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A Pontuação Não Gramatical de GR - Aira Suzana

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE LETRAS

A PONTUAÇÃO NÃO-GRAMATICAL DE GUIMARÃES ROSA: UM


ESTUDO SEMIÓTICO

AIRA SUZANA RIBEIRO MARTINS

Rio de Janeiro
2006
2

AIRA SUZANA RIBEIRO MARTINS

A PONTUAÇÃO NÃO-GRAMATICAL DE GUIMARÃES


ROSA: UM ESTUDO SEMIÓTICO

Tese de Doutorado em Língua Portuguesa a


apresentada ao Conselho dos Cursos de Pós-
Graduação da Faculdade de Letras da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.
Orientadora: Dra. Darcilia Marindir Pinto Simões
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC

R 788 Martins, Aira Suzana Ribeiro.


A pontuação não gramatical de Guimarães Rosa : um estudo
semiótico / Aira Suzana Ribeiro Martins. – 2006.
167 f.

Orientadora : Darcilia Marindir Pinto Simões


Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Instituto de Letras

1. Rosa, João Guimarães, 1908-1967 – Crítica e interpretação. 2.


Semiótica e literatura – Teses. 3. Língua portuguesa – Pontuação –
Teses. I. Simões, Darcilia Marindir Pinto. II. Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Instituto de Letras. III. Título.

CDU 869.0(81)-95
Agradecimentos

À minha família pela compreensão,


aos amigos pelo apoio;

e, especialmente,
à professora Darcilia, pela orientação
segura e amizade demonstrada ao longo
do trabalho.
2

O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é


isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram
terminadas — mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou
desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso me
alegra, montão. (Grande Sertão:Veredas, p. 20-21)
3

SINOPSE

Estudo semiótico da pontuação especial da obra de Guimarães Rosa. Leitura


semiótica dos ícones e índices da oralidade. Identificação das vozes presentes
no texto. Leitura das pistas semióticas para a construção das imagens mentais
do texto. Interpretação dos usos particulares dos sinais de pontuação. Ilustração
dos usos estudados.
4

SUMÁRIO

SINOPSE........................................................................................................................... 3

A PONTUAÇÃO NÃO-GRAMATICAL DE GUIMARÃES ROSA: UM


ESTUDO SEMIÓTICO..................................................................................................... 6

1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................6

2. A LINGUAGEM NA MODALIDADE ORAL E NA MODALIDADE ESCRITA ..16

2.1. A inter-relação oral & escrito ...................................................... 23

2.2. O ritmo da escrita ........................................................................ 27

2.3. Conclusão .................................................................................... 33

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ..............................................................................34

3.1. Sintaxe, semântica e pragmática.................................................. 41

4. A ORALIDADE E O DISCURSO ROSIANO ...........................................................43

5. PONTUAÇÃO NA OBRA DE GUIMARÃES ROSA...............................................48

5.1. O emprego da vírgula .................................................................. 50

5.1.1. Conclusão ................................................................................. 64

5.2. O emprego dos dois-pontos ......................................................... 67

5.2.1. Conclusão ................................................................................. 78

5.3. O emprego do travessão............................................................... 80

5.3.1. Conclusão ................................................................................. 89

5.4. O emprego do ponto-e-vírgula..................................................... 90

5.4.1. Conclusão ............................................................................... 106

5.5. O emprego do ponto .................................................................. 109

5.5.1.Conclusão ................................................................................ 129

5.6. O emprego do ponto-de-interrogação........................................ 130

5.6.1. Conclusão ............................................................................... 138


5

5.7. O emprego do ponto-de-exclamação ......................................... 139

5.7.1. Conclusão ............................................................................... 143

5.8. O emprego das reticências ......................................................... 144

5.8.1.Conclusão ................................................................................ 147

5.9. O emprego dos parênteses ......................................................... 148

5.9.1. Conclusão ............................................................................... 149

6. UMA PRIMEIRA CONCLUSÃO. ........................................................................150

7. CONCLUSÕES........................................................................................................153

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................157


6

A PONTUAÇÃO NÃO-GRAMATICAL DE GUIMARÃES


ROSA: UM ESTUDO SEMIÓTICO

1. INTRODUÇÃO

Nosso trabalho, com base na teoria da iconicidade de Peirce (1995), se


propôs fazer um estudo estilístico-semiótico dos sinais de pontuação na obra
de Guimarães Rosa, com vistas a descobrir os usos especiais dos sinais de
pontuação presentes na obra do autor. Nesta tese, damos continuidade à
pesquisa desenvolvida no Mestrado, em que fizemos um estudo de três sinais
de pontuação – os dois-pontos, o travessão e o ponto-e-vírgula – de Tutaméia,
última obra publicada em vida pelo escritor.

Optamos por concentrar nosso estudo nas seguintes obras: Sagarana,


Manuelzão e Miguilim, No Urubuquaquá, no Pinhém, Noites do Sertão,
Grande Sertão: Veredas, Primeiras Estórias, Tutaméia e Estas Estórias.
Foram excluídas as obras Magma (1997) e Ave, Palavra (1970). O primeiro
livro foi excluído pelo fato de o conjunto da obra de Guimarães Rosa ser
basicamente em prosa; logicamente, o gênero preferido pelo autor e,
conseqüentemente, a parte em que a genialidade artística do escritor se torna
mais evidente. A última obra, Ave, Palavra, onde se encontram poemas,
peças, reportagens, diários, notas de viagens e alguns contos, foi editada
postumamente, graças ao trabalho de Paulo Rónai, que reuniu todos os
escritos não publicados pelo escritor. Os textos desse livro são de extrema
originalidade, porém, entendemos que a obra organizada pelo próprio autor
ofereça material suficiente para o estudo pretendido. Embora a obra Estas
Estórias seja também uma publicação póstuma, decidimos incluí-la em nosso
trabalho, pois Guimarães Rosa, em seus últimos dias se dedicava à finalização
da revisão dos contos selecionados que fariam parte de sua próxima obra, já
tendo, inclusive, índices esboçados, nos quais Paulo Rónai se orientou para
organizar a publicação.
7

Elegemos a semiótica lingüística de extração peirceana como


fundamento técnico-científico de nossa pesquisa, porque temos observado que
essa vertente semiótica, especialmente aplicada ao levantamento dos valores
icônicos ou indexicais dos sinais de pontuação, pode fornecer subsídios para a
objetivação dos fenômenos observados, no caso, o texto de Guimarães Rosa.
Conforme observa Pignatari (1987), a doutrina peirceana nos convida e nos
instiga a compreender melhor não apenas os signos não-verbais em suas
naturezas específicas, como também o próprio signo verbal em relação aos
demais.

Sabemos que, modernamente, o artista procura criar certa


“deformação” no texto com o objetivo de provocar inquietações no leitor.
Esse processo de interação entre texto e leitor resultará no surgimento de um
sentido dentre vários possíveis para uma obra. Essa concepção contemporânea
de arte pode ser respaldada na fundamentação da teoria semiótica adotada,
para a qual os signos presentes no texto apresentam instruções para que o
sentido do texto se construa na mente interpretadora do sujeito leitor.

De acordo com Iser (1996), o texto ficcional exige um sujeito, isto é,


um leitor; o texto, como material dado, é apenas virtualidade, que se atualiza
no sujeito. Guimarães Rosa tinha exatamente a mesma concepção dessa
relação dialógica da obra de arte, conforme podemos observar em seu arquivo
pessoal, hoje aos cuidados do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), da
Universidade de São Paulo.

Em carta à Harriet de Onis (1959), o escritor afirma:

Pode parecer crazy de minha parte, mas quero que o leitor


tenha de enfrentar um pouco o texto, como um animal bravo e
vivo. O que eu gostaria era de falar tanto ao inconsciente
quanto à mente consciente do leitor.

Após a testagem dos esquemas semióticos em análises de variados


textos, comprovamos a eficiência dessa base teórica para o atingimento de
nossos objetivos de pesquisa. Isso porque, a partir de uma classificação
calcada na iconicidade diagramático-sintagmática, torna-se possível objetivar
funções e valores inscritos nos signos que compõem o texto. Em outras
8

palavras: a identificação das funções sígnicas (ícone, índice e símbolo) serve


de base para determinação de funções intratextuais tais como: classes
gramaticais, funções sintáticas, valores estilísticos, etc, elementos estes que
orientarão (ou desorientarão) a leitura e a compreensão da mensagem contida
no texto.

