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Glauco Mattoso - MELOPÉA

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Glauco Mattoso

MELOP�A
SONNETTOS MUSICADOS

SUMMARIO

NOTA INTRODUCTORIA
[1] SONNETTOS MUSICADOS E DECLAMADOS
[1.1] CONCEP��O DO CD
[1.2] REPERTORIO DO CD
[1.3] COMMENTARIO DO REPERTORIO
[2] SONNETTOS TRANSCRIPTOS
MANIFESTO OBSONETO (SONNETTO 8)
ESCATOLOGICO (SONNETTO 72)
INESCRUPULOSO (SONNETTO 129)
TROPICALISTA (SONNETTO 150)
FLATULENTO (SONNETTO 192)
AO MAIOR (SONNETTO 214)
CONFESSIONAL (SONNETTO 234)
ENSAISTICO (SONNETTO 241)
AMELIA E EMILIA (SONNETTO 259)
DERCY GON�ALVES (SONNETTO 270)
BELLICO (SONNETTO 273)
PACIFISTA (SONNETTO 274)
VIRTUAL (SONNETTO 284)
UTOPICO (SONNETTO 287)
DESERTADO (SONNETTO 352)
REVISTA (SONNETTO 377)
PREGUICISTA (SONNETTO 427)
PRECIPUO (SONNETTO 429)
[3] CRITICA
[3.1] COMMENTARIO DE FERNANDO BONASSI
[3.2] COMMENTARIO DE RICARDO CORONA
[3.3] COMMENTARIO DE SYLVIO ESSINGER

///

NOTA INTRODUCTORIA

Por volta do anno 2000, Mattoso offeresceu, � guisa de lettras


musicaveis, alguns sonnettos ent�o publicados nos quattro primeiros
livros de sua copiosa safra, produzida entre 1999 e 2012 (CENTOP�A,
PAULYSS�A ILHADA, GEL�A DE ROCOC� e PANAC�A), iniciativa que resultou no
CD intitulado MELOP�A (2001), cujos participantes teem diversas origens
e destinos: trez ja fallescidos (Ithamar Assump��o, Rodrigo Le�o e
Claudia Wonder), dois que se tornaram actores globaes (Eriberto Le�o e
Alexandre Nero) e outros ja cultuados, como Arnaldo Antunes ou Humberto
Gessinger.

No extincto sitio pessoal do poeta havia uma pagina de musica da qual


constava o commentario registrado no primeiro topico, aqui accrescido de
links no youtube para effeito de archivamento na nuvem. Nos demais
topicos, transcrevem-se os sonnettos reorthographados pelo systema
etymologico, seguidos da repercuss�o critica na midia da epocha.

At� septembro de 2016, o unico link disponivel para audi��o dos


phonogrammas originaes era este, cuja postagem n�o � attribuida ao
proprio Mattoso, que preferiria deixar a cada interprete a excolha das
imagens synchronizadas aos respectivos phonogrammas, separadamente
postados. Note-se que a grava��o come�a pela terceira faixa e que as
duas primeiras entram no final.

https://www.youtube.com/watch?v=hPOlCA8xEPc

///

[1] SONNETTOS MUSICADOS E DECLAMADOS

[1.1] CONCEP��O DO CD

Em 2001 Glauco Mattoso lan�a, pelo sello Rotten Records (gravadora


independente da qual � socio, juncto ao batterista Portuguez, ex-Garotos
Podres), um projecto proprio na area musical: uma anthologia em CD de
seus sonnettos, em differentes rhythmos e arranjos, interpretados por
representantes de diversos sectores da scena artistica, "feras" mais ou
menos "indomaveis", de Falc�o a Lob�o.

O conceito do disco � uma releitura anthropophagica dos sonnettos, cada


um excolhido e musicado livremente por algum nome provocador e polemico
em sua praia (caso de Falc�o, Humberto Gessinger, Wander Wildner ou
Claudia Wonder), alguma banda com historico na scena punk (caso dos
Innocentes, dos Devotos ou da 365) ou compositores de perfil
independente e obra peculiar (caso de Arnaldo Antunes, Ithamar
Assump��o, Ayrton Mugnaini, Tato Fischer, Madan ou Edvaldo Santana),
alem de grupos de express�o dirigida a determinado estylo tribal, como
os mods da Laranja Mechanica, os rocabileiros da Billy Brothers e os
funkeiros fusionistas da Elefunk.

A principio se pensava em evitar duplicidade de excolha (at� porque GM


tinha ja, na occasi�o, composto metade de seus mil sonnettos), mas
depois que Arnaldo Antunes (sempre surprehendente) mudou sua excolha na
ultima hora e resolveu gravar um sonnetto ja musicado pela Laranja
Mechanica (sem saber da grava��o anterior), Mattoso se deu compta de que
era aquillo mesmo: differentemente da lettra de musica (feita
especialmente para a "sua" melodia), o poema prompto funcciona como um
"readymade cantabile", passivel de innumeras (e dispares) leituras, bem
de accordo com a no��o de "obra aberta" ecoesca ou do "ver com olhos
livres" oswaldiano. De resto, um typo de incidente com precedentes:
Paulo Leminski � exemplo de poeta com obra musicada por dois (si
dependesse delle, at� trez ou mais) interpretes.

