................................................................................... 9
2. O Homem em Pecado (vv: 1-3) ........................................................ 22
3. O Pecado Original (vv: 1-3) ............................................................. 35
4. A Vida sem Deus (vv: 1-3) ............................................................... 47
5. A Ira de Deus (v: 3) .......................................................................... 60
6. A Mensagem Cristã para o Mundo (v : 4) ........................................ 72
7. Em Cristo Jesus (vv: 4-7) ................................................................. 84
8. Ressuscitados com Cristo (vv: 4-7) .................................................. 97
9. Nos Lugares Celestiais (vv: 4-7) ................................................... 110
10. As Sublimes Riquezas da Sua Graça (v: 7) .................................. 122
11. Mediante Cristo Jesus (v: 7) ......................................................... 135
12. Pela Graça por meio da Fé (vv: 8-10)........................................... 147
13. Feitura de Deus (v: 10) ................................................................. 160
14. Os Judeus e os Gentios (v: 11) ..................................................... 173
15. Sem Cristo (v: 12) .............................................. ......................... 186
16. Chegastes Perto (v: 13) ................................................................. 198
17. O Sangue de Cristo (v:13) ............................................................. 209
18. Ele é a Nossa Paz (vv: 14-16) ........................................................ 221
19. Fazer a Paz: o Método de Cristo (v: 15) ........................................ 234
20. O Único Mediador (v: 16) ............................................................. 247
21. Paz com Deus (v: 17) .................................................................... 257
22. Acesso ao Pai (v: 18) ..................................................................... 270
23. Senhor, Ensina-nos a Orar (v: 18) ................................................. 281
24. Orando no Espírito (v: 19)............................................................. 294
25. A Unidade Cristã (v: 19) ............................................................... 306
26. Já Não Sois Estrangeiros (v: 19) ................................................... 319
27. Cidadania Celestial (v: 19) ............................................................ 331
28. Privilégios e Responsabilidades (v:19) ......................................... 342
29. Da Família de Deus (v: 19) ........................................................... 354
30. Habitação de Deus (vv: 20-22)..................................................... 366
31. O Único Fundamento (vv: 20-2 .... .............................................. 378
32. Edifício Bem Ajustado (vv: 20-22) .............................................. 391
33. O Crescimento da Igreja (vv: 20-22)............................................. 404
PREFÁCIO
Este volume consiste de sermões pregados em sucessivas manhãs
dominicais na Capela de Westminster, Londres. Noutras palavras, não se trata de
um comentário como tal, porém, como deve acontecer com todos os sermões, é
uma exegese, é uma homilética e é aplicação. Seu objetivo não é apenas dar
informação e levar ao entendimento, mas também expor um pouco da glória e do
aspecto comovente da verdade.
O título pareceu completamente inevitável. Numa época de confusão,
tumulto, divisões e guerras violentas, e, ao mesmo tempo, de uma indolente
crença num falso e superficial idealismo que afirma que os homens e as nações
podem viver em harmonia, paz e concórdia, graças ao apelo dirigido ao que há de
melhor no homem, mais que nunca a mensagem deste capítulo dois da Epístola
de Paulo aos Efésios é necessária.
Aqui vemos claramente exposto e firmado o método divino de reconcilação
- o único método. O texto em apreço trata dos mais profundos e inspiradores
temas da Bíblia. Mostra-nos a desesperadora necessidade do homem e nos
desvenda a glória da graça de Deus, a maravilha da cruz de Cristo, a destruição
dos muros divisórios e a reconciliação de judeus e gentios, e de todos os demais
que crêem no Senhor Jesus Cristo, no reino de Deus.
Não sei de nenhum outro capítulo da Bíblia que exponha com tanta clareza
e perfeição, ao mesmo tempo, a mensagem evangelística essencial para o
incrédulo e a posição e os privilégios do crente.
Aí está a única esperança para o indivíduo e para o mundo, e, ao desvendar
o apóstolo o plano eterno de Deus, não podemos senão entusiasmar-nos com a
gloriosa perspectiva que aguarda todos quantos se tornaram "concidadãos dos
santos, e da família de Deus".
Estes sermões foram originalmente impressos na "Westminster Record",
mês a mês, e agora foram adaptados para a publicação em livro por minha
esposa. A ela, e ao Dr. Frank Crossley Morgan que tem insistido comigo que eu
faça o que venho fazendo há uns dez anos, estou profundamente agradecido.

janeiro de 1972 D. M. Lloyd-Jones

-7-
INTRODUÇÃO
1
"E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados."
- Efésios 2:1

Ao começarmos a estudar o capítulo dois desta grande Epístola, há certas


coisas das quais devemos lembrar-nos, se é que havemos de estudá-lo de
maneira inteligente e proveitosa. Surge logo, por exemplo, a questão da relação
deste capítulo com o imediatamente anterior. Originariamente, quando esta carta
foi escrita, não foi dividida em capítulos, mas, para conveniência do povo
cristão, e para habilitar-nos a entender melhor sua mensagem, foram adotadas e
introduzidas estas divisões em capítulos, e sem dúvida são de grande valor. Não
se pode duvidar de que aqui a divisão foi feita no ponto certo. Chegamos ao fim
de uma certa exposição no último versículo do capítulo primeiro, e aqui o
apóstolo toma um aspecto diferente da questão. Todavia, é evidente que há uma
ligação entre os dois, porque ele começa com a palavra "e" - "E vos vivificou...".
É óbvio, pois, que o apóstolo está se referindo a algo que ele já tinha dito, e a um
assunto que ele vai continuar. Noutras palavras, se é que devemos entender
corretamente este grande capítulo, temos que lembrar-nos da sua localização e
do seu cenário de fundo.
Estas Epístolas do Novo Testamento geralmente estão construídas em torno
de um argumento central, e, a grosso modo, a primeira metade de cada Epístola é
dedicada a essa tese central. É possível dividir de modo geral todas as Epístolas
dessa maneira; a primeira parte é doutrinária, a segunda é mais prática. Na seção
doutrinária há sempre um argumento, que é desenvolvido. Às vezes é um
argumento que se mantém constante. Quando vamos estudar as Escrituras, é
muito importante, pois, que façamos duas coisas. Devemos captar o argumento
em geral; e, tendo feito isso, passamos às particularidades. Ambas estas coisas
são importantes, tão importantes que podem ser consideradas como riscos que
sempre confrontam todo explanador ou expositor das Escrituras. Há aqueles que
esquecem totalmente as generalidades e só se preocupam com as
particularidades, e que, portanto, tendem a perder o caminho; e há aqueles que
simplesmente se interessam pelo geral, e nunca realmente descem ao particular.
Ora, as duas coisas, digo eu, são de grande importância. Temos que ter em nossas
mentes uma firme compreensão do argumento geral, mas também devemos
seguir o apóstolo quando ele o desenvolve em todos os seus detalhes. Portanto,
aqui somos levados a lembrar o que ele nos estivera ensinando no capítulo
primeiro. Não temos a mínima possibilidade de entender o argumento deste
capítulo dois, se não tivermos claro entendimento do primeiro.

-9-
Permitam-me recordá-lo brevemente para vocês. O ponto importante que o
apóstolo expõe nesta Epístola, o seu tema central em certo sentido, é o tema que
ele anuncia no versículo dez do capítulo primeiro: "De tornar a congregar em
Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que
estão nos céus como as que estão na terra". Bem, está fora de questão que este é o
tema da Epístola. Essa é a questão principal que o apóstolo estava desejoso de
tornar clara para estes efésios e para outros. No entanto, naturalmente, ele não se
detém nesta declaração isolada. Ele prossegue, para mostrar-nos como Deus o
está fazendo.
A primeira coisa que ele nos vai recordando é que é plano de Deus e que é
atividade de Deus. Ele começa dizendo: "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo, o qual nos abençoou...".Esse é o ponto de partida. Estamos
interessados em algo que Deus fez. Aqui não estamos interessados na atividade
humana, estamos olhando para algo que o Senhor Deus todo-poderoso fez
acontecer. Este é Seu plano, trazer e reunir, pôr novamente sob a liderança em
Cristo todas as coisas. Isso logo nos lança de volta à doutrina da Queda - onde a
divisão se introduziu, onde as coisas se desencaminharam. O plano e propósito
de Deus é tornar a reunir em Cristo todas as coisas. É Seu plano, e é Deus que
opera ativamente nele. E algo que Deus está fazendo acontecer. Não faço pausa
em cada ponto para acentuar a extrema relevância disso tudo para a nossa
situação presente, não somente como cristãos, mas também como cidadãos deste
mundo. O que está sendo esquecido por uma imensa maioria é que o fato
realmente importante no mundo atual é a atividade de Deus - o que Deus está
fazendo, não o que os homens estão fazendo. Naturalmente, os homens estão
fazendo coisas, e está bem que as façam. Não estou tentando diminuir a
importância do trabalho dos estadistas e de todas essas coisas; entretanto, de
acordo com o apóstolo, o que se deve entender acima de tudo mais é o que Deus
está fazendo. Há esta história invisível por trás da história visível, e a invisível é
muito mais importante. Há esta história espiritual que, por assim dizer, está
subjacente a toda história secular, e à luz da qual a história secular se torna
relativamente sem importância.
Pois bem, tudo isso faz parte do plano de Deus e é resultado da Sua
atividade. O apóstolo nos faz lembrar que isso é algo queDeus planejou "antes da
fundação do mundo". Temos aqui o alicerce mesmo da nossa fé. Nada é
contingente quanto ao plano de Deus. O que Deus está fazendo não depende do
homem, nem mesmo da resposta do homem depende; em última instância, é tudo
de Deus. Se o plano de Deus dependesse da nossa resposta, então eu estaria sem
nenhuma esperança. Basta que vocês leiam a história da Igreja para verem que,
provavelmente, a Igreja Cristã não teria durado mais que um século, se depen-
desse do homem. Mas estas coisas não dependem do homem; dependem de

- 10 -
Deus. Ele planejou tudo antes da fundação do mundo, e, portanto, é
absolutamente seguro e certo.
O que Paulo nos lembra a seguir é que se deve tudo inteiramente à graça, ao
amor, à misericórdia e à compaixão de Deus: inteiramente pela graça.
Lembro-lhes estas coisas porque, quando passarmos aexaminar este capítulo
dois, veremos que o apóstolo continua a repetir- -se. Tudo é "para o louvor da
glória da sua graça"(VA). Ele o dissera no capítulo primeiro, versículo 6, e de
novo no versículo 12 - "com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós os
que primeiro esperamos em Cristo", e mais uma vez, no versículo 14 - "o qual é o
penhor da nossa herança, para a redenção da possessão adquirida, para louvor da
sua glória". É tudo resultado da graça de Deus - o próprio fato de que nos
sentamos juntos numa igreja cristã, que comemoramos a morte de Cristo, que
nos pomos a considerar esta grande salvação. E tudo resultado da graça sublime
e abundante, das riquezas da Sua graça. Devemos apegar-nos a estes temas e
mantê-los em nossas mentes.
Isso nos leva ao ponto subseqüente, que apenas mencionei: que é tudo no
Senhor Jesus Cristo e por meio dEle. Isso de salvação sem Cristo no centro não
existe. Não devemos dar ouvidos aos que dizem como Deus os abençoa, se
Cristo não estiver no ponto central. Eles podem pensar que as suas orações estão
sendo respondidas, que eles estão sendo guiados em muitas outras coisas
semelhantes; mas, de acordo com este argumento apostólico, Deus não trata
conosco, exceto em Jesus Cristo. Todas as bênçãos vêm nEle, por meio dEle e
por Ele. Gostaria de lembrá-los de que, nos catorze primeiros versículos do
capítulo primeiro, o apóstolo se refere ao Senhor Jesus Cristo quinze vezes. Ele
sabe como estamos prontos a esquecê-10, e como estamos prontos a pensar que
podemos resolver algumas coisas diretamente com Deus. Nada é tão trágico na
história da humanidade como o fato de que, apesar de Deus haver exposto mais
que claramente a cruz diante de nós, damos-lhe as costas e parece que pensamos
que Deus pode abençoarmos sem ela. Mas não nos abençoa. "Em quem temos a
redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas." O Seu propósito é "tornar a
congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos,
tanto as que estão nos céus como as que estão na terra". Tudo deve centralizar-se
em Cristo; e se Ele não é absolutamente central para nós, não temos nenhum
direito ao nome cristão. Como é vital que tenhamos clara compreensão destas
coisas!
E então, numa frase memorável, o apóstolo nos dissera o que Deus fez por
nós e nos oferece em nosso Senhor e Salvador e por meio dEle. Eis o que ele diz:
"O qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em
Cristo". Lembremo-nos destas coisas. Obti- vemos perdão - "o perdão dos
pecados"(l:7, VA). Essa é a primeira coisa que todos nós necessitamos. Sem ela,

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todos estaríamos desamparados, porém a recebemos - a remissão dos pecados e
o perdão. Não somente isso -a adoção, afiliação, a condição de herdeiros, uma
herança maravilhosa, "co-herdeiros com Cristo"; sim, e Deus selou tudo isso
para nós pelo Espírito Santo. Ele quer que estejamos certos e seguros disso tudo,
e quer que saibamos que estamos em união com Cristo - que estamos "em
Cristo". São essas as bênçãos. "O qual nos abençoou com todas as bênçãos
espirituais nos lugares celestiais em Cristo." Aqui estamos, nesta terra, mas
estamos também nos lugares celestiais - verdade que veremos o apóstolo
desenvolver neste capítulo dois. Ora, todas as bênçãos que estamos gozando são
espirituais. Por vezes, a porção do cristão neste mundo é difícil; ele está cercado
de problemas, provações e tribulações; contudo, é abençoado "com todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais". E se ele se der conta disso e
permanecer ali, e puser os seus afetos nas coisas de cima, não nas da terra, irá
regozijar-se com alegria indescritível e cheia de glória.

Aí está um sumário da grande declaração do apóstolo nos dez primeiros


versículos daquele capítulo primeiro. Mas depois, mais para o fim do capítulo,
ele muda para outra coisa. Ele salienta a importância de entendermos estas
coisas, e de sermos claros a respeito delas. Diz ele a estes efésios: "Pelo que,
ouvindo eu também a fé que entre vós há no Senhor Jesus, e o vosso amor para
com todos os santos" - ele ouvira acerca deles, e se regozija nisso -"não cesso de
dar graças a Deus por vós". Todavia, não se detém nessa ação de graças a Deus
por eles; faz menção deles em suas orações, e eis aquilo pelo que ele pede em
oração para eles: que recebam "em seu conhecimento o espírito de sabedoria e
revelação". Ele ora para que os olhos de seu entendimento sejam iluminados,
para que venham a saber certas coisas. Eles tinham sido introduzidos nesta
esfera, ele lhes diz, porém, se realmente hão de usufruir a vida cristã, se hão de
vivê-la plenamente, se hão de funcionar como povo de Deus aqui na terra,
precisam ter este entendimento espiritual de certas coisas. Quais? A grandeza
desta salvação, e a sua glória: "Para que saibais qual seja a esperança da sua
vocação". Mas então ele prossegue, dizendo que deseja que saibam também da
certeza disso: "e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos". Vocês
vêem que o apóstolo não está meramente escrevendo um tratado de teologia. Em
toda a linha, o seu objetivo é muito prático, muito pastoral. Ele quer ajudar estas
pessoas, quer que elas se regozijem em tudo isso. Muito bem, diz ele, esta é a
maneira de fazê-lo. Não comece olhando para si mesmo, mas olhe mais longe,
para estas coisas grandiosas e gloriosas: a esperança da sua vocação; as riquezas
da glória da sua herança nos santos; e então esta outra maravilha: - "a
sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos". Temos
consciência da debilidade, temos consciência das dificuldades, vemos a

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oposição que há contra nós, o mundo organizado em pecado, a malignidade dos
homens, o diabo, o inferno, tudo quanto está contra nós. Sei disso, diz
efetivamente Paulo; por isso, a única coisaque vocês devem saber é esta
"sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos". Se
tão-somente soubessem isso! Eles tinham que ter iluminados os olhos do seu
entendimento para fazer isso, pelo que ele ora no sentido de que se lhes
iluminem os olhos.
Ele não somente ora por eles dessa maneira, porém, de imediato passa a
dar-lhes alguma instrução a respeito. Ele lhes diz que o poder que opera neles é o
mesmo poder que ressuscitou a Cristo "dentre os mortos" e que O colocou à
direita de Deus nos céus, "acima de todo o principado, e poder, e potestade, e
domínio, e de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas também no
vindouro". É esse o poder que opera em nós! Não seríamos crentes, não fora esse
poder operando em nós: "a sobreexcelente grandeza de seu poder sobre nós, os
que cremos, segundo a ...". Nós cremos "segundo a" operação do Seu grande
poder, quer dizer, em virtude da, como resultado da operação do Seu grande
poder.
Depois ele desenvolve o ponto em termos da Igreja, e mostra que somos
membros do corpo de Cristo, e que o poder da Cabeça propaga- -se por todo o
corpo. Não somos indivíduos isolados, frouxamente ligados a uma igreja,
vagamente relacionados com Cristo. Não, nós somos membros do Seu corpo, da
Sua carne e dos Seus ossos; trata-se de uma unidade orgânica. Assim, o poder de
Cristo está em nós; pertencemos a Ele, estamos nEle, e Ele está em nós. o
apóstolo está desejoso de que eles saibam que nada pode frustrar o propósito de
Deus, nada pode resistir a Deus. Estas coisas são valores absolutos e certos. O
que eu e você temos que compreender é que é justamente esse poder que está
operando em nós, e que, se afinal somos cristãos, é porque esse poder já
começou a operar em nós.

O apóstolo já lembrara a estes efésios que isso já tinha acontecido com eles.
São dois os seus temas, e agora ele os desenvolve juntos e ao mesmo tempo: esta
grande idéia ser tudo reunido em Cristo, e do poder de Deus que o efetua. Ele
fizera a mesma coisa no capítulo primeiro, da seguinte maneira: diz ele no
versículo 11: "em quem também obtivemos herança" (VA); depois, no versículo
13, "em quem também crestes" - em quem vós também tendes herança. Ele já
estabelecera lá o seu tema: este grande propósito de Deus já está sendo posto em
ação. Nunca houve nada que o deixasse mais surpreso do que o fato de ser ele,
dentre todos os homens, "o apóstolo dos gentios". Aqui ele está escrevendo uma
Epístola aos efésios, que eram gentios - ele, qte era hebreu de hebreus, da tribo de
Benjamim, fariseu, instruído aos pés de Gamaliel, um dos nacionalistas mais

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apaixonados que o mundo conheceu - aqui está ele, este fervoroso judeu,
escrevendo realmente a pessoas que tinham sido gentios pagãos, e se dirigindo a
elas como iguais, regozijando-se com elas por estarem compartilhando a mesma
experiência. Como é que isso viera a acontecer? Há somente uma resposta: é o
poder de Deus. Ele já tinha exposto o seu tema desse modo nos versículos 11 a
14 do capítulo primeiro. Agora, porém, no capítulo 2, ele passa a desenvolvê-lo
em detalhe. O propósito do capítulo primeiro fora fazer uma grande declaração
geral. Mas ele nunca para nisso. Ele agora diz, com efeito: vamos adiante e
vejamos concreta- mente na prática o que Deus fez. Vocês se tornaram
co-herdeiros, "em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da
verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes
selados com o Espírito Santo da promessa, o qual é o penhor da nossa herança (a
herança que temos juntos), para redenção da possessão adquirida".
No entanto, isto é tão estonteante que temos que compreender como
chegou a acontecer. Assim, no capítulo dois o apóstolo nos diz em detalhe como
foi que os judeus e os gentios se tornaram um, como foi que Deus conseguiu
reunir em Cristo estes elementos completamente antagônicos. Seu modo de
fazê-lo é expresso assim: quais eram os obstáculos para esta união em Cristo?
Quais os fatores que separavam judeus e gentios? Qual a tarefa, se posso dizê-lo
assim, com a qual se defrontou Deus em Seu desejo de reuni-los? Diz o apóstolo
que havia duas dificuldades principais.
A primeira era quanto ao estado e às condições dessas pessoas, por
natureza. É do que trata o apóstolo nos versículos 1 a 10 deste capítulo; as
condições lamentáveis, o estado pecaminoso destes efésios, antes da sua
conversão. Antes de se tornarem co-herdeiros com os judeus, com os judeus
cristãos, no reino, estas condições, este estado de pecado, tinham que receber
tratamento. "E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados." Foi
necessário tratar disso.
Mas havia também outra questão, um obstáculo muito sério, a relação dos
gentios com a lei, com a lei de Deus. A lei de Deus só fora dada aos judeus;
nunca foi dada aos gentios. Foi algo que Deus deu somente aos judeus e a
ninguém mais. E, naturalmente, isso logo levantou uma enorme parede de
separação. Aqui estavam os judeus, sob a lei; ali estavam os gentios, os cães, os
fora da lei, estranhos à comunidade de Israel, sem esperança e sem Deus no
mundo. Ora, isso era um tremendo problema, e na segunda metade do capítulo,
do versículo 11 ao fim, o apóstolo passa a mostrar-nos como Deus tratou desta
segunda dificuldade que consistia em vencer o obstáculo da lei. Foi o que Deus
fez, afirma Paulo; Ele venceu esses dois obstáculos. Ele fez "dos dois um novo
homem", sobrepujou todas as dificuldades; nada ficou sem ser tratado.

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Entretanto, vocês notam que imediatamente ele nos faz lembrar da
maneira como foi feito isso, E aqui ele retorna aos seus grandes temas e aos seus
grandes princípios esboçados no capítulo primeiro. Vocês notam que ele começa
dizendo: "E (ele) vos vivificou" - Deus! É Deus o tempo todo, do começo ao fim;
foi Deus que venceu os obstáculos, foi Deus que nos reuniu. E de novo nos
lembra imediatamente - não se atrasa um segundo sequer - que é em Cristo que
Deus fez essas coisas; sim, e pelo sangue da Sua cruz - repete-se tudo. Como
estes apóstolos se repetem, e vão adiante dizendo a mesma coisa! Por quê?
Porque é questão crucial, porque sem isso não hásalvação, e porque somos
constantemente propensos a esquecer estas coisas. Persistimos em introduzir a
nossa justiça própria e os nossos méritos, e continuamos perguntando: bem, não
há nada que eu deva fazer? Desejamos tanto fazer algo e justificar-nos a nós
mesmos. Não, é o que Paulo diz, é tudo em Cristo, e tudo pelo sangue da Sua
cruz. O problema o requer necessariamente; nenhuma outra coisa poderia
fazê-lo. Ele nunca teria vindo à terra, nunca teria morrido, se houvesse outra
maneira. E tudo em Cristo. E vocês ainda verão que ele continua salientando que
é tudo pela graça. Note-se que está entre parêntesis - "estando nós ainda mortos
em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo" - e então, entre
parêntesis "(pela graça sois salvos)". "Você não escapará disso", diz
efetivamente Paulo. "Não deixarei que você vá embora com a sua constante
afirmação do seu ser pessoal, dos seus méritos e dos seus poderes. Livre-se disso
tudo; vocêjamais se gloriaránisto.enquantonão vir que é tudo pela graça: "pela
graça sois salvos". E ele prossegue, desenvolvendo e repetindo o tema.
Mas o que ele quer acentuar acima de tudo, no contexto imediato, é que
nada menos que o grande poder de Deus poderia fazê-lo. E nisso que este
capítulo se liga imediatamente ao fim do capítulo anterior, onde ele estivera
falando acerca deste grande poder de Deus, que se manifestou em Cristo,
ressuscitando-0 dentre os mortos e colocando-0 à Sua direita naquela posição de
suprema exaltação. Então, "e vos vivificou" -Ele fez isso com vocês em Cristo,
porque vocês pertencem a Ele, vocês estão nEle, vocês são membros do Seu
corpo, e nada, senão o poder de Deus, poderia fazê-lo.

Assim, como eu o entendo aqui, o apóstolo parece perguntar: estamos


entendendo claramente isso? Isso nos deixa felizes? Entendemos que nada,
senão este soberano poder de Deus, que se manifestou na ressurreição e na
exaltação do nosso Senhor, nada senão isso, nada menos que isso, poderia
fazer-nos cristãos? Porventura entendemos estas questões de forma que não
somente vemos que Deus fez algo, mas também que Ele tinha que fazer algo,
porquanto as nossa condições eram tais que nada menos que isso poderia ser
sufuciente para nós?

- 15 -
O apóstolo parece estar fazendo estas perguntas. Estamos cientes disso?
Compreendemos isso? Ou, colocando a questão noutra forma, podemos
expressá-la dessa maneira: compreendemos o que significa a salvação? Se não
compreendem, diz o apóstolo, considerem estas coisas: primeiro, considerem o
que nós éramos antes de Deus começar a agirem nós; considerem as condições
do homem antes de Deus visitá- -lo misericordiosamente para salvação. Se não
tivermos claro entendimento disso, jamais compreenderemos por que era
essencial o poder de Deus. E, finalmente, - não há questão acerca disso - o que é
doloroso com relação às pessoas que se acham em dificuldade quanto à salvação
é que elas nunca entenderam a doutrina bíblica sobre o pecado. Sempre o maior
problema é uma conceituação errônea do pecado. Muitos dizem que se você
simplesmente juntar forças e empenhar-se, se tão-somente viver virtuosamente,
e assim por diante, você agradará a Deus e Ele ficará satisfeito. O verdadeiro
problema com tais pessoas é que elas não entendem o significado da palavra
pecado. Elas pensam que podem salvar-se a si mesmas. Nunca enxergaram a
necessidade que têm deste grande poder de Deus. Isto se deve inteiramente ao
fato de que elas nunca se viram como de fato são.
Pois bem, o apóstolo começa com isso - esse é o tema dos versículos 1 a 3
deste capítulo dois: "E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados,
em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe
das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência.
Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos de nossacarne,
fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da
ira, como os outros também". O homem em pecado é isso, isso é o que todos nós
ainda seríamos, se Deus nos tivesse deixado entregues a nós mesmos. É o que
são todos os não cristãos. E o argumento do apóstolo é este: se você quer
conhecer a grandeza do poder de Deus, você tpm que compreender a
profundidade do pecado, tem que compreender o problema com o qual Deus Se
defrontou, tem que compreender o problema com o qual você se defronta. O
apóstolo quer mostrar-nos este poder. Diz ele que primeiro temos que descer, e
que só nos aperceberemos da altura a que fomos elevados se nos apercebermos
da profundidade em que tínhamos afundado. Esse é o primeiro ponto.
O segundo, naturalmente, segue-se daí. Ele vai adiante para mostrar-nos o
que Deus fez por nós. Esse é o tema dos versículos 4 a 7: "Mas Deus, que é
riquíssimo em misericórdia... estando nós ainda mortos em nossas ofensas" -
estávamos no fundo daquela sepultura, como Cristo esteve na sepultura - Deus,
quando ainda estávamos lá, graças à Sua riquíssima misericórdia, pelo Seu muito
amor com que nos amou, "estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos
vivificou juntamente com Cristo... e nos ressuscitou juntamente com ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus". E é somente quando

- 16 -
entendermos e captarmos algo sobre isso, que compreenderemos a grandeza do
poder de Deus. Muitos há que pensam na salvação e no cristianismo em termos
de um pouco de moralidade e decência. Que insulto ao cristão! - como se o
cristão fosse apenas um indivíduo bondoso, agradável e inofensivo. Nada disso!
O cristão é alguém que passou por uma tremenda transformação. Houve nele
esta ação dinâmica. Ele foi levantado, ressuscitado; ele está nos lugares
celestiais. Este é o poder de Deus! E se você pensar no seu cristianismo nestes
termos, verá que nada, senão o poder de Deus, poderia fazê-lo. O apóstolo coloca
o ponto diante de nós em detalhe, e temos que considerá-lo.
Depois ele passa ao terceiro ponto, que nunca lhe é possível deixar fora.
Nesta altura você diz a si mesmo: "Isto tudo seria verdade? Eu estava realmente
assim, morto em ofensas e pecados, andando de acordo com o curso deste
mundo, dominado pelo príncipe das potestades do ar, vivendo para as paixões da
carne e da mente, filho da ira e desobediente? Eu estive nesta situação? Seria
verdade que agora estou em Cristo, nos lugares celestiais? Seria verdade que
Deus fez tudo isso e me transferiu daquela situação para esta? Por que Ele o
fez?" Há somente um resposta: é tudo segundo as riquezas da Sua graça, para que
nos séculos vindouros Ele pudesse mostrar as abundantes riquezas da Sua "graça
pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus, porque pela graça sois
salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras,
para que ninguém se glorie; porque somos feitura sua...". Agora vocês vêem a
argumentação do apóstolo. Vocês vêem como este capítulo é seqüência do
capítulo primeiro.

Contudo, antes de prosseguirmos, reflitamos em certos pontos. Não estaria


bem claro que só quando nos apercebermos destas coisas é que louvaremos a
Deus como devemos? Pensem no Salmo 103: "Bendize, ó minha alma, ao
Senhor, e tudo o que há em mim bendiga o seu santo nome". Essa é a norma para
o cristão: todo cristão deve ser assim, deve estar bendizendo continuamente a
Deus. Por que será que existem tantos que não o fazem? Hásó umarespostapara
essapergunta: é porque não compreendemos o que Deus fez por nós; é porque
não sabemos o que é o pecado; porque não compreendemos o que nós éramos e o
que Deus fez por nós, e como o fez e por que o fez. Se compreendêssemos estas
coisas, não poderíamos deixar de louvar a Deus. E porque não compreendemos
estas coisas que é tão fraco o sentimento de maravilha em nossa vida cristã. Para
mim, nada é mais chocante que a facilidade com que muitos falam destas coisas,
e a maneira como eles as tomam como líquidas e certas. Não há nada que faça
tanta falta na vida cristã atual como um certo sentimento de maravilha. Leiam as
Epístolas deste homem, leiam as Epístolas dos outros, e observem como, ao
mencionarem esta grande salvação, eles param e começam a louvar. Estão cheios

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de maravilha, de admiração, de espanto. Você está surpreso consigo mesmo?
Você está maravilhado consigo mesmo? Para você é algo espantoso você estar
fazendo este tipo de leitura? Está você interessado nestas coisas - isto lhe causa
admiração? Se você compreendesse a verdade, causaria. A incompreensão
destas coisas é que explica a nossa perda e a nossa falta de sentimento de
maravilha e adoração.
E isso que explica a nossa falta de amor a Deus. Você está preocupado com
a frieza do seu coração? Estou certo de que está, como todos nós devemos estar.
Acaso não é de causar espanto, que nos aproximemos da Ceia do Senhor,
comamos o pão e bebamos o vinho, e fiquemos tão impassíveis que os nossos
corações não transbordem de amor a Deus? Por que não transbordam de amor?
Porque não nos damos conta do amor de Deus. Se você quer amar a Deus, não
tente pôr em ação alguma coisa dentro de você; trate de aperceber-se do Seu
amor, e ore no sentido de que os olhos do seu entendimento sejam iluminados,
para que você possa dar-se conta do poço do qual foi tirado, das profundezas nas
quais você tinha afundado, daquela situação terrível, precária e perigosa em que
se achava, e do que Deus fez por você, por Sua graça, em Cristo. Essa é a
maneira de compreender isso. "Nós o amamos a ele porque ele nos amou
primeiro", declara João, e o argumento é o mesmo (1 João 4:19). O entendimento
destas coisas é essencial para que se tenha sentimento de maravilha, de amor e de
louvor.
Passemos, porém, a algo ainda mais prático. A razão pela qual não nos
damos conta destas coisas é que não sentimos como devíamos o peso do fardo
das outras pessoas. Os cristãos não passam de um punhado no mundo atual. As
grandes multidões estão fora de Cristo, estão fora da Igreja, vivendo na
impiedade e sem religião, e num terrível estado de pecado. Estamos preocupados
com elas? As suas condições pesam em nós? Temos senso de missão quanto aos
nossos concidadãos em nosso país? As condições em que se acham as multidões
de outros países, envoltas em trevas morais, são um peso sobre nós? Estamos
interessados nos empreendimentos missionários? Pensamos nestas coisas?
Sentimos o peso delas? Oramos a Deus a respeito? Estamos perguntando: "Que
posso fazer? Como posso ajudar? Que contribuição posso fazer?" Se não, só há
uma explicação - nunca chegamos a compreender a verdade acerca dos que se
acham num estado de pecado. Apenas nos irritamos por causa deles, ficamos
incomodados com eles. Mas isso não basta; temos que preocupar-nos com as
almas, temos que preocupar-nos com o pecado. Temos que ver os pecadores
como eles são, filhos da ira, prisioneiros do inferno, vê-los nesta degradação,
nesta corrupção que o apóstolo descreve. Se tão-somente enxergássemos isso, os
nossos corações correriam para eles; nós os veríamos como nosso Senhor os vê -
e o Seu grande coração transbordava de compaixão por eles. A pobreza do nosso

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zelo missionário e evangelístico deve-se inteiramente a isto: não temos
enxergado de verdade a situação dos de fora - o que eles são, o que poderiam ser,
e o que Cristo fez.
O terceiro ponto que a palavra do apóstolo nos dá a conhecer é que, se
apenas enxergássemos verdadeiramente estas coisas, isso também dominaria a
nossa evangelização. O problema com toda òvangeliza- ção falsa é que não
começa com doutrina, não começa pela percepção das condições do homem.
Toda evangelização carnal, feita pelo homem, é resultante de um inadequado
entendimento do que o apóstolo nos ensina nos dez primeiros versículos deste
capítulo dois da Epístola aos Efésios. Se eu e você simplesmente nos déssemos
conta de que todo homem aindapecador é dominado absolutamente pelo
"príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da
desobediência", se tão- -somente soubéssemos que tal homem ainda é realmente
filho da ira e está morto em ofensas e pecados, compreenderíamos que
unicamente um poder pode lidar com esse indivíduo, o poder de Deus, o poder do
Espírito Santo. E assim poríamos a nossa confiança, não em organizações feitas
pelo homem, porém, no poder de Deus, na oração que se apega a Deus e roga por
avivamento e por um derramamento do Espírito. Perceberíamos que nenhuma
outra coisa pode fazê-lo. Podemos mudar superficialmente os homens, podemos
conseguir homens para o nosso lado e para o nosso partido, podemos
persuadi-los a unir-se à igreja, mas nunca poderemos ressuscitar os
espiritualmente mortos; só Deus pode fazê-lo. A percepção destas verdades
determinaria e dirigiria necessariamente toda a nossa ação evangelística.
Vocês vêem, então, porque é que o apóstolo se preocupa tanto com estas
coisas, porque é que ele ora por estes efésios, para que sejam iluminados os olhos
do seu entendimento. Vocês vêem que a doutrina que ele nos apresenta afeta a
totalidade da nossa vida cristã. Afeta-me individualmente, afeta a minha vida de
oração, o meu louvor, os meus atos de culto, o meu amor, a minha relação com
Deus, a minha relação com outras pessoas - tudo é dominado e dirigido por esta
doutrina. O apóstolo expôs tudo isso em princípio no capítulo primeiro. Sim,
todavia, ele afirma que você não deve vê-lo apenas em princípio; você deve
entendê-lo e captá-lo em detalhe. Por isso ele nos leva aos detalhes, e começa a
fazê-lo neste capítulo dois. E eu e você devemos fazer o mesmo. Devemos
contemplar os homens em pecado até ficarmos horrorizados, até ficarmos
alarmados, até que nos aflijamos por eles, até que oremos por eles, até que, tendo
compreendido a maravilha da nossa libertação daquele estado terrível, nos
percamos num arrebatado sentimento de maravilha, de amor e de louvor.
Essa é a introdução deste capítulo dois da Epístola de Paulo aos Efésios.
São os prolegômenos essenciais. Não há sentido em correr para os detalhes sem
esse cenário de fundo. E devemos considerar os detalhes, não simplesmente para

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que possamos ir examinando prazerosamente estes grandes versículos, mas
porque a totalidade da nossa vida cristã está envolvida aqui, e temos que
entender estas coisas. Portanto, confiemo-nos aDeus e oremos para que os olhos
do nosso entendimento sejam iluminados, paraque vejamos econheçamos estas
coisas, paraque vejamos o grande plano e propósito de Deus sendo levado a
efeito; vejamos que somente Ele pode fazê-lo. Dediquemo-nos, pois, a uma nova
consideração destas coisas, para que verdadeiramente sejamos "para louvor da
glória da sua graça", e sejamos de ajuda prática e imediatapara os nossos
semelhantes, homens e mulheres, que ainda são "filhos da ira", perdidos,
sentenciados e condenados em pecado.

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O HOMEM1EM PECADO
"E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro
tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das
potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência, entre
os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne,
fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da
ira, como os outros também." - Efésios 2:1-3

Com estas palavras o apóstolo está interessado em mostrar aos cristãos


efésios, e a todos outros cristãos a quem ele estava escrevendo, e portanto a nós,
a grandeza e a glória da salvação cristã. Estes efésios já tinham crido no
evangelho. Paulo já tinha dado graças a Deus pela fé que eles tinham no Senhor
Jesus e pelo seu amor para com todos os santos. Eles tinham sido selados com o
Espírito Santo e tinham em si o penhor da herança. E, contudo, o apóstolo ora
para que os olhos do entendimento deles sejam iluminados. Eles estão apenas no
começo, são simples crianças. Ele quer que eles captem algo da amplitude, da
grandeza e da majestade desta maravilhosa salvação. E, sujeitos como ainda
estão à tentação, e vivendo num mundo contraditório e cercados de paganismo e
de oposição em diversas formas, o apóstolo está particularmente desejoso de que
eles tenham claro entendimento da grandeza do poder de Deus para com os que
crêem. E seguramente essa é uma coisa que necessitamos saber e da qual
devemos estar certos na vida cristã. Nada é mais vital do que termos claro
conhecimento acerca do poder de Deus que se manifesta nesta salvação cristã.
O apóstolo escreve com o fim de ajudá-los nesse aspecto. Ele não somente
ora por eles, mas também os instrui. E as duas coisas devem andar sempre juntas.
Ele ora para que os olhos do seu entendimento sejam iluminados pelo Espírito
Santo. Isso é absolutamente vital. Sem o entendimento que só o Espírito Santo
pode nos dar, palavras como as que vamos considerar, obviamente serão
completamente sem sentido para nós. Além disso, provavelmente as odiaremos
e as acharemos pessimistas e mórbidas. Diz o homem, por natureza, que o que
ele quer é algo que o alegre, não uma terrível análise da natureza humana como
esta, que é tão deprimente. Noutras palavras, sem que tenhamos mente
espiritual, não podemos ter esperança de entendê-las. Por isso o apóstolo coloca
isso em primeiro lugar. Primeiro vem a sua oração. Depois, havendo orado, ele
coloca diante dos efésios o conhecimento e a instrução.
Como podemos ter uma verdadeira concepção da grandeza do poder de
Deus na sal vação? Este é um tema que se repete constantemente nas cartas do
apóstolo Paulo. Vejam a magnífica declaração em Romanos 1:16, "não me

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envergonho do evangelho de Cristo". Porquê? Porque "é o poder de Deus para
salvação de todo aquele que crê". O poder! Como medi-lo? O apóstolo nos dá as
medidas precisas aqui.
A primeira medida é a profundidade do pecado da qual fomos levantados.
Noutras palavras, afim de medir a grandeza deste poder, primeiro você tem que
ir ao fundo, e depois tem que subir. O homem jamais começa ao nível do chão,
por assim dizer. Não começamos neutros, não começamos numa espécie de
estado indeterminado, nem bom nem mau. Não, nós começamos nas
profundezas de um poço. Primeiro somos levantados e retirados de lá; e depois
somos elevados diretamente para os próprios céus. Assim, o apóstolo começa
onde nós devemos começar. A salvação chega a nós onde estamos; não onde
gostaríamos de estar, nem como gostaríamos de pensar em nós idealis-
ticamente. O evangelho de Jesus Cristo é totalmente realista, e ele começa
conosco exatamente onde estamos, e esse lugar é o fundo de um poço de
corrupção.
O argumento do apóstolo é que nunca teremos uma adequada concepção
da grandeza desta salvação, a menos que compreendamos alguma coisa do que
éramos antes de sermos tomados por esse grande poder, a menos que
compreendamos o que seríamos ainda, se Deus não interferisse nas nossas vidas
e não nos tivesse resgatado. Noutras palavras, temos que compreender a
profundidade do pecado, o que o pecado significa realmente e o que ele fez com
a raça humana. Temos que começar com isto porque é um fato - não porque é
uma teoria, e sim, porque é um fato. A Bíblia é um livro de fatos; é um livro que
se interessa por nós como somos; é histórico. Devemos começar com fatos,
gostemos ou não. Se quisermos ser honestos em nosso raciocínio, teremos que
encarar fatos, e aqui está o primeiro deles.
Permitam-me mostrar-lhes como é absolutamente vital que comecemos
aqui. Nenhum homem jamais terá uma verdadeira concepção do ensino bíblico
sobre a redenção, se não tiver claro entendimento da doutrina bíblica do pecado.
E aí está por que tanta gente hoje é tão frouxa e vaga em suas idéias de redenção.
A idéia comum é que o nosso Senhor é uma espécie de amigo a quem podemos
recorrer quando estamos em dificuldades, como se isso fosse tudo. Ele é isso -
graças a Deus porque é! Mas isso não é a redenção em sua inteireza, nem em sua
essência. Vocês não poderão começar a medir a redenção, enquanto não compre-
enderem algo do que a Bíblia nos ensina acerca do homem em pecado e de todo o
efeito do pecado sobre o homem. Ou deixem-me expressá- -lo de outro modo.
Vocês não terão a mínima possibilidade de entender a doutrina da encarnação, se
não entenderem esta doutrina do pecado. Diz-nos a Bíblia que o homem estava
em tais condições que era necessária a vinda da Segunda Pessoa da Trindade
santa e bendita dos céus à terra. Ele teve que descer, assumir a natureza humana

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e nascer como um bebê. Isso era absolutamente essencial antes de se poder
redimir o homem. Por quê? Por causa do pecado, da natureza do pecado.
Portanto, vocês vêem, vocês não poderão entender a encarnação, se não tiverem
claro entendimento sobre o pecado. De igual modo, vejam a cruz no Calvário.
Que é ela? Que significa? Que nos diz? Que está acontecendo ali? Torno a dizer
que vocês não terão a mínima possibilidade de entender a morte de nosso Senhor
e o que Ele fez na cruz, se não entenderem claramente esta doutrina do pecado. O
caráter completamente vago das idéias de muitos sobre a morte de nosso Senhor
deve- -se inteiramente a isto. Não gostam da doutrina da substituição; não
gostam da doutrina do sofrimento penal. Isso porque nunca entendem o
problema. Porque não começam com o homem em pecado. Estas são as grandes
doutrinas cardinais da fé cristã, e não podem ser entendidas, a não ser à luz da
terrível condição do homem em pecado.
Deixem-me, porém, ser ainda mais prático. Talvez alguém diga: ah, bem,
você fala acerca das suas doutrinas. Não estou interessado em doutrinas, não sou
um dos seus teólogos, sou um frio homem do mundo, homem de negócio, e
quero saber algo sobre a vida e como viver. Muito bem, enfrentemos esse caso.
Estou asseverando que vocês não poderão entender a vida como esta é neste
mundo neste momento, se não entenderem esta doutrina do pecado. Vou além, a
minha opinião é que, sem isto, vocês não poderão entender a totalidade da
história humana, com todas as suas guerras, seus conflitos, suas conquistas, suas
calamidades, e tudo o que ela registra. Afirmo que não há explicação adequada,
salvo na doutrina bíblica do pecado. Só se pode entender verdadeiramente a
história do mundo à luz desta grande doutrina do homem, do homem decaído e
em pecado. Leiam os seus livros sobre a filosofia da história, e verão que eles
andam às tontas. Não sabem interpretar os fatos, não conseguem dar uma
explicação adequada; todas as suas idéias são completamente falsificadas pela
história. Isto porque eles nunca se apercebem de que o ponto de partida é a
condição pecaminosa do homem decaído.

São essas, pois, algumas das razões pelas quais devemos considerar esta
matéria. Há, em última análise, somente duas explicações propostas quanto a por
que o homem é como é e por que o mundo é como é hoje, e por que ele sempre
foi o que foi. Há o ensino bíblico; e há todos os outros ensinos não bíblicos.
Contrariamente ao ensino bíblico, há o ensino popular atual, segundo o qual o
homem é o que é, e as coisas são o que são porque o homem não teve tempo
suficiente ainda para avançar até a perfeição. Outrora ele era um animal, é o que
nos dizem, e isso há não muito tempo. Milhões de anos não são nada, e há apenas
alguns milhões de anos o homem era um animal. Habitava nas florestas, trepava
nas árvores, e assim por diante. Não se pode esperar que de repente se torne

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perfeito, dizem eles. Ele está se desfazendo desses vestígios e relíquias
animalescos, porém, ainda não o fez completamente. Ele o está fazendo
progressivamente, é certo, mas é preciso dar-lhe tempo. Noutras palavras, o
problema da humanidade é simplesmente problema de tempo. Tais pensadores
não têm muito conforto para dar aos que estamos vivos agora, porque eles dizem
que em muitos bilhões de anos por vir, provavelmente o homem conseguirá
chegar à perfeição. E tudo uma questão de tempo, uma questão de
conhecimento, uma questão de crescimento e instrução, e assim por diante.
Agora, ou vocês crêem nisso, ou nalguma variante disso, ou então crêem no que
a Bíblia diz acerca do homem. Aqui nos é dito exatamente em que consiste o
conceito bíblico.
As diferenças entre o conceito bíblico e todos aqueles outros conceitos são
os seguintes: este conceito bíblico é realista. Todos aqueles outros conceitos não
encaram os fatos, suprimem certo número de fatos. São muito agradáveis e
favoráveis; querem fazer-nos pensar bem de nós e do homem, pelo que dizem:
dêem uma oportunidade ao homem; ele nunca teve uma chance completa ou
uma oportunidade certa, mas dêem tempo a ele, etc. Por outro lado, aBíblia, com
realismo total, vem a nós e nos afirma que o homem é tolo, que o homem trouxe
calamidade para si mesmo, que é porque o homem é, como Paulo se expressa
aqui, "um filho da desobediência", que ele é o que é e o seu mundo é o que é. Ela
assevera que não há escusa para o homem, que ele tem de admiti-lo, que ele tem
que encará-lo, e que não há esperança para ele enquanto não o fizer. Isso se
chama arrependimento. Ela é realista. E se não houvesse outra razão para crer na
Bíblia, e para crer que a Bíblia é a Palavra de Deus, esta seria suficiente para
mim; ela me diz o que eu sei que é a completa verdade acerca de mim mesmo. E
não sei doutra coisa que o faça. Os seus romances não o fazem - eles dizem o que
me agrada e não me levam apensar com muito rigor sobre mim mesmo. Eles
tentam levantar o meu moral, tratam-me psicologicamente; no entanto, o que
eles dizem não é verdade. Unicamente o conceito bíblico é realista.
Não somente isso, é também radical, desce às profundezas. Não enfrenta
apenas certos aspectos do problema do homem em geral e do indivíduo; enfrenta
todos eles. Embora penoso, o processo toma o seu bisturi, por assim dizer, e se
põe a dissecar até o câncer ficar exposto. É radical. E é por isso que, às vezes, é
extremamente difícil não nos impacientarmos com o que o mundo está sempre
tão pronto a acreditar. O mundo, com as suas idéias e filosofias, está apenas
medicando sintomas, administrando os seus barbitúricos num sentido espiritual,
e os seus anódinos, as suas aspirinas, etc.; e porque a nossa dor é aliviada por
algum tempo, achamos que estamos bem, mas o estado de saúde nunca foi
diagnosticado, nunca foi posto às claras; não é enfrentado. O mundo não gosta de

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nada que seja desagradável; tem medo disso, e assim não o enfrenta. Nunca é
radical. Todavia, como veremos, a Bíblia é muito radical.
Depois, a última coisa que eu gostaria de dizer em geral a respeito disso é
que este conceito bíblico é, ao mesmo tempo, mais pessimista e otimista que
todos os outros conceitos. O homem sempre foi atrás de alguma utopia, sempre
tem feito isso, através dos séculos. Mas nunca chega lá. Portanto, tudo isso é
final e completamente pessimista. Só existe um conceito verdadeiramente
otimista da vida, e é aquele que nos diz que, apesar de estar o homem nas
profundezas do pecado, o poder de Deus pode vir, pode segurá-lo e pode elevá-lo
às alturas, e que isto foi feito em Jesus Cristo, o nosso Senhor.
Tivemos um visão geral desta situação. Mas partamos agora para os
detalhes, para o ensino específico. Nestes três versículos o apóstolo faz um
sumário de modo o mais admirável, e talvez o mais perfeito da Bíblia toda - um
sumário da doutrina bíblica, do conceito escriturístico sobre o homem em
pecado. Ele diz quatro coisas a respeito disso. Em primeiro lugar, ele descreve o
estado do homem em pecado. Em segundo lugar, ele nos dá uma explicação
deste estado e nos explica por que o homem se acha neste estado. Em terceiro
lugar, ele nos diz a que esse estado e condição leva na prática. E em quarto lugar,
ele nos diz como Deus vê o homem nesse estado. Seria essa a minha análise
destes três versículos. Em resumo: as condições; por que o homem está nestas
condições; quais os resultados práticos por estar ele nessas condições; e o que
Deus pensa disso. Tudo isso está neste três versículos.

Comecemos a nossa consideração destas questões partindo do estado do


homem em pecado. Qual é ele? Eis a resposta: "E vos vivificou, estando vós
mortos". Agora, os tradutores acrescentaram aqui uma palavra que não está no
original. O original diz: "Estando vós mortos", pode-se notar nalgumas versões
(e.g., ARC) que a palavra "vivificou" vem impressa em itálicos, o que significa
que os tradutores a acrescentaram (e fizeram bem) para nos ajudar a fazer uma
leitura mai s fluente. Mas Paulo estava impregnado do seu assunto, e diz: "E
estando vós mortos" - não "em" ofensas e pecados, porém, mortos "em razão"
deles ou "por causa" deles, que é uma tradução ainda melhor. A palavra vital,
todavia, é a palavra "mortos". "Estando vós mortos" ("Vós estáveis mortos",
VA), declara Paulo. Que é que ele quer dizer? Bem, é óbvio que ele está falando
de uma condição de morte espiritual, não de morte fatual, física, pois ele
prossegue e diz imediatamente: "em que noutro tempo andastes" e em que "todos
nós também antes andávamos". Noutras palavras, o ensino do apóstolo é que a
vida para o não cristão é uma morte viva. Ele está morto espiritualmente. Vou
repetindo as expressões porque são vitais. Vocês notam como é forte o termo.
Não existe nenhum termo mais forte que "morte". Como é categórico! Depois de

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se dizer que um homem está morto, não há mais o que dizer. Não é "quase
morto"; ele está morto de fato; não é que ele esteja "desesperadamente mal", está
"morto". Não há vida nenhuma ali. Pois bem, a palavra é do apóstolo, não minha,
palavra utilizada em toda parte nas Escrituras; e é a palavra utilizada acerca do
homem que se acha num estado de pecado, antes do poder de Deus para a
salvação no evangelho vir a ele e lhe fazer algo. Ele está morto!
Que significa isso? Suponho que a melhor maneira de definir a morte é
dizer que é exatamente o oposto e a antítese da vida. Então, que é a vida? Bem,
na Bíblia a vida é sempre descrita e definida em termos da nossa relação com
Deus. Vejam as palavras do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo em João 17:3:
"E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a
Jesus Cristo, a quem enviaste". Isso é vida! Que é a morte? O oposto disso. Deus
é o Autor da vida - "Aquele que tem , ele só, a vida e a imortalidade". Ele é a
fonte da vida, o mantenedor da vida. Deus é Vida e dá vida, e fora de Deus não há
vida. Portanto, podemos definir a vida como segue: a vida é conhecer a Deus,
estar em relação com Deus, ter prazer em Deus, corresponder-se com Deus, ser
semelhante a Deus, compartir a vida de Deus e ser abençoado por Deus. Segundo
a Bíblia, a vida é isso. Portanto, ao definirmos a morte, devemos defini-la como o
oposto daquilo tudo. E quando o fizermos, veremos de um relance que o que
Paulo diz sobre o não cristão não é nada menos que a pura verdade. Ele está
morto, é o que Paulo diz: Estando vós mortos" ("Vós estáveis mortos", VA); e os
não cristãos ainda estão mortos. Que é que ele quer dizer? Ele quer dizer que eles
são ignorantes de Deus; não conhecem a Deus. Mais adiante, neste capítulo, o
apóstolo expressa isso claramente. Aqui ele diz que aquelas pessoas, antes da sua
conversão, estavam exatamente nessa condição. No versículo 12 diz ele que
"naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e
estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus...". "Vós
estáveis sem Deus"; não O conheciam. Estavam separados da vida de Deus, sem
comunhão com Deus. Ah, vocês podem ter falado sobre Deus, mas Deus era uma
espécie de termo filosófico para vocês, era algum Ser imaginário nalgum lugar
qualquer, apenas Alguém sobre quem conversar. Vocês não O conheciam, não se
correspondiam com Ele; vocês estavam fora da Sua vida.
Você conhece a Deus? Não pergunto: você fala sobre Deus? Pergunto, sim:
Deus é real para você? Você O conhece? "A vida eterna é esta: que te
conheçam...". Você pode dizer, "Meu Deus"?
Obviamente, a segunda verdade acerca desta condição é que esse homem é
também ignorante das coisas espirituais e da vida espiritual O apóstolo fala
disso ao escrever aos romanos, no capítulo 8, dizendo: "Os que são segundo a
carne inclinam-se para as coisas da carne; mas os que são segundo o Espírito
para as coisas do Espírito". Interpretando, significa que os que são segundo

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acarne não são cristãos, interessam-se pelas coisas que condizem com acarne,
não se interessam pelas coisas do Espírito. E isto, naturalmente, é puro e duro
fato. O incrédulo nada sabe destas coisas, e não quer saber delas. Não se
interessa por elas e as acha terrivelmente tediosas. O não cristão acha a Bíblia
muito enfadonha, e as exposições sobre a Bíblia muito enfadonhas. Ele não acha
enfadonhos os filmes, os jornais, os romances; mas essas coisas ele acha
enfadonhas. Não gosta das conversas sobre a alma, sobre a vida, sobre a morte,
sobre o céu, sobre Deus e sobre o Senhor Jesus Cristo. Não pode evitá-lo, porém
simplesmente não vê nada nestas coisas, e não se interessapor elas. O seu
interesse está nos homens e em sua aparência, e no que eles têm falado e dito; o
mundo e os seus interesses exercem tremenda atração sobre ele. A situação é
perfeitamente simples: estas outras coisas são espirituais, são de Deus, e aquele
tipo de homem não vê nada nelas. Por quê? Porque ele está "morto", e não tem
nenhuma vida espiritual. A lei das afinidades é certa. Os semelhantes se atraem,
"pássaros de penas iguais voam juntos" - gente do mesmo tipo andajunto. Nasce
a criança, e ela quer leite; a suanatureza o requer, mas um objeto inanimado não.
Essa é a segunda verdade acerca do homem em pecado.
No entanto, ele não somente não gosta destas coisas, vamos adiante e
expressemos o ponto como as Escrituras o expressam; ele até as odeia.
Literalmente as odeia, não somente porque lhe são enfadonhas, porém, também
porque, de algum modo, ele sente que o fato de não gostar delas o condena. E ele
não gosta de sentir isso. Naturalmente ele se dispõe a ter alguma espécie de
religião, mas contanto que a possa controlar, controlar o que se diz, e coisas
como essas. Ah, sim, tem que haver um limite de tempo nas coisas de Deus; não,
contudo, nas coisas do mundo. Esse é o ódio que ele tem de Deus. "A inclinação
da carne", afirma Paulo, "é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de
Deus, nem, em verdade, o pode ser" (Romanos 8:7).
Devemos ir mais longe. Obviamente, este tipo de pessoa é diferente de
Deus e não participa da vida de Deus. Noutras palavras, para usar um termo
bíblico, esse tipo de vida é corrupto. É corrupção. Deus é santo, e todos os que
são semelhantes aDeus também são santos. "Sede santos", diz Ele, "porque eu
sou santo." Mas as pessoas desse tipo estão mortas, estão fora da Sua vida, são
corruptas. São essencialmente más. Deleitam-se nas coisas más, lambem os
beiços por elas, porque a sua natureza é má. Não há justiça nessas pessoas, não
há verdade nelas. Acreditam em mentiras, e elas mesmas são mentirosas,
"odiosos, odiando-nos uns aos outros", diz a Bíblia (Tito 3:3). Esse é o homem
em pecado - morto, fora da vida de Deus.
O que as segue, é claro, é que esse tipo de vida não é abençoado por Deus e,
portanto, é infeliz. A vida do homem em pecado é infeliz. Se você contestar isso,

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só há uma coisa para dizer-lhe, e é que você não é cristão. Se você não concorda
que a vida ímpia, que a vida do mundo, é infeliz, e que a única vida feliz é a vida
cristã, você está simplesmente proclamando que não é cristão. Desejar este tipo
de vida, esse tipo de existência, é simplesmente proclamar que você não tem
natureza espiritual. A verdade acerca dessa vida é que ela é miserável, infeliz.
Olhem por baixo da superfície, e a verão clamar a vocês. O modo de ser do
mundo, com todas as suas mudanças, suas constantes mudanças, é uma
proclamação de que aqueles que o seguem são profundamente infelizes. É por
isso que eles vivem mudando. Cansam-se de tudo, estão sempre em busca de
algo novo. Estão sempre em busca de emoções, e correm atrás delas. Por quê?
Porque lhes é intolerável passar algumas horas a sós consigo mesmos. Acham a
sua própria companhia tão miserável que passam a vida fugindo de si mesmos.
Essa é a extensão da miséria de uma vida de pecado: não hárecursos nem
reservas, porque eles estão fora da vida de Deus. Esse é o homem em pecado. Ele
está morto.

Na verdade o apóstolo resume tudo perfeitamente numa declaração do


capítulo seis da Epístola aos Romanos, versículo onze; diz ele: "..
.considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus...". Antes
vocês não estavam vivos para Deus; agora, como cristãos, estão. Vocês se dão
conta que o homem em pecado está morto neste sentido? Dão-se conta de que é o
que vocês eram por natureza? Vocês não vêem que é assim que se avalia a
salvação? É o que nós todos éramos, declara Paulo. E os que estão em pecado
ainda estão naquela situação. Vocês não têm compaixão dos incrédulos? Vocês
oram alguma vez por eles? Vocês estão fazendo tudo o que podem para
levar-lhes este evangelho, seja neste país ou noutro? Essa é a condição deles.
Pobres infelizes! Mortos! Fora da vida de Deus!

Apresso-me a uma segunda questão. A segunda verdade que Paulo nos diz
sobre essas pessoas é que elas são governadas por este mundo: "Em que noutro
tempo andastes segundo o curso deste mundo". Que declaração! "O curso deste
mundo"! A palavra que de fato eleusoufoi era, "a era deste mundo". Que é que
ele quer dizer com isso? Penso que ele quer dizer que essa espécie de vida é vida
sob o controle, a perspectiva e a mentalidade do presente mundo - o "presente
século mau", como lhe chamam as Escrituras (Gálatas 1:4). Ora, a dificuldade
quanto ao homem em pecado é que ele é levado, é controlado, é absolutamente
governado por esse tipo de vida e por esse tipo de perspectiva. Isso é uma coisa
que a Bíblia ensina do começo ao fim. De acordo com a Bíblia, o mundo está
sempre contra Deus.
Que é "o mundo", no sentido bíblico? É a perspectiva, a mentalidade e a
organização da vida - à parte de Deus. É o que se quer dizer com a expressão "o

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mundo" não se trata do universo físico, das montanhas, dos rios, etc. O mundo é
uma mentalidade, uma perspectiva, um conceito de vida sem Deus. Deus é
excluído; é o próprio homem concebendo e organizando a vida, e controlando a
vida. Essa mentalidade é que é descrita como "o mundo". Paulo o expressou uma
vez por todas neste mesmo capítulo que estamos considerando. Vejam de novo o
versículo 12: "Portanto", diz ele, "lembrai-vos de... que naquele tempo estáveis
sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos aos concertos da
promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo". Estar sem Deus é "estar
no mundo". E estar no mundo é ser governado pela perspectiva e pela
mentalidade do mundo. O apóstolo diz a mesma coisa em Romanos 12: 2: "E não
vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso
entendimento...", Como cristão, diz o apóstolo, não se amolde a este mundo, com
a sua mentalidade e a sua perspectiva; você está noutra esfera. "Transforme-se",
"renove a sua mente" para condizer com aquele novo mundo. Ou vejam o que o
apóstolo João diz, muito explicitamente: "Não ameis o mundo, nem o que no
mundo há... a concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e a soberba da
vida" (1 João 2:15-17). O mundo é isso. Não amem o mundo, diz com efeito
João, vocês não lhe pertencem, ele é completamente oposto a Deus. Não amem o
mundo!
Aqui a afirmação do apóstolo é que o não cristão é simplesmente
governado e controlado pelo mundo, sua mente, sua perspectiva, sua
mentalidade. Não conheço nada que seja mais triste quanto ao homem em
pecado do que justamente isso. Vocês vêem isso tudo em seus jornais. Acaso não
é triste ver a maneira com que certas pessoas são inteiramente governadas pelo
que outras pessoas pensam, dizem e fazem? Elas lamentam por nós, cristãos.
Dizem elas: "Imaginem, eles se prenderem a esse Livro, aqueles cristãos
estreitos e infelizes!" Assim fala o homem do mundo de mente aberta, assim
chamado. Como é astuto o diabo em persuadir as pessoas disso! Pois a pequena
vida delas é inteiramente governadapela organização do mundo. Elas pensam
como o mundo. Tomam as suas opiniões pré-fabricadas do seu jornal favorito.
Até a sua aparência é controlada pelo mundo e suas modas, que sempre mudam.
Todas elas se conformam, isso tem que ser feito; não se atrevem a desobedecer:
têm medo das conseqüências. Isso é tirania, é controle absoluto - roupa, estilo de
penteado, tudo controlado absolutamente. A mente do mundo! Não há tempo
para desenvolver a questão sobre a sutil, quase daibólica influência muitas vezes
demonstrada em suas modas sensuais. Esta era é dominada pelo sexo. Isso
transparece em toda parte-fotografias, quadros e cartazes que o sugerem.
Muitíssimas vidas estão sendo controladas e governadas por isso, todas as suas
opiniões, sua linguagem, o modo como gastam o seu dinheiro, o que desejam,
aonde vão, onde passam as suas férias; é tudo controlado, governado

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completamente. Certamente isso tudo nunca foi mais evidente que no mundo
atual. Quando as pessoas falam tão levianamente sobre a sua emancipação, dão
uma clara prova do fato de que elas são governadas, dominadas e controladas
por este mundo, pela mente do mundo, pelaera da propaganda, pela era da
publicidade, pela opinião das massas, pelo indivíduo massificado sem saber.
Não é trágico? Mas o homem em pecado é isso. Está espiritualmente morto
porque é controlado pela mente do mundo.

Não somente isso, mas o apóstolo vai adiante para dizer-nos que, por sua
vez, isso é controlado por um princípio mau que há na vida. Ouçamo-lo
colocá-lo desta forma: "Em que noutro tempo andastes segundo o curso deste
mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos
filhos da desobediência". A palavra "espírito" aqui significa princípio; há um
princípio mau que, diz ele, está operando neste mundo. E essa palavra "operar" é
forte. Há nela, uma energia, uma força, um poder. Não há nada mais patético do
que pensar numa vida de pecado como uma vida passiva ou negativa. O fato é
que existe este poderoso princípio do mal em ação neste mundo, e é somente o
homem que crê na Bíblia e teve a sua mente e seu entendimento iluminados pelo
Espírito Santo que pode ver isso. Vocês imaginam que tudo o que vêem na vida
hoje simplesmente sucede de qualquer maneira, de alguma forma? Vocês não
conseguem ver quão organizado é, quão uniforme, quão astuto, quão parecido
em todas as suas partes? Há um princípio do mal em operação. Numa era obscura
como esta, damos graças a Deus por toda e qualquer indicação de melhoramento.
Refiro-me ao fato de que houve certos filósofos que foram suficientemente
sinceros para dizer-nos que a última guerra mundial os convenceu disso. Pensem
num homem como o finado Dr. Joad. Ele era um ateu, um incrédulo, antes da
guerra. Depois passou a crer na realidade de Deus, e nos diz por quê. Disse ele
que a segunda guerra mundial o convenceu de que, em todo caso, a Bíblia estava
certa nisto, que há um princípio do mal em ação. Disse ele que não podia explicar
a guerra de nenhum outro modo; ele pôde ver que não se tratava de acidente ou
de algo negativo, porém, que havia um poder demoníaco em ação, o "espírito que
agora opera nos filhos da desobediência". Cabe-nos como povo cristão,
reconhecer que essa pobre gente que está sem Deus no mundo está sendo
dominada e controlada por esse princípio mau.
Mas ainda precisamos dar mais um passo para trás. Diz o apóstolo que esse
princípio mau é governado pelo diabo e por todos os seus poderes: "Em que
noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das
potestades do ar". Que declaração! Entretanto, certamente, dirá alguma pessoa
sofisticada, você não está querendo dizer que ainda acredita no diabo! A resposta
é simples: acredito no diabo porque tenho que acreditar. Tenho que acreditar,

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não apenas porque ele está aí- isso basta para mim - mas eu acredito porque não
posso explicar a vida sem ele. E é porque o diabo é ignorado que o mundo é
como é. O diabo é tão astuto que ele domina o homem e, ao mesmo tempo, o
persuade de que ele não está sendo dominado. O homem até pensa que está se
emancipando ao dar as costas à Bíblia. O diabo é também chamado "o deus deste
mundo". O Senhor Jesus Cristo chamou-o "o príncipe deste mundo". Referência
é feita a ele como "Belzebu, príncipe dos demônios". E é ele que está dominando
tudo. Ele odeia Deus. Ele era um anjo que fora criado perfeito por Deus, um anjo
refulgente. Levantou-se contra Deus porque queria ser Deus; e odeia a Deus, e o
seu único objetivo é estragar a criação de Deus e arruinar o mundo de Deus. Por
isso veio ao mundo e enganou Eva e Adão, e daí em diante é o que vem fazendo.
Ele domina a vida do homem. Todos nós estamos, por natureza, sob o domínio
de satanás. Ele tem as suas forças, os seus poderes; ele é "o príncipe". Do quê?
"Das potestades do ar." Vocês notam como Paulo se expressou sobre isso no
capítulo seis desta Epístola, versículo doze: "Não temos que lutar contra a carne
e o sangue". Se vocês pensam que o problema com que se defrontam os
estadistas hoje é apenas lidar com outros homens semelhantes a eles, vocês são
tragicamente ignorantes politicamente, para não dizer espiritualmente. Se vocês
pensam que é apenas questão de personalidades, um homem ou outro, como
Hitler ou Stalin, vocês ainda não começaram a entender o ponto. "Não temos que
lutar contra a carne e o sangue, mas sim, contra os principados, contra as
potestades, contra os príncipes das trevas deste século" - isto é, as potestades do
ar, trevas - "contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais."
Diz-nos a Bíblia que existem estes poderes invisíveis, e o diabo é "o
príncipe das potestades do ar". Pode-se interpretar a palavra "ar" destas duas
maneiras: pode-se dizer príncipe das potestades das trevas, ou príncipe das
potestades invisíveis. Não são poderes terrestres, pertecem a outra esfera, são
etéreos, por assim dizer, são espirituais. Não têm corpos, mas têm existência
real. E a tragédia do homem é que, porque não pode ver os espíritos do mal, não
acredita neles. Como não pode ver o Espírito Santo, não crê no Espírito Santo.
Como não pode ver a Deus, não crê em Deus. Não se dá conta de que está numa
esfera espiritual. Isso é porque ele está morto. É por isso que ele está sem
entendimento espiritual. "O príncipe das potestades!" Ah, o poder do mal. O não
cristão é absolutamente dominado e controlado por esses poderes, e está morto
às mãos deles.
Nós também, que somos cristãos, ainda somos confrontados por eles. É isso
que o apóstolo diz no capítulo seis desta Epístola. Como cristãos, temos que lutar
contra este poder. "Cristão, não procure repouso ainda; fora com os sonhos de
comodidade!" E me parece que muitos cristãos estão sonhando com
comodidade, e estão pensando e sonhando com um tipo de salvação em que não

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há conflito e luta. Neste mundo, nunca! Há estes poderes do mal, as potestades
do ar, com toda a sua sutileza e malignidade, com toda a sua esperteza e as
transformações do seu chefe "em anjo de luz" para poder derrubar-nos. E isso
que nos está confrontando. O admirável é algum de nós simplesmente
permanecer nesta vida cristã. Somos confrontados por aquele que não hesitou em
chegar ao Filho de Deus e tentá-10 e dizer-Lhe com absoluta confiança: "Se tu és
o Filho de Deus". Foi ele que repetidamente derrotou os patriarcas e os santos do
Velho Testamento. Cada um deles caiu uma e outra vez diante dele. E ele se opõe
a nós com todo o seu poder, força e energia, com todos os batalhões que ele
comanda, com o princípio mau que ele introduziu em toda perspectiva e
mentalidade do mundo. Está organizado em forma visível, porém ele próprio é
invisível; e está em toda parte.
Como resistimos ainda? Há somente uma resposta. E graças à
"sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os cremos". O Deus que nos
salva é o Deus que nos guarda, e sem Ele não resistiríamos um segundo.
Portanto, a glória só tem que ser inteiramente de Deus. "E (ele) vos vivificou,
estando vós mortos." Tomara que os nossos olhos sejam abertos e enxerguemos
o problema e avaliemos a sua profundidade; e então saberemos que este Poder
que nos sustenta nunca nos deixará nem nos abandonará!

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O PECADO
1 ORIGINAL
"E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro
tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das
potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência, entre
os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne,
fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da
ira, como os outros também." - Efésios 2:1-3

Em nossos estudos anteriores vimos que o primeiro princípio do apóstolo é


que não poderemos entender a grandeza do poder da salvação de Deus enquanto
não compreendermos que, por natureza, o homem está espitirualmente morto.
Além disso, temos que captar o fato de que ele é governado por este mundo e
pela mente deste mundo, que é governado pelo princípio do mal que está
operando neste mundo e que, por sua vez, é governado pelo "príncipe das
potestades do ar", aquele grande chefe, o diabo, satanás, o deus deste mundo,
que exerce controle sobre todos os poderes e forças que dirigem e governam os
homens e determinam o tipo de vida que o homem leva neste mundo. Esse é o
estado, a condição.
Como é vital que compreendamos isto! Vital não somente do ponto de vista
do entendimento do evangelho, mas certamente, num sentido muito prático,
absolutamente essencial para o entendimento dos tempos nos quais vivemos,
internacionalmente e também num sentido nacional. Nada é tão fátuo como a
idéia de que a doutrina cristã é afastada da vida. Não existe nada mais prático, e
o mundo está hoje em suas atuais condições de desordem porque os homens não
querem reconhecer a veracidade daquilo que a Bíblia ensina sobre o homem.
Observem a situação industrial, e mesmo a financeira. Qual é o problema? Bem,
o que nos dizem é que a produção não é tão alta como deveria ser. Porque não é?
Essa é a questão. Por que não estamos produzindo mais? E a resposta é,
obviamente, que não estamos produzindo mais porque o homem se encontra
num estado de pecado. Vocês notam que digo "o homem", não "os homens".
Digo "o homem" para incluir todos os homens. Não estamos produzindo quanto
deveríamos produzir porque os empregadores e os empregados estão ampliando
cada vez mais a sua idéia quanto à extensão do fim de semana. Isto aplica-se a
todos. Se um homem tem direito de alargar o seu fim de semana, o outro tem
igual direito. E todos, porque se acham em pecado e egoísmo, como vou
mostrar-lhes, estão agindo assim. Daí o nosso maior problema no momento.
"Donde vêm as guerras e pelejas entre vós?", pergunta Tiago, e responde
asuaprópriapergunta. Elas vêm "dos vossos deleites, que nos vossos membros
guerreiam" (4:1). E a tragédia é que o mundo e os seus líderes e os seus

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estadistas, porque não reconhecem o ensino das Escrituras, acham que podem
explicar isso noutros termos. Os diversos grupos se culpam uns aos outros, e os
diversos países se culpam uns aos outros, não percebendo que todos eles estão
juntos no pecado; e enquanto estiverem em pecado e forem egocêntricos e
egoístas, só terão em conta a si mesmos, e o mundo continuará com seus
problemas. Assim vocês vêem que esta doutrina bíblica do pecado é a coisa mais
prática do mundo; e, não obstante, as pessoas a deixam de lado com desdém, e é
pena, porém nisto se incluem até mesmos os cristãos. Quão distante do ensino
bíblico estáacomuníssimaidéiadequeocristianismo é simplesmente uma coleção
de numerosas máximas de moral, e que você deve ir à igreja aos domingos
apenas para receber algum encorajamento, paraque lhe digam qual é o seu dever
e que você é bom se o pratica, e nada mais. Isso nem é o começo do estudo do
verdadeiro problema. Antes de podermos ter a mínima possibilidade de
compreender a verdadeira natureza do problema, temos de entender o que é o
homem no estado de pecado. Só então veremos claramente que nada, senão a
renovação espiritual e a ação do Espírito Santo, têm possibilidade de lidar com a
situação e de nos livrar em todos os aspectos. É por estas razões, pois, que
estamos considerando este ensino.

Portanto, havendo examinado o homem em seu verdadeiro estado e


condição, chegamos ao segundo ponto, que é a explicação da sua condição. Por
que o homem se acha nessas condições? O que o levou a isso? Qual a
explicação? O apóstolo responde com uma série de expressões epalavras que ele
usa nestes três versículos. Vamos examiná- -las. A primeira expressão
importante é: "filhos da desobediência". "Em que noutro tempo", diz ele,
"andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desobediência." Que expressão
significativa e importante! Que significa? Não significa apenas crianças ou
filhos desobedientes. Esta é uma expressão bíblica deveras característica. Vocês
encontrarão expressões semelhantes em muitos lugares. Vocês recordam como
um dia o nosso Senhor voltou-Se para os judeus e lhes disse: "Vós tendes por pai
o diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai" (João 8:44). Também se
lembram de como, no Velho Testamento, muitas vezes vêem que certos ímpios
são tratados como "filhos de Belial", ou por outra expressão semelhante.
Devemos, pois, considerar a expressão como dizendo que a desobediência é a
origem deste caráter distintivo. Somos filhos da desobediência no sentido de que
é a desobediência que nos leva a sermos exatamente o que somos. Pois bem, é
isso que o apóstolo está ressaltando aqui.
É sempre esse o ponto essencial da explicação bíblica sobre por que o
homem é assim. O problema primário, essencial, é a desobediência. Foi isso que

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levou a todos os nossos problemas e desgraças. Noutras palavras, trata-se da
nossarelação com Deus. E vocês notam que a ênfase é que o pecado não é
meramente negativo, não é meramente ausência de qualidades, não é meramente
ausência de alguma coisa; é positivo, é ativo, á deliberado. É des-obediência, é
fuga da obediência, é questionar o direito que Deus tem de exercer o comando
sobre nós, noutras palavras, é rebelião. E é isso que Bíblia nos diz sobre o
homem, do começo ao fim. O homem não é simplesmente uma pobre criatura
que nunca teve chance e para com quem, portanto, vocês devem ser muito
compassivos e muito tolerantes. Essa é a idéia moderna, vocês sabem. A
doutrina bíblica do pecado saiu realmente do pensamento dos homens háuns
sessenta ou setenta anos, e apsicologiaentrou em seu lugar. Épor isso que a
disciplina e a punição desapareceram. A idéia agora é que, na verdade, todos nós
somos, essencialmente, muito bons, e o problema é que nunca nos foi dada uma
chance. O que necessitamos, dizem, é encorajamento. Não acreditamos na lei e
nas sanções morais. Isso é considerado duro e cruel. O resultado disso tudo é a
bancarrota da disciplina em todos os departamentos da vida-no lar, naescola, nas
ruas, na indústria, no comércio, em toda parte. Vocês vêem como esta doutrina é
vital! A Bíblia ensina que os nossos problemas decorrem todos da desobediência
inicial; que o homem é um rebelde contra Deus e deliberadamente se rebela
contra Deus. E, naturalmente, isso tudo provém do seu amor próprio. É a
auto-afirmação do homem, o posicionamento do homem contra Deus, o seu
desejo de ser deus.
Isto se desenvolve ao longo de três linhas principais. Obviamente, a
primeira é que o homem nega a sua condição de criatura. Ele se opõe a isso. O
homem não gosta da idéia de que ele é uma criatura feita e criada por Deus. Ele
acha que esta idéia de ser ele uma criatura é um insulto a ele, algo que o diminui
e que diminui a suagrandeza e glória essencial.
Ele não gosta da idéia de que há alguém acima dele, mesmo Deus. Ele gosta de
pensar que o homem é supremo, está acima de todas as coisas, e pode olhar de
cima para todas as coisas. Esse é o coração e o cerne da objeção do homem a
Deus e da sua oposição a Deus, O homem se ofende por natureza com a idéia de
que existe algo ou alguém que ele não pode abarcar com a sua mente; e quando
se lhe diz que ele é tão-somente uma criatura e que a sua atitude para com o
Criador, o Senhor Deus Todo- -poderoso, deveria ser a de humilhar-se e cair
sobre o seu rosto diante de Deus, ele se opõe a isso. Acha que é um insulto, e
afirma que não é uma criatura, e que além dele não existe nada. Daí vocês têm o
ateísmo do homem moderno, a sua objeção a Deus e a sua negação de Deus. Isso
tudo surge do fato de que ele se opõe a estaidéia de que ele é uma criatura, de que
ele é alguém que Deus fez, criou e modelou para Si.

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Outra maneira pela qual isto se manifesta - e obviamente decorre da
primeira - é que o homem sempre quer afirmar a sua auto- -suficiência pessoal.
Ele acredita que ele próprio é suficiente. E evidente que a Bíblia diz exatamente
o oposto - que não somente o homem foi feito por Deus e para Deus, mas
também que ele é dependente de Deus, e que só pode ser feliz quando está em
harmonia com Deus e quando obedece a Deus. Toda a concepção bíblica do
homem é que, assim, ele se acha num estado de completa dependência de Deus e
que o seu bem-estar depende da sua compreensão disso e de praticá-lo. Todavia,
é claro que isso contraria o que o homem sempre achou de si mesmo. Ele sempre
achou que é auto-suficiente, que tem os poderes necessários e que só precisa
pô-los em exercício para fazer um mundo perfeito e uma vida perfeita para si.
Ele se acha competente para comandar os seus interesses da maneira certa, e que
não necessita nem de ajuda nem de assistência.
Por isso não há nada que ofenda tanto o homem natural como o evangelho
que lhe diz que ele é salvo unicamente pela graça de Deus, que ele, como um
mendigo, tem que aceitar como uma dádiva gratuita. Diz ele: não afundei tanto
assim, não sou perfeito, talvez, mas não sou um mendigo, há algo que eu possa
fazer e que sou capaz de fazer. É a doutrina da graça que o homem odeia mais
que tudo. Essa é "a ofensa" ou "o escândalo da cruz"; e isso continua existindo
porque o homem acredita em sua auto-suficiência, em sua capacidade, em seu
poder inerente. Essa é uma expressão da sua desobediência. Ele não quer aceitar
a graça, não quer acreditar nela, rebela-se contra ela e luta contra ela.
Ou talvez possamos explicar isso da seguinte maneira: é a afirmação que o
homem faz da sua autonomia, da sua independência de Deus. O homem
autônomo é o que se pensa do homem que todos os modos pode gerir todos os
seus interesses e que não precisa de ajuda nem de assistênci a de parte alguma,
nem mesmo de Deus! O homem autônomo, o homem auto-suficiente, o homem
autodeterminativo, o homem independente, o homem como deus, o homem
como o senhor do universo, o homem no trono e sobre um pedestal!
Certamente todos hão de reconhecer que isso nada mais é que uma
descrição do homem como ele é fora da fé cristã. Ele é completamente
desobediente, e se orgulha disso com arrogância. Ele promove a sua
personalidade e a sua auto-suficiência. E essencial forçar a questão a esse ponto.
A desobediência, como eu disse, é ativa, ativa até igualar-se à inimizade. Se não
compreendermos isso, é sinal que ainda não entendemos esta doutrina. Portanto,
deixem-me interpretar o que o apóstolo diz aqui com o que ele diz na Epístola
aos Romanos, capítulo oito, versículo sete: "A inclinação da carne", diz ele, "é
inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode
ser". Que declaração! E que importante adendo! O homem desobedece porque
está em inimizade contra Deus; odeia a Deus. Ah, mas, vocês dirão, conheço

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muitos que não são cristãos, porém que dizem que crêem em Deus. Não, não
crêem! Crêem numa ficção, num produto da sua imaginação; eles não crêem em
Deus. Se cressem em Deus, creriam em Seu Cristo, como o nosso Senhor mesmo
argumenta em João 8:30-45. Mas não crêem. Crêem simplesmente no que eles
pensam e imaginam que Deus é, no deus que eles próprios fabricaram. Isso não é
Deus! "A inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de
Deus, nem, em verdade, o pode ser."
Isso é importante, nesse sentido, que mostra que o homem, em
conseqüência do pecado, em conseqüência de ser ele dominado pelo diabo e pelo
princípio que este introduziu, e pela mente deste mundo, acha-se em tal estado e
condição que ele não pode obedecer a Deus. É isso que o grande Martinho
Lutero chamava "escravidão da vontade". Contudo, para o homem em pecado e
para o homem moderno, que doutrina odiosa! "A escravidão da vontade!" A
minha vontade é livre, diz o homem. O homem gosta de pensar que é
absolutamente livre para escolher o que quiser, que ele pode escolher servir a
Deus, se o desejar; que pode escolher ser cristão, se assim for o seu desejo. A
afirmação da vontade do homem, do livre-arbítrio, é a ordem do dia. Mas a
Bíblia fala em "filhos da desobediência"; e "Vós tendes por pai o diabo, e quereis
satisfazer os desejos de vosso pai". Diz o nosso Senhor que você é incapaz. O
homem natural não é sujeito "à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser" - ele é
incapaz disso. Desde a queda de Adão, isso de livre-arbítrio, de vontade livre
quanto a obedecer a Deus, não existe. Adão tinha livre-arbítrio; nunca mais
ninguém o teve. A liberdade de vontade perdeu-se na Queda; nesta o homem
passou a ser escravo do pecado e a estar sob o domínio do diabo. Sua vontade
está presa. "Se ainda o nosso evangelho está encoberto", diz o apóstolo aos
coríntios (2 Coríntios 4:3 e 4) "para os que se perdem está encoberto. Nos quais o
deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos", para que não creiam
no glorioso evangelho de Cristo. O diabo não os deixa crer. "O valente guarda,
armado, a sua casa, em segurança..." (Lucas 11:21). Essa é a condição do homem
sob o domínio do diabo; ele não é livre. Não é livre para não pecar. "Filhos da
desobediência"! "Nem, em verdade, o pode ser"! E incapaz disso. Tal a
profundidade em que o homem afundou em pecado. E, contudo, é aí que entra o
paradoxo, por assim dizer. Apesar disso, tudo o que o homem faz, ele o faz
deliberadamente. Ele quer pecar, gosta de pecar, gloria-se em pecar. Não exerce
negativamente a sua vontade para pecar; o que ele não pode fazer é querer o bem
positivo, o bem espiritual. É incapaz disso, e aí está porque ele precisa "nascer de
novo" e ter nova natureza. Mas ele pode querer o mal, e sente prazer em
praticá-lo. O que ele não percebe é que ele se tornou incapaz de querer o bem e
de querer alguma coisa que esteja direcionada para a salvação. Ele não é livre
para isso. Filhos da desobediência, a prole da desobediência, a progênie da

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desobediência! Há no universo uma mente má, e nós somos seu fruto. Esse é o
ensino bíblico. Acaso não é extraordinário que alguém que tem entendimento
nestas questões possa discutir isso por um momento que seja? O mundo atual
está simplesmente demonstrando e provando esta verdade. Os homens e as
mulheres são escravos do diabo, estão sob a escravidão do diabo; estão sob o
poder e domínio de satanás.

Basta para a primeira expressão, mas examinemos a segunda. Esta se acha


no fim do versículo três: "e éramos por natureza filhos da ira, como os outros
também". Destaco as palavras "por natureza". Esta, obviamente, é uma
expressão sumamente importante. É isso que explica por que somos filhos da
desobediência e por que temos esta atitude particular com relação a Deus. O
apóstolo a usa primariamente aqui, na explicação do seu ensino de que estamos
"sob a ira de Deus". Estamos sob a ira de Deus, diz ele, "por natureza". Espero
tratar disso mais adiante. Agora quero mostrar que a expressão significa algo
mais que aquilo. Somos o que somos, em todos os aspectos, "por natureza". Se
vocês preferirem outra tradução, poderiam usar em seu lugar a expressão "por
nascimento", "e éramos por nascimento filhos da ira, como os outros também".
Noutras palavras, o ensino aqui é o mesmo ensino da Bíblia toda
concernente ao homem em pecado, ensino segundo o qual nascemos neste
mundo com uma natureza desobediente. Não nascemos com equilíbrio justo,
com a possibilidade de ir por este ou aquele caminho. Nascemos com forte
inclinação unilateral. Davi o expressa memoravel- mente no Salmo cinqüenta e
um, versículo cinco: "Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me
concebeu minha mãe". Que profunda peça de auto-análise e de psicologia! Se
vocês querem psicologia, vão às Escrituras. Aí está um homem, Davi,
examinando-se. Tinham-no feito lembrar-se do que ele fizera, o adultério e o
homicídio que se lhe seguiu. Ele é despertado e se examina a si mesmo, e parece
estar dizendo a si próprio: como pude fazer isso? Como pode alguém fazer tal
coisa? Que é que torna um homem capaz disso? Que será? E, diz ele: há somente
uma resposta, e é tão profunda como isto: em iniqüidade fui formado -
"formado" em iniqüidade - e "em pecado me concebeu minha mãe".
Esta doutrina não é popular hoje. O homem em pecado jamais gostou dela.
O que ele gosta de dizer, naturalmente, é que todos nós nascemos neutros. Vejam
aquela criança, quão maravilhosa e perfeita! Bem, porque é que elapeca quando
cresce? Ora, dizem eles, vocês vêem aqui qual é o problema; é o mundo
pecaminoso ao qual ela vem: ela vê coisas más, vê maus hábitos, e aos poucos
vai sendo influenciada por eles. Dizem eles que com a criança tudo está bem,
mas com o ambiente não. Se tão-somente a criança fosse colocada num mundo
perfeito, ela permaneceria perfeita; entretanto, vem a um mundo imperfeito e vê

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e pega hábitos, ouve falar e vê as coisas que as pessoas fazem, e gradativamente
assimila essas coisas e as pratica. E tudo questão de ambiente, mau exemplo, má
influência. Não, diz a Bíblia, não é não. Essa criança foi formada em iniqüidade,
e foi concebida e nasceu em pecado. Quando vimos a este mundo, a nossa
natureza já está corrompida. Herdamos uma natureza pecaminosa dos nossos
antepassados e dos nossos pais; começamos com isso. As tendências e os desejos
estão todos ali, e tudo o que o mundo faz é dar-nos um canal de escoamento. Há
dentro de nós umarebelião, um desejo de ter as coisas proibidas. Isso aparece
logo no início. É uma das primeiras coisas que manifestamos, todos nós. Por
quê? Bem, "por natureza".
Noutras palavras, o defeito central surge neste ponto da seguinte maneira:
inclinamo-nos a pensar no pecado em termos de atos específicos da vontade; e
daí nos inclinamos a estar cegos para o fato de que somos pecadores
independentemente das nossas ações, de que o pecado está em nós e é parte
integrante da nossa natureza. Devemos livrar-nos da idéia de que tudo está bem
conosco enquanto não chega a tentação e caímos. Isso é verdade quanto a um
pecado, uma ação pecaminosa. Neste caso, eu exerci a minha vontade e fiz o que
não devia! Mas essa explicação não é completa. A real questão é esta: o que foi
que me levou a essa ação? A resposta é que foi "algo" que está dentro de mim.
Vejam as palavras do nosso Senhor, que falou disso uma vez por todas: "O que
contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o
que contamina o homem... Porque do coração procedem os maus pensamentos,
mortes, adultérios, prostituição..." e tudo o mais (Mateus 15:11,19). A
dificuldade está no coração do homem. É esta natureza decaída, pecaminosa. E o
que Paulo chama, no capítulo sete de Romanos, "a lei do pecado que está nos
meus membros"; "em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum". Ela é
corrupta, é má, por natureza. "Somos por natureza filhos da ira, como os outros
também."
Isso é de vital importância. Se a outra teoriaestiver certa e o homem nasce
mais ou menos neutro, e se os seus problemas forem causados pelo fato de que as
coisas más ou um mau ambiente o levam a extraviar-se, então, tudo o que você
terá que fazer é tratar do ambiente. E essa tem sido a filosofia dominante nos
últimos sessenta a setenta anos. Tem-se considerado o problema como sendo um
problema de educação, de moradia e de melhoria econômica, quase
exclusivamente. Só tínhamos que dar ao homem as condições certas, e dar-lhe o
ambiente certo e o conhecimento adequado, e ele estaria totalmente bem. No
entanto, hoje em dia, seguramente, temos que começar a compreender que a
verdade não é essa, que isso não funciona. Vocês podem dar ao homem as
condições mais ideais, e ele irá mal. Foi no Paraíso que o homem caiu! E se o
homem, em suas perfeitas condições originais, pôde cair em pecado, quanto mais

- 39 -
o homem já decaído! Este é um princípio que por si mesmo se demonstra em
todas as relações humanas, em toda parte. E uma lástima, mas o problema e a
tragédia estão em um nível muito profundo. A Bíblia não está sozinha neste
ensino. Shakespeare o expôs de maneira memorável: "O defeito, caro Brutus,
não está em nossas estrelas, mas em nós, que somos desprezíveis". "Por
natureza"! Começamos com isso, com uma tendência para o mal, tendo a
vontade em escravidão, sob o domínio de satanás, com cobiças e maus desejos,
como veremos, já ali e esperando por uma oportunidade para demonstrar-se e
manifestar-se.

Passamos a seguir à palavra muito importante "todos". "Em que noutro


tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades
do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desbediência. Entre os quais
todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a
vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira" - e de
novo ele o diz- "como os outros também." Ou, se vocês preferirem outra
tradução - "como o restante da humanidade". "Todos", é universal. Ora, isso é
uma coisa impressionante. Este ponto era muito apropriado para o argumento
particular do apóstolo precisamente aqui. Seu tema é, vocês se lembram, como
Deus em Cristo, na plenitude dos tempos, vai reunir todas as coisas em Cristo,
"tanto as que estão nos céus como as que estão na terra". E diz o apóstolo que Ele
já começou a fazê-lo, No capítulo primeiro, versículo onze, ele afirma que alguns
que são judeus creram no evangelho e estão no reino. Ele prossegue, dizendo que
alguns que eram gentios também obtiveram herança. Aqui ele retoma o ponto -
"E vos vivificou". Ele fez a mesma coisa com vocês, gentios. Mas seu grande
desejo é que ninguém pense que ele está dizendo estas coisas somente acerca dos
gentios. Não, "todos" nós andávamos nos desejos da nossa carne, "todos" nós
éramos filhos da ira, como os outros também. O que ele diz aqui sobre o homem
em pecado é verdade com relação ao judeu, como também com relação ao
gentio.
Como era difícil para o judeu acreditar nisso! Durante séculos ele tinha
acreditado que estava completamente separado: o judeu! Fora estavam os cães,
os gentios, os estrangeiros. Estes estavam fora da "comunidade de Israel". O
judeu era filho de Deus, estava a salvo porque era judeu. Ele era totalmente justo
e melhor do que todos os outros que eram pecadores, os cães dos gentios, os
quais estavam fora. Como lhe era difícil aceitar uma doutrina que afirma que ele
era tão pecador como o gentio! Essa era a pedra de tropeço para o judeu; ele não
gostava disso. E esta classificação da humanidade ainda se vê em diferentes
formas e moldes. No entanto, aqui o apóstolo diz, "não somente os gentios", mas
"também os judeus". E vocês notam que até a si mesmo ele inclui. Tendo

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começado com "vós", agora diz "nós". Essa é a verdade a respeito de Paulo, o
apóstolo! É inimaginável, não é? Mas essa fora a tragédia da sua vida antes da
sua conversão. Como Saulo de Tarso, ele estava satisfeito com a sua vida;
"segundo ajustiça que há na lei, irrepreensível" (Filipenses 3:6). E (em Romanos,
capítulo 7) ele nos conta como foi que veio a enxergar o seu erro. Foi quando ele
entendeu a lei, que dizia: "Não cobiçarás". Então "reviveu o pecado, e eu morri".
Quando se deu conta de que a lei dizia "você não pode desejar", "você não pode
cobiçar", ele viu o real significado da lei e viu que ele era um terrível pecador.
Escrevendo a Timóteo, ele diz: "Esta é uma palavra fiel, e digna de toda
aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu
sou o principal" (1 Timóteo 1:15). Ele se considera o principal dos pecadores.
"Todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne...".
Esta é a verdade com referência a "todos". Todavia, as pessoas ainda são
muito lerdas para ver isso. Dizem elas: veja esta descrição do pecado que você
faz naqueles três versículos. E claro, diz o homem, que eu posso ver muito bem
que isso se aplica a certas pessoas. Eu ando pelas ruas e vejo aquele pobre
bêbado, e aquela mulher decaída. Vejo pecado em seus trapos e em seus vícios.
Você está totalmente certo no que diz com relação a tais pessoas e quando fala de
uma natureza má e das luxúrias da carne, das luxúrias da mente, e assim por
diante. Concordo plenamente com você. Mas nós não somos daquele tipo de
gente. Porventura não existe gente boa, de boa moral, e decente, gente íntegra e
religiosa? Você está falando isso dessa gente? A resposta do apóstolo Paulo é
"todos", "como os outros também"; toda a humanidade, sem umaúnica excessão.
Todos fomos formados em iniqüidade, concebidos em pecado. "Todos" nós
temos esta natureza pecaminosa.
O erro fatal é pensar no pecado sempre em termos de atos e ações, e não em
termos de natureza e de disposição. O erro está em pensar nele em termos de
coisas particulares em vez de pensar nele, como devíamos, em termos de nossa
relação com Deus. Vocês querem saber o que é o pecado? Eu lhes direi. Pecado é
exatamente o oposto da atitude e da vida que se enquadram em , "Amarás ao
Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas
forças, e de todo o teu entendimento". Se você não está fazendo isso, você é um
pecador. Não importa quão respeitável você seja; se você não está vivendo
inteiramente para a glória de Deus, você é um pecador. E quanto mais você
imaginar que é perfeito em si mesmo e independentemente de sua relação com
Deus, maior será o seu pecado. É por isso que qualquer um que leia o Novo
Testamento objetivamente poderá ver claramente que os fariseus dos tempos do
nosso Senhor eram maiores pecadores (se se pode empregar tais termos) do que
os publicanos e os pecadores declarados. Por quê? Porque eles se davam por
satisfeitos consigo mesmos, porque eram auto-suficientes. O cúmulo do pecado

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é a pessoa não sentir necessidade da graça de Deus. Não existe pecado maior do
que esse. Infinitamente pior do que cometer algum pecado da carne é você achar
que é independente de Deus, ou achar que Cristo jamais precisou morrer na cruz
do Calvário. Não há maior pecado do que esse. A auto- -suficiência final, a
auto-satisfação final e a justiça própria, é o pecado dos pecados; é o cúmulo do
pecado, porque é pecado espiritual. Assim, quando você chega a compreender
isso, passa a compreender que o apóstolo não está exagerando quando diz "todos
nós", "como os outros também".

Esse é o homem em pecado, e é verdade universal. Há somente uma


explicação adequada disso. E a que nos é dada no começo do livro de Gênesis. É
a doutrina bíblica da Queda e do pecado original. Não se pode compreender o
mundo moderno à parte da doutrina do pecado original. Tudo aconteceu da
seguinte maneira: um homem, Adão, o representante da humanidade, pecou,
rebelou-se e caiu. E as conseqüências passaram a toda a sua progênie. Eu os
desafio a explicarem a universalidade do pecado em quaisquer outros termos.
Simplesmente não se pode fazer isso. Todas as outras teorias caem por terra. É
por isso que temos que crer nos primeiros capítulos de Gênesis, se é que devemos
crer no Novo Testamento. Sem isso não se pode ter uma verdadeira doutrina da
salvação. As duas coisas vão juntas, como Paulo o prova no capítulo cinco da
Epístola aos Romanos e de novo, e exatamente da mesma maneira, no capítulo
quinze da Primeira Epístola aos Coríntios. Esse é o problema do homem; e é por
isso que o homem é como é. Adão caiu, Adão pecou; e o resultado é que toda a
semente de Adão nasce em corrupção, com uma natureza corrupta. É universal,
acontece em toda parte. E isso que "estabelece o parentesco do mundo inteiro"; é
isso que torna absurdas todas as suas "cortinas", todas as suas barreiras de cor e
todas as suas filosofias. Nisso o mundo inteiro é um só. Todos nós estamos em
pecado, somos filhos da desobediência, herdeiros de uma natureza decaída que
se expressa e se manifesta da maneira como iremos considerar - "nos desejos da
nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos", estando, pois, sob a
ira de Deus e completamente desamparados.
Deixo o assunto nesta altura, porque estou pregando com a suposição de que
me estou dirigindo a cristãos. Mas se eu estivesse pregando isto a um auditório
misto, não pararia aí, não me atreveria a parar aí. Eu continuaria, dizendo: "Mas,
quando estávamos nesta situação, em Sua infinita graça e amor e misericórdia,
Deus nos vivificou". Nada menos que isso podeira fazê-lo. Que outra coisa mais
poderia tratar do homem em tais condições? Nada menos que o soberano poder
de Deus - o poder que, como Paulo dissera ao final do capítulo primeiro, fez o
Senhor Jesus ressuscitar dentre os mortos e O elevou e O colocou "à sua direita
nos céus, acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o

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nome que se nomeia". Nada menos que o poder de Deus pode resgatar e redimir e
salvar o homem. Entretanto, Ele o fez em Cristo. E nós, que somos cristãos,
fomos levantados daquela terrível condição em que estivéramos outrora,
unicamente por causa da Sua maravilhosa graça.

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A VIDA SEM
1 DEUS
"E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro
tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das
potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência, entre
os quais todos nós também antes andávamosnos desejos da nossa carne, fazendo
a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira,
como os outros também." - Efésios 2:1-3

Ao voltarmos a considerar esta tremenda e sumamente vital declaração,


lembramo-nos de que o apóstolo a introduz com o fim de assinalar a grande idéia
que ele tinha começado a expor no capítulo anterior, a saber, que nós, como povo
de Deus, devemos compreender "a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre
nós, os que cremos". Diz ele que o que necessitamos fazer é avaliar este grande
poder. A maneira de fazê-lo, diz ele, é dar-nos conta primeiramente da
profundidade da qual Deus teve que levantar-nos, e depois considerar a altura à
qual nos levou. Quando entendermos a profundidade e a altura, teremos algum
concepção da sobreexcelente grandeza do poder de Deus.
Assim, primeiro o apóstolo descreve o nosso estado e condição em pecado,
o que nós éramos antes de apoderar-se de nós este poder. A segunda coisa que ele
faz é dar-nos uma explicação de como nós entramos naquele estado. Aí ele nos
apresenta a grande doutrina do pecado original.

Agora ele chega ao terceiro ponto, a verdadeira maneira pela qual tudo
isso se mostra e se manifesta na prática, em nosso viver comum. Ao tratar disso,
ele nos apresenta incidentalmente este terceiro grande poder contra o qual nós
temos que lutar nesta vida terrenal. Ele já tinha tratado do mundo e do diabo;
agora vai tratar da carne. Temos um conflito contra o mundo, a carne e o diabo -
e agora vamos examinar este conflito com a carne. O homem em pecado,
segundo o apóstolo, está levando uma vida dominada pelas "concupiscências da
carne". Isso porque ele nasce com uma natureza corrupta, resultante do pecado
original, por sua vez resultante daquela transgressão e rebelião original do
homem contra Deus, o que produziu a Queda. Noutras palavras, vemo-nos aqui,
nestes três versículos, no centro mesmo das maiores profundezas da doutrina
cristã; e Paulo nos faz lembrá-las a fim de capacitar-nos a ver a grandeza, não
somente do poder de Deus, e sim também do Seu amor e da Sua graça e da Sua
misericórdia. O espantoso é Ele ter sequer olhado para tais pessoas ou sequer
preocupar-Se conosco!

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Vejamos, pois, estas coisas. A vida do homem, no estado de pecado e fora
da graça, é, de acordo com o apóstolo, uma vida de ofensas e pecados-"E vos
vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados". Isso resume tudo. pode-se
resumir a vida do mundo inteiro hoje com essas duas palavras "ofensas" e
"pecados". Que é que elas significam? E óbvio que o apóstolo está pensando em
nuanças de significado aqui; do contrário, ele não teria utilizado as duas
palavras. Ele o fez deliberadamente.
Que é uma ofensa (ou um delito)? É uma transgressão externa. De fato o
sentido radical da palavra é de algo que se aparta do verdadeiro e do íntegro. O
homem foi criado com o propósito de ser ele íntegro, verdadeiro, justo e santo;
ele se apartou disso, afastou-se disso, não é mais íntegro. É como algo inclinado
ou caindo ao chão; saiu da sua posição verdadeira, da posição perpendicular.
Que é que ele quer dizer com a palavra "pecados"? E um termo muito amplo
e compreensivo. Inclui todas as manifestações do pecado considerado como um
princípio interior. E isso que ele quer dizer com o termo "pecados". Os pecados
são as manifestações externas deste princípio interior chamado pecado e que
estivemos considerando. Há em cada um de nós este princípio corrupto, e este se
manifesta no que chamamos pecados. Temos, pois, aqui, uma definição muito
compreensiva da vida do homem fora da graça divina- uma queda do verdadeiro,
do certo, do íntegro e do justo, e todas as manifestações externas deste princípio
mau que há dentro de nós. E isso que se quer dizer com ofensas e pecados. E, de
acordo com o apóstolo, esta é a vida do homem separado da graça de Deus; é
como ele "anda", diz o apóstolo. Vocês notam como ele o expressa: "em que
noutro tempo andastes". E depois, noutra frase: "Entre os quais todos nós
também antes andávamos nos desejos da nossa carne". O que ele quer dizer por
"conversação", como geralmente se dá no caso da Versão Atualizada (inglesa),
não é "conversa", mas "maneira de viver". Vocês recordam do que o apóstolo diz
no fim do capítulo três da Epístola aos Filipenses: "A nossa conversação está nos
céus"(VA). Não significaconversa ou fala. É um termo que se usava nos séculos
dezesseis e dezessete para expressar um modo ou maneira geral de vida.

Essa é a descrição das nossas ações. Contudo, afinal de contas, as ações


sempre expressam alguma outra coisa. Há um ditado que efetivamente diz,
"como um homem pensa, assim ele é". Examinem a conduta e o comportamento
de um homem e, se fizerem um exame fidedigno, descobrirão a sua filosofia.
Todos nós expressamos as nossas idéias da vida segundo a maneira pela qual
vivemos. Isso é exatamente real quanto ao homem em pecado, diz o apóstolo. O
que vocês vêem são as ofensas e os pecados. Sim, mas o que é que leva às
ofensas e pecados? Ele tem sua resposta para nós. Tudo se deve a esta natureza
corrupta, o que ele explica com as palavras: "Entre os quais todos nós também

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antes andávamos nos desej os da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos
pensamentos".
Essa é a declaração que vamos considerar agora. Essa é a vida do homem
sem a graça de Deus em Jesus Cristo. Ela está corrompida. É uma vida vivida nos
desejos da carne. E o que o apóstolo salienta e que, portanto, eu estou desejoso
de salientar, é: esta verdade se refere a todos os homens, sem exceção. E verdade
universal, válida para toda a humanidade; não se refere apenas a certas pessoas,
porém, a todas: "todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa
carne...e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também". Devemos
apegar-nos com firmeza a esta idéia da universalidade das condições do homem.
Todos os homens estão, por natureza, vivendo uma vida que é segundo os
desejos da carne.
Examinemos esta grande declaração. Vocês notam o desenvolvimento
extraordinariamente lógico da declaração do apóstolo. As ofensas e os pecados
resultam deste "desejo da carne". Mas essa é uma expressão geral, pelo que o
apóstolo a subdivide. Os desejos da carne se manifestam ao longo de duas linhas
principais - "os desejos da carne" e "os desejos dos pensamentos"(ou "da
mente"). O problema fundamental é que estamos vivendo "nos desejos" (ou "nas
concupiscên- cias") da carne; e isso se manifesta em nossa obediência aos
"desejos da mente" e aos "desejos da carne".
Que significa o termo carne? É um termo muito importante no Novo
Testamento, e é igualmente importante que entendamos claramente o que ele
significa. Há sistemas de teologia que erram principalmente porque nunca
entenderam direito este termo escriturístico "carne". Vocês notam que este termo
é utilizado duas vezes neste versículo três: "Entre os quais todos nós também
antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos
pensamentos". É de imediato evidente que a palavra "carne" é empregada aí pelo
apóstolo em dois diferentes sentidos, doutro modo ele estaria sendo repeticioso.
Emprega "carne" primeiro num sentido geral, e depois num sentido particular.
Assim, é muito importante sabermos a conotação precisa cada vez que ele
emprega o termo.

Esta palavra "carne" é empregada nas Escrituras de quatro principais


maneiras, duas gerais e duas particulares. O que quero dizer é: a palavra
"carne"às vezes é usada nas Escrituras para representar toda a humanidade.
Vejam uma frase como a seguinte: "Toda carne é erva e toda a sua beleza como
as flores do campo" (Isaías 40:6). Carne aí é empregada para abranger a
humanidade inteira, "toda carne". Essa é uma das maneiras, e muito geral.
Todavia, às vezes é empregada também para descrever a cobertura dos nossos
ossos. De que consiste o corpo humano? Bem, há o esqueleto, a estrutura que

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consiste de ossos etc. Mas não se vêem os ossos porque estão cobertos do que
chamamos carne - músculos, gordura, ligamentos etc. Pois o termo "carne" às
vezes é utilizado desse modo. Jó diz: "Em minha carne verei a Deus" (19:26), e
aí ele quer dizer realmente "no corpo". Esses são os dois sentidos gerais.
No entanto, há dois outros sentidos que são mais particulares e mais
espirituais em sua conotação. E estes são importantes para o nosso propósito no
momento. O primeiro é de novo moderadamente geral, ou tem um sentido
moderadamente amplo. "Carne" é empregada pelo apóstolo para indicar algo que
é a completa antítese do Espírito, do Espírito Santo. Háum perfeito exemplo
disso em Gálatas 5:17: "Porque a carne cobiça contra o Espírito (com E
maiúsculo), e o Espírito contra a carne: e estes opõem-se um ao outro", Ali ele
está empregando o termo "carne" num sentido espiritual amplo; representa tudo
que, no homem, é oposto à ação, ao poder e à influência do Espírito Santo, Ora,
isto é tremendamente importante, e, portanto, deixem-me oferecer-lhes mais
definições a respeito. Carne, neste sentido, significa a natureza humana num
estado de pecado, o homem em pecado. Ou vejam uma definição ainda mais
compreensiva de "carne". É a completa natureza do homem sem a graça
renovadora de Cristo; assim, abrange a alma e as faculdades morais e
intelectuais, bem como o corpo. Carne, neste sentido amplo, geral, espiritual, é o
homem em pecado, o homem todo, sem a graça de Cristo. Inclui, portanto, o meu
corpo e as suas funções, a minha mente, os meus afetos, o meu tudo; o homem
total, a totalidade do homem num estado de pecado.
Mas finalmente o apóstolo usa este termo "carne" num sentido espiritual
mais restrito, referindo-se somente ao que se pode denominar a parte sensorial da
nossa natureza, ao corpo, á parte animal da natureza e às manifestações dessa
porção animal. E importante que tenhamos estas quatro definições claramente
em nossas mentes, e especialmente as duas últimas, as que têm referência
espiritual - o homem todo em pecado e, secundariamente, aparte animal do
homem em pecado, aparte corporal do homem, a parte sensorial, sensual do
homem em pecado.
E importante entender isso com clareza porque temos esta palavra "carne"
duas vezes neste versículo três, com o apóstolo usando-a em dois diferentes
sentidos. Bem, alguém dirá, isso não seria embaralhado e confuso? Como posso
saber em que sentido ele a está usando em dado ponto? A resposta é muito
simples. Se você levar em consideração o contexto, jamais errará. Esteja atento
ao contexto, e o contexto o fará acertar. Veja, por exemplo, este caso aqui: "Entre
os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne" - aí está
a realidade toda, o homem completo; particularmente, ele diz: "fazendo a
vontade da carne e dos pensamentos". Agora, neste segundo exemplo, "carne" é
o oposto de "pensamentos" ou "mente", não sendo mais o homem todo. Que é,

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então? Bem, é unicamente a parte corporal do homem, a parte animal da natureza
humana. Vê-se que o contexto dá a resposta. Na primeira vez, carne é geral; na
segunda, é particular, o oposto da mente, do intelecto, da parte superior. Desse
modo, carne em geral cobre os desejos do corpo e os desejos da mente. Sempre
devemos ser cautelosos, observando estas distinções, quando lemos estas Epís-
tolas.
O que o apóstolo está dizendo é que o homem vive sua vida de ofensas e
pecados porque é governado e dominado pelos desejos da carne - carne no
sentido geral. Mas o que quer dizer ele com desejos? Novamente temos um
termo muito importante, trata-se de um forte desejo (ou cobiça). E de fato o
termo não significa mais que isso. O forte desejo pode ser bom ou mau. Há, por
exemplo, uma bem conhecida declaração feita pelo nosso Senhor durante a
última Ceia com os seus discípulos, quando disse: "Desejei muito comer
convosco esta páscoa, antes que padeça" (Lucas 22:15). O termo traduzido por
"desejei muito" é exatamente o que foi empregado no texto que estamos
focalizando. O sentido geral é, pois, forte desejo. Todavia, de novo é evidente
que se vocês prestarem atenção ao contexto, saberão se se trata de um bom ou
mau desejo. Falando de modo geral, nas Escrituras o termo se refere a uma forte
e urgente cobiça de algo vedado ou proibido.
Agora, então, havendo entendido as nossas definições básicas, podemos ver
o homem em pecado, podemos ver os não cristãos, podemos ver o que nós
mesmos éramos antes de Deus, em Sua infinita graça, havemos apreendido,
havemos despertado ehaver nos dado nova vida. Esse é o quadro descritivo do
homem natural, dominado por fortes e urgentes cobiças de coisas que se opõem a
Deus e às Suas santas leis. O apóstolo, porém, tão desejoso está de que captemos
isto com clareza, que não se detém numa declaração geral. Ele quer que vejamos
quão completa é essa corrupção; quer que vejamos e compreendamos como ela
afeta o homem todo e cada uma de suas partes. Quando Adão caiu, caiu o homem
completo; não apenas o seu corpo, mas tudo em Adão caiu, a sua mente, os seus
afetos, a sua vontade; o homem em sua totalidade caiu. Esta é a razão pela qual
tantos, em seus sistemas teológicos, se perdem - porque não compreendem isso;
relacionam o termo unicamente com a parte sensorial da natureza humana e,
portanto, toda a sua perspectiva só pode ser errada. Pensam que podem escolher
a salvação, quase pensam que podem salvar-se a si mesmos, que podem
santificar- -se, e assim por diante. Nunca se deram conta da totalidade da queda
do homem em pecado. O homem todo está envolvido.
O apóstolo no-lo mostra fazendo aqui estas duas importantes subdivisões.
Vocêspercebem como é importante captar isso. Todos nós nos referimos às
vezes a certas pessoas como sendo elas pecadoras. E quando dizemos isso,
pensamos em certa classe de pessoas - pensamos em bêbados, assassinos,

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adúlteros etc. Por outro lado, há gente boa, pessoas excelentes, que nunca se
fizeram culpadas dessas coisas, e nós nunca sonharíamos em dizer que tais
pessoas vivem segundo os desejos da carne. "Desejos da carne", dizemos, "é
claro que lemos sobre eles no jornal. Lá estão, as pessoas que enchem os
tribunais com os seus casos de divórcio." Os desejos dacarne! Mas o ensino do
apóstolo é que todos nós, sem uma só exceção, vivemos por natureza nos desejos
da carne. Não há uma única exceção, desde que Adão caiu. A humanidade inteira
vive nos desejos da carne. Vejamos como o apóstolo demonstra essa verdade.

Primeiramente ele se refere aos "desejos da carne". Que é que ele quer dizer
com desejos aqui? A palavra que ele emprega é diferente de "forte desejo"
(cobiça). Desejo é uma ordem, uma ordem categórica. Vou além, desejo é ter
uma vontade imperiosa que nos incita à ação, que nos leva à ação. Lembro que
uma vez ouvi uma expressão utilizada por uma mãe a respeito das suas filhas, A
pobre mulher não fora muito favorecida com os bens deste mundo e, contudo,
viu certa ocasião as filhas muito bem vestidas, como as demais jovens. Nós
sabíamos que ela realmente não tinha como propiciar-lhes aquele luxo. Algumas
pessoas fizeram observações a respeito e perguntaram como acontecera. A
resposta da senhora foi: "Elas tinham que ter isso". Tinham que tê- -lo! - sem
qualquer argumento. Ela de fato não podia dar-lhes aquilo, porém as filhas
tinham que tê-lo! Isso é desejo, esta ordem imperiosa que vem e à qual não se
resiste. As cobiças da carne manifestam-se nos desejos da carne. Aqui apalavra
carne se refere ao corpo, à parte animal da nossa natureza.
Em que o apóstolo está pensando? Está pensando em fome, sede, sono,
desejo de prazer, desejo de felicidade, desejo de satisfação, sexo, desejo de atrair
e de ser atraente. Ora, todas estas coisas constituemparte essencial da nossa
natureza e estrutura corporal, animal. Há esse lado do homem, e Deus o fez.
Portanto, em si mesmo, é essencialmente bom - a fome, o desejo de comer, de
beber, de folgar, dormir e repousar, o desejo de alegria, felicidade e prazer, o
desejo sexual, o desejo de ser atraente. Vocês vêem esses desejos em toda a
criação animal, nos animais e nas aves. Estão igualmente no homem. E não há
nada de errado nisso. O homem foi feito assim por Deus, e por Ele foi dotado
destes vários instintos, qualidades, faculdades e propensões. São bons, todos
eles. Quando Deus fez o homem, em acréscimo ao restante da criação, olhou
tudo, o homem inclusive, "e viu que era muito bom".
Bem, de que é que o apóstolo está falando? Está descrevendo o homem em
pecado. Como o pecado se mostra? Mostra-se assim: estas coisas que em si
mesmas são retas e boas, de repente assumem o controle, tornam-se imperiosas
em suas exigências, começam a reclamar direitos e impelir-nos. Estou
empregando um termo técnico aqui; os psicólogos falam de "impulsos" que se

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manifestam em toda a vida e existência da pessoa enferma, e é um bom termo. E
um impulso, um poder, umaforça. Vocês vêem o impulso do jogador de golfe, e a
energia, a força que ele emprega; bem, estas coisas começam a impelir-nos, a
impulsionar-nos. Existe um bom termo escriturístico, ainda melhor do que
aquele; a Bíblia fala em "apetite desordenado" (ARA: "paixão lasciva"). Não há
nada errado em você ter fome, mas se você vive para comer, está errado. Se o
desejo por comida o estiver dominando, você estará padecendo de desejos da
carne, e isso é uma manifestação das cobiças da carne. Comer! Beber! Hoje o
povo gosta de falar e escrever
*

a respeito disso. Fulano é um "connaisseur" , pode dar-lhes a idade exata da


garrafa, sabe tudo sobre a vindima! É meticuloso acerca do que bebe com cada
prato! Esse é um desejo da carne. Vocês vêem, o homem não está meramente
bebendo para matar a sede, ou nem mesmo por prazer; não, ele foi mais longe,
aquilo passou a ser um desejo da carne. E isto se aplica ao sono. Todos
precisamos dormir, mas existe isso de ser glutão de sono, e nesse ponto passou a
ser um desejo da carne, e pode arruinar o homem. Igualmente com o prazer: tudo
certo com o prazer, não há nada de errado com o prazer. Mas quando o prazer
começa a dominar e a tornar-se tão importante que você se dispõe a brigar com
outros acerca dele, então é um desejo da carne. Precisaria dizer alguma coisa
sobre o sexo? Deus ordenou o sexo - porém Deus nunca ordenou a prática do
sexo pelo sexo e a moderna sexomania. Deus nunca ordenou o tipo de coisa que
está saltando e brilhando aos nossos olhos todos os dias nos jornais. Não foi isso
que Deus fez; isso é o homem arrancar a sexualidade do seu quadro próprio,
isolá-la, pintá-la, publicá-la em cartazes, resultando em que o sexo passou a
dominar a vida. Os desejos da carne! E exatamente a mesma coisa com o desejo
de atrair, que em si mesmo pode ser plenamente inocente. Não há nada errado em
toda gente desejar parecer bela e atraente; entretanto, quando você começa a ter
toda a sua mente centralizada nisso, e quando você vive para isso, pensa nisso e
fala disso, e gasta com isso muito dinheiro, passou a ser um desejo da carne.
Eu poderia continuar ilustrando o tema interminavelmente. Desenvolvam
vocês mesmos estas coisas. Aí vocês têm os desejos da carne. Estas coisas estão
em nós, estão aí, foram postas aí por Deus; todavia se destinam a ser
subordinadas, a ser mantidas em ordem. A nós cabe estar no comando. O que
aconteceu com o homem é que estas coisas assumiram o comando; tomaram uma
posição de autoridade e nos estão impulsionando e estão nos pressionando.
Todos nós sabemos tudo sobre isso - as solicitações, os desejos que até podem
fazer o homem tremer! O poder disso tudo! "Os desejos da carne"!

- 50 -
Mas esperem, não terminamos ainda. Essa é somente uma subdivisão das
cobiças da carne. Todos estarão dispostos a concordar com o que eu disse até
aqui. "Sim, naturalmente", dizem, "olhem para eles,

*
Expert, conhecedor. Em francês no original. Nota do tradutor.
vejam, que horrível!" Mas meu caro amigo, agora vou mostrar-lhe que, por mais
respeitável que você possa ter sido toda a sua vida, você é igualmente culpado de
viver "nos desejos da carne"; pois estes não se manifestam somente por meio dos
desejos do corpo, e sim, também, vocês percebem, por meio dos "desejos da
mente". Nesse ponto um homem como Charles G.Finney erra em sua teologia.
Ele não reconhece esta verdade. Ele limita tudo ao que eu estive dizendo, e não
percebe que a mesma verdade se aplica à mente, ao intelecto e ao entendimento,
como ao outro aspecto.
Comecemos definindo a palavra "mente". Abrange todo o processo de
pensamento; e inclui aparte emocional, afetiva, bem como aparte puramente
intelectual; todo o processo de pensamento - porque o pensamento não é
puramente intelectual. Todos nós pensamos emoci- onalmente, até certo ponto.
Mesmo o cientista faz isso; é por isso que ele tem os seus preconceitos. Todos
nós pensamos com a totalidade do homem, intelecto e afetos. Os desejos da
mente são, pois, como os desejos do corpo, uma expressão das cobiças da carne.
Como isto se mostra? Posso dar-lhes uma definição geral em termos como estes:
tudo o que tende a controlar, absorver e governar a sua atenção e a sua atividade
é desejo da mente, uma espécie de cobiça da mente. Haveria alguém que precise
ser convencido acerca disso? Haveria alguém que não compreenda que ele tem
tanta dificuldade com sua mente como com seu corpo? Todos nós sabemos das
cobiças do corpo, mas teríamos compreendido a verdade acerca das cobiças da
mente, e como a mente pode arrastar-nos - todo este poder e energia que nela se
exercem?
Consideremos algumas ilustrações. Acho muito difícil sugerir uma
classificação. Tomemos as cobiças da mente em seu nível mais baixo. Ciúme,
inveja, malícia, orgulho, ódio, ira, crueldade; que é que são? Nada mais são do
que a manifestação dos desejos da mente - cada um deles. E vocês vêem entrar aí
o fator cobiça. Vocês não viram gente literalmente estalando de raiva, tremendo
de paixão, com ira e furor? Vocês já viram a malícia e a inveja? Nada as detém -
"Matando Kruger com a sua boca", como diz o poeta. Todas estas coisas são
manifestações dos desejos da mente. Gente que nunca se embriagou ou que
nunca cometeu adultério, muitas vezes se faz culpada destas coisas! São
manifestações das cobiças da carne. E outra maneira como isto se vê comum e
proeminentemente hoje em dia é no que as Escrituras denominam "parvoíces" e
"chocarrices" - o desejo de ser esperto e de dizer coisas inteligentes, e de fazer

- 51 -
rir. Como isso se tornou comum na vida! Gente que nem sonharia em fazer
aquelas outras coisas, vive para este tipo de coisa, para exibir vivacidade,
verbosidade, esperteza. É um "desejo da mente", uma cobiça da mente; é
igualmente cobiça, como a outra. Aí está, no seu nível mais baixo.
Examinemo-lo agora no nível um pouco mais elevado. Vejam a ambição.
Que força impulsora tem! É um poder tão grande como a cobiça do corpo na
parte animal da nossanatureza. A cobiça de riqueza; o desejo de posição; o
desejo de determinado "status" social; o desejo de ser importante na vida; o
desejo de poder; o desejo de sucesso! Mantenham os olhos abertos, mantenham
os ouvidos atentos, leiam as biografias e as autobiografias, e verão que as vidas
de alguns dos homens mais respeitáveis que o mundo já viu foram cheias desta
espécie de cobiça. A ambição, governando e impulsionando; homens gastando
fortunas, nada os detendo em seu afã por um nome ou por reputação. E um
"desej o da mente", é uma verdadeira expressão da cobiça. Ou vejam outro
exemplo, o anseio por algo novo. Vocês recordam daquela esclarecedora frase
sobre os atenienses no capítulo dezessete de Atos, onde nos é dito que "todos os
atenienses e estrangeiros residentes, de nenhuma outra coisa se ocupavam, senão
de dizer e ouvir novidade". Desejo da mente! A inquietação do homem
moderno! - sempre em busca de uma nova emoção, uma nova agitação-e, talvez,
se manifestando particularmente nos mexericos. "Você ouviu esta?" - e logo
entra em ação o tal poder; aquele que falajá está sendo impelido pelo desejo;
sabe algo que outro não sabe. "Você ouviu esta?" Nada mais é que cobiça, e o
mundo inteiro está imerso nisso; é ostensivo, até nos círculos cristãos. Os
mexericos e as conversas governadas pelo desejo de ser importante; sabemos
algo que algum outro não sabe, e ficamos alegres com o fato. E cobiça. Daí a tão
freqüente denúncia do mexerico e desse tipo de conversa no Novo Testamento.
E exatamente do mesmo modo vemos isso na conversa dos vivaldinos, e nos
argumentos e nos debates! Não sei o que vocês sentem enquanto vou passando
esta lista terrível, porém, quando eu estava preparando este sermão, enchi-me de
repulsa e de ódio a mim mesmo. Olhei para trás e pensei nas horas que
desperdicei com mera conversa e argumentação. E tudo com um só fim em mira:
simplesmente vencer em meu caso e mostrar quão vivo eu era. Os outros
participantes da discussões e eu mesmo alegaríamos, suponho, que nós
estávamos interessados na verdade, mas muitas vezes não estávamos; era puro
prazer em argumentar, discutir, criticar e exibir inteligência. E cobiça, é desejo
da mente. Depois, pensem nisso em termos de leitura - leitura de livros, quero
dizer, e de periódicos, etc. Com muita freqüência isto se torna cobiça e, em vez
de pensar, meditar e orar, lemos. Uma das tragédias do mundo moderno é que a
leitura veio a ser um substituto do pensamento, no caso da imensa maioria do
povo. Nesse ponto, é um desejo, uma cobiça; tomou-se uma doença.

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Vocês têm conhecimento disso? Eu poderia falar-lhes muito a respeito. Este
é um dos meios pelos quais isto se mostra. A leitura é uma coisa excelente; nunca
teremos demasiado conhecimento, e devemos ler para termos maior
entendimento e para melhorarmos as nossas mentes. Contudo, vocês sabem, ela
se torna uma cobiça, desta maneira: você começou a ler um livro, e então, de
repente, ouve falar doutro livro e o adquire também. Ainda não acabou de ler o
primeiro, mas começa a ler o segundo. Depois aparece um terceiro, e você passa
a ler três livros! Bem, neste caso é uma cobiça. Você não está mais no controle, a
coisa o dominou, arrastou você, capturou você. E isso pode acontecer em todos
os níveis. Tenho visto gente ler romances exatamente do modo como outras
pessoas tomam drogas. Lembro-me do caso de uma pobre mulher que se podia
ver andando em volta da sua casa com um romance na mão. Mesmo enquanto
cozinhava, continuava lendo o seu romance. Pode parecer algo que faz rir, mas
fico a pensar se não é caso de chorar. Não vejo diferença, em princípio (sem
levar em conta as conseqüências sociais) entre isso e tomar drogas e beber
bebida alcoólica, ou entregar- -se a alguma cobiça do corpo. Não vejo diferença
nenhuma; é igualmente cobiça, porém, é um desejo da mente, não do corpo.
Manifesta-se de algum modo. Depois vocês podem pensar nisso em termos das
pessoas com os seus passatempos, com os seus jogos e com os seus interesses.
Estas coisas são inocentes. Tudo bem com um passatempo, tudo bem com um
jogo desportivo; mas se você vive para isso, não está certo; tornou-se um desejo
da mente.
Passemos ao nível mais alto de todos: a cobiça do conhecimento, a cobiça
da cultura! Literatura, arte, música, teatro, filosofia, todas estas coisas entram.
São boas, porém não se você vive para elas, se elas o dominam, se se tornaram
um compulsão em sua vida, compulsão que você não pode controlar. E não seria
esta a verdade acerca de algumas das pessoas mais respeitáveis do país?
Refiro-me aos que dizem: "Bem, por certo o evangelho da salvação, da
conversão e da regeneração dá certo na zona leste de Londres, mas não na zona
oeste; é bom para os que vivem nas sarjetas e são adúlteros e outras coisas mais,
porém eu nunca fiz...". Lá estão eles, e podem estar ocupando altas posições
acadêmicas nas universidades. Dizem eles: "Certamente eu não precisa passar
por esse renascimento de que você está falando!" A resposta é: "Você precisa,
porqueéumacriaturamarcadaporcobiçascomoqualqueroutra pessoa". E não
importa se a cobiça está na mente, no intelecto, ou se está na parte animal, é
exatamente a mesma coisa, e é igualmente oposta a Deus. E aí está esta cobiça,
esta busca de mais conhecimento pelo conhecimento, e de entendimento; é
penetrante, e percorre a totalidade da vida. Não existe uma pessoa viva que não
seja culpada desta cobiça da carne. Esse é o homem em pecado. O pecado é
assim tão intenso, profundo e penetrante.

