Carmen - Marina Bonafé
Carmen - Marina Bonafé
Carmen - Marina Bonafé
por
Marina Bonafé
ilustrações
Isabela Savastano
São Paulo
2015
Quantas palavras são necessárias
para descrever quem você é de
verdade? Quantas vezes você se
apaixonou? Quantas vezes você
descobriu o que queria ser na vida?
Eu tenho 28 anos e vim de Minas
Gerais, mas isso não diz nada sobre
mim. Meus textos não dizem nada
sobre mim. O que você precisa saber
é que eu já estive perdida. Perdi as
contas de quantas vezes eu quis
morrer. Na maior parte do tempo, a
escrita me curou. Esse livro não vai
mudar a sua vida, mas talvez ele te
distraia tempo suficiente.
E, as vezes, tudo que precisamos
é de uma distração.
Divirta-se. Eu me diverti.
Marina Bonafé
Sumário
Capítulo 1
6
Capítulo 2
8
Capítulo 3
16
Capítulo 4
19
Capítulo 5
22
Capítulo 6
24
Capítulo 7
25
Capítulo 8
26
Capítulo 9
29
Capítulo 10
33
Capítulo 11
34
Capítulo 12
36
Capítulo 18
39
Capítulo 19
41
CAPÍTULO 1
S
ete horas da manhã. Estação da Sé. São Paulo. Eu vejo mi-
lhares de pessoas por ali. Algumas parecem decididas, com
a maleta na mão, outras apressadas, aquele empurra-em-
purra básico, casais que se despedem indo cada um pro
seu lado viver dias diferentes. Pessoas com olheiras estampadas
revelando um fim de semana mais interessante que o meu. Olhos
cansados, olhos famintos, muitos fones de ouvido e iPods.
Um homem de casaco verde me chama a atenção. Traz nas cos-
tas uma mochila rasgada e em seus olhos uma expressão confusa.
Quando o celular descarrega, faço a minha brincadeira preferida:
julgar as pessoas. Será que seu turno só acabou agora e então ele
retornará para sua casa, para curtir sua familia? Ou talvez sua es-
posa já tenha ido trabalhar e sua filha esteja indo pra escola. Ou
sua esposa tenha morrido e ele não tenha filhos e ninguém mais
para esperá-lo em casa.
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faço ideia do que ela está fazendo aqui. Tem pressa, não para de olhar
o relógio laranja — ai, queria um igual — e de mexer os pés. Algum
horário no cabelereiro, talvez uma entrevista, algo importante demais
para perder tempo imaginando a vida das pessoas a sua volta.
Fecho os olhos tentando me esquivar do real motivo de estar
ali. Uma garota baixinha passa bem próximo de mim e eu quase
consigo sentir o ventinho que vem de seus passos corridos – quase!.
Encosto na parede e olho para frente tentando enxergar o maior
número de pessoas possível. Uma confusão de pernas e cores e al-
turas se perdem e se misturam e de repente um espirro. Viro para
o lado e penso em dizer “saúde”. Só penso, mas as palavras mor-
reram para mim. Então eu continuo fazendo o meu jogo favorito.
O homem termina de anunciar a estação impedindo-me de conti-
nuar viajando e as portas se abrem. Enquanto me preparo para sair,
abro a bolsa, discreta, procurando o celular, e acabo derrubando
um CD do Goo Goo Dolls no chão. Você deve estar se perguntando
“Que diabos ela ainda faz com um CD nos dias de hoje? E do Goo
Goo Dolls meu Deus isso é tão mil novecentos e oitenta” mas essa
é uma longa história. Uma história que ainda não estou preparada
para contar, porque não faz nem uma semana que eu desisti dela.
Abaixo para pegar o CD mas alguém esbarra e ele cai exatamente
naquele vão que separa a estação do trem...
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E eu tinha derrubado o meu CD preferido embaixo do metrô al-
guns minutos atrás. Sim, eu estava me mudando para São Pau-
lo. Vou pular aquela história clássica que todos vocês conhecem
da menina-do-interior-indo-tentar-a-vida-na-cidade-grande. Eu já
conhecia a cidade, ainda que a última vez que eu tinha vindo aqui
fazia pelo menos uns quatro anos.
São Paulo tinha mudado muito desde então.
E eu também.
CAPÍTULO 2
(...)
Dez meses depois
(...)
Quando Jéssica, a mais nova secretaria, disse que Thiago esta-
va no telefone, meu estômago se revirou todo. Já fazia pelo menos
um mês que não falava com ele, desde aquela maldita festa de
Halloween. Mas antes de chegar nela eu preciso falar um pouco
sobre como eu estava antes disso:
Nos primeiros meses em São Paulo praticamente não saía de casa.
Tinha levado um pouco de dinheiro que me sustentaria, se eu econo-
mizasse muito, por uns dois meses, por isso eu precisava a todo custo
arranjar um emprego. Fiz diversas entrevistas mas era difícil, meu cur-
rículo não era muito bom e demorei exatos dois meses até que um dia
minha roomate chegou com boas notícias: uma amiga dela disse que
precisavam de um assistente em uma revista e então eu fui.