Dahi a occorrencia de outro caso de excolha coincidente (aliaz bom


thermometro para acquilata��o de alguns sonnettos mais palataveis) entre
a Elefunk e Claudia Wonder, o que vem refor�ar o conceito de anthologia
anthropophagica e o espirito tropicalista que costurou o repertorio, sob
o titulo de MELOP�A: SONNETTOS MUSICADOS. O CD, cappeado por Louren�o
Mutarelli, prop�e a audi��o da suite na seguinte ordem:

[1.2] REPERTORIO DO CD

(1) TATO FISCHER: TROPICALISTA [150]


https://www.youtube.com/watch?v=PiOn3YaqIUk

(2) INNOCENTES: PREGUICISTA [427]


https://www.youtube.com/watch?v=7kw4aj_kJw8

(3) ARNALDO ANTUNES: CONFESSIONAL [234]


https://www.youtube.com/watch?v=AkiDbUSJqTU

(4) HUMBERTO GESSINGER: REVISTA [377]


https://www.youtube.com/watch?v=z7HpEqrT_pg

(5) DJ KRANEO (RODRIGO LE�O): UTOPICO [287, fragmento 1]


https://www.youtube.com/watch?v=tZeVNACcr4s

(6) EDVALDO SANTANA [SANCTANNA]: BELLICO [273]


https://www.youtube.com/watch?v=6q4gbJUnV3I

(7) LUIZ ROBERTO GUEDES & FABIO STEFANI: PACIFISTA [274]


https://www.youtube.com/watch?v=YqVr3120MZs
https://www.youtube.com/watch?v=VveWD4TeChs

(8) ELEFUNK: VIRTUAL [284, vers�o 1]


https://www.youtube.com/watch?v=RJGZ1Lz5ct4

(9) WANDER WILDNER: ENSAISTICO [241]


https://www.youtube.com/watch?v=yKKiPTrV6v4

(10) DJ KRANEO (RODRIGO LE�O): UTOPICO [287, fragmento 2]


https://www.youtube.com/watch?v=tZeVNACcr4s

(11) 365: DESERTADO [352]


https://www.youtube.com/watch?v=0FQjprfzOss

(12) AYRTON MUGNAINI: FLATULENTO [192]


https://www.youtube.com/watch?v=WPCZjX2OBR4

(13) BILLY BROTHERS: ESCATOLOGICO [72]


https://www.youtube.com/watch?v=2fZzaLSLeYg

(14) DEVOTOS: DERCY GON�ALVES [270]


https://www.youtube.com/watch?v=pLCkW8xmwMY

(15) DJ KRANEO (RODRIGO LE�O): INESCRUPULOSO [129, fragmento 1]


https://www.youtube.com/watch?v=C_DmxEsOXbw

(16) FALC�O & ERIBERTO LE�O: PRECIPUO [429]


https://www.youtube.com/watch?v=MEbPD0ruwjQ

(17) ELEFUNK: VIRTUAL [284, vers�o 2]


https://www.youtube.com/watch?v=RJGZ1Lz5ct4

(18) ALEXANDRE NERO: MANIFESTO OBSONETO [8]


https://www.youtube.com/watch?v=XRXyl1ikhCk

(19) LARANJA MECHANICA: CONFESSIONAL [234]


https://www.youtube.com/watch?v=AkiDbUSJqTU

(20) DJ KRANEO (RODRIGO LE�O): INESCRUPULOSO [129, fragmento 2]


https://www.youtube.com/watch?v=C_DmxEsOXbw

(21) MADAN: AO MAIOR [214]


https://www.youtube.com/watch?v=V3wvPyosMXU
(22) ITHAMAR ASSUMP��O & RENATA MATTAR: AMELIA E EMILIA [259]
https://www.youtube.com/watch?v=fRv5sA0XniY

(23) CLAUDIA WONDER & EDSON CORDEIRO: VIRTUAL [284]


https://www.youtube.com/watch?v=RJGZ1Lz5ct4

[1.3] COMMENTARIO DO REPERTORIO

O primeiro bloco abre com dois antigos amigos de Mattoso, que os


convidara em 1988 para um seminario sobre poesia e rock nas Officinas
Culturaes Oswald de Andrade: Tato Fischer e Clemente, lider dos
Innocentes; seguem-se dois nomes de peso vindos do rock mas com
trajectoria pessoal e versatilidade na applica��o da propria voz:
Arnaldo Antunes e Humberto Gessinger.

Apoz a interven��o carioca do teimoso e mysterioso DJ Kraneo (pseudonymo


de Rodrigo Le�o], sobrevivente de desastres, disturbios e dyslexias,
entra o segundo bloco, com dois s�o-miguelenses da Zona Leste (e do
Nordeste), Edvaldo Santana e Luiz Roberto Guedes, cantando dois
sonnettos gemeos na thematica; depois, o "jungle beat" (ao estylo
Diddley) da Elefunk e o "jingle-jangle" do renovado Reedylan gaucho,
Wander Wildner (ex-Replicantes).

Mais um bloco, com a 365 novamente na forma��o original e Finho a 120


por hora, seguido do desconcertante Ayrton Mugnaini, do debochado Bambam
com seus Billy Brothers e dos agguerridos punks recifenses da Devotos,
capitaneados pelo feroz Cannibal.