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Vocês percebem a importância disso tudo. Posso imaginar certa espécie de
gente dizendo a si mesma o seguinte: "Bem, por certo isso é muito interessante se
a gente está interessado nesse tipo de coisa, mas, afinal, a Inglaterra está
passando por época de crise no momento; e o mundo inteiro, e o seu futuro, está
na mais precária situação. Por que você não fala algo sobre isso? Causará
surpresa a vocês se eu disser que estou pregando sobre isso o tempo todo?
"Como você comprova isso?", dirá alguém. A minha resposta é que se
comprovará quando você entender esta doutrina do pecado e enxergar a extrema
futilidade e fatuidade de só confiar na ação política. Os políticos pensam que este
tipo de situação pode ser resolvida implorando aos homens e às mulheres que se
disciplinem voluntariamente. Devemos comer menos, devemos fumar menos,
devemos importar menos, disciplinando-nos pessoalmente, devemos dar mais
duro no trabalho. Já fizeram esse apelo, mas não parece que tenha sido atendido;
por isso eles aumentaram a taxa das compras. Dizem eles que isso funcionará.
Não obstante, não está funcionando. Por quê? Porque eles nunca se aperceberam
do sentido dapalavracoè/pa. Os homens simplesmente não podem atender
porque são levados por seus impulsos, são cativos. Cobiça é força, é poder.
Aumenta-se o preço, mas eles continuarão a comprar; poderão moderar o vício
de fumar por uma semana ou duas depois de se fazer um orçamento, mas os
estatísticos nos mostram que após algumas semanas tudo volta ao nível anterior.
E isso continuará sendo assim. Por quê? Porque o homem é impulsionado por
desejos, por cobiças. Não consegue impor disciplina a si mesmo.
Posso prová-lo. Se estivermos em meio a uma terrível guerra e de fato nos
virmos lutando pelas nossas vidas, então vocês verão os homens comendo
menos, bebendo menos e se disciplinando de várias maneiras, até certo ponto.
Mas vocês vêem o que acontece; um instinto maior leva de roldão os instintos
menores. O instinto e o desejo de autoconservação põem fora as outras cobiças -
todavia ainda é uma cobiça. Assim é que, no momento em que a crise passa, os
homens caem exatamente onde estavam antes. Toda a falácia do pensamento
meramente político baseia-se na incapacidade de captar a doutrina bíblica do
pecado. Não basta dizer aos homens o que é certo e o que é errado; eles nada
podem fazer porque são escravos e vítimas das cobiças, das paixões e dos
desejos que os dominam.
Há somente uma coisa que pode lidar com esse tipo de situação. É aque
mencionei no começo. É "a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os
que cremos". É o que Thomas Chalmers chamava "o poder expulsivo de um
novo afeto". Assim, se vocês estão pensando simplesmente neste país e numa
crise em particular, o rumo certo para encontrar-se a resposta acha-se nesta
passagem das Escrituras. Mas, além e acima disso, se vocês estão pensando,
como deviam, no fim da sua vida neste mundo e no fim do mundo, em Deus, no

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juízo e na eternidade, bem, então, vocês têm que continuar pensando nisso;
porque naquele estado de cobiça vocês não poderão subsistir diante de Deus e
não poderão fruí-IO. É preciso que vocês sejam libertos deste domínio da cobiça
da carne, que se manifesta nos desejos do corpo e nos desejos da mente. E é
somente o poder de Deus no Senhor Jesus Cristo, mediante o Espírito Santo, que
nos pode libertar. No entanto, bendito seja Deus, que pode, que o faz, que o fará.
Pecado! - ah, as profundezas, a imundície, a fealdade, o poder disso tudo! Há
somente um abrigo seguro, e este é estar sempre olhando para Ele, recebendo da
Sua plenitude, confiando na força do Seu poder. Aí, pois, estamos a salvo.
A IRA DE DEUS
"Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa
carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza
filhos da ira, como os outros também."
- Efésios 2:3

Passamos agora a examinar a declaração final do apóstolo acerca do


homem em pecado; e é que ele está sob a ira de Deus. Noutras palavras, Paulo
fala do pecado, como o pecado afeta a posição do homem diante de Deus. Ele
mostra o que Deus diz, pensa e faz quanto ao homem nas condições que já
consideramos: não se pode contestar de modo algum que este é o aspecto mais
importante do assunto. Os aspectos anteriores são vitalmente importantes, mas
não há nada que seja tão importante como isto. E porque tão constantemente nos
esquecemos desta verdade que o mundo está como está hoje - e de fato a Igreja
está como está. Somos tão autocentralizados e tão preocupados conosco mesmos
que deixamos de lembrar que a coisa mais importante, acima de todas as demais,
é o modo como Deus vê tudo isso. Esse é o assunto de que temos de tratar agora.
O apóstolo se expressa desta maneira: diz ele que todos nós "éramos por
natureza filhos da ira, como os outros também". Temos aqui uma afirmação
dupla. E não há dúvida de que estas duas questões que somos compelidos a
examinar juntas são dois dos assuntos mais difíceis e complexos de toda a gama
e ramo da doutrina bíblica. E por isso que com freqüência elas têm levado à
grande incompreensão e constituem assuntos que muitas vezes as pessoas, em
sua ignorância, não somente deixam de entender, porém também repelem
ferozmente. Não há, talvez, assunto que tenha levado mais vezes pessoas a
falarem - conquanto inconscientemente - de maneira blasfema, do queprecisa-
mente esta matéria que agora vamos considerar. O apóstolo diz duas coisas: que
estamos todos sob a ira de Deus; e, em segundo lugar, que estamos todos sob a
ira de Deus por natureza.

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Por que devemos examinar estas coisas? Pode bem ser que alguém faça
essa pergunta. Por que despendei nosso tempo com um assunto como este, que é
um assunto difícil? Existem muitas outras coisas que no presente são
interessantes e atraem a atenção. Por que não tratar delas? E, em todo caso, no
meio de todos os problemas com os quais o mundo se defronta, por que dar
atenção a algo como este assunto?
Bem, para que não haja alguém que fique agasalhando tal idéia e seja
provocado a fazer tal pergunta, permitam-me aventar certas razões pelas quais
nos convém considerar esta matéria. A primeira é que/az parte das Escrituras.
Está nesta passagem da Bíblia e, como veremos, está em toda parte na Bíblia. E
se considerarmos a Bíblia como a Palavra de Deus, e como a nossa autoridade
em todas as questões de fé e de conduta, não podemos selecionar e escolher aqui
e ali; temos que tomá- -la como é e considerar cada uma das suas partes e
porções.
Em segundo lugar, devemos fazê-lo porque, depois de tudo, o que nos é dito
aqui é uma questão de fato. Não é uma teoria, é uma declaração de fato. Se a
doutrina bíblica da ira de Deus é verdadeira, é o fato mais importante que nos
confronta, a cada um de nós, neste momento; infinitamente mais importante que
qualquer conferência internacional que se realize, infinitamente mais importante
que a questão se haverá uma terceira guerra mundial ou não. Se esta doutrina é
verdadeira, estamos todos envolvidos nela, e dela depende o nosso destino
eterno. E em toda parte a Bíblia declara que ela é um fato.
Outra razão para considerá-la é que todo o argumento do apóstolo é que
nunca poderemos entender o amor de Deus, enquanto não entendermos esta
doutrina. É o meio pelo qual avaliamos o amor de Deus. Fala-se muito hoje
sobre o amor de Deus e, contudo, se verdadeiramente amássemos a Deus, nós o
expressaríamos, nós o demonstraríamos. Amar aDeus não é meramente falar
sobre isso; amar a Deus, como Ele mesmo assinala constantemente em
SuaPalavra, é cumprir os Seus mandamentos e viver para a Sua glória. Aqui o
argumento é que realmente não poderemos entender o amor de Deus, se não o
virmos à luz desta outra doutrina que agora estamos considerando. Assim, desse
ponto de vista, é essencial que o façamos.
Deixem-me expressá-lo desta maneira: o meu parecer é que jamais
poderemos entender verdadeiramente por que foi que o Senhor Jesus Cristo, o
eterno Filho de Deus, teve que vir a este mundo, se não entendermos esta
doutrina da ira de Deus e do juízo de Deus. Como cristãos, cremos que o Filho de
Deus veio a este mundo, que Ele deixou de lado a insígnia da Sua glória eterna,
nasceu como uma criança em Belém e suportou tudo quanto suportou, porque
isso era essencial para a nossa salvação. Mas a questão é: por que era essencial
para a nossa salvação? Por que teve que acontecer tudo isso, antes de podermos

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ser salvos? Desafio a quem quer que queira responder à questão adequadamente
sem levar em conta esta doutrina do juízo de Deus e da ira de Deus. Esta se torna
ainda mais comprovadamente verdadeira quando examinamos a grande doutrina
da cruz e da morte do nosso bendito Senhor e Salvador. Por que Cristo morreu?
Por que teve que morrer? Se dizemos que somos salvos por Seu sangue, por que
somos salvos por Seu sangue? Por que foi essencial que Ele morresse naquela
cruz e fosse sepultado e ressuscitasse antes de podermos ser salvos? Há somente
uma resposta adequada a estas perguntas, e essa é esta doutrina da ira de Deus. A
morte de nosso Senhor não é absolutamente necessária, se esta doutrina não é
verdadeira. Assim, vocês vêem, é um assunto vital para considerarmos.
Finalmente, faço uma colocação de forma muito prática. Esta doutrina é
essencial do ponto de vista de uma verdadeira evangelização. Por que é que
tantas pessoas não crêem no Senhor Jesus Cristo? Por que não são cristãs e
membros da Igreja Cristã? Por que o Senhor Jesus Cristo nem sequer entra em
seus planos? Em última análise, há só uma resposta a essas perguntas: não crêem
nEle porque nunca viram nenhuma necessidade dEle. E nunca viram nenhuma
necessidade dEle porque nunca se deram conta de que são pecadoras. E nunca se
deram conta de que são pecadoras porque nunca compreenderam a verdade
acerca da santidade de Deus e da retidão e justiça de Deus; nunca aprenderam
nada acerca de Deus como o Juiz eterno e acerca da ira de Deus contra o pecado
do homem. Daí vocês vêem que esta doutrina é essecial à evangelização. Se
realmente cremos na salvação e na nossa absoluta necessidade do Senhor Jesus
Cristo, temos que começar com esta doutrina. Aí estão, pois, as razões para que
as consideremos. O apóstolo no-las dá; eu simplesmente as estou repetindo.

Agora examinemos as duas afirmações propriamente ditas. A primeira


coisa que o apóstolo diz é que todos os que nascem neste mundo estão sob a ira
de Deus. Diz ele que todos nós "éramos filhos da ira, como os outros também";
éramos todos filhos da ira, como o restante da humanidade-é o que significa a
expressão "como os outros também". Aqui enfrentamos face a face esta
tremenda doutrina que eu sei muito bem que não somente não é popular no
presente, mas é até odiada e detestada. As pessoas mal podem controlar-se,
quando falam sobre ela. Durante bom número de anos, a idéia moderna é, em
geral, que
Deus é um Deus de amor e que só devemos pensar em Deus em termos de amor.
Falar sobre a ira de Deus, é o que nos dizem, é totalmente incompatível com toda
idéia de Deus como um Deus de amor. Eis como o ponto é colocado: dizem eles
que, naturalmente, essa idéia da ira de Deus provém da antiga idéia de Deus
como uma espécie de Deus tribal. O problema é que ainda há certos cristãos que
acreditam nisso em referência ao Deus do Velho Testamento, que não era nada

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senão um Deus tribal, segundo eles. Os deuses da mitologia eram todos desse
tipo e dessa espécie; exibiam sua ira e seu furor; todavia, naturalmente, sabemos
agora, pelo Novo Testamento e por Jesus, que isso é completamente errado e
completamente falso. Não mais cremos no Deus do Velho Testamento, cremos
no Deus do Novo Testamento, no Deus e Pai de nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo. Vocês conhecem bem o argumento. De fato, alguns vão mais longe e
dizem que foi só no século passado que realmente nos tornamos suficientemente
esclarecidos para entender estas questões, e que até o princípio do presente
século o povo ainda cria na ira de Deus e, portanto, tinha uma concepção
completamente falsa de Deus. Lembro-me de haver lido um livro repassado de
erudição em que o autor afirmou que esta idéia da ira de Deus não era mais que
uma espécie de projeção no caráter de Deus da noção do pai vitoriano típico do
pai austero e repressivo, o qual se impunha forçosamente aos filhos e os
disciplinava severamente e os castigava. A sua opinião era que as pessoas
simplesmente levavam esta idéia e a projetavam em Deus. Ora, isso, sustentava
ele, nada era senão um pouco
depsicologiafalsadaqualjánoslibertamos,eagorasabemosqueaidéia de ira num
Deus de amor é conceito auto-contraditório,
Haveria resposta a tais alegações? Permitam-me pôr fora de ação um
mal-entendido preliminar. Há algumas pessoas que interpretam completamente
mal o termo ira. Pensam em iracomouma manifestação descontrolada de raiva.
Não podem pensar em ira sem ligá-la à idéia de alguém tremendo de furor e roxo
de raiva, alguém que perdeu o domínio próprio, que fala violentamente e age
violentamente. Ora, essa é uma idéia completamente falsa e errônea do
significado de ira. O homem pecador, é verdade, às vezes manifesta a sua ira
dessa maneira, entretanto, nada disso entra no termo como é empregado na
Bíblia com referência a Deus. A ira não é nada mais nada menos que a
manifestação de indignação baseada na justiça. Na verdade, podemos ir além e
asseverar que a ira de Deus, de acordo com o ensinamento bíblico, não é nada
senão o outro lado do amor de Deus. E o corolário inevitável da rejeição do amor
de Deus. Deus é Deus de amor, porém, é também e igualmente Deus de justiça e
retidão; e se o amor de Deus é desdenhado e rejeitado, nada mais resta, senão a
justiça, a retidão e a ira de Deus.
Demonstremos agora a alegação de que esta doutrina é ensinada em toda
parte nas Escrituras. No Velho Testamento pode ser vista bem no começo.
Quando o homem caiu no Jardim do Éden, Deus o visitou, falou com ele e
pronunciou julgamento sobre ele. Expulsou-o do jardim, e às portas do jardim,
ao leste, Ele colocou os querubins e a espada flamejante. Qual o significado da
espada flamejante? Significa justamente que ela é a espada dajustiça de Deus, é a
espada da ira e da punição, punindo o homem pelo seu pecado e tornando

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impossível a ele retornar e comer da árvore da vida a fim de viver para sempre.
Lá, bem no início, está uma manifestação do justo juízo de Deus e da Sua ira
contra o pecado. Isto se vê do começo ao fim, no Velho Testamento: na história
do Dilúvio, na história de Sodoma e Gomorra e nas várias punições impostas aos
filhos de Israel, quer como nação, quer como indivíduos. O Velho Testamento
está repleto disso. Deus deu a Sua lei e declarou que se os homens a quebrassem,
Ele os puniria - Sua ira é isso. E quando eles a quebraram, Ele os puniu. Puniu
indivíduos, puniu a nação, puniu até o Seu povo escolhido. Puniu-os e derramou
a Sua ira sobre eles levantando o exército dos caldeus que invadiu, saqueou
Jerusalém e os levou cativos paraBabilônia. Estafoi uma manifestação da ira e
do justo juízo de Deus. Vê-se isso em toda parte do Velho Testamento; vocês
realmente não podem crer no Velho Testamento, se não aceitam esta doutrina da
ira de Deus.
Passando ao Novo Testamento, apesar de tudo que os críticos modernos
querem fazer-nos crer, a doutrina está presente ali também, em toda parte. O
primeiro pregador do Novo Testamento foi João Batista. Que é que ele dizia?
Dizia: "Fugi da ira vindoura"; "Arrependei- -vos, e cada um de vós seja batizado,
fugi da ira vindoura". Os fariseus vieram para ser batizados por João, e ele os
fitou e lhes disse: "Quem vos ensinou a fugir da ira futura?" (Mateus 3:7). Foi
essa a mensagem que ele destacou. Na verdade era a mensagem do próprio
Senhor Jesus Cristo. Mas, e aí está a coisa mais surpreendente, vemo-la no
versículo geralmente citado como a suprema declaração de Deus como Deus de
amor-João 3:16: "Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho
unigênito". Por que O deu? A resposta é: "para que todo aquele que nele crê não
pereça, mas tenha a vida eterna". A alternativa da vida eterna é perecer. E é João
3:16 que ensina isso. Entretanto, o versículo trinta e seis desse capítulo três de
João é mais claro ainda: "Aquele que crê no Filho de Deus tem a vida eterna;
mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele
permanece". Noutras palavras, todos os homens estão sob a ira de Deus, e se não
cremos no Filho de Deus, a ira de Deus permanece sobre nós. Que é que pode ser
mais claro ou mais explícito? Aí está, no Evangelho Segundo João, o apóstolo do
amor.
O apóstolo Paulo ensina a mesma verdade de maneira igualmente clara.
Pregando em Atenas, diz ele que Deus "tem determinado um dia em que com
justiça há de julgar o mundo, por meio do varão que destinou". Julgamento! A
ira de Deus! Em Romanos 1:18, lemos: "Porque do céu se manifesta a ira de
Deus (já foi revelada) sobre toda a impiedade e injustiça dos homens". Paulo não
tem evangelho sem isso; é por causa da ira de Deus que ele está pregando o
evangelho. Nesta Epístola aos Efésios, que estamos considerando, no capítulo
cinco, versículo seis, vocês têm a mesma coisa: "Ninguém vos engane com

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palavras vãs", diz Paulo; "porque por estas coisas vem a ira de Deus sobre os
filhos da desobediência"! Ainda, fazendo um sumário do seu evangelho aos
tessalonicenses, na Primeira Epístola, no capítulo primeiro e no último
versículo, Paulo afirma que os tessalonicenses foram convertidos a Cristo e O
aguardavam dos céus - para quê? - bem, diz ele, porque Ele "nos livrou da ira por
vir"(VA).
Pode-se achar a mesma idéia na Epístola aos Hebreus, em vários lugares. E
se vocês forem direto ao livro de Apocalipse, a verão ali numa frase deveras
notável. E uma frase acerca da "ira do Cordeiro". Isso parece contraditório,
paradoxal. Vocês pensam num cordeiro em termos de inocência e de
inofensividade. E, todavia, aí está esta frase densa, "a ira do Cordeiro". O
Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo é que haverá de julgar o mundo
com justiça. Fica, pois, mais que evidente que a idéia de que amor e ira são
incompatíveis é uma total negação do claro ensino das Escrituras. De fato, vou
longe a ponto de dizer que, a menos que comecemos com esta idéia da ira de
Deus contra o pecado, não teremos a mínima possibilidade de entender a
compaixão de Deus, não poderemos entender o amor de Deus. Somente quando
compreendo a ira de Deus contra o pecado é que compreendo o pleno significado
da Sua atitude em providenciar um meio de salvação dela. Se não entendo isto,
certamente não entendo aquilo, e toda a minha fala sobre o amor de Deus é mero
e leviano sentimentalismo que, na verdade, é uma negação da grande doutrina
bíblica do amor de Deus.
O ensino do apóstolo é, pois, que, enquanto não crermos no Senhor Jesus
Cristo, estamos sob aira de Deus. E a ira de Deus é uma expressão do Seu ódio
ao pecado, uma expressão dapunição do pecado. Uma clara afirmação neste
sentido é que, se morrermos em nossos pecados, iremos para o castigo eterno.
Esse é o ensino das Escrituras. A ira de Deus contra o pecado manifesta-se
finalmente no inferno, onde os homens e as mulheres continuam fora da vida de
Deus, em miséria e angústia, escravos dos seus próprios desejos e cobiças,
egoístas e egocêntricos. O ensino do apóstolo é que essa é a situação de todos
que não são cristãos. Estão sob a ira de Deus nesta vida, continuarão sob a ira de
Deus na vida por vir. Essa é a situação do pecador, de acordo com as Escrituras.
Se vocês fizerem objeção à idéia, estarão fazendo objeção às Escrituras, estarão
estabelecendo algumaidéiafilosóficaprópriade vocês, contrária ao claro ensino
das Escrituras. Não estarão discutindo comigo; estarão discutindo com as
Escrituras. Vocês estarão discutindo com estes santos apóstolos. Estarão
discutindo com o próprio Filho de Deus.
Se você crê que a Bíblia é divinamente inspirada, não poderá dizer: "Mas eu
não entendo". Não se lhe pede que entenda. Eu não entendo isso, não tenho
apretensão de entendê-lo. Contudo, parto desta base, que a minha mente não só é

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finita, é pecaminosa, porém, além disso, eu não tenho a mínima possibilidade de
entender plenamente a natureza de Deus, e a justiça e a santidade de Deus. Se
vamos basear tudo em nosso entendimento, bem podemos desistir agoramesmo.
Pois aBíblianos diz que "o homem natural" e a "mente natural" não podem
entender as coisas do Espírito de Deus (ver 1 Coríntios, capítulo 2). Foi o desejo
de entender que levou à Queda. O orgulho e arrogância intelectual é o primeiro e
o último pecado. O dever da pregação não é pedir ao povo que entenda; a tarefa
confiada ao pregador é a de proclamar a mensagem. E a mensagem é que todos
estão sob a ira de Deus, até crerem no Senhor Jesus Cristo. Mas de fato devemos
dar mais um passo ainda.

Isso nos leva à segunda questão. Diz o apóstolo que todos nós estamos
nestas condições por natureza - "e éramos por natureza filhos da ira, como os
outros também". Que é que significa a expressão por natureza ? Já mostramos
num estudo anterior desta série que ela só tem um sentido, que é, "por
nascimento". Todos nós éramos por nosso próprio nascimento filhos da ira,
como os outros também. Notem que o apóstolo não diz "nos tornamos" filhos da
ira por causa da nossa natureza; diz ele que "éramos". Noutras palavras, em
harmonia com a Bíblia toda, o apóstolo não ensina que nascemos neste mundo
num estado de inocência e num estado de neutralidade, e que depois, porque
pecamos, nós nos tornamos pecadores e passamos a estar debaixo da ira de Deus.
Não é o que ele diz; ele diz exatamente o oposto. O que diz é que nascemos neste
mundo sob a ira de Deus; desde o momento do nosso nascimento estamos sob a
ira de Deus. Não é apenas uma coisa que nos vai acontecer, tampouco é algo que
só resulta das nossas ações. Há quem ensine isso, mas é flagrante negação, não
somente do ensino desta passagem, porém, como veremos, do ensino
apresentado em toda parte nas Escrituras. O apóstolo não está dizendo que
estamos sob a ira de Deus somente por causa da nossa natureza ou da
manifestação da nossa natureza. Ele afirma que estamos nesta situação "por
nascimento".

Então, que significa isso? Pode-se ver a resposta no capítulo cinco da


Epístola aos Romanos, onde é feita uma argumentação minuciosa e completa, do
versículo doze ao fim do capítulo. Qual é o argumento? Façamos um sumário
dele. Naquele capítulo, a grande verdade que o apóstolo está interessado em
provar é que a nossa relação, como crentes, com o Senhor Jesus Cristo, é
exatamente análoga à nossa relação anterior com Adão. Ele fica repetindo a
comparação, indo e vindo. Fala sobre o que era verdade a respeito de nós em
Adão, e depois mostra o que é verdade a respeito de nós agora, em Jesus Cristo.
Ele começa, no versículo doze, dizendo: "Pelo que, por um homem entrou o

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pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos
os homens por isso que todos pecaram", e assim continua. Qualquer leitura
atenta e despreconcebida desse argumento, que é básico para a doutrina paulina
da segurança, compelir-nos-á a vermos que, através dele todo, o apóstolo nos diz
que a nossa relação com Adão era idêntica à nossa presente relação com Cristo.
Portanto, se crermos que somos o que somos em Cristo por causa do que Deus
nos imputou em Cristo, também temos que crer exatamente da mesma maneirana
verdade correlata, quanto ao que nos foi imputado em Adão. Esse é o argumento.
Entretanto o apóstolo não se contenta com uma afirmação meramente geral a
respeito, também o faz em particular. Permitam-me destacar os versículos
pertinentes. Vejam o versículo doze: "Pelo que, como por um homem entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos
os homens por isso que todos pecaram". A punição do pecado é a morte. Adão
pecou,

"por isso que" - locução pouco usada hoje em dia no sentido de "porque". Cf. ARA, in
loco: "porque". Nota do tradutor.

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e lhe sobreveio a morte, sim, porém não somente a Adão - sobreveio a todos os
homens. Como conseqüência de um só pecado de Adão, a morte passou a todos
os homens. Por quê? A últimaparte do versículo explica: "todos pecaram" em
Adão. Essa é a afirmação que mais adiante exporemos.
Vejam a seguir os versículos treze e catorze desse capítulo. Paulo introduz
uma afirmação num parêntese, começando no versículo treze: "Porque até à lei
estava o pecado no mundo, mas o pecado não é imputado, não havendo lei. No
entanto a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não
pecaram à semelhança da trangressão de Adão". Estaria você tentado a dizer: que
significa isso tudo? Não posso acompanhá-lo, quero um simples evangelho de
conforto. É assim que nos inclinamos a falar, nós que pensamos que porque
vivemos no século vinte somos grandemente superiores a todas as gerações que
viveram antes de nós. Orgulhamo-nos de que somos tão cultos e intelectuais e
capazes de entender grandes coisas, ao passo que as gerações anteriores eram
primitivas. Não percebemos, porém, que o apóstolo Paulo escreveu estas
palavras apessoas que viveram quase dois mil anos atrás, e que ele tencionava
que elas as entendessem. Não estava escrevendo a grandes filósofos; estava
escrevendo a simples cristãos, muitos dos quais eram apenas escravos, e outros
eram soldados da casa de César; e ele tencionava que aquelas pessoas
entendessem estas coisas. Vergonha para nós, cristãos modernos, que
precisamos ser mimados e que só queremos algo agradável, fácil e simples. Se
você não aceita esta doutrina, então, é a Palavra de Deus que você estárejeitando.
Pergunto outra vez: que é que isto significa? Diz Paulo que até à lei o
pecado estava no mundo. A lei foi dada por intermédio de Moisés, vocês se
lembram; todavia houve aquele longo intervalo entre Adão e Moisés,
provavelmente pelo menos um período de quase dois mil e quinhentos anos. Pois
bem, durante todo aquele longo período o pecado estava no mundo, mas, diz ele,
o pecado não é imputado quando não há lei. Noutras palavras, se não há uma lei
para definir o pecado, o pecado não é dado a conhecer ao homem. Cabe à lei dar
a entender o pecado à mente, ao coração e à consciência do homem. Se, por
exemplo, não houvesse leis sobre estacionamento e trânsito, eu e você
poderíamos continuar a praticar coisas errôneas e más, porém, se não houvesse
lei sobre estas questões, não poderíamos ser punidos. É o que ele está dizendo, "o
pecado não é imputado, não havendo lei". "No entanto", diz ele, "a morte reinou
desde Adão até Moisés". Eis o problema: embora a lei não tenha sido dada até o
tempo de Moisés, não obstante, de Adão a Moisés as pessoas morreram. Todos
os que nasceram no mundo morreram. Por que morreram? Que foi que causou a
morte daquelas pessoas, apesar de não haver lei imputando o pecado naquele
período? A resposta do apóstolo é que há somente uma explicação; todos eles
morreram porque foram envolvidos no pecado de Adão. Não há outra

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explicação. A única razão pela qual a morte reinou de Adão até Moisés é que
aquele único pecado de Adão trouxe a morte a toda a sua posteridade. Noutras
palavras, nascemos "por natureza filhos da ira".
Notem então o ponto subseqüente, que é mais extraordinário ainda. Diz ele
que a morte reinou de Adão a Moisés, "até sobre aqueles que não pecaram à
semelhança da transgressão de Adão". Que é que isso pode significar? Significa
que a morte reinou até sobre as pessoas que realmente não cometeram um ato de
pecado como fez Adão quando caiu. Quem eram? E há só umarespostapossível:
eram crianças que morreram na infância. Todos os outros homens pecaram.
Todos os que viveram, desde Adão, cometeram atos deliberados de pecado. Os
únicos que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, que não pecaram
deliberadamente, são as crianças demasiado novas para exercerem a sua vontade
por serem incapazes de usar a consciência. A morte reinou, diz Paulo, de Adão
aMoisés, até mesmo sobre as crianças pequenas. Porque estas morrem? Há
somente umaresposta. Morrem porque a transgressão de Adão as envolve. "A
morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não pecaram à
semelhança de Adão."
Contudo, passando ao versículo quinze, lemos: "Mas não é assim o dom
gratuito como a ofensa. Porque, se pela ofensa de um morreram muitos", Aí está
de novo. Depois ele volta a atenção para o outro lado, acerca de Jesus Cristo. No
versículo dezesseis temos: "E não foi assim o dom como a ofensa, por um só que
pecou". E então: "Porque o juízo veio de uma só ofensa, na verdade, para
condenação, mas o dom gratuito veio de muitas ofensas parajustificação". O
juízo, acondenação, foi por um só; o pecado de Adão trouxe isto sobre toda a
humanidade. Entretanto, inversamente, diz ele, muitos pecados são perdoados
segundo a justiça de Um, Jesus Cristo. Depois, mais uma vez, no versículo
dezoito: "Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens
para condenação". Não seria tão explícito quanto possível? "Assim como por
uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens" - sem exceção - "para
condenação." Nascemos "filhos da ira". E finalmente, no versículo dezenove:
"Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos
pecadores". Eu, vocês e toda a humanidade fomos feitos, ou, como diz uma
tradução mais precisa, "constituídos" pecadores por aquele pecado de Adão.
Esse é o ensino. Todos nós somos "por natureza filhos da ira, como os outros
também".

Ah, dirá você, não entendo isso, não posso compreender isso, parece-me
quase imoral. Claro que você não o entende. Quem pode entender tais coisas?
Não é questão de entendimento, a questão é se você crê nas Escrituras ou não.
Pois o apóstolo diz exatamente a mesma coisa em 1 Coríntios, capítulo 15,

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aquele grande e maravilhoso capítulo que se lê nos funerais. "Porque, assim
como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo",
e assim por diante. É precisamente o mesmo argumento. É a base da fé crista.
Quer entendamos quer não, é a verdade. Você tem que explicar a universalidade
do pecado; tem que explicar a universalidade da morte, e especialmente a morte
de crianças. E esta é a resposta bíblica. Adão era toda a humanidade e
representava a humanidade toda. Ele foi o nosso cabeça federal. Assim como o
Senhor Jesus Cristo é o representante de todos os que são salvos, assim como a
Sua justiça nos é imputada, igualmente Adão foi o nosso representante e o seu
pecado nos é imputado. Nele nós caímos, nele e por causa da sua ação sofremos
a condenação eterna. Exatamente da mesma maneira, os que crêem em Cristo
são redimidos por Ele, são salvos nEle e são justificados nEle, por causa da Sua
ação a nosso favor. Esse é o argumento. Se você crê por um lado, acerca de
Cristo, terá que crer por outro, acerca de Adão. Se negar este, estará virtualmente
negando aquele.
Portanto, sejamos cautelosos. Não existe nada mais trágico do que o modo
como muitos cristãos introduzem as relíquias das suas filosofias e do seu
entendimento pessoal na fé cristã. Muitos que afirmam que crêem na Bíblia, e
que reconhecem a sua autoridade, rejeitam-na neste ponto porque não gostam da
doutrina, ou porque não conseguem conciliarcertasquestões.Masaconciliação aí
está, diante de nós. Apesar de estarmos mortos em ofensas e pecados, odiosos e
odiando uns aos outros, corrompidos pelo pecado, pecadores na prática, vivendo
em delitos e pecados e sob a ira de Deus, e absolutamente desamparados e sem
esperança, o mesmo Deus contra quem pecamos, o mesmo Deus que ofendemos,
providenciou o caminho da libertação para nós. Ele o fez na Pessoa do Seu
bem-amado Filho, que Ele não poupou do sofrimento, da agonia e do opróbio do
Calvário e daquela morte cruel. Ele nos ofereceu e nos provê o caminho da
completa libertação e reconciliação conSigo, a despeito do fato de que o nosso
pecado em Adão, os nossos próprios pecados, e o nosso estado pecaminoso só
merecem a Sua ira eterna. Esse é o amor de Deus! Esse é o "admirável amor,
divinal"! Deus fez por nós, que nada merecemos senão a ira eterna, o que nós
mesmos jamais conseguiríamos fazer.
Queira Deus, em Sua graça, habilitar-nos a receber estas coisas, para que
possamos considerar o próximo versículo com o seu glorioso "mas". Apesar de
ser verdade quanto a nós tudo o que estivemos considerando, "Deus, que é
riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando
nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo".
Bendito seja o nome de Deus!

- 65 -
A MENSAGEM CRISTÃ PARA O
10
MUNDO
"Mas Deus . . . " - Efésios 2:4

Agora passamos a examinar duas palavras maravilhosas - "Mas Deus".


Obviamente estas palavras sugerem uma conexão com algo que as antecedeu. A
palavra "mas" é uma conjunção e, contudo, sempre sugere contraste, e aqui
temos a conexão e o contraste. Vejam estas palavras no seu contexto: "E vos
vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desobediência. Entre os quais todos nós
também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne
e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também.
Mas Deus..,".
Com estas duas palavras chegamos à introdução da mensagem cristã, a
mensagem peculiar e específicaque a fé cristã tem para oferecer- -nos. Num
sentido, estas duas palavras contêm, em si e por si, a totalidade do evangelho. O
evangelho nos fala do que Deus fez, da intervenção de Deus; é algo que vem
inteiramente de fora de nós e exibe para nós aquela maravilhosa, espantosa e
assombrosa obra de Deus que o apóstolo vai descrever e definir nos versículos
seguintes.
Veremos agora estas palavras somente de maneira geral. Faço isso por
diversas razões. Uma é que o próprio texto nos impele a fazê-lo, mas há também
certas razões especiais. Uma acusação freqüentemente lançada contra a
mensagem cristã, especialmente contra a modalidade evangélica dessa
mensagem, é que ela é distante da vida, que é irrelevante para as circunstâncias
imediatas nas quais os homens e as mulheres se acham. Noutras palavras, há, da
parte de alguns, uma objeção ao método expositivo de pregar o evangelho; é que
esta nunca parece enfrentar de fato as realidades da situação na qual os homens e
as mulheres se vêem dia a dia, e que é irrelevante para toda a situação mundial
em que nos achamos. Desejo, pois, mostrar que esta acusação é inteiramente
infundada; e mais, que a idéia de que o dever da pregação é apenas fazer
referências tópicas aos eventos contemporâneos é, na verdade, num sentido,
abandonarcompletamente amensagem cristã. Eu iria mais longe, ao ponto de
dizer que não há nada que realmente possa lidar com a situação contemporânea,
salvo as Escrituras, quando as suas doutrinas são entendidas, recebidas com fé e
aplicadas.

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E o que me proponho a fazer agora. Quero mostrar a relevância do
evangelho num dia como o Domingo da Rememoração, quando, quase
instintivamente, e por certo em conseqüência do que está acontecendo no mundo
em que vivemos, as nossas mentes são compelidas a encarar a situação geral e a
pensar nela, além das nossas situações particulares. E afirmando, como afirmo,
que o evangelho trata com a totalidade do homem e com a totalidade da sua vida
neste mundo, é importante que vejamos o que ele tem para dizer sobre a situação
em que nos achamos, e o que ele pretende fazer a respeito. Notem que o que eu
estou ressaltando é a importância absoluta do método. Os que não pensam de
maneira bíblica e cristã, e são muitos, acreditam que a tarefa da Igreja Cristã em
dias como os atuais é, por exemplo, anunciar temas como, "A Conferência de
Genebra - Possibilidades", e depois dizer o que achamos que os estadistas
deviam fazer. Isso, ao que me parece, é inteiramente falso e contrário ao método
bíblico. O método bíblico é, antes, expor a verdade de Deus, e depois mostrar a
relevância disso para qualquer situação. Vocês não partem da situação, terminam
com ela. Desde o início a Bíblia nos convida a parar de olhar ao nível horizontal,
por assim dizer, a parar de olhar meramente para o mundo e para os homens;
convida-nos, logo no começo, a elevar os olhos e olhar para Deus. Noutras
palavras, toda a argumentação apresentada naBíblia, do princípio ao fim, é que
não nos será possível entender a vida, o homem e o mundo, enquanto não virmos
tudo à luz da verdade acerca de Deus, e nesse contexto. Portanto, devemos
começar com a verdade de Deus, e só então passar à situação imediata.
Procuremos mostrar como éfeito isso, ecomo isso éfeito naprópria
passagem que estamos considerando. Já consideramos em detalhe os três
primeiros versículos deste capítulo, e o fizemos para que nos víssemos como
somos por natureza e como o mundo é por natureza. Vocês não poderão começar
a resolver os problemas da humanidade enquanto não souberem a verdade acerca
do homem. Quão fútil é tentar fazê-lo sem isso. Vocês têm que começar com o
caráter, a natureza, o ser do homem. Em vez de começar com conferências e
discursos internacionais sobre eventos contemporâneos, necessitamos ir muito
mais a fundo e perguntar: pois bem, que tipo de criatura é o homem?
Obviamente, todas as nossas conclusões e todas as nossas propostas vão ser
governadas pela resposta a essa pergunta. Se o homem de fato é essencialmente
uma boa criatura que só necessita de um pouco mais de instrução, de
conhecimento e de informação, é óbvio que o tratamento será relativamente
simples. Mas se é verdade o que o apóstolo Paulo diz aqui sobre o homem como
ele é por natureza, e sem Cristo, então é igualmente óbvio que esse processo de
tratamento será inteiramente vão, e tentar realizá-lo será pura perda de tempo.

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Temos que começar com esta doutrina. Qual é a verdade sobre o homem em
pecado? Que é que caracteriza o homem quando está em pecado, sem a graça de
Deus? Já examinamos esta matéria. O homem está morto espiritualmente; é
governado pelo diabo, que opera mediante poderosas forças a seu comando que,
por sua vez, produzem e dominam a mente e a perspectiva do mundo. Essa é a
situação do homem. E o resultado é que o homem, dominado por esse mau
poder, leva uma vida de ofensas e pecados; na verdade, ele nasceu de tal
maneira, por ser descendente de Adão, que a sua própria natureza é decaída. Ele
começa com uma natureza corrompida. E, finalmente, ele está sob a ira de Deus.
Essa é a declaração do apóstolo nos três primeiros versículos.
Qual será então a relevância disso tudo para a presente situação? Que é que
isso nos diz, face a toda a situação mundial na época atual? E evidente que
facilmente se pode deduzir várias coisas deste ensino.
A primeira é que aqui nos é dada a única explicação adequada da razão da
ocorrência de coisas como as guerras. Por que as temos? Por que o homem
comete essa loucura cabal? Por que será que os homens se matam uns aos outros,
e até se gloriam da guerra? Por que será? Qual a explicação? Há somente uma
resposta; é porque o homem é como o apóstolo o descreve. E este ensino não é só
do apóstolo Paulo. Vocês recordam como Tiago se expressa a respeito no
capítulo quatro da sua Epístola: "De onde vêm as guerras e pelejas entre vós?" - e
responde: "dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam". Essa é a
causa da guerra. É o homem em sua condição decaída. Agora, a compreensão
desta verdade, deste fato, é absolutamente vital para nós, como ponto de partida.
Esta é a verdade quanto às nações, quanto às classes, quanto aos indivíduos.
Certamente nada é tão esclarecedor e contraditório como a forma pela qual os
homens pensam quando pensam em nações, e a forma inteiramente diversa
quando pensam em indivíduos. Pouco vale falar eloqüentemente sobre o caráter
sagrado dos contratos internacionais, quando vocês estão lidando com gente que
rompe os seus contratos matrimoniais e outros contratos pessoais, pois as nações
consistem de indivíduos. A nação não é algo abstrato, e não temos direito de
esperar de uma nação uma conduta que não vemos no indivíduo. Todas estas
coisas têm que ser vistas em conjunto.
Este é um princípio que atua na sociedade inteira, do fundo ao topo, do
indivíduo à nação, ao continente, ao mundo todo. De acordo com a Bíblia, a
explicação do estado do mundo é que o homem é governado por estes desejos da
carne e da mente. Ele não está muito interessado em se uma coisa é certa ou não;
está interessado no fato de que ele a quer, gosta dela e tem que tê-la.
Naturalmente recuamos aterrorizados quando uma nação se porta dessa maneira.
Quando Hitler invade e anexa a Áustria, ficamos horrorizados. Sim, as pessoas
que fazem as mesmas coisas em sua vida pessoal, ficam horrorizadas. Fazem a

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mesma coisa no que se refere à esposa alheia; fazem a mesma coisa no que se
refere ao cargo ou posição ou ocupação de outrem. E exatamente a mesma coisa.
Aí está, pois, o princípio. E esta cobiça, que governa a humanidade. "Andastes
segundo o curso deste mundo", diz o apóstolo. "Andávamos nos desejos da nossa
carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos", "da mente". Portanto, a
primeira dedução é que aqui, e somente aqui, temos adequada explicação e
entendimento da razão pela qual as coisas são como são.
A segunda dedução segue-se logicamente. E que, enquanto o homem
continuar sendo governado dessa maneira, o mundo continuará sendo como é.
Certamente isso é óbvio. Se o estado do homem foi responsável pela história do
passado, é óbvio que, enquanto o homem não mudar, a história do futuro não
mudará. Aqui nos confrontamos e entramos em colisão com o otimismo do
homem natural, que está sempre tão seguro e confiante em que, de um modo ou
de outro, em nossa geração consertaremos tudo. Ele acha que, ao passo que todas
as gerações que nos antecederam falharam, estamos numa situação diferente,
numa situação superior. Temos boa educação e somos instruídos; temos
conhecimento, ao passo que ei as não o tinham; progredimos tanto que só temos
que ter sucesso; vamos ter sucesso. No entanto, se vocês crêem nesta doutrina
bíblica do homem em pecado, hão de logo ver que isso é uma falácia fatal. Se os
nossos problemas são devidos às cobiças que há na humanidade em pecado e que
dominam os homens, enquanto elas permanecerem haverá guerras. Sobre isso
temos ensino específico que nos vem de nosso bendito Senhor, que disse:
"Haverá guerras e rumores de guerras". Disse Ele também: "Como aconteceu
nos dias de
Noé, assim será também nos dias do Filho do homem"; "Como também da
mesma maneira aconteceu nos dias de Ló" - em Sodoma - "assim será" (Lucas
17:26-30). Desse modo o nosso Senhor via a história.
Se captarmos este ensino, ficaremos livres, uma vez por todas, do falso
entusiasmo e das falsas esperanças dos homens que realmente acreditam que,
introduzindo alguma nova organização, pode-se banir a guerra e eliminá-la para
sempre. A resposta da Bíblia é que não se pode fazer isso enquanto o homem não
nascer de novo. Isso é deprimente? Contesto dizendo que, se é deprimente ou
não, não deve ser essa a nossa preocupação; o que deve constituir a nossa
preocupação é conhecer a verdade. O homem moderno se diz realista. Ele se
opõe ao cristianismo porque, segundo ele, o cristianismo não enfrenta os fatos.
Não é realista, diz ele; é sempre "castelos no ar", e vocês vão para os seus
templos e lá se fecham, e não encaram os fatos da vida. Contudo, quando lhe
damos os fatos, ele contesta sobre o fundamento de que eles são deprimentes. Os
otimistas políticos e filosóficos é que não são realistas; as pessoas que nunca
encararam os fatos acerca do homem em pecado é que estão fechando os olhos e

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dando as costas para a realidade. A Bíblia enfrenta isso tudo; tem uma visão
realista da vida neste mundo e somente ela a tem.

Examinemos agora o ensino direto, específico do evangelho, Que é que a


mensagem cristã tem para dizer acerca deste estado e desta condição,
cujaexplicação estivemos considerando? A resposta é que ela diz: "Mas Deus".
Essa é a mensagem. Que significa? A maneira mais conveniente de analisar esta
matéria é colocá-la primeiro em termos negativos, depois em termos positivos.
Lamento ter que começar outra vez com um argumento negativo. Devo fazê-lo
porque não poucos se esquecem destes aspectos negativos, e assim transmitem
mensagens que não têm a mínima possibilidade de ser consideradas cristãs. E,
contudo, costumam ser transmitidas em nome do cristianismo e da Igreja Cristã.
Estou profundamente convencido de que o que está mantendo grande número de
pessoas longe de Cristo e da salvação, e da Igreja Cristã, é esta terrível confusão
da qual a própria Igreja foi, e é, tão culpada. Muitos estão fora da igreja hoje
porque na primeira guerra mundial muitas vezes a Igreja Cristã se tornou uma
espécie de escritório de recrutamento. Os homens se escandalizaram- e num
sentido tiveram razão em escandalizar-se. Existem certas coisas que nunca
deveriam ser confundidas. Notemos algumas delas.
Que é esta mensagem cristã? Iniciamos dizendo que ela não é um grande
apelo em prol do patriotismo. A mensagem cristã não é isso. A mensagem cristã
não denuncia o patriotismo, nem afirma que há algo de errado nele. Merece dó
quem não ama o seu país, a sua nação. Não há nada nas Escrituras contra isso. Foi
Deus que dividiu as nações e definiu os seus limites e a sua habitação. E da
vontade de Deus que existam nações. Mas não éda vontade deDeus que
existanacionalismo, um nacionalismo agressivo. Não há nada de errado em um
homem honrar o seu país e alegrar-se nele; porém é completamente anti-cristão
dizer: "Estou com o meu país, esteja ele certo ou errado". Isso é sempre um erro,
um erro fatal; é a completa negação do ensino das Escrituras. Vejam o grande
apóstolo que escreveu esta Epístola aos Efésios. Aí está um homem que era
judeu, e se alguma vez houve um homem orgulhoso da sua nacionalidade, foi o
apóstolo Paulo - "Hebreu de hebreus, da tribo de Benjamim...". Houve tempo em
que ele era um nacionalista rígido e desprezava os demais. Os gentios eram cães,
estavam fora do pacto das bênçãos. Mas aquilo em que ele se gloria nesta
Epístola, vocês recordam, é esta, "em que vós também confiastes" (VA). Os
gentios entraram, foram feitos "co-herdeiros" com os judeus, a parede de
separação que estava no meio foi derrubada. "Não há grego, nem judeu,
circuncisão, nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo
em todos" (Colossenses 3:11). Essa é a posição cristã. "Mas Deus...". Aí está o
meio de se derrubar o espírito nacionalista que leva à guerra. Acreditar que

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estamos sempre certos e que todos os outros estão errados é tão errôneo nas
nações como o é nos indivíduos. E sempre errôneo. A mensagem cristã não é
simplesmente um apelo a favor do patriotismo. E se o cristianismo for retratado
dessa forma, será uma negação, uma máscara da mensagem, e será enganoso aos
olhos e ouvidos dos que o ouvirem.
Mas, em segundo lugar, a mensagem cristã não é apenas um apelo para a
coragem, ou para o heroísmo, ou para a manifestação de um grande espírito de
sacrifício próprio. Falemos disso com clareza. O cristianismo não condena a
coragem, não condena o sacrifício próprio, nem o heroísmo. Estas qualidades,
estas virtudes não são especificamente cristãs. São virtudes pagãs, e eram
ensinadas, inculcadas, admiradas e elogiadas antes da vinda do Senhor Jesus
Cristo a este mundo. A coragem era a virtude suprema, de acordo com os
filósofos pagãos gregos; era a quintessência do estoicismo. E por isso
consideravam a mansidão, a mansidão ensinadapela fé cristã, como fraqueza.
Não havia nenhum vocábulo para mansidão na filosofia grega pagã. Coragem,
força, poder - essas eram as coisas em que eles acreditavam. É por isso que,
vocês se lembram, Paulo nos diz que a pregação da cruz era "loucura para os
gregos". Que alguém que foi crucificado em fraqueza deva ser o nosso Salvador,
e deva ser o caminho para a salvação, para eles era absurdo e ridículo. Eles não
davam nenhum valor à mansidão e à humildade; a coragem, a força e o heroísmo
eram as grandes virtudes. E, pois, muito importante que compreendamos que não
faz parte da mensagem cristã exortar o povo à coragem, ao heroísmo e ao
sacrifício próprio. Não há nada de especificamente cristão nessas idéias. O
cristianismo não as condena, mas não é essa amensagem cristã. E o ponto que
estou acentuando aqui é que quando isso foi apresentado como sendo a
mensagem cristã, confundiu as pessoas e levou apropria divisão que o evangelho
se destinava a curar.
Pois bem, passemos à terceira questão. Há muitas pessoas que parecem
pensar que a mensagem cristã consiste simplesmente em apelar para que o
mundo ponha em prática os princípios cristãos. Isso éapenas a posição pacifista,
assim chamada. Ora, dizem eles, vocês, cristãos, estão sempre pregando sobre
salvação pessoal e sobre doutrinas e tudo mais; por que não fazem algo acerca
das guerras? Muito bem, dizemos nós, que é que vocês querem que façamos? O
que vocês têm que fazer, replicam eles, é dizer às pessoas que pratiquem o
Sermão do Monte. Por que não lhes dizem que voltem a outra face e amem uns
aos outros e assim por diante? Então se daria fim às guerras. Vocês têm a
solução; tão- somente façam as pessoas porem em ação os princípios do ensino
de Cristo. Qual é a resposta para isso? A resposta é o ensino dos três primeiros
versículos deste capítulo dois da Epístola de Paulo aos Efésios. Vocês podem
pregar o Sermão do Monte a pessoas que estão mortas "em ofensas e pecados"

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até ficarem exaustos e nem vocês nem elas ficarão mais sábios. Elas não
conseguem praticá-lo. Não querem fazê-lo. São "inimigos e estranhos em suas
mentes". São governadas por "cobiças". Fazem "a vontade da carne e dos
pensamentos". É isso que as governa e as dirige. Como podem praticar o Sermão
do Monte?
Há somente uma esperança para o homem em pecado, Paulo declara - "Mas
Deus". Os homens precisam ser regenerados; precisam receber uma nova
natureza antes de poderem entender o Sermão do Monte, sem falar em poderem
começar a pô-lo em prática. Assim, será um arremedo da mensagem cristã falar
dela como se fosse apenas um apelo dirigido aos homens para que se levantem e
sigam a Cristo com as suas próprias forças, e ponham em ação princípios cristãos
de ensino. E um simulacro do evangelho, da mesma forma que o é a pregação do
patriotismo e do imperialismo. É igualmente não cristão. E de fato uma perigosa
heresi a, a antiga heresia pelagiana, porque não compreende que o homem, sendo
o que é em pecado, absolutamente não pode executar tal ensino. Esperar conduta
cristã depessoas ainda não cristãs, é perigosa heresia. Vocês vêem quão
importante é o nosso ensino, e como é essencial que falemos com clareza sobre a
fiel aplicação da mensagem cristã ao mundo moderno. É por isso que não
gastamos o nosso tempo falando sobre conferências internacionais e sobre
política e relações internacionais, ou sobre conflitos industriais, ou pregando
sempre sobre a questão do pacifismo e contra a guerra nuclear. Fazê-lo seria
simples perda de tempo - embora provavelmente atraísse publicidade. O que é
necessário é quecomecemos com este princípio fundamental, a doutrina do
homem em pecado, em sua condição de morto, em sua desesperança, em seu
desamparo completo.
Para resumir até aqui, o princípio negativo é que amensagem cristã, o
evangelho cristão, não tem nenhuma mensagem direta para o mundo, exceto
dizer que o mundo, como é, está sob a ira de Deus, isto é, está sob condenação, e
que todos os que morrerem neste estado irão para a perdição. A única mensagem
da fé cristã para o mundo incrédulo, em primeiro lugar, é simplesmente acerca
do juízo, um apelo para o arrependimento, e dar-lhes a segurança de que, se se
arrependerem e forem convertidos a Cristo, serão libertos. Portanto, a Igreja, a fé
cristã, não tem nenhuma outra mensagem para o mundo fora dessa.

Mas a Bíblia ensina também, com bastante simplicidade e clareza, que,


conquanto seja essa a mensagem de Deus para o mundo incrédulo, Deus, não
obstante, fez algo com relação a esse mundo incrédulo. Eis o que Ele fez em
primeiro lugar: colocou um comando sobre o poder do pecado e do mal. Ele o
fez da seguinte maneira: como já lhes fiz lembrar, Ele dividiu os povos do
mundo em nações. Não somente isso, Ele ordenou que houvesse Estados e

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governos. Ele ordenou "as potestades que há". "As potestades que há", diz Paulo
em Romanos, capítulo 13, "foram ordenadas por Deus"; seja rei ou imperador ou
presidente de uma república, "as potestades que há foram ordenadas por Deus".
Foi Deus que ordenou os magistrados e lhes deu a espada do poder. Por que?
Simplesmente para manter as manifestações do mal dentro de limites e sob
controle. Pois, se não tivesse feito isso, se aos desejos que agem em todos nós por
natureza e pela herança de Adão fosse permitido se manifestarem ilimitada e
desconsoladamente, o mundo seria um inferno e há muito se teria lançado na
perdição e se teria destruído a si mesmo. Deus pôs um limite nisso. Pôs um limite
até para o mal e o mantém dentro dele, e o restringe. Realmente o apóstolo, numa
declaração deveras extraordinária, registrada em Romanos (capítulo 1,
versículos 18ss.), prova o ponto dizendo que, às vezes, para Seus fins e
propósitos, Deus retira parcialmente essa restrição. Diz ele que Deus "os
entregou a um sentimento perverso". Há tempos e ocasiões em que Deus parece
afrouxar a restrição que Ele impôs ao pecado e ao mal a fim de que o vejamos em
todo o seu horror. Pode bem ser que estejamos vivendo um tal período. Mas é
isso que a Bíblia nos diz sobre o que Deus faz diretamente quanto ao homem em
pecado; Ele controla as manifestações de sua natureza torpe, má e decaída. Essa
é a mensagem geral.
Todavia, qual é a mensagem particular? É isso que o apóstolo está
interessado em salientar acima de tudo neste parágrafo imediato. A mensagem
para indivíduos é que podemos ser libertos do presente mundo mau, que
podemos escapar da condenação que certamente virá sobre este mundo. Essa é a
mensagem que o apóstolo pregava. E uma mensagem para indivíduos. Ela não
diz que o mundo pode ser endireitado se tão-somente pusermos em prática o
ensino cristão; não se trata de um apelopara que as pessoas se reformem e façam
isto ou aquilo. Não, é uma mensagem que afirma que, como resultado do que
Deus fez em Jesus Cristo, Seu Filho, o nosso Senhor e Salvador, nós, que
estávamos na própria tessitura desse mundo pecaminoso, condenado, podemos
ser libertos dele - "O qual se deu a si mesmo por nossos pecados", diz ele aos
gálatas, "para nos livrar do presente século mau". O mundo está condenado, o
mundo vai ser destruído e punido, o diabo e todas as suas forças vão para a
perdição, e todos os que pertencem a esse reino sofrerão a mesma punição. No
entanto, individualmente, a mensagem do evangelho aos homens e mulheres é
que eles não necessitam ter participação nisso. Vocês podem ser tirados disso -
"do reino das trevas", do poder de satanás, para Deus. Essa é a mensagem para
homens e mulheres individuais. O mundo continuará como está, mas vocês
podem ser libertos dele, podem ser retirados dele.
Não somente isso; também podemos ser introduzidos num reino que não é
deste mundo e tornar-nos seus cidadãos. A medida que percorrermos este

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capítulo, veremos Paulo elaborar bem as suas próprias palavras. O que é
maravilhoso, diz ele, é que vocês, gentios, estão em Cristo, e, graças ao Seu
sangue, se tornaram concidadãos dos santos; tornaram-se cidadãos do reino de
Deus, do reino de Cristo, do reino da luz, do reino dos céus - um reino que não é
deste mundo, reino inabalável, reino imutável. Esse é o reino no qual entramos.
Esta é a notíciamais emocionante que umapessoapoderiareceber.
Atualmente somos cidadãos deste país, nossa terra natal, e estamos todos
envolvidos no que acontece com este país. Se este país entrar em guerra, todos
nós estaremos envolvidos. Não escapamos das bombas na última guerra mais
que qualquer outra pessoa por sermos cristãos. Estamos todos envolvidos, somos
cidadãos deste mundo ecompartimos o destino deste mundo. Mas, graças a Deus,
eis aqui algo diferente. Conquanto continuemos sendo cidadãos deste mundo,
nós nos tornamos cidadãos doutro reino, deste outro reino que foi aberto para nós
por Cristo - um reino espiritual, reino que não é deste mundo, eterno nos céus
com Deus. Esse é o ensino desta mensagem. "Mas Deus...".

A doutrina se desenvolve naprática da seguinte maneira: se eu creio nesta


mensagem, doravante não vou fixar as minhas esperanças, nem pousar os meus
afetos de modo final em nada deste mundo. O homem natural faz isso, é claro;
ele prende as suas esperanças a este mundo e sua mente, sua perspectiva, seus
estadistas, sua mentalidade, seus prazeres, suas alegrias. Ele vive para este
mundo, e nele são centralizadas todas as suas esperanças, e nele estão todos os
seus afetos. O cristão não é assim. O cristão, havendo sido levado a ver que este
mundo está fadado à ruína, que está sob a ira de Deus, fugiu da "ira futura". Ele
creu no evangelho, entrou neste outro reino, e agora as suas esperanças e seus
afetos estão postos lá, não aqui. O cristão é alguém que, para usar uma frase das
Escrituras, sabe que é apenas "um estrangeiro e peregrino" neste mundo. E mero
viajor, já não vive para o mundo; ele não e enganado pelo mundo, vê além dele.
É apenas alguém que está em viagem, um viajor, e, como o coloca Tiago
(capítulo 4), o cristão é alguém que se deu conta de que não passa de "um vapor",
um sopro. Por isso não considera permanente este mundo; não faz os seus planos
e diz, agora vou fazer isto ou aquilo. Nada disso! Em vez disso, ele diz: "Se o
Senhor quiser..."; tudo sob Deus, e o cristão compreende como tudo aqui é
contingente. Ele não põe mais a sua fé e os seus afetos neste mundo.
Todavia, mais maravilhoso ainda! O cristão não é apanhado de surpresa
por coisa alguma que aconteça neste mundo, Por isso eu disse anteriormente que
não conheço nada que seja tão relevante para as circunstâncias deste mundo
como este evangelho. O cristão nunca fica surpreso com as coisas que acontecem
no mundo. Ele está preparado paratudo, estápreparadoparaqualquer coisa, Não
se surpreende quando irrompe uma guerra. Naturalmente o não cristão,

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especialmente o idealista, fica muito surpreso. Ele de fato cria, no fim da
primeira guerra mundial, que a Liga das Nações ia abolir a guerra para sempre.
Havia muitos que acreditavam que o Pacto de Locarno, de 1925, finalmente ia
fazer isso, e estavam muito alegres. Estavam confiantes em que nunca mais
haveria uma guerra como a de 1914 - 18. E quando começou a guerra de 1939,
eles não sabiam como explicar o fato. Mas o verdadeiro cristão, sabedor de que o
homem é uma criatura governada por cobiças,
equeacobiçasempreproduzguerra,sabiamuitíssimo bem que nenhum Pacto de
Locarno nem qualquer outra coisa poderia abolir ou eliminar a guerra. Sabia que
a guerra poderia surgir a qualquer tempo, e quando ela veio ele não ficou
surpreso. Como o Salmo 112 o expressa no versículo sete: "Não temerá maus
rumores; o seu coração está firme, confiando no Senhor". Crendo como cremos
nesta doutrina bíblica do homem em pecado, jamais devemos surpreender-nos
com o que acontece no mundo. Vocês estão surpresos com todos os assassinatos,
roubos, violência, assaltos, mentira, ódio, carnalidade e sexualismo? Vocês se
surpreendem quando vêem os seus jornais? Não deveria acontecer isso, se vocês
são cristãos. Deveriam esperar isso. O homem em pecado necessariamente se
comporta desse modo; não pode conter- se, ele vive, anda em ofensas e pecados.
Ele o faz individualmente, e o faz em grupos; portanto, haverá conflitos e
desentendimentos industriais, e haverá guerras. Ah, quepessimismo!-exclamará
alguém. Eu digo: não, que realismo! Encarem isso, estejam preparados para isso,
não esperem nada melhor de um mundo como este; é um mundo decaído,
pecaminoso, ímpio, mau; e, enquanto o homem continuar em pecado, é assim
que será. E hoje é como nos dias de Sodoma e Gomorra, e como na época do
Dilúvio!
Mas, graças a Deus, ainda não terminei. Continuo e digo que o cristão é
alguém que, compreendendo que vive em tal mundo, e que, não tendo nenhuma
ilusão acerca dele, não obstante sabe que está ligado a um Poder que o habilita,
não somente a suportar o que quer que lhe venha num mundo como este, porém,
de fato o capacita a ser "mais que vencedor" sobre essa realidade toda. Ele não
apenas o suporta passivamente, não meramente o tolera, não somente o
"agüenta" e exercita a sua coragem. Não, isso é estoicismo, é paganismo. O
cristão, estando em Cristo, o cristão, sabendo algo do que o apóstolo chama "a
sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos", é fortalecido, é
habilitado a suportar; seu coração não fraqueja, ele não é derrotado, de fato é
capaz de regozijar-se nas tribulações. Que o mundo faça com ele o pior, que o
inferno seja solto, ele é mantido firme. "Esta é a vitória que vence o mundo, a
nossa fé" (1 João 5:4). Assim é que, se as coisas se tornarem realmente
impossíveis, o cristão tem recursos, ainda terá conforto e consolações, ele ainda
tem um poder que os incrédulos ignoram.

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Finalmente, o cristão está absolutamente seguro e certo de que, façam o
mundo e os homens o que fizerem, ele está a salvo nas mãos de Deus. "Com
confiança ousamos dizer", dizem as Escrituras: "O Senhor é o meu ajudador, e
não temerei o que me possa fazer o homem" (Hebreus 13:6). Na verdade ele sabe
que o homem, em sua malignidade, pode insultá-lo, pode perseguí-lo, pode
arruiná-lo, pode até destruir o seu corpo; mas também sabe que nada jamais será
capaz de separá-lo "do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor"
(Romanos 8:39). Ele sabe que, seja o que for que aconteça neste mundo limitado
pelo tempo, ele é filho de Deus, herdeiro da glória. Verdadeiramente ele sabe que
virá o dia em que este presente mundo pecaminoso será resgatado inteiramente, e
haverá "novos céus e nova terra em que habita a justiça" (2 Pedro 3:13). O cristão
pode olhar para o futuro e ver que, num glorioso dia no porvir, quando o seu
corpo será renovado e glorificado, quando o seu corpo não mais será fraco, não
mais estará sujeito à doença, à velhice, a nenhum mal, quando será um corpo
glorificado como o de Cristo ressurreto - ele sabe que, neste corpo glorificado,
andará na face desta mesma terra, na qual o mal, o pecado e toda infâmia serão
eliminados pelo fogo de Deus. Habitará num mundo perfeito, do qual o
Cordeiro, o Filho de Deus, é aLuz e o Sol, o Esplendor e a Glória, e o desfrutará
para todo sempre. E isso que a mensagem cristã, a fé cristã tem para dizer a este
vil, perplexo, infeliz, confuso e frustrado mundo moderno. Tudo vem destas
doutrinas essenciais que só podem ser aprendidas neste Livro, que é a Palavra de
Deus. Aí está o mundo! - "Mas Deus...".
EM CRISTO JESUS
"Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com
que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou,
juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente
com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar
nos séculos vindouros as abundantes riquezas de sua graça pela sua
benignidade para conosco em Cristo Jesus." - Efésios 2:4-7

Já examinamos esta majestosa e emocionante declaração de maneira mais


ou menos geral. Observamos como o apóstolo a introduz, e especialmente a
palavra Mas, que introduz o ponto de transição do desamparo e desespero do
homem em pecado para a esperança e consolação do evangelho. Esta é a única
esperança; fora dela não há absolutamente nenhuma esperança. Quando nos
vemos numa condição inteiramente perdida e perigosa, de repente nos chega esta
mensagem, inesperada e surpreendentemente, de uma esfera diferente, que nos
impulsiona a levantar os nossos rostos. Além disso, a suagrande ênfase é que foi
Deus que fez isso. Foi quando estávamos mortos e não podíamos fazer nada, que

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Deus fez o que somente Ele podia fazer. É o poder de Deus. Vemos também aí,
com muita clareza, o contraste entre Deus e nós: Ele é rico em misericórdia, tem
grande amor por nós, Sua graça é sobremodo rica, e a Sua disposição para
conosco é sempre bondosa e benigna.
Mas o apóstolo não se contenta em meramente introduzir o evangelho e em
meramente pintar estes contrastes extraordinários e maravilhosos. Também está
desejoso de que tenhamos clara idéia do feito grandioso que Deus realizou por
nós. Que é que pode ser mais maravilhoso do que o modo como, ao vermos como
somos em pecado, reagimos a este bendito "Mas"? Todavia, não devemos ficar
simplesmente admirados e espantados, devemos aprender e compreender
exatamente o que Deus fez por nós. Por isso o apóstolo expõe isso diante de nós
em detalhe. Há um sentido em que podemos dizer acertada e verdadeiramente
que temos aqui uma das declarações mais profundas com respeito à condição e à
situação do cristão que se pode achar em qualquer parte das Escrituras. O que
aconteceu é que, "estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou
juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente
com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus".
Pois bem, há, obviamente, algumas observações preliminares que se deve
fazer sobre uma declaração como essa. A primeira que me sinto constrangido a
fazer é que isto é cristianismo verdadeiro; essa é a própria essência do
cristianismo, e nada menos que isso. O que estas palavras descrevem é o centro
vital de toda essa matéria. É o que Deus fez para nós e por nós, e não
primariamente algo que tenhamos feito. Noutras palavras, o cristianismo não
significa apenas que eu e vocês tomamos uma decisão. Naturalmente isso está
incluído, mas não é a essência do cristianismo. As pessoas podem decidir parar
de fazer certas coisas e começar a fazer outras; isso não é cristianismo. As
pessoas podem acreditar que Deus lhes perdoa os seus pecados; porém, isso, em
si, não é cristianismo. A essência do cristianismo é a verdade que temos aqui - e
este é o fato real, e nada menos que isso é o fato real.
Gostaria de acentuar também que isto é verdade quanto a todos os cristãos.
Mais adiante veremos que aqui nos defrontamos com o maravilhoso ensino e
doutrina acerca da união do cristão com o Senhor Jesus Cristo. Com efeito, há
certas escolas de pensamento cristão que têm feito grande dano nesteponto,
dando-nos a impressão de que se trata de algo a que somente certos cristãos
chegam, de que se você realmente se entregar ao cultivo da vida cristã, poderá
esperar chegar finalmente a esta união com Cristo. É óbvio que eles pensam que
existem muitos cristãos que ainda não ocupam estaposição e que precisam ser
exortados e concitados e estimulados a lutar até alcançarem essa condição. Ora,
isso está inteiramente errado, é inteiramente falso. Você não pode ser cristão, de

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modo nenhum, sem a verdade que estamos examinando agora; é esta verdade
que nos faz cristãos; sem ela não estamos na posição cristã absolutamente.
Portanto, é importante que entendamos imediatamente que de fato estamos
tratando aqui de algo que é básico e fundamental e primordial. Ao mesmo tempo,
naturalmente, a doutrina é tão gloriosa e grandiosa que inclui a totalidade da vida
cristã. A vida cristã é um todo, e você tem, por assim dizer, o todo no início, e
depois passa a apropriar-se de suas várias partes e a entendê-lo cada vez mais.
Isto é cristianismo, que "estando nós ainda mortos em nossas ofensas, Deus nos
vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou
juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus".
Que acontece, pergunto, quando nos examinamos à luz dessa declaração?
Poderíamos dizer que sempre pensamos a nosso respeito como cristãos nestes
termos? Seria como eu penso de mim como cristão? Ou ainda me inclino a
pensar em mim como cristão nos termos daquilo que estou tentando fazer,
lutando para fazer, e daquilo em que estou tentando me tornar ou que estou
tentando fazer de mim mesmo? Ora, isto é evidentemente básico, porque toda
ênfase do apóstolo aqui é que a coisa primordial, a primeira coisa, é esta que
Deus faz para nós, não primariamente o que eu e você fazemos pessoalmente.

Há duas maneiras de examinar esta grande declaração. Há alguns que têm


uma idéia puramente objetiva dela. Pensam nela exclusivamente em termos da
nossa situação, ou da nossa posição, na presença de Deus. O que quero dizer é
que eles pensam nela como sendo algo que, num sentido, já é verdade a nosso
respeito em Cristo, mas não é verdade a nosso respeito na prática. Consideram
esta como uma declaração do fato de que após a morte ressuscitaremos e
participaremos da vida da glória que está à espera de todos os que estão em
Cristo Jesus. Afirmam que a verdade é que o Senhor Jesus Cristo já ressuscitou
dos mortos; Ele foi vivificado quando estava morto na sepultura, foi
ressuscitado, apareceu a certas testemunhas, subiu ao céu e está na glória, nos
lugares celestiais. Pois bem, dizem eles, isso aconteceu com Ele, e, se crermos
nEle, acontecerá conosco. Eles afirmam que essa verdade quanto a nós é pela fé
agora, porém realmente só pela fé. Não é real em nós agora, é inteiramente real
nEle, mas se tornará real em nós no futuro. Pois é isso que eu considero uma
idéia puramente objetiva desta declaração. E, naturalmente, como declaração,
está perfeitamente certa, exceto que não vai suficientemente longe. Tudo isso é
verdade quanto a nós. Chegará a hora em que todos nós, cristãos, seremos
ressuscitados, a menos que o nosso Senhor volte antes de morrermos. Os nossos
corpos serão transformados e glorificados; e nós viveremos e reinaremos com
Ele, e entraremos em Sua glória e dela participaremos com Ele. Isso é
perfeitamente verdadeiro.

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No entanto, me parece que interpretar esta declaração unicamente dessa
maneira é interpretá-la de maneira gravemente errônea. E isso eu posso provar.
Há dois argumentos que a tornam uma interpretação completamente inadequada.
O primeiro é que todo o contexto aqui é experimental. O apóstolo não está tão
interessado em lembrar a estes efésios algo que lhes irá acontecer; o seu grande
interesse aqui é lembrá- -los do que já lhes aconteceu, e da sua posição atual. E
importante que sempre levemos conosco o contexto. O interesse do apóstolo,
mostrado em toda esta declaração, é que podemos conhecer "a sobreexcelente
grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do
seu poder, que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos". Noutras
palavras, ele está orando no sentido de que estes efésios tenham os olhos do seu
entendimento iluminados de tal modo que possam saber o que Deus está fazendo
por eles agorav nesse exato momento, não alguma coisa que Ele vai fazer no
futuro. E importante termos claro entendimento sobre a morte, para que
percamos o medo da morte, para que estejamos tão certos da ressurreição e da
nossa glorifi- cação que possamos sorrir em face da morte; está certo, entretanto
não é isso que o apóstolo está ensinando aqui. Ele está interessado em que eles
apreciem agora, em meio a todas as suas dificuldades, aquilo que é a concreta
verdade a respeito deles.
Contudo, há uma prova mais forte, parece-me, no versículo cinco. Diz o
apóstolo que, "estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou com
Cristo", e então, entre parêntesis, "(pela graça sois salvos)". Ele diz, noutras
palavras: o que estou falando é sobre a sua salvação neste momento. "Pela graça
sois salvos" significa "pela graça vós jáfostes salvos". Esse é o tempo verbal,
"fostes salvos". Evidentemente é algo experimental. É algo subjetivo, não
puramente objetivo. A tragédia é que muitas vezes as pessoas colocam estas
coisas como elementos opostos, ao passo que, na realidade, as Escrituras sempre
mostram que ambas as coisas devem andar juntas. Há um lado objetivo da minha
salvação, mas, graças a Deus, há também um lado subjetivo. Eum erro ensinar,
como o moderno movimento bartiano tende a ensinar, que tudo é objetivo, que
tudo está em Cristo e que em mim não há absolutamente nada. Isso me parece um
grave erro, porque as Escrituras, felizmente para nós, sempre acentuam o
experimental, o pessoal, o subjetivo, o que eu desfruto aqui e agora. Minha
salvação não está completa e exclusivamente em Cristo; uma vez que eu estou
em Cristo, ela está em mim também.
É isso que o apóstolo está desejoso de que entendamos. Noutras palavras,
esta realidade deve ser interpretada espiritual e objetivamente, deve ser
entendida experimentalmente. O que Deus fez por nós espiritualmente, diz o
apóstolo, é comparável ao que Ele fez ao Senhor Jesus Cristo no sentido físico
quando O ressuscitou dentre os mortos e O levou para Si para que Ele Se

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assentasse nos lugares celestiais. Devemos retornar ao fim do capítulo primeiro.
O poder que está operando para conosco e em nós, os que cremos, é o mesmo
poder que Deus "manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e
pondo-o à sua direita nos céus, acima de todo o principado, e poder, e potestade,
e domínio, e de todo nome que se nomeia, não só neste século, mas também no
vindouro; e sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o
constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que
cumpre tudo em todos". Agora, diz Paulo, quero que vocês saibam que
exatamente o mesmo poder que fez isso está operando em vocês espiritualmente.
Isso, então, nos capacita a dizer tudo o que aconteceu conosco, se somos cristãos,
aconteceu por esse mesmo poder de Deus. Todos os tempos verbais que o
apóstolo emprega justamente nestas palavras que estamos estudando estão no
passado; ele não diz que Deus vai nos ressuscitar, vai nos vivificar, vai fazer-nos
sentar nos lugares celestiais; ele afirma que Ele já o fez, que quando estávamos
mortos Ele nos vivificou. E o tempo aoristo, o passado, é algo que se completou,
e uma vez por todas já foi feito. Assim é que temos que dizer de nós mesmos,
como cristãos, que fomos vivificados, fomos ressuscitados, e estamos sentados
nos lugares celestiais.
Ou, talvez, numa colocação melhor, possamos dizer - e seguramente é o
que o apóstolo tinha em mente - que a situação do cristão é exatamente o oposto
da situação do não cristão. O não cristão é alguém que está morto em ofensas e
pecados, está sendo levado de acordo com o curso deste mundo, de acordo com
o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da
desobediência; ele vive segundo os desejos da carne, fazendo a vontade da carne
e damente; ele está, por natureza, sob a ira de Deus. Esse é o não cristão. E o
cristão, que é? O exato oposto disso - vivificado; vivo; ressurreto; sentado nos
lugares celestiais; inteiramente diferente, contraste completo. O "mas" assina- -a
em toda parte este aspecto de contraste. E, obviamente, não poderemos entender
verdadeiramente a nossa posição como cristãos, se não compreendermos que é
um completo contraste com o que éramos antes. Vocês vêem como, na
interpretação das Escrituras, é importante tomar tudo em seu contexto. Temos
que ter claro entendimento acerca do nosso estado em pecado porque, se não,
jamais teremos claro entendimento acerca do nosso estado na graça e na
salvação.

Se essa é a verdade acerca de nós como cristãos agora, há duas importantes


questões que devem ocupar a nossa atenção. Eis a primeira: como foi que tudo
isso nos aconteceu? Como foi que isso passou a ser verdade a meu respeito
como cristão? O apóstolo responde: é "juntamente com Cristo". Vocês notam
sua ênfase constantemente repetida? - "quando estávamos mortos em pecados,
vivificou-nos junto com

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Cristo, ressuscitou-nos juntos e nos fez sentar juntos nos lugares celestiais em
Cristo Jesus" (VA). Aqui sem dúvida nos vemos face a face com uma das mais
grandiosas e mais maravilhosas doutrinas cristãs, uma das mais gloriosas, fora
de toda e qualquer contestação. Trata-se do ensino completo das Escrituras com
respeito à nossa união com Cristo. É um ensino que vocês encontrarão em
muitos lugares. Remeto-os ao capítulo cinco da Epístola aos Romanos, que, de
muitas maneiras, é a mais extensa exposição da doutrina. Mas igualmente ela
pode ser encontrada no capítulo seis da Epístola aos Romanos. Também se
encontraem 1 Coríntios, capítulo 15, o grandioso capítulo freqüentemente lido
nos funerais; todavia igualmente se vê em 2 Coríntios, capítulo 5. Similarmente
o ensino se acha naquelas belas palavras do fim do capítulo dois daEpístola aos
Gálatas-"Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive
em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual
me amou, e se entregou a si mesmo por mim". Esta é a coisa mais maravilhosa e
mais espantosa, e, para mim, é sempre uma questão que me causa grande
surpresa que esta bendita doutrina receba tão pouca atenção. Por uma outra razão
o povo cristão parece temê-la. Não tenho dúvida que é principalmente pela razão
que já dei, que o ensino católico (seja romano ou anglicano ou de qualquer outro
tipo) sempre propenso a dar a impressão de que esta é uma realização final do
místico, a meta suprema do maior santo, mas nada tem a ver com o resto de nós,
cristãos comuns. A nossa réplica é que, de acordo com este ensino, em Efésios,
capítulo 2 e noutros lugares, vocês não são cristãos enquanto não estiverem
unido a Cristo e "nele". Esta doutrina da nossa união com Cristo não deveria vir
no fim da doutrina cristã, deveria vir no início, onde o apóstolo a coloca.
Que significa estarmos unidos a Cristo? Esta expressão é empregada em
dois sentidos. O primeiro é o que se pode chamar sentido federal, ou, noutras
palavras, sentido pactuai. Esse é o sentido do capítulo cinco de Romanos,
versículos 12-21. Adão foi constituído e considerado por Deus como o chefe e o
representante da raça humana; ele foi o chefe federal, o representante federal, o
cabeça pactuai. Deus fez uma aliança com Adão, fez um acordo com ele, fez
certas declarações a ele quanto ao que Ele pretendia fazer, e assim por diante.
Pois bem, esse é o primeiro sentido em que é ensinada esta doutrina da união. E,
portanto, o que se diz acerca do Senhor Jesus Cristo é que Ele é nosso Chefe
Federal, nosso Representante. Adão, o nosso representante, rebelou-se contra
Deus; pecou e foi punido, e certas conseqüências se seguiram. Mas devido Adão
ser o nosso representante e o nosso chefe ou cabeça, o que aconteceu com Adão
aconteceu por isso com toda a sua posteridade e conosco,
Ora, esse é um aspecto da questão, e muito importante. Conhecemos algo
sobre isso na vida e no viver comum. O embaixador deste país num país
estrangeiro representa todo o país, e se envolve em ações nas quais nos

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envolvemos, queiramos ou não. Como cidadãos deste país nós todos sofremos as
conseqüências de resoluções que foram tomadas, até mesmo antes de nascermos.
Vocês não podem abstrair-se de sua nação, estão federalmente envolvidos nas
atividades da sua nação, e o que o líder ou o representante oficial de uma nação
faz impõe-se a todos os cidadãos dessa nação. Muito bem, essa é a verdade com
relação a Adão. Também é a verdade com relação ao Senhor Jesus Cristo. Adão
foi o primeiro homem; Jesus Cristo é o segundo homem. Vocês têm o primeiro
Adão; vocês têm o último Adão. Agora, de acordo com este ensino, Jesus Cristo
é o representante desta nova humanidade; e, portanto, o queEle fez e o que Ele
sofreu é algo que se aplica à totalidade desta nova raça que veio a existir nEle.
Dessa maneira, deve-se pensar na união do crente com Cristo em termos desse
sentido federal.
Mas a coisa não fica nisso. Há outro aspecto da união, que podemos chamar
místico ou vital. É algo que o nosso Senhor ensinou pessoalmente, nas famosas
palavras do capítulo quinze do Evangelho Segundo João, onde Ele diz: "Eu sou a
videira verdadeira, vós as varas". A união entre as varas e a videira não é
mecânica, é vital e orgânica. Estão unidas; a mesma seiva, a mesma vida no
tronco e nos ramos. Contudo, essa não foi a única ilustração utilizada. No final
do capítulo primeiro desta Epístola Paulo diz que a união entre o cristão e o
Senhor Jesus Cristo é comparável à união das diversas partes do corpo com o
corpo todo, e especialmente com a cabeça. Pois bem, qualquer dos meus dedos é
parte vital do meu corpo. Não foi simplesmente amarrado nele; há uma união
viva, orgânica, vital. O sangue que corre através da minha cabeça, corre através
dos meus dedos. Isso indica uma espécie de unidade interna essencial, e não uma
união meramente federal ou legal ou pactuai. Há, de fato, mais uma ilustração
empregada nesta Epístola aos Efésios, no capítulo cinco, onde se nos diz que a
união entre a Igreja e Cristo, e, portanto, entre todo membro da Igreja e Cristo é
comparável à união entre um marido e sua esposa - "ambos serão uma só carne".
Essa união é mística. Essa é a união entre Cristo e a Igreja.
Todas estas bênçãos que usufruímos tornaram-se nossas porque estamos
ligados a Cristo dessa maneira dupla - de maneira forense, federal, pactuai,
porém também desta maneira vital e viva. Podemos afirmar, pois, que o que
aconteceu com Cristo aconteceu conosco. Este é o mistério e amaravilha danossa
salvação, e é a realidade mais gloriosa que jamais podemos contemplar. O Filho
de Deus, a Segunda Pessoa da Deidade eterna, desceu do céu à terra; assumiu a
nossa natureza humana, compartilhou da natureza humana; e como resultado da
Sua obra, nós, seres humanos, compartilhamos da Sua vida e estamos nEle, e
somos participantes de todos os benefícios que dEle vêm. Meus amigos, eu os fiz
lembrar-se logo no princípio, e devo repeti-lo, que o cristianismo é isso, e nada
menos que isso. E se não compreendemos isso, eu pergunto: que é o nosso

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cristianismo? Isto não é algo a que você chega, é algo com que você começa.
Você não obtém nenhumbenefício de Cristo, a não ser em termos da sua união
com Ele - "todos nós recebemos também da sua plenitude", diz João, "e graça por
graça" (João 1:16).

Ora, neste ponto, o apóstolo está primariamente interessado em salientar o


aspecto positivo disso tudo, e não o negativo. Ele tratará do aspecto negativo um
pouco mais adiante, neste capítulo. Mas, necessariamente, é preciso ter em
mente o negativo também. No entanto, o que o apóstolo está primariamente
interessado em salientar é que, ao passo que estávamos mortos, agora estamos
vivos. A pergunta que surge de imediato é: como é que isto pode acontecer? Algo
precisa acontecer antes que nós, que estamos mortos e sob a ira de Deus,
possamos passar a estar vivos. Não posso auferir nenhum benefício, de espécie
alguma, enquanto não se faça algo para satisfazer a ira de Deus, pois não apenas
estou morto e não apenas sou uma criatura de desejos e domínios pelo deus deste
mundo, eu estou sob a ira de Deus - "éramos por natureza filhos da ira, como os
outros também". E, graças a Deus que alguma coisa aconteceu! Cristo tomou
sobre Si a nossa natureza, levou sobre Si os nossos pecados, foi ao local de
punição; a ira de Deus foi derramada sobre Ele. Esse é todo o significado da Sua
morte na cruz, é o pecado sendo punido, é a ira de Deus se manifestando contra o
pecado. E se não vemos isso na cruz do Calvário, estamos olhando para aquela
cruz sem os olhos do Novo Testamento. Há nesse terrível aspecto da cruz, e nós
nunca devemos esquecê-lo. Jamais devemos esquecer o brado de desamparo:
"Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?" Isso aconteceu porque Ele
estava experimentando a ira de Deus contra o pecado, nada menos que isso. Mas
aqui o apóstolo está muito mais interessado em acentuar o aspecto positivo.
Cristo não somente morreu e foi sepultado; Ele ressuscitou. Deus agiu
"resuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o à sua direita nos céus, acima de todo
o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia".
Tudo isso envolveu uma vivificação, uma ressurreição e uma exaltação. E a
mesmacoisa, diz o apóstolo, é verdade anosso respeito, porque estamos em
Cristo - "nos vivificou juntamente com ele". Isto aconteceu com todo aquele que
é cristão. E ação de Deus. Certamente isto não requer nenhuma demonstração. O
homem que está morto em pecados e sob a ira de Deus, que pode fazer? Nada.
Deus o faz para ele, Deus o vivifica. Como Ele vivificou o corpo morto do Seu
Filho no túmulo, assim Ele nos vivificou espiritualmente.
Que é que significa "vivificar"? Significa "tornar vivo", significa "infundir
vida". Então, a primeira coisa que é verdadeira quanto ao cristão é que ele
chegou ao fim da sua morte - estávamos mortos em ofensas e pecados, não
tínhamos nascido espiritualmente. Não há nenhuma centelha divina em ninguém

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que nasceu neste mundo; todos os nascidos neste mundo, porque são filhos de
Adão, nascem mortos, nascem mortos espiritualmente.
Todaessaidéiadeumacentelhadivina remanescente no homem é uma contradição,
não somente nesta passagem das Escrituras, mas de todas as Escrituras. A
situação de todos os que nascem neste mundo é a de um morto. A comparação
utilizadapara ilustrar este fato é o corpo morto do Senhor Jesus Cristo, sepultado
numa tumba e com uma pedra rolada sobre a boca da tumba. Esta é, po.s, a
primeira verdade positiva. Cheguei ao fim da minha morte. Não mais estou
morto em ofensas e pecados, não mais estou morto espiritualmente. Por quê?
Porque morri com Cristo; morri com Cristo para a lei de Deus e para a ira de
Deus.
Ora, o cristão é alguém que tem que afirmar esta verdade. O princípio do
cristianismo é dizer: "Portanto agora nenhuma condenação há para os que estão
em Cristo Jesus" (Romanos 8:1). O cristão não é alguém que está esperando ser
perdoado; não é alguém que espera que finalmente será capaz de satisfazer as
exigências da lei e de estar na presença de Deus. Se é um cristão que entende o
cristianismo, ele diz: já estou lá, não estou mais morto, estou vivo, fui vivificado,
vida me foi dada. E o primeiro aspecto importante dessa declaração é o negativo,
que afirma que não estou mais morto. Deixei de ser morto; estou morto para o
pecado, estou morto para a lei, estou morto para a ira de Deus. "Portanto agora
nenhuma condenação há." Você pode dizer isso? E a declaração que todo cristão
deveria ser capaz de fazer. E se você não tem essa segurança, é simplesmente
porque você não entende as Escrituras. As Escrituras fazem esta asserção
definida: não sou cristão, não posso ser cristão sem estar em Cristo. Segue-se
que, se estou em Cristo, o que é verdade a respeito dEle é também verdade a meu
respeito. Ele morreu uma vez para o pecado, e eu, nEle, morri uma vez para o
pecado. Quando o Senhor Jesus Cristo morreu naquela cruz no Monte Calvário,
eu estava morrendo com Ele tão definida e certamente (e ainda mais) como sou
responsável pelas ações da Grã-Bretanha, por exemplo, na China, no último
século, quando a sua gente introduziu lá, vergonhosamente o comércio do ópio.
Embora eu não o tenha feito pessoalmente, embora tenha sido feito antes de eu
nascer, sou responsável porque sou britânico, e me sinto responsável e sinto
vergonha. Exatamente da mesma maneira, quando Cristo morreu na cruz e
sofreu a ira de Deus contra o pecado, eu estava participando nisso; eu estava
nEle, eu estava morrendo com Ele. Estou morto para a lei, estou morto para a ira
de Deus, eu posso dizer com Augustus Toplady:
Os terrores da lei, os terrores de Deus Comigo nada têm, nada podem fazer-me;
A obediência e o sangue do meu Salvador Escondem da visão as minhas
transgressões.

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Mais que isso, porém, Ele nos vivificou, Ele nos tornou vivos; e se você está
vivo, não está mais morto. Uma coisa ou outra - você não pode esperar tornar-se
vivo; ou está vivo ou está morto. Você está espiritualmente morto, ou está
espiritualmente vivo?
Mas examinemos o caso mais profundamente. Quer dizer que Deus
colocou um novo espírito de vida em mim. "A lei do Espírito de vida, em Cristo
Jesus, me livrou da lei do pecado e da morte." "A lei do Espírito de vida, em
Cristo" está no cristão. Isto é o oposto da morte e da inércia. Antes de entrar em
nós este espírito de vida em Cristo Jesus, estávamos mortos em ofensas e
pecados, e sujeitos a um espírito muito diferente - "o príncipe das potestades do
ar, o espírito que agora opera nos filhos da desobediência". Todavia a verdade já
não é essa. Há um novo espírito de vida.
Que é "vivificação"? Vivificação é regeneração, e nenhuma outra coisa.
Quando o apóstolo diz aqui, "Vos vivificou", ele quer dizer, Ele vos regenerou;
Ele vos deu nova vida, nascestes de novo, fostes criados de novo, vós vos
tornastes participantes da natureza divina. Que é regeneração? Não posso pensar
numa definição melhor do que esta: regeneração é um ato de Deus pelo qual um
novo princípio de vida é implantado no homem, e a disposição dominante da
alma é tornada santa. Isso é regeneração. Significa que Deus, por Sua ação
poderosa, põe nova disposição em minha alma. Notem que digo "disposição",
não faculdades; o de que necessita o homem não são faculdades; necessita é de
uma nova disposição. Qual a diferença, vocês perguntarão, entre faculdades e
disposição? Pode-se dizer que é algo assirm a disposição é aquilo que determina
a tendênciae ouso das faculdades. Éa disposição que governa e organiza o uso
das faculdades, que faz de um homem um músico, de outro um poeta e de outro
alguma outra coisa. Assim, a diferença entre o pecador e o cristão, entre o
incrédulo e o crente, não é que o crente, o cristão, tem certas faculdades que
faltam ao outro. Não, o que acontece é que esta nova disposição dada ao cristão
dirige as suas faculdades de maneira inteiramente diversa. Não lhe é dado um
novo cérebro, não lhe é dadaumanova inteligência, ou alguma outracoisa, Ele
sempre teve essas coisas; são seus servos, seus instrumentos, seus "membros",
como lhes chama Paulo no capítulo seis de Romanos; o que é novo é uma nova
tendência, uma nova disposição. Ele mudou de direção, há agora um novo poder
agindo nele e guiando as suas faculdades.
E isso que faz de um homem um cristão. Há nele este princípio de vida, há
esta nova disposição. E esta afeta o homem todo; afeta a sua mente, afeta o seu
coração, afeta a sua vontade. É algo que sucede instantaneamente ao homem,
não gradativamente. O nascimento é repentino, o nascimento é instantâneo, não
é um processo gradual. Lá estava o homem, em dado momento morto, no
momento seguinte vivo. Ele foi vi vificado; esta disposição, este princípio de

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vida penetrou nele. E, obviamente, é algo que acontece no nosso subconsciente.
O nosso Senhor deixou isso claro (não deixou?) para Nicodemos naquela famosa
declaração: "O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de
onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que énascido do Espírito". E
secreto, não se pode ver nem entender, não é possível explicá-lo plenamente;
tudo o que se sabe é que aconteceu. "Eu era cego, e agora vejo" (VA e ARA).
Não entendo isso, não posso explicar, nem fisiologicamente, nem
anatomicamente, nem de nenhuma outra maneira; tudo o que eu sei é que eu era
cego, não podia ver, mas agora posso ver. Eu estava morto, agora estou vivo. É
secreto, é misterioso, é miraculoso, é maravilhoso, é incompreensível; porém
conheço os efeitos, aprecio os resultados, estou ciente do fato de que isso
aconteceu. Então, que será? É um ato criador de Deus. É por isso que vocês
vêem este apóstolo e outros se referindo muitas vezes a esse fato como uma nova
criação - "Se alguém está em Cristo, nova criatura é (nova criação); as coisas
velhas já passaram; eis que tudo se fez novo". Sim, ele tem os mesmos olhos,
olha para as mesmas coisas para as quais olhava antes, contudo não as vê como
costumava vê-las. O pobre ébrio tinha olhos e podia olhar para um bar, e via
certas coisas; ele continua tendo olhos, continua vendo o mesmo bar, e, todavia,
não é a mesma coisa, é inteiramente diferente. Ele está olhando para a mesma
coisa, mas vê uma coisa absolutamente diferente. Por quê? - não foi o bar que
mudou. Ele mudou, ou melhor, foi mudado. Um novo homem, umanova
disposição, um novo princípio dominante, nova vida!

Você está vivo? Deus colocou em você este princípio de vida?


Precisamente como você é neste momento, você sabe se isto aconteceu com
você, que há esta diferença essencial entre você e o homem do mundo? Terei que
entrar nesse assunto em detalhe mais adiante. Mas este é o começo de tudo. Veja
aquela criança que acabou de nascer. Ela não pode raciocinar, não pode pensar,
não pode dar conta de si, dos seus gostos e do que lhe desagrada; não obstante,
ela manifesta vida: está viva, e tão viva como sempre estará. O seu entendimento
e tudo mais se desenvolverão, mas ela está viva e mostrando que está.
Vivificados! Estávamos mortos, sem vida, não podíamos mover-nos espiritual-
mente, não tínhamos apetite espiritual, não tínhamos apreensão nem
entendimento, espiritualmente. No entanto, se somos cristãos, isso não é mais
verdade; fomos vivificados juntamente com Cristo, o princípio de vida entrou,
fomos regenerados. Não há cristianismo sem isso. Meramente crer que você está
perdoado não é suficiente. Cristianismo é isto: crer e saber que, devido estarmos
unidos a Cri sto, algo da Sua vida está em nós como resultado desta união vital e
indissolúvel, desta conexão íntima, mística. A vida da Cabeça passa pelos
membros - "vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular" (1

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Coríntios 12:27). Você tem consciente percepção dEle? Você sabe que Ele está
em você e você nEle? Você pode dizer: "Eu vivo, não mais eu, mas Cristo vive
em mim"? Você tem vida? Você foi vivificado? Este é o começo do cristianismo.
Não há cristianismo sem isso. Não é que eu e você não devemos estar lutando.
Claro que devemos lutar, estudar, jejuar, suar e orar. Temos que fazer estas
coisas; mas isso é algo que vem na seqüência. A primeira coisa é este
conhecimento da vida. Porventura você tem consciência de um princípio que
está agindo dentro de você, por assim dizer, a despeito de você mesmo,
influenciando você, moldando você, guiando você, convencendo-o (do pecado),
levando você avante? Você está ciente de que é possesso? - se posso dizê-lo
assim, sob o risco de ser mal entendido. O cristão é um homem possesso;
este princípio de vida entrou nele, esta nova disposição o possui. Ele tem
consciência de uma ação que se efetua dentro dele. "Vivificados juntamente com
Cristo"! Que coisa tremenda! É algo objetivo; porém, graças a Deus, também é
subjetivo. Não é uma coisa que está totalmente nEle e que me deixa onde eu
estava. Nada disso! Deus começou em mim uma boa obra, e eu a conheço. Ele
colocou esta nova vida em mim - em miml Nasci de novo e estou em união com
Cristo.
Queira Deus, por Seu Espírito, iluminar os olhos do nosso entendimento,
para que comecemos a compreender esta estupenda operação do poder de Deus
em nós.

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RESSUSCITADOS COM CRISTO
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"Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com
que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou,
juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente
com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar
nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua
benignidade para conosco em Cristo Jesus." - Efésios 2:4-7

Continuamos o nosso estudo desta declaração do que Deus fez para nós em
nosso desamparo e desesperança nos termos da sua descrição nos três primeiros
versículos deste capítulo. Certamente não existe exposição mais maravilhosa
nem mais extraordinária da verdade concernente ao cristão do que a que se acha
nestes versículos! Portanto, devemos admitir, todos nós, ao lermos os sete
primeiros versículos deste capítulo, que os nossos problemas, na maioria, são
resultantes do fato de que pesa sobre nós a culpa de um duplo fracasso: por um
lado, falhamos em não perceber a profundidade do pecado e, por outro lado,
falhamos em não perceber a grandeza, a altura e a glória da nossa salvação.
Muitíssimas vezes nos contentamos em pensar em nossa salvação meramente em
termos do perdão dos pecados. Não que queiramos depreciar isso, pois não há
nada mais maravilhoso nem mais glorioso. O meu ponto é que parar nisso
certamente é trágico. E na verdade eu acredito que, em grande parte, deve-se toda
a condição e estado da Igreja hoje ao fato de que falhamos nesses dois pontos. É
porque nunca nos demos conta da profundidade do abismo do qual fomos tirados
pela graça de Deus que não o agradecemos a Deus como devíamos. E depois há a
nossafalha em não percebermos as grandes altitudes às quais Ele nos elevou. É
disso que o apóstolo está tratando agora. Ele nos está falando acerca do
livramento, da salvação. Aqui, naturalmente, o apóstolo não está muito
interessado na maneira pela qual somos salvos. Nesta altura ele não está
interessado na evangelização; essa é algo que já aconteceu; ele está escrevendo a
pessoas que já são cristãs, e ele quer que elas percebam e entendam qual é
realmente a verdade concernente a elas como pesso as cristãs. Ele quer que elas
conheçam "a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos",
pelo que ele faz uma exposição a respeito.
Já vimos que o que nos faz cristãos é a nossa união com Cristo. Esta
doutrina da nossa união com Cristo é absolutamente vital. A primeira coisa a que
ela leva é a regeneração, como já vimos.
Agora devemos dar o segundo passo, porque a Epístola não se limita a
dizer-nos que fomos vivificados juntamente com Cristo, mas diz também que
Deus "nos ressuscitou juntamente com ele". Devemos ter sempre em mente, ao

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tratarmos deste ensino, que o apóstolo está elaborando uma comparação aqui. O
seu argumento é que o que espiritualmente é verdade quanto a nós é similar ao
que aconteceu com o nosso Senhor fisicamente, quando Ele foi ressuscitado
dentre os mortos. Ele levou os nossos pecados em Seu corpo no madeiro,
morreu, Seu corpo sem vida foi descido, foi sepultado num túmulo, a pedra foi
rolada sobre o túmulo - não há dúvida sobre isso; é um fato, Ele foi morto,
literalmente morreu pelos nossos pecados. Entretanto na manhã do terceiro dia
Ele ressurgiu, Ele foi ressuscitado dentre os mortos. E o apóstolo desenvolve
tudo isso em termos da nossa experiência. Portanto, tenhamos em mente o que
aconteceu com o nosso Senhor. Lá esteve Ele, por aquele período, morto e numa
sepultura, no reino dos mortos. Mas Ele saiu do estado e lugar dos mortos. As
vestes fúnebres foram deixadas no túmulo, porém Ele não estava lá. Vocês
recordam a maneira pictórica pela qual os evangelistas nos descrevem isso, e a
surpresa das mulheres e de outros que foram ao sepulcro. Foram para ver o corpo
na sepultura, mas não havia corpo algum, somente as vestes fúnebres. Ele
ressuscitou, foi tirado, não estava mais morto, não estava mais na sepultura. Ele
agora estava noutro reino, estava vivo, tomado dentre os mortos. E Ele apareceu,
vocês se lembram, a pessoas escolhidas durante quarenta dias; em várias
ocasiões e de várias maneiras Ele Se manifestou às testemunhas escolhidas; e
depois subiu ao céu.
São esses os fatos que devemos ter em mente. A nossa salvação, segundo o
apóstolo, é comparável a isso, nada menos que isso. Houve completa mudança
no reino em que o nosso Senhor estava: morto, no túmulo; vivo,
manifestando-Se, e de uma nova maneira. Ora, essa é a verdade, diz o apóstolo,
acerca de todos os que são verdadeiramente cristãos. Nada menos que isso.
Fomos ressuscitados juntamente com Cristo. Graças à nossa união com Ele, o
que aconteceu com Ele aconteceu conosco - não, como ele assinala aqui, no
sentido físico, todavia no sentido espiritual. Acontecerá também no sentido
físico; isso virá, mas o que ele quer que os crentes efésios entendam agora é que,
espiritualmente, precisamente o mesmo poder (como ele tinha argumentado no
final do capítulo primeiro) que ressuscitou o Senhor Jesus
Cristo está agindo agora em nós, os que cremos, e está realizando esta obra
maravilhosa em nós.

Então, o que é que isso nos diz acerca do cristão? Que é que isto nos diz
como verdade a respeito de nós? Podemos considerar a questão do modo como
consideramos a declaração acerca do nosso Senhor. Podemos considerar este
"ressuscitar juntamente" primeiro de maneira negativa. Logo que o nosso
Senhor ressuscitou dentre os mortos, certas coisas deixaram de ser verdadeiras a
respeito dEle. E exatamente a mesma coisa se pode dizer do cristão. Há certos

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fatores negativos que são de tremenda importância. E talvez a melhor maneira de
expor tudo isso seja em termos do capítulo seis da Epístola aos Romanos, porque
ali vocês têm realmente um amplo comentário sobre esta frase que estamos
considerando. Em todas estas Epístolas vocês têm a mesma doutrina essencial.
Algumas delas desenvolvem um ponto minuciosamente, outras o fazem com
outro ponto, mas a doutrina essencial é a mesma em cada uma delas. E é por isso
que o melhor comentário sobre qualquer Epístola do apóstolo Paulo sempre será
ler as suas outras Epístolas - e se vocês não o fizerem, mais cedo ou mais tarde
perderão o rumo. E outro ponto que defendo é este: se vocês estudarem de fato
qualquer destas Epístolas cuidadosamente, exaustivamente, e tomarem tempo
nisso, cobrirão toda gama da doutrina cristã; ao passo que, se rasparem de leve a
superfície delas, não terão uma verdadeira concepção sobre o ensino do apóstolo.
Vejamos agora como ele desenvolve isso tudo no capítulo seis da Epístola aos
Romanos.
Eis o que, evidentemente, se pode dizer acerca do cristão. O cristão, por
definição, não está mais morto espiritualmente. Não está mais num túmulo
espiritual. Estava! - estávamos todos mortos em ofensas e pecados. Estávamos
mortos, estávamos num túmulo espiritual. Mas, como cristãos, saímos disso.
Como Cristo saiu do túmulo, nós também saímos do túmulo, e estamos fora dele.
Deixamos para trás as vestes fúnebres, e nada mais. Não estamos mais naquele
reino, não pertencemos mais àquela esfera, a nossa condição é inteiramente
nova. Ora, este é apenas outro modo de dizer que toda esta questão de
regeneração e salvação constitui a mudança mais profunda possível; e tornar-se
cristão é a experiência mais profunda, o fato mais profundo de todo o universo.
Não é nada menos que a diferença existente entre a morte e a vida, entre estar
num túmulo e andar em liberdade e sem amarras pelo mundo.
No entanto, o que é que isso significa concretamente naprática? Diz o
apóstolo que há certas coisas a que nós, como cristãos, devemos apegar-nos
tenazmente. Aqui estão algumas das negativas. O fato de que não estamos mais
mortos e de que não estamos mais no túmulo é uma prova categórica de que não
estamos mais sob a ira de Deus, e não mais estamos sob condenação. O apóstolo
o expressa de maneira muito interessante no último versículo do capítulo quatro
da Epístola aos Romanos. Referindo-se ao nosso Senhor, ele diz: "O qual por
nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação". Isso quer
dizer que a morte do nosso Senhor foi por causa das nossas ofensas. Ele morreu
porque levou sobre Si as nossas ofensas; tomou sobre Si os nossos pecados e as
nossas transgressões, e como o castigo era a morte, Ele morreu. Mas, como saber
se Deus ficou satisfeito com essa oferenda? A resposta é a ressurreição! "Por
nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação"! O
ressurgimento de Cristo dos domínios damortee do sepulcro, o Seu

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reaparecimento, éprova absoluta de que Deus está satisfeito por ter sido o pecado
punido verdadeiramente. Evidentemente, pois, isso se aplica a nós com igual
força. E o apóstolo prossegue, paraconcluiro argumento logo no versículo
seguinte, o versículo primeiro do capítulo cinco. "Sendo pois" - vocês vêem a
lógica! "Sendo pois justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor
Jesus Cristo." Fomos ressuscitados dentre os mortos com Ele e, portanto, fomos
justificados e, conseqüentemente, não estamos mais sob a ira de Deus. Ele o
expressacom mais força aindano versículo primeiro do capítulo oito: "Portanto
agora nenhuma condenação hápara os que estão em Cristo Jesus". Nenhuma
condenação! A condenação leva à morte; mas não estamos mais mortos,
ressuscitamos; portanto, não há condenação. Vocês recordam o contraste. Que
éramos? Mortos. Não somente estávamos "mortos em ofensas e pecados",
todavia também éramos "por natureza filhos da ira, como os outros também".
Todos quantos nascemos neste mundo, nascemos sob a ira de Deus, sob
condenação. Mas não estamos mais nessa situação; ressuscitamos dentre os
mortos, demos fim à morte: "portanto agora nenhuma condenação há para os que
estão em Cristo Jesus".
Todo cristão deve saber essa verdade, e todo cri stão deve gozar essa
segurança. Porquê? Porque você está em Cristo, não por causa de alguma
coisaexistente em você. Por causa da suaunião com Cristo, porque você foi
ressuscitado com Ele. O primeiro fator básico da segurança é que cremos nisto;
aceitamos isto pelafé, reconhecemos a sua veracidade. Fui introduzido em
Cristo, fui ligado a Cristo; e, portanto, quando Ele ressuscitou e deixou aquela
esfera, eu também a deixei. "Por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para
nossa justificação"! Você se dá conta de que não está mais sob a ira de Deus?
Você se dá conta de que, portanto, não há nenhuma condenação para você? Você
se dá conta de que o castigo foi imposto e sofrido, e que você não mais tem por
que temer o castigo vindouro? Essa é a primeira dedução de Paulo.
Depois ele passa à outra. Diz ele que, porque não estamos mais mortos, e
sim, vivos, também estamos mortos para a lei, Não estamos "debaixo da lei, mas
debaixo da graça", diz ele. E no capítulo sete da Epístola aos Romanos ele
elabora o ponto empregando uma comparação. Diz ele que uma mulher,
enquanto o seu marido não morrer, estará presa a ele e por ele, e não poderá
casar-se com outro homem sem se fazer adúltera. Contudo, quando o marido
morre, ela está livre para casar-se outra vez; não está mais presa àquele marido e
por ele. Diz o apóstolo que exatamente essa é a nossa relação com a lei, como
cristãos. Todos nós nascemos "debaixo da lei". A lei de Deus nos enfrenta, nos
desafia e nos condenaporcausado nosso fracasso; e Deus nos trata pela lei. Mas,
se estamos em Cristo, não mais estamos debaixo da lei, porém debaixo da graça.
Não significa, é claro, que não temos mais que guardar a lei moral, mas sim, que

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a nossa relação com Deus não é mais uma relação legal, judicial; é uma relação
pessoal, de pai e filho. Naturalmente o pai, se for um bom pai, verá que o filho
seja disciplinado e obedeça a certas leis, todavi a a relação mudou. O homem em
pecado está em desarmonia com Deus e é tratado por Ele de maneira puramente
legal. Contudo os que estão "em Cristo" foram retirados daquela esfera. A lei
executou a suapuniçãoplenae completa enaextensãoplenaecompletano Senhor
Jesus Cristo e, se estamos nEle, a lei não tem mais exigências quanto a nós, nesse
sentido. Não estou mais debaixo da lei, estou debaixo da graça. Essa é a segunda
dedução. E que coisa tremenda é compreendermos que estamos numa relação
totalmente nova com Deus. Isso vem à tona, como veremos adiante, em certos
aspectos práticos.
Há, porém, uma afirmação mais extraordinária. Diz o apóstolo que, porque
ressuscitamos com Cristo, agora estamos "mortos para o pecado". No versículo
dois do capítulo seis de Romanos o apóstolo responde a pergunta que ele tinha
feito no versículo primeiro - "Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado
para que seja a graça mais abundante?" - dizendo: "De modo nenhum. Como
viveremos no pecado, nós os que para ele morremos?" (ARA). Uma vez que
ressuscitamos com Cristo, estamos mortos para o pecado. Diz ele ainda, no
versículo seis: "Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado,
para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao
pecado". Pois bem, esta é, evidentemente, uma afirmação muito importante e
vital. Que é que significa? Está claro que não significa que somos perfeitos, que
estamos sem pecado e que nunca mais vamos pecar. Sabemos que isso não é
verdade. "Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e
não há verdade em nós", diz o apóstolo João, em sua Primeira Epístola, capítulo
primeiro. Então, que significa? Em que sentido é certo dizer que o cristão está
morto para o pecado? É certo neste sentido: antes de nos tornarmos cristãos
estamos "mortos em ofensas e pecados"; mas como cristãos, isso já não é
verdade quanto a nós. Antes pertencíamos ao reino do pecado, aos domínios do
pecado, e estávamos sob o poder do pecado. Éramos controlados pelas cobiças
da carne, que se manifestavam como desejos da carne e da mente. A nossa vida
era pecaminosa, éramos controlados pelo pecado, dominados pelo pecado,
governados de várias maneiras por estas cobiças e paixões da mente e do corpo.
Ora, isso não é mais verdade a nosso respeito. Estamos mortos para aquele reino
do pecado, não estamos mais lá, fomos retirados. "O pecado não terá domínio
sobre vós", diz o apóstolo em Romanos, capítulo 6. Não mais andamos em
ofensas e pecados, como costumávamos fazer. Outrora estávamos mortos em
ofensas e pecados, como os outros também; "Entre os quais todos nós também
antes andávamos" daquela maneira. Mas, já não é essa a verdade sobre o cristão.
Ele não gasta mais o seu tempo lá, não anda lá, não vive lá; não pertence mais

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àquela esfera, foi tirado daquela esfera. Repito que isso não significa que ele é
perfeito; porém não pertence mais àquela esfera. É como alguém que se muda de
um país para outro, é como alguém que está seguindo os trâmites para a sua
naturalização; há completa mudança em sua posição, em sua relação com o
Estado. E essa é a verdade quanto ao cristão. Ele não serve mais ao pecado. Ou,
para fazer uso da ilustração do apóstolo outra vez, ele não é mais servo do
pecado. Antes ele era um consumado escravo. Gostemos ou não, o fato acerca de
toda e qualquer pessoa não regenerada é que é escrava do pecado, governada por
um princípio mau. Todavia, não é mais esse o caso, com referência ao cristão.
Não mais somos escravos do pecado, fomos retirados disso. É verdade que, em
nossa insensatez, aindapodemos dar ouvidos ao diabo, aindapodemos render-
-nos à tentação, aindapodemos obedecer a um impulso pecaminoso, mas isso não
significa que somos escravos do pecado. Não somos mais controlados por ele.
Esse é o princípio, e é nesse sentido que estamos mortos para o pecado. "Aquele
que está morto está livre do pecado" (VA).
Morremos com Cristo, fomos ressuscitados com Ele e nãoperten- cemos
mais àquele singular reino do pecado, da lei e da morte. Se vocês
examinarem as suas experiências como cristãos, verão que isso é verdade. É
algo deveras extraordinário e maravilhoso. Há muitos membros do povo de
Deus que não percebem isso porque não conseguem traçar a distinção entre
uma tentação e um pecado. Visto que há maus pensamentos que se
insinuaram em suas mentes, pensam que ainda estão na esfera do pecado.
Não estão. Aqueles pensamentos vêm de fora. Naturalmente ainda há
tendências pecaminosas deixadas no corpo, e todavia se percebe que a
atitude da pessoa é inteiramente diferente. Talvez eu possa expressar isto
com uma ilustração. Vocês ouviram a respeito daconquistado Canadá em
1759 e dafamosabatalha de Quebeque, com o general Wolfe contra o
general francês Montcalm. Houve uma só batalha e uma grande vitória, a
batalha de Quebeque. E como resultado dessa batalha única, o Canadá
passou a ser uma possessão britânica. Mas, se vocês continuarem lendo a
história, verão que os britânicos tiveram que continuar lutando no Canadá
durante um bom número de anos. Restavam bolsões de resistências, porém
o Canadá não era mais francês, era britânico. Contudo, o fato de que tinha
deixado de ser francês e se tornara britânico não significa que não houvesse
mais nenhuma luta ou nenhum conflito. Havia; mas aquela única batalha
decisiva mudou toda a situação e o direito de posse. Ora, a situação do
cristão é um tanto parecida com essa. Ele não está mais sob o pecado; ele
está morto para o pecado, na questão de posição, domínio e controle. Ele foi
retirado, ele está nesta nova vida com o seu Senhor e Salvador.

- 93 -
Talvez possamos fazer uma colocação ainda melhor desteponto da seguinte
maneira: diz o apóstolo, no versículo seis do capítulo seis de Romanos: "Sabendo
isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado", com Cristo. Esta
tradução é melhor do que a da VA, que diz: "Sabendo que o nosso velho homem
está crucificado com Cristo". Sabemos disso, diz o apóstolo. Como cristãos, essa
é a verdade a nosso respeito. Que significa? Que é o velho homem? A resposta se
acha no capítulo cinco. O velho homem é o homem adâmico, o homem que
estava em Adão. Vocês recordam a comparação. Todos nós estávamos em Adão,
éramos descendentes lineares de Adão, e estávamos nele. E mais, ele era o nosso
chefe e representante federal; mas não somente isso, estávamos presos aele pelos
laços de carne, sangue e descendência; há a mesma união dupla, federal e vital -
todos nós estávamos em Adão. E cada um de nós que nasceu neste mundo nasceu
filho de Adão. Temos natureza adâmica, nossa posição diante de Deus é a de
Adão. Adão caiu, e nós caímos com ele. Conseqüentemente, estávamos sob a ira
de Deus, sujeitos às cobiças e sob o controle e o domínio do pecado e de satanás
exatamente como Adão estava. O homem velho é isso, o homem adâmico.
Entretanto, nós morremos com Cristo, e quando morremos com Cristo, o velho
homem morreu também. Como cristão, não estou mais em Adão, estou em
Cristo. Sou membro de uma nova humanidade. Cristo é "as primícias de muitos
irmãos" (cf. Romanos 8:29 e 1 Coríntios 15:20). Eu estou nEle. Que significa
isso? Significa - e que verdade gloriosa! - que Deus não me vê mais como alguém
que está em Adão. Ele me vê como alguém que estáem Cristo. Sou um novo
homem. Sou a mesma personalidade, é evidente, mas eu sei que sou um homem
novo, diferente. Minha situação, minha condição pessoal, minha posição, tudo é
absolutamente diferente. Não pertenço mais àquela velha humanidade. Ainda
estou na carne, porém, sou membro de uma nova humanidade. E o que Paulo
quer dizer quando afirma que o nosso velho homem foi crucificado com Cristo.
Como eu disse, não estou mais sob a ira de Deus, não estou mais sob a lei de
Deus; não estou mais sob o domínio do pecado, não estou mais sob o domínio de
satanás. Isso porque não sou mais um homem adâmico. O cristão não deve
contentar- -se em dizer menos que isso. Essa é a verdade simples, primária,
acerca do cristão: ele está "em Cristo", não "em Adão". O velho homem que eu
era desapareceu, e desapareceu para sempre. Agora notem que eu estou dizendo
"o velho homem". Não estou dizendo que o pecado que está no corpo e na carne
desapareceu; estou simplesmente dizendo que, como o ente que estava em Adão,
não estou mais lá; agora sou um ente em Cristo. Esse é o lado negativo da
verdade e do fato de que fomos "ressuscitados juntamente com Cristo".
Examinemos agora o positivo, É acoisamais espantosaque há. Que
contraste! Estamos compartindo a vida de Cristo e, portanto, vamos nos tornando

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semelhantes a Cristo. Como cristãos, somos basicamente diferente do que
éramos. Uso os termos avisadamente. Somos fundamental e essencialmente
diferentes. Em quais aspectos? Observem a colocação que Paulo faz em
Romanos 6:11: "Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado,
mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor". Aí está o aspecto positivo.
Tendo ressuscitado em Cristo, agora estou vivo para Deus. Antes não estava;
antes eu estava morto em ofensas e pecados, e vocês se lembram do que vimos
que a definição desse termo morto foi que eu estava morto para Deus. Essa é a
terrível tragédia de todos os homens naturais que não se tornaram cristãos; estão
mortos para Deus. Vi vem como se não exi s tisse
Deus; não estão cônscios de Deus, não têm uma relação viva com Deus. Vivem
neste mundo como se Deus não existisse. Eles estão absolutamente mortos para
Deus. Mas, tendo sido ressuscitados com Cristo, estamos "vivos para Deus". E
esse é o fato máximo que você poderá saber sobre si mesmo, que você está vivo
para Deus, em harmonia com o Eterno, e foi despertado para uma realidade
infinita e absoluta.
Vocês viram aquela flor? Lá está ela, de noite, fechada; vem o sol e, de
repente, ela começa a abrir-se e a receber vida do glorioso sol. É o que acontece
com o cristão. Ele está "vivo para Deus". Que significa? Significa que temos uma
atitude inteiramente nova paracom Deus. Não estamos mais em inimizade contra
Deus. O apóstolo continua no capítulo oito da Epístola aos Romanos, dizendo
que a mente natural, o homem natural, está em inimizade contra Deus. De fato
veremos, nesta Epístola aos Efésios que estamos estudando, que Paulo diz mais
adiante que nós éramos "estranhos e inimigos no entendimento pelas nossas
obras más" (cf. Colossenses 1:21). E quanta verdade há nisso! Mas, quanto ao
cristão, já não é verdade. O cristão não está mais em inim izade contra Deus. Ele
quer bem a Deus. Não tem mais a sensação de que Deus é um monstro terrível
que se põe contra nós, esperando para esmagar- -nos, condenar-nos, destruir-nos.
Não, ele passou a conhecer Deus, e a saber que Deus é amor, misericórdia,
bondade e compaixão. Ele não foge mais de Deus e não tenta esconder-se entre
as árvores, como fez Adão, evitando a Deus a todo custo. É isso que o homem
natural ainda faz; o homem natural faz o que pode para evitar a Deus. É por isso
que ele odeia a idéia da morte. A morte é, para ele, o inimigo mais terrível. Por
quê? Porque ela significa que ele terá que comparecer à presença de Deus. Nem
sempre ele põe esse temor em palavras, porém o sente nos ossos. Ele sabe que
essa é a verdade, e a odeia por essa mesma razão. Significa postar-se diante de
Deus. É por isso que ele não freqüenta um local de culto, é por isso que ele não lê
a Bíblia, é por isso que ele não gosta de funerais - Deus! A morte leva-o para
perto de Deus, e ele odeia isso; fica aterrorizado e, por isso, evita a Deus.

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O cristão, no entanto, não é assim. "Assim como o cervo brama pelas
correntes de águas, assim suspira minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem
sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me apresentarei ante a face de
Deus?" (Salmo 42:1-2). Que mudança! Mudança da morte para a vida. Mudança
absoluta. Mudança essencial. Haverá mudança maior do que esta, que agora a
pessoa queira bem o Ser que antes temia com tremor e terror? Deus Se torna o
nosso Pai. E o maior desejo do cristão verdadeiro é chegar mais perto de Deus.
Você pode dizer com sinceridade que o que mais deseja neste momento é
conhecer melhor a Deus e aperceber-se de Sua presença? Se pode, você é cristão.
Se não, será melhor reexaminar os seus fundamentos; pois, quando um homem
está em Cristo, ele tem nova natureza, e esta nova natureza clama por Deus. O
nosso Senhor costumava levantar-Se muito antes do alvorecer para orar a Seu
Pai; costumava passar a noite orando. Seu Pai! Ele queria a Sua presença, tinha
prazer na comunhão. E essa é a característica do cristão, ele está "vivo para
Deus". Pensemos nas ilustrações óbvias. E como um instrumento elétrico:
desligado está morto; ligando-se, torna-se vivo. O microfone recebe a minha
voz. Por quê? - porque está vivo para mim. Mas, se o desligarem, estará morto. E
como era o homem, não estava vivo para Deus; todavia agora está vivo para
Deus, é sensível a Deus, deseja a Deus, ama a Deus, busca a Deus. "Ah, soubesse
eu onde encontrá-lo!", é o seu clamor. Não pode ver a Deus como gostaria, não O
conhece bastante bem. Está "vivo para Deus".
Contudo não somente está vivo para Deus, ele anda "em novidade de vida".
Que frase maravilhosa! E o completo contraste, vocês vêem, com a morte. O
apóstolo diz isso de novo no capítulo quatro desta Epístola aos Efésios, desta
maneira: ele fala sobre o "novo homem, que segundo Deus é criado em
verdadeirajustiça e santidade". Qual é então a verdade a respeito do cristão? E
que ele não está mais andando em ofensas e pecados, está vivendo esta vida
inteiramente nova, não mais governado pela carne e seus desejos, mas governado
por esta nova maneira de ver. Como isto se manifesta? Permitam-me resumir o
ponto. Manifesta-se em sua mente, manifesta-se em seu coração, manifesta-se
em sua vontade. Esse é o modo de dizer se você é cristão ou não. O cristão é
alguém que, havendo ressuscitado com Cristo, anda em novidade de vida. E o
homem vive com sua mente, seu coração e sua vontade.
O cristão tem mente nova. Que é isso? Paulo diz, no capítulo doze da
Epístola aos Romanos: "Não vos conformeis com este mundo, mas
transformai-vos pela renovação do vosso entendimento" ou "da vossa mente"
(VA e ARA). E o cristão tem mente nova, que se manifesta das seguintes
maneiras: ele vê tudo de maneira diferente. Não pensa mais em termos do tempo,
começa a pensar em termos da eternidade, A vida do incrédulo está inteiramente
presa ao tempo, ele nunca vai além, nem quer ir, pois tem medo, Pensar naquele

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"desconhecido país de cujas fronteiras nenhum viajor retorna" o inquieta. Não,
ele não está interessado na eternidade. Mas o cristão está. O cristão vê que esta
vida é temporária, limitada pelo tempo. Eternidade! - sua mente começa a atuar
em função dessa realidade. E agora ele não pensa somente em termos do corpo e
de uma alma racional, também começa a pensar em termos do espírito. Como
pensa o não cristão? Bem, o "mundo do seu pensamento" é limitado por este
mundo e seu conhecimento, sua cultura, sua arte, seus negócios, seus prazeres e
outras coisas semelhantes. Coloquem nisso tudo o que quiserem - não quero
deixar nada fora - coloquem tudo o de que vocês dispõem nisso, mas ainda lhes
digo que é uma vida e uma perspectiva inteiramente limitadas pelo corpo e pela
alma racional, e nada que vá além disso. Entretanto o cristão não para aí. Ele se
dá conta de que há nele o que se chama espírito, há nele aquilo que o torna
consciente do fato de que ele pertence a outro domínio e a outra esfera, e ele se
põe a viver mais e mais nessa esfera, e cada vez menos na outra. Não é somente o
tempo, não é somente o material; é a eternidade, é o espiritual, é o perene. Ele é
elevado a uma "esfera de pensamento" inteiramente nova. E agora julga todas as
coisas à luz dessa nova esfera. Tem um novo padrão de valores, avalia as coisas
de maneira totalmen te diferente. O que ele quer saber agora, sobre qualquer
coisa, não é que tipo de proveito ele pode tirar disso, que tipo de prazer lhe trará;
mas, antes, que valor tem para a sua alma. E como isso afeta a sua relação com a
eternidade. Como toca em sua relação com Deus e com Jesus Cristo. Ele vê tudo
de maneira diferente e tem um padrão de valores totalmente novo, porque tem
esta mente renovada em Cristo. Ele anda em novidade de vida.
Outra coisa óbvia é que ele se interessa pela Bíblia como nunca antes. Antes
ele punha todos os outros livros adi ante daBíblia; agora ele põe a Bíblia adiante
de todos os outros livros. Ele compreende que a Bíblia é o único livro que o leva
a Deus e a uma crescente participação na vida de Deus. Sua mente começa a
atuar com base no Livro; este lhe fala, ele sente prazer nele, gloria-se nele,
emociona-se com ele.
Ele vê também que passa cada vez mais tempo em meditação. Que arte
perdida, a arte da meditação! Todavia o cristão medita. Ele pára para pensar, põe
de lado os jornais, desliga o rádio e o televisor, não fica o tempo todo correndo
atrás de algum entretenimento; ele se assenta repousadamente e pensa em si, em
Deus, na glória e na eternidade. Tem mente nova. Vocês vêem que completo
oposto ele é do homem natural? Uma coisa que o homem natural nunca faz é
meditar. Ele faz tudo o que pode para evitá-lo, e o mundo se afana em
satisfazê-lo; o mundo sabe do que ele gosta e o ajuda a fugir de si mesmo e de
todas estas coisas maravilhosas.
Considerem depois as manifestações do novo coração. Este homem tem
desejos inteiramente novos. Eis o que o nosso Senhor diz sobre ele:

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"Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos".
O seu maior desejo agora não é de ter mais prazer e satisfação momentânea; é de
justiça, de verdadeira santidade. Ele diz com Davi: "Cria em mim, ó Deus, um
coração puro, e renova em mim um espírito reto". Esse é o seu maior desejo. O
maior desejo do cristão verdadeiro é estar limpo por dentro, ser puro, ser santo,
ser justo, ter um coração que esteja livre do pecado. E ele se entristece por causa
do pecado. Agora ele não considera a dor que se segue ao pecado como um
aborrecimento e um problema. Não o considera como o inevitável concomitante
do prazer e das práticas ilícitas. Não, agora ele compreende que o pecado não
émeramente uma ofensa à lei, porém uma ofensa a Deus que tanto o amou e
enviou o Seu Filho unigênito para morrer por ele. Como você considera os seus
pecados e os seus fracassos? Qual é a primeira coisa que vem à sua mente quando
você peca? É o medo do castigo? Se é, você ainda está debaixo da lei em seu
pensamento. Se, antes, é o sentimento de que você entristeceu Aquele que o ama,
então o seu pensamento é cristão. Os desejos são absolutamente novos; não são
mais os desejos da carne e daquela mente pecaminosa; são desejos, os desejos do
próprio Cristo, de ser agradável aos olhos de Seu Pai.
O novo homem também tem o desejo de orar. Não quero deixar ninguém
deprimido, mas se você tem a nova vida, desejará orar como nunca antes. Será
seu anelo ter tal intimidade com Deus que desejará falar com Ele mais do que
com qualquer outro. Você sabe dos começos dessa experiência? Isto é
essencialmente verdade quanto ao cristão. Oração! Depois, igualmente, ele
deseja comunhão com os santos. "Nós sabemos que passamos da morte para a
vida", diz João, "porque amamos os irmãos" (1 João 3:14). Os irmãos, seus
conservos em Cristo, a família de Deus, as pessoas que estão interessadas nestas
coisas, estas são as pessoas que amamos e que tanto queremos. E, naturalmente,
outra coisa é um real interesse pelas almas dos que estão fora destas coisas. Você
não pode ser cristão sem ter esse interesse. Eles estão mortos em ofensas e
pecados; são criaturas presas às cobiças - eles não sabem disso, mas nós
sabemos; e eles estão sob a ira de Deus. O nosso Senhor tinha grande compaixão
das pessoas; Ele as via "como ovelhas sem pastor"; e, necessariamente, o cristão
tem que conhecer algo desse sentimento. Aí está o coração transformado.
A seguir, uma palavra sobre a vontade. O cristão exerce a sua vontade
numa nova direção. Ele quer agradar a Cristo e agradar a Deus. O que ele
pergunta agora não é: do que eu gosto? O que eu quero? - porém, o que é próprio
de alguém que pertence a Cristo? Qual é a vontade de Deus quanto a mim? São
estas as coisas que ele deseja agora. A vontade, negativa e positivamente, é
inteiramente renovada.

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Fomos "ressuscitados juntamente com ele". Por isso, somos diferentes na
mente, no coração e na vontade.
Podemos resumir tudo isso fazendo algumas perguntas simples. Você foi
ressuscitado? Você foi ressuscitado juntamente com Cristo? Você está vivo para
Deus? Você tem consciência de Deus? Você conhece a Deus? Você O desej a?
Estas questões são vitais. "Considerai- -vos como mortos para o pecado, mas
vivos para Deus em Cristo Jesus." E se estão, esta é a exortação do apóstolo:
"Apresentai-vos a Deus, como vivos dentre os mortos, e os vossos membros (as
vossas faculdades) a Deus, como instrumentos de justiça". O cristão é alguém
que ressuscitou com Cristo do domínio do pecado e da morte para uma nova vida
na qual ele está "vivo para Deus".

