Jacques FONTANILLE
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Jacques FONTANILLE
uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.
I - Université de Limoges
Limoges, França
Resumo: O artigo analisa os diversos tratamentos do afeto no campo das pesquisas semióticas abertas
por Greimas. Ele mostra as premissas, seus desenvolvimentos, seus desaparecimentos e seus
ressurgimentos e, mais geralmente, as complementariedades e as derivações solidárias.
Em Semântica estrutural, Greimas lançava já algumas bases como a categoria tímica e
a proprioceptividade. Muito mais tarde, a teoria das paixões reencontrará a tensividade,
e Claude Zilberberg fará do afeto o ponto de origem de toda tensividade. Segue a contribuição
de Eric Landowski, que, tratando da experiência vivida, torna obsoleta a distinção entre
paixões lexicalizadas e “paixões sem nome”. Também serão mencionadas as proposições de
Jacques Geninasca, Herman Parret e, mais recentemente, de Waldir Beividas. Mas insistiremos
sobretudo sobre a via desenvolvida pelo próprio Greimas em De l’Imperfection, a partir da
experiência estética na própria existência.
Palavras-chave: afeto; paixão; provar; tensividade; timia; foria.
Abstract: Ways and Voices of the Affect - The article analyses the different treatments of affect in the
field of semiotic researches opened by Greimas. It highlights the premises, their developments,
their disappearances and their resurgences, and more generally the complementarities and
solidary derivations. In Sémantique Structurale, Greimas already posed some milestones
with the thymic category and proprioceptivity. Much later, the theory of passions will
encounter tensiveness, and Claude Zilberberg will even make affect the point of origin of
all tensiveness. Then arrives the contribution of Eric Landowski, who, under the heading
of “feeling” (l’éprouver), renders obsolete the distinction between lexicalized passions
(nameable) and “passions without names”. The proposals of Jacques Geninasca, Herman
Parret and more recently Waldir Beividas will also be evoked. But above all we shall insist
on the path developed by Greimas himself in De l’Imperfection, starting from the esthetic
experience in existence itself.
Galaxia (São Paulo, online), ISSN 1982-2553, Especial 2 - Algirdas J. Greimas, dez. 2019, p. 137-162. http://dx.doi.org/10.1590/1982-25532019545632 137
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das paixões: a conversão entre a “massa tímica” (dividida entre euforia e disforia), de um
lado, e as modalidades do ser (desejável, indispensável, inútil, etc.), que caracterizam
as relações afetivo-modais entre sujeitos e objetos, ou, se se preferir, as propriedades
modais e passionais de qualquer interação.
O afeto, contudo, não está totalmente ausente das preocupações do autor em
Semântica Estrutural. Em primeiro lugar, ele propõe “considerar a percepção como
o lugar não linguístico onde se situa a apreensão da significação” (GREIMAS, 1966, p. 8)
e continua admitindo que, desse modo, “A semântica se reconhece abertamente como
uma tentativa de descrição do mundo das qualidades sensíveis” (ibid., p. 9). Greimas
não fala de afeto, mas a ancoragem fenomenológica dessa sua tomada de posição, sob
a autoridade de Merleau-Ponty, implica que as descontinuidades significantes são o produto
de nossa atividade perceptiva, isto é, da maneira como experimentamos o “mundo das
qualidades sensíveis”. Por princípio, essa experiência é em si indivisível: a apreensão das
descontinuidades é, portanto, inseparável do afeto elementar que ela suscita. Poder-se-ia
provavelmente até considerar que o afeto é mesmo essa apreensão. Essa cena original
da apreensão do sentido se completará pouco a pouco, sem que, por isso, o discurso da
análise semântica focalize diretamente esse hipotético afeto elementar.
O apagamento voluntário do afeto em Semântica estrutural se explica facilmente e é
justificado várias vezes no livro. Por exemplo, à propósito do método de Gilbert Durand,
Greimas rejeita a noção de “esquema”, isto é, os gestos e as experiências somáticas
elementares que suscitam as grandes oposições arquetípicas — cuja natureza é, em
parte, passional —, como pertencentes a “distinções operadas ao nível extralinguístico”
(GREIMAS, 1966, p. 56). Greimas imediatamente lembra que “O semiológico é, como
a linguagem em geral, apreensível dentro da percepção e não deve nada à realidade
exterior» (ibid.). O gesto e a experiência somática, portanto, não participariam da
percepção semiológica, embora concorram para estruturar a experiência que fazemos
das descontinuidades qualitativas.