Quando eu entrei, eles disseram que o cargo duraria um mês
mas já faz 6 que eu tô por aqui. Não sei se meu trabalho era muito
bom ou se o fato de não reclamar de receber menos que as outras
pessoas faziam com que eu fosse especial, o importante é que eu
tinha emprego. Era quase divertido, eu tinha muito tempo livre e o
mais importante: pagava minhas contas.
Não todas, diga-se de passagem. A verdade é que só pagava as contas.
Qualquer regalia a mais era mera ilusão. Não posso negar: antigamente
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gastava muito com festas e outras coisas fúteis mas era o preço que eu
estava pagando por largar tudo e recomeçar em uma cidade grande.
Fora o meu emprego, fico tentando me lembrar o que é que eu fiz de
interessante nesses meses mas a resposta é: quase nada. No começo me
punia diariamente por ter feito aquela escolha. A escolha de me mudar
para São Paulo. Com o tempo, vi que não era justo comigo que eu ficasse
daquele jeito. Eu escolhi mudar, eu estava disposta a mudar. Por Deus,
eu estava disposta a qualquer coisa para mudar de vida.
Conheci Thiago numa loja de CD’s. Não reparei nele logo de
cara porque ele não chamava muito a atenção, mas logo reconheci
o seu perfume quando passou. Era o mesmo que meu chefe usa-
va, que fazia todas as mulheres à sua volta suspirarem – embora
o seu cabelo grisalho ajudasse um pouquinho também. Diante de
tal lembrança, acabei falando o nome do perfume alto demais,
despertando sua atenção:
— Como sabe o nome? — perguntou ele, com uma cara meio es-
tranha (o que não era muito difícil porque ele era mesmo estranho!).
Tinha uma voz grave demais para seu tipo físico. Alto, bem ma-
gro e um pouco desengonçado. Uma cicatriz no queixo quase im-
perceptível. A boca mediana contrastava com o nariz fino. Os olhos
eram bem pretos e a sobrancelha grossa demais. OK, eu estava
olhando fixamente para ele e isso já estava ficando constrangedor.
— É que eu dei um igual pro meu namorado – menti. Eu estava
solteira desde que havia mudado para São Paulo, completamente
desesperada, mas não a ponto de assumir que o mais próximo de
relacionamento que eu havia chegado nos últimos meses era a co-
tovelada que um estranho me deu na saída do metrô Consolação.
Mas Thiago pareceu não se importar com “o meu namorado”,
porque continuou puxando papo e um tempo depois me chamou
para uma festa na casa de um amigo naquela mesma noite. Eu havia
acabado de conhecê-lo e embora ele estivesse sendo extremamente
charmoso eu não poderia aceitar um convite desses. Depois de um
tempo de conversa, agradeci o convite, nos despedimos e fui embora
pensando no quão irônica era a vida, nos apresentar um cara inte-
ressante de maneira tão casual, como uma tarde numa loja de CD’s.
Faltavam cinco minutos pras vinte e uma horas quando Thiago
me pegou na estação de metrô, como combinado. OK, eu menti. Eu
aceitei o convite. Eu só queria que vocês pensassem, nem que por
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um segundo, que eu estava com o meu juízo em perfeitas condi-
ções e assim, mais calmos, eu não teria que passar uma boa parte
do tempo explicando o porquê é que aceitei sair com um estranho.
O que eu posso dizer é que não acabei numa banheira de gelo.
OK, talvez até tenha acabado em uma banheira mas não tinha
sangue e não vamos nos ater a esses pequenos detalhes, OK? Vol-
tando: disse a ele que estava sozinha porque não tinha encontrado
nenhuma amiga disponível naquela noite. Outra mentira: minhas
roomates não tinham nada para fazer, só não mencionei a festa
por medo delas aceitarem e o Thiago acabar achando alguma de-
las mais atraente que eu.
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— Sério? Que legal! Qual?
— Qual?
— Design Corps
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Havia um casal se beijando no quintal e pelo menos três som-
bras atrás de uma árvore. Lá dentro a situação estava um pouco
melhor: muita gente dançando, alguns casais em pé na escada que
dava para o segundo andar, outros no sofá. Para o meu espanto, to-
das aquelas pessoas pareciam ter pelo menos cinco anos a menos
que eu (e isso faz uma certa diferença quando se tem vinte e cinco
anos). A maioria das meninas vestia saia jeans com uma calça preta
de lycra por baixo e uma blusa rasgada pra combinar, e tinham no
topo da cabeça duas tranças presas por uma presilha de strass co-
lorido. “Elas se vestem que nem aquela cantora”, explicou o Thiago,
citando nomes de bandas que eu nunca tinha ouvido falar.
Aquela definitivamente não era o tipo de festa que eu estava
acostumada a ir. Quer dizer, havia pelo menos um ano que eu não
ia em festa alguma. Nessa época fazia apenas oito meses que me
mudara para São Paulo e eu não saía, eu não paquerava, eu não fa-
zia nada. Tinha largado tudo para vir para São Paulo mudar a mi-
nha vida e fiquei enfurnada dentro de casa fazendo absolutamen-
te nada. Onde eu morava eu era popular, cheia de amigos, tinha
um emprego legal e uma vida tranquila com meu... eu não quero
pensar nisso. Eu fiz uma escolha e estava definitivamente convi-
vendo com ela. Ainda que da pior forma. Mas eu precisava passar
por isso. Sentia tantas saudades de Minas Gerais mas ao mesmo
tempo eu estava me sentindo tão sufocada, presa dentro de uma
bolha protetora onde todas as coisas eram perfeitas e todas as pes-
soas que eu convivia eram pessoas que eu conhecia desde criança.