A escolha da obra de Guimarães Rosa para corpus de nosso trabalho se


deveu ao fato de o texto rosiano se apresentar instigante em todos os aspectos:
no léxico, com a criação vocabular e a revitalização de arcaísmos; no nível
sintático, com a inversão da ordem tradicional dos vocábulos e sintagmas na
oração, o uso de orações condensadas, as construções elípticas e o uso dos
sinais de pontuação.

A pontuação empregada por Guimarães Rosa é um item que desperta a


atenção do leitor, fato comprovado por depoimentos obtidos durantes muitos
nos anos de magistério. Por esse motivo, fizemos um estudo detalhado da
pontuação em sua obra. Percebemos que, embora o autor não despreze as
regras gramaticais da língua portuguesa, é capaz de reorganizá-las para
alcançar determinado efeito expressivo.

A extravagante pontuação captável na obra do autor, empregada com o


objetivo de fazer realçar a linguagem própria do homem sertanejo, é capaz de
recriar a fala desse indivíduo e permitir que se formem imagens da cena
descrita nas mentes leitoras. A disposição dos sinais de pontuação na sua
escrita é capaz de recriar até mesmo o ritmo cadenciado típico das canções e
narrativas populares, formas de textos comuns na época em que a
comunicação se fazia oralmente. O texto rosiano, próprio para ser falado, faz-
nos relembrar os trovadores e os jograis. O papel da escritura é somente o de
fixar a história. O autor, para recuperar as características da fala ausentes na
escrita, utiliza os sinais de pontuação. Segundo Mattoso Câmara (1999), o
desaparecimento da mímica e das inflexões ou variações do tom de voz, que
têm valor expressivo na leitura do texto, carecem de suprimento por outros
recursos; assim, na escrita, a pontuação pode viabilizar para o leitor a
recriação do jogo de pausas e cadências.
9

De acordo com observações de Mendes (1998), a forma como


Guimarães Rosa elaborou sua obra leva-nos a acreditar em sua intenção de
promover o resgate da época do livro feito artesanalmente, visto como uma
preciosidade, repleto de ornamentos, que, além de serem marcas autorais dos
copistas, funcionavam como signos orientadores para a leitura em voz alta.

Vista por esse prisma, podemos afirmar que a obra de Guimarães Rosa
valoriza a palavra falada por intermédio do trabalho escrito. O texto impresso
seria uma forma de recriação da oralidade; e os sinais de pontuação, índices
orientadores da leitura em voz alta e da produção do sentido, como podemos
observar na seguinte passagem:

“[...] E, de escondido, de dentro do mato, o sacizinho o viu


passar. O sací se disse :  ‘ Li-u-li-u-lí! Já também vou, faz
tempos que careço duma viagem...’ Os écos. Porque o Saci vê
assim e imita a gente...” (“Cara-de-Bronze”, p.113)

Notamos que, muitas vezes, o leitor vê-se obrigado a ler o texto em


voz alta, pois certas passagens só fazem sentido quando pronunciadas com
expressividade.

Percebemos também que, a exemplo dos livros manuscritos pelos


copistas medievais, uma mesma palavra aparece grafada de diferentes
maneiras como saci, no exemplo anterior, que ora é acentuada e com letra
minúscula, ora aparece com letra maiúscula e sem acento. O mesmo acontece
com a palavra Qualhacoco, na passagem seguinte:

“–‘... um morro, que mandou recado! Ele disse, o Catraz, o


Qualhacôco... Esse Catraz Qualhacoco, que mora na lapinha,
foi no Salomão, ele disse... E tinha sete homens lá, com o
irmão dele, caminhando juntos, pelos altos... Você acredita?’”
(“O recado do morro”, p. 34).

As reticências — além de serem providas de significado específico —


são indicações de respiração semelhante à marcação teatral.
10

Guimarães Rosa também realizava desenhos com palavras ou


palavras-desenho com ornamentos que devem ser respeitados ao serem
pronunciadas, como Cãtõte e J’sé-jórjo :

“E teve uma hora quando conversavam, acabado de fechar o


pasto dos Olhos-d’Água, que o Cãtõte não aguentou mais,
provocou discussão. Mas o J’sé-jórjo avançou para perto, num
gozo regozijo...” (“O recado do morro”, p. 223).

Notamos que o escritor, com o propósito de causar um efeito


expressivo especial, ignora as regras ortográficas. Nessa passagem, vemos o
duplo til no substantivo Cãtõte e a supressão do trema na forma verbal
aguentou. Observa-se também a grafia inusitada de J’sé-jórjo como uma
tentativa de recriação da fala truncada do homem rude do sertão de Minas. O
mesmo procedimento pode ser observado na grafia dos termos Li-u-li-u-lí e
éco, em exemplo já comentado. Nesse caso, provavelmente, ocorre a intenção
de instrução de leitura ou pode ser mais um exemplo de escrita especial
adotada pelo escritor.

Mendes (1998) vê, ainda, a possibilidade de se fazer analogia do texto


rosiano com uma partitura musical, onde a exploração do extrato fônico se
une aos sinais de pontuação, aos apóstrofos, fazendo a marcação de
compassos, ritmo, andamento, sinais de respiração e silêncios. Segundo ele,
no texto rosiano “há inúmeras palavras que, mais que escritas, são
praticamente desenhadas ou com marcações de ornamentos a serem
observadas na execução da possível fala-canto.” (p.59). De acordo com
Ângela Vaz Leão (1968), pode-se notar, inclusive, a presença de um fundo
musical em passagens de “O Burrinho pedrês” (1974). A descrição detalhada
de certas passagens leva o leitor a se colocar no ambiente do episódio narrado,
tamanha é a riqueza de detalhes.

Como podemos observar, a obra do escritor mineiro, além de ter o


emprego singular da palavra escrita, é rica em recursos expressivos, com uma
profusão de marcas visuais especialíssimas, portadoras de significados como
os sinais de pontuação e outros símbolos que necessariamente conduzem a um
11

sentido, assim como o desenho que fecha o texto de Grande Sertão: Veredas

(1978): (∞). Somente uma teoria abrangente como a de Peirce seria capaz de

decifrar as relações de sentido presentes na obra rosiana.

A profusão de vírgulas, travessões, pontos-e-vírgulas, reticências,


exclamações e de outros sinais que não são propriamente de pontuação, como
aspas, capitulares, palavras escritas em itálico, conferem intenso dinamismo
às narrativas e demonstram os diversos malabarismos de escrita presentes na
obra do escritor. O aspecto visual do texto revela esse dinamismo nos textos e
causa impacto no leitor. É nítida a eloqüência do contador de histórias, que se
dirige ao leitor/ouvinte, procurando tornar reais e espetaculares as cenas
descritas.

Portanto, a leitura de textos rosianos, ou mesmo de passagens de obras


mais extensas, feita a partir das pistas oferecidas pelos sinais de pontuação
pode ser uma forma de o professor apresentar o texto do escritor mineiro ao
aluno. Dessa forma, o mestre terá oportunidade de demonstrar ao estudante a
importância dos sinais de pontuação, pois, além de terem a função de fazer a
delimitação lógico-discursiva no texto, são importantes recursos estilísticos.
Ao lado disso, haverá a oportunidade de desmitificar a leitura do texto
rosiano, aproximando-o do estudante e dando a este a oportunidade de
conhecer um universo literário muito especial.

Buscamos investigar se, além do emprego dos sinais e pontuação ter


sua motivação nas questões sintático-discursivas, a colocação desses sinais
está ligada também à enunciação. Nosso passo seguinte foi a verificação dos
elementos de maior importância na pontuação do texto do autor. Nesta tese, a
partir da análise da pontuação na obra de Guimarães Rosa, buscamos
demonstrar os valores icônicos e indexicais dos sinais de pontuação na
configuração textual, com o objetivo de identificar os valores e funções
extragramaticais dos sinais de pontuação presentes nos textos do escritor
mineiro.

Decidimos utilizar como corpus de nosso trabalho a obra em prosa


publicada pelo autor, pelos motivos anteriormente declarados, por
12

consideramos seus textos um patrimônio da literatura brasileira e ainda pelo


fato de estes se constituírem numa fonte inesgotável de estudos, dada a
riqueza de conteúdo oriundo de pesquisa, conforme declaração do próprio
autor em entrevista a Günter Lorenz, quando este se referiu à sua genialidade:
“Genialidade, pois sim. Mas eu digo: trabalho, trabalho, trabalho!” (cf.
Coutinho,1991).