Greimas explica como e por que ele procede desse modo. Em relação à transformação
do corpus em texto, ele detalha as operações do que ele chama de “normalização” e, em
particular, a eliminação das categorias que comportam um “parâmetro de subjetividade”,
a saber: as da pessoa, do tempo relativo ao nunc, da dêixis em geral e da dimensão
fática. Escapam por pouco dessa normalização as modalidades (com alguma hesitação) e
o aspecto (com maior hesitação ainda). A afetividade nem sequer é mencionada, mas se entende
que ela também depende, implicitamente, das categorias “subjetivas” que se deve eliminar.
O procedimento de redução é, assim, o principal componente do dispositivo que permite
realizar a “objetivação” do texto a partir do corpus.
Nessas condições, é tentador reexaminar os momentos de emergência do afeto em
Semântica estrutural como uma dimensão contida e deliberadamente reduzida, e que,
no entanto, aflora na argumentação.
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Dir-se-ia que tudo se passa como se, ao nível da percepção onde situamos essas
figuras, uma categoria subjetiva, proprioceptiva, viesse a seu encontro para binarizá-
las numa espécie de a priori integrado na própria percepção (1966, pp. 86-87).
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O caráter modal dos actantes será explicitado mais tarde, mas, nesse ponto do
raciocínio, ele inspira uma digressão surpreendente: a dimensão modal dos microuniversos
semânticos e os modos de existência que ela caracteriza e distingue, dependeriam da
epistemologia linguística. Greimas comenta: “a estrutura da mensagem impõe uma certa visão
do mundo” (1966, p. 133). Daí a perspectiva de uma tipologia dos modos de existência, que
seria “uma tipologia dos espetáculos assim constituídos” (idem) e igualmente uma tipologia
das “condições linguísticas do conhecimento do mundo” (ibidem).
Quando Greimas, em Semântica estrutural, evoca os “modos de existência”, ele
não visa nem principalmente nem explicitamente ao que eles mais tarde se tornarão,
a saber, a série virtual, atual, potencial, real. Ele visa, mais geralmente, à inflexão existencial
que produz uma coloração modal particular das interações entre os actantes. A hipótese
subjacente é que nossa apreensão sensível do universo semântico (na percepção, ele
diz) descobre um “espetáculo” actancial, e que a significação desse espetáculo só pode
ser apreendida através da identificação de uma modalidade dominante (saber, poder ou
querer). Essa modalidade dominante instaura, então, um “modo de existência” específico:
cognitivo, potestativo ou volitivo.
Essa é precisamente a via aberta por Etienne Souriau em seu estudo Les différents
modes d’existence (SOURIAU, 2009). Para ele, os modos de existência são induzidos por
inflexões da experiência que podem ser de natureza modal, aspectual ou juntiva. Greimas
evocará Souriau a propósito da tipologia dos actantes, mas referindo-se a um outro de
seus livros: Les Deux Cent Mille situations dramatiques (SOURIAU, 1950). A propósito dos
modos de existência, Souriau não evoca o afeto, mas não está longe disso, uma vez que
a instauração dos modos de existência decorre, para ele, da experiência íntima e elementar
que fazemos dessas “alterações” (modais, aspectuais etc.) do curso da existência: trata-
se mesmo de caracterizar a maneira como essas alterações nos afetam na experiência.
Essa relação entre Les différents modes d’existence de Souriau e Semântica estrutural
de Greimas, Souriau a propósito dos modos de existência, não terá futuro direto. Mas
a questão retornará muito mais tarde em Da Imperfeição (GREIMAS, 2002). O tom é
bastante diferente de Semântica Estrutural, mas, em alguns aspectos, são meramente
nuances terminológicas: estesia em vez de percepção, desvios do sentido no lugar de
modalidades ou ainda mundos em vez de universos. Trata-se sempre, quinze anos depois,
de encontrar na experiência sensível os desvios que são a chave para mundos significantes
alternativos, isto é, modos de existência semiótica diferentes.
