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A DISLEXIA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

DA LEITURA E ESCRITA: CONSIDERAÇÕES SOBRE


A PRÁTICA EDUCACIONAL
Priscila de Andrade Barroso Peixoto (UENF)
cilabarroso@yahoo.com.br
Dhienes Charla Ferreira Tinoco (UENF)
dhienesch@hotmail.com
Adriana Abreu Silva Erthal (IBE/FACEL)
adriana-erthal@hotmail.com
Eliana Crispim França Luquetti (UENF)
elinafff@gmail.com

RESUMO
Este trabalho tem por objetivo de abordar algumas perspectivas do ensino de lei-
tura e escrita no ambiente escolar. Assim, propomos uma investigação sobre de que
forma tais práticas têm sido concretizadas na sala de aula. Partindo da concepção de
que a leitura e a escrita constituem-se em importantes canais de comunicação entre as
pessoas, destaca-se que todos os indivíduos têm direito ao acesso aos mesmos, e, na
medida em que uns sabem ler e escrever, e outros não, cria-se uma relação de desi-
gualdade. Para delinear esse processo estudamos o processo de aprendizagem da lei-
tura e da escrita e suas implicaturas: quando existe algo que impeça ou dificulte essa
aquisição. Dentre essas, abordamos prioritariamente a dislexia, o transtorno da aqui-
sição da linguagem e da aprendizagem, utilizando referenciais teóricos dentre eles:
SAMPAIO (2011); IMBERNÓN (2010); AZEVEDO (2004); ZORZI (2003). Observa-
mos a responsabilidade da escola em fornecer o acesso igualitário à aquisição do sis-
tema de leitura e escrita, considerando a importância de valorizar a capacidade co-
municativa que cada indivíduo possui, bem como o respeito à diversidade cultural que
desencadeará diferentes interpretações do objeto de estudo. Refletimos sobre a prática
educativa e a necessidade de uma maior abordagem das questões referentes às dificul-
dades de aprendizagem na formação inicial dos professores e a importância da forma-
ção continuada, a fim de que o acesso ao ensino de leitura e escrita nas escolas seja di-
nâmico e eficaz.
Palavras-chave:
Aprendizagem. Dislexia. Escrita. Leitura.

1. Introdução
O objetivo deste artigo é realizar um breve diálogo entre escola,
professores e estudantes sobre as práticas ensino de leitura, escrita e ora-
lidade no Ensino Fundamental I, a fim de vincular a pesquisa à realidade
da sala de aula.

44 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


Entendemos que, sob os mais variados ângulos, o processo de
formação permanente dos professores é uma das dimensões relevantes
para a materialização de uma política de valorização do profissional do-
cente, impondo-se reconhecer a urgente necessidade de transformar a
forma de olhar a escola e o trabalho pedagógico. No que diz respeito às
práticas ensino de leitura, escrita e oralidade, vemos que neste processo
ocorrem enfrentamentos que comprometem a ação educativa.
Com esse propósito delineamos este trabalho, visando um levan-
tamento das questões norteadoras que estão envolvidas no processo de
ensino–aprendizagem da leitura e escrita, destacando o papel do profes-
sor e suas dificuldades em reconhecer e encaminhar alunos que sofrem
com problemas de aprendizagem neste processo. Nesse contexto, desta-
camos a dislexia, que é um distúrbio neurobiológico, que compromete a
aprendizagem da leitura e da escrita.

2. O aprendizado da escrita e da leitura


A sala de aula constitui um espaço capaz de promover os domí-
nios das capacidades específicas da alfabetização, bem como o domínio
de conhecimentos fundamentais envolvidos nos diversos usos sociais da
leitura e da escrita. Neste espaço, as práticas de ensino na sala de aula
devem estar orientadas de modo que a alfabetização seja promovida num
ambiente de letramento, proporcionando aos alunos a construção do co-
nhecimento efetivo, junto às práticas sociais.
O acesso a esse mundo da leitura e da escrita, em grande parte é
responsabilidade da escola, a qual por sua vez deve fornecer o suporte
necessário aos alunos, esclarecendo sobre as múltiplas possibilidades do
uso da leitura e da escrita na perspectiva social. Nesse ponto, destacamos
que a aprendizagem é um processo que vai muito além dos limites da sa-
la de aula e que acontece desde o início da vida. A aprendizagem é uma
experiência que engloba os desejos e as necessidades de cada indivíduo,
é algo que ocorre internamente à pessoa. Um trecho de Emília Ferreiro
contribui para essa discussão:
A concepção de aprendizagem (entendida como um processo de ob-
tenção de conhecimento) inerente à psicologia genética supõe, necessari-
amente, que existem processos de aprendizagem do sujeito que não de-
pendem dos métodos (...) O método (enquanto ação específica do meio)
pode ajudar ou frear, facilitar ou dificultar, porém, não criar aprendiza-
gem. A obtenção de conhecimento é um resultado da própria atividade do
sujeito. (FERREIRO, 1985, p. 28-9)