Todo o material recolhido pelo autor, e com o qual ele se nutria para
elaborar seus textos - reunido no Instituto de Estudos Brasileiros da
Universidade de São Paulo - confirma a declaração transcrita no parágrafo
anterior: cadernetas com anotações, livros especializados, recortes com fotos e
textos sobre animais, fotos de bois, cavalos, vaqueiros e tropeiros, listas de
palavras, expressões, provérbios, etc. mostram que a originalidade presente na
sua obra resulta de um meticuloso planejamento. O conteúdo da pesquisa
incorporado ao enredo das histórias, à fala dos personagens, à fala do
narrador, faz com que o texto estabeleça um diálogo com todo esse material
recolhido pelo autor. É interessante notar que não há notas de rodapé para
esclarecer o leitor sobre a origem de determinado termo. O conteúdo da
pesquisa é incorporado ao texto, gerando um efeito de realidade.

Portanto, do trabalho de coleta resultaram textos produzidos com


maestria semiótica, uma vez que os signos que constroem sua trama são ali
estrategicamente colocados, talvez que com perícia de desenhista. Os signos
são trançados no texto como quem constrói armadilhas que ora capturam a
idéia e a entregam ao leitor ora capturam a idéia e o leitor. Por isso, a análise
do texto de Guimarães Rosa feita a partir de um suporte semiótico é uma
imposição da própria natureza do corpus.

Durante a elaboração de nossa dissertação de Mestrado, já tínhamos


decidido dar continuidade à pesquisa da obra de Guimarães Rosa, porque,
após levantamento em bancos de teses de universidades, constatamos que
existem numerosos trabalhos em torno da obra do escritor mineiro
concentrados, sobretudo, na área de Literatura. As poucas dissertações e teses
da área de Língua Portuguesa, cujo corpus é a obra de Guimarães Rosa, fazem
13

estudos no campo da Morfologia, Lexicologia, Lexicografia e Filologia. As


pesquisas na linha da Semiótica são feitas, principalmente, na área de
Literatura e de Teoria Literária. Há também um bom número de abordagens
em outras áreas como Botânica, Geografia, Artes Plásticas, Cinema,
Sociologia, História e Psicanálise, conforme pudemos verificar em recente
seminário 1 em que se discutiu exaustivamente a obra do escritor mineiro.
Percebemos que não há grande quantidade de trabalhos referentes ao estudo
da língua recriada por Guimarães Rosa, a despeito de sua intenção em
promover uma revitalização da língua, de acordo com declaração sua feita em
correspondência:

Deve ter notado que, em meus livros, eu faço, ou procuro fazer


isso, permanentemente, constantemente, com o português:
chocar, “estranhar” o leitor, não deixar que ele repouse na
bengala dos lugares-comuns, das expressões domesticadas e
acostumadas: obrigá-lo a sentir a frase meio “exótica”, uma
“novidade” nas palavras, na sintaxe... (Carta à Harriete de Onis,
1959)

Constatamos ainda que não há registro de pesquisas dedicadas à


pontuação empregada pelo escritor. Dessa forma, acreditamos que nosso
trabalho poderá ser útil para a comunidade de pesquisadores das Letras e da
obra de Guimarães Rosa, em especial.

Assim como seus livros resultam de cuidadoso trabalho com o


vernáculo, Guimarães Rosa se preocupava também com a permanência de sua
obra no quadro da Literatura Brasileira na posteridade, segundo declarou: “...
quero escrever livros que depois de amanhã não deixem de ser legítimos.”
(Coutinho, 1991:81).

Com o objetivo de provocar o estranhamento no leitor, procurava


“limpar” a palavra das impurezas da linguagem, empregando-a em sentido
absolutamente original. Também, segundo ele, incluía, em suas histórias,
expressões do Português medieval e neologismos.

1
II Seminário Internacional Guimarães Rosa – PUC Minas. 27 a 31 de agosto de 2001.
14

Ângela Vaz Leão, em palestra no II Seminário Internacional


Guimarães Rosa, declarou que a linguagem do escritor mineiro já nasceu
velha, em virtude da grande quantidade de arcaísmos e expressões próprias da
linguagem da cultura sertaneja. Para a estudiosa, esses fatores sustentam a
permanência da obra rosiana. Como vemos, o projeto do autor mineiro em
relação à sua obra se concretizou, e a cada dia atrai um número maior de
pesquisadores.

Cremos que a tríade ícone, índice e símbolo, que pode ser extraída de
esquemas diagramáticos, por exemplo, possa representar as estruturas
sintagmáticas do texto rosiano, justificando a sua pontuação e explicitando
seus recursos estilísticos.

Nesta pesquisa, inicialmente, tecemos algumas considerações sobre a


linguagem na modalidade oral e na modalidade escrita da língua, já que o
texto de Guimarães Rosa está ligado tanto à modalidade oral quanto à escrita;
em seguida procuramos estabelecer a inter-relação entre a oralidade e a
escrita.

Já que nosso objeto de estudo é o texto escrito, buscamos informações


sobre o ritmo que se observa na escrita, com o objetivo de identificar o ritmo
que captável no texto rosiano, tanto na leitura oral expressiva quanto na
leitura silenciosa.

Após alguns comentários sobre as principais obras pesquisadas para a


elaboração de nossa tese, fizemos um breve comentário sobre a sintaxe, a
semântica e a pragmática, já que esses fatores estão diretamente relacionados
com o emprego da pontuação. Em seguida passamos ao nosso objeto de
estudo, que é a obra de Guimarães Rosa, em que desenvolvemos um capítulo
sobre a presença da oralidade no texto rosiano. A seguir fizemos uma
apreciação geral da pontuação empregada pelo autor, para, finalmente,
passarmos ao estudo do corpus selecionado.

Estudamos o emprego dos seguintes sinais na obra do escritor mineiro:


a vírgula, os dois-pontos, o travessão, o ponto-e-vírgula, o ponto, o ponto-de-
15

interrogação, o ponto-de-exclamação, as reticências, os parênteses. Por último


tecemos as considerações finais sobre a pesquisa proposta.

Por fim, esclarecemos sobre a terminologia utilizada na pesquisa.


Empregamos indistintamente as expressões língua escrita, modalidade escrita
da língua, escrita e língua oral, modalidade oral da língua, oralidade.

Por termos utilizado a teoria semiótica do filósofo norte-americano


Peirce, empregamos os termos, ícone, índice e símbolo. O signo, grosso
modo, se refere a qualquer coisa que substitui uma outra coisa para algum
intérprete. Em relação aos objetos que representam, os signos se classificam
em ícones ou signos que guardam semelhança com a realidade exterior;
índices ou signos que mantêm uma relação de contigüidade com a realidade
exterior e símbolos ou signos convencionais. O adjetivo indicial — relativo a
índice —divide espaço com o termo indexical. Ainda em relação à teoria de
Peirce, empregamos o termo abdução para fazes referência a um tipo de
raciocínio vago, com caráter instintivo, um tanto o quanto hipotético; semiose
se refere à ação do signo de ser interpretado em outro signo, já que, para
Peirce não há pensamento sem signos.

Os termos primeiridade, secundidade e terceiridade também dizem


respeito à teoria semiótica de extração peirceana. Esses nomes se referem às
categorias dos signos,ou seja, a primeiridade recobre o nível do sensível e do
qualitativo, e abrange o ícone; a secundidade diz respeito à experiência, ao
evento, relacionando-se, portanto, ao índice, e, por fim, temos a categoria da
terceiridade , relacionada ao símbolo, refere-se à mente, ao pensamento e à
razão.

Há, neste trabalho, também, referência a sentido e significado e


significação. Esclarecemos que sentido é o efeito total que o signo deve
produzir e produz imediatamente na mente, sem qualquer reflexão prévia.
Significado é o efeito direto realmente produzido no intérprete pelo signo, ou
seja, é aquilo concretamente experimentado concretamente em cada ato de
interpretação, dependendo, portanto, do intérprete e da condição do ato e
sendo diferente de outra interpretação. Significação é o efeito produzido pelo
16

signo sobre o intérprete em condições que permitissem ao signo exercitar seu


efeito total; é o resultado interpretativo a que todo e qualquer intérprete está
destinado a chegar, se o signo receber a suficiente consideração.
O termo enunciado é empregado como frase ou oração e enunciação
se refere ao ato individual de utilização da língua. Desse modo a enunciação é
o conjunto de fatores e de atos que provocam a produção de um enunciado.