É, portanto, a reflexão sobre os actantes que suscita regularmente, em Semântica
estrutural, o afloramento do afeto. Já ao examinar a possibilidade de transformar funções
narrativas redundantes em qualificações dos actantes, Greimas nota, por exemplo, que
a iteração da função “ele se salvou” autoriza sua transformação em qualificação (“medo”),
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bem como a iteração de funções que comportam modalidades como “‘saber’ ou ‘poder’
as transformam em qualidades permanentes” (GREIMAS, 1966, p. 165). Pouco depois,
mencionando o investimento temático dos actantes, ele reproduz a lista das forças
temáticas de Souriau, que são inteiramente formuladas em termos afetivos e passionais:
a tematização dos actantes seria, portanto, de natureza passional. Greimas reduz esse
inventário à distinção “obsessão vs. fobia”, referindo-se finalmente ao “conteúdo semântico
quer do actante-sujeito quer do actante-objeto, que pode ser-lhes atribuído por outros
procedimentos, notadamente pela análise qualificativa” (GREIMAS, 1966, p. 182).
Em seguida, concluirá, após a redução das funções proppianas:
Sem ousarmos nos pronunciar, por enquanto, sobre a natureza da correlação entre
os valores que constituem a aposta da narrativa e as categorias modais constitutivas
do modelo actancial, a existência desta correlação traz a confirmação do caráter de
grande generalidade que possuem tanto uns quanto outras (GREIMAS, 1966, p. 209)
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várias dimensões modais: é assim que os dois polos da foria, a euforia e a disforia, serão
rearticulados nas respectivas variedades do querer-ser (desejável / indesejável), do dever-ser
(indispensável / nocivo), do poder-ser (possível / impossível) etc[AMB2] [MOU3] [MOU4] .
Essa proposição permite o acesso à forma passional sem reintroduzir o “parâmetro
de subjetividade” que Greimas tentava eliminar. A forma passional se situa, de fato,
na interseção entre os conteúdos modais que definem os estados afetivos dos sujeitos, os
processos de valorização axiológica e a “massa tímica”: a foria, que é dada pelo conteúdo
formal elementar resultante da propriocepção, por um lado, polariza os sistemas de
valores e, por outro, produz, por divisão e conversão, as modalidades de existência (ou
existência modal).
Mas a objetivação (e, em particular, a redução de tudo o que está sujeito
às condições da enunciação e às posições subjetivas) proibia a vinculação com o que
estava paralelamente se desenvolvendo na linguística — a linguística enunciativa elabora,
com efeito, um componente afetivo dentro do que se denomina modalização enunciativa
— e também na semiologia. Barthes, em Fragmentos do discurso amoroso (2003), procede
exatamente no sentido oposto: pouca consideração pela forma dada ao afeto, ainda menos
por seus componentes semânticos, mas, ao contrário, uma enunciação passional que se
desenrola em cenas sucessivas:
Pode-se entender que essas considerações sobre a enunciação possam ser mantidas
de lado, enquanto se trata apenas da organização semântica dos percursos narrativos
objetivados. Ao contrário, a análise das paixões, que implica a propriocepção e a timia,
e, portanto, o papel do corpo na semiose e sua enunciação, exerce uma pressão crítica
sobre o princípio da objetivação metodológica e desencadeia soluções alternativas
as quais retornaremos.
O próprio Greimas muda pouco a pouco o ângulo de abordagem: sem renunciar ao
fundamento modal das paixões, ele se questiona mais precisamente sobre a paixão como
uma sequência e propõe algumas análises sintagmáticas que parecem diretamente derivadas
da reflexão sobre o caráter espetacular dos “microuniversos” de Semântica estrutural:
por exemplo, a da cólera, cujos três segmentos — “frustração”, “descontentamento”,
“agressividade” (GREIMAS, 2014, pp. 233-253) — são cenas de interação nas quais
aparece uma dimensão modal constante que orienta o encadeamento: a espera fiduciária.
Mas a análise dessa dimensão modal revela uma nova propriedade das modalidades:
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Um valor que combina uma intensidade extrema com uma extensidade reduzida
à unidade, será chamado de absoluto. (...) O um sendo único, os valores
de absoluto afirmam o brilho, o termo supremo das visadas mais elevadas
(ZILBERBERG, 2011, p. 18)
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Mas a relação entre quantidade e intensidade pode ser invertida: entre orgulho e
susceptibilidade, a intensidade da reação passional se enfraquece, ao mesmo tempo em
que o número de ocorrências aumenta: o orgulho é expresso apenas na ocasião de um
pequeno número de acontecimentos cujo caráter disfórico é julgado particularmente
intenso, enquanto a susceptibilidade se apreende em todas as ocasiões, cuja intensidade
é imperceptível e cujas ocorrências são em geral imprevisíveis. Nesse caso, quanto mais
a iteração é numerosa, mais a intensidade é fraca. Do mesmo modo, a avareza pode se
exercer sobre um único objeto, intenso e compacto (um patrimônio, um tesouro etc.),
enquanto a mesquinhez impõe uma acumulação sistemática de objetos em que nenhum,
por si mesmo, mobiliza separadamente uma forte intensidade.