No bloco seguinte entra o (dode)cafonico (de)predador Falc�o, escoltado


pelos joviaes Cavalleiros Mascarados, seguido da Elefunk em dose mais
pesada, do experimental paranaense Nero com sua Machinahyma e da n�o
menos anti-pasti-cheira Laranja Mechanica.

O ultimo bloco fecha com o mais refinado folk-menestrel dos poetas


actuaes, Madan; com o mais personal & temperamental dos deuses do Olympo
Afro-Dionysiaco, Ithamar Assump��o; e com a mais "walker on the wild
side" da bohemia paulistana, Claudia Wonder, assistida pela mais lyrica
das vozes populares, Edson Cordeiro. Sergio Sampaio abben�oa a todos na
sahida. Evoh�!

Do samba-enredo ao techno-samba, passando pelo samba-can��o; do


rock-ballada ao punk-rock, passando pelo rockabilly; do bluejazz �
beatlevada, passando pelo folkaypyra, o repertorio cobre (e destampa) um
pouco do caldeir�o vegetariano e carnivoro da musicalidade tupyniquim,
respaldando o eclectismo lexico-semantico dos versos mattosianos.
Detalhe curioso fica por compta dos fragmentos de sonatas que antecedem
cada faixa do disco: sem que os interpretes conhescessem toda a obra de
Scarlatti, propuzeram arranjos que parescem coincidir magneticamente com
a sonata cujo numero corresponde ao do sonnetto excolhido. Mais uma
prova de que o "espirito" dithyrambico presidiu o clima geral de
MELOP�A.

MELOP�A teve tiragem limitada e distribui��o extracommercial. Estuda-se


a possibilidade de que a edi��o seja reprensada por um sello commercial
para venda em mais larga escala, dependendo da demanda.

Dada a diversidade de parceiros-interpretes que poderiam ter entrado


nesta edi��o e que, por uma ou outra raz�o, n�o chegaram a participar
(caso de Lob�o, Lenine, Tom Z�, Chico Cesar, Roger, Laura Finocchiaro,
Arrigo Barnab�, Communidade Ninjitsu, Skamundongos, entre tantos), fica
programmado um segundo volume sem previs�o de prazo.

///

[2] SONNETTOS TRANSCRIPTOS

MANIFESTO OBSONETO (SONNETTO 8)

(pros poetas dictos "sujos"


que nunca esquecem o modess e trocam de meia
de meia em meia hora)

Isso n�o � poesia que se escreva,


� pornographia typo Ad�o & Eva:
essa nunca passa, por mais que se attreva,
do que o Ad�o d� e do que a Eva leva.

Quero a poesia muito mais lasciva,


com chul� na lingua, suor na saliva,
porra no pigarro, mijo na gengiva,
pinto em poncto morto, chota em carne viva!

Ranho, chico, cera, era o que faltava!


Sebo � na lambida, rabo n�o se lava!
Viva a sunga suja, fora a meia nova!

Pelo pello na bocca, gil� com uva!


Merda na piroca cae como uma luva!
Cago de pau duro! Nojo? Uma ova!

ESCATOLOGICO (SONNETTO 72)

"Cagando estava a dama mais formosa..."


Assim fallou Bocage num sonnetto
do mesmo naipe deste que commetto
sobre a reputa��o que a merda goza.

A critica a compara � rara rosa


si obrada na miseria dalgum ghetto.
Politicos proferem-na: "Eu prometto..."
e a midia a thematiza em verso e prosa.

� tanto incompetente appadrinhado


fazendo merda e sendo promovido
que, quando comecei o apprendizado,

Pensei: "Que seja proprio o seu sentido,


porque ja me ennojei do figurado!"
E ent�o fui rei da merda com que aggrido.

INESCRUPULOSO (SONNETTO 129)

Podendo, todo mundo tripudia


por cyma do inimigo derroptado.
Torcidas hostilizam o outro lado;
Alumno e professor se digladia.

Debaixo de algazarra e de alegria


na pra�a o povo lyncha algum tarado;
Heteros escarnescem do veado,
e a puta engole offensa todo dia.

Policia abusa �s custas do bandido;


Bandido usa requincte no refem;
Politico abandona seu partido.

S� o cego n�o se vinga de ninguem:


Supporta o desafforo pelo ouvido
e, pela bocca, o penis e o desdem.

TROPICALISTA (SONNETTO 150)

Uma anthropophagia, at� tardia,


tornou a nossa musica salada
de fructa, nacional ou importada,
naquella tropicalia de alegria.

Sessenta foi a decada do dia:


solar, viva na cor, illuminada.
Creou-se como n�o se cria nada.
Valia tudo e tudo, ent�o, valia.

Caetano, Gil, Mutantes, circo e p�o.


Modernantiga guarda, esquerdireita.
Barroco'n'roll. Mambossa. Rumbai�o.

Eu era adolescente e, certa feita,


senti num festival que uma can��o
� lettra, e tudo nella se approveita.

FLATULENTO (SONNETTO 192)

O peido, mais que o arrocto, inspira o riso


gostoso, desbragado, gargalhado,
da parte de quem pode ter peidado,
emquanto os outros fazem mau juizo.

Com base no meu caso � que analyso,


pois, mesmo estando a s�s, enclausurado,
gargalho apoz os gazes ter soltado
e adspiro meu fedor, feito um Narciso.