Nunca tinha pego um ônibus, nunca tinha enfrentado um desafio
nunca tinha tomado uma decisão arriscada. Em Minas Gerais eu
nunca teria aceito o convite para uma festa de um estranho que
eu conheci na loja de CD’s.
Assim que o som parou, algumas pessoas desanimaram de
continuar na festa e uma hora depois não tinha quase ninguém,
exceto nós dois na varanda. Não sei se minha história foi pouco
convincente (“meu namorado tá fazendo mestrado na Irlanda e
a gente tá dando um tempo até o fim do ano”), porque Thiago me
beijou sem a menor culpa. Talvez ele pensasse que seria uma boa
oportunidade para eu refletir a respeito do meu relacionamento.
Ou então talvez, só talvez, ele simplesmente não se importe em
beijar uma garota com namorado.
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No dia seguinte fui trabalhar e agi como se fosse um dia qual-
quer, exceto pelas mil perguntas que surgiam simultaneamente:
Será que eu fui muito fácil? Será que ele gostou de mim? Devo
dizer a verdade pra ele a respeito do meu pseudo-namorado-mes-
trado-na-Irlanda?
— Claro que não!!! – aconselhou Vivi, minha colega de traba-
lho. – se ele realmente se importasse, não teria te atacado na festa.
Era verdade, ele tinha me atacado. E, tirando a parte em que eu
não me importei nenhum pouquinho, estava começando a ficar um
pouco ofendida. Será que ele sabia que era mentira ou achava sim-
plesmente que eu sou daquelas que traem os namorados? Aliás, ele
nem se importou em saber se eu queria ficar com ele ou não, quem
ele pensa que eu sou? Que é só chegar simplesmente e agarrar?
Mas eu fui fácil, porque logo em seguida ele ligou me chaman-
do para sair e eu aceitei. E os dias passavam e eu ficava cada vez
mais apaixonada, e ele não. Não que ele não fosse carinhoso, pelo
contrário, nos dávamos muito bem, divertíamos muito e o sexo era
excelente. Mas não conversávamos muito, e quando eu tocava em
algum assunto mais pessoal ele desconversava dizendo que ainda
era cedo e que a gente devia se conhecer um pouco mais. Só que
eu não entendia como ele ia me conhecer mais se a gente só saia
pra festa e terminava na cama dele ou na minha. Fora isso, eu es-
tava feliz pela primeira vez depois de oito meses sozinha em São
Paulo e resolvi apenas relaxar.
E foi assim durante uns dois meses, até que no fim de Outubro
ele me convidou para essa festa, essa maldita festa de Halloween
que eu havia comentado logo ali em cima. Estava um trânsito hor-
rível, e chovia muito, então mandei uma mensagem para ele di-
zendo que provavelmente não conseguiria ir. Diferente de Lagoas,
a cidade onde eu nasci, São Paulo curtia comemorar esse feriado.
Saí do trabalho tarde e estava meio sem grana e precisava econo-
mizar. Quando cheguei em casa minha roomate me chamou para
ir em uma festa e disse que tinha carona e imagina a minha sur-
presa ao perceber que era exatamente a mesma festa de Thiago?
Não tenho muito o que lembrar dessa festa porque ela durou ape-
nas o tempo necessário para entrar e me deparar com a cena que me
tira o sono até hoje: o Thiago agarrado com uma morena qualquer.
Sem saber como agir, me tranquei no banheiro – onde ele não poderia
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entrar – e chorei durante um bom tempo. Para piorar, quando final-
mente fiquei mais calma, encontrei a Carol, minha roomate, que logo
perguntou porque eu estava com aquela cara. Não tinha cabeça nem
criatividade pra inventar mentiras, então contei tudo e chorei tanto
que ela ficou com pena e até voltou comigo pra casa.
E essa tinha sido a última vez que eu falei com o Thiago até o
telefonema de hoje, exatamente um mês depois.
— Alô?
— É.
— Cá, desculpa.
— Aham.
— É sério,Cá.
— Eu sei.
15
— Porque eu tenho um mínimo de cérebro?
— Eu também.
— Quando?
CAPÍTULO 3
S
ou do tipo comum, daquelas pessoas que passariam des-
percebidas numa estação de metrô. Tenho os olhos pretos
e fundos, como se sofresse de uma eterna insônia. A boca
grande, embora não seja, de fato, carnuda. Os dentes per-
feitos – e disso eu podia me orgulhar, porque tinha usado apare-
lho dos dez aos quinze anos, o que infelizmente me rendeu vários
apelidos traumáticos na adolescência. O cabelo cheio e um pouco
crespo, provavelmente o meu bem mais valioso, uma vez que gas-
to quase 2/3 do salário para deixá-lo no mínimo decente.