2. A LINGUAGEM NA MODALIDADE ORAL E NA


MODALIDADE ESCRITA

A palavra falada é imediata, local e geral. Quando falamos,


falamos para ser ouvidos imediatamente, com quem está ali ao
pé de nós, e de modo a que sejamos facilmente entendidos
dele, que sabemos quem é, ou calculamos que sabemos que
pode ser toda a gente, devendo nós, pois falar como se fosse
qualquer. A palavra escrita é mediata, longínqua e particular.
Quando escrevemos, e tanto mais e quanto melhor e mais
cuidadosamente escrevemos, dirigimo-nos a quem não nos vai
ouvir, que é ler, logo; a quem não está ao pé de nós; a quem
poderá entender-nos e não a quem tem que entender-nos,
tendo nós pois primeiro que o entender a ele. (Fernando
Pessoa, A língua portuguesa, p. 56)

A observação de Fernando Pessoa sobre a diferença entre oralidade e


escrita é bem oportuna ao nosso trabalho pelo fato de Guimarães Rosa
escrever para ser ouvido. Logo, seu trabalho é bastante árduo, pois, além de
ter o cuidado de se fazer entender ao leitor, precisa de buscar recursos capazes
de criar o efeito de oralidade no texto escrito.

É incontestável que o alfabeto foi uma das maiores criações da


humanidade. Essa invenção possibilitou ao homem criar uma infinidade de
mensagens por meio de um reduzido número de signos. A invenção dessa
técnica inteiramente artificial propiciou, inclusive, o surgimento do primeiro
ofício da linguagem, que é o de escriba. Marcuschi (2001) observa que numa
sociedade como a nossa, a escrita, sendo uma manifestação formal de vários
tipos de letramento, é mais do que uma tecnologia. A modalidade escrita de
17

uma língua se tornou um bem social, essencial à própria sobrevivência, pela


forma como penetrou na sociedade moderna e impregnou a cultura. Por esse
fato, a escrita se tornou indispensável, simbolizando, mesmo,
desenvolvimento e poder. Na obra de Guimarães Rosa são comuns passagens
em que o personagem reconhece a superioridade do interlocutor devido à sua
capacidade de ler e escrever, como podemos ver nas passagens:

Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura


e suma doutoração. Não é que eu esteja analfabeto. Soletrei,
anos e meio, meante cartilha, memória e palmatória. (Grande
Sertão:Veredas, p.14)
O que eu invejo é a sua instrução do senhor. (idem, p.49)

Para Goodoy (apud Catach, 1996), a criação do alfabeto foi


responsável pelo desenvolvimento do espírito humano, praticamente, em
todas as áreas do conhecimento, pois graças a esse feito, o homem foi capaz
de representar as operações abstratas. De acordo com Ong (1998), a escrita, a
espacialização da palavra, amplia quase ilimitadamente a potencialidade da
linguagem e reestrutura o pensamento. Assim como Goodoy, Ong acredita
que a cultura escrita é imprescindível ao desenvolvimento tanto da ciência,
como da história, da filosofia, ao entendimento da literatura e de qualquer
arte, e ainda é fundamental para a explicação da própria linguagem. A técnica
da escrita, segundo Auroux (1998), tornou possível não só uma reflexão mais
ampla sobre a linguagem como também a exteriorização do pensamento
simbólico, além de ter possibilitado a criação dos gráficos em forma de
árvore, tão utilizados em lingüística.

Para Marcuschi (2001), tanto a escrita quanto a oralidade permitem a


construção de textos coesos e coerentes e ainda permitem a elaboração de
raciocínios abstratos e exposições formais e informais, variações estilísticas,
sociais e dialetais. Segundo o autor, a oralidade não é mais prestigiosa de que
a escrita pela “primazia cronológica” de que fala Stubbs (apud Marcuschi,
2001), nem a escrita é mais importante do que a oralidade. Pode ter ocorrido
que a escrita, ao impor-se de maneira violenta, receber um valor social
superior à oralidade, pelo fato de esta ser adquirida em situações informais. A
18

escrita, ao contrário, é adquirida de forma institucional, na escola. Esse


pesquisador fundamenta seu trabalho sobre escrita e oralidade a partir de um
ponto importantíssimo. Para ele o mais urgente e relevante é a tarefa de
esclarecer a natureza das práticas sociais que envolvem o uso da língua
(escrita e falada). Essas práticas irão determinar o lugar, o papel e o grau de
relevância da oralidade e das práticas da escrita numa sociedade e justificar
que a relação entre as duas seja vista sob o prisma sócio-histórico.

No século passado muito se discutiu sobre a natureza da língua escrita.


Seria ela uma correspondência da oralidade? Ou, por suas especificidades, a
língua oral e a língua escrita seriam formas autônomas da linguagem?

Os povos antigos consideravam a escrita uma representação da


oralidade e, por isso, um elemento secundário com inúmeras diferenças,
necessitando, para isso, de vários artifícios para essa representação, como
notações de quantidade silábica ou de vogais, acentos e orientação de
entonação.

O conceito de Aristóteles traduz bem o pensamento do homem da


Antigüidade em relação à fala e à escrita:

Os sons emitidos pela voz são os símbolos dos estados de alma


e as palavras escritas os símbolos das palavras emitidas pela
voz. (apud Auroux, 1998)

Como podemos ver, nessa definição, basicamente de caráter fonético,


a escrita é tomada como uma representação da linguagem natural.

Embora a linguagem escrita fosse considerada um elemento


dependente da fala, a Antigüidade clássica nos legou a gramática, ou seja, a
ciência das letras, cujo interesse está no ensino da leitura, da escrita e no
estudo de textos fixados pela escrita.

Para os primeiros gramáticos, não havia distinção entre letra e som.


Essa concepção perdurou durante séculos. Ainda encontramos em gramáticas
de autores, que tiveram formação em obras do grego e do latim, noções que
demonstram ser a língua um elemento inseparável do alfabeto.
19

Muito já se discutiu sobre a língua escrita. Essas reflexões foram


responsáveis por um grande avanço no pensamento do homem acerca desse
assunto. A concepção segundo a qual a escrita é uma transcrição da oralidade
foi abandonada. Conforme lembra Achard (1996), sincronicamente, os
grafemas e fonemas não se correspondem. Além do mais, a morfossintaxe da
língua escrita não só é mais prolixa do que a da língua oral como também é
mais sistemática. É importante salientar também que as marcas prosódicas
entonativas e acentuais presentes na oralidade não são transcritas na escrita. É
importante também lembrar que, na escrita, as frases são organizadas em
sintagmas bem delimitados; no oral, diferentemente, essa organização só se
observa em situações de escrito oralizado. Por esse motivo, geralmente, no
estudo da língua oral há certa parcimônia em relação à tradição gramatical,
que se aplica exclusivamente à língua escrita. Como podemos observar, todos
esses procedimentos podem revelar certa autonomia de cada uma das
modalidades da língua.

Vachek (apud Catach, 1996) propôs o seguinte modelo de esquema


para representar o papel de cada elemento da tríade língua / fala / escrita:

Língua

ou norma lingüística universal)

norma da língua falada norma da língua escrita

expressões orais expressões escritas

Esse quadro traduz a moderna concepção da fala em relação à escrita,


para a qual não há uma relação de hierarquia entre as duas modalidades, mas
de complementaridade.
20

De acordo com Debove (1996), o sistema oral só atinge sua


completitude na presença perceptível do produtor da fala. Há ainda a presença
de outros elementos que podem caracterizar o discurso falado, como as
marcas de plural muitas vezes não-audíveis, e a presença dos elementos
dêiticos, situando a fala no tempo e no espaço. São também comuns, no
discurso oral, as interrupções, as sobreposições, as retomadas e ainda as
marcas prosódicas entonativas e acentuais.