Me ponho a imaginar a reac��o


de alguem affeito a normas de ethiqueta
colhido de surpresa ante o roj�o...

Meu sonho era peidar fuma�a preta


na mesa dum banquete, para ent�o
deixar que a gargalhada me accommetta...
AO MAIOR (SONNETTO 214)

Maior � o sentimento que o sentido.


Maior � a solid�o do que a saudade.
Maior � a precis�o do que a vontade.
Maior � Deus, segundo o desvalido.

Maior � o sabich�o do que o sabido.


Maior � a servid�o que a magestade.
Maior � o masochismo do que Sade.
Maior � o meu poeta preferido.

Quem faz muito sonnetto, cedo ou tarde


accaba produzindo uma obra-prima,
comtanto que n�o fa�a muito allarde.

Por traz da mera metrica ou da rhyma


esconde-se a coragem do covarde
e o medo, que jamais me desanima.

CONFESSIONAL (SONNETTO 234)

Amar, amei. N�o sei si fui amado,


pois declarei amor a quem odiara
e a quem amei jamais mostrei a cara,
de medo de me ver posto de lado.

Ainda odeio quem me tem odiado:


devolvo agora aquillo que declara.
Mas quem amei n�o volta, e a dor n�o sara.
N�o sobra nem a cren�a no passado.

Palavra voa, escripto permanesce,


garante o adagio vindo do latim.
Escripto � que nem odio, s� envelhesce.

Si serve de consolo, seja assim:


Amor nunca se esquece, � que nem prece.
Tomara, pois, que alguem reze por mim...

ENSAISTICO (SONNETTO 241)

Chamemol-a de phase iconoclasta,


� minha poesia antes de cego.
Pintei, bordei. Porem n�o a renego.
For�ou-me a invalidez a dar um basta.

A nova n�o � casta, nem contrasta


com velhas anarchias. S� me entrego
ao p�, onde em sonnetto a lingua esfrego.
Chamemol-a de phase podorasta.

Mas nem por isso � menos transgressiva.


Imp�e-se um paradoxo na medida
da forma e da thematica obsessiva:
Na universalidade presumida,
egualo-me a Bocage, Botto e Piva.
Ao cego, o feio � bello, e a dor � vida.

AMELIA E EMILIA (SONNETTO 259)

Amelia era mulher, das de verdade:


estoica, seu rapaz jamais trahira.
Escrava do malandro e at� do tira,
n�o tinha, na can��o, qualquer vaidade.

Emilia era boneca com vontade:


bem viva, embora fosse de mentira.
O elencho todo em torno della gyra.
No conto s� se passa o que lhe aggrade.

As duas s�o figuras caricatas,


mas muito verdadeiras pelas zonas:
Amelias s�o princezas viralattas.

Emilias, ordinarias mas mandonas.


Commigo todas ellas s�o ingratas:
N�o ganho nem suas manhas nem suas connas.

DERCY GON�ALVES (SONNETTO 270)

Recusa-se a morrer. N�o morrer�.


Talvez caricatura, a sua vida,
vestal, velha vedette travestida,
inverte o que o pariu p'ra puta va.

Vae ser a cybernetica bab�


de toda meninice reprimida.
Ninguem faz saturnal si n�o convida
a nossa sideral gueixa gag�.

Mostrou a perereca da vizinha


apenas p'ra alegrar a garotada.
Com ella � pau no cu da carochinha.

Poz cada palavr�o numa piada.


Passou. N�o passar�. Brilha sozinha.
Estrella d'Alva, salva da alvorada.

BELLICO (SONNETTO 273)

As armas, muni��es, armazenadas


s�o muitas vezes mais sufficientes
para extinguir da Terra seus viventes,
e continuam sendo fabricadas.

Revolveres, canh�es, fuzis, granadas,


torpedos, misseis mis, bombas potentes,
festim, ballas Dum Dum, cartuchos, pentes,
martellos, foices, paus, fac�es, enxadas.
Romanos, que eram bons de guerra e paz,
disseram: "Si vis pacem, para bellum.":
Paresce que os modernos v�o attraz.

N�o quero exaggerar no parallelo,


mas quanto menos ronda a bota faz,
mais folga ostentar� o p� de chinello.

PACIFISTA (SONNETTO 274)

Appellos pela paz s�o commoventes:


Paresce at� que toda a ra�a humana
ou quasi toda, unanime, se irmana
na firme opposi��o aos combattentes.

Campanhas e cruzadas e correntes


envolvem muita midia e muita grana,
mas nada se compara � for�a insana
do genio armamentista em poucas mentes.

Pombinhas, flores, nada disso importa


na hora da parada militar,
si acharmos que o perigo batte � porta.

A fim de protegermos nosso lar,


deixamos que haja tanta gente morta,
mas n�o aqui: s� la, noutro logar.

VIRTUAL (SONNETTO 284)

Installe. Accesse. Clique. Tecle. Agguarde.


D�. Mova. Chova. Salve. Seleccione.
Carregue. Fa�a sol. Digite o phone.
Visite o site. N�o seja covarde.

Voc� ja connectou, agora � tarde.


Cahiu em meu poder. Sou Al Capone,
de volta, virtual, icone, clone.
� bom obedescer! N�o fa�a allarde!