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Desta forma, cabe à escola colaborar com a aprendizagem, sensi-
bilizando os educandos em relação as suas potencialidades. Não será o
método utilizado pelo professor que criará a aprendizagem, os métodos
irão apenas facilitar ou dificultar esse processo. A aprendizagem depende
então de uma ação do sujeito.
Segundo Sampaio (2011, p. 108), muitas crianças passam por di-
ficuldades quando estão aprendendo a ler, e um diagnóstico precipitado
pode levar esta criança ao rótulo de portadora de dislexia. É preciso mui-
to cuidado, tanto por parte da escola quanto do profissional, responsável
pelo diagnóstico, a fim de não se julgarem precipitadamente as dificulda-
des de aprendizagem de uma criança. A autora acrescenta que alguns
professores e pais, por não conhecerem o processo evolutivo da escrita,
ficam ansiosos e acabam realizando, erroneamente, a tentativa de “trei-
nar” a escrita da criança. Não levam em conta as ideias que as crianças
elaboram sobre a sua escrita, suas hipóteses de construção.
A partir do momento em que a criança é colocada numa situação
de leitura ela inicia o desenvolvimento dessa aprendizagem, e testando
hipóteses na tentativa de atribuir sentido àqueles símbolos que até então
eram apenas desenhos ela vai construindo conhecimento.
Vemos em Sampaio (2011, p. 109) que, inicialmente, a criança se
utiliza de rabiscos, para representar sua escrita. Chamamos a este nível
de icônico, no qual a criança represente seu mundo por meio de dese-
nhos; mas em uma observação mais apurada, poderemos já identificar
uma diferenciação entre os dois grafismos (escrita e desenho); linhas ser-
rilhadas como marcas de uma insinuação da escrita e um outro tipo de
marca para seus desenhos.
Varella (2001, p. 29) afirma que a compreensão de que a escrita
representa o sistema fonológico da língua contribui para a fundamenta-
ção de propostas de alfabetização pelos professores. O saber dos docen-
tes sobre a leitura e a escrita, combinado ao conhecimento do modo pelo
qual a criança realiza o processo de aprendizagem, abre novas perspecti-
vas para a prática docente do alfabetizador. Para Varella, muitas vezes, a
preocupação com a aprendizagem da língua escrita, considerada difícil,
leva o professor à escolha de métodos dissociados do desenvolvimento
psicolinguístico e sociocultural dos alunos, privilegiando o domínio do
alfabeto.
Sampaio (2011, p. 109) nos fala que, gradativamente, as crianças
começam a substituir pequenas figuras por letras, que ainda não corres-

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pondem sonoramente à palavra, mas sim ao tamanho do objeto, ou seja,
elefante tende ter muitas letras, porque é grande e formiga tende ter pou-
cas letras, porque é pequena. É o que chamamos de realismo nominal,
onde ela faz o uso das letras conforme o tamanho dos objetos e não de
acordo com a palavra, utiliza-se de muitas letras.
Para aprender a escrever uma língua que tem por base um sistema
alfabético, a criança necessita compreender que as letras, enquanto sím-
bolos gráficos, correspondem a segmentos sonoros que não possuem sig-
nificados em si mesmos (Lyon, 1999; Swank, 1999 apud Zorzi 2003, p.
28). Na realidade, o conhecimento que está implícito nessa compreensão
refere-se à noção de fonema, fundamental para o entendimento do prin-
cípio alfabético (Vandervelden e Siegel, 1995 apud Zorzi 2003, p. 28).
Vemos em Zorzi (2003, p. 30) que a criança pode iniciar seus co-
nhecimentos no mundo da escrita muito antes que qualquer tentativa
formal de ensino seja proposta. Nesse sentido, Ferreiro e Teberosky
(1986 apud Zorzi 2003, p. 30) apontam uma sequência psicogenética de
construção da escrita, caracterizada sucessivamente como fases pré-
silábica, silábica, silábica-alfabética e, finalmente, alfabética.
Tal classificação parece estar levando em consideração a própria
natureza alfabética da escrita, ou seja, a condição para que a criança
compreenda um sistema constituído alfabeticamente implica a capacida-
de de lidar com fonemas, de chegar à noção de que as palavras são com-
postas por sons e que estes correspondem às letras que se empregam para
escrever. Entretanto, os autores observaram que as crianças não iniciam o
aprendizado partindo de um conhecimento das relações estreitas e preci-
sas entre letras e sons: ele é consequência de um longo processo, não
uma condição de partida.
Capovilla (2000 apud Sampaio 2011, p.110) explica que tais habi-
lidades são muito importantes para permitir a leitura por decodificação
fonológica. Isto explica por que procedimentos para desenvolver consci-
ência fonológica são tão eficazes em melhorar o desempenho de leitura
de criança durante a alfabetização.
Segundo Varella (2001, p. 31), saber ler e escrever é, na verdade,
mais do que dominar um instrumento, pois o usuário integra-se na prática
social: o sujeito traz para a escola o seu cotidiano e o conhecimento ad-
quirido volta para o cotidiano. Isso requer uma metodologia que se con-
centre na linguagem escrita como forma de inserção na vida do sujeito e
deste na realidade letrada.