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Embora eu estivesse tentando esquecer o telefonema, a única
coisa que me fazia feliz era relembrar os bons momentos que tive-
mos. Até as minhas colegas de trabalho estavam de saco cheio do
meu mau humor, e procuravam me animar a cada dia. A faxineira
só aparecia de quinze em quinze dias, de modo que nos cabia a
limpeza no restante dos outros dias.
Improvisamos maneiras de sujar menos desde comer na rua,
comprar canudinhos (usar copo dá muito trabalho!) a inventar des-
culpas para ir até a mesa de alguém e jogar o lixo na cesta dela. Entre
nós, tínhamos um trato: todas lavam e ajudam, a menos que algu-
ma tragédia aconteça tipo briga com namorado ou morte de paren-
te. Já fazia um mês que o Thiago tinha ficado com outra, mas elas
continuavam me impedindo de limpar qualquer coisa, e eu estava
sinceramente agradecida, embora amarga demais para demonstrar.
Somos quatro garotas num enorme escritório que fica entre a se-
cretaria e a sala de reunião, o mesmo lugar onde as reuniões são re-
alizadas. Cátia trabalha com anúncios e campanhas digitais voltados
para gastronomia, atendendo 5 revistas sobre o tema. Morena, com
um corpo de dar inveja a muitas mulheres, nem parecia ter só vinte
e sete anos. Mesmo quando ela não tinha absoluta certeza do que
estava fazendo era capaz de demonstrar uma segurança admirável.
A mais velha, embora só tivesse vinte e oito era a Vivi, que cuidava de
bebida. Gerenciava revistas de vinhos, cervejas e de vez em quando
algumas de whisky. Era ela que arranjava alguns VIPS nos melhores
eventos que a gente jamais conseguiria bancar ou jamais seria con-
vidada. Carol, que morava comigo, foi quem tinha me indicado para
vaga. 24 anos, loira dos olhos azuis, cuidava das revistas de decoração,
em especial a Design Corp, que era a que eu trabalhava. E eu ajudava
a organizar o escritório, dividida entre escrever matérias para revista,
fazer cotação de materiais, criar planilhas e atualizar relatórios.
Não podia reclamar do meu trabalho, mesmo que não fosse
tudo que sempre sonhei porque, no fim das contas, estar sozinha
em São Paulo e infeliz do jeito que eu estava, se não tivesse esse
trabalho provavelmente já teria surtado. Sou muito ativa e ficar
parada não combina comigo. Se ficasse muito tempo desemprega-
da com certeza já teria voltado para MG.
Não que não pensasse em voltar para lá nunca mais. Até pode-
ria, eu só queria sentir por um tempo como era ter todo o controle
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sobre a minha vida. E ainda que eu estivesse mesmo infeliz, esse
controle era tudo o que me restava.
Uma semana depois, quase no fim da tarde, Vivi se ofereceu
para me dar uma carona. Em vez de me levar pra casa ela me levou
pra um outro lugar. Estranhei no começo, mas talvez ela estivesse
fazendo alguma rota alternativa, talvez um caminho menor para
gastar menos gasolina. Sabe como é, ela era meio mão de vaca.
Então ela estacionou o carro em frente a um prédio meio velho
em um bairro desconhecido e disse que era uma surpresa pra mim.
Eu não gostava das surpresas da Vivi. Aliás, eu morria de medo das
surpresas dela. Já tinha “encontrado-alguém-legal-pra-mim” duas
vezes, um palhaço (literalmente) que queria largar o circo, abrir
uma padaria e formar uma família e um primo distante, amante
do Elvis Presley que parecia cristalizado no tempo (nem a calça de
couro faltou). Definitivamente não ia ficar esperando que ela tor-
nasse a minha vida um pouco mais difícil de suportar e inventei
que tinha um compromisso qualquer, mas ela insistiu:
— Mas…
E foi assim que eu fui pela primeira vez em uma clínica de massagem.
18
CAPÍTULO 4
N
unca tinha ido a um massagista apesar de sempre ter tido von-
tade. Não entendia como uma simples massagem podia ser tão
maravilhosa assim e não imaginava realmente que alguma coi-
sa diferente de álcool pudesse me fazer esquecer dos problemas
e da minha vida medíocre. Mas a Vivi tinha razão, era mesmo gostoso e,
além disso, tinha a vantagem de não ter a ressaca no dia seguinte.
Mas como todas as coisas boas da vida custam caro, com ex-
ceção da vodca – e é por isso que eu gosto tanto dela! — com o sa-
lário miserável e todas as despesas que eu tinha, o único meio de
conseguir massagem era casando com um massagista – o que não
estava nos meus planos.
Estava tão relaxada que tinha esquecido que naquele dia eu ti-
nha prometido sair com ela e a Cátia. Já tinha umas duas semanas
que a gente tinha combinado de ir a uma inauguração de uma ba-
lada que parecia ser muito boa mas eu estava super desanimada, e
sair e encontrar pessoas era tudo que estava evitando no momento.
Mas eu fui, né. Porque estava relaxada. Porque a Vivi tinha me
dado uma massagem de graça e porque se eu colocasse Sexo sem
compromisso mais uma vez na Netflix meu notebook provavel-
mente criaria vida, olharia para mim e diria: — Apenas pare.