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NOS LUGARES CELESTIAIS
9
"Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com
que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou,
juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente
com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar
nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua
benignidade para conosco em Cristo Jesus." - Efésios 2:4-7

Expondo o que esta grande declaração fala acerca de nós mesmos como
cristãos, vimos que fomos vivificados para uma nova vida e ressuscitados com o
Senhor Jesus para a nova vida.
Mas a história não termina aí. Vai além. Deus não somente nos vivificou e
ressuscitou com Cristo, Ele "nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo
Jesus". Pois o nosso Senhor, depois de ressuscitar dentre os mortos, não
permaneceu indefinidamente na terra. Ascendeu ao céu, e está assentado à mão
direita de Deus na glória. Portanto, o apóstolo prossegue e afirma que isso
aconteceu também ao crente. E, naturalmente, tem que acontecer com o crente.
Digo que tem que acontecer ao crente por esta razão, que a doutrina da nossa
união com Cristo insiste nisso. Como fomos vivificados com Ele, segue-se
necessariamente que todas as outras coisas que aconteceram com Ele deverão
acontecer espiritualmente conosco. Portanto, por necessidade, fomos levados a
assentar-nos com Ele nos lugares celestiais.
Outra coisa que devemos ter em mente é que todas estas afirmações feitas
pelo apóstolo estão no pretérito. Ele não está dizendo que estas coisas nos vão
acontecer; elas aconteceram. Vocês notam que ele fala com clareza - "pela graça
sois (ou estais) salvos", "fostes salvos". Do mesmo modo "fostes vivificados",
"fostes ressuscitados", "estais" assentados. É algo que já se realizou. Não é uma
profecia, não é uma predição, não é a apresentação de uma esperança de algo que
vai acontecer. O verdadeiro ponto em que o apóstolo está interessado é que estes
efésios percebam que isto é verdade quanto a eles. Ele diz: quero que os olhos do
seu entendimento sejam iluminados para que vocês possam saber que esta
mudançajá ocorreu, já é algo que constitui um fato concreto. Tem que ser assim,
reitero, por causa da nossa união com o nosso Senhor.

- 100 -
O ponto subseqüente que é comum às três afirmações é o seguinte: vimos
que a vivificação e a ressurreição juntamente com Cristo tiveram que ser
consideradas objetiva e subjetivamente. Tiveram que ser consideradas como
acontecendo em Cristo como o nosso Cabeça e Representante; e tiveram que ser
consideradas também em termos da nossa união mística com Ele. À luz disso,
encaremos esta poderosa declaração. Em parte alguma há declaração mais
maravilhosa acerca do cristão do que a que temos na frase que estamos
examinando neste momento. E a verdade suprema, a glória mais sublime, a
realidade mais inapreciável que verdadeiramente se aplica a nós como povo de
Deus. Estamos assentados "nos lugares celestiais, em Cristo Jesus" (ou "com
Cristo Jesus"), agora; estamos neste momento nessa posição.
Que é que isso significa? Talvez o melhor plano seja começar considerando
a expressão traduzida por "lugares celestiais". Vê-se a mesma expressão no
capítulo primeiro, versículo três; "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares
celestiais em Cristo". Uma tradução melhor é "nos mais altos céus". "Lugares" é
realmente uma palavra acrescentada pelos tradutores, na verdade um acréscimo
infeliz porque não comunica plenamente a idéia que estava na mente do
apóstolo. Localiza-a demais, Os mais altos céus! Que se quer dizer com a
expressão "os mais altos céus"? E a mesma coisa que o apóstolo tem em mente
quando, num notável trecho de autobiografia que temos na Segunda Epístola aos
Coríntios, no capítulo doze, ele nos diz, no versículo dois, que conhecera um
homem, fazia catorze anos, que fora "arrebatado ao terceiro céu". Era como se
pensava naqueles tempos. O primeiro céu era a atmosfera, as nuvens, etc., que
vemos; o segundo céu eram os domínios das estrelas, da lua e do sol; e o terceiro
céu era o lugar onde Deus manifesta especialmente a Sua presença e a Sua glória,
o lugar em que o Senhor Jesus Cristo, no Seu corpo glorificado, habita agora.
Esse é o terceiro céu. Sempre que temos a expressão "lugares celestiais", ou "os
mais altos céus", ela geralmente tem esse sentido e conotação. Assim, essa é a
esfera na qual fomos introduzidos como resultado da nossa regeneração. Como
resultado da nossa regeneração, pertencemos ao terceiro céu, aos mais altos céus,
a esse lugar onde a glória e a presença de Deus se manifestam desta maneira
maravilhosa e esplêndida. Que é que isso significa concretamente na prática para
nós? Para responder esta pergunta precisamos expor a nossa passagem.
Ao fazê-lo , devemos ter em mente que nestes versículos, quatro, cinco, seis
e sete, temos o contraste com o que tivemos nos versículos um, dois e três.
Estávamos lá - mas Deus! Ele nos elevou a uma posição inteiramente nova e
diferente. Esse é o contraste, o qual se manifesta, como vimos, com simplicidade
e naturalidade. Estando mortos, foi nos dada vida. O oposto de estar
espiritualmente morto é ser regenerado. O oposto de uma vida de pecado e de

- III -
estar sob condenação é ser justificado Çela fé, não estar mais sob condenação,
viver esta nova vida para Deus. E exatamente como este terceiro passo, descrito
como "assentados nos lugares celestiais em Cristo Jesus".

Mais uma vez, para descobrirmos o significado das palavras do apóstolo,


devemos começar com as nossas negativas, porque não são somente importantes
e interessantes, mas também são realmente essenciais. Lemos que o cristão está
"assentado com Cristo nos mais altos céus". A primeira coisa que estas palavras
significam é que o cristão não pertence mais a este mundo. Que afirmação!
Antes ele pertencia inteiramente a este mundo. "E vos vivificou, estando vós
mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo andastes." Como? "Segundo
o curso deste mundo." Ele estava preso ao mundo em todos os aspectos - em sua
mente e perspectiva e entendimento, em seus prazeres, em suas esperanças, em
seus desejos. O não cristão está inteiramente confinado neste mundo. Isso não se
aplica apenas aos culpados de grosseiras manifestações do pecado, não se aplica
apenas aos que vivem para o prazer e nada mais, às criaturas presas às cobiças
físicas, carnais; aplica- -se igualmente aos que são governados pelas cobiças da
mente, e aos maiores filósofos. Eles não podem ir além dos limites deste mundo,
nada sabem do além, estão inteiramente circunscritos a este mundo. Por isso o
apóstolo afirma que o homem natural, o não regenerado, é homem do mundo,
pertence total, completa e absolutamente a este mundo. E nosso dever de cristãos
restabelecer o uso desta expressão, que, lamentavelmente, parece ter caído fora
de uso e da qual não se ouve tanto como se ouvia no passado. Costumava-se
descrever os seres humanos como "cristãos" e "homens do mundo". Ora essa é a
descrição exata do incrédulo - ele é homem "do" mundo, está inteiramente
confinado nele. Mas o cristão não é mais assim. Não anda mais segundo o curso
deste mundo, não pertence mais a esta esfera. O cristão não pode ser homem do
mundo, porque você não pode estar ao mesmo tempo no mundo e fora dele. Uma
coisa ou outra. E a verdade acerca do cristão é que ele foi tirado "do mundo".
O apóstolo tira muito desta idéia. Escrevendo aos gálatas, capítulo primeiro,
versículo 4, ele diz, referindo-se à nossa salvação, que Cristo "se deu a si mesmo
por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau". Seu argumento é
que Ele faz isso agora. Não é uma referência à morte e àpartida deste mundo. O
cristão é liberto do presente século mau agora. Ele ainda está nele, porém não é
mais dele; não está mais preso por ele, sua perspectiva não é mais determinada
por ele. O apóstolo João é igualmente categórico sobre isto e igualmente se
regozija com isto, como todos nós deveríamos regozijar-nos - "Esta é a vitória
que vence o mundo..." (1 João 5:4). Uma diferença entre o não cristão (o
incrédulo) e o cristão é que o não cristão é dominado pelo mundo, é
absolutamente controlado por ele. Não há necessidade de demonstrar isso; o

- 113 -
modo como o povo vive é prova absoluta disso. Tudo vem retratado nos jornais.
Os não cristãos são totalmente controlados por "o que você tem que fazer", e por
"o que todo o mundo faz". Controlado pelo mundo! Por outro lado, o cristão tem
vitória sobre o mundo. Que contraste! Ele foi tirado desta esfera.
Vê-se esta ênfase em toda parte nas Escrituras. Vocês notaram o que nos é
dito acerca daqueles filhos da fé, aqueles homens de fé em Hebreus, capítulo 11 ?
Isso é sempre verdade a respeito deles. Eis o que lemos: eles "confessaram que
eram estrangeiros e peregrinos na terra". Essa era a situação deles, apesar de
ainda estarem neste mundo. Vocês recordam que nos é dito que os patriarcas
Abraão, Isaque e Jacó habitavam em tendas, em tabernáculos. Por quê? - bem, a
sua idéia era imprimir neles e em todos os demais que eles eram apenas
residentes temporários (essa é a expressão empregada), estrangeiros e
peregrinos, viajores, tão-somente de passagem por este mundo. Este não era o
seu lugar de habitação permanente, eles estavam em marcha, em movimento.
"Aqui", diziam eles, "não temos cidade permanente, mas estamos em busca da
que é do porvir"; "estrangeiros e peregrinos na terra". E vocês recordarão como o
apóstolo Pedro, conclamando as pessoas às quais estava escrevendo a terem uma
vida digna da sua alta vocação em Cristo, faz esta colocação: "Amados", diz ele,
"peço-vos como peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das
concupiscências carnais que combatem contra a alma; tendo o vosso viver
honesto entre os gentios; para que, naquilo em que falam mal de vós, como de
malfeitores, glorifiquem aDeus no dia da visitação, pelasboas obras que em vós
observem" (1 Pedro 2:11-12). Notem os termos do apelo: "Amados, peço-vos,
como a peregrinos e forasteiros"; isto é, vocês não pertencem a este mundo!
Compreendam isso! Na verdade, esta idéia é um dos termos mais importantes de
todas as Escrituras. Assim que o homem se torna cristão, uma das primeiras
coisas de que toma consciência é que ele foi separado do mundo. Antes lhe
pertencia, era da sua própria essência; agora ele está ciente da separação, foi
tirado dele, não lhe pertence mais. Tornou-se estranho a ele em sua mente, em
sua perspectiva, em seus gostos, em tudo. Naturalmente o mundo ainda pode
tentá- -lo, mas ele está cônscio de que está fora dele. Estava nele, agora está fora
dele. E se ele for bastante tolo para olhar de novo para o mundo e para deixar-se
seduzir por ele, bem, estará simplesmente contradizendo o que lhe aconteceu.
Uma vez que estamos nos mais altos céus com Cristo, não pertencemos mais a
este mundo. "Não ameis o mundo", diz João, "nem o que no mundo há" (1 João
2:15). Essa é a primeira negativa.
Eis a segunda: visto que estamos nos mais altos céus com Cristo, não
estamos mais sob o domínio de satanás, e não estamos mais no reino de satanás.
Estávamos lá outrora - "em que noutro tempo andastes segundo o curso deste
mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos

- 114 -
filhos da desobediência, entre os quais todos nós também antes andávamos". E
nisso que estávamos, vítimas e vassalos de satanás; não somente dominados pela
mente do mundo, mas dominados por aquele que controla a mente do mundo.
Estávamos no reino de satanás, sob o poder de satanás, sob o domínio de satanás.
Essa é a situação do incrédulo. O mundo ri disso e o ridiculariza. Causa espanto
ao mundo que haja quem acredite na existência do diabo, e com isso o mundo
prova que está sob o domínio do diabo. É tão completamente insensato e cego
que nem sequer tem consciência disso. "Se ainda o nosso evangelho está
encoberto", diz Paulo, "para os que se perdem está encoberto..." (2 Coríntios
4:3). Tais pessoas pensam que não são cristãs porque são cultas e inteligentes
demais. A verdade sobre elas, naturalmente, é que elas foram golpeadas pelo
diabo e tão cegadas por ele que não conseguem ver. Estão inteiramente sob o seu
domínio. Mas quando alguém se torna cristão e é transferido para os mais altos
céus, isso já não é verdade a seu respeito. Esse é precisamente o argumento de
Paulo ao dirigir-se a Agripa, a Festo e aos que com ele estavam, quando ele
compareceu diante deles como prisioneiro (Atos 26:18). Disse ele que quando
Cristo lhe aparecera no caminho de Damasco e lhe dera Sua grande comissão,
Ele dissera: vou enviá-lo ao povo e aos gentios, "para lhes abrires os olhos, e das
trevas os converteres à luz, e do poder de satanás a Deus...". Esse é o dever da
pregação, diz o Senhor ressurreto a Paulo, essa é a Minha comissão a você; estas
pessoas estão sob o poder de satanás, estou enviando você para pregar-lhes o
evangelho, a fim de que elas sejam tiradas de sob o poder de satanás e trazidas
para Deus. - Que transferência! - para fora do seu domínio! João diz a mesma
coisa em sua Primeira Epístola: "Sabemos que somos de Deus, e que todo mundo
está no maligno" (5:19). O mundo inteiro está nos laços do maligno, porém nós
não estamos; somos de Deus, estamos inteiramente afastados dali. O mesmo
apóstolo afirma que o maligno "não nos toca". Antes não só nos tocava,
dominava-nos; mas agora estamos tão afastados do seu reino, domínio e poder
que ele não pode tocar-nos. Ele pode rugir, pode seduzir-nos, mas não pode
tocar-nos. Ou ainda vejam como o apóstolo se expressa sobre o assunto
escrevendo aos colossenses. Diz ele que o cristão é alguém que, entre outras
coisas, foi transferido do reino das trevas para o reino do amado Filho de Deus.
Estou convencido de que, se nós, que somos cristãos, percebêssemos que não
estamos mais sob o domínio de satanás, que ele não tem nenhuma autoridade
sobre nós, que não precisaremos ter medo dele se compreendermos quem e o que
somos, isso revolucionaria as nossas vidas. Esta é a verdade concernente a nós.
Estamos nos mais altos céus, não nos domínios de satanás. E nesta esfera
celestial, estamos fora do domínio e do reino de satanás e do mal.
A terceira negativa é a seguinte: posto que estamos nos mais altos céus, não
estamos mais sob a ira de Deus sobrevinda ao mundo inteiro. Vocês se lembram

- 115 -
da coisa final que o apóstolo disse acerca do incrédulo: "Éramos por natureza
filhos da ira" - como que dizendo, pertencemos à esfera da ira - "como os outros
também". Todavia agora Deus agiu sobre nós e nos ressuscitou juntamente com
Cristo, e não pertencemos mais àquela esfera, pertencemos à esfera dos mais
altos céus. Esta é a coisa mais tremenda e estonteante que há. Este mundo em que
nos achamos é um mundo condenado, é um mundo sob julgamento. Não há nada
que seja exposto mais claramente nas Escrituras, do começo ao fim, do que isso.
Vai haver um julgamento deste mundo, e este mundo com todo o mal nele
existente, em sua própria constituição, além das pessoas a ele pertencentes, vai
ser julgado, e a ira de Deus se derramará sobre ele. Haverá um terrível
julgamento e uma destruição medonha. Fracas prefigurações disso foram o
Dilúvio, a destruição de Sodoma e Gomorra, os diversos cativeiros dos filhos de
Israel, a destruição de Jerusalém em 70 A.D. Tudo isso dá uma pálida idéia da
ruína e da desgraça que esmagarão o mundo e todos os que se opõem a Deus, sob
a ira de Deus. O cristão é tirado disso tudo; ele já passou da morte, e do juízo,
para a vida. Nada disso o tocará, nada disso o afetará, nem lhe fará dano algum,
ele não precisa temer em nenhum sentido; ele já está fora dessa esfera porque
está nos mais altos céus com Cristo. Aí estão, pois, as
negativas. Examinemos agora os aspectos positivos, os quais são gloriosos.
A primeira coisa que é uma verdade quanto a nós, no aspecto positivo é que
pertencemos ao reino de Deus. Agora pertencemos a uma esfera celestial. Isto é
real, é um fato. Não é que eu vou pertencer a ela, já estou lá. Vejam como
algumas passagens das Escrituras nos descrevem isso. Vocês se lembram de
como Paulo o expressa, escrevendo aos filipenses? Ele está falando a respeito de
pessoas que não obedecem a verdade, pessoas cujo deus é o seu ventre, que se
deleitam em sua vergonha, e coisas que tais, "cujo fim", diz ele, "é a perdição".
"Mas", diz ele, "a nossa cidade está nos céus", ou seja, a nossa cidadania está nos
céus. Não está aqui, não somos mais cidadãos da esfera do mundo, a nossa
cidadania está nos céus; ou, como alguém o traduziu, somos "uma colônia do
céu". Aquela é a nossa pátria, este mundo é apenas uma colônia. Não
pertencemos àquilo que está condenado à destruição. Os reinos deste mundo e
tudo o que lhes pertence desaparecerão, mas nós, que pertencemos a Deus,
permaneceremos para sempre. É, pois, certo dizer a nosso respeito que o céu é
realmente agora o nosso lar. Sei que neste século é costume caçoar de hinos que
dizem: "Aqui não passo de estrangeiro; o céu é o meu lar". Entretanto, essa é a
verdade quanto a nós, cristãos; a nossa cidadania está no céu. E não conheço
melhor maneira de submeter-nos à prova, a nós e à nossa profissão de fé, do que
questionarmos a nós mesmos sobre este ponto. Você está ciente, você tem no seu
íntimo consciência de que é estrangeiro neste mundo? Você se sente alienado
dele? Tem consciência de uma diferença existente em você mesmo? Sente que

- 116 -
pertence a outra esfera, que você está simplesmente passando por este mundo? A
nossa cidadania, de que nos orgulhamos, de que nos ufanamos, é essa cidadania.
A nossa cidadania, o nosso viver real, está no céu. Tornem a ver as palavras de
Colossenses: o Pai "nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o
reino do Filho do seu amor" (1:13).
No entanto, eu suponho que não existe declaração mais gloriosa desta
verdade do que aque se acha naEpístola aos Colossenses, de novo, no capítulo
três. Ouçam esta assombrosa afirmação acerca do cristão - "Porque já estais
mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus". Essa é a verdade a
respeito de você, Se você é cristão, isto só pode ser verdade a seu respeito, você
não tem como evadir-se disto, porque você está em Cristo.Você está morto. O
homem adâmico, o homem que você era, está literalmente morto, e sua vida está
escondida com Cristo em Deus. Você pertence a uma esfera completamente
diferente e a um reino completamente diferente. Cristãos, vocês sabem disso?
Estão cientes disso? Essa é a questão vital, esta percepção de que são doutro
lugar, estrangeiros e peregrinos na terra - estamos longe de casa, estamos longe
de casa apenas por algum tempo, para cumprirmos o propósito de Deus; mas o
nosso lar, a nossa pátria, a nossa cidadania, é lá no céu. Essa é a comunidade a
que pertencemos.
A segunda verdade segue-se necessariamente. Estamos sob o domínio do
Espírito Santo1, não estamos mais sob o domínio daquele espírito maligno, mas,
sim, sob o domínio do Espírito Santo: "...operai a vossa salvação com temor e
tremor", diz Paulo, "porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o
efetuar...". Ele o faz mediante o Seu Santo Espírito. Que é um cristão? A resposta
de Paulo, escrevendo aos romanos, é: "Porque todos os que são guiados pelo
Espírito de Deus esses são filhos de Deus". Guiados pelo Espírito; não mais
guiados pela mente do mundo, não mais guiados pelo espírito maligno que age
nos filhos da desobediência; não mais guiados, e com a vida todagovernada, pelo
que vocês vêem as outras pessoas fazerem, pelapublicidade epelas coisas
fulgurantes do mundo. Não, isso é mau. Guiados pelo Espírito de Deus - porque
filhos de Deus,
Não vejo como uma pessoa tem direito de dizer-se cristã se não tem ciência
das influências celestiais em sua vida. "No amor celestial permanecendo, não
temerá mudança o meu coração". Vocês têm conhecimento disso? Vocês têm
experiência do amor celestial a guiámos, aconquistá-loseafal ar com vocês?
MentalidadecelestiallÉtriste, porém tenho ouvido crentes evangélicos brincarem
sobre isso e dizerem a respeito de outros: "Eles se tornaram tão celestiais em sua
mentalidade que não têm utilidade nenhuma na terra". E se julga inteligente essa
afirmação! Que tragédia! Não há como tornar-nos exageradamente celestiais em
nossa mentalidade. O problema com todos nós é que não somos suficientemente

- 117 -
celestiais em nossa mente, não sabemos disso o bastante, não ficamos lá o
suficiente. Não nos damos conta do que é certo a nosso respeito, os olhos do
nosso entendimento não foram iluminados. O cristão é, necessariamente, um
homem de mentalidade celestial, a vida de Deus penetrou nele, e suamente
mudou, como vimos. Ele costumava ser governado pelos desejos, pelas cobiças
da mente e da carne. Já não é mais governado por essas coisas - elas o tentam, o
experimentam; mas não é dominado por elas porque há esta outra influência. Ele
está consciente dela, ele a conhece. O Espírito de Deus trata com ele, trabalha
nele, move-o, e o atrai e o arrasta daqueles poderes para este.
Contudo isso leva a uma terceira questão, ainda mais maravilhosa.
A característica principal dos mais altos céus é que este constitui a esfera na qual
Deus, de maneira peculiar e especial, Se manifesta e manifesta a Sua presença e a
Sua glória. E isso que faz do céu, céu. Se vocês quiserem prova disso, leiam o
livro de Apocalipse, particularmente os capítulos quatro e cinco. João, vocês se
lembram, viu uma porta aberta no céu e teve uma visão. A primeiracoisa que ele
viu foi a glória de Deus. Essa é a característica dos mais altos céus. Portanto, eis
o que significa a declaração que estamos examinando: estamos nos mais altos
céus, e isso significa que estamos numa esfera em que nos achamos perto de
Deus. Antes, estávamos mortos em ofensas e pecados, no túmulo deste mundo,
longe de Deus, estranhos a Ele, alienados e inimigos em nossas mentes, não O
conhecendo; agora, nos mais altos céus, estamos perto de Deus. Daí o apóstolo
Tiago pode escrever: "Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós" (4:8). Ah, dirá
alguém, ser-me-á possível chegar-me a Deus? Poderei chegar perto de Deus?
Naturalmente! E, por esta razão, diz o autor da Epístola aos Hebreus: "Visto que
temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus,
retenhamos firmemente a nossa confissão". Mas não somente isso, "Cheguemos
pois com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e
achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno" (4:14-16). Sim, é
possível.
Permitam-me expressá-lo com mais clareza, como com mais clareza essa
mesma Epístola aos Hebreus o expressa no capítulo 10, versículos dezenove e
vinte. Aí está uma prova de que estamos nos mais altos céus e perto de Deus:
"Tendo pois, irmãos", diz o texto, "ousadia para entrar no santuário" - no lugar
santíssimo, no "santo dos santos", podemos entrar ali - "pelo sangue de Jesus,
pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne,
e tendo um grande sumo sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com
verdadeiro coração, com inteira certeza de fé...". Poderão vocês encontrar uma
declaração mais explícita que essa? O cristão está habilitado a entrar no lugar
santíssimo, ou seja, a chegar à própria presença de Deus, onde se vê a glória da
Shekinah - a glória da presença de Deus. Ou escutem esta outra majestosa

- 118 -
declaração a seu respeito, no capítulo doze da Epístola aos Hebreus. Onde
estamos, quando nos reunimos como cristãos na igreja? Onde estamos? Ao pé do
Monte Sinai? Chegamos a um lugar de exigências morais, leis e condenação?
Chegamos a um lugar onde apenas expressamos comiseração uns aos outros,
lamentamos pelos nossos pecados e falhas, baixamos a cabeça e achamos que
não há esperança para nós? Se você vem com essa disposição, você não é

- 119 -
quanto aos que se assentam com Cristo na glória.

Uma palavra final. A palavra "assentar-se" é fascinante e, obviamente, é de


grande importância. E empregada acerca do nosso Senhor com relação à Sua
ressurreição e ascenção. Permitam-me fazer uma citação de Hebreus 1:3: "O
qual, sendo o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa, e
sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, havendo feito por si
mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da majestade nas
alturas". Lemos também no versículo treze: "E a qual dos anjos disse jamais:
assenta- -te à minha destra até que ponha a teus inimigos por escabelo de teus
pés?" E de novo no capítulo dez dessa mesma Epístola, versículos doze e treze:
"Mas este (Cristo), havendo oferecido para sempre um único sacrifício pelos
pecados, está assentado à destra de Deus, daqui em diante esperando até que os
seus inimigos sejam postos por escabelo de seus pés". Foi isso que Lhe
aconteceu. Tendo feito tudo o que foi dito, Ele assentou-Se, esperando,
aguardando, até que Seus inimigos sejam postos por escabelo de Seus pés. E
nEle, estamos assentados com Ele nos lugares celestiais. Significa que Ele
completou a obra, e assim assentou-Se. Assentar-se é sinal de completamento.
Quando um homem termina a sua tarefa, assenta-se. E Cristo assentou-Se. Que
outra coisa significa isso? Não mais trabalho, mas descanso. Todavia, ainda mais
importante, vitória! - "daqui em diante esperando até que os seus inimigos sejam
postos por escabelo de seus pés". Um sinal de vitória! Ele Se assenta vitorioso. E
eu e você estamos em Cristo, e estamos assentados com Ele nos lugares
celestiais. A Suaobrade redenção já está completa, vocês não precisam de mais
nada, tudo está feito - aos que Ele chamou, também os justificou, e aos que Ele
justificou, também os glorificou.
Se você está em Cristo, está eternamente salvo, completo. Mas você goza o
descanso? Você compreende que estas coisas são verdadeiras? Regozija-se
nestas coisas? Você ainda está tentando fazer-se cristão? Se está, está
entendendo mal toda a sua situação, está negando o que aconteceu com você.
Descanse na obra de Cristo e por Ele concluída - goze o descanso da fé!
"Portanto resta ainda um repouso para o povo de Deus" (Hebreus 4:9). Seja o
nosso objetivo entrar nesse repouso, diz a Palavra, simplesmente nos dando
conta de que Ele já fez tudo. Tomara, irmãos, que especialmente nos demos
conta da vitória! - pois ainda estamos na carne, e ainda há o mundo, a carne e o
diabo para combatermos. Somos mortais medrosos, esmorecemos e trememos, e
nos alarmamos, e o diabo pode aterrorizar-nos. Temos que aprender a crer na
veracidade da vitória.
Ah, queira Deus iluminar os olhos do nosso entendimento, mediante o Seu
Espírito, para que possamos conhecer "a sobreexcelente grandeza do seu poder

- 120 -
sobre nós, os que cremos", para que compreendamos tudo quanto é verdade a
nosso respeito! "Filhinhos, sois de Deus", diz João, "e já os tendes vencido;
porque maior é o que está em vós do que o que está no mundo" (I João 4:4). Se
tão-somente compreendêssemos esta verdade a respeito de nós, entenderíamos o
que Tiago quer dizer quando escreve: "Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós"
(4:7). O diabo! Aquele que não hesitou em levantar-se contra Deus na eternidade
e que arrastou consigo outros anjos; aquele que é tão poderoso que, quando se
aproximou de Adão eEva em sua perfeição e inocência, arrastou-os e os fez cair!
E, todavia, a Palavra diz a mim e a vocês: "Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós" -
não porque ele tem medo de vocês, mas porque tem medo dAquele em quem
vocês vivem e que está com vocês, Aquele que subjugou o diabo, dominou-o e
finalmente o derrotou. O apóstolo Pedro faz a seguinte colocação: "O diabo,
vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem
possa tragar". Que fazer? Correr e esconder-se? Nada disso! - vocês vêem
essafera se lançando violentamente contra vocês, o diabo, satanás, este poder
infernal, e que é que vocês fazem? "Ao qual resisti firmes na fé." E se o fizerem,
ele não será capaz de tocá-los. "Eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela
palavra do seu testemunho" (Apocalipse 12:11). Povo cristão, visto que estamos
assentados com Cristo nos lugares celestiais, o apóstolo Paulo pode dizer a nosso
respeito o seguinte, em Romanos 6:14: "O pecado não terá domínio sobre vós,
pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça".
Você sabe que está nos mais altos céus? Tem ciência da separação? Tem
ciência da Presença? Você pode chegar perto de Deus e saber que Ele está com
você e você com Ele, e que todos os seus temores são levados embora? Você vê
e ouve, às vezes, algo da glória celestial e sua música e sua alegria? Você alguma
vez vê "as glórias eternais refulgindo ao longe para revigorar seu débil esforço?
Tendo em vista a vida em sua pior expressão, você pode dizer: "A nossa leve e
momentânea tribula- ção produz para nós um peso eterno de glória mui
excelente; não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que não se vêem;
porque as que se vêem são temporais, e as que não se vêem são eternas"? "Pensai
nas coisas que são de cima, e não nas coisas que são da terra" (2 Coríntios
4:17-18; Colossenses 3:2).

- 121 -
AS SUBLIMES RIQUEZAS
10 DA SUA
GRAÇA
"Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça
pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus." - Efésios 2:7

Estas são as últimas palavras da grande declaração que começa no versículo


4 - "Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que
nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou,
juntamente com Cristo (pela graça sois salvos) e, nos ressuscitou juntamente
com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar
nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade
para conosco em Cristo Jesus".
O apóstolo, vocês recordam, nos esti veralembrando o que Deus fez por nós
em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por meio dEle. Quando estávamos
naquele desesperador estado de pecado, Deus interveio, Deus agiu, e nos
vivificou juntamente com Cristo. Ressuscitou-nos juntamente com Ele em
novidade de vida e nos fez assentar juntamente com Ele nos lugares celestiais.
Mas agora surge a questão, por que Deus fez tudo isso? Qual foi o Seu motivo?
Que levou Deus a fazer tudo isso por criaturas como nós? A resposta é dada no
versículo sete, e é introduzida pela palavra para, logo no início: para mostrar
(ou para que mostrasse). Ele fez tudo isso "para", "a fim de", "com a intenção
de", "com o objeto, ou com o objetivo de"... Esta palavra para (ou para que) é,
pois, tremendamente importante, e é vital considerarmos juntos o que o apóstolo
nos fala aqui concernente a este grande propósito.
Como é importante que estudemos as Escrituras com muita atenção e que
observemos exatamente o que elas dizem, porque com muita facilidade podemos
entendê-las mal, como de fato fazemos muitas vezes. Aqui, penso eu, ao
considerarmos este versículo, provavelmente sentiremos, ao menos em certa
medida, que o nosso conceito do cristianismo, o nosso conceito da Igreja, o
nosso conceito de nós mesmos como cristãos, é defeituoso e inadequado, que de
fato a nossa concepção geral da salvação tende a ser inadequada. Já vimos isso
quando estudamos aqueles três grandes passos da nossa salvação, e quando
vimos o que já é certo a nosso respeito como cristãos porque estamos em Cristo.
Certamente achamos que nunca tínhamos compreendido verdadeiramente como
devíamos o significado da regeneração; que nunca tínhamos captado plenamente
a verdade de que a justificação foi realizada completamente, nem captado a
verdade sobre a nossa posição e o nosso estado na presença de Deus. Ainda mais,
talvez, quando estudamos aquela afirmação de que estamos assentados nos

- 122 -
lugares celestiais em Cristo Jesus, vimos como falhamos - e falhamos de maneira
deveras lamentável - em não perceber que esta é a verdade a nosso respeito neste
momento presente. Noutras palavras, cada vez mais meparece que a maioria das
nossas dificuldades na vida cristã surge do fato de que nós sempre partimos de
nós mesmos e vivemos demais na esfera do sentimento e do subjetivo.

Falemos com clareza. Argumentei sobre esse ponto desde o começo do


capítulo, e isso ainda faz parte da essência do que terei de dizer ao expor o
versículo sete. Graças a Deus, há um elemento subjetivo na salvação; graças a
Deus por todo sentimento, por toda experiência, por tudo o de que temos
consciência de nós mesmos. Se não temos consciência deste elemento subjetivo,
a nossa situação, ao que me parece, é muito incerta. Por outro lado, não há nada
que seja tão fatal para o nosso bem estar como pensar unicamente dessa
maneira subjetiva e deixar de captar com as nossas mentes e com nosso
entendimento esta apresentação objetiva da verdade que temos nesta parte de
Efésios e na maioria das Epístolas do Novo Testamento. O que quero dizer é que,
se tão-somente tivéssemos esta genuína concepção escriturística de nós mesmos
como somos como cristãos e membros do corpo de Cristo neste momento, a
maior parte das coisas que nos entristecem se desprenderia de imediato de nós
completamente. Estas coisas passariam a parecer-nos triviais, pequeninas e
insignificantes.
Isto é uma coisa que se pode ilustrar da seguinte maneira: o melhor modo de
livrar-nos de coisas pequenas é olhar para as grandes. Vejam, por exemplo, as
interessantes estatísticas que foram preparadas, penso, pelas autoridades
médicas de Barcelona, Espanha, durante a Guerra Civil Espanhola, pouco antes
da segunda guerra mundial. São muito interessantes. Um determinado número
de pessoas estiveram recebendo várias formas de tratamento psicoterapêutico e
psicológico; mas no momento em que irrompeu a Guerra Civil e afetou
Barcelona agudamente, o número diminuiu, reduzindo-se a quase nada. Qual foi
a causa disso?Foi que apreocupação maior eliminou as preocupações menores. E
a mesma coisa certamente aconteceu na Inglaterra durante a última guerra.
Quando de repente surgiu acrise e os maridos e os filhos tiveram que partir para a
guerra, muitos se esqueceram dos seus pesares e das suas dores. Estas coisas, que
tinham sido tão proeminentes em suas vidas e que tinham significado muito para
aquelas pessoas, foram esquecidas repentinamente, pois um temor maior
eliminara os temores menores; a crise maior tinha tornado as outras coisas tão
triviais que realmente passaram a ser completamente irrelevantes. Estamos
familiarizados com fatos como esses.
Pois bem, tudo isso acontece igualmente na vida cristã. Em nossas vidas
somos perturbados por isto e aquilo, e nos inclinamos a resmungar e a

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queixar-nos; ficamos a indagar por que Deus nos trata dessa maneira e por que
permite que nos aconteçam certas coisas. O antídoto para isso tudo é ver-nos
objetivamente como realmente somos no propósito de Deus. E se tão-somente
fizéssemos isso, todas as nossas dificuldades desapareceriam. Ou permitam-me
expressar-me deste modo: se tão- -somente nós tivéssemos uma pequena
concepção da glória que nos espera e para a qual vamos, essa percepção
transformaria a nossa visão da nossa vida neste mundo e das coisas que nos
sucedem neste mundo. Essa é a espécie de tratamento que o apóstolo nos aplica
neste versículo sete. Esta é a cura do egocentrismo e do interesse próprio que
acabam levando à introspecção, a sentimentos mórbidos e a diversas formas de
dificuldade. O que se tem que fazer- e aí está por que o apóstolo escreve esta
carta e por que todas as cartas do Novo Testamento foram escritas - é conseguir
que tais pessoas levantem a cabeça e se vejam objetivamente no grande
propósito e plano de Deus.
Examinemos, então, este versículo desta maneira: por que Deus fez tudo
isso? Por que foi que Ele interferiu? Por que nos vivificou, nos ressuscitou e nos
fez assentar nos lugares celestiais com Cristo? A resposta, diz o apóstolo, é que
isto faz parte do Seu plano grandioso e do Seu grandioso propósito - "para", "a
fim de...". Façamos o estudo na forma de uma série de proposições.

Eis a primeira: o principal fim, propósito e objetivo da salvação éa glória


de Deus. Por isso Ele fez o que fez - "Para mostrar (para Deus mesmo mostrar)
nos séculos vindouro,; as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade
para conosco em Cristo Jesus". Deus fez tudo isso, diz Paulo, para apresentar um
grandioso espetáculo a todas as eras vindouras, não somente neste mundo mas
também no mundo por vir. Deus vai fazer uma grande demonstração, vai
manifestar a Sua glória. Vocês podem notar que é isso que o apóstolo coloca em
primeiro lugar. Essa é a principal razão por que Deus fez tudo isso, diz ele.
Agora, surge imediatamente a questão: será que normalmente pensamos em
coisas como essa? Não seria verdade que, quanto à maioria de nós, fazemos
exatamente o oposto? Partimos de nós mesmos; epensamos na salvação como
algo para nós, algo de que necessitamos, algo que queremos, algo em que nós
estamos interessados. Sempre somos subjetivos, sempre começamos a partir de
nós mesmos. Mas o que temos de aprender é que o primeiro objetivo e intenção
da salvação - não me entendam mal - não tem a ver conosco, porém com a glória
de Deus. Esse é o ensino das Escrituras todas, do começo ao fim. Noutras
palavras, não devemos nem começar com os nossos pecados, e sim com o
pecado. Temos que aprender a ver todas as coisas mais historicamente. É
extremamente difícil, não é? É dificílimo para qualquer geração ter uma visão
histórica, porque estamos no mundo num momento particular e há diversos

- 124 -
problemas - ouvimos as notícias pelo rádio, vemos as manchetes nos jornais - e
estamos tão mergulhados neles que nos inclinamos a não ver nada mais. É
extremamente difícil dar-nos conta de que havia seres humanos neste mundo
hácem anos, e que eles tinham problemas e dificuldades, não é? Mais difícil
ainda é compreender que há mil anos havia neste mundo seres humanos que
nunca pensaram em nós. Achamo-nos tão importantes, e pensamos que o nosso
tempo neste mundo, o nosso pequenino setor, constitui a totalidade da história.
Entretanto, os que viveram antes de nós pensavam a mesma coisa; e podemos
estar certos de que daqui a cem anos e, se o nosso Senhor não voltar antes, daqui
a mil anos, as gerações então existentes na terra nunca dedicarão sequer um
pensamento a nós. Mas como nos é difícil aperceber-nos disso! E, contudo, é
justamente isso que temos de fazer. Temos que aprender a ver a nós mesmos e a
ver todo o problema do homem, toda acrise da história e especialmente todo o
tema da salvação, desta maneira objetiva, desta maneira histórica.
Eis o que estou querendo dizer: em vez de começar comigo, com os meus
pecados e com os meus problemas pessoais, tenho que começar a pensar em
termos do pecado, de todo o problema do homem e de todo o problema do mal
neste mundo. Pois somente quando eu fizer isso é que começarei a ver o que o
apóstolo quer dizer quando afirma que o primeiro intento e objetivo da salvação
é a glória de Deus. É-nos muito difícil compreender o que o pecado e a Queda
significaram para Deus. Pecado é aquilo que se opõe completamente a Deus e,
portanto, o que aconteceu como resultado do pecado e da Queda, e todas as suas
conseqüências no mundo e entre os homens, é (se reverentemente o posso dizer)
uma tremenda questão aos olhos de Deus. Mas nós persistimos em pensar em
todo este problema em termos de pecados particulares, nesta coisa particular que
me mantém deprimido, e nos pecados que colocamos numa lista - vocês sabem
deles, embriaguez, jogo etc. Para nós o problema todo é esse; transformamos o
problema do pecado mais ou menos num problema social. Ou é um problema
social, ou é o problema da nossa felicidade pessoal. Não gostamos de sentir
remorso e arrependimento, porque é doloroso. Assim reduzimos todo o grande
problema do pecado a essas diminutas proporções e dimensões. No entanto,
aBíblianão faz isso! A Bíblia vê o pecado como uma agressão a Deus. O diabo
veio à frente e quis impor-se contra Deus, levantou-se contra a majestade, a
soberania e a glória de Deus. Ele disputou isso, quis colocar-se no mínimo como
um deus rival. E quando viu Deus criando o mundo e criando o homem, e viu
Deus olhando o que tinha feito e dizendo que tudo estava "muito bom" e que
mostrou prazer nisso, o diabo determinou-se a arruinar o que Deus criara. Assim
o diabo entrou em ação no mundo. Qual era o seu objetivo? Vocês pensam que o
objetivo do diabo era simplesmente persuadir Eva e Adão a fazerem apenas uma
determinada coisa? Naturalmente que não! O diabo só tinha uma coisa em mente

- 125 -
- desacreditar a glória, a majestade e a grandeza de Deus. Pouco se importava
com o que ia acontecer com Adão e Eva. O diabo pouco se interessapor mim e
por vocês como pessoas. Para ele não somos pessoas, somos algo que lhe serve
de penhor, somos simples objetos que ele pode usar no grande jogo. E, todavia,
pensamos nestas coisas em termos de nós mesmos! O diabo nos vê com
desprezo, como fez com Adão e Eva. Ele os bajulou e os adulou porque sabia que
era essa a maneira de fazer deles uma espécie de penhor. Não tinha nenhum
interessepor eles como tais. Seu único objetivo era desacreditar a glória, a
majestade é a grandeza de Deus. Era inutilizar a obra que Deus realizara, era
inutilizaromundode Deus; era ridicularizar a obra criadora de Deus. Seu desejo
era levantar-se, dirigir-se a todos os anjos e dizer: Deus tem as suas pretenções,
diz Ele que fez o mundo perfeito, mas olhem, vejam o Seu mundo perfeito!
É assim que se deve ver o problema do pecado. A Queda é uma coisa
terrível aos olhos de Deus. Não é primariamente um problema social.
É muito mais crucial aos olhos de Deus. Naturalmente há nisso um problema
social. O pecado levanta muitos problemas sociais, porém eles são subprodutos,
não são aquilo que faz do pecado, pecado. Se posso dizê-lo assim, Deus jamais
teria enviado Seu Filho do céu aterra e à cruz do Calvário para solucionar um
problema social. O problemaparaDeus era a Sua glória, a Sua majestade, a Sua
grandeza sempiterna. Isso fora questionado e posto em dúvida pelo diabo e por
todos os que lhe pertencem. E que é a salvação? O propósito e objetivo da
salvação é, em primeira instância, vindicar a Deus, é Deus tornar de novo
manifesta a verdade concernente à Si próprio. O diabo é descrito nas Escrituras
como "mentiroso e pai da mentira"; e o apóstolo João nos diz no capítulo três da
sua Primeira Epístola que Deus enviou o Seu Filho a este mundo a fim de
destruir as obras do diabo. Esse é o primeiro objetivo, que o caráter de Deus seja
vindicado. Naturalmente, num sentido terminante, o diabo não afetou nem
poderia afetar o ser, a natureza e o caráter de Deus, mas aos olhos dos seres
criados ele poderia, e certamente o fez. Ele teve sucesso no caso de todos os
anjos que caíram; ele teve sucesso no caso de Adão e Eva, e de toda a sua
posteridade. E o problema no mundo hoje é a atitude do homem para com Deus.
Assim, Deus iniciou este grande movimento de redenção e de salvação,
primariamente com o fim de tornar a declarar, manifestar e vindicar a Sua glória,
a Sua grandeza e a verdade a Seu respeito. Por que o fez, então? Ele o fez "para
mostrar (manifestar) nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça
pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus".
Vocês pensavam na salvação dessa maneira? Uma pergunta que é bom
fazer é: por que Deus enviou Seu Filho? Não permita Deus que nos limitemos a
dar uma resposta sentimental, subjetiva, deixando de ver queDeus enviou

- 126 -
SeuFilho afim de vindicar-Se. Essa é a maior teodicéia de todos os séculos; Deus
está Se vindicando e está declarando e mostrando a verdade a Seu respeito.

Passemos agora à segunda proposição. A salvação vindica a grandeza e o


caráter de Deus de maneira especial e de um modo como nenhuma outra coisa o
faz. Não há dúvida sobre isso. Neste movimento de salvação e redenção,
aprendemos certas coisas que doutro modo nunca aprenderíamos. Isso pode soar
como uma afirmação atrevida, porém eu me aventuro a fazê-la. Muitos têm feito
a pergunta - ninguém pode respondê-la, mas é uma pergunta que muitos têm
feito, na verdade todos nós a temos feito - por que o Deus todo-poderoso
permitiu a Queda? Por que permitiu que o homem caísse em pecado? A resposta
cabal é reconhecer que não sabemos, e não devemos inquirir a respeito porque
isso está além de nós. Mas, de qualquer forma, podemos saber e dizer isto: se
Deus não tivesse permitido a possibilidade do mal e da Queda, o homem não
seria inteiramente livre, e, portanto, não seria inteiramente perfeito. O homem,
como Deus o fez, tinha realmente livre-arbítrio. Ele o perdeu por ter caído em
pecado, todavia originalmente o tinha; e o livre-arbítrio era parte integrante da
perfeição do homem. Contudo, seja qual for a explicação, é evidente que Deus
teve domínio sobre isso de tal modo que, mediante a redenção, Ele manifestou
certos atributos do Seu santo ser, da Sua natureza e do Seu caráter que doutra
maneira nunca poderiam ser conhecidos, mas que agora certamente são muito
conhecidos.
O apóstolo já tinha mencionado alguns deles. Ouçam-no: "Deus, que é
riquíssimo em misericórdia". Seria possível ter a mesma concepção da riqueza
de Deus em misericórdia, se o homem não tivesse caído em pecado como caiu? E
por este meio que Deus manifesta a perenidade da Sua misericórdia. "Riquíssimo
em misericórdia"! Depois, "Pelo seu muito amor com que nos amou". Com toda
a certeza o homem conheceu algo sobre o amor de Deus antes de cair; Adão
conheceu o amor de Deus. Contudo, pergunto se o amor de Deus seria conhecido
como agora é, se não houvesse a Queda e o movimento de redenção. Deus o está
mostrando, Ele o está manifestando, há uma revelação do Seu amor como
seguramente seria inconcebível sem isso. Então o apóstolo passa à sua seguinte
grande expressão: "Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou
juntamente com Cristo (pela graça..." - aí está - "pela graça sois salvos), e nos
ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em
Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua
graça". Não há nada que nos habilite a ter tal entendimento da extensão da graça
de Deus como isto o faz. É a sua suprema avaliação; e nada pode mostrá-la como
isto no-la mostra. Vem então o termo final, "benignidade" - "pela sua
benignidade", com o Seu olhar benigno. Adão conheceu algo da benignidade de

- 127 -
Deus, mas eu concordo com Isaac Watts quando ele afirma em seu hino - "Nele
(em Cristo) as tribos de Adão ostentam mais bênçãos do que as que seu pai
perdeu". Digo reverentemente, sopesando as minhas palavras, que em Cristo
conhecemos algo de Deus que Adão, em seu estado de inocência, não conheceu,
e que, em certo sentido, Adão não poderia conhecer. Pode ser especulação,
porém me parece que as Escrituras ensinam que Deus mostrou estas coisas aqui
de maneira única e de um modo como nunca mostrou em parte alguma.
Mas, o que talvez seja muito importante para nós é a terceira proposição:
toda esta manifestação e vindicação do caráter, do ser, da grandeza e da glória
de Deus dá-se mediante a Igreja. Deus realiza este feito tremendo por nosso
intermédio e através de nós, em primeira instância. Examinem de novo o ponto.
Deus fez isso tudo "para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas
da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus". Este é para
mim o pensamento mais avassalador que podemos captar, que o poderoso,
eterno, sempiterno Deus está Se vindicando, a Si, à Sua santa natureza e ao Seu
santo ser, mediante algo que Ele faz em nós, conosco, e por meio de nós. Isto é
cristianismo, este é o significado da nossa condição de membros da Igreja, isto é
o que significa ser cristão; nada menos que isto! Aqui somos retirados do nosso
estado e dos nossos caprichos subjetivos, e das nossas condições transitórias, e
nos vemos de repente neste grande plano da eternidade que Deus trouxe à luz e
pôs em execução como resultado da queda do homem em pecado.
Examinemos esta gloriosa concepção. O apóstolo no-la ensina claramente
neste versículo. Ele a expõe mais clara e explicitamente ainda no versículo dez
do capítulo três desta Epístola. O apóstolo está descrevendo este grande mistério
outrora oculto, mas agora revelado. Para quê? Para "demonstrar a todos qual seja
a dispensação do mistério que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo
criou por meio de Jesus Cristo" (versículo 9). E então, no versículo dez: "para
que"
- a mesma idéia; este é o objetivo, esta é a intenção, este é o propósito
- "para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida
dos principados e potestades nos céus". Essa é a idéia. Deus está usando a Igreja,
e vai usar a Igreja nos séculos futuros, a fim de fazer uma demonstração e uma
exibição da Sua estupenda e eterna sabedoria aos principados e potestades nos
lugares celestiais.
Esse é o modo de pensar em nós mesmos como cristãos e como membros
dalgreja Cristã. Deus está Se vindicando, aSi mesmo e ao Seu caráter, por meu
intermédio e pelo seu, por meio de pessoas como nós, por meio de toda a Igreja
congregada em Cristo e separada do mundo. Ele vai colocar-nos em exibição,
por assim dizer; será uma exibição gloriosa. Ele já está fazendo isso, mas vai
continuar a fazê-lo nas eras vindouras, e na consumação Deus vai fazer a Sua

- 128 -
última grande exibição, e todos esses principados e potestades serão convidados
a comparecer. A cortina correrá e Deus dirá: olhem para eles! "Para que agora,
pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e
potestades nos céus"! Eu e vocês estamos sendo preparados para isso.
Vocês lêem sobre artistas preparando seus quadros e as suas pinturas para
exposição, e sobre como eles dão os seus toques finais - como a moldura deve
estar direita, deve ser colocada naposição certa, a luz deve vir do ângulo correto,
e assim por diante. Bem, todos nós sabemos disso; temos visto pessoas
preparando cavalos para exposição de eqüinos; ou frutas e verduras para
exposições de horticultura - a seleção, o preparo. Pois bem, é isso que está
acontecendo comigo e com vocês. Essa é a significação do culto público e da
pregação - é apenas uma parte disso. A exposição, a exibição, a manifestação
vem! E o que há de espantoso e admirável é que é por meio de pessoas como nós,
e como resultado do que Ele está fazendo conosco, fez conosco e fará conosco,
que Deus vai vindicar Sua sabedoria eterna, Sua majestade, Sua glória e todos os
atributos da Sua santa Pessoa aos principados e às potestades nos céus.
Parece-me que isso vem perfeitamente expresso no capítulo sete do livro de
Apocalipse. João teve a sua visão - "Olhei, e eis aqui uma multidão, a qual
ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que
estavam diante do trono, e perante o Cordeiro, traj ando vestidos brancos e com
palmas nas suas mãos; e chamavam com grande voz, dizendo: Salvação ao nosso
Deus, que está assentado no trono, e ao Cordeiro". João viu estas pessoas usando
vestes brancas e com palmas nas mãos, entoando louvores a Deus e dizendo:
"Salvação ao nosso Deus, que está assentado no trono". Mas o que
particularmente me agrada é a pergunta feita pelo ancião que estava perto de
João. "Quem são estes?" - perguntou ele - "Estes que estão vestidos de vestidos
brancos, quem são, e de onde vieram?" Estes que aqui se acham com palmas nas
mãos, cantando louvores a Deus, quem são? Será essa a pergunta que os
principados e potestades nos lugares celestiais farão. A cortina será descerrada e
lá estaremos nós com as nossas vestes brancas e com as palmas em nossas mãos,
e os principados e potestades perguntarão - Quem são estes? Que são eles? Que
fenômeno é este? Que pessoas são estas? De onde vêm? E a resposta será que são
pessoas cristãs - são cristãos de todos os séculos, de todas as nações, tribos,
países e cores congregados através dos séculos pelo poder da redenção de Cristo,
todos finalmente juntos, reunidos ali na glória. "Quem são estes?" De onde
vieram? Que são eles? E a resposta é: estes são os remidos pela sabedoria, poder,
glória, amor e graça de Deus. "Pela igreja"! Eu e vocês! Miseráveis criaturas que
somos, com nossas dores e sofrimentos, com as nossas "caxumbas e sarampos da
alma", e os nossos questionamentos e interrogações, e a nossa indagação: "Por
que Deus faz isso e aquilo?" Rogo-lhes, olhem para o céu, elevem a sua mente,

- 129 -
fazendo-a penetrar na glória. Que vergonha para nós, cristãos, por nosso infeliz
subjetivismo, por nossa incapacidade de compreender quem somos, o que
somos, o que está acontecendo conosco e o que Deus está fazendo em nós e
através de nós! A intenção da salvação é que tudo isso seja feito para vindicação
do caráter e da glória de Deus.

A proposição subseqüente ajuda-nos a ver como Deus o faz mediante a


Igreja. Não precisamos demorar-nos neste ponto, visto que já o consideramos
em parte. Lá estamos nós, que somos da Igreja, com vestes brancas, com palmas,
na glória, na presença de Deus. Como chegamos lá? Como foi que isso
aconteceu? A primeira coisa que nos deixa maravilhados é que Deus nos viu a
todos como éramos e como estávamos, "mortos em ofensas e pecados, andando
segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do
espírito que agora opera nos filhos da desobediência; entre os quais todos nós
também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne
e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também".
Como pôde Ele sequer olhar para nós ? Não merecíamos nada senão a
retribuição por nossos pecados, a punição, o inferno. Se você acha que merece
coisa melhor, você não sabe que é pecador, você nada sabe, e eu temo por você,
quanto à graça de Deus. Miseráveis, vis, torpes, desprezíveis e rebeldes - e Ele
olhou para nós! Que grandiosa manifestação do Seu ser e da Sua santa natureza !
Nós somos uma demonstração disso. Se Ele não tivesse olhado para nós, ainda
estaríamos em nossos pecados e indo para a perdição. Mas lá estamos nós, na
glória, porque Ele teve misericórdia de nós, teve pena de nós.
Não somente isso, Ele projetou e planejou um modo de libertar- -nos. Ele
mesmo produziu o método de salvação. O homem não o pediu, o homem não o
queria, o homem não sabia do que necessitava, o homem não foi consultado, não
deu nem uma única sugestão. A salvação é inteiramente de Deus, do princípio ao
fim. Essa é toda a tese de Paulo: "Pela graça sois salvos", "fostes salvos", e nada
mais ! Que manifestação do ser e do caráter de Deus !
Outra maravilha é Deus ter-nos feito o que fez, ter feito de nós o que fez,
anós que já fomos vivificados, ter Ele colocado em nós um princípio de vida
espiritual, em nós que estávamos completa, absoluta e desespe- radamente
mortos. Ele pôs nova vida em nós, a Sua própria vida em nós; Ele nos ressuscitou
juntamente com Cristo, estamos vivos para Ele, temos os novos interesses e a
nova perspectiva, estamos assentados nos lugares celestiais. Ele já nos fez isso
tudo, porém quando estivermos na glória, de vestes brancas e com palmas,
seremos absolutamente perfeitos, sem mancha, nem ruga, nem qualquer outra
coisa semelhante. Não haverá nem suspeita de culpa; a mais poderosa lente de
aumento não achará nada de errado em nós e sobre nós; seremos absolutamente

- 130 -
íntegros e completos, purificados de todos os vestígios do pecado. Não é
surpreendente a pergunta do ancião, "Quem são estes?" Como se tornaram
assim? O que é esta brancura imaculada, esta glória? E tão- -somente a
manifestação do caráter e do ser de Deus. Mediante a Igreja Ele o faz dessa
maneira especial.

Isso me leva à derradeira proposição, que é simplesmente uma questão


muito prática. Que devemos pensar de nós mesmos, à luz disso tudo? Por certo é
óbvio. Se você sequer pensa na sua bondade, significa que você nunca enxergou
esta verdade. Se você se julga cristão e bom membro da igreja porque tem vivido
uma vida virtuosa e nunca fez mal a ninguém, e porque dedica boa parte do seu
tempo a praticar estas coisas, você está apenas me dizendo que nunca entendeu
este ensino. Se você pode achar em si próprio algumacoisa que pode deixá-lo
satisfeito neste momento, você nunca viu de fato esta verdade, que Deus fez isso
tudo com o propósito de que agora seja conhecida dos principados e potestades a
Sua multiforme sabedoria nos lugares celestiais, para mostrar as sublimes
riquezas da Sua graça. Se você acha que tem algum pleito para apresentar em seu
favor ao trono da graça e da misericórdia, qualquer coisa que não seja o nome de
Jesus Cristo, você nunca enxergou a verdade, simplesmente está cego. Nosso
único pensamento deve ser:

"A aliança da misericórdia sou devedor, Só à misericórdia entôo louvor".

"Pela graça de Deus sou o que sou, Nada em minhas mãos levando vou".

Nada vejo de bom em mim; "Em mim, isto é, na minha carne, não habita bem
algum"; não tenho nada que me recomende, não tenho nada do que me gabar. Eu
não sou nada; Ele é tudo, DEUS! A Sua graça em Cristo Jesus! Se você enxergar
esta verdade, então inevitavelmente você pensará dessa forma.

Disso decorre que também devemos conduzir-nos de uma determinada


maneira. "Qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como
também ele é puro" (1 João 3:3). O homem que se viu como membro da Igreja e
do corpo de Cristo da maneira que estamos considerando, não vai querer mais
ficar tão perto quanto puder do mundo, nem vai considerar o cristianismo estreito
por condenar certas coisas. Nem por um momento! Se tão-somente pudéssemos
ver aqueles que conhecemos e que agora estão além do véu, daríamos adeus a
maioria das coisas deste mundo. Todo aquele que vê isto, todo aquele que tem
esta esperança, purifica-se a si mesmo, assim como Ele é puro. Se vocês sabem
que vão ser absolutamente puros e sem mancha, bem, avante! "Alimpai as mãos,
pecadores; e, vós de duplo ânimo, purificai os corações" (Tiago 4:8). Estes são os
apelos do Novo Testamento. Fiquem tão longe do mundo quanto puderem.
"Apressa-te da graçapara a glória."

- 131 -
A outra coisa que vejo aqui é a absoluta certeza de todas estas coisas, a
segurança disso tudo. Se a minha confiança na minha salvação cabal e final e na
minha perfeição última se baseasse em mim, na minha energia, no meu zelo e
nos meus propósitos e desejos, sei que nunca chegarialá.
Aminhasegurançasebaseianisto, que Deus, o Deus infinito e eterno, está
vindicando a Sua reputação eterna por meu intermédio. E se Ele tivesse
começado a salvar-me e depois deixasse a obra por fazer ou inacabada, e eu
merecidamente chegasse ao inferno, o diabo teria a maior alegria que lhe fosse
possível. Ele diria: há um ser que Deus começou a salvar, todavia deu em nada. É
impossível, isso não pode acontecer; não existe idéia mais monstruosa do que a
idéia de que você pode cair da graça, que você pode nascer de novo e depois ser
condenado eternamente. O caráter de Deus está envolvido! E impossível. Seu
objetivo não é meramente salvar-me, é vindicar o Seu ser e a Sua natureza, eeu
estou sendo utilizado paraessefim. O fim é absolutamente certo, porque o caráter
de Deus está envolvido nisso. "Aquele que em vós começou a boa obra a
aperfeiçoará até o dia de Jesus Cristo" (Filipenses 1:6).
A última palavra é óbvia. O privilégio de todas estas coisasl O privilégio de
ser usado por Deus desta maneira para vindicar o Seu caráter eterno e glorioso!
Por que estou nisto? Por que terá Ele olhado para mim? Como diz o ancião,
"Quem são estes?", assim eu pergunto: quem sou eu? Vocês recordam Davi
fazendo essapergunta quando Deus lhe deu um vislumbre de onde ele entrava
neste grande plano, "Quem sou eu, ou o que é a minha casa, para que me fosse
concedida tal honra?" (cf. 2 Crônicas 2:6). E nós, não nos sentimos como tendo
que dizer isso?
Quem sou eu, e o que sou eu, para que Deus sequer olhasse para mim e me
escolhesse para fazer parte do Seu plano e do Seu propósito, para vindicar Sua
Pessoa, Sua grandeza, Sua glória, Sua sabedoria, Seu amor, Sua misericórdia,
Suacompaixão perante os principados e as potestades nos lugares celestiais?
Povo cristão, pense cada um em si dessa forma, e sigapara a glória.

- 132 -
MEDIANTE CRISTO JESUS 1
11
"Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça
pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus." - Efésios 2:7

Devemos ver mais uma vez esta magnífica declaração que começa no
versículo quatro. Jamais o faremos demasiadas vezes. "Mas Deus, que é
riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando
nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com ele e nos fez
assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos
vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para
conosco em Cristo Jesus."
Quero considerar agora as três últimas palavras em particular: "em Cristo
Jesus" (ou "por intermédio de Cristo Jesus", VA). Pois aí vocês têm o evangelho
todo e, particularmente, toda a essência da mensagem do Natal.
O apóstolo esti vera explicando que, ao fazer o que fez por nós como
cristãos, Deus estava manifestando a glória do Seu ser e dos Seus procedimentos.
Mas no versículo sete ele vai adiante e nos diz que Deus está manifestando a Sua
glória e as maravilhas da Sua graça, não somente pelo que Ele fez e fará em nós,
por nosso intermédio e sobre nós, porém ainda mais pelo modo como o fez - "em
sua benignidade para conosco por intermédio de Cristo Jesus."
Paulo jamais poderia deixar isso de fora. Receio que muitos de nós
poderiam deixá-lo fora, e o deixem, mas Paulo nunca se esquece dessa verdade.
Este nome! - vocês o vêem em toda parte, em todas as suas Epístolas.
Observem-nas, leiam-nas e vejam como ele o vive repetindo - o nome de Jesus
Cristo. Se houve algum homem que poderia utilizar- -se e apropriar-se das
palavras do conhecido hino: "Suave soa o nome de Jesus aos ouvidos do crente
verdadeiro", é o apóstolo Paulo. Notem como ele o repete nesta passagem o
tempo todo: "nele"; "juntamente com Cristo"; nos lugares celestiais "em Cristo
Jesus". E, tendo usado o nome tantas vezes, vocês pensariam que ele poderia
terminar dizendo: "para mostar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da
sua graça em sua benignidade para conosco". Mas ele tem que dizê-lo
novamente - "em sua benignidade para conosco por intermédio de Cristo Jesus".
Aqui chegamos ao ponto no qual, de todos eles, podemos realmente começar a
avaliar as sublimes riquezas da graça de Deus. Alguns gostariam de traduzir as
palavras desta maneira:"... as incomensuráveis riquezas ..."; ou, nas palavras que

1 Este sermão foi pregado no domingo anterior ao Natal.

- 133 -
o apóstolo emprega no capítulo seguinte, versículo oito: "as insondáveis
riquezas" (ARA).

No entanto, antes de examinar estas expressões, deixem-me salientar um


ponto. E por intermédio de Cristo que auferimos todo e qualquer benfício. Não é
espantoso que sej a necessário dizer isto, e dar- -lhe ênfase? Que imensidão de
homens e mulheres ainda pensam nas bênçãos que vêm de Deus,
independentemente de Cristo Jesus! Há milhares no mundo atual que se julgam
adoradores de Deus e querem ser abençoados por Deus, e acreditam em ser
abençoados por Deus, e têm a capacidade de falar sobre isso sem mencionar
Cristo Jesus. Falam sobre oração a Deus, falam em receber bênçãos de Deus, em
ser curados por Deus, em ser guiados por Deus, mas não mencionam o nome de
Jesus Cristo. O apóstolo estava ciente desse perigo, pelo que nunca perde a
oportunidade de dizer, "por intermédio de Cristo Jesus". Toda a essência do
cristianismo consiste em que Deus trata com o homem e abençoa o homem
unicamente em Cristo Jesus e por meio de Cristo Jesus. Tudo nos vem de Deus
por intermédio de Cristo.
Seria uma tarefa simples provar isto mediante incontáveis citações, mas
tomemos apenas as palavras do nosso Senhor: "Eu sou o caminho, e a verdade e
a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim"(João 14:6). Certamente isso
deveria ser suficiente. Não podemos orar sem Ele; oramos em Seu nome, oramos
por amor do Seu nome. Nada podemos alegar em nosso favor senão Cristo.
Como podemos aproximar-nos de Deus sem Ele? Como poderia chegar alguma
coisa a nós sem Ele? João, vocês se lembram, no prólogo do seu Evangelho, faz
exatamente a mesma colocação. Referindo-se ao Senhor Jesus Cristo, ele diz: "E
todos nós recebemos também da sua plenitude, e graça por graça". E tudo em
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por intermédio dEle. "Deus estava em
Cristo (Deus, por intermédio de Cristo estava) reconciliando consigo o mundo"
(2 Coríntios 5:19). E assim que Ele reconcilia o mundo; e todas as bênçãos de
Deus nos vêm e fluem para nós por intermédio dEle. Ele é a "cabeça da igreja,
que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos" (Efésios
1:22-23). A Igreja é o Seu corpo. Auferimos toda a nossa vida, toda bênção, todo
poder e a nossa própria preservação do fato de que somos Seus membros. Ele é a
Cabeça, e, portanto, gozamos todas as bênçãos que temos, por intermédio de
Cristo Jesus. Poderei supor, pois, que todos nós temos claro entendimento disto,
que (como Paulo o expressa noutro lugar) estamos inteiramente "encerrados"
para Cristo? (Gálatas 3:23). A própria lei foi o preceptor, o pedagogo, para
trazer-nos a Cristo, para encerrar-nos para Cristo, para fazer-nos ver que não
podemos conhecer a Deus nem receber nenhuma bênção de Deus exceto em

- 134 -
Cristo Jesus e por meio dEle. Ele é o único canal, o único e exclusivo Mediador
entre Deus e o homem. Em todo lugar é - "por intermédio de Cristo Jesus".

Do que eu quero adverti-los particularmente agora, e com ênfase, é a


maneira pela qual Deus fez tudo isso por intermédio de Cristo Jesus. E é que aqui
que vemos muito especialmente algo do caráter insondável, do caráter
incomensurável das riquezas da graça de Deus. Aqui estamos vendo a questão
do lado de Deus. Já a estivemos examinando do nosso lado, mas agora, repito, a
estamos examinando do lado de Deus. O modo como fazemos uma coisa é,
muitas vezes, muito mais significativo do que aquilo que fazemos. E isso é
verdade acerca da maneira pela qual Deus abençoa a humanidade por intermédio
do Senhor Jesus Cristo. Já é algo maravilhoso, é algo espantoso, e indicativo das
sublimes riquezas da graça de Deus que Ele sequer nos abençoasse. Imaginemos
que Deus nos abençoasse, por assim dizer, diretamente dos céus, que Ele olhasse
para nós e fizesse certas coisas por nós, como de fato faz normalmente nas obras
da providência. Isso é em si maravilhoso, pois não merecemos coisa alguma.
Estudamos o nosso caráter nos três primeiros versículos. Não hácomo exagerar o
que há de mau no homem em pecado. Ele é uma vil criatura, tão vil quanto se
possa imaginar; porém, a despeito disso, Deus olha para nós e nos abençoa. Ele
"faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e
injustos" (Mateus 5:45).
O simples fato de que Ele olha para nós já indica insondáveis riquezas da
Sua graça. Mas temos algo aqui que vai além, pois nos é possível, às vezes, fazer
uma amabilidade a outras pessoas sem sacrifi-
car-nosnemumpouco.Ummultimilionáriovêumapessoapaupérrima. Não a
conhece, não tem nenhum interesse por ela, e até pode achar que é uma ofensa a
si mesmo olhar para tal pessoa. Seria uma atitude excelente, generosaenobre este
multimilionário dar um presente àquela pessoa, especialmente se ela o tiver
ofendido de algum modo. Suponhamos que ele lhe dê mil libras! E uma ajuda
muito generosa, todavia realmente nadacusta ao multimilionário; mal nota que
deu alguma coisa. Em si, é uma grande generosidade; é uma grande bondade,
especialmente se aquela pessoa pobre fez alguma coisa indigna ou má com
relação ao homem rico. Aquele ato de dar é em si maravilhoso. Mas quanto
aumentaria o valor daquele ato se o milionário fizesse concreta- mente um
sacrifício pessoal para ajudar o homem! Noutras palavras a avaliação final das
nossas ações devem ser pelo que elas nos custam. Nem por um momento quero
diminuir a importância da generosidade; é excelente em seu lugar, porém quando
envolve sofrimento pessoal ou perda pessoal para ajudar outrem, a sua
importância torna-se imensamente maior.

- 135 -
Pois bem, é algo semelhante a isso que estamos considerando aqui. Falo
com cautela e com reverência, mas me parece que é quando examinamos isto por
este aspecto que realmente começamos a ter uma noção da medida das
incomensuráveis riquezas da graça de Deus. Tal afirmação é paradoxal, e,
todavia, transmite verdadeiro significado. Nunca seremos capazes de fazer uma
avaliação disto; está além desta possibilidade; a realidade é tão maravilhosa que
as medidas do homem são totalmente inadequadas; e, contudo, as Escrituras nos
exortam a fazer um esforço. Prossigamos, vamos tão longe quanto nos seja
possível. Parece-me que, nesta passagem, é o que o apóstolo nos está exortando a
fazer. Ele ora no sentido de que os olhos do nosso entendimento sejam
iluminados para que possamos tentar medir o imensurável e tentemos escalar
estas alturas, cujas culminânciasjamais poderão ser alcançadas. Estamos
tentando medir, computar, avaliar o que Deus realmente fez. É como Ele vai
manifestar as sublimes riquezas da Sua graça em todas aquelas eras futuras "pela
sua benignidade para conosco". Sim, mas - o modo como Ele o fez - "por
intermédio de Cristo Jesus"!

Que é que isso significa? Falo cautelosamente por esta razão, que
obviamente estamos penetrando o mistério, não somente do amor de Deus, mas
também o mistério do ser de Deus. E aqui que temos que parar de entender e,
portanto, temos que "tiras os sapatos dos pés" (Êxodo 3:5). Entretanto
observemos o que dizem as Escrituras. Se vocês querem medir as insondáveis
riquezas, ou as sublimes riquezas da graça de Deus em Cristo Jesus, poderão
começar vendo o problema do ponto que nem a seu próprio Filho poupou, antes
o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas?"
(Romanos 8:32). Examinem essa grande declaração e notem os termos: Ele não
O "poupou". Deus é passível ou impassível? Que significa a palavra "poupar"?
Deus o Pai sabia o que era necessário antes de se poder elaborar o método da
salvação, sabia o que era necessário antes de Ele poder ser "justo e justificador
daquele que crê em Jesus" (Romanos 3:26). Ele sabia o que isso envolveria para
o Filho em sofrimento, e Ele não O poupou, mas O entregou a tudo quanto
aquela morte significava, aquela morte cruel, angustiosa. Ele sabia disso tudo.
Ele não O poupou, Ele O entregou, por todos nós. Pois bem, estes são os termos
com os quais temos que lutar quando consideramos esta grande questão da
passibilidade de Deus. Mas há outros. "Àquele que não conheceu pecado, o fez
pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus" (2 Coríntios
5:21). Deus o Pai, de Seu próprio Filho fez pecado
- não pecador, fez com que Ele fosse pecado, com o qual Ele ia tratar
- por nós, para que nEle fôssemos feitos justiça de Deus. E isso naturalmente
indica retrospectivamente algumas das extraordinárias afirmações registradas no

- 136 -
capítulo cinqüenta e três do livro do profeta Isaías: "O Senhor fez cair sobre ele a
iniqüidade de nós todos". O Senhor fez isso sem nenhum sentimento? Deus o fez
sem nada sofrer? É um grande mistério.
Mas, se realmente queremos entender o que aconteceu naquele primeiro
Natal, quando Cristo nasceu em Belém, temos que olhar a fundo estas coisas.
Tomamos estas coisas como certas e líquidas, com demasiada facilidade. "Deus
enviou seu Filho; João 3:16; todos nós sabemos disso." Sabemos? Será que
sabemos alguma coisa sobre isso?, pergunto. Falamos tão levianamente sobre o
amor de Deus. Alguma vez consideramos o que aquilo significou para Deus?
"Deus fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos." "Agradou ao Pai" - lemos
também - "Ao Senhor agradou o moê-lo"; foi do Seu agrado; não que isso O
agradasse, mas foi do Seu agrado, foi Sua vontade, que Ele O moesse. Ele moeu
Seu próprio Filho por nós. Aí vocês apanham certa medida das sublimes riquezas
da Sua graça. Ele O fez "enfermar". Em verdade, Deus fez o Seu unigênito Filho
enfermar, a fim de que eu e vocês nos tornássemos Seus filhos, e para que
desfrutássemos das abundantes riquezas da sua graça. No entanto, vocês não
começarão a medir essa graça divina enquanto não considerarem estas cinco
palavras, "por intermédio de Cristo Jesus". Foi como Deus o fez. Aí temos
apenas um vislumbre disso, do ponto de vista do Pai, o evento propriamente dito
quando ocorreu, como foi e é em Deus. As insondáveis riquezas da Sua graça!
Quem pode avaliar tal realidade? Quem a pode entender? Esse é o nosso
evangelho, que Deus o Pai enviou Seu Filho e O deu, e fez cair sobre Ele a
iniqüidade de nós todos. "Por intermédio de Cristo Jesus"!

Mas vamos examinar o assunto por um momento do ponto de vista do


Filho, Aquele que veio e com quem tudo isso aconteceu. Aqui denovo estamos
envolvidos no que Carlyle costumava chamar "infini- dades e imensidades", que
nos espantam e nos deixam o cérebro estupefato. Como podemos avaliar isto?
Bem, o apóstolo nos ensina algo sobre isso, particularmente em sua carta aos
filipenses, capítulo dois, versículos 5-11. Sabemos que visava ao Filho: há
Aquele que estava na glória eterna, no seio do Pai, sendo Ele co-igual e co-eterno
e participando da glória de Deus em toda a sua plenitude - na "forma de Deus".
Vocês sabem o que a sua salvação significou inevitavelmente para o Filho?
Significou a Sua decisão de não apegar-Se aos privilégios e sinais daquela glória
eterna. "Que, sendo na forma de Deus, não considerou roubo ser igual a Deus",
diz a Versão Autorizada (inglesa), ou, segundo uma tradução mais precisa, Ele
não considerou essa igualdade como um prêmio ou uma presa a que aferrar-Se a
todo custo. Ele não disse ao Pai: não vou deixar tudo isso para trás para salvar
aquela gente que se rebelou contra Ti. Desejo ajudá-la e fazer o que puder por
ela, mas isso não; não posso por de lado, mesmo temporariamente, as insígnias

- 141 -
da Minha glória, as marcas da Minha deidade eterna; não posso fazer isso. Estou
disposto afazer qualquer coisa, porém issoeu não posso fazer. Ele disse
exatamente o oposto! Ele "não teve por usurpação o ser igual a Deus". Não
considerou as insígnias da Sua deidade como uma presa a que apegar-se, a que
agarrar-Se. Ele decidiu deliberadamente que as poria de lado temporariamente.
Não pôs de lado a deidade - nem poderia fazê-lo - Ele não pôs de lado a Sua
deidade, mas sim, os sinais da Sua deidade.
Então, tomada a primeira decisão, inicial, seguiu-se a segunda, e
necessariamente. "Ele se fez sem reputação" (VA), Ele Se destituiu de honra.
Quão superior a Versão Autorizada ("Authorized Version") é aqui à Versão
Revista ("Revised Version". Essa idêntica a ARA) e outras, que dizem: "a si
mesmo se esvaziou"! Não, Ele não Se esvaziou, não Se esvaziou, absolutamente.
Ele "se fez" - permanecendo ainda o que era - "sem reputação". Não há nenhuma
"kenosis" no sentido de um esvaziamento da Sua deidade, pois isso é impossível.
O que há é algo muito mais maravilhoso. É que Ele decidiu fazer-Se sem
reputação, destituir-Se daSuahonra. Embora sendo ainda o eterno Filho de Deus,
desceu à terra, nasceu como criança e viveu como homem. Continuava sendo o
mesmo, mas Se fez sem reputação. Lemos histórias de grandes reis vestindo
roupas andrajosas e se metendo em trabalho braçal. Ninguém os conhecia,
ninguém os reconhecia. Que acontecera? O rei se fizera sem reputação,
disfarçando-se de homem comum e não levando consigo os atavios e as insígnias
dasuarealeza; noutras palavras, ele se fizera sem reputação. Ou vocês podem
pensar nisso em termos de um rei viajando incógnito. Foi exatamente o que
aconteceu na encarnação. Foi o que aconteceu quando o Filho de Deus desceu à
terra para habitar entre os homens. Apesar de continuar sendo o que sempre foi,
veio como homem e tomou sobre Si a forma de servo.
Aí estamos começando a avaliar as sublimes riquezas da graça de Deus. Foi
isso que a minha salvação e a de vocês significou e custou. Estamos interessados
nas sublimes riquezas da Sua graça, e estamos avaliando parte delas. Como é
fácil sentimentalizar o tema do bebê de Belém! Todavia, quando vocês olharem
para Ele, retrocedam, retrocedam penetrando a eternidade, considerem o que
significou para Ele vir para cá, e o que estava envolvido nisso! Como é vital que
sejamos teológicos e doutrinários em todo o nosso pensamento concernente a
Ele! Pensem com a mente, e só então sintam com o coração. Não comecem com
o coração, comecem com a cabeça, com a mente, com o entendimento. O
apóstolo já tinha orado para que os olhos do nosso entendimento fossem
iluminados! Vocês são cristãos, diz ele, mas terão percebido o que aconteceu, o
que estava envolvido, o que significou? "Ele se fez sem reputação."
Inicialmente, Ele teve que chegar àquelas duas decisões, antes que pudesse
realizar-seaencarnação. Eentão es tase realizou. Assim Ele veio e nasceu do
ventre de uma virgem - num estábulo, numa pequena localidade chamada Belém.

- 142 -
Assumira a natureza humana. Como eu disse, Ele não Se esvaziara da deidade
para tornar-Se homem. Continuando ainda como verdadeiro Deus de verdadeiro
Deus, Ele assumiu a • ✓ ** natureza humana. Assim e que agora Ele era
i

realmente homem, como


também realmente Deus. E ali O vemos na manjedoura.
Conforme entendo esta declaração do apóstolo, em tudo isso Deus estava
mostrando "as sublimes riquezas da sua graça", e estava causando admiração aos
principados e potestades e anjos nos lugares celestiais - imagino que quando os
anj os olhavam por sobre as muralhas do céu, diziam algo como o seguinte:

Quem é este frágil, desvalido Filho de humilde jovem hebrêia?

Eis o que diziam: "Quem é este?" Vocês se lembram de que, na pregação


anterior, vimos que estas mesmas potestades fitarão a Igreja glorificada e gente
como nós, com as nossas vestes brancas e com palmas nas mãos, e dirão: "Quem
são estes?" Entretanto em Belém a pergunta era:

Quem é este frágil, desvalido Filho de humilde jovem hebréia?

Há uma resposta, e somente uma: "É o Senhor, o rei da glória". Esta é a


estupenda história do primeiro Natal. Ou deixemos que Charles Wesley
responda a pergunta. Contemplando aquela manjedoura, que vemos? Segundo
Charles Wesley:

Na carne velado, vede Deus; Salve! Eis encarnada a Deidade!

Que paradoxos! Aí estão as duas medidas; aí estão as "incomensu- ráveis


riquezas da graça de Deus"; aí estão as sublimes riquezas, as insondáveis
riquezas - "Na carne velado" (aí está um extremo). "Vede Deus" (aí está o outro
extremo). Vocês podem medir estas grandezas? "Salve, eis encarnado" (sim, Ele
é uma criança, Ele é um bebê, Ele está chorando como qualquer outra criança;
ei-lO encarnado, ei-10 na carne -mas) "aDeidade"(aí está o outro extremo). As
imensuráveis riquezas da graça de Deus! Foi "por intermédio de Cristo Jesus",
foi pelo envio do Seu próprio Filho a este mundo dessa maneira que Deus nos
abençoou o mostrou a Sua benignidade para conosco.
Depois, avancemos mais e vejamos Sua vida. Vocês já pararam para pensar
e meditar nisso? Como deve ter sido para o eterno Filho de Deus, viver num
mundo como este, um mundo de pecado? Vocês têm às vezes um sentimento de
completo desgosto quando andam pelas ruas
*

de Londres e vêem certas manifestações de pecado? A feiúra, a sujeira, a


animalidade disso tudo? Certamente lhes enoja o estômago e vocês se revoltam -

- 143 -
e não há nada de errado em se sentirem assim, pois a coisa é hedionda, é terrível.
Mas multipliquem isso por milhões, pelo infinito, e tentem entender como deve
ter sido para o Filho de Deus viver e habitar num mundo como este, e ter que
mesclar-Se com a nossa raça decaída - Aquele que é descrito como "amigo de
publicanos e pecadores". Isto constitui uma parte da graça de Deus "por
intermédio de Cristo Jesus". Aí é onde vocês vêem "as insondáveis riquezas da
sua graça". Ele "suportou tais contradições dos pecadores contra si mesmo"
(Hebreus 12:3) durante trinta e três anos. E quando esteve na terra, nunca teve
casa própria. "As raposas têm covis, e as aves dos céus ninhos", diz Ele, "mas o
Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça" (Lucas 9:58). E depois essa
outra declaração no Evangelho Segundo João: "Cada um foi para sua casa. Jesus,
porém, foi para o Monte das Oliveiras" (João 7:53; 8:1). Nunca teve casa, nunca
possuiu um lar. Aquele por meio de quem todas as coisas foram feitas e sem o
qual nada do que foi feito se fez, não tinha onde pousar Sua cabeça, não teve um
lar que fosse Seu mesmo. "Por intermédio de Cristo Jesus"! Pensem ainda em
toda conspiração feita contra Ele, em como O esbofetearam, cuspiram em Seu
rosto, e pensem no interrogatório, nas tentativas de fazê-10 cometer erro.
Essas coisas são fatos, e devemos concentrar-nos nos fatos, devemos ir
direto de volta aos fatos. Não somos salvos por uma filosofia, nem por alguma
bela idéia, nem por alguma fantasia maravilhosa, nem por alguma concepção
poética. Não, estas coisas são fatos literais, duros, sólidos. Ele desceu à terra e
passou por tudo isso por nós e pela nossa salvação. E tudo fato literal! Vej am-nO
no Jardim do Getsêmani suando em agonia "grandes gotas de sangue". "As
insondáveis riquezas da sua graça, por intermédio de Cristo Jesus." E depois a
cruz - a dor e o sofrimento! "Não podemos saber, não podemos dizer, que dores
Ele teve que sofrer!" Mas sabemos que Ele esteve lá, outra vez em agonia. Ele
bradou: "Tenho sede". E depois, acima de todos os outros sofrimentos, o
sentimento de abandono - "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?"
"As sublimes riquezas da sua graça em sua benignidade para conosco, por
intermédio de Cristo Jesus". Suportar o esmagador fardo do pecado do mundo;
suportar a ira do Seu santo Pai;

Ah, se fosse só Londres! Nota do tradutor.


ser feito pecado! Essa é a medida. E quando Ele estava sofrendo estas coisas
todas, continuava sendo o eterno Filho de Deus, bem como Filho do homem.
Sofrimento como o dEle não podemos imaginar; porém Ele sofreu o suficiente
para cumprir plenamente a pena imposta ao pecado. É "por intermédio de Cristo
Jesus" que nos vêm as bênçãos.
Ele morre, eles O levam e O sepultam num túmulo. Vocês recordam como
Pedro falou perfeitamente sobre isso em seu discurso a certos judeus incrédulos,

- 144 -
quando disse: "Matastes o Príncipe da vida" - o que significa, o Autor da vida (cf.
ARA). Aí vocês têm de novo a medida absoluta: morte ("matastes") - vida ("o
Autor da vida"). O Autor da vida foi morto. Aí está a medida das sublimes
riquezas da graça de Deus. Eles O mataram, fizeram baixar o Seu corpo e O
sepultaram num túmulo, e sobre este rolaram uma pedra. Essa é a medida de
todos esses fatos. Então Deus O ressuscitou, como Paulo nos diz aqui, tirou- -O
dentre os mortos, levou-0 para o céu, e O glorificou e O exaltou. Aí está o
movimento completo, da glória da eternidade à terra e ao túmulo, e então de
volta à glória. Essa é a medida das "sublimes riquezas da sua graça".

O ponto visado pelo apóstolo é que Deus fez isso tudo com a finalidade de
mostrar a todas as eras futuras a Sua glória e grandeza, e especialmente as
sublimes riquezas da Sua graça. E permitam que se torne a salientar, para
mostrá-las não somente aos homens. E de fato um tema pertimente aos homens,
mas não somente a eles; é o que deixa os anjos extasiados. Um hino que às vezes
cantamos expressa perfeita mente esta verdade:

Anjos dos páramos da glória,


Voai por sobre toda a terra.
Vós que cantastes a Criação, O Natal hoje proclamai!

Os anjos que cantaram na manhã da criação cantaram outra vez na manhã


do nascimento do Messias. Nunca o céu tinha visto uma coisa como esta, Nunca
o céu tinha visto um tema como este, como este evento estupendo. O bebê que
nasceu, que eles conheciam como o Senhor, o Filho unigênito do Pai, Aquele por
meio de quem tudo foi criado, está deitado como um frágil bebê numa
manjedoura. Não admira que eles tenham cantado e saudado o nascimento do
Messias. E eles continuam admirados, pois o apóstolo Pedro nos diz, em sua
Primeira Epístola, que não somente os profetas, na antiga dispensação, tinham
profetizado estas coisas, a saber, os sofrimentos de Cristo e a glória que se lhes
seguiria; coisas que os deixaram surpresos e admirados, porém que também é
verdade que "para as quais coisas os anjos desejam bem atentar" (1:12). Que
afirmação espantosa! Estas "coisas" são "os sofrimentos que a Cristo haviam de
vir, e a glória que se lhes havia de seguir", omovimento completo, que inclui a
encarnação, a vida, amorte expiatória, o sepultamento, a ressurreição, a
glorificação - "para as quais coisas", diz Pedro, "os anjos desejam bem atentar".
Ele emprega aqui uma palavra muito interessante. Essa palavra "desejam"
significa desejo muito intenso e desejo muito forte. Ela inclui de fato mais uma
idéia, a de que eles se debruçaram para vê-las. "As quais coisas os anjos estão se
debruçando para ver bem"! A encarnação do Filho! A morte do Autor da vida! O
sepultamento do Criador! É a coisa mais assombrosa. Os anjos estão admirados,

- 145 -
e eles adoram e louvam a Deus quando vêem esta manifestação, esta exposição,
esta exibição das sublimes riquezas da Sua graça. O que os espanta não é
somente o fato de que pecadores miseráveis, rebeldes, como eu e vocês, tenham
sido vivificados, recebendo nova vida, tenham sido ressuscitados e habilitados
para viver para Deus, e que, finalmente, sejam glorificados e passem a eternidade
em Sua presença - algo espantoso, e eles ficam maravilhados com isso - mas
quando eles consideram o método pelo qual Deus fez isso tudo, até o poder de
expressão deles falha e se torna inadequado. É algo que supera tudo, Deus amar o
mundo de tal maneira, ao ponto de dar, até à vergonhosa e cruel morte de cruz, o
Seu Filho unigênito, para que todo aquele que nEle crê - sem obras nem mérito -
não pereça, mas tenha a vida eterna. "Para mostrar nos séculos vindouros as
sublimes riquezas da sua graça em sua benignidade para conosco, por intermédio
de Cristo Jesus".

- 146 -
PELA GRAÇA POR MEIO DA FÉ
11
"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é
dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie; porque somos
feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou
para que andássemos nelas".
-Efésios 2:8-10

Nestes três versículos o apóstolo resume a grande argumentação que ele nos
transmite nos sete primeiros versículos deste capítulo. Ele a traz toda a um centro
focai. Imagino que, em certos aspectos, podemos dizer que em parte alguma
desta Epístola se vê declaração mais importante que esta. Naturalmente, tudo
vem prenhe de doutrina, como temos visto; mas, certamente, do nosso ponto de
vista, e para que se tenha verdadeiro e claro entendimento do que é que nos faz
cristãos, não há nada que seja mais importante do que essa declaração particular.
E, portanto, é óbvio que é igualmente importante no sentido prático.
Aqui está, seguramente, uma declaração que precisa ser aceita como
determinante em toda obra de evangelização. De igual modo, ela deve
determinar toda a nossa prática da vida cristã, porque a crença e a prática são
inseparáveis. Não se pode separar terminantemente o conceito que a pessoa tem
destas coisas, do seu relacionamento integral com elas. Por isso digo que nesta
passagem estamos face a face com uma das declarações mais cruciais de todas as
Escrituras, e obviamente é por isso que o apóstolo a expõe desta forma especial.
Por essa mesma razão também, ele já tinha orado, no capítulo primeiro, para que
os olhos do nosso entendimento fossem iluminados. Jamais poderemos repetir
isso em demasia. Esta grande Epístola, talvez a maior de todas em alguns
sentidos, impregnada de profunda teologia e de afirmações doutrinárias, foi, não
obstante, escrita primordialmente com o objetivo de ajudar as pessoas de
maneira prática e pastoral. Noutras palavras, não devemos pensar que ela é,
primeiramente e acima de tudo, uma tentativa da parte do apóstolo, de escrever
um tratado teológico. O apóstolo não era um teólogo profissional - pergunto se
deveria existir tal coisa. O apóstolo era pregador e evangelista. Tal homem, é
evidente, tem que ser teólogo - se não o for, não poderá ser um verdadeiro
evangelista - no entanto não se tratava de uma questão profissional. A
abordagem do apóstolo não é acadêmica, não é teórica; ele estava interessado em
ajudar aqueles crentes a viverem a vida cristã. Foi por isso que lhes escreveu.
Mas ele sabia que ninguém pode viver esta vida cristã se primeiro não tiver um
verdadeiro entendimento do que é que afinal nos faz cristãos. Portanto, quando
Paulo lhes escreve, ele parte desta grande doutrina, e depois passaà sua
aplicação.

- 147 -
É o que ele faz aqui, em sua oração por eles, no sentido de que os olhos do
seu entendimento sejam iluminados, para que eles possam conhecer a esperança
da vocação de Deus, as riquezas da glória da Sua herançanos santos e, talvez
mais importante que tudo mais, aimensurável grandeza do Seu poder para
conosco, os que cremos. Essa era a dificuldade daqueles crentes; não se davam
conta desse poder. E é esta a nossa dificuldade - a nossa incapacidade de
perceber a imensurável grandeza do poder de Deus em nós, os que cremos.
Assim ele procurou revelá-la, expô-la e colocá-la claramente diante deles. Ele a
tinha exposto em detalhe: a descrição negativa nos versículos 1 a 3; a positiva
nos versículos 4 a 7. Feito isso ele diz: agora, então, tudo vem a dar nisto... Vocês
podem notar que ele começa com a palavra "Porque". "Porque pela graça sois
salvos." É uma continuação; ele retrocede ao que estivera dizendo, e depois o
coloca mais uma vez de um modo que não nos deixará esquecê-lo nunca mais.
E uma descrição do que significa realmente ser cristão. Cada vez me
convenço mais de que a maior parte dos nossos problemas na vida cristã surge
nesse ponto. Pois, se não estivermos certos no começo, estaremos errados em
toda parte. E, visto que muitos ainda estão confusos nesse primeiro passo, estão
sempre cheios de problemas, dificuldades e perguntas, e não podem entender
isto, e não conseguem ver aquilo. É porque nunca entenderam bem o alicerce.
Bem, aí está para nós - e, como eu disse, não há declaração mais clara sobre
isso em parte alguma das Escrituras.
Então, porque a confusão? Muitas vezes a confusão aparece porque as
pessoas transformam estas grandes declarações do apóstolo em matéria de
controvérsia. E o fazem porque insistem em introduzir a sua filosofia, com o que
me refiro às suas idéias pessoais. Em vez de tomarem as claras afirmações do
apóstolo, elas dizem: mas eu não consigo ver isto. Se é assim, então não entendo
como Deus pode ser um Deus de amor. Noutras palavras, essas pessoas
começam a filosofar e, naturalmente, no momento em que vocês começarem a
fazer isso, estarão fadados a ter dificuldades. Ou aceitamos as Escrituras como
nosso único fundamento, ou não. Muitos dizem que as aceitam, mas logo vêm
com a sua incapacidade de entender. No momento em que vocês fizerem isso,
terão abandonado as Escrituras e estarão introduzindo a sua capacidade pessoal,
o seu entendimento, e as suas teorias e idéias pessoais. Esse tem sido
constantemente o problema, especialmente com este três versículos que estamos
considerando. O que me proponho a fazer, portanto, é simplesmente colocar
estas afirmações diante de vocês, e pedir-lhes que as considerem e que meditem
sobre elas. Aqui está o fundamento completo da nossaposição como cristãos. E
aqui que se nos diz com exatidão como foi que nos tornamos cristãos.

- 148 -
Que é que o apóstolo diz? Diz ele que somos cristãos inteiramente como
resultado da graça de Deus. Ora, certamente ninguém pode contestar isso.
"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de
Deus." Notem o método do apóstolo aqui. A declaração toda está em três
versículos e, em certo sentido, podemos tomar os três versículos como nossas
divisões e subtítulos. Primeiro ele faz uma declaração positiva no versículo 8.
Coloca a seguir uma negativa, no versículo 9; e o propósito danegativa é reforçar
a positiva. Está apenas dizendo a mesma coisa negativamente. E depois, no
versículo 10, ele parece combinar as duas, a positiva e a negativa.
Examinemos primeiro a declaração positiva. Sua asserção feita
positivamente é que nós somos cristãos inteira e unicamente como resultado da
graça de Deus. Lembremo-nos mais uma vez de que "graça" significa favor
imerecido. E uma ação que brota inteiramente do caráter misericordioso de
Deus. Assim, a proposição fundamental é que a salvação é algo inteiramente
procedente da parte de Deus. O que é mais importante ainda é que ela não
somente vem da parte de Deus, porém nos vem apesar de nós mesmos - favor
"imerecido". Noutras palavras, não é a resposta de Deus a alguma coisa que haja
em nós. Há muitos, no entanto, que parecem pensar que é - que a salvação é a
resposta de Deus a algo existente em nós. Mas a palavra "graça" exclui isso. É
apesar de nós. Como vimos, o apóstolo mostra-se muito ansioso para dizer isso.
Obsevem o modo interessante como ele, por assim dizer, introduziu-o sutilmente
no versículo cinco. Ele se interrompeu, quebrou a simetria da sua exposição, e se
fez culpado de grave defeito, do ponto de vista do estilo literário. Contudo, ele
não estava preocupado com isso. Ouçam-no: "Estando nós ainda mortos em
nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo", e então, em vez de dar o
passo seguinte - parênteses "(pela graça sois salvos)". Aqui ele o expressa um
pouco mais explicitamente. A salvação não é, em nenhum sentido, a resposta de
Deus a algo existente em nós. Não é algo de que nalgum sentido tenhamos
merecimento ou mérito. Toda a essência do ensino neste ponto, e em toda parte
do Novo Testamento, é que não temos nenhum tipo ou nenhuma espécie de
direito ã salvação, e que toda a glória da salvação é que, apesar de nada
merecermos, senão a punição, o inferno e o banimento da presença de Deus por
toda a eternidade, não obstante Deus, por Seu amor, Suagraça e Sua maravilhosa
misericórdia, concedeu-nos esta salvação. Pois bem, esse é todo o ensino do
termo "graça".
Não precisamos demorar-nos aqui, porque já estivemos tratando disso nos
sete versículos anteriores. Qual é o objetivo desses versículos? Não será apenas
mostrar-nos essa mesma verdade negativa e positivamente? Qual é o objetivo
dessa horrível descrição do homem como ele é por natureza em conseqüência do
pecado nos três primeiros versículos, senão justamente mostrar que o homem,

- 149 -
como ele é, não merece nada, exceto a retribuição aos seus pecados? Ele é por
natureza filho da ira, e não somente por natureza, mas também por conduta, por
seu comportamento, por sua atitude em geral para com Deus - vivendo segundo o
curso deste mundo, governado pelo príncipe das potestades do ar. Esse é o tipo
de criatura que ele é; morto em ofensas e pecados, criatura cheia de cobiças,
cobiças da carne, "fazendo a vontade da carne e dos pensamentos". Não existe
descrição mais horrorosa do que essa. Não se pode imaginar um estado pior do
que esse. Uma criatura como essa merece alguma coisa? Tem algum direito
diante de Deus? Poderá ir à frente com alguma causa ou demanda para defender?
Todo o ponto visado pelo apóstolo é que tal criatura não merece nada das mãos
de Deus, senão a retribuição aos seus pecados. E depois ele desenvolve o seu
argumento com o seu grande contraste - "mas Deus" - que já consideramos em
detalhe. E o propósito disso, seguramente, é exaltar a graça e a misericórdia de
Deus, e mostrar que, onde o homem não merece absolutamente nada, Deus não
somente lhe dá, e lhe dá liberalmente, mas faz chover sobre ele "as imensuráveis
riquezas da sua graça".
Esse é, pois, o primeiro princípio: que somos cristãos única, total e
exclusivamente por causa da graça de Deus. Referi-me ao versículo cinco porque
é extremamente inportante nesta argumentação. Notem como o apóstolo o
inseriu ali, fê-lo escorregar para dentro, por assim dizer, insinuou-o. Por quê?
Observem o contexto. Diz ele que foi exatamente "quando estávamos mortos em
pecados" que Deus nos vivificou. E então, imediatamente - "(pela graça sois
salvos)". Se você não enxergar o princípio nesse ponto, não o enxergará em lugar
nenhum. O que ele estava dizendo é que estávamos mortos, isto é, absolutamente
sem vida; portanto, sem nenhuma capacidade. E aprimeira coisa que nos era
necessária, era que nos fosse dada vida, que fôssemos vivificados. E diz ele que
foi exatamente isso que Deus fez conosco. Pelo que diz ele: vocês não
conseguem ver isso? E pela graça que vocês são salvos. Portanto, ele o coloca
nesse ponto em particular obviamente por essa razão. É a única conclusão que se
pode deduzir. Criaturas que estavam espiritualmente mortas, agora estão vivas -
como aconteceu? Pode um morto voltar a viver por si mesmo? Impossível. Há
uma única resposta: "Pela graça sois salvos". Chegamos, pois, a esta inevitável
conclusão: somos cristãos neste momento única e inteiramente pela graça de
Deus.
O apóstolo nunca se cansava de dizer isso. Que mais poderia ele dizer?
Quando ele olhava para trás, para o blásfemo Saulo de Tarso, que odiava a Cristo
e a Igreja Cristã e fazia o máximo que podia para exterminar o cristianismo,
respirando ameaças e morte; quando olhava para trás e via isso, e depois olhava
para si mesmo como ele agora era, que poderia ele dizer, senão isto: "Sou o que
sou pela graça de Deus"? E devo confessar que ultrapassa a minha capacidade de

- 150 -
entender como algum cristão ou alguma cristã, ao olhar para si, possa dizer coisa
diferente. Se quando você dobra os joelhos diante de Deus não se der conta de
que é "devedor à misericórdia, única e exclusivamente", confesso que não
entendo você. Há alguma coisa tragicamente defeituosa, ou no seu sentimento de
pecado, ou na suacapacidade de percepção da grandeza do amor de Deus. Este é
o tema sempre presente no Novo Testamento, a razão pela qual os santos dos
séculos sempre louvaram o Senhor Jesus Cristo. Eles vêem que quando estavam
em total desesperança, verdadeiramente mortos, e eram vis e repugnantes,
"odiosos, odiando-nos uns aos outros", como diz Paulo escrevendo a Tito (3:3).
Deus olhou para eles. Foi "quando éramos ainda pecadores", mais, foi "quando
éramos inimigos" que fomos reconciliados com Deus pela morte do Seu Filho -
inimigos; alienados em nossas mentes, completamente opostos. Não seria certo
que temos que ver que é pela graça, e somente pela graça, que somos cristãos? E
totalmente imerecido, é somente como resultado da bondade de Deus.

A segunda proposição, como indiquei, é colocada em forma negativa pelo


apóstolo. Diz ele que o fato de que somos cristãos não nos dá base nenhuma
parajactância. Essa é a forma negativa da primeira proposição. A primeira é que
somos cristãos única e inteiramente como resultado da graça de Deus. Portanto,
em segundo lugar, temos que dizer que o fato de sermos cristãos não nos dá
nenhuma base para gabar-nos. O apóstolo faz a colocação disso com duas
declarações. A primeira é: "isto não vem de vós"; não satisfeito com isso, o
apóstolo se expressa mais explicitamente com estas palavras: "para que ninguém
se glorie". Aí temos duas declarações vitalmente importantes. Certamente nada
poderia ser mais forte: "Não vem de vós"; "para que ninguém se glorie". Este
sempre deve ser o teste decisivo do nosso conceito da salvação e do que nos faz
cristãos. Examinemo-nos por um momento. Qual a idéia que você faz de si
mesmo como cristão? Como foi que você se tornou cristão? De que depende?
Que é que está no fundo? Qual a razão? Essa é a questão decisiva e, segundo o
apóstolo, o teste vital. A sua idéia de como você se tornou cristão lhe dá alguma
base para orgulhar-se de si mesmo, para gabar-se? Essa sua idéia reflete de
alguma forma algum mérito a seu favor? Se reflete, segundo esta declaração
apóstolica não hesito em dizê-lo você não é cristão. "Não vem de vós; paraque
ninguém se glorie". No capítulo três da Epístola aos Romanos o apóstolo se
expressa com mais clareza ainda, com uma pergunta. Aí está diz ele, o plano
divino de salvação, e depois, no versículo 27, pergunta: "Onde está logo a
jactância?" Ele responde, dizendo: "É excluída", é posta para fora, e a porta é
fechada sobre ela; não há lugar para ela aqui.
Não admira que o apóstolo Paulo tenha tanto gosto em colocar a questão
dessa maneira em especial, porque, antes da sua conversão, antes de se tornar

- 151 -
cristão, ele bem sabiao que erajactar-se. Nuncahouve uma pessoa tão satisfeita
consigo ou mais segura de si do que Saulo de Tarso. Tinha orgulho próprio em
todos os aspectos - orgulhava-se de sua nacionalidade, da tribo em que nascera
em Israel, de haver sido criado como fariseu e de haver sentado aos pés de
Gamaliel, orgulhava- -se de sua religião, da sua moralidade, do seu
conhecimento. Ele nos fala disso tudo no capítulo três da Epístola aos Filipenses.
Ele costumava jactar-se. Levantava-se e dizia coisas semelhantes a estas: quem
pode contestar isto? Aqui estou, um bom homem, de boa moral, religioso.
Observem-me nos meus deveres religiosos, observem o meu viver,
observem-me em todos os aspectos; tenho-me dedicado a esta vida piedosa e
santa, e estou satisfazendo a Deus. Essa era a sua atitude. Gabava-se. Achava que
era um homem de tanto valor e que tinha vivido de tal maneira que podia
orgulhar-se disso. Essa era uma das suas grandes palavras. Mas chegou a ver que
uma das maiores diferenças resultantes do fato de haver-se tornado cristão foi
que tudo isso foi jogado fora e passou a ser irrelevante. Por isso acostumou-se a
usar linguagem forte. Olhando para trás, para tudo aquilo de que tanto se jactara,
ele diz: "É escória e perda!" Não se contenta em dizer que tudo aquilo era mal; é
vil, é sujo, é nojento. Jactância? Foi excluída! Entretanto o apóstolo conhece tão
bem o perigo neste ponto que não se contenta com uma declaração geral; ele
indica particularmente dois aspectos nos quais somos propensos à jactância.
O primeiro é esta questão de obras. "Pela graça sois salvos, e isto não vem
de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie". E
sempre com relação às obras que somos mais propensos a jactar-nos. É nesse
ponto que o diabo nos tenta de maneira a mais sutil. Obras! Essa era a razão pela
qual os fariseus eram os maiores inimigos de Jesus Cristo; não porque fossem
meros faladores, mas porque realmente faziam coisas. Quando aquele fariseu
disse (Lucas 18:12) -"Jejuo duas vezes na semana", estava falando a verdade;
quando ele disse: " dou os dízimos de tudo quanto possuo", estava sendo
rigorosamente exato. Os fariseus não falavam apenas, faziam realmente estas
coisas. E é por isso que eles ficaram tão aborrecidos com a pregação do Filho de
Deus e foram grandemente responsáveis pela Sua crucifixão. Seria ir longe
demais dizer que é sempre mais difícil converter uma pessoa boa do que uma
pessoa má? Penso que a história da Igrejaprova isso. Os maiores opositores da
religião evangélica sempre têm sido gente boa e religiosa. Alguns dos mais
cruéis perseguidores de que fala a história da Igrej a pertenciam a essa classe. Os
santos sempre sofreram mais profundamente nas mãos de gente boa, de bom
nível moral, religiosa. Por quê? Por causadas boas obras. O evangelho bíblico
sempre denuncia a confiança nas boas obras, o orgulho pelas boas obras e a
jactância acerca das boas obras, e aquelas pessoas não agüentam isso. Toda a sua
posição foi edificada sobre isso - o que elas são, o que elas fizeram e o que elas

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estão sempre fazendo. Isso constitui toda a posição delas e, se vocês lhes tirarem
isso, elas ficarão sem nada. Por isso elas odeiam a pregação realmente bíblica, e
a combaterão até não poderem mais. O evangelho faz de nós mendigos. Ele nos
condena, a todos e a cada um de nós. Não há diferença, Paulo afirma em toda
parte, não há diferença entre o gentio, que está fora da comunidade, e o judeu
religioso, aos olhos de Deus - "Não há um justo, nem um sequer". Assim, é
preciso que as obras desapareçam, que não nos gabemos delas. Mas nós temos a
tendência de gabar-nos delas - o nosso viver virtuoso, as nossas boas ações, as
nossas observâncias religiosas, a nossafreqüên- cia aos cultos (e particularmente
quando vimos de manhã bem cedo), e assim por diante. São estas coisas, as
nossas atividades religiosas, que nos fazem cristãos. É esse o argumento.
No entanto o apóstolo desmascara e denuncia tudo isso, e o faz com muita
simplicidade, da seguinte maneira: diz ele que falar sobre as obras é voltar ao
jugo da lei. Se você pensa, diz ele, que é a sua vida virtuosa que faz de você um
cristão, está tornando a ficar debaixo da lei. Mas é inútil fazê-lo, diz ele, por esta
razão. Se você tornar a colocar-se debaixo da lei, estará condenando a si próprio,
pois "nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela
lei vem o conhecimento do pecado", Se você quiser tentar justificar-se por sua
vida e por suas obras, você estará indo direto para a condenação, porque as
melhores obras do homem não são suficientemente boas aos olhos de Deus.
Todos fomos condenados pela lei - "Todos pecaram e destituídos estão da glória
de Deus". "Não há um justo, nem um sequer". Portanto, não sejam tolos, diz
Paulo; não se apartem da graça, pois fazê-lo é ir para a condenação. As obras de
homem nenhum serão suficientes para justificá-lo aos olhos de Deus. Que tolice,
então, tornar a ficar debaixo das obras!
Mas não somente isso, no versículo dez ele explica que fazer isso é fazer o
contrário do que se deve. Tais pessoas pensam que pelas suas boas obras elas se
fazem cristãs, ao passo que, diz Paulo, é exatamente o contrário. "Somos feitura
sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que
andássemos nelas." A tragédia é que as pessoas pensam que, se tão-somente
fizeren certas coisas e evitarem outras, e tiverem uma vida virtuosa, e saírem
para ajudar outras pessoas, dessa maneira se tornarão cristãs. Que cegueira!, diz
Paulo. Esta é a maneira de ver as boas obras: Deus nos faz cristãos para que
pratiquemos boas obras. Não é uma questão de as boas obras levarem ao
cristianismo, e sim de o cristianismo levar às boas obras. E exatamente o oposto
daquilo em que as pessoas tendem a crer. Portanto, não há nada que seja tão
completa contradição da verdadeira posição cristã como essa tendência que
temos de jactar-nos e de pensar que, porque somos o que somos e fazemos o que
fazemos, tornamo-nos cristãos. Não; Deus faz cristãos, e depois eles vão praticar
as suas boas obras. A jactância é excluída. "Onde está logo a jactância? É

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excluída. Por qual lei? Das obras? Não; mas pela lei da fé." Vemos que as obras
são excluídas na questão de alguém se tornar cristão. Não devemos jactar- -nos
das nossas obras. Se de alguma forma mostrarmos que achamos que temos
bondade, ou se estivermos confiantes em alguma coisa que fizemos, estaremos
negando a graça de Deus. Isto é o oposto do cristianismo.
Contudo, a lástima é que não são somente as obras e as ações que tendem a
insinuar-se. Existe algo mais - a fé! A fé tende a introduzir- se e afazer com que
nos jactemos. Há uma grande controvérsia acerca deste versículo - "Porque pela
graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus". A
grande questão é, a que se refere a palavra "isto"? E há duas escolas de opinião.
"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto (a fé) não vem de vós, é
dom de Deus", diz uma escola. Mas, de acordo com a outra escola, a palavra
"isto" não se refere à "fé", e sim à "graça", mencionada no início da frase:
"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto (esta posição na graça) não
vem de vós, é dom de Deus". Seria possível resolver a disputa? Não. Não é
questão de gramática, não é questão de língua. Vocês verão que, como
usualmente acontece, as grandes autoridades estão divididas entre as duas
escolas, e é muito interessante, quase divertido, notar os lados aos quais elas
pertencem. Por exemplo, se eu perguntasse qual era a opinião de Calvino sobre
isso, estou certo de que vocês logo responderiam que Calvino dizia que "isto" se
refere à fé, e não àgraça. Mas a verdade é que Calvino disse exatamente o oposto,
que "isto" se refere à "graça" e não à "fé". E uma questão que não se pode
resolver. E há um sentido em que realmente isso não tem a mínima importância,
porque no fim dá no mesmo. Noutras palavras, o importante é não recair nas
"obras".
Mas há muitos que fazem isso. Transformam a sua fé numa espécie de
obras. Na verdade, existe muito ensino evangelístico popular atualmente que
afirma que a diferença que o Novo Testamento faz pode ser expressa desta
maneira: no Velho Testamento Deus olhava para o povo e dizia: aqui está a
Minha lei, aqui estão os DezMandamentos; guardem- -nos, e Eu os perdoarei e
vocês serão salvos. Mas, esse ensino continua e diz: não é assim agora. Deus pôs
tudo isso de lado, não existe mais lei, Deus simplesmente nos diz: "Creiam no
Senhor Jesus Cristo", e vocês serão salvos. Noutras palavras, o que dizem os que
tal coisa ensinam é que, crendo no Senhor Jesus Cristo, a pessoa se salva.
Todavia isso é transformar a fé em obras, porque isso eqüivale a dizer que a
nossa ação é que nos salva. Mas o apóstolo diz: "Não vem de vós". Se "isto" se
refere à fé ou à graça, não importa; "sois salvos", diz Paulo, "pela graça, e isto
não vem de vós". Se é a minha fé que me salva, eu mesmo me salvei; porém
Paulo afirma que isso não vem de você. De modo que jamais devo falar da minha
fé de molde a fazê-la vir "de mim mesmo". E não é só isso. Se me tornei cristão

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dessa maneira, certamente isso também me dá base para jactar-me, para
gloriar-me; mas Paulo diz: "Não de obras, para que ninguém se glorie". A minha
jactância tem que ser excluída totalmente.
Portanto, quando pensamos na fé, temos que ter o cuidado de examiná-la à
luz do que foi dito. A fé não é a causa da salvação. Cristo é a causa da salvação.
A graça de Deus no Senhor Jesus Cristo é a causa da salvação, e jamais devo
falar de um modo que apresente a fé como acausa da salvação. Então, o que é a
fé? A fé é apenas o instrumento pelo qual a salvação chega a mim. "Pela graça
sois salvos, por meio da fé." A fé é o canal, é o instrumento através do qual esta
salvação, que é da graça de Deus, vem a mim. Sou salvo pela graça, "por meio da
fé". A fé é simplesmente o meio através do qual a graça de Deus, que traz
salvação, entra em minha vida. Portanto, devemos ser sempre extremamente
cautelosos, jamais dizendo que é a nossa fé que nos salva. A fé não salva, crença
não salva, Cristo salva - Cristo e a Sua obra acabada. Não a minha crença, não a
minha fé, não o meu entendimento, nada que eu faça - "não vem de vós", "a
jactância é excluída", "pela graça, por meio da fé".
Certamente o que a passagem que inclui os três primeiros versículos deste
capítulo tem por objetivo é mostrar que nenhuma outra posição é possível. Como
pode alguém que está "morto" em ofensas e pecados salvar-se? Como pode
alguém que é "estranho e inimigo no entendimento", cujo coração está "em
inimizade contra Deus" (pois é o qae as Escrituras nos falam acerca do homem
natural), como pode tal pessoa fazer alguma coisa que seja meritória? É
impossível. A primeira coisa que acontece conosco, diz-nos o apóstolo nos
versículos 4 a 7, é que fomos "vivificados". Nova vida foi introduzida em nós.
Por quê? porque sem vida não podemos fazer coisa alguma. A primeira coisa que
o pecador necessita é vida. Ele não pode pedir vida, pois está morto. Deus lhe dá
vida, e o pecador prova que a tem crendo no evangelho. A vivificação é o
primeiro passo. E a primeira coisa que acontece. Eu não peçoparaservivificado.
Se eu pedissepara ser vivificado, não precisaria ser vivificado, já teria vida. No
entanto, estou morto, e estou em inimizade contra Deus e a Ele me oponho, não
tenho entendimento, tenho ódio. Mas Deus me dá vida. Ele me vivificou
juntamente com Cristo. Portanto, a jactância é inteiramente excluída gloriar-me
das obras, gloriar-me até da fé. Isso tem que ser excluído. A salvação é
inteiramente de Deus.

Isso nos leva ao último princípio, que resumo da seguinte maneira: o fato de
sermos cristãos é totalmente resultante da obra de Deus. O real problema de
muitos de nós é que a nossa concepção do que é que nos faz cristãos é demasiado
fraca, demasiado pobre; é a nossa incapacidade de perceber a grandeza do que
significa ser cristão. Paulo diz: "Somos feitura sua"! É Deus que fez algo, é Deus

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que está operando; somos Sua feitura. Não trabalho nosso, mas Seu trabalho.
Portanto, digo de novo, não é a nossa vida virtuosa, não são os nossos esforços
todos e a esperança de por fim sermos cristãos, que nos torna cristãos. Mas
permitam-me ir mais longe. Não é a nossa decisão, o nosso "decidir-nos por
Cristo", que nos faz cristãos; isso é obra nossa. A decisão entra nisso, porém não
é a nossa decisão que nos faz cristãos. Paulo afirmaque somos feitura Sua. E
assim vocês vêem quão gravemente o nosso pensamento leviano e nosso falar
leviano representam mal o cristianismo! Lembro- -me de um homem muito bom
- sim, um bom cristão - cujo modo de dar testemunho era sempre este: "Eu me
decidi por Cristo há trinta anos, e nunca me arrependi". Era a sua maneira de
expressá-lo. Não é esse o modo como Paulo descreve o tornar-se cristão. "Somos
feitura sua"! Essa é a ênfase. Não algo em que tomei parte ativa, não algo que
decidi, mas algo que Deus fez por mim. Aquele homem faria melhor se se
expressasse assim: há trinta anos eu estava morto em ofensas e pecados, porém
Deus começou a fazer algo em mim; tomei consciência de que Deus estava
lidando comigo; senti que Deus me esmagava; senti as mãos de Deus me
refazendo. E assim que Paulo expressa o fato; não, eu me decidi, não, eu tive
parte ativa na entrada no cristianismo, não, eu decidi seguir a Cristo, não,
absolutamente. Isto tem seu papel, mas depois.
Somos feitura Sua. O cristão é alguém em quem Deus operou. E vocês
podem observar que tipo de trabalho é, segundo Paulo. Não é nada menos que
uma criação. "Criados em Cristo Jesus para as boas obras." O apóstolo gostava
muito de dizer isso. Ouçam-no dizê-lo aos filipenses: "Tendo por certo isto
mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até o dia de
Jesus Cristo" (1:6). DEUS! Ele começou uma boa obra em você! E obra de Deus!
Ele veio quando você estava morto e o vivificou, pôs vida em você. É isso que
faz de um homem um cristão. Não as suas boas obras, não a sua decisão, mas a
determinação de Deus concernente a você posta em prática.

É aqui que vemos como as nossas idéias, em relação ao que o cristão é,


estão desesperadamente aquém do ensino bíblico. O cristão é uma nova criação.
Não é apenas um bom homem, ou um homem que melhorou um pouco; é um
novo homem, "criado em Cristo Jesus". Ele foi introduzido em Cristo, e a vida de
Cristo penetrou nele. Somos "participantes da natureza divina" (2 Pedro 1:4).
"Participantes da natureza divina"! Que é um cristão? Um bom homem, um
homem de boa moral, um homem que crê em certas coisas? Sim, mas
infinitamente mais! Ele é um novo homem, a vida de Deus entrou em sua alma -
"criado em Cristo", "feitura de Deus"! Você já tinha compreendido que é isso
que faz de você um cristão ? Não é freqüentar um local de culto. Não é cumprir
certos deveres. Todas estas coisas são excelentes, porém nunca nos tornam
cristãos (podem tornar-nos fariseus!). Quem faz cristãos é Deus, e Ele o faz da

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seguinte maneira: Ele criou todas as coisas do nada no princípio, e Ele vem ao
homem e o faz de novo e lhe dá nova natureza e faz dele um novo homem. O
cristão é "uma nova criação", nada menos que isso.
Se você está interessado em obras, diz Paulo, vou dizer-lhe qual é o tipo de
obras nas quais Deus está interessado. Não são aquelas miseráveis obras que
você pode fazer como uma criatura por natureza em pecado. E uma nova classe
de obras - "criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou
para que andássemos nelas" - as boas obras de Deus\ Que quer dizer ele? Ele
quer dizer que o nosso problema é não somente que a nossa idéia do cristianismo
é inadequada, a nossa idéia de boas obras é ainda mais inadequada. Ponham no
papel as boas obras que as pessoas pensam que são bastante boas para fazê-las
cristãs. Juntem-nas e ponham no papel todas aquelas coisas em que elas estão
confiando, Ponham-nas no papel, e depois levem-nas a Deus e digam: é isso que
tenho feito. Quecoisaridícula!-émonstruosa. Vejam o que elas estão fazendo.
Essas não são as obras em que Deus está interessado. Em que consistem as boas
obras de Deus? Bem, o Sermão do Monte e a vida de Jesus Cristo dão a resposta.
Não se trata apenas de um pouco de bondade e moralidade negativas, talvez fazer
ocasionalmente alguma benevolência e valorizar muito isso. Não, amor desinte-
ressado! "De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em
Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a
Deus, mas se fez sem nenhuma reputação e tomou sobre si a forma de servo e se
fez semelhante aos homens; e, achado na forma de homem humilhou-se a si
mesmo, sendo obediente até a morte e morte de cruz" - dando-Se por outros sem
pensar no preço. Essas são as boas obras de Deus. "Amar a Deus de todo coração
e alma e mente e forças, e ao nosso próximo como a nós mesmos"! Não apenas
lhe fazendo uma ocasional boa ação, mas amando-o como a si mesmo!
Esquecer-se a si próprio em seu interesse por ele! S ão essas as boas obras de
Deus e foi para essas boas obras que Ele nos criou.
Segundo esta definição, cristão é aquele que foi feito de novo conforme a
imagem e modelo do Filho de Deus. E o que o apóstolo diz no capítulo quatro
destaEpístola, no versículo 24, nestes termos: "E vos revistais do novo homem
que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade". Não um pouco de
bondade, mas santidade verdadeira, "a santidade da verdade", e total e absoluta
justiça! E já no capítulo primeiro Paulo o tinha dito no versículo quatro: "Como
também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos
e irrepreensíveis diante dele em amor". Escrevendo aos romanos, ele diz: "Os
que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de
seu Filho"! Que é um cristão? Simplesmente um bom homem? Alguém que é só
um pouco melhor do que qualquer outra pessoa? Absolutamente não! Ele é como
Cristo! Conforme à imagem do Filho de Deus! Como pode um homem que está

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morto em ofensas e pecados ressurgir e chegar a isso? É impossível. "Pela graça
sois salvos"; "não vem de vós"; "para que ninguém se glorie". Ninguém pode
alcançar isto, ninguém pode elevar-se a isto. É obra de Deus, e só de Deus. O
cristão é alguém que se espera seja semelhante a Cristo. Ele tem dentro de si a
vida de Cristo. "Vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim." Que é
cristianismo? É "Cristo em vós, a esperança da glória"; "Feitos segundo a
imagem do Filho de Deus". Graças a Deus é de graça! Se não fosse de graça, não
teríamos esperança, estaríamos todos arruinados, estaríamos condenados. Toda-
via, desde que é de graça, desde que é obra de Deus, desde que eu sou feitura de
Deus, eu sei que, apesar de mim mesmo, apesar do pecado que ainda resta em
mim, serei aperfeiçoado e me tornarei perfeito. Se isso fosse deixado conosco,
não haveria nenhuma esperança para nós. Quem somos nós para enfrentar o
mundo, a carne e o diabo? Mas, graças a Deus é "pela graça". Somos feitura Sua.
Estamos em Suas mãos - e se Ele começou boa obra em nós, continuará com essa
obra até completá-la. Se você não se render pronta e voluntariamente, Ele o
castigará, tirará as suas arestas, com o cinzel as aparará para esculpí-lo. Se você
está no plano de Deus, Ele o fará segundo a imagem de Cristo. Ele continuará a
Sua boa obra até remover toda "mácula e ruga e coisa semelhante", e você estará
na presença de Deus, "santo e irrepreensível" e "com grande alegria".
Graças a Deus não são as obras; graças a Deus não é a minha fé; graças a
Deus não é nada de que eu possa me gloriar. "Longe esteja de mim gloriar-me, a
não ser na cruz de nosso ienhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado
para mim e eu para o mundo" (Gálatas 6:14). "Pela graça, por meio da fé"!

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FEITURA DE DEUS
11 (í
Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as
quais Deus preparou para que andássemos nelas."
-Efésios 2:10

Temos visto de relance esta grande afirmação quando a tomamos em seu


contexto, com relação aos dois versículos anteriores, os versículos 8 e 9. Estes
três versículos juntos, como vimos, são uma declaração composta, pelo que,
antes de chegarmos a este versículo especificamente, foi certo examiná-lo como
parte do argumento que o apóstolo colocou diante de nós nos três versículos
juntos. O argumento é que a nossa salvação é inteiramente de graça; ela resulta
da graça de Deus. Não hájactância; é excluída completamente. Também não
devemos gloriar- -nos da nossa fé, não devemos tornar a nossa fé em "obras".
"Somos salvos pela graça, por meio da fé." A fé é o instrumento, o canal, não a
causa determinante. Pois esse é o grande argumento, vocês recordam, que é tudo
pela graça e de graça. O apóstolo o expressa de maneira negativa e positiva. E no
versículo dez ele expõe o que, de muitas maneiras, é o seu argumento final. Ele
afirma que é inteiramente de graça; não vem de vós, é dom de Deus; não de
obras, para que ninguém se glorie, "porque somos feitura sua" - qualquer outro
conceito é impossível, é totalmente inadequado e ridículo. E de fato, diz ele, isto
se pode fixar definitivamente pelo fato de que as boas obras que devemos
realizar como cristãos são obras que já antes foram ordenadas para que andemos
nelas. Mesmo as boas obras que praticamos como cristãos foram de antemão
preparadas para que andássemos nelas. Até aqui, pois, examinamos esta
declaração de maneira geral e, mormente, negativa.
Contudo, é uma declaração tão profunda e gloriosa que seria um grande
erro deixá-la aqui. Ela faz parte de um argumento, mas também é uma
declaração em si mesma, uma declaração positiva, e uma das mais importantes e
vitais que já pudemos ver. Aqui nos é dada uma das definições que Paulo faz do
que significa ser cristão. E não existe, suponho, nenhuma declaração mais
elevada a respeito deste assunto do que justamente esta, que somos feitura de
Deus. Essa é a verdade acerca de nós todos como cristãos, e essa é a verdade
acerca da Igreja Cristã.
Cabe a nós aprender a pensar em nós mesmos desse modo; e somente quando o
fizermos é que funcionaremos verdadeiramente como cristãos,
Cada vez mais me parece que todas as nossas dificuldades provêm
realmente da nossa incapacidade de compreender a verdade a nosso respeito e a
nossa situação como cristãos. A nossa dificuldade central - e
éumacoisaespantosade se ver-é anossa incapacidade inicial de obter o conceito

- 159 -
verdadeiro destas questões. Somos em demasia criaturas presas à tradição.
Começamos com idéias erradas - o homem sempre começa com uma concepção
errada do cristianismo. Persistimos em pensar nele em termos de bondade, de
prática do bem ou algo semelhante; é extremamente difícil desfazer-nos dessa
idéia. No entanto, isso é algo que fica desesperadamente aquém do grande
conceito neotestamentário. Estes cristãos do Novo Testamento estão sendo
constantemente exortados a aperceber-se do privilégio da sua posição. Embora
não passando de um punhado de gente numa grande sociedade pagã, sempre lhes
é dito que se regozijem, que considerem o seu destino maravilhoso; sempre se
lhes faz lembrar o que eles são, e lhes é dito que levantem a cabeça e avancem
triunfantemente. Tudo isso é feito, é claro, à luz do que o Novo Testamento
expõe como sendo a verdadeira doutrina concernente ao cristão.
Essa matéria pode ser colocada na forma de perguntas. Somos dominados
por um senso de privilégio e por um sentimento de alegria? Qual é o nosso
entendimento do que seja um cristão? Qual é o nosso conceito da Igreja? Não é
verdade que, geralmente falando, sempre nos inclinamos a pensar nela
meramente em termos humanos? Temos a tendência de pensar na Igreja de Deus
como um instituição e sociedade humana, pensamos nela em termos das
atividades dos homens e do que os homens estão fazendo e não estão fazendo, e
de comissões e reuniões e organizações ecoisas parecidas. Indubitavelmente,
todas estas coisas fazem parte dela, e são essenciais, mas não constituem a Igreja.
Não é isso que faz da Igreja a Igreja. E também é exatamente a mesma coisa
quanto ao cristão individual. Estamos confiantes, temos segurança, quando
pensamos em nós mesmos e consideramos a vida cristã com-pleta e tudo o
quepertence a essa vida? Pensamos nela unicamente em termos de nós mesmos e
do que fazemos e pretendemos fazer, ou nos vemos como parte de um grande
processo? Compreendemos que temos o privilégio de ser introduzidos num
grande projeto, num grande plano? Ora, essa é a idéia e a perspectiva que o
apóstolo está colocando diante de nós nesta passagem, de maneira positiva.
Passemos imediatamente, pois, àconsideração dos termos que ele emprega.
A primeira proposição de Paulo é esta: somosfeitura de Deus. Essa é a
primeira coisa que temos de compreender acerca de nós mesmos como cristãos.
Negativamente, como já vimos, isso não significa que nós nos fazemos cristãos
por nós mesmos. Não somos o que somos como resultado de algo que nós
tenhamos feito. Absolutamente nada! - a jactância é excluída. "Não de obras."
"Não de vós." Mas não paramos na negativa, temos que ir adiante e examinar
tudo isso positivamente, como estamos fazendo. Somos feitura de Deus. Esse é o
significado da expressão. Somos, por assim dizer, uma coisa da Sua fabricação.
Para mim este é um pensamento sumamente notável e emocionante, que somos
algo que está sendo feito e modelado por Deus. Podemos pensar nisto

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individualmente a nosso respeito como cristãos; e devemos pensar nisto como
uma verdade relativa à Igreja toda. Permitam-me colocar mais uma vez a questão
em forma de perguntas. Pensamos habitualmente em nós desse modo? E pena,
porém não seria verdade que muitos de nós persistimos de algum modo em
pensar em Deus como sendo Ele inteiramente passivo? A nossa idéia de Deus é
que Ele está no céu, inteiramente passivo e esperando que nos aproximemos
dEle. Pensamos: naturalmente, se eu buscar a Deus, Ele me ouvirá, me
responderá, me abençoará. Mas, dessa maneira, sempre pensamos na atividade
real como sendo da nossa parte. Deus tem uma grande casa do tesouro, um
grande armazém; Ele tem grandiosos presentes para dar, sim, mas não faz nada a
respeito, apenas espera até que nós façamos algo, e então, quando entramos em
ação, Deus responde.
Examinemo-nos de novo à luz disso. Porventura não temos a tendência de
pensar dessa maneira? Eu me decido por Cristo e, portanto, estou justificado.
Posso ficar nisso anos e anos. Então eu decido que quero ser santificado, e assim
solicito isso também, e Deus me atende. Mas Deus é passivo o tempo todo; é a
minha atividade que importa, o que eu decido, o que eu faço. Tudo isso,
naturalmente, é completamente contrário ao ensino do apóstolo, que nos lembra,
e dá tremenda ênfase ao fato, que o cristianismo é totalmente resultante da
atividade de Deus. "Somos feitura sua."
Deus éo artífice. Deus é que age. E assombroso que alguém possa ter caído
no erro específico que acabei de esboçar, porque a Bíblia não é senão o registro
da atividade de Deus. Como é possível que alguém possa ler a Bíblia,
começando com as palavras, "No princípio... Deus", possa depois pensar que a
coisa toda é atividade do homem? Em toda parte é Deus quem age. Ele fez o
homem, Ele fez o mundo. O homem pecou - Deus foi em busca dele. Foi Deus
quem chamou Abraão; foi
Deus quem criou os reis; foi Deus quem chamou os profetas; foi Deus quem deu
a lei; foi Deus quem deu as instruções para a construção do tabernáculo e do
templo; e foi Deus quem, na plenitude dos tempos, enviou Seu Filho. É feitura de
Deus, atividade de Deus, do princípio ao fim. E contudo, até nós, que somos
cristãos, somos propensos a esquecer isso, e muitas vezes somos propensos a
pensar em nossa vida cristã, e no fato de sermos cristãos, em termos de algo que
nós fizemos, ou de algo que nós alcançamos. Mesmo tendo começado
damaneiracerta,inclinamo- -nos a deixar que, com o tempo, a outra idéia se
insinue. Insistimos em pensar que Deus é mais ou menos passivo e simplesmente
está pronto a reagir favoravelmente ao que fazemos e ao que desejamos. Mas o
próprio termo que o apóstolo utiliza aqui deveria impossibilitar esses
pensamentos. Deus é o artífice. Deus é Quem está modelando a obra. E um
maravilhoso quadro que representa Deus como uma espécie de Artesão, uma

- 161 -
espécie de Artífice. O quadro nos convida a pensar em Deus como numa grande
oficina, e nos impulsiona a observá-lO dando forma, modelando e trazendo à
existência alguma coisa.
Pois bem, este é o ensino bíblico característico com relação aDeus. Vejam a
descrição que as Escrituras nos dão de Deus como Oleiro. Vocês as vêem no
Velho Testamento, vocês as vêem no Novo Testamento. Este mesmo apóstolo,
escrevendo aos romanos, emprega essa metáfora. Aí está um pouco de barro; o
artífice, o oleiro, vem e apanha essa massa de barro informe, e se põe a trabalhar
nele: Ele o faz girar e vai tirando as arestas e as pontas; ele tem certos tornos de
modelagem, e o coloca num deles. Ele vai modelando, vai fazendo algum tipo de
vaso; essa é a descrição que nos é dada - o oleiro e o barro, e essa é precisamente
a idéia do apóstolo aqui, que Deus é o Oleiro, e nós somos o barro que está sendo
formado e modelado. A obra é Sua, não nossa. Ele é o Oleiro, o Artesão, que está
produzindo uma peça de arte.
Na verdade o apóstolo usa outro termo que é ainda mais explícito. "Somos
feitura sua, criados em Cristo Jesus." Naturalmente isso nos leva direto de volta
à idéia original da criação. "No princípio criou Deus os céus e a terra." Que é
criação? A idéia mesma, a idéia essencial da criação, é que algo é feito do nada;
não existia, mas foi trazido à existência. E precisamente esse o modo como o
apóstolo pensa no cristão. Portanto, devemos dar adeus para sempre a todas as
idéias de melhoramento, e especialmente de automelhoramento. O fato mais
importante acerca do cristão é que ele é uma nova criação, uma nova criatura.
Deus, o Criador, Deus o Oleiro, Deus o grande Artífice, Deus o Autor de grandes
realizações, Deus o Artesão, trouxe à existência algo era rainha vida, algo que
não estava lá antes - é isso que faz de mim um cristão. Eu não seria cristão sem
isso. Assim é que, naturalmente, falar era nações cristãs e dizer que alguém é
cristão porque pertence à uma nação cristã é simplesmente uma gritante negação
de todo o ensino bíblico. E ação de Deus, ação específica, uma nova criação. O
Deus que no princípio (como Paulo o expressa em 2 Coríntios 4:6) "disse que das
trevas resplandecesse a luz", esse mesmo Deus, de igual modo, "resplandeceu
em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face
de Jesus Cristo". É isso que significa ser cristão. Nada menos que isso! Como se
pode expressar essa verdade mais claramente? O que me interessa não é
simplesmente que tenhamos a idéia certa, porém que todos nós venhamos a ver
que não existe maior falsificação do cristianismo do que a idéia de que somos
cristãos por causa de alguma coisa que nós somos, ou de alguma coisa que nós
fazemos. Temos que dar-nos conta de que somos feitura do grande Artífice, do
grande Artesão. Não existe nada mais maravilhoso do que isto, que eu, assim
como sou, sou algo que foi trazido à existência, algo que foi modelado por Deus,
que sou como barro nas mãos do oleiro. Quando penso em minha vida cristã

- 162 -
neste mundo, devo parar de pensar nela simplesmente em termos do que faço e
do que estou fazendo, mas, antes, devo pensar nela em termos do que Ele está
fazendo comigo, que estou nas mãos do Autor de grandes realizações, do grande
Criador, e que Ele está trabalhando em mim e sobre mim. Essa é a concepção e
esse é o ensino do apóstolo nesta passagem.