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A respeito disso temos a contribuição de Soares (1988)
[...] só recentemente passamos a enfrentar essa nova realidade social
em que não basta saber ler e escrever, é preciso também fazer uso do
ler e do escrever, saber responder as exigências de leitura e de escrita
que a sociedade faz continuamente – daí o surgimento do termo le-
tramento... (SOARES, 1988, p. 20)

Ao incluir os usos e as funções atribuídas à escrita aos grupos so-


ciais, bem como as consequências socioculturais, políticas e/ou cogniti-
vas do recurso à palavra escrita, os pesquisadores passaram a centrar sua
atenção nos sujeitos e na interferência das formas de socialização para a
construção de uma relação com a palavra escrita.
Assim, estes estudos provocaram uma nova forma de perceber o
processo de aprendizagem da escrita e da leitura, deixando o viés discri-
minatório tantas vezes presente no uso da língua, a fim de compreender o
que o sujeito faz quando recorre à palavra escrita. Neste sentido, segundo
Kleiman (1995) os trabalhos procuravam compreender tanto o impacto
social da escrita quanto a inserção dos sujeitos no universo da palavra es-
crita, considerando seu processo de socialização.
O ato de escrever consiste na representação gráfica do sistema fo-
nológico da língua, pois “a escrita, produto histórico-cultural, tecnologia
posta a serviço do homem, representa a imagem sem ser dela transcrição”
(ABAURRE, 1998 apud VARELLA 2001, p. 31). A alfabetização cons-
trói-se, assim, através de atividades de uso, contextualizadas e significa-
tivas da linguagem oral e escrita, bem como de atividades de análise e re-
flexão em condições de interlocução, sem a evidência de preconceitos
linguísticos.
Ferreiro (1995 apud VARELLA 2001, p. 32) distingue três gran-
des níveis no processo de construção do sistema de escrita pela criança:
 um primeiro nível, no qual ela consegue diferenciar a escrita
de outros sistemas de representação gráfica e estabelece na
escrita, certas condições internas para que esta possa dizer al-
go;
 um segundo nível em que estabelece variações no sistema de
escrita com a intenção de produzir diferenças de significado;
 um terceiro nível em que “fonetiza” a escrita, isto é, estabele-
ce relações com a pauta sonora da fala.
Vemos em Varella (2001, p. 33) que, idealmente, a criança vem à
escola com habilidades de linguagem oral bem desenvolvida, o que cons-

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titui um fundamento para o domínio da língua, da leitura e da escrita.
Traz, também, o conhecimento de narrativas, poemas, parlendas, trava-
línguas e adivinhações. Porém, a aquisição da escrita requer o conheci-
mento das estruturas fonológicas da língua e de como as unidades gráfi-
cas se conectam às unidades faladas.
Nesse sentido, Barbosa (2008, p. 129) afirma que não se ensina a
criança a ler: ela aprende sozinha. Ao professor compete ajuda-la a con-
quistar esse comportamento. Essa ajuda concretiza-se através de um am-
biente rico e variado, que favoreça o aparecimento ou o desenvolvimento
daquela aprendizagem e através de momentos precisos de organização do
conhecimento adquirido.
O autor acrescenta que antes de obrigar a criança a observar, ana-
lisar ou escrever sílabas, palavras ou frases é necessário que a escola lhe
proporcione oportunidades de utilizar a escrita em contextos significati-
vos; que estabeleça um estreita familiarização com todos os suportes ma-
teriais da escrita: livros, jornais, prospectos, cartazes etc.; que permita à
criança observar, explorar, questionar, experimentar os vários usos da es-
crita no mundo em que vive; que promova, ao mesmo tempo, a leitura
constante de histórias infantis, álbuns ilustrados, revistas em quadrinhos,
jornais, por exemplo.
Assim, as práticas pedagógicas adotadas e a forma como o mundo
“letrado” é apresentado à criança são itens que, se bem organizados, con-
tribuem para a conquista do uso da leitura e da escrita, desmistificando os
excessos em relação às dificuldades encontradas no ambiente escolar,
muitas vezes reproduzidas pelo não entendimento dos processos existen-
tes para esta aquisição. Nesse sentido, é necessário compreender o pro-
cesso evolutivo da criança, respeitando a individualidade, bem como os
estágios necessários de suas elaborações e hipóteses de construção de
sentido.
Assim, podemos entender que cabe ao professor orientar o aluno
sobre como lidar com os conhecimentos adquiridos, auxiliando a porem
em prática nas situações a serem enfrentadas posteriormente. Sendo as-
sim, acreditamos na busca por uma metodologia ativa, que coloque os su-
jeitos em ação diante do conhecimento. Quando o sujeito não consegue
construir seus conhecimentos, as ‘verdades’ se tornam vazias, sem signi-
ficado.

