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transurbanogramas da Ilha de Santa Catarina A cidade de Paris do século XIX é especialmente descrita pela proliferação dos
artigos de luxo, pelo espetáculo dos panoramas, pelo surgimento dos novos tipos
de edifício: os magazines de departamentos, as gares, as passagens parisienses e
Evandro Fiorin 1 a vida noturna nos grandes bulevares. Na capital francesa, as estações e pavilhões
Maria Jose Luluaga Medici 2 de ferro e vidro, as galerias e os seus interiores, bem como, a profusão da cidade
haussmanniana, são a realização de um mundo de sonhos para o delírio coletivo.
Uma atmosfera inebriante que vai rarefazer a capacidade de experiência crítica
dos sujeitos que frequentam esses novos lugares urbanos oriundos do advento
da mecanização. Nessa dimensão, a percepção da coletividade manter-se-á sob
um sono profundo, porque o sonhador na multidão, através do seu corpo, realiza
Resumo uma viagem macroscópica, segundo a qual, o frenesi do espaço circundante e as
Este trabalho busca constituir um processo de legibilidade das atuais conformações sensações dos seus órgãos internos geram apenas meras imagens delirantes da
urbanas. Assim, nos aventuramos em um arquipélago de cidades dentro da cidade, cidade, as fantasmagorias (BENJAMIN, 1986, p. 509).
para compreender as tensões e códigos individuais dos seus lugares múltiplos.
Andamos a esmo por entre intermezzos da urbe, afim de reconstruir algum tipo de Nesse sentido, Walter Benjamin, em sua proposta teórico-política contava com
intelecção provisional. Vamos além do conhecido, nos perdemos pelos espaços dos a força explosiva das imagens dialéticas, as quais poderiam justapor, ao mesmo
seus territórios, como uma forma de vivenciar por nós mesmos os trajetos, na suas tempo, o passado e o presente, para tentar tirar as pessoas desse estado de torpor
intensidades e seus devires. Um sentido que recupera as lições da flânerie, mas e sonho. Aos pobres de argúcia perceptiva defendia uma possibilidade de retorno a
também, busca no caminhar como prática estética, um exercício de compreensão um estado de selvageria, para que pudessem despertar dessa letargia que estava
urbana para experimentar as suas realidades e, assim, revelar retratos inacabados contida na profusão do mundo enfeitiçado pelas mercadorias. Perante a vivencia
que se produzem pelo meio da rua. De tal sorte, propomos como uma possibilidade cotidiana saturada de fantasmagorias, restava a estes indivíduos reagir aos estímulos
de leitura da Ilha de Santa Catarina, cartografias criadas pelo caminhar investigativo complacentes do consumo visual, através da experiência de choque, na tentativa de
e perspicaz, como uma tentativa de percepção das imagens que nos atravessam e deixar de viver a cidade como mera representação. Sendo assim, de algum modo é
que atravessamos, por entre algumas das vias de passagem da porção insular de importante ressaltar que: “[...] ao refazer o caminho das imagens até sua origem [...]
Florianópolis. seria possível um [...] despertar do sonho com conhecimento histórico suficiente para
Palavras-chave: percepção, cidade, cartografia. interpretá-los como um pesadelo” (BUCK-MORSS, 1990, p. 25).
Nesse contexto, o flâneur era aquele que tinha a consciência das mudanças em
curso e, embora o seu olhar fosse de distanciamento, seguia tal como um detetive na
WALKING CARTOGRAPHY cidade (BENJAMIN, 1989, p. 219). E, conhecendo-a como ninguém, por ela flanava
como um observador que a sentia e compreendia as pistas das suas recentes
transurbanograms of Santa Catarina Island transformações. Um trânsito dialético, entre o passado e o presente, da época de
Charles Baudelaire. Em flânerie experimentava a cidade sem que fosse parte da
mesma multidão alucinada pelo desejo das mercadorias ou, pelo acumulo de capital
ensejado pelos burgueses. Vagabundeando pela rua era capaz de manter, então,
Abstract um caminhar investigativo e perspicaz, muito atento aos novos acontecimentos
This paper seeks to constitute a readability process of the current urban conformations. oriundos dos fenômenos da modernidade e às reminiscências dos diversos tempos,
So we venture into an archipelago of cities within the city to understand the individual mantendo uma experiência sensível e, em alguma medida, inteligível para a sua
tensions and codes of their multiple places. We wandered among the city, in order própria cognição histórica.
to reconstruct some kind of provisional intellection. We go beyond what is notorious,
and we get lost through the spaces of their territories, as a way of experiencing for Uma estratégia de percepção urbana, que tem relação com uma ideia de perder tempo
ourselves the paths, in their intensities and their becomings. A sense that recovers vagando sem qualquer objetivo. Dito de outro modo, a expressão italiana “andare
the lessons of flânerie, but also seeks to walk as an aesthetic practice, an exercise a Zonzo” rememorada pelo arquiteto Francesco Careri, recupera a experiência da
of urban understanding to experience its realities and thus reveal unfinished portraits cidade passeada pelos flâneurs. No entanto, o simples caminhar atento, já não nos
that take place in the middle of the street. Thus, we propose as a possibility of reading torna suficientemente hábeis para compreender a cidade tal como hoje se apresenta.