Na obra de Guimarães Rosa, observam-se as marcas do discurso oral


citados por Debove, como as retomadas de turno, e marcas de uma suposta
conversa do narrador com seu interlocutor. A pontuação, além de ser um traço
de estruturação lógica dos enunciados, é também um mapa orientador da
entonação desse enunciado muito próximo do discurso oral, como podemos
ver nas passagens seguintes:

Mas, não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita


na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua opinião compõe
minha valia. Já sabia, esperava por ela — já o campo! Ah, a
gente, na velhice, carece de ter sua aragem de descanso. Lhe
agradeço. Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi.
Alguém devia de ver, então era eu mesmo, este vosso
servidor. Fosse lhe contar... (Grande Sertão: Veredas, p. 11)
E o senhor quer me levar, distante, às cidades? Delongo.
Tudo, para mim, é viagem de volta. Em qualquer ofício, não;
o que eu até hoje tive, de que meio entendo e gosto, é ser guia
de cego: esforço destino que me praz. (“Antiperipléia”, p. 13)
Hã, a’ bom. Oi: em uma covoca da banda dali, aqui mesmo
pertinho, tem onça Mopoca, canguçu fêmeo. (“Meu tio o
Iauaretê”, p.177)
Ô homem! Inteligente como agulha e linha, feito pulga no
escuro, como dinheiro não gastado. Atilado todo em
sagacidades e finuras — é de fímplus! de tintínibus... — latim,
o senhor sabe, aperfeiçoa... Isso, para ele, era fritada de meio
ovo. O que porém bem. (“— Uai, eu?”, p.177)
Pois, por exemplo: o dia deu-se. Foi sendo que. (idem. p.178)

Vemos, nesses excertos, a transcodificação da oralidade, com os


recursos próprios da escrita. Notam-se as características do discurso oral,
como a presença do locutor e do ouvinte, dos elementos dêiticos, situando a
fala do narrador no tempo e no espaço e, inclusive, frases truncadas que
21

mantêm certa coerência no contexto, com possibilidade de finalização pelo


interlocutor ou leitor.

Debove (1996) acredita na independência semiótica dos sistemas


escrito e falado, em relação ao conteúdo que veiculam, havendo,
evidentemente, a influência de um sobre o outro.

Segundo a autora, a idéia defendida por Santo Agostinho de que o


escrito significava o oral, devido ao seu aparecimento tardio, não se sustenta,
pois, desse modo, para se ter acesso ao escrito deveríamos, antes passar pelo
sistema oral, o que não acontece. Ela lembra o fato de, na leitura, ao
depararmos com uma palavra de significado e pronúncia desconhecidos,
recorremos à língua escrita para a obtenção da informação. Além do mais, é
pela leitura que ampliamos nossa competência lexical e, conseqüentemente,
nossa capacidade de expressão. Inversamente, sabemos que o indivíduo que
se expressa de maneira precária tem pouco ou nenhum hábito de leitura.

Muñoz (1998) afirma que nas escritas modernas, a interação


oral/escrito se processa de diversas formas. Isso faz com que possamos
distinguir as variedades puras e as variedades intermediárias do oral ao escrito
e vice-versa.

As características do texto se apresentam de acordo com a intenção do


falante ou do escrevente.

Vejamos o esquema proposto por Muñoz:

Oral tipos escrito


intermediários
.textos orais não .textos orais destinados à .textos escritos para ser lidos
destinados à escritura (declarações à visualmente e não oralmente (selos,
escritura imprensa, aos tribunais, à etiquetas, textos em que há a
classes) conjunção de elementos gráficos)
.textos escritos para ser
lidos (textos científicos,
obras literárias, periódicos)
.textos escritos para ser
lidos oralmente (discursos
políticos, peças teatrais)
22

As formas intermediárias refletem e exemplificam a estreiteza e


complexidade das relações de correspondência entre os respectivos recursos
lingüísticos, as particularidades de seu uso que permitem converter as idéias
de um canal a outro. Nota-se a presença do discurso oral até mesmo nos
trabalhos acadêmicos, nas referências internas, por meio das expressões
“como já disse acima”, “como acabo de dizer”, “como afirmei anteriormente”,
etc.

O sistema oral está relacionado ao diálogo ou a suas variantes como a


entrevista. Esses tipos de realizações podem apresentar diferentes graus de
formalidade. No diálogo familiar, que constitui a quase totalidade dos textos
empregados pelo falante, há interrupções, retomadas, sobreposições e
mudanças de turno da fala. Nesse tipo de texto, os participantes colaboram
ativamente na produção da própria forma produzida, podendo o enunciado,
em sua forma sintática, ser único para os dois interlocutores.

A modalidade oral formal apresenta um vínculo mais estreito com a


escrita, pelo fato de ser freqüentemente transcodificada para a modalidade
escrita na norma padrão da língua. Tannen (apud, Kato1995) acredita que
podemos encontrar estratégias de língua oral na prosa moderna, bem como
estratégias de linguagem escrita na linguagem oral mais tensa. Segundo a
autora, as diferenças formais se dão mais em função de gênero e de registro
do que em função de modalidade.

Debove (1996) afirma que os enunciados escritos e orais estão


misturados e sua autenticidade nunca é certa; só existem fortes presunções. A
maioria das características consideradas específicas da escrita é encontrada no
oral e vice-versa. Em virtude disso, chegamos a dispor de quatro formas de
discurso e não de dois: 1) a linguagem falada; 2) a linguagem escrita; 3) a
linguagem oralizada ou discurso escrito que é falado, como a leitura em voz
alta; 4) a linguagem transcrita ou discurso falado que é escrito, como a
tomada de notas.
23

A mesma autora alerta que é preciso distinguir a transcodificação de


um sistema em outro, que produz o oralizado e o transcrito, da “adaptação”,
que mudaria a forma do conteúdo, preservando a forma de cada um dos dois
sistemas. De acordo com a pesquisadora, temos a adaptação quando um
jornalista corrige uma entrevista ou um conferencista diz o texto de maneira
diferente. Os dois sistemas, o oral e o escrito, não são postos em jogo pelo
escritor no momento em que concebe aquilo que representa o oral, nem pelo
poeta, no momento em que concebe diretamente para o oral o que escreve.
Leão (2002), ao se referir à presença da oralidade na obra de Guimarães Rosa,
prefere empregar o termo “estilização”, ou seja, para ela, o autor de Tutaméia
não fez uma transcodificação, tampouco uma adaptação, pois elaborou, de
maneira singular, a fala do homem sertanejo. Preferimos empregar o termo
“recriação”, já que o autor, dentro das possibilidades do sistema da língua,
criou palavras, buscou um léxico considerado desusado e resgatou os
significados originais de certas formas da língua. Para criar os efeitos
pretendidos, ou seja, recuperar na escrita o ritmo e a entonação da fala
sertaneja, o autor utilizou todos os recursos de que a língua dispõe (além das
letras), como tipos de letras, destaques em itálico, negrito, capitulares e a
pontuação.

Muñoz (1998) lembra que nessa transcodificação da fala em escrita, há


diversos graus de formalidade que se traduzem em diversos graus de
elaboração dos recursos léxico-gramaticais, incluindo aí os sinais de
pontuação.

2.1. A inter-relação oral & escrito

Pouco se lê a respeito do assunto pontuação. Nos manuais,


geralmente, as linhas dedicadas ao assunto se referem ao aspecto normativo e,
muitas vezes, as recomendações quanto ao emprego dos sinais de pontuação
são ligadas a razões equivocadas.

Segundo Laufer (apud Rocha, 1997), as contradições encontradas a


respeito do emprego da pontuação devem-se às inúmeras teorias acerca da
24

diferença entre linguagem oral e linguagem escrita que nem sempre se


combinam.

Como já observamos anteriormente, por muito tempo a escrita foi


considerada um sistema secundário, sem importância, simples ramificação da
língua oral. Para Bloomfield (apud Numberg, 1991), a escrita seria um mero
registro da linguagem feito por signos visuais. De acordo com Chafe (apud
Numberg,1991), somente os aspectos da escrita que tivessem alguma ligação
com a oralidade mereciam atenção. Embora ainda muito se discuta sobre o
assunto, entende-se, atualmente, que a escrita é um sistema semiótico
independente, dotado de regras próprias.

Muñoz (1998) sintetiza a opinião geral, afirmando que a relação


estabelecida entre os dois sistemas não é de identidade, mas de equivalência,
pelo fato de existirem pontos em comum entre os dois sistemas, como a
língua. Há elementos na língua falada sem correspondência na língua escrita,
assim como há recursos na escrita que não podem ser expressos na fala. A
pontuação consegue suprir grande parte dessa limitação da língua escrita.

Ainda hoje especialistas se dividem quanto ao fato de ser a pontuação


motivada pela sintaxe ou pela prosódia. O assunto é tão polêmico que em
1978, Nina Catach, estudiosa do assunto, organizou um simpósio dedicado
somente ao problema da pontuação.

Acreditamos que, enquanto o texto era destinado à leitura em voz alta,


a colocação dos sinais de pontuação atendia a fatores de natureza prosódica. A
partir do momento que a leitura passou a ser visual, devido à invenção da
imprensa na Idade Média, as motivações de ordem gramatical passaram
também a determinar a pontuação.

Os especialistas ainda se dividem. Alguns como Numberg (1998) e


Smith (apud Rocha, 1997) consideram a pontuação desvinculada da fala,
sendo, portanto, um assunto exclusivo da escrita.