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3. Dificuldades e distúrbios de aprendizagem
As pesquisas relacionadas às dificuldades de aprendizagem de-
monstram que encontrar uma definição clara, precisa, objetiva e consen-
sual tem sido uma tarefa difícil. Vemos em Azevedo (2004, p. 19) que
devido à complexidade do problema, onde interatuam fatores de diferen-
tes ordens e extensões, a definição, a etiologia e a suficiente investigação
diagnóstica do que se entende por “dificuldades escolares” ainda carece
de um consenso no pensamento científico e no campo de sua aplicabili-
dade.
Na tentativa de definir e esclarecer a ocorrência dos problemas,
encontramos autores como Almeida e Polonia (1991 apud Azevedo,
2004, p. 20) que destacam ainda a utilização do termo “fracasso escolar”,
o qual além de ser normalmente traduzido como “repetência e evasão
(exclusão)” da escola, costuma aparecer, explícita ou implicitamente, sob
a denominação de dificuldades ou problemas escolares.
Neste sentido, buscamos a diferenciação conceitual dos termos
“dificuldades de aprendizagem” e “distúrbios de aprendizagem”, enten-
dendo que essa distinção faz-se necessária no que diz respeito às ações
metodológicas e educacionais para a intervenção no âmbito escolar.
Segundo Chabanne (2006, p. 16-7), a dificuldade escolar não deve
ser considerada como um problema definitivo, para ele, a dificuldade é
um momento da experiência, ou do trabalho escolar, que visa ao sucesso.
Nesse aspecto, ela parece uma coisa comum e sem importância para to-
dos os alunos que se dedicam a um objetivo escolar autêntico: todo exer-
cício apresenta dificuldades, ou seja, sempre há um momento em que o
aluno é posto à prova quanto à sua memória, sua inteligência, sua capaci-
dade de interpretar um enunciado, de buscar soluções, de procurar novos
caminhos e avaliar a eficácia de alguns deles, ou seja, de conviver com as
dificuldades relativas e necessárias para alcançar o estágio definitivo: o
sucesso.
Assim, temos que as dificuldades de aprendizagem reportam-se a
uma constelação de fatores de natureza sociocultural e econômica, fami-
liar, emocional e pedagógica, que só adquirem significação quando refe-
ridos à história da criança, considerando-a nas múltiplas relações e inte-
rações com a família, com a escola, com os professores e com as condi-
ções pedagógicas em particular. Já os distúrbios dizem respeito a um
quadro no qual as capacidades intelectuais, motoras, sensoriais e emo-
cionais da criança encontram-se dentro dos limites da normalidade, sem

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que ela consiga, no entanto, aprender de forma global ou específica. Pode
apresentar deficiência nos processos de percepção de integração ou de
expressão, que comprometem o seu aprendizado. Nesses casos, haveria
indícios comportamentais ou neurológicos de disfunção do sistema ner-
voso central (ALMEIDA; POLONIA, 1991 apud AZEVEDO, 2004, p.
20).
Definindo desta forma os termos dificuldades e distúrbios de a-
prendizagem, podemos supor que a maioria dos problemas de aprendiza-
gem encontrados na escola constituem numa dificuldade e não um dis-
túrbio, uma patologia do sistema nervoso central. Assim trata-se na reali-
dade de dificuldades no aprendizado decorrentes de uma série de fatores
internos e/ou externos que refletem na forma como o sujeito interage
com seu meio, assumindo normalmente um caráter momentâneo.
Fonseca (1981 apud Azevedo, 2004, p. 22) afirma que a criança
com dificuldade de aprendizagem não pode ser “classificada” como defi-
ciente. Trata-se de uma criança normal que aprende de uma forma dife-
rente, apresenta uma discrepância entre o potencial atual e o esperado.
Não faz parte de nenhuma categoria de deficiência, pois possui um po-
tencial normal que não é realizado em termos de aproveitamento escolar.
Vemos em Sampaio (2011, p. 90) que os problemas de aprendiza-
gem podem se apresentar em razão de uma metodologia inadequada, mé-
todo de alfabetização inadequado, privação cultural e econômica, má-
formação docente, falta de planejamento das atividades, desconhecimen-
to da realidade cognitiva dos alunos. Desta forma, não existe uma adap-
tação curricular à realidade socioeconômica do aluno.
Em relação aos transtornos, a mesma autora cita uma definição,
criada em 1977, nos Estados Unidos e registrada oficialmente em 1986
(Id., ibid.) em que transtorno de aprendizagem ou dificuldade de aprendi-
zagem específica (learning desabilities) se define como “um transtorno
em um ou mais dos processos psicológicos básicos implicados na com-
preensão ou no uso da linguagem falada ou escrita, que pode se manifes-
tar em uma habilidade imperfeita para escutar, falar, ler, escrever, sole-
trar ou fazer cálculos matemáticos”. Assim, encontramos entre os trans-
tornos de aprendizagem a dislalia, disografia, dislexia, disgrafia, discal-
culia e Transtorno do Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), por
exemplo.
Em todos os casos, temos que o risco está em a escola não identi-
ficar essas crianças no momento propício, para oferecer as intervenções

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 51


pedagógicas necessárias, podendo a escola, posteriormente, com seus cri-
térios de seleção e de rendimento, influenciar e reforçar o inadaptação e
um possível “fracasso escolar”.
Em termos gerais, muitos são os distúrbios atribuídos à criança
que apresenta algum problema de aprendizagem, porém, Sampaio (2011,
p. 91), aponta que entre os mais citados no ambiente escolar estão o
TDAH (Transtorno do Deficit de Atenção com ou sem Hiperatividade) e
a dislexia. Neste trabalho, posteriormente aprofundaremos na descrição
da dislexia, porém, pesquisas apontam que não é raro uma criança com
TDAH apresentar comorbidades, agregando distúrbios como dislexia,
disgrafia, discalculia, etc.
Como vemos em um artigo publicado pela Associação Brasileira
do Déficit de Atenção:
O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é defi-
nido pela presença de sintomas primários e persistentes de desatenção, hi-
peratividade e impulsividade em níveis disfuncionais. Dificuldades de or-
ganização e planejamento (disfunção executiva) são também muito fre-
quentes. A dislexia é um transtorno específico da aprendizagem no qual
há uma dificuldade significativa e persistente na leitura, resultante de um
déficit na decodificação. A compreensão da linguagem oral encontra-se
preservada, diferente do que é observado nas dificuldades primárias de
compreensão.
O TDAH e a dislexia são condições prevalentes na infância (acome-
tem cerca de 5% das crianças), com impactos na vida escolar, social e fa-
miliar.