Santa Catarina Island, cartographies created by the investigative and insightful walk, Não tratamos mais de percorrer àquela cidade moderna, cuja imagem estava
as an attempt to perceive the images that cross us and that we cross, among some of contida na relação centro-periferia, ou passível de ser reconhecida apenas pelas
the ways of passage of the island portion of Florianópolis. novas imagens produzidas pelo consumo conspícuo, frente às ruinas do passado.
Keywords: perception, city, cartographies. No tempo em que vivemos, passado e presente são continuamente renovados e
as conformações urbanas se configuram por manchas vazias dentro da cidade e
machas cheias no meio do campo, nem centros ou periferias, mas uma espécie de
pele de leopardo (CARERI, 2013, p. 162-163), como nos atesta o líder do grupo
1 Universidade Federal de Santa Catarina / Brasil. Stalker, ao rumar para os confins de Roma, em 1995.
2 Universidad Nacional de San Juan / Argentina
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O negativo da cidade, segundo Careri (2017, p. 15-16), pode ser transformação. Desse ponto de vista, se toda tradução é sempre um outro, ela
descrito como: a única floresta onde ainda é possível perder-se, não pode, simplesmente, apresentar o original nas suas multifacetadas visões.
um território híbrido entre cidade e campo, onde a natureza ainda Subtende um olhar reflexivo, que é também da imaginação e da criação. Preserva
tem a possibilidade de evoluir em formas não previstas, de produzir um parentesco, produz o estranhamento, traduz o intraduzível e, vai em busca do
espaços tênues, em equilíbrio instável, cuja única forma de cuidado eco experiencial para fazer sempre nascer o novo em diferentes aspectos.
é o abandono. Conhecê-los, percebê-los em seu devir, representa-
los em defini-los, graças à representação involuntária, esse foi o Uma correspondência que abre lacunas para que a subjetividade aflore como
sentido da nossa viagem. modus operandi para a legibilidade do lugar. Dependente do repertório, posição e
condições que nos são dadas pelas variantes do contexto. Toda a representação,
Uma metamorfose que não diz respeito apenas aos revezes de uma organização como uma cognição que vai além do próprio olhar é primordialmente relacional e se
racionalista da cidade, mas ao avanço do projeto capitalista de urbanização do último atrita com o espaço produzindo consensos, mas também dissensos. De tal sorte, o
século, que fez ruir os tradicionais limites entre rural e urbano. Desenvolvimento que sentido do urbanismo da deriva, atualizado como transurbância por Careri (2013,
trouxe consigo a incapacidade de discernir a cidade como limitada ou contida, com p. 155), busca desmentir toda imagem urbana decantada, nos auxiliando, assim,
uma forma coesa e contínua, tornando-a coisa desconfinada, difusa e fragmentada. no reconhecimento pela alteridade e desafio, no sentido da compreensão de uma
De tal maneira que, passou a ser um campo de forças instável, configurado por cidade menos espetacular e mais experimental.
novas mobilidades e espacialidades. Conformação urbana espraiada dimensionada,
por diversas zonas em que tudo se mistura. Nessa leitura, o que era um plano foi O olhar de cunho fenomenológico, que é baseado na experiência do espaço para além
retorcido, corrugado, estilhaçado e, assim, passou a ser mancha. das suas aparências, também nos é muito caro, pois vai em busca das experiências
originárias da cidade e, não se alinha com uma simples distinção entre forma e
Domingues (2009, p. 17) assim a define: territórios imensos conteúdo (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 334). Desse modo, não nos interessa mais,
facilitando um processo de colonização urbana onde o edificado a tradicional ordem que marcou uma interpretação clássica do espaço das cidades.
se conecta diretamente com a estrada. Ao contrário da cidade, Nos movemos nas conformações urbanas contemporâneas sob novas atmosferas,
o território urbano é um exterior, uma nebulosa, uma mancha em trajetórias múltiplas e flutuantes, quase sempre instauradas por sistemas urbanos
extensiva e diversa onde tudo se mistura em densidade formal e versáteis e não-lineares, cujas traduções primam por configurar disposições abertas
funcional. à individualidade e à diversidade (GAUSA, 2010, p. 220).