Para Halidday (in Rocha, 1997), a pontuação está relacionada tanto à


gramática quanto à fonologia, isto é, a pontuação marca não só as unidades
sintáticas quanto as unidades prosódicas. Nina Catach (1980) defende a idéia
25

de que as pontuação seja de ordem sintática, embora estejam associados a essa


dimensão da língua, inseparavelmente, a substância, o sentido, a forma com
expressividade melódica e também o aspecto entonativo.

Observamos que as propriedades dos sinais de pontuação são bem


singulares. O emprego os torna signos, e assim passam a ter um significante e
um significado. Porém, esse significante não tem substância sonora,
argumento usado por Numberg para defender a idéia de que a pontuação tem
uma motivação exclusivamente sintática. Ele cita, como exemplo, as aspas, os
parênteses, o travessão. Para o autor, se a pontuação se refere também à
entonação, esses sinais deveriam ter equivalentes prosódicos. Acrescenta ao
seu argumento o caso da vírgula e do ponto-e-vírgula; para ele, se esses sinais
indicam pausa, deveriam ter um valor específico de intervalo de tempo.

Outra característica do sinal de pontuação é a indefinição quanto ao


seu valor, ou seja, ele não representa somente as pausas e a entonação. O sinal
de pontuação delimita as seqüências gráficas: membros das orações, orações
dentro dos períodos, períodos dentro dos parágrafos e estes dentro do texto. O
sistema de sinais de pontuação tem também a particularidade de oferecer ao
escrevente várias possibilidades de escolha de sinais para desempenhar a
mesma função, como o travessão, o parêntese, a vírgula, ao lado daqueles de
valor fixo como o ponto, a exclamação e a interrogação.

Em decorrência do fato de haver certa ambigüidade na função/valor de


alguns sinais de pontuação, nota-se certa imprecisão no seu emprego.
Segundo Rocha (1998), razões históricas também explicam essa flutuação.
Primeiramente, a pontuação era um recurso optativo e adicional, empregado
para facilitar a leitura em voz alta. Em segundo lugar, na época do livro
artesanal, as obras não eram escritas pelo autor, mas pelo escriba, dando
margem a inúmeras versões de um texto, de acordo com as orientações da
sistemática da escrita adotadas nos scriptorum ou oficina onde o manuscrito
era produzido. O surgimento da imprensa trouxe mudanças nesse aspecto,
pois o tipógrafo tinha a liberdade de pontuar o texto. Desse modo, nem
sempre o texto editado coincidia com as reais intenções do autor.
26

Se observarmos a pontuação dos textos mais antigos, veremos que


muitas vezes as regras gramaticais não são respeitadas. Isso se deve ao fato de
que, até mesmo em obras do século XIX, era costume pontuar o texto por
unidades de entonação, ocorrendo, assim, a possibilidade de haver a separação
entre sujeito e verbo.

Mattos e Silva (1993) afirma que é impossível conhecer a versão


original de um texto antigo, pois a obra a que temos acesso já passou pelas
mãos do filólogo responsável pela edição.

Atualmente, como a leitura é silenciosa, seu objetivo é a compreensão


e a assimilação. Assim, as passagens onde não aparecem informações novas,
apresentam-se em uma mesma unidade de pontuação. A interpretação
prosódica fica a cargo do leitor.

Embora a pontuação seja mais gramatical, os autores e também os


leitores são sensíveis ao ritmo. Notamos que a pontuação de um autor nunca é
semelhante à do outro; nem mesmo a pontuação de um mesmo texto, feita
pelo mesmo autor, em momentos diferentes, será a mesma.

Segundo Rocha (1998), assim como o escrevente pode fazer a


colocação dos sinais pontuação motivado pela prosódia da língua falada ou
pela gramática da língua, há leitores que segmentam o enunciado em unidades
menores e há aqueles que preferem fazer a leitura dos enunciados com trechos
maiores sem pontuação.

Halliday (in Rocha,1997) lembra, como já sabemos, que, igualmente,


há dois tipos de influência para se pontuar um texto: o critério prosódico e o
critério gramatical. Quando, porém, o autor é influenciado pelos dois critérios,
deve-se considerar essa atitude típica de um estilo individual.

A pontuação é responsável pela definição do estilo de um grande


número de autores. Podemos citar, em língua portuguesa, escritores como
José Saramago, cuja obra Memorial de Convento, resgata em parte a
pontuação antiga, ao indicar o início de um parágrafo por vírgula e Guimarães
Rosa, responsável pelo emprego absolutamente inusitado da pontuação, razão
que nos motivou a realizar esta pesquisa.
27

Chafe (in Rocha,1997) põe em discussão as razões pelas quais os


autores são motivados a fazerem uma pontuação tão especial. Esse teórico
questiona se o estilo desses autores muda porque suas intenções prosódicas
são diferentes ou porque varia a proporção com que eles recorrem à própria
pontuação para expressar suas intenções. Para o teórico, ambos os fatores
interferem, mas chama atenção também para o fato de que os estilos da escrita
se distinguem à medida que a pontuação capta a prosódia da voz interior da
escrita.

Danielewitz e Chafe (in Rocha,1997) referem-se ao som da linguagem


escrita, que seria uma prosódia encoberta da escrita, motivo pelo qual muitas
pessoas pontuam um texto numa tentativa de transposição da fala para a
escrita.

2.2. O ritmo da escrita

Para Moraes (1991), o som da modalidade escrita da língua seria o


ritmo intrínseco à linguagem. O elemento a que se refere o autor não seria o
ritmo entendido no seu sentido clássico, vinculado à poesia, aplicado
estritamente à substância fônica da linguagem, com acentos de intensidade,
desvinculado do sentido e, portanto, também da prosa.

As relações entre ritmo e linguagem de que falamos têm alguma


relação com a definição da palavra a que se refere Benveniste (1995) no artigo
A noção do ritmo na sua expressão lingüística (in Problemas de lingüística
geral I, p. 361). Nesse texto, o autor mostra que o sentido da palavra ritmo tal
como era conhecido na Antigüidade Clássica passou por transformações que
limitaram o seu emprego para designar um movimento cadenciado, regular
como as ondas, portanto sujeito à medida de duração daquilo que se
movimenta.

Os autores contemporâneos que se empenham no estudo do ritmo da


linguagem, como Moraes (1991), Meschonnic (1982) e Chacon (1998), entre
outros, rejeitam essa moderna concepção da palavra ritmo, que restringe o seu
28

uso. Eles foram buscar o sentido original da palavra ritmo, que designava a
forma, a configuração daquilo que é fluido que se movimenta.

A idéia de configuração de algo que flui está relacionada, assim, ao


conceito de ritmo lingüístico para os autores citados anteriormente. Para
Meschonnic (1982), esse ritmo se encontra tanto no sistema quanto no
discurso, já que sistema e discurso não se excluem. O ritmo é um recurso
organizador da linguagem oral e da linguagem escrita. Para Donegan &
Stampe (apud Moraes,1991), o ritmo pode compreender todos os traços que
compõem a “música” da fala, compreendidos aí o jogo de timbres, o jogo de
pausas, de rupturas e de continuidades.

Já que a entonação é um aspecto prosódico dotado de ritmo, ela


funciona como um suporte indispensável para a compreensão do discurso que
se apresenta pela fala. Acrescentamos também que, se o ritmo não se restringe
à configuração sonora do discurso, mas também à sua compreensão, a
dimensão semântica da língua também está presente no ritmo. Como afirma
David Gil (apud Moraes,1991), as unidades rítmicas se caracterizam por
serem “não apenas de som, mas também de sentido”.

Com base nas pesquisas realizadas por Luria (in Chacon,1998),


observa-se que a partir o momento que a escrita passa a adquirir um valor
simbólico, nos primeiros estágios do letramento, o ritmo torna-se uma de suas
propriedades. Até mesmo na fase em que a criança representa a escrita por
rabiscos, notamos que ela procura convencionalizar de alguma forma, seja
pelo tamanho dos rabiscos para representar uma palavra em sua extensão, seja
numa interrupção das linhas para representar unidades fonológicas. Isso nos
leva a concluir que o elemento compreendido como referência, nos primeiros
estágios da escrita, que é a oralidade, tem um ritmo.

É importante ressaltar que essa tentativa de reproduzir a realidade é


uma possibilidade de transcodificação rítmica de natureza semiótica, portanto
simbólica, diferente daquela fornecida pela oralidade. E é esse fundamento
semiótico da pontuação que nos move por essa matriz teórica.
29

As bases da escrita são diferentes das bases da cadeia falada. Enquanto


a primeira se desenvolve no espaço, a outra se apresenta no tempo. Além
disso, a dimensão física, através da qual as palavras e frases são percebidas,
difere entre os dois códigos. A articulação dos órgãos vocais é percebida pelo
ouvido, enquanto a escrita é percebida pela visão.