Consideremos agora a questão em pouco mais em detalhe, porque, quanto


mais entendermos esta verdade em detalhe, mais admiração e emoção nos
causará. Como Deus realiza esta obra? A primeira coisa que devemos ressaltar é
que Ele o faz no Senhor Jesus Cristo e por meio dEle: "criados em Cristo Jesus"!
É sempre assim. Já o vimos nos versículos 4 a 7, onde nos foi dito que fomos
vivificados com Ele, ressuscitados juntamente cora Ele, que Deus nos fez
assentar com Ele nos lugares celestiais. Noutras palavras, Deus nos faz cristãos
aplicando a nós, passando para nós, aquilo que Ele fez por nós em Cristo.
Portanto, é tudo em Cristo. E nEle, em Sua Pessoa. É "da sua plenitude que
recebemos, egraçapor graça" (cf. João 1:16). Recebemos os benefícios da Sua
morte, recebemos os benefícios da Sua vida; recebemos a Sua própria vida. Todo
bem nos vem de Cristo. É assim que Deus o faz. Ele enviou Seu Filho, e então
Ele nos leva ao Seu Filho. Ou, para usar outra expressão, Ele forma o Senhor
Jesus Cristo em nós. E isso que Ele está fazendo: Ele está formando Cristo em
nós. "Meus filhinhos", diz Paulo aos gálatas (4:19), "por quem de novo sinto as
dores de parto, até que Cristo seja formado em vós." Essa é a idéia
neotestamentária do que é ser cristão. E uma grande concepção mística,
umaconcepção vi tal. Neste ponto nós estamos totalmente fora do domínio das
nossas pequenas obras e decências e moralidades. Cristo está sendo formado em
mim!
Como será que Deus faz isso? Vejam por um momento os meios que Deus
emprega para formar Cristo em nós. Tomem a minha ilustração da oficina ou da
fábrica. Vocês podem ir a uma loja e ver ali um artigo já pronto para a venda,
uma bela taça, um belo vaso, ou lá o que seja. Como esse artigo veio a existir?
Talvez vocês tenham tido a feliz ocasião de ser levados a visitar a fábrica. Vocês
já foram a uma fábrica de vidro ou a um lugar semelhante? Lembro-me de haver
visitado uma em Veneza, e lá vimos os homens fazendo realmente as coisas
maravilhosas que tínhamos visto prontas. Ficamos admirados quando vimos o
comecinho. Bem, é algo parecido que temos que pensar agora. Como Deus
produz este artigo concluído, o cristão? Vão à oficina, e lá vocês verão
exatamente como é feito. E isto que esta Epístola nos diz.
A primeira coisa da qual nos tornamos cônscios é a obra do Espírito Santo.
Vocês certamente observaram a notável ordem que se vê nas Escrituras - Deus o
Pai, Deus o Filho, Deus o Espírito Santo. O Pai planeja a salvação; Ele envia o

- 163 -
Filho para efetuá-la; e então Ele e o Filho enviam o Espírito para que a aplique.
Deus age em nós e Deus faz de nós cristãos, e nos modela segundo a imagem de
Cristo, ou forma Cristo em nós, primariamente pela obra do Espírito Santo. "Não
sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo?", diz o apóstolo
escrevendo aos coríntios (1 Coríntios 6:19). O Espírito Santo está em nós se
somos cristãos; não podemos ser cristãos sem termos o Espírito Santo em nós. E
Ele age em nós. Mais adiante consideraremos como exatamente Ele o faz. No
momento apenas estou lhes apresentando os meios que Deus emprega. Há esta
constante atividade do Espírito Santo nos cristãos individuais, em grupos de
cristãos, na Igreja. O Espírito Santo está na Igreja, e Ele está agindo e Ele está
realizando a obra de Deus; Deus está agindo por meio dEle.
Depois, o meio subseqüente que devemos mencionar é a Palavra, as
Escrituras. Vocês recordam a grande oração sacerdotal do nosso Senhor, na qual
Ele diz: "Santifica-os na tua verdade, a tua palavra é a verdade" (VA). Como
nascemos de novo? Segundo a Epístola de Tiago, somos gerados "pela palavra
da verdade" (1:18). Pedro diz: "Sendo de novo gerados, não de semente
corruptível, mas de incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que permanece
para sempre" (1 Pedro 1:23). Deus se utiliza da Palavra para dar-nos vida. A
Palavra é pregada e aPalavra se torna vida para nós. Há nela uma semente de
vida, e Deus introduz a vida em nós mediante a introdução daPalavra em nós.
Tem-se a mesma idéia no capítulo cinco desta Epístola aos Efésios, onde o
apóstolo nos fala sobre "a lavagem da água, pela palavra". Quando pensamos
neste processo que Deus está levando a efeito em nós, temos que pensar nesta
Palavra. É aí que entra a importânciada leitura das Escrituras. Elas são o meio
que o próprio Deus utiliza. Deus poderia realizar esta obra sem utilizar-se de
meios, mas escolheu esta maneira de agir. Por isso Ele deu o Espírito Santo a
estes escritores, para dar-lhes entendimento, para abrir-lhes as mentes para a
verdade, e para habilitá-los a transmitir a verdade. E o Espírito os dirigiu e os
guiou. Tudo visando a este grande fim - Deus, como o Artífice, produzir cristãos
e aperfeiçoar cristãos! Quão tremendamente importante é aPalavra!
Não somente isso, porém; também a pregação da Palavra. Vocês verão no
capítulo quatro desta Epístola aos Efésios que Paulo faz esta colocação: "E deu
dons aos homens. E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e
outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres". Para quê? - para o
"aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a edificação do
corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do
Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo". Vocês
entendem isso? Vocês vêem o que está acontecendo na fábrica onde estão sendo
feitos os cristãos? Olhem os bancos, olhem os tornos. O que é que vocês vêem
ali? Apóstolos, profetas, pastores, mestres, pregadores - todos colocados ali por

- 164 -
Deus, e Ele está realizando a Sua grande obra com eles e por meio deles. Ele está
usando todos estes homens para modelar cristãos, esta é a idéia neotestamentária
do cristianismo! - não alguém hesitando em seu leito domingo de manhã sobre se
vai ou não a um local de culto: ou se vai ler a Bíblia, ou se vai orar. A obra não é
nossa\ "não vem de vós". Deus está fazendo isto, e é desta maneira que Ele o faz.
E Deus quem chama homens para pregarem o evangelho. A pregação não é uma
profissão - que lástima, muitas vezes é como se fosse, mas então não tem valor.
É Deus quem chama homens e quem os coloca em seus diferentes ofícios. Ele
planejou tudo. O projeto é Seu, o desenho é Seu, e tudo está sendo posto em
execução. A pregação e o ensino, os dons que Deus dá aos homens, e os dons
que Deus dá àlgreja, constituem todos eles parte do processo. Nenhum deles é
dado em atenção aos que os recebem; são dados simplesmente para que Deus
faça uso deles, a fim de levar avante o Seu grande propósito.
Que mais? Vemos outro elemento posto diante de nós no capítulo doze da
Epístola aos Hebreus. Circunstâncias e disciplina. Qual será o ensino do
capítulo doze de Hebreus? Estes cristãos hebreus estavam tendendo a murmurar
e queixar-se porque estavam passando por provações, dificuldades e tribulações;
e o argumento que lhes é apresentado é que tudo isso está acontecendo com eles
porque eles são filhos. "O Senhor corrige a quem ama"! (ARA). O autor faz uso
de uma ilustração. Vej am os nossos pais terrenos, diz ele. Eles nos corrigem;
porém por que nos corrigem? Porque estão preocupados com o nosso bem-estar,
porque estão preocupados com o nosso desenvolvimento. O bom pai castiga o
filho, não simplesmente para aliviar as suas emoções contidas, mas porque isso é
do mais alto interesse do filho, porque ele ama o filho, porque ele está pensando
no futuro do filho. E o argumento do autor é que Deus, como nosso Pai, faz
exatamente a mesma coisa conosco. Não significa que toda vez que algo vai mal
conosco necessariamente estamos sendo castigados por Deus. Estamos vivendo
num mundo de pecado, estamos vivendo num mundo no qual as causas
secundárias operam, e com muita freqüência as nossas doenças, enfermidades e
provações nos acontecem meramente como resultado de causas secundárias;
entretanto há nas Escrituras ensino muito claro e explícito, segundo o qual Deus
castiga os Seus filhos. Ele o faz com a finalidade de aperfeiçoá-los. Noutras
palavras, se não dermos ouvidos ao ensino das Escrituras, se não o aceitarmos
positivamente, se Deus começou a operar em nós e a formar-nos e a
modelar-nos, Ele produzirá o resultado final mediante este outro método. Este
pode incluir correção, castigo - o uso que o oleiro faz do torno sugere isto, certos
ângulos têm que ser removidos, eé preciso eliminar certas arestas. Deus nos
coloca no torno, por assim dizer. Ou, para usar a mesma ilustração deste capítulo
doze de Hebreus, Ele nos coloca num ginásio, Ele faz que passemos por ditos
exercícios para podermos ser perfeitos. Sua intenção é que nos desenvolvamos.

- 165 -
Na verdade, eu gostaria de remetê-los ao capítulo onze da Primeira Epístola aos
Coríntios, com referência à Ceia do Senhor, onde o apóstolo nos ensina muito
explicitamente que alguns membros da igreja de Corinto estavam doentes e
fracos simplesmente por causa do pecado deles e da sua recusa a julgar-se,
examinar-se e corrigir-se a si mesmos. Deus estava lidando com eles por meio
das doenças. E o apóstolo acrescenta: "e (há) muitos que dormem". Grande
mistério, esse, mas é evidente que o ensino é que alguns podem até morrer,
porque isso faz parte do método de Deus tratar com eles. Não entendemos isso
plenamente, porém aí está o ensino. E tudo o que me interessa neste momento é
que vejamos que isso faz parte do processo que se segue na grande fábrica. Se
houver resistência desta massa de barro, se houver alguma dureza, se houver
alguma dificuldade, Deus tem o Seu método, Ele tem a Sua maquinaria, Ele tem
a Sua maneira de agir. Ele está produzindo um artigo perfeito e usa todos estes
diversos meios e métodos. Somos feitura Sua!

Se são esses os meios que Deus usa, qual é a obra propriamente ditai O que
é que, concretamente, Ele faz conosco? O que é que Ele faz em nós? De novo
simplesmente destaco certas coisas que são da maior importância. Uma das
primeiras coisas das quais o homem toma consciência quando Deus começa a
agir nele é que ele fica inquieto, torna-se convicto do seu pecado. Olhe para o
passado, para a sua experiênciapessoal, e estou certo de que você verá que essa é
a verdade. Você estava levando a sua vida de certa maneira e seguindo certo
rumo. Milhares de outras pessoas estavam fazendo a mesma coisa. Subitamente
(ou gradativamente, não importa), você tomou consciência de certa inquietação.
De um modo ou de outro, deixou de ser feliz como era. Questões começaram a
surgir em sua mente. Note que não digo que você se sentou e disse de si para si:
"Agora estou começando a pensar". Nada disso - surgiram perguntas em sua
mente. Não foi assim? Donde elas vieram? Vieram de Deus. Isso é obra do
Espírito Santo - a convicção de pecado. O homem é detido. Sente que tem
deparar, fica inquieto; não entende o que se passa, fica aborrecido; de fato
procura safar-se disso. Talvez se entregue à bebida, ou mergulhe no trabalho, em
qualquer coisa, para livrar-se dessa inquietação. Mas aí está, algo está aconte-
cendo com ele. Deus está em perseguição do homem. Como diz o poeta:

Do Senhor eu fugia
nas veredas das noites, nas
veredas dos dias;
Do Senhor eu fugia
pelos portais dos anos;
Do Senhor eu fugia

- 166 -
nos secretos labirintos da
minha mente.

Mas do glorioso Caçador Celestial não há como fugir.


Vocês sabem do que eu estou falando? Feitura Sua! Convicção de pecado!
Inquietações! Estas curiosas interferências e interrupções, este senso de que
estamos sendo tratados mediante estas coisas. Ninguém pode ser cristão sem ter
algum conhecimento disso tudo. Se, de alguma forma e em alguma medida, você
não entende o sentimento do salmista no Salmo 139, quando ele brada: "Para
onde fugirei da tua presença?", você simplesmente não é cristão. O próprio
sentimento de resistência a Deus é uma prova de que Deus está tratando com
você e fazendo algo com você. Essa é sempre a primeira coisa - inquietação,
convicção de pecado, ser detido, ser contido, ser levado a pensar, perguntas,
inquirições. Todas estas coisas constituem obra de Deus por meio do Espírito
Santo. E como Ele começa quando de início pega essa amorfa massa de barro.
Ele pega o barro; esse é o primeiro passo. Antes de levá-lo ao torno, antes de
aparar quaisquer porções, antes de começar a alisá-lo e poli-lo, o primeiro passo
é tão-somente pegá-lo. Deus pegou você? Ou você continua a cargo de si
mesmo? Se você continua a cargo de si mesmo, manipulando a si próprio e
tentando fazer de si próprio alguma coisa, você não é cristão. A primeira verdade
acerca do cristão é que ele está ciente de que Deus o agarrou. O Oleiro pegou o
barro.
O passo seguinte é uma iluminação da mente para ver a verdade. Que
processo maravilhoso! Um homem para quem estas expressões não significavam
nada, embora as tenha ouvido a vida toda, de repente começa a ver algo nelas. As
vezes ele lia a Bíblia, e ficava aborrecido com ela; agora ele vê que ela é uma
Palavra viva, e a deseja ler. Isso é Deus; Deus no Espírito agindo no homem e
abrindo cada vez mais a sua mente para a percepção e o entendimento da
verdade. E Ele que está fazendo isso - introduzindo o pensamento; a luz e o poder
do Espírito, Deus abrindo as coisas, a Palavra se abrindo diante de nós; os nossos
olhos, o nosso entendimento, sendo iluminados. E então, por sua vez, isso leva a
um desejo da verdade, e à sede da verdade. "Desejai", diz Pedro, "como crianças
recém-nascidas, o genuíno leite da palavra..." (VA). Como você pode desejá-lo,
se não nasceu? - se não tem vida espiritual? Mas se você tem vida o desejará,
como a criança deseja leite. E, ainda mais importante, alegrar-se na verdade,
regozijar-se na verdade, ter prazer na verdade. Isto é obra de Deus, é como Deus
faz todas estas coisas.
E, por sua vez, essa verdade leva a isto, que ficamos cientes da nossa nova
natureza, que Deus implantou em nós, o novo princípio de vida. Apesar de nós
mesmos, vemos que temos uma nova perspectiva. Digo de novo que podemos

- 167 -
não gostar disso, porém é um fato. Vejo que não sou mais o que era. Posso dizer
a mim mesmo: quisera Deus eu nunca tivesse ouvido isso, para que eu pudesse
sair com os meus companheiros como antes! Todavia, não consigo. Eu posso
forçar-me a ir, mas não me sinto feliz com eles, vejo que sou diferente. Tenho
nova perspectiva, nova maneira de ver; tenho novos desejos; e tenho novas
capacidades. Somos feitura Sua! Ele é o Oleiro, e nós somos o barro. E o que o
apóstolo nos ensina aqui.

Permitam-me dizer uma palavra sobre o propósito. Há, naturalmente, um


propósito definido. "Criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus
de antemão ordenou (ou preparou) para que andássemos nelas" (VA; cf. ARA).
Ora, é coisa extraordinária esta, que há um propósito para o cristão, e Deus
planejou e projetou tudo a respeito. Qual será? E que nos moldemos à vida do
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Devemos viver neste mundo e nesta
existência como Ele viveu. Como eu já disse, cabe-nos viver o Sermão do
Monte. Temos que pôr em ação a instrução ética destas Epístolas do Novo
Testamento - "amar uns aos outros", não ter "torpezas" ou "conversação torpe"
em nossas bocas e evitar "parvoíces e chocarrices" ou "conversas tolas" e
"pilhérias" - a grande moda atual! "Sede pois imitadores de Deus, como filhos
amados; e andai em amor, como também Cristo vos amou, e se entregou a si
mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave. Mas a
prostituição, e toda a impureza e avareza, nem ainda se nomeie entre vós, como
convém a santos; nem torpezas, nem parvoíces, nem chocarrices, que não
convém, mas antes ações de graças." Essa classe de vida! Fomos formados para
isso. Para isso é que somos modelados. Esse é o projeto, essa é a fôrma, esse é o
molde, essa é a imagem. Deus nos está fazendo para isso.
E tudo isso está nesta vida. Vocês gostariam de saber qual é propósito
culminante? Isto é um processo. Vocês não se tornam perfeitos num instante. A
santificação é um processo, e Deus nos leva através desse processo pelos meios
que j á indiquei. Vocês querem saber o resultado disso tudo? Bem, este é o fim
pinacular, que valerá para nós na glória, na eternidade, quando a obra realmente
estará terminada. O Senhor deu os apóstolos e os outros ministérios para "o
aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério...até que todos cheguemos
à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida
da estatura completa de Cristo". Esse vai ser o fim. Eu e vocês, tão certo como
somos cristãos neste momento, estamos avançando com o fim de chegar "à
medida da estatura da plenitude de Cristo" (VA,

- 168 -
ARA). Ouçam a afirmação de Paulo, no capítulo cinco, acerca da Igreja em
geral: "Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para
apresentar a si mesmo como igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa
semelhante, mas santa e irrepreensível". Povo cristão, estamos nesse processo
tão certamente como somos cristãos. Deus nos pegou, Ele nos está modelando, e
vai continuar a operar em nós e conosco até que cheguemos a isto - "sem mácula,
nem ruga, nem coisa semelhante". Não restará defeito, todo vestígio do mal terá
desaparecido, e seremos inteiramente perfeitos. Esse é o propósito, esse é o
modelo.
A única outra coisa que eu diria é que, à luz desta doutrina, é absolutamente
certo que chegaremos àperfeição. "Aquele que em vós começou aboa obra a
aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo" (Filipenses 1:6). Nada que seja de fora de
nós poderá impedí-lo j amais; nada que seja de dentro de nós poderá impedi-lo
jamais. Deus nunca inicia uma obra para entregá-la meio-completa. Isso é
totalmente incompatível com a Sua majestade e a Sua glória. Quando Deus
começa, continua. Se Deus pegou você e começou a modelá-lo conforme a
imagem de Cristo, amigo cristão, tão certo como o sol estábrilhando nos céus,
Ele daráprossegui- mento a essa obra até você atingir "a medida da estatura da
plenitude de Cristo". Ele dará continuidade a ela até que não haja "mácula, nem
ruga, nem coisa semelhante", nenhum defeito, e você possa estar diante dEle
perfeito e completo, exultante de alegria. Que doutrina gloriosa! Sim, mas em
certos aspectos, que doutrina terrificante! Se você é cristão e de alguma forma
resiste à vontade de Deus quanto a você, estej a preparado para o que lhe virá.
Esteja preparado para a correção, para o castigo. Estej a preparado, talvez,
paraum tratamento duro e severo - porque Ele vai aperfeiçoar você. Ele firmou o
Seu amor em você, e você está nas mãos dEle. Em Sua fábrica não há refugos. A
obra de Deus é sempre perfeita, e é sempre completa. Que bendita base de
segurança! - a despeito daminha desobediência, da minha pecaminosidade e
daminha imperfeição. A minha única esperança é que estou em Suas mãos, que
Ele é o Oleiro e eu sou o barro, e que eu sei que Ele fará que se cumpra a Sua
perfeita vontade. Se dependesse de mim, ou de qualquer de nós, de há muito que
a coisa toda seria um completo fracasso. Contudo, somos feitura Sua!
Concluo deixando com vocês três ou quatro perguntas como testes. Isso
está acontecendo com vocês? Vocês podem dizer que são feitura de Deus? Vocês
têm aquele sentimento subjetivo de que Deus está tratando com vocês? Vocês
têm consciência da Presença e das mãos?
Têm consciência de que estão sendo amoldados e modelados? Vocês concordam
com esta doutrina, ou estão em conflito com ela? Esse é um teste muito bom.
Vocês estão desejando o genuíno leite da Palavra como crianças
recém-nascidas? Não obstante, o melhor teste é: vocês estão desejando a

I
- 169 -
santidade? "Criados em Cristo Jesus para as boas obras, que Deus de antemão
ordenou para que andássemos nelas." Isto faz parte do Seu plano. Se vocês não
desejam ser santos, não vejo que tenham direito de pensar que são cristãos. Faz
parte do propósito de Deus que sejamos preparados para as boas obras. Se vocês
pensam que, do plano de salvação, podem apropriar-se somente do perdão, vocês
entenderam completamente mal oplano. Quando Deus olhou para vocês e os
amou e começou a agir em vocês para fazer de cada um de vocês um cristão, Ele
já tinha preparado as obras que vocês deveriam viver e realizar. Isso de
justificação sem santificação não existe. Se não há nenhum princípio de
santificação em vocês, vocês não estão justificados. Não se iludam, não se
deixem conduzir mal. Não há isso de fé sem obras. "A fé sem as obras é morta."
A prova da fé são as obras. Não há valor nenhum numa profissão de fé cristã, se
não for acompanhada pelo desejo de ser semelhante a Cristo, pelo desejo de
livrar-se do pecado, pelo desejo de obter santidade positiva. Segundo este
versículo, isto é essencial. "Somos feitura sua, criados (por Ele) em Cristo Jesus
para boas obras." Ele nos está fazendo para isso. Deus opera em nós para
conseguir este resultado. Portanto, o teste final quanto a se Deus está atuando em
nós é ver se desejamos ser cada vez mais como Cristo, santo e puro, separado do
mundo e do pecado, famintos e sedentos de justiça, para que agrademos a Deus
que assim começou a agir em nós.

- 170 -
OS JUDEUS E OS GENTIOS
11 "Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne, e
chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela
mão dos homens." - Efésios 2:11

Este versículo é o começo de uma declaração que tem continuidade no


versículo doze: "Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da
comunidade de Israel, e estranhos aos concertos da promessa, não tendo
esperança, e sem Deus no mundo". Mas agora chamo a atenção para o versículo
onze somente.
Chegamos aqui a uma nova seção da declaração que o apóstolo Paulo faz
neste capítulo dois desta Epístola. Há uma definida interrupção aqui, e o apóstolo
toma uma nova idéia e um novo pensamento. É importante, pois, que tenhamos
claro em nossas mentes o seu argumento e o que ele pretende fazer.
O grande objetivo da Epístola é explicar e expor o grandioso propósito de
Deus durante a presente era. Vem na forma de sumário no versículo dez do
capítulo primeiro - assim, Deus se propusera "tornar a congregar em Cristo todas
as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus
como as que estão na terra". Esse é o grande propósito de Deus durante a
presente dispensação, o grandioso propósito de Deus em nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo. Cristo veio a este mundo - falando em termos do Seu
supremo objetivo - a fim de reunir, de colocar de novo sob o Seu comando todas
as coisas, tanto as do céu como as da terra. O apóstolo está interessado em
explicar e expor isso aos membros da igreja de Efeso e às outras igrejas às quais
esta carta deveria ser enviada. Vimos também que o apóstolo logo passa a dizer
que este propósito de Deus, grandioso e final, j á está sendo posto em operação,
que a própria Igreja é uma ilustração dessa verdade, no sentido de que os efésios,
juntamente com outros gentios, tinham sido introduzidos na Igrej a, como os
judeus. Tendo dito isso, o apóstolo passa a dizer a estes efésios que a coisa mais
importante para eles era que tivessem iluminados os olhos do seu entendimento.
Paulo quer que os efésios conheçam particularmente "a sobreexcelente
grandeza do poder de Deus para com eles". Portanto neste segundo capítulo (da
Epístola) ele expõe e demonstra para eles esse grande poder. Ele ilustra para eles
o que está querendo dizer. É admirável, é espantoso, que estes efésios, estes
gentios, sejam membros da Igreja Cristã, lado a lado com os judeus. E só existe
uma coisa que tornou isso possível, esta sobreexcelente grandeza do poder de
Deus. É o mesmo poder que Deus manifestou ressuscitando o Senhor Jesus
Cristo dentre os mortos.

- 171 -
Como isso é demonstrado? Desta maneira: havia dois obstáculos principais
entre estes e sua vinda para Deus, a fim de serem cristãos e membros da Igreja. O
primeiro obstáculo era o seu estado e condição em pecado. O apóstolo trata
disso nos dez primeiros versículos deste capítulo. Já estivemos tratando disso,
não o olvidemos. Ele os faz lembrar-se do que eles eram. Mas agora são cristãos.
Que foi que os mudou, que foi que os trouxe daquilo para isto? Há só uma
resposta: é o poder de Deus - nada menos que isso. Lá estava aquele terrível
obstáculo - e continua sendo o grande obstáculo entre todos os homens e Deus - a
morte do pecado. Nada, senão o poder de Deus, poderia ter lidado com tal
situação.
No entanto, havia um segundo obstáculo, mais uma coisa que se interpunha
entre estes gentios e a qualidade de membros da Igreja de Cristo e o
conhecimento de Deus. Que seria? Era a sua posição, ou o seu "status", na
economia de Deus, e especialmente em termos da sua relação com a lei de Deus.
É a esse assunto que o apóstolo se dedica neste versículo onze, continuando até o
versículo doze do capítulo três.
Aí está, obviamente, outra questão vitalmente importante. Como esse
primeiro obstáculo ainda opera, assim também este segundo obstáculo continua
operando. Portanto, não estamos empenhados num estudo acadêmico,
puramente objetivo, de algo que era real há dois mil anos. É real hoje como
então. As Escrituras são sempre relevantes e contemporâneas, elas falam de nós
e de todos os demais. Daí então, é de vital interesse que entendamos o ensino do
apóstolo neste ponto.
Proponho-me a tratar disso apenas de maneira geral no momento, pois
quero fazer uma introdução geral da seção toda. O apóstolo está desejoso de que
estes efésios captem e apreendam verdadeiramente quão tremenda coisa era eles
se tornarem cristãos e serem membros da Igreja Cristã. O segundo meio de que
se utilizou para conseguir que eles enxergassem isso é o seguinte: "...
lembrai-vos", diz ele, "de que vós noutro tempo" - e em seguida vem a descrição.
E assim que ele a introduz. Será somente quando eles se lembrarem disso, e
somente quando se derem conta de qual é a verdade a seu respeito, que eles
poderão realmente começar a entender a grandeza do poder de Deus. Vocês
jamais poderão aperceber-se da grandiosidade do poder de Deus, enquanto não
se aperceberem da grandiosidade dos obstáculos que aquele poder venceu. Há
muitos hoje que não vêem nada na salvação cristã, que não ficam admirados face
a ela, e que pensam que, provavelmente, Paulo era um psicopata, porque ele
entrava em êxtase quando contemplava as glórias da salvação. Eles não vêem
nada disso; para eles não há no cristianismo nada que cause admiração, que
cause espanto. Por quê? Porque nunca se deram conta do problema, porque
ignoram o pecado e nada sabem da ira de Deus. Não se dão conta da natureza

- 172 -
destes obstáculos e dificuldades. O apóstolo tinha consciência disso; e ele quer
que os efésios também a tenham. O seu método para essa finalidade é lembrá-los
do que eles eram e fazê-los ver como Deus venceu este segundo obstáculo. Isto,
num sentido, é tão esplêndido e maravilhoso como o modo pelo qual Ele venceu
o primeiro.
Qual é o segundo obstáculo? Permitam-me expressá-lo assim: naqueles
tempos antigos o mundo estava dividido em dois principais grupos, judeus e
gentios. A divisão parecia absoluta, e qualquer conversa sobre reconciliação
parecia descomunal e impossível. Judeu e gentio! Os judeus e os "cães"! Mas,
por outro lado, os gentios tinham a sua classificação, particularmente os gregos.
Para eles o mundo todo estava dividido em gregos e bárbaros - o povo
inteligente, os filósofos, os gregos, de um lado; os ignorantes, os iletrados, os
bárbaros de outro. Essa era a situação, e parecia completamente impossível que
estes dois segmentos, estes segmentos em conflito e que se desprezavam um ao
outro tão fortemente, se juntassem e se reconciliassem, muito menos que fossem
vistos ajoelhar-se juntos, cultuando e adorando o mesmo Deus e o mesmo
Senhor. Todavia aconteceu, diz Paulo. O espantoso é que isso é verdade. Estes
efésios foram introduzidos e igualmente são membros da Igreja. Este é o fato
espantoso que nada menos que "a sobreexcelente grandeza do poder de Deus"
poderia fazer acontecer.
Pois bem, essa é a mensagem. A maneira pela qual o apóstolo a expressa é
extremamente interessante. Vejam o versículo onze, que estamos considerando.
E onde ele introduz o assunto. Vocês notaram o modo como ele o faz? Pessoas há
que com freqüência acham este versículo difícil, e o é até que se veja exatamente
o que ele significa. Na primeira leitura parece impossível. Vejam-no de novo:
"Portanto, (vós efésios), lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na
carne" - e então esta longa declaração, "e chamados incircuncisão pelos que na
carne se chamam circuncisão feita pela mão dos homens".
Significa isto: Paulo começa fazendo-os lembrar-se de que de fato eles eram
"gentios na carne". Era um simples fato da história, um fato literal, sólido, que
como gentios eles não tinham sido circuncidados. Portanto, eram "gentios na
carne". "Na carne" aqui não é um contraste com "no espírito", porque, se fosse, o
apóstolo pareceria estar dizendo: é verdade que vocês eram gentios na carne,
porém, naturalmente, no espírito vocês estavam bem. Não é nada disso que ele
quer dizer. Eis o que ele quer dizer: é um duro fato de que vocês eram gentios na
carne; não tinham a marca, o sinal, o símbolo de serem judeus - vocês não tinham
sido circuncidados. Mas ele não abandona o ponto aí. Poderia fazê-lo, entretanto
sai numa espécie de digressão que termina no fim do versículo, e depois volta ao
ponto de origem, no princípio do versículo 12. Mas a digressão vem carregada de
interesse. "Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na

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carne", éreis chamados incircuncisão pelos que a si mesmos se intitulavam ou se
chamavam circuncisão, circuncisão na carne, feitapelas mãos. A dificuldade era
que os judeus se haviam agarrado a isso, que era realmente um fato, e o tinham
transformado num problema. Visto que tinham entendido mal oensino das suas
próprias Escrituras, passaram apensarqueaúnicacoisa que realmente importava
era o sinal na carne. Estavam considerando isso de maneira material, carnal, e
para eles nada importava, senão a circuncisão qua * circuncisão. Para eles isso
era tudo, era da máxima importância, e nada mais importava. Eles tinham
entendido erradamente o propósito todo, até mesmo a circuncisão propriamente
dita; com isso criaram esta grande barreira, este grande obstáculo no mundo
antigo. O apóstolo faz a sua colocação com estas palavras: vocês eram gentios na
carne. Sim, e por aquelas pessoas que se diziam A Circuncisão vocês eram
apelidados e descritos como A Incircuncisão. Os que falam somente em termos
da carne e daquilo que é feito pelas mãos dos homens, pensando unicamente
nesse nível, põem-se à parte e dizem: "Nós somos A Circuncisão, e aqueles
outros são A Incircuncisão".
Este é um ponto muito importante que vocês devem observar quando lêem
as Epístolas do Novo Testamento. Vejam, por exemplo, o que Paulo escreve aos
filipenses (3:3): "A circuncisão somos nós" - nós, os cristãos! - "que servimos a
Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne". E
exatamente o mesmo ponto. Noutras palavras, para termos um verdadeiro
entendimento
jf»
Porque, como. Em latim no original. Nota do tradutor.
destas Epístolas paulinas, temos que entender o ponto que ele está defendendo
neste versículo. Não somente era um fato e uma verdade que os gentios não
tinham sido circuncidados; desafortunadamente, os judeus tinham exagerado
esse fato, e tinham feito daquilo uma parede de separação que parecia
completamente irremovível.
Pois bem, essa pequena exposição é vital para ter-se entendimento de tudo
o que temos para dizer. Havia dois aspectos deste segundo obstáculo que Deus
tinha que vencer antes de os efésios poderem tornar- -se cristãos. Primeiramente
havia a atitude dos judeus para com os gentios. E depois, em segundo lugar,
havia a atitude de Deus para com os gentios. A atitude de Deus tinha que
manifestar-se porque, afinal de contas, eles não tinham sido circuncidados, não
eram da semente de Abraão. Mas, antes de passarmos aisso, temos que examinar
esta atitude judaica, esta "circuncisão e incircuncisão", esta divisão. Há, creio eu,
um elemento próximo do sarcasmo na maneira pela qual o apóstolo se expressa -
"éreis...chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam (ou se intitulam)
circuncisão feita pela mão dos homens". Vocês podem observar a ênfase que ele

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dá. O grande ponto que ele defende é que Deus venceu este obstáculo duplo.
Ambas estas dificuldades foram sobrepujadas por Cristo e pelo que Ele fez. A
atitude do judeu para com o gentio foi corrigida, se o judeu se tornou cristão; e a
atitude de Deus para com eles também mudou. Assim, toda a questão da lei foi
solucionada por nosso Senhor e Salvador. Esse é o argumento real e concreto do
apóstolo.
Permitam-me agora mostrar-lhes a relevância disso tudo hoje, porque
continua sendo verdadeiro. Estamos vivendo numa era e num tempo em que há
muito pensamento e muita concentração precisamente sobre este problema. O
mundo está cheio de divisões e conflitos. Todos nós sabemos destes fatos;
vemo-los entre nações - a tensão entre os Estados Árabes e Israel, entre o Oriente
e o Ocidente, e todas as diversas subdivisões e ramificações. Divisões! - a
Cortina de Ferro2, a Cortina de Bambu, e assim por diante! Contudo, essa
verdade não diz respeito somente à esfera das nações e das relações
internacionais; aplica-se igualmente ao que ocorre dentro das nações: classes,
grupos e várias outras divisões. O mundo, em certo sentido, está repleto desta
coisa toda. Assim como o mundo antigo estava dividido da maneira que vimos,
assim também o mundo moderno está dividido desses vários modos. E acontece
a mesma coisa com a Igreja Cristã: seitas, denominações, grupos e divisões, e
barreiras. Que pena! E tudo isso está ocupando muito pensamento e muita
atenção no presente. Fala-se disso interminavel- mente, escreve-se
interminavelmente sobre isso. Todo mundo está preocupado em conseguir
entendimento, em obter unidade, e em tratar desse problema nestas diversas
esferas. E, todavia, não pareceria que grande parte dessa conversa, desses
escritos e dessas atividades é completamente vã e inútil? Parece não levar a
nada; e a questão é: por quê? A resposta está no que Paulo ensina nesta
passagem; pois a sua afirmação aqui, como em toda a sua Epístola, é que a única
unidade digna de que dela se fale só é possível sob certas condições. A Igrej a
Primitiva, que consistia de judeus e gentios, foi a demonstração da verdadeira
unidade. Eles foram aproximados e reunidos, dirigiam-se juntos em oração ao
mesmo Pai graças ao Espírito, estavam na mesma Igrej a, eram concidadãos, na
verdade eram membros da mesma família. Esse é o único caminho, e todo e
qualquer outro caminho que se tente não levará a nada. Para mim, uma das
maiores tragédias da hora presente, especialmente na esfera da Igreja, é que a
maior parte do tempo parece que é tomada pelos líderes para apregação sobre
unidade, em vez de pregarem o evangelho, o qual, unicamente, pode produzir
unidade. O tempo é gasto com falas e conferências, interminavelmente -
conferências nas quais eles "averiguam as suas dificludades". Jamais se

2 Esta obra, no original inglês, foi publicada em 1972 (Ia edição). Nola do tradutor.

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conseguirá unidade dessa maneira. Unicamente o evangelho produzirá unidade.
E enquanto houver desacordo sobre o evangelho, será desperdício de fôlego e de
energia falar sobre qualquer outro caminho para a unidade. Essa é a mensagem
desta seção, como eu a vejo; e não se aplica somente à Igreja, mas também se
aplica ao mundo de fora.

Qual é o ensino, então? Permitam-me resumi-lo da seguinte maneira: o


apóstolo queria fazer-nos ver que existem duas questões principais que terão que
ser consideradas antes de haver alguma esperança de unidade e de solução dos
problemas e dificuldades. Quais são?
A primeira é que temos de compreender a causa da dificuldade. É preciso
afirmar isso constante e interminavelmente nos dias atuais! Muito do que
debalde se fala e se escreve sobre unidade e entendimento hoje deve-se
inteiramente a uma só coisa, a saber, que os que o fazem nunca encararam
acausada dificuldade. Épreciso ter o diagnóstico antes de fazer o tratamento.
Quem se apressa a fazer tratamento sem saber com segurança qual é o
diagnóstico, simplesmente não sabe o que faz. Positivamente está se arriscando.
Medicar os sintomas ignorando a doença, a causa em suas raízes, é pura loucura.
É porque as pessoas simplesmente não reconhecem a causa como esta passagem
a ensina, que todas as suas tentativas são comprovadamente inúteis.
Aqui o apóstolo fala sobre a causa, sobre a moléstia. Vejam este caso dos
judeus, como ele o coloca no versículo onze. Podemos expressá-lo da seguinte
forma, como um postulado: a divisão do mundo antigo era devida a uma só coisa,
e essa era que as diferenças tinham- se tornado barreiras, as diferenças
tinham-se tornado uma "parede de separação que estava no meio". As diferenças
existem, e menosprezá- -las é tolice. As diferenças são fatos. E mesmo quando se
tem verdadeira unidade, permanecem as diferenças. Todavia a tragédia é que os
homens exageram as diferenças e as transformam em barreiras, em obstáculos,
em "cortinas", em paredes de separação no meio. Era exatamente o que aqueles
judeus estiveram fazendo. A ordenação de Deus era que houvesse judeus e
gentios. Deus é que tinha formado a nação dos judeus. Havia uma real diferença.
Os judeus eram circuncisos, os outros não. Mas isso não era para ser uma
barreira. Deus não criou uma nação para não se importar com as outras; Ele criou
a nação dos judeus para falar por meio deles ao mundo inteiro. Entretanto o
judeu o tinha entendido erroneamente. Ele transformara essa diferença numa
barreira, manti- nha-se separado e desprezava os demais. A Circuncisão - A
Incircuncisão!
Como isto se desenvolve e a que leva? Segundo o apóstolo, parece que o faz
da seguinte maneira: primeiramente leva ao orgulho. É certamente um fato que o
problema em foco é causado pelo orgulho, pelo ego. Esta é a causa fundamental

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de toda divisão, de toda barreira, de todo obstáculo. Essa é a causa de todas as
barreiras de separação que se interpõem. E acausa basilar de tudo quanto divide
as pessoas. O orgulho e o ego! O orgulho cega, o orgulho é um espírito poderoso
que nos dirige, nos subjuga e nos domina. Sob a influência do orgulho a pessoa
não pensa direito, torna-se preconceituosa. Não é capaz de ver coisa alguma
como verdadeiramente é. O preconceito é uma das maiores maldições da vida, e
geralmente tem a sua base e as suas raízes no orgulho. Tem o poder de cegar
completamente a gente. Como funciona? Primeiramente impede-nos de ver os
dois lados de uma questão. Para quem é governado pelo preconceito, não existe
um segundo lado, há somente um, não há outro. Ele está completamente cego.
Ora, essa era a atitude do judeu: "A Circuncisão", "A Incircuncisão"! Ele não
admitia os gentios, ele voltava as costas para eles. Não seria essa a essência de
todas as contendas?
Depois, outro modo de funcionar do preconceito é este: sempre nos leva a
ter um falso conceito de nós mesmos. O preconceito, e o orgulho que leva ao
preconceito, não somente impedem a pessoa de ver que há outro lado; também
produzem nela um conceito próprio inteiramente falso. Dessa maneira, o
preconceito sempre exagera o que há de verdade a seu respeito. Era uma
ordenança de Deus que o judeu fosse circunci- dado, porém o judeu exagerava
isso ao ponto de dizer que só haviauma verdadeiranação na terra, anação judaica.
Os outros povos eram "cães". Ele exagerava o que era verdade a seu respeito. Ele
pensava que simplesmente porque era judeu, necessariamente estava em boas
relações com Deus, e não precisava de mais nada. Por isso os judeus
crucificaram o Filho de Deus, porque Ele lhes mostrou que isso não era verdade.
Outra coisa que o preconceito faz é tornar-nos incapazes de ver e perceber
que o que quer que sejamos, e o que quer que tenhamos, não se devem a nós,
mas foi Deus quem nos deu. Os judeus tinham esquecido completamente que a
circuncisão era um dom de Deus. "Somos descendência de Abraão, e nunca
servimos a ninguém" (João 8:33), disseram os judeus a Cristo certa ocasião.
Pobres tolos cegos! Como se pudessem responder por si! Todos nós tendemos a
fazer a mesma coisa. Vejam como os homens se gabam da sua capacidade. Que
direito tem o homem de gabar-se da sua capacidade? Foi ele que a produziu? Foi
ele que a gerou? Não, ele nasceu com ela, foi-lhe dadapor Deus. Todos estes
dons nos são dados por Deus. Um homem se orgulha da sua aparência. Ele é
responsável por tê-la? Ele a produziu? Não obstante, é isso que o orgulho faz,
como vocês vêem. Exagera o que temos, e afirma que nós o produzimos. E não
se apercebe, com humildade, de que é tudo dado por Deus e vem das Suas
generosas mãos. São estas as sementes da desunião, da guerra e do
derramamento de sangue.

- 177 -
Ademais, o preconceito faz que tenhamos um falso conceito dos outros.
Visto que nos faz exagerar o que temos, faz-nos também diminuir o que eles
têm. Vocês o reconhecem atuando em sua própria vida, não reconhecem? Como
sempre aumentamos o que é do nosso lado e tiramos do outro! Relutamos em
reconhecera bondade quando ela está nos outros: não queremos reconhecê-la. E
porque não queremos, não a reconhecemos. De fato, subtraímos, tiramos até não
deixar nada. O judeu estava convencido de que não havianada de valor nos
gentios; nem lhes pareciam humanos; eram "cães". Exatamente da mesma
maneira o grego, com a sua cultura, considerava os outros como bárbaros,
iletrados. O preconceito não se limita a diminuir e a subtrair os valores alheios,
mas também passa a desprezar os outros. Pensem nas "castas inferiores e fora da
lei", de Kipling,4 em expressões como "não britânico", "forasteiros",
"Herrenvolk" v "nativos". Aí vocês têm a fonte de muitas contendas e
dificuldades. É porque essamentalidade foi tão propensa e predominar no século
passado que o mundo se defronta com tantos problemas hoje, e particularmente
este nosso país, talvez. Mas é a mesma coisa com os indivíduos. É o que se dá
com todos os que se deixam governar pelo orgulho e pelo ego. É como se
desenvolve e funciona - exagero do que nos é lisonjeiro, diminuição e desprezo
dos outros. "Chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam (se
intitulam) circuncisão feita pela mão dos homens"! Não admira que Paulo tenha
sido um tanto sarcástico. Ele queria ridicularizar a coisa, e assim a retratou dessa
maneira, para que todos vissem como é horrível e torpe.

Ora, existe uma segunda grande causa de divisão, a saber, um errôneo


juízo de valores. Tendo já feito referência a isto em princípio, permitam-me
agora dar-lhes os detalhes. Toda a tragédia do judeu, naquele tempo, foi que ele
omitiu o ponto essencial. Faltou-lhe um real juízo de vai ores. Ele achava que o
que importava era a circuncisão. O que Paulo e outros tinham para ensinar-lhes
era que o que importa é a circuncisão do espírito; que a pessoa pode ser
circuncidada na carne e, ao mesmo tempo, estar condenada e perdida; que o
homem que está em boas relações com Deus é o que foi circuncidado no espírito;
e que isso é tão possível para o gentio como para o judeu. Mas o judeu tinha
parado na carne; seu senso de valores estava errado, ele tinha interpretado mal a
circuncisão. A circuncisão era meramente um sinal externo de um estado interno,
espiritual. Era o que a circuncisão fora destinada a ser, porém, o judeu tinha
ficado cego para isso.
Notem as duas coisas que Paulo acentua: "na carne", e "feita pela mão dos
homens". "Incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela
mão dos homens." Com a expressão "a carne" aqui, ele se refere à ênfase dada às
aparências, às exterioridades e àquilo que é puramente físico. Nacionalidade! E

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puramente da carne. E um cabal acidente nascer numa nação, e não noutra.
Certamente é um fato a existência de diferentes nações e nacionalidades; mas
nós nos

Povo ou nação superior. Em alemão no original. Nota do tradutor.


inclinamos a fazer exatamente o que os judeus fizeram, transformamos estas
coisas em barreiras. Porque sucedeu que eu nasci em determinada nação, essa é a
nação. Outro homem diz exatamente a mesma coisa acerca da sua nação. Isso é
tomar uma coisa que é legítima na carne, entretanto exagerá-la até se tornar algo
tremendo. Nacionalidade! As pessoas lutam por isso, dão a vida por isso, matam
outras pessoas por isso. Nacionalidade! Nascimento! Família! Sangue! Como
exageramos e inflamos estas coisas! Como desprezamos outras pessoas! Como
estas coisas criam barreiras! O povo atribui mais significação à simples linhagem
dos homens do que ao seu espírito, à sua alma, ao seu caráter, ao seu
entendimento. Aquelas coisas são barreiras literais na vida; muitos são postos no
ostracismo por esses motivos. A cor da pele! Pura questão da carne, mas é o tipo
de coisa que leva àquela horrível frase -"castas inferiores e fora da lei". Que
lástima! A alma, a mente, o espírito, não são levados em consideração. A
avaliação é puramente em termos da carne. Capacidade, dinheiro, escola e
instrução, posição na vida - são as coisas que têm causado divisões, disputas,
miséria e infelicidade no mundo atual, e todas elas pertencem à carne.
Desafortunadamente, quando se chega aos domínios da religião, vê-se a
mesma coisa. Nada causa tanta divisão como a concentração em meras
exterioridad.es da religião. Os que mais perseguiram o nosso Senhor e que
finalmente foram responsáveis por Sua morte foram os saduceus e os fariseus.
Por quê? Porque só estavam interessados nas exterioridades, nas formas, nas
cerimônias e nos rituais, ignorando completamente o espírito. E ainda continua
sendo assim. Concentração nas formas, em belos cultos, liturgias, cerimônias,
vestes e coisas desse tipo relacionadas com o culto de Deus estão dividindo as
pessoas. E simplesmente a velhaprática dos judeus repetida na sua forma
moderna; o que pertence à carne é agarrado até vir a ser uma barreira.
Vejam, porém, por um momento a outra frase. Não somente "a carne", mas
também "feita pela mão dos homens", diz Paulo, isto é, puramente humana.
Quais são as coisas que estão causando divisão na Igreja hoje? Por que não nos
sentamos todos juntos à mesa da comunhão? Ah, diz um, você não pode vir à
mesa e comer do pão e beber do vinho se não foi confirmado, se certas mãos não
foram impostas sobre a sua cabeça. "Feita pela mão dos homens", vocês vêem!
Não importa se a pessoa nasceu de novo e tem em si o Espírito de Deus e se está
vivendo como um santo a vida cristã. Não participará porque ela não foi

- 179 -
confirmada.* Que valor há em falar em unidade e em re-união, que vale ter
grandes conferências e dar-lhes grande publicidade, se os próprios líderes de tais
conferências ainda agem em termos dessas barreiras? É irreal, quase chego a
dizer que é desonesto. Mas outros dizem: você não virá à mesa se não foi
batizado de um modo particular. É o modo como você foi batizado que importa,
e você é excluído da mesa do Senhor simplesmente por causa da quantidade de
água com a qual foi batizado. "Feita pela mão dos homens"! E há outros círculos
que não o admitirão à participação do pão e do vinho por causa de detalhes e
minúcias semelhantes. É uma repetição da maneira de ver dos escribas, dos
fariseus, dos saduceus e dos doutores da lei. Estas coisas pertencem meramente à
periferia. Estamos dispostos a conceder que haja diferenças de opinião sobre
estas questões, porém elas jamais deveriam chegar ao centro, jamais deveriam
tornar-se barreiras, jamais deveriam inter- por-se como paredes de separação.
Nunca se recuse a vir à mesa do Senhor com outra pessoa por nenhuma dessas
razões.
Vocês verão tradições similares também em questões de governo e ordem
da Igreja. Há os que são muito mais leais à tradição de sua denominação
particular do que ao Senhor Jesus Cristo. É geralmente por acidente que eles
pertencem à denominação, é simplesmente porque os seus pais pertenciam a ela,
e porque foram criados nela; mas lutam por ela, brigam por causa dela. Isso vem
a ser a coisa importante e vital. De algum modo, Cristo e a Sua verdade são
inteiramente esquecidos e não são mencionados. "Feita pela mão dos homens",
tradições humanas, lealdade a formas, tradicionalismo! São estas as coisas que
levam a separações e desuniões.

São estas, pois, as causas. Qual a cura? O apóstolo a expõe claramente


aqui. Unicamente Cristo pode curar, e a razão disso é que é
necessáriaumamudançadocoração.Não basta apenas apelar para aboa vontade,
para a bondade, para o amigável e para a fraternidade. Simplesmente não
funciona, e não funcionará; de fato nunca funcionou. Tampouco é suficiente
apenas apelar em geral para que os homens e as mulheres apliquem o ensino de
Cristo. Esse é o apelo popular hoje. Venham, dizem eles, vamos tomar e aplicar
os ensinamentos de Cristo. Alguns pensam que, se você fizesse isso, se este país
fizesse isso, de algum modo até a guerra seria banida e não haveria mais
problema. A resposta
Certamente isto se aplica à profissão de fé feita por adultos batizados na infância, como
também ao batismo de adultos. Nota do tradutor.
a isso é, de novo, que não é verdade, simplesmente não é fato. Já foi tentado. Foi
tentado nas escolas onde não acreditam mais na disciplina. Foi tentado nas
prisões, onde também ninguém mais crê realmente na disciplina. E vocês vêem

- 180 -
os resultados, vocês vêem o aumento da barbárie e do destemor de Deus. Mais
importante que isso, porém, é algo que vai contra as Escrituras, não é bíblico, não
é ensino de Deus, ensino que mostra que, enquanto o homem não vier estar "sob
a graça", terá que ser mantido "sob a lei". A natureza humana é má e sempre se
expressará, pelo que você tem de refreá-la, você tem que dominá-la. Quando há
feras selvagens em volta de você, você tem que estar preparado para enfrentá-las.
A idéia de que, se você for falar suavemente com pessoas que têm a mentalidade
de Hitler elas lhes darão ouvidos e deixarão de ser agressivas, é quase patética e
fátua demais, nem merecendo consideração.
Não, há somente um método, o método de Cristo. Ele nos diz a verdade
sobre nós. Ele faz que nos encaremos a nós mesmos. Face a face com Ele, vejo a
minha total inutilidade, a minha indignidade, a minha miséria. Quando
contemplo a face de Cristo, vejo que não tenho nada do que me gabar. Esqueço
tudo o que tenho exagerado, todas as coisas em que tenho confiado. Aqui não sou
nada, sou um mendigo. Cristo faz- -rae ver a verdade sobre mim. Você jamais
conseguirá unidade entre os homens, enquanto eles não virem a verdade acerca
deles próprios. Ele faz-me ver também que a mesma coisa vale realmente para
todos os outros; que vale para aquela outra pessoa de quem não gosto, e vale para
a outra nação; que somos todos iguais, que somos um no pecado, um no fracasso;
que estamos todos debaixo da ira de Deus; que as coisas cuja importância nós
temos exagerado são trivialidades. "Não há um justo, nem um sequer"; somos
todos réus condenados diante de um Deus santo. Ele a todos nos humilha até ao
pó. Ele já demoliu a maior parte das diferenças.
Depois Ele nos mostra que todos nós necessitamos da mesma graça, da
mesma misericórdia, do mesmo amor. E juntos recebemos estas bênçãos e todos
juntos as compartilhamos. Prestamos culto à mesma Pessoa e nos regozijamos na
mesma salvação. Tendo compreendido isso tudo, daí em diante a minha lealdade
não é a mim, e sim a Ele; e a do outro homem não é a si, mas a Ele. Assim nos
esquecemos um do outro enão mais somos desconfiados, invejosos e
contenciosos; vamos juntos a Ele, e juntos entoamos o Seu louvor.
Esse é o método segundo o qual Cristo o faz. Não é a aplicação do espírito
de Cristo feita pelo homem. E a colocação do Espírito de Cristo dentro do
homem. O homem não regenerado é incapaz de aplicar o princípio e o espírito de
Cristo; ele nem quer fazê-lo. Um homem pode persuadir-se por algum tempo de
que deseja fazê-lo, porém, outros não querem, e então vêm divisões, distinções e
guerras. Há uma única esperança - que homens e mulheres nasçam de novo, que
sejam reconciliados pelo sangue de Cristo, que Deus os perdoe, que Deus lhes dê
nova natureza e novo coração, e implante neles um novo Espírito. E ao
compartirem este Espírito, eles Lhe prestarão culto e O louvarão e se gloriarão
nEle; agora eles já não se gloriam em si mesmos, nem em suas nações, nem em

- 181 -
coisa alguma, a não ser no fato de que o Senhor Jesus Cristo foi crucificado por
eles, e que por Ele eles foram crucificados para o mundo e o mundo foi
crucificado para eles.
Esta é a única base da unidade. Não a organização, nem nenhuma outra
coisa, mas a humildade do novo homem em Cristo, a vida dominada por Cristo, a
vida centralizada em Cristo. Eis o que derruba todas as paredes interpostas: "de
ambos os povos fez um" em Cristo. Queira Deus abrir os nossos olhos para isto
em todas as nossas relações pessoais. Queira Deus abrir os olhos da Igreja para
isto. Que o mundo veja que só há uma esperança de paz verdadeira, vir reunir-se
aos pés do Príncipe da paz, o Rei da justiça.

- 182 -
SEM CRISTO
11 "Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de
Israel, e estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus
no mundo." - Efésios 2:12

Passamos agora, neste versículo doze, a ver e estudar em detalhe o segundo


aspecto deste problema, a saber, como foi possível que estes efésios, que eram
gentios, incircuncisos - como foi possível que eles fossem introduzidos na Igreja
Cristã e unidos aos cristãos judeus para formarem um novo corpo, a Igreja
Cristã? Essa é a questão da qual o apóstolo trata aqui. A distinção entre judeu e
gentio era deveras real. Não devemos menosprezá-la, nem diminuí-la, nem
tratá-la como algo de somenos importância. Afinal de contas, foi Deus mesmo
que introduziu o sinal da circuncisão. Foi Deus que mandou Abraão
circuncidar-se e circuncidar os seus filhos, e que isso fosse feito perpetuamente.
Portanto, não devemos subestimar essa distinção entre judeus e gentios. Mas,
embora reconheçamos a distinção, devemos ter claro entendimento do que ela
significa e o que representa. Foi nesse ponto que os judeus se extraviaram. Para
eles o sinal externo, sozinho, significava tudo. Era algo na carne, era algo
externo. Este homem é circunciso? Então ele está bem, ele pertence ao povo de
Deus. É incircunciso? Então ele está mal e não tem esperança nenhuma. Eles
tinham entendido de maneira totalmente errônea o objetivo, o propósito e o
espírito da circuncisão.
O apóstolo trata dessa questão em muitas das suas Epístolas. Ele o faz, por
exemplo, de maneira particularmente clara, na Epístola aos Romanos, capítulo
dois, versículos vinte e oito e vinte e nove, onde ele diz: "Porque não é judeu o
que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas é
judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não na
letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus". Noutras palavras, os
judeus tinham sido totalmente incapazes de ver que todo o objetivo disso era
algo espiritual na mente de Deus. O apóstolo estava muito preocupado com isso.
Alguns, quando ouvem quenão existe mais circuncisão e incircuncisão, judeu e
gentio, e assim por diante, mostram-se propensos a dizer: bem, então não
precisamos dar atenção a estas coisas. Alguns cristãos têm sido bastante tolos
para dizer que, uma vez que somos cristãos, não necessitamos do Velho
Testamento. Todavia, isso, diz ainda o apóstolo na Epístola aos Romanos, está
completamente errado. "Qual é logo a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da
circuncisão?" E ele replica: "Muita, em toda a maneira, porque, primeiramente,
as palavras de Deus lhes foram confiadas". Depois, no capítulo nove da Epístola
aos Romanos, ele torna a desenvolver o mesmo argumento. Ele fala da sua

- 183 -
grande tristeza e dor no coração - "Porque eu mesmo poderia desejar ser
separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a
carne; que são israelitas". Que é que ele quer dizer? Ele prossegue para dar
aresposta: "dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o
culto, e as promessas; dos quais são os pais, e dos quais é Cristo segundo a carne,
o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente". Havia um propósito e objetivo
muito real na distinção entre judeu e gentio. Não era como os judeus o
interpretavam, que o faziam erroneamente, mas lá estava o fato, e era
extremamente importante. Aqui, agora, neste versículo doze de Efésios, capítulo
dois, Paulo nos dá o verdadeiro conceito da matéria em foco. No versículo onze
ele nos dá o falso conceito da circuncisão; no versículo doze ele nos dá o
verdadeiro conceito da circuncisão e da falta dela.

O apóstolo apresenta o seu ensino de maneira interessante, extraordinária e,


à primeira vista, surpreendente. Eis como ele o expressa: "Que naquele tempo
estáveis sem Cristo". Ora, esse é um modo estranho de dizê-lo - "sem Cristo ".
Pode-se traduzir como "separados de Cristo", "fora de Cristo", "não em
comunhão com Cristo", "não em relação com Cristo", ou até "vivendo
separadamente de Cristo". Depois de haver feito a sua colocação em termos
gerais, ele vai adiante para expressar-se a respeito mediante cinco pontos
diferentes: "separados da comunidade de Israel", "estranhos aos concertos da
promessa", "não tendo esperança", "sem Deus", "no mundo".
Isto certamente exige nossa cuidadosa atenção. Obviamente Paulo está se
referindo à situação que prevalecia antes de Cristo, sob a antiga dispensação,
sob o Velho Testamento. O mundo estava dividido entre judeus e gentios,
aqueles que, como judeus, tinham sido circuncidados, e os incircuncisos, os
gentios, as outras nações. Todavia, vocês podem reparar que ele se refere aos
gentios daquele tempo e naquela condição nestes termos: "sem Cristo", "fora de
Cristo". Aqui ele está se referindo a uma situação que imperava antes da vinda do
Senhor Jesus Cristo ao mundo; entretanto, ele o diz em termos de estar "em
Cristo", ou "fora de Cristo", em termos de viver separadamente de Cristo. Por
que é que o apóstolo descreve esse estado de coisas em termos de uma relação
com Cristo? Naturalmente, num sentido, arespostaé que ele está fazendo algo
que é obrigado a fazer, e se não entendemos e não captamos claramente o que ele
está fazendo nesta passagem, só sepode pensar que temos lido o Velho
Testamento em vão. Aqui ele está fazendo um repasso geral do Velho
Testamento. Que é que o caracteriza? A resposta é: "a comunidade de Israel"; "os
concertos da promessa"; a esperança que Deus dera ao povo; a relação deste com
Deus; sua separação do mundo. Este é o sumário da condição e da situação dos
israelitas sob a dispensação do Velho Testamento. Todas as outras nações

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estavam fora destas bênçãos e, todavia, a descrição que ele faz é em termos de
estar "em Cristo", ou "fora de Cristo".
Como devemos entender isto? A resposta é que tudo o que Deus fez aos
judeus e por eles sob a antiga dispensação foi feito na expectação de Cristo. Tudo
no Velho Testamento olha para o futuro, para Cristo. Nunca devemos examinar
aquelas coisas em si e de si. Tudo quanto Deus fez àqueles judeus, àqueles
israelitas, Ele o fez como preparação para a vinda do Senhor Jesus Cristo. O
apóstolo o expressa numa frase em Gálatas 3:23 desta maneira: diz ele que o
propósito de Deus foi manter-nos "encerrados para aquela fé que se havia de
manifestar"; "a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo", nunca foi seu
propósito fazer coisa alguma em si e de si. Foi aí que os judeus erraram. Eles
pensavam que a lei era alguma coisa em si mesma, e que eles foram salvos
porque possuíam alei, ao passo que os outros não. Não, dizPaulo, alei
éonossopreceptor, o nosso aio, para levar-nos aCristo. Opropósito de todas
aquelas coisas era encerrar-nos para aquela fé que se havia de manifestar.
Podemos ver o ponto mais ou menos assim: Deus fez o homem à Sua
imagem, e o homem vivia em harmonia e em comunhão com Deus. Mas, ele
pecou e caiu, apartando-se de Deus. Que lástima! Depois que ele deu nascimento
à sua progênie, a terra encheu-se de gente, e até ao tempo do chamamento de
Abraão o mundo inteiro e todos os seus povos e nações estavam numa mesma
relação com Deus. Não houve nenhuma divisão importante até à vocação de
Abraão. Já havia uma espécie de divisão entre a linhagem de Caim e a de Sete,
contudo Deus tratava igualmente todas as nações e todos os povos, até quando
Abraão foi chamado. Então Deus fez algo novo. Ele disse a Abraão que ia fazer
dele uma nação, que dos seus lombos surgiria uma grande nação, um povo
especial e peculiar pertencente ao própr: o Senhor Deus. Ele ia criar uma nova
nação, uma nação especial. Ia separá-la de todos os outros povos e manteria uma
peculiar relação com essa nação especial. Essa é a formação de Israel, essa é a
gênese da comunidade de Israel, o povo de Deus. Depois Ele fez certas alianças
com esse povo. Fez-lhe certas promessas. Comprometeu-Se com ele. Ele
separou este homem, Abraão, e lhe disse: "Em ti e em tua semente serão
abençoadas todas as famílias da terra". Deus fez aliança com Abraão,
comprometeu-Se com ele, fez um juramento - esse é o significado das alianças.
Estas promessas foram repetidas muitas vezes - a grande e única aliança repetida
em várias formas - a Isaquee a Jacó, a Moisés no Sinai, e ainda a Davi, e
pregadas pelos profetas. É isso que se quer dizer com estas expressões, "a
comunidade de Israel", "os concertos da promessa", e assim por diante. Todas
tinham em vista a futura vinda do Messias, o grande Libertador. Noutras
palavras, o que temos que compreender é que agora Deus via o mundo e o seu
povo de duas maneiras: via o povo da aliança de um modo; via os demais povos

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de outro modo. E o povo da aliança era conhecido pelo sinal e pela marca da
circuncisão. Todo menino nascido em Israel tinha que ser circuncidado no oitavo
dia porque pertencia ao povo da aliança, à nação de Israel, ao povo de Deus. De
um lado está o povo de Deus; do outro estão os gentios.
É isso que o apóstolo está lembrando aos efésios, e este é o seu objetivo ao
fazê-lo: ele quer que eles se apercebam da grandeza da sua salvação. Quer que
compreendam que o fato de agora se haverem tornado concidadãos, co-herdeiros
com os santos e da família de Deus, é a coisa mais assombrosa que poderia
acontecer. A única maneira pela qual eles poderão entender isto é
experimentando algo da "sobreexcelente grandeza do poder de Deus sobre nós,
os que cremos". Não é somente o poder que nos ressuscita da morte no pecado, é
um poder que sobrepuja esta tremenda questão de como os que estão fora da
relação pactuai, da aliança, poderão ser introduzidos. Assim, ele prossegue, para
explicar-lhes e expor-lhes isso. Ninguémjamais se regozijará em Cristo como
deve, se não compreender qual era a sua situação antes de se tornar cristão. O
problema com todos os cristãos professos que não se regozijam em Cristo é que
eles nunca se deram conta do que eles eram em pecado. Não ajuda nada dizer-lhe
que você deve ser "sempre positivo"; você tem que partir do que há de negativo
em você. Se você não se der conta do que você era antes de ser tomado por Deus,
jamais O louvará como deve. Por isso Paulo desce a minúcias. Há muitos que
nunca viram qualquer necessidade de Cristo. Por quê? Porque estão satisfeitos
consigo e pensam que tudo está bem com eles como eles são. Esse é o problema.
Paulo está desejoso de que os seus leitores entendam esta questão. Ele orou no
sentido de que Deus abrisse "os olhos de seu entendimento", para que pudessem
entendê-la. Vocês estavam longe, diz ele, mas agora "pelo sangue de Cristo
chegastes perto" - você seria capaz de ver o que Deus fez? Você não consegue
ver a medida do Seu amor, da Sua graça e misericórdia, e do Seu ilimitado
poder?

Esse é o argumento. Vamos adiante, com o fim de aplicá-lo a nós. Vocês


conhecem com o seu coração, como também com a sua cabeça, o maravilhoso
amor de Deus? Ficam emocionados quando pensam nele e o imaginam?
Enchem-se de um sentimento de maravilha, de amor e de louvor? Se não se
sentem assim é porque vocês ainda não compreenderam o que Deus fez por
vocês em Cristo. Entende-se isto examinando o que significa não ser cristão -
"sem Cristo", estar "fora de Cristo". Noutras palavras, o primeiro princípio que
firmamos é que a única coisa que importa nesta vida e neste mundo é estar
relacionado com Deus em Cristo. Não há nada mais terrível que se possa dizer a
qualquer pessoa do que esta - "sem Cristo", "vivendo separadamente de Cristo".
Quando o apóstolo procurou uma expressão pela qual mostrar àquelas pessoas

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quão longe elas estavam, e a total desesperança da sua situação, foi esta que ele
escolheu: "sem Cristo". "Vivendo separadamente de Cristo." "Sem estar em
vivida relação com Cristo." Não há nada pior do que isso. Mas, por outro lado,
não há nada mais maravilhoso do que estar "em Cristo". Estas são as expressões
do Novo Testamento - "em Cristo", "fora de Cristo".
São essas as duas únicas posições que importam. Todos estamos, ou "em
Cristo", ou "fora de Cristo". Você sabe exatamente onde está? Isto não é teoria, é
fato real, é experiência. E o que vai determinar o nosso destino eterno. É porque
ignoram o que é estar "fora de Cristo" que milhões de pessoas no mundo atual
passam o domingo de manhã lendo os jornais e o lixo dos tribunais, em vez de
investigarem a Palavra de Deus. Não se apercebem de como é terrível a sua
situação por estarem "fora de Cristo". Por isso Paulo lhes diz em detalhe o que
significa isso com as cinco expressões já mencionadas. Elas podem ser
classificadas em duas divisões.

Primeiro consideremos: o que significa estar sem Cristo quanto à nossa


relação com Deus. Aqui o apóstolo diz duas coisas, as duas primeiras das cinco
expressões. A primeira é que nós estamos num estado e numa condição de
"separados da comunidade de Israel". A referência é àuma agremiação de
cidadãos ou de pessoas definidamente constituídas numa comunidade política.
No mínimo significa certo número de pessoas definidamente constituídas numa
comunidade. É algo separado e distinto, algo que pode ser reconhecido. Portanto,
o que nos é dito é que Deus, da maneira que indiquei, formou uma comunidade
para Ele. Este é o método de salvação estabelecido por Deus; Ele forma um
povo, uma comunidade. Ele separa as pessoas e Se mantém numa relação
especial com elas. Uma descrição minuciosa disso tudo é dada no capítulo
dezenove do livro de Êxodo. O apóstolo Pedro o cita em sua Primeira Epístola,
capítulo dois, versículos nove e dez. Deus reuniu aquelas pessoas antes de lhes
dar os Dez Mandamentos, e lhes disse: "Sereis a minha propriedade peculiar",
"Vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido."
Ele separou esse povo para Si e o apartou de todos os demais. Mas não ficou
nisso. Fez isso porque tinha um interesse especial por ele. E um povo que
constitui a Sua "propriedade peculiar". Assim, bem mais tarde, por meio do
profeta Amós, Deus disse a respeito da nação de Israel: "De todas as famílias da
terra a vós somente conheci" (Amós 3:2). Obviamente, isso não significa que Ele
não tomava conhecimento de todas as outras. Certamente que tomava.
"Conhecer" nas Escrituras significa ter interesse pessoal e especial por, estar
preocupado com, importar-se com, ver com os olhos de um pai e com amorosa
contemplação. "De todas as famílias da terra a vós somente conheci" - a
referência é a Israel. Deus via todas as nações, porém não as conhecia, não tinha

- 187 -
esse interesse especial por elas; elas estavam fora da comunidade de Israel, eram
estranhos. De fato, a palavra empregada por Paulo aqui é muito interessante.
Aqui se lê "(estáveis) separados"; a tradução deveria ser "tendo-se feito
separados", ou "tendo-se tornados separados". Noutras palavras, nunca houve o
propósito de que alguém estivesse nessa situação; é tudo conseqüência da
Queda, conseqüência do pecado. O homem separou-se, passou a estar fora do
interesse peculiar de Deus.
Então a primeira coisa que significa estar "sem Cristo" é que você está fora
daquele círculo no qual Deus está peculiarmente interessado. Você não pertence
ao povo da aliança. Você é tão-somente um de uma grande multidão nalgum
lugar; não há este interesse especial, este especial objeto de interesse. "Separados
da comunidade de Israel." Hoje é a Igreja Cristã que corresponde à comunidade
de Israel. A coisa mais terrível acerca do não cristão é que ele está fora daquele
círculo e não pertence ao povo de Deus. Você está separado da comunidade de
Israel? Você se sente estranho num culto cristão? Você se pergunta: do que é que
esse homem está falando? Que será isso tudo? Não lhe parece muito prático, não
é como uma pregação sobre conferências internacionais, sobre a fabricação de
armas atômicas ou sobre questões políticas correntes. Não é relevante, é
obsoleto. É alheio a você, é-lhe estranho? Ou você sente que lhe diz respeito? É
uma coisa terrível a pessoa sentir- -se um forasteiro, um intruso, sentir que não
tem parte nestas coisas, que de algum modo elas nada têm a ver consigo. Você
está dentro? Você ama os irmãos na fé? Você tem parte nestas coisas? É terrível
estar "fora de Cristo", "separado da comunidade de Israel".
O que a seguir o apóstolo nos diz é que os gentios eram "estranhos ao
concerto da promessa", ou "às alianças da promessa" (ARA). Já lhes fiz
lembrar as alianças feitas por Deus. Deus tomou Abraão. Não porque houvesse
algo de peculiarmente bom em Abraão; ele era um pagão entre outros pagãos.
Deus o chamou e lhe disse: Eu pus Meus olhos em você, vou abençoar você,
empenho-Me pessoalmente com você. Como nos lembra o autor daEpístola aos
Hebreus, Deus o fez com juramento (6:13-18). Empenhou-Se e fez um
juramento, para a segurança de Abraão e sua semente. As promessas de Deus!
Leiam o Velho Testamento e as verão uma após outra. Deus chama homens,
separa-os, dá-lhes uma revelação, uma visão, dirige-Se a eles, envia-lhes uma
palavra. E o que os mantém em marcha. Este foi o segredo do povo descrito no
capítulo onze da Epístola aos Hebreus - as promessas. Deus olhava para os do
Seu povo e lhes dizia: não se preocupem; deixem que as outras nações os
invejem e tentem destruí-los; deixem que os homens se levantem contra vocês;
não importa; vocês são o Meu povo, nunca os deixarei desaparecer, "Não te
deixarei, nem te desampararei" (Hebreus 13:5); apegue-se à palavra da minha
aliança e às Minhas promessas, olhem para o futuro, para o seu cumprimento.

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As promessas da aliança! Mas os efésios lhes eram estranhos. As nações
gentílicas nada sabiam delas. Enquanto que o povo peculiar de Deus, os judeus,
recebia estas grandes mensagens e se regozijavanelas, os outros absolutamente
não as conheciam - eram estranhos, absolutamente estranhos, nada tinham
ouvido dessas promessas, não sabiam nada a respeito, e não estavam
interessados nelas. Essa continua sendo a verdade sobre todos os que estão "fora
de Cristo", sobre os que não estão ligados vitalmente a Cristo. Podem ler aBíblia,
e não se comovem. Podem ver estas "grandíssimas e preciosas promessas" (2
Pedro 1:4), e ainda indagam: a quem se aplica isso? Que se pode dizer a respeito?
São estranhos, são como estrangeiros, não entendem a língua. Acaso a Bíblia lhe
diz algo? É-lhe inteligível? Você acha que ela não passa de palavras sem nexo,
de jargão? Ou lhe diz algo, diz-lhe palavras que o levantam e o firmam sobre os
seus pés e o levam a louvar a Deus? Você é estranho às alianças da promessa, ou
sabe que elas estão falando com você e que você é membro da agremiação, que
Deus Se dirige a você quando você lê a Sua Santa Palavra? Que coisa terrível é
estar "fora de Cristo", não estarem vivida relação com Cristo, ser estranho às
alianças da promessa!

Vamos adiante e consideremos a segunda divisão: as inevitáveis


conseqüências de estar "fora de Cristo". O apóstolo menciona três. A primeira é
que a pessoa está sem esperança. Certamente esta é uma das declarações mais
terríveis das Escrituras, senão a mais terrível. "Não tendo esperança"! Não existe
nada pior. "Enquanto há vida há esperança"; sim, porém quando a esperança se
vai, nada mais resta. A esperança é a última que morre, mas quando morre a
esperança, "retorna o caos" - como diz Otelo . Contudo, quem está sem Cristo
está sem esperança.
Isto significa, primeiramente, que ele não tem nenhuma esperança nesta
vida. Vocês já tinham percebido que sem Cristo não hánenhuma esperança nesta
vida, neste mundo? - absolutamente nenhuma! Será exagero? Em resposta eu
lhes peço que considerem as declarações dos pensadores mais profundos que o
mundo conheceu, e verão que, invariavelmente, eles são pessimistas. As maiores
obras de Shake- speare são tragédias. Todas as religiões, fora a fé cristã, são
profundamente pessimistas. O único consolo que lhe dão é que chegará o tempo
em que você escapará deste mundo; poderá ter que passar por uma série de
reencarnações - mas aqui não há esperança, você terá que livrar-se dele e, de um
modo ou de outro, perder-se nalgum nirvana. Elas não dão esperança alguma ao
homem neste mundo. É a carne, o corpo, dizem elas, que causa todos os nossos
problemas, e não há esperançapara você enquanto estiver no corpo. Por isso você
tem que sair deste mundo. O hinduísmo, o budismo e todo o resto são
completamente sem esperança. São produtos de pensamento profundo sem a

- 189 -
revelação; e todas elas são totalmente destituídas de esperança. Isso é algo que
vocês verão em todas as grandes filosofias, em todas as grandes religiões.
Vê-lo-ão em toda grande literatura. Já notaram que os nossos maiores poetas são

'Título de um drama de Shakespeare e nome do seu principal personagem. Nota do tradutor.

- 190 -
pessimistas? Wordsworth nos diz que ouvia a "dolente e triste música da
humanidade". Naturalmente, se vocês estiverem voejando de salão de baile em
salão de baile e de cinema em cinema, não a ouvirão, porque há tanto barulho
que não a podem ouvir; porém, o poeta senta-se, põe- -se à escuta e medita, e o
que ouve? - Que a vida é maravilhosa? - Não, o que ele ouve é a "dolente e triste
música da humanidade". "A vida é real, a vida é séria." Não é um vertiginoso
rodar de prazer após prazer. Não se vê esperança nesta vida e neste mundo.
Tudo isso nos vem habilmente resumido no livro de Eclesiastes, onde o
autor diz: "Vaidade das vaidades! é tudo vaidade". Isso não é dito de maneira
superficial, num momento de decepção; é a conclusão a que chegou um
profundo pensador que tentara todas as possibilidades, considerara todas as
coisas que se nos oferecem, e viu que todas elas juntas não chegam a nada. "O
que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; de modo que
nada há novo debaixo do sol" (1:9). Não há esperançapara o mundo, ele não vai
ficar cada vez melhor. Todo o fútil idealismo dos últimos séculos é totalmente
condenado por todas as grandes expressões do pensamento dos séculos - e,
naturalmente, está totalmente desacreditado hoje pelos fatos e eventos. Sem
Cristo não há esperança nesta vida e neste mundo. "Vaidade de vaidades! é tudo
vaidade!", pode-se escrever rotulando todas essas coisas. Não somente não há
esperança de que as coisas melhorem, também não há esperança de que o próprio
homem melhore. Ele não é nada melhor do que era sob a dispensação do Velho
Testamento. Continua cometendo os mesmos pecados, continua culpado das
mesmas faltas; não há prova de que houve progresso espiritual do homem. O
homem é tão podre hoje como quando caiu no jardim do Éden. Além disso, não
há o que ver no futuro. Todos estamos envelhecendo, as nossas energias vão
fenecendo, a morte virá, inevitavelmente. Façam vocês o que fizerem, não se
livrarão dela. Essa é a vida sem Cristo. Deixemos que Shakespeare, com seu jeito
inimitável, resuma o ponto para nós. Já no período final da sua vida, ele o
expressou perfeitamente num dos seus últimos dramas, A Tempestade ("The
Tempest").

Aí torres envoltas em nuvens, Os suntuosos palácios, Os templos solenes E o


próprio globo grandioso, Sim, todo o universal legado se dissolverá, E, como
esta frágil pompa esmaecida,
Nem mesmo um vapor deixará atrás: E o que somos, Como feitos de sonhos, e um
sono cerca A nossa curta vida,

É assim a vida sem Cristo. Nenhuma esperança! Absolutamente nenhuma!


Isso não é pessimismo, é realismo, é encarar os fatos. Não há esperança neste
mundo, ele não está ficando melhor. Vejam os jornais, vejam os fatos: o homem

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não está melhorando, e nada o espera senão a morte. As torres envoltas em
nuvens, os suntuosos palácios, o próprio globo grandioso - tudo vai dissolver-se.
Assim como não há esperança nesta vida, neste mundo, certamente não há
nenhuma esperança além desta vidapara quem está fora de Cristo. Amorte é
apenas o fim da jornada para ele. Como Horácio Bonar diz em seu hino:
"Falecem os homens cercados de trevas, sem uma esperança que alegre
suatumba". Eles olham parao futuro, mas o que vêem? Nada! Não conseguem
ver através da morte, não têm "a fé que vê através da morte". Que é que existe
além da morte? Eles não sabem. Ou dizem que não há nada, ou que há um
tormento, ou uma série dereencarnações. Não sabem; e quando chegam ao fim,
deixam tudo, caem os palácios e as torres, e o que fica? - Nada! Sem esperança!
Essa é a vida sem Cristo. Esta é a vida que estão tendo milhões neste país hoje,
milhões que nos julgam tolos porque nos assentamos para ouvir o velho
evangelho nas igrejas. Eles pensam que têm vida e liberdade - todavia eis a sua
situação: "não tendo esperança"!
Mas, pior ainda: "sem Deus"! Que é que Paulo quer dizer com isso?
Refere-se obviamente a uma vida sem nenhuma experiência subjetiva de Deus.
Deus continua existindo, porém essas pessoas não o sabem, não têm consciência
disso; e não O fruem! Permitam-me fazer um sumário disso nos seguintes
termos: eles não conhecem a Deus enão estão em comunhão com Deus; portanto,
eles estão sem a ajuda, a paz e a alegria que vêm mediante o conhecimento de
Deus e a fé nEle. O mundodeles estáenterrado em colapso, tudo vai indo mal e
eles se vêem sós. Em seu completo isolamento e desolação, eles não têm nada,
porque não conhecem a Deus. Os cristãos também têm problemas nesta vida,
ocorrem acidentes, as coisas vão mal; quanto às circunstâncias, o cristão pode ser
idêntico a outro homem. Mas há esta grande diferença: o outro está sem Deus; o
cristão tem Deus e conhece a Deus.
Quão diferente do salmista é esse outro homem sem Deus! O salmista,
vocês recordam, disse isto: "Quando meu pai e minha mãe me desampararem, o
Senhor me recolherá" (Salmo 27:10). Seu pai e sua mãe o deixaram, amigos e
companheiros foram-se todos, tudo se foi. Está bem, diz o salmista, "quando meu
pai e minha mãe me desampararem", mesmo então, "o Senhor me recolherá".
Ouçam-no ainda: "Eu me deitei e dormi" - ele estava cercado de inimigos nessa
altura - "Eu me deitei e dormi; acordei" - por quê? - "porque o Senhor me
sustentou" (Salmo 3:5). Ouçam-no noutra ocasião: "Das profundezas a ti clamo,
ó Senhor" (Salmo 130:1). Ele estava num fosso horrível, e tudo parecia ter-se
ido; mas olhou para o alto, Deus continuava lá; "Das profundezas clamei ao
Senhor". "O Senhor é o meu pastor, nada me faltará." "Ainda que eu andasse
pelo vale da sombra da morte, tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me
consolam" (Salmo 23:1,4). Não posso ver mais nada, mas ainda vejo a Ti. O

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outro homem não conhece isso; ele está "sem Deus". "O Senhor é a minha luz e a
minha salvação; a quem temerei? O Senhor é a força da minha vida; de quem me
recearei?" (Salmo 27:1). Com Deus! - não "sem Deus". Ouçam-no, porém,
dizê-lo também numa admirável declaração: "Desde o fim da terra clamarei a ti,
quando o meu coração estiver desmaiado; leva-me para a rocha que é mais alta
do que eu" (Salmo 61:2). Aí está ele, quase afundando num oceano de
dificuldades, com inimigos e tudo mais contra ele; ele clama a Deus: "Leva-me
para a rocha que é mais alta do que eu", sabendo que ali estará seguro. No
entanto, esse outro homem nada sabe disso, está sem Cristo e, portanto, está sem
Deus. Que diferença do apóstolo Paulo, que diz: "Ninguém me assistiu na minha
primeira defesa, antes todos me desampararam. Que isto lhes não seja imputado.
Mas o Senhor me assistiu e fortaleceu-me" (2 Timóteo 4:16-17). Paulo estava em
julgamento, todos os seus amigos o tinham abandonado: "ninguém me assistiu,
todos me desampararam". "Mas o Senhor me assistiu e fortaleceu-me." Também
escreve da prisão a Timóteo, quando tudo estava contra ele, e diz: "Mas não me
envergonho; porque sei em quem eu tenho crido, e estou certo de que é poderoso,
para guardar o meu depósito até àquele dia" (2 Timóteo 1:12). Ouçam o autor da
Epístola aos Hebreus citar o Velho Testamento: "O Senhor é o meu ajudador, e
não temerei o que me possa fazer o homem". Por quê? Porque Deus disse: "Não
te deixarei, nem te desampararei" (Hebreus 13:5-6).
Contudo, esse outro homem não sabe disso; ele é deixado entregue a si
mesmo quando o seu mundo cai por terra e tudo vai mal. Ele não somente está
"sem esperança", mas também está "sem Deus", e não pode olhar para o futuro,
para o dia em que, segundo o livro de
Apocalipse, "Deus limpará de seus olhos toda a lágrima", e não mais haverá
tristeza, nem suspiros, nem pranto. O homem sem Cristo não conhece essas
coisas. Quão diferente é o nosso Senhor! Ouçam o Senhor dizer pessoalmente:
"Eis que chega a hora, e já se aproxima, em que vós sereis dispersos cada um
para suaparte, e me deixareis só; mas não estou só, porque o Pai está comigo"
(João 16:32). Ele não estava "sem Deus". Deus estava com Ele quando todos O
tinham abandonado e fugido. "Mas não estou só, o Pai está comigo."
Que coisa terrível é estar "sem esperança" e "sem Deus" "no mundo" -
pertencer a este mundo passageiro que está debaixo da ira de Deus, debaixo da
condenação, e que deverá ser destruído. "O mundo passa, e a sua
concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre"
(1 João 2:17).
Essas palavras vêm a alguém que está "sem Cristo"? Se vêm, você se
dáconta de onde está? Você está fora dacomunidade, fora do interesse especial
de Deus, você não conta com promessas que o sustentem, com "nenhuma
esperança", você está "sem Deus", "no mundo"! Se você vê isso, e se você

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compreende o que significa, há só uma coisa para você fazer - fugir para Cristo.
Outrora os efésios tinham estado naquela situação - "Mas agora em Cristo Jesus,
vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto". Você
não precisa continuar sendo um forasteiro. Não precisa continuar e achar que
estas coisas não lhe dizem respeito. Deus está falando com você. CreianEle,
ouça-O, aja baseado no que Ele diz, vá a Ele, confesse a Ele tudo quanto sej a
verdade quanto a você, e se lance sobre o Seu amor e graça e misericórdia e
compaixão. E Ele o receberá e lhe dirá que enviou Seu Filho para morrer e
derramar Seu sangue por você, para que você se tornasse "concidadão dos santos
e da família de Deus". Você verá que passou a ter nova vida e nova esperança,
conhecerá a Deus e saberá que Ele nunca o deixa nem o desampara. Fuja para
Ele.
Se você está ali, regozije-se nEle. Estar "em Cristo"! Não há nada que
sobrepuje isso. É o céu na terra. E o antegozo da bem-aventurança eterna.

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16 CHEGASTES PERTO
"Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue
de Cristo chegastes perto." - Efésios 2:13

Evidentemente, estas palavras dão prosseguimento à declaração que


começa no versículo onze. Ao mesmo tempo são, por assim dizer, o
complemento dessa declaração, que já foi estudada. O apóstolo está expondo
aqui a grandeza desta salvação cristã. Ele quer que compreendamos que ela é tão
grandiosa que nada menos que o poder de Deus a poderiarealizar. Esse é o
argumento geral. O poder que nos torna cristãos é precisamente o mesmo poder
que tomou Jesus dentre os mortos, mostrou-O na ressurreição gloriosa e depois
O elevou às alturas, aos lugares celestiais, onde Ele está assentado à direita do
poder de Deus. Esse é o tema. Não devemos ignorar a floresta por causa das
árvores. As árvores são gloriosas, mas a floresta é mais, e é melhor. A medida
que avançarmos, mantenhamos as duas coisas juntas em nossas mentes.
E sobre "a sobreexcelente grandeza do Seu poder sobre nós, os que
cremos" que o apóstolo está escrevendo, e é o que ele quer que compreendamos.
Necessitaremos do auxílio do Espírito Santo para compreendê-lo, porque as
nossas mentes são por demais pequenas, fracas e inadequadas. Oramos, pois,
como Paulo fez pelos efésios, no sentido de que sejam "iluminados os olhos do
nosso entendimento", para que realmente possamos conhecer essa verdade. O
apóstolo escreve a sua carta com o fim de ajudar-nos nisso. Duas coisas, diz ele,
são essenciais, se queremos entender a grandeza da salvação cristã: a primeira
é a percepção da nossa condição sem esse entendimento; e a segunda é a
percepção da nossa condição resultante disso. Anteriormente examinamos a
nossa condição sem a salvação, nos termos da descrição feita no versículo doze
deste capítulo. "Naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade
de Israel, e estranhos aos concertos (ou alianças) dapromessa, não tendo
esperança, e sem Deus no mundo." Somente quando compreendermos isto, em
primeiro lugar, é queperceberemos quão maravilhoso é que alguém seja cristão.
Afinal de contas, o admirável é - não que muitos não são cristãos; o admirável é
que alguém seja cristão. Nada explica isso, a não ser o poder de Deus em Cristo.
Somente captamos isso quando nos damos conta do que o homem é por
natureza, quando nos damos conta do que ele é em conseqüência do pecado. Mas
devemos ir muito além. Se nos cabe medir este grande poder, não devemos
limitar-nos a medir a profundidade da qual fomos levantados e tirados,
entretanto também devemos medir a altura à qual fomos elevados e exaltados.
Aí estão os dois polos que representam os extremos nos quais todos os
cristãos se acharam: primeiramente, fora de Cristo; depois, em Cristo. É o que o

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apóstolo está expondo aqui, no versículo treze. Tendo dado o aspecto negativo,
passa agora a expor o positivo. Vocês recordam que nos dez primeiros versículos
ele estivera fazendo exatamente a mesma coisa, porém de um ângulo diferente.
Lá a sua preocupação era com a condição espiritual real e concreta - mortos em
ofensas e pecados - e em mostrar como fôramos elevados às alturas. Aqui, como
vimos, ele o expõe mormente em função da lei, e em termos do nosso nível e
posição aos olhos de Deus e em Sua presença. Mais uma vez assevero que é
essencial que compreendamos os dois lados.
Para todos os que têm alguma experiência pastoral, nada é mais claro do
que o fato de que, quando os que se sentem infelizes acerca da sua salvação, não
têm segurança e não têm alegria em sua vida cristã, a causa geralmente está
numa destas duas coisas, ou, com muita freqüência, nas duas juntamente. Eles
estão nessas condições, ou porque nunca se tornaram verdadeiramente convictos
do pecado, porque nunca enxergaram realmente a sua situação de desesperança,
ou então porque nunca enxergaram a sua verdadeira posição como cristãos e as
alturas às quais foram elevados. Assim, as duas coisas sempre devem ser
tomadas juntas. E no Novo Testamento sempre estão juntas-e invariavelmente
são tomadas na ordem acima indicada: primeiro o elemento negativo; depois o
positivo. Já vimos isso neste capítulo.
O apóstolo sempre parte do negativo. Vocês recordam como, quando ele
estava a caminho de Jerusalém e estava se despedindo dos presbíteros desta
mesma igreja de Efeso numa grande e lírica ocasião - ele não tivera tempo de ir a
Efeso, pelo que pedira aos presbíteros que viessem encontrar-se com ele.
Encontraram-se em Mileto, e, num dos mais comoventes trechos da literatura
que conheço, o apóstolo fala, dizendo efetivamente; gostaria de lembrar-lhes
como, quando estava com vocês, não cessei, noite e dia, de dar-lhes com
lágrimas o meu testemunho do evangelho e de pregá-lo. E o que ele pregava? "O
arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo" (Atos
20:21, VA e ARA). Vocês nunca verão o apóstolo dizer que , primeiro as pessoas
vêm a Cristo e depois se arrependem. Impossível vê-lo fazer isso, porque ele
sempre pregava primeiro o arrependimento. E é o que ele está fazendo aqui: aí
está o que vocês eram, aí está o que vocês são. E somente quando captarmos o
negativo e o positivo é que verdadeiramente apreciaremos esta grande salvação e
nos regozijaremos nela como devemos.
Permitam-me fazer uma pergunta simples e óbvia neste ponto.
Compreendemos a grandeza da nossa salvação? Ou deixem que eu faça uma
pergunta mais sensível e delicada. Você se regozija em sua salvação? Neste
momento você se ufana mais de ser cristão do que de qualquer outra coisa em
sua vida? Não hesito em dizer que, se não nos ufanamos disso e não nos
gloriamos mais nisso do que em qualquer outra coisa, então, para dizer o

- 196 -
mínimo, o nosso entendimento do que é ser cristão é gravemente defeituoso.
Quando um homem vê isso de verdade, só tem uma coisa para dizer, e é o que o
apóstolo diz: "Longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso
Senhor Jesus Cristo" (Gálatas 6:14). Se verdadeiramente o enxergamos,
veremos que é tudo. Não há nada que se lhe compare. Portanto, esse é um teste
muito bom para vermos se realmente entendemos estas coisas ou não.
Percebemos o nosso privilégio? Percebemos a glória da nossa posição neste
momento, como cristãos? Ajudemo-nos uns aos outros a chegarmos a esse lugar.
Temos considerado o negativo; vejamos agora o positivo. Aqui está ele
numa frase - também aqui o apóstolo segue o seu método invariável. Primeiro
ele declara o seu tema geral numa só sentença; depois ele o parte e o toma
fragmento por fragmento. É o que ele faz no restante do capítulo. Neste versículo
treze mais uma vez nos vemos face a face com um dos mais gloriosos sumários
que o apóstolo faz, da fé cristã em geral. Está tudo aí nesse único versículo. As
vezes sinto que se eu pudesse dizer isto como deveria e como o Espírito Santo
pode habilitar-nos a dizê-lo, não haveria necessidade de dizer mais nada. Ei-lo:
"Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, jápelo sangue de
Cristo chegastes perto".
Isso é o evangelho completo. Mas vamos sondá-lo; aí está a essência
própria da mensagem cristã. No momento o tomarei como um todo e o
examinarei de maneira geral; depois, querendo Deus, seguiremos o apóstolo à
medida que ele mesmo o vai partindo em suas diversas partes componentes. A
divisão do assunto é inevitável. Há três coisas aqui. A primeira é o contraste
entre o que éramos e o que somos; a segunda é o que somos; e a terceira é como
nos tornamos o que somos.

Primeiramente, o contraste entre o que éramos e o que somos.


O apóstolo o expressa era sua maneira usual - mas! Primeiro mostra o quadro
sombrio, dá-nos o negativo, e nos força a tomarplenaconsciência dele. Depois de
fazer isso, diz, "Mas"! Vocês se lembram do outro notável exemplo disso que
tivemos no versículo quatro. Depois de nos fazer aquele pavoroso relato a nosso
respeito, como estávamos mortos em ofensas e pecados, de repente ele diz, "Mas
Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos
amou...". Aqui de novo ele o faz. Estes "mas", estes benditos "mas", nunca serão
repetidos com mais freqüência do que deveria. O evangelho todo entra aqui.
"Mas agora"! - vocês vêem a diferença. Tudo está na palavra "mas". Contudo, ele
acrescenta estes outros termos: "agora", "antes". A palavra "mas" mostra
contraste; "agora" contrasta-se com "depois", "anteriormente", "tempos
passados", "às vezes". Estas são grandes palavras do apóstolo, os seus contrastes.
E qual seria o efeito dessas palavras? Você pode dizer se é cristão ou não apenas

- 197 -
respondendo esta pergunta: você acha, às vezes, que a maior palavra que há em
toda a língua da humanidade é a palavra masl Se não pensa assim, o seu
entendimento sobre o cristianismo é muito defeituoso. Lá estava você! Mas - e
imediatamente você levanta a cabeça e se põe a cantar; abriu- -se uma janela,
brilhou uma luz, desapareceu a escuridão. "Mas agora"! Que nos diz essa
expressão? E o "mas" da esperança, o "mas" do alívio, o "mas" que afirma que há
um fim para o desespero, para as trevas, para a tristeza, que nem tudo está
perdido, que Deus ainda está conosco. Levantamos as nossas cabeças. "O povo
que andava em trevas viu uma grande luz." "Deus, que disse que das trevas
resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em nossos corações, para iluminação
do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo" (Isaías 9:2; 2
Coríntios 4:6). E o que temos aqui, noutra linguagem.
Quero acentuar especialmente que estas palavras assinalam de maneira
surpreendente a agudeza do contraste, a afirmação de como é completa a
separação, da categoria absoluta da diferença. Isto é ressaltado em toda parte no
Novo Testamento. A diferença entre o cristão e o não cristão é uma diferença
absoluta, um contraste completo. Éclaro, édefinido, é distinto. Jamais deveria
haver qualquer dificuldade em falar se somos cristãos ou não. O contraste entre o
cristão e o não cristão é tão extremo e tão definido como isto: "agora" - "depois";
o "mas";adiferençacompleta;amudançaextraordinária.Nãohánuanças de
diferença entre ser "não cristão" e ser "cristão". Não é você vir do preto ao
branco através de vários matizes de cinza, e não poder dizer onde você está - o
preto começando a ser afetado por um pouco de branco, e depois um pouco mais,
e um pouco mais, e por fim você diz: ah, isto é branco! Não é nada disso. Isso é
totalmente falso; isso é um completo contraste com o que o apóstolo está
ensinando aqui. É preto ou branco, diz ele, e não há estágios intermediários
quase imperceptíveis. Não é como aquelas sutis mudanças de cor do espectro,
onde não se pode dizer em que dado ponto termina uma cor e começa outra.
Absolutamente não. Este contraste é claro e definido.
Muitos estão em dificuldades quanto à sua posição como cristãos porque
nunca entenderam o ensino das Escrituras sobre este assunto. O contraste entre o
não cristão e o cristão é verdade válida para todos. Digo isso porque posso
imaginar alguém dizendo: ah, espere um minuto, naturalmente posso entender o
contraste em sua forma extrema como ali o apóstolo o coloca, porquanto, afinal
de contas, ele estava escrevendo acerca daqueles efésios que nem sequer criam
em Deus, que eram pagãos, em pleno mundo, vivendo a vida típica de um pagão
- e, naturalmente, quando um pagão desses passa a ser cristão, o contraste,
obviamente, é extremo e espantoso. E os que assim pensam prosseguem dizendo
que ainda é o mesmo nos dias atuais. Alguns que se tornaram cristãos tinham
sido ébrios, maridos espancadores e quase assassinos - não podiam ter sido mais

- 198 -
ímpios. Claro, quando alguém assim se torna cristão, tem-se este assustador
contraste, e você está justificado em ressaltar o seu "mas", e em dizer "agora" e
"depois", "tempos passados", "anteriormente", e assim por diante. Todavia,
dizem eles, certamente isso não se aplica aos que foram criados de boa e
respeitável maneira, num país cristão, pessoas que eram enviadas à Escola
Dominical quando crianças e eram levadas aos cultos pelos seus pais, e que
nunca praticaram nenhuma dessas coisas violentas, torpes e extremas. Por certo
essas pessoas apenas "cresceram" no cristianismo e nelas a mudança é quase
imperceptível. Certamente, argumentam eles, você não dá ênfase a este contraste
extremo no caso dessas pessoas - pode- -se aplicar-se aos pagãos e aos de fora,
não porém, por certo, a alguém que foi belamente criado num país cristão. A
minha réplica é que é tão extremo o contraste no caso daqueles como no outro;
que a diferença entre não cristão e cristão é sempre igualmente grande.
O que decide se somos ou não cristãos não é nem o que fazemos nem o que
somos: é a nossa relação com Deus. "Chegastes perto", "fostes aproximados"
(VA e ARA), diz Paulo. Ele não diz "progredistes", ou "melhorastes", ou "agora
estais vivendo uma vida melhor". Não, o que faz de você um cristão é que "Vós,
que antes estáveis longe, fostes aproximados"; estais perto de Deus, ao passo que
anteriormente estáveis longe de Deus. Assim, deve-se traçar a distinção e a
diferença, não em termos da nossa moralidade ou da nossa conduta ou do nosso
comportamento, e sim, em termos de nossa relação com Deus.
Permitam-me apresentar-lhes uma ilustração para mostrar o que quero
dizer. É questão de relação, digo eu, não primariamente de condição moral da
pessoa - o que vem depois. Vejam o ponto deste modo. Considerem o estado
civil. Pense num homem que se casou ontem. Vocês podem dizer dele o
seguinte, não podem? - "Até ontem ele era solteiro, agora é casado". Pois bem,
quando vocês estão pensando narelação especial que se estabelece com o
casamento, estará inteiramente fora de foco e será um completo disperdício de
fôlego indicar as diversas coisas que verdadeiramente o descreviam. Vocês
podem dizer-me que ele bebia demais ou que vivia jogando. Nas não estou
interessado nesse ponto; quero saber se o homem era casado ou não. Se você está
pensando no estado civil e na vida matrimonial, é pura irrelevância falar-me da
vida moral do homem ou da sua conduta ou do seu comportamento. A questão
vital é que ele não era casado, porém agora é. Todas aquelas outras coisas nesse
ponto e nesse contexto são irrelevantes.
Ora, é exatamente a mesma coisa em toda esta questão de ser cristão. Não
estou realmente interessado em saber se você vivia nas sarjetas da vida ou nas
vivendas mais respeitáveis. As únicas perguntas que faço são: você está perto de
Deus? Você conhece a Deus? Você entrou nos "santos dos santos", "no lugar
santíssimo"? Essa é a questão; as outras são irrelevantes. Quanto à

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respeitabilidade, à bondade, à moralidade e à ética, você pode ser um exemplo de
todas as virtudes e, todavia, não conhecer a Deus. Fazendo-se o julgamento por
meio desse teste de relações pessoais, segundo as Escrituras não há diferença
entre o mais vil e torpe pecador, de um lado, e o mais respeitável pecador, do
outro. "Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus." "Não há um justo,
nem um sequer." Todos eles estão fora da porta, não têm entrada na sala de
audiências, na presença do Monarca, a porta se lhes fecha e ficam fora. Mas você
dirá: ah, eles são diferentes; vejam a roupa que usam, não se vestem igual! Digo
que não me interessa. A única pergunta que faço é: eles estão fora da porta, ou
dentro?
Invariavelmente, o problema nesta questão é que, em vez de a considerarem
em termos desta relação pessoal com Deus, as pessoas insistem em considerá-las
em termos de bondade e comportamento.
Lembro-me de alguém que me disse uma vez (e uso a ilustração porque penso
que aplica muito bem o ponto): sabe, às vezes quase chego a desejar ter tido uma
vida suja, violenta e extremamente pecaminosa. Por quê?, perguntei. Bem,
respondeu ela, para que eu pudesse experimentar esta grande mudança que tais
pessoas experimentam quando se convertem. Vocês vêem a falácia e o
entendimento errôneo? Essapessoa estava vendo a questão inteiramente em
termos de conduta e comportamento, negativamente. Se ela a tivesse visto
somente em termos de conhecer a Deus e de regozijar-se nEle, teria visto que não
havia diferença entre ela e o mais torpe e vil pecador. O teste é positivo. Este
"mas", "agora" - "anteriormente", "tempos passados", este contraste extremo! Ja-
mais devemos dar-lhe demasiada ênfase.

Movamo-nos para o segundo princípio, que é considerar o que somos como


cristãos. Servirá para salientar ainda mais o contraste, enquanto temos em mente
a mensagem do versículo doze. Paulo coloca isso com estas palavras
maravilhosas: "fostes aproximados"! "Postes aproximados" é, naturalmente, o
contraste com "separados", "estranhos", "sem Deus", "fora de Cristo", não
vivendo nesta vivida relação com Cristo. Mas agora, "fostes aproximados"! Essa
é toda a verdade acerca do cristão. Obviamente o apóstolo tinha em mente uma
ilustração. Ele estava pensando no templo. O templo de Jerusalém era dividido
em diferentes lugares ou pátios. O mais importante era o "lugar santíssimo", o
santuário mais secreto, onde a presença de Deus se revelava na glória da
Shekinah3 sobre o assento da misericórdia . E no "lugar santíssimo", a real

3 Hebraico, "aquele que habita". Implicitamente, "a glória daquele que habita". Nota do
tradutor.
Tradicionalmente, "propiciatório". Idem.

- 200 -
presença de Deus, somente um homem tinha permissão de entrar. Erao sumo
sacerdote, e só entravauma vez por ano. Havia então os átrios ou pátios. O pátio
mais distante do santuário era chamado "Pátio dos Gentios". Eram os que
ficavam mais longe de Deus! Nem entrar no "Pátio do Povo" lhes era permitido,
o "Pátio dos Judeus". Aos judeus comuns não era permitido entrar no lugar
destinado aos sacerdotes, e nem estes podiam entrar onde o sumo sacerdote
entrava. Entretanto no lugar mais distante estavam os gentios, os forasteiros.
Mais para o fim deste capítulo o apóstolo vai desenvolver este ponto mais
minuciosamente. Mas aqui já se vê, nessa forma particular. O que ele diz é que os
que estavam mais longe foram introduzidos, foram aproximados, de maneira
sumamente admirável tiveram entrada, por assim dizer, no lugar santíssimo. Esta
é a verdade referente a todos quantos são cristãos, e é a esta verdade que
devemos dar ênfase. O não cristão está sem Deus, sem Cristo; não tem acesso,
não tem conhecimento, não tem entrada.
Qual é a verdade quanto ao cristão? A primeira verdade referente ao cristão
é, não que ele teve alguma experiência, mas sim, que ele foi aproximado, tem
esta entrada, este acesso, e pode entrar na presença de Deus. E, naturalmente,
pode fazê-lo na companhia de todos os outros que estão fazendo a mesma coisa.
Assim é que Paulo dá seguimento a este outro contraste. Antes, os judeus eram
um povo separado. Eles podiam achegar-se a Deus com as suas ofertas
queimadas e os seus sacrifícios, por intermédio do seu sacerdócio. Os gentios
não podiam. No entanto agora os gentios podem, não somente entrar à presença
de Deus, mas também podem fazê-lo com os judeus que se tornaram cristãos -
todos eles entram juntos. O apóstolo tornará a dizer isso mais adiante, com as
seguintes palavras: "Por ele (Cristo) ambos temos acesso ao Pai em um mesmo
Espírito".
Mas agora estou interessado numa visão geral disto. E a coisa mais
maravilhosa da vida. Vejam-na assim: vocês se lembram do que aconteceu
quando Adão e Eva pecaram no jardim do Éden, no Paraíso? Foram expulsos do
jardim, e lá no extremo oriental do jardim, junto à porta, Deus pôs "a espada
flamejante, e querubins". Para quê? Para proibir a reentrada do homem e da
mulher no Paraíso, no j ardim do Éden. Esse é o efeito da Queda e do pecado. O
homem é mantido fora da presença de Deus. "Sem Cristo"! "Sem Deus no
mundo"! E "sem esperança"! E não pode voltar por causa da espada flamejante e
dos querubins. "Mas agora, em Cristo Jesus", a porta está aberta, e o homem, a
despeito da Queda e do pecado e da vergonha, e de toda a verdade sobre ele, pode
voltar a entrar, tem acesso à presença de Deus. Foi reconciliado com Deus, foi
restabelecido no favor de Deus, a inimizade foi removida, a ira de Deus contra
ele foi apaziguada e satisfeita. Houve uma substituição - uma expiação; eles
foram postos juntos de novo; o homem foi aproximado, foi introduzido na sala
de audiências, foi apresentado ao Rei da glória.

- 201 -
Ou podemos dizê-lo desta maneira: no versículo anterior Paulo estivera
dizendo que todos os não cristãos são estranhos às alianças da promessa. Ele se
referia à grande e única aliança que Deus repetiu em diversas ocasiões com
ênfases ligeiramente diferentes. Deus empe- nhou-Se, Deus compactuou com o
homem, Deus disse: "Farei isto; farei uma nova aliança". O que Paulo está
dizendo nesta passagem é que os gentios, embora estivessem tão longe, foram
introduzidos na aliança e agora estão começando a gozar as plenas bênçãos da
nova aliança de Deus com o homem, em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e
por meio dEle. Que bênçãos são essas? Há uma perfeita descrição da nova
aliança no capítulo oito da Epístola aos Hebreus (versículos 10- 12). É citação de
Jeremias, capítulo 31: "Este é o concerto que depois daqueles dias farei com a
casa de Israel, diz o Senhor; porei as minhas leis no seu entendimento, e em seu
coração as escreverei: e eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo; e não
ensinará cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: conhece
o Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles até ao maior.
Porque serei misericordioso para com suas iniqüidades, e de seus pecados e de
suas prevaricações não me lembrarei mais". Essa é a Nova Aliança. Quando o
homem não é cristão, é estranho a essa aliança. Que é ser cristão? E isto - ser
aproximado, ser introduzido na aliança, poder ouvir: "Tudo isso aplica-se a
você".
Repassemos o significado disso tudo. Significa que nós conhecemos a
Deus! Isso é cristianismo, conhecer a Deus! Você pode ser religioso, saber certas
coisas a respeito de Deus, crer em certas coisas acerca de Deus, estar interessado
em Deus, ler livros sobre Deus e ouvir preleções e argumentos acerca de Deus.
Todavia, pode não ser cristão. Ser cristão é conhecer a Deus. Diz a Nova
Aliança: "Não ensinará cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão,
dizendo: conhece o Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles
até ao maior" - tanto o menor como o maior. Conhecer a Deus! "Eu lhes serei por
Deus, e eles me serão por povo." E isso que significa tornar-se cristão. Antes
vocês não eram povo, estavam separados da comunidade de Israel (do povo de
Deus), e eram estranhos às alianças, estavam sem Deus no mundo; mas agora
vocês foram aproximados, estão com o povo de Deus, conhecem a Deus.
Que mais? Agora, porque conhecemos a Deus, chegamos com confiança ao
trono da graça. Este é, de novo, o argumento da Epístola aos Hebreus (4:16),
onde lemos: "Cheguemos pois com confiança ao trono da graça, para que
possamos alcançar nrsericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em
tempo oportuno". Você foi aproximado, chegou perto! Quando você se
ajoelhapara orar, ora com confiança, com ousadia? Sabe que está indo ao trono
da graça? E você sabe que receberá misericórdia? E que obterá graça em sua
ajuda? Essa é a posição do homem que foi aproximado: ele está perto, está na

- 202 -
sala de audiências. Ouçam o que diz o autor da Epístola aos Hebreus, no
versículo dezenove do capítulo dez: "Tendo pois, irmãos, ousadia para entrar no
santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos
consagrou, pelo véu, isto é pela sua carne, e tendo um grande sacerdote sobre a
casa de Deus, cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé,
tendo os corações purificados da má consciência, e o corpo lavado com água
limpa". É isso que significa ser cristão. "Antes" - "mas agora fostes
aproximados"! "Entrar no santuário" ("no lugar santíssimo")! Você está lá, tem
ido lá, sabe o caminho? O cristão é alguém que pode entrar na presença de Deus,
pode entrar no "lugar santíssimo"; não há nada que o detenha.
Que mais? Chegamo-nos à Sua presença em inteira certeza de fé. Que
terrível coisa é estarmos de joelhos, encher-nos de dúvidas e incertezas, e
dizermos: não sei bem se tenho direito ou não - posso fazer petições a Deus?-não
tenho direito, sou pecador, fiz isto, fiz aquilo. Isso não é orar. Orar é entrar no
"lugar santíssimo", na plena segurança da fé, conhecendo a Deus e sabendo qual
é a Sua relação com você e qual a Sua atitude para com você "pelo sangue de
Jesus".
Vejam a verdade também no prólogo do Evangelho Segundo João. Diz ele
que "a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder (a autoridade) de serem
feitos filhos de Deus". Entendemos bem isso? - que o cristão é alguém que não
somente tem acesso à presença de Deus, mas que O conhece como Seu Pai?
Cristo lhe deu autoridade para ser filho de Deus. Foi adotado. E embora esteja
indo à presença do Deus eterno e santo, vai com a confiança de filho. Tem
autoridade, a autoridade do Senhor Jesus Cristo, para dizer que é filho, e não há
porteiro que possaproibi-lo, não há inimigo quepossa fazê-lo recuar. Ele tem o
seu certificado de nascimento nas mãos e diz: vou ver meu Pai. "Aproximados"!
Ele sabe que é filho de Deus não somente por ter nas mãos o certificado-o
certificado é a Palavra de Deus, as Escrituras; tem outra forma de certeza
também. "Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes
em temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos:
Aba, Pai", afirma Paulo em Romanos (8:15). Essa é a posição do cristão. Ele não
ora a um Deus distante, nem está preocupado com formas, aparências e beleza de
linguagem. Ele vai como um filho a seu Pai. "Aba, Pai"! Conhece a Deus como
seu Pai, tem espírito filial, todo o seu coração busca a Deus, e ele sabe que o
coração de Deus está aberto para ele. Isto é cristianismo verdadeiro. Será
surpreendente que o apóstolo dê ênfase ao contraste entre o que estas pessoas
eram e o que são agora?
E, naturalmente, visto que o cristão sabe que Deus é seu Pai e que é filho de
Deus ele sabe que Deus o ama. Ele sabe que "até mesmo os cabelos da sua
cabeça estão todos contados" (Mateus 10:30). Ele sabe que Deus tem interesse

- 203 -
pessoal por ele, que nada lhe pode suceder independentemente de Deus; que,
embora sendo Deus tão grande e eterno em Sua majestade, em Seu poder, em
Sua glória e em Sua energia, Ele é um Pai interessado em cada um dos Seus
filhos, sabe tudo a nosso respeito e se preocupa com o nosso bem-estar. O cristão
sabe que ali, à direita de Deus, está Aquele que veio do céu à terra e se
identificou conosco, tomou o Seu lugar ao nosso lado, tomou sobre Si o nosso
pecado e morreu pelos nossos pecados. Assim, o cristão vai à presença de Deus
sabendo essas coisas. É o que significa "fostes aproximados".
No capítulo quatro da Epístola de Tiago, versículo oito, há esta declaração
extraordinária: "Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós". Mas como posso
chegar-me a Deus se não sei o caminho? Como posso chegar-me a Deus se não
sei que estou na aliança, que não sou mais estranho, que não estou mais
separado, que não estou mais fora e longe? A única maneirapela qual podemos
chegar-nos a Deus é a que o apóstolo coloca no fim deste glorioso versículo, cuja
consideração completa devemos deixar para mais tarde. Há somente um
caminho pelo qual chegar-nos a Deus, há somente um caminho pelo qual entrar
no "lugar santíssimo": "pelo sangue de Jesus". "Mas agora em Cristo Jesus, vós,
que antes estáveis longe, já pelo sangue" - o sangue! - "de Cristo chegastes
perto." O sangue do cordeiro na verga e nos batentes das portas das casas dos
israelitas no Egito salvou-os e os poupou; e o único sinal procurado em todos os
que querem aproximar-se de Deus e chegar- -se a Ele é a marca deixada pelo
sangue do Filho de Deus. Essa marca está em você? Se está, você tem livre
entrada (e ninguém pode impedí- -lo) no "lugar santíssimo", na própria presença
de Deus. Você está ali? Foi para lá? Você ora com confiança e certeza? Você
conhece a Deus? Você está gozando comunhão com Ele?
Ser habilitado a "chegar perto de Deus" é experimentar todas as bênçãos da
Nova Aliança em Jesus Cristo.

- 204 -
16 O SANGUE DE CRISTO
"Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue
de Cristo chegastes perto." - Efésios 2:13

O problema conosco, povo cristão, é que sempre deixamos de compreender


agrandeza da nossa salvação. Essa a razão pela qual foram escritas as Epístolas
do Novo Testamento. Foram escritas para cristãos, e foram necessárias porque
aqueles cristãos, como nós, estando ainda na carne e sujeitos às tentações e
provações inevitáveis num mundo dominado pelo pecado, estavam sempre se
vendo como distantes de Cristo e não compreendendo o que exatamente os
caracterizava em Cristo Jesus. E os apóstolos se dispuseram a fazê-los ver isso.
Esse é o único meio pelo qual podemos chegar a entender a grandeza desta
salvação; e à medida que formos entendendo, seremos levados a alegrar- -nos e
regozij ar-nos, a louvar a Deus e dar-Lhe graças; e a uma segurança e confiança
em Cristo que nada poderá abalar. Mas, para chegarmos a isso, temos de
compreender duas coisas: temos de ver o que éramos sem Cristo; e então, temos
de compreender o que agora nos caracteriza verdadeiramente por estarmos no
Senhor Jesus Cristo.
Temos aqui o lado positivo desta grande dimensão do amor e do poder de
Deus para conosco em Cristo. Vimos que há três coisas aqui, e agora passamos à
terceira e última delas.
A terceira é, pois, a seguinte: como é que tudo isso acontece, como ocorre
essa grande mudança, o que é que nos dá o direito de dizer: "antes... longe" e
"agora...aproximados" - o que é que nos traz para "perto de Deus ". O apóstolo
trata disso na parte final deste versículo: "Mas agora em Cristo Jesus, vós, que
antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto". "Pelo sangue de
Cristo." Aí está a declaração que sempre se vê, em toda parte, no Novo
Testamento, neste contexto. Já a vimos. O apóstolojános tinhafalado no capítulo
primeiro, versículo sete - "em quem (em Cristo) temos a redenção pelo seu
sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça" - e vai sempre
repetindo isso. E continuará a repeti-lo. O restante deste capítulo é, num sentido,
simplesmente um desenvolvimento e uma exposição deste versículo treze. Ele o
expõe em detalhe e fica repetindo as suas frases. É a história completa do Novo
Testamento, é o coração da meti sagem cristã e da fé cristã. Como é que se faz
para que cheguemos perto de Deus? A única resposta é: "em Cristo Jesus", e
especialmente "em" ou "pelo seu sangue".
Eis aí o alicerce da fé cristã. Se isto não estiver claro para nós, não
poderemos estar certos em lugar nenhum. Digam os críticos o que quiserem, esta
é certamente a mensagem do Novo Testamento. Em Cristo Jesus, e pelo Seu

- 205 -
sangue. O nosso evangelho é um evangelho de sangue; o sangue é o alicerce;
sem ele não há nada. Portanto, temos que penetrar isto a fundo e dar ênfase às
coisas que o apóstolo está com tanta preocupação em salientar ao escrever aos
efésios.

Como chegamos perto de Deus? Que direito temos de buscar a face de Deus
e de chegar perto dEle? Bem, começamos com negativas. Primeiramente e acima
de tudo, não é pelo que eu sou por natureza. Não é por causa de alguma bondade
existente em mim. Meu direito de ir a Deus não se baseia no fato de que eu vivo
uma vida virtuosa ou tente viver uma vida virtuosa, ou que tenho boa
moralidade. Não é mediante isso que se chega a Deus; não é isso que me leva
para perto de Deus. Há muita gente de boa moral no mundo que nem sequer está
interessada em Deus; e mesmo que estivesse interessada em Deus, a sua
moralidade, sozinha, nunca seria suficiente. Não precisamos demorar-nos nisto,
o apóstolo já o tinha salientado nos versículos anteriores: "não vem das obras"!
Assim é que, se nalgum sentido estamos pondo a confiança em nós mesmos e em
nossa bondade e em nossa moralidade, estamos negando o evangelho. Não há
maior negação da fé cristã do que pensar que porque você é uma boa pessoa tem
direito de chegar a Deus em oração. Isso é uma completa e absoluta negação
disso tudo. Se fosse verdade, Cristo nunca teria precisado vir ao mundo - menos
ainda teria precisado morrer na cruz do Calvário. E, contudo, penso que vocês
concordarão que é essencial dar ênfase a isto. Muitíssimos são os que vão à
presença de Deus exatamente como o fariseu descrito pelo nosso Senhor na
figura do fariseu e do publicano que foram orar no templo (Lucas 18:9-14). O
fariseu foi direto à frente, ficou de pé e disse: "Ó Deus, graças te dou, porque não
sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como
este publicano. Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo quanto
possuo". Esse homem, diz o nosso Senhor, não vai para casa justificado; não foi
ouvido por Deus, não está perto de Deus. Há um sentido em que ninguém está
mais longe de Deus do que o homem que pensa que a sua bondade tem algum
valor, por pequeno que seja, na presença daquele fogo ardente, daquele fogo
consumidor, a santidade de Deus.
Em segundo lugar, o nosso direito de chegar a Deus não é pelas boas obras
que fazemos aos outros. Muitos são os que tomam essa posição. Dizem eles:
bem, é claro que admito que não sou perfeito, mas, afinal de contas, estou
tentando chegar a isso, estou tentando compensar isso fazendo o bem; estou
envolvido em atividades filantrópicas, procuro ajudar os outros, saio do meu
caminho para fazê-lo. Vocês concordarão que existe aí um grande grupo de
pessoas. Admitem que não têm nada do que se gabar, são suficientemente
sinceros para conhecer que há dentro delas coisas feias, torpes e vis. Ah, sim,
dizem elas, porém, certamente, se procuramos compensar isso e fazer expiação
por isto mediante a prática de boas obras, isso nos dará admissão à presença de

- 206 -
Deus. Aí estão os idealistas, os benfeitores públicos, os que falam em
"reverência pela vida" e em fazer o bem. As vezes fazem grandes sacrifícios;
podem renunciar a uma importante profissão, podem sacrificar as comodidades
do lar e ir a distantes partes do mundo. Certamente estão fazendo um grande
benefício, mas, se pensam que esse benefício que fazem é o que lhes garante
admissão a Deus e os faz aceitáveis a Deus, estão negando o evangelho,
exatamente como o primeiro grupo.
Todavia vou mais longe ainda. Nem porque somos religiosos e temos
interesse nos cultos e em Deus é que chegamos perto de Deus. Aqui está algo que
está num plano mais elevado que o das pretensões anteriores. As outras duas só
vêem o ego. Mas aqui se trata de alguém que realmente se preocupa com religião
e com a relação com Deus. Ele desej a cultuar a Deus. No entanto, se ele põe a
sua confiança unicamente em suas práticas religiosas, de nada lhe valerão. E
contudo, de novo, vocês concordarão que há muitíssimos que pertencem a esse
grupo. Freqüentam cultos, valorizam a ordem. Podem sacrificar-se para fazer
isso e se levantam muito cedo porque acham que há algum mérito especial nisso.
Fazem isto e aquilo, observam formas e seguem o ritual, e confiam nessas coisas
como sendo elas o meio de aproximação. Mas até isso é uma negação da
mensagem cristã. O apóstolo Paulo era um homem altamente religioso antes da
sua conversão. Martinho Lutero era um homem altamente religioso antes da sua
conversão. João Wesley era um homem altamente religioso antes da sua
conversão. Você pode jejuar, suar e orar, porém isso pode ser o maior obstáculo
para chegar "perto de Deus". Não é esse o caminho.
E, finalmente, nesta parte sobre as negativas, eu gostaria de assinalar que o
caminho para chegar perto de Deus não é o do misticismo. Isso também precisa
ser ressaltado porque o misticismo, em suas várias formas, está sempre conosco.
Nem sempre se vê em sua forma clássica, ensinada e praticada na Idade Média,
especialmente no período final da Idade Média, por alguns dos grandes mestres
da vida mística, assim chamada, e aindapraticadapor muitos que seguem aquele
ensino na igreja católica romana e em vários outros ramos da Igreja Cristã. Mas o
misticismo, em diversas formas sutis, sempre tende a estar conosco. (Há,
naturalmente, um verdadeiro misticismo cristão evangélico, porém, estou
falando de algo que é geralmente considerado como misticismo.) Pois bem, o
misticismo se baseia na alegação de que o caminho para aproximar-se de Deus é
você olhar para dentro de si mesmo. Provavelmente o místico concordaria com
tudo o que eu disse até aqui em minhas negativas. Se você quer conhecer a Deus,
diz o místico, se você quiser chegar perto de Deus, terá que voltar-se para si
próprio e ver-se interiormente; terá que aprofundar-se em si mesmo. Deus, diz o
místico, está dentro de você. Assim, é preciso que você se feche para todas as
exterioridades e para todas as atividades externas e que, por assim dizer,

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mergulhe em Deus. E esse, diz ele, é o caminho pelo qual se chega perto de Deus.
O caminho da renúncia, o caminho da contemplação, o caminho do repouso, o
caminho do deixar ir-se, da descontração, e simplesmente submergir-se no
fundamento da existência, imergir-se em Deus!
Por outro lado, talvez possamos caracterizar o misticismo do seguinte
modo: a essência desse ensino é que a pessoa pode realmente aproximar-se de
Deus, encontrar Deus e chegar perto dEle diretamente, sem nenhum mediador.
Isso assume diversas formas populares. Há gente, por exemplo, que o ensina
dizendo: se você tem problema na vida, se não sabe bem o que fazer consigo ou o
que fazer nas circunstâncias em que se acha, é muito simples o que fazer.
Comece ouvindo a Deus, aí mesmo onde está e como está; você não precisa fazer
nada mais; você se assenta, relaxa e ouve a Deus. Você só tem que deixar a coisa
andar, digamos assim, e dessa maneira, nesse estado de descontração, apenas
espere por Deus, e Deus falará com você; você pode chegar a Ele diretamente.
Mas, dirá alguém, onde entra Cristo? Isso, dizem esses místicos, é algo que vem
depois. A primeira coisa que você tem que fazer é chegar a Deus, é entrar em
contato com Deus, e depois lhe será ensinado como vir a Cristo. Ensina-se
especificamente que, sem sequer mencionar o nome de Cristo, qualquer pessoa,
sempre que o quiser, pode chegar perto de Deus e estabelecer contato imediato
com Ele. Assim eles pretendem "levar as pessoas a Deus primeiro", asseverando
que, se o desejarem muito, poderão levá-las depois a Cristo. Entretanto,
naturalmente, é obvio que isso é uma total negação daquilo que o apóstolo ensina
napassagem que estamos estudando. Somos aproximados. Como? "Em Cristo
Jesus", "pelo sangue de Cristo".