Diante dessa condição borrada estão dispersas as peças de um novo puzzle, que Nesse sentido, propomos aqui uma interpretação possível da Ilha de Santa Catarina,
ainda está por ser montado. Quiçá, seja possível encontrar o fio da meada. Nessa baseada em uma percepção dos seus espaços mais fugidios. Os grafites que
compreensão, estas zonas são quebra-cabeças cujos encaixes se perderam e não encontramos perambulando sem rumo, pela porção insular de Florianópolis, não por
mais podem ser encaixados da maneira tradicional. Ledo engano imaginar que acaso, se inscrevem por todos os seus cantos, contando uma outra história, não
sejam um tangram de formas geométricas puristas. São territórios fractais, cuja a oficial, em alguns lugares marcadamente dissonantes. São coletados em imagens
observação não pode mais se dar pelo ponto de vista da perspectiva unidirecional. de um percurso errante e, resultam, também, em uma representação interpretativa
Agora é preciso aventurar-se num arquipélago de cidades dentro da cidade, para de cunho pessoal. Experiência que se dá em diversos tempos, cujo espaço não
compreender as suas tensões e códigos individuais em seus lugares múltiplos. Andar se pretende mensurar, já que é existencial (PALLASMA, 2018, p. 23) e, portanto,
a esmo por entre os intermezzos da urbe, afim de tentar reconstruir algum tipo de difere do físico e, também, do geográfico. Uma prática experimental, porque implica
intelecção provisional. Ir além dos limites conhecidos, se perdendo pelos espaços em certa desregulamentação científica, se levarmos em conta a ciência empírica
dos territórios atuais, como uma forma de vivenciar por nós mesmos os trajetos, na ocidental, já que busca trazer à tona as nossas vivencias, derivando, também, de um
suas intensidades e devires. processo de subjetivação. Este que se traduz num mapa, como uma experimentação
baseada na realidade.
Um sentido que recupera lições do detetive de Walter Benjamin, mas também, busca
na prática do caminhar do arquiteto Francesco Careri, um exercício de compreensão Não se trata de rememorar a cidade do passado, ou de descrever a urbe, mas de
urbana, porque tende a se aproximar dos lugares urbanos experimentando as suas interpretar por entre seus territórios atuais, os espaços cambiantes, baseado em uma
realidades, lançando mão, também, da tática de legibilidade do geógrafo português experiência singularizada. Nesse sentido, tratamos de captar por meio de imagens,
Álvaro Domingues, nos retratos inacabados que produz de lugares à beira da estrada. alguns retratos inacabados à beira das principais vias da cidade, daqueles lugares
De tal sorte, propomos como uma possibilidade de leitura da Ilha de Santa Catarina, concretos que nos conduzem a um desvio, por suas imagens dialéticas, capazes
cartografias produzidas pelo caminhar investigativo e perspicaz, na tentativa de de ativar uma outra cognição estético-experiencial. Podem aqui ser revelados pelos
percepção das imagens que nos atravessam, em algumas das vias de passagem da grafites dos camaleões produzidos pelo artista plástico Rizzo. Ao mesmo tempo,
porção insular de Florianópolis. produzimos os cartogramas desse caminho pela porção insular de Florianópolis, de
acordo com uma terminologia antropológico artística, in situ e cartográfica.