Chegando lá, Cátia foi bem direta “Vamos logo encher a cara”, e
voltou do bar com três caipirinhas na mão, tentando me convencer
a compartilhar do seu pecado. “Pecado?” ”Você não está mais com
aquela idéia louca de aposta né? Você nunca consegue ficar mais
de uma semana sem beber”. Eu tentei negar, mas a verdade é que
a última vez que tinha passado uma semana sem beber foi quando
estava tão pobre que brinquei que tomaria o perfume da Vivi e, não
sei se foi por causa disso, mas nunca mais vi ele em cima da estante.
Ela já estava quase terminando a 2ª caipirinha quando resolvi
atrasar o meu pacto por mais uma semana, afinal de contas, era
uma balada nova, eu precisava me animar, eu estava lá mesmo e
*insira aqui algumas desculpas que vão surgindo simultaneamen-
te na minha cabeça*. As músicas definitivamente pareciam ter saí-
do do meu Spotify, então não demorou muito para que meu ânimo
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mudasse. Ao meu redor só se viam casais e mais casais, o que me
dava mais motivo ainda para me entregar ao crime da caipirinha
dupla por 20 reais (estaria eu sendo muito dramática?).
Cinco caipirinhas depois e Vivi e eu dançando todas na pista (Cá-
tia sumiu com um cara umas duas caipirinhas antes) até que esbar-
rei num moreno alto. Um moreno lindo. O meu moreno. Sim, era o
Thiago. Sim, o cara que me traiu e é lindo. Digo, idiota. Enquanto eu
o olhava, cada pedaço do meu corpo doía. Meus olhos encheram d`á-
gua. Ele estava sozinho. Sorrindo. Todo estranho com seu tênis preto
e uma calça jeans meio surrada. Sozinho. Vivi logo me puxou e disse
“Vamos pra longe desse idiota! “, mas era tarde demais.
Thiago já tinha me visto e estava vindo na minha direção. Por
mais que eu tentasse (e eu juro que tentei...) minhas pernas tre-
miam e eu não conseguia sair dali. De repente tudo ficou tão para-
do, a música e até as pessoas. Nada mais em volta tinha movimen-
to, a não ser os passos dele – em câmera lenta — até chegar perto
de mim. Que música estava tocando? Que pessoas estariam por
ali? Nada importava porque ele estava na minha frente olhando
para mim. Segurou na minha cintura e não disse nada. Eu tam-
bém não disse. Uma voz lá no fundo perguntou “E a sua dignidade,
Carmen?”. Bem, depois da 5ª caipirinha, minha dignidade tinha ido
dar uma volta e eu aproveitava sua ausência nos braços de Thiago.
20
CAPÍTULO 5
D
emorei um pouco para perceber que era Domingo, por isso
não precisaria acordar cedo, e quase estava me preparando
para voltar a dormir quando olhei em volta e descobri que
não estava em casa. Esse lugar não era estranho, mas demo-
rei pra reconhecer. Para minha infelicidade, constatei que era mesmo
o apartamento do Thiago – porque ele estava deitado do meu lado.
Sem camisa. Assim como eu. Merda. Nem um tiro na testa supe-
raria a ressaca moral que começava a aparecer. Sair de fininho sem
deixar bilhete pra se vingar? Grande coisa, já tinha ido pra cama com
ele mesmo. Não acredito. Tinha esquecido quão bom era ir para cama
com ele. Claro, eu sabia que era bom só não lembrava o quanto.
Foi então que eu comecei a me perguntar quantas mulheres
teriam deitado em sua cama, quantas vezes eles teriam transado?
Dava raiva só de pensar. E então aquela cena, a mesma que insis-
tia em me perseguir quando eu me trancava no meu quarto: ele
atracado com a morena enquanto eu estava no banheiro.
Levantei da cama pra procurar o resto da minha roupa, e assim
que me vesti, fui ao banheiro jogar uma água no rosto. Então lembrei
da primeira vez que entrei no banheiro dele e de como eu adorava.
Era tudo duplicado, duas pias, dois espelhos, dois chuveiros, mas ape-
nas uma banheira de hidromassagem. Esta última, sem utilidade ne-
nhuma, porque é onde mora o Oliver, o bicho de estimação de Thiago,
uma lagosta manca (não poderia ser mais viril!).
“Não é uma lagosta, é O lagosta. Macho. Que nem eu” – disse,
na primeira vez que fui a sua casa, quando eu perguntei porque
ele abrigava aquele ser esquisito na banheira. Não quis entrar em
detalhes de como ele sabia que era “O” lagosta e não “A” lagosta e
me contentei em tomar banho de chuveiro e não demorar muito
no banho porque “o Oliver tinha sono leve”.
Aliás, durante todo o tempo que ficamos juntos, Oliver fez par-
te da nossa relação. Sempre se atrasava uns 10 a 15 minutos por-
que tinha que levá-lo pra passear. Eu não entendia essa história de
passear com uma lagosta e, no começo, até achei que era invenção
dele pra me enrolar e no fim era mesmo.