Preste atten��o, vou dar as instruc��es:


No tempo fa�a attraz uma jornada.
Procure em Portugal um tal Cam�es.

Prive com elle e traga deciphrada


a formula do deca em diapas�es.
Quero patenteal-a formatada.

UTOPICO (SONNETTO 287)

No fundo, o grande sonho masculino


� conseguir chupar a propria tora,
coisa que o chimpanz� faz toda hora,
e o homem tenta, em v�o, desde menino.

Seja porque seu membro � pequenino,


ou porque o corpanzil n�o collabora,
o facto � que o mach�o lamenta e chora
o ironico, anatomico destino.

Paresce que a utopia nua e crua


resume-se numa autofella��o,
quem sabe a autophagia, que jejua...

O jeito vem a ser masturba��o,


e o sonho sensual se perpetua,
emquanto a mulher cr� que d� tes�o...

DESERTADO (SONNETTO 352)

Da Terra cidad�o, mas Brazileiro.


Da Patria amada ufano, mas Paulista.
Exempto Bandeirante, mas bairrista.
Qui�� kosmopolita, mas caseiro.

Ninguem � universal o tempo inteiro.


Errante, minha bussola equidista
do inferno nordestino ao c�u sulista:
Nem astronauta sou, nem marinheiro.

Turista s� desfructa da viagem


por causa da vis�o. Si for um cego,
qualquer logar ser� a mesma paizagem.

Na vasta escurid�o onde navego


fronteiras inexistem. Sem miragem,
t�o s� por ser terraqueo me segrego.

REVISTA (SONNETTO 377)

Na cappa, algum palha�o de gravata,


piv� dum novo escandalo bancario.
Na entrada, uma entrevista do Romario,
que ao genio se compara, por bravata.

Encharte colorido autoretracta


o futil bastidor publicitario.
Embora o texto esbanje erro primario,
vem s� um rodapezinho como errata.

A pagina de esporte � dephasada.


Fofoca � uma columna concorrida.
O artigo financeiro n�o diz nada.

Nas photos, s� mulheres de m� vida.


Resenha litteraria � marmelada.
Cartum sem gra�a, e a josta ja est� lida.

PREGUICISTA (SONNETTO 427)

N�o basta a dictadura da injusti�a


e vem a dictadura do magri�a!
Cahimos no regime do exercicio,
egressos do regime militar.
Censuram a poltrona como vicio!

Dever, ser�o, cobran�a, obriga��o.


Mal temos um tempinho de lazer,
e os nazis o nariz querem metter,
impondo-nos o esporte e a malha��o.

O tempo � precioso. Desperdice-o!


Sin�o a gente ainda vae parar
num eito, num presidio ou num hospicio.

Resista! Durma! Assuma esta premissa:


A lucta tem um symbolo: PREGUI�A!

PRECIPUO (SONNETTO 429)

Poetas n�o escrevem por dinheiro.


Actrizes sempre teem a mesma cara.
Modello � meretriz mas n�o declara.
Rockeiro sem chul� n�o � rockeiro.

Jeitinho � profiss�o do brazileiro.


Jeton � gorgetinha em l�ngua clara.
Juiz n�o diz-que-diz: profere, exara.
Barata � voto nullo em gallinheiro.

As coisas teem que ser como ellas s�o,


e n�o como alguns querem que ellas sejam,
sin�o n�o tinha gra�a nem tes�o.

Dos cegos s� se espera que n�o vejam.


Do Glauco todos fazem goza��o.
Emquanto alguem padesce, outros festejam.

///

[3] CRITICA

[3.1] COMMENTARIO DE FERNANDO BONASSI

A materia abbaixo sahiu na FOLHA DE S. PAULO em 21/7/2001 e vae


transcripta na graphia original.

"GLAUCO MATTOSO UNE M�SICA � INTELIG�NCIA"

"MELOP�IA": �lbum traz 23 sonetos do poeta interpretados por convidados


que v�o de Itamar Assump��o a Inocentes

Os poetas frequentemente testemunham os esgares dos editores diante de


seus originais. A explica��o desses espasmos hep�ticos costuma ser
circunstanciada por nossos "publicadores" na forma daquele an�ncio de
biscoito: "n�o edito poesia porque n�o vende", enquanto os escritores
fazem o coro da outra parte do roteiro, qual seja: "n�o vende porque n�o
se edita". Quem ter� raz�o? Raz�o tem a ver com essas coisas? Vai
saber...

Por outro lado, poucas culturas apresentam tanta diversidade musical


quanto a nossa, e, a�, a poesia � sim muito bem-vinda e valorizada.
Ali�s, talvez n�o exista outra tradi��o t�o s�lida em nosso pa�s como o
casamento da palavra com a m�sica. O quilate das cria��es de Donga, Noel
Rosa, Lupic�nio Rodrigues, Cartola, Nelson Cavaquinho (para ficar apenas
entre alguns exemplos de nossos sofisticad�ssimos pr�-beatniks) fez da
l�ngua cantada brasileira uma experi�ncia art�stica �nica, profunda e
verdadeiramente formadora daquilo que (se de fato tivermos...) poderia
ser chamado "nossa alma".