Como posso entrar à presença de Deus? Uma coisa é clara: não posso
fazê-lo por mim mesmo, por nenhum dos meios que indiquei. Sej a eu ativo ou
passivo, seja eu altamente religioso ou não, seja o que for que eu faça, nunca
conseguirei chegar por mim mesmo à presença de Deus. Totalmente correto, diz
o apóstolo; a verdade a seu respeito é que, em Cristo Jesus, os que antes estavam
longe, agora foram aproximados. E uma coisa que lhe foi feita] você foi
aproximado, trazido para perto. Não é atividade sua, é de Outro, é algo que foi
feito para você, que aconteceu a você. Porque isso é verdade, naturalmente isso é
evangelho. Ouçam o apóstolo Paulo dizê-lo quando escreve aos coríntios: "Deus
estava em Cristo reconciliando consigo o mundo" (2 Coríntios 5:19). Não é o
mundo que se reconcilia com Deus. Não é essa a mensagem. A nova mensagem é
que, ao passo que os homens tinham falhado completamente, Deus estava em
Cristo reconciliando conSigo o mundo. Ou vejam as palavras do Senhor Jesus
Cristo. Não é assustador que nós, tendo nossas Bíblias abertas diante de nós,
podemos continuar tentando encontrar Deus e chegar perto dEle pelos meios que

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estive indicando, quando o próprio Filho de Deus disse: "Eu sou o caminho, a
verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim"? Dava para pensar que
isso seria suficiente, uma vez por todas. É a afirmação mais categórica que se
poderia imaginar. "Ninguém vem ao Pai, senão por mim." E, todavia, aí estão os
que dizem: vou na força da minha bondade, vou sentar-me, vou relaxar, e verei
Deus falar comigo. E Cristo nem é mencionado, nem parece necessário!
E isso é tido e havido como cristianismo. Porventura não é de admirar que a
cristandade estej a como está, que as nossas igrejas estejam como estão, que não
estejamos experimentando a presença de Deus e um poderoso avivamento e
despertamento? Esquecer o Filho e achar que Ele não é necessário é insultá-10; é
negar afirmações específicas do apóstolo e do próprio Filho de Deus. Não há
meio de chegar perto de Deus, exceto no Filho de Deus e por intermédio dEle, o
nosso bendito Senhor e Salvador Jesus Cristo. "Há um só Deus, e um só
Mediador (somente um!) entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem" (1
Timóteo 2:5). Portanto, o ensino é que nenhum homem chega perto de Deus, a
não ser que estejaem Cristo. O apóstolo já expusera isso. E tudo "em Cristo".
Falemos com clareza: se eu não estou em Cristo, nunca estive perto de Deus. A
única maneira pela qual posso estar perto de Deus é estando em Cristo; nEle eu
estou perto de Deus, fui aproximado a Deus. Mas, em particular, "pelo Seu
sangue"! É o que o apóstolo salienta. Ele não se contenta em dizer apenas: "Mas
agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe fostes aproximados". Sente
a necessidade de incluir: "pelo sangue de Cristo". Isso é absolutamente essencial.
Sei que esta "teologia do sangue" é odiosa para muitos hoje em dia. Não gostam
dela, odeiam-na, abominam-na. Lembro-me muito bem como, há uns doi s anos,
pouco mai s pouco menos, fui chamado para ajudar numa discussão que estava
havendo entre um homem de negócio que se tornara cristão, e um profissional
não cristão. Era uma grande discussão, e eis que ouvi o profissional não cristão
dizer ao apresentar o seu argumento: naturalmente, tenho grande respeito por
meu amigo aqui, é um bom homem; posso ver o que lhe aconteceu: tudo bem, ele
se dedica muito a fazer o bem, e eu concordo com isso; porém você sabe, disse
ele, o que não agüento é esse sangue, esse negócio estrondoso de que ele fica
falando. O sangue de Cristo! Gente há que se refere a isso como "esta
carnificina", "este revolver-se no sangue". Façamos tudo para viver uma vida
virtuosa, dizem, prestemos culto a Deus, mas você tem que ficar arrastando este
sangue perpetuamente? Parece-lhes um escândalo, parece-lhes algo odioso. E,
todavia, o apóstolo sai da sua rota para introduzir esse assunto. É "pelo sangue de
Cristo". E o sangue de Cristo significa a morte de Cristo, o derramamento da
vida.
Noutras palavras, somos aproximados em Cristo Jesus; não primariamente
por Seu ensino, porém. Ele ensinava. Ensinava os homens a viverem - vejam o

- 209 -
Sermão do Monte - mas se Ele tivesse ficado só nisso, eu estaria tão longe de
Deus quanto é possível ao homem estar. O Senhor Jesus Cristo, com o Seu
ensino e com as Suas palavras sobre como devo viver, não me leva para perto de
Deus. Num sentido, leva- -me para mais longe. Os fariseus - em sua
interpretação da lei - pensavam que realmente chegavam perto de Deus pela
observância da lei. Entretanto quando Cristo expôs o verdadeiro significado da
lei, eles começaram a ver que estavam muito longe de Deus. Quando você
percebe que Deus Se interessa tanto por um desejo como por um ato, tanto por
um motivo como por uma ação, que o olhar é tão mal como o ato aos olhos de
Deus, você percebe que o ensino de Cristo condena você completamente. Cristo
não me leva a Deus ensinando-me a viver. Menos ainda dando-me um exemplo
para seguir. Seja como for que me sinta quanto a mim, quando olho para Ele
quero esconder-me, envergonhado. As vidas dos Seus servos são mais que
suficientes para que eu sinta quão pobre é a minha vida. Quando leio as vidas dos
santos, vejo como são pobres e imperfeitos os meus esforços. Mas quando olho
para o Filho de Deus! Há os que falam sobre a "imitação de Cristo", e sobre
como vão seguir a Cristo; porém nunca sabem o que estão dizendo. Cristo nos
condena completamente. Quem pode segui-10? Não há quem possa segui-10; é
impossível; Ele é por demais exaltado. Não é o Seu exemplo que me aproxima de
Deus.
Tampouco me aproxima simplesmente me dizendo que Deus é amor. Pois
bem, este, suponho, é o mais popular erro de entendimento do evangelho hoje. O
povo diz: o que Jesus Cristo faz é isto - e é assim que Ele nos leva a Deus - Ele
nos diz que Deus é amor. Tudo o que realmente todos nós necessitamos é
assegurar-nos de que Deus é amor. E a única coisa de que os homens e as
mulheres necessitam, dizem; eles têm uma idéia errônea de Deus; se tão-somente
soubessem que Deus é um Deus de amor, correriam para a Sua presença e
passariam o resto das suas vidas ali. Que fatal maneira de subestimar o pecado e
os efeitos da Queda! Será que os homens se interessariam mais por Deus se
soubessem que Ele é um Deus de amor? Claro que não! Quereriam negociar.
Diriam: ah, bem, se Deus é um Deus de amor, posso fazer o que quiser, o amor
de Deus me perdoará. E é justamente o que dizem. Portanto, o Senhor Jesus
Cristo não nos leva para perto de Deus simplesmente dizendo-nos que Deus é um
Deus de amor e que Ele está pronto a perdoar. O Velho Testamento já nos dissera
isso: "Assim como um pai se compadece dos seus filhos..." e assim por diante. O
Velho Testamento está repleto do amor de Deus. Teve sucesso? Não. Nunca
teve, e nunca terá. Não é esse o caminho.
Há somente um meio pelo qual mesmo Cristo pode me levar para perto de
Deus, e esse ê - pelo Seu sangue, por Sua morte; pelo Seu corpo partido, pelo

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Seu sangue derramado, pela Sua vida vertida. Por isso Ele instituiu a Ceia do
Senhor com o pão partido e o vinho derramado, como uma perpétua
rememoração do fato de que a Sua morte é o único caminho para Deus. Vemos aí
o prodigioso pré-conhe- cimento (apresciência) de Deus em Cristo. Sabendo
quão prontos estão os homens a cair no erro e na heresia, Ele estabeleceu, impôs
e ordenou a Ceia do Senhor - pão, vinho; pão partido, vinho derramado - para ser
uma perpétua pregação do fato de que esse é o único caminho para a presença de
Deus. O véu é o Seu corpo - tinha que ser rasgado. A morte de Cristo! É somente
pela morte de Cristo, pelo sangue de Cristo, que o ser humano pode ser levado
para perto de Deus.
Como pode a morte de Cristo realizar essa obra? Há duas principai s idéias
aqui. Vou expô-las resumidamente a vocês. A primeira é a que comumente é
chamada "expiação". O sangue de Cristo faz expiação por nossos pecados.
Vocês se lembram da momentosa declaração feita por João Batista no início do
ministério do nosso Senhor? "Eis", disse João, vejam, "Eis o Cordeiro de Deus,
que tira o pecado do mundo" (João 1:29). Aí está, numa única frase. O Senhor
Jesus Cristo, que é Ele? E o Cordeiro, o Cordeiro pascal, o Cordeiro do
sacrifício. Ele é Aquele em quem se resumem todo o cerimonial e todo o ritual
do Velho Testamento. O Cordeiro de Deus, o Cordeiro providenciado por Deus -
não os cordeiros providenciados pelos homens. Por que era necessário um
cordeiro? Por que devia haver um sacrifício? A resposta é que "o salário do
pecado é a morte" (Romanos 6:23). Deus decretou e declarou que o homem,
pecando, morreria. E, portanto, o salário do pecado é a morte. E Deus
igualmente estabeleceu e decretou que isso só poderia ser coberto com uma
morte sacrificial e expiatória. Assim é que lemos: "Sem derramamento de
sangue não há remissão" de pecados (Hebreus 9:22). A punição dada por Deus
pelo pecado é a morte espiritual, a separação de Deus por toda a eternidade.
Gostemos ou não, é um fato. A lei não desculpa a ignorância da lei. Você não
concordar com a lei não faz nenhuma diferença quando enfrenta acusação no
tribunal. E assim é a lei de Deus. "O salário do pecado é a morte." E todos nós
somos pecadores. E a pena tem que ser cumprida - de outra forma Deus deixa de
ser justo, deixa de ser reto e santo. Então, por que Cristo veio ao mundo? Veio,
diz o autor da Epístola aos Hebreus, para que "provasse a morte por todos"
(Hebreus 2:9). Veio, diz Pedro, por esta razão: levar "ele mesmo em seu corpo os
nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos
viver para a justiça" (1 Pedro 2:24). Foi por isso que Ele veio. Que aconteceu na
cruz? "Aquele que não conheceu pecado, (Deus) o fez pecado por nós", declara
Paulo; "para que nele fôssemos feitos justiça de Deus" (2 Coríntios 5:21). "Deus
estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus
pecados." Deus toma os meus pecados - Ele tomou os meus pecados, eu diria, e

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os imputou a Jesus Cristo; Deus os colocou sobre Ele; tomou a minha dívida e a
colocou sobre Ele; exigiu dEle a penalidade; e esta foi cumprida. Esse é o
método de salvação determinado por Deus - em Cristo e pela morte de Cristo.
Por que Cristo morreu? A resposta é que "Deus fez cair sobre ele a iniqüidade de
nós todos"; é que "pelas suas pisaduras fomos sarados". Deus O feriu para que
nós não fôssemos feridos. Por isso Ele morreu, por isso o Seu sangue foi
derramado. Este é o único meio de expiar pecado; a expiação jamais se realizaria
de outro modo. Pedro desembainhou a espada, certa ocasião, para defender o
nosso Senhor. Embainhe a sua espada, Pedro, disse noutras palavras Cristo; você
não sabe que eu poderia dar ordens a doze legiões de anjos, e eu poderia ser
levado para o céu sem nenhum sofrimento? Mas eu vim para sofrer e assim
cumprir as Escrituras (Mateus 26:51-54). Ele "manifestou o firme propósito de ir
a Jerusalém" (Lucas 9:51). Ele podia ter escapado disso tudo. Mas, então, se Ele
escapasse disso tudo, eu e vocês morreríamos em nossos pecados. Ele tinha que
morrer; é o método de Deus para dar-nos perdão. Pelo Seu sangue! Por Sua vida
vertida! Agora vocês vêem por que Paulo teve que introduzir essa verdade. Sem
isto não há perdão. Sem isto eu não posso aproximar-me de Deus; a expiação é
absolutamente indispensável. Antes de eu poder chegar perto de Deus, algo tem
que ser feito acerca dos meus pecados. Eu nadaposso fazer a respeito; eles estão
condenados pela lei de Deus, e essa lei tem que ser satisfeita; e Cristo a satisfez.
Ele cumpriu perfeitamente a lei; Ele sofreu a punição exigida pela lei. O
obstáculo da lei de Deus foi removido. Agora o caminho está livre, a barreira do
meu pecado foi tirada do caminho. Isso é expiação.
Contudo o sangue de Cristo faz uma segunda coisa. E esta é vitalmente
importante em nosso contexto. Paulo afirma que estávamos "separados da
comunidade de Israel" e que éramos "estranhos às alianças da promessa" - à
aliança! Deus fez uma aliança com o homem, como vimos quando consideramos
a Nova Aliança. Leiam o capítulo oito da Epístola aos Hebreus, e ali verão os
termos completos da Nova Aliança. "Porei as minhas leis no seu entendimento, e
em seu coração as escreverei; e eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo;
e não ensinará cada um ao seu próximo... dizendo: Conhece o Senhor; porque
todos me conhecerão, desde o menor deles até o maior...e de seus pecados e de
suas prevaricações não me lembrarei mais." Essa é a Nova Aliança. Estes efésios
eram estranhos a isso tudo. Mas agora foram aproximados pelo sangue de Cristo.
Como isto acontece? Eis a explicação: toda aliança era ratificada e selada
com sangue. Ao lerem o Velho Testamento vocês verão isso em toda parte.
QuandoDeusfaziaumaaliançacom o homem, ela era sempre ratificada e selada
com sangue. Um animal era morto e o seu sangue era esparzido sobre o
documento. De fato verão que o templo foi santificado e consagrado da mesma
maneira - os vasos do templo, os livros e o livro da lei. Verão que os sacerdotes

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eram separados pelo sangue esparzido sobre eles. Verão que quando um leproso
era purificado, colocavam sangue sobre ele. Esse é o método de Deus, o método
para firmar e selar esses atos. Toda aliança de Deus é ratificada e selada por meio
da aspersão de sangue. E a Nova Aliança foi ratificada da mesma maneira, desta
vez pelo sangue de Jesus Cristo. Não mais "o sangue de touros e bodes, e a cinza
de uma novilha esparzida sobre os imundos" (Hebreus 9:13). É o sangue de
Cristo. Ele ratificou a Nova Aliança. Ouçam as expressões utilizadas,
especialmente naEpístola aos Hebreus. Lemos que Jesus é "o Mediador da Nova
Aliança" (VA). Verão isso claramente no capítulo doze. Igualmente no capítulo
treze lemos acerca do "Deus de paz, que pelo sangue do concerto (aliança) eterno
tornou a trazer dos mortos a nosso Senhor Jesus Cristo, grande pastor das
ovelhas" (versículo 20). O sangue da aliança eterna! Certamente vocês notaram
como o Senhor Jesus Cristo, quando instituiu a Ceia do Senhor, tomou o cálice,
depois de cear, e disse: "Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue" (Lucas
22:20) - a "nova aliança no meu sangue". Notaram como Paulo lembra isso aos
coríntios, em 1 Coríntios, capítulo 11: "Semelhantemente também, depois de
cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei
isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim". São esses os termos. A
aliança é ratificada com sangue. Noutras palavras, a Nova Aliança entre Deus e o
homem não seria segura para nós, se o sangue de Cristo não fosse esparzido
sobre ela. Esse é o selo que a garante. Levar os nossos pecados não seria
suficiente. Antes de eu poder chegar perto de Deus e de ser aproximado dEle,
tenho que ser um beneficiário, sob a Nova Aliança; e Cristo é o Mediador da
Nova Aliança. É Ele que Se põe entre Deus e o homem. Ele é o Árbitro que nos
reúne. É aquele que estende as mãos para Deus, de um lado, e para nós, de outro.
Ele é Deus; Ele é homem; sim, ele é Mediador completo. Portanto, é por meio do
sangue da aliança que eu posso chegar perto de Deus.

Alguém poderá dizer nesta altura: ouvi tudo o que você disse, mas me vejo
tão grande pecador que, quando começo a orar, aflijo-me com isso; como posso
chegar perto de Deus? A resposta é que você precisa crer neste ensino,
aperceber-se do que ele diz e chegar-se a Deus com ousadia, pelo sangue de
Jesus. A primeira coisa que é preciso que se faça é ouvir o que diz o sangue de
Cristo. Alguma vez lhe ocorreu que o sangue de Cristo fala? Não se lembra do
que nos é dito em Hebreus 12:22-24: que chegamos à Jerusalém celestial, ao
Monte Sião, etc., "e a Jesus, o Mediador de uma Nova Aliança", e finalmente,
"ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Ábel"? Sangue fala. O de
Abel falou. Que disse? Ouçam Gênesis 4:10. Deus Se dirigiu a Caim, depois que
este assassinara Abel, e disse: "Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama
a mim desde a terra". O sangue de Abel derramado estava clamando a Deus por

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vingança. E assim que fala o sangue de Abel. Fala de juízo, fala de vingança, fala
de maldição, a maldição que caiu sobre Caim. Mas o sangue de Jesus "fala
melhor do que o de Abel". Que fala? Fala de perdão, de expiação, fala de paz
com Deus. Está clamando e bradando para você: "Eu morri, você pode viver. A
pena foi cumprida; você está livre." Você ouve o sangue de Jesus? Ele está
falando, e fala coisas melhores do que as que o sangue de Abel fala. Ouça o
sangue de Cristo, que lhe fala que Ele provou a morte por você e sofreu a pena
imposta a você, que a lei de Deus foi satisfeita e que o caminho para a presença
de Deus está livre.
Ou vejam o ponto de uma segunda maneira. Ouçam isto, em Hebreus 9:14:
"Quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu a si
mesmo imaculado a Deus, purificará as vossas consciências das obras mortas,
para servirdes ao Deus vivo?" E, de novo, Hebreus 10:22: "Cheguemo-nos com
verdadeiro coração, em inteira certeza de fé, tendo os corações purificados da má
consciência, e o corpo lavado com água limpa". Que quer isso dizer? Quer dizer
que quando você se põe de joelhos diante de Deus e a sua consciência o acusa e
você se lembra do que é e do que fez e ressuscita os seus pecados, você deve
voltar-se para si mesmo e dizer: fui aspergido com o sangue de Cristo, você não
pode me condenar; "Portanto agora nenhuma condenação há para os que estão
em Cristo Jesus". Responda. Tenha a sua consciência aspergida pelo sangue de
Cristo, e ela será purificada de todas as suas obras mortas.
Entendo, você dirá, vejo agora como posso ir à presença de Deus porque
vejo que os meus pecados receberam o devido tratamento. Estou, pois, na
presença de Deus. Mas, o que será de mim se eu tornar a cair em pecado, o que
será de mim se eu fizer algum mal? Aí está, na Primeira Epístola de João, a sua
resposta: "Se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com
os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado"
(1:7). Você pecará; mas o sangue de Cristo ainda o purificará do seu pecado.
Você foi trazido para perto de Deus, você está andando em comunhão com Ele,
mas cai empecado. Você pensa: estou acabado, é o fim, pequei contra a luz. Não!
Volte! O sangue de Cristo ainda tem poder, limpará você de todo pecado e de
toda mácula, você pode continuar andando com Deus, gozando da comunhão
com Ele. "Vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo fostes
aproximados."
Quero fazer-lhe uma pergunta. Você foi aproximado? Posso dizer- -lhe,
com muita simplicidade, como saber se foi ou não. Se você ainda fala em ser
suficientemente bom, você não foi aproximado, não chegou perto. Se você ainda
confia em si mesmo de algum modo, ainda está longe. Se você fala que ainda não
é suficientemente bom, também não chegou perto - porque enquanto você
continuar falando que não é suficientemente bom, você estará dizendo que acha
que pode tornar-se suficientemente bom. Todavia não pode. Nunca estará mais

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perto que agora. Nunca! Se vivesse mil anos, não chegariamais perto. Jamais
você será suficientemente bom para vir à presença de Deus. Assim, se você ainda
está dizendo: ah, isso é maravilhoso, mas eu não sou bom o bastante, sou
pecador, significa que você não chegou perto. O único que é trazido para perto é
aquele que diz: sei que sou pecador, sei dos meus pecados do passado, sei que
ainda tenho uma natureza pecaminosa; porém, embora eu saiba disso, sei que
estou na presença de Deus, porque estou em Cristo. Ouvi a voz do sangue de
Jesus, e ele me falou de perdão, de reconciliação, de expiação, de Deus estar
satisfeito, de Deus ser "justo e justificador daquele que tem fé em Jesus"
(Romanos 3:26). Foi feita a aspersão do sangue sobre a minha consciência.
Ainda que o inferno me denuncie, sei que Deus me aceita; estou confiante única,
completa e inteiramente em Jesus Cristo, e Ele crucificado. "Seu sangue limpa o
mais imundo, seu sangue vale para mim." Unicamente em Seus méritos sei que
tenho acesso a Deus e que Deus me recebe, que fui "aproximado pelo sangue de
Cristo". Tenhamos, pois, "ousadia para entrar no lugar santíssimo, pelo sangue
de Jesus"; mas ainda "com reverência e santo temor". Ousadia, confiança,
entretanto sempre lembrando que "o nosso Deus é fogo consumidor". Não
voluvelmente, não levianamente, não com desatenção, não com petulância, não
tempestuosamente, não carnalmente. "Com reverência e santo temor" - todavia
sabendo, tendo certeza, com segurança, porque eu entro à presença de Deus
"pelo sangue de Jesus".

- 215 -
16 ELE É A NOSSA PAZ
"Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando
a parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade, isto
é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si mesmo
dos dois um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz reconciliar ambos com
Deus em um corpo, matando com ela as inimizades." - Efésios 2:14-16

Temos aqui mais uma daquelas grandes declarações, majestosas e


amplamente abrangentes, que com tanta regularidade e constância vemos
conforme avançamos neste capítulo. Faz parte do parágrafo que começa no
versículo onze e vai até o capítulo três. E também é importante, ao chegarmos a
este novo passo dado pelo apóstolo, que tenhamos o argumento geral em nossas
mentes. Vocês nunca poderão ver realmente as partes do argumento do apóstolo
se não tiverem ao mesmo tempo o todo em mente. Não há sentido, não há
verdadeira subsistência de uma parte fora do todo. Refresquemos, pois, nossa
memória.
O apóstolo está demonstrando "a sobreexcelente grandeza do poder de
Deus sobre nós, os que cremos". É isso que ele quer que estes efésios saibam.
Ele ora no sentido de que os olhos do seu entendimento sejam abertos para que
possam conhecer e captar esta verdade. Não se trata de um conhecimento
humano comum; não é algo que se enquadre na mesma categoria dahistória ou
da filosofia ou coisa semelhante; é um tipo e espécie especial de conhecimento.
E só pode ser captado e apreendido quando somos iluminados pelo Espírito
Santo. Por isso o apóstolo começa com essa oração. Para alguém cuja mente não
esteja iluminada pelo Espírito Santo, todo este argumento é completamente
irrelevante. E essa é a situação do mundo e a atitude de todos os não cristãos.
Eles dizem que querem algo prático, algo relevante. Isso por causa da sua
cegueira, pois, se tivessem olhos para ver, veriam que somente isto é relevante.
Mas o apóstolo orou para que os crentes efésios pudessem conhecer, em
particular, "a sobreexcelente grandeza do poder de Deus sobre nós, os que
cremos". E ele o demonstra, vocês recordam, de duas maneiras principais.
Primeiro ele mostra que eles estavam mortos em ofensas e pecados; e nada pode
ressuscitar os mortos, senão o poder do Criador. Somente Deus pode ressuscitar
os mortos - e Ele ressuscitou estas pessoas da morte espiritual, com Cristo,
parauma novidade de vida; elas até estão assentadas com Ele nos lugares
celestiais.
No entanto, havia um segundo fato, adivisão do mundo antigo entre judeus
e gentios. Antes de pessoas como estes efésios, que eram gentios, pagãos,
poderem tornar-se membros da Igreja, de um modo ou de outro Deus tinha que

- 216 -
tratar dessa divisão radical. E o assunto do qual o apóstolo está tratando nestes
versículos, começando com o versículo onze, é como Deus fez isso. A
declaração geral é que noutro tempo eles eram gentios na carne, estavam "sem
Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa,
não tendo esperança, e sem Deus no mundo; mas agora em Cristo Jesus, vós, que
antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto". Essa é a
declaração, essa é a proposição, esse é o fato espantoso.
O apóstolo sentiu, porém, que não bastava apenas ficar nisso. E algo tão
maravilhoso, tão estupendo, que ele teve que dividi-lo, fragmentá- -lo, em suas
partes componentes, a fim de que eles vissem de maneira mais pormenorizada
como essa realidade estonteante veio a existir.

Ele começa esta exposição detalhada no versículo 14 com a extraordinária


afirmação: "Ele (Cristo) é a nossa paz". "Porque Ele é a nossa paz" - o "porque"
fazendo ligação com o que vem antes. Ele está desenvolvendo um argumento,
está continuando o tema. "Porque ele é a nossa paz" - Aquele por cujo sangue
fomos trazidos para perto é a nossa paz. Pois bem, essa é uma das coisas mais
gloriosas ditas acerca do Senhor Jesus Cristo em qualquer lugar. De todos os
termos e títulos aplicados a Ele, nenhum é mais maravilhoso do que este. Ele é a
nossa paz. Esta concepção é utilizada com freqüência, no Velho Testamento e no
Novo, com relação a toda esta questão da salvação. Não há expressão mais bela
do que aque se vê naEpístola aos Hebreus, capítulo treze, versículo vinte: "Ora o
Deus de paz, que pelo sangue do concerto eterno tornou a trazer dos mortos a
nosso Senhor Jesus Cristo, grande pastor de ovelhas, vos aperfeiçoe em toda a
boa obra, para fazerdes a sua vontade, operando em vós o que perante ele é
agradável em Cristo Jesus". Aí está! Deus é "o Deus de paz". Esse é um modo
muito bom de pensar na salvação; somos salvos, somos cristãos, simplesmente
porque Deus é "Deus de paz". Realmente é tudo resultado disso.
Mas a mensagem da Bíblia é que Deus é Deus de paz, e produz e faz a paz,
em Seu Filho unigênito, o nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo, e por intermédio dEle. O resultado é que vocês vêem que o Senhor é
descrito nesses termos em todo o Velho Testamento, na profecia. Vocês vêem,
por exemplo, um homem como Jacó, no fim da sua vida longae cheia de
mudanças, abençoando os seus filhos e as várias tribos que iriam desenvolver-se
daqueles filhos; e quando ele chega a Judá, diz: "O cetro não se arredará de Judá,
até que venha Silo". Que é Silo? Siló é paz, o Autor da paz, o Príncipe da paz. A
Jacó foi dado ver isso. Não o entendeu plenamente, porém a estes homens,
inspirados pelo Espírito Santo, fora dado certo entendimento do grande
propósito de Deus, e Jacó tinha visto que era de Judá que Siló viria. Siló! "Ele é a
nossa paz." DELE se diz ainda que não somente é "o Rei de Justiça", mas é

- 217 -
também "o Príncipe da Paz". São títulos atribuídos a Ele. Permitam-me
lembrar-lhes também que quando, finalmente, na plenitude dos tempos, o Filho
de Deus nasceu, pastores que vigiavam os seus rebanhos durante a noite ouviram
um grandioso hino entoado por anjos. Sua mensagem era: "Glória a Deus nas
alturas, paznaterra, boavontade para com os homens". E por toda parte é assim.
"Ele é a nossa paz."
Esta é a essência mesma da salvação. O apóstolo se expressa desse modo a
fim de nos mostrar mais ainda quão admirável e espantosa é a nossa salvação.
Devo lembrar-lhes de novo que esse é o grande tema, a espécie de "leit motif "4
que segue paralelamente o grande, o grandioso "motif " central propriamente
dito. O apóstolo queria que estes efésios se dessem conta da natureza gloriosa da
sua salvação. Isto ele expõe de diversas maneiras nos versículo 1 a 13, eaqui.no
versículo 14, dá mais um passo. Como vimos, no versículo 1 a 10 o apóstolo nos
mostra que ê o pecado que causa a morte. Somente quando compreendemos
verdadeiramente a natureza do pecado é que compreendemos verdadeiramente a
natureza da salvação. É por isso que não há nada que seja tão antibíblico e tão
tolo como dizer: só quero o positivo. Não se preocupe com o negativo, não fale
muito sobre o pecado; queremos saber do amor de Deus e do positivo. Contudo
você jamais o saberá, se não compreender o negativo. O apóstolo salienta esta
verdade constantemente. Para medir o amor de Deus você primeiro tem que
descer antes de subir. Você não parte do nível em que está e daí sobe; temos que
ser tirados de um calabouço, de um poço horrível; e se você não tiver idéia da
medida dessa profundidade, só medirá a metade do amor de Deus.
Nos dez primeiros versículos o apóstolo nos mostra que Deus tem que vencer o
pecado, pois este leva à morte espiritual.
Feito isso, ele prossegue e nos mostra, nos versículos 11 e 13, como o
pecado sempre leva à separação - separação entre os judeus e os gentios,
"chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela
mão dos homens". Separação! Separados da comunidade de Israel e estranhos às
alianças da promessa! O pecado separa o homem do homem, como também de
Deus.
Mas neste versículo catorze o apóstolo nos mostra que o pecado não se
detém na ação de separar os homens, vai além; o pecado põe os homens em
inimizade; e não somente em inimizade uns com os outros, porém também com
Deus. Isso é o cúmulo do pecado, o aspecto deveras horrível do pecado; é onde
se vê a extrema fealdade do pecado. O pecado não somente separa os homens de
Deus e uns dos outros, produz um estado de inimizade contra Deus e de uns

4 Tema característico que se repete constantemente numa partitura. Em francês no original.


Nota do tradutor.

- 218 -
contra os outros. Por isso o grande problema atual é o problema da paz. Essa é a
razão das conferências que se realizam. Essa é a grande preocupação de todo o
mundo - não haveria um jeito de banir a guerra, de reconciliar os homens, de
estabelecer uma paz durável, segura e permanente? Como poderão os homens
ser reconciliados? Sabemos destas divisões, destes conflitos, no mundo inteiro,
nas nações, em grupos dentro das nações, como também entre nação e nação. O
mundo todo parece estar num estado de luta e inimizade. Por quê? É aí que vocês
vêem a relevância das Escrituras. E é neste ponto que se vê como é difícil às
vezes ser paciente, como cristão. E, contudo, temos que ser pacientes. Vemos o
mundo e os seus homens, os seus grandes homens, assim chamados,
visivelmente perdendo tempo tentando o impossível. Às vezes é difícil ser
paciente. Mais difícil ainda quando a gente vê homens, mesmo na Igreja Cristã,
entendendo e interpretando de forma completamente errada as Escrituras e, por
assim dizer, levantando-se diante do mundo e dizendo: vocês só têm que fazer o
que lhe dizemos, e a paz que procuram e esperam logo será uma realidade. Isso é
trágico; não passa de pura incapacidade de entender declarações como a que
estamos considerando.
O pecado é a causa do problema; ele põe o homem em inimizade contra
Deus, e põe o homem em inimizade contra o homem. A explicação é muito
simples. O pecado é essencialmente orgulho, ego. Evidentemente devemos
voltar ao livro de Gênesis. Os que pensam que podem eliminar os primeiros
capítulos de Gênesis e continuar tendo um evangelho cristão, estão apenas
exibindo a suaignorância. Ali vocês têm a explicação fundamental daquilo que
prevalece hoje. A causa radical de toda a inimizade é o orgulho do homem; o
homem interessado em si mesmo, o homem querendo impor-se como um ser
autônomo, até mesmo face a Deus, e pronto a dar ouvidos às perguntas: "É assim
que Deus disse?" Quem é Deus para dizer-lhe o que você pode ou não pode
fazer? Homem, disse satanás, você não percebe como você é grande, como é
poderoso. Deus o está mantendo como escravo, e o está usando como servo. Por
que você não se levanta sobre os seus próprios pés, por que não faz afirmação do
seu ser, por que não se firma em sua dignidade e não exige os seus direitos? Não
se rebaixe, levante-se! E ele se levantou. Não quero ser paradoxal, mas foi
porque o homem se levantou que ele caiu. Pôs-se numa posição que nunca fora
planejada para ele; tentou ficar numa posição que não podia manter; e isso levou
à Queda e a todas as suas terríveis conseqüências. Tudo devido ao orgulho, ao
interesse próprio, àpreocupação consigo mesmo. Ohomem quer bancar deus.
Julga-se autônomo, julga que tem direitos; fala dos seus direitos e das suas
exigências. Isso é simples manifestação de interesse próprio,
deautogratificação,de amorpróprioede louvor próprio. Ele está sempre se
voltando para si mesmo e girando em torno de si. Ele é o centro. Sim, mas,

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desafortunadamente, todos os homens estão fazendo a mesma coisa. Aí é que
entra o problema. Se somente eu existisse, não haveria problema, porém todos os
outros "eu" são exatamente como eu. O resultado é que o mundo está povoado de
deuses, todos afirmando o seu ser pessoal, exigindo os mesmos direitos e
alegando as mesmas coisas. E os choques são inevitáveis. E uma guerra de falsos
deuses. E todos se juntam na inimizade contra Deus; não significa, no entanto,
que todos estejam de acordo entre si. Não! Acaso vocês não vêem como este é o
modelo de todos os problemas do mundo atual? Temos aí os operários se unindo
contra os patrões; e os patrões contra os operários. Mas, isso significaria que eles
estão muito felizes, em harmoniauns com os outros e todos se ajudando
mutuamente e se sacrificando uns pelos outros? Naturalmente que não! Eles se
dividem - operário contra operário, patrão contra patrão, com rivalidade,
competição, ciúme e inveja. O problema existe em toda parte. A humanidade se
une em inimizade contra Deus, todavia está cheia de lutas sangüinárias - o
homem contra o homem, bem como o homem contra Deus.
Essa é a única explicação adequada acerca do mundo como ele é hoje. E a
suprema tragédia é que o mundo não vê isso; nem começou a vê-lo. E isso
porque ele parte da suposição de que, seja qual for a explicação, não tem relação
com Deus. Somos espertos demais para crer em Deus; começamos excluindo
Deus. Não pode ser assim. Seja o que for, não é religioso. Não tem a mínima
ligação com Deus e com Cristo. Agora somos adultos, não somos mais crianças,
de modo que não se trata disso, isso nem deve ser levado em conta. Por isso
tentamos encontrar alguma outra explicação e cura. Mas o fracasso terrível é
evidente por todos os lados. E, necessariamente, continuará assim, enquanto o
homem não enxergar a explicação verdadeira. Ele não vê que é devido estar em
más relações com Deus que ele está em más relações com os seus semelhantes.
O Senhor Jesus Cristo fala disso com muita clareza e uma vez por todas.
Alguém aproximou-se dEle um dia e disse: "Mestre, qual é o grande
mandamento na lei?" E esta foi a Sua resposta: "Amarás o Senhor teu Deus de
todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o
primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: amarás o teu
próximo como a ti mesmo" (Mateus 22:36-39). Pois bem, o importante aí é
observar a ordem: primeiro, a relação com Deus; segundo, a relação do homem
com o seu semelhante, homem ou mulher. Toda a tragédia do mundo moderno
deve-se ao fato de que o primeiro é inteiramente descartado, e os homens pensam
que podem começar do segundo. Contudo você não pode fazê-lo, porque deve
amar o seu próximo como a si mesmo, deve amar o seu próximo como você se
ama a si mesmo. Portanto, o problema é: como devo amar a mim mesmo? E,
segundo a Bíblia, eu nunca amarei a mim mesmo da maneira certa enquanto eu
não me vir a mim mesmo como estou na minha relação com Deus. Portanto, não

- 220 -
tenho a mínima possibilidade de cumprir o segundo mandamento, a não ser que
já esteja esclarecido quanto ao primeiro. E impossível. E o homem hoje, não
reconhecendo a Deus, não começando com Deus, e não se submetendo a Deus,
está tentando reconciliar-se com o seu semelhante. E, naturalmente, não está
tendo sucesso, e nunca terá. Ele está violando a lei da sua própria natureza. Ele
foi feito por Deus, foi feito para Deus; e ele não se verá verdadeiramente a si
próprio, e não verá verdadeiramente nenhuma outra pessoa, enquanto não se veja
e não veja os outros à luz da lei de Deus, face a face com Deus.

É isso que está por trás da declaração aqui: "Ele é a nossa paz". Somente
Cristo é a nossa paz. Sem Ele não há paz. O mundo pode continuar a
desenvolver-se intelectualmente e em todos os outros aspectos, pode aumentar o
seu conhecimento da ciência, da sociologia, da psicologia e de tudo mais, pode
multiplicar as suas instituições, pode instruir-nos neste e naquele aspectos,
porém isso não levará a nada, porque o problema nunca poderá ser solucionado,
exceto em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, e por meio dEle. É quase
incrível que seja necessário dizer isso. Mas é. A história prova isso cabalmente.
O século vinte deveria ter sido o melhor e o mais grandioso século que o mundo
já conheceu, conforme e entendimento humano. Vejam-no, porém. E um dos
piores, um dos mais aterradores. Isso é muito deprimente, dirá alguém, não devo
estar tão deprimido assim. Aresposta é que não é questão de depressão, é questão
de encarar os fatos. Se você está realmente preocupado com o problema do
homem e do mundo, como está com o seu próprio problema, terá que enfrentá-lo
radicalmente. E aí estão os fatos. Se você tentar partir do segundo mandamento,
isso levará ao desastre, porque o homem não é meramente intelecto, não é
meramente um ser social. Segundo as Escrituras, há um princípio mau atuando
nele; ele está infeccionado pelo pecado, espiritualmente está mal de saúde. E
antes de começar a instruí-lo, você terá de curá-lo. Ele precisade nova vida. O
apóstolo o diz em termos de uma declaração geral que, é claro, é totalmente
consoante com o cristianismo - "Ele (e somente Ele) é a nossa paz".
Ora, isso significa várias coisas. Primeiramente e acima de tudo, significa
que Ele, pessoalmente, é a nossa paz. O que quero dizer com isso é que o Senhor
Jesus Cristo não somente faz a paz - Ele faz a paz, como espero demonstrar-lhes
- mas Ele mesmo é a paz. Ele é a nossa paz. O que é simplesmente outra maneira
de dizer que nós temos que estar em Cristo, antes de podermos gozar as bênçãos
de Deus como o Deus da paz. Somente quando estivermos relacionados com
Cristo, somente quando estivermos incorporados em Cristo, ou, para usar uma
expressão bíblica, enxertados em Cristo, somente quando formos membros de
Cristo e partes do Seu corpo, participando da vida de Cristo e haurindo da vida de
Cristo - somente quando tudo isso for real em nós é que realmente gozaremos as

- 221 -
bênçãos da paz. Mais uma vez, quando compreendermos isso, veremos a
indescritível superficialidade de muitacoisaque se diz nos dias atuais. Não quero
que me entendam mal, nem quero faltar com o respeito para com os chamados
pacifistas, todavia o real problema com aquele ensino é a sua falta de
entendimento teológico, e a sua incapacidade de compreender o problema do
pecado. E isso não se aplica somente ao caso deles, mas também atoda conversa
leviana dos homens e mulheres que dizem que o problema é muito simples, que
tudo que é preciso fazer é convidar o povo para reunir-se e falar-lhe
agradavelmente, terminando tudo com um aperto de mãos, e tudo estará bem,
Houve estadistas que acreditavam sincera e genuinamente que se tão-somente
pudessem reunir-se com Hitler ao redor de uma mesa e conversar com ele, toda a
coisa seria resolvida. "A paz em nosso tempo", diziam eles, "nós nos reunimos
com eles, fizemos um acordo de cavalheiros." No entanto, não demorou muito, e
eles descobriram que o homem cujas mãos eles tinham apertado não era um
cavalheiro. E esse continua sendo o problema. Quão superficial, quão patético,
pensarem ainda os homens que mediante frases feitas podem resolver os
problemas do pecado do homem. Não, "Ele é a nossa paz"; Ele, o eterno Filho de
Deus, que teve que nascer como uma criança em Belém. É isso que foi essencial
para solucionar este problema. E, todavia, eles dizem que simplesmente sendo
bom, agradável e amistoso, e falando através de uma mesa, podem acertar tudo.
Se fosse tão simples assim, aencarnação jamais precisaria ter ocorrido, a morte
na cruz nunca teria acontecido; mas, antes de poder haver paz, estas coisas
tiveram que acontecer. Ele mesmo, a Pessoa bendita, é a nossa paz. E é somente
quando entendemos algo desta mística doutrina do cristão como membro do
corpo de Cristo é que verdadeiramente participamos dessa paz e a usufruímos.
Entretanto Ele também faz a paz, diz o apóstolo. Este é um ponto sobre o
qual devemos ter claro entendimento. Como Cristo faz a paz? Devemos
interpretar isso escrituristicamente, não sentimentalmente. Notem os termos:
"Ele é a nossa paz"; e depois, Ele fez a paz-fazendo a paz". Que é que significa
isso? A interpretação superficial, sentimental dos textos a que me referi, parece
entender que o processo é o seguinte: o Senhor Jesus Cristo nos ensina a fazer a
paz. Dizem tais intérpretes: "Você lê as Escrituras e depois, no espírito das
Escrituras, e daquilo que você entendeu das Escrituras, procure o seu inimigo,
ponha em prática o ensino, e você o ganhará". O argumento, ao nível
internacional, é que, se uma só nação simplesmente se desarmasse
completamente, o efeito que causaria sobre todas as outras nações seria tão
estonteante que nunca mais quereriam outra guerra.
Uma vez ouvi um homem falar numa reunião, creio que uns trinta e cinco
minutos, e que nesse espaço de tempo nos conduziu, assim pensou ele, através de
toda a Epístola dos Efésios sem nenhuma dificuldade! Disse-nos que a sua

- 222 -
mensagem era deleitavelmente simples. Era um pacifista muito conhecido e que
tinha sofrido bastante pelo seu pacifismo; homem honesto, homem sincero, um
bom homem. O que ele entendia do nosso texto (Efésios 2:14-16) era que ele
simplesmente consistia numa questão de aplicar o ensino de Cristo e o espírito
cristão.
O clímax do seu discurso foi uma história que ele nos contou e que, para ele,
provava inteiramente o ponto. Disse ele que fazia parte do corpo diretivo de
umaescolaparameninas,escolapública,eele nos contou que vários colegas de
direção sentiam-se mal com o fato de haver punições e recompensas na escola.
As crianças que procediam mal eram punidas de várias maneiras, e ele e outros
achavam que esse não era o método de Cristo, não era o método cristão. Não
devia haver nenhuma punição, nenhuma disciplina nesse sentido; em vez disso,
as crianças deveriam ser convidadas a agir como adultos, deveriam revestir-se
de dignidade, e deveria ser-lhes dito que no futuro seriam tratadas como adultos,
e que os inspetores e inspetoras de alunos confiariam nelas. Assim, disse ele,
após muitos anos, eles persuadiram os seus colegas da junta diretora e o corpo
docente a concordarem nisso, e naquela escola em especial todas as formas de
punição foram abolidas. Disse ele: alguns dos nossos amigos, naturalmente,
tinham profetizado que isso levaria ao desastre, mas vocês sabem, continuou ele,
no mesmo ano em que fizemos isso, o número de admissões em Oxford e
Cambridge foi mais alto do que nunca antes. É isso que acontece, disse ele,
quando se põe em prática o amor de Cristo. Aí está! Tão simples! Simplesmente
aplicar o ensino. Faça isso individualmente, faça-o em comunidades, em grupos
e em classes; faça-o entre países, e nunca mais haverá problema algum!
Que perversão das Escrituras! Seria realmente necessário que o Filho de
Deus deixasse as cortes celestiais se a resposta fosse essa? A morte de cruz seria
necessária, se a solução fosse apenas uma questão de aplicar algum ensino? Não
é o que nos é dito aqui. Ele, Cristo, fez a paz. Não é que Ele me manda fazer algo
- Ele faz isso, é certo, mas eu só posso fazer o que Ele me diz porque Ele fez algo
primeiro. Ele fez a paz. Ele é a nossa paz. Ele é o Príncipe da paz. E o Deus de
paz que faz apaz. Não é primariamente os homens aplicarem certo ensino, é algo
fundamental feito por Deus em Cristo que produz uma situação inteiramente
nova. E por isso que não me canso de dizer que o dever da Igreja Cristã não
consiste meramente em dar conselho aos estadistas e a outros, e em dizer-lhes
como solucionar os seus problemas; pois não poderá haver paz entre os homens
enquanto os homens não se tornarem cristãos. É impossível. Por isso o
evangelho é necessário, por isso Cristo veio. Não se pode aplicar a não cristãos
um ensino destinado aos cristãos. Fazê-lo é uma rematada heresia. Estas
Epístolas não foram escritas para o mundo, foram escritas para os cristãos.
Temos que nascer de novo, temos que ser criados de novo, antes de ser possível

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que isso se aplique a nós. Cristo faz a paz. Essa é a proposição fundamental. Ele
é a nossa
paz, Ele fez a paz; é algo que Ele traz à existência.

O apóstolo nos diz nestes versículos como Cristo traz à existência a paz.
Para que haja paz verdadeira, duas coisas são indispensáveis. E preciso que os
homens sejam reconciliados com Deus, e que sejam reconciliados uns com os
outros. O apóstolo dá atenção a ambos os problemas. Ele parte da reconciliação
dos homens uns com os outros. Ele procede assim, entendo eu, porque o que
predominava em sua mente naquela hora era o seguinte: ele estava olhando para
a Igreja Cristã e nela via judeus e gentios. Assim ele iniciacom o fato concreto da
Igreja. Ali, juntos, louvando a Deus, estão homens que antes eram inimigos
mordazes. Que foi que os juntou? Paulo começacom essa questão e dela trata nos
versículos 14 e 15. Depois, no versículo 16, ele mostra como ambos juntos
foram trazidos a Deus e como foi abolida a inimizade entre eles e Deus.
Como, então, Cristo reconcilia os homens uns com os outros? Como Ele
aproxima uns aos outros em amor? Como Ele destrói a inimizade que há entre os
homens? Primeiro Paulo o coloca negativamente. Diz ele que Cristo derrubou "a
parede de separação que estava no meio", entre nós. Neste ponto permitam-me
indicar que a Versão Autorizada, e na verdade a Versão Revista (inglesas), não
são tão boas como deviam ser. Sem dúvida, a Versão Revista Padrão é melhor.
Eis a tradução da Versão Autorizada e (com ligeira variação apenas) da Versão
Revista: "Ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um e derrubou a parede de
separação que estava no meio, entre nós, tendo abolido em sua carne a
inimizade, até (essa palavra é acrescentada, não está no original, e vem impressa
em itálicos), até a lei dos mandamentos". Não está muito bom, e é melhor
entendê-lo assim: "Derrubou a parede divisória de hostilidade (ou de inimizade)
abolindo alei dos mandamentos" (tradução semelhante à de Almeida). Ele
derrubou a parede de separação (de inimizade) que estava no meio. Como? -
abolindo a lei dos mandamentos nas ordenanças. Essa é a melhor maneira de ver
isso. Então, que significa? Que é que uniu o judeu e o gentio na Igreja Cristã? A
resposta é que o Senhor Jesus Cristo desfez a inimizade. Havia no meio uma
espécie de parede de separação entre eles. Havia uma parede divisória entre eles,
no meio. O apóstolo está usando aqui, como figura, algo que era característico
do templo. No templo vimos que o Pátio dos Gentios era o mais distante. Os
gentios não tinham permissão para entrar no Pátio do Povo, dos judeus. Havia
uma parede que os separava, uma parede de separação, no meio. De fato, aquele
velho templo estavacheio de divisões. Havia, além do Pátio dos Sacerdotes, o
Lugar Santo, e depois o "santo dos santos", o Lugar Santíssimo, no qual
ninguém tinha a permissão de entrar, exceto o sumo sacerdote, uma vez por ano.

- 224 -
Era um lugar cheio de divisões. Mas em Cristo, diz o apóstolo Paulo, as divisões
foram arrasadas, foram derrubadas, foram postas abaixo, e o caminho para o
Lugar Santíssimo está livre. Contudo aqui ele está particularmente interessado
no fato de que a primeira divisão, entre os gentios e os judeus, a inimizade,
desapareceu.
Mas por que lhe chama inimizade? Porque, afinal de contas, foi Deus que
determinou os detalhes concernentes ã construção do templo, foi Deus que deu a
lei aos filhos de Israel. E, contudo, Paulo afirma que foi essa lei dos
mandamentos contida nas ordenanças que realmente produziu a inimizade. Esse
é um ponto muito importante e muito sutil, e é aí que vemos exatamente o que o
pecado faz ao homem. Como já vimos, Deus tinha dividido a raça humana em
dois grupos. Deus criou para Si um povo especial descendente de Abraão. São os
judeus, a comunidade de Israel, o povo de Deus. Os judeus estavam realmente
separados de todos os outros povos, e o propósito era que estivessem separados
mesmo. Deus lhes deu leis especiais, estas "leis dos mandamentos nas
ordenanças", como Paulo as descreve. Ele se refere à lei cerimonial, à lei acerca
das ofertas queimadas e dos sacrifícios, das ofertas de cereal, e de todas as outras
sobre as quais lemos no livro de Levítico e noutros lugares. Deus as determinou.
Eram esses os meios pelos quais os filhos de Israel deviam aproximar-se de Deus
e ser abençoados por Ele; e, se não os observassem, Deus não Se encontraria com
eles, e não os abençoaria. Deus lhes deu a lei. Não deviam comer certos tipos de
animais, e assim por diante. Eram, todas elas, leis de Deus, a lei cerimonial, a lei
dos mandamentos nas ordenanças, em preceitos. Bem, vocês dirão, se é assim,
onde entra a inimizade? Precisamente onde entra o pecado. Deus dividiu o
mundo em dois grupos, e deu estes mandamentos. Mas não o fez para criar
inimizade; fez isso para que os filhos de Israel dessem testemunho dEle, das Suas
santas leis e do caminho da salvação. No entanto, por causa do princípio do
pecado, do ego e do egoísmo, eles interpretaram o ato de Deus de tal modo que
diziam: nós, e somente nós, somos o povo de Deus, e estes outros são cães, mal
chegam a ser seres humanos.
Os judeus tornaram o mandamento de Deus uma parede intermediária de
separação; fizeram dele um objeto de ódio e de inimizade. E os gentios olhavam
e diziam: quem são esses judeus? Que alegações são essas que eles fazem a seu
favor? E assim os odiaram. E o judeu odiava o gentio. Mas não era essa a
intenção de Deus. A lei fazia parte da revelação de Deus, fazia parte do plano de
salvação feito por Deus. Entretanto o homem em pecado transforma os próprios
dons de Deus em causas de inimizade. E assim que as paredes intermediárias
entram. Não se trata de um ponto puramente acadêmico. O mundo atual está
cheio dessas divisões. Vejam os dons que Deus dá aos homens. Todos eles são
manifestações da Sua generosidade e bondade. Ele dá o dom da inteligência e do

- 225 -
entendimento, dá perspicácia a certos homens, e eles prosperam e têm sucesso.
Ele derrama chuvas de dons destas várias formas. Mas, pergunto, todos os
homens se ajoelham e agradecem a Deus os dons da Sua graça aos homens? Será
que atribuem com humildade a glória e a honra a Ele e lhe dão graças, sendo que
é Ele quem dá "toda a boa dádiva e todo o dom perfeito"? Sabemos muito bem
que não o fazem. Eles estão fazendo o que o judeu e o gentio fizeram. O homem
dotado de inteligência diz: naturalmente, eu tenho cérebro, tenho entendimento.
Vejam aquele outro sujeito, ele não sabe nada. E assim o despreza. E o outro
homem olha para ele e diz: quem é ele? Quem ele pensa que é? Inimizade! E tudo
por causa dos dons de Deus. Dá-se o mesmo com todos os dons que Deus dá. São
dons de Deus, são maravilhosos, e se nós todos compreendêssemos isso e
fôssemos humildes, todos nós os desfrutaríamos juntos. O homem sem talento
diria: que maravilha esse homem! Que coisa esplêndida Deus tê-lo dotado de tal
capacidade! Todavia não é assim; estas coisas levam à inveja e à rivalidade, à
inimizade, ao ódio, à malícia, à crueldade, ao escárnio e a tudo o que só serve
para envenenar a vida.
Não haverá paz enquanto isso tudo não for derrubado. Cristo, diz o apóstolo
aqui, derrubou tudo isso, nesta questão de religião, e o fez uma vez por todas,
pois "Ele aboliu a lei dos mandamentos contida nas ordenanças ". Foi como Ele
fez. O que significa que agora o método de Deus não é mais o de ofertas
queimadas, sacrifícios e coisas que só eram peculiares e especiais para o judeu. É
mediante Cristo, e somente mediante Cristo. Assim, aquilo que tinha levado à
inimizade, à inveja e à rivalidade, foi eliminado por Cristo. A causa da inimizade
foi removida. E quando os homens vêem isso em Cristo, a inimizade desaparece.
O judeu que realmente entende a doutrina de Cristo, não se separa mais em
termos da lei cerimonial. Ele diz: isso terminou em Cristo; portanto, agora estou
na mesma posição do gentio. E o gentio também vê que não existe mais essa
peculiar distinção entre ele e o judeu, e que o caminho é em Cristo, tanto para ele
como para o judeu. Assim eles vêm juntos a Deus da mesma maneira, em nosso
Senhor e
Salvador Jesus Cristo e por intermédio dEle.
Vocês vêem o ponto ao qual chegamos agora. Cristo derrubou a parede de
separação que estava no meio, a inimizade. E aqui está como Ele o fez: "O fim da
lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê" (Romanos 10:4). Já não há
necessidade do cerimonial e do ritual do judeu; isso foi extinto. Cristo é o
cumprimento disso tudo. Aquelas coisas eram apenas tipos que apontavam para
Ele. Os homens nunca devem deter-se nelas, elas deveriam levá-los a Ele. Mas
Ele pos um fim nelas. Dessa maneira, em toda esta questão de acesso a Deus, a
velha distinção, originariamente feita pelo próprio Deus, foi abolida pelo próprio
Deus em Cristo, e agora o caminho está livre, tanto para o gentio como para o

- 226 -
judeu, para virem à presença de Deus. Eles poderão vir, não mediante um
sacerdócio terreno, humano, não com ofertas e sacrifícios materiais, e sim
mediante o único e exclusivo Mediador entre Deus e os homens - o homem
Cristo Jesus, que pelo sacrifício da Sua vida e pelo Seu precioso sangue
derrubou a parede intermediária de separação. E será somente quando os
homens aprenderem essa verdade que serão libertos da inimizade.

- 227 -
FAZER A PAZ: O MÉTODO DE CRISTO
19
"Para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a
paz." - Efésios 2:15
Ao passarmos a considerar esta declaração particular, devemos
lembrar-nos de que ela faz parte do grande argumento que o apóstolo
desenvolve nestes versículos. Ele está falando do admirável fenômeno
apresentado pela Igreja Cristã, e vê ali como membros e companheiros -judeus e
gentios, pessoas que tinham pertencido àquela comunidade de Israel junto com
os que até então haviam estado separados dela e tinham sido estranhos às
alianças da promessa. E o que ele estáfazendo aqui é explicar como foi que isso
aconteceu. Foi o poder de Deus que o fez. Nenhuma outra coisa poderiajuntar
judeu e gentio em atos comuns de culto. Efoi esse opoder que ressuscitou Cristo
dentre os mortos, nada menos que isso! É isso que o apóstolo está expondo, e o
faz em detalhe. O argumento é sutil; em toda a extensão das Escrituras não há
argumento mais cerradamente entretecido do que nesta seção particular. Cada
frase é importante, cada palavra é significativa, se havemos de compreender a
vigorosa declaração e apreciar plenamente a sua riqueza e glória. Ele acrescenta
declaração a declaração, e cada uma delas segue a outra com extraordinária
precisão lógica. A mente do grande apóstolo revela-se aqui de maneira deveras
admirável. A coisa estava bem clara para ele, e ficará clarapara nós, se nos
dermos ao trabalho de examinar estas frases uma por uma e observarmos a
conexão entre cada uma delas e a precedente, e como cada uma leva à
subseqüente. Mas, em acréscimo, precisamos da iluminação que somente o
Espírito Santo pode dar. Por isso o apóstolo, antes de aventurar-se a esta
emocionante demonstração da maravilhosa graça de Deus, tinha orado por estes
efésios que iam ler a carta, no sentido de que "os olhos do seu entendimento"
fossem iluminados. Sem isso, nada podemos fazer. Portanto, um teste muito
bom para ver se o Espírito Santo iluminou os olhos do nosso entendimento é
verificar se estamos seguindo o argumento conforme avançamos. Mais,
estaríamos nos alegrando nele, vibrando com ele, percebendo que estamos
olhando para a coisa mais assombrosa do mundo?
Aqui está a essência do argumento; Cristo é a nossa paz. "Ele é a nossa paz"
- tudo está nEle. E também é verdade que Ele faz a paz: "Para criar em si mesmo
dos dois um novo homem, fazendo a paz". Ele é a paz; Ele faz a paz. E vimos que
o apóstolo nos diz que o Senhor Jesus Cristo faz a paz entre homem e homem, e
entre o homem e Deus. Ele é a paz em todos os aspectos. O apóstolo os coloca
naquela ordem, homem e homem primeiro, e depois, no versículo 16, que
estudaremos mais adiante, ele mostra como ambos são reconciliados e unidos

-228-
num só corpo para Deus. A ordem, naturalmente, é interessante. Teologica-
mente a ordem é inversa, porém o apóstolo está falando num sentido prático e
pastoral. Ele parte do fato concreto da Igreja, com judeus e gentios juntos e de
joelhos prestando culto de igual maneira; ele parte daí, de homem e homem, e
depois mostra como ambos vão juntos a Deus. No momento estamos vendo o
modo como Ele reconcilia o homem com o homem. Diz-nos o apóstolo que isto é
feito de duas maneiras: primeiro, negativamente, e depois, positivamente. Já
consideramos o aspecto negativo, expresso nas palavras: Ele "desfez a lei dos
mandamentos, que consistia em ordenanças". Ele já removeu a parede
intermediária de separação - a inimizade - que estava entre judeu e gentio.
Pois bem, isto é somente negativo, e não é tudo; na verdade, não é
suficiente. Este é o ponto que estou desejoso de salientar agora. Só abolir as
paredes intermediárias de separação não produz paz. Essa é a tragédia de
grande parte do pensamento atual, parece-me, que tanta gente não tenha uma
verdadeira concepção da paz. A paz, segundo as Escrituras, não
significameramenteacessação de hostilidades. Tampouco significa meramente a
prevenção de hostilidades de fato. Mas, pela maneira como se fala de "paz"
correntemente hoje, é óbvio que é isso que muitos querem dizer com o termo
paz. Considera-se a paz apenas como uma condição na qual não ocorre conflito
real. A paz vem a ser mera ausência de guerra. Essapode ser a idéia que o homem
tem de paz; não é a idéia que Deus tem. Não é essa a noção bíblica de paz.
Meramente deixar de lutar não é paz, meramente prevenir hostilidades futuras
não é paz. Vocês vêem quão dolorosamente o evangelho está sendo mal usado,
mal interpretado, mal apresentado hoje pelos que ensinam que apenas temos que
aplicar "o ensino de Cristo" à situação internacional para resolver o problema da
tensão mundial. Descobriremos mais outras razões para dizer isso à medida que
avançarmos. Deus não Se contenta com mera ausência de inimizade visível e
agressiva e da manifestação dessa inimizade. Quando Deus faz apaz, faz algo
interno, algo vital. Não satisfaz a Deus que os homens tão-somente não se
agarrem pela garganta; a idéia que Deus tem da paz é que as pessoas se abracem
e demonstrem verdadeiro amor mútuo. Isso é paz cristã, nada menos que isso.
Não apenas que não lutemos uns contra os outros, e sim que nos amemos uns aos
outros, que haja união e unidade, que realmente nos tornemos um e nos amemos
uns aos outros como nos amamos a nós mesmos. Essa é a verdade ressaltada
neste trecho particular da argumentação que agora estamos estudando. Deve-se
pensar na paz em termos de coração, de atitude; é questão de unidade e amor
essencial, vital, interior. O que Paulo nos diz é que Cristo produziu essa paz.
Como o fez? Eis a resposta: "Para criar em si mesmo dos dois um novo homem,
fazendo a paz".

- 229 -
O apóstolo introduz aqui a profunda doutrina neotestamentária da Igrej a
Cristã, da natureza da Igrej a Cristã. O novo homem, o novo corpo é a Igreja. O
meio pelo qual Deus faz a paz consiste em formar, fazer, trazer à existência a
Igreja Cristã; portanto, qualquer tentativa de entender o modo cristão dapaz tem
que introduzir imediatamente a idéia da Igreja. Ou considerem isto da seguinte
maneira: segundo este argumento, a paz entre os homens só é possível quando
todos eles pertencem ao corpo de Cristo e são cristãos. Assim está patentemente
claro que não é uma coisa que se possa aplicar às nações. Portanto, pregar a
mensagem cristã como se esta fosse algo que pode ser aplicado às nações e pelas
nações não cristãs, que não pensam em termos cristãos e não pertencem ao corpo
de Cristo, é rematada heresia e uma completa negação do ensino do apóstolo. E,
contudo, é exatamente isso que andam fazendo. Há os que dizem que tudo que os
estadistas e as nações têm que fazer é aplicar este ensino. Ninguém pode aplicar
este ensino, a não ser o cristão, e ninguém vai aplicá-lo, exceto o cristão. De fato,
como vou mostrar, até os cristãos são muito falhos na sua aplicação. Mas este
ensino requer, pressupõe, um caráter cristão. Observemos agora como o apóstolo
expõe o tema.
Vocês vêem a imediata relevância disso tudo, como tudo isso é importante.
Não é uma doutrina e teologia árida. O que está mais agudamente nas mentes dos
homens hoj e é o desej o de paz - porém eles precisam vê-la de maneira certa.
Entretanto, fora esta aplicação geral, não conheço nada que seja mais edificante,
nada que sej a tão fortalecedor da fé, nada, portanto, que seja tão confortante
como a percepção da verdade daquilo que o apóstolo nos diz aqui. A Igrej a, diz
ele, é umanova criação: "Para fazer em si mesmo dos dois um novo homem"
(VA). Ora, a palavra "fazer" aí é demasiado fraca. A palavra significa "criar" -
"criar em Si mesmo" (como em Almeida). Uma criação! Um hino muito
conhecido expressa bem isso:

Da Igreja o alicerce E Cristo, o seu Senhor;


E Sua nova criação Pela água e pela palavra.

Essa é a verdade: a Igreja é algo absolutamente novo, algo que foi trazido à
existência, algo que não existia antes. É comparável ao que aconteceu no
princípio, quando Deus criou os céus e a terra. Não existia nada antes de Deus os
criar. Criação significa trazer à existência algo que antes não havia, algo não
existente; é fazer algo do nada.
Essa é a frase empregada aqui. Suas implicações nesta questão de produzir
a paz são óbvias. Como Deus faz a paz entre judeu e gentio? Não é por uma
modificação do que havia antes; tampouco por um melhoramento daquilo que
existia antes. Deus não toma simplesmente um judeu e lhe faz algo, e não toma
um gentio e apenas lhe faz algo, e com isso os congrega. Nada disso! E uma coisa

-230-
inteiramente nova. Criação! Pois bem, isto é vital para a situação toda. Quando
somos introduzidos na Igreja Cristã, nós entramos como novas criações,
entramos em algo que é inteiramente novo. Há um sentido em que ela não tem
relação com nada do que existia antes.
Permitam-me ilustrar isso. Não se deve conceber a Igreja como uma
coalizão de vários partidos. Não, é a abolição de algo velho e a criação de algo
inteiramente novo. Ou permitam que eu use outra ilustração. O ponto que precisa
ser ilustrado aqui vê-se claramente na diferença entre os Estados Unidos da
América e o Reino Unido, semelhantemente na diferença entre os Estados
Unidos da América e a Comunidade Britânica de Nações. No Reino Unido ou na
Comunidade Britânica de Nações há uma associação de várias nações, nacionali-
dades, povos e tribos. Todos eles pertencem à mesma comunidade, mas
continuam como nações separadas - a suanacionalidade não é demolida, não é
destruída. Elas permanecem como nações separadas, porém, por certas razões,
decidiram trabalhar juntas. Essa é a verdadeira característica da Comunidade
Britânica de Nações, outrora mantidapelo poder da força, agora mantida em
união por interesses comuns e propósitos comuns. A idéia de nacionalidade
individual permanece, mas voluntariamente entram num associação. É, portanto,
uma associação que pode ser desfeita porque não deixaram de existir estes
elementos particulares. Dá-se o mesmo com o Reino Unido - ingleses, galeses,
escoceses e irlandeses. A nacionalidade não foi abolida, ainda está presente,
todavia eles decidiram trabalhar juntos e fazer certas coisas em comum. Mas nos
Estados Unidos da América a situação é muito diferente. Os Estados Unidos da
América não são uma união de nações, não é uma junção de distintas nações.
Noutras palavras, houve homens que foram para aquele país, homens
procedentes de diversos países da Europa e doutros lugares e, para serem
verdadeiros cidadãos dos Estados Unidos, tiveram que por fim ao seu passado.
Formou-se uma nova nação. Não é uma junção de alemães, suecos, finlandeses,
noruegueses, ingleses, franceses, italianos, gregos e outros. Absolutamente não!
Eles fazem o máximo que podem, e com razão, para esquecer tudo isso. São
americanos; deram cabo do antigo alinhamento, dos velhos laços nacionais.
Passou a existir umanova nação. Pois bem, esse é o tipo de coisa que temos na
passagem em foco. A Igreja não é uma espécie de coalizão de judeus e gentios;
passou a existir algo absolutamente novo, algo que simplesmente não existia
antes. Criação! - "para criar em si mesmo dos dois um novo homem". Este é um
princípio sumamente importante.
Passemos agora à segunda proposição. A Igreja forma-se em Cristo. "Para
criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz." Em Cristo forma-se
a Igreja; acontece como resultado da sua relação com Ele. Já vimos algo sobre

-231-
isso no capítulo primeiro. Também o vimos insinuado e sugerido nos dez
primeiros versículos deste capítulo. Mas aqui está mais uma vez. A Igreja é o
corpo de Cristo, e Ele é a Cabeça, dEle a Igreja recebe a sua própria vida, o seu
sustento, o seu poder, tudo. "Para criar em si mesmo dos dois um novo homem."
Como Ele o faz? Como membros da Igrej a somos membros do corpo de Cristo.
Em 1 Coríntios 12:27 Paulo o coloca desta maneira: "Vós sois o corpo de Cristo,
e seus membros em particular". Somos todos membros particulares, individuais
deste corpo único. Há uma unidade essencial num corpo. O corpo não é uma
junção de partes, não é apenas uma leve interligação de dedos, mãos, antebraços,
braços, pernas pés e dedos. Nada disso! O corpo é um todo orgânico, uma
unidade vital com partes individuais: porém o todo é maior do que a soma das
suas partes. Aí de novo vocês têm a mesma idéia. Não se pensa num dedo
isoladamente; é sempre parte do todo. Assim Cristo criou "em si mesmo dos
dois..."; é tudo "em si mesmo". Portanto, temos que captar esta idéia da Igreja
como o corpo de Cristo, com Cristo como a Cabeça, e da unidade

-232-
Chega-se a isto: em nosso novo nascimento, em nossaregeneração, em
nosso "nascer de novo", nascemos nesta nova raça, neste novo corpo, nesta nova
família. É assim que Cristo faz a paz. Ele não produz um conglomerado de
pessoas diferentes; ele produz um novo povo, uma nova família, uma nova casa
paterna, uma nova raça. O apóstolo explica isso na parte final do capítulo; mas
aqui já vem o princípio. Aí está como Cristo faz a paz. Persuadir as nações a não
entrarem em conflito umas com as outras não é paz neste sentido. Só se faz a paz
pelo método de Deus, pelo método de Cristo, quando todos pertencemos à
mesma família, temos em nós o mesmo sangue, por assim dizer, somos membros
da mesma humanidade, membros do mesmo corpo, nesta vivida e vital relação
com Deus. Essa é a única paz de que se ocupa o Novo Testamento. Como é
ridiculo, pois, a Igreja dizer aos estadistas: tudo o que vocês têm a fazer é aplicar
o nosso ensino, e com isso vocês produzirão paz entre as nações. Isso é uma total
negação da doutrina da Igreja. E uma negação da doutrina da regeneração. E, na
verdade, uma apresentação completamente falsa do ensino do nosso bendito
Senhor.
Aí está, pois, o argumento como tal; porém há certas coisas que devemos
salientar. Por exemplo, o velho homem é excluído inteiramente. Isso decorre
necessariamente de tudo o que estivemos dizendo. O judeu, como judeu, foi
posto fora, como também o gentio foi posto fora, em Cristo. Se vocês acreditam
nesta nova criação, têm que compreender que tudo mais foi eliminado, foi posto
de lado inteiramente. "Não há judeu nem grego...porque todos vós sois um em
Cristo Jesus" (Gálatas 3:28). Outro princípio óbvio é que nada do que pertencia
ao velho estado tem valor ou relevância no novo estado. Se isso nos parece
alarmante, só temos que ler o que Paulo diz em Gálatas 6:15: "Em Cristo Jesus
nem a circuncisão nem a incircuncisão têm virtude alguma". Que tremenda
declaração! Em Cristo Jesus a circuncisão é irrelevante, "nada vale" (VA). Mas a
incircuncisão é igualmente irrelevante, também "nada vale". Em Cristo Jesus, na
esfera da Igreja, nesta questão de relação com Deus e paz entre os homens, há
somente uma coisa que importa - uma nova criação. Assim é que o judeu se foi, o
gentio se foi; tudo o que pertencia ao judeu, tudo o que pertencia ao gentio - é
tudo irrelevante daí em diante. O que importa é anova criatura. Não existe
pensamento mais fortalecedor ou mais consolador do que esse. Isso me diz que
toda a realidade da minha velha vida não importa mais. Os pecados que outrora
cometi foram enfrentados e vencidos, e não mais importam. Pesam tão pouco
quanto a circuncisão e a incircuncisão. Se estou em Cristo, sou uma nova
criatura. O velho pouco antes da dádiva da lei), "Vós" (a Igreja) sois a geração
eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido" ("um povo peculiar",
VA). Essa é a nova nação. E não é uma mistura de judeu e gentio, mas um novo
homem; o judeu acabou, o gentio acabou, uma nova criatura. Não há mais, diz

-240-
Paulo, judeu nem gentio, bárbaro, cita, escravo nem livre, homem nem mulher.
Graças a Deus tudo isso acabou, há tão- -somente um novo homem, em Cristo
Jesus.

O modo como Ele faz a paz pode ser expresso finalmente da seguinte
maneira: eu e você temos paz e gozamos paz um com o outro, e há paz na Igreja,
somente se compreendemos e praticamos os princípios que acabamos de
enunciar. Em última análise, há somente dois grandes princípios. Temos que
parar de pensar em nós mesmos da maneira antiga e nos velhos termos, em
todos os aspectos. Como cristãos, como membros da Igreja, temos que parar de
pensar uns nos outros em termos de nacionalidade. Politicamente ainda fazemos
isso. Na Igreja Cristã temos que deixar de fazê-lo. Temos que esquecer tudo isso.
Temos que deixar de pensar nas pessoas em termos do seu nascimento natural,
ou em termos de sua capacidade. Todas estas coisas dividem: nacionalidade,
nascimento, educação, casta, todas estas coisas dividem. Na Igreja e como
cristãos, não devemos pensar mais em nós mesmos nestes termos, porque no
momento em que começarmos a introduzir essas categorias, não haverá mais
paz; haverá divisão, separação, inimizade. Não somente isso, não devemos nem
mesmo pensar mais uns nos outros em termos da nossa vida e do nosso
comportamento anteriores - a nossa anterior bondade ou maldade, a nossa
anterior moralidade ou imoralidade. Isso não importa, não pesa na Igreja. Na
Igreja Cristã o homem altamente respeitável não deve olhar para outro e dizer:
lembro bem o que ele era, lembro de onde ele veio; terá esse homem igual direito
na Igrej a? Isso é apropria antítese da paz. É a atitude do irmão mais velho
condenada pelo nosso Senhor na parábola do Filho Pródigo. Todas essas
categorias foram-se.
Irei mais longe. Na Igreja Cristã, até a sua religião anterior você esquece.
Não importa se você era muito religioso ou não, a questão é se você é cristão
agora. Você pode ter sido muito devoto; não importa - é possível ser devoto sem
ser cristão. Tudo isso acabou. Os velhos termos e categorias não se aplicam
mais, e na esfera da Igreja você não faz mais nenhuma daquelas perguntas
acercade um homem. Você simplesmente olha para ele e vê nele as marcas de
Cristo. Talvez vocês se lembrem da imortal história relacionada com o velho
Philip Henry, pai do comentador
Matthew Henry. Philip Henry, quando jovem, enamorou-se de uma
senhorinhapertencenteaumaposição muito mais elevada que a dele na vida. Ela
também se enamorou dele. Então houve a questão sobre como conseguir o
consentimento dos pais dela. Eles perguntaram à filha: "Esse homem, esse Philip
Henry, de onde veio?" E ela respondeu: "Não sei de onde veio, mas sei para onde
vai". Esse é o ponto. Não é de onde ele vem que importa. Para onde ele vai?

-243-
Estaria ele destinado à glória, a Deus, à eternidade na presença de Cristo?
Pertence ele a Cristo? Essa é a questão que importa. Nada mais importa nessa
esfera, pois no momento em que você introduzir outras considerações, introdu-
zirá divisões.
Assim faço uma colocação positiva, da seguinte maneira: sempre devemos
pensar em nós e conceituar-nos desta nova maneira. Sempre! O fracasso nestas
duas coisas sempre leva à dificuldade. Há notáveis ilustrações disto no próprio
Novo Testamento. Vocês se lembram de como o nosso Senhor pegou os seus
mais chegados apóstolos e discípulos discutindo um dia? Sobre o que discutiam?
Qual deles seria maior no reino! E Ele voltou-Se para eles e disse: vocês não
entendem; no Meu reino as coisas são absolutamente diferentes dos reinos do
mundo. Nos reinos do mundo os grandes homens são servidos por outros
homens; no Meu reino a grandeza consiste em servir. "O Filho do homem", diz
Ele, "não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate
de muitos". "E, qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo"
(Mateus 20:27-28). Inversão total; porém eles não o compreenderam.
Há um relato de algo similar no capítulo seis do livro de Atos dos
Apóstolos, quando a Igreja mal tinha acabado de nascer. Eis o que lemos: "Ora,
naqueles dias, crescendo o número dos discípulos, houve uma murmuração dos
gregos contra os hebreus, porque as suas viúvas eram desprezadas no ministério
cotidiano" (ARA: "...na distribuição diária"). Essas pessoas eram convertidas,
estavam salvas e tinham-se tornado cristãs, mas não tinham aprendido esta lição.
Gregos, hebreus! Não é justo, diziam; estavam se dividindo em termos de
diferenças culturais, e a paz logo se fora.
Outra notável ilustração acha-se em Atos, capítulo 15: "E alguns dias
depois disse Paulo a Barnabé" - Barnabé era um bom homem, vocês se lembram,
"o filho da consolação"; ele e Paulo tinham viajado juntos - "disse Paulo a
Barnabé: tornemos a visitar nossos irmãos por todas as cidades em que já
anunciamos a palavra do Senhor, para ver como estão. E Barnabé aconselhava
que tomassem consigo a João, chamado Marcos. Mas a Paulo parecia razoável
que não tomassem consigo aquele que desde a Panfília se tinha apartado deles e
não os acompanhou naquela obra". João Marcos tinha desertado numa viagem
anterior, e Paulo dizia: não, não está direito levá-lo. "E tal contenda houve entre
eles, que se apartaram um do outro. Barnabé, levando consigo a Marcos,
navegou para Chipre. E Paulo, tendo escolhido a Silas, partiu, encomendado
pelos irmãos à graça de Deus." Por que foi que Barnabé quis que João Marcos
fosse com eles? - vocês pensarão. Eles eram parentes! E este excelente e nobre
cristão, Barnabé, esquecendo por um momento a doutrina, disse: vamos levar
Marcos conosco. E a sua única razão para isso era que Marcos era seu parente.
Na Igreja Cristã você deve esquecer isso. Você não deve levar seu parente

-244-
consigo se ele já falhou e se há alguém melhor; não dê preferência a um homem
porque pertence à sua família. Não, nem judeu nem gentio; o velho homem se
foi. Trata-se de algo novo! Não arraste para dentro as suas relações familiares.
Quantas vezes se faz isso! Vejo-o com muita freqüência. Um homem é chamado
por Deus para iniciar uma obra, homem indubitavelmente chamado por Deus, e
depois, quando se aproxima da morte, nomeia ao seu filho como o seu sucessor.
As vezes pode estar certo; muitíssimas vezes pode estar errado, e vocês verão a
obra começar a decair e a definhar, e finalmente acaba morrendo. Por quê?
Porque o filho não fora realmente chamado por Deus. É muito natural, concordo,
porém não é cristão. Paulo e Barnabé se separaram porque a questão das relações
de família entrou em cena.
Este perigo de deixar que o passado se intrometa vê-se em toda parte.
Lembram-se de como Paulo teve que resistir a Pedro na cara por causa desta
mesma questão? Certas pessoas tinham descido de Jerusalém, certos judeus, e
disseram a Pedro: você não deve comer com os gentios. Pedro lhes deu ouvidos,
e surgiu uma divisão. Todo o esforço dos judaizantes se baseava nisso. Eles
diziam: você sabe que não basta crer em Cristo, você tem que ser circuncidado
também. E com isso eles causavam divisão. Eles não compreendiam que o
antigo se fora. A circuncisão não tem mais importância. Jánãoimportao judeu
<j«ajudeu - o judeu porque judeu.
De muitas maneiras, a mais perfeita ilustração do que estou tentando dizer
acha-se na Primeira Epístola aos Coríntios. A igreja de Corinto estava em grande
dificuldade, e Paulo teve que escrever-lhe uma carta. Havia divisões
pecaminosas, primeiramente quanto a homens. "Eu sou de Paulo. Eu sou de
Apoio. Eu sou de Cefas." Qual é o melhor pregador? Qual o mais eloqüente? De
qual deles você gosta?
Servindo, seguindo homens; colocando homens adiante de Cristo! Isso é o velho
homem, é a carnalidade, é o que o mundo faz. Não deve acontecer isso na Igreja
Cristã. Que mais? Moviam ações legais uns contra os outros; havia certas
disputas, e as levavam aos tribunais públicos. O apóstolo Paulo diz: "Vocês não
estão agindo como cristãos." Se vocês tivessem alguma idéia do que é a Igreja,
nomeariam o mais humilde membro da igreja como juiz e árbitro. Você levaria a
sua causa a ele, e se ele decidisse contra você, você diria: eu me submeto;
alegra-me fazê-lo por amor ao corpo de Cristo. Isso é o novo! Que mais? Os
irmãos fortes e os fracos! A questão é tratada em 1 Coríntios, capítulo 8. O irmão
forte dicernia melhor a verdade do que o outro, e eles brigavam por isso. O irmão
forte desprezava o fraco, e com isso o fazia tropeçar. Paulo diz: não destruam
com a sua comida o irmão por quem Cristo morreu. Apercebam-se da nova
relação. Vocês são irmãos em Cristo, renunciem à sua comida por amor da paz e
da concórdia, e pela felicidade cristã. "Pelo que, se o manjar escandalizar a meu

-245-
irmão, nunca mais comerei carne, para que meu irmão não se escandalize" (1
Coríntios 8:13). De fato, em Corinto se dividiam até sobre a questão dos dons
espirituais. Os que tinham dons ruidosos, espetaculares, gabavam- -se disso e
desprezavem os outros; o olho dizia ao pé: "Não tenho necessidade de ti", e
assim por diante. Tudo porque não tinham compreendido a doutrina da Igreja
como o corpo de Cristo. Falhar nisso sempre leva a divisão.
Mencionei há pouco que bens materiais não deveriam entrar nesta esfera.
Tiago trata disso, vocês se lembram, no capítulo dois da sua Epístola. Diz ele:
naigreja, em sua assembléia, se entrar um homem com um grande anel de ouro,
não o conduza à frente porque ele é rico; e se entrar outro em andrajos, não lhe
diga: você, sente-se lá atrás. Não faça esse tipo de coisa na igreja, diz Tiago; não
reconhecemos essas distinções, não avaliamos os homens por suas roupas ou
seus penduricalhos. Você deve ver a alma, a relação com Deus e com Cristo; e aí
todos são um. "As coisas velhas já passaram, eis que tudo se fez novo."
Para resumir a questão com uma palavra positiva, vamos a Colossenses
3:15. Paulo estivera lidando com brigas e disputas. Eis o que convém lembrar,
diz ele: "E apaz de Deus (ou apaz de Cristo), para a qual também fostes
chamados em um corpo, domine em vossos corações". Você sabe o que ele quer
dizer com a frase, "A paz de Cristo domine em vossos corações"? Quer dizer: a
paz de Cristo aja como mediador; a paz de Cristo aj a como árbitro entre vocês
(cf. ARA). Todos vocês, com as suas posições rivais e as suas diferenças, digam:
"A paz de Cristo decida isto. Não vou decidir; não é questão de direitos meus, de
exigências minhas; estou disposto a concordar com qualquer coisa que promova
a paz de Cristo entre nós, bem como a paz de Cristo em meu coração". Nomeiem
a paz como árbitro, diz Paulo, e a paz reinará entre vocês.
Somos chamados a um corpo. "Para criar em si mesmo dos dois um novo
homem, fazendo assim a paz." Esse é o único caminho. E como sei que estou em
Cristo, e olho para outro e sei que ele está em Cristo, que eu posso perdoar e
esquecer, posso juntar as mãos e humilhar-me com ele. Somos todos um em
Cristo, e vamos passar juntos a nossa eternidade na glória. Quando nos
lembrarmos disso, e somente quando soubermos de fato que isso nos caracteriza
verdadeiramente, é que poderá haver uma paz verdadeira, real, duradoura.
Bendito seja Deus pela nova criação em Cristo Jesus!

-246-
16 O ÚNICO MEDIADOR
"E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela
as inimizades." - Efésios 2:16

Com essas emocionantes e gloriosas palavras, o apóstolo continua a sua


grande declaração sobre o método de Deus para reconciliar os homens, e ele
mostra como é removido ainda outro obstáculo a esse resultado desejado. Os
efésios, pagãos como eram, gentios, não somente estavam separados dos judeus,
da comunidade de Israel, também estavam separados de Deus. E, obviamente,
não poderá haver verdadeira unidade entre homem e homem enquanto não
houver esta outra unidade; porque a divisão original em judeu e gentio era
totalmente em termos de relação com Deus. Por isso o apóstolo agora passa a
mostrar como também esta segunda questão foi tratada, e da mesma maneira
como antes, pelo nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Mas vocês podem notar
que o apóstolo expressa isso de maneira muito interessante. Em vez de
simplesmente expor como os pagãos efésios foram reconciliados com Deus, ele
diz: "E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as
inimizades" - ambos, judeus e gentios. Depois ele nos mostra exatamente como
isso foi feito.
O ensino aqui é fundamental e vital, especialmente com relação a toda esta
questão de unidade e paz. Em sua forma geral, podemos expressá-la assim: todas
as divisões, separações e contendas insignificantes e secundárias devem-se em
última instância ao fato de que todos os homens estão separados de Deus. Pois
bem, essa é uma proposição fundamental e universal. O mundo está repleto de
divisões e distinções, países, nações, blocos, grupos, cortinas, um lado e outro;
dentro danação, classes, grupos industriais, capital e trabalho, senhor ou
empregador e empregado, etc.; e ainda, dentro desses grupos, divisões,
rivalidades, invejas. O mundo está repleto de divisões e separações. Todavia,
segundo o ensino das Escrituras, o que é realmente significativo é que estas
divisões de menor importância e secundárias, divi-sões, separações e contendas
de terceira, quinta, décima categoria, são causadas por uma única coisa, a saber,
que todos os homens estão separados de Deus e em más relações com Ele.
Essaé a tese geral daBíblia. Não haveriaproblemanenhumna vida se o
homem não tivesse rebelado contra Deus e não tivesse caído e se afastado de
Deus.Todos os problemas são devido a isso. Inversamente, portanto, temos
direito de dizer que a unidade entre os homens só é possível quando os homens
forem reconciliados com Deus. A importância dessa afirmação é óbvia. Há os
que falam levianamente sobre a aplicação do ensino cristão aos problemas, e os
que nos dizem que é tudo muito simples. Mas, conforme este ensino é

- 247 -
impossível, enquanto os homens e as mulheres não forem reconciliados com
Deus. É pura perda de energia, de fôlego e de tempo tentar conseguir
comportamento cristão dos que não são cristãos. Eles não têm condições de
reagir de acordo. A pessoa tem que estar de bem com Deus antes de poder estar
de bem com os seus semelhantes. Lembro-lhes como o nosso Senhor respondeu
quando Lhe perguntaram qual é o primeiro e grande mandamento. A resposta
foi: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de
todo o teu pensamento"; e depois: "E o segundo, semelhante a este, é: amarás o
teu próximo como a ti mesmo". Entretanto você não conseguirá praticar o
segundo enquanto não praticar o primeiro. Este é um princípio básico,
fundamental.

Vejamos como o apóstolo desenvolve isto. Num sentido ele está passando a
um novo tema. Noutro sentido ele está dando continuidade ao que vinha
expondo. O fato é que ambos são inseparáveis. Por isso ele os liga com a palavra
"e", que realmente significa neste versículo "em acréscimo". Que é que o
apóstolo está dizendo? Talvez, a melhor maneira de abordar o assunto seja
examinar esta grande palavra "reconciliar" - "E pela cruz reconciliar ambos com
Deus". A palavra que de fato o apóstolo empregou e que é traduzida por
"reconciliar" é muito interessante. Só se acha num outro lugar na Bíblia, e esse é
Colossenses 1:20 e 21. Ali ele usa a mesma palavra - porém em nenhum outro
lugar. A palavra "reconciliar" vocês encontram em muitas passagens na Versão
Autorizada (inglesa; como também em Almeida). Vê-la-ão em Romanos 5:10.
Vê-la-ão em 2 Coríntios 5:18,19 e 20. No entanto, em todos esses casos a palavra
utilizada pelo apóstolo não é a mesma que ele utilizou aqui. A raiz é a mesma;
num sentido o significado essencial é o mesmo, mas aqui ele usou uma palavra
muito especial, ele acrescentou um prefixo que não usa noutros lugares.
Portanto, ao expormos isto, devemos tomar a palavra como ele a usou, o prefixo
inclusive.
Que é, pois, que significa a palavra "reconciliar"? Permitam- -me opinar
que ela inclui as seguintes idéias e concepções: primeiramente significa a
mudança de uma relação hostil para uma relação amistosa. Esse é o sentido mais
simples, o sentido básico. Contudo, significa mais. Em segundo lugar, não
significa apenas amizade após um afastamento, um mero desfazer do
afastamento inamistoso. Não é apenas levar pessoas que passavam umas pelas
outras sem olhar-se a falar-se outra vez. Significamais; significa realmente
pôrjunto de novo, re-unir, religar. A palavra tem esse sentido. Em terceiro lugar,
a palavra acentua também o completamento da ação. Significa que a inimizade é
eliminada tão completamente que a amizade toma o lugar. E a ênfase aqui está
no caráter completo da ação. Não é remendar uma desarmonia. Não é fazer uma

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concessão, o tipo de coisas que tantas vezes acontece quando uma conferênciajá
se alongou dias e dias, e chegou-se aum beco sem saída, e alguém de repente tem
uma idéia brilhante e sugere a introdução de uma palavra ou fórmula especial, o
que só serve para remendar o problema no momento. Não é isso. E uma ação
completa, produz amizade e concórdia completa onde antes havia hostilidade.
Mas, em quarto lugar, também significa isto: não é meramente que os dois
envolvidos num problema ou numa disputa ou numa contenda decidam entrar
em acordo. Esta palavra utilizada pelo apóstolo implica que é uma das partes que
toma a iniciativa da ação, e que é a parte superior ou mais elevada que o faz. Um
componente dessa palavra indica uma ação que vem de cima. É a palavra grega
"kata"; ela sugere uma ação descendente, que vem de cima. Não é que as duas
partes se juntem como que voluntariamente; é uma delas trazendo a outra a esta
posição de completa amizade e concórdia. E, finalmente, em quinto lugar, a
palavra tem o sentido de restabelecimento de algo que havia antes. Pois bem, a
nossa palavra "reconciliar" (inglês: "reconcile"), que é uma transliteração da
palavra latina, ela própria sugere isso. Reconciliar! Antes eles estavam
conciliados, agora estão re-conciliados, trazidos de voltapara onde estavam. A
palavra tem todos esses sentidos, e é especialmente este último ponto que é
introduzido pelo prefixo especial que se vê na palavra utilizada aqui pelo
apóstolo, o prefixo apo, um trazer de volta, o prefixo re. A isso é que se dá ênfase
aqui.

Qual é, então, o ensino do apóstolo? Permitam-me dizê-lo com alguns


princípios. A primeira verdade aqui ensinada é que o pecado separa de Deus.
Todos os nossos problemas são, em última instância, causados pelo fato de que
não entendemos claramente o pecado. O apóstolo já dissera isso no versículo 12,
e o repete aqui. Não há como exagerar a repetição disso. "Que naquele tempo
estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos aos
concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo". O contrário
disso é, "ser aproximado", ser trazido para perto. O que há de terrível no pecado,
justamente o que somos propensos a esquecer, é que o pecado não é uma mera
transgressão da lei - é isso; que o pecado não é só desobediência - é i sso; que o
pecado não é só errar o alvo - ê isso; a coisa mais pavorosa quanto ao pecado, e
mais devastadora, é que ele significa romper a comunhão com Deus. Quer dizer
que somos cortados, extirpados de Deus, que ficamos fora da relação com Deus,
que ficamos sem Deus. Ora, é isso que o apóstolo salienta aqui. Todavia nem aí
termina. O pecado produz também inimizade entre o homem e Deus. E essa é,
segundo este ensino em toda parte, a condição do homem em pecado. Isso
aconteceu no princípio da história. Deus fez o homem para Si, e o homem estava
em comunhão com Deus. Oh, se tão-somente fixássemos essa idéia como

- 249 -
devíamos! Fomos feitos para Deus, fomos destinados a Deus; nunca fomos feitos
para o mundo, para a carne e para o diabo. O homem foi fetio para Deus, foi
destinado a viver em comunhão com Deus, foi destinado a fruir Deus. E essa era
a sua condição original. Mas a lástima foi que o pecado entrou; e o que há de
terrível quanto ao pecado não é simplesmente que Adão e Eva comeram o fruto
proibido - isso é verdade, foi uma ação praticada, foi rebelião, foi arrogância, foi
uma infração do mandamento de Deus e desprezo da Sua lei - porém o terrível
foi que rompeu a comunhão. O homem estava andando com Deus e, de repente,
deu-Lhe as costas. É isso que há de mais temível no pecado. Portanto, o
problema é esse, é isso que precisa ser endireitado. Não é apenas uma questão de
sermos perdoados por ações particulares. Não é esse o único problema. O
problema básico é: como se pode restabelecer essa comunhão? Como é possível
recuperá- -la?
É justamente neste ponto que muitos erram em seu pensamento sobre estas
coisas. Isso porque não entendem o significado da morte de Cristo, e da cruz, e
porque não vêem sentido numa celebração da Ceia. Dizem eles: certamente não
há grande problema; quando uma criança faz algo errado, o pai a perdoa e fica
tudo bem; não é assim com Deus? Se eu confessar os meus pecados, se eu disser
que sinto muito, Deus não me perdoará? E a resposta do Novo Testamento é que
não é tão simples assim. Se fosse, o Senhor Jesus Cristo nunca teria vindo ao
mundo; certamente nunca teria ido para a cruz. Não, o problema é problema de
comunhão, é o problema de como se pode restabelecer a comunhão. E isso não é
importante só em nossa entrada inicial na vida cristã; não há nada que seja mais
vitalmente importante para os cristãos em todos os estágios. Quanto mais cedo
começarmos a pensar nos pecados, não simplesmente em termos de más ações, e
sim, em termos de nossa relação com Deus, melhores cristãos seremos.
Tudo isso é exposto perfeitamente na Primeira Epístola de João, no capítulo
primeiro. Ali vocês têm uma descrição. Cristão é aquele que está em comunhão
com Deus e anda com Deus. "A nossa comunhão é com o Pai, e com seu Filho
Jesus Cristo", diz João. Diz ele que os apóstolos estão nesta comunhão e que eles
querem que outros a gozem também. Mas então vem a pergunta: como isso é
possível? "Deus é luz, e não há nele trevas nenhumas"; e eu sou pecador e estou
sempre caindo em pecado. No momento em que eu caio em pecado, eu quebro a
minha comunhão com Deus. Não é só que essa ação pecaminosa é má; estou
insultando o meu Companheiro. Estou fazendo na presença do Deus santo, que é
luz, algo que para Ele é odioso e detestável. Como podemos andar em
comunhão? É como João o expressa. Estou dando ênfase a isto por esta boa
razão, que, em minha experiência pessoal e em minha experiência como pastor,
não há descoberta mais importante que o cristão possa fazer em sua batalha
contra o pecado, contra os pecados particulares, do que justamente esta verdade.

- 250 -
O que sempre digo às pessoas é: pare de orar acerca daquela coisa particular que
o leva a cair; faça a oração positiva; pense nisso em termos da sua comunhão
com Deus. Não pense meramente em termos da sua queda e daquela coisa
particular; dê as costas a isso, comece a pensar em si como companheiro de Deus
e de Cristo, e diga: agora estou com Ele e não devo fazer em Sua presença nada
que O desagrade e que O fira. Pense positivamente! Lembre-se de que Cristo está
sempre com você, e então você passará a odiar aquilo que o faz cair, e aquilo se
tornará inimaginável. Entretanto é isso que nos inclinamos a deixar de fazer, não
é? Esquecemos que o que há de terrível no pecado é que ele é uma violação da
comunhão e que nos separa de Deus. O termo "reconciliação" de imediato nos
põe face a face com o fato de que ficamos fora da comunhão e necessitamos ser
restaurados para que voltemos a gozar a comunhão.
Quando Deus chamou Abraão e formou a nação de Israel, Ele já estava
dando um grande passo para que se efetuasse a reconciliação. O mundo todo
tinha pecado em Adão e tinha caído, afastando-se de Deus e, assim, todos
estávamos separados de Deus. O homem não fez nada a respeito, e não poderia
fazer. Mas Deus fez, Deus agiu. Das massas da humanidade Ele formou uma
nova nação para Si, um povo para ser Sua propriedade peculiar, um povo com o
qual Ele poderia ter comunhão e o qual poderia ter comunhão com Ele, uma nova
nação, uma nova criação. Essa é a comunidade de Israel. E o restante estava fora
dessa comunidade, ainda sem comunhão com Ele. O Seu povo estava em
comunhão com Ele, o restante não. Ora, se não captamos esta verdade, há um
sentido em que não entendemos nada do Velho Testamento. Esta história
constitui a soma e a substância do Velho Testamento, a história da formação do
povo de Deus - Deus formando este povo peculiar para Si - e da relação entre
eles. Todavia, desafortunadamente, isso não foi suficiente, pois o apóstolo nos
diz aqui que os judeus, como os gentios, necessitavam ser reconciliados com
Deus. Tanto os judeus como os efésios precisavam de reconciliação. Porquê? O
Novo Testamento dá a resposta. Todos os sacrifícios levíticos, as ofertas
queimadas e os sacrifícios, a morte do cordeiro pascal e do cordeiro diário e a
apresentação do sangue, e todo o restante deste cerimonial rico e complexo,
realmente não foram suficientes; tudo isso era apenas uma sombra de algo que
viria, era apenas umacobertura sobre os pecados dos homens. "Porque é
impossível que o sangue dos touros e dos bodes tire o pecado" (Hebreus 10:4):
cobria o pecado, porém realmente não atingia o problema. Era suficiente para a
ocasião. Mas, de acordo com este mesmo apóstolo Paulo, no capítulo três da
Epístola aos Romanos, era necessário que Deus justificasse aquele tratamento
dado aos pecados, e Ele o justificou na cruz do Calvário. Ele teve que
justificar-Se para a remissão dos pecados passados, e Ele e o fez na cruz.

- 251 -
No entanto, o problema não era só esse. E pena, mas judeus precisavam ser
reconciliados por esta razão também, que eles tinham entendido tão
inteiramente mal o que Deus tinha feito em Abraão, e na nação, que eles
achavam que o simples fato de que eram descendentes físicos de Abraão os
salvava. João Batista sabia disso, porque, quando começou a pregar àqueles
judeus, ele disse: "Não presumais, de vós mesmos, dizendo: temos por pai a
Abraão; porque eu vos digo que, mesmo destas pedras Deus pode suscitar filhos
a Abraão" (Mateus 3:9). Mas era o que diziam. Certa ocasião o Senhor Jesus
Cristo disse a eles: "Se vós permanecerdes na minha pai avra, verdadeiramente
sereis meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". Eles,
porém, se ofenderam e disseram: "Somos descendência de Abraão, e jamais
fomos escravos de alguém; como dizes tu: sereis livres?" (João 8:33, VA e
ARA). Os judeus tinham entendido tudo errado; pensavam que devido serem
judeus estavam em boas relações com Deus, mas com isso trouxeram
condenação sobre si. Precisavam ser reconciliados. E além do mais, como vimos
em ocasião anterior, a atitude deles para com os gentios era terrivelmente
pecaminosa. Eles os consideravam como cães, desprezavam-nos como
forasteiros. Por estas diversas razões eles precisavam ser reconciliados com
Deus.

Isso nos leva ao próximo princípio, que é que o judeu e o gentio são
reconciliados com Deus exatamente da mesma maneira, não diferentemente. "E
pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo" - esse é o ponto, essa é a
ênfase aqui. Ora, "um corpo" não se refere ao corpo físico do Senhor Jesus
Cristo. "Um corpo" é a Igreja. Assim, o que ele ensina é que os judeus e gentios
são reconciliados com Deus exatamente da mesma maneira; não há mais
diferença alguma entre eles. Há somente um modo de ser reconciliado com
Deus. "Há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo
homem" (1 Timóteo 2:5). Não há caminhos diferentes rumo ao reino de Deus
para o judeu e o gentio; há somente um caminho, e este é, de novo, "um corpo".
A razão pela qual dou ênfase a isso é que há um ensino muito popular, porém
que, à luz deste versículo e doutros, parece-me terrivelmente, perigosamente
antibíblico e que afirma que agora, durante esta dispensação, é em Cristo e por
Sua graça e Sua morte que os homens são salvos, mas que no futuro os judeus
serão salvos pela observância da lei. A eles será pregado, não o evangelho da
graça de Deus, e sim o "evangelho do reino", e a lei, e eles guardarão a lei e
entrarão no reino pela guarda da lei. Digo de novo, deliberadamente, que isso é
uma negação do fato de que há um só modo pelo qual o homem pode ser
reconciliado com Deus, a saber, mediante Jesus Cristo, e Este crucificado. Não
há acesso à presença de Deus, exceto por intermédio do único Mediador;

- 252 -
"reconciliar ambos com Deus em um corpo", e é este o único corpo, o único
caminho. E neste úniço corpo, a Igreja; e homem nenhum jamais foi nem jamais
será reconciliado com Deus, a não ser por este meio. Abraão e os santos do
Velho Testamento, todos aqueles cujos pecados foram cobertos, estão realmente
reconciliados com Deus em Cristo. Nas gerações futuras todos serão
reconciliados da mesma maneira. É pela graça de Deus, e unicamente pela graça
de Deus, que todo e qualquer homem pode ser salvo.

Assim, passo ao próximo princípio, que expresso da seguinte maneira: a


reconciliação é realizada e produzida pelo Senhor Jesus Cristo. Para Ele
"reconciliar", VA; "E para que Ele" - Ele, o Senhor Jesus - "reconciliasse ambos
com Deus em um corpo". Ele! Ah, se todos pudéssemos entender isso
claramente! Não há esperança para o homem fora de Cristo. Ele veio ao mundo
porque Ele é o único caminho.
Nenhum homem, torno a dizê-lo, nunca pôde nem poderá salvar-se por seus
próprios esforços e lutas, não importa o que lhe preguem. Tampouco a lei pode
salvá-lo; como Paulo diz: "O que era impossível à lei, visto como estava
enfermapelacarne..." (Romanos 8:3). Cristo tinhaque vir. "Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo", e não há outro caminho. Aqui o apóstolo dá
ênfase ao Senhor Jesus Cristo. Foi Deus que O enviou, mas foi Cristo que, com a
Sua vinda e com toda a Sua obediência ativa e passiva, o realizou. "Ele é a nossa
paz", e somente Ele é a nossa paz. Digo e repito que, se não atribuirmos todo o
louvor, toda a honra e toda a glória ao Senhor Jesus Cristo, não somos cristãos. E
Sua ação\ é ação de Deus em Cristo e por meio dEle. O homem está morto em
ofensas e pecados, é um inimigo e estranho em sua mente pelas suas más obras;
ele odeia a Deus; não faz nada realmente bom, e não é capaz de fazê-lo. Como
seria possível a reconciliação? Encontramos a resposta na definição da palavra: é
uma ação do alto, é um movimento da parte de Deus, do Deus contra quem nos
rebelamos e a quem demos as costas. E Ele que inicia o grande movimento. Ele o
começou no Velho Testamento. Ele o continua no Novo; é perfeito. É Sua ação.
É tudo em Jesus Cristo. E tudo a graça de Deus em Cristo. "Deus estava em
Cristo reconciliando consigo o mundo." Essa é a mensagem.
Mas, em particular se vê que o apóstolo afirma que foi "pela cruz ". "E pela
cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo." Volta a chamar a atenção de
vocês para a maneira pela qual o apóstolo vai repetindo estas coisas. "Mas agora
em Cristo Jesus", dissera ele no versículo treze, "vós, que antes estáveis longe, já
pelo sangue de Cristo chegastes perto." Aqui ele não se restringe a dizer para
"reconciliar ambos com Deus em um corpo"; ele inclui - "pela cruz". Ele
introduz isto porque tem que introduzi-lo. Não há reconciliação sem a cruz. E
que é que a cruz significa? A passagem paralela de Colossenses 1:20 o diz

- 253 -
perfeitamente: "Havendo por ele feito a paz pelo sangue de sua cruz". É a morte,
a vida entregue abnegadamente, o sangue derramado, a vida vertida. E como
Deus faz a paz, é como Cristo faz a paz, é como se concretiza a reconciliação.
Não há possibilidade de reconciliação sem a morte do Senhor Jesus Cristo
na cruz do Calvário. Por quê? Bem, aí está o último ponto: "...matando com ela a
inimizade" - com ela, nela, por meio dela. Chegamos aqui à questão que o povo
gosta de levantar. Por que foi indispensável amorte de Cristo na cruz, e como é
que elanos reconcilia? Vocês verão estranhas respostas dadas a essas perguntas,
respostas que me parecem incapazes de reconciliar-se com a declaração do
apóstolo. Alguns dizem que o que acontece é que "Deus perdoa a cruz"; que
homens cruéis levam o nosso Senhor à morte, porém, Deus lhes perdoa até isso.
Dizem eles que todos nós estávamos lá. "Você estavaláquando crucificaram o
meu Senhor?" Sim, eles respondem, você estava, você estava num dos grupos - o
soldado, o fariseu, ou um deles, e você o crucificou; ah, mas esta é a mensagem:
Deus perdoa até isso. Mas isso não é fazer a paz pela cruz. Isso é fazer a paz
apesar da cruz, o que é exatamente o oposto. Contudo, o que o apóstolo ensina
em toda parte é que Deus, Cristo, faz a paz pela cruz, através, por meio da cruz.
Outra explicação dada é que Deus sempre produz o bem, mesmo do mal. José,
em seus dias, viu isso. José disse aos seus irmãos: "Vós bem intentastes o mal
contra mim, porém Deus o tornou em bem..."; vocês me venderam
maldosamente, vocês intentaram algum mal; ah, sim, mas Deus o tornou em
bem, e Ele sempre faz isso. A suprema ilustração disso, dizem eles, é que até o
mal da cruz Deus tornou em bem. Os homens praticaram má ação, entretanto
Deus a tornou em algo maravilhoso. Será isso salvar- -nos e reconciliar-nos pela
cruz? Não! Torno a dizer que isso é apenas uma maneira de dizer que Ele nos
salva apesar da cruz. Isso não é salvar pelo sangue da cruz. Isso não é fazer a paz
pelo sangue da cruz - através ou por meio do sangue da cruz. Ainda outros dizem
que significa que, quando eu contemplo Cristo ali, morrendo inocentemente na
cruz, o meu coração se quebranta ao compreender eu a pecaminosidade e a
enormidade disso tudo. Mas isso tampouco resolve, porque também não é fazer a
paz pelo sangue da cruz. Segundo Paulo, isso aconteceu, isso foi realizado; não é
algo que só acontece quando eu me dou conta do que aconteceu na cruz; foi feito
uma vez por todas, a ação foi completa, no Calvário - "Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo". Ele o fez uma vez para sempre. É uma coisa
muito mais profunda do que qualquer dessas explicações.

O ensino verdadeiro é que, antes de ser possível a reconciliação, algo tem


que acontecer da parte de Deus, bem como da nossa parte. O pecado trouxe
inimizade entre ohomem eDeus. Deus odeia o pecado. A ira de Deus
manifesta-se contra o pecado. E antes que possa haver reconciliação, antes que

- 254 -
Deus possa abençoar de novo, esta inimizade terá que ser removida pelo sangue
da cruz. Por que ele menciona o sangue, por que a cruz, por que a morte? Porque
essa é a explicação de todo o ensino do Velho Testamento acerca dos sacrifícios.
Esse foi o método de Deus, foi Deus que ordenou isso tudo como figura daquilo
que seria feito em Cristo. Não era assim que o faziam? Tomavam o animal e
punham as mãos sobre a suacabeça. Que é que significava isso? Eles estavam
transferindo simbolicamente os seus pecados e os pecados do povo ao animal.
Depois o animal era morto e o seu sangue era derramado; e o sangue era
apresentado como oferta; o animal era oferecido como um sacrifício. Esse é o
ensino. E é precisamente esse o ensino do Novo Testamento acerca da morte de
Cristo na cruz. "Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes
imputando os seus pecados." Por que não? Porque Ele imputou os pecados do
mundo aEle\ Deus tomou os meus pecados e os seus e os colocou sobre a cabeça
de Cristo, e então, na qualidade de Cordeiro de Deus, Ele O matou. Não lhes
imputando os seus pecados! Porque "Aquele que não conheceu pecado, o fez
pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus" (2 Coríntios
5:21). Pelo sangue da Sua cruz! Pela cruz Ele o fez! A inimizade - a inimizade
contra Deus foi posta sobre Cristo e ali foi eliminada. Ele a matou ali. Esse é o
ensino. Esse é o significado do grito de desamparo: "Meu Deus, meu Deus, por
que me desampa- raste?" Visto que o sangue de Cristo, o sangue do Cordeiro de
Deus, foi derramado sobre o Calvário, o caminho da reconciliação está livre. A
inimizade foi removida, e Deus pode olhar para o homem com benignidade e
está pronto a abençoá-lo, a recebê-lo e a restaurá-lo. Os judeus precisavam disso,
os gentios precisavam disso, e, juntos em Cristo, eles o receberam. Em Cristo,
pelo Seu sangue, eles podem entrar juntos no "Lugar Santíssimo". Que
evangelho maravilhoso, que declaração estupenda! Que aconteceu no Calvário?
Cristo foi morto. Sim, mas por Sua morte Ele matou a inimizade! Ele fez dos
principados e potestades um espetáculo público, cravou na cruz a lei, e o homem
foi reconciliado com Deus. Todos são reconciliados da mesmamaneira, em
Cristo. Seja você judeu ou gentio, bárbaro ou cita, escravo ou livre, homem ou
mulher, bom ou mau, alto ou baixo, você terá que vir dessa maneira. Cristo
morreu pela Igreja. Ou, como diz o apóstolo Paulo em seu discurso de despedida
aos presbíteros da igreja de Efeso: "...a igreja de Deus, que ele resgatou com seu
próprio sangue" (Atos 20:28). Um corpo! O único modo de reconciliar Deus com
o homem, e o homem com Deus, é pela cruz, pela morte de Cristo, que mata a
inimizade, que remove todos os pecados. "O sangue de Jesus Cristo, seu Filho,
nos purifica de todo o pecado."

- 255 -
16 PAZ COM DEUS
"E, vindo, ele evangelizou a paz, e vós que estáveis longe, e aos que
estavam perto." - Efésios 2:17

O apóstolo, neste versículo particular, dá mais um passo adiante em sua


grande declaração concernente à salvação. Sua tese é: Deus em Cristo reuniu na
Igreja os judeus e os gentios, fazendo deles um corpo e assim os reconciliando
conSigo pela morte do nosso Senhor na cruz. Ele nos disse como o Senhor Jesus
Cristo, por Sua morte na cruz, derrubou a parede intermediária de separação. Foi
no Calvário que a parede de separação que estava no meio foi derrubada uma vez
por todas. Na cruz; nem antes, nem depois. O véu do templo não foi rasgado
antes que o nosso Senhor morresse na cruz. É a cruz que realiza isso. O nosso
Senhor não o fez por Seu ensino nem por Seus milagres. Foi no momento da Sua
morte que o véu foi rasgado. A lei dos mandamentos nas ordenanças foi abolida.
Não somente isso, Ele fez também "dos dois um novo homem"; uma grande
unidade é possibilitada. E finalmente ele nos disse como foi que pela morte de
Cristo na cruz Deus reconciliou desse modo o judeu e o gentio conSigo.
Mas, obviamente, isso não é suficiente só por si. Pensem na humanidade
em pecado. Deus enviou Seu Filho para abrir um caminho de salvação. O Filho
fez tudo o que Ele foi enviado para fazer. Ele obedeceu ao Pai em todas as coisas;
Ele cumpriu a lei positivamente, ativamente; Ele sofreu, passivamente, a punição
dos nossos pecados em Seu corpo na cruz. Temos salientado isso tudo - e o repito
porque precisa ser repetido, porque é comum pregarem sobre a cruz sem sequer
mencionarem a imputação e a punição dos pecados. Contudo, aprofundamo-nos
nisso e o examinamos em detalhe.

Mas agora surge a questão: como é que tudo isso que foi feito e que foi
preparado chega a nós? o versículo que estamos focalizando agora responde
essa pergunta. "E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe e aos
que estavam perto." Noutras palavras, tendo aberto o caminho e a possibilidade,
o Senhor agora nos vem e nos diz que Ele, tendo feito o que fez, proclama-o,
anuncia esta boa notícia, que a paz entre o homem e Deus, paz da qual o homem
angustiosamente
necessita, é obtenível.
Há muito desacordo sobre o que significa exatamente o nosso versículo, e o
que ele diz exatamente. Ele se refere ao Senhor Jesus Cristo. Ele é Aquele que
fez todas as coisas que estivemos considerando, para "pela cruz reconciliar
ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades"; e, "vindo ele
evangelizou apaz, avós que estáveis longe, e, aos que estavam perto". O Senhor

- 256 -
Jesus Cristo é Aquele de quem Paulo está falando; é Sua ação. Os dois conceitos
possíveis são os seguintes:
Primeiro, há os que dizem que este versículo é uma referência ao que o
nosso bendito Senhor fez enquanto esteve neste mundo. As palavras que temos
que considerar são: "vindo, ele evangelizou apaz". Que significa este "vindo"?
Um grupo gostaria de fazer-nos acreditar que é uma referência à encarnação, à
primeira vinda de nosso Senhor, e ao Seu ministério terreno, descrito nas páginas
dos quatro Evangelhos. O segundo conceito é o que afirma que esta é uma
referência à pregação do Senhor Jesus Cristo por intermédio dos apóstolos; não à
Sua pregação feita pessoalmente por Ele, mas à Sua pregação mediante a Igreja,
mediante os apóstolos - o que aconteceu depois da Sua morte, ressurreição e
ascensão e subseqüente envio do Espírito Santo sobre a Igreja no dia de
Pentecoste.
Embora sej a um ponto interessante, não é, felizmente, uma questão vital,
num sentido final. Contudo, é de interesse e, portanto, devemos vê-lo de
passagem. Há certas considerações que, ao que me parece, militam fortemente
contra o primeiro conceito. Lendo os Evangelhos, vocês verão que o ministério
do nosso Senhor limitou-se aos judeus. Ele dizia de Si que não tinha sido enviado
"senão às ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mateus 15:24). Ele disse
especificamente aos Seus discípulos: "Não ireis pelo caminho das gentes" - dos
gentios (Mateus 10:5). O Seu ministério estava limitado aos judeus. Vocês
recordam o incidente da mulher siro-fenícia. Quando ela veio pedir uma bênção
para a sua filha, a resposta dEle foi: "Não convém tomar o pão dos filhos e
lançá-lo aos cachorrinhos" (Marcos 7:27). Essa era a Sua atitude em toda parte.
Todavia, não é tão simples assim, porque vemos que ocasionalmente em Seu
ensino Ele mostrava que realmente viera para todos, tanto para os judeus como
para os gentios. Creio que há uma insinuação disso mesmo na grande declaração
de Lucas 4:18, com a Sua citação de Isaías, capítulo 61, onde se vê que Ele
estava pregando um evangelho para todos os povos, especialmente na seqüência
do Seu discurso. Ele disse também, certa ocasião: "Ainda tenho outras ovelhas
que não são deste aprisco" (João 10:16) - clara referência aos gentios. E depois
vocês se lembram de que, embora tenha recusado o pedido de André e Filipe que
fosse ver os gregos que tinham vindo e disseram: "Queríamos ver a Jesus", não
obstante Ele continuou e disse: "E eu, quando for levantado da terra, todos
atrairei amim" (João 12:21,32). Foi uma clara predição de que Ele ia fazer algo,
mediante Sua morte, que abriria a porta de entrada até para os gregos, para os
gentios, para os que estavam "longe". Parece-me, pois, que um bom exame dos
quatro Evangelhos leva-nos à conclusão de que, conquanto o nosso Senhor tenha
limitado deliberadamente o Seu ministério e o dos Seus discípulos aos judeus
durante a Sua vida na terra, Ele deu ocasionais indicações de que haveria algo

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mais amplo e maior depois que Ele realizasse na cruz a obra que fora enviado
para realizar.

Minha decisão é, pois, que, no geral, a segunda interpretação é melhor; que


o que o apóstolo está realmente dizendo aqui é que Cristo, por meio dos
apóstolos, por meio dos Seus servos, pregou este evangelho de paz com Deus, o
qual Ele tornou possível com a obra perfeita que Ele realizou na cruz. Há um
sentido em que Ele nunca poderia ter feito isso durante a Sua vida na terra porque
os homens não poderiam entender o significado da cruz; mesmo os apóstolos não
puderam, sempre tropeçavam nisso. Era necessário que a obra fosse consumada,
que Ele ressuscitasse, que o Espírito Santo fosse dado, antes de poder acontecer
isto. E assim aconteceu. Vocês podem notar que o primeiro versículo do livro de
Atos diz-nos que o escritor, Lucas, lembra a Teófilo "tudo o que Jesus começou a
fazer". Agora lhe vai falar acerca das coisas que Jesus continuou a fazer. E é esse
o significado do livro de Atos - é o registro dos atos do Senhor ressurreto por
meio da Igreja. Vocês recordam como Pedro e João, tendo curado o homem
junto à Porta Formosa do templo, disseram: "... por que olhais tanto para nós,
como se por nossa própria virtude ou santidade fizéssemos andar este ho-
mem...pela fé no seu nome fez o seu nome fortalecer a este que vedes e
conheceis" - referindo-se a Cristo - "fortalecer a este...". "Em nome de Jesus
Cristo, o Nazareno"; quem o faz é Ele, por assim dizer, mediante os apóstolos.
Isto é algo que todos nós devemos conhecer bem. Escrevendo aos coríntios, diz o
apóstolo Paulo: "Somos embaixadores da parte de Cristo...Rogamo-vos pois da
parte de Cristo que vos reconcilieis com Deus". E, naturalmente, há o tremendo
fato de que foi Pedro que disse, no dia de Pentecoste: "A promessa vos diz
respeito (falando primeiramente aos judeus e aos prosélitos), a vossos filhos, e a
todos os que estão longe". Aí está o primeiro grande, inequívoco e explícito
pronunciamento de que de fato o evangelho é para ser pregado a todos. E eu
afirmo que o próximo versículo desta nossa seção, a saber, o versículo 18, onde o
apóstolo imediatamente se refere aos Espírito Santo, é uma confirmação disso. A
afirmação que ele faz no versículo dezessete o faz logo pensar no Espírito, e isso
o leva à sua próxima afirmação. Mas, para mim, a prova conclusiva e final vê-se
claramente em I Timóteo 3:16, onde o apóstolo lança uma declaração
extraordinária. Diz ele: "Sem dúvida alguma grande é o mistério da piedade:
Deus se manifestou em carne, foi justificado em espírito, visto dos anjos,
pregado aos gentios, crido no mundo, e recebido na glória". Vocês podem notar a
seqüência. "Pregado aos gentios" vem depois não somente de "foi justificado em
espírito", mas também de "visto dos anjos", o que, para mim, é uma inequívoca
referência à Sua morte na cruz. Há, pois, um sentido em que é evidente que essa
era a seqüência na mente do grande apóstolo.

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Então, essa é mais ou menos a mecânica do nosso texto, interessante e
importante, e digna de mais amplo estudo. Todavia o importante é que o apóstolo
está asseverando um fato. Tenha ou não começado com o Senhor em Seu
ministério terreno, o fato é que a mensagem cristã é uma proclamação a judeus e
gentios, a gentios e judeus, de que o caminho da paz com Deus foi aberto por
Jesus Cristo, e Ele crucificado. Essa é a mensagem. E a isso que o apóstolo está
desejoso de que estes efésios se apeguem. E é com isso que ele quer que eles
fiquem admirados, admirados de ser isso possível, de que tenha acontecido, e de
que Cristo assim o esteja pregando, oferecendo-Se a eles, expondo- -o diante
deles e convidando-os a agir com base nisso. E essa continua sendo a mensagem
que a Igreja Cristã deve pregar; essa é a sua mensagem ao mundo atual. Portanto,
o nosso dever é descobrir o ensino, a doutrina, desta tremenda declaração. E uma
das mais gloriosas de todas as Escrituras. "E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós
que estáveis longe, e aos que estavam perto."
Qual é o ensino? Vamos resumi-lo da seguinte maneira: obviamente, a
primeira grande afirmação é que a necessiadadefundamental do homem é paz
com Deus. Essa é a paz que o nosso Senhor prega, a pazcomDeus. Temos aí,
vocês vêem, uma continuação da afirmação do versículo anterior. "E pela cruz
reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades."
Depois ele prossegue, no próximo versículo, dizendo: "Porque por ele temos
acesso ao Pai em um mesmo Espírito". A paz é essa, pois. Aqui não é tanto a paz
entre gentios e judeus; essa fora consumada, agora apaz é com Deus, da qual
ambos necessitam. E por isso que eu gosta daquela outra tradução que diz: "E
veio e pregou a paz a vós, que estáveis longe, e pregou paz a eles, que estavam
perto". Os judeus necessitavam da paz, tanto como os outros.
E digo de novo que a declaração fundamental é que a suprema e primordial
necessidade do homem é a necessidade de paz com Deus. O homem, perdida a
sua relação com Deus, o homem em pecado, vive inquieto e miseravelmente
infeliz. Há uma exposição maravilhosa disso tudo no capítulo cinqüenta e sete do
livro do profeta Isaías. Não tenho dúvida de que o apóstolo tinha em mente essa
passagem quando escreveu estas palavras. Ela diz: "Paz, paz, para os que estão
longe, e para os que estão perto, diz o Senhor" (versículo 19). Mas então o
profeta continua e diz: "Os ímpios são como o mar bravo que senão pode
aquietar, e cujas águas lançam de si lama e lodo". Aí está a figura, aí está a
explicação - "como o mar bravo". Todos nós conhecemos bem essa figura do
mar bravio, inquieto. Por que o mar está sempre inquieto, sempre em
movimento? Por que as ondas? Por que o fluxo e refluxo? Os cientistas dizem
que é porque sempre agem sobre o mar duas forças opostas. A primeira delas é a
Lua. A Lua controla em parte as mudanças e os movimentos do mar. Há, por
outro lado, a força magnéticado centro da Terra, uma tremenda atração

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magnética. De um lado, a atração e a influência da Lua, e doutro lado, a
influência oposta das forças magnéticas do centro da Terra. E o resultado é que o
mar está em constante movimento; temos as ondas e vagas, e o fluxo e refluxo; e
ocasionalmente ocorre um vendaval que sopra sobre o mar e eleva as ondas em
vagalhões, e temos uma terrível tempestade. "Os ímpios são como o rnar bravo
que se não pode aquietar, e cujas águas lançam de si lama e lodo." Vocês já
andaram pela praia depois de uma tormenta, e viram a lama, a sujeira, os pedaços
de madeirae outras coisas lançadas pelas águas? São os restos de embarcações e
de suas cargas, a sujeira e a lama que ficam na praia após um tempestade. Que
descrição perfeita! Bem, diz Isaías (e é o que está na mente do apóstolo aqui), é
como são os ímpios.
É a figura do homem sem Deus, inquieto como o mar revolto. Qual a causa
disso? A explicação, no sentido espiritual, é a mesma das condições do mar.
Tudo começou no Éden. O homem foi feito por Deus e foi colocado no Paraíso.
Não havia movimento nenhum, nenhuma inquietação no Paraíso, pois somente
uma coisa atuava sobre o homem - Deus! Deus fez o homem à Sua imagem, o
homem estava em correspondência, em comunhão com Deus, fruía Deus, e a sua
vida era uma vida de inalterada paz e bem-aventurança. Não havia infelicidade,
não havia problema, não havia dificuldade, não havia ansiedade. O homem
estava num estado de inocência e de completa paz, quietude e liberdade. No
entanto, o homem caiu. Deu ouvidos a outra força, a outro poder, e ao lhe dar
ouvidos, ficou sujeito a esse poder. O poder do diabo, o poder do mal, o poder do
inferno começou a atuar sobre ele, e daquele momento em diante a vida do
homem foi de inquietude e conflito. O homem, fora da relação com Deus, é
exatamente como o mar. Continua havendo nele uma rememoração, uma
lembrança, da sua retidão original. Ele não sabe disso, ele não pode dizer nada a
respeito; ele não acredita na Bíblia, não acredita na teologia; não obstante, é um
fato.
Há no homem um fator chamado consciência. Ah, quantos não há que
gostariam que não houvesse consciência! Contudo eles a têm, e ela vai lhes
falando e os vai segurando; é uma influência em sua vida. Que é ela? É a
lembrança, a reminiscência da sua retidão original. No fundo do coração o
homem sabe que foi feito para algo melhor. Ele tem senso de justiça, do certo e
do errado, do bem e do mal. Vou além, ele tem até senso de Deus, Não gosta,
mas tem; e isso o perturba. Esse é um lado - a força que vem de cima. Entretanto,
há outra força que o puxa na direção oposta-anaturezahumanadecaída, acobiça, a
paixão, o desejo, o ciüme, a inveja, todas estas coisas feias e horríveis. O
apóstolo fala disso uma vez por todas na capítulo sete de Romanos: "Porque,
segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus
membros outra lei, que batalha contra a lei do meu entendimento, e me prende

- 260 -
debaixo da lei do pecado que está nos meus membros". As duas são antagônicas,
e o resultado é que o homem fica inquieto e como as ondas do mar, do mar
inquieto, que não tem descanso. E então, ocasionalmente, vêm os temporais.
Refiro-me a alguma furiosa investida do diabo! Há sempre um ligeiro
movimento no ar, todavia nem sempre dizemos que é uma ventania. Quando o
movimento aumenta, torna-se ventania, vendaval. O diabo está sempre aí, a
perturbar-nos, porém há ocasiões em que ele faz uma furiosa investida, e
sofremos um ataque violento, somos jogados para lá e para cá, e somos lançados
violentamente, como uma tempestade no mar. O diabo e as suas forças parecem
incontroláveis, e as nossas vidas ficam tão turbulentas e agitadas como o mar na
mais violenta tempestade. E não só isso - as circunstâncias também! Vêm as
guerras, vem a enfermidade, um ente querido cai doente, algo vai mal, e toda a
nossa vida se transtorna. Não sabemos onde estamos; abalam-se as nossas bases,
como dizemos. Tudo vai rolando para lá e para cá, como o mar. Vocês vêem
como a descrição é perfeita.
Esse é o homem que não tem relação com Deus, o homem resultante da Queda.
Não tem paz, vive inquieto.
Naturalmente, a conseqüência disso tudo é que o homem nunca está
satisfeito. Não há nada que caracterize tanto a vida pecaminosa como a sua
inquietude. Acaso vocês não vêem isso no mundo atual? O mundo alguma vez
esteve tão inquieto como no presente? Vejam a moderna mania de lazer. A que
se deve? A inquietude! As pessoas dizem: vamos sair, vamos fazer alguma coisa;
não podemos agüentar só ficar em casa; isso nos fará enlouquecer. Vamos sair,
vamos esquecer tudo, vamos fugir de tudo. Lazer! Estão tentando livrar-se da
inquietude! Uma nova emoção, um ansioso desejo de algo novo! Escapismo é o
termo usado para isso hoje, e o mundo se enquadrano fato. O mundo está
emocionalmente agitado, e está procurando agitar-se mais ainda. Tem que
receber estímulo na forma de bebidas ou de diversão. Tem que ter algo que
mantenha a coisa andando. É tudo expressão dessa inquietude fundamental,
desse desassossego, dessa falta de paz, dessa falta de tranqüilidade mental. O
homem em pecado não conhece a paz mental, não conhece a paz do coração. E
instável, diz Tiago, como as ondas do mar. Tem mentalidade dupla - isto puxa,
aquilo puxa; sente que devia ser melhor, mas gosta de alguma coisa má; e se vê
puxado de dois lados. Sua vida e seus caminhos são de fato como as inquietas
ondas do mar. Sem nada que o satisfaça!
A analogia é perfeita, não é? Ah, a lama e a sujeira lançadas por tudo isso!
Milhões passam o domingo lendo sobre isso. A lama e a sujeira! Está em todos
os jornais, em toda parte, nas conversas do povo; está se tornando por demais
óbvio. A respeitabilidade está desaparecendo, o pecado está se tornando
escancarado outra vez. A tempestade soprou durante algum tempo, e a lama e a

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sujeira estão ficando cada vez mais evidentes. O homem em pecado é isso - sem
paz, sem sossego, sem tranqüilidade; como as ondas revoltas do mar, a sua vida
espirra lama, sujeira ecoisas nojentas. O horror e a fealdade disso tudo! E a
tragédia é que, em sua ignorância e cegueira, o homem não percebe nada disso.
Ele não sabe, não entende; acha que os seus problemas são causados pelas
circunstâncias, ou pelo ambiente, ele está sempre em busca de paz e procurando
ter repouso. Mas não consegue; esforça-se quanto pode, e falha.Tudo isso indica
o fato de que a suprema necessidade do homem, a necessidade fundamental do
homem, é a necessidade de paz e repouso, mente serena, coração tranqüilo.