Apesar da alta taxa de comorbidade, no caso de haver um trans-


torno específico o diagnóstico é dificultado, pois uma criança com
TDAH, provavelmente apresentará dificuldades na leitura e na escrita
devido à falta de atenção e a hiperatividade, ainda que esta não seja dis-
léxica.
Vemos assim, conforme citam Condemarin e Bloquest (1989 a-
pud Sampaio, 2011, p. 108), que, antes de se diagnosticar um indivíduo
como disléxico, é preciso levar em conta outros fatores que causam pre-
juízo da leitura e da escrita, ocasionando sintomas que facilmente pode-
rão ser confundidos com a dislexia, como carência cultural, problemas
emocionais, métodos de aprendizagem defeituosos, saúde deficiente, i-
maturidade na iniciação da aprendizagem, os quais constituiriam dificul-
dades e não distúrbios de aprendizagem.
Cabe, portanto, diferenciar dos problemas de aprendizagem aque-

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las perturbações que ocorrem apenas no meio escolar, caracterizados por
exemplo, na resistência às normas disciplinares, na dificuldade de inte-
grar-se ao grupo escolar, na inibição expressiva, manifestações estas que
costumam ocorrer justamente na transição do grupo familiar para o grupo
social.
Santos Filho (2000 apud Azevedo, 2004, p. 27) afirma que a
compreensão dos problemas de aprendizagem da criança deve ocorrer em
uma perspectiva de relação, participação e corresponsabilidade entre
quem ensina e quem aprende. Não se pode descontextualizar as dificul-
dades de aprendizagem, depositando-as, apenas, no sujeito aprendente,
nesse caso, o aluno. Em seu estudo, propõe, como prática educacional
privilegiada e diferenciada, a intervenção relacional, pois considera que o
professor, como aquele que ensina, e o aluno, como aquele que aprende,
são um sistema em constante interação. E ao interagirem, constroem um
terceiro elemento que surge na relação e por meio dela: o processo de en-
sino-aprendizagem.

4. A natureza da dislexia
Etimologicamente, a palavra dislexia compõe-se do radical lexia e
do prefixo dis. O radical lexia significa linguagem, enquanto o prefixo
dis significa dificuldade. Sendo assim podemos entender a dislexia como
sendo uma dificuldade na aquisição da linguagem.
Conforme cita Piérart (1997), a definição clássica da dislexia é
uma definição por exclusão, isto é, uma definição frágil: a dislexia é uma
dificuldade para aprender a ler, apesar de uma inteligência suficiente – o
QI deve ser normal – e de um ensino clássico. A criança deve estar isenta
de distúrbios sensoriais ou neurológicos e não provir de um meio muito
desfavorável. A sintomatologia dos distúrbios de leitura é unânime para
todos os especialistas preocupados com as dificuldades persistentes de
aprendizagem da leitura.
Porém, a Associação Brasileira de Dislexia (ABD) nos apresenta
uma definição mais recente, em 2003: “Dislexia é uma dificuldade de a-
prendizagem de origem neurológica. É caracterizada pela dificuldade
com a fluência correta na leitura e por dificuldade na habilidade de deco-
dificação e soletração. Essas dificuldades resultam tipicamente do déficit
no componente fonológico da linguagem que é inesperado em relação a
outras habilidades cognitivas consideradas na faixa etária”.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 53


Em termos gerais, podemos entender a dislexia como um distúr-
bio de aprendizagem que ocorre independentemente de questões intelec-
tuais, emocionais ou culturais, caracterizada pela dificuldade acentuada
na habilidade de decodificação e soletração, fluência e interpretação da
linguagem.
Esta dificuldade está intimamente ligada à forma como o indiví-
duo vai adquirir a leitura e fazer parte do mundo letrado. Por isso, é im-
portante destacar que o disléxico tem uma dificuldade e não uma impos-
sibilidade para aprender. Se devidamente acompanhado pelo professor e
pela equipe multidisciplinar, o disléxico poderá se desenvolver de acordo
com o esperado para a sua idade e série escolar.
De acordo com a Associação Brasileira de Dislexia alguns dos
sintomas da dislexia são: dificuldades com a linguagem e escrita; dificul-
dades em escrever; dificuldades com a ortografia; lentidão na aprendiza-
gem da leitura; disgrafia; discalculia; dificuldades com a memória de cur-
to prazo e com a organização; dificuldades para compreender textos es-
critos; dificuldades com a linguagem falada; dificuldade com a percepção
espacial.
Porém, o fato de um indivíduo apresentar alguns dos sintomas ci-
tados, não quer dizer que o mesmo tenha dislexia. É necessário um diag-
nóstico feito a partir de uma análise multidisciplinar, pois a presença de
alguns dos sintomas citados pode indicar um distúrbio de aprendizagem
momentâneo ou uma lesão cerebral ou síndrome distinta.
Por se tratar de um transtorno complexo e pouco conhecido na so-
ciedade brasileira, muitas crianças com dislexia não chegam ao tratamen-
to adequado e acabam sendo prejudicadas, podendo por vezes chegar à
fase adulta ainda na condição de analfabetas.
A Resolução CNE/CEB Nº 2, de 11 de setembro de 2001, que Ins-
titui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
nos apresenta as seguintes orientações:
Art. 5º Consideram-se educandos com necessidades educacionais especi-
ais os que, durante o processo educacional, apresentarem:
I – dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de
desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curri-
culares, compreendidas em dois grupos:
a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;
b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiên-
cias;
II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais

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alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;
III – altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem
que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes.