Que o lugar de atra��o da poesia no Brasil, pelo menos em termos de


grande p�blico, � a m�sica, resta pouca d�vida. Por�m, levando em conta
o tamanho da ind�stria cultural em quest�o, n�o � muito comum vermos
poetas do texto transitarem para o disco. Para cada Paulo Leminski,
Antonio C�cero ou Arnaldo Antunes, h� in�meros escritores produzindo
versos ainda divorciados de suas possibilidades cancioneiras. Tudo isso
� escolha de quem escreve, de quem comp�e e de quem torna o resultado
p�blico, claro, mas a permeabilidade entre as duas �reas parece sempre
ficar aqu�m das nossas potencialidades expressivas. � uma pena para os
nossos esp�ritos...

Mas parte desse d�ficit est� sendo sanado neste momento. O melhor seria
dizer insana e deliciosamente sanado. Um encontro expl�cito entre a
poesia e a m�sica est� � disposi��o dos ouvidos antenados: trata-se do
CD "Melop�ia", de Glauco Mattoso. Glauco -- que � um desses
"penetrantes" transitando por diversas �reas, com o nome sempre
associado a can��es e � pr�pria hist�ria da MPB -- produziu 23 sonetos,
interpretados pelas mais variadas vozes/arranjos da m�sica brasileira,
de Itamar Assump��o a Inocentes, passando por Humberto Gessinger, Falc�o
e Arnaldo Antunes. O espectro de sonoridades � amplo e o mesmo acontece
com o alcance dos textos. Se a palavra soneto faz voc� lembrar de
alienadas velharias parnasianas, "Melop�ia" pode ser uma revela��o.

Despudor, sarcasmo e, o mais importante, culh�es de observar e sublinhar


o pa�s que nos tornamos, com suas xoxotas embaladas a v�cuo, fuzis de
repeti��o e pol�ticas de interesses escusos. O Brasil que Glauco passa a
limpo � escatol�gico, injusto, perverso e autodestrutivo. Nada mais
verdadeiro, para quem mant�m um �ndice m�nimo de abertura de olhos.

Numa tradi��o de g�nios, mas que tamb�m comporta muito lixo, "Melop�ia"
representa a un��o da intelig�ncia cr�tica, senso de humor e suingue.
Uma porrada ador�vel. Melhor que isso, s� mais disso.

///

[3.2] COMMENTARIO DE RICARDO CORONA

A materia abbaixo sahiu em 13/8/2001 no jornal curitybano GAZETA DO POVO


e vae transcripta na graphia original.

"COMENDO AS CONSERVAS"

O soneto, mesmo que tenha sido abandonado pelas vanguardas do in�cio do


s�culo (expressionismo, futurismo, cubismo, dada�smo, surrealismo,
concretismo), sempre foi uma modalidade po�tica bastante estudada,
discutida e praticada. Por isso n�o serei repetitivo e tratarei apenas
de dimensionar o mais recente trabalho de Glauco Mattoso, o disco
MELOP�IA, SONETOS MUSICADOS (SP, Rotten Records, 2001), dentro de um
contexto gen�rico, contempor�neo e no qual tem peso maior a pol�tica da
forma.

"Melop�ia" � um termo cunhado por Pound para classificar um tipo de


poesia "na qual as palavras est�o carregadas, acima e al�m de seu
significado comum, de alguma qualidade musical que dirige o prop�sito ou
tend�ncia desse significado". O disco re�ne uma antologia de poemas --
em diferentes arranjos e ritmos -- que s�o interpretados por v�rios
artistas. Segundo o pr�prio Glauco, trata-se de uma releitura
antropof�gica dos sonetos publicados nos livros CENTOP�IA: SONETOS
NOJENTOS & QUEJANDOS, PAULISS�IA ILHADA: SONETOS T�PICOS, GEL�IA DE
ROCOC�: SONETOS BARROCOS (Ci�ncia do Acidente, 1999) e PANAC�IA: SONETOS
COLATERAIS (Editora Nankin, 2000).

Nunca a forma fixa esteve t�o bem (ou mal) acompanhada, com bandas e
cantores que v�o do punk ao samba, do rockabilly ao blues, do jazz ao
funk, do folk ao techno -- al�m de samplers de sonatas para cravo (de
Scarlatti) introduzindo cada faixa do disco. Cada trecho � da sonata
cujo n�mero corresponde ao de um soneto. Por exemplo: o disco abre com
um trecho do in�cio da sonata 150, para introduzir o soneto 150.

Somente com essa mistura de universos, Glauco j� estaria posicionado na


contram�o da caretice que rodeia a dita forma fixa. Mas o autor paulista
escancara que o soneto n�o � a camisinha da poesia e que o tema "law"
[sic] -- escatologia, homossexualidade, fetiche etc. -- sempre serviu
bem � literatura de todos os tempos e estirpes, demonstrando o engodo
que pode ser a mera demonstra��o de gin�stica formal.

Dialogando com o que h� de mais vivo na tradi��o, os sonetos investem


contra o mau uso da forma, servindo como ant�doto contra todo tipo de
conservadorismo. Em Glauco respiram e conspiram Greg�rio de Mattos e
Bocage -- para citar apenas dois de uma vasta linhagem de rebeldes.