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Deixei as lembranças de lado e voltei para o quarto. Fui até
a cômoda deixar um bilhetinho, apenas por precaução, mas não
precisava porque ele já estava com os olhos abertos.
— Sim e você?
Eu te odeio.
— Thi... olh...
23
CAPÍTULO 6
O
s dias se passaram e eu descobri que a ressaca moral é
muito ruim quando é consciente mas é pior ainda quan-
do é dividida com as amigas. Cátia me olhava com aquele
olhar que só ela sabia fazer como quem diz “Não avisei?”
e Vivi ficava tentando me convencer que eu fiz a coisa certa “você
seguiu o coração e ele gosta de você” até a outra intervir “É, mas
ele ficou com outra na frente dela!“ e então começar uma discus-
são entre as duas de qual namorado fudeu mais a vida da outra.
O pior era que eu não conseguia falar nada. Sabia que estava
errada, mas gostava muito do Thiago para deixar que uma coisa
boba – ou pelo menos foi assim que eu apelidei meu pequeno chi-
fre – atrapalhasse a nossa história. Uma vez eu li num livro que a
verdade é uma mentira que foi repetida tantas vezes que um dia
todo mundo se esqueceu de que era mentira e começou a acre-
ditar nela. Tudo bem que até então eu achava que o autor tinha
usado alguma droga, mas agora eu entendia o que ele queria dizer.
Eu repeti tantas vezes pra mim mesma que não tinha proble-
ma e que ele gostava de mim que acabei acostumando com isso e,
depois de um tempo, a dor foi diminuindo, até desaparecer quase
totalmente. É verdade que algumas vezes quando estava com ele,
imaginava o que ele fazia depois que ia embora, se estaria com ou-
tra, mas ele era sempre tão carinhoso e bom pra mim que eu me
sentia mal por ser tão neurótica.
Três semanas depois e a minha vida estava voltando a ficar
boa. Todo o dinheiro que eu juntei na fase “Sem-Thiago”, porque
ficava o tempo todo em casa chorando, foi suficiente para pagar
três meses de aluguel com um mega desconto e ainda sobrar uma
graninha para viajar. MEU DEUS JÁ É NATAL, eu berrei, enquanto
passava por todos aqueles enfeites da Avenida Paulista. Sim, es-
tava chegando o Natal e o reveillon. E eu estava ocupada demais
sendo feliz para perceber isso.
24
CAPÍTULO 7
S
abe aquela famosa frase: “O universo conspira para que as
coisas se realizem pra você”? Eu acho que tem fundamen-
to, às vezes. Seja o que for, eu tenho certeza que o universo
conspira para que eu ame pipoca.
Eu nunca quis odiá-la, até como algumas vezes, embora não
faça questão nenhuma. Mas tenho que admitir que já fui salva por
ela algumas vezes.
A primeira foi quando eu tinha uns oito anos e morava no inte-
rior. Era férias e a casa estava cheia, quando fomos surpreendidos por
uma enchente. Nada mais nada menos que seis bocas a mais em casa
e nenhuma comida. Como ninguém em casa fazia muita questão de
comer pipoca, sempre sobravam pacotinhos, que eram comprados
de vez em quando, mesmo sabendo que ninguém ia comer.
De qualquer forma, essa teimosia muito nos ajudou naquela
época. A pipoca nunca foi tão boa quanto aqueles dias. Não que a
gente tenha passado fome. Não chegamos a isso, mas sem a pipo-
ca teríamos ficado um pouco em apuros, eu diria. Talvez perdería-
mos a lucidez ou talvez comêssemos uns aos outros.
E a última vez foi ontem. Era Sexta-feira e Thiago decidiu me le-
var pra comer num restaurante japonês e eu estava linda com meu
vestido novo. Estávamos entrando até que tropecei numa lata mal-
dita na calçada e levei um tombo. Thiago disparou a rir. Disfarçando
a raiva, levantei com toda a classe que ainda me restava, quando ele
reparou que o vestido tinha rasgado na bunda. Morta de vergonha,
entrei no carro e fomos para o seu apartamento, mortos de fome.
Chegando lá fui até a cozinha e abri o armário em busca de algo
comestível. Encontrei um pacotinho de pipoca meio escondido, tí-
mido, entre dois potes grandes vazios. Se é meu destino gostar de pi-
poca ou não, eu não sei só sei que eu deveria, ao menos, respeitá-la.
25
CAPÍTULO 8
“M
EU DEUS JÁ É NATAL”, eu berrei, enquanto passeava por
todos aqueles enfeites da Avenida Paulista.
— Sim, sua louca.
E Thiago riu. Eu adorava o sorriso dele, aliás tá ai uma
coisa que eu sempre curti em homem: o sorriso. Fato esse que me
faz automaticamente descartar alguém. Cigarros, dente amarelo,
dente verde (sério, existe) qualquer coisa similar a isso eu estou
dispensando porque né... mas o sorriso do Thiago era maravilhoso
e eu podia passar horas olhando para ele.
— E então, o que você vai fazer?
Era a primeira vez que ele tocava nesse assunto. Eu não tenho
muitas experiências diferentes porque sempre passei o Natal namo-
rando de forma que nunca tive que me preocupar com o risco-Natal.