Não podemos ignorar que o caráter espontâneo definidor do ritmo da


oralidade cede lugar ao caráter não-espontâneo do ritmo da escrita, decorrente
do processo de transcodificação semiótica de que consiste a escrita e
de seu aprendizado em contextos institucionais. Conforme observa Simões
(2005, p.12), ninguém escreve como fala nem fala como escreve, ou seja, a
oralidade e a escrita são modalidades diferentes da língua como veículo de
interação social.

De acordo com Abaurre (in Chacon,1998), há três dimensões da


linguagem que estariam mais diretamente atribuindo um ritmo à escrita: a
fonológica, a sintática e a enunciativa.

A dimensão fonológica se percebe, por exemplo, quando a criança


transpõe para o papel as sentenças sem segmentação, já que a emissão oral é
contínua e a língua escrita “apresenta figuras não-conversíveis em som (letras
‘mudas’, pontuação, diacríticos etc); espaços em branco sem correspondência
com o texto oral” (cf. Simões, 2005, p.12). Os espaços em branco ocorrem na
separação de grupos tonais, pelo fato de eles serem portadores de informação
semântica. Nesse caso, de acordo com Simões (2005, p. 47), tem-se um
enunciado, isto é, “a emissão de uma seqüência acabada de palavras de uma
língua, precedida e seguida por pausa respiratória não passível de pontuação”.
O ritmo tem também função de suporte de material fonológico segmental,
organizando a linguagem. São também estreitamente ligados o ritmo e a
sintaxe. Devido à ausência das relações temporais típicas da linguagem oral, a
sintaxe tenta recuperar esses elementos, representando o tempo real da fala
por meio da representação gráfica.

A outra dimensão lingüística que caracteriza o ritmo na escrita é a


dimensão enunciativa. Os sinais de pontuação revelam-se como marcas do
30

processo da escrita, mostrando aspectos rítmicos desse processo e também da


atividade do escrevente de organizar sua produção gráfica e de, ao mesmo
tempo, marcar-se como sujeito da escrita. Como afirma Chacon (1998), os
sinais de pontuação podem ser vistos como marcas tipográficas delimitadoras
no papel impresso dos atos do produtor da linguagem. Além disso, a
pontuação orienta ação lingüística do leitor. Ao mesmo tempo, o indivíduo,
no ato de leitura, tem a possibilidade de se transpor para o tempo e para o
lugar do produtor, por meio da pontuação que lhe foi enviada de outro tempo
e lugar. É possível, ainda, recuperar, por meio da pontuação, o processo que
levou à sinalização do texto e ainda resgatar os propósitos do autor, acordo
com Chacon (1998). A pontuação pode estar relacionada também ao impacto
comunicativo que o escrevente pretende causar no leitor. A ação de pontuar é
ainda uma evidência da presença do interlocutor na produção textual, ou seja,
o escrevente pontua para que seu texto seja lido por alguém e para que essa
leitura se realize efetivamente, sem equívocos..

Teóricos da gramática admitem certa dificuldade em descrever a


pontuação. Para Gladstone Chaves de Melo (1980), a pontuação é um
problema mais ligado ao estilo do que à gramática, Celso Cunha (1985)
observa a imprecisão de distinção dos sinais de pontuação e considera o valor
expressivo de certos sinais. A dificuldade dos pesquisadores em descrever as
condições de emprego da pontuação e a associação da pontuação com as
questões de estilo comprovam a natureza enunciativa da pontuação. Essa
imprecisão que se observa na descrição do emprego dos sinais de pontuação é
um fator indispensável à pragmática. De acordo com Laufer (in Chacon,
1998), as marcas escriturais da enunciação e da oralidade não são passíveis de
uma sistematização, já que tanto a língua falada quanto a língua escrita se
adaptam a todas as situações de comunicação. Vemos, portanto, que a
gramática sistematiza o uso dos sinais de pontuação, mas a prática individual,
muitas vezes, contraria as prescrições da norma, como observamos em obras
literárias e até mesmo em textos publicitários.

Além de Guimarães Rosa, cuja obra pesquisamos nesta tese, podemos


citar o emprego expressivo dos sinais de pontuação em Gonçalves Dias. A
31

leitura de I-Juca Pirama causa grande impacto, devido à pontuação


inesperada, conforme observa Simões (2005). Podemos citar, como exemplos
extraídos da pesquisa, o emprego dos dois-pontos, que aparecem como
indicadores de explicação conclusiva, nestes versos: Com que me encontrei:
v.177; Que Deus lhe deixou: v.185. O travessão também desempenha um
importante papel, nessa obra poética, na marcação do ritmo e no destaque de
termos da oração, como podemos observar neste verso, em que o autor põe
em destaque o predicativo por meio da pontuação: Vi fortes — escravos! v.
139. O travessão é empregado, ainda, para pôr em destaque a força da
resposta do eu-lirico, que não vê outra saída senão a morte, no seguinte verso:
Que resta? — Morrer.v.193.

À medida que a aprendizagem da língua se desenvolve, a escrita deixa


de manter uma relação icônica com a oralidade para se tornar um código
semiótico autônomo. De acordo com Abaurre (1996), o ritmo na cadeia falada
tem a função de veicular as emoções e atitudes do sujeito. Nesse aspecto, o
ritmo tem um caráter icônico, pois a relação analógica que mantém com os
significados é não-arbitrária. Em outras palavras, a cadência dos atos verbais é
explicada em função dos diferentes estados emocionais e atitudes do sujeito
em relação àquilo que fala. Com o desenvolvimento do letramento, a criança
descobre que a linguagem tem um caráter convencional. Com isso, o ritmo da
escrita deixa de ser icônico, adquirindo um caráter simbólico. Isso será
percebido a partir das marcas da transcodificação.

Na observação do ritmo na escrita temos os sinais de pontuação. Como


vimos anteriormente, os sinais de pontuação pertencem ao escrito e não ao
oral, pois, além de não serem pronunciados, são signos gráficos, empregados
unicamente na escrita. Não podemos dizer também que a pontuação
representa graficamente a fala, pois a sua função delimitativa abrange não só a
dimensão fônica das estruturas delimitadas por ela, mas também a dimensão
semântica dessas estruturas.

Os sinais de pontuação são, de acordo com Chacon (1998), sinais


gráficos de marcação de ritmo da escrita e, por isso, ocorrem exclusivamente
32

nas práticas de linguagem que envolvem a escrita. Podemos dizer, também,


que os sinais de pontuação são marcas lingüísticas, pelo fato de delimitarem
unidades estruturais na modalidade escrita da língua.

É importante ressaltar a diferença de enfoque que esse autor faz dos


sinais de pontuação. A pontuação consiste em um sistema gráfico cuja
finalidade é marcar o ritmo da escrita. Esse ritmo será responsável pela
organização da produção escrita.

Uma constatação de que a pontuação não se restringe à marcação do


aspecto fônico da língua é o fato de nem sempre as pausas realizadas na
cadeia falada corresponderem à colocação de um sinal de pontuação na
escrita, como é o caso da pausa que se faz, geralmente, entre o sujeito e o
verbo. Isso mostra também que a pontuação dos textos antigos obedecia
basicamente ao caráter fônico da língua, pois se observam vírgulas entre e
dois elementos da oração nesses textos.

Como vimos, a colocação dos sinais de pontuação obedece às


características fônicas, sintáticas e semânticas da língua. Chacon (1998)
lembra que outras dimensões da língua podem motivar o emprego da
pontuação, como o aspecto enunciativo e o aspecto pragmático.

Na colocação dos sinais de pontuação, o aspecto enunciativo da língua


se revela no momento que o escrevente constrói o texto com vistas a atingir o
seu leitor. Além de obedecer aos critérios gramaticais e fônicos, a pontuação
deve ser feita de maneira que o texto seja descodificado pelo indivíduo que
fará a leitura silenciosa desse texto. Guimarães Rosa, ao afirmar a intenção de
fazer com que o seu leitor se sentisse desafiado ao fazer a leitura de sua obra,
desejava, antes de tudo, prender sua atenção.