A quantidade contribui para a análise das paixões sob uma segunda forma, e sob
o controle da intensidade: essa forma é a da coesão de um todo constituído por partes.
Na iteração, seja de predicados, seja de sujeitos, seja de objetos, a percepção das tensões
semânticas deve encontrar um princípio unificador, um princípio mereológico. Isso
porque os afetos, devido à distribuição desigual e variável da intensidade, prejudicam
a estabilidade das identidades no percurso passional e as reconfiguram permanentemente.
A distribuição dos afetos dissocia ou aglomera modalidades, intensifica um papel e
suspende outros, ou reúne os papéis em torno de um, entre outras possibilidades.
A paixão seria essa ligação mais ou menos eficaz que garante a consistência do todo e,
especialmente, do espetáculo da cena predicativa que Greimas tinha identificado em
Semântica estrutural. A natureza das totalidades envolvidas nos processos passionais e,
em
particular, o seu momento de unidade, constitui, sem dúvida, um dos mais belos objetos
de pesquisa (e um dos mais inesperados) para a semiótica das paixões.
A tensividade, portanto, não tem um lugar próprio: ela é apenas o lugar de encontro,
o ponto de fusão, a linha de frente onde a intensidade se apodera da extensidade,
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Essa posição, que é sedutora devido à simplificação que traz ao dispositivo teórico,
poderia até mesmo ser consensual, uma vez que coloca o sensível e o afeto do lado das
grandezas regentes (a intensidade) e a inteligibilidade e cognição do lado das grandezas
regidas (a extensão). Seria então compatível com a direção que o próprio Greimas havia
estabelecido em Da Imperfeição, que coloca a estesia como ponto de partida para
a constituição dos modos de existência semiótica. Também seria compatível com
as propostas de Landowski, cuja análise das interações privilegia igualmente a apreensão
na experiência, no vivido sensível e afetivo do encontro, da aléa e do ajustamento.
Com o risco de passarmos por menos consensual, devemos, no entanto, questionar
as implicações epistemológicas de tal escolha. O problema que se coloca, nos próprios
termos da Semântica estrutural, é a organização da percepção semiótica, um “lugar não
linguístico” onde as articulações da significação são apreendidas. Como assinalamos
anteriormente, trata-se de precisar quais são as relações (de determinação e de recção)
entre a percepção das descontinuidades, por um lado, e a das tensões, por outro. Podemos
até acrescentar: em nome do que o sensível e o afeto dependeriam apenas da intensidade?
Para esboçar uma resposta, nos referimos ao trabalho de Jean-François Bordron, cuja
contribuição é indispensável para entender o que está acontecendo nesse lugar semiótico,
mas não linguístico, que é a percepção.
No capítulo “Iconicité” de seu livro L’iconicité et ses images, Bordron começa por
observar que o ponto de partida da abordagem estruturalista é o postulado de que “existem
substâncias e fluxos aos quais se pode dar forma” e que a significação é a formatação
dessas substâncias e desses fluxos-força (BORDRON, 2011, p. 157). Mas o movimento de
formatação pode partir de dois aspectos ontológicos, entre os quais Bordron não escolhe:
uma composição de entidades autônomas, que devem estar relacionadas como partes
descontínuas e chamadas a constituir uma totalidade, ou uma composição de fluxos e
forças, cujos princípios de regulação devem ser identificados para constituir um processo
globalmente inteligível.
Na concepção desenvolvida por Bordron, e inspirada em Kant, é o momento da
apreensão que permite identificar com o que o movimento de composição terá de
lidar: a apreensão é da ordem da constatação da existência (há alguma coisa que afeta
a percepção), e essa “alguma coisa” pode ser tanto um conjunto de partes-entidades
descontínuas como um conjunto de fluxos-força a ser regulado ou, mais frequentemente,
ambos ao mesmo tempo. É assim, nesse momento de apreensão (Greimas também evocou,
em Semântica estrutural, a percepção que “apreende” a significação) que podem ser
identificados, quer descontinuidades entre entidades, quer fluxos e tensões entre forças
e suas direções, ou ainda a mistura indissociável dos dois.