Neste texto percebemos a imensa responsabilidade do educador


de estar preparado para lidar com o educando, se valendo dos recursos e
conhecimentos necessários para a mediação nas diversas situações edu-
cacionais.
Segundo Zorzi e Capellini (2009), é necessário que os profissio-
nais responsáveis pelo tratamento do aluno disléxico informem à família
o plano de trabalho e a evolução em cada etapa da terapia, além de orien-
tar a organização da agenda escolar e social da criança, dando destaque
às tarefas mais importantes como provas e trabalhos escolares, orientan-
do a família a supervisioná-lo.
O educador enquanto mediador no processo de aprendizagem e
responsável pela produção das atividades de sala de aula deve organizar
situações de aprendizagem de forma que os alunos que necessitam de
uma atenção e um ensino diferenciado possam desenvolver suas habili-
dades, sem prejuízo pedagógico.
No caso da criança disléxica podemos afirmar que esta precisa de
um modo diferente de aprender a ler e escrever. Para tanto, o educador
deve visar à utilização de recursos específicos capazes de auxiliar o aluno
nesse processo. Atitudes simples como procurar sentar-se ao lado dela
quando for explicar algo, respeitar seus limites e seu jeito de aprender,
auxiliá-lo na organização do tempo, por exemplo, podem ajudar o dislé-
xico a superar ou minimizar suas dificuldades.
É importante destacar a necessidade de que no espaço escolar se-
jam desenvolvidas tarefas específicas, direcionadas às necessidades do
aluno disléxico, mas também é imprescindível que em algum momento
ele possa realizar a mesma atividade que seus colegas de turma, favore-
cendo assim a socialização e a inclusão efetiva, minimizando os conflitos
internos e coletivos que possam existir.

5. A idade do transtorno e diagnóstico


Como vemos em arquivos da Associação Brasileira de Dislexia
(ABD), um Centro de Referência em avaliações de distúrbios de aprendi-
zagem, em relação ao diagnóstico, os sintomas que podem indicar a dis-
lexia, antes de um diagnóstico multidisciplinar, inicialmente indicam a-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 55


penas um distúrbio de aprendizagem, não confirmam a dislexia, pois os
mesmos sintomas podem indicar outras situações, como lesões e síndro-
mes, por exemplo. Então, como diagnosticar a dislexia?
Identificado o problema de rendimento escolar ou sintomas isola-
dos, que podem ser percebidos na escola ou mesmo em casa, deve se
procurar ajuda especializada. Uma equipe multidisciplinar, formada por
Psicólogos, Fonoaudiólogos e Psicopedagogos, deve iniciar uma minu-
ciosa investigação. A equipe de profissionais deve verificar todas as pos-
sibilidades antes de confirmar ou descartar o diagnóstico de dislexia.
Para tanto, outros fatores devem ser descartados, como déficit in-
telectual, disfunções ou deficiências auditivas e visuais, lesões cerebrais
(congênitas e adquiridas), desordens afetivas anteriores ao processo de
fracasso escolar (com constantes fracassos escolares o disléxico irá apre-
sentar prejuízos emocionais, mas estes são consequências, não causa da
dislexia).
Assim, algumas dificuldades podem ser encontradas em crianças
não disléxicas, as quais num primeiro momento podem sugerir a dislexia.
Dentre elas, temos, por exemplo, o que chamamos de criança de risco, ou
seja, são crianças, normalmente filhas/os de disléxicos, que logo demons-
tram dificuldades na aquisição, percepção e produção da fala. Posterior-
mente, na escola, estas crianças apresentam dificuldades na nomeação
das letras e na relação letra e som, o que vem a interferir no processo de
alfabetização. Essas crianças são classificadas como de risco, pois após o
diagnóstico inicial, deve se iniciar a intervenção com um fonoaudiólogo
e após dois anos refazer a avaliação.
De modo geral, é imprescindível que antes de traçar um diagnós-
tico definitivo seja feita uma avaliação minuciosa, considerando o pro-
blema como um todo, para que a intervenção seja adequada e específica;
em casos de dislexia ou de outro distúrbio ou dificuldade, a falta de assis-
tência especializada pode significar um comprometimento físico e cogni-
tivo.