— Risco-natal?
Se você, assim como Thiago, está se perguntando o que signi-
fica isso, segue na íntegra uma conversa minha e da minha amiga
no ano retrasado sobre a teoria que eu criei sobre o risco-Natal:
— Certo.
26
— Ahn...
— E aí...
— Um Pokémon.
27
— É, aqueles, sabe...
— Hum.
— E você?
— É.
28
CAPÍTULO 9
D
epois daquele fora que ele me deu tudo que eu me per-
guntava era se a gente tinha realmente avançado algu-
ma coisa. Era verdade que ele me pegava todos os dias no
trabalho e a gente saía, mas continuava se resumindo a
cama dele ou a minha. A única vez que ele falou sobre família foi
quando falamos do Natal e, bem, não tinha dado em nada.
Eu já estava triste e determinada a passar o Natal sozinha
quando o telefone começa a tocar.
— Alô?
— Cá?
— Quem é?
— NÃO?
— Sim.
— MENTIRA!
— Sou eu!
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nada. Cidade do interior é assim, difícil alguma coisa acontecer.
Na minha vez de falar levei uma hora e meia. Ele mal conseguia
acompanhar de tanta coisa que eu contava.
— É...
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Fazia cinco minutos que ele estava inclinado para mim no ci-
nema e eu sabia, no fundo eu sabia, que aquele beijo significaria o
fim de tudo. Assim que nossos lábios encostassem a nossa amiza-
de, o nosso segredo, seria destruído para sempre.
E assim aconteceu.
— Carmem?
(...)
— Ainda tá ai?
— Tô.
E desliguei o telefone.
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CAPÍTULO 10
E
ntão é Natal. Existem diversas maneiras de perceber a che-
gada do Natal mas morar próximo a Avenida Paulista con-
tinua sendo a mais fácil delas. Logo no fim de Novembro
todos os prédios disputam entre si quais enfeites e luzes
são mais bonitos e quais chamam mais atenção. Nós não ligamos
porque em meio a essa disputa acabamos por deparar com um co-
ral de terceira idade cantando músicas natalinas ou mesmo uma
simulação de neve em plena capital.
Minha irmã já havia me dito que passaria o Natal na Argentina
e meus pais tinham comprado passagens para Paris e pergunta-
ram se eu queria ir junto. Agradeci, mas eu não teria férias nem
dinheiro então achei melhor ficar por São Paulo mesmo e tentar
alguma coisa com as meninas.
Nenhuma das amigas respondia no WhatsApp e eu resolvi vol-
tar para tela com o Thiago e ver se ele já tinha acordado. Last seen
today at 2:05 pm. Eu tinha mandado mensagem ás 09h00 dando
bom dia e até agora nada. Fiquei um pouco chateada, mas resolvi
deixar para lá, vai que ele estava ocupado?
Duas horas depois, uma mensagem. “Cá, bom dia, tudo bem?”
esperei um pouquinho antes de responder para não fingir que es-
tava ansiosa esperando (mesmo que eu estivesse). Segue mais ou
menos a nossa conversa no WhatsApp abaixo:
— ao vivo
— é que eu não posso agora vou ter uma reunião até a noite?
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— tá, a gente se fala então.
(2 horas depois)
— cá? tá ai?
CAPÍTULO 11
E
ntão é Natal. Existem diversas maneiras de perceber a
chegada do Natal mas morar próximo a Avenida Paulista
continua sendo a mais fácil delas. Pessoas felizes, sorrin-
do, casais apaixonados se beijando intensamente e prédios
com decorações que beiram ao ridículo. Em meio a essa disputa de
quem é mais feliz você acaba deparando com um coral de velhos
idiotas cantando músicas sobre neves num país tropical e sobre
um velho barbudo retardado que nem mesmo existe.
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Olhei para o relógio e eram 20h19. Porque o tempo nunca passa
rápido quando a gente está sofrendo por causa de alguém? Demorou
uns 20 minutos para o resto do corpo entender o que tinha aconteci-
do e as lágrimas fazerem uma visita. Fui embora do trabalho choran-
do, peguei metrô chorando, começou a chover enquanto eu chorava
e quando ficou insuportável demais sofrer dentro do ônibus sem pri-
vacidade nenhuma, eu desci e andei 8km a noite até em casa.
Chorando.
CAPÍTULO 12
“Diário de uma ex-fumante
A primeira semana é a pior que existe. De uma pessoa normal
você passa a ser emocionalmente desequilibrada. Não ter cigarro por
perto é quase pior que a ideia de não fumá-lo. Não consegue trabalhar,
não consegue comer, não consegue dormir porque todo e qualquer
pensamento passa a ser o cigarro. Você se olha no espelho e já não se
reconhece mais. Maquiagem nem pensar, qualquer vestígio de otimismo
te deixa irritada e de mau humor é tudo que você quer se alimentar.
Parece que nunca vai ter fim. Parece que a dor nunca vai embora.”