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Decidir, como faz Zilberberg, que a intensidade e o afeto são “regentes” é, portanto,
uma escolha de horizonte ontológico, da qual deriva uma semiótica inteira, marcada por
essa opção. A semiótica estrutural de Greimas tinha, dos anos sessenta aos anos oitenta,
feito a escolha do outro horizonte ontológico: o das descontinuidades.
Seria possível imaginar uma semiótica futura que, como a abordagem empreendida
por Bordron, não faria nenhuma escolha ontológica prévia, mas que, em vez disso, estaria
interessada na instauração de ontologias múltiplas e complexas, criadas pela coabitação,
pela competição ou pela colusão entre os dois modos de estruturação e de composição: o
das grandezas descontínuas e das composições mereológicas; e o das grandezas contínuas,
energéticas e fluentes? Isso sempre parece possível, pois a escolha ontológica que estamos
discutindo é quase sempre, para aqueles que a fazem, uma premissa não discutida.
Em Greimas, a escolha das descontinuidades é devolvida ao “inventário epistemológico
dos postulados não analisados” (GREIMAS 1966, p. 28). Essa escolha é acompanhada
por um comentário muito moderadamente entusiasmado:
Zilberberg, fazendo a escolha inversa quarenta e cinco anos depois, não se preocupou
com nenhuma precaução. Para situar a tensividade de um ponto de vista epistemológico,
apelou para Cassirer e comentou:
A tensividade não tem, portanto, conteúdo próprio. (...) trata-se mais de uma
protolinguagem, como sugere Cassirer: “Sem o fato de que um sentido se
manifesta em certas vivências perceptivas, a existência permaneceria muda para
nós”. Tudo se passa como se o enunciado fundador enunciasse: No início era o
afeto... (ZILBERBERG, 2011, p. 9)
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sentido (LANDOWSKI, 2014), a uma visão propriamente estrutural dos modos de existência
que dão forma aos diferentes tipos de mundos nos quais se produzem as semioses.
Se a segunda posição, aquela de Zilberberg, relativa à exclusão das tensões
de convergência entre a intensidade e a extensão, tem um alcance menor, os seus
inconvenientes não são menores que os da primeira. Notamos primeiro que ela nunca é
discutida e decidida: trata-se de uma exclusão de fato e implícita, sem qualquer justificativa
que não seja seu uso recorrente. Em segundo lugar, o que se exclui é, no entanto,
relevante, no âmbito da própria semiótica tensiva, e atestado na análise concreta. Tomemos
o exemplo da distinção entre valores de absoluto e valores de universo: esses carregam todo
o brilho da intensidade, ao preço de uma drástica redução da extensão (e, em particular,
do número das adesões que eles atraem); aqueles se beneficiam da extensão e de uma
difusão máximas, ao preço de um enfraquecimento radical da intensidade. A estrutura
tensiva assim concebida tem a seguinte forma:
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O exemplo dos tipos de valores é apenas um entre muitos casos: a análise tensiva de
qualquer categoria, a partir do único fundamento da tensão inversa entre intensidade e
extensão, é uma perpetuação do binarismo, enquanto a consideração de todas as tensões
possíveis entre intensidade e extensão abre o campo para um número maior de variedades.
Pode-se também notar, particularmente no que diz respeito aos tipos de valores, que
a escolha não discutida de apenas uma das tensões possíveis não deixa de induzir alguns
efeitos ideológicos.
Seguindo Greimas, evocamos anteriormente a distinção entre obsessão e fobia no
inventário das forças temáticas e passionais de Souriau: são mesmo dois casos em que
a intensidade e a força de uma paixão se reforçam pelo número de suas ocorrências.
A duração e a frequência são inclusive, aqui, indicações da potência e da profundidade
do afeto. As paixões emprestam, portanto, todas as combinações de intensidade e de
extensão e se transformam não apenas pelas variações peculiares de cada tipo de tensão
(dentro da tensão inversa entre intensidade e extensão ou dentro da tensão conversa),
mas também pela variação entre os dois tipos de tensões (passagem da inversão para a
convergência e vice-versa). No último caso, por exemplo, a fobia (intensidade e extensão
máximas) pode ser reduzida a um susto pontual (intensidade máxima e extensão restrita)
ou uma apreensão inquieta (extensão máxima e intensidade fraca).