5.1. Dislexia: perspectivas de orientação


Segundo especialistas da Associação Brasileira de Dislexia
(ABD), a dislexia é genética e hereditária, e, muitos pais que já realiza-
ram suas avaliações e que são disléxicos, os procuram com suas crianças
pequenas. As avaliações são realizadas em crianças a partir dos cinco a-

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nos de idade, só que nessa fase ainda não se pode falar em dislexia (só
podemos afirmar depois de as crianças terem passado dois anos pelo pro-
cesso de alfabetização). Fala-se então em criança de risco.
Num levantamento feito pela ABD em 2013, encontramos a in-
formação estatística de que mais de 70% dos casos de dislexia, foram di-
agnosticados na faixa etária entre os 6 e 14 anos de idade. Neste contex-
to, vemos também o relato que crianças e adolescentes procuram a ABD
com a referida queixa, mas em muitos casos não se encontra a presença
de nenhum distúrbio em suas avaliações.
Estudos realizados pelos especialistas do Laboratório de Estudos
dos Transtornos de Aprendizagem (LETRA), do Hospital das Clínicas da
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, deram origem a uma
cartilha informativa elaborada em 2011, a qual, apesar de ter como enfo-
que principal o auxilio aos profissionais de saúde, nos trazem informa-
ções importantes relacionadas à dislexia organizadas em quadros e no
formato de perguntas e respostas. Nela vemos, por exemplo, que a disle-
xia é mais frequente em meninos do que nas meninas, na preponderância
de 1,5: 1.
Em relação ao diagnóstico da dislexia, temos que este é baseado
numa perspectiva clínica, construído a partir da junção de informações de
todos os profissionais envolvidos, entre eles: médico, neuropsicólogo,
fonoaudiólogo e psicopedagogo. No quadro seguinte, são apresentados
alguns sinais precoces que podem indicar a ocorrência do distúrbio:

Sinais Precoces de Dislexia


1. Linguagem Aos 4 anos a criança é capaz de realizar rimas.
a.Atraso da linguagem o- Aos 5 anos a criança já deverá ter domínio da língua
ral materna.
b. Dificuldade em formar Qualquer alteração de linguagem oral pode resultar em
frases dificuldade de aprendizagem.
c.Dificuldade de nomea-
ção de objetos e reconto
de histórias
d. Vocabulário restrito
e.Dificuldade de entender
ordens
f. Imaturidade fonológica
(dificuldades em lidar
com os sons da língua)
g. Dificuldade em realizar
rimas após 4 anos
2. Dificuldade de reconhecer o alfabeto (símbolos)
3. Dificuldade de lateralida- Aos 6 anos a criança é capaz de reconhecer direito-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 57


de esquerdo em si próprio. Aos 7 anos, reconhece no pró-
ximo.
4. Dificuldade de esquema corporal
5. Dificuldade de relações temporo-espaciais
6. História familiar de transtorno de aprendizagem e de transtorno de déficit de aten-
ção/ hiperatividade
Fonte: Adaptado de http://www.smp.org.br/arquivos/site/pediatras/489.pdf

Nesse sentido, devido ao seu contato quase diário e da relação


com atividades que envolvem a utilização da escrita, da leitura e da ora-
lidade, é imprescindível que o professor tenha a percepção de alguns si-
nais que possam indicar a dislexia. A seguir, temos mais um quadro com
sinais e sintomas da dislexia:

Principais sinais e sintomas de Dislexia


Dificuldade de aprender a relação letra-som
Dificuldade em provas de consciência fonológica e imaturidade
Leitura e escrita, muitas vezes, incompreensíveis
Dificuldade na compreensão de leitura
Confusões entre letras semelhantes, orientações ou pequenas diferenças na grafia
(p/q/b/d – c/e – u/v – i/j – n/u) ou sons semelhantes (b/p – d/t – f/v)
Inversões de sílabas ou palavras. Ex.: adoze/ azedo
Substituições de palavras com estruturas semelhantes. Ex.: pedra/ pedreira
Supressão ou adição de letra ou de sílabas. Ex.: fulgiu/ fugiu, lembei/ lembrei
Repetição de sílabas ou palavras. Ex.: boladada/ bolada, foi foi embora/ para foi embora
Fragmentação incorreta. Ex.: ame ninagostade brincar / a menina gosta de brincar
Confusão nas relações temporo-espaciais, esquema corporal e lateralidade (não reco-
nhece direito e esquerdo aos 6-7 anos)
Dificuldade de fazer rimas após os 4 anos
Escrita em espelho após 6-7 anos
Antecedente familiar de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade e/ou trans-
torno de aprendizagem
Fonte: Adaptado de http://www.smp.org.br/arquivos/site/pediatras/489.pdf

Assim, vemos que o conhecimento do professor e da família a


respeito do tema é de suma importância para que o disléxico receba aten-
dimento especializado ainda na infância, a fim de minimizar os proble-
mas que possam surgir na aprendizagem.
Num artigo publicado por especialistas da ABD, vemos que há
disléxicos que revelam suas dificuldades em outros ambientes e situa-
ções, mas nenhum deles se compara à escola, local onde a leitura e escri-
ta são permanentemente utilizadas e, sobretudo, valorizadas. Entretanto,