Passemos, porém, ao segundo ponto. A paz é a necessidade de todos os


homens, não somente de alguns. "E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que
estáveis longe, e aos que estavam perto." Os judeus precisavam da mensagem
tanto como os gentios que estavam longe, e exatamente da mesma maneira que
eles. Pois bem, essa é a grande tese do apóstolo aqui. Ele tem que estabelecer que
os judeus necessitam da mensagem tanto como os gentios. No entanto, os judeus
não conseguiam ver isso. Esse era o seu problema. Naturalmente os gentios
podiam precisar disso! - embora os judeus não gostassem nem disso, porque
achavam que Deus não Se interessava por nenhum povo, exceto eles próprios.
Mas eles certamente não precisavam! Por isso os fariseus odiavam tanto o nosso
Senhor. A pregação do nosso Senhor fazia os fariseus acharem que até eles eram
pecadores, e não gostavam disso. Eles diziam: somos piedosos, somos religiosos,
somos boas pessoas, temos a lei! E assim o apóstolo Paulo teve que escrever os
capítulos dois e três da Epístola aos Romanos só para mostrar-lhes que eles
necessitavam da mensagem de paz tanto como os gentios. Os judeus achavam
que, porque tinham a lei, isso de algum modo significava que eles a haviam
cumprido; que, porque sabiam que havia uma lei, isso os colocava em boas
relações com a lei. E por isso Paulo tem que dizer: "Pela lei vem o conhecimento
do pecado"; elanão os livra dele, não faz mais que dar conhecimento, mas eles
não conseguiam ver isso. Achavam que os seus privilégios - e eles tinham
privilégios, como Paulo mostra - salvavam-nos automaticamente. Eles tinham os
oráculos de Deus, as Escrituras do Velho Testamento; a lei fora dada a eles, os
pais lhes pertenciam, e assim por diante. Isso era verdade. Todaviaposto que
punham a sua confiança nesses privilégios e em sua posse deles, eles estavam
fora do reino. Mas não enxergavem isso. Assim, a mensagem tem que vir a eles
como tem que vir a todos os outros. Não obstante continua sendo um problema
para muitos. Há muitos que pensam que o evangelho, numa forma evangelística,
precisa ser pregado a certas pessoas, porém não a todas. Acham que certamente
isso não é necessário para os que foram criados em lares cristãos e que, em sua
juventude, eram levados à Escola Dominical e sempre freqüentavam um local de
culto. Você não precisa pregar-lhes evangelisticamente, dizem eles; certamente
eles já estão lá, já chegaram perto. Os que dizem isso não conseguem ver que os
que estão perto precisam da mesma mensagem da qual precisam os que estão
longe. Mas precisam, diz Paulo - "evangelizou os que estavam longe e os que
estavam perto".

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Observem ainda que longe e perto são distinções relativas, não são
distinções absolutas. Permitam-me oferecer-lhes uma ilustração.
Vejam o caso de dois vultos que figuram no Novo Testamento, um o apóstolo
Paulo, e outro o carcereiro de Filipos.Considerem-nos a ambos. Vejam Paulo,
hebreu de hebreus, educado como fariseu, sentara- -se aos pés de Gamaliel,
conhece a lei e nela tem prazer. Ele serve a Deus, pensa ele, com
consciênciapura. Um bom homem, homem de boa moral, homem religioso! Do
outro lado, o carcereiro de Filipos, gentio, sujeito violento, homem pronto a
cometer suicídio quando as coisas vão mal. Olhando para esses dois homens, que
é que vocês dizem deles? Alguém dirá instintivamente: o apóstolo Paulo está
muito perto do reino de Deus; o carcereiro de Filipos está muito longe. E,
contudo, o próprio apóstolo nos diz que, na realidade, os dois homens tinham
idêntica necessidade, que ele tinha tanta necessidade da paz do evangelho como
aquele carcereiro. "Esta é uma palavra fiel, e digna de toda a aceitação", diz ele,
"que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores" - gente como o
carcereiro de Filipos e como os membros da igreja de Corinto, que eram
adúlteros, fornicadores, mal vistos até pela humanidade, a escória da sociedade?
Não, não; não somente eles, Cristo Jesus veio para salvar os pecadores - "dos
quais eu sou o principal"! Porventura não parece monstruoso, não parece ridículo
que este jovem piedoso, este bom fariseu, esteja na mesma situação do carcereiro
de Filipos? Contudo ele diz que é isso mesmo. Não havia diferença alguma, pois
"Não há um justo, nem um sequer", estamos todos na mesma situação. E
continua sendo assim hoje.
Falemos com clareza sobre isso. Há alguns que obviamente se acham tão
longe quanto é possível estar do reino de Deus. As pessoas às quais me referi há
pouco, cuja idéia de felicidade consiste em embebedar-se e tornar-se piores que
animais, pessoas que vivem em sentinas de vício e iniqüidade sem jamais terem
um pensamento sobre Deus ou sobre moralidade, porém que só vivem de acordo
com a sua natureza animal, estão, vocês costumam dizer, tão longe do reino de
Deus quanto é possível conceber. Mas há outros que são amáveis, pacíficos,
respeitáveis, que nunca praticam males visíveis aos outros, que odeiam essas
coisas, procuram fazer o bem, empreendem luta moral, trabalham pela elevação
da raça, estão cheios de boas obras, de boas ações, de boas realizações, de
interesses e trabalhos intelectuais, que se interessam pelas coisas da mente etc.,
que freqüentam um local de culto, que são membros de igreja, talvez. A primeira
vista, e superficialmente, as duas posições perecem diametralmente opostas, e a
tendência geral é dizer que elas não têm nada em comum.
Todavia, o propósito geral do evangelho é dizer que, diante de
Deus, elas são idênticas e precisam exatamente da mesma mensagem. O segundo
tipo precisa da mensagem de paz tanto como o primeiro. Paz aos que estavam

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perto, como também aos que estavam longe! Aqueles parecem estar às portas do
reino, mas não estão no reino. E no momento em que vocês se puserem a analisar
isso, verão como é verdade. Os seus intelectualistas, os seus moralistas e os seus
idealistas vivem tão inquietos como os outros, e igualmente infelizes. Não
conseguem achar paz, mais do que as outras pessoas. Claro, talvez não lancem
tanta lama e tanta sujeira. O que é óbvio no caso delas não é algumaprática
nojenta, porém os restos do naufrágio são igualmente óbvios. Não é lama e
imundície, talvez sejam pedaços de madeira ou restos de enfeites ou algo
parecido. No caso dos infelizes que levam a vida nas sarjetas, a coisa é óbvia, é
aberta, é visível; todos podem vê-la. A condição do bêbado cambaleante ou do
homem violento é óbvia, todos podem vê-la. Mas o fato de vocês não poderem
ver muito movimento na superfície da vida dos outros não significa que não haja
nenhum movimento. Posso demonstrar que há um tremendo movimento ali. Por
baixo da superfície aparentemente calma e lisa, há uma revolta em ação, há uma
tremenda violência. Como posso saber disso? Desta maneira: a grande moléstia
da humanidade, particularmente do homem civilizado, é a chamada neurose. As
neuroses, dizem-nos, são causadas por repressões. Que é uma repressão? Algo
que você mantém em baixo, que você não deixa vir à tona, você não parte para a
embriaguez ou o adultério. Não, todavia a luta está ali, a fúria interior, a
tempestade, uma verdadeira torrente de luxúri a e paixões, mantidas porbaixo,
por assim dizer, nas ali estão. Não hárepouso, não hápaz. Repressões e neuroses!
-manifestando-se talvez em úlceras gástricas, transparecendo na insônia e na
dependência de soníferos. Essa é a doença do homem moderno e da civilização.
As pessoas do primeiro grupo que descrevi nunca têm que tomar essas drogas; a
inquietude toma forma diferente nelas; as outras se reprimem, e a natureza
protesta. A luta é tão grande que os nervos não agüentam, e assim essas drogas se
tornam necessárias. As duas posições são realmente idênticas. O importante não
são os sintomas de uma doença, e sim a doença propriamente dita; assim vocês
vêem que aquelas pessoas que parecem estar tão perto do reino, que são tão
agradáveis e bondosas, e que estão sempre falando de elevação moral e estão
sempre tentando melhorar a condição do homem e lutam em prol da cultura, são
tão inquietas e doentias como o pecador violento e patente. Elas necessitam de
paz, tanto quanto esse violento.
Mas talvez eu possa provar o meu ponto mais conclusivamente se
lhes peço que examinem experimentalmente os dois tipos, as duas classes. O
teste sobre a nossa situação, como disse quando expus o meu primeiro princípio,
é se conhecemos a Deus. Não é se você acredita em coisas concernentes a Deus.
Não há paz se não há conhecimento de Deus. Aquela boa pessoa das suas
relações, pessoa culta, intelectual, altamente moral, pessoa que pode estar
sempre lendo livros, teologia, e talvez a Bíblia, pode não ter nenhum

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conhecimento de Deus. Por isso é inquieta e infeliz. Ela não pode ver a Deus,
está sempre investigando, pesquisando, indo ouvir boas preleções, esperando
que algo vá acontecer; porém, não o possuem. Não o têm mais do que qualquer
outra pessoa. O teste é esse. Tais indivíduos estão atormentados por algum
pecado passado. Têm medo de morrer. Não sabem onde estão, não sabem que os
seus pecados foram perdoados. Não sabem o que os espera no futuro. Não têm a
fé que sustenta no transe da morte, não têm certeza do céu, não sabem que são
filhos de Deus; e o resultado é que vivem inquietos, sentem-se mal e infelizes.
Acaso estou esclarecendo o meu princípio? Não é esse o problema com eles?
Acham-se tão perto e, todavia, tão longe! "Longe" e "perto", como eu disse, são
termos relativos. A pergunta importante é: você está no reino? E se você
compreender que a pergunta importante é essa, você compreenderá que, afinal,
estar perto não dá nenhuma vantagem sobre estar longe.
Posso oferecer-lhes uma ilustração quase ridícula? Você quer sair, e entra
numa fila de ônibus. O ônibus chega, e você está, digamos, no décimo lugar da
fila. As pessoas começam a entrar no ônibus. Você diz: "Ótimo, eu vou entrar".
O nono passageiro entra, e o motorista diz: "Ninguém mais, lotado." Ajudaria em
alguma coisa você ter sido o próximo, se ainda houvesse lugar? O fato é que você
está fora do ônibus, e o fato de você ser o próximo na fila não o ajuda. Ou, a
mesma coisa com alguém que vai pegar um trem, e justo no momento em que ele
vai mostrar o bilhete na entrada da plataforma de embarque, ouve-se o apito e o
trem parte. Diz ele: quase o peguei! - mas isso o ajuda? Essas ilustrações podem
ser divertidas, porém espero que os que se riem façam a si mesmos esta pergunta
solene: "Estou dentro do reino, ou apenas perto?" Pode ser que você estej a à
porta de entrada há muitos anos. Você seria incapaz de ver que isso não o
ajudará? Pergunto: você está dentro? Você conhece a Deus? Você sabe que os
seus pecados estão perdoados? E quando você vai orar a Deus quando tem algum
problema, você sabe que O vê e que você está falando com Ele? Você tem acesso
com confiança e ousadia? Você entra pelo sangue de Jesus no "Lugar
Santíssimo"? Essa, digo eu, é a questão, e não há outra. Tão perto e, contudo, tão
longe! Estar uma polegada fora do reino não é nenhuma vantagem sobre o
homem que está a mil milhas de distância. "Paz aos que estavam longe, e, aos
que estavam perto." Todos têm necessidade da paz. "Os ímpios, diz o meu Deus,
não têm paz." "Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus." Ou, como
Agostinho o diz finalmente em sua experiência pessoal: "Tu nos fizeste para Ti, e
os nossos corações não descansam enquanto não acham repouso em Ti".
Intelectualistas morais, vocês têm repouso? Está tudo tranqüilo por dentro, há
paz em sua alma, e paz entre vocês e Deus? Esta é a necessidade de todos.

- 265 -
Isso me leva ao derradeiro princípio, que é: Cristo, e somente Cristo,
oferece e é capaz de dar esta paz a todos os que vêem a necessidade dela. E nisso
que o apóstolo se gloria. Cristo o fez e abriu o caminho. Nenhum homem pode
achar a Deus procurando-O. Nenhum homem pode reconciliar-se com Deus.
Todavia, como vimos, Cristo fez a paz entre o homem e Deus pelo sangue da Sua
cruz. Foi ali que Ele aboliu a inimizade, e o fez tomando-a sobre Si. Não somente
os pecados vis, torpes, patentes, flagrantes, mas também os pecados de justiça
própria, de presunção, de arrogância, de moralismo, como se isso fosse
espiritualidade. Ele tomou isso tudo sobre Si. "Levando ele mesmo em seu corpo
os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados,
pudéssemos viver para a justiça; e pelas suas feridas fostes sarados" (1 Pedro
2:24). Foi por causa disso que Ele pôde dizer: "Deixo-vos a paz, a minha paz vos
dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se
atemorize" (João 14:27). Você já recebeu a Sua paz? Ele o reconcilia com Deus;
e a paz de Deus, que excede todo o entendimento, poderá guardar o seu coração e
a sua mente, se tão-somente você for a Ele. "Não estejais inquietos por coisa
alguma-, antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus pela
oração e súplica, com ação de graças. E a paz de Deus, que excede todo
entendimento, guardará os vossos corações e os vossos sentimentos em Cristo
Jesus" (Filipenses 4:6-7). Leve tudo a Ele. Cristo abriu o caminho para você ir
aDeus com as suas dificuldades, com os seus problemas, sejam quais forem.

Quanta vez a paz perdemos,


Quanta dor temos em vão, Tudo
porque não levamos Tudo a Deus
em oração.
E o caminho está livre para você agir assim também, pois Cristo o abriu.
Opecado foi removido, a inimizade, o antagonismo, foi destruído, e você pode ir
confiantemente à presença de Deus.
E tendo levado a Ele os seus problemas e dificuldades, deixe-os com Ele,
deixe-os lá. "Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti" (Isaías
26:3). Firme no Senhor! - você tem ampla, franca e aberta entrada, pelo sangue
de Jesus Cristo. Entre, olhe para Ele, tenha firme a sua mente nEle, e você
começará a gozar a Sua bem-aventurada paz. Cristo nos dá paz com Deus, paz
com os outros, paz interior. "Ele veio e pregou a paz aos que estavam longe e aos
que estavam perto." Alguém que tem vivido como que nas próprias mandíbulas
do inferno pode ler estas palavras. Meu amigo, você pode ter esta paz, agora.
Mas se a sua situação é de quem sempre esteve interessado e sempre esteve
muito perto, você também pode tê-la, agora. Vocês podem tê-lajuntos. É dádiva
inteiramente gratuita de Deus, mediante Jesus Cristo, o nosso Senhor. Você j á a

- 266 -
tem? Regozija-se nela? A paz que Jesus Cristo oferece pode ser sua agora e para
todo o sempre.

- 267 -
ACESSO AO PAI
22
"Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito." -
Efésios 2:18

Aqui, nesta declaração, o apóstolo chega ao grande clímax da sua


persuasiva argumentação que começa no versículo onze deste capítulo dois da
sua Epístola. Não há nada que a supere; é o pico mais alto, o apogeu. Esta é a
quintessência da fé cristã e da posição cristã. Não há dúvida, pois, de que
estamos contemplando e considerando uma das mais grandiosas e gloriosas
declarações em toda a extensão das Escrituras. Para mim foi uma experiência
emocionante dar estes passos com o apóstolo, um por um. Cada vez subimos
mais alto, mais alto, mais alto. Mas, por fim, chegamos ao topo, estamos no
ponto culminante, chegamos ao grande planalto, e ali ficamos olhando, olhando
e contemplando com admiração e assombro as alturas a que fomos trazidos. Na
verdade, para mim, a declaração que temos diante de nós não somente é
estupenda, é estonteante. "Por ele ambos temos acesso ao Pai - acesso! - em um
mesmo Espírito" (ou, "por um mesmo Espírito", VA).
A nossa principal dificuldade, e toda a dificuldade da Igreja, é que não
compreendemos o significado de uma declaração como essa. Se a
compreendêssemos, a Igreja Cristã passaria por uma revolução. Seríamos
"tomados de um sentimento de maravilha, amor e louvor". Compreenderíamos
que a coisa mais maravilhosa, mais extraordinária que jamais pode acontecer a
alguém neste mundo é ele tornar-se cristão. Se tão-somente cada membro da
Igreja, cada cristão da Igreja, compreendesse a verdadecontidanessadeclaração,
a Igrejaficaria tão diferente que dificilmente a reconheceríamos. Ora, quão
diferente é a Igreja daquilo que vemos aqui! Quantos pensam no cristianismo e
na Igreja Cristã simplesmente como um lugar que eles freqüentam de vez em
quando, e isso de maneira perfuntória, hesitante, duvidando se o farão ou não, e
por puro dever; ou como um lugar em que eles podem por em prática certos dons
que eles têm, e estar ocupados - uma espécie de clube, uma instituição, uma
sociedade humana. Que contraste com o que temos aqui! Isto é cristianismo, é
isto que faz de alguém um cristão. A Igreja Cristã consiste realmente de pessoas
que compreendem que todo o objetivo e propósito de todas as coisas é este -
acesso ao Pai por um mesmo Espírito. Temos que meditar nisto, temos que
deter-nos nisto, temos que aprofundar-nos nisto, temos que dedicar tempo a isto;
pois, como tentarei mostrar a vocês, encontramos reunidas neste único versículo
as coisas mais estupendas que já nos foram ditas ou que já compreendemos
acerca de nós mesmos.

- 268 -
Há certas coisas que sobressaem na superfície deste versículo. Por exemplo,
somos logo levados por este versículo a estar face a face com o mistério da
Trindade Santa e bendita. Por Ele (o Filho, o Senhor Jesus Cristo) ambos temos
acesso ao Pai em (ou por) um mesmo Espírito (o Espírito Santo, corretamente
grafado com inicial maiúscula em todas as versões porque é uma referência ao
Espírito Santo). Aí está um dos grandes versículos trinitários das Escrituras, e
nos detemos por um momento diante deste mistério inefável. Pergunto:
damo-nos conta, como devíamos, de que, num sentido, a doutrina da Trindade
constitui a essência da fé cristã? É a doutrina que, dentre todas as outras,
diferencia a fé cristã de toda e qualquer outra fé. Cremos em um só Deus. E,
contudo, asseveramos que o Deus único são três Pessoas, o Pai e o Filho e o
Espírito Santo. Um grande e inescrutável mistério! Não o entendemos, nós o
asseveramos. É-nos ensinado aqui, é-nos ensinado noutros lugares das
Escrituras. A Bíblia ensina claramente que o Senhor Jesus Cristo é
verdadeiramente Deus, e igualmente que o Espírito Santo é verdadeiramente
Deus, e, todavia, diz ela que há somente um Deus: Deus é um só, e há somente
um Deus, que subsiste em três Pessoas. Não me peçam que explique isso. Mas
vocês não começarão a entender a Bíblia, não terão a mínima possibilidade de
entender a fé cristã, se não o aceitarem, se não crerem nisso, se não se inclinarem
diante disso, e se não se humilharem e disserem: eu Te presto culto, eu Te adoro,
eu Te louvo, ó "Grande Jeová, Três em Um". É, pois, vital que nós, como
cristãos, nos lembremos disso constantemente. E quando o fizermos, os nossos
cultos se encherão de reverência, de adoração, de um sentimento de temor, de um
sentimento de glória e de louvor, louvor verdadeiro. Sempre que oramos, sempre
que nos reunimos para adoração, estamos prestando culto a este Deus Triúno.
Não podemos conceber a glória, a majestade e a grandeza dessa realidade, porém
devemos tentar fazê-lo. Devemos preparar os nossos espíritos, devemos meditar,
devemos ponderar nesta verdade, devemos sondar as Escrituras em sua busca,
devemos vê-la; e, tendo-a reconhecido, como a reconheceram os homens a
respeito de quem nós lemos nas Escrituras, os quais chegaram perto de Deus,
tiraremos os calçados dos nossos pés, sentiremos que
somos homens de lábios impuros, estaremos cônsci os da glória inefável.

Permitam-me passar a uma segunda observação. As três Pessoas da


trindade santa e bendita interessam-Se por nós e estão empenhadas, as três
juntas, em nossa salvação. Agora vocês vêem o que eu quero dizer quando
afirmo que este versículo é estonteante. E isso exatamente que ele diz, que as três
Pessoas, eternas em Sua glória, em Sua santidade e em Seu poder, as três Pessoas
da Trindade santa e bendita estão interessadas em você, que você seja cristão, e
estão interessadas em sua salvação, e estão levando a efeito a sua salvação. O

- 269 -
mundo fala em honrarias, e está interessado em honrarias, em privilégios, em
conseguir admissão a clubes e posições e em que as pessoas sejam apresentadas
a grandes personalidades. Eis aqui um fato: as três Pessoas da Trindade estão
interessadas em você, e fizeram algo pela^wa salvação! Que seria, se todos os
cristãos se dessem conta disso!
Como estão empenhadas em nossa salvação? Esta Epístola nos esteve
dizendo isso. O apóstolo ocupou quase todo o capítulo primeiro para dizer-nos
que foi o Pai que planejou e deu início à salvação. Vocês se lembram da frase
várias vezes repetidas, "segundo o mistério da sua vontade" ou semelhante,
"segundo o beneplácito de sua vontade", "segundo o seu beneplácito, que
propusera em si mesmo, de tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na
dispensação da plenitude dos tempos". O Pai "faz todas as coisas, segundo o
conselho da sua vontade". Os teólogos costumavam falar em "Trindade
Econômica", ou "Economia da Trindade". Esta grande obra, esta grandiosa
tarefa de salvação foi dividida entre as três Pessoas. O Pai concebeu e planejou a
salvação. Ele a imaginou, projetou-a, decidiu sobre ela, determinou- -a. O Deus
eterno e sempiterno! E Seu plano e Seu propósito. Nunca apresentemos a fé
cristã e aposição cristã quanto à salvação como se esta fosse algo que o Filho
teve que arrancar do Pai. Foi o Pai que enviou o Filho. Vocês notam, na oração
sacerdotal, no capítulo dezessete do Evangelho Segundo João, com que clareza o
nosso Senhor diz: "Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que (Tu)
me deste a fazer"; Ele veio "para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste";
"eram teus, e tu mos deste". Todas essas referências são ao Pai. O Pai é Quem
concebe, inicia e põe em movimento este grande e glorioso plano e método de
salvação.
Então o Filho ofereceu-Se voluntariamente para realizar a obra. Não se
questiona que se realizou um grande concilio na eternidade, antes do início do
tempo, como nos dizem as Escrituras: "antes da fundação do mundo". Tudo o
que aconteceu foi conhecido antes e foi previsto. O Pai concebeu o plano e o
Filho ofereceu-Se voluntariamente para vir executar o plano. O Pai deu-Lhe as
pessoas, o Pai deu-Lhe umaobrapara realizar, e Ele veio e arealizou. E ali, pouco
antes da cruz, Elepôde dizer que a tinha realizado. Conhecemos bem os grandes
fatos; mas não nos esquecemos. Lembremo-nos constantemente do que essa obra
envolveu para o Filho que, embora sendo "igual a Deus", "não teve por
usurpação o ser igual a Deus", contudo, "humilhou-se, fazendo-se indigno de
honra". Ele veio dessa maneira tão humilde; Ele soube o que é ser pobre e sofrer
privações e pobreza; Ele Se misturava com as pessoas comuns e teve uma vida
comum. Poderíamos conceber o que isso significou para Ele? Sofreu contra Si
próprio "a contradição dos pecadores"; suportou a ruindade, o despeito e a inveja
deles. No entanto, acima e além de tudo, Ele levou sobre Si os nossos pecados,

- 270 -
suportou que por nós Ele fosse feito pecado pelo Pai, embora Ele não conhecesse
pecado; suportou que fosse lançada sobre Ele a iniqüidade de nós todos; foipara
acruz, para levar "em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro". Foi o que
Ele fez. Cumpriu a lei ativamente, viveu sob a lei como homem, "nascido de
mulher, nascido sob a lei", colocou- -Se deliberadamente sob ela, por Seu querer
foi batizado por João Batista, identificando-Se com o pecador e com tudo o que
está envolvido nisso, e morreu e foi sepultado. O Príncipe, o Autor da vida,
morreu e foi colocado num túmulo; mas ressuscitou. Aí estão os fatos
magníficos. Essa é a parte do Filho - procedente do seio do Pai, procedente da
eternidade. Ele estava no princípio com Deus, nada foi feito sem Ele; porém Ele
deixa a glória, põe-na de lado - "Tenro, Ele deixa de lado a Sua glória" - e leva
avante a Sua grande tarefa. Por Ele, mediante Ele, este Filho bendito! Essa é a
obra realizada pelo Filho.
Ha então a obra realizada pelo Espírito Santo. E Ele que a leva a cabo em
nós, pessoa por pessoa. Essa é a Sua obra. Vocês notam que o Filho Se subordina
voluntariamente ao Pai. E o Espírito Santo Se subordina ao Filho e ao Pai. São
co-iguais, são co-eternos, e são iguais em todos os aspectos; e, contudo, por
causa da nossa salvação, há esta subordinação do Filho ao Pai, e do Espírito
Santo ao Filho e ao Pai juntos. E o Espírito S anto vem e aplica a obra redentora.
Aplica-a a mim, aplica- -a a você. E Ele que nos faz participantes de Cristo; é Ele
que nos leva a ver a nossa necessidade e todas as outras coisas que espero
considerar mais adiante; é Ele que aplica a grande redenção que foi levada a
efeito pelo Filho. E o faz não somente ao indivíduo, mas também o faz à Igreja.
Ele edifica a Igreja, Ele enche a Igreja com a Sua vida e com a Sua presença.
Essa é a obra realizada pelo Espírito Santo. Ele "não falará de si mesmo". Ele
falará simplesmente de Cristo. "Ele me glorificará", diz o Senhor; e Ele o fez, e
ainda o faz.
Assim, logo na superfície deste versículo, temos estas duas tremendas
afirmações: que estamos olhando para as três Pessoas da Trindade bendita;
porém, ainda mais admirável e espantoso, que as três Pessoas estão interessadas
em nós e estão preocupadas com a nossa salvação, e atuaram para que a nossa
salvação viesse a ocorrer.
Devemos refletir antes de deixarmos estas magníficas questões. Primeiro, o
problema do pecado, o meu e o seu, foi e é tão grande que exigiu essa atuação.
Não há nada mais que me surpreenda e que me cause mais espanto quanto a
muitos, mesmo dentro da Igreja, do que a maneira como eles não gostam da
doutrina do pecado, e indagam: por que é que você tem que estar sempre dando
ênfase ao pecado? Eis a resposta: o pecado é um problema tão grande que foi
necessária a ação das três Pessoas da Trindade santa e bendita para enfrentá-lo.
Essa é a única explicação. O pecado é um problema tão profundo que envolveu

- 271 -
tudo isso. Não é um problema simples; não é um problema do qual Deus poderia
tratar com simplicidade porque Ele é Deus e porque Ele é amor. Não! O pecado é
um problema tão profundo que, por causa dele, reuniu- -se um concilio antes dos
tempos, e o Filho teve que vir ao mundo, vindo da eternidade, e teve que passar
por tudo aquilo que estive descrevendo. E disso que o pecado necessita. Também
necessita da presença do Espírito Santo na Igreja. Ou, para dizê-lo doutro modo,
a salvação não é apenas uma questão de virmos a compreender que Deus é amor
e, então, que Deus nos perdoa. Muitas vezes se faz uma apresentação errônea
disso, como se a única coisa que foi destinada a realizar-se na cruz foi uma
demonstração de que Deus é amor, e que o único problema é que nos façamos
saber a nós mesmos que Deus é amor. Não é esse o ensino napassagem que
estamos focalizando. Aqui aênfase é ao sangue de Cristo, à Sua carne, ao Seu
corpo, à Sua cruz, à Sua morte. Não, a salvação não é apenas uma questão de
compreender que Deus é amor, e de receber perdão: a salvação é algo que
envolve estas atividades especiais das três Pessoas: nenhum poder menor
poderia efetuá-la. "Outro bem suficiente não havia para pagar o preço do
pecado". Estava envolvido um preço; uma retidão, umajustiçade Deus estava
envolvida. Tinha que haver a cruz, era o único caminho. Assim o apóstolo nos
está mostrando aqui algo da real natureza da salvação.
Mas eu suponho que, de todas as coisas, amais estonteante é captar e
compreender, se pudermos, o assombroso fato de que as três Pessoas da
Trindade santa e bendita nos amaram tanto que fizeram tudo isso por nós.
Auto-subsistentes, existindo eternamente naquela inefável unidade e glória e,
contudo, preocupados conosco! O Pai Eterno tem Seus olhos postos em você,
conhece você, interessa-Se por você. O Filho de Deus amou tanto você que Se
deu por você. E o Espírito Santo o ama tanto que vem para dentro de você para
aplicar-lhe e levar a cabo tudo isso. Se você não concorda comigo que esta é a
coisa mais estupenda que jamais ouvirá no tempo ou na eternidade, bem então eu
perco as esperanças com você. Haverá alguma coisa que supere isto? - que a
Palavra me diz que estas três Pessoas não somente me amaram tanto, porém
também que agiram desta maneira para que eu pudesse ser redimido? Se
tão-somente compreendêssemos isso como devíamos, o seu efeito sobre nós
seria tremendo, revolucionaria toda a nossa concepção do cristianismo. Não
pensaríamos nele em termos de dever ou de outra coisa qualquer, não
pensaríamos nele em termos de glória, de privilégio e de curiosidade. O
cristianismo seria a coisa mais emocionante do mundo para nós. Teríamos nele a
nossa constante alegria, e diríamos com Paulo: "Longe esteja de mim gloriar-me,
a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo". Seríamos tomados de um
permanente sentimento de "maravilha, amor e louvor".

- 272 -
No entanto, passemos a uma terceira proposição. Vemos que aqui somos
postos face a face com a doutrina da Trindade, é-nos dito que as três Pessoas da
Trindade estão interessadas em nós e em nossa salvação e a estão levando a
efeito em nós. E depois nos é dito que o fim da salvação, a meta suprema da
salvação, o objetivo da salvação, é que conheçamos a Deus como o nosso Pai.
"Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito." Pois bem,
esse é o principal fim e objetivo da salvação. E o que o apóstolo está
especialmente interessado em ressaltar aqui, o fato de virem todos os cristãos
juntos ao Pai. Os judeus e os gentios vêm juntos, como um só corpo e como um
só espírito, à Sua presença. Esse é o clímax. O apóstolo já nos estivera falando
sobre como o Senhor Jesus Cristo removeu as barreiras, os obstáculos e os
empecilhos entre o gentio e o judeu, como Ele removeu esta comum inimizade
entre mim e Deus, e de fato ele foi mais longe, ao ponto de nos dizer no versículo
dezesseis que Ele reconcilia a ambos, o judeu e o gentio, com Deus "pela cruz
em um corpo, matando com ela as inimizades". Bem, dirá alguém, certamente
você não pode ir além disso. Haverá alguma coisa que supere a reconciliação?
Há! E por isso que eu disse que este versículo dezoito é o clímax. A
reconciliação é maravilhosa. Mas isto é mais prodigioso e maravilhoso. A
reconciliação não é o fim. Além da reconciliação, temos o acesso ao Pai. Você
pode, em certo sentido, reconciliar-se com pessoas e ainda não ter muita
intimidade com elas. Você pode deixar de estar em inimizade; as barreiras, os
empecilhos e os obstáculos podem ter sido removidos; todavia isso não é tudo,
há mais esta outra coisa.
O apóstolo, parece-me, diz-nos três coisas aqui. A primeira é que temos
acesso por um só Espírito ao Pai. Pois bem, a palavra "acesso" é importante e
interessante. Também pode ser traduzida pela palavra "aproximação", ou melhor
ainda, penso eu, pela palavra "apresentação": "Porque por ele ambos temos
apresentação ao Pai por um mesmo Espírito." Significa que a relação foi
restabelecida, aquela relação amigável com Deus com a qual somos aceitáveis a
Ele e temos certeza de que Ele tem boa disposição para conosco. Ora, o
importante para compreender-se aqui é que o Senhor Jesus Cristo não Se limita a
preparar ou abrir o caminho para isto. Ele de fato o efetua, de fato o produz. É
Ele que nos apresenta ao Pai, que nos leva, nos toma pela mão e nos guia até a
Sua presença. Meu desejo é salientar o fato de que este é realmente o grande fim
e objetivo da salvação. E suponho que nunca houve uma época em que fosse
necessário salientar isto mais do que a época atual. Nós todos nos tornamos tão
subjetivos, e estamos tão interessados em nossos temperamentos, estados
mentais, sentimentos e condições que, quando damos os nossos testemunhos,
dizemos que o que a salvação nos fez foi fazer-nos felizes, ou foi eliminar isto ou

- 273 -
aquilo; e aí paramos. Contudo, o grande objetivo da salvação é levar-nos à
presença de Deus - nada menos que isso, nada que esteja abaixo disso.
Certamente vocês notam como o S enhor disse esta mesma coisa no
versículo três do capítulo dezessete de João: "E a vida eterna é esta" - as pessoas
dizem: recebi a vida eterna, estou salvo, tenho a vida eterna. Sim, mas o que é a
vida eterna? Não é apenas que você não é mais o que era; inclui isso, entretanto
isso é relativamente pouco. A grande realidade é a seguinte - "A vida eterna é
esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a
quem enviaste". Ou então ouçam-nO em Hebreus 10:19: "Tendo pois, irmãos,
ousadiapara entrar no santuário, pelo sangue de Jesus" - foi o que o sangue de
Jesus fez, habilitou-me a entrar no "santuário", no "lugar santíssimo". Vocês
vêem a figura, vocês captam a idéia que está na mente de Paulo. Sob o
cerimonial do Velho Testamento as pessoas comuns não tinham permissão para
entrar no "lugar santo", menos ainda no "lugar santíssimo". Ao lugar santo
somente os sacerdotes tinham permissão para ir. Mas nem os sacerdotes tinham
permissão de entrar no lugar santíssimo. Somente um homem tinha permissão
para entrar ali, o sumo sacerdote, e só uma vez por ano, e então "não sem sangue"
(Hebreus 9:7). Entrava uma vez por ano. E isso era uma coisa tão tremenda que,
enquanto ele estava lá, fora da vista, o povo, apreensivo, ficava esperando o seu
retorno.
No Velho Testamento lemos minuciosa descrição dos tipos de paramentos e
vestes que os sacerdotes e o sumo sacerdote deviam usar; e no caso do sumo
sacerdote se vê que nas bordas do seu grande manto era fixadas campainhas.
Você já se perguntou qual o propósito das campainhas e das romãs? Qual era o
seu objetivo? Simplesmente este: o povo sabia que era uma coisa tremenda e
estupenda alguém entrar no "lugar santíssimo" e na presença de Deus. "Quem
dentre nós habitará com o fogo consumidor?", pergunta Isaías. "Deus é fogo
consumidor" (Isaías 33:14; Hebreus 12:29), tal é a Sua santidade que tudo tende
a encolher-se e a evitar a Sua presença. O sumo sacerdote entra uma vez por ano
para representar o povo e fazer uma oferta pelos pecados do povo. A questão é:
ele vai sair vivo? E como se alegrava o povo ao ouvir o tilintar das campainhas
nas bordas do manto do sumo-sacerdote! Sabiam todos então que ele continuava
vivo, que o seu sacrifício - a oferta que ele apresentara, o sangue que levara - fora
suficiente, que Deus o aceitara e que os pecados deles tinham sido perdoados.
Quando o sumo sacerdote ia saindo eles ouviam o tilintar das campainhas cada
vez mais forte. Ele estivera no "lugar santíssimo".
Mas o que nos diz a passagem que estamos estudando é que mediante
Cristo, pelo Espírito Santo, nós mesmos podemos entrar no "lugar santíssimo".
Temos acesso ao Pai: não mais ficamos no pátio externo, não mais entre os
sacerdotes, apenas; o "véu" foi rasgado, podemos entrar lá diretamente. Pedro

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diz a mesma coisa em 1 Pedro 3:18: "porque também Cristo padeceu uma vez
pelos pecados, o justo pelos injustos...". Por quê? Para que eu não vá para o
inferno? Para que eu seja feliz? Paraque eu não caia mais nalgum pecado
particular? Tudo perfeitamente verdadeiro; porém não é o que Pedro diz; o que
ele diz é isto: "Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para
levar-nos a Deus". "Estas coisas vos escrevemos", diz João, já ancião e próximo
do fim da vida, "para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa
comunhão (como apóstolos) é com o Pai, e com o seu Filho Jesus Cristo." Este,
meus amigos, é o grande fim e objetivo da salvação, que entremos na presença de
Deus e tenhamos comunhão com Ele. Não estamos mais longe, fomos trazidos
para perto, estamos dentro, estamos face a face com Ele, temos comunhão com
Deus. Conhecer a Deus, e a Jesus Cristo, a quem Ele enviou! Você tem acesso,
vocêdeu- -se conta dele? Você está exercendo o seu direito a ele?
Passemos, porém, à segunda ênfase. A segunda coisa que ele nos diz é que
temos acesso ao Pai, Agora notem a mudança do termo. O que ele diz no
versículo dezesseis é: para Ele (Cristo) "pela cruz reconciliar ambos com Deus
em um corpo". Por que ele não diz então, "Porque por ele ambos temos acesso a
Deus em um mesmo Espírito"? Ele mudou de termo, ele diz: "ao Pai". Não é por
acidente. Ele o faz deliberadamente. Por quê? Aqui de novo está algo que é
estonteante em sua imensidão, e irresistível, se tão-somente nos dermos conta
disso, que Deus em Cristo e pelo Espírito Se torna nosso Pai. Por isso o nosso
Senhor, quando nos deu a Sua oração modelo, ensinou-nos a dizer: "Pai nosso,
que estás nos céus". Por isso também o Senhor Jesus Cristo, quando falava com a
mulher samaritana sobre a adoração, usou o mesmo termo. Ela, com as suas
idéias indoutas sobre adoração, fala "neste monte" e "em Jerusalém". Mas o
nosso Senhor muda todo o curso da conversação, eleva-a e diz: "O Pai procura a
tais que assim o adorem"; "Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o
adorem em espírito e em verdade"; são essas as pessoas que o Pai procura para
que O adorem. Ou vejam ainda como Cristo o expressa em João 14:6: "Eu sou o
caminho, e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim". Há pessoas
que talvez tenham crido em Deus, todavia elas jamais conhecerão a Deus como
Pai, exceto em Jesus Cristo e pelo Espírito. "Ninguém vem ao Pai, senão por
mim." E ouçam Pedro dizê-lo também em sua Primeira Epístola: "E, se invocais
por Pai aquele que sem acepção de pessoas..." (1:17). É o Pai que invocamos. E,
de novo, João diz: "A nossa comunhão é com o Pai" - não, "com Deus", "com o
Pai"; ele usa a palavra Pai aqui. Este é, obviamente, o ensino de todo o Novo
Testamento, e é também o que distingue a posição cristã. O cristão é alguém que
foi introduzido na mesma relação com Deus que o Senhor Jesus Cristo tem com
Ele como Filho do homem. Isso é cristianismo, isso é salvação. Vocês notam
como Ele ora. "Pai", diz Ele, "é chegada a hora", e também, "Pai justo", e "Pai

- 275 -
santo". Não um Deus distante, mas Pai! Assim é que compreendemos - e é isto
que significa - que Ele está pronto a receber-nos e a ouvir-nos.
Saber isso é saber que Deus tem amoroso interesse por nós. "Nós
conhecemos, e cremos no amor que Deus nos tem", diz ainda João em I João
4:16, e nós confiamos nisso, descansamos nisso. "Nós conhecemos, e cremos no
amor que Deus nos tem"; é o que você dirá quando se der conta de que veio ao
Pai. Se você conhece a Deus como seu Pai, você sabe que até os cabelos da sua
cabeça estão todos contados. Você sabe? O Pai - é ao Pai que estamos vindo.
Você notaram aquela declaração sumamente admirável do nosso Senhor em Sua
oração sacerdotal, registrada em João 17:23 ? Imagino que, de todas as declara-
ções concernentes ao cristão, nenhuma supera esta: "Eu neles, e tu em mim, para
que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me
enviaste a mim, e que os tem amado a eles como me tens amado a mim". Se
somos verdadeiramente cristãos, e se viemos ao Pai, sabemos que Deus nos ama
como ama a Seu próprio Filho. Logo, sabemos que Ele nunca nos deixará nem
nos abandonará. Logo, sabemos que o que quer que aconteça, por baixo sempre
estão os braços do Eterno.

Isso me leva ao terceiro e último ponto, a saber, que temos este acesso.
"Através dele, ambos temos acesso ao Pai por um só Espírito"(VA). Nós o
temos, diz Paulo. Posso colocá-lo na forma de várias perguntas? Temos isto?
Fazemos uso do acesso? Descansamos nele? Gozamos a paz dele resultante?
Você sabe que Deus o ama? Você sabe que Ele realmente ama você? Você O
conhece como seu Pai? Você de fato sabe que "todas as coisas contribuem
juntamente para o bem daqueles que amam a Deus"? Mas, venha, deixe-me
levá-lo a um ponto mais alto e fazer-lhe esta pergunta: você sabe o que é estar no
"lugar santíssimo"? Temos acesso, apresentação, pelo Espírito ao Pai. Somos
levados por Cristo, pelo Seu sangue, para dentro do "lugar santíssimo", por meio
do Espírito Santo. Isso é verdade sobre você? Você conheceu, sentiu, percebeu a
presença de Deus? Foi isso que Cristo veio fazer, diz o apóstolo. E um avanço
com relação à reconciliação, vocês vêem. Não é meramente perdão, não é
meramente que a inimizade se foi. Temos acesso, temos direito de entrar. Vocês
se aproximam de Deus na plena certeza da fé? Vocês dão ouvidos à exortação da
Epístola aos Hebreus quando diz: "Cheguemos, pois, com confiança ao trono da
graça"? (Hebreus 4:16). Vocês vão a Deus com o instinto, a segurança e a
confiançacom que uma criança vai a seu pai? E ao Pai que estamos indo, diz o
apóstolo. Vocês sabem como se porta uma criança. Ela está em dificuldade, tem
o seu pequeno problema, alguma coisa a está afligindo tremendamente, e ela
corre para o seu pai ou para a sua mãe. Ela fala aos pais sobre o que a aflige,
conta tudo, confiante em que eles poderão dar um jeito naquilo, e então se alegra.

- 276 -
Esse é o tipo de coisa que o apóstolo quer comunicar. "Se não vos converterdes e
não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus",
diz o nosso
Senhor (Mateus 18:3, ARA). E então, nós vamos instintivamente a Deus como
ao nosso Pai? Levamos a Ele as nossas preocupações e os nossos problemas,
aborrecimentos e ansiedades? Vamos com essas coisas a Ele e, como a criança,
havendo-Lhe falado tudo sobre elas, nós as deixamos com Deus, confiantes e
certos de que Ele tratará delas todas e que, portanto, podemos gozar a Sua paz,
que excede todo o entendimento?
Acaso posso resumir tudo com uma pergunta final? Estamos desfrutando de
Deus? "Qual é o fim principal do homem?", indaga a primeira pergunta do Breve
Catecismo da Assembléia de Westminster. E eis a resposta dada: "O fim
principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lO para sempre". E, em
conformidade com o apóstolo nesta passagem, o gozo começa agora, nesta
existência, neste mundo. Não temos que esperar até irmos para o céu. O
propósito quanto a nós é que fruamos a Deus aqui na terra, conheçamo-lO como
nosso Pai, e descansemos neste conhecimento, desfrutemos o conhecimento e
fruamos ao próprio Deus na comunhão com Ele.
Isso é apenas o começo do que este versículo nos fala. Ele nos assegura que
o amor de Deus por nós é tão grande que as três Pessoas da Trindade tomaram
parte no processo de tratar conosco, de tal maneira e por tais meios que eu e você,
perdidos, condenados e sem esperança, pudéssemos, mesmo enquanto formos
deixados neste mundo de pecado e dor, gozar o companheirismo do Pai, andar
com Ele com amizade e em comunhão, e desfrutá-10. Cada vez mais devemos
olhar para a frente, para vê-10 como Ele é, sem nenhum véu que O esconda dos
nossos olhos, e havemos de fruí-10 em plenitude por toda a eternidade.
Desfrutamos de Deus? É totalmente possível, é livre, mediante Cristo e pelo
Espírito Santo.

- 277 -
SENHOR, ENSINA-NOS A ORAR
22
"Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito." -
Efésios 2:18

Continuamos o nosso estudo deste grande e maravilhoso versículo, maior


do que o qual, certamente, não há nenhum em toda a extensão das Escrituras.
Elenos põe face a face com a mais exaltada e sublime verdade que o ser humano
j amais pode confrontar. Não há doutrina mais elevada do que a doutrina da
Trindade santa e bendita. E aqui estamos face a face com ela. Mas ainda mais
notável é a declaração de que as três Pessoas daTrindade santa e bendita estão
preocupadas conosco e atuaram e estão atuando em tudo o que se relaciona com
a nossa salvação. Entretanto, acima de tudo, lembro a vocês que o fim da
salvação é levar-nos a Deus como o nosso Pai. Este é o propósito da salvação,
este é o grande fim e objetivo disso tudo; e a nossa concepção do cristianismo -
inclusive a salvação - estará incompleta e imperfeita, se não compreendermos
que foi designado, acima de tudo mais, a levar-nos a Deus, a dar-nos "acesso ao
Pai".
Mas surge logo a questão sobre como ter esse acesso. Sendo esse o fim, a
meta e o objetivo da nossa salvação, a grande pergunta é: como chegar ali?
Noutras palavras, somos aqui postos face a face com a grande questão da oração.
Não me proponho tratar da questão da oração em sua inteireza ou em sua
plenitude. Só estou interessado em tratar desse assunto na medida em que ele é
tratado neste versículo particular, que centraliza a nossa atenção no ponto mais
importante concernente à oração, a saber, o nosso conhecimento de como
obtemos acesso, o meio de "chegar perto de Deus".

Ao abordarmos o assunto, permitam-me repetir certas perguntas que já fiz.


São óbvias. Conhecemos a Deus? Conhecemos a Deus como Pai? As nossas
orações são reais para nós? Gozamos liberdade na oração? Ou talvez a pergunta
mais penetrante de todas, penso eu às vezes, seja esta: temos confiança em
nossas orações? Gosto de expressá-lo desse modo por esta razão, que todos nós
sabemos por experiência o que é orar quando estamos em alguma dificuldade,
com algum problema, ou com alguma crise em nossas vidas; quando não
sabemos o que fazer e jáesgotamos todo o nosso raciocínio. Que lástima! Já
consultamos outros, já os ouvimos, já lemos a Bíblia, e ainda não chegamos
perto da solução. Por isso dizemos: j á não me resta fazer nada, senão orar. Mas
mesmo então nos sentimos inseguros. Não temos real confiança em nossas
orações e elas parecem mais ou menos inúteis. E naturalmente tais orações são
de fato inúteis; porque se não temos verdadeira confiança nelas, não são orações

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reais, como penso que este versículo nos mostrará claramente. E importante,
pois, que comecemos com estas questões preliminares. "Nós temos acesso", diz
Paulo, "ao Pai" - "nós" referindo-se a todos os cristãos, e não somente aos
apóstolos. Ele está falando acerca destes efésios, pessoas que até muito
recentemente tinham sido pagãs, tinham estado fora de Cristo, sem Deus, sem
esperança no mundo, estranhas forasteiras, longe, separadas em suas mentes.
"Mas agora", diz Paulo, "nós" - eu e vocês, e todos os que são cristãos - "temos
acesso (apresentação, entrada) ao Pai", diretamente ao Pai. Esta é uma coisa na
qual o apóstolo se regozij a mais do que em muitas outras. Ele a repete muitas
vezes nesta Epístola, como o faz em todas as suas outras Epístolas. No próximo
capítulo ele diz, por exemplo: "Por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai
de nosso Senhor Jesus Cristo", e a seguir ora por eles.
Não há nada que seja mais importante do que isso. Como estamos
usufruindo os benefícios de nossa fé cristã? Este é o melhor ponto para ser
submetido a prova: se o nosso cristianismo não nos ajuda quando estamos em
dificuldades, então, para dizer o mínimo, ele é muito defeituoso. Se ele não nos
ajuda, não nos dá suporte e não faz toda a diferença do mundo para nós nos
nossos momentos de crise, que valor tem? Há outras coisas que parecem
maravilhosas quando o sol está brilhando e tudo vai bem; o mundo e suas idéias
parecem completamente satisfatórios então. E quando tudo parece estar contra
nós que chega a hora da prova. E quando tudo parece estar contra nós, parece
"levar-nos ao desespero", a pergunta é: podemos prosseguir e dizer, "Sei que a
porta está aberta e que Ele ouvirá minha oração"? essa é a questão. "Não veio
sobre vós tentação", diz o apóstolo Paulo aos coríntios, "senão humana; mas fiel
é Deus, que vos não deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação
dará também o escape..." (1 Coríntios 10:13). Sabemos disso? Nossas orações
são eficientes, eficazes? Temos confiançanelas? Você sente, depois de orar, que
a carga foi aliviada? Quando você vai aDeus em oração, deixa realmente a
questão com Ele? A criança e seu pai são a ilustração perfeita deste ponto. O
pequenino em dificuldade vai ao pai e logo se sente feliz porque tem a sensação,
a confiança e a consciência de que o pai é capaz de tratar da coi sa toda, e assim
ele se descontrai, sossega e torna a alegrar-se. É como se espera que sejamos
para com Deus; nós temos acesso ao Pai. Estamos fazendo uso desse acesso?
Sabemos o que é entrar lá? Estamos tirando proveito da apresentação que nos
recomenda?
Essa é, inevitavelmente, a questão com a qual temos que nos defrontar
quando consideramos esta grande declaração. Há muitos que deixam de gozar os
benefícios da salvação; há muitos que não se aproveitam deste acesso ao Pai e
para os quais, portanto, a oração não é real, pela razão que ignoram ou nunca
captaram claramente o ensino deste versículo particular. Todavia, temos aqui a

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chave da verdadeira oração. Eles falham porque, ou o ignoram completamente,
ou porque nunca o compreenderam em sua plenitude e, portanto, nunca agiram
firmados nesse ensino. Oração não é matéria simples; não há maior falácia do
que pensar que a oração é coisa simples. Há muitos que contrastam a oração com
o ensino, com a doutrina, com a teologia. Sua atitude é: não posso incomodar-me
com doutrina etc., mas a oração é tudo para mim; não importa o que você crê, o
que importa é orar a Deus. Ora, isso, é claro, é uma completa negação do ensino
deste versículo.
Este versículo nos mostra com muita clareza, não somente que a oração não
é tão simples assim, mas também que a oração está baseada no ensino, num
entendimento verdadeiro. Vejamos isso da seguinte maneira: vocês recordam
como os discípulos certa ocasião foram ao nosso Senhor e disseram: "Senhor,
ensina-nos a orar, como também João ensinou aos seus discípulos" (Lucas 11:1).
Você já se sentiu assim? Atrevo-me a dizer que, se você nunca sentiu
necessidade de que lhe ensinassem a orar, é porque você nunca orou. Precisamos
que nos ensinem a orar. Aqueles discípulos tinham observado o seu Senhor,
viram-nO levantar-Se muito antes do alvorecer, subir ao monte para orar,
viram-nO orando horas seguidas, às vezes a noite inteira. Cada um dizia aos seus
companheiros: como é que Ele faz isso? - pois eu vejo que cinco minutos
parecem uma eternidade. Não consigo orar cinco minutos, e Ele fica orando
horas. Cono é que Ele faz isso? "Senhor, ensina-nos a orar." Eles estavam certos:
precisamos que nos ensinem a orar.
Certamente vocês se lembram também de que o nosso Senhor, falando com
a mulher samaritana, disse a ela algo semelhante, quando elafalou levianamente
sobre a adoração. Disse ela: vocês, judeus, dizem que é em Jerusalém que se
deve adorar; nossos pais diziam que vocês deviam adorar neste monte - como se
ela soubesse tudo sobre adoração e oração. E o nosso Senhor lhe disse: "A hora
vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o
que não sabeis; nós (os judeus) adoramos o que sabemos porque a salvação vem
dos judeus... Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em
espírito e verdade" (João 4:20-24). O problema dos samaritanos era que a idéia
que faziam de Deus era errada. Eles O localizavam num certo monte e, na
verdade, muitos judeus eram culpados do mesmo erro, pois localizavam Deus no
templo. Mas o nosso Senhor diz: vocês não podem adorar com essas idéias
erradas, "Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e
verdade". Temos que saber certas verdades, antes de podermos adorar a Deus. E
no momento em que digo isso, vejo como é inevitável que grande parte do que
chamamos orar e orações é necessariamente inútil. Com muita freqüência nos
apressamos a recorrer à oração porque estamos desesperados e, por assim dizer,
quase dispostos a, nas palavras do poema, clamar a "todo e qualquer deus que

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exista". Não conhecemos a Deus a quem oramos. Portanto, o ensino é essencial à
oração, porque eu preciso saber a quem eu estou orando, e preciso saber como
entrar à Sua santa presença. Pois bem, é exatamente desse assunto que este
versículo trata.

Há duas coisas absolutamente essenciais à oração, de acordo com o ensino


do apóstolo neste ponto. Há duas verdades que devemos captar, duas doutrinas a
que nos apegar - "Por ele"; "em um mesmo Espírito". Ou, "por meio dele"; "pelo
Espírito" (VA). Esse é o ensino do apóstolo - não só nesta passagem, porém é o
ensino de todas as Escrituras. Oração a Deus não existe, a menos que tenhamos
claro entendimento destas duas doutrinas, destes dois princípios. Ambos são
essenciais; não um ou outro, mas os dois, e os dois semprejuntos. Quero ressaltar
isso porque há muita confusão a respeito. Existem os que não hesitam em
ensinar que toda essa questão de aproximar-nos de Deus, e de orar a Deus, é uma
coisa supremamente simples efácil. Segundo eles, não há necessidade de
nenhum ensino, todavia você pode chegar pronta e diretamente à presença de
Deus, como você está. Indagam eles: você está com algum problema? Está em
dificuldade quanto ao seu futuro? Está precisando de orientação? - e assim por
diante. Bem, dizem eles, é tudo perfeitamente simples. Tudo o que você
necessita é sentar-se numa cadeira, relaxar e pôr-se a ou vir a Deus; é simples
assim; nada mais é necessário. Deus está esperando para falar com você, e tudo o
que você tem que fazer é, por assim dizer, largar as ferramentas e ouvi-10. Você
tem contato imediato com Deus, você chega diretamente à presença de
Deus, e nada mais é necessário. Essa é a crença deles e, na verdade, é um ensino
muito comum. E a espécie de coisa que todos nós nos inclinamos a pressupor e a
tomar como líquida e certa. Contudo, se o ensino de apóstolo Paulo neste
versículo particular está certo, então aquele ensino não somente é errôneo, é
perigosamente errôneo, é tragicamente errôneo.
Mas existem outros que tendem a desviar-se num ponto diferente. Eles dão
ênfase a um destes dois princípios e deixam de lado o outro. Dão ênfase à
doutrina correta concernente ao Senhor Jesus Cristo, à Sua obra expiatória etc.,
tudo certinho, porém negligenciam a necessidade absoluta da operação do
Espírito Santo. E, segundo o ensino de Paulo, a oração deles é igualmente inútil.
Você pode ser inteiramente ortodoxo e, ao mesmo tempo, estar espiritualmente
morto. Você pode dizer todas as coisas certas, e ainda não conhecer a Deus e não
ter confiança nas orações que você faz. E pena, mas eu tenho conhecido gente
assim. Pessoas certamente ortodoxas, entretanto não conheciam aDeus, nunca se
aperceberam da vital importância desta doutrina do Espírito nesta questão de
oração. E assim as suas orações eram mecânicas, corretas, porém inúteis.

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Por outro lado, há aqueles que colocam toda a sua ênfase no Espírito Santo
e ignoram completamente o nosso Senhor e Suas obras. Este é o perigo peculiar a
todos os místicos. Os místicos descobriram que há um ensino muito definido a
respeito do Espírito Santo. Descobriram, e estão muito certos, que o cristianismo
é algo vivo, vital, real. Dizem eles: toda esta ortodoxia é boa a seu modo, mas
muitos são ortodoxos, porém completamente mortos. O grande valor do
cristianismo é que ele é vivo. Vejam , por exemplo, o caso de George Fox, o
primeiro quacre, o verdadeiro fundador da Sociedade dos Amigos. Essa era a sua
grande mensagem. Ele costumava olhar para os lugares de culto do seu tempo,
há 300 anos, e dizia: vejam estas pessoas; dizem todas as coisas certas, mas
observem as suas vidas; falem com elas e verão que estão mortas. Ele dizia que o
grande valor do cristianismo é que ele leva a gente a um vivo conhecimento de
Deus; é algo interior, um poder, uma luz interior. Até certo ponto ele estava
salientando uma verdade vital. A obra do Espírito Santo é absolutamente
essencial. No entanto a tragédia do movimento posterior dos quacres - não estou
falando de George Fox neste ponto, pois ele ensinava a doutrina verdadeira - a
tragédia é que nos séculos subseqüentes o movimento quacre inclinou-se a
colocar sua exclusiva ênfase no Espírito, e tem ignorado e esquecido a doutrina
concernente ao nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Segundo o ensino do
apóstolo nesta passagem, isso é igualmente errôneo. Todo ensino que passa por
alto o Senhor Jesus Cristo é necessariamente errôneo. "Por meio dEle - pelo
Espírito Santo." Os dois são essenciais.
Devo dar mais um passo e dizer que não somente estes dois princípios são
absolutamente essenciais, mas também nada mais deve ser-lhes acrescentado
jamais. Isso é tudo, é exclusivo. A minha razão para dizer isso é que o ensino
católico - do catolicismo romano e doutras formas de catolicismo que imitam o
romanismo sem crerem no papa - é dado a fazer acréscimos. A igreja católica
romana coloca ao lado do Senhor Jesus Cristo e do Espírito Santo a virgem
Maria. Ela é introduzida como medianeira - como um mediador adicional, como
um meio adicional, como alguém que é de importância vital em nossa vinda a
Deus. Todavia, acrescentar qualquer coisa ou qualquer pessoa ao Senhor Jesus
Cristo e ao Espírito Santo, não é somente negar as Escrituras, é também
desviar-se tragicamente em toda a questão de oração. E um erro, é uma negação
do ensino bíblico, orar à virgem Maria, ou aos "santos" que viveram no passado -
"santos" dos quais se afirma que eram tão piedosos que podiam exercer a função
daquilo que os católicos chamam de "supererrogação" - eles têm tal abundância
ou excesso de justiça ou retidão que podem dar um pouco disso à nós, e com isso
podem ajudar- -nos! Não devemos acrescentar nada e ninguém àquilo que é
claramente indicado na passagem que estamos estudando. "Por meio dele ambos
temos acesso por um Espírito ao Pai." Assim vocês vêem a importância do

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ensino. Vocês vêem o que o nosso Senhor quis dizer quando afirmou, "Em
espírito e em verdade". Vocês vêem como é vital que, antes de começarmos a
falar em oração, devemos parar e pensar, e deixar-nos guiar pelo claro ensino das
Escrituras, como estamos prestes a fazer. Vamos olhar agora a estes dois
princípios separadamente.

A primeira coisa é "Por meio dele ". É o que o apóstolo coloca em primeiro
lugar aqui, e é o que ele coloca em primeiro lugar em toda parte. Esta é,
naturalmente, uma referência ao nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Ainda é
necessário acentuar isso, e tornar a dizer que não há acesso a Deus, exceto em
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por meio dEle. "Eu sou o caminho, a
verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim" (João 14:6). E, contudo,
muitos correm à presença de Deus e acham que Ele é seu Pai, sem sequer
mencionar o Senhor Jesus Cristo, apesar da Sua afirmação clara e explícita. Ou
ouçam também este apóstolo dizê-lo em 1 Timóteo 2:5-6: "Porque há um só
Deus, e um só Mediador (e é isso mesmo que ele quer dizer) - um só Deus, e um

Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem, o qual se deu a si mesmo
em preço de redenção por todos...". O que poderia ser mais claro? Ou ainda:
"Ninguém pode pôr outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus
Cristo" (1 Coríntios 3:11). Ou vejam de novo aquela grande passagem do
capítulo dez da Epístola aos Hebreus: "Tendo pois, irmãos, ousadia para entrar
no santuário, pelo sangue de Jesus" (versículo 19) - o único caminho. Não pelo
sangue de touros e bodes, nem por meio de algum sacerdócio humano e terreno.
Isso, diz o autor, argumentando minuciosamente, era obviamente inadequado e
insuficiente. O próprio fato de que eles tinham que repetir dia após dia as suas
ministrações era uma prova de que não era suficiente. O fato de que o sumo
sacerdote tinha que continuar indo ao santuário ao "lugar santíssimo", todos os
anos, para fazer uma nova rememoração dos pecados, é prova suficiente de que
não podia fazê-lo de maneira final e plena. "Mas este, havendo oferecido um
único sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus..." O
ensino poderia ser mais claro? Poderia haver algo mais explícito? E, contudo,
quão óbvio e evidente é que todo este ensino está sendo passado por alto, e
homens e mulheres há que falam em ter contato com Deus, e em conhecer aDeus,
e em serem abençoados e guiados por Deus, sem sequer mencionarem o nome do
Senhor Jesus Cristo, como se Ele nunca tivesse estado no mundo, e como se Ele
nunca tivesse morrido na cruz. Vocês acham que eu estou defendendo um ponto
desnecessariamente? Peço a cada um de vocês que consulte a sua própria
experiência, ouça o que está sendo dito e leiam o que está sendo escrito. Vocês se

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lembram, quando oram a Deus, de que sem o Senhor Jesus Cristo vocês não
poderiam ter nenhum acesso?
Permitam-me procurar deixar isto mais claro e mais simples. Háum
versículo na Primeira Epístola de Pedro que me parece demonstrá-lo muito
explicitamente. Ele reúne em si o grande ensino deste capítulo dois da Epístola
aos Efésios. Pedro o coloca desta maneira: "Porque também Cristo padeceu uma
vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos aDeus; mortificado, na
verdade, nacarne, mas vivificado pelo Espírito" (3:18). (Ou "morto" ou "tendo
sido morto" (ARA e VA)). Aí está, parece-me, uma perfeita declaração desta
doutrina. Cristo, vocês notam, "padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos
injustos" - com que fim e objetivo? "Levar-nos a Deus"; "tendo sido morto na
carne, mas vivificado pelo Espírito." Ou também vocês verão o apóstolo, em
Romanos, dizendo isso com igual clareza. Referindo-se ao nosso Senhor, ele diz:
"O qual por nosso pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação"
(4:25). Ele quer dizer que é por meio de Cristo, é em Qisto, é por Cristo, e pelo
que Ele fez, que temos este acesso a Deus. A parte disso não temos acesso
nenhum a Deus.
Do mesmo modo, não podemos ler o Velho Testamento sem ver claramente
que é necessário receber instrução sobre a nossa aproximação a Deus. O Velho
Testamento está repleto deste ensino. Esse é o significado das ofertas queimadas,
dos sacrifícios, das ofertas de cereal e de todo o cerimonial restante. Deus tinha
dito e ensinado àquele povo que esse era o único meio pelo qual podia
aproximar-se dEle. Ele designou um sumo sacerdote chamado Arão, disse-lhe
exatamente o que ele devia fazer, deu-lhe todas aquelas instruções. Arão devia
entrar levando o sangue de um animal morto. Por quê? Porque com isso Deus
nos está ensinando que é somente pelo Seu caminho, o caminho por Ele
prescrito, que temos acesso à Sua presença.
Pois bem, é em nosso Senhor Jesus Cristo e por Ele que temos nosso acesso
a Deus. O Senhor Jesus Cristo nos introduz à presença de Deus porque Ele^ é o
nosso grande substituto, levando sobre Si os nossos pecados. E isso que
devemos colocar em primeiro lugar, como faz o apóstolo. "Mas agora, em Cristo
Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto."
Vocês notaram a repetição dos termos? Seu sangue, Sua carne, Seu corpo, Sua
cruz? E o que sempre tem que vir primeiro. Spurgeon costumava dizer, e cada
vez mais estou convencido da veracidade do seu pronunciamento, que o modo
definitivo de provar se um homem está pregando verdadeiramente o evangelho
ou não, é observar a ênfase que ele dá ao "sangue". Não basta falar sobre a cruz e
a morte; a prova é "o sangue". "Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes
estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto." Temos visto que há
pessoas que, embora concordem que os pecadores são trazidos para perto pela

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morte de Cristo, pela cruz de Cristo, são contudo muito insatisfatórios na sua
explicação de como isto se dá. Eles consideram grande demonstração do amor de
Deus o fato de Ele perdoar os homens apesar de terem eles crucificado Seu Filho.
Deus, dizem eles, tirou vitória da derrota aparente, e você pode confiar num
Deus que faz semelhante coisa. Essa é a sua interpretação da morte e da cruz; o
sangue de Cristo não entra. Mas Paulo afirma que a salvação é "pelo sangue de
Cristo". E o autor da Epístola aos Hebreus afirma a mesma coisa. É o sangue de
Cristo que, em primeira instância, é essencial. E por esta razão: o nosso Senhor
Jesus Cristo é "o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo". "O sangue",
vocês vêem, leva- -nos a pensar necessariamente em sacrifício, em expiação; e se
as pessoas não mencionarem a expiação, não estarão pregando verdadeiramente
a morte de Cristo. "O sangue" prende a pregação ao sacrifício e à expiação.
Os pecados dos homens eram colocados simbolicamente sobre a cabeça de
um animal, e o animal era morto; o corpo era queimado e o sangue era então
apresentado. Cristo é "o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo". Os
pecados dos homens foram colocados sobre Ele, nEle os pecados foram
enfrentados; Ele foi ferido por causa deles, Seu sangue foi derramado. E é dessa
maneira que temos a nossa entrada: Ele levou "em seu corpo os nossos pecados
sobre o madeiro" (1 Pedro 2:24). Devemos partir daí. "Sem derramamento de
sangue não há remissão" de pecados (Hebreus 9:22). Não se pode jogar fora o
Velho Testamento. A Igreja, a Igreja Primitiva, foi levada pelo Espírito Santo a
conservar o Velho Testamento e a incorporá-lo na nova literatura, porque é uma
parte essencial do ensino. Foi Deus que ensinou que, sem esta oferta, sem o
sacrifício, Ele não pode perdoar, Ele não pode relacionar-Se com os homens.
Assim, qualquer conceito da cruz e da morte de Cristo que não leve "o
sangue" para o centro e que não faça dele uma necessidade absoluta, é uma falsa
representação da cruz. Cristo é que leva o nosso pecado. Ele morreu no Calvário
pelos nosso pecados, para receber o castigo que os nossos pecados deviam
receber. O justo e santo Deus tinha que punir o pecado, e Ele o puniu ali. A
pregação da cruz que não mencione a retidão e a justiça de Deus, e a necessidade
absoluta de punição, é uma apresentação completamente falsa da doutrina da
morte de Cristo. Aí está, vocês vêem, aberto diante de nós: "gelo seu sangue",
"seu corpo", "sua morte", repetidos em toda parte. E o tema central do Novo
Testamento. Leiam o livro de Apocalipse, e vocês verão que ali se diz que as
pessoas vestidas de branco "lavaram os seus vestidos e os branquearam no
sangue do Cordeiro". "Aquele que nos ama, e em seu sangue nos lavou dos
nossos pecados" (7:14; 1:5). Esta verdade está em toda parte. Como podem os
homens querer explicar a sua entrada à presença de Deus sem este fato
sumamente maravilhoso, que o Filho de Deus foi levado à morte por Seu próprio

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Pai mediante a lei por causa dos nossos pecados, e com o fim de reconciliar-nos
conSigo!
Mas a coisa não pára aqui. Primeiro Ele é Aquele que leva os nossos
pecados, porém, em acréscimo, Ele é o nosso grande Sumo Sacerdote. "Tendo
sido morto na carne", diz Pedro, "mas vivificado pelo Espírito." "Por nossos
pecados foi entregue", diz Paulo, "e ressuscitou para nossa justificação." E isso é
maravilhoso. Ou vejam ainda a expressão do autor da Epístola aos Hebreus, no
capítulo quatro, versículos 14-16 - isso é pregação apostólica - "visto que temos
um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus,
retenhamos firmemente a nossaconfissão. Porque não temos um sumo sacerdote
que nãò possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós,
em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemos pois com confiança ao trono
da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, afim de sermos
ajudados em tempo oportuno". Depois que o sumo sacerdote, em Israel, tinha
imolado o animal e juntado o sangue, ele então entrava com este sangue, através
do véu, no "lugar santíssimo". E a expiação era finalmente feita quando ele
apresentava o sangue do sacrifício.
O Senhor Jesus Cristo morreu nacruz, o Seu sangue foi derramado, o Seu
corpo foi enterrado numa sepultura. Ah, dirá alguém, esse é o fim; portanto até
Ele foi derrotado! Absolutamente não! Ele ressurgiu. Tendo Ele ressuscitado e
tendo-Se manifestado, entrou no "lugar santíssimo". Passou pelos céus e entrou
no céu propriamente dito. Foi imediatamente à presença de Deus, e apresentou o
Seu sangue. Não apresentou sangue de touros e bodes. Ele não tenta purificar
com as cinzas de uma novilha. Ele faz uso do "seu próprio sangue". É pelo
sangue de Jesus! Ele entrou, Deus O aceitou e aceitou a oferta do Seu sangue.
Deus disse, noutras palavras, que está satisfeito com a obra que Ele realizou.
Deus proclama que a morte de Cristo é suficiente, que a Sua justiça foi satisfeita.
Ele admite o Sumo Sacerdote à Sua presença, e O convida a assentar-Se à Sua
destra. O resultado é que o trono de Deus, que é trono de juízo, torna- -se trono
de misericórdia e graça. "Cheguemos pois com confiança ao trono da graça", é a
mensagem de Hebreus 4:16. E como posso saber que é trono da graça? Meu
único meio de saber isso é que o Senhor Jesus Cristo está assentado ao lado de
Deus. O meu Representante! Aquele que veio e tomou sobre Si a minha
natureza, e que levou sobre Si os meus pecados! Ele foi aceito por Deus, Ele é o
grande Sumo Sacerdote. Ele me conhece, Ele sofreu tentações, como eu as tenho
sofrido, Ele conhece as minhas fraquezas e a minha fragilidade. Ele está com
Deus, e o fato de Ele estar lá me garante que aquele trono é de misericórdia e
graça. Deus é eternamente justo e santo, mas, por causa de Cristo e do que Ele
fez por nós e pelos nossos pecados, Deus em Sua graça sorri para nós e nos
recebe como Seus filhos. Cristo nos salva, então, não somente pelo

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derramamento do Seu sangue, e sim também por Sua entrada nos céus como o
nosso grande Sumo Sacerdote.
Há ainda outro modo pelo qual Ele me ajuda a ter acesso ao Pai.
Talvez você diga: muito bem, posso ver que os meus pecados são perdoados
dessa maneira, porém, quando penso em Deus, em Sua eternidade de poder, de
majestade e de grandeza, quando penso especialmente em Sua santidade e em
Suapureza absoluta, continuo achando que estou impuro. Creio que os meus
pecados estão perdoados, mas, infelizmente, ainda me falta retidão; como posso
comparecer diante de Deus? Como posso chegar perto de Deus? Leio nas
Escrituras que Isaías, quando teve uma visão do Senhor, disse: "Ai de mim, que
sou um homem de lábios impuros", e como posso chegar perto de Deus? A
resposta continua sendo, "em Cristo". E desta maneira, que Ele não somente nos
livrou dos nossos pecados e ressuscitou para a nossa justificação; mais que isso,
porém, Ele foi feito nossajustiça. "Mas vós sois dele, em Jesus Cristo", diz o
apóstolo Paulo, "o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e
santificação, e redenção" (1 Coríntios 1:30). Ou leiam o que ele igualmente diz
nestes termos: "Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós, para que
nele fôssemos feitos justiça de Deus" (2 Coríntios 5:21). Permitam-me usar uma
ilustração simples. Veja-se um grande salão de festas, com gente maravilhosa
presente e com uma grande cerimônia em andamento. Lá estou eu, fora, na rua;
eu gostaria de entrar, fui convidado, mas eu me sinto em andrajos, acho que a
minharoupa é indigna. Se eu entrar, todos olharão para mim e eu me sentirei
estranho e infeliz, e não vou gostar. Que posso fazer? A resposta é que me é dado
um novo manto, um manto de justiça. Visto-me da justiça de Jesus Cristo. É o
que as Escrituras ensinam: Sua vida virtuosa, perfeita, Sua vida de santidade,
é-me dada, é atribuída a mim, é-me imputada, é computada em meu favor. Assim
como os meus pecados foram atribuídos e imputados a Ele, também a Sua justiça
é atribuída a mim. Ele cumpriu a lei perfeitamente; Deus considera isso como
tendo sido feito por mim, Ele põe isso na minha conta, para meu crédito, Sou
revestido da justiça de Cristo. Foi por isso que o conde Zinzendorf pôde dizer, no
hino que João Wesley traduziu, e que aqui traduzimos:

Jesus, Teu sangue, Tua justiça, Minha gloriosa veste é;


Vestido assim, no mundo em chamas Minha cabeça alegre elevo.

Vestido com a justiça de Cristo! Será esta uma doutrina seca e árida? É uma
doutrina tão vital para você que, se não crer nela, você não poderá orar. Só
quando você estiver cônscio de que está coberto pela justiça de Cristo que poderá
ir à presença de Deus com confiança e certeza. Mas, com isso, você poderá
fazê-lo, como esse hino diz tão perfeitamente. Ninguém poderá fazer alguma

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acusação contra mim; nem Deus, pois é o próprio Deus que me justifica e me dá
a justiça do Seu Filho.
Finalmente, gostaria de dizer algo assim: temos este acesso por meio de
Cristo, não somente porque nos é dada a Sua justiça, porém também porque nos é
dada a Sua vida. Nascemos de novo dEle, tornamo-nos "participantes da
natureza divina", Ele é o "primogênito entre muitos irmãos". Na verdade, Paulo
já vem dizendo isso extensamente neste capítulo. Diz ele, vocês se lembram,
naqueles passos maravilhosos: "Estando nós ainda mortos em nossas ofensas,
nos vivificou juntamente com Cristo, e nos ressuscitou juntamente com Ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus". Tendo consumado a Sua
obra, Cristo passou pelos céus, tomou Seu lugar, está sentado à mão direita de
Deus; e, de maneira maravilhosa, "em Cristo", eu também estou ali. É dessa
maneira que eu tenho o meu acesso à presença do Pai. Se Cristo não tivesse
morrido pelos meus pecados, Deus não me receberia; vou além, Deus não
poderia receber-me. E uma necessidade absoluta. Vocês podem imaginar que o
Pai Celeste enviaria o Seu Filho unigênito, o Seu bem-amado Filho ao mundo
para padecer tanto sofrimento e agonia se não fosse absolutamente essencial? A
cruz teria acontecido, se não houvesse total necessidade dela? E inimaginável.

Outro bem não havia Que o preço do pecado pudesse pagar.


Somente Ele podia Abrir do céu a porta e deixar-nos entrar.

É mediante Cristo. Você depende absolutamente dEle. Se Ele não tivesse


entrado lá com Seu sangue, vocênuncapoderiaentrar. Mas, visto que Ele entrou,
você pode entrar.
E bom lembrar que Ele está lá, um Sumo Sacerdote que pode
compadecer-Se, porque Ele esteve aqui, neste mundo, e por causa de tudo quanto
Ele sofreu. Ele transmite ao Pai as nossas orações com o Seu santo incenso. É,
pois, simplesmente natural que estes vários escritores sempre terminem com
exortações: "Tendo pois, irmãos, ousadia para entrar no lugar santíssimo, pelo
sangue de Jesus"; e também, "Cheguemos pois com confiança ao trono da graça"
- com confiança, com segurança, com certeza. "Pois" - à luz da doutrina de Cristo
como
Aquele que leva o pecado, como o Sumo Sacerdote, como a nossa Justiça,
Aquele em quem fomos incorporados, Aquele com quem fomos crucificados,
Aquele com quem morremos, morremos para a lei, morremos para o pecado, e
fomos resuscitados em novidade de vida -"Assim também vós considerai-vos
como mortos para o pecado, mas vivos para Deus, por meio de" - e somente por
meio de - "Cristo Jesus nosso Senhor" (Romanos 6:11, VA).
Você se deu conta da sua completa dependência do Senhor Jesus Cristo e da
Sua obra perfeita? Se não se deu, não admira que as suas orações pareçam vãs e

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fúteis e vazias. Doravante, quando você buscar a Deus, comece com Cristo.
Agradeça ao Senhor Jesus Cristo o que Ele fez por você, agradeça a Deus que Ele
O enviou para fazê-lo; diga a Ele que você compreende que depende
inteiramente dEle, mas que, tendo esta fé, você sabe que Ele está à sua espera
para recebê-lo. Chame-Lhe seu Pai, e diga-Lhe que você sabe que Ele é seu Pai
porque Ele é o Pai do seu Senhor e Salvador, Jesus Cristo - "Porque por meio
dele temos acesso ao Pai por um só Espírito".

- 289 -
ORANDO NO ESPÍRITO
22
"Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito." -
Efésios 2:18

Voltamos mais uma vez a este versículo de máxima importância, no qual o


grande apóstolo mostra aos efésios o motivo que têm para regozijar-se no fato de
serem cristãos e, portanto, co-herdeiros do reino de Deus com os judeus. É um
versículo crucial. Vimos que este versículo nos faz lembrar que as três Pessoas
da Trindade santae bendita estão interessadas em nossas salvação e participam
dela. Esse é, para mim, o fato mais glorioso quejamais poderemos conhecer. Não
hánada que o supere, nem no céu. E aí que podemos saber, em sua plenitude, o
que Deus o Pai, Deus e Filho e Deus o Espírito Santo têm feito por nós e pela
nossa salvação. Vimos também que, imediatamente aqui, nesta existência, o
maior benefício que auferimos deste grande fato da nossa salvação é que temos
acesso ao Pai. Esse é o fim da salvação, esse é o grande objetivo que está por trás
de tudo quanto Deus fez em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por meio
dEle - Ele morreu "para levar-nos a Deus", e o Seu sangue foi derramado para
que pudéssemos ser capazes de entrar no "lugar santíssimo". Parar, pois, em
qualquer ponto anterior a este é, não somente ignorar as Escrituras, é de fato ir
contra as Escrituras, porque, o que importa em última instância não é o que você
e eu pensamos que necessitamos ou desejamos, é o que Deus providenciou. E
este é o fim e objetivo da salvação, que possamos ter acesso ao Pai, que
possamos entrar à presença de Deus e gozar comunhão com Ele.
Em vista do fato de que esse é o mais alto privilégio e a maior bênção
quejamais podemos experimentar, não é surpreendente que justamente neste
ponto é que a maioria de nós, na verdade todos nós, muitas vezes vemos grande
dificuldade, e talvez continuemos em grande dificuldade. Suponho que, em
última análise, a coisa mais difícil que tentamos fazer, porque é a maior coisa
que fazemos, é orar. E, quanto à oração, há problemas que muitas vezes agitam
as mentes e os corações do povo de Deus. Não é de admirar, pois não há nada
maior que a oração. Por isso o adversário das nossas almas preocupa-se
particularmente em atacar- -nos neste ponto. Isso é uma coisa que todos nós
aprendemos pela alvos e vítimas especiais do adversário das nossas almas e,
correspondentemente, acharemos difícil orar.
Por todas essas razões, pois, é muito necessário que nos instruam como orar
e que saibamos orar. Nada é tão fatal como entregar-se à oração sem pensar. O
primeiro ato na oração sempre deve ser o que os chamados "pais" costumavam
chamar "recolhimento". Sempre deve haver um ato de recolhimento, de
meditação. É muito errado correr para a presença de Deus com petições, sem

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dar-nos conta do que estamos fazendo. Devemos parar, fazer uma pausa, meditar
e recordar o que estamos fazendo. Há muitas maneiras de esclarecer este ponto.
Se você tiver uma audiência com a rainha, provavelmente achará sábio e
oportuno aprender algo sobre a etiqueta da corte. Ora, multiplique isso pelo
infinito, e aí você terá uma alma indo à presença de Deus. Não é algo que se
possa fazer leviana e impensadamente, não é algo para o que devamos ir
precipitadamente; temos que compreender o que nos cabe fazer. Aqui o apóstolo,
ao dar-nos uma lista das coisas admiráveis acontecidas com estes efésios,
leva-nos a esta altura tremenda: "Por ele ambos temos acesso ao Pai em um
mesmo Espírito". Vocês não somente deixaram de ser estranhos e forasteiros, e
de estar separados; vocês entraram à presença de Deus. Como chegaram lá? Ele
nos diz, vocês recordam, que há dois elementos essenciais; e já demos ênfase ao
fato de que são somente dois. Há somente duas coisas acerca das quais temos que
ter entendimento absolutamente claro e certo. Uma é o próprio Senhor Jesus
Cristo; e a outra é o Espírito Santo. Não há o que acrescentar a esta lista. Nada de
acrescentar a virgem Maria, nada de acrescentar a Igreja, nada de acrescentar um
sacerdócio, nada de acrescentar os santos. Não acrescentem nada. Tudo o que é
essencial à oração é que vocês se aproximem por meio do Senhor Jesus Cristo; e
já consideramos como fazê-lo.

A segunda coisa é dar-nos conta de que é "por um só Espírito". Ao


passarmos a considerar isto, a primeira coisa que temos que salientar é que a
referência é à Pessoa do Espírito Santo. O apóstolo não está dizendo que, agora
que os judeus e os gentios compartilham as mesmas idéias e têm a mesma
perspectiva e têm um espírito comum, eles podem, portanto, orar juntos. Isso é
verdade, naturalmente, porém há algo muito mais forte aqui. A referêncianão é a
espíritos humanos que agora entram em unidade ou vêm em uníssono. A
referência é ao Espírito Santo; assim, muito acertadamente, em nossas Bíblias os
tradutores indicam isto escrevendo "Espírito", com inicial maiúscula. E uma
referência à
Pessoa do Espírito Santo. E o que o apóstolo está ensinando é que o Espírito
Santo é tão essencial à oração como o próprio Senhor Jesus Cristo. Não Um
sem o Outro, e sim ambos juntos.
Mais uma vez temos que fazer a nós mesmos certas perguntas. Teríamos
nós, em nossa vida de oração até este exato momento, compreendido o lugar
vital e a importância vital do Espírito Santo? Teríamos compreendido que sem
Ele de fato não podemos orar verdadeiramente, e que a verdadeira oração é
sempre oração pelo Espírito Santo mediante o Senhor Jesus Cristo? Como
cristãos, compreendemos como é essencial o Senhor Jesus Cristo, o único e
exclusivo Mediador entre Deus e o homem. Mas aqui, segundo o apóstolo, é

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igualmente essencial que nos apercebamos da nossa dependência do Espírito
Santo e da Sua obra e da Sua atividade peculiares em nós. E esta não é uma
afirmação isolada; o apóstolo a repete. Por exemplo, no último capítulo desta
Epístola aos Efésios, no versículo dezoito, onde ele estivera falando de
revestir-nos de toda a armadura de Deus, ele encerra dizendo: "Orando em todo o
tempo com toda a oração e súplica no Espírito" (outra vez com a inicial
maiúscula) - no Espírito Santo. Essa é a sua concepção da oração. E se vocês
forem à Epístola aos Filipenses, verão que ele diz a mesma coisa de novo, no
capítulo três, versículo três, onde diz: "Guardai-vos dos cães, guardai-vos dos
maus obreiros, guardai-vos da circuncisão. Porque", diz ele, "a circuncisão
somos nós, que servimos a Deus no Espírito" (de novo a inicial maiúscula (Ara e
VA)); ou vocês poderiam traduzi-lo, "nós, que servimos a Deus pelo Espírito" e
que compreendemos que somos completamente dependentes dEle. Os
judaizantes - "a circuncisão" - não serviam a Deus no Espírito ou pelo Espírito;
sua forma de culto era mecânica. E o que diferencia o culto e a oração cristãos de
todos os outros tipos e espécies de oração é que é no Espírito. Existem muitos
outros que oram, porém não oram "no Espírito". Este é o fator peculiar, o fator
distintivo quanto à oração cristã. O apóstolo Judas diz exatamente a mesma coisa
em sua carta, no versículo vinte: "mas vós, amados, edificando-vos a vós
mesmos sobre a vossa santíssima fé, orando no Espírito Santo, conservai-vos a
vós mesmos no amor de Deus". Aí está, de maneira muito explícita. Vocês estão
orando, diz ele, no Espírito Santo.
Estas expressões não são usadas ao acaso pelos escritores do Novo
Testamento. "No Espírito", para eles, fazia parte da própria essência da oração.
E, na verdade, ao dizerem isso tudo, estavam apenas mostrando como a palavra
de Zacarias cumpriu-se, quando ele profetiza que o' 'Espírito de graça e de
súplicas" seria derramado nesta era do Messias (12:10).
É, pois, de vital importância que entendamos a parte que o Espírito Santo
desempenha nesta questão de oração. Num sentido, já tivemos a nossa exposição
no capítulo quatro do Evangelho Segundo João. Aí, falando à mulher samaritana,
o nosso Senhor coloca este ponto de maneira clara e uma vez por todas. Ela fala
levianamente sobre adoração - "Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis
que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar". O nosso Senhor a corrige e
explica este assunto com clareza e simplicidade: "Deus", diz Ele, "é Espírito, e
importa que os que o adoram o adorem em espírito e verdade". Que é a oração?
Quais as verdadeiras características da oração? Que é orar no Espírito?
Vejamos primeiro as características negativas. Obviamente, não é uma
questão de lugar nem de cerimônia como tais. O nosso Senhor logo pôs o dedo
na falácia da mulher samaritana - "este monte". Se você quiser adorar, diziam os

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samaritanos, terão que adorar aqui. Os judeus, por outro lado, diziam que você
terá que fazê-lo em Jerusalém, no templo, que Deus estava confinado no templo
- quando eles, os samaritanos, achavam que Ele estava confinado no seu monte.
Lugares! Cerimônias! Há pessoas que só oram quando estão num lugar de culto e
que nada sabem da oração em privado e da oração em secreto. Para elas a oração
é algo que só acontece em certas ocasiões, ocasiões estabelecidas, e em lugares
especiais. Ora, a verdadeira oração no Espírito é a antítese disso. Não se restringe
a um lugar especial, nem a alguma espécie particular de cerimônia.
Há também algumas pessoas para as quais parece que a essência mesma da
oração é a questão de postura e posição física. Como se preocupam em poder
ajoelhar-se! De fato conheço pessoas que opinam seriamente que você não terá a
mínima possibilidade de orar, senão de joelhos. Não podemos aprofundar-nos
nesses pontos todos, interessantes que são. Simplesmente estou tentando
ressaltar o grande princípio central, que não existe postura alguma que seja
essencial à oração. É certo ajoelhar-se para orar, é igualmente certo orar de pé, é
igualmente certo prostrar-se, rosto em terra. Todas estas coisas estão nas
Escrituras. Noutras palavras, não é apostura, aposição física, que importa. E se
você percebe no seu íntimo uma tendência para dizer que apostura é o grande e
central elemento, o elemento vital, já não é orar "no Espírito". Você estará
atribuindo significação importante a um elemento incidental. É evidente que
você pode orar no templo, que você pode orar no monte, mas não só no templo,
nem só no monte, nem só numa dada postura.
Há depois toda a questão das formas de oração. Aí está outro assunto
complicado. Devemos ter orações fixas? Devemos ter orações formais?
Devemos ter liturgias? Como é vital este assunto! Há trezentos anos foi em parte
responsável pelo movimento puritano. Uns diziam que não há liberdade na
oração quando se está preso a liturgias, a formas fixas e a orações lidas. Eles
achavam que isso era um resíduo do catolicismo romano. Diziam que a oração
tem que ser livre e tem que estar sob a direção e a inspiração do Espírito Santo.
Assim, a ênfase não deve ser colocada na beleza das frases, na perfeição da
linguagem e nas formas especiais. Não me entendam mal, não estou dizendo que
uma oração escrita ou lida não pode ser verdadeira; mas sempre, nesta questão de
oração, temos que ter muito cuidado para manter o equilíbrio entre a liberdade do
Espírito e a forma. Até certo ponto, as duas coisas são essenciais. Contudo,
evidentemente, o ensino do nosso Senhor é que o fator vital é o Espírito; o
domínio, a inspiração, a liberdade do Espírito Santo. E assim vocês sempre verão
que, em todos os grandes períodos de avivamento, quando o avi vamento vem, as
pessoas começam a largar das formas e liturgias e a tolerar a oração livre,
extemporânea. Mas isso também pode tornar-se mecânico, e o fato de você não
estar usando formas fixasnão significanecessariamenteque você está sempre

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orando com liberdade. Há maior perigo nas formas do que na oração
extemporânea, porém mesmo esta não é garantia de que você não se tornará
mecânico e não ficará amarrado. Eis o grande princípio: não dê ênfase à forma
ou à beleza ou à perfeição da linguagem ou a qualquer coisa semelhante a isso,
mas sim, ao fato de que a verdadeira oração é no Espírito. Noutras palavras, a
oração, de acordo com este ensino, nunca deve ser algo meramente formal,
todavia deverá ser sempre algo vital.
Ainda mais, não digo que você não deve ter horas de oração fixas; mas, no
momento em que começar a fazer isso, terá que ser cauteloso. Haverá sempre o
perigo de você estar orando porque é meio-dia ou são 7 horas ou alguma hora do
dia e da noite, e não porque você está ansioso para estar em comunhão com
Deus. Todas estas coisas podem tornar-se em perigos. E por isso que, parece-me,
há certasfrases e expressões que jamais devemos empregar. Este ensino acerca
da oração no Espírito indica que nunca devemos falar em "dizer as nossas
orações", nem empregar aquela outra frase leviana que tantas vezes está nos
lábios de algumas pessoas, "dizer uma oração". Há quem fale em entrar num
edifício e "dizer uma oração". Quer dizer que estão recitando uma frase. Você
não pode "dizer uma oração" quando está tendo comunhão com
Deus. Onde está o Espírito Santo? Onde está o elemento de vida? Repetir frases
não é orar. Não, diz o nosso Senhor, você tem que livrar- -se disso tudo; a oração
é uma realidade espiritual. "Deus é Espírito, e importa que os seus adoradores o
adorem em espírito e em verdade." O Espírito Santo é absolutamente essencial; e
sem Ele não podemos orar de verdade, pois a oração é uma viva, vital e real
comunhão com Deus, que é Espírito. Deus é Espírito. E a oração realmente
significaque o meu espírito está em comunhão com Deus. É pessoal. É
companheirismo, este companheirismo imediato, e nada menos que isso. Dessa
maneira o apóstolo lembra aos efésios que nesta matéria o Espírito Santo é
absolutamente essencial. Você pode ler suas orações sem o Espírito Santo. Você
pode repetir frases sem o Espírito Santo. Você pode ficar de joelhos e falar sem o
Espírito Santo. Entretanto você não pode fazer contato com Deus, não pode
comunicar-se realmente com Deus, que é Espírito, sem a atividade do Espírito
Santo, permitam-me ir mais longe, ao ponto de dizer que, sem o Espírito Santo,
nem o próprio Senhor Jesus Cristo e Sua obra, sós, podem levar-nos a esta
relação vital com Deus. "A hora vem, e agora é, em que os verdadeiros
adoradores adorarão o Pai (não neste monte, nem ainda em Jerusalém, mas) em
espírito e em verdade." E isso que vem, diz Ele. E é isso que o Espírito Santo
produz e possibilita. Sem o Espírito Santo a oração é mecânica, sem vida, difícil,
a oração fica sendo uma tarefa terrível; mas comEle tudo mudae a oração se
torna livre e gloriosa, e o gozo supremo da alma.

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Isso nos deixa agora com a pergunta: o que seria exatamente que o Espírito
faz nesta questão de oração? E as respostas são quase intermináveis. Vou
simplesmente dar alguns títulos. Em certo sentido poderíamos resumir tudo
dizendo que é Ele que, como intermediário, transmite-nos e torna vivido e real
para nós tudo o que foi feito pelo nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Todavia,
dividamos o assunto da seguinte maneira: por que eu oro, porque devo orar,
porque tenho desejo de orar? A resposta é, que é o Espírito Santo que cria em
mim uma mente espiritual. Por natureza o homem, como vimos extensamente
neste capítulo, não tem mente espiritual ou perspectiva espiritual. E sem a ação
do Espírito, a oração é uma completa impossibilidade; simplesmente não
conseguimos orar. Naturalmente, pode ser que nos tenham ensinado a dizer
nossas orações, e podemos ir fazendo isso mecanicamente a vida toda. E, que
pena, muitos de nós permanecem crianças nesta questão até o túmulo! Ensinados
a dizer as suas orações de manhã e de noite - e vocês verão adultos, homens
inteligentes, homens de negócio e profissionais, que gostam e até se orgulham de
dizer que continuam dizendo as orações que aprenderam na infância. Permane-
cem crianças nesta questão; noutras questõesnão permanecem crianças, mas
nesta continuam simplesmente fazendo o que sempre fizeram. E isso é tão sem
sentido agora, como o era então. Não é oração. A primeira coisa absolutamente
essencial é que devemos ter mente espiritual, perspectiva espiritual. Estávamos
mortos em ofensas e pecados; e embora nos tenhamos tornado cristãos, a
condição de mortos tende a permanecer e a afligir-nos. Às vezes não nos é difícil
animar-nos? Não nos inclinamos a orar, sentimo-nos sem vida, letárgicos e
insípidos, e as coisas espirituais não são reais para nós. Nesse estado não
podemos orar. Pois bem, o Espírito nos dá alento, nos vivifica, nos inquieta, nos
move, nos estimula, persuade as nossas mentes carnais a pensarem espiritual-
mente. Esse é sempre o primeiro elemento essencial nesta questão de oração.
Tornamo-nos cientes do reino espiritual e somos levados a lembrar que nós
mesmos temos o Espírito dentro de nós. E no momento em que começarmos
acompreender isso, em certo sentido já estaremos começando a orar. Contudo é
claro, a questão não termina aí.
E o Espírito que nos mostra a nossa necessidade, é Ele que nos faz
lembrar-nos dos nossos pecados. Não há nada que tenha tanta probablilidade de
levar um homem a orar como a sua consciência do seu pecado e da sua
necessidade. E esta é a obra peculiar do Espírito Santo. Vocês vêem a diferença
entre meramente correr para apresença de Deus com certas petições, e
verdadeiramente ter companheirismo e comunhão. Você diz a si próprio: vou ter
esta audiência com o Rei eterno, imortal, invisível. Quem sou eu para entrar lá?
Que espécie de criatura sou eu? Como estou vestido? Como estou calçado? Qual
a minha aparência? Noutras palavras, o Espírito Santo está fazendo você ver o

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seu pecado, Ele o está convencendo e o está tornando convicto da sua
necessidade, Ele está produzindo no seu íntimo uma santa tristeza, um
verdadeiro arrependimento. Isso tem o poder de induzi-lo à oração. Ele o está
preparando.
Isso nos leva ao próximo ponto, o qual é que Ele nos mostra a necessidade
que temos de Deus e da misericórdia de Deus e da bênção de Deus.
Imediatamente você é retirado da esfera das generalidades e se dá conta de que é
uma alma isolada. Você já não tem interesse pelas coisas e meros eventos e
acontecimentos; você foi levado pelo Espírito Santo a compreender que Deus lhe
deu esta dádiva especial, a alma, o espírito. Você vei o a este mundo como um
indivíduo, e embora sej a uma só pessoa dos milhões de pessoas neste mundo,
ainda assim você é um ser isolado, distinto, separado e tem relação com esse
Deus que também é Espírito e é pessoal, e você vai encontrá-10. Assim você
começa a sentir o desejo de conhecê-10 e de estabelecer contato. O Espírito
Santo faz isso. Pois bem, isso é da própria essência da oração; ela se torna
pessoal nesse ponto, e deixa de interessar-se apenas pelas formas, aparências e
coisas desse gênero.
Tudo isso ainda é muito vago. Mas um passo vital é dado quando a pessoa
começa a sentir necessidade de Deus. Quanto a vocês não sei, porém cada vez
mais eu me vejo procurando esta coisa singular em todas as pessoas. As pessoas
que me atraem, das quais eu gosto, são as que me dão a impressão de que têm
fome de Deus, que em suas almas anelam pelo Deus vivo. Eu coloco essas
pessoas adiante das demais. Esta é a coisa realmente vital, sentir fome, sentir
sede de Deus. Em certo sentido, não há o que supere isso. Você pode ser muito
ocupado e muito ativo sem isso. Pode sertão ocupado que você se torna quase
impessoal, alheio a si próprio, não percebendo a condição da sua própria alma e a
sua necessidade de Deus e da sua relação com Deus. O Espírito Santo produz
essa consciente necessidade de Deus.
Depois o Espírito de Deus vai adiante e nos revela Deus em Sua glória. Isso
também é algo absolutamente vital e essencial. Tenho para mim que, em última
análise, todas as dificuldades da oração provêm da nossa incapacidade de
compreender a verdade sobre Deus. Ah, que diferença faria! Somos todos como
Moisés, não somos? E acaso não somos como Josué, depois dele? Queremos
correr para a presença de Deus. Vocês se lembram de como Moisés, perto da
sarça ardente, não entendeu muito. Ele ia investigar, ia correr para lá. Então veio
a voz e falou: para trás! "Tira os teus sapatos de teus pés; porque o lugar em que
tu estás é terra santa." Esse é o terreno em que eu e vocês estamos quando nos
dedicamos à oração. Vamos estar na presença de Deus. E o Espírito nos revela
Deus em Sua glória e em Sua majestade. Entretanto não só isso, Ele nos revela
Deus como nosso Pai. E assim Ele cria em nós o desejo de conhecer a Deus e de

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manter comunhão com Ele. Foi algo semelhante a isto que levou o salmista a
dizer: "Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha
alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo" (42:1-2). O
Deus vivo! Ele não quer mais simplesmente orar a Deus, ele quer o Deus vivo e
quer um ato vivo e real de comunhão, a experiência de estar com Deus. Ora, é
somente o Espírito que faz isso. E quando acontece esse tipo de coisa, a oração é
totalmente diferente. Torna-se a coisa mais animadora do mundo, torna-se a
coisa mais emocionante. Ela deixa de ser formal,
rígida e difícil, e deixamos de ter todos esses problemas.
Além disso, o Espírito realiza a obra que o próprio Senhor nosso declara
que é a Sua obra mais especial e mais peculiar, a saber: Ele mantém os nossos
olhos fitos no Senhor Jesus Cristo. Disse o Senhor que o Espírito Santo O
glorificaria: "Ele me glorificará" (João 16:14). Esse é o Seu supremo propósito e
função. E é exatamente o que Ele faz. Havendo nos mostrado a nossa total
pecaminosidade, debilidade e pequenez, e a glória de Deus, Ele nos leva ao
Senhor Jesus Cristo. Ele nos faz vê-lO em toda a glória e maravilha de Sua
Pessoa, em toda a glória e maravilha da Sua obra. Vemo-10 como o Mediador.
Permitam- -me colocá-lo na forma de perguntas. Sempre que oramos
percebemos a nossa completa e absoluta dependência do Senhor Jesus Cristo e
da Sua obra expiatória? Estamos sempre conscientes do fato de que, sem o
sangue de Jesus, não podemos ter acesso à presença de Deus? Certamente nós
todos teríamos que confessar que milhares das vezes em que oramos, "tomamos
isso como líquido e certo". E vejam só o que tomamos como líquido e certo: o
fato mais glorioso da história! Não damos graças a Deus por ele, não meditamos
nele, não pensamos nele até os nossos corações serem arrebatados. Nós apenas o
pressupomos. Haverá coisa mais terrível, ou, em certo sentido, mais próximo do
blasfemo, do que presumir simplesmente o sangue do Calvário e a morte de
Cristo? O Espírito Santo nunca nos permitirá fazer isso. Ele nos revelará o
Senhor Jesus Cristo em toda a Sua glória e, graças a Deus, em Sua total
suficiência. Assim é que, quando estiver na presença de Deus, e terrivelmente
cônscio da sua própria pecaminosidade, da sua indignidade, da sua impureza, da
sua baixeza e da sua fraqueza, o Espírito Santo revelará a você que foi quando
nós estávamos "ainda fracos" que Cristo "morreu a seu tempo pelos ímpios"; que
foi quando éramos "inimigos" que fomos salvos pela morte do Senhor Jesus
Cristo (Romanos 5:6,10). Será então que o Espírito o fará lembrar que Cristo
disse: "Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento"
(Mateus 9:13). Será então que você verá desfilarem Maria Madalena e todos os
demais chegando aDeus, conduzidos por Ele. O Espírito Santo mostrará tudo
isso a você. E você verá que, apesar da sua baixeza indescritível, não obstante
você tem acesso à presença de Deus. Você dirá com Charles Wesley:

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Justo e santo é o Teu nome!
Eu, cheio de pecado e jaça, Eu sou
tudo o que há de mau;
Cheio és Tu de verdade e graça!
Ele revela, Ele desvenda o Senhor Jesus Cristo. Quando você se põe a orar,
você tem aquelas exaltadas visões da Pessoa e da obra do Senhor Jesus Cristo? E
isso que prova que você está orando "no Espírito". Você não pode orar no
Espírito sem ser levado a vê-lO e aperceber-se dEle como nunca antes.
É igualmente o Espírito Santo que nos leva a um entendimento de todas as
promessas de Deus. Sabemos o que é estar cercado de provações, tribulações e
problemas, e o que é estarmos cientes da nossa fraqueza e ineficiência. De fato
somos tentados a clamar aEle: que farei? Que farei? E aí o Espírito começa a
revelar a você as "grandíssimas e preciosas promessas", e tudo se transforma. E
Ele que nos revela Deus como nosso Pai, como "o Pai de nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo" e o nosso Pai. Vocês se lembram desta colocação feita
por Paulo: "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos
abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo"
(Efésios 1:3). No momento em que você se der conta disso, toda a sua
perspectiva mudará. Você dirá a si mesmo: bem, embora as coisas estejam como
estão, Deus é meu Pai, e tenho a autoridade do Senhor Jesus Cristo para dizer
que Ele tem todos os cabelos da minha cabeça contados, que Ele não somente se
interessa pela queda de cada pardal, Ele está infinitamente mais interessado em
mim e em tudo o que me acontece. Ele é o Pai de Jesus Cristo, e é meu Pai; e
como Ele cuidou dEle, cuidará também de mim. Ele disse: "Não te deixarei, nem
te desampararei" (Hebreus 13:5). Você tem alguma experiência disso? Você
sente na presença de Deus, por ser filho de Deus, embora estando talvez quase
sufocado por dificuldades e problemas, uma alegria e felicidade que domina e
supera tudo? E isso que o Espírito Santo faz.
Permitam-me dizê-lo definitivamente desta forma: escrevendo aos
romanos, o apóstolo diz: "Não recebestes o espírito de escravidão para outra vez
estardes em temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual
clamamos: Aba, Pai" (ou, "o Espírito de adoção...", 8:15, VA). Sabemos algo
sobre escravidão, não sabemos? Sabemos algo sobre as dificuldades que
enumerei no princípio - e isso é pura escravidão. Tentar pensar em algo que
dizer, tentar produzir um sentimento - ah, que escravidão é essa! Não há
liberdade aí. Que diferença um filho falando com seu pai, estendendo as mãos
para o pai, para abraçá-lo, sussurrando suas pequeninas coisas porque está alegre
por ver seu pai. E assim que devemos orar, com uma gloriosa liberdade. "Não o
espírito de escravidão para outra vez estardes em temor! - mas o Espírito de
adoção de filhos, pelo qual clamamos (com este clamor rudimentar, infantil,

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filial): Aba, Pai." Você experimenta liberdade na oração? Você experimenta
esta eloqüência espiritual na oração? Você sabe o que é ser arrebatado de si
próprio na oração? Você sabe o que é quase desejar continuar orando para
sempre, e achar difícil parar? Isso é orar no Espírito, quando a oração chegou às
suas maiores alturas. Aí está, pois, o modo como temos acesso ao Pai, diz Paulo,
mediante o Senhor Jesus Cristo, e pelo Espírito.

Permitam-me colocar tudo numa pergunta. Você gosta de orar? Você


sempre gostou de orar? E para você a ocupação mais agradável? Se não é, é
porque você esqueceu que as operações do Espírito Santo são absolutamente
essenciais à oração. Portanto, quando você for orar, lembre-se disso. Ore a Ele,
peça-Lhe que o anime, que o vivifique. Ele o fará; Ele já o fez sem você perceber.
O desejo de orar foi produzido por Ele, o simples pensar nisso. É Ele que produz
todos estes bons desejos; Ele "opera em vós tanto o querer como o efetuar"
(Filipenses 2:13); peça-Lhe, pois, e Ele o fará crescer. Vá a Ele, seco e
amortecido como você está, diga-Lhe que você tem vergonha de si próprio,
diga-Lhe que você quer conhecer a Deus, diga-Lhe que você quer fruir a Deus,
diga-Lhe que você quer esta liberdade no Espírito; e peça a Ele que torne isso
possível, e persevere até que a resposta venha. E virá! Ouça de novo a palavra do
apóstolo em Romanos 8:26 e 27, neste sentido: "O Espírito ajuda as nossas
fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o
mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis. E aquele que
examina os corações sabe qual é a intenção do Espírito". É tão maravilhoso que,
mesmo quando nos vemos completamente desamparados e não sabemos pelo
que orar ou o que fazer, e, digamos, ficamos desesperados-não chegamos a
experimentar esse extremo, graças a Deus - mesmo então nos vemos gemendo,
sem saber o que estamos dizendo. É o próprio Espírito fazendo intercessão por
nós, em nós, por meio de nós, com gemidos inexprimíveis. Se Ele faz isso sem a
nossa solicitação, sem que Lho peçamos, quanto mais certo é que, se
verdadeiramente Lhe pedirmos e buscarmos o Seu auxílio, Ele nós responderá!
E, começando a orar no Espírito Santo, teremos verdadeiro acesso à presença de
Deus, e não somente glorifi- caremos a Deus, como também começaremos a
gozá-lO para sempre.

- 305 -
A UNIDADE
22CRISTÃ
"Assim, que já ..." - Efésios 2:19
Agora vamos dar nossa atenção às duas palavras do apóstolo, "Assim já"
(ARA), ou "Portanto, agora" (VA). Noutras palavras, em nossa consideração do
capítulo dois desta grande Epístola, chegamos ao ponto no qual o apóstolo, tendo
completado a sua declaração maior, faz um sumário, ou faz uma pausa
momentânea para juntar as diversas verdades que estivera dizendo. E como ele o
faz, é importante que igualmente o façamos. Sempre se corre o perigo, quando se
trata de uma grande seção das Escrituras como esta, de que, ao se tratar dos
vários pormenores, como estivemos fazendo, e tivemos que fazê-lo necessa-
riamente, pode-se muito bem perder a linha mestra de orientação ou o argumento
principal da seção. Por isso é muito importante que, exatamente como nos sugerç
o apóstolo, façamos uma breve pausa e consideremos o que estivemos extraindo
e captando.
Que coisa tremenda! E importante que o examinemos como um todo por
um momento. Fomos sendo levados através dos passos dados: o apóstolo nos
mostrou exatamente como Deus fez uma grande obra por meio do Senhor Jesus
Cristo, como a parede intermediária de separação
- a lei dos mandamentos nas ordenanças - foi demolida. Há esta entrada, este
acesso à presença de Deus no Senhor Jesus Cristo e por meio do Espírito Santo.
O que precisamos ter em mente é esta grande questão de unidade, da unidade que
existe entre todos os que são verdadeiramente cristãos. E isso que o apóstolo tem
superiormente em seu pensamento
- este "um só corpo", este "um só novo homem"; "nós ambos", temos acesso por
um só Espírito, e assim por diante. É sobre isso que ele deseja que tenhamos
claro entendimento. E, portanto, é bom observar o que em geral constitui esta
unidade, o que a produz, o que a traz à existência e lhe dá continuidade. Aqui nos
vemos face a face com uma das grandes e cruciais declarações das Escrituras.

Ao examinarmos isto, certos grandes princípios se nos tornarão manifestos.


Por exemplo, vocês não podem considerar uma passagem como esta sem se
lembrarem claramente do que é ser cristão, e do que nos torna cristãos.
Mostrando como estes efésios foram introduzidos na Igrej a com os judeus, o
apóstolo mostra o que teve que acontecer com o judeu e com o gentio antes de
poderem sequer entrar na Igreja, antes de sequer poderem ir à presença de Deus.
Assim é que, aqui, de passagem, somoslevados aestapedra fundamental,
aestaposição básica na qual vemos claramente o que nos torna cristãos. Noutras
palavras, aí nos é dada uma esplêndida definição do cristão.

- 306 -
Outra coisa que nos é exposta é que nenhuma outra coisa pode unir
verdadeiramente os homens, a não ser este evangelho. Vemos isso da seguinte
maneira: o apóstolo, ao expor e mostrar como foi produzida esta maravilhosa
unidade, de passagem nos mostrou o que teve que acontecer para que isso se
tornasse realidade. À medida que vamos tendo discernimento das coisas que
dividem homens e mulheres, somos levados e impelidos à conclusão de que
nada, senão o poder de Deus em Cristo e por meio do Espírito Santo no
evangelho, pode unir homens e mulheres. É certamente algo muito importante
que devemos ter em mente na hora presente. Quando digo isso, estou pensando
não somente na Igreja, mas também na situação internacional em geral. Há muita
prosa falsa, leviana e superficial sobre a unidade na Igreja e entre as nações. Mas,
como eu entendo o ensino das Escrituras, e especialmente esta seção particular,
não há nada que seja tão perigoso, e afinal tão fátuo e tão completamente fútil,
como esta vaga e geral conversa sobre juntar pessoas e estabelecer o que
chamam "uma unidade".
Temos que reconhecer que há ocasiões em que parece haver uma unidade:
porém acabará se evidenciando apenas uma unidade superficial, apenas uma
aparência. As vezes, por causa de certas circunstâncias, as pessoas se unem,
levadas talvez por uma necessidade comum ou por um perigo comum, e então se
vêem conversando e cooperando umas com as outras, e trabalhando juntas. Mas
isso não é necessariamente uma verdadeira unidade, como a história o demonstra
com muita clareza. Pode haver uma aproximação de homens ou nações, ou entre
diferentes segmentos da Igreja Cristã, com objetivos específicos, e as pessoas
superficiais são tentadas a dizer que afinal a inimizade foi abolida e são todos
um. No entanto, uma comunidade de interesse ocasional não é uma real unidade.
Leiam os seus livros de história secular e observem o que as nações têm feito,
notem como houve estranhas combinações de países em ocasiões diferentes, e
como no momento parecia que eles tinham formado uma firme amizade, que
nunca poderia ser dissolvida. Mas então, poucas páginas adiante em seu livro de
história, vocês verão estes dois países, que pareciam ter-se tornado um, em
conflito um com o outro. Eis a explicação. Quando pareciam estar numa firme
amizade, foi somente porque havia tais circunstâncias no caso de ambos os
países, que era compensador e conveniente a eles que se juntassem. Isso se vê
com freqüência durante uma guerra. Surge de repente um inimigo comum, e os
outros (que realmente não se dão bem e sempre foram antagônicos), por causa
daquele perigo comum, cooperam entre si com a finalidade de manter o inimigo
por baixo; porém depois, no momento em que isto se realiza, eles voltam a
desentender-se. O que parecia unidade não era unidade nenhuma, era pura
fachada, mera aparência. Isso não é unidade real.

- 307 -
Exatamente a mesma coisa se aplica nos domínios da Igreja. Há os que
pensam e dizem que, em face do grande inimigo, o materialismo (chamem-lhe
comunismo, se o preferirem), todos os que se chamam cristãos de um modo ou
de outro devem juntar-se. Não devemos incomodar-nos com definições, mas
devemos cerrar fileiras numa frente comum contra esta grande inimigo. Há,
portanto, os que dizem que os católicos romanos e os protestantes deveriam
trabalhar juntos e unir-se, esquecer todas as suas diferenças, levantar-se juntos
em defesa da civilização ocidental, ou seja qual for o nome que acaso se lhe dê,
contra este grande adversário comum. E pensam que isso é unidade. Ora, a
minha afirmação é que o ensino deste parágrafo da nossa Epístola, sem ir mais
longe, mostra-nos como é superficial e, em última análise, como é fútil toda essa
conversa. Se captamos bem o ensino desta seção, que nos ajuda apenetrar no
conhecimento da natureza do homem em pecado, e que é o que de fato divide as
pessoas fundamentalmente, então penso que somos levados à conclusão de que
nada menos que uma solução fundamental, como a que unicamente o evangelho
oferece, e nenhuma outra coisa, pode produzir esta verdadeira, real e duradoura
unidade. É o que este ensino mostra com clareza.
Depois, outra coisa que se vê com clareza é a seguinte: é-nos dado um
entendimento e um profundo discernimento da natureza desta verdadeira
unidade existente entre os cristãos. O ponto é que somente os que se enquadram
na descrição dada aqui é que são realmente um. O apóstolo fala desta unidade em
termos de um só corpo e nos oferece esta maravilhosa analogia do corpo,
analogia tão freqüentemente utilizada por ele. Ele salienta que se trata de uma
unidade vital, orgânica; não é simplesmente uma questão de se ligarem
frouxamente as pessoas, não é simplesmente uma questão de, num dado
momento, as pessoas esquecerem as diferenças e formarem uma espécie de
coalizão. Nada disso! É uma unidade viva, uma unidade que prevalece no corpo,
onde os dedos se ligam ao restante do corpo, não apenas grudados, mas uma
unidade viva, unidade de sangue e de nervos. É um todo, com várias partes, não
certo número de partes postas juntas para formarem um todo. Começa-se do
centro para fora, e não vice-versa. Talvez eu possa fazer um sumário disso tudo
dizendo que a unidade entre os cristãos é uma unidade completamente inevitável
por causa daquilo que é verdadeiro quanto a todos e a cada um. Às vezes penso
que esse é o princípio mais importante de todos. Parece-me que, com toda essa
conversa sobre unidade estamos esquecendo a coisa mais importante, que a
unidade não é uma coisa que o homem tem que produzir ou arranjar: a verdadeira
unidade entre os cristãos é inevitável e indeclinável. Não é criação do homem; é,
como tão claramente nos foi mostrado, criação do próprio Espírito Santo. E a
minha tese é que existe essa unidade neste momento entre cristãos verdadeiros.
Não me importa quais sejam os rótulos que lhes ponham, a unidade é inevitável;

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eles não apodem evitar, por causa daquilo que realmente caracteriza cada um dos
cristãos, individualmente falando.
Permitam-me mostrar-lhes a seguir como estes princípios são aqui expostos
em detalhe. Háprimeiramente este grande postulado, que, por natureza, por
causa dos seus antecedentes e do que está por trás deles, os homens estão
deseperadamente divididos. Isso nos foi mostrado aqui, em termos do judeu e do
gentio, e dos profundos e violentos preconceitos que ambos tinham. Isso é o
homem em pecado. O homem em pecado é um montão de preconceitos. E posto
que todos os homens estão em pecado e têm esses preconceitos, a desunião é
inevitável. O judeu desprezava o gentio, o gentio odiava o judeu, e então havia
aquela parede de separação que estava no meio. O mundo ainda estácheio desse
preconceito racial -pessoas que não hesitam em excluir nações inteiras e a
condená-las, a falar delas com sarcasmo e zombaria; e, por sua vez, os
condenados fazem exatamente a mesma coisa. Essa é a verdade com relação a
classes, com relação a grupos. A humanidade toda está dividida dessa maneira.
Não é algo superficial, é profundo na vida do homem, é elementar. Num sentido
é algo que está fora do controle do homem. Ele tenta dominar isso, coloca por
cima um revestimento de cavalheirismo e polidez, ele pode sorrir para alguém
que ao mesmo tempo ele está amaldiçoando em seu coração. Montamos o
espetáculo, e as aparências são resguardadas, porém por baixo há inimizade e
desunião; e o simples fato de que as pessoas mutuamente sorriem e apertam as
mãos não nos diz nada, necessariamente, do que se passa em seus corações. Elas
podem publicar os seus comunicados e, todavia, ao mesmo tempo podem estar
planejando e conspirando o fracasso umas das outras e fazendo várias coisas
inamistosas umas contra as outras. Todos nós sabemos muito bem disso. A arte
da política, geralmente assim chamada, seja política local ou imperial ou
internacional, baseia-se precisamente na suposição de que não se pode confiar
em ninguém e que você tem que estar de olho nos seus melhores interesses,
fazendo concessões quando lhe for conveniente.
Essa é, pois, a verdade acerca da humanidade. E é a verdade ao nível
individual exatamente como o é ao nível internacional. Portanto, não somente é
ser novato nestas questões, e ingênuo, falto de instrução e iletrado quanto ao
conhecimento da história, aquele que supõe que as aparências são o que são; é
também profundamente perigoso. Noutras palavras, voltamos a isto: antes que
possa haver unidade entre os homens, tem que haver uma mudança radical neles.
Tem que haver uma mudança na própria constituição deles. O que precisa ser
mudado em cada um de nós, no que somos por natureza, são os nossos
preconceitos fundamentais; não o que fazemos à superfície para favorecer
negócios ou as aparências, mas o que realmente somos, o que realmente cremos

- 309 -
nas profundezas de nosso ser. Enquanto isso não for posto em ordem, será ocioso
e uma pura perda de tempo falar em unidade.

Então, que é que o evangelho faz para produzir esta unidade? Como foi que
estes judeus e gentios vieram a estar juntos? Por que todos os verdadeiros
cristãos são necessariamente um? Eis algumas das respostas:
Todos somos pecadores, e nada, senão o evangelho, leva as pessoas a verem
isso. Todos nós somos pecadores, cada um de nós. Vou além e digo: todos nós
somos igualmente pecadores. O que determina se você é um pecador ou não, não
é a soma total dos pecados que você cometeu, é a sua atitude total para com
Deus. Aqui é que vemos quão fúteis e superficiais são todas as divisões e
distinções. Era isso que mantinha separados o judeu e o gentio. O judeu dizia:
somos o povo de Deus e temos as Escrituras, os oráculos de Deus, temos a lei,
temos o cerimonial e o templo; estes outros não têm nada destas coisas. E
achavam que isso os acertava, que isso fazia uma diferença vital. Mas o
propósito geral da pregação do evangelho, diz o apóstolo Paulo, é mostrar ao
judeu que ele é tão pecador quanto o gentio. "Não há um justo, nem um sequer."
"Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus." Todo o mundo
"tornou-se culpado diante de Deus". Nesta altura vocês vêem como é
inteiramente superficial, e que disperdício de tempo é favorecer as nossas
divisões entre gente muito má, gente má, gente boa, gente muito boa, e gente
nobre. São nossas classificações, não são? A um homem chamamos pecador, um
de fora; e julgamos outro respeitável, muito fino e muito bom. Realmente
atribuímos significação a todas estas divisões e distinções. No momento em que
você vem para o evangelho, tudo isso é demolido e se torna completamente
irrelevante. A prova, afinal de contas, não é o que somos entre nós e de acordo
com as nossas medidas e os nossos padrões. Cada um de nós tem que vir à
presença de Deus. E, face a face com Ele, somos todos pecadores, somos todos
vis. Não O conhecemos. Não O servimos como devíamos. Quebramos as suas
leis. Cada um foi por seu próprio caminho. "Todos nós andamos desgarrados
como ovelhas" (Isaías 53:6).
Entendemos isso perfeitamente bem na esfera natural. Mas de algum modo
falhamos não aplicando isso à esfera espiritual. Temos os nossos padrões para
medir a luz e a energia elétrica, e assim por diante. Falamos em voltagem, em
tantos ou quantos watts e em coisas como essas, e aí estão divisões e di stinções
-1 igarei uma 1 âmpada de 150 watts ou uma de 15? Que diferença! A diferença
parece ser muito importante. Contudo, leve as duas, a de 15 e a de 150, e
coloque-as diante do sol, e as suas diferenças não importarão mais. Não importa
se você tem uma vela ou uma candeia ou uma lâmpada muito poderosa, à luz do
sol elas são trevas, por assim dizer, e as diferenças são irrelevantes e não pesam

- 310 -
nada. E assim na esfera espiritual. Todos nós estamos face a face com Deus. E
quando estou na presença de Deus e da Sua santidade e da Sua lei, não me servirá
de ajuda pensar que talvez eu seja um pouco menos mau do que alguma outra
pessoa; a questão é: sou suficientemente bom para Ele? Sou suficientemente
bom lá? E o que este evangelho fez foi mostrar Deus aos homens e mostrar os
próprios homens à luz de Deus; e estão todos condenados, estão todos sob um
denominador comum. Não há judeu nem gentio, bárbaro, cita, escravo nem livre,
rico nem pobre, instruído nem ignorante. Todas estas coisas são irrelevantes -
preto ou branco, este lado de uma cortina ou aquele. Isso não importa, todos
pecaram. Esse é o primeiro passo para a unidade. Antes que possa haver unidade,
todos nós temos que ser derrubados ao pó. Enquanto qualquer de nós estiver de
pé, e quiser impor-se, nunca vocês terão unidade, porque ele está se gabando de
alguma coisa, está agarrado a algo que lhe é peculiar. Vocês jamais conseguirão
unidade dessa maneira; temos que dar cabo do ego. Mas aqui, encarando Deus
no evangelho, somos lançados ao pó, somos forçados a ver anossa total
pecaminosidade, e um a um vemos exatamente em que situação estamos na
Suapresença.
Essa primeira resposta leva inevitavelmente à segunda. Não só todos nós
somos igualmente pecadores, porém também somos todos igualmente incapazes.
Pois bem, essa era a dificuldade com o judeu; ele não percebia a sua
incapacidade. Achava que o seu conhecimento da lei ia salvá-lo de um modo ou
de outro. Mas ele passou a ver que não ia. Como o apóstolo diz no capítulo três de
Romanos: "pela lei vem o conhecimento do pecado". Certamente! Muito valiosa
nesse aspecto! "Eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: não
cobiçarás" (Romanos 7:7). Ela marca a coisa. A lei é de inestimável valor nesse
aspecto. No entanto, o tolo judeu achava que o seu conhecimento da lei puro e
simples de algum modo o salvava. Mas não o fazia nem podia fazê-lo. A lei
simplesmente condena; não ajuda a salvar. Isso é vital para o argumento geral
deste apóstolo, e para o argumento geral do evangelho em toda parte. Ouçam-no
dizê-lo também em Romanos 8:3: "Portanto o que era impossível à lei, visto
como estava enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da
carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne; para que a justiça da
lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o
Espírito". Aí está, uma vez por todas. Não somente somos todos pecadores, todos
nós juntos, porém igualmente somos todos incapazes em nosso pecado.
Podemos, com grande determinação e força de vontade, tentar ser melhores, mas
inutilmente. Há pessoas que podem levar uma vida excelente, abstêmia e nobre;
podem dedicar-se e aperfeiçoar-se e a elevar-se na escala moral; entretanto quão
fútil isso é, pois a tarefa é chegar a Deus! E ocioso gabar-se dos cavalos de força
dos seus carros motorizados quando você se defronta com uma montanha que o

- 311 -
carro mais poderoso não poderá subir. E essa é a situação do homem em pecado.
Não importa quão grande seja a luta moral de um homem, ele, por si mesmo,
nunca poderá chegar a satisfazer a Deus e às Suas exigências. Ninguém poderá
permanecer de pé no juízo simplesmente firmado em sua justiça própria e por
seus próprios esforços; quando compreendemos isso, todos só temos que dizer:

Meus labores, minha mão Cumprir jamais poderão O que Tua lei exige;
Se o meu zelo e o meu ardor Repouso não conhecessem E as minhas sentidas
lágrimas Perpetuamente corressem, E tudo pelo pecado,
Pecado não poderiam Expiar;
nunca o fariam!

Somos todos um em nossa incapacidade, em nossa fraqueza, em nossa


desesperança, em nossa ineficácia; estamos juntos no pó. A compreensão disso é
que traz unidade. Antes disso, altaneiro, alguém diz: eu sou melhor do que você,
progredi muito mais que você. Jazendo desamparados no pó, percebemos que
não temos de que nos gabar, não temos nada que possamos falar. Somos
silenciados, todos nós juntos. A competição é abolida. Negativamente, estamos
todos na mesma situação.