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Não posso parar. Tropeço na calçada e penso na sua boca en-
costando na minha. Apresso o passo e aumento a música no volu-
me máximo. Um cara passa de bicicleta bem rápido quase esbarra
em mim e eu me lembro do jeito que você respira quando a gente
dormia juntos. Não, próximo assunto. Pensa na sua avó. Pensa nas
crianças. Pensa no palhaço que te assustava quando você era mais
nova. Sua boca ainda deslizando sobre mim.
Eu sei que vai passar. Lá no fundo eu sei que vai passar. Um dia
eu vou te esquecer, Thiago. Um dia vou parar de entrar no What-
sApp para ver a última vez que você entrou, parar de olhar para
nossa foto e vou chegar cansada em casa me jogar no sofá e não
sentir a sua falta. Eu sinto saudade desse dia que ainda nem acon-
teceu. Eu sinto sua falta.
Hoje precisei falar com 6 pessoas aleatórias para substituir to-
dos os assuntos que surgiram no decorrer do dia e eu senti vonta-
de de te dizer. Nenhuma delas era você.
Hoje é o meu primeiro dia sem você. A dor é imensa agora, mas
vai passar. Como diria Scarlet O’Hara: Tomorrow is another day. Tal-
vez você seja o meu cigarro.
Tanto faz, hoje eu parei de fumar.
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CAPÍTULO 13
Ainda estou chorando. Não sei se por ter sido demitida, por
ter perdido Thiago, pelos dois ao mesmo tempo ou porque esse
filme que eu to vendo é mesmo sensível.
CAPÍTULO 14
Adivinha?
CAPÍTULO 15
São Paulo tivesse me conhecido, jamais diria que está faltando água.
CAPÍTULO 16
Se eu ouvir Bruno Mars mais uma vez, vou me enforcar com o fio
do meu iPhone, eu juro que vou.
CAPÍTULO 17
Passei o Natal comendo miojo e assistindo a 13ª temporada de
Law & Order S.V.U.
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CAPÍTULO 18
S
aindo do metrô, desci a rua como de costume, de olhos
no celular como de costume, ignorando as pessoas como
de costume, ouvindo minhas mp3 de como costume. As
músicas que estavam tocando não eram muito animadas
mas menos animada ainda era a minha vida que insistia em con-
tinuar do jeito que estava. Tive que tirar os olhos do celular porque
tropecei numa senhora parada no meio da calçada.
Pedi desculpas e percebi que ela tinha o rosto coberto por um
pano diferente. Ao seu lado, mais duas senhoras quase tão velhas
quanto ela. Curiosamente, todas as pessoas mantinham uma certa
distância ao passar por elas como se elas tivessem formado uma
bolha de proteção que eu obviamente perdida em meio aos What-
sApp’s acabei perfurando sem querer.
A da direita se aproximou de mim e começou a falar, mas o
sinal já tinha aberto e eu já estava apressada correndo pela rua.
Quando olhei pra trás, a mulher de pano no rosto me olhava com
tristeza. Fiquei me perguntando se esses seria um daqueles testes
bíblicos, sabe. Daqueles que quer testar a fé e a bondade das pes-
soas, se elas vão parar para te ajudar e tal.
Acredito que se Deus quisesse mesmo fazer um teste se as pes-
soas são boas ou não ali no Largo Sete de Setembro esquina com
José Kauer definitivamente seria uma ótima opção. Muita gente
passando, apressada, e poucas querendo parar o tempo para aju-
dar três velhinhas perdidas no meio da rua. Ainda que uma delas
estivesse algemada.
Meu Deus, tinha uma algemada! O que será que tinha acontecido com ela?
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cado ás 14h00 e já eram 14h05 e se eu não consigo chegar numa
entrevista de emprego no horário exato porque é mesmo que eles
me contratariam?
Para resumir, eu fiz a entrevista e se passaram duas semanas e
ah, não, pera, aconteceu várias coisas legais nessas semanas que se
passaram. Não é como se elas tivessem passado assim sem nada,
entende? É, eu to enrolando. Eu to enrolando porque o Thiago me
ligou e eu não quero que me julguem. Mas assim como Deus estava
me testando na rua com as velhinhas, Thiago estava me testando
com seus telefonemas. E eu precisava vencê-los, não podia simples-
mente atender seus telefonemas depois de tudo que aconteceu, né.
Pensei nas velhinhas, na algema, na história e no emprego.
E a minha história? Será que alguém já teria passado por mim
e a imaginado? Será que alguém sequer olhou para mim alguma
vez enquanto eu passava pela rua? Será que um dia eu vou mexer
com a vida de alguém nem que seja por cinco minutos?
O telefone estava na 4ª chamada e definitivamente o Thiago
mexia com a minha vida muito mais que cinco minutos. Não me
julguem, eu estava desempregada , carente...
Como de costume.
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CAPÍTULO 19
A
cordei e ele não estava mais lá. Tinha duas mensagens: um
email da entrevista dizendo que eu tinha passado e agora
eu tinha um novo emprego — e por causa disso eu sorri pela
primeira vez em semanas — e um bilhete dizendo para eu
tomar café na padaria porque não tinha nada e “foi bom te ver”.
Toma-café-na-padaria-foi-bom-te-ver.
É claro que o Thiago gosta de mim. Ele só não gosta da forma, da in-
tensidade e da maneira que eu quero. Da maneira que eu mereço.