A arquitetura geral de uma semiótica das paixões desenha-se desse modo, enquanto
complemento de uma semiótica da ação:
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meio de um argumento que pode ser resumido dessa maneira (LANDOWSKI, 2004, pp. 39-
49): apesar de eles declararem que a ligação entre o sensível e o inteligível é indissolúvel,
os autores de Semiótica das paixões não se dão os meios (conceituais e metodológicos)
para tratar realmente desse «híbrido» indissociável. Por um lado, eles privilegiam as
paixões da ruptura, deixando de lado as flutuações afetivas cotidianas e, por outro, mantêm
os princípios de uma análise derivada da semiótica da ação, em particular a análise modal.
Ele propõe como alternativa uma semiótica da união (e não da junção), que se
caracteriza principalmente por um processo muito original (e talvez um pouco otimista)
de produção do sentido (LANDOWSKI, 2004, pp. 89-92): o sentido está imediatamente
presente no sensível, ele surge dos corpos em interação e em co-construção e, mais
precisamente, da capacidade desses corpos para transmitir efeitos de sentido por contágio
(inter-corporal). A configuração da união pressupõe, na experiência sensível, uma interação
global e, a princípio, corporal. A união implica, como modo de semiose, o contágio do
sentido, e ela adota, como forma do processo, equivalente à prática enunciava desse
sentido, o ajustamento entre os actantes.
O encontro entre os actantes, que são então apenas puras potencialidades, supõe
uma abertura e uma disponibilidade recíprocas: do lado do sujeito da experiência
(o experimentador), essa disponibilidade para o outro coincide com a instauração de um
“si”; e do lado do mundo, do outro ou do objeto (o experimentado), a disponibilidade
para o contágio que se prepara toma a forma de uma coesão, de uma consistência, feita de
dependências e correspondências internas que indicam a via para uma possível totalização.
Nesse processo de co-construção dos actantes, os corpos recebem marcas uns dos outros,
que permitem inscrever o processo no tempo e no aspecto (pontual, durativo, iterativo etc.)
das interações (LANDOWSKI, 2004, pp. 125; 136). A longo prazo, elas contribuem para
a instauração em uns e outros de disposições duráveis e de habitus, trazidos pelo corpo
sensível (idem, pp. 150-158). Em suma, nos processos de ajustamento, é preciso compor
a regulação dos fluxos e das forças com a estruturação das partes em totalidades (cf. supra).
As marcas do corpo sensível também podem ser consideradas a partir de dois pontos
de vista complementares: do ponto de vista do ato que os inscreve e daquele do actante
que recebe essas inscrições.
Jacques Geninasca enfatizou particularmente o ato, que ele chama de apreensão
impressiva (1997). Pode-se apenas abordar esse conceito com grande cautela, pois Geninasca
o usa sem defini-lo de forma explícita e sistemática. Ele dedica atenção considerável
à definição dos outros dois tipos de apreensões, a apreensão molar e a apreensão semântica,
em longos desenvolvimentos nos quais a oposição entre os dois parece cobrir o conjunto dos
fatos e fenômenos para descrever (idem, pp. 59-64; 88-91). A apreensão molar, que participa
de uma racionalidade prática, dá lugar a uma semiótica (monoplanar) do signo-referência e
privilegia o “fazer referência” e as relações metonímicas. A apreensão semântica participa
de uma racionalidade mítica, dando origem a uma semiótica dos conjuntos significantes e
privilegia o “significar” e as relações metafóricas.
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As vias (e as vozes) do afeto
composições (figuras corporais e movimentos) origina, por sua vez, tipos de marcas e modos
de interpretação: respectivamente, as inscrições e suas decifrações (no corpo-invólucro),
os aterramentos sensório-motores e suas extrações (no corpo-carne), as apresentações
diegéticas e suas representações (no corpo-oco) e, finalmente, as localizações dêiticas e suas
reconstituições em itinerários (pelo corpo-ponto). Já que se trata de marcações e de marcas
dos corpos sensíveis, tanto os modos de marcação quanto os modos de interpretação são,
por princípio, de natureza passional, e sua dimensão cognitiva (memória, antecipação,
reconhecimento, compreensão etc.) é indissociável dos afetos que os motivam e que o
corpo experimenta, seja no seu invólucro, em sua carne ou em seu teatro interno, seja
em razão de sua posição no mundo.