Como nos ensina Benjamin (1921, p. 101), se toda a tradução, em primeiro lugar, é En el arte in situ, o site specific, el artista interviene en un lugar
uma forma, a traduzilibilidade da cidade atual, ao contrário de uma representação concreto para desde allí ahondar en otros estratos, quizá, no
coesa e contínua, deve ir em busca da sua própria essência de mudança e inmediatamente visibles, que contribuyen a construir el espesor de
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significados del lugar en cuestión y su contexto.El trabajo cartográfico Com as praias mais badaladas do litoral sul do Brasil, reservas e unidades
es, ante todo, un esfuerzo por describir una complejidad existente, de conservação do bioma marinho costeiro, muitas problemáticas devem ser
a partir del concepto de que, al poder transcribir esta complejidad constantemente enfrentadas para um crescimento sustentável da cidade de
a un sistema de signos, ya se está incidiendo en ella, ya se está Florianópolis, bem como, para uma preservação de suas paisagens e ocupação
construyendo una nueva realidade. do seu território com responsabilidade ambiental. Ecossistemas variados, desde
mangues, dunas às restingas, que guardam sítios pré-históricos sambaquis e ainda
Uma cartografia que caminha para propiciar entrecruzamentos de distintas realidades são a fonte de extração de sustento para muitas famílias, a despeito do avanço do
provindas de uma experiência nos espaços moventes das conformações urbanas mercado imobiliário e turismo. Diante desse dilema, a ilha deve ser lida sob esse seu
contemporâneas da Ilha de Santa Catarina. Um mapa que marca as mudanças dos contexto múltiplo, polivalente, multifacetado por tempos históricos e suas tradições
lugares, mas também nos marca como nômades. Grafite que se camufla na ruína, no diversas. Arquipélago de cidades, diante do caleidoscópio de culturas e atividades
muro e na esquina ou, simples trajetória da prática do caminhar investigativo. Ambas que se sobrepõem num terreno de trilhas e de asfalto, que se entrelaçam por entre as
são mediações artísticas. A primeira faz compreender o lugar de maneira dialética, o rendas de bilro e as redes de pesca, em uma complexa trama cambiante que, muitas
espaço de extroversão; a segunda, um diagrama feito de caminhos, uma construção vezes, é conflitante (YUNES, 2012, p. 124).
reflexiva, aberta e desmontável.
Nos intermezzos desse tecido, por entre as ruínas do patrimônio histórico (figura
Segundo Porras-Ysla, os mapas (2010, p. 66): 01), casas abandonadas nas esquinas (figura 02), muros de terrenos vagos (figura
03), porosidades que desafiam as fronteiras entre o público e o privado, é por onde
serão abertos, conectáveis em todas as suas dimensões, podemos penetrar para experimentar o dentro e o fora da cidade. São nesses
desmontáveis, reversíveis, suscetíveis de receber constantemente entremeios, por entre cheios e vazios, que os grafites se inscrevem como um desafio
modificações, como o meio ou a arquitetura que o modelam. à ordem estabelecida. Se fundem ao passado e rechaçam o presente, pontos de
Arquiteturas como diagramas, como plasma-ação de ideias, inflexão, onde a cidade aparece como um constructo de camadas sobrepostas.
sucessos ou relações. Nos interessam as cartografias, os diagramas Zonas híbridas, com suas próprias temporalidades. Onde os espaços opacos são
como instrumentos conceituais, mais que como descrições formais. trazidos à luz.
Nessa multiplicidade, a tradução da ilha ganha a sua autonomia criadora. O trajeto À cidade informada e às vias de transporte e comunicação, aos
adquire suas linhas erráticas pela subjetividade daqueles que estão no percurso e espaços inteligentes que sustentam as atividades exigentes de
dos que se produz em seu meio. A cartografia passa a exprimir simultaneamente infraestruturas e sequiosas de rápida mobilização, opõe-se a maior
percurso e percorrido. “Confunde-se com seu objeto quando o próprio objeto é parte da aglomeração onde os tempos são lentos, adaptados às
movimento” (DELEUZE, 1997, p. 73). E, assim, trajetos, territórios e suas traduções infraestruturas incompletas ou herdadas do passado, os espaços
abrem passagem para as experiências de reconhecimento urbano contemporâneas, opacos que, também, aparecem como zonas de resistência, das
o que chamamos aqui de: transurbanogramas. Constelação de afetos que está quais nos fala Milton Santos (1994, p. 39).
subentendida no lugar, no percurso e na cartografia, ao mesmo tempo em que faz
com que um complemente o outro, subjaz um intenso devir. Essas áreas, são capazes de potencializar um rico exame, através da mobilidade
ativa entre o ser humano e o lugar. A partir delas surgem as cartografias que se
constroem nos vieses desse meio, em uma experiência que se utiliza dos próprios
Transurbanogramas da Ilha de Santa Catarina sentidos, para a produção de uma inteligência sobre o espaço. Assim, o simples ato
de errar, pode produzir as inscrições sígnicas em um deixar-se levar pelas solicitações
A porção insular da cidade de Florianópolis teve a urbanização marcadamente do território, fazendo surgir leituras de outras cidades possíveis dentro da cidade,
influenciada pela colonização portuguesa, a qual ainda guarda os traços do seu revelando dinâmicas ocultas, estranhamentos, choques, despertando visões críticas,
passado no centro histórico, com seus antigos palacetes, prédios públicos e casario, através do caminhar como instrumento cognitivo.
também presentes no centro expandido e em outros núcleos urbanos da porção
insular, tais como: Santo Antônio de Lisboa, a costa da Lagoa da Conceição, Ribeirão O que propomos é uma reflexão crítica criadora que pode fazer surgir, num novo
da Ilha, dentre outros. Bairros que preservam muito da organização espacial de jogo relacional de significações, um processo de entendimento do espaço que se dê
outrora, com suas ruelas estreitas e igrejas centenárias, bem como, os costumes dos pela subjetivação. Algumas traduções poéticas, sem uma codificação definida, já que
açorianos, negros e índios (CABRAL, 1994). produzida pelo trânsito entre-lugares. O resultado da construção de analogias, de
maneira a recompor de modo diagramático e sempre em tensão, o lugar que informa.