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a escola que conhecemos certamente não foi feita para acolher o disléxi-
co. Objetivos, conteúdos, metodologias, organização, funcionamento e
avaliação nada têm a ver com ele. Não é por acaso que muitos portadores
de dislexia não sobrevivem à escola e são por ela preteridos. E os que
conseguem resistir a ela e diplomar-se o fazem, astuciosa e corajosamen-
te, por meio de artifícios, que lhes permitem driblar o tempo, os modelos,
as exigências burocráticas, as cobranças dos professores, as humilhações
sofridas e, principalmente, as notas.
Porém, a inclusão do aluno disléxico na escola como pessoa por-
tadora de necessidade especial, está garantida e orientada por diversos
textos legais e normativos. A Lei 9.394, de 20/12/96 (Lei de Diretrizes e
Bases da Educação), por exemplo, prevê:
– que a escola o faça a partir do artigo 12, inciso I, no que diz respeito à
elaboração e à execução da sua Proposta Pedagógica;
– que a escola deve prover meios para a recuperação dos alunos de menor
rendimento (inciso V);
– que se permita à escola organizar a educação básica em séries anuais,
períodos semestrais e ciclos, alternância regular de períodos de estudos,
grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros cri-
térios ou por forma diversa de organização (artigo 23);
– que a avaliação seja contínua e cumulativa, com a prevalência dos as-
pectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do pe-
ríodo (Artigo 24, inciso V, a alínea a).

Diante de tais possibilidades, é possível construir uma Proposta


Pedagógica e rever o Regimento Escolar considerando o aluno disléxico.
Na Proposta Pedagógica existem as seguintes possibilidades:
a) Provas escritas, de caráter operatório, contendo questões objetivas e/ou
dissertativas, realizadas individualmente e/ou em grupo, sem ou com
consulta a qualquer fonte;
b) Provas orais, através de discurso ou argüições, realizadas individual-
mente ou em grupo, sem ou com consulta a qualquer fonte;
c) Testes;
d) Atividades práticas, tais como trabalhos variados, produzidos e apre-
sentados através de diferentes expressões e linguagens, envolvendo es-
tudo, pesquisa, criatividade e experiências práticas realizados indivi-
dualmente ou em grupo, intra ou extraclasse;
e) Diários;
f) Fichas avaliativas;

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 59


g) Pareceres descritivos;
h) Observação de comportamento, tendo por base os valores e as atitudes
identificados nos objetivos da escola (solidariedade, participação, res-
ponsabilidade, disciplina e ética).
É importante que a comunidade esteja informada a respeito da
dislexia, bem como os direitos dos disléxicos. As informações desempe-
nham um importante papel na busca dos direitos e constitui uma maneira
de ajudar o disléxico na busca do atendimento especializado, bem como
seu desenvolvimento escolar.
Em relação ao atendimento do disléxico na sala de aula, vemos
em um artigo publicado pela ABD, o qual tem como autores a Psicóloga,
Psicopedagoga e Professora Ana Luiza Borba e o Orientador Educacio-
nal e Prof. Mario Ângelo Braggio, algumas perspectivas para educadores
em relação à interação e avaliação dos alunos disléxicos sob o tema: Co-
mo interagir com o disléxico em sala de aula. Nele temos algumas in-
formações práticas que podem facilitar a interação:
– Dividir a aula em espaços de exposição, seguido de uma “discussão” e
síntese ou jogo pedagógico;
– Dar “dicas” e orientar o aluno como se organizar e realizar as atividades
na carteira;
– Valorizar os acertos;
– Estar atento na hora da execução de uma tarefa que seja realizada por
escrito, pois seu ritmo pode ser mais lento por apresentar dificuldade
quanto à orientação e mapeamento espacial, entre outras razões;
– Observar como ele faz as anotações da lousa e auxiliá-lo a se organizar;
– Desenvolver hábitos que estimulem o aluno a fazer uso consciente de
uma agenda para recados e lembretes;
– Na hora de dar uma explicação usar uma linguagem direta, clara e obje-
tiva e verificar se ele entendeu;
– Permitir nas séries iniciais o uso de tabuadas, material dourado, ábaco e
para alunos que estão em séries mais avançadas, o uso de fórmulas, calcu-
ladora, gravador e outros recursos sempre que necessário.

Sobre este assunto, vemos em artigos da ABD que não é necessá-


rio que alunos disléxicos fiquem em classe especial. Os alunos disléxicos
têm muito a oferecer para os colegas e muito a receber deles. Assim, per-
cebemos que essa troca competências e habilidades faz crescer amizade,
a cooperação e a solidariedade.

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6. Conclusão
De modo geral, é importante ressaltar que não há receita para tra-
balhar com alunos disléxicos. Assim, com a comunidade escolar bem in-
formada e capacitada, é preciso a troca de informações sobre os alunos,
planejamento de atividades e elaboração de instrumentais de avaliação
específicos, através de perspectivas que busquem avanços na relação com
a criança disléxica na escola, na família e na comunidade.
É importante destacar que a dislexia é uma condição neurobioló-
gica, e que, embora não haja cura do ponto de vista biológico, é possível
se chegar a um nível de leitura adequado para o exercício de qualquer a-
tividade profissional e cultural.
Entendemos que uma educação igualitária deve valorizar a heteroge-
neidade, pois a diversidade dinamiza os grupos, enriquecendo as relações e
interações, levando a despertar no educando o desejo de se comprometer e
aprender. Em relação à dislexia, por exemplo, normalmente é na escola que
ela, de fato, aparece. Assim, a escola deve ser um espaço privilegiado de en-
contro com o outro, onde deve haver respeito pelo diferente. A escola deve
atuar como um espaço facilitador para o desenvolvimento global, se valendo
de estratégias de ensino adequadas a cada necessidade.

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