E isso, naturalmente, leva a outro ponto que o apóstolo salienta. Todos nós
viemos ao mesmo e único Salvador. Como o apóstolo se delicia em repetir o
nome! "Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue
de Cristo chegastes perto" - vejam vocês como ele o repete logo! "Porque ele é a
nossa paz, o qual de ambos os povos fez um"; "Na sua carne (ele) desfez a
inimizade, isto é, a lei dos mandamentos"; "para criar em si mesmo dos dois um
novo homem"; "e pela cruz (ele pudesse) reconciliar ambos com Deus em um
corpo"; "e, vindo ele, evangelizou a paz"; "porque por ele ambos temos acesso."
E sempre esta bendita Pessoa. Aqui estamos começando a ver o assunto
positivamente. Estamos todos juntos no pó, nas cinzas e em trapos. Então
erguemos os olhos e olhamos juntos para a mesma Pessoa bendita. Não estou
interessado num Congresso Mundial das Crenças. Não posso ajoelhar-me e estar
com pessoas, das quais uma está com os olhos postos em Confúcio, outra em
Maomé, outra em Buda e outra em algum filósofo. Não posso! Há somente Um
para quem olhar, o bendito Filho de Deus. E eu não tenho nenhum sentimento de
unidade e nenhuma comunhão com quem não esteja olhando comigo para o
mesmo Salvador. "Há um só Deus e um só Mediador (unicamente um Mediador)
entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem" (1 Timóteo 2:5). Não há unidade
sem isso. Estamos juntos no fracasso e na incapacidade, e agora estamos olhando
juntos para a mesma Pessoa bendita. E se não estamos, de que vale falar em
unidade? De que vale falar em ter coisas em comum e em afirmar que somos

- 312 -
todos um, se há alguma dúvida sobre Ele, quanto a se Ele é o Filho de Deus ou
apenas homem? Sehouver qualquer dúvidasobre isso, não haverá unidade, não
haverá comunhão. Temos que confessar juntos que há somente um Salvador,
unicamente um Senhor Jesus Cristo, Deus e homem, duas naturezas em uma
pessoa, nascido da virgem, Maria, crucificado sob PôncioPilatos, ressurreto.
Épreciso quenão haja dúvida sobre Ele! Não haverá unidade, a menos que
estejamos de acordo sobre Ele! O mesmo Salvador, a mesma Pessoa!
E depois temos a mesma salvação! Devemos particularizar, vocês sabem.
Não basta dizer: ah, eu creio em Cristo e sou um com todos os que crêem em
Cristo. Todavia, o que significa crer em Cristo? Bem, notem como o apóstolo o
expressa. Diz ele que "naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da
comunidade de Israel, e estranhos aos concertos dapromessa, não tendo
esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes
estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto". Esse é o único
caminho. Eu não estou perto de um homem qualquer, a não ser que ele tenha sido
trazido para perto pelo sangue de Cristo. Não tenho comunhão com alguém que
não gosta da teologia do sangue. Ele poderá dizer-me, se quiser, que crê em
Cristo, porém eu não conheço nenhum Cristo, exceto o Cristo que morreu por
mim e pelos meus pecados na cruz. Não tenho acesso ao Pai, exceto "pelo sangue
de Jesus". O homem que deixa de lado a cruz é um homem com quem eu não
estou em comunhão, não me interessa que título ele se dê. Não há unidade,
exceto entre os que pertencem ao grupo dos comprados pelo sangue, os quais
compartem a mesma salvação na qual a cruz é inevitável, essencial e central.
"Nenhum outro havia suficientemente bom para pagar o preço do pecado." Deus,
diz ainda Paulo no capítulo três de Romanos, tem que ser justo quando age como
justificador daquele que crê em Jesus. Não posso crer num Deus que possa
tolerar o pecado e fingir que não o vê. Deus é "santo, justo e reto". Ele disse que
punirá o pecado, e terá que fazê-lo; e creio que Ele o fez em Cristo, na cruz. Foi
aquele mesmo Cristo da cruz que literalmente saiu corporalmente do túmulo e
subiu ao céu para a minha justificação. Sou um só com aqueles que estão
vestidos com a mesma veste dejustiça, que é a justiça de Cristo. Não há unidade
quando as pessoas estão com vestes diferentes - uma com a sua justiça moral,
outra com a justiça de alguma filosofia, a outra com a justiça de Cristo. Não
somos um com ninguém, senão com os que "lavaram as suas vestes no sangue do
Cordeiro" e estão imaculadamente vestidos com a justiça do Filho de Deus. Esse
é o argumento; não somente na passagem que estamos estudando, é o argumento
em toda parte. Compartimos uma "salvação comum". Essa é a expressão
utilizada, vocês se lembram, na Epístola de Judas.
Todas estas coisas são comuns a todos os cristãos. Além disso, temos o
mesmo Espírito Santo habitando em nós, vivendo em nós, agindo em nós, e

- 313 -
realizando exatamente a mesma obra em nós. O apóstolo já o tinha mencionado.
É "por um só Espírito" que temos este nosso acesso ao Pai. "Operai a vossa
salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer
como o efetuar" - o mesmo Deus, o mesmo Espírito Santo! Unidade
maravilhosamente orgânica! Quão diferente é isso de dizer-se superficialmente:
unamo- -nos. Há um inimigo comum, esqueçamos as nossas diferenças! Neces-
sitamos de uma mudança radical. É a nossa natureza que causa divisões, e seja o
que for que não trate da nossa natureza, não terá a mínima possibilidade de
resolver o problema. E para mudar a nossa natureza, eis o que é necessário - é
preciso que venha o Espírito Santo. E Ele veio, está em todos nós, está
produzindo em nós - e isto é talvez, em muitos aspectos, o que há de mais
maravilhoso - a mesma nova natureza. "Se alguém está em Cristo, nova criatura
é (uma nova criação); as coisas velhas jápassaram; eis que tudo se fez novo."O
cristão não é alguém que fez automelhoramento, ou que até certo ponto aprendeu
a dominar-se e, na linguagem das Escrituras, "limpou o exterior do copo e do
prato". Nada disso! Ele é um novo homem. Deus o fez "participante da natureza
divina". E a natureza divina é caracterizada pelo amor.
Como podemos conseguir unidade, se não houver amor? Mas o Espírito
Santo produz este novo homem, esta nova natureza. Este "fruto do Espírito"
vê-se em todos os cristãos, e assim é que temos a unidade inevitável. Todos os
cristãos nascem do Espírito, do mesmo Espírito. "Necessário vos é nascer de
novo", disse Cristo a Nicodemos. "O que é nascido da carne é carne, e o que é
nascido do Espírito é espírito." Isto é absolutamente essencial. Os homen nunca
serão um, se não tiverem esta mesma natureza comum. Em Cristo nós a temos. E
Ele criou em Si mesmo "dos dois um novo homem, fazendo a paz". Esta Sua
nova humanidade! E assim, com esta no va natureza, com esta nova disposição
dentro de nós, nós que somos cristãos, temos os mesmos interesses, estamos
preocupados com as mesmas coisas e temos os mesmos desejos. Por isso,
quando nos encontramos, logo vemos que temos esta co-participação em
interesses e desejos. Não é difícil achar algo de que falar quando você se
encontra com um cristão. Você o reconhece na hora. Vocês conversam sobre as
mesmas coisas, sobre estes assuntos espirituais; não ficam mais conversando
sobre o mundo e as suas pomposas e superficiais nulidades, e sim, sobre os
interesses eternos, a alma, Deus, Cristo, a salvação, o novo nascimento, e todas
estas coisas. Os cristãos se reúnem e se falam. É como são descritos os fiéis do
Velho e do Novo Testamentos. Pessoas que se conhecem, que se sentem
mutuamente atraídas, que se entendem; não precisam de introduções bem
elaboradas, logo pegam estes tópicos comuns, os mesmos desejos os anima, e
compartilham as mesmas esperanças. Como é inevitável a unidade entre os
cristãos!

- 314 -
Depois isso nos leva a esta verdade: temos o mesmo Pai. "Porque por meio
dele (ou por ele) ambos temos acesso ao Pai por um só Espírito" (VA).
Pertencemos uns aos outros porque pertencemos a Deus. Somos filhos do
mesmo Pai. Ora membros de uma família, podemos discordar e brigar às vezes,
porém há por trás uma unidade fundamental. Essa é a diferença entre a
verdadeira unidade entre os cristãos e esta unidade produzida artificialmente
sobre a qual o mundo e, infelizmente, a Igreja tanto falam no presente. Você
pode olhar para uma família e dizer: eles parecem odiar uns aos outros, vejam
como brigam. Mas, se você procurar conviver com eles, logo verá que eles são
um, porquanto há uma unidade de sangue. Eles pertencem à mesma família, ao
mesmo pai. Eles têm direito, por assim dizer, têm liberdade de discordar,
entretanto há sempre esta unidade básica. Todavia, naquelas outras pessoas, que
à superfície parecem tão unidas, por baixo, no coração, não há nada sólido, e a
aparência de unidade entra em colapso na hora da maior necessidade. Como
cristãos verdadeiros, temos um só Pai. Somos filhos do mesmo Rei celestial. E,
portanto, temos os mesmos interesses familiares.
Não somente o acima exposto caracteriza a todos nós como cristãos, mas
até as mesmas provações nós temos. Temos as mesmas tentações. Temos os
mesmos problemas. Isso às vezes nos faz compreender a unidade mais que
qualquer outra coisa. Quando você pensa que está só em suas dificuldades,
provações e tribulações, e vem à casa de Deus, como fez o homem do Salmo 73,
você logo se dá conta: "Bem, de qualquer forma, não estou sozinho nisto". Você
encontra alguém e começa a contar-lhe os maus momentos pelos quais está
passando. E quando você lhe pergunta como vão as coisas com ele, ele lhe diz a
mesma coisa que aconteceu com você na mesma semana. Visto que somos
espirituais, visto que temos esta nova natureza, temos os mesmos inimigos - o
mundo, a carne e o diabo - e eles nos atacam do mesmo modo. Assim
entendemos, levamos as cargas uns dos outros, temos compaixão uns pelos
outros. "Não veio sobre vós tentação, senão humana", ou "senão a que é comum
aos homens" (VA). E o que Paulo diz aos coríntios (1 Coríntios 10:13). Estamos
todos tomando parte na mesma batalha, na mesma luta "contra os principados,
contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes
espirituais da maldade nos lugares celestiais". Mas, louvado seja Deus, na luta
experimentamos a mesma graça divina, a mesma libertação, o mesmo Salvador,
o mesmo Guia, Mentor e Amigo.
E, finalmente, estamos todos marchando e indo para o mesmo lar eterno.
Como cristãos, compreendemos como ninguém que este mundo é passageiro,
que esta existência é tão-somente uma escola preparatória. Este não é nosso lar;
estamos marchando para o céu, para a glória. Temos a mesma esperança posta
diante de nós. Há muitas diferenças aqui - diferenças de nacionalidade,

- 315 -
diferenças de dons. Podemos diferir na aparência, e em mil e um outros aspectos
- sim, mas todos nós estamos indo para o mesmo lugar, para a mesma eternidade
e a mesma glória, para o mesmo Deus, para o mesmo céu. Temos os olhos postos
na mesma "recompensa de galardão".

Vocês não concordariam que as proposições que apresentei no começo


estão justificadas? Não existe isso de unidade, exceto nas pessoas caracterizadas
por estas coisas. Nenhuma outra unidade, assim chamada, tem qualquer valor.
Mas, ao mesmo tempo, devemos acrescentar que, tolerar qualquer coisa que
divida pessoas dotadas destas características, é pecado. De modo que, quanto a
mim, não dou importância ao rótulo de uma pessoa; as pessoas que eu realmente
conheço e nas quais estou interessado, são aquelas que são verdadeiramente
caracterizadas por estas coisas que venho salientando. Não estou interessado em
seu país, em sua cor, em seus dons, habilidades, posses, nem em algum rótulo
que o mundo dos homens dê a eles. Se um homem me diz que sabe que é pecador
sem esperança, vil, condenado, perdido, e que se apóia unicamente no fato de
que o Senhor Jesus Cristo morreu por seus pecados, que o Seu corpo foi partido e
o Seu sangue foi derramado por seus pecados, que põe sua confiança unicamente
nessa obra expiatória e reconciliatória realizada por Cristo, que Cristo foi seu
Substituto, e que Deus em Cristo pelo Espírito fez dele um novo homem e lhe
deu uma nova natureza, então estou com esse homem. Pertenço a ele e ele me
pertence, e nãò admitirei que coisa alguma nos separe. E cada vez me parece
mais pecaminoso permitir que alguma coisa nos separe. Seria certo tais pessoas
estarem distribuídas entre as diversas denominações como estas são, e ligadas a
pessoas com as quais elas não têm fundamentalmente nada em comum, a não ser
simplesmente a tradição? A unidade verdadeira é esta unidade do Espírito, esta
unidade da nova natureza, esta unidade que é em Cristo e Este crucificado, a
unidade do Seu sangue, a unidade do próprio Senhor.
Queira Deus, em Sua graça infinita, dar-nos capacidade para ver estas
coisas. A unidade do Espírito é o único e veraz vínculo da paz. Graças a Deus,
todos os que pertencem a Ele, nascidos do Seu Espírito, são dEle e são um, apesar
da sua cegueira, do seu pecado e da sua incapacidade de levar ã plena realização
essa gloriosa verdade!

- 316 -
JÁ NÃO SOIS ESTRANGEIROS
22
"Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus." - Efésios 2:19

Conforme fomos percorrendo o nosso caminho através dos diversos


pormenores da argumentação do apóstolo iniciada no versículo 11, vimos que o
apóstolo esteve dando ênfase a duas coisas. A primeira é a grandeza da mudança
que necessariamente tem que ocorrer em nós, antes de sequer nos tornarmos
cristãos. Não se conhece maior mudança em qualquer esfera ou departamento
que aquela pela qual todos nós passamos quando nos tornamos cristãos. É uma
nova criação, nada menos que isso. A segunda coisa que obviamente emerge é o
privilégio da nossa posição como cristãos e como membros da Igrej a Cristã,
como membros do corpo de Cristo. As duas coisas estão aí, vocês notam, em
todo o transcurso da argumentação. Os efésios eram aquilo, e se tornaram isto', e
agora são um com os judeus pois também eles se tornaram cristãos, e juntos são
um só corpo, a Igreja, e servem a um só Pai.
Chegamos agora ao privilégio dessa posição. É a esse assunto que o
apóstolo se dedica neste versículo dezenove e que ele desenvolve no restante
deste capítulo. Ele deixa de pensar em termos de judeus ou gentios, ou de
quaisquer diferenças; ele agoranos descreve o privilégio de alguém que é cristão,
quer judeu quer gentio. A diferença não importa mais, tudo isso já terminou - um
só novo homem! Aqui ele está focalizando este novo homem, esta nova
humanidade, esta nova realidade que veio a existir, a Igreja Cristã. Seu interesse
é mostrar-nos quão maravilhosa ela é. Ele o faz empregando três figuras. A
primeira é a figura de um Estado - os cristãos são cidadãos de um grande reino,
de um grande Estado. A segunda é que eles são membros de uma família - "da
família de Deus". E em terceiro lugar ele pensa nos cristãos e na Igreja Cristã
como um templo no qual Deus habita.
Esse é o tema aqui - o privilégio de ser cristão. Ele quer que estes efésios se
dêem conta disso. É um retorno ao tema do versículo dezenove do capítulo
primeiro e o seu contexto. O apóstolo disse a essas pessoas que ele estava orando
por elas, pedindo que os olhos do seu entendimento fossem iluminados, para que
elas soubessem "qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da
glória da sua herança nos santos; e qual a sobreexcelente grandeza do seu poder
sobre nós, os que cremos". E isso que ele quer que eles vejam - o privilégio de ser
cristão. E é a isso que nos devemos apegar, mais do que a qualquer outra coisa.
Todas as exortações desta Epístola, e de todas as outras, dirigidas aos cristãos,
realmente são resultantes desta doutrina. Se apenas compreendêssemos
exatamente o que somos e quem somos como cristãos, a maior parte dos

- 317 -
problemas da nossa vida diária seria resolvida automaticamente. E porque não
compreendemos issso, e o privilégio da nossa posição, que surgem os problemas.
Se compreendêssemos, nunca invejaríamos os não cristãos, nunca
procuraríamos viver tão perto deles quanto possível, nem nos lamentaríamos por
não estarmos na posição deles. Tudo isso se deve à incompreensão do que
somos. Assim, o apóstolo o diz dessa maneira maravilhosa. Vocês notaram que,
antes de chegar a estas três figuras positivas, ele começa com uma negativa? O
povo não gosta de negativas hoje em dia; mas o apóstolo gostava. "Assim que",
ou "Portanto, agora" (VA); será que ele vai dizer alguma coisa positiva? Não, ele
vai começar com uma negativa. "Portanto, agora já não sois estrangeiros e
forasteiros, mas..." Depois ele passa à colocação positiva.
Obviamente, o apóstolo se sentira constrangido a introduzir a negativa outra
vez. Noutras palavras, ele volta aos versículos onze e doze, onde dissera:
"Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne, e
chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela
mão dos homens; que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da
comunidade de Israel, e estranhos aos concertos da promessa, não tendo
esperança, e sem Deus no mundo". Ele apenas olha de relance para isso de novo
e daí começa com esta negativa: "Portanto, agora já não sois estrangeiros, nem
forasteiros". Por que vocês acham que ele faz isso? Parece-me óbvio que a sua
razão para fazê-lo deve ser que não será de nenhuma utilidade prosseguir e
considerar os privilégios da nossa posição, se não estivermos completamente
seguros de que estamos nessa posição. De nada vale que lhe digam exatamente o
que se aplica a uma certa posição, se você não está nessa posição. Portanto, é
essencial que deixemos bem claro para nós mesmos que tudo isso realmente se
aplica a nós. Antes de começar a ver a minha cidadania, ou a minha relação como
membro dessa família, ou a mim mesmo como uma pedra desse edifício, desse
templo, devo indagar a mim mesmo: estou ali? Isso tudo é aplicável a mim?

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No caso dos efésios não havia dúvida ou questão alguma acerca desta
matéria. Diz o apóstolo: portanto, agora vocês não são mais aquilo, são isto. Era
óbvio, estava claro e patente para todos. Essas pessoas, quando pagãs, haviam
tido certo tipo de vida. Por outro lado, os judeus tinham vivido um diferente tipo
de vida e seguiam um padrão muito diferente de culto. Ninguém podia ser
convertido do paganismo ao cristianismo e estar na fé cristã sem passar por uma
mudança muito grande. Tinhaque deixar certas práticas e costumes, tinhaque
renunciar a certos deuses aos quais servia antes, declará-los "não deuses", e
muitas outras coisas. Era uma mudança óbvia. Paulo dizia: "Já não mais sois...,
mas (sois)...". Isso é algo que se aplica verdadeiramente aos chamados "cristãos
da primeira geração". Aplicava-se ao caso dalgreja Primitiva. Também é
aplicável ao contexto da obra missionária estrangeira. As missões estrangeiras
ocupam-se de lugares onde o evangelho nunca fora ouvido. O evangelho é
pregado a pessoas que estavam no paganismo e nas trevas. É ouvido pela
primeira vez, e as pessoas crêem, e a mudança delas é óbvia.
A primeira geração de cristãos! Mas não é tão simples quando se trata da
segundageraçãodecristãos; eémais difícil ainda quando se trata da terceira, da
quarta, da quinta - da décima - da vigésima geração. Assim é que, ao passo que a
coisa estava perfeitamente clara no caso destes efésios, nem sempre está tão clara
agora. Nunca é tão fácil e simples num país que se diz cristão, e onde muitos
supõem tacitamente que todo aquele que nasce em tal país só tem que ser cristão.
Não é tão fácil quando as pessoas foram criadas nas igrejas e numa atmosfera
cristã, e sempre freqüentaram um local de culto e a Escola Dominical e
participaram de atividades cristãs. Portanto, é muito importante que
interpretemos isto não somente no cenário no qual foi originariamente escrito, e
sim também em nosso próprio cenário particular; pois, como tentarei mostrar, o
princípio é sempre exatamente o mesmo; a aplicação é que difere. Aqui o
apóstolo estava primariamente preocupado com o princípio. Ele não estava
simplesmente se regozijando no fato de que estes efésios eram membros de uma
igreja como tais, e tinham os seus nomes num rol de igreja. Não é disso que ele
está falando. Ele está falando sobre o princípio de vida. Ele estivera fazendo isso
o tempo todo neste parágrafo altamente espiritual. Ele chega a nós, portanto,
nesta forma particular de pergunta. Era óbvio que estas pessoas tinham sido
incrédulas e agora eram cristãs. A questão quanto a nós é: isso é tão definido, tão
claro e inequívoco em nós como era nos efésios?
As duas palavras utilizadas pelo apóstolo nos ajudarão a encarar este assunto da
máxima importância. A primeira, como vocês vêem, é a palavra "estrangeiros"
(VA: "estranhos"). "Portanto, agora já não sois estranhos." Que é um estranho?
Estranhos são os que se acham entre um povo que não é o deles. Quando você é
um estranho, você está no meio de um povo que não lhe pertence. Todos

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pertencem uns aos outros, mas você é um estranho, não lhes pertence, eles não
são o seu povo. A segunda palavra é a que é traduzida por "forasteiros" (VA:
"estrangeiros"). As vezes vocês a verão traduzidas por "residentes temporários",
ou "forasteiros" (ARC). Ambas as expressões são muito boas. Que é que
significa essa palavra? Originariamente era a descrição de alguém que morava
perto de uma comunidade, porém não nela; por exemplo, um homem que vive
perto do muro da cidade, do lado de fora. Ele está perto da cidade, mas não está
nela. Ele não pertence à cidade; mora perto, todavia não nela. Esse era o sentido
original, mas agora passou a ter o sentido de pessoas que se acham num lugar que
não é o seu país. O primeiro termo, "estranhos", dá mais a idéia de uma unidade
familial, de uma espécie de relação de sangue, ao passo que esta outra,
"estrangeiros" ou "forasteiros", compele-nos inevitavelmente a pensar mais em
termos de uma comunidade política, um Estado, ou um país, ou um reino.
Estrangeiro é quem está num lugar que não é o seu próprio país. Quer dizer que,
embora este homem esteja vivendo no país, não possui a cidadania desse país,
não se naturalizou, não tem direito à residência permanente nesse país. Ou, para
dizê-lo de modo ainda mais simples, reside ali baseado num passaporte. Pois
bem, são estas as duas palavras empregadas pelo apóstolo Paulo: estranhos e
estrangeiros (VA) ou forasteiros, pessoas que vivem ali, talvez há bastante
tempo, mas continuam sendo estrangeiras. Outro lugar é o seu lar; aqui esses
estrangeiros residem graças a um passaporte, e têm que renová-lo
periodicamente. E essa, então, a figura que o apóstolo coloca diante de nossas
mentes. E vocês podem observar que quando ele chega à argumentação positiva,
ele inverte a ordem: começa com a cidadania e depois passa ao relacionamento
familiar. No entanto, neste momento estamos interessados primordialmente na
negativa.
Notem como esta questão é sutil. Vemos isso muitas vezes na prática.
Alguém pode estar vivendo na família, alguém que está vivendo na família há
anos, é quase da família e, contudo, não é da família. Embora esta pessoa esteja
compartindo a vida da família de todas as formas que possamos conceber, ele ou
ela ainda não pertence à família. E é aí que entra a dificuldade. Um estranho, um
visitante, poderia muito bem pensar e dizer: obviamente, esta pessoa é da
família. E, todavia, depois de conhecer os moradores passado breve tempo,
descobririanão ser este o caso. É exatamente a mesma coisa com um país. Pode
haver pessoas vivendo num país, residentes há muitos anos, e alguém, em visita
ao país, vendo-as poderia ter como certo que qualquer delas é de fato daquele
país, é simplesmente um cidadão típico - que faz o mesmo tipo de coisas que os
outros cidadãos fazem, vão ao trabalho de manhã, voltam à noite no mesmo
trem, seguem exatamente a mesma rotina. E, na verdade, aquela pessoa não

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pertence a esse país, não é um cidadão local, mas vive ali mediante um
passaporte.
Aí vemos, numa figura, a idéia que precisamos ter bem presente em nossas
mentes. Esse tipo de coisa acontece na Igreja de Deus; esta mesma situação, de
viver com uma família e não pertencer a ela, estar num país e não ser seu
cidadão. E possível estar num grupo e não ser do grupo. Certamente vocês se
lembrarão de que quando os filhos de Israel subiram do Egito e foram para
Canaã, é-nos dito, numa frase deveras extraordinária, que "subiu também com
eles uma mistura de gente" (ou, "uma multidão mista", VA, Êxodo 12:38).
Foram com eles, partilharam os mesmos riscos, os mesmos problemas e
dificuldades que os filhos de Israel enfrentaram, porém não pertenciam a eles.
Eram uma "multidão mista". Mas de fato o apóstolo leva mais longe o ponto, na
Epístola aos Romanos, quando diz: "Nem todos os que são de Israel são
israelitas" (Romanos 9:6). Que frase! Você olha para aquele monte de gente, e
diz: são todos de Israel. Todavia não é essa, necessariamente, a conclusão certa.
Há Israel e "Israel". Há um "Israel" do espírito, como também há um Israel da
carne. Há um remanescente no povo. Esse é o ensino do apóstolo, e nestas
Epístolas do Novo Testamento, é uma doutrina vital e sumamente importante.
Você pode ser de um grupo e, contudo, não pertencer realmente a ele. O apóstolo
João diz a mesma coisa acerca de certas pessoas que tinham saído da Igreja
Cristã Primitiva. "Saíram de nós", diz João, "mas não eram de nós; porque, se
fossem de nós, ficariam conosco" (1 João 2:19). Tinham estado entre eles, mas
não eram deles. Tinham estado na Igreja e pareciam cristãos, porém nunca
pertenceram realmente à Igreja.

Essa é a espécie de questão que se nos apresenta aqui. Consideremo- -la na


forma de alguns princípios. O primeiro é que a diferença entre o cristão e o não
cristão é clara e definitiva. A despeito de tudo o que eu estive dizendo,
permanece o princípio segundo o qual há uma clara distinção entre um cristão e
um não cristão. Paulo diz algo semelhante a isso, para expressá-lo: "Vocês - não
são mais". Há uma mudança, uma mente isto que o Novo Testamento está
sempre salientando. Este é um ponto realmente fundamental. Concordaríamos
que, ou somos definidamente cristãos, ou senão, não somos cristãos?
Concordaríamos que não existe isso de haver uma posição intermediária em que
o indivíduo espera ou tenta ser cristão? Se você está simplesmente esperando ou
tentando ser cristão, você não é. Estar na soleira da porta não é estar dentro, e não
ajuda nada estar na soleira quando a questão é: você está dentro ou não? Quantas
vezes isso é descrito nas Escrituras! O nosso Senhor traça o quadro das pessoas
que vêm bater àporta e dizem: "Abre para nós"; mas a resposta que vem de

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dentro é: não, vocês estão fora, não são daqui. Ou somos cristãos, ou não somos
cristãos.

Assim, o segundo ponto que apresento, o meu segundo princípio, consiste


em acentuar a importância vital de sabermos o que somos. Ora, aqui, de novo, a
ilustração de Paulo nos ajuda. Pergunto: como se torna claro e óbvio se somos
estranhos e estrangeiros (forasteiros), ou se realmente somos do lugar? Sempre
acaba ficando claro. Não importa quão íntima seja a relação, e quão amigo você
seja de alguém que esteja vivendo com você na família. Temos um dito que
resume tudo muito bem - "Afinal de contas, o sangue é mais grosso do que a
água." Certas coisas aparecem na vida quando o que de fato importa é a relação
de sangue. E é nesse ponto que o pobre estranho começa a sentir que não passa
de um estranho, afinal. Durante anos ele pode achar que as distinções eram
irrelevantes, e pode ter dito: eu sou um deles, sou membro da família e sempre
fui tratado como membro da família. Mas, de repente, numa crise, ele descobre
que não é. "O sangue é mais grosso do que a água." Não se pode explicar estas
coisas; vocês até podem dizer que há muita coisa errada numa situação como
essa. Pode ser, porém é como funciona na prática. Se alguma coisa fundamental,
elementar, subitamente vier à superfície, logo você verá toda uma família que
talvez estivesse em confusão, repentinamente tornar-se unânime. E o pobre
estranho percebe que é um de fora.
Ou vejam a outra ilustração que talvez coloque isso de maneira mais clara
ainda. Tomem o caso de uma pessoa que se acha noutra terra como forasteiro,
como estrangeiro. Pode ter vivido ali vinte, trinta, quarenta anos, gosta de viver
ali, é estimado por todos e se sente feliz. Todas as distinções parecem
irrelevantes. Que importa se o que ele tem é um passaporte, e não uma verdadeira
cidadania, e tem que providenciar renovação e visto e tudo o mais? Mas,
esperem! Súbita e inesperadamente, o país natal deste homem e o no qual ele está
vivendo, têm um litígio; não resolvem o litígio, e é declarada guerra. E este
homem, que pode estar vivendo há quarenta anos no país, de repente vê que é um
estrangeiro, e que todos o olham com suspeita. Poderá ser posto em reclusão ou
ser enviado de volta ao seu país. Parecia ser um membro da comunidade, um
cidadão do país, unido aos verdadeiros cidadãos; porém quando surge uma crise,
uma prova, uma tribulação, logo fica claro que, afinal, ele é um estrangeiro.
Vimos muito desse tipo de coisa neste país em 1914 e em 1939. As vezes chega a
ser trágico, contudo acontece.
Retornemos, então, ao princípio que achamos percorrendo as Escrituras, de
capa a capa. Por que é importante saber se você é cristão ou não? Vou dizer-lhe.
É na hora da prova que isso se torna de vital importância para você. É nas provas
e tribulações que isso vem à luz. Você vai vivendo anos e anos enquanto você

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está bem, robusto e saudável. Você está na igreja, você parece que é da igreja, os
seus interesses estão lá e você é um dos que pertencem à comunidade. Mas, de
repente, você adoece e fica meses de cama. Não demorará muito para você saber
se é cristão ou não. Isso faz uma vital diferença então. Ou quando um membro da
família fica enfermo, quando há privação ou luto, ou alguma terrível tristeza de
arrebentar o coração, Ah, é então que isto se torna da maior importância. Se você
só "reside baseado no passaporte", isso não parece ajudá-lo. No entanto, se você
realmente pertence à comunidade, isso fará toda a diferença do mundo. Mas,
levemos isto à última instância. Esta nos é dada pelo Senhor mesmo. Não seria
disso que trata a parte conclusiva do capítulo sete de Mateus? Estas pessoas que
parecem cristãs e que dizem: "Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome...
e em teu nome não fizemos muitas maravilhas?" - estavam na igreja, eram ativas
na igreja, eram gente de igreja. Todavia Cristo diz: "E então lhes direi
abertamente: nunca vos conheci; apartai- -vos de mim, vós que praticais a
iniqüidade". Um estranho, afinal, um estrangeiro, em última análise; passaporte
devolvido, navio ao largo, expulso do país! Ah, a vital importância de
certificar-nos absolutamente do que somos, se continuamos sendo "estranhos e
estrangeiros", ou se realmente somos daqui.

Para ser prático, deixem-me colocar o meu terceiro princípio em termos de


perguntas. Como podemos saber disso? Como podemos resolver esta questão?
Quais são as provas? Vou sugerir algumas respostas bem simples, baseadas na
ilustração utilizada pelo apóstolo.
Começo com amais superficial delas. E a seguinte: um sentimento geral.
Não vou testar vocês, vocês vão testar a si próprios. Amigo, você quer saber se
você é ou não um estranho e forasteiro? Bem, responda estas perguntas: você se
sente realmente bem na igreja? Você se sente à vontade entre os cristãos? Você
se sente em casa? Ou você tem a incômoda sensação de que, de algum modo, é de
fora? É o que acontece quando você vai hospedar-se numa casa de família, não é?
Os hospedeiros são excelentes e mostram amizade, mas você sente que não é
dali, não se sente muito à vontade, está cônscio de que não está em seu próprio
lar, não consegue descontrair-se. Você é um estranho, afinal de contas, embora
todos lhe sejam bondosos, afáveis e amigos. Você se sente em casa entre o povo
de Deus? Você fica à vontade? Ou, apesar de tudo, não passa de um estranho, um
de fora, um intruso que realmente não se enquadra? Ou, permitam-me colocá-lo
assim: você se sente bem, tão bem entre os cristãos como noutros círculos sociais
e com outros tipos de companhia- e com as risadas e pilhérias, as brincadeiras, e
talvez as bebidas e o jogo, você tem liberdade com eles e tem muito que dizer?
Você é um deles? É assim? Você se sente um pouco fora do seu elemento na
igreja? Isto é tremendamente importante. Quando você o coloca em termos de

- 327 -
família, você vê como isso é inevitável. É um desses imponderáveis, como lhes
chamamos, algo que dificilmente você poderá escrever, isto é, pôr no papel, mas
você simplesmente sabe o que é. É assim que eu me sinto, você diz; e o seu
sentimento está certo.
Ou vejam outra abordagem. Haveria um real e vivo interesse? Quando você
pertence a um grupo, trabalha ativamente pelo seu interesse, você tem vivo
interesse. Mais que isso, você realmente se deleita nisso, seu coração está posto
nisso, é o que você ama, é onde você gosta de estar. Você gosta de estar em casa,
você gosta de estar em seu país; você pode admirar outros, porém, afinal de
contas, este é o seu lar. Ora, a mesma coisa aplica-se a este relacionamento. O
homem que verdadeiramente lhe pertence se delicia nisso. Não é questão de
esforço para ele. Não é mera questão de dever. É uma coisa na qual ele tem
satisfação própria e que ele preza acima de tudo mais. Permitam-me resumir toda
esta seção colocando-a nas palavras da Primeira Epístola de João: "Nós sabemos
que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos" (3:14). Sentimos
que pertencemos a eles. Haverá alguns deles dos quais não gostamos, talvez, mas
nós os amamos, porque são irmãos. Podem gostar mais doutras pessoas do que
deles, todavia não é questão de gostar, é questão de amar. As vezes acontece que
um membro de uma família gosta mais de um amigo do que de um irmão ou
irmã; isso não afeta o relacionamento, este é algo elementar, fundamental,
orgânico, e mais profundo que qualquer outra coisa. "Nós sabemos que
passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos." Sentimento geral!
Passemos a uma segunda prova. Entendimento! Quando você está
convivendo com uma família, esta questão de entendimento torna-se
tremendamente importante; e dá-se o mesmo quando você é estrangeiro noutro
país. Eis o que quero dizer: você sabe e entende o que se está falando? Haveria
algo que faça você se sentir mais molestado do que, embora estando assentado
com um grupo, sentir-se, de um modo ou de outro, fora da conversa e não
conseguir penetrar no que está sendo dito? Todosparecem entender-se, usam
certas frases, olham-se uns aos outros como se entendendo, estão todos dentro
do assunto, é uma espécie de maçonaria, por assim dizer; mas você, de algum
modo, não está nisso. Você ouve, faz parte do grupo, está na conversação,
entretanto não é capaz de penetrar no que se diz e não sente prazer nisso. Por
isso, faço- -lhe perguntas como estas: você entende a linguagem do povo de
Deus ? A família tem o seu linguajar próprio. Há os que dizem: não posso
entender esta prosa sobre justificação, santificação, e todos estes termos - você
se sente assim? Não o permita Deus! Eles são termos preciosos para os filhos de
Deus. Estes não se impacientam com eles. São como a criança que ouve os
adultos. De repente ela aparece com uma palavra grande, que ela não entende.
Que é que a criança está fazendo? Está tentando provar que é membro do grupo.

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Está usando uma palavra que o pai usou. E os filhos de Deus são desse jeito. Eles
podem não saber o que significam justificação e santificação, mas, porque são
filhos, querem saber, e se põem a ler, a estudar e fazer perguntas. No entanto, se
você fica impaciente com isso tudo, você está simplesmente proclamando que é
um de fora e que não entende a linguagem. Porventura a linguagem de Sião é
agradável a você? Imagine-se o caso de um homem que foi para outra terra e
teve que falar uma lingua estrangeira; ele toma o navio de volta e, mesmo antes
de desembarcar, ouve de novo a sua lingua materna e, maravilha, como se
regozija! É assim com o cristão.
Mas não é só questão de linguagem, há algo mais. Você sabe algo dos
assuntos que estão discutindo? Você os entende, tem interesse nas questões?
Outra vez, permitam-me usar uma ilustração. Todos nós já tivemos este tipo de
experiência. Estamos hospedados numa casa de família, talvez. São todos
excelentes, bondosos e afáveis, e nos pomos a conversar. Então, de repente,
alguém entra e, observando o seu semblante, você pode dizer que aconteceu algo
de grande interesse para a família. Eles ficam sem graça, querem falar sobre o
assunto, porém você está ali, e eles não podem fazê-lo. Por isso falam por meio
de insinuações, alusões indiretas e rodeios. Você não sabe do que estão falando.
Eles se portam desse modo porque você é um estranho - eles gostam de você,
não o estão insultando, mas você não os entende. Há estes problemas e questões
íntimos que eles não podem compartilhar com você, embora gostem muito de
você, porque você não pertence à família. Dá-se o mesmo com um país. E
também é assim na vida cristã. As questões, os assuntos e os problemas da vida
cristã são do seu conhecimento? Você se interessa por eles? Ou quando você se
assenta e ouve pessoas falando sobre eles, ou talvez quando você ouve alguém
que está tentando pregar, você diz a si mesmo: de que se trata? Não entendo. Se
ele estivesse falando sobre a visita de algum estadista estrangeiro, ou sobre
alguma nova medida apresentada no parlamento, claro que eu entenderia;
todavia estas outras coisas - de que se tratam? Que é isso? E tão aborrecível! É
desse tipo a maneira pela qual você pode verificar se é da família ou não.
Finalmente, permitam-me dizê-lo de um modo que, suponho, é uma das
provas mais definitivas. Você conhece os segredos? Há segredos familiares, há
segredos nacionais. Você está por dentro dos segredos? É possível que um
homem tenha interesse por religião, por teologia, por filosofia; e enquanto você
está tratando de questões abstratas e teóricas, ele parece estar integrado, parece
um da família. Mas, subitamente você começa a falar espiritualmente - quer
dizer, você começa a falar experimentalmente, você começa a falar sobre a sua
alma e sobre a sua experiência pessoal - e imediatamente o homem que se
mostrava tão interessado teoricamente, sente-se fora. Você sabe algo sobre isso?
Outro dia ouvi falar de um homem que estava num certo seminário teológico. Ele

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foi para lá porque soube que lá ensinavam as grandes doutrinas da fé, e ele estava
apreciando aquilo, para alegria do seu coração. Contudo, de repente se defrontou
com um problema e quis falar com alguém sobre a sua alma, e quis falar a fundo
sobre algum segredo. Mas não conseguiu achar ajuda. Pareciam não entender,
não queriam falar sobre tais questões. Enquanto era uma questão de argumentar
sobre filosofia - maravilha! Interessados em teologia? - sim, certamente!
Todavia quando o homem teve uma necessidade relacionada com a sua alma e
queria algo experimental, de repente começou a sentir que estava vivendo num
iceberg. Totalmente ortodoxos - mas frios. E possível ter um interesse geral, sem
este interesse íntimo e pessoal pelos segredos da vida. Essa é uma prova vital!
Eis outras provas que sugiro: você está se amoldando às leis e aos costumes
do país? Diz o apóstolo João que, para o cristão, os mandamentos de Deus "não
são pesados" (1 João 5:3). São pesados para todos os outros, porém não para o
cristão. O cristão diz: "Quanto amo a tua lei!" Davi pôde dizê-lo no Salmo
(119:97), e o cristão o diz. Proclamamos onde estamos e o que somos pelo modo
de viver. Você vai deste país à França, digamos, ou a alguma outra parte do
continente europeu, em seu carro, e se põe a dirigir na faixa da esquerda na
estrada, e em dois segundos se verá que você é um estrangeiro. Exatamente! E
não há muitos que estão dirigindo na faixa errada da estradana igreja? Eles não
sabem talvez, mas estão proclamando que são estrangeiros e estranhos, estão
dirigindo no lado errado da estrada. Não conhecem e não honram as leis e os
mandamentos do reino. Não se comportam de maneira condizente e coerente
com os costumes e hábitos desta família ou deste país particular. Estranhos e
estrangeiros, embora vivendo com o grupo! Outra prova vital é o interesse pelo
estado e condição da família ou do país, pelo seu bem-estar. Isto surge
instintivamente.
Finalmente se chega a isto: comecei num nível superficial e fui me
aprofundando. Eis a prova final: que é que você tem, um passaporte ou uma
certidão de nascimento ? E uma prova absoluta, não é? Está acima do
sentimento, do interesse, do entendimento e de todas estas coisas. Em última
análise, é uma questão legal. Você tem certidão de nascimento, ou está
simplesmente residindo com base num passaporte? Vocês perguntarão: qual é a
certidão de nascimento do cristão? Eu lhes direi. Está acima e além de tudo
quanto estive dizendo. "O mesmo Espírito testifica com o nosso Espírito que
somos filhos de Deus" (Romanos 8:16). Trata-se de receber o selo do Espírito
(Efésios 1:13). E a segurança que só pode ser dada pelo próprio Espírito Santo,
que nos selou e que é "o penhor da nossa herança, para redenção da possessão
adquirida" (Efésios 1:14). Não me entendam mal. Você pode ser cristão, embora
não tenha um definido conhecimento do selo do Espírito. Se você passou nas
minhas outras provas, asseguro-lhe que você é cristão. Mas eu o exorto, eu o
concito, não se contente com isso. Insista em que tenha a sua certidão! Vá à

- 330 -
Embaixada do Reino Celestial, até consegui-la! Não deixe que nada o detenha.
Procure obtê-la das mãos do Senhor! Dirija-se a Ele. Torno a usar a expressão de
Thomas Goodwin - "corteje-O" para obtê-la até consegui-la. E depois você
saberá e poderá dizer: não sou mais estranho ou estrangeiro, sou concidadão dos
santos, sou da família de Deus; sou uma pedra viva no templo em que Deus
habita.
* Teólogo puritano inglês (1600-1680). Do período mais recente dos puritanos, t) termo que
emprega, traduzido aqui por "corteje-O" é sue. Nola do tradutor.

- 331 -
CIDADANIA CELESTIAL
27 "Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus." - Efésios 2:19

Com estas palavras o apóstolo coloca diante de nós as glórias, os privilégios


e as vantagens de ser membro da Igreja Cristã. Esse é, na verdade, o tema de todo
o capítulo. Anteriormente ele estivera interessado em tratar do mecanismo, da
maneira pela qual isso fora tornado possível tanto a judeus como a gentios, e
agora ele medita na realidade propriamente dita, e está desejoso de que estes
efésios a usufruam com ele e venham a entendê-la e a dar-se conta do seu
significado. Ele sabe, e lhes dissera no capítulo primeiro, que isto somente será
possível quando "os olhos do seu entendimento forem iluminados". Sem isso, é
completamente impossível.
Para as pessoas cujos olhos não foram iluminados pelo Espírito Santo, a
Igreja é tão-somente uma instituição. Eles podem gostar dela como instituição,
podem gloriar nela como instituição, mas não é isso que o apóstolo gostaria que
estas pessoas vissem. Ele ora no sentido de que os olhos do seu entendimento
fossem iluminados para que elas soubessem qual "a esperança da sua vocação, e
quais as riquezas da glória da sua herançanos santos; e qual a sobreexcelen te
grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos" (1:18). Já iniciamos a nossa
consideração deste versículo mostrando como o apóstolo ressalta a vital
importância de estarmos absolutamente certos de que estamos na posição
descrita neste versículo. Não podemos esperar compreender os privilégios da
posição se não soubermos em que consiste a posição, e se não estivermos
completamente seguros de que estamos nela. Vimos a importância de saber com
certeza que não somos mais estranhos e estrangeiros, de saber, como me
aventurei a colocá-lo, que não residimos mais baseados num passaporte, e sim
que realmente nós temos as nossas certidões de nascimento, que realmente
somos membros da Igreja. A minha opinião é que, se tão-somente nos déssemos
conta do que é ser cristão e membro da Igreja Cristã, muitos dos nossos proble-
mas, senão todos, seriam imediatamente resolvidos. Se tão-somente pudéssemos
subir às alturas danossa alta vocação em Cristo Jesus e dar- -nos conta de que
ocupamos esta posição, as picuinhas e os problemas se tornariam inimagináveis;
despencariam, seriam indignos de consideração. Pois bem, em certo sentido,
esse é o argumento de todas as Epístolas do Novo Testamento. Todas essas
Epístolas foram escritas para igrejas, para membros das igrejas, e o que cada uma
delas faz é precisamente o que venho dizendo. Todas elas começam dando-nos
um quadro descritivo da nossa posição como membros da Igreja Cristã, e depois,
tendo feito isso, elas dizem: bem, agora, à luz disso, obviamente é assim que

- 332 -
você tem que viver. Essa é a análise de cada uma das Epístolas do Novo
Testamento.
Portanto, certamente não há nada que seja mais importante hoje, de todos os
pontos de vista, do que compreendermos estas coisas. É importante para nós
pessoalmente. Muitas das nossas aflições, dificuldades e tribulações, muitos dos
nossos problemas seriam encarados de maneira inteiramente diferente, se de fato
nos víssemos como somos em Cristo. E, mais importante ainda, se toda algreja
simplesmente compreendesse o que ela é, j á estaria na estrada real de chegada a
um verdadeiro avivamento e a um poderoso despertamento espiritual. É porque
deixamos de compreender estas coisas que não oramos por avivamento como
devíamos, e não o buscamos e não ansiamos por ele. Não é de admirar, então,
que o apóstolo dê tanta ênfase a isto. Aqui ele o coloca na forma de várias
figuras. Temos as três figuras apresentadas juntas, quase concomitantemente: a
primeira, a Igreja como um grande Estado ou reino; sim, mas ela é também uma
família; sim, e também um templo. Ele j á nos dera antes uma figura na qual
compara a Igrej a a um corpo, um só corpo, um só novo homem. E vocês verão
que, no capítulo cinco desta Epístola, ele usa ainda outra ilustração, pois nessa
passagem ele diz que a relação entre a Igreja e o Senhor Jesus Cristo é a que
existe entre uma esposa e o seu esposo. É interessante notar que, desse modo, o
apóstolo usa uma variedade de figuras e ilustrações; e é importante entender a
razão pela qual ele o faz. Toda e qualquer ilustração é insuficiente. A verdade é
tão grande, tão multifacetada, tão gloriosa, que ele se vê forçado a multiplicar as
suas figuras e imagens. Cada uma delas comunica algum aspecto particular, e
nos habilita a ver uma faceta peculiar da verdade não transmitida muito bem
pelas outras ilustrações e figuras.

Passemos agora à primeira figura. "Não sois estranhos e estrangeiros"!


(VA), diz o apóstolo. Bem, nesse caso, o que somos? "Concidadãos dos santos"!
Essa é a primeira figura. Que é que isso nos diz? Ensino deveras rico! Aqui ele
compara a Igreja a uma cidade, ou a um Estado, ou a um reino. Não nos
surpreende que o apóstolo tenha feito isso. Naqueles tempos antigos havia
grandes cidades-Estados, ou Estados-cidades; certas cidades eram, em si
mesmas, verdadeiros Estados. Mas, acima e além disso, naturalmente,
haviagrandes Estados, grandes reinos, grandes impérios. Na ocasião em que
escreveu estacarta, provavelmente o apóstolo era prisioneiro em Roma, a própria
metrópole e centro nervoso do grande Império Romano. Roma era a capital, e
tinha os seus povos espalhados por todo o mundo civilizado da época, com
governadores e outros funcionários importantes pondo em execução as ordens e
instruções do governo central e, em última instância, do imperador. Não admira,
pois, que o apóstolo tenha pensado na Igreja como algo semelhante a isso. Ela é

- 333 -
como um grande Estado, um grande império, um grande reino, e ele usa a
ilustração para transmitir a estes efésios um ensino muito precioso.
Não se trata de uma nova idéia que de repente ocorreu ao apóstolo Paulo. E
uma concepção muito importante que se acha na Bíblia toda. Há grandes seções
das Escrituras que simplesmente não poderemos entender, a não ser que
captemos esta idéia particular. Na vocação de Abraão - que é um dos grandes
pontos divisórios da história - Deus estava dando os primeiros passos para a
formação de uma nação paraEle próprio. Até aquela altura Deus tratava com o
mundo inteiro, por assim dizer. Os onze primeiros capítulos do livro de Gênesis
tratam do mundo todo e da história do mundo todo e de toda a sua população.
Mas, no começo do capítulo doze de Gênesis, no chamamento de Abraão, o
registro começa a tratar especial e especificamente da história de uma única
nação. Ali nos é apresentada logo a idéia de que o povo de Deus é reino de Deus,
nação de Deus - toda esta concepção de Estado. No capítulo dezenove de Êxodo
repete-se muito claramente a mesma coisa. Pouco antes da entrega dos Dez
Mandamentos e da lei moral, Deus disse a Moisés que o povo devia dar-se conta
de que era uma "nação santa", que eles eram "cidadãos de Deus", que pertenciam
a Ele, que Ele era o seu Rei, e eles o Seu povo. Isso deveria dominar toda a
perspectiva dos filhos de Israel. Antes de levá-los e introduzi-los na terra
prometida, Ele queria que eles compreendessem isso. Toda a tragédia dos
israelitas foi que não o compreenderam. Nunca se aperceberam precisamente
disso, que eles eram reino de Deus, um reino de sacerdotes, uma nação santa para
Deus. E por causa da sua incompreensão, toda a sua tragédia desceu sobre eles, e
deixou esculpida a triste imagem que deles vemos descrita no Velho Testamento.
Contudo, ainda, se vocês forem ao livro de Daniel, verão esta concepção exposta
de maneira sumamente admirável. E a grande mensagem daquele livro. Em todo
ele lemos sobre reinos, lutas entre reinos e a relação deste reino de Deus com
aqueles outros reinos; os animais que representam aqueles outros poderes - a
Babilônia, que já existia, a Medo-Pérsia, a Grécia, e Roma, que surgiram mais
tarde - e este reino. Na verdade, a mensagem de todos os profetas era uma
tentativa de inculcar nos filhos de Israel a sua peculiar relação com Deus como
cidadãos do Seu reino eterno. Depois, quando vocês chegam ao Novo
Testamento, vocês vêem que este é um tema central do ensino do nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo. Vejam as Suas parábolas do reino. Ele sempre pensava em
termos do reino. Ele dizia que tinha vindo para estabelecer um reino. Ele Se dizia
Rei - e foi crucificado por dizê-lo, num sentido, num nível puramente secular.
Todo o Seu ensino é sobre o reino e sobre pessoas entrando em Seu reino. Ele
começa dizendo a Nicodemos: "Aquele que não nascer de novo, não pode ver o
reino de Deus". Esse tema integra a Sua mensagem toda. O Sermão do Monte
tem sido acertadamente descrito como o manifesto desse reino. E o tema se vê

- 334 -
constantemente nos escritos do apóstolo Paulo. Vocês o verão igualmente na
Primeira Epístola de Pedro. Ele cita as palavras do Êxodo, capítulo 19, e
acrescenta: "Vós, que em outro temponão éreispovo, mas agora sois povo de
Deus" (1 Pedro 2:9-10). Ele aplica isso a todos os membros da Igreja Cristã. E no
livro de Apocalipse vocês vêem exatamente a mesma coisa. Está claro, então,
que esta é uma doutrina vital na Bíblia; e, como povo cristão, convém que a
estudemos, a compreendamos e a apliquemos a nós mesmos, para que nos
gloriemos e nos regozijemos nela, como se espera que façamos. Qual é, então, o
ensino?

Examinemo-lo assim: o que é que isso nos fala acerca de nós mesmos? Que
espécie de definição da Igreja isto nos dá? É muito simples, se vocês tiverem
uma clara concepção de um Estado ou reino ou cidade. A primeira coisa que este
ensino salienta é que nós somos um povo que foi separado e tornado distinto de
todos os outros. As cidades antigas tinham todas um muro ao seu redor, o muro
da cidade. Vocês ainda podem ver restos e remanescentes destes muros em
diversas cidades. Ainda existe uma parte desta cidade de Londres chamada
Muro de Londres, e há outras cidades, como Cantuária e Chester, onde se vê a
mesma coisa. Qual era o propósito do muro? Bem, era para separar os cidadãos.
O muro os mantinha dentro e os outros fora. Havia portas que davam passagem
através do muro da cidade; as portas eram fechadas numa certa hora e eram
abertas noutra hora, na manhã seguinte. Toda a concepção da cidade, da
comunidade política, dá a idéia de separar, retirar, pôr à parte, circunscrever, e
até mesmo encerrar.
Ou, se vocês não quiserem pensar em termos de cidade mas preferirem
pensar em termos de países ou de Estados, sempre há limites ou fronteiras. Pode
ser o mar, pode ser um rio ou uma cadeia de montanhas, ou pode ser umalinha de
demarcação imagináriatracadapor autoridades. Não importa qual seja, contudo
sempre tem fronteira, e não se pode passar de um Estado a outro sem cruzar a
fronteira. Você terá que passar pela alfândega e mostrar o seu passaporte e deixar
que examinem os seus objetos, porque está na fronteira! Não se pode pensar num
Estado ou numa cidade ou num reino sem fronteiras. E o dever das fronteiras é
dizer a certas pessoas: até aqui, sim, mas não além deste ponto; e dizer aos que
estão dentro das fronteiras: esta é a sua cidade, este é o seu país, esta é a terra a
que vocês pertencem.
A importância desta doutrina deveria ser evidente por si mesma. Você não
pode ser cristão sem ser uma pessoa separada. Você não pode estar no reino de
Deus e, ao mesmo tempo, no reino "do mundo". Há este "ou - ou" fundamental,
gostemos ou não. Este mesmo apóstolo lembra aos gálatas que Deus, no Senhor
Jesus Cristo, livrou-nos do "presente século mau" (Gálatas 1:4). Escrevendo aos

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colossenses, ele diz: "O qual nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou
para o reino do Filho do seu amor" (1:13). Que concepção tremendamente
importante é essa! Se somos cristãos, somos separados, não somos mais como os
outros todos. Entretanto alguémpoderáperguntar: mas isso não é ser farisaico?
Não é ser orgulhoso? Nada disso! O fariseu separou-se, porém o fez de modo
errado; o erro não estava na separação, estava no espírito com que ele a fez. Não
estou defendendo a atitude do sou- -melhor-que-você, mas o que estou dizendo é
que, como cidadão do reino dos céus, sou diferente dos que não são cidadãos
desse reino. Quão prontos estamos para afirmar isso ao nível nacional - sou
inglês, ou lá o que seja! Temos todo o cuidado de ressaltar a distinção, que não
somos outra coisa. E, todavia, quando passamos à esfera espiritual, há os que se
opõem. Isso é ser estreito, dizem eles, é ser causador de divisão. Mas, sejamos
coerentes, sejamos lógicos, acima de tudo sejamos bíblicos. Seja qual for o nosso
pensamento a respeito, o fato é que, como cristão, como membro da Igreja, você
foi tirado do mundo, você foi separado. E, se você não se der conta disso e não se
regozijar nisso, haverá bom motivo para questionar se você é cristão afinal. E
básico, é fundamental, é uma das primeiras coisas que deveriam ser óbvias.
Passemos a outra coisa, porém. O segundo ponto que sobressai
necessariamente é que, portanto, os cidadãos estão ligados pela obediência a um
governante, às autoridades, à lei e a certo modo de vida. Isto sempre caracteriza
uma cidade, um Estado, um reino. Sendo assim separados, fomos separados para
certos objetivos e propósitos específicos. Toda cidade sempre teve um chefe.
Podia ser um rei ou alguém designado para isso, mas sempre havia um chefe.
Todo Estado sempre teve um chefe, todo reino sempre teve um rei. Não há
sentido em falar em reino se este não tiver rei. E são cidadãos do reino os que
estão ligados pela obediência comum a esse Estado, a esse rei, a essa autoridade,
presidente ou o que for. Como cidadãos, todos nós juntos reconhecemos isso. Há
este vínculo comum, esta lealdade; temos estes interesses em comum.
Vemos a importância disso quando aplicamos o conceito à Igreja. Todos
nós reconhecemos o mesmo Chefe, o mesmo Rei, eterno, sempiterno. Temos
interesses comuns, os mesmos interesses. Reconhecemos as mesmas leis. E por
causa disso também temos lealdade uns para com os outros. Como direta
conseqüência, há certas coisas que nos são peculiares e que não se aplicam aos
outros. Isso é tão elementar que não tenho necessidade de salientá-lo.
Naturalmente, é vital que compreendamos que não estamos falando
simplesmente da Igreja externa, visível. O apóstolo, no contexto geral desta
declaração, deixa claro que está pensando espiritualmente. Nunca percamos de
vista este fato. Não estamos falando simplesmente da Igrejacomo organização,
como uma organização externa, visível; a idéia do apóstolo é espiritual, mística e
orgânica. Expressa-se externamente, mas o que é vital é este princípio interno.

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Pois, é possível ser membro da Igreja visível, externa, e, contudo, ter ignorância
de Cristo, não conhecê-10, não estar verdadeiramente, vitalmente relacionado
com Ele. Que lástima! Sempre houve pessoas assim, e aindahá; foram criadas na
igreja local, é tradição, é algo que faz parte da esfera social e suas modas, mas
não é algo vivido, não é real. O coração delas está no mundo, não na Igreja.
Em certo sentido, a maior tragédia ocorrida na história da Igrej a foi quando
o cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano, e começou aquela
fatal associação entre a Igreja e o Estado que daí em diante obscureceu e
confundiu a situação. Perdeu-se esta idéia de separação, e o povo passou a pensar
em termos de países cristãos, presumindo que todos os que são de um tal país são
cristãos. Quão completamente contrário ao ensino de Paulo! Não, não é
meramente o externo. O que Paulo quer dizer é que, como cristãos, somos
cidadãos do reino de Cristo. Onde está o reino de Cristo? O reino de Cristo está
onde quer que Cristo reine; portanto, o reino de Cristo pode estar no coração do
indivíduo. Cristo reina nos corações de todos os que Lhe pertencem e se
submetem a Ele. O reino de Cristo está na terra e no céu, em Seu povo. Seu reino
não é deste mundo, é provisoriamente invisível, mas é real. O reinado, o governo
e a autoridade de Cristo, onde quer que estejam, é o Seu reino. É disso que o
apóstolo está falando. Cristo é o nosso Profeta, o nosso Sacerdote e o nosso Rei,
e todos os que reconhecem o Seu governo e se inclinam diante dEle em
obediência, são cidadãos do Seu reino eterno. O valor e a importância de se ver
este assunto desse modo torna-se evidente quando nos damos conta de que ele
nos diz que aqui e agora podemos ser cidadãos daquele reino, que durará para
todo o sempre. Entramos nele agora, e continuaremos nele por toda a eternidade.

Vejamos agora um terceiro ponto, que é: os privilégios da nossa cidadania


neste reino glorioso. Todos nós nos interessamos por privilégios, não é? Você
conhece o tipo de homem que gosta de gabar- -se de os ter e de que ele está "de
bem" com os grandes. Ele poderá apresentar você, diz ele. Privilégios! Como os
desejamos! Como gostaríamos de tê-los! Todo o mundo está louco por
privilégios hoje. E resultado do pecado. Todavia, se você está interessado em
privilégios, ouça isto: quais são os privilégios desta cidadania? O primeiro e
maior privilégio é este - o nosso Rei. As pessoas se ufanam da sua cidadania, dos
seus países e de certas coisas em particular. Citam a sua história, falam dos seus
heróis; erigem monumentos em honra deles, escrevem sobre eles em livros.
Orgulham-se da sualigação com eles. Mas tudo isso empalidece, chegando à
insignificância, quando comparado com os nossos privilégios como cidadãos do
reino do céu. Acima de tudo o mais, nós nos gloriamos no fato de que temos um
Rei que é "o Rei dos reis, e o Senhor dos senhores", o próprio Filho de Deus - o
Rei do céu.

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No entanto, continuemos a considerar a esfera deste reino. E este é um tema
sumamente fascinante e maravilhoso. A esfera de todos os reinos terrenos é a
terra, e o seu centro, a capital, é sempre na terra. Pertencemos à Grã-Bretanha, a
uma comunidade de nações, e costumávamos gabar-nos do fato de que os seus
cidadãos estavam espalhados por toda a terra, e que o sol nunca se punha sobre o
Império Britânico. Quão extenso, quão maravilhoso! E temos uma capital -
Londres. E outras nações gabam-se de coisas semelhantes. Londres -Paris -
Washington! Capitais! Poder sobre extensos territórios, amplo império e
domínio! As nações têm grande orgulho disso, e muitas vezes as suas rivalidades
e invejas as levam a conflitos. Isso mostra como apreciam o privilégio, e o
orgulho que sentem pela esfera e pela extensão dos seus reinos. Mas por certo
vocês recordam como o nosso bendito Senhor definiu e descreveu o Seu reino
neste aspecto. Ele disse: "O meu reino não é deste mundo". Referiu-Se a ele
como o reino do céu, ou "o reino dos céus". E o apóstolo, escrevendo aos
filipenses, diz: "A nossa cidade está nos céus" (3:20). Estamos na terra, porém a
nossa cidadania é lá. Alguém traduziu essa frase com as palavras: "Somos uma
colônia do céu". Sim, estamos na terra, mas agora simplesmente uma colônia; a
nossa capital não é Londres, Paris ou Nova York, e sim o próprio céu.
A que cidade eu e você, como cristãos, pertencemos? Segundo o livro de
Apocalipse, é a Nova Jerusalém, que vai descer do céu e estabelecer-se na terra -
a Nova Jerusalém! É onde vive o Rei, onde Ele está assentado à mão direita da
glória neste momento. Não uma Jerusalém terrestre, mas uma Jerusalém celeste,
uma Jerusalém sempi- terna. Que privilégio, pertencer a tão grande império, a
tão amplo domínio! Contudo não é só verdade dizer que o quartel-general, a
capital, é no céu. Os cidadãos deste reino estão espalhados pela terra toda. Inclui
homens e mulheres "de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas" (Apocalipse
7:9). Na expressão de Isaac Watts -

Povos de toda língua, e de toda nação, Cantam sublime canto, em Seu amor
estão.

Que reino! Que esfera! O romano orgulhava-se de ser cidadão romano. Os


homens pertencentes a grandes impérios sempre mostraram o mesmo orgulho.
Cristãos, apercebam-se de que são cidadãos de um reinocomo este!
Quartel-general no céu; o Rei eterno, imortal, invisível, como o seu Rei! E
cidadãos em todos os reinos, terras, continentes e climas! Onde quer que
vivamos e seja qual for a nossa nacionalidade, não faz diferença. Pertencemos a
Ele, o quartel-general é o mesmo - a Jerusalém celeste. Que reino glorioso! Que
privilégio, ser cidadão de tal cidade!
Entretanto deixem-me mencionar outra coisa. Vocês notam como o
apóstolo faladanossaconcidadania. "Assim quejánão sois estranhos, nem

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estrangeiros, mas concidadãos dos santos" (VA). Pensem em seus concidadãos!
Dos santos, diz ele - vocês são concidadãos deles. Quem são eles? Não é a nação
de Israel como tal, porque "nem todos os que são de Israel são israelitas". Ele
está pensando nos santos entre os filhos de Israel. O que Paulo quer dizer aqui é o
que o homem que escreveu o Salmo oitenta e sete, versículos cinco e seis, tinha
em mente quando disse: "E de Sião se dirá: este e aquele nasceram ali; e o
mesmo Altíssimo a estabelecerá. O Senhor contará na descrição dos povos que
este homem nasceu ali". Vocês vêem o que ele quer dizer? Ao nível natural, os
homens se orgulham de pertencer a uma nação capaz de produzir um
^Shakespeare - a terra de Shakespeare! A terra de Marlborough!
AterradeWellington;aterradePitt;aterradeCromwell - a terra desses gigantes que
foram estadistas, poetas, artistas etc.! Que orgulho, pertencer a uma nação como
esta - tais homens nasceram aqui, foram criados em nossa terra, ossos dos nossos
ossos, por assim dizer, ecarnedanossacarne. Mas aBíbliadiz: "O Senhor contará
na descrição dos povos que este homem nasceu ali". E esse o povo ao qual
pertencemos. Somos concidadãos de Abraão, o maior cavalheiro que já viveu,
aquele que teve a distinção de ser chamado "amigo de Deus". Não seria uma
coisa maravilhosa entender e saber que você pertence à mesma cidade, ao
mesmo reino a que Abraão pertenceu? E não somente Abraão, mas também
Moisés, Davi, Isaías, Jeremias, e todos aqueles valorosos homens do Velho
Testamento. Pertencemos a eles, estamos na mesma cidade, temos estes
interesses comuns e esta lealdade comum. Devo confessar que para mim é,
talvez, a maior emoção perceber que sou um concidadão do apóstolo Paulo, que,
como cristãos somos um com ele, que temos os seus interesses em nossos
corações, e que as mesmas coisas que o moviam nos movem. E o veremos e
passaremos a eternidade com ele, e com todos os outros apóstolos.
Pois bem, considerem a história da Igreja. Alegra-me pertencer ao mesmo
grupo, ao mesmo reino a que pertenceram Agostinho, João Calvino, Martinho
Lutero, John Knox, os puritanos, Whitefíeld, Wesley, e tantos outros mais.
Somos todos um, pertencemos àquele grupo de pessoas. Já não somos do mundo,
pertencemos a este reino separado, a este reino de sacerdotes, a esta nação santa.
Permitam-me lembrar-lhes os versículos 22-24 do capítulo doze da Epístola aos
Hebreus, que expressa isso com perfeição: "Mas chegastes ao monte de Sião, e à
cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos; à
universal assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos no céus, e a
Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos
* John Churchill, primeiro Duque de Marlborough (1650-1722), soldado inglês, vitorioso em
muitas batalhas importantes. Nota do tradutor (para evitar associações indevidas).
aperfeiçoados; e a Jesus, o Mediador de uma Nova Aliança...". É para onde
vamos. Pertencemos a este lugar. Já não somos um pequeno reino na terra, aos

- 339 -
pés do monte Sinai. Chegamos à Jerusalém celestial, a aos muitos milhares de
concidadãos.
Mas, finalmente, para completar a figura, o último privilégio é
compreender algo das expectativas futuras e da futura glória do reino. No
presente ele parece fraco. Grandes multidões estão fora da Igreja, e muito cristão
tolo é tentado aperguntar: devo continuar com isso, haverá de fato algo aí? Vou à
igreja ou não vou? Quem diz isso não viu o real significado deste reino. Hoje
somos uns poucos rejeitados e desprezados, talvez, mas há uma glória vindoura.
"Em ti", disse Deus a Abraão no princípio, "serão benditas todas as famílias da
terra." Conte as estrelas do céu, se é que pode, disse Deus a Abraão; numerosa
assim, e mais, será a sua posteridade. Conte os grãos de areia da praia do mar;
inumeráveis assim serão os cidadãos do reino que se formará de você e da sua
semente. Entretanto considerem também a mensagem dada ao profeta Daniel.
Acaso vocês se lembram da visão que foi dada ao rei, a visão daquele grande
poder que iria dominar o mundo e esmagar o povo de Deus — uma imagem com
cabeça de ouro, peito e braços de prata, o ventre e as coxas de cobre, as pernas de
ferro, e os pés em parte de ferro e em parte de barro? Esse poder deveria dominar
altaneiro sobre a terra como um verdadeiro colosso. Mas esse não foi o fim.
"Escrevas vendo isto", diz Daniel a Nabucodonosor, "quando um pedra foi
cortada, sem mão, a qual feriu a estátua nos pés de ferro e de barro, e os
esmiuçou. Então foi juntamente esmiuçado o ferro, o barro, o cobre, apratae o
ouro, os quais se fizeram como apragana das eiras no estio, e o vento os levou, e
não se achou lugar algum para eles; mas a pedra, que feriu a estátua, se fez um
grande monte, e encheu toda a terra" (Daniel 2:34-35). Esse é o reino de Deus,
que começa como uma pedra desprezada, e como nada, diante de um poder
colossal; porém ela o fere e o esmiúça, e ele desaparece; e a pedra se torna um
grande monte, que enche a terra toda. Virá o dia, diz Paulo aos filipenses, em
que "ao nome de Jesus todo joelho, dos que estão nos céus e dos que estão na
terra, se dobrará, e toda língua confessará que Jesus Cristo é Senhor, para a
glóriade Deus o Pai" (2:10-11). Diz João, no livro de Apocalipse: "O sétimo
anjo tocou a sua trombeta, e houve no céu grandes vozes, que diziam: os reinos
do mundo vieram a ser de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará para todo o
sempre" (11:15). E eu e você somos cidadãos desse reino. Este vencerá,
prevalecerá.
Jesus reinará onde o sol Faz seu sucessivo percurso.

E vocês sabem disso? Sabem que eu e vocês vamos reinar com Ele? É o que
Paulo diz em 1 Coríntios, capítulo 6: "Não sabeis vós que os santos hão de julgar
o mundo? Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos?" É um reino
inabalável. É um reino que não terá fim. E o reino eterno de Deus e do Seu Cristo.

- 340 -
E eu e vocês, se somos cristãos, já estamos nEle, já somos seus cidadãos. Graças
a Deus, "já não somos estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos".

- 341 -
27PRIVILÉGIOS E RESPONSABILIDADES
"Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus." - Efésios 2:19

Como já vimos, o apóstolo está descrevendo aqui, de maneira positiva, os


privilégios dos membros da Igreja Cristã. Havendo explicado como os dois lados
foram aproximados, os judeus e os gentios, agora mostra aos dois juntos qual é a
situação deles como membros da Igreja. Com esse fim, ele emprega diversas
imagens e figuras. A Igreja, ele já tinha sugerido, é como um corpo. Mas aqui ele
nos fala da Igreja como uma cidade, um reino - "concidadãos". Ele diz que a
Igreja é também como uma família - "a família de Deus". Todavia a Igreja é
também como um templo, no qual Deus habita. No momento vamos examinar a
primeira figura dada neste versículo dezenove - a Igreja como um Estado, um
reino, uma cidade. Anteriormente consideramos o significado dessa definição
em geral. Consideramos também como se obtém esta cidadania. E então vimos
alguns dos privilégios gerais que pertencem a nós, como cidadãos desse reino.
Lembramo-nos do caráter do nosso Rei, da extensão do Seu reino, dos nossos
concidadãos, e da glória futura deste reino estupendo no qual fomos
introduzidos,

Mas agora devemos examinar por um momento privilégios mais


particulares que pertencem a nós como membros e cidadãos deste grande reino.
O apóstolo tinha desejo de que os efésios se dessem conta destas coisas. Eles
tinham sido salvos, estavam na Igreja, tinham sido selados pelo Espírito Santo.
No entanto, ele não está satisfeito com isso, ele ora no sentido de que os olhos do
seu entendimento sejam iluminados para que eles possam conhecer mais estas
coisas e, dentre elas, esta emparticular. E, certamente, o nosso maior problema
como povo cristão hoje é que não nos damos conta dos privilégios da nossa
posição como membros da Igreja Cristã. A maior necessidade atual é ter uma
verdadeira e adequada concepção danaturezadalgrejaCristã. Vistoqueanós que
pertencemos a ela falta isso, é que não conseguimos atrair os de fora. Causamos
tão pobre impressão que eles não se interessam. O aviva- mento começa na Igrej
a. Nunca se poderá levar adiante a evangelização com uma Igreja que não seja
uma viva demonstração do evangelho. Assim, de todos os pontos de vista, aquilo
em que necessitamos concentrar-nos na hora presente é o caráter, a natureza da
Igreja, e o privilégio da nossa posição na Igreja.
Consideremos alguns destes outros privilégios. Há certas coisas que
podemos acrescentar aos privilégios gerais, já considerados. Ao desenvolvermos
esta analogia da Igreja como um reino, esses privilégios se tornam óbvios.

- 342 -
Pensem, por exemplo, nos benefícios que gozamos por sermos cidadãos
desse reino. Essa é uma das primeiras coisas em que se pensa em conexão com
um reino. Como cidadão de um país, você goza todos os benefícios do reino, do
governo e das leis dessa comunidade particular. Com freqüência a orgulhosa
vangloria dos cidadãos deste país (Inglaterra), é que ele é a pátria da liberdade -
da democracia parlamentar, e assim por diante. Pois bem, são essas as coisas que
desfrutamos como resultado danossacidadanianeste país. Noutros países
hápessoas que não têm estes privilégios, ainda vivem mais ou menos em
servidão. Há outros que estão debaixo de tiranias terríveis. Uma das melhores
coisas da cidadania é que ela dá de imediato a você o direito de gozar todos os
benefícios do sistema e forma de governo, e da economia de um Estado
particular.
Podemos transferir tudo isso para a esfera da Igreja. O apóstolo já nos fizera
lembrar isso, no capítulo primeiro, no versículo três, onde ele diz: "Bendito o
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo". Esse é o sumário de todas
as bênçãos deste reino particular. São intermináveis, e é impossível tentar
descrevê-las. Mas devemos apegar- -nos ao grande princípio de que todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo são nossas. O reino, a cidade
a que pertencemos é um reino, uma cidade em que todas as bênçãos são dadas
gratuitamente; é do beneplácito do Rei que elas sejam dadas. Ele Se deleita em
fazê- -lo. Ele Se interessa pelos Seus cidadãos, interessa-Se por todo o Seu povo;
seu bem-estar ocupa um lugar especial em Sua mente e em Seu coração. Ele é o
Pai do Seu povo, e Se interessa por seu bem-estar e por sua felicidade em todos e
cada um dos seus aspectos.
Outras declarações das Escrituras no mesmo sentido nos ajudarão a
entender isto. O apóstolo, em sua primeira carta a Timóteo, usa uma expressão
interessante: "Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente
dos fiéis" (ou, "principalmente dos que crêem", VA, 4:10), A palavra "Salvador"
significa Aquele que abençoa, Aquele que cuida de, Aquele que livra de
dificuldade. E as Escrituras ensinam isto em toda parte, concernente a Deus.
Deus "faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre
justos e injustos". Há hoje no mundo homens e mulheres que nunca pensam em
Deus e nunca O mencionam, exceto para blasfemar do Seu nome; não obstante,
gozam alguns dos benefícios e bênçãos comuns, gerais do reino de Deus. Tudo o
que ele têm provém de Deus. Ele é "o Salvador de todos os homens", sim, mas
"principalmente dos que crêem". Ele tem interesse pessoal pelos crentes, um
interesse especial, um interesse peculiar, e eu e vocês, como cidadãos do reino,
somos os beneficiários destes benefícios, destas bênçãos especiais que Ele tem
para o Seu povo. Tudo é ordenado para o nosso bem. "Sabemos", diz Paulo - não

- 343 -
há necessidade de argumentar a respeito, nem de questionar ou indagar -
"Sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que
amam a Deus" (Romanos 8:28). Não há nada que supere isso. É pura verdade
que Deus, que domina totalmente o universo e o cosmos, manipula todas as
coisas para o bem do Seu povo. Tudo é realizado com vistas a este fim. Deus tem
o domínio sobre tudo e, como nosso Rei, Ele manipula todos os Seus recursos
para o nosso bem.
Vejam outra declaração feita pelo mesmo apóstolo: "Aquele que nem
mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos
não dará também com ele todas as coisas?" (Romanos 8:32). O nosso Senhor
também afirma que "até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos
contados" (Mateus 10:30), e que nada pode acontecer independentemente de
nosso Pai. Muito do ensino do Sermão do Monte destina-se a inculcar esta idéia
do interesse e preocupação especial de Deus pelo Seu povo. É uma coisa que faz
parte de toda a concepção de um reino com seu rei e seus cidadãos. E por isso
devemos lembrar-nos deste fato deveras maravilhoso. Neste reino de Deus e do
Seu Cristo, ao qual pertencemos, todos os recursos da Deidade são para nós.
Esse é o ensino da Bíblia, em toda parte. O Velho Testamento diz muita coisa
acerca do interesse de Deus por Seu povo. Isso está ainda mais claro no Novo
Testamento. Somos os beneficiários de todas estas admiráveis, indizíveis,
insondáveis riquezas e bênçãos do reino de Deus.
Outro privilégio é que temos o direito de acesso ao Rei. Essa verdade inclui
o mais humilde cidadão do território. Em última instância, ele tem direito de
apelar para o rei. Todo o processo da lei está ali, num sentido, para habilitá-lo a
exercer esse direito. Ele pode recorrer de uma autoridade para outra superior, até
por fim apelar para o rei. Pois bem, isso aplica-se a cada um de nós, como
cristãos. Temos um Rei que, apesar de ser o Rei dos reis e o Senhor dos
senhores, e o Governador dos confins da terra, conhece os Seus cidadãos
individualmente e por eles Se interessa. Você está sobrecarregado, leva um
pesado fardo, está lutando e pelejando? Lembro-lhe que você tem direito de
acesso ao Rei. Leve a sua causa a Ele. Por maior que seja aquilo que está
ocupando a Sua atenção, eu lhe garanto que, se você estender a mão quando Ele
estiver passando e lhe apresentar a sua petição, Ele terá tempo para ou vi- -lo,
para olhar para você e para tratar do seu caso. Nunca nos sintamos sumidos na
Igreja ou no grande mundo em que vivemos. Nunca pensemos que somos tão
pequenos e insignificantes que este grande e exaltado Rei não Se interessa por
nós. O ensino geral das Escrituras salienta o inverso e o contrário. Ele está
pronto a ouvir o seu humilde clamor.
Quantos exemplos disso há na vida e no ministério do nosso bendito
Senhor, quando esteve na terra! Lembram-se de quando Ele fazia a Sua última

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viagem para Jerusalém, como era seguido por uma grande multidão? Mas lá
estava um pobre cego que clamava: "Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de
mim" (Lucas 18:38). Tentaram fazê-lo calar- -se. Quieto!, diziam, Ele vai indo
para Jerusalém, Ele não tem tempo para falar com você. Todavia Ele o ouviu. E
teve tempo para parar, falar com ele, curá-lo e libertá-lo. Igualmente teve tempo
para Zaqueu. Também teve tempo para cuidar doutro cego, à porta do templo.
Não importava onde estivesse, ou quão grande fosse a multidão. Lembram- -se
da mulher que tocou as Suas vestes? Aí vocês têm ilustrações do Seu cuidado e
solicitude pelas pessoas. Portanto, em sua necessidade e em seu desespero,
lembre-se de que, como cidadão deste reino, o seu Rei conhece você e está
sempre pronto a ouvir a sua petição e a atender o seu clamor.
Mas vamos considerar outro aspecto do assunto. Os recursos do reino são
compartilhados entre nós. Referimo-nos a este ponto quando estudamos a nossa
concidadania com os santos; porém só o analisamos do ponto de vista da sua
grandeza. Entretanto também nos será valioso do ponto de vista prático. A
comunhão que gozamos com os nossos concidadãos! Isso também é uma parte
essencial de toda e qualquer concepção do Estado. Fala-se muito hoje sobre a
responsabilidade do Estado pelo bem-estar do povo, cuja base se pretende ser
que os fortes levem as cargas dos fracos, e os ricos as cargas dos pobres. E uma
co-participação feita para que ninguém tenha superabundância e outros fiquem
sem nada. Essa é a idéia. E caracteriza mais propriamente o reino de Deus. Há
uma injunção específica, neste sentido: "Mas nós, que somos fortes, devemos
suportar as fraquezas dos fracos" (Romanos 15:1). "Levai as cargas uns dos
outros, e assim cumprireis a lei de Cristo" (Gálatas 6:2).
Certamente não há nada que nos seja mais precioso do que a maneira pela
qual, como cidadãos juntos, como membros da Igreja Cristã juntos, sabemos e
experimentamos isso na prática. Haveria alguma coisa mais animadora para o
cristão do que saber que outros oram por ele? - que outros têm você, o seu fardo
e o seu problema em seus corações e estão fazendo intercessão por você? Eles
não estão pensando somente em si mesmos, você é um concidadão, vocês se
pertencem. Oramos uns pelos outros, sentimos uns com os outros,
entendemo-nos uns aos outros. Eu poderia desenvolver este ponto extensamente;
deixem-me, porém, dizê-lo simplesmente desta forma: quantas vezes soubemos
da seguinte experiência! Sentimo-nos de tal modo que mal podemos orar,
estamos desanimados, e talvez o diabo tenha estado particularmente ocupado
conosco, e nos esquecemos inteiramente do fato de que temos este acesso direto
ao próprio Rei. Enquanto estamos tendo comiseração por nós mesmos, de
repente nos encontramos com outro cristão e, começando a conversar, vemos
que ele ou ela está com o mesmo problema ou dificuldade. Imediatamente somos
tranqüilizados e fortalecidos. E assim vamos adiante juntos. Levamos as cargas

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uns dos outros. "A lágrima de compaixão", a compreensão! Estamos indo juntos
para Sião, através de uma terra estranha. E deveras maravilhoso aperceber-nos
de que os recursos de outros, a força e a habilidade de outros, estão à nossa
disposição em nossas dificuldades. E, por sua vez, quando eles estão deprimidos
enós estamos alegres, podemos ajudá-los. E admirável a comunhão entre os
concidadãos!
Contudo, vamos considerar outra fonte de conforto, a saber: a proteção que
o reino nos dá. É algo extraordinário. É um fato, ao nível secular. Todo o poder,
toda a capacidade e todos os recursos de um reino estão por trás do cidadão mais
humilde e servem para defendê-lo. Deixem-me utilizar uma ilustração que
sempre me parece expressar o ponto com muita clareza. Do seu estudo da
história vocês se lembram do que aconteceu em 1739? Em 1739 começou a
chamada "Guerra da Orelha de Jenkins". Um certo capitão Jenkins navegava em
alto mar, e uma guarda costeira espanhola o atacou sem nenhumajustificação, e
por breve tempo ocupou o seu navio. E ainda, em acréscimo à infâmia da ação,
cortaram uma das orelhas do capitão Jenkins. Este finalmente voltou ao seu país.
Conservou a orelha numa garrafa de álcool e, quando regressou, apresentou-a ao
parlamento. E por causa disso, este país, a Grã-Bretanha, declarou guerra à
Espanha em 1739 - a Guerra da Orelha de Jenkins. Quem era o capitão Jenkins?
Não importa, era um cidadão da Grã-Bretanha, e não devia ser insultado pela
Espanha, nem por qualquer outro país; e porque o insultaram, todo o poderio
deste país voltou-se contra a Espanha em defesa daquele cidadão individual. E
quando eu e você viajarmos ao exterior e acaso sofrermos alguma indignidade ou
insulto, devemos lembrar-nos do fato de que o mesmo poder, e todos os recursos
do nosso país, estão por trás de nós e preocupados com a nossa defesa.
Isso tudo se aplica com mais propriedade à esfera da Igreja. Vejam certos
exemplos do Velho Testamento. Eis aí um homem de Deus duramente
pressionado, seus inimigos a cercá-lo e a atacá-lo. Que poderá fazer? Ele diz:
"Torre forte é o nome do Senhor; a ela correrá o justo, e estará em alto refúgio"
(Provérbios 18:10). "O nome do Senhor!" Há uma exposição maravilhosa disso
nos Salmos três e quatro, onde o salmista nos conta que estava cercado por todas
as espécies de perigos e de inimigos furiosos. E, todavia, eis o que ele escreve:
"Tu, Senhor, és um escudo para mim, a minha glória, e o que exalta a minha
cabeça. Com a minha voz clamei ao Senhor, e ouviu-me desde o seu santo
monte. Eu me deitei e dormi; acordei, porque o Senhor me sustentou. Não
temerei dez milhares de pessoas que se puseram contra mim e me cercam.
Levanta-te, Senhor; salva-me, Deus meu; pois feriste a todos os meus inimigos
nos queixos; quebraste os dentes aos ímpios. A salvação vem do Senhor".
Zacarias diz algo semelhante: "Porque assim diz o Senhor dos Exércitos: depois
da glória ele me enviou às nações que vos despojaram; porque aquele que tocar

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vós toca namenina do seu olho" (2:8). Vocês querem algo que vá além disso?
"Aquele que tocar em vós", diz Deus a você como cristão, "toca na menina do
meu olho" - o ponto mais sensível do Meu ser. Essa é a proteção. "Dou-lhes a
vida eterna", diz o Senhor Jesus Cristo, "e nunca hão de perecer, e ninguém as
arrebatará daminhamão" (João 10:28). Haverá algum lugar mais seguro que
esse? "Se Deus é por nós", diz Paulo, "quem será contra nós?" (Romanos 8:31).
"O Senhor é o meu ajudador", diz o escritor da Epístola aos Hebreus, "e não
temerei o que me possa fazer o homem" (13:6). Diz João, em sua Primeira
Epístola, "maior é o que está em vós do que o que está no mundo" (4:4). Pode ser
que o inimigo esteja atacando e ferindo você; não revide, não se vingue, diz
Paulo, pois "Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o SENHOR" (Romanos
12:19).
"Eles o venceram", diz o livro de Apocalipse, "pelo sangue do Cordeiro e pela
palavra do seu testemunho" (12:11). Aquele poderoso dragão que se levanta
contra a Igreja de Deus, e lança da sua boca uma torrente de águas na tentativa de
arrastá-la, está sempre tentando destruir o povo de Deus. Que é que podem fazer
os que Lhe pertencem? "Eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra
do seu testemunho." E assim que se derrota o diabo quando ele vem com toda a
sua milícia e com todo o seu terrível poder. Diz finalmente o apóstolo Paulo:
"por cuja causa padeço também isto" - as perseguições, provações e tribu- lações
que sofreu - "mas não me envergonho; porque eu sei em quem tenho crido, e
estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito (VA: "para guardar
aquilo que eu lhe confiei") até àquele dia" (2 Timóteo 1:12). Está certo, diz
Paulo; você, Timóteo, está passando por tempos difíceis; sei o que é isso; eu não
me envergonho, não fico alarmado, não me apavoro, não me abalo - pois eu
conheço Aquele em quem eu creio, e Lhe confiei tudo, e Ele me guardará e
guardará tudo o que eu considero precioso até aquele dia. Ah, se nos déssemos
conta dos nossos privilégios como cristãos! Seja qual for o seu problema, seja
qual for a sua situação, seja qual for a sua provação, eu insisto com você,
lembre-se dos recursos, lembre-se das coisas que caracterizam você como
cidadão deste grande e glorioso reino.

Apresso-me a acentuar outro aspecto que é igualmente importante para nós,


a saber, as obrigações, as exigências, as responsabilidades da nossa cidadania.
"Já não somos estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos." O que
estivemos fazendo foi regozijar-nos nos privilégios, porém agora vamos
lembrar-nos das responsabilidades. As Escrituras dão ênfase a elas em toda
parte. Toda a segunda metade desta Epístola aos Efésios é dedicada quase
exclusivamente a isso. Mas vamos recordar resumidamente algumas coisas que
decorrem da nossa posição privilegiada e exaltada. São elas que, como já

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mencionei, nos fornecem certas provas sutis e excelentes quanto a se
pertencemos ao reino ou não.
A primeira é, obviamente, esta - o nosso orgulho do reino. A analogia
humana é óbvia. O nosso orgulho da pátria, o nosso orgulho da cidadania! 5/r
Walter Scott pergunta, com muito acerto: "Haverá algum ser humano vivo que
esteja com a sua alma tão amortecida que nunca tenha dito a si próprio: Esta é a
minha terra natal, a minha terra?" Isso é natural, é instintivo. As pessoas não
somente estão dispostas a falar sobre o seu país e a aclamá-lo; também morrerão
por ele. As pessoas fazem isso por qualquer coisa pela qual se interessem. Está
alguém interessado em música? - está sempre falando sobre música. Está
interessado em futebol? Não gritaria, torcendo pelo seu time? Vocês não os têm
ouvido aos milhares? O interesse pela agremiação deles! Não contentes com
isso, usam os seus mascotes, as suas cores especiais, pagam muito dinheiro para
ir ver seu time j ogar. O entusiasmo! A paixão! Essa é a esfera do seu interesse.
Mas, que dizer de nós? Somos cidadãos de um reino que não pertence a este
mundo - o reino celestial que estivemos descrevendo. Que dizer a respeito?
Temos orgulho dele? Estamos mostrando de que lado estamos? Estamos
mostrando as nossas cores? Ou, quando estamos em companhia de certas
pessoas, procuramos ocultar que somos cristãos? Quando estamos com pessoas
que não observam o domingo, e que antes desprezam as que freqüentam a igreja,
procuramos dar a impressão de que essa é também a nossa posição? Não admira
que as multidões estejam fora da igreja, quando tantas vezes nós damos a
impressão de que nos sentimos um pouco envergonhados pelo fato de estarmos
dentro. Todavia não é só questão de envergonhar-nos. Se nos déssemos conta da
verdade acerca da nossa posição, ficaríamos comovidos, ficaríamos
emocionados. Como o homem que diz, "Esta é a minha terra natal, a minha
terra", nós nos gloriaríamos em nosso reino e nos gabaríamos dele, estaríamos
prontos a aclamá-lo e, se necessário, a morrer por ele. Nós o enalteceríamos, e
enalteceríamos as suas virtudes e todos os altos, grandes e gloriosos privilégios
dele decorrentes, e estaríamos ansiosamente desejosos de que todos o
conhecessem e pertencessem a ele - como acontece com alguém que se encontra
num país estrangeiro. Os homens deste país, quando no exterior, não escondem
que são britânicos, querem que todo o mundo saiba disso. E as pessoas que vêm
para cá de outros países fazem o mesmo, e fazem muito bem! Do mesmo modo,
como cidadãos deste reino glorioso, devemos mostrar sempre a nossa lealdade a
esse reino, e gloriar-nos no fato de que pertencemos a ele.
Naturalmente, o próximo ponto é: primeiro a pátria, depois eu. Essa é
aprova da verdadeira apreciação que apessoa faz da sua cidadania. Quando o país
está em dificuldade, o grito é: "Pelo rei e pela pátria!" - não por seus interesses e
preocupações particulares! Ouçam o que diz o apóstolo Paulo: "Ninguém que

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milita se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o
alistou para a guerra" (2 Timóteo 2:4). Ele quer dizer que quando um homem é
soldado do exército, não se dedica ao mesmo tempo a uma profissão ou a um
negócio fora do exército. Ele está inteiramente à disposição do oficial
comandante, do seu rei e do seu país. Ele não se embaraça com os negócios desta
vida quando está na guerra, porque as conseqüências seriam caóticas. Se muitos
homens alistados no exército, com o país em guerra, de repente dissessem:
lamento, mas não posso combater hoje, tenho que irparacasa e resolver alguns
negócios, o exército seria logo derrotado. Os soldados têm que cancelar a si
próprios, têm que dar de mão de si, têm que estar a disposição do rei e da pátria.
Quando você está no exército, não é você que decide quando vai ter folga.
Apliquemos esse pensamento à esfera superior. "Pelo rei e pela pátria!"
"Ninguém que milita se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar
àquele que o alistou para a guerra." Primeiro o reino e o rei. E é justamente essa
aprovapara vermos se nos damos conta da nossa cidadania neste reino. Acaso
submetemo- -nos ao Rei e à pátria? Renunciamo-nos a nós mesmos?
Compreendemos que a verdade a nosso respeito é que "não sois de vós mesmos",
que "fostes comprados por bom preço"? (1 Coríntios 6:19 e 20). Pertencemos a
Ele, não pertencemos mais a nós mesmos.
O próximo pensamento nesta seqüência lógica é: em virtude da minha
relação com este reino, segue-se que agora sou estrangeiro em todo e qualquer
outro reino. Paulo diz a estes efésios: "Já não sois estranhos e estrangeiros, mas
concidadãos dos santos"; outrora estavam fora deste reino, eram estranhos e
estrangeiros, mas agora são cidadãos do reino. Entretanto, lembre-se, isso
significa que você agora é um estranho e um estrangeiro naquele país do qual
você veio. Que importante princípio! Permitam-me lembrá-los da maneira pela
qual o apóstolo Pedro usa este argumento na sua Primeira Epístola: "Vós, que em
outro tempo não éreis povo, mas agora sois povo de Deus". "Amados", diz ele,
"peço-vos, como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das
concupiscências carnais1 que combatem contra a alma; tendo o vosso viver
honesto entre os gentios, para que, naquilo em que falam mal de vós, como de
malfeitores, glorifiquem a Deus no dia da visitação, pelas boas obras que em vós
observem" (2:10-12). Vocês vêem a mudança? Eles não eram um povo; agora
são. Estavam fora do reino, estranhos e estrangeiros fora do reino de Deus; agora
estão dentro do reino de Deus. Mas, por causa disso, diz ele, vocês são
estrangeiros e peregrinos neste mundo, não pertencem mais a ele. Essa é outra
maneira de dizer o que Paulo diz em Filipenses 3:20: "A nossa cidadania está no
céu" (VA); e porque a nossa cidadania está no céu, aqui somos estrangeiros,
estamos no mundo porém não somos do mundo.

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Isto é uma coisa que acontece automaticamente. Quando você está
visitando outro país, você não se torna parte dele; continua sendo estrangeiro,
sabe disso, e todo o mundo sabe disso também. Eu e vocês, como cristãos,
tornamo-nos estrangeiros neste mundo. Não mais pertencemos a este mundo, se
é que somos cristãos verdadeiros. Somos como pessoas que estão fora de casa.
Estamos aqui por algum tempo, somos forasteiros, somos peregrinos, somos
viajores; esta é sempre a descrição que a Bíblia nos apresenta. Leiam o capítulo
onze da Epístola aos Hebreus. Os que são mencionados ali se consideravam
"estrangeiros e peregrinos na terra". Eles estavam em busca da "cidade que tem
fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus". Eles moravam em tendas.
Cada um deles dizia: "Sou estrangeiro aqui, meu lar é o céu". Segue-se
automaticamente, não segue? Somos tão-somente estranhos e estrangeiros entre
os ímpios. Eles não nos entendem, eles são diferentes. Podem opor-se a nós,
podem perseguir-nos. Tudo muito certo, diz Pedro, apenas se lembrem de quem
vocês são, e se lembrem de que não pertencem mais a eles. Não há necessidade
de argumentar a respeito disso. Ou vocês estão no reino de Deus, ou estão fora;
não podem estar nos dois lugares ao mesmo tempo. E é preciso que fique
evidente para todos que vocês pertencem a este reino celestial, e não àquele
outro.
Eu gostaria de colocar este ponto da seguinte forma, como o meu quarto
princípio. Como estranhos, peregrinos e estrangeiros neste mundo,
lembremo-nos sempre de que a nossa primeira obrigação é representar o nosso
Rei e a nossa pátria. "A Inglaterra espera que cada homem cumpra hoje o seu
dever", disse o almirante Nelson na manhã da batalha de Trafalgar. Em tempos
antigos, aonde quer que fosse um cidadão do Império Romano, ele levava o seu
manto peculiar, o sinal do fato de que ele era um cidadão romano; e ele zelava
muito do manto e sua honra. Com toda razão o fazia! Sim, diz o apóstolo Paulo
também aos filipenses, "Somente deveis portar-vos dignamente, conforme o
evangelho de Cristo"(l :27). Você é um estranho fora de casa, você sabe da sua
pretensão e você disse aos outros o que você é. Lembre-se, eles o estarão
observando. Nunca se esqueça disso! Eles vão julgar o seu Rei e o seu país pelo
que vêem em você. Vejam de novo, em Pedro: "Amados, peço-vos como a
peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das concupiscências carnais que
combatem contra a alma; tendo o vosso viver honesto entre os gentios; para que,
naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores, glorifiquem a Deus no
dia da visitação, pelas boas obras que em vós observem". Eles perseguem vocês
como a malfeitores, mas provem a eles, pelas suas boas obras, que vocês são
filhos de Deus.
Sempre é assim que o Novo Testamento prega a santificação e a santidade.
Algumacoisatragicamente errada aconteceu com apregação da santificação e da

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santidade quando ela sempre nos oferece algo, "Vida com V maiúsculo", ou algo
que vai ser maravilhoso para nós. Eis como as Escrituras nos exortam à
santidade: "Sede santos, porque eu sou santo, diz o Senhor". Se você não está
vivendo uma vida santificada e uma vida santa, você é um traidor da sua pátria e
do seu Rei. Você não tem direito de viver como quiser. Você não pode
dissociar-se da sua cidadania. Você não pode dizer: não importa a ninguém o
que eu faço, quero ter a minha vida à minha maneira. Não, se você é cristão. Se
você cair, todos nós cairemos com você. E o mundo se rirá de nós. Acima de
tudo, Cristo será ridicularizado. Pois um membro da Igreja Cristã ter vida
mundana nada mais é que ser ele um canalha e um traidor. Na esfera secular as
pessoas são executadas por fazerem uma coisa como essa. Insultar a bandeira!
Rebaixar o país! Rebaixar o monarca! Não há nada pior. E eu e você somos
cidadãos deste Rei celestial e do Seu reino glorioso e santo. "Amados, peço-vos,
como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais (que fiqueis longe) das
concupiscências carnais que combatem contra a alma" - não por amor de vocês
mesmos apenas, porém por amor daqueles gentios que estão olhando, e pela
honra do seu Rei. "Somente deveis portar-vos dignamente conforme o
evangelho de Cristo."
Essa é uma boa maneira de estudar a prática cristã. Em nossa vida diária,
quando nos assaltam dúvidas sobre se devemos fazer algo ou não, ou se devemos
usar isto ou aquilo, esta é a nossa prova: serve para mim? Condiz? Se eu vestir
este manto, ele está de acordo com meu chapéu e os meus sapatos? E digno?
Combinacom... ? Essa é a figura, a ilustração utilizada pelo apóstolo. Se não
servir, se não combinar, se não for próprio e não estiver em harmonia com o
restante, devo largar dele. Que toda a sua conduta seja governada pelo evangelho
de Cristo. Todas as minhas ações devem ser controladas por ele. E preciso que
seja uma realidade global. Cada ato deverá ser digno, próprio, pertinente. Assim,
você deve pensar nas grandes doutrinas da fé e perguntar: esta espécie de
conduta é consoante com essa fé? Convém ao evangelho de Cristo?
Finalmente, deveria ser óbvio que, como cidadãos deste reino, devemos
sempre estar preocupados com a defesa do reino, com a defesa das suas leis e
com a defesa de tudo o que é propugnado por esse reino. A bandeira! Devemos
estar dispostos a morrer pela "bandeira"; ela representa o país e tudo o que lhe
pertence. Isso é igualmente verdade quanto a nós, no sentido espiritual. Não
mais somos estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos. Em dias como
os atuais somos convocados pera defender esta "bandeira", a Bíblia. Ela está
sendo atacada e ridicularizada. Vocês a estão defendendo? Não basta dar o seu
testemunhocomoumadefesadaBíblia. Vocês têm que preparar-se para defender a
Bíblia. Para começar, vocês têm que conhecer a Bíblia. E vocês têm que ter
algum conhecimento dos livros que os ajudarão a defender a Bíblia. Boa vontade

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e boas intenções não defenderão o país. Para defender o país, o homem tem que
entrar no exército e tem que ser treinado, fazer exercícios e aprender a ser
disciplinado; goste ou não, terá que fazê-lo "à força", como se diz. E eu e você
temos que aprender "à força" a defender a bandeira, o país, o reino. O nosso livro
está sendo atacado; a nossa fé está sendo atacada. Temos que estar "sempre
preparados", diz Pedro, "para responder a qualquer que nos pedir a razão da
esperança que há em nós" (1 Pedro 3:15). Como poderemos fazê-lo? O reino está
sendo atacado por um inimigo poderoso, e eu e vocês estamos sendo convocados
como combatentes para que façamos a nossa pequena parte individual. Não há
maior honra, não há privilégio mais alto. A vitória é certa e segura. Mas seria
trágico, quando chegar o grande e glorioso dia de celebrar essa vitória, se algum
de nós achasse que não fez absolutamente nada, que simplesmente ficamos
sentados enquanto alguma outra pessoafazia o trabalho, a defesa, a luta, o
esforço.
Não precisamos ser todos grandes peritos na arte da guerra. Deixem-me
usar uma analogia humana. Não precisamos ser todos soldados de carreira; você
não precisa ser, necessariamente, um obreiro de tempo integral, pode engaj ar-se
na Defesa Civil do reino de Deus. Um policial de alto nível. Ache tempo para
isso. Tenha um só interesse. Dedique-se a ele. O reino de Deus está sendo
atacado e ridicularizado. Saltemos logo em sua defesa, por pequeno que seja o
serviço que possamos prestar.
Noutras palavras, como cidadãos deste reino, o nosso maior desejo, a nossa
principal ambição, sempre deverá ser que as suas fronteiras sejam ampliadas e
ele se torne cada vez mais poderoso e cada vez mais glorioso, até o dia em que
"os reinos do mundo vierem a ser de nosso Senhor e do seu Cristo".
"Já não sois estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos" neste
reino glorioso. E por essa razão somos apenas estrangeiros e peregrinos neste
mundo, com todo o seu artificialismo, ostentação com toda a sua louca confiança
própria, que darão em nada. Graças a Deus, não pertencemos a isso. Aqui somos
apenas estrangeiros. "A nossa cidadania", graças a Deus, "está no céu."

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DA FAMÍLIA DE DEUS
27 "Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus." - Efésios 2:19

Tendo considerado a primeira figura que o apóstolo emprega para nos


mostrar o privilégio de sermos membros da Igreja Cristã, a saber, a de cidadãos
de um Estado, agora chegamos à sua segunda figura. Os cristãos verdadeiros não
são somente concidadãos dos santos, mas também são "da família de Deus".
Obviamente, aqui há algo diferente, há um avanço. No entanto, de novo,
lembremo-nos de que as duas coisas que Paulo quer assinalar são este princípio
da unidade e também a grandeza do privilégio. Podemos perguntar, porém: por
que ele usa desse modo uma segunda figura? E por que, na verdade, ele vai usar
uma terceira figura, que estudaremos mais adiante? A resposta, penso eu, é
óbvia: é que ele sentiu que só a primeira figura não era suficiente. Ela nos dá uma
idéia, apresenta-nos uma parte vital da doutrina, mas não inclui tudo. Não é
suficientemente compreensiva. Ela estabeleceu um tremendo aspecto, que já
consideramos, porém há muito mais para ser dito. Portanto, convém que
consideremos e descubramos porque ele emprega esta segunda ilustração.
Certamente vocês se lembram de que, no primeiro capítulo, o apóstolo já
nos apresentara esta idéia de família, onde ele diz: "E nos predestinou para filhos
de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito da sua
vontade". Agora, aqui, ele retoma essa idéia, dizendo-nos que, como crentes,
pertencemos à família de Deus. Noutras palavras, somos filhos de Deus. Paulo
argumenta neste sentido quanto a judeus e gentios que se tornaram cristãos.
Todas as outras distinções, vocês recordam, desapareceram, foram postas de
lado, foram abolidas. Nesta nova realidade que Deus trouxe à existência entre os
judeus e os gentios, o grande fato suplementar é que estamos na posição de
filhos.

Portanto, o que temos que fazer é comparar e contrastar a idéia de Estado


com a idéia de família. E é só quando fizermos isto que compreenderemos
porque o apóstolo introduz a segunda figura e em que sentido esta segunda figura
constitui um definido avanço em relação à primeira, e nos leva a uma percepção
mais profunda da verdade acerca da unidade de todos os cristãos e da grandeza
do privilégio que gozamos. Devemos, pois, considerar os pontos de contraste
entre o Estado e a família.
O primeiro é que a relação que existe entre os membros de um Estado é,
afinal de contas, uma relação geral, ao passo que o que caracteriza a relação
entre os membros de uma família é que esta é uma relação mais particular.

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Todos nós, neste país, somos cidadãos da Grã- -Bretanha, mas não pertencemos
à mesma família. Há numerosas famílias e, somos todos um no Estado. É isso
que quero dizer quando falo da relação no Estado como sendo mais geral. Por
outro lado, na família estreita-se a relação; é uma unidade muito menor. E
porque a relação é mais estreita e mais particular, é, por isso mesmo, muito mais
intensa. Assim é que podemos usar outras expressões. Podemos dizer que a
ligação entre nós no Estado é muito leve. Há uma ligação, e é suficiente para
separar-nos das pessoas que pertencem a outros países e a outros reinos. Estamos
ligados uns aos outros, mas a ligação é leve. Numa família, porém,
aligaçãojánãoéleve. Visto que é particular, visto que é mais estreita, é mais
intensa, e também mais cerrada. Portanto, o apóstolo está dando realmente um
passo adiante em sua doutrina acerca desta unidade. A unidade que existe na
Igreja Cristã entre os membros não é uma ligação leve, é uma ligação intensa,
cerrada, íntima.
Todavia, podemos ir mais adiante com a seguinte colocação: em segundo
lugar, a unidade existente no Estado é, em última análise, uma unidade externa.
Isso dispensa desenvolvimento e demonstração. Não se pode pensar numa
família, sem que se pense num fator interior, de dentro, que une os seus
membros. Não é o que se dá no Estado, no qual nos unem certos tipos de cultura,
certas leis, certos interesses comuns, todos os quais, num sentido final, estão na
surpefície das nossas vidas e fora de nós. Na família há algo essencialmente
interior, interno. Noutras palavras, a relação entre os membros de um Estado é
mais remota, enquanto que entre os membros de uma família é mais íntima.
Quero dizer com isso que conhecemos muitas pessoas de maneira vaga e um
tanto remota. Reconhecemos os que moram na mesma rua, ou que trabalham no
mesmo emprego; são nossos "conhecidos", mas realmente não os conhecemos,
não temos intimidades com eles. Pode haver uma espécie de conhecimento de
"bom dia, boa tarde", uma amizade geral, porém é sempre remota. Ao passo que
na família a idéia central é logo uma idéia de intimidade e entendimento, e de
laços interiores.
Ou pensemos nisso de maneira diferente. Em última instância, a nossa
relação uns com os outros no Estado é impessoal, ao passo que a verdade geral
acerca da família é que, nesta, a relação é intensamente pessoal. Este é um
princípio muito importante, independentemente da sua aplicação à Igreja. Há no
mundo atual a tendência de salientar e desenvolver relações impessoais, em
detrimento das relações pessoais. Vocês çodem pensar em muitos exemplos
disso. O próprio Estado age assim. À medida que o Estado se torna cada vez mais
poderoso, e que interfere cada vez mais em nossas vidas, vai tendendo a nos
despersonalizar. Passamos a ser unidades impessoais, passamos a ser números.
Desaparece o elemento pessoal. Há muita evidência disso neste país atualmente.

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Não estou argumentando politicamente, mas o faço filosofica- mente,
considerando-o um ponto muito importante e, em última análise, faço-o do
ponto de vista da personalidade e da individualidade. O Estado sempre tende a
despersonalizar-nos. Naturalmente, isso faz parte de toda a questão da
psicologia das massas e das multidões. Você sempre tende a perder um pouco a
sua identidade na multidão. E por isso que as multidões são tão perigosas, e
talvez chegue o dia em que haverá necessidade de uma legislação que proíba a
reunião de pessoas além de certos limites numéricos. Gostemos ou não, uma
multidão tem influência sobre nós, e as pessoas tendem a agir automaticamente
em meio a uma multidão. Hitler sabia disso muito bem, e soube aproveitar a
idéia. Numa multidão vocêpode levar as pessoas a fazerem coisas que jamais
elas sonhariam em fazer sozinhas ou individualmente. De um modo ou de outro,
desaparece o elemento pessoal. De fato precisamos observar e vigiar isso até
mesmo em nossos sistemas educacionais. Quanto mais você forçar lealdade a
um lado ou a uma escola, mais tendendo estará a despersonalizar as crianças e a
produzir uma relação impessoal. Eu até chego a opinar que, talvez, esta seja uma
das principais razões do pavoroso aumento de divórcios no presente. As pessoas
pensam cada vez menos em si desta maneira pessoal, e os objetos de lealdade se
tornaram mais gerais - o país, a Coroa, a escola, a ala, algo semelhante, algo que
está fora da pessoa. Essas coisas não devem ser negligenciadas, concordo, pois é
uma coisa terrível a pessoa ser egoísta e egocêntrica; porém a tragédia é que
sempre nos inclinamos a ir de um extremo ao outro. Na tentativa de ensinar as
crianças e outros a não serem egoístas, certamente iremos ao outro extremo, se
nos tornarmos tão impessoais que eles tenham medo de expressar os seus
sentimentos, e assim tentem despersonalizar-se ao ponto de desaparecerem na
multidão. Assim vocês vêem que o apóstolo avançou definitivamente em seu
pensamento aqui. A ligação, a relação no Estado é impessoal. Mas na família - e
esta é a glória da família - todos nós somos pessoas, e todas as relações são
pessoais, diretas e imediatas.
Então, finalmente, podemos dizer que a diferença entre as duas relações é a
diferença que há entre uma relação legal, judicial e uma relação de sangue,
vivida e vital. O que em última instância nos une no Estado é a lei. Pode haver
certos interesses e perspectivas em comum; todavia o que afinal de contas nos
une e mantém a coesão é o processo da lei - a relação é legal. Mas não é esse o
caso da família. Na família o que nos une é o sangue. É uma relação vital.
Pode-se mostrar facilmente a diferença desta maneira: vocês verão
particularmente no continenteeuropeu, em vários países que estão separados uns
dos outros como Estados, que, não obstante, há o mesmo sangue nas pessoas que
pertencem a esses Estados diferentes. Pensem nos eslavos, por exemplo. Eles
têm o mesmo sangue e possuem certas características; e embora uns pertençam a

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um país e outros a outro, sempre se pode reconhecer o eslavo. E assim com
outros tipos de nacionalidade e de sangue. Uma relação de sangue é algo mais
íntimo, direto, vital e vivo do que qualquer relação que seja delimitada e
determinada pelos processos da lei e pelos decretos dos homens.
O apóstolo, então, não está meramente multiplicando palavras quando diz:
"Assim que já não sois estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos" -
sim, e membros "da família de Deus". Ele deu passos adiante, levou-nos a uma
esfera mais elevada, e estreitou a relação; e quando você estreita a relação, esta
sempre se torna mais intensa. Sempre temos relação mais intensa quando somos
em menor número. Isso é psicologia, assim é a natureza humana, não é? Por isso
o termo "família" transmite todas estas grandes idéias que é importante que
captemos.

Tendo mostrado a diferença de modo geral, passemos agora à aplicação


particular disso tudo aos cristãos, aos membros da Igreja Cristã. Por que é
importante que compreendamos esta relação familiar? Por que o apóstolo estava
tão desejoso de que estes efésios a compreendessem? É porque tantos de nós não
compreendem estas verdades que nós somos o que somos e a Igreja é o que é.
Acaso compreendemos que de fato somos dafamília de Deus - e que
pertencemos à família de Deus? Esta verdade é uma parte vital da doutrina da
salvação. Por isso devemos considerá-la.
Começo com o aspecto mais grandioso e mais importante. E importante que
o compreendamos para que entendamos, como devemos, a maravilhosa e
estupenda graça de Deus. Eis o que quero dizer: já seria uma coisa maravilhosa
se Deus apenas decidesse não punir-nos, não nos enviar ao inferno. Era o inferno
que nós merecíamos. Em nosso estado e condição natural, que o apóstolo
descrevera - "andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne
e dos pensamentos", e sendo "filhos da ira, como os outros também" - não
merecíamos outra coisa que não o inferno. Digo que teria sido uma coisa
maravilhosa se Deus meramente decidisse não nos deixar naquele estado e não
punir-nos. Contudo, o método de salvação estabelecido por Deus não pára aí. Ele
nos eleva a esta dignidade de filhos, Ele nos adota em Sua família.
Vê-se tudo isso na parábola do filho pródigo. O filho foi para casa e disse a
seu pai: "Pai, pequei contra o céu e perante ti, e jánão sou digno de ser chamado
teu filho". E ia acrescentar, "faze-me como um dos teus jornaleiros". Mas o pai
não pode considerar o seu rapaz, embora pródigo, como um dos seus serviçais.
Isso simplesmente não pode acontecer. Diz ele: não, não, você volta como meu
filho; e o abraça, e lhe traz o melhor traje e o anel, e mata o bezerro cevado. Meu
filho! Esse é o método divino de salvação. É, pois, importante que captemos este
princípio, a fim de nos habilitarmos a engrandecer a graça de Deus. Que plano de

- 356 -
salvação! Que esquema de redenção! Não satisfeito com outra coisa, senão que
estejamos na Sua presença como Seus filhos! Se não nos dermos conta disso, não
nos daremos conta da grandeza e das riquezas da graça de Deus.
Aí está, então, o primeiro ponto, e o mais importante, o ponto que, em certo
sentido, inclui todos os demais. Ele acentua o que há pouco estive dizendo, que
nunca devemos pensar na salvação negativamente. Só começamos com os
aspectos negativos. A primeira coisa da qual todos necessitamos é o perdão dos
pecados e a nossa libertação da ira de Deus. Todavia Ele não se detém nisso. E
jamais devemos deter-nos nisso, em nosso pensamento. O nosso pensamento
deve ser positivo, devemos ver a que tudo isso leva. O cristão não é meramente
alguém que foi perdoado e salvo do inferno. Muito mais que isso, ele foi adotado
na família do Deus eterno!
Outro ponto muito importante é o seguinte: vocês notam que isso só é
verdade quanto a nós no Senhor Jesus Cristo e por intermédio dEle. Isso só é
próprio dos que estão "em Cristo". Isso é absolutamente vital e fundamental,
porque há corrente hoje um frouxo ensino concernente à paternidade universal
de Deus, assim chamada, e à fraternidade universal dos homens. Aqui, neste
capítulo, o apóstolo ensina exatamente o oposto. Toda bênção - e devemos ter
em mente que este versículo dezenove é um resumo do que vem antes - tudo, ele
nos estivera dizendo, é "em Cristo Jesus". Nenhuma destas coisas é real sem
Cristo Jesus. "Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na
carne... que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de
Israel, e estranhos aos concertos dapromessa, não tendo esperança, e sem Deus
no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo
sangue de Cristo chegastes perto"; Ele é a nossa paz." Depois, no versículo 18,
"Porque por ele (ou "nele", Cristo), ambos temos acesso ao Pai em um (ou "por
um") mesmo Espírito". Isso de pertencer à família de Deus independentemente
do Senhor Jesus Cristo não existe. A humanidade está dividida em dois
compartimentos - os que estão fora de Cristo ou sem Cristo, e os que são
membros da família de Deus. Acerca dos primeiros disse o Senhor Jesus Cristo:
"Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai" (João
8:44). Como é importante observar estas coisas! Deus, como o Criador, é o
Criador de todos, e nesse sentido há uma espécie de paternidade. Entretanto não
é disso que o apóstolo está falando aqui; não é dessa verdade que o Senhor Jesus
Cristo fala, quando diz: "Vosso pai celestial sabe que necessitais de todas estas
coisas" (Mateus 6:32). Não, esta é a nova relação que só passou a existir
mediante o Senhor Jesus Cristo e a obra perfeita por Ele realizada.
Portanto, Deus não é Pai dos que não crêem em Cristo. E não há quem possa
ir a Deus e Lhe pedir algo, dizendo: "Meu Pai", a não ser que vá "pelo sangue de
Cristo", confiando unicamente em Sua obra perfeita. Isso, como vocês sabem,

- 357 -
muitas vezes é negado hoje. Muitos falam leviana, desembaraçada e
relaxadamente sobre ir a Deus sem sequer mencionar onome do Senhor Jesus
Cristo. Um dia se despertarão para verem que Ele nunca os conheceu, que eles
estão fora, que não pertencem à família. Sem Cristo, esse relacionamento não
existe. Por outro lado, deixem que eu diga enfaticamente que esta bênção é uma
realidade quanto a todos os cristãos verdadeiros. Nisso não há divisões quanto
aos cristãos - são todos "concidadãos dos santos e da família de Deus". Portanto,
devemos rejeitar todos os ensinamentos que dizem que alguns cristãos não são
filhos de Deus, e que traçam uma distinção entre filhos e criaturas. Criaturas e
filhos, neste sentido, são iguais, e você não pode ser cristão sem ser uma criatura
de Deus e um filho de Deus. Os termos aplicam-se igualmente a todos os
cristãos.
É importante compreender isso, pela seguinte razão: se eu e vocês somos
filhos de Deus, não temos direito de viver como se fôssemos apenas empregados.
Não temos direito de viver na cozinha da casa. Somos filhos! - e todos os cristãos
que não se dão conta disso, eque estão levando uma vida de serviçal, estão
desonrando a Deus e estão difamando a glória eterna da Sua graça. Por isso é
importante compreender mais este avanço na doutrina. Se não o
compreendermos, cairemos naqueles diversos erros e, com isso, estaremos
difamando a glória do Senhor Jesus Cristo. Nós O estaremos tirando do centro,
Ele já não será crucial, o Seu sangue estará sendo posto de lado e em descrédito.
Ele não será tudo para nós, e não glorificaremos Seu Pai como devemos.
Esse é, então, o primeiro motivo pelo qual devemos captar esta verdade. E
indispensável para um verdadeiro entendimento da doutrina da salvação.

Mas eu tomo a liberdade de dizê-lo com maior clareza. Somente quando


entendemos esta verdade é que passamos a usufruir os privilégios desta posição.
Vocês percebem o que isto significa? Estivemos considerando os privilégios de
ser um cidadão do reino, e estes são maravilhosos e gloriosos. No entanto, à luz
das distinções que traçamos, você pode ver quão mais altos são os privilégios
quando você se vê como filho de Deus, e não apenas como cidadão do Seu reino.
Quais são estes privilégios? Eis o primeiro: Deus é nosso Pai. O eterno e
sempiterno Deus! Podemos ir a Ele como nosso Pai. Vocês recordam o que
opróprio Senhor Jesus Cristo disse: "Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e
vosso Deus" (João 20:17). Certamente não há maior honranem maior dignidade
quepossamos vislumbrar ou compreender do que justamente esta - levar sobre
nós o nome de Deus. Não admira que João, no prólogo do seu Evangelho, tenha
dito que "a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder (o direito, a autoridade)
de serem feitos filhos de Deus" (1:12). Não há o que supere isso, não há o que
conceber acima disso, que somos de fato membros da família de Deus. Isso nos

- 358 -
caracteriza literalmente como cristãos. Diz ainda João: "Amados, agora somos
filhos de Deus" (1 João 3:2). Não sabemos o que seremos em toda a sua
plenitude, continua ele dizendo, mas isto sabemos, que já, agora, somos filhos
de Deus. O apóstolo Pedro ocupa- -se igualmente disso e afirma que "somos
participantes da natureza divina" (2 Pedro 1:4). Cada vez mais me parece que é a
nossa falha neste ponto que realmente explica por que a Igrej a Cristã está como
está. E não se trata do que fazemos ou tentamos fazer; enquanto não voltarmos a
isto, e realmente não o compreendermos, enquanto não o sentirmos e não
experimentarmos o seu poder, não vejo esperança para a Igreja. Somos filhos de
Deus, participantes da própria natureza divina.
Depois, por causa disso, a segunda coisa que nos caracteriza em nossa
relação com Deus como nosso Pai é que temos o direito de aproximar-nos dEle,
o mesmo direito que uma criança tem quanto ao seu pai. Paulo já o dissera num
versículo anterior: "Porque por ele ambos temos acesso" - não a Deus, vocês se
lembram, mas - "ao Pai em um mesmo Espírito". Isso é tão extraordinariamente
forte que mal podemos recebê-lo; mas é verdade. Posso usar uma ilustração
simples e óbvia? Imaginem um homem, alguém responsável por uma grande
empresa, com centenas, talvez milhares de pessoas a seu serviço e sob a sua
direção, um homem excepcionalmente ocupado. É evidente que esse homem não
pode cuidar pessoalmente de todos os pormenores do seu negócio ou das obras
ou do que seja. Ele só lida com grandes princípios; ele tem os seus gerentes e
subgerentes, chefes etc., e esses tratam das minúcias das coisas dos seus
respectivos departamentos. Se você levar um detalhe de algum departamento a
esse grande homem, que é o chefe de todos, o presidente da companhia, ele
simplesmente o despedirá, pois não tem tempo para essas coisas. E contudo o
vejo ali, um certo dia, em seu escritório, sentado à mesa de trabalho, com todas
estas grandes tarefas em mente, e talvez com vultosas quantias para administrar,
pelas quais ele é responsável. Ele não pode ver os seus gerentes hoje, só pode ver
alguns diretores especiais. Contudo, de repente, ele ouve uma leve batida à porta.
Ele sabe quem é; é o seu filhinho, o seu pequerrucho cambaleante; e o homem
vai pessoalmente abrir aporta, e passa algum tempo falando com ele, talvez
brincando um pouco com ele.
Tudo é posto de lado. Por quê? E seu filho. Essa é a doutrina que estamos
considerando. Deus, que criou do nada todas as coisas, e para quem todas as
estrelas e constelações são o que bolinhas de gude são para uma criança, Deus,
que domina todas as coisas e que existe de eternidade a eternidade, para quem as
nações são como "o pó miúdo das balanças" (Isaías 40:15) - é meu Pai, é seu Pai,
e não há nada, por menor e mais trivial que seja, na minha vida e na sua, pelo que
Ele não Se interesse e, por assim dizer, pelo que não Se disponha a deixar que o

- 359 -
universo inteiro siga adiante por seu próprio impulso por algum tempo enquanto
Ele ouve você e dá atenção somente a você. E isso que essa doutrina quer dizer.
Como somos tolos! Como nos privamos de algumas das coisas mais
preciosas da vida cristã, simplesmente porque não nos apegamos à doutrina!
Usamos as expressões levianamente, mas não analisamos o seu conteúdo. Eis o
que o apóstolo está dizendo: não somos só cidadãos -lembro-lhes que o cidadão
tem direito de apelar para o rei, mas isto nos leva muito mais longe - vou como
uma criança diretamente à presença de meu Pai, e Ele está sempre pronto a
receber-me. Ou, para dizê-lo invertendo os termos, se tão-somente nos déssemos
conta do interesse de Deus por nós e da Sua amorosa preocupação conosco!
Como é que podemos ler as Escrituras e examinar estas declarações gloriosas, e,
ao que parece, nunca as compreender? Foi o próprio Filho de Deus que nos disse
que, como filhos de Deus, "até os cabelos da nossa cabeça estão todos contados".
É dessa maneira, e em minúcias como essa, que Deus nos conhece. O nosso
Senhor estava sempre repetindo este ponto. Diz Ele: "Vosso Pai celestial bem
sabe que necessitais de todas estas coisas" (Mateus 6:32). Por que inquietar-se e
aborrecer-se? Se você tão- -somente compreendesse que Ele é seu Pai, que Ele
sabe tudo a seu respeito, e que Ele conhece todas as suas necessidades e
inquietações muito melhor do que você mesmo, como um pai sabe estas coisas
melhor do que seu filho! Por que você não confia nisso, por que você não põe a
sua confiança nisso, por que você vai ao Pai com hesitação e dúvida? "Vosso Pai
celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas." Somos membros da
família de Deus. Não haverá perigo de abusarmos desta doutrina enquanto nos
lembrarmos de que o nosso Senhor disse na Oração Dominical: "Pai nosso, que
estás no céu, santificado seja o teu nome". Enquanto você começar desse modo,
quando for a Deus recorrendo a Ele como seu Pai, não haverá leviandade, nem
familiari- dade indigna, porém aplenarelação dePai-e-filho permanecerá, e você
poderá buscá-10 com confiança, com segurança, com certeza, sabendo que, por
ser Ele seu Pai, e por Suas grandíssimas e preciosas promessas, Ele estará
sempre pronto a recebê-lo. Mais maravilhoso que o Seu estupendo poder é a
relação. Essa é a garantia.

Esse é o primeiro aspecto do privilégio. O segundo é: graças ànossa relação


com o Pai, há uma relação com o Filho. As Escrituras se referem ao Senhor
Jesus Cristo como "o primogênito entre muitos irmãos" (Romanos 8:29). E é
verdade. Diz Ele: "Meu Pai - vosso Pai". Há uma relação entre nós e Ele. Diz o
autor da Epístola aos Hebreus que Ele "não socorre a anjos, mas socorre a
descendência de Abraão" (2:16, ARA). Ele não assumiu a natureza dos anjos,
assumiu a natureza humana; Ele foi feito "um pouco menor do que os anjos",
desceu ao nosso nível, assumiu a natureza humana por meio da virgem Maria.

- 360 -
Ele é o nosso irmão, é o primogênito entre muitos irmãos; Ele diz: "Eis-me aqui
a mim, e aos filhos que Deus me deu". Assim, Ele é um conosco, participante da
nossa natureza. Mas, como mostra a Epístola aos Hebreus, Ele não fica nisso.
Em razão dessa verdade, Ele nos entende, Ele Se identifica conosco, Ele está no
céu para nos representar. Ele está sempre lá com o Pai, intercedendo por nós. E
pensar nisso é, de novo, algo que se nos impõe com extraordinária força. E nEle,
por meio dEle e por Ele que nós vamos ao Pai.
No entanto, não nos esqueçamos nunca de que, graças à nossa relação com
o Pai e com o Senhor Jesus Cristo, temos o direito de dizer, segundo este
apóstolo: "E se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de
Deus, e co-herdeiros de Cristo" (Romanos 8:17). E neste momento, seja qual for
a sua situação, esta é a pura e simples verdade a seu respeito, você é um herdeiro
de Deus. Há uma glória que nos espera, glória tão maravilhosa que até as
Escrituras pouco nos falam dela. As vezes as pessoas perguntam: por que tão
pouco se nos fala do céu, por que tão pouco nos é dito em detalhe sobre o estado
eterno? A resposta é muito simples. Porque somos pecadores, porque somos
decaídos, a nossa linguagem também é decaída, e qualquer tentativa de descrever
a glória do céu seria uma falsa apresentação. Por isso não recebemos descrições
pormenorizadas. Tudo que nos é dito é que estaremos com Cristo - e isso deveria
ser suficiente para nós. Estaremos com Ele. Seremos semelhantes a Ele.
Há imagens utilizadas no livro de Apocalipse, mas, lembremo-nos de que
são apenas figuras e imagens; a realidade mesma é infinitamente mais grandiosa,
a glória é indescritível. E eu e vocês somos herdeiros disso. "Bem-aventurados
os limpos de coração, porque eles verão a Deus." "Bem-aventurados os mansos,
porque eles herdarão a terra" - e esta será uma nova terra, uma terra glorificada,
renovada, "novos céus e nova terra, em que habita a justiça" (2 Pedro 3:13). E é
nossa; somos herdeiros dela, e co-herdeiros com Cristo. "Se sofrermos (com ele),
também com ele reinaremos", diz Paulo a Timóteo. O que o está aborrecendo,
Timóteo, por que você está se queixando e lamentando? Por que está tão
desgostoso consigo mesmo? Você não sabe que se sofrer com Ele, também
reinará com Ele e será glorificado com Ele? Se nos lembrássemos disso sempre,
falaríamos menos, não nos queixaríamos, não nos deixaríamos vencer e abater
pelos problemas e dificuldades. Os nossos fracassos realmente provêm da nossa
incapacidade de captar e compreeder que Deus é nosso Pai, que todo e qualquer
pormenor da nossa vida é do interesse dEle. Leve tudo a Ele; "leve-o ao Senhor
em oração", seja o que for. Ele próprio empregava o termo Pai. Não pense em
Mim, parece Ele dizer, como um Deus distante, na glória e na eternidade; estou
lá, mas em Cristo vim a você, sou seu Pai, venha a mim. Assim como o Senhor
fazia o Seu amoroso convite e convidava a que fossem a Ele todos os que
estavam cansados e sobrecarregados, igualmente Deus convida os Seus filhos.

- 361 -
"Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei"
(Mateus 11:28). Aquela criança que está zangada e triste porque desej a uma
coisa que elanão tem - seu pai a ergue e abraça, e a criança fica satisfeita só por
isso, porque sabe que o abraço significa que tudo o que o pai tem é dela também.
Assim Deus está pronto a tomar-nos nos Seus braços e a envolver-nos no Seu
amor. Busquem a Deus, cristãos, Ele é seu Pai, vocês são "membros da família
de Deus".
E ainda, pela mesma razão, compartilhamos o mesmo Espírito. O Espírito
que estava em Cristo é o mesmo Espírito que está em nós. "E, porque sois
filhos", diz Paulo, "Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que
clama: Aba, Pai" (Gálatas 4:6). O Espírito de adoção! (Romanos 8:15). Aí está
outro resultado da nossa condição de filhos de Deus - Ele nos deu o Seu Espírito.

Ao concluir, preciso lembrá-los das responsabilidades disso tudo? Isso é


inevitável. Desfrute tal posição, tal dignidade, tal glória; participar de tais
privilégios, ah, como é grande a nossa responsabilidade! Permitam-me citar
algumas palavras ditas pelo nosso Senhor. Tendo em vista tudo quanto acima foi
dito, "resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas
obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus" (Mateus 5:16). Um filho nos
diz muitas coisas sobre os seus pais, não diz? Um filho não nos diz somente
coisas referentes a si, ele nos diz muito mais acerca de seus pais. Quando você
observa o comportamento de uma criança, você aprende realmente muito sobre a
disciplina, ou a falta dela, no seu lar. O filho proclama o pai. "Eles verão as
vossas boas obras, e glorificarão a vosso Pai, que está nos céus." Cristo disse de
novo: "Neles (em nós) eu sou glorificado" (João 17:10, VAe ARA). Certamente
vocês recordam como, no Sermão do Monte, falando sobre o amor aos inimigos,
o nosso Senhor diz: "Ouvistes o que foi dito: amarás o teu próximo, e aborrecerás
o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai a vossos inimigos, bendizei os que vos
maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos
perseguem". Por que devemos fazer todas estas coisas? Eis porquê: "Para que
sejais filhos do vosso Pai que está nos céus" (Mateus 5:43-45). Aí está porque
temos que fazê-lo, para que sejamos semelhantes ao nosso Pai, para que
proclamemos a família a que pertencemos. "Pois, se amardes aos que vos amam,
que galardão havereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se
saudardes unicamente os vosssos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os
publicanos também assim? Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai
que está nos céus." Portanto, na próxima vez que você estiver em dúvida quanto
à ação que deva praticar ou não, se você deve fazer certa coisa ou não, não perca
tempo perguntando a alguém se aquilo é certo ou errado; simplesmente pergunte:
"Essa espécie de coisa é digna de um filho de meu Pai? É coerente com afamília

- 362 -
a que eu pertenço, com o Pai que pôs o Seu nome em mim e a quem eu represento
entre os homens?"
"Já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da
família de Deus."