Ao mesmo tempo, a sede de exploração das áreas litorâneas para o turismo e criação Busca o sentido de uma nova cartografia que não é mais cópia ou representação
de lugares de distinção, pulverizou a cidade em locais cada vez mais isolados, mimetizada do real, mas a possibilidade do fazer-ver sensível, revelado por seu
aumentando seu tráfego de veículos e demandando, diariamente, o seu truncado carácter artístico, mas, também, projetual. Apontamento singular, que expressa
sistema viário – limitado pela geografia insular. Nesse contexto, Jurerê Internacional qualidades relacionais para uma percepção urbana sempre em movimento.
pode ser lido como um exemplo emblemático das contradições presentes no
atual modelo de desenvolvimento urbano de Florianópolis. Na parte norte da ilha, Nesse sentido, os transurbanogramas3, aqui produzimos sobre a Ilha de Santa
visava atender a um padrão internacional de urbanização, com suas mansões
cinematográficas sem muros, localizadas em uma antiga região de pescadores
artesanais, como descreve Pimenta (2005, p. 111).
3 Transurbanograma é uma conjunção de palavras derivadas do latim: o prefixo trans- significa: atra-
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Catarina, são nossas experiências de reconhecimento urbano, construídas pelos
Figura 01: Ruína da Chácara Gonzaga, centro expandido
tempo que chegamos a eles, eles chegam até nós. Tem cor, textura e uma leitura
cambiante passível de mudar, porque sempre podem ser novamente repontuados,
como um projeto indeterminado. Os pontos fazem parte de um mapa mental, são
momentos, mas sobretudo, terrenos desconhecidos. É difícil pintá-los de um mesmo
Florianópolis. Fonte: dos autores, 2018.
tamanho ou cor, já que sempre são diferentes e nunca seriam eles mesmos, de fato,
em sua representação. Cada ponto é, portanto, uma possibilidade de percepção da
cidade, a parada do ônibus, a ruína, o muro, a esquina e a praia. Chegamos a esses
pontos sem aviso prévio e sem qualquer pré-concepção. Os pontos podem ter muitos
significados, porque nos marcam, como manchas (figura 04).
As linhas são caminhos formados pelos trajetos. Uma construção imagética dos
percursos. Elas podem ser definidas ou indefinidas e, nesses termos, não tem
começo ou fim. Constroem uma trama dos fluxos. Caminhando sozinhos, caminhando
acompanados, fazendo uso de transporte motorizado, nos seus tempos lentos de
congestionamento do tráfego, ou de modo acelerado. As linhas se inscrevem como
mapeamentos cambiantes dos traslados que fazemos por entre o território da Ilha de
Santa Catarina (figura 05).
A ilha não é uma leitura unitária da cidade: porção de terra rodeada por mar de todos
os lados. Em seus meandros de cheios e vazios podem ser constituidas múltiplas
interpretações. A cada novo deslocamento, um arquipélago de cidades. Um processo
de reconstrução do olhar pelo caminhar (figura 06); a cada cartografia um novo
camaleão (figura 07 e 08).
Florianópolis Fonte: dos autores, 2018.
vés; urbanus, significa: pertencente à cidade; e gramma, significa: qualquer signo escrito.
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Figura 04: Transurbanogramas – pontos: marcas perceptivas sobre a Ilha . Fonte: dos autores, 2018.
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Figura 05: Transurbanogramas – linhas: trajetos sobre a Ilha. Fonte: autores, 2018.
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Figura 06: Transurbanogramas – a ilha e o processo de construção dos cartogramas. Fonte: dos autores, 2018.
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Figura 07: Transurbanogramas da Ilha de Santa Catarina: cartografia que caminha. Fonte: autores, 2018.
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Referências Bibliográficas
BENJAMIN, Walter. Parigi Capitale del XIX Secolo. Torino: Giulio Einaudi, 1986.
COSTA, Xavier. El arquitecto como etnógrafo. In: GAUSA, M.; DEVESA, R. (ed.).
Otra Mirada. Posiciones contra crónicas. Barcelona: G. Gili, 2010, pp. 37-40.
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