Por isso, uma das import�ncias fundamentais desse disco de sonetos


musicados � a possibilidade de se perguntar o quanto as formas po�ticas
s�o tamb�m pol�ticas. Por tr�s de pergunta t�o simples, pode-se chegar a
respostas que envolvem a pr�pria cria��o po�tica ou, mais
especificamente, a sua liberdade de linguagem. Como j� disse, n�o se
trata aqui de patrulhar o soneto, metendo-se a julgar a import�ncia de
faz�-lo ou n�o, mas avaliar as diferentes inten��es dos praticantes de
hoje, que v�o desde um poeta conservador como Alexei Bueno, at� um
libert�rio maldito como Glauco Mattoso. N�o restam d�vidas que a fama de
forma r�gida, facilmente atribu�da ao soneto, pode ser usada como
bandeira para cruzadas conservadoras, chamando para si a tarefa de
elevar a "baixa" produ��o de uma �poca. Contudo, dependendo da vis�o de
mundo do autor, de seu comprometimento com a inser��o da poesia no seu
tempo, etc., a mesma fama pode contribuir para um efeito contr�rio, de
extrema consci�ncia pol�tica, est�tica e comportamental. � o caso do
poeta paulista Glauco Mattoso.

Talvez porque sempre transitou pela forma fixa com inventividade e rigor
libert�rios, fazendo haicais urbanos e limericks nordestinos, por
exemplo. Neste caso, chegando a produzir uma verdadeira obra-prima:
LIMEIRIQUES & OUTROS DEBIQUES GLAUQUIANOS (Edi��es Dubolso, 1989).
Limeirique, segundo Glauco, � um h�brido de limerick (forma justa
inglesa, composta de versos metrificados em 10/10/5/5/10) e Z� Limeira
(cantador do Nordeste, conhecido como poeta do absurdo). Glauco misturou
poesia popular nordestina -- via Br�ulio Tavares -- com poesia inglesa
tradicional, transformando o limerick em limeirique. Uma apropria��o
"abrazileirada" e abusada da tradi��o.

Glauco parece n�o se contentar em simplesmente mudar o r�tulo do pote de


conserva ou somente trocar a sua �gua. Tamb�m parece n�o se render ao
pudor de comer a iguaria para ficar conservando-a indefinidamente at� a
sua putrefa��o. Sabe o quanto � bom e necess�rio com�-las.

///

[3.3] COMMENTARIO DE SYLVIO ESSINGER

A materia abbaixo sahiu em 15/7/2001 no JORNAL DO BRAZIL (Rio de


Janeiro) e vae transcripta na graphia original.

"O SOM DE OUTRAS VIS�ES PO�TICAS"

Lan�ando disco com sonetos seus musicados, Glauco Mattoso enfrenta a


cegueira com arte, transgress�o e humor

Mito da chamada poesia marginal daquele Brasil dos cinzentos anos 70, o
paulistano Pedro Jos� Ferreira da Silva, 50, acabou conhecido pelo
grande p�blico em 1984, quando Caetano Veloso o citou no meio da
torrente verbal que � a letra de "L�ngua", faixa do LP VEL�. N�o pelo
nome de batismo, mas pelo de Glauco Mattoso, "pseud�nimo-trocadilho" que
adotou por causa do glaucoma que lhe roubaria a vis�o por completo em
meados da d�cada de 90. Depois de envolvimentos com quadrinhos, tradu��o
e produ��o fonogr�fica (para o selo punk Rotten Records), ele volta ao
campo que mais divulgou seu nome: o da can��o popular. Pela Rotten, ele
acaba de editar o CD MELOP�IA, em que diversos nomes mais e menos
conhecidos do pop brasileiro musicam os sonetos que come�ou a tra�ar nas
noites de ins�nia provocadas pela cegueira. "Como n�o podia escrever, ia
guardando tudo na mem�ria", conta. A escala��o do CD tem de Arnaldo
Antunes ("Confessional"), Humberto Gessinger (l�der dos Engenheiros do
Hawaii, em "Revista") e o metabrega Falc�o (ao lado do ator Eriberto
Le�o em "Prec�puo") aos punks Inocentes ("Preguicista") e Devotos
("Dercy Gon�alves"), o punk-brega Wander Wildner ("Ensa�stico") e o
inclassific�vel Itamar Assump��o (com Renata Mattar em "Am�lia &
Em�lia"), passando pelos undergrounds Billy Brothers ("Escatol�gico"),
Laranja Mec�nica ("Confessional") e DJ Kr�neo (fragmentos de "Ut�pico" e
"Inescrupuloso"). Com capa do quadrinista Louren�o Mutarelli e
interpola��es de m�sica barroca, o CD, segundo Glauco, re�ne artistas
que, como ele, se pautam pela transgress�o. Ou n�o � transgressor um
adorador de p�s masculinos que j� escreveu o MANUAL DO POD�LATRA AMADOR
e, desbravador da l�ngua, j� criou o DICIONARINHO DO PALAVR�O?