- 363 -
HABITAÇÃO DE DEUS
27
"Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus
Cristo é a principal pedra de esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado,
cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois
edificados para morada de Deus em Espírito." - Efésios 2:20-22

Estes versículos dão prosseguimento ao pensamento do versículo anterior,


ondo o apóstolo diz: "Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas
concidadãos dos santos, e da família de Deus".
Tratamos das duas primeiras figuras que o apóstolo usa para habilitar-nos a
ver os privilégios de sermos membros da Igreja Cristã, e, assim, agora chegamos
a esta terceira e última figura. E a figura da Igreja como "templo de Deus", "casa
de Deus", edifício em que Deus habita.
E sempre interessante observar como opera a mente do apóstolo. Vocês
alguma vez perguntaram, ao lerem esta declaração, por que o apóstolo
acrescentou esta última, esta terceira figura? Parece-me haver um única
explicação. A idéia de família sugeriu-lhe logo a idéia de casa. E uma transição
natural - da família para a casa em que ela habita. Digo que é interessante
observar como opera a mente do apóstolo, e o digo deliberadamente. Quando
pensamos na doutrina da inspiração dos escritores das Escrituras, é importante
ter sempre em mente que a doutrina da inspiração não elimina as características
individuais dos escritores; de outro modo, não haveria nenhuma variação no
estilo, todos eles escreveriam exatamente da mesma maneira. Mas, embora seja
um fato que todos estes diferentes escritores estavam cheios do Espírito Santo e
foram dominados, governados e conduzidos por Ele, foi dada liberdade de ação
às suas características individuais. Portanto, nunca tenha dificuldade alguma,
quando ler ou ouvir uma porção das Escrituras, em saber se foi escrita por Paulo
ou por Pedro ou por João. Eles têm as suas características individuais, e aqui,
nesta passagem, temos algo que é muito característico do apóstolo Paulo, a
saber, o modo como a sua mente sempre se move ao longo das linhas da razão ou
seguindo elos e conexões lógicos. Família! - Casa!
Agora devemos examinar esta figura. Ao tratar da Igreja como
família de Deus, afanei-me para assinalar que isso representou um avanço
no pensamento do apóstolo em relação à primeira figura. Procurei mostrar,
com uma série de comparações e contrastes, o porquê disso, e como ele
nos estava levando a uma concepção mais elevada. Agora, pois, ao
chegarmos a esta terceira figura, levanta-se a questão: ele continua
avançando? Esta terceira figura é um clímax ou um anticlímax? Alguns
talvez sintam, na primeira leitura, que, qualquer que seja a verdade a

- 364 -
respeito da segunda, esta terceira figura só pode ser um anticlímax, porque
ir da idéia de famíliapara a idéia de casa é certamente ir para baixo. Parece
um movimento do pessoal para o impessoal, do homem para o material.
Qual será, pois, a situação? O pensamento do , apóstolo está avançando?
Está nos levando para um ponto ainda mais alto? Ou de repente ele muda a
tendência e a linha de pensamento e nos leva a uma espécie de figura
mecânica?
Esta é uma questão muito importante, não somente do ponto de vista
da exatidão, da exegese e da exposição, mas talvez ainda mais do ponto de
vista da verdade espiritual. Portanto, eu me proponho a mostrar que o
pensamento do apóstolo continua avançando e que nesta terceira figura
ele nos leva a um grande clímax além do qual nada épossível. Como
sepode estabelecer isso? Da seguinte maneira: em sua definição e
descrição da relação que existe entre os membros da Igreja. Já salientamos
que o princípio dominante do apóstolo o tempo todo é o da unidade, e o
que ele está procurando fazer com estas três figuras é expor este grande
fato da unidade. Minha tese é que nesta terceira figura ele nos está
mostrando a essência dessa unidade de maneira até mais grandiosa do que
nas duas primeiras ilustrações. Com o fim de justificar esta minha tese,
tudo o que necessito é mostrar a superioridade desta terceira figura nesse
aspecto em relação à segunda, a figura da família; porque já mostramos
que essa é superior à figura do Estado.
A minha opinião é que os membros de uma família, embora mais
estreitamente interligados que os concidadãos de um Estado, ainda
constituem, nalguns aspectos, uma associação livre e solta. Afinal, a
família é uma reunião de indivíduos, ao passo que, quanto ao edifício, a
situação é outra e o que há é uma verdadeira fusão das partes. Pois bem, a
frase que o apóstolo usa no versículo vinte, "no qual todo o edifício", "o
edifício completo" dá-nos a chave para um verdadeiro entendimento. Sei
que há os que traduziriam essa expressão como "todo edifício", mas ainda
assim a verdade em foco continuaria sendo a mesma. Se vocês preferirem
entender a frase como significando "todo edifício" e pensarem em cada
edifício como uma parte diferente do
templo, ainda assim as diferentes partes serão componentes de um todo, de
modo que vocês ainda terão a idéia de um edifício completo. Opino, pois, que na
idéia de um edifício, em distinção de uma família, há a idéia de uma unidade
existente entre os diferentes tijolos ou pedras do edifício, unidade mais estreita
do que a que existe entre os membros de uma família. Os membros de uma
família são indivíduos separados e distintos. Os membros da família não são
idênticos; eles não têm que fazer desaparecerem as suas características afim de

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serem membros de uma família. A individualidade ainda permanece, e às vezes
é tão forte que certos membros da família podem ter menos semelhanças uns
com os outros do que com outras pessoas das suas relações. São membros de
uma família e, todavia, a sua individualidade é mantida e permanece, e, nesse
sentido, a conexão e a ligação é fraca. Por outro lado, o ponto deveras essencial
qu anto a uma estrutura, a um edifício, é a coesão, o que o apóstolo descreve
como sendo "bem ajustado".
Talvez eu possa expressá-lo melhor da seguinte maneira: os membros de
uma família, afinal de contas, podem separar-se uns dos outros. Não siginifica
que deixam de ser membros da família, porém podem romper a companhia un s
dos ou tros. Podem até brigar, não querer ver-se nem falar uns com os outros. Sei
que a união fundamental ainda está ali e que nada poderá dissolvê-la; mas, no
que diz respeito à amizade, à comunhão, ao companheirismo e a estarem juntos,
eles podem, porque são entidades distintas e separadas, separar-se uns dos outros
e até dar a impressão de que não existe nenhuma relação ou ligação entre eles.
Contudo, se vocês começarem a fazer esse tipo de coisa com um edifício, o fim
será que vocês não mais terão o edifício. Se vocês tirarem bom número de pedras
de um edifício, suas paredes ruirão, o seu edifício deixará de existir. Assim é que
neste caso, penso eu, o princípio da unidade revela-se mais estreito e mais
próximo. Separem os tijolos ou as pedras de uma parede, e o edifício se vai; mas
vocês podem separar os membros de uma família, e ainda a família permanecerá
como uma unidade. A ligação é mais frouxa do que no caso do edifício. Portanto,
a minha opinião é que o apóstolo está realmente avançando em seu pensamento,
e que aqui ele nos mostra que a relação dos cristãos como membros de uma
igreja é tão estreita e íntima como a que prevalece nas diferentes partes e
segmentos de um edifício.
Mas quando vemos isso do ponto de vista do privilégio, o progresso do
pensamento fica ainda mais evidente. Vimos que o filho está numa posição mais
vantajosa que o cidadão. O cidadão humilde pode apelar para o rei, para o chefe
de Estado, mas não da mesma maneira pela qual uma criança pode aproximar-se
do seu pai. Isso mostra uma relação mais íntima e um privilégio superior e
maior. Todavia aqui o apóstolo vai além disso. A sua concepção de Igrej a nesta
passagem é que a Igreja é templo santo do Senhor, que "todo o edifício, bem
ajustado, cresce para templo santo no Senhor". Pois bem, o filho tem acesso ao
Pai, mas o filho não habita dentro do Pai. Entretanto a idéia aqui apresentada é
de Deus habitando conosco, fazendo em nós a Sua habitação. Ora, isso é um
tremendo avanço do pensamento, como a segunda figura fora sobre a primeira.
Não somente estamos nestarelação íntima com Deus e temos esta liberdade de
acesso a Ele; além e acima de tudo isso, o mistério e a glória final da Igreja é que
Deus habita nela. Ela é Seu templo, o templo santo do Senhor. Como a Sua

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presença habitava no santuário interior do antigo templo entre os filhos de Israel,
assim agora Ele habita na Igrej a, entre o Seu povo. Não há nada, na esfera do
pensamento, que supere isso.
Esta verdade, naturalmente, assemelha-se ao ensino dado pelo nosso
Senhor pouco antes do fim da Sua vida terrena, quando Ele disse: "...vos convém
que eu vá; porque se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, quando eu for,
enviar-vo-lo-ei" (João 16:7). Era um grande privilégio estar ali, na presença do
Filho de Deus, vendo-O, ouvindo-O, podendo fazer-Lhe perguntas e receber Sua
ajuda. Era maravilhoso, era esplêndido; mas há algo melhor, e é vir Ele habitar
em nós, viver em nós, ter Sua morada em nós. E Ele disse: Eis o que vou fazer,
virei a vocês e me manifestarei a vocês, eu e o Pai estaremos em vocês e em
vocês faremos nossa morada (João 14:21-23). Isso é mais que falar com Ele
externamente. Ele vem habitar em nós - "Vivo, não mais eu, mas Cristo vive em
mim" (Gálatas 2:20). Pois bem, é essa a idéia, o tipo de concepção que o apóstolo
coloca diante de nós nesta terceira e última figura que utiliza. O que ele diz é que
os efésios são partes deste grande edifício, deste templo de Deus - estes mesmos
efésios que antes estavam tão longe foram edificados neste templo e estão sendo
edificados nele.

A este ensino, concernente à Igreja como um grande edifício, o Novo


Testamento dá muita proeminência. E como não há nada mais vital hoje do que a
necessidade que os cristãos têm de compreender este ensino do Novo
Testamento sobre a Igreja, não há nada mais urgente para nós do que apegar-nos
firmes a este ensino maravilhoso. Por certo vocês se lembram do que foi
proposto pelo Senhor no grande incidente ocorrido em Cesaréia de Filipe,
quando Pedro fez a sua confissão de fé, "Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo", e o
nosso Senhor lhe disse: "Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei
a minha igreja" (Mateus 16:16-18). Aí está aprimeira utilidade da analogia; aí
está abase sobre a qual todos os outros têm edificado. Espero referir-me a essa
declaração particular mais adiante, para que tenhamos algum entendimento do
que o nosso Senhor quis dizer com ela; mas ela é tratada aqui pelo apóstolo,
indireta e implicitamente.
Depois há a declaração registrada no início do capítulo três da Primeira
Epístola aos Coríntios, indo do versículo 9 ao 17. Ali o apóstolo afirma que ele é
um sábio "arquiteto", e evidentemente tem em mente esta concepção geral da
Igreja como um edifício - "ninguém pode pôr outro fundamento além do que já
está posto, o qual é Jesus Cristo". Há pessoas de todo tipo que estão edificando
sobre este fundamento, diz o apóstolo, porém elas não estão edificando da
maneira certa, e vai haver um julgamento e as obras de cada um serão julgadas.
Mas é à idéia de Igreja como edifício que ele está dando ênfase: "Não sabeis

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vós", diz ele, "que sois o templo de Deus?" Todo o problema da igreja de Corinto
foi que os seus membros tinham esquecido isso, e a conseqüênciafoi que eles
estavam se dividindo - "Eu sou de Paulo; eu sou de Apoio; eu sou de Cefas"; e
assim por diante. Ele pergunta: vocês não percebem que são um templo do Deus
vivo? Não destruam dessa maneira o templo de Deus, vocês estão violando o
princípio da unidade. Somos assim levados a lembrar-nos da imensa importância
desta doutrina. Em última análise, todas as dificuldades da Igreja provêm da
incompreensão da natureza da Igreja. E por isso que, em última instância, todas
estas Epístolas do Novo Testamento tratam da doutrina da Igreja. Estas pessoas
tinham sido salvas, eram cristãs, sem dúvida; mas estavam com problemas em
muitas direções porque continuavam esquecidas de que eram membros da
Igreja. Segregavam-se a si mesmas, por assim dizer, tornando-se individualistas
num sentido errado, e daí surgiram proble-- mas e sofrimentos. A resposta a isso
tudo é: voltem e tratem de compreender que a Igreja é como um grande edifício.
Também diz a mesma coisa quando ele lembra a esses coríntios, no capítulo
seis, versículo dezenove, que o Espírito Santo habita neles. Ele está pensando
mais nos indivíduos do que na Igreja, porém isso faz parte do mesmo conceito.
"Não sois de vós mesmos, fostes comprados por bom preço." O apóstolo lhes diz
que não cometam certos pecados do corpo. Por quê? Porque "o vosso corpo é o
templo do Espírito Santo, que habita em vós". Há aindauma declaração muito
notável na Segunda Epístola aos Coríntios, capítulo seis, versículo dezesseis,
onde ele diz: "Que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós
sois o templo do Deus vi vente, como Deus disse: neles habitarei, e entre eles eu
andarei..." Aí está, maisumavez,aIgrejacomo templo do Deus vivo. De novo
vocês o têm na Primeira Epístola a Timóteo, capítulo três, versículo quinze. Cito
todas estas passagens para mostrar quão vitalmente importante é esta doutrinano
ensino do Novo Testamento. "Mas, se (eu) tardar", diz Paulo a Timóteo, "para
que saibais como convém andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a
coluna e firmeza da verdade." Continua sendo a mesma idéia. E o apóstolo Pedro
faz uso da mesma ilustração. Diz ele: "Vós também, como pedras vivas, sois
edificados casa espiritual..." (1 Pedro 2:5). Há outros exemplos que também
poderiam ser citados, mas estes são os principais.
Com todas estas passagens em nossas mentes, vejamos o que o apóstolo nos
está ensinando realmente neste ponto do nosso capítulo. Parece-me que podemos
dividir a sua declaração em duas partes principais. Primeiro, há nela uma
afirmação geral acerca desta idéia de Igreja, especialmente em termos de unidade
e privilégio; segundo, há nela verdadeiros detalhes daconstrução. Sempre que
você examinar um edifício, é importante que tenha em mente essas duas coisas.
Você pode ter uma visão geral do edifício; há certas características marcantes
que você poderá notar imediatamente. Todavia, depois há aquele outro aspecto

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que se deve estudar num edifício - o exame dos alicerces, em detalhe, o processo
empregado na construção das paredes, e o que mantém toda a estrutura
interligada. Há esse aspecto, o lado mais mecânico. De maneira fascinante, o
apóstolo trata aqui de ambos os aspectos.

No momento só quero tratar particularmente do primeiro princípio; a saber,


esta concepção geral da Igreja como edifício. Ao estudarmos este ponto, queira
o Espírito habilitar-nos a ver-nos a nós mesmos como parte deste admirável
processo que está em andamento.
A primeira coisa que o apóstolo nos diz é que a Igreja é um edifício que está
em processo de edificação. Não conheço melhor maneira de pensar na era atual,
na presente dispensação, do que simplesmente ver a Igreja desse modo. Que é
que Deus está fazendo no presente? Que será que na verdade Deus tem feito
desde que o nosso Senhor completou a Sua obra e retornou ao céu? Que é que na
verdade Deus tem feito desde a queda do homem? A resposta é que Deus está
erigindo um edifício, e esse edifício é a Igreja. Este é um processo que está em
andamento. E o apóstolo nos dá idéia disso aqui, com estas palavras, "edificados
sobre o fundamento", ou, mais precisamente, "que estão sendo edificados sobre".
Está presente ai a idéia de processo. E também noutra expressão, "no qual todo o
edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor". Vocês podem ver o
processo em andamento, um edifício crescendo para o alto e aumentando. Gosto
de pensar nisso como um quadro descritivo daquilo que está acontecendo no
mundo. Vocês podem ler os livros da história secular, podem examinar a história
do mundo e da raça humana como o faz o homem de mentalidade secular, e
verão que é muito difícil formular alguma idéia disso tudo; mas quando o
examinam do ponto de vista da Bíblia, vêem claramente o que está acontecendo.
Deus tem um grande plano. Ele é o Arquiteto eterno, que traçou a Sua planta e as
especificações, e está edificando. E de cada geração Ele está retirando certas
pedras, escavando as pedreiras, extraindo as pedras, levando-as da maneira que
espero descrever posteriormente, e adicionando-as ao edifício. Em algumas
gerações houve poderosos avivamentos e houve grande acréscimo, podendo-se
ver o edifício como que saltando para o alto; porém também há períodos em que
parece não acontecer nada, e um observador casual poderia dizer que não
hácrescimento, que não há expansão, que as paredes não sobem nada e que nada
acontece. E, contudo, o edifício está crescendo, uma pedra aqui, outra ali, talvez.
É tudo parte deste grande processo.
Devemos lembrar-nos de que não se trata apenas de uma parte do propósito
de Deus, mas do fato de que esse propósito é firme e seguro. Este processo de
edificação vem se realizando há muito tempo. "Vocês estão sendo edificados
para isso", para templo do Senhor, diz Paulo a estes efésios, entretanto quantos

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milhares, quantos milhões têm sido edificados desde aquele tempo! Eu e vocês
fomos acrescentados a ele; somos parte dele; e o processo continua. E continuará
até que se complete e termine. Este grande apóstolo Paulo, no capítulo onze da
Epístola aos Romanos, fala sobre "a plenitude dos gentios" e sobre o fato de que
"todo o Israel será salvo". Acreditem-me, "o Senhor conhece os que são seus" e
"o fundamento de Deus fica firme" (2 Timóteo 2:19). Faça o mundo o que quiser,
fique às soltas o inferno, ainda assim cada um daqueles que Deus escolheu para
este edifício estará no edifício. Fomos colocados nele, acrescentados a ele, e este
é o mais alto e maior privilégio que pode ser dado ao ser humano. Portanto,
pense em si desta maneira, como parte deste edifício glorioso, deste tremendo
templo que Deus está edificando. Ele vai extraindo pedras do mundo e vai
erigindo este novo edifício, esta estrutura maravilhosa, este glorioso templo.
Esse é o primeiro pensamento.
Pois bem, devo ressaltar logo o segundo ponto sugerido na passagem em
foco, que é o seguinte: este processo é vital. Outra vez devo anotar como é
fascinante observar como opera a mente do apóstolo. Ele deve ter percebido,
logo que começou com esta concepção, que as pessoas poderiam pensar na
Igreja, e no edifício da Igreja, de maneira mecânica. Põe-se tijolo em cima de
tijolo, acrescenta-se pedra a pedra, coloca-se um pouco de reboco, etc. - o que é
mais mecânico do que edificar? O apóstolo, penso eu, teve tanto receio de que as
pessoas o entendessem mal dessa maneira, que estranhamente introduziu a
palavra "cresce": "no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce..." Um edifício
pode crescer? Segundo o apóstolo, pode; e, a fim de tornar isso claro, ele quase
incorre no erro, na verdade incorre no erro de misturar as suas metáforas. Ele
mistura a metáfora do crescimento das flores, da relva, com a de um edifício
desenvolvendo-se, erguendo-se, estendendo-se e indo para cima. É interessante
notar que no capítulo três da Primeira Epístola aos Coríntios ele também põe
estas duas idéias lado a lado. Diz ele no versículo nove: "Porque nós somos
cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus". Ao mesmo
tempo o apóstolo se refere a si próprio como agricultor e como arquiteto. Vocês,
diz ele, são como uma lavoura de trigo, e são também um edifício. Ele coloca as
duas idéias juntas e parece fundi-las numa só. O edifício crescendo - um
processo vital.
O apóstolo Pedro faz a mesma coisa. Se ele recebeu de Paulo a idéia ou não,
eu não sei. (Sabemos que ele tinha lido as cartas dePauloporque ele nos disse que
algumas delas eram um pouco difíceis de entender 2 Pedro3:15-16).) Vocês
notaram as palavras de 1 Pedro 2:5 quehá pouco citei: "Vós também, como
pedras vivas..."? Uma pedra pode ser viva, pode estar viva? Há vitalidade numa
pedra? Pedro afirma que há, pois esta é a sua metáfora: "Vós também, como
pedras vivas, sois edificados casa espiritual".

- 370 -
Na verdade aqui, no versículo 22, o apóstolo expõe também a mesma idéia:
"no qual todo o edifício, bem ajustado" - bem ajustado! Ele faz uso desta mesma
idéia no capítulo quatro quando, falando sobre o corpo, diz: "Do qual todo o
corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas". Ora, tudo isso é
muito simples no caso do corpo, mas seria tão evidente no caso de umaparede, no
caso de um edifício? A única maneira de entender isso, de acordo com o
apóstolo, é captar a idéia de que se trata de um edifício vital, um edifício vivo.
Esta é uma das coisas que precisam ser expostas com ênfase urgentemente
hoje. Há toda a diferença do mundo entre apenas acrescentar nomes ao rol de
membros de uma igreja, e o crescimento do templo santo do Senhor. Estamos
vivendo numa época caracterizada por uma mentalidade estatística, e vocês
podem ler relatórios de países e localidades em que todo o mundo parece ser
membro de igreja. Mas, infelizmente, não se segue que todos esses membros
estão sendo edificados neste santo templo do Senhor. Não se segue
necessariamente que eles são pedras "vivas", que eles fazem parte deste
crescimento. O crescimento da Igreja é vital, não mecânico. Os homens podem
aumentar o número de membros de uma igreja, porém somente Deus pode
edificar, mediante o Espírito, na construção da Igreja. Este crescimento rumo a
um templo santo é um processo vital. Quando vocês ouvirem tudo o que se fala
hoje sobre a unidade da Igreja e sobre uma grande Igreja mundial, e sobre a
incorporação de denominações diferentes, tenham em mente esta palavra
"cresce". Uma coisa é meramente fundir diversas organizações. Não é esse o
conceito de Paulo sobre a unidade da Igreja e sobre o aumento da Igreja. Mas
parece que é esse o pensamento dominante hoje. E mecânico, é estatístico.
Segundo esta idéia, vocês simplesmente somam; vocês se assentam, têm uma
conferência, e resolvem fazer isso. Que contraste com este processo vital, vivo,
dinâmico! "Cresce para templo santo"! Pedras vivas! Pedras animadas! Dou
ênfase a esta verdade porque não hesito em asseverar que, em grande parte, é
porque este princípio foi esquecido que a Igreja está como está hoje. A Igreja
está rogando aos homens que se agreguem a ela. Que confissão de incapacidade
de entender a natureza da Igreja! Eu nunca peço a ninguém que se agregue à
Igreja, nunca o farei. Nunca o fiz. Para mim é um grave erro querer convencer as
pessoas, quase implorar-lhes, que se agreguem à Igreja. Na verdade, muitas
vezes as pessoas são subornadas para aderirem à Igreja. Mas tudo isso é a
verdadeira antítese deste processo vital no qual o apóstolo está interessado, este
crescimento, o resultado desta tremenda operação. Lembremo-nos sempre que
este processo é vital.
Isso me leva ao meu terceiro comentário. Vocês notam que o apóstolo diz
que este é um "templo santo ". Quando você anda em volta deste templo e o
examina, qual a sua impressão maior? Bem, diz o apóstolo, a impressão maior

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que ele causa é de "santidade". Ele não diz uma palavra sobre o seu tamanho, não
fala nada sobre o seu caráter ornamental. Não diz nada sobre algo nele que se
preste para exibição. Contudo, ele diz que o templo é santo. Essa é a sua grande
característica, "...cresce para templo santo no Senhor." "No qual também vós
sois edificados para morada de Deus em Espírito" (ou, "mediante o
Espírito", VA). Ah, como temos esquecido esta característica! Quão tristemente
está sendo esquecida hoje! Certamente foi essa a fatalidade que aconteceu
quando Constantino ligou o Estado romano à Igreja Cristã. Foi esquecido que ela
é um templo santo, que a principal característica da Igreja sempre é que ela seja
santa - não que ela seja grande e influente. Decerto vocês se lembram da
afirmação que um homem fez, talvez em parte brincando, mas como é
verdadeira! Discutindo a questão dos milagres na Igreja, este homem assinalou
que era quando a Igreja podia dizer: "Não tenho prata nem ouro", que ela podia
continuar, dizendo, "Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda"
(Atos 3:6). Atualmente a Igreja não pode fazer nenhuma dessas afirmações. Ela
tem prata e ouro, tornou-se grande e poderosa, todavia se esqueceu da santidade.
No entanto, esta é a característica do templo, "um povo santo", "um local de
encontro para Deus nele habitar".
Oxalá em toda a nossa conversação, em todo o nosso pensar e em todas as
nossas discussões concernentes à unidade hoje, este princípio fosse posto no
centro. Mas não é. O que está sendo discutido hoje são os diversos pontos de
vista acerca da ordenação; se os bispos são do ser (isto é da essência) da Igreja,
ou se são apenas da sua conveniência, e assim por diante; meras questões
mecânicas! Como se essas coisas tivessem algum valor! Como o apóstolo
continua dizendo no capítulo 4, a única garantia da verdadeira unidade da Igreja
é a unidade do Espírito Santo, a unidade da santidade, a unidade do povo santo.
Quando a santidade é a principal característica, a unidade aparece por conta
própria. Quando a santidade é colocada no centro, muita coisa terá que sair, antes
de muita coisa poder entrar. Todo avivamento, todo grande aumento da Igreja
em sua longa história, sempre seguiu esse padrão. Foi quando Wesley e
Whitefield tiveram o seu "Clube Santo" que veio o avivamento, há 200 anos.
Você começa com a santidade, e então o número aumenta. Mas se você tentar
aumentar o número sem a santidade, você não terá um "templo santo no Senhor".
Terá uma grande organização, terá uma florescente preocupação com atividades,
teráumainstituição maravilhosa; porém não será esse o lugar onde Deus habita.
Poderá ser um lugar de muito entretenimento e de muita atividade e agitação,
mas não será a Igreja do Deus vivo. A santidade é a sua principal característica.
Isso me leva ao último pensamento, no momento, e é que sempre se deve
pensar na Igreja, em termos da Trindade santa e bendita. Com
* Esse...bene esse. Em latim no original. Nota do tradutor.

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que constância o apóstolo volta a isso! Vimo-lo no versículo dezoito, "Porque
por ele (referindo-se ao Filho) ambos temos acesso ao Pai em um mesmo
Espírito". As três Pessoas! Vocês notam a sua ênfase? "Jesus Cristo (aí está a
primeira menção de Cristo nestes versículos particulares) é a principal pedra da
esquina" - Jesus Cristo! Que mais? "No qual" - em Jesus Cristo - "todo o
edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor" - outra vez o Senhor
Jesus Cristo; "no qual" - ainda o Senhor Jesus Cristo. Paulo não consegue
deixá-10 de lado, não pode esquecê-lO. Vai sempre dando ênfase a isto, e o vai
repetindo. Quando lemos inteiramente estes dois capítulos desta Epístola aos
Efésios, com que freqüência vemos esta repetição do nome, Jesus Cristo, o
Senhor, Cristo Jesus, nEle, tanbém nEle; e ele continua, e vai sempre se
referindo a Ele! Sem Cristo não há Igreja. Sem Cristo não há unidade. E por isso
que um congresso mundial de crenças, assim chamado, é uma negação de Cristo
e da Igreja. E é por isso que qualquer movimento ou organização que pretenda
pôr os homens em paz com Deus e que não ponha Cristo em toda parte - no
centro, no início, no fundamento, no fim, em toda parte - não é cristão. Poderá
fazer muitas coisas boas socialmente, poderá ajudar pessoas, poderá talvez
produzir algumamudança em suas vidas; mas se Cristo não lhe for essencial, não
é cristão. Notem a repetição aqui de novo - "Jesus Cristo" - nO qual, nO qual, nO
qual! Não há nada que esteja fora da nossa relação com Ele. E depois, "morada
de Deus" - o Pai! - vindo habitar nEle. Ele manifestava a Sua presença na glória
da Shekiná no templo, no "lugar santíssimo"; e Ele vem habitar na Igreja. E o faz
mediante o Espírito. O Filho! O Pai! O Espírito Santo! Esta é sempre a ordem - o
Filho nos leva ao Pai, e o Pai e o Filho enviam o Espírito. E assim temos este
"templo santo no Senhor".
Vocês não vêem a importância desta doutrina? As pessoas entravam no
antigo templo para encontrar-se com Deus. Era o lugar habitado por Sua
presença e Suahonra. A importânciaprática, a importância vital
destadoutrinaparanós é que Deus agorahabitano templo que é algreja. E é em nós
e através de nós que as pessoas O buscam e, nesse primeiro sentido, vêm a Ele.
Estaremos nós dando a impressão aos de fora que a Igreja é o templo do Deus
vivo? Estarão eles vendo algo desta santidade, desta referência que é própria de
Deus em nós - que Ele habita em nós e Se move em nós?
Há, então, alguns princípios gerais que se deduzem da linguagem geral do
apóstolo. Consideraremos em detalhe o que ele nos diz acerca da construção. É
absolutamente vital. Em todo este moderno interesse pela união e pela Igreja,
nada é mais fundamentalmente importante do que ser todo o nosso pensamento
dominado pelas Escrituras. Devemos ser cautelosos para que não se intrometam
idéias humanas, e devemos assegurar-nos de que, em nosso desejo de "fazer"
algo, não estejamos desperdiçando nossa energia e, assim quando chegar o dia

- 373 -
em que a obra de todos os homens será provada por fogo, ver que a nossa obra
não será mais que madeira, feno e palha e que será totalmente queimada, e nós
sofremos perda - embora, pela graça de Deus, nós mesmos ainda possamos ser
salvos - todavia, como que pelo fogo (1 Coríntios 3:13 e 15).
O ÚNICO FUNDAMENTO
"Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus
Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado,
cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois
edificados para morada de Deus em Espírito." - Efésios 2:20-22

Vimos que o apóstolo utiliza aqui três figuras a fim de transmitir a estes
cristãos efésios uma verdadeira concepção de suaposiçãonalgreja Cristã e,
portanto, uma verdadeira concepção da natureza da própria Igreja Cristã. Já
tratamos de duas delas. A primeira foi a figura de um Estado, de um reino, um
país. Todos nós somos membros, somos cidadãos do reino de Deus. Mas, na
segunda figura ele compara a Igreja com uma família. E todos nós somos filhos
de Deus e membros da família de Deus. No entanto, mesmo isso não foi
suficiente. Ele prossegue e passa a esta terceira figura, que já começamos a
estudar, a figura da Igreja de Deus como um grande edifício em que Deus habita.
Pois bem, é óbvio que a figura surgiu espontaneamente na mente do
apóstolo, em parte por causa do que ele estivera dizendo num versículo anterior
sobre o templo na antiga dispensação. O seu grande argumento é que a parede
intermediária de separação entre os judeus e gentios tinha sido demolida. A
parede intermediária de separação, é evidente, achava-se no templo. Os gentios
estavam no Pátio dos Gentios, ehaviaumaparede que impedia a sua entrada no
Pátio do Povo. E, por sua vez, o povo não tinha permissão para entrar no "lugar
santo", e ninguém, exceto o sumo sacerdote, podia entrar no "lugar santíssimo".
Portanto, Paulo estava pensando em termos de um templo que separava as
pessoas. Todavia agora tudo isso passou, e há um novo templo; e Deus habita
neste novo templo, ó templo que consiste em Seu povo. Não é mais um templo
judaico. Isso passou para sempre; "Não há grego nem judeu... bárbaro, cita, servo
ou livre; mas Cristo é tudo em todos" (Colossenses 3:11). Há esta nova realidade.
O templo em que Deus agora habita é a Igreja, o Seu povo.

Já os fiz lembrar, e agora os faço lembrar de novo, que existem dois grandes
princípios que devemos ter firmemente no primeiro plano das nossas mentes, se
queremos acompanhar este ensino. O apóstolo está interessado em mostrar duas
coisas: uma, aunidade, a unidade essencial que sempre deve caracterizar a Igreja
Cristã e todos os cristãos verdadeiros. Isto não é matéria de discussão, é algo que

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Deus fez e que Deus pessoalmente produziu em Cristo. Ele criou "dos dois um
novo homem", esta nova realidade, a Igreja. E a unidade é completamente
inevitável. A segunda coisa, que é resultante dessa unidade, é o privilégio da
nossa posição. Nesta figura da Igreja como este templo, este santo edifício no
qual Deus estabelece a Sua residência, põe às claras estas duas verdades. Já
examinamos este assunto de maneira geral, porém agora vamos passar a uma
consideração mais minuciosa.
O apóstolo ensina que o edifício é algo que está em constante
desenvolvimento, graças a um processo dinâmico, vivo e ativo. "Cresce" - ele é
algo que cresce; e nós "juntamente somos edificados". Não é algo mecânico -
jamais devemos pensar na unidade em termos de mecânica ou de fria estatística.
Não, é algo vital - "cresce". E um processo vivo. Também vimos que o templo é
santo. O apóstolo não está preocupado com o tamanho, está preocupado com a
qualidade. Santidade! "Templo santo no Senhor"! Vimos igualmente que as três
Pessoas da Trindade santa e bendita estão sempre necessariamente envolvidas.
Mas o apóstolo não pára numa descrição meramente geral. Ele examina o templo
e primeiro nos dá um relato geral sobre ele. Entretanto esta questão é tão
importante, em sua opinião, que ele tem que entrar em detalhes. Ele nos dá a
planta e as especificações deste edifício, deste templo. E, uma vez que o apóstolo
se dá ao trabalho de fazer isso, devemos deduzir que ele o considerava um
assunto da máxima importância.
Todo este assunto relacionado com a natureza da Igreja, a unidade da
Igreja, é verdadeiramente uma questão fundamental. O apóstolo tratou disso em
seus próprios dias e em sua própria geração porque obviamente era indispensável
que o fizesse. E igualmente indispensável que o façamos hoje. A grande palavra
hoje em dia é a palavra "unidade". Há possivelmente mais prosa, mais pregação e
maior produção de livros e artigos sobre aunidade da Igreja hoje do que sobre
qualquer outro assunto. É, na verdade, o principal tópico em discussão em todos
os segmentos dalgreja em todos os países. Portanto, quaisquer que sejam as
nossas opiniões, convém que o nosso pensamento a respeito seja claro. É um
grande erro um cristão, seja ele quem for, dizer que só se preocupa com a sua
experiência pessoal, e que não tem nenhuma preocupação com estas questões
maiores. Você deve preocupar-se. Você não pode viver isoladamente. Todos nós
vivemos juntos, temos comunhão uns com os outros. "Nenhum de nós vive para
si, e nenhum morre para si" (Romanos 14:7). E a verdade é que se não pensarmos
nestas questões, acabaremos sendo influenciados por outros e acabaremos sendo
envolvidos em suas decisões. Permitam-me usar uma ilustração. Lemos
constantemente nos jornais em nossos dias que o real problema do mundo
industrial, quanto às greves e conflitos, é em grande parte causado pelo fato de
que, em sua imensa maioria, os membros dos sindicatos simplesmente não se

- 375 -
dão ao trabalho de ir às reuniões e votar. O resultado é que poucas pessoas, que
podem ser comunistas, sempre vão, e visto que eles vão e os outros não, mas
deixam que as questões se decidam à revelia, o programa de um sindicato pode
muito bem ser governado por um pequenino grupo de pessoas, ao passo que
todos os outros, que poderiam não estar de acordo, têm que seguir as decisões
tomadas. A pura negligência e indolência, a recusa a interessar-se ativamente,
permite que a situação vá à revelia. Exatamente a mesma coisa poderá acontecer
na Igreja. Muitas vezes aconteceu que cristãos, em sua indolência, e negando-se
a incomodar-se e a dedicar suas mentes a estas coisas, permitiram que decisões
fossem tomadas em lugar deles por um pequeno grupo de oficiais. E nosso dever,
digo eu, como cristãos, entender algo daquilo que o apóstolo ensina aqui
referente a esta questão de unidade.
Permitam-me oferecer-lhes algumas razões para procedermos assim. Há
muitas maneiras pelas quais se pode conseguir alguma espécie de unidade,
porém o que importa é a unidade que corresponde ao que o apóstolo ensina
aqui. A igreja católica romana acredita na unidade mais que qualquer outra
corporação. Ela está sempre dizendo isso. A própria palavra "católico" nos fala
disso. O termo se refere à Igreja universal, e os católicos romanos se espantam
com o fato de que os protestantes tenham se separado deles e com o fato de que
haja qualquer divisão. Eles dizem que devemos ser um, e que a Igreja deve ser
unida. Nenhuma igreja prega a unidade mais que a igreja católica romana. Mas
sabemos o que eles querem dizer com isso. Eles querem dizer uniformidade; o
que eles querem é que todos sejam reabsorvidos; querem que todos retornem a
Roma. O que acentuo é que eles têm muito interesse na unidade. Se nós
simplesmente falamos em unidade e dizemos que nada importa, senão a unidade,
então, logicamente, todos nós deveríamos unir-nos com a igreja católica romana.
Eles se chamam cristãos, como nós. Muito bem, pois, poderíamos raciocinar, se
todos nós somos cristãos, então por que estarmos separados, por que sermos
diferentes? Sejamos todos um, tornemo-nos todos católicos romanos.
Pois bem, quando dizem coisas desse tipo, não gostamos; entretanto quando
precisamente o mesmo argumento é utilizado dentro do protestantismo, achamos
que o argumento é maravilhoso. Mas o princípio continua sendo exatamente o
mesmo. Não se começa, e não se deve começar com unidade. A unidade é algo
que resulta doutra coisa. Não se pode criar unidade. Vejam, por exemplo, esta
figura que o apóstolo usou acerca da família. A unidade que existe entre os
membros de uma família não é criada artificialmente. A unidade é inevitável por
causa do relacionamento deles. E toda forma de unidade é assim também. A
unidade é um resultado. Não se parte da unidade; a unidade é algo que existe
porque certos princípios fundamentais estão em operação.

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Consideremos outra ilustração. Há poucos anos lemos nos jornais sobre o
modo como foi celebrado o décimo aniversário da fundação da Organização das
Nações Unidas. Com relação a esse evento tiveram uma reunião à qual
chamaram "Festival da Fé". E o festival da fé consistiu num grande culto em que
judeus, maometanos, hindus, budistas, confucionistas e
cristãosparticiparamjuntos ejuntos recitaram as mesmas orações. O argumento
era o seguinte - e quantas vezes este argumento é utilizado hoje! - as pessoas
diziam: todos nós cremos no mesmo Deus. Os maometanos, os hindus, os
budistas, os cristãos, todos crêem no mesmo Deus. A verdade é como uma
grande montanha; há um só pico, todavia há muitos caminhos que levam para lá.
Por que eu deveria dizer que só eu estou certo? Que direito têm os cristãos de
dizer que só eles estão certos e que todos os outros estão errados? Não importa
que caminho você siga para subir a montanha, contanto que você chegue ao topo.
Portanto, juntemo-nos todos num grande festival da fé, num festival das crenças,
num grande congresso, num congresso mundial das religiões. Cremos no mesmo
Deus; logo, porque brigar por causa destas coisas? Esse é o tipo de argumento
que seusa hoje. As vezes me pergunto o que estas pessoas pensariam de Paulo se
ele vivesse hoje. Pergunto- -me o que muitos membros da Igreja Cristã diriam
dele. Notem o que ele diz aos gálatas: "Ainda que nós mesmos ou um anjo do céu
vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema"
(Gálatas 1:8). Ah, diriam eles, que homem impossível, que individualista,
queisolacionista! Só ele está certo, todos os outros estão errados. Ele não quer
saber de entrar conosco, está sempre fora, em certos pontos. Acaso não é
evidente que, às vezes, por deixar-nos influenciar por prosas gerais e vagas, nós
nos tornamos completamente anti-escriturísticos sem perceber o que estamos
fazendo? Ora, devemos ter o cuidado de observar os planos e as especificações
dadas por Deus. Não basta gritar a palavra "unidade" e dizer que o importante é
que fiquemos todos juntos. Há uma coisa infinitamente mais importante - a
verdade! Pois a unidade que não se baseia na verdade é falsa. E produzida pelo
homem; não é do plano de Deus e, portanto, é irreal e espúria.

O apóstolo nos dá aqui um claro ensinamento concernente a isso tudo.


Construam, diz ele, sobre o fundamento. Ele de imediato nos leva ao princípio
vital: sem um fundamento verdadeiro não pode haver um edifício verdadeiro.
Vocês têm que começar com os alicerces, diz Paulo. Não podem falar em
edifício sem saber algo sobre o seu alicerce. Isso é absolutamente vital e central.
Portanto, à luz da trágica confusão moderna, devemos dar-nos ao trabalho de ir a
fundo na análise de minuciosas descrições, exposições e definições, para mostrar
exatamente o que o apóstolo diz.

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Eis a única base da verdadeira unidade: o fundamento dos apóstolos e dos
profetas. Que é que Paulo quer dizer? Devemos começar fazendo a pergunta: que
é um apóstolo? Não se pode entender nada desta questão de unidade, a menos
que se entenda o que é um apóstolo e o que é um profeta, porque a Igreja é
edificada "sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas". Os pontos
essenciais relacionados com um apóstolo são os seguintes: um apóstolo era
alguém que tinha visto o Senhor ressurreto. Apóstolo é, por definição, alguém
que pode dar testemunho da ressurreição de Cristo porque viu o Senhor
ressurreto. Essa era uma das qualificações do próprio Paulo. Ele viu o Senhor
ressurreto no caminho de Damasco. Se não O tivesse visto, jamais poderia ser
um apóstolo. Poderia ser um pregador, poderia ser um profeta, poderia ser um
grande mestre; mas nunca poderia ser um apóstolo, se não tivesse visto o Senhor
no caminho de Damasco. E por isso que, escrevendo aos coríntios, ele diz que é
como "um abortivo" (1 Coríntios 15:8). Paulo não viu o Senhor ressurreto
quando os outros apóstolos O viram; ele teve esta manifestação especial e
particular para que pudesse tornar-se um apóstolo.
Ele toca no mesmo ponto numa frase do princípio do capítulo nove da
Primeira Epístola aos Coríntios. "Não sou eu apóstolo? Não sou livre? Não vi eu
a Jesus Cristo Senhor nosso?" Essa é a prova de que ele é um apóstolo. No
entanto, não somente isso! Um apóstolo era alguém especialmente chamado,
designado e enviado como pregador do evangelho pelo próprio Senhor
ressurreto. Essa é também uma parte vital da vocação de um apóstolo. Leiam o
capítulo vinte e seis do livro de Atos, e verão ali o relato de como o Senhor
comissionou pessoalmente o apóstolo Paulo no caminho de Damasco. Assim, o
apóstolo é alguém que, tendo visto o Senhor ressurreto dentre os mortos, foi
especialmente comissionado por Cristo para ir e pregar a mensagem. Além disso,
aos apóstolos era dada uma autoridade muito especial. Recebiam o poder de
operar milagres e de fundar igrejas, e estas coisas eram um atestado da sua
autoridade como apóstolos. Essas eram, então, as três principais características
de um apóstolo. Veremos num instante quão vital é que as tenhamos todas em
mente. Sem essas três qualidades nenhum homem poderia ser apóstolo, e isso
torna a "sucessão apostólica" uma impossibilidade.
Passemos agora aos profetas .Queé um profeta ? Tem havido muita
discussão arespeito. Os comentaristas mais antigos concordavam todos em dizer
que esta palavra "profeta" refere-se aos profetas do Velho Testamento, aqueles
que profetizaram a vinda de Cristo, a vinda do reino, e nesse sentido
estabeleceram um fundamento. Mas, por outro lado também há muitos que são
da opinião de que não é uma referência aos profetas do Velho Testamento, e sim,
uma referência aos profetas do Novo Testamento, aos profetas que agiam na
Igreja do Novo Testamento. Eles argumentam que tem que ser esse o caso pois,

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se o apóstolo estivesse pensando nos profetas do Velho Testamento, teria dito
"sobre o fundamento dos profetas e dos apóstolos"; contudo ele diz, "sobre o
fundamento dos apóstolos e dos profetas". Portanto, é evidente que ele estava
pensando em termos doNovo Testamento. Eles vão mais longe e dizem que o
apóstolo faz a mesma coisa no versículo cinco do capítulo três, onde lemos: "O
qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem
sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas". E ainda, no
versículo onze do capítulo quatro, ele diz: "E ele mesmo deu uns para apóstolos,
e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e
doutores" (ou "pastores e mestres"). Assim, com base nestas coisas, eles
argumentam que a referência é patentemente aos profetas do Novo Testamento,
aos profetas da Igreja Cristã.
Isso então levanta a questão: que é um profeta? - quer na antiga dispensação
quer na nova, A resposta é que profeta é alguém que recebe uma mensagem
direta de Deus. Profeta é aquele a quem a verdade é revelada diretamente pelo
Espírito - não como resultado da leitura das Escrituras ou de alguma outra coisa,
mas por uma mensagem dada diretamente, mensagem que, por sua vez, ele
transmite a outros. O apóstolo o define para nós: "o que profetiza", diz ele, "fala
aos homens para edificação, exortação e consolação" (1 Coríntios 14:3). Na
Igreja Cristã dos primeiros tempos havia os chamados profetas. Os cristãos não
tinham então as Escrituras do Novo Testamento; não dispunham nem dos
Evangelhos nem das Epístolas; porém havia aqueles que recebiam elementos da
verdade e entendimento espirituais por revelação e eram habilitados a
proferi-los. O profeta do Velho Testamento fazia exatamente a mesma coisa.
Deus lhe revelava verdades e o habilitava a proferi-las. Essa é a característica do
profeta.
A que exatamente o apóstolo está se referindo aqui, quando diz, "sobre o
fundamento dos apóstolos e dos profetas"? Ele coloca primeiro os apóstolos por
causa da sua singularidade absoluta. Vocês têm a mesma coisa em Apocalipse
21:14, onde lemos sobre a cidade santa, a nova Jerusalém, descendo do céu, cujo
muro tinha doze fundamentos e, escritos neles, "os nomes dos doze apóstolos do
Cordeiro". Quanto aos profetas, podemos concordar que ele está se referindo aos
profetas do Velho Testamento e aos profetas do Novo Testamento -
especialmente aos últimos.
Então, em que sentido é verdade que a Igrej a é edificada, estabelecida e
fundada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas? Significa, em parte,
sobre os homens propriamente ditos, na qualidade de crentes, homens que
exercem fé. Eles foram os primeiros crentes - os apóstolos e os profetas - e nesse
sentido toda a estrutura superior repousa sobre eles. Não há dúvida que esse é em
parte o sentido, que eles foram os primeiros a ser colocados neste grande edifício

- 379 -
como pedras fundamentais. Portanto, é certo dizer que a referência é, em parte, a
eles como cristãos, como pessoas que exercem fé no Senhor Jesus Cristo.
Mas isso, por seu turno, leva ao segundo aspecto, e este, provavelmente,
tinha maior presença na mente do apóstolo do que o primeiro - o ensino dos
apóstolos e dos profetas. Este é, por excelência, o fundamento, afinal
decontas.Nenhumdenóspoderiapertenceràlgreja sem crer. E como resultado da
nossa crença que obtemos todos os nossos benefícios, e que nos tornamos o que
somos. A diferença existente entre cristãos e não cristãos é a que existe entre
crentes e incrédulos. Os incrédulos não estão na Igreja; os crentes estão. No que é
que aqueles crentes criam? Criam no ensino. Assim é que, em última análise, o
fundamento é o ensino dos apóstolos e dos profetas, a sua doutrina. Eles
ensinavam o que eles mesmos criam; eles davam expressão à fé por aquilo que
eles viviam; portanto, as duas coisas são realmente uma só.
Essa é, pois, a verdade vital que nos cabe entender e fixar num tempo
como este. O que faz de nós membros da Igreja, o que faz de nós parte deste
grande templo, deste edifício maravilhoso que está sendo construído, é a
nossa fé, é a nossa aceitação do ensino, da doutrina. Isso é básico e
fundamental. Foi sobre isso que o apóstolo escreveu no capítulo primeiro da
Epístola aos Gálatas. "Maravilho-me de que tão depressa passásseis" - vocês
podem notar quão abruptamente ele o diz. Imediatamente após a sua breve
saudação preliminar, ele diz: "Maravilho-me de que tão depressapassásseis
daquele que vos chamou à graça de Cristo para outro evangelho; o qual não é
outro" - porque não há outro, e não pode haver outro. Como ele fala forte e
dogmaticamente! Gostemos ou não, o cristianismo é uma fé muito intolerante.
Diz ele que ^ isto, e somente isto, é verdadeiro. O apóstolo diz até: "Mas,
ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie um outro evangelho
além do que já vos tenho anunciado, seja anátema"! (Gálatas 1:8).
Não há outro evangelho. "Ninguém pode pôr outro fundamento além do
que já está posto" (1 Coríntios 3:11). Noutras palavras, a única base da
unidade hoje, como foi a única base da Igreja Primitiva, é a mensagem
apostólica. E seja o que for que os homens pensem ou digam, devemos
asseverar isso. Chamem-nos intolerantes, isolacionistas, ou o que quiserem,
devemos tomar posição com este homem de Deus! O que importa não é a
minha opinião ou a de outro qualquer, o que importa é - que é que aPalavra
ensina? Que é que os apóstolos ensinam? Fora disso não reconheço nada. O
que importa não é o conhecimento moderno, ou a pesquisa ou o entendimento
moderno, ou a idéia moderna sobre Deus. O que estes homens ensinaram é o
único evangelho.
Pois bem, evidentemente, isso é algo que se pode definir. Se não se
pudesse definir, como poderia o apóstolo repreender os gálatas? Eles sabiam o

- 380 -
que ele ensinava e ele lhes lembra o conteúdo do seu ensino. A idéia de que o
cristianismo é tão maravilhoso que não há como defini- -lo, que é um espírito
tão maravilhoso que não pode ser reduzido a proposições, é uma negação do
ensino do Novo Testamento. As Epístolas foram escritas para que
soubéssemos o que cremos e o que exatamente representamos. Nenhum de
nós pode alegar ignorância deste ensino; tudo isso está neste capítulo dois da
Epístola aos Efésios. E o fundamento é este - que o homem, por natureza, está
morto em ofensas e pecados; que ele está sob a ira de Deus. E o apóstolo que o
diz. E, portanto, se você não crê que o homem, por natureza, está morto em
ofensas e pecados, e que a ira de Deus sobre o pecado é uma realidade, seja
qual for a verdade sobre você, você não está neste santo templo no
Senhor, no qual Deus habita. Esta é uma parte essencial do fundamento.
Todavia, graças a Deus, o ensino não pára aí, vai adiante e nos fala da graça de
Deus. Vai adiante e nos fala do Senhor Jesus Cristo, da Sua Pessoa e da Sua obra.
Diz-nos aindaque Ele é o Filho Unigênito de Deus. Mesmo que alguém se diga
cristão, se não crê na deidade de Cristo, eu digo que ele não é cristão! Eu tenho
que ser intolerante! Não posso fazer concessão neste ponto. Se Cristo não é o
Filho de Deus, eu continuo em meus pecados e vou para o inferno.
E quanto à Sua obra? Acaso teríamos notado, enquanto vamos percorrendo
este capítulo dois - e deliberadamente tomei bastante tempo, porque não posso
estudar superficialmente estas coisas - teríamos notado a ênfase ao sangue de
Cristo? Épor Sua morte, por Sua morte sacrificial, pelo fato dElenos substituir
para sofrer a punição dos nossos pecados, é que somos salvos. E pelo sangue de
Cristo! "Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne, e
chamados incircuncisão... que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da
comunidade de Israel, e estranhos aos concertos dapromessa, não tendo
esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes
estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto." Pelo sangue de Cristo!
E contudo há os que zombam do sangue de Cristo! Há pessoas que se dizem
cristãs e que zombam disso! Nas grandes denominações há líderes que afirmam
que é escandaloso falar em expiação viçaria. E me pedem que me una a eles em
comunhão. Como posso fazê- -lo? É impossível. Não tenho escolha; esta questão
é fundamental. O sangue de Cristo! "Meu pecado Ele levou em Seu corpo no
madeiro." E unicamente pelo Seu sangue que eu sou posto em liberdade, e pelo
poder de Deus na regeneração, e pelo dom do Espírito. A união com Cristo! Essa
é a doutrina - tudo isso o apóstolo nos vem ensinando neste capítulo
maravilhoso.
É esse, então, o fundamento dos apóstolos e dos profetas. Não uma vaga
prosa acerca do cristianismo! Não um espírito maravilhoso segundo o qual nos
amamos uns aos outros, mantemo-nos juntos e não nos preocupamos com

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definições! Se vocês quiserem esse tipo de unidade espúria, poderão tê-la, mas
quando chegar "o dia" e chegar o juízo, vocês verão que o que o apóstolo disse
escrevendo aos coríntios, "Ninguém pode pôr outro fundamento além do que já
está posto", é a única verdade. Ele pregava a "Jesus Cristo, e este crucificado",
com a exclusão de tudo o mais. Ele era intolerante. Não dêem ouvidos a esse
outro ensino, ele diz aos gálatas, é espúrio, é uma mentira, não é evangelho, é
uma negação do evangelho. O fundamento dos apóstolos
e dos profetas! Ou aceitamos este ensino e a sua mensagem, ou não.

Tracemos agora algumas deduções muito atuais desta doutrina. A primeira


é que a Igreja é fundada não somente no apóstolo Pedro, mas nos apóstolos e
nos profetas - todos os apóstolos e profetas. Essa é a nossa resposta ao
catolicismo romano, e na verdade é simples assim. Ora, dirá alguém, que dizer
de Mateus, capítulo 16, quando em Cesaréia de Filipe, o nosso Senhor diz: "Tu
és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja"? - deve ter sido
unicamente Pedro. A resposta é o que eu disse há pouco, que essa foi a confissão
de Pedro. Pedro tinha acabado de fazer a sua grande confissão! O nosso Senhor
dirigira aos Seus discípulos a pergunta: "Quem dizem os homens ser o Filho do
homem?" "Uns, João Batista, outros, Elias, e outros, Jeremias ou um dos
profetas." "E vós, quem dizeis que eu sou?", indagou o nosso Senhor. E Pedro,
adiantou-se como porta-voz, como era seu hábito e disse: "Tu és o Cristo, o Filho
de Deus vivo". E o Senhor lhe respondeu, dizendo: "Bem-aventurado és tu,
Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está
nos céus". Que é que isso quer dizer? Tendo visto a verdade, Pedro a confessa, e
sobre essa rocha Cristo diz que construirá a Sua Igreja. A confissão, a crença, a
fé! E essa verdade não se refere somente a Pedro. O apóstolo não está
contradizendo o ensino de nosso Senhor aqui. Segundo o ensino
católico-romano, ele estava fazendo isso. Muitos contrastam o ensino de Cristo
com o ensino de Paulo, mas não há nenhuma contradição. O fundamento são os
apóstolos e os profetas, todos eles, não somente Pedro. Esta é confissão feita
primeiramente pelos apóstolos e pelos profetas. Esse é o único fundamento da
Igreja Cristã. E, portanto, não podemos juntar-nos aos que dizem que toda ela
está fundada somente em Pedro e que tudo depende de Pedro. Essa é uma base
falsa.
Mas é igualmente importante que tiremos esta segunda dedução, que, à luz
do que vimos que caracteriza os apóstolos e os profetas, não pode haver
repetição de apóstolos e profetas. Eles são o alicerce. Não se repete um alicerce.
O alicerce é lançado de uma vez por todas. E, portanto, toda conversa sobre
sucessão apostólica é uma negação do nosso texto. Não há sucessores especiais
dos apóstolos. Na verdade não há sucessores dos apóstolos, nenhum sucessor.

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Apóstolo era um homem que tinha visto o Senhor ressurreto e, portanto, podia
ser uma testemunha da ressurreição. Há dessas pessoas hoje? Apóstolo era
alguém especialmente comissionado pelo Senhor, de maneira visível. Há dessas
pessoas hoje? Eram-lhe dados poderes especiais, milagres e outros, e
infalibilidade, parapoderem pregar e ensinar infalivelmente. Há dessas pessoas
hoje? E, todavia, em toda essa conversa e argumentação acerca de re-união, este
parece ser o ponto mais importante - a sucessão apostólica! E por causa disso, os
não-conformistas, os ministros das igrejas livres, têm todos de ser ordenados de
novo por um "direto sucessor" dos apóstolos! Sem isso não sepode ter unidade, e
não sepode ter comunhão! Como é importante estudar as Escrituras! Isso de
sucessão apostólica não existe; é por definição umapura impossibilidade.
Pode-se ter uma sucessão sacerdotal, pode-se ter uma sucessão de homens
queperpetuamente se designam uns aos outros, porém sucessão apostólica é
coisa que não existe. E, portanto, toda essa conversa que pretende que não se
pode ter unidade sem re-ordenação, ou sem alguma relação especial com um
bispo, é uma completa negação deste postulado. Somente afé e a subscrição da
verdade é que fazem de alguém uma parte do edifício.
Isso me leva à terceira dedução, que coloco desta forma: obviamente, não
pode haver acréscimo a este fundamento. No que se refere ao ensino, quero
dizer. Se o fundamento é o ensino dos apóstolos, não se pode acrescentar nada a
ele. Por isso não creio na "Imaculada Conceição"; não creio na "Assunção" da
virgem Maria; não creio em nenhuma das outras coisas que a igreja romana
acrescentou, e que outras igrejas acrescentaram. Nada se pode acrescentar a um
alicerce, e nada se pode tirar dele. Temos aqui um corpus de verdade, um corpo
de doutrina. Você não pode acrescentar nada a um alicerce, não pode subtrair
nada dele, não pode tocá-lo. Você pode pensar que pode, mas estará enganado. O
que você estará fazendo é simplesmente pôr-se fora do edifício. O alicerce tem
que ser lançado uma vez e para sempre, e nunca poderá ser repetido. Deus é o
Construtor, eEle constrói sobre "o fundamento dos apóstolos e dos profetas".
Assim é que a próxima dedução, muito prática, é que não basta dizermos
que somos cristãos ou que queremos ser cristãos, e que nada mais é necessário. A
questão vital é: em que você crê? Você não poderá ser cristão se não souber o que
você crê. É impossível. É a verdade que nos leva a Deus, é pela verdade que nós
somos santificados. Somente quando conhecemos a verdade concernente ao
nosso bendito Senhor e Salvador, anós mesmos e anossa necessidade, e oque
Deus fez pela Sua graça, é que podemos ser partes e parcelas deste grande
edifício.
Portanto, a minha derradeira dedução terá de ser que, falar em
* Em latim no original. Nota do Tradutor.

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termos de número ou de tamanho ou de organização ou de qualquer outra coisa é
extremamente perigoso nestas questões. A unidade da Igreja é resultante de duas
coisas: da pureza da doutrina e da pureza da vida. Ela é um "templo santo do
Senhor". É uma "morada de Deus".

A Igreja é edificada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas. E


observem como o apóstolo se apressa a acrescentar isso: "Jesus Cristo é a
principal pedra da esquina ". Que é uma principal pedra da esquina?
Permitam-me citar uma definição: "A pedra da esquina é uma pedra que dá início
ao alicerce no ângulo da estrutura, pela qual o arquiteto fixa um padrão para o
suporte das paredes laterais e das paredes transversais de todo o conjunto". A
pedra da esquina não somente mantém juntas todas estas pedras subsidiárias do
alicerce, mas também as entrelaça e entrelaça todas as paredes. Ela está na
esquina, e tudo é sustentado por ela e tudo é entretecido por ela.
E a principal pedra da esquina é o próprio Senhor Jesus Cristo. Isaías tinha
profetizado isso, quando disse: "Eis que eu assentei em Sião uma pedra, uma
pedra já provada, pedra preciosa de esquina, que está bem firme e fundada"
(28:16). E o apóstolo Pedro, vocês se lembram, cita essa passagem em sua
Primeira Epístola, capítulo dois, versículo seis. Todavia vocês se lembram que o
nosso Senhor disse isto: "A pedra que os edificadores rejeitaram, essa foi posta
por cabeça do ângulo" - referindo-se a Si mesmo e à Sua gloriosa e triunfal
ressurreição. Eles O estão rejeitando, diz Ele, mas verão que Ele virá a ser a
principal pedra da esquina, que Ele será a base do edifício todo, interligando tudo
e sustentando o peso de toda a estrutura levantada sobre ela. Fora de Jesus Cristo
não há unidade. O que importa é a nossa relação com Ele, e a nossa confiante
dependência dEle. Ele é central, Ele é vital, a importância dEle é total. Volto a
repetir esta frase extraordinária: "no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce
para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois edificados
para morada de Deus em Espírito" (ou "mediante o Espírito" VA).
Portanto, as perguntas práticas que fazemos a nós mesmos são estas: eu sei
o que creio acerca do Senhor Jesus Cristo? Eu O conheço? Eu estou nEle, nesta
relação vital? Teremos que responder estas perguntas, porque o apóstolo trata
dessa questão em detalhe. "No qual todo o edifício", diz ele, "bem ajustado...".
Se essa verdade não diz respeito a nós, não estamos nEle. Mas no momento eu
me limito à questão do fundamento. Você está solidamente baseado no
fundamento dos apóstolos e dos profetas? Ou só está interessado num
cristianismo vago e nebuloso que diz que você não deve preocupar-se com
doutrina porque a doutrina separa? É essa a sua posição? Certamente não era a
posição do homem que disse: "Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu
vos anuncie outro evangelho... seja anátema". Temos que saber em quem temos

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crido. Temos que saber o que cremos. Este apóstolo fala em "meu evangelho"; e
não há outro evangelho. É o seu? Você sabe e confessa que, como você era por
natureza, era um filho da ira e estava morto em ofensas e pecados? E que, não
fora a graça de Deus em Jesus Cristo, não fora a Sua morte expiatória, sacrificial
e vicária, você ainda estaria nesta situação? Você sabe que Ele morreu por você,
que Ele Se deu por você e pelos seus pecados, que pelo poder do Seu Espírito
Santo Ele o regenerou, Ele o vivificou e o ressuscitou da morte resultante do
pecado, que você até está assentado nos lugares celestiais com Cristo, porque
você está nEle e está ligado a Ele, pela graça de Deus?

- 385 -
EDIFÍCIO BEM AJUSTADO
32
"Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus
Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado,
cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois
edificados para morada de Deus em Espírito." - Efésios 2:20-22

Passamos agora a mais um estudo desta terceira figura. Tivemos uma visão
geral do assunto, mas também observamos que o apóstolo não se contenta só
com isso, embora seja importante. Em acréscimo a oferecer-nos uma descrição
geral do edifício e, portanto, da natureza e do caráter da unidade própria da
Igreja, o apóstolo trata também dos detalhes da planta e das especificações.
Já dedicamos alguma consideração ao fundamento, que é da máxima
importância. A primeira coisa que Paulo nos diz é que a Igreja é edificada "sobre
o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal
pedra da esquina". Não vou retornar a isso, mas certamente nós temos de
compreender que o fundamento é de importância absolutamente central. Nunca
devemos sujeitar-nos a correr nenhum risco com um alicerce. O nosso Senhor
firmou esse ponto em Sua parábola das duas casas, uma edificada sobre a rocha e
a outra edificada sobre a areia. O alicerce é absolutamente vital, e nós já vimos o
que é o alicerce da Igreja, e como o próprio Senhor Jesus Cristo é a principal
pedra da esquina, interligando as pedras subsidiárias, interligando todas as
paredes, e assim suportando e unindo a estrutura inteira.
Agora, tendo feito isso, a próxima coisa da qual o apóstolo trata, a próxima
coisanaqual evidentemente estamos interessados, é esta: onde nós entramos
nisso tudo? Somos edificados sobre o fundamento, somos partes integrantes das
paredes que estão subindo neste processo em que se vai erguendo este grande
templo que Deus está construindo para Si e para a Sua habitação, este templo
santo no Senhor. Noutras palavras, passamos agora a estudar a nossa parte, o
nosso lugar e a nossa posição neste admirável edifício de Deus. O apóstolo
regozija-se no fato de que os efésios estão sendo edificados no edifício. A obra
tinha começado antes deles entrarem, mas eles são acrescentados a ele, são
colocados nele, e assim prossegue a edificação. Outros, muitos outros, entraram
daquele tempo em diante. Eu e vocês, como cristãos, estamos nele. Devemos
observar com toda a atenção o que o apóstolo nos diz sobre quais as pessoas que
são edificadas nele, e como são edificadas. Essas são as duas coisas que
importam. Quem são os que têm lugar, posição e parte nesta grande estrutura?
Como entraram ali? Como são postos ali? O apóstolo trata de ambas as questões
com muita clareza.

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Devemos ter em mente três coisas. Obviamente, cada parte desta estrutura
tem que estar numa relação especial com o fundamento. Quase não é preciso
dizer isso e, contudo, é um ponto tão importante que eu devo salientá-lo outra
vez. Num templo como este que está sendo construído, em qualquer edifício
grande e magnífico, sempre tem que haver correspondência entre as diversas
partes. Você não pode por material falsificado aqui e ali num edifício perfeito.
Se você vai erigir um edifício incomum, um grande e santo templo, cada parte
terá que corresponder às demais. E assim é vital que nos lembremos de que nós,
como partes individuais deste grande templo de Deus, devemos corresponder ao
fundamento, devemos estar verdadeira e corretamente relacionados com esse
fundamento. Isso é algo de importância crucial. Permitam-me lembrá-los da
maneira como o apóstolo expressou essa verdade no capítulo três da Primeira
Espístola aos Coríntios. Trata-se de uma palavra particularmente dirigida
àqueles de nós que temos o privilégio de pregar e de servir como pastores.
Somos edificadores sob Deus, somos Seus colaboradores. E eis o que o apóstolo
diz: "Ninguém pode por outro fundamento além do que já está posto". "Mas veja
cada um como edifica sobre ele."
Você pode edificar sobre ele, diz o apóstolo, com ouro ou prata ou com
metais preciosos. Isso tem valor; mas também há os que querem construir com
madeira, feno e palha; e isso não é nada bom. A madeira, o feno e a palha não são
coerentes com o fundamento que foi posto. O fundamento é tão precioso, e a
principal pedra da esquina é tão preciosa, que nada senão ouro ou prata ou metais
preciosos são adequados. Colocar ali madeira, feno e palha é uma indignidade.
Não somente isso, diz ele; estas coisas não resistirão, afinal. Esta obra será
submetida a prova - "o dia a declarará". E ela será provada pelo fogo. E quando
for posto o fogo, a madeira, o feno, apalha e a serragem desaparecerão num
momento e não restará nada. Um edifício construído com material de má
qualidade nunca passa naprova. Há gente que fica tão ansiosa pela rápida
construção de um edifício que não toma cuidado com o que põe nas paredes -
qualquer coisa serve para levantá-las, e depois se cobre tudo com um pouco de
tinta. Parece maravilhoso, e o ignorante e o inexperiente ficam impressionados.
Eles dizem: que maravilhoso! Outros parecem estar construindo tão devagar que
as pessoas faltas de discernimento dizem: ele não está fazendo coisa nenhuma.
No entanto, "o dia" a declarará. Não estamos construindo parao tempo, mas para
a eternidade, e o arquiteto responsável é o próprio Deus, que vê tudo quanto está
sendo feito e o provará no fim. Há homens, diz o apóstolo, que parecem ter feito
maravilhas, porém quando chegar "o dia", verão que a sua obra foi destruída, e
nada restará. Eles mesmos, se são cristãos verdadeiros, serão salvos, apesar de
ser destruída a sua obra, mas eles serão salvos "como pelo fogo".

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Portanto, diz o apóstolo, vejacada homem como constrói sobre este
fundamento. Noutras palavras, o ponto é que o dever deste construtor auxiliar
não é simplesmente levantar uma parede, mas certificar-se de que tudo o que vai
dentro dela está em harmonia com o fundamento. Ele não deve edificar na Igreja
apenas número num papel ou num rol, todavia aqueles que realmente estão
firmados no fundamento da fé. O tipo de gente que quer ser cristão só para obter
certos benefícios, não pode entrar nesta parede. Somente podem aqueles que
compreendem que estão mortos em ofensas e pecados, completamente sem
esperança e em desamparo, e que dependem unicamente da graça de Deus em
Cristo para a sua salvação; que compreendem que, se Ele não tivesse derramado
o Seu sangue por eles e por seus pecados, eles ainda estariam perdidos, e que
confiam somente na expiação de Cristo, expiação vicária, sacrificial, perfeita e
consumada, e no poder do Espírito Santo - somente estes entram nestas paredes.
Não aqueles que meramente foram habituados a freqüentar um local de culto ou
que têm moralidade razoável. Tem que haver esta relação definida com o único e
exclusivo fundamento.

Passemos à segunda questão. Menciono este ponto separadamente porque o


apóstolo lhe dá essa ênfase. Não somente temos que estar relacionados dessa
maneira com o fundamento, mas também temos que estar especificamente
relacionados com a principal pedra da esquina. Todo verdadeiro membro da
Igreja Cristã não está somente relacionado com a fé apostólica, também está
numa relação muito definida com o Senhor Jesus Cristo. Vocês se lembram de
que começamos com a fé, e com a fé apostólica, com o mínimo de cristianismo
irredutível que temos aqui neste capítulo dois desta Epístola aos Efésios.
Entretanto não paro nisso, porque dar assentimento intelectual a isso não é
suficiente.
Se você não der assentimento intelectual a estas verdades, certamente você não
estará no edifício. Mas, meramente subscrever estes princípios não basta. Temos
que "estar em Cristo". Temos que estar ligados a Cristo. Temos que conhecer
esta união vital, esta relação vital com Ele. A principal pedra da esquina mantém
todas as partes juntas - razão pela qual o apóstolo vai repetindo: "...no qual todo
o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual também
vós juntamente sois edificados...". O capítulo todo dá ênfase a isso. Fomos
vivificados juntamente com Cristo, fomos ressuscitados juntamente com Cristo,
e juntos nos assentamos nos lugares celestiais em Cristo Jesus. Não se pode fugir
disso, é algo que não se pode evitar. Não somente cremos e aceitamos a verdade
como está em Cristo Jesus, temos que ser incorporados nEle, temos que estar em
união vital com Ele. "Eu sou a videira, vós as varas", disse Ele, e a idéia é a
mesma. De modo que, como membros, como partes deste grande edifício,

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estamos relacionados com o fundamento, e todos nós estamos relacionados com
Ele desta maneira mística e vital.
Algumas das outras ilustrações que o apóstolo utiliza expõem isso com
maior clareza. A ilustração do corpo, que já vimos de relance, faz isso de
maneira ainda mais perfeita. O corpo não é uma junção de partes afixadas umas
nas outras. A essência da unidade de um corpo é que a sua unidade é vital e
orgânica. Não se forma um corpo afixando os dedos às mãos, as mãos aos
punhos, e os punhos aos braços. Ao contrário, eles são vital, íntima e
organicamente relacionados. Assim todos nós somos relacionados com Cristo,
em Cristo, somos partes dEle, pertencentes a Ele, e somos mantidos juntos por
Ele. Isso é também, então, obviamente, uma coisa de fundamental importância.

Isso nos leva ao terceiro ponto, ponto que devemos considerar em detalhe,
qual seja, a nossa relação uns com os outros. Pensem num edifício e nas pedras
de um edifício. Estão todas relacionadas com o fundamento, estão todas
relacionadas com a principal pedra da esquina, porém também estão
relacionadas umas com as outras. Não se pode ter uma parede sem que as suas
partes estejam interligadas. Este é um princípio que o apóstolo ilustra com esta
afirmação importante e pitoresca que no versículo vinte e um é traduzida pelas
palavras "adequada e conjuntamente ajustado" (VA) - "no qual todo o edifício",
ou, como a temos na Versão Revista (inglesa, RV), "no qual todo edifício
adequada e conjuntamente ajustado". A frase importante é "adequada e
conjuntamente ajustado".
É uma expressão muito interessante. Temo-la aqui com três palavras
(em inglês; com duas em português, Almeida), mas na verdade o apóstolo
utilizou somente uma palavra no grego. Há outra coisa muito interessante
acerca dessa palavra. É uma palavra que só se acha aqui e no versículo
dezesseis do capítulo quatro desta Epístola, em toda a Bíblia. Não se acha
em nenhum outro lugar. Contudo há ainda outra coisa mais interessante
sobre ela. E uma palavra que, obviamente, foi feita, foi inventada e formada
pelo próprio apóstolo. Ele não a copiou de ninguém; ele não a tinha visto
em lugar algum. Este é o primeiro uso conhecido desta palavra. Dou ênfase
a isso pela seguinte razão: obviamente o apóstolo considerava este ponto
particular como excepcionalmente importante, tanto assim que ele cunhou
uma palavra para expor a sua idéia. Todavia, apesar de todo o trabalho
tomado pelo apóstolo, é patética a maneira como algumas traduções
atualmente populares omitem completamente o significado exato. Vejam,
por exemplo, a Versão Revista Padrão (inglesa, RSV). Ela traduz a palavra
simplesmente por "unido juntamente", deixando completamente de lado o
ponto específico dapalavra que o apóstolo cunhou. O apóstolo podia ter

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empregado muitas outras palavras para expor a idéia de "unido junta- /
mente". Moffatt chega um pouco mais perto. Ele diz, "caldeado
juntamente". Mas até essa tradução é errada, pois não se caldeiam pedras
juntamente, e toda a concepção e toda a figura do apóstolo são em termos
de edificar com pedras.
De fato, a palavra utilizada pelo apóstolo significa "harmoniosamente
ajustadas juntas" - pensando nas pedras do edifício. É um duplo composto,
três palavras colocadas juntas e feitas uma só. A palavra fundamental
significa "ligar" ou "juntar", e isto em si já sugere a idéia de vir junto. No
entanto, depois ele acrescenta a isso o prefixo syn, que significa
simplesmente "junto com", a mesma idéia que temos em "sinfonia" e em
qualquer dos seus compostos. Juntar, junto - junto, juntar. Ora, a própria
palavra "juntar" sugere a idéia de "junto" ou "juntos", mas o apóstolo diz
"junto-juntar" para assegurar-se de que captamos o significado. E depois
ele acrescentou a estas duas uma terceira palavra, que realmente significa
"coligir" ou "reunir" ou "selecionar". Esta terceira palavra muitas vezes é
utilizada para ajustar palavras juntas ou juntar palavras para formar uma
frase completa. Quando alguém está falando ou escrevendo, certas palavras
se lhe insinuam. Ele escolhe uma e rejeita a outra. Depois ele faz a mesma
coisa com a próxima palavra, rejeita uma e escolhe outra. Depois ele aplica
todas as palavras escolhidas à formação de uma frase. A palavra que o
apóstolo utilizou deixa entrever esse processo. Assim temos "juntos-
-juntar-escolher" (selecionar). E ele coloca estas três palavras juntas para formar
um vocábulo que na Versão Autorizada (inglesa) é traduzida por "adequada e
conjuntamente ligado" ( na Versão de Almeida é traduzida por "bem ajustado").
Obviamente, há uma doutrina profunda aqui. O apóstolojamais se daria ao
trabalho de formar uma palavra como esta, de inventar uma palavra, se não
quisesse ser bastante claro nas idéias que estava transmitindo. Espero que
possamos compreender a sua figura. Ah, vivemos dias em que os edifícios são de
tijolos e não de pedras, e, portanto, alguns sejam demasiado jovens para entender
a figura do apóstolo como deviam. Afastem da mente a idéia de um edifício de
tijolos. Pensem antes num grande e maciço edifício de pedras. Observem aquele
homem, ou melhor, aqueles homens que estão erigindo este edifício. Vocês já
viram um verdadeiro artesão, o antigo tipo de pedreiro, no seu trabalho? Alguma
vez vocês o viram levantar uma parede? Já o viram tirar uma pedra de uma pilha,
olhá-la e tornar a olhá-la e, vendo que não é adequada, jogá-la fora e apanhar
outra que ele apara e depois a coloca na posição certa? Esta é a figura que o
apóstolo está usando; "bem ajustado", "adequada e conjuntamente ajustado" -
pedras individuais sendo acrescentadas e colocadas na posição certa numa

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parede. Quais serão as idéias que o apóstolo comunica mediante essa linguagem,
mediante essa expressão pictórica?
O primeiro ponto é a idéia de escolha. Repito, quem já viu um verdadeiro
construtor sabe exatamente o que isso significa. Lembremos que estamos
considerando o nosso lugar e a nossa posição como membros da Igrejade Cristo.
Estamos examinando anós mesmos como partes desta grande parede, deste
grande edifício que está sendo erigido para a construção de um templo, uma
habitação para Deus. Como Deus habitava no templo antigo, na glória da
Shekinah, no "lugar santísssimo", Ele habita e habitará por toda a eternidade na
Igreja, em Seu povo. E eu e você estamos nessa Igreja. Como chegamos ali?
Aqui está o primeiro ponto, a questão da escolha. É uma questão muito
individual, esta. Vejam aquelepedreiro, aquele construtor. Ele levantou
umaparede atécerto nível; porém quer levantá-la mais, e no momento precisa de
uma pedra particularmente grande para ocupar certa posição. Ele dispõe de uma
pilha de pedras ali trazidas para o seu uso. Ele corre os olhos sobre elas. Ah, diz
ele, esta serve. Tira a pedra da pilha, examina-a, mas finalmente decide que ela
não serve. Tem que devolvê-la à pilha. Pega outra, e talvez tenha que pegar
várias, e rejeitá-las; então finalmente acha a que serve e a coloca.

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Tudo isso está envolvido. Há uma seleção pessoal e particular. Cada pedra
é selecionada e colocada individualmente na posição. Isso de produção em
massa não existia quando a construção era feita desse jeito, nos tempos antigos.
Quando se constrói com tijolos, um é tão bom como qualquer outro. Entretanto
não é assim com o tipo de edifício no qual o apóstolo estava pensando. Não foi
assim que o antigo templo de Jerusalém foi construído, e é essa afigura que
Paulo tem em mente. Não, ali há uma seleção deliberada, pessoal, particular e
individual. E, graças a Deus, isso caracteriza todo aquele que se torna cristão.
Não existe produção em massa na Igreja Cristã. Alguns parecem pensar que
existe, mas não existe, e não pode existir. Graças a Deus, num mundo em que o
individual está perdendo valor cada vez mais, ele fica bem no centro nestas
questões.
Examinemos a questão de outro ângulo, mediante umamudança da
ilustração. Há somente um modo de entrar no reino de Deus, e esse é por uma
catraca. Não é uma porta ampla, é uma catraca -"estreita é aporta"; "apertado é o
caminho"; um por um. Não se pode entrar em multidão no reino dos céus;
trata-se de uma transação individual entre Deus e a alma. A regeneração é
individualista. E essa é a base da fé cristã; é o princípio essencial no que diz
respeito às paredes deste edifício, deste templo de Deus. As pessoas não se
salvam em famílias, menos ainda em grupos ou classes ou nações. Um por um,
um é tomado e outro é rejeitado!
Todo esse assunto é também exposto pelo apóstolo no uso que faz da figura
da madeira, do feno e da palha, em 1 Coríntios, capítulo 3. O nosso Senhor
deixou isso claro em Sua parábola da rede que é lançada ao mar e recolhe grande
número, uma grande multidão de peixes; mas depois é feito um exame, e os bons
são mantidos e os maus são jogados fora. Eles ficam na rede por um momento,
porém não são mantidos, são devolvidos ao mar. O construtor apanha uma
pedra. Vai colocá-la na parede? Parece que ele vai usá-la. Mas não. Lá vai ela de
volta, jogada fora, rejeitada. Nem tudo que parece certo a mim e a vocês é certo
aos olhos de Deus. É um pensamento terrível este, mas a Bíblia o ensina em toda
parte. No Dia do Juízo haverá muitos que pensavam que estavam no edifício, no
entanto Cristo lhes dirá: "Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que
praticais a iniqüidade". Trata-se de uma seleção individual, envolve uma
escolha, e uma rejeição. Esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto é que as pedras deste edifício não são todas idênticas.
Dêem uma olhada nalgum magnífico edifício de pedra e façam uma atenta busca
desse ponto. As pedras não são iguais nem no tamanho, nem na forma, nem em
nenhuma outra coisa. São todas diferentes e , contudo, estão harmoniosamente
ajustadas e unidas, e fazem parte de uma parede magnífica. Umas são muito
grandes, outras são pequenas, outras são de tamanho médio. Elas diferem no

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tamanho, na forma e em muitos outros aspectos. Torno a dizer, graças a Deus por
isso. Esse também é um ponto muito importante, que, ao que me parece, é
ignorado e esquecido hoje. Tive o privilégio de estar presente numa discussão de
pastores e clérigos há não muito tempo, na qual uma questão muito pertinente foi
levantada por um participante. Ele perguntou: por que será que o cristianismo
atual só parece atrair um tipo particular de gente? E acrescentou: é evidente que
não estamos sensibilizando as classes trabalhadoras, assim chamadas. Só
estamos sensibilizando uma certa classe, uma camada da sociedade. Por que
será? Em minha opinião era uma questão muito profunda. Minha resposta foi
que há algo radicalmente errado em nossa concepção fundamental da Igreja.
Atrair classes é o tipo de coisa ligada à psicologia, mas é contrário ao gênio do
cristianismo. A glória do cristianismo é que ele sensibiliza todos os tipos,
espécies e condições de homens. Este elemento de variedade e variação, e de
falta de mesmice, é sumamente interessante. A característica essencial de uma
parede de pedra em distinção de uma parede de tijolo é que as pedras variam de
tamanho, porém são ajustadas juntamente para compor o modelo. Não há
nenhuma uniformidade monótona e insípida na Igreja. É uma característica das
seitas que todos os seus seguidores tendem a ser sempre idênticos. Na Igreja
Cristã há diversidade na unidade. Portanto, sempre devemos olhar com suspeita
qualquer tipo de ensino que leve a uma espécie de mesmice nos resultados. Há
certas pessoas que, só pelo modo de falar e pelas frases que empregam, quase
contam a você onde foram convertidas. São produzidas em massa, são todas
amesmacoisa. Falam as mesmas coisas, e as falam da mesma maneira, e fazem
as mesmas coisas. São como uma série de selos postais. Não é esse o princípio
que o apóstolo está enunciando aqui. Nunca fomos destinados a ser desse jeito,
fomos destinados a ser diferentes. Todos na mesma parede, sim, mas muito
diferentes uns dos outros - alguns grandes, alguns médios, alguns pequenos;
alguns com esta forma, alguns com outra, porém todos igualmente na parede.
Essa é a verdadeira unidade, não a uniformidade monótona e insípida que vemos
hoje em muitos aspectos da vida, e, lamentavelmente, na Igreja. Permitam-me
expressá-lo com simplicidade e clareza dizendo isto: como cristãos, não fomos
destinados a ser iguais. As nossas características individuais devem permanecer.
Alguns de nós nascemos veementes; bem, fomos destinados a ser veementes.
Outros nascem tranqüilos e fleumáticos, que continuem sendo assim. Não há
nada mais ridículo do que uma pessoa tentar ser veemente ou sangüínea. E,
contudo, acontece com freqüência; todos procurando ser iguais. Não é o que se
espera de nós. Ah, você dirá, mas eu sempre gosto do cristão alegre e animado.
Bem, eu nem sempre! Há ocasiões e circunstâncias que esse tipo de cristão me
deprime terrivelmente. A risada forçada! A jovialidade afetada! Há vezes em
que dou graças a Deus pelo indivíduo sério, de aparência sóbria, que me

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assegura que está tendo uma interior e profunda visão de vida, e que tem algum
conhecimento do que o apóstolo quis dizer quando declarou: "Neste tabernáculo,
gememos carregados" (2 Coríntios 5:4).
Nem todos fomos destinados a pregar. Mas há um ensino hoje que
quaseparece dizer que fomos. Assim que apessoa é convertida, tem que dar o seu
testemunho, e então pregar. Contudo nem todos nós fomos destinados apregar.
Nem todos fomos destinados a ir para algum campo missionário estrangeiro.
Nem todos fomos destinados a ser obreiros de tempo integral na causa de Deus.
Há pessoas que procuram passar a idéia de que fomos. Em suas conferências eles
pressionam os jovens, fazendo-os sentir que quase estarão pecando se não se
apresentarem como voluntários para as missões estrangeiras. Mas esse ensino é
muito falso. Não fomos destinados a ser iguais. Todos nós temos o nosso papel a
desempenhar, anossafunção arealizar; estanão é amesmaem cadacaso. Aí está a
pedra grande, que suporta um peso tremendo. Ali está a pedra pequena - é
igualmente importante, ajusta-se àquele ponto ao qual nenhuma outra coisa se
ajustaria.
Livremo-nos, pois, da idéia de que todos nós temos que ser iguais, e
procuremos descobrir o que Deus quer fazer conosco e o que Deus quer que nós
sejamos. A história da Igreja dá eloqüente testemunho do fato de que, às vezes,
um cristão obscuro e desconhecido, de quem a Igreja pouco ouvira falar, que
passava o tempo em oração e intercessão, fez muito mais do que os grandes
pregadores populares que edificaram com muita madeira, feno e palha, que não
subsistirão no Dia do Juízo. Aprendamos a ver estas coisas espiritualmente.
Alguns de nós, como cristãos, talvez sejam chamados simplesmente para serem
bondosos com as pessoas, para serem amigáveis e compreensivos, para fazerem
pouco mais que sentar-se e ouvi-las. Você pode ajudar tremendamente as
pessoas apenas ouvindo-as e deixando que descarreguem os seus corações. Mas
há alguns de nós que somos tão ativos e ocupados, e falamos tanto, que nunca
damos às pessoas oportunidade para falarem; nunca temos tempo para ouvi-las e,
portanto, não as ajudamos.
Procuremos captar bem este princípio vital - que há esta grande variedade e
variação nas pedras que devem estar no mesmo edifício, no mesmo templo santo
do Senhor, neste edifício de Deus. Você pode não ser grande e importante; bem,
não se glorie no fato de não ser, porém lembre-se de que o fato de não o ser não
significa que você não está no edifício. Ele sabe. Ele nos vê a todos. Voltemos a
1 Coríntios, capítulo 12, e vejamos como o apóstolo desenvolveu ali este
princípio minuciosamente, em termos do corpo. O corpo completo não é o olho,
não é o ouvido, não é a mão, não é o pé. Todas estas diferentes partes estão no
mesmo corpo, embora alguns sejam mais elegantes que outros. Todavia ele
acentua que as nossas partes menos elegantes são tão indispensáveis como as

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mais elegantes. Portanto, não caiamos na tolice de desejar que todos sejamos
iguais e idênticos. Não pensemos em termos de produção em massa ou em
termos de tijolos. Pensemos numa parede de pedra, e demos graças a Deus que,
seja o que for que sejamos, Ele nos tomou e colocou na parede do Seu edifício, e
que Ele tanto nos conhece como conhece apedra grande, bem proporcionada e
sólida. E maravilhoso para mim, e estupendo o fato de que somos colocados ali
um por um, e que o cristão mais humilde é objeto de conhecimento de Deus
como o é o maior e mais poderoso santo, que Ele vê o lugar exato para nós na
parede e nos coloca ali; e nos coloca ali exatamente da mesma maneira como
coloca todos os demais.
Não tentemos, pois, atalhar ou violar o plano de Deus, o método de Deus e a
Sua maneira de edificar. Procuremos estar cientes deste terrível perigo
psicológico com que se defronta a Igreja hoje - a idéia de produção em massa,
sempre levando ao mesmo resultado e produzindo o mesmo tipo particular. E
uma coisa grave quando a Igreja só produz certo tipo de cristão e somente apela a
certo tipo ou classe de pessoa. Quando este evangelho é pregado corretamente,
ele toca todos os segmentos da sociedade. A história da Igreja o comprova.
Operigo hoje é entender que todos nós devemos ser meramente pessoas finas,
tranqüilas e respeitáveis, pessoas que ainda se apegam à moralidade própria, e
que algreja só deve consistir de tais pessoas - somente pessoas da classe média.
Jamais houve tal propósito. Reconsideremos a nossa pregação, o nosso ensino, e
especialmente os nossos métodos, para não acontecer que inconscientemente
deslizemos para a prática do método psicológico e, com isso, nos persuadamos
de que estamos construindo um edifício maravilhoso, para somente descobrir no
fim que não acrescentamos nada ao templo de Deus, e ver-nos no "grande dia"
com muito pouca coisa para mostrar do nosso esforço e de todo o nosso
entusiasmo. Esse é o segundo ponto.
Permitam-me acrescentar apenas uma palavra como nosso terceiro
princípio: é a questão de preparo e adaptação. Só posso fazer uma introdução
disso aqui, porquanto é um grande tema. Teremos que entrar em detalhes
posteriormente. Eu disse a vocês que o construtor, o pedreiro, em
dadopontoprecisadeumapedra de certo tamanho ou forma e, olhando para o
monte de pedras, enxerga uma que parece servir e a retira. Ah, diz ele, esta vai
servir. Tendo rejeitado algumas, ele diz: agora esta vai servir direitinho. Mas não
tão direitinho, porque esta pedra vai ter que ser preparada e adaptada ao material
que já fora posto ali. Há pedras embaixo e nos lados. Esta é a pedra certa em
geral, porém terá que ser adaptada às que estão nos lados e por baixo, e depois
ainda terá que ser colocada alguma coisa em cima. Vocês já viram um pedreiro
fazendo o seu serviço? Em minha adolescência eu vi isso muitas vezes, e sempre
me fascinou. Ele apanhava apedra e depois, com seus diversos tipos de martelo,

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tirava pedaços dela. Ele a aparava, modelava-a, dava- -lhe forma,
elhetiravalascas. Aí tentava colocá-la. Depois tornava atirá- -la porque não
estava bem ajustada. Tirava outro pedaço, talvez com o cinzel e o martelo. E
assim ele ia trabalhando nela até ficar bem certa. Depois a colocava, e se afastava
para olhar. Satisfeito, punha a argamas- sa, pegava outra pedra e fazia o mesmo
trabalho. Pois bem, é isso que o apóstolo quer dizer com "bem ajustado" ou
"adequada e conjuntamente ajustado". Algo terá que acontecer conosco, antes de
podermos estar adequadamente ajustados ao conjunto. O construtor não lança as
pedras juntas de qualquer maneira. Não, há uma maravilhosa simetria em tudo
isso. Observem os edifícios, e vocês verão isso. E, naturalmente, é óbvio que o
trabalho de aparar, cortar e cinzelar é mais necessário em alguns casos do que
noutros. Mas todos nós precisamos disso. Eo temos. Eenquantoisso não
acontecer conosco, jamais faremos parte da parede em construção.
Ao que me parece, não há nada mais fascinante na longa história da Igreja e
do seu povo do que ver em operação e na prática este princípio. Houve homens
que precisaram de muito trabalho de aparelhagem e de modelagem, e o tiveram.
Depois disso tornaram-se pedras enormes. Houve outros que pareciam estar
quase totalmente prontos como estavam. Pouca coisa foi necessária fazer com
eles. Vocês devem ter visto isso em sua experiênciapessoal, ao observarem
diferentes cristãos. O que importa não é a quantidade, o princípio é que sempre
há necessidade desse procedimento e desse processo, em maior ou menor
medida.
Como se faz? Pela pregação e pelo ensino. É esse o dever geral da pregação
e do ensino; é modelar-nos, preparar-nos. Todos nós temos estes estranhos
ângulos e arestas e, como somos por natureza, não nos ajustamos à construção.
Estas coisas têm que ser podadas. Angulosidades, grosserias, gente grosseira na
Igreja! Todos nós somos grosseiros, em certo sentido, uns mais, outros menos.
Somos pedras rudemente talhadas quando saímos dapedreira, como que
arrancadas delamedi ante uma explosão. Temos mais ou menos a forma geral
certa, mas é necessário muito trabalho com o cinzel antes de nos adequarmos
bem aos nossos lugares particulares na construção. E enquanto não formos
aparelhados, não seremos colocados nela. Como nos inclinamos a esquecer isso!
Se lermos o Novo Testamento, se dermos ouvido à pregação e ao ensino,
veremos a absoluta necessidade e urgência desta preparação. Há os que dizem:
sou deste tipo de pessoa. Sou daquele tipo de pessoa. Sempre tenho que dizer o
que tenho na cabeça. Se todos fossem assim, que tipo de igreja vocês teriam?
Que espécie de edifício vocês teriam, se todas as pedras fossem pontudas e
difíceis assim? Seria impossível, vocês não poderiam construir; estas arestas têm
que ser debastadas. Pois bem, é aí que entra a disciplina pessoal. Temos que ser

- 396 -
menos difíceis, como pessoas. Temos que ajustar-nos - adequada e
conjuntamente ajustados.
Devemos esquecer-nos de nós mesmos e pensar na parede, no edifício, e
compreender juntos que é o Senhor quem decide onde devemos estar, o que
devemos ser e que funções nos cabe desempenhar. E, acredite-me, se você está
neste edifício, ou vai estar, terá que ser aparelhado e amoldado. E o edifício de
Deus, lembremo-nos, e se eu e você não aplicarmos o ensino, as instruções e a
mensagem das Escrituras como devemos, Deus terá outro meio de fazê-lo. Leia o
capítulo doze da Epístola aos Hebreus, e verá o que estou querendo dizer. "O
Senhor corrige a quem ama" (12:6, ARA). Se os apelos e argumentos do
evangelho não o levam a disciplinar-se, e se você não se livrar dessas arestas e
irregularidades, Ele tem um cinzel poderoso e um poderoso martelo, e Ele as
arrancará de você. Todos nós temos algum conhecimento disso em nossas
experiências pessoais. Ele nos humilha, Ele nos derruba, e Ele tem muitas
maneiras de fazê-lo por meio de enfermidade ou doença, ou morte, ou tristeza,
ou fracasso, ou incompreensão; mil e uma coisas. E Ele o faz. Graças a Deus que
Ele o faz. Pois, se Ele não fizesse isso conosco, nenhum de nós chegaria a estar
preparado para estar nessa parede. É a quem o Senhor ama que Ele castiga. Se
Ele não o ama,
Ele não Se importará com você, Ele o jogará fora, e lá você poderá ficar com
todas as suas angulosidades e anomalias pelo resto da sua vida, dizendo: eu sou
deste tipo de pessoa! Muito bem! Seja esse tipo de pessoa! Saiba, contudo, que
você não está no templo santo do Senhor, e nunca estará, enquanto for desse j
eito. Esta é uma questão muito grave e solene, uma questão de importância
eterna para nós. Temos que ser amoldáveis, e que ajustar-nos uns aos outros, se é
que desejamos estar neste templo santo. Assim, se nós não compreendermos este
princípio, não virmos a importância desta preparação vital, e não nos
submetermos a ela, seremos rejeitados, e se não compreendermos isso no tempo,
certamente o compreenderemos na eternidade.

-397-
O CRESCIMENTO DA IGREJA
33
"Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus
Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado,
cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois
edificados para morada de Deus em Espírito." - Efésios 2:20-22

Ainda estamos estudando esta terceira figura que o apóstolo usa, do povo
cristão e da Igreja Cristã, segundo a qual ele diz que a Igreja é uma espécie de
edifício, um grande templo, no qual Deus habita, e ainda vai habitar de maneira
mais ampla e mais completa. Temos examinado esta figura de modo geral. Mas o
apóstolo não nos oferece meramente uma descrição geral deste edifício, ele nos
fala em detalhe sobre a planta e as especificações que foram obedecidas, e que
sempre deverão ser obedecidas, na construção deste edifício.
Portanto, começamos necessariamente com o alicerce, com o fundamento.
Somos "edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que
Jesus Cristo é a principal pedra da esquina". Em seguida a isso, passamos mais
diretamente a uma consideração de nós mesmos e daquilo que nos caracteriza-
que, como pedras neste edifício, estamos relacionados com o fundamento,
estamos relacionados com o Senhor Jesus Cristo, estamos relacionados com a
verdade; porém, eeste é o aspecto que o apóstolo parece salientar mais que tudo
aqui, também estamos relacionados uns com os outros. Noutras palavras, a frase
importante aqui é esta palavra que foi traduzida por estas três, "adequada e
conjuntamente ajustado" (a palavra e só entrando como elemento de ligação).
Essa é a palavra a que devemos dar atenção outra vez. Aí estão todas estas pedras
individuais nesta parede, nestas paredes que estão sendo levantadas, e elas todas
são "adequadas e conjuntamente ajustadas".
Todas estas coisas são figuras e, portanto, é óbvio que nenhuma delas pode
transmitir a verdade completa. E por isso que o apóstolo usa aqui três figuras
diferentes; nenhuma delas é suficiente só por si. Desta maneira, ao tratar
anteriormente desta questão de preparo das pedras, eu mostrei que certa dose de
preparação era necessária de antemão, e também que, em certo sentido,
apreparação continua a vida inteira. Essa é a espécie de paradoxo que se vê no
Novo Testamento concernente à Igrej a. De um lado nos é dada a impressão de
que Deus j á habita na Igreja - e é um fato. E, contudo, há esta outra idéia de que
a Igreja ainda está sendo construída "para morada" na qual Ele virá habitar
quando ela estiver completa. Da mesma maneira nós, num sentido, já estamos
preparados, mas também ainda necessitamos deste processo. Todavia outras
ilustrações são utilizadas para aclarar isso.

-398-
Agora voltemos a esta grande questão sobre como exatamente estas pedras
são colocadas no edifício. "No qual também vós juntamente sois edificados", diz
Paulo, "para morada de Deus". Vocês efésios, diz ele, foram colocados neste
edifício, são partes agora desta construção, são partes deste grande templo que
está sendo erigido no Senhor para morada de Deus em Espírito (ou "mediante o
Espírito", VA).
Uma questão muito importante para nossa consideração é a seguinte:
quando ocorre a preparação? Primordial e essencialmente, esta preparação
acontece antes de estarmos na Igreja. Jamais poderemos fazer parte deste
edifício, jamais seremos pedras nessas paredes, sem já estarmos preparados para
isso. Portanto, vamos lá para trás, a um versículo do Velho Testamento - 1 Reis
6:7: "Eedificava-seacasacom pedras preparadas, como as traziam se edificava;
de maneira que nem martelo, nem machado, nem nenhum outro instrumento de
ferro se ouviu na casa quando a edificavam"; Isso é uma parte da narrativa da
construção do templo de Salomão. É uma parte muito importante da história. De
fato, visto que estamos estudando esta passagem, é de grande importância que
voltemos ao Velho Testamento para lermos acerca da construção do templo de
Salomão em Jerusalém. Não há nenhuma dúvida de que o apóstolo Paulo tinha
essas figuras em sua mente, e é igualmente claro que o que nos é ensinado quanto
à construção do tabernáculo e do templo tem relevância para aquilo que estamos
estudando neste momento.
Quando Deus instruiu Moisés sobre a construção do tabernáculo, Ele o
levou a um monte e lhe deu instruções minuciosas. Deus não disse simplesmente
aMoisés: agoraEu quero que vocêconstruaum tabernáculo para Mim, no qual a
Minha presença possa habitar, no qual a glória da Minha Shekinah possa
manifestar-se. Ele lhe deu instruções pormenorizadas, entrando nas questões de
medidas, cores etc. Tudo foi dado em detalhe. E tendo lhe dado a planta e as
especificações, Deus disse à Moisés: "Atenta, pois, que o faças conforme ao seu
modelo, que te foi mostrado no monte" (Êxodo 25:40). Parece que foram dadas
instruções de maneira semelhante a Salomão (2 Crônicas 3:3). É importante,
pois, que tenhamos isso em mente; é de profunda significação. Ouçam-no de
novo: "E edificava-se a casa com pedras preparadas, como as traziam se
edificava; de maneira que nem martelo, nem machado, nem nenhum outro
instrumento de ferro se ouviu na casa quando a edificavam". Essa declaração
contém importante doutrina que lança luz sobre a exposição feita pelo apóstolo
na passagem que estamos estudando, com relação à natureza da Igreja Cristã.
Em meu parecer, o primeiro princípio que se deve observar é o seguinte: a
preparação é feita em segredo. Sem dúvida havia pessoas em Jerusalém que
ficavam observando a construção do templo. Mas elas não viam a preparação das

-399-
pedras. Este trabalho era feito antes de serem trazidas para o local do templo e de
serem colocadas nos seus lugares nas paredes. Eis aí um grande princípio do
Novo Testamento. Antes de sermos verdadeiros membros da Igreja Cristã,
qualquer de nós - (vocês vêem como é importante distinguir entre simplesmente
termos os nossos nomes nos róis de uma igreja e realmente sermos membros de
Cristo e da Sua Igreja) - antes de podermos estar verdadeiramente na Igreja, uma
enorme obra de preparação é indispensável. É uma obra realizada pelo Espírito
Santo, e é realizada nas profundezas da alma. É uma obra misteriosa e secreta. O
mundo a ignora. Assim como o povo de Jerusalém nada sabia da preparação
daquelas pedras, o mundo também nada sabe a respeito. É possível estarmos
trabalhando num escritório com outras pessoas, ou até vivendo na mesma casa
com outros, e estapoderosa obra de preparação estar sendo realizada em nós, sem
que eles saibam. Não é uma obra realizada externamente, por fora, superfi-
cialmente; é realizada no âmago da alma.
Escrevendo aos coríntios, o apóstolo diz: "Vós sois a carta de Cristo...
escrita, não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra,
mas nas tábuas de carne do coração" (2 Coríntios 3:3). E uma obra interna, uma
obra misteriosa, que se realiza naquela parte do homem chamada alma.
Certamente vocês se lembram de um famoso anatomista que zombou da alma há
alguns anos. Disse ele que tinha dissecado muitos corpos na sala de anatomia, e
nunca tinha encontrado um órgão chamado alma. Claro que não! Essa é uma das
coisas secretas que um anatomista materialista não pode entender. Menos ainda
tal homem poderia entender a obra realizada pelo Espírito na alma. A obra é tão
secreta que, às vezes, a própria pessoa em quem ela está sendo realizada não sabe
o que está acontecendo. Muitas vezes o Espírito age em nós durante algum
tempo, antes de percebermos o que se passa. Tudo o que sabemos é que estamos
sendo levados a fazer certas perguntas que nunca tínhamos feito antes. Tudo o
que sabemos é que, de repente, ficamos insatisfeitos com nós mesmos e com as
nossas vidas, e não sabemos por quê. Alguém talvez diga que não estamos bem e
que deveríamos consultar um médico; e pode ser que concordemos. Talvez
pensemos que estamos cansados, ou procuremos alguma outra explicação. E
uma obra misteriosa. Novos interesses surgem, novos anseios, desejos e
aspirações, e dizemos: "Que será isso? Não entendo o que se passa comigo.
Parece que alguma coisa está acontecendo comigo. Não sou mais o mesmo. Que
será isso?" E não entendemos. Ignoramos esta obra secreta que o Espírito está
realizando. Mas aí está ela, e faz parte da preparação. Esse trabalho era feito
antes de as pedras serem levadas para Jerusalém.
Não devo demorar-me neste particular, porém vocês se lembram da
maneira como o nosso Senhor expressou esta verdade, dizendo a Nicodemos,
que nesse ponto mostrou-se completamente incapaz de entender a Sua doutrina:

-400-
"Como pode um homem nascer, sendo velho?", pergunta Nicodemos. "Pode,
porventura, tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?" -Não entendo! Certo,
disse efetivamente o nosso Senhor. "O vento assopra onde quer, e ouves a sua
voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que
énascído do Espírito." Você vê o resultado, você não vê o que acontece, não
entende. "Não sabes de onde vem, nem para onde vai." Não se vê, é invisível,
mas você vê os efeitos, o resultado, o produto acabado. "Assim é todo aquele que
é nascido do Espírito."
Noutras palavras, estabeleço como proposição fundamental - e é
sumamente importante dar ênfase a isso hoje, porque há uma grave
incompreensão dessa questão - que, ser cristão é estar sujeito a uma energia e
um poder que está acima do nosso entendimento. Não me entendam mal. Isso
não significa que o cristianismo é irracional; o que significa é que o cristianismo
é super-racional, supra-racional, poderíamos dizer. Não há - e isso me causa
prazer, pelo que o repito muitas vezes - não há nada que, uma vez que você esteja
dentro, seja tão racional, tão lógico como a fé cristã (como o revela a ilustração
que temos nesta Epístola aos Efésios). Mas se você está fora, não a entende;
parece haver algo de misterioso e estranho nela. Por quê? Porque é obra de Deus,
porque é ação direta do Eterno. Já não é ação realizada por meio das leis da
natureza; Ele está agindo diretamente, Ele está agindo imediatamente, isto é, sem
utilizar-Se de meios. Deixem-me pedir ao grande apóstolo que exponha isso.
Vejam como ele o faz na Primeira Epístola aos Coríntios, capítulo dois. Diz ele
que quando o Senhor Jesus Cristo estava neste mundo, os príncipes deste mundo
não O reconheceram, pois, se O tivessem reconhecido, "nunca crucificariam o
Senhor da glória". Eles viam simplesmente um homem, o carpinteiro de Nazaré.
Indagavam: quem é este sujeito? Ficavam admirados com o Seu conhecimento e
com a Sua cultura; todavia não entendiam, não sabiam que Ele era o Filho de
Deus. Mas o apóstolo declara: "Deus no-las revelou pelo Seu Espírito"; sim, pelo
Espírito que "penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus". Ele
prossegue, dizendo: "Nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito
que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado
gratuitamente por Deus". E ainda: "O homem natural não compreende as coisas
do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque
elas se discernem espiritualmente". E então ele acrescenta isto: "Aquele que é
espiritual (isto é, o homem espiritual) discerne (ou, "julga" VA) bem tudo, e ele
de ninguém é discernido (ou, "por ninguém é julgado"). Noutras palavras, o
cristão, por definição, deveria ser um problema e um enigma para todos os não
cristãos. Como isso é importante como umaprova para cada um de nós! Se um
incrédulo pode entender você e tudo o que você lhe diz, então, pelo menos dentro
deste contexto, você não está dando prova de que você é cristão.

-401-
Quando o Filho de Deus estava neste mundo, Ele era um grande problema
para as pessoas. Elas perguntavam: quem é este? Ele é um homem comum,
nunca foi instruído como fariseu, não é escriba, não é sacerdote, nunca teve
erudição e cultura; no entanto, olhem para Ele, ouçam o que Ele está dizendo.
Ele parece ter conhecimento; vejam os Seus milagres - quem é este? Ele era um
problema e um quebra-cabeça para eles. Porventura vocês se lembram de que,
nos capítulos iniciais do livro de Atos somos informados de que acontecia a
mesma coisa com os Seus seguidores? Pedro e João curaram um homem na Porta
Formosa do templo, e as autoridades não podiam entender o fato. Levaram-nos a
julgamento, e tudo o que puderam dizer foi que "eles haviam estado com Jesus"
(4:13). Isso era tudo o que eles sabiam. Homens ignorantes, indoutos, mas cheios
de poder! Que será isso?
É esse o aspecto secreto desta obra, desta preparação. O cristão, por ter sido
formado e modelado pelo Espírito Santo, é alguém que ninguém pode entender,
exceto outro cristão. A obra realizada pelo Espírito não é irracional, mas
transcende a razão, confirmando aquele famoso dito de Pascal: "A suprema
realização da razão é levar-nos a ver que há um limite para a razão". Aqui nos
encontramos numa esfera em que Deus age imediata e diretamente. Assim, o
cristão não é meramente alguém que decide adotar certo número de proposições
e um ponto de vista, ou esposar uma filosofia. O cristão é, por definição, alguém
que foi formado, modelado, posto em forma, adaptado e ajustado para ser uma
pedra nesta parede, neste edifício, que vai ser um "templo santo no Senhor", uma
habitação de Deus. O cristão é alguém que nasceu de novo, foi transformado,
renovado, regenerado. Estes são termos do Novo Testamento. Ele é uma "nova
criatura", uma "nova criação".

No entanto, isso nos leva aum segundo princípio: tudo isso tem que
acontecer conosco antes de podermos fazer parte da Igreja. Nosso texto
fundamental, 1 Reis 6:7, põe isso acima de tudo o mais. "Edificava- -se a casa
com pedras preparadas, como as traziam se edificava", (ou, "...com pedras
preparadas antes de serem trazidas...", VA). Não estamos numa igreja para nos
tornarmos cristãos. Estamos numa igreja porque somos cristãos. A razão para ser
membro dessa igreja não é que finalmente você venha a ser cristão; é porque
você já o é. Nunca foi propósito da igreja ter em seus róis uma multidão mista -
composta de cristãos, dos que acham que são cristãos, dos que esperam poder
tornar- -se cristãos e dos que, bem, estão ali porque nem sequer pensaram o
suficiente em parar de freqüentá-la, e são meros tradicionalistas. Este também,
lembro a vocês, é um ponto tremendamente importante, sobretudo na hora
presente, quando a questão da natureza da Igreja é levantada agudamente por
todos quantos falam em união, re-união e unidade.

-402-
É nosso dever familiarizar-nos com o que se ensinava no passado sobre essa
matéri a. Ora, no tempo da Reforma Protestante, essa era uma questão urgente e
crucial. Martinho Lutero ensinava que a Igreja é a comunidade dos crentes. João
Calvino acentuava que a Igreja consiste do número total dos eleitos. Vocês
notam a ênfase? - comunidade dos crentes, número total dos eleitos, dos
escolhidos, dos chamados. E vocês recordam que os puritanos, que em certo
sentido foram os originadores e os fundadores daquilo que hoje toma o nome de
"igrejas livres" (os primeiros "independentes", os primeiros batistas, e outros),
colocavam sua ênfase no que eles chamavam, "a igreja reunida". Queriam dizer
que a Igreja realmente consiste da reunião, ou do encontro dos santos, dos
crentes. Eles foram ficando cada vez mais tristes com a idéia de uma "Igreja do
Estado", porque, de acordo com a idéia de uma "Igreja do Estado", todos os que
vivem numa paróquia são membros da Igreja e são cristãos. Pois bem, os não
conformistas rejeitavam isso completamente. Eles diziam: porque sucede que
um homem vive numa paróquia, não é necessariamente um cristão.
Simplesmente porque certas pessoas vivem neste país, não significa que são
cristãs. Eles asseveravam que a Igreja consiste unicamente dos que foram
preparados, dos que nasceram de novo, dos regenerados, dos renovados, dos
santos, dos crentes, do povo de Deus; e a Igreja é a reunião destes. Isso é a Igreja,
os "santos reunidos".
Vocês vêem a importância e a relevância disso tudo nos dias atuais, quando
há uma tendência das pessoas se tornarem cada vez mais soltas e cada vez mais
vagas nas definições; a tendência de dizer que todos os que se dizem cristãos
devem ser considerados cristãos, e que todos somos um, e assim por diante. De
fato às vezes chegam a sugerir que não deveríamos dar demasiada ênfase até
mesmo ao termo "cristão". Temos um "Congresso Mundial de Crenças" que
incluem todos os que crêem em Deus, de uma forma ou de outra. Todos esses são
um, dizem, contrariamente aos que não crêem em Deus.
E vital que consideremos isso tudo, não somente à luz da história, mas ainda
mais à luz das Escrituras - esta Escritura de Efésios e aquela declaração
registrada em 1 Reis 6:7. Noutras palavras, certamente o ensino das Escrituras é
simples e cl aro. E é que a Igreja consiste somente daqueles que crêem na
doutrina verdadeira e que vivem a vida cristã. "O fundamento de Deus fica firme,
tendo este selo: o Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome
de Cristo aparte-se da iniqüidade" (2 Timóteo 2:19). Há alguns que negam a fé,
diz Paulo a Timóteo: negam a ressurreição, dizem que é coisa do passado. Não se
aflija; eles parecem cristãos, porém Deus sempre soube onde eles estão. Ele
conhece todas as coisas, o Seu fundamento permanece seguro. Ele não pode
negar a Si próprio, embora O neguemos. Ele sabe o que faz. Em última análise, o
Arquiteto da Igreja é Ele.

-403-
Podemos ir adiante e dizer que certamente não há nada que seja
completamente tolo e calamitoso, quando pensamos na Igreja, como pensar nela
em termos de tamanho e de número. Mas esse é o pensamento determinante hoje.
Igreja mundial! - dizem: o único modo de combater o comunismo e as outras
coisas que se opõem ao cristianismo é tornar-nos um; devemos reunir os nossos
grandes batalhões, e então resistir ao inimigo. Entretanto, como isso é
anti-escriturístico! Nós cantamos em nossos hinos, "poucos fiéis", e a Bíblia está
repleta de ensinamentos sobre a doutrina do remanescente. Deus não opera por
meio de grandes batalhões, Ele não se interessa por números; Ele está
interessado napureza, na santidade, em vasos aptos e próprios para o uso do
Senhor. Não devemos concentrar a nossa atenção em números, e sim na
doutrina, na regeneração, na santidade, na compreensão de que este edifício é um
templo santo no Senhor, uma habitação de Deus.
Isso é o que o próprio Senhor nosso ensina claramente. Às vezes, quando
lemos os Evangelhos, temos a impressão de que o Senhor Jesus Cristo passava
grande parte do Seu tempo recusando pessoas. Hoje forçamos as pessoas a
tomarem decisão, fazemos tudo o que podemos para fazê-las vir, quer queiram
quer não. Mas não era esse o método do nosso Senhor. Certo homem correu para
Ele e disse: "Senhor, seguir- -te-ei para onde quer que fores". Que maravilhoso
acréscimo à Igreja! - dizemos. Todavia o nosso Senhor voltou-Se para aquele
homem e disse: "As raposas têm covis, e as aves do céu ninhos, mas o Filho do
homem não tem onde reclinar a cabeça". Vá pensar no que você está fazendo, diz
o nosso Senhor, não quero mera animação, quero que você compreenda o que
isso lhe poderá custar. E, vocês se lembram, Ele prosseguiu, falando com um
homem que lhe pediu permissão para primeiro ir para casa e sepultar o seu pai, e
Ele diz: "Deixa aos mortos o enterrar os seus mortos". Disse ainda: "Ninguém
que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus" (Lucas
9:57-62). Ele põe à prova, parece estar rejeitando - Ele examina. Avalie o preço,
diz Ele. Que tolo, diz Ele, é o homem que começa construir um castelo, porém
não fez uma avaliação para saber quanto lhe custaria e se ele teria condições e
recursos para dar prosseguimento à obra! Ele fala demaneira semelhante sobre o
homem que se aprestapara fazer guerra contra outro país, e não sabe qual é o
número dos componentes das suas tropas e das suas reservas. Ah, que loucura é
isso! Pare! Considere! Ele parece estar rejeitando os homens. A Sua preocupação
era com a pureza da Igreja, não com o tamanho, nem com os números. E quando
Ele partiu deste mundo, deixou apenas um pequeno grupo de homens comuns,
indoutos, sem instrução, iletrados para continuarem a Sua obra. E esse o Seu
método.
E tem sido sempre assim nos períodos de avivamento e despertamento. Era
extremamente difícil alguém tornar-se membro de uma igreja dos puritanos.

-404-
Leiam os relatos fidedignos dos feitos das primeiras igrejas independentes e
batistas e verão que era excessivamente difícil obter admissão à sua comunhão.
Vocês alguma vez leram as regras que João Wesley estabeleceu para a admissão
às suas sociedades? Os homens e as mulheres eram submetidos a exame e prova
na doutrina e na vida! É quando esse tipo de procedimento é adotado que se tem
avivamento.
Deus só pode habitar numa Igreja pura - não necessariamente numa Igreja
grande, mas numa Igreja pura, pura na doutrina e pura na vida. Pode parecer
surpreendente, mas não hesito em asseverar, mesmo hoje, que o maior problema
da Igreja atualmente é que ela é grande demais. É muito parecida com uma
multidão mista. Somente quando os homens são aptos e próprios para o uso do
Senhor é que Ele os utiliza. Somente num templo santo é que o Residente eterno
entra. O ensino geral das Escrituras tem esse propósito. E é evidenciado, apoiado
e comprovado pela subseqüente história da Igreja Cristã. Também é verdade que
ninguém sabe, o mundo não sabe o que Deus pode fazer quando um homem se
entrega completamente a Ele. Todos os grandes avivamentos e reformas vieram
dos mais insignificantes começos. Um só homem -Martinho Lutero! Estranhos
indivíduos do século dezessete! O pequeno Clube S anto de Oxford, no século
dezoito! Sempre foi assim. Vamos parar de pensar em termos de grande
atividade, quando estivermos falando da Igreja. Regressemos ao Novo
Testamento. Um santo templo no Senhor. Quando Ele entra, com um só frágil
homem Ele pode convencer m ilhares .Pela pregação do apóstolo Pedro no dia de
Pentecoste, três mil foram acrescentados à Igreja.

Antes de concluirmos, vejamos mais um princípio. Não deve haver nenhum


ruído durante este processo de edificação. Voltemos a 1 Reis 6:7, e eis o que
vocês verão escrito ali: "E edificava-se a casa com pedras preparadas, como as
traziam se edificava". E então - "De maneira que nem martelo, nem machado,
nem nenhum outro instrumento de ferro se ouviu na casa quando a edificavam".
Que princípio vital é este! Interpretando-o e dando-lhe vestimenta moderna, é
isto: não deve haver discussão nem debate nem desacordo na Igreja acerca das
verdades vitais. Não se deve fazer ouvir nada desse ruído de cinzel, martelo,
amoldagem e preparação na Igreja. Isso terá que acontecer antes de você entrar
na Igreja. Não deve haver nenhuma discussão na Igreja Cristã sobre a Pessoa do
Senhor Jesus Cristo. Não deve haver nenhuma discussão na Igreja acerca da
situação e das condições do homem em pecado. Não deve haver
nenhumadiscussão na Igreja acercadaexpiação vicária, da regeneração, da
Pessoa do Espírito e de todas as doutrinas da graça. Não deve haver ruído de
discussão acerca destas coisas. Tudo isso deve acontecer antecipadamente.

-405-
Pois bem, falemos com clareza sobre este ponto, porque também pode ser
entendido erroneamente. Quando digo que não deve haver discussão nem ruído
de debate na Igreja, não estou querendo dizer que a Igreja não deve interessar-se
por doutrina; o que estou querendo dizer é que deve haver acordo sobre a
doutrina logo de início, de modo que não haja mais necessidade de discussão.
Contudo, isso está sendo mal entendido hoje, e está sendo colocado desta forma-,
ah, dizem muitos, não devemos ter discussões sobre doutrinas porque elas
sempre causam divisão; portanto, não as tenhamos, mas vamos todos concordar
em chamar-nos cristãos uns aos outros, seja o que for que creiamos. Uns poderão
dizer que Jesus de Nazaré era apenas homem, outros dirão que Ele é também o
Filho de Deus. Que importa isso realmente? Afinal de contas, todos nós
concordamos em Seu ensino, em que este é nobre e enaltecedor e em que, se
tão-somente o praticássemos, não haveria todo este problema que o mundo
enfrenta hoje. Assim eles dizem: vamos parar de discutir sobre a Sua Pessoa. E
depois, que dizer da Sua morte na cruz? Uns dizem que foi o maior crime da
história, e nada mais, a suprema tragédia de todos os tempos. Outros dizem: não,
é mais que isso. Deus O enviou para que morresse; Ele morreu "pelo
determinado conselho e presciência de Deus" (Atos 2:23); morreu para levar a
culpa dos nossos pecados, e se Ele não tivesse morrido nós estaríamos ainda em
nossos pecados. Mas a tendência hoje é dizer que não importa em que você crê.
Muitos dizem: afinal, a morte de Cristo foi maravilhosa e comovente e, portanto,
todos nós podemos vê-la, podemos interpretá- -la de diferentes maneiras. Isso
não tem importância, todos nós cremos nEle, e todos nós estamos procurando ser
semelhantes a Ele e segui-10. Somos todos cristãos; avante, pois!
No entanto isso é ausência de doutrina, e o que a passagem em foco ensina é
exatamente o oposto. Não deve haver nenhum ruído desse debate e dessa
discussão na Igreja - não por não haver doutrina, mas porque todos nós estamos
de acordo quanto à doutrina, porque todos nós a subscrevemos. Foi assim que
aconteceu na Igreja Primitiva. Quando foi que o Espírito desceu sobre aqueles
cristãos? Foi quando estavam no cenáculo, unânimes. Unânimes! Outra vez
lemos sobre a Sua vinda sobre eles, e que era um o coração e a alma deles. E-nos
dito que a Igreja Primitiva perseverava na doutrina (no ensino), na comunhão, no
partir do pão e nas orações. Não havia ruído de discussão e debate. Por quê?
Porque aqueles cristãos estavam todos concordes! Sabiam que Cristo era o Filho
de Deus; a ressurreição o provara para eles. Ele tinha exposto as Escrituras, tinha
explicado a Sua morte, eles tinham sentado aos Seus pés e eles tinham crido na
doutrina. Estavam todos unanimemente concordes. Nenhum ruído! Por quê?
Porque estavam de acordo na doutrina, não porque não tinham doutrina.
Vocês não vêem por que a Igreja está como está hoje? Que é que foi
acontecendo na Igreja Cristã durante os últimos cem anos? Já demos a resposta.

-406-
A Igreja tem discutido doutrinas fundamentais. Por que será queum alarmante
número de igrejas estão quase vazias atualmente? Por que os números vão
baixando ano após ano? E a própria Igreja a responsável. Há cinqüenta anos, em
Londres, a Igreja toda esteve debatendo o que chamavam "nova teologia". O
debate era principalmente sobre a Pessoa de Cristo! - seria Ele realmente o Filho
eterno de Deus? Ou seria apenas homem? Eram essas as questões. Discutiam
sobre fundamentos, sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas! Muitos
não criam nisso. Houve barulho na Igreja porque estavam discutindo sobre
pontos fundamentais. Será surpreendente que a Igreja se tenha tornado
ineficiente, que não lhe dêem valor, que os homens não estejam sendo salvos e
que o Espírito não esteja operando?
É preciso que não haja nenhum ruído de martelo, de machado e de nenhum
instrumento de ferro na Igreja. É preciso que os homens e as mulheres entendam
claramente estas coisas, antes de pertencerem à Igrej a. Na verdade, você não
pode estar verdadeiramente nalgreja, a não ser que já esteja certo sobre estas
questões. Jamais houve a intenção de que a Igrej a sej a um rinhadeiro no qual os
homens argumentam, pelej am, debatem e brigam sobre questões vitais
relacionadas com Cristo e Sua obra. A Igreja é a reunião daqueles para os quais
estas questões foram resolvidas uma vez por todas, os quais sabem no que
crêem, os quais estão firmados no fundamento de Deus, e os quai s se juntam -
não para argumentos e debates sobre estas questões, mas para esperar em Deus,
adorá-10, para que Ele venha a estar entre eles, para que Ele os encha da Sua
presença e de gozo indescritível e cheio de glória, para que Ele os encha de poder
para falar a outros e propagar as boas novas, e cati vá- -los, libertando-os dos
grilhões e da escravidão do pecado.
Notem o que estou dizendo. Não estou dizendo que os cristãos têm que
concordar em todos os pormenores. Estou ressaltando os pontos fundamentais.
Há certas questões nas quais nem todos os cristãos concordam, certos detalhes
acerca da profecia, certas questões como o modo do batismo, e muitas outras.
Não são princípios fundamentais. O povo cristão jamais deve contender, brigar e
pelejar sobre esses pontos. Devem discuti-los como irmãos. Mas não devem
ocorrer discussões sobre pontos fundamentais, simplesmente porque são pontos
fundamentais. A preparação deve ser feita antes de se trazerem as pedras para a
Igreja. Aqui não há ruído, nós O conhecemos como o Filho de Deus e Salvador.
A maior necessidade da Igreja nesta hora é entender estes princípios. Agora se
realizam grandes conferências mundiais, uma após outra. Todavia, como usam o
tempo? Não em oração a Deus, não esperando pelo Espírito, não se deixando
encher do Espírito. Usam o tempo para tentar achar uma base de acordo. Tentam
achar um mínimo irredutível acerca do qual não discordem.

-407-
Gastam seu tempo nisso e, enquanto isso, o mundo vai de mal apior. Eles
têm a fatal idéia de que doutrina é causa da divisão, quando a verdade é que não
há nada que una, exceto a doutrina - pois a única unidade digna de menção é a
unidade do Espírito, que produz a mesma crençano mesmo Senhor, na mesma fé
e no mesmo batismo. É a unidade dos que têm a mesma mentalidade e estão em
harmonia, que não põem a sua confiança em si mesmos, mas somente no Filho
de Deus e na perfeita obra que Ele realizou a favor deles. Portanto, a palavra para
a Igreja moderna, como a palavra que Deus dirigiu a Moisés na antigüidade, é
simplesmente esta: "Atenta pois que o faças conforme ao seu modelo, que te foi
mostrado no monte". O monte do Sermão do Monte! O monte da transfiguração!
O monte Calvário! O monte das Oliveiras, o monte da ascensão! Aí estão os
grandes picos. Em nossos dias e em nossa geração, edifiquemos, aconteça
conosco o que acontecer, diga de nós a Igreja, a Igreja visível, o que disser, seja o
que for que o mundo fale de nós, edifiquemos conforme ao modelo que nos foi
mostrado no monte. Que não haja incerteza nem hesitação nem discussão nem
ruído nem debate acerca do conteúdo deste capítulo dois da Epístola de Paulo
aos Efésios, pois o fundamento é - o homem morto em ofensas e pecados,
desamparado e sem esperança; ressuscitado pela graça de Deus; salvo pelo
sangue de Cristo; regenerado, renovado e ligado a Cristo pelo Espírito Santo e
transformado numa pedra do templo santo no Senhor.

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RECONCILIAÇÃO: O MÉTODO DE
DEUS
Estas exposições por Dr. Lloyd-Jones atingem o âmago do problema
humano - o homem estar separado de Deus! Eles demonstram que nada é mais
relevante para a triste condição do homem do século XX do que a mensagem
cristã. Realmente, demonstram que à raiz de todos os problemas dos
relacionamentos humanos jaz o problema do relacionamento do homem com o
seu Criador.
Numa época de confusão, tumulto, divisões e guerras violentas, e, ao
mesmo tempo, de uma indolente crença num falso e superficial idealismo que
afirma que os homens e as nações podem viver em harmonia, paz e concórdia,
graças ao apelo dirigido ao que há de melhor no homem, mais que nunca a
mensagem deste capítulo dois da Epístola de Paulo aos Efésios é necessária.
Aqui vemos claramente exposto e firmado o método divino de reconcilação
- o único método. O texto em apreço trata dos mais profundos e inspiradores
temas da Bíblia.
Não sei de nenhum outro capítulo da Bíblia que exponha com tanta clareza
e perfeição, ao mesmo tempo, a mensagem evangelística essencial para o
incrédulo e a posição e os privilégios do crente.
Aí está a única esperança para o indivíduo e para o mundo, e, ao desvendar
o apóstolo o plano eterno de Deus, não podemos senão entusiasmar-nos com a
gloriosa perspectiva que aguarda todos quantos se tornaram "concidadãos dos
santos, e da família de Deus".

PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS


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*
Expressão presente no Credo Niceno (125 A. D.). Nota do tradutor.
* É interessante o original inglês, que salienta a formação etimológica da palavra atonement.
Houve "an at-one-ment" - "an atonement". "At-one-ment" - ato de ficar no lugar de alguém.
Expiação substitutiva. Nota do tradutor.

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