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As vias (e as vozes) do afeto
uma virada em direção ao pólo sujeito. Um deslocamento da mesma ordem é visado por
Waldir Beividas, muito mais recentemente, em um artigo que propõe uma articulação explícita
entre a abordagem semiótica das paixões e a abordagem delas pela psicanálise (2016). Ele
aponta, com razão, que a semiótica das paixões, em todos os seus desenvolvimentos e em
todas as suas derivações conhecidas, manteve a psicanálise cuidadosamente à distância. As
razões são numerosas para isso, e mencioná-las detalhadamente aqui seria fora de propósito.
Sobre isso, podemos reenviar às precisões dadas no início do artigo de Beividas.
Mas, independentemente das relações com a psicanálise, a proposta de Beividas
acentua essa inclinação do pêndulo em direção ao pólo subjetivo, uma orientação apenas
esboçada em Parret. Beividas elabora, com efeito, uma proposta muito estimulante de
semiotização das pulsões freudianas, no quadro de uma homogeneização da dimensão tímica
(e, em particular, de uma neutralização das distinções entre interocepção, exterocepção e
propriocepção, em favor do que ele chama de “semiocepção”). Ele precisa, desde o início,
que “(...) propomos um modelo baseado na hipótese de que o advento do sujeito pode ser
concebido no modo de um percurso (gerativo?) da subjetividade inconsciente. (...) essa
hipótese propõe um percurso gerativo da subjetividade (BEIVIDAS, 2016)2.
Três regimes constituem os três níveis desse percurso gerativo: (i) um regime pulsional;
(ii) um regime patológico; e (iii) um regime passional. O regime pulsional é aquele em
que o corpo experimenta valências, pressentimentos, as primeiras tensões do sentido.
O regime patológico — que pode ser chamado de pático, no sentido de pathos e não de
doença psíquica — é a fase em que a subjetividade humana escolhe ao mesmo tempo seu
objeto (de desejo) e sua estrutura patêmica. O regime passional é o que já conhecemos,
o das estruturas ou configurações passionais. Beividas comenta: “As paixões humanas,
enquanto relações entre sujeitos, seriam, portanto, concebidas como produtos derivados,
de segundo grau, a partir das pulsões, através das patologias” (2016).
Não se poderia ser mais claro: depois de ter reduzido a tricotomia exterocepção,
interocepção, propriocepção, redução que possibilita o surgimento concomitante de um
mundo dos objetos, de um mundo interior dos sujeitos e de um mundo do corpo próprio,
permanece apenas um modo de apreensão sensível, ou seja, a semiocepção, e apenas
uma fonte possível para os afetos: os sujeitos.
Segundo o campo disciplinar a que se refere no momento da construção semiótica
dos afetos e das paixões, a teoria pende de um lado ou do outro: do lado dos objetos
e da relação com outrem, quando o horizonte é o da antropologia ou da sociologia
(essa é a versão da semiótica das paixões, mas também da semiótica tensiva ou ainda
da sociossemiótica em seus desenvolvimentos iniciais), ou do lado do sujeito e de sua
elaboração progressiva, quando o horizonte é aquele da filosofia kantiana ou da psicanálise
freudiana. Objetivação ou subjetivação: por que dever-se-ia necessariamente escolher?
2 E ele acrescenta: “A questão que aguarda sua resposta aqui é precisamente de ver se as paixões (semióticas) e
as pulsões (psicanalíticas) podem ser tornadas compatíveis, na medida em que ambas pertencem ao mesmo
universo tímico.” (BEIVIDAS, 2016).
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Para terminar…
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Jacques Fontanille
encontra ao mesmo tempo um corpo e uma potência de criação dos “mundos” semióticos.
Trata-se, de fato, de uma estratégia de pesquisa diferente daquela da semiótica das paixões,
uma vez que a “imperfeição” (um tema genérico para alterações, desvios ou inflexões da
existência) é o nome de uma das condições das próprias semioses, e não uma pré-condição
do percurso gerativo limitado ao conteúdo. Greimas lamentou, em seus últimos momentos,
não poder, ele mesmo, “refazer a semiótica”. Outros tentaram... em complementaridade.
jacques.fontanille@unilim.fr
Referências
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Maria José Rodrigues Coracini. São Paulo: Ática, 1993.
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