Tradu��o de Borges - Nos sonetos, Glauco descobriu o rigor que evitava


quando ainda conseguia enxergar algo. "Naquela �poca, minha poesia era
muito livre, concretista, e dependia muito do visual", explica,
lembrando-se do tempo enorme que levava montando poemas concretos em sua
m�quina de escrever. A produ��o de sonetos, que ele acabou lan�ando nos
livros GEL�IA DE ROCOC�: SONETOS BARROCOS (1999) e PANAC�IA: SONETOS
COLATERAIS (2000), foi a respons�vel por salv�-lo da depress�o depois de
sucessivas cirurgias oculares que, como ele faz quest�o de repetir,
"acabaram se revelando infrut�feras". Quando as trevas come�aram a
roubar seu mundo, ele ainda se empenhou na tradu��o, junto com Jorge
Schwartz, do livro FERVOR DE BUENOS AIRES, estr�ia do escritor (cego)
argentino Jorge Luis Borges - acabou ganhando um Pr�mio Jabuti pelo
trabalho. "Acho que, espiritualmente, Borges me passou alguma coisa",
diz Glauco. Alguns desses sonetos ele mandou para compositores, que
aceitaram o desafio de music�-los. "Achei que esse disco ia levar uns
dois, tr�s anos para ficar pronto. Mas os pedidos foram atendidos com o
maior interesse e o disco saiu em nove meses. Foi um parto", diz o
poeta. Glauco considera a forma do soneto pouco male�vel para a m�sica,
e achava que s� as bandas punks, atropelando os versos, poderiam cumprir
a tarefa. Longe de ser punk, Humberto Gessinger comp�s de um dia para o
outro a melodia para "Revista". "Essa vis�o dos meios de comunica��o me
atraiu bastante", conta Gessinger. "O que achei mais legal � que, apesar
da linguagem coloquial, o poema � formalmente rigoroso. Quanto mais
r�gida a letra, mais flexibilidade ela d� � m�sica." Glauco Mattoso acha
que nos dias de hoje n�o h� mais como dissociar poesia da m�sica:
"Depois de Vinicius, Chico e Caetano, os poetas ou j� s�o letristas ou
s�o m�sicos. E, al�m do mais, fazer um CD tem sido mais barato do que
fazer um livro."

Subproduto - N�o � por acaso que MELOP�IA tem uma capa que parodia a de
TROPIC�LIA OU PANIS ET CIRCENSIS, o disco-manifesto do tropicalismo.
"Sou um subproduto do tropicalismo", admite. "N�s, os poetas marginais,
absorvemos essa salada, essa no��o de descontra��o nada acad�mica." Al�m
disso, lembra Glauco, os tropicalistas se reportavam muito ao
modernismo, que est� na base de sua poesia. Mas ainda teve aquela for�a
de Caetano Veloso em "L�ngua", n�o? "Meu nome j� circulava antes de ele
ter me citado. A m�sica n�o chegou a alterar minha trajet�ria, s� ajudou
um pouco em termos de m�dia", minimiza ele, admitindo uma afinidade com
Caetano, mas ressalvando que o baiano � "muito mais clean". "Minha
matriz � Greg�rio de Matos e Bocage. Por uma op��o est�tica, h� uma
s�rie de palavras que Caetano n�o usa nas m�sicas", explica.
Simpatizante do movimento hippie na d�cada de 70, Glauco chegou a morar
um tempo no Rio na meca do paz e amor, o bairro de Santa Teresa. "Era um
lugar onde se respirava paz, subir o morro de bondinho era uma esp�cie
de conto de fadas. Fico muito chateado quando ou�o hoje hist�rias como a
daquela mulher que foi estuprada e morta l�", diz. Anos mais tarde, seu
inconformismo o levou ao punk, dentro do qual encontrou uma grande
paix�o: os skinheads. Paix�o gerada por causa do rock que os skins
ouviam e da est�tica, de cabe�as raspadas, que ele passou a adotar.

Sadomasoquismo - O gosto pelos carecas vem de 1985, quando o poeta


escreveu o livro O CALV�RIO DOS CARECAS, n�o sobre skins, mas sobre as
v�timas de trote nas universidades. Certa vez, ele chegou a se fingir de
calouro s� para passar pelas humilha��es e dar vaz�o �s suas tend�ncias
sadomasoquistas. Fundador em 1979 de um dos primeiros grupos gays do
Brasil, o Somos - Grupo de Afirma��o Homossexual, Glauco diz ter ficado
revoltado quando carecas mataram um homossexual na Pra�a da Rep�blica,
em S�o Paulo, em fevereiro do ano passado: "Aquilo foi coisa de
desequilibrado!" Hoje, os dias de isolamento de Glauco em seu
apartamento no bairro de Vila Mariana, em S�o Paulo, ficaram para tr�s.
A ajud�-lo h� seu companheiro e o sistema DOS Vox, desenvolvido pela
UFRJ, que permite que ele escreva seus textos e at� mande e-mails
sozinho. Aposentado por invalidez pelo Banco do Brasil em 1991, Glauco
ganha apenas o necess�rio para o sustento. "Mas sou um ser econ�mico.
Aqui em casa j� existia o apag�o", debocha. Dependendo do sucesso da
primeira prensagem de MELOP�IA, ele pensa em batalhar por uma edi��o
comercial. Um segundo volume j� est� sendo preparado, com sonetos
musicados por Arrigo Barnab�, Chico C�sar, Comunidade Nin Jitsu, Laura
Finocchiaro e Tom Z�. Logo tamb�m devem estar sendo relan�ados a
colet�nea do JORNAL DOBRABIL (folheto sat�rico que editava nos anos 70)
e o MANUAL DO POD�LATRA AMADOR. Depois de tanta treva, enfim um pouco de
luz sobre Glauco Mattoso.

/// [12/11/2016]

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