Outro elemento que concorre com os fatores citados anteriormente, na


pontuação do texto, é a pragmática. Notamos que o modo de pontuar um texto
é motivado pelas intenções do escrevente. A possibilidade que temos de
pontuar um texto de várias maneiras revela o caráter pragmático da
pontuação.
33

É possível identificar, ainda, o caráter argumentativo e o caráter


textual da pontuação. A característica argumentativa, na pontuação, se revela
à medida que a disposição dos sinais de pontuação pode conduzir o leitor a ter
uma conclusão de acordo com as expectativas do autor. O outro fator, o
textual, pode ser revelado pela pontuação, no emprego de sinais como o
travessão, os parênteses e as aspas. As expressões delimitadas por esses sinais
não só se voltam sobre as estruturas anteriores como também promovem a
interrupção do discurso, para que sejam feitas as reflexões acerca do que foi
escrito anteriormente. As vírgulas, ao delimitarem os apostos e as orações
explicativas, também apresentam um comentário a respeito daquilo que já
apareceu no enunciado. Esses elementos, obviamente, ao fazerem a
interrupção do enunciado, são indicados, na fala, por uma mudança no
contorno entonacional.

Podemos dizer que a pontuação é uma recodificação da oralidade no


texto escrito, pelo fato de marcar, nessa modalidade da língua, os aspectos da
oralidade. O leitor, por meio desses sinais, é capaz de recuperar esses
aspectos.

Como já comentamos, as marcas próprias da pontuação que se


destinam à atividade gráfica revelam o caráter semiótico da escrita e, segundo
Chacon (1998), a transcodificação semiótica da oralidade para a escrita se
revela sobre uma dupla dialogia: uma entre o escrevente e o leitor e outra
entre a cadeia falada e o sistema gráfico.

2.3. Conclusão

Apesar de o sistema gráfico guardar estreitas relações com a cadeia


falada, já que se referem à mesma língua, ele é um outro sistema semiótico,
dotado de regras próprias, sendo capaz, portanto, de ser desvinculado da
língua em vários aspectos. Um desses aspectos é o ritmo que pode ser
observado na escrita. A pontuação é um fator responsável pela organização
rítmica do enunciado, pelo fato de ser um sistema de sinais gráficos, destinado
à modalidade escrita da língua.
34

Essas observações serão de grande importância para este trabalho, na


medida que nosso objetivo é analisar uma pontuação especial. Como observa
Muñoz (1998), o sistema gráfico da pontuação cumpre um importante papel
nas etapas do itinerário da estruturação o texto e da sua compreensão.

Na próximo capítulo, veremos a fundamentação teórica de nossa


pesquisa

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O assunto que nos propusemos pesquisar, a pontuação não-gramatical
na obra de Guimarães Rosa, levou-nos a buscar um suporte teórico sobre o
assunto em diversas obras.
Devido ao fato de a obra do escritor manter muitos pontos de contato
com as antigas narrativas orais, pesquisamos o assunto em algumas obras
dedicadas ao assunto.
De acordo com Cagliari (1995: 178), o sistema de pontuação foi
introduzido na língua grega por Aristófanes de Bizâncio por volta de II a.C.,
quando a escrita era ainda contínua. Segundo esse autor, é possível
reconhecer, nos sinais criados, as funções desempenhadas pelo ponto-final,
pelos dois-pontos e pela vírgula. No século VII a. C., no lugar do ponto,
apareceu o espaço em branco e também o uso de letras maiúsculas e
minúsculas. Os sinais de pontuação foram criados para a indicação das pausas
respiratórias na leitura dos textos em voz alta.em voz alta. Segundo Costa
(1994), os escribas, ao fazerem a cópia dos textos, acrescentavam notas
explicativas, como a perfeita pronúncia das palavras, a exata duração das
vogais etc. Essas notas, chamadas pontos, tinham o objetivo de garantir ao
leitor/orador uma perfeita interpretação do texto. Vem daí a origem da palavra
pontuação, designando todos os sinais auxiliares da leitura e da compreensão
de textos que deveriam envolver uma audiência, com o intuito de persuadi-la.
As informações obtidas nessas duas obras aproximam a obra de
Guimarães Rosa os textos antigos, pois se vê, em muitas passagens das
narrativas, que a pontuação tem a intenção de indicar as pausas impostas pela
35

respiração. De acordo com Mendes (1998), as reticências que aparecem ao


longo do texto rosiano se aproximam de uma marcação teatral necessária à
emoção que deverá ser impressa na leitura. O autor ainda observa a
capacidade ornamental dos sinais de pontuação. Para Rocha (1988), os sinais
de interrogação e de exclamação, introduzidos na Idade Média, tinham uma
orientação mais prosódica do que gramatical. É importante lembrar que,
diferentemente da fase contemporânea, em que a unidade de pensamento é a
oração, nos textos manuscritos, a unidade de pensamento é o texto em sua
totalidade. Por esse fato, o objetivo principal da pontuação nos textos antigos,
sobretudo nos manuscritos, era marcação de pausas para a respiração do
orador, que deveria fazer uma leitura de modo compreensível, persuasivo e de
fácil memorização.
As repetições de frases em Grande Sertão: Veredas como “O diabo na
rua, no meio do redemoinho” (pp. 11, 77, 123, 187-188, 237, 319, 450, 451),
“Viver é muito perigoso” (pp.11, 18, 22, 30, 40, 67, 74, 205, 234 e 443)
e“Mire e veja” (pp.13, 20, 48, 52, 67, 78, 86, 112, 136, 206, 237, 255, 276,
304, 413, 425 e 425) lembram as narrativas da época que não existia a escrita
e a comunicação se fazia exclusivamente por meio da oralidade. Para que as
obras não se perdessem, as composições obedeciam a um rígido sistema
rítmico e, com o objetivo de evitar a interrupção do fluxo narrativo pelo
eventual lapso de memória, os narradores lançavam mão de epítetos e de
outras fórmulas que garantissem a continuidade da apresentação, como as
expressões encontradas na epopéia de Guimarães Rosa.
Rosa (1994), que fez um estudo sobre a pontuação em textos
impressos do Renascimento, defende a idéia de que os sinais de pontuação
nos textos analisados eram direcionados à sintaxe do texto escrito. A
pesquisadora discorda de teóricos como Cagliari, que relaciona o surgimento
da pontuação à leitura oral. Para ela, a pontuação tinha o objetivo de sinalizar
a língua escrita para o orador ou leitor do texto. Para Chafe (apud Rocha,
1988), até o século XIX, a pontuação se identificava mais com as unidades de
entonação da fala. Vemos, em textos mais antigos, uma pontuação que
contraria as normas gramaticais contemporâneas, numa orientação mais
36

prosódica, como a separação, pela vírgula, entre sujeito e verbo. O mesmo


procedimento vê-se na obra de Guimarães Rosa. O autor, na tentativa de
recriar o ritmo da oralidade na escrita, orienta-se constantemente pelas pausas
feitas na cadeia falada.
De acordo com Cafezeiro (1993), o sistema de pontuação em língua
portuguesa proposto por Duarte Nunes de Leão, em gramática publicada em
1595, com uma fundamentação lógico-gramatical e prosódica, é o que vigora
entre nós.
Pesquisamos gramáticas do português contemporâneo, de autores
como Cunha (1985), Lima (1982), Kury (1999), Melo (1980), Said Ali (1966)
e Bechara (1999). Pesquisamos também sobre o assunto pontuação em obras
de Mattoso Câmara (1999) e de Houaiss (1967).
Nas obras consultadas, em geral, o sistema de pontuação está
relacionado com a realização oral da língua. No item que se refere ao uso da
vírgula, Said Ali (1966: 228) faz a seguinte recomendação: “para mostrar que
é preciso descansar a voz, põe-se a vírgula antes da conjunção e”. Essas
palavras lembram as orientações de pontuação em textos antigos, destinados à

leitura em voz alta, como podemos ver: “ (...) usamos de ũas distinções de

pausas e silêncio, assim para o que ouve entender e conceber o que se diz

como o que fala tomar espírito e vigor para pronunciar (...)” (Leão, 1983:
178). Said Ali ainda faz recomendação sobre a duração de sinais como a
vírgula e o ponto-e-vírgula, em sua obra (p.231). Rocha Lima (1982) faz a
distinção entre a oralidade e a escrita, referindo-se ao ritmo da escrita e à sua
marcação por meio de sinais gráficos, como podemos ver na introdução do
capítulo de pontuação: “As pausas rítmicas, — assinaladas na pronúncia por
entonações características e na escrita por sinais especiais — (...)” (p.422). O
autor divide em três grupos os sinais de pontuação, considerando os fatores
fonológicos, os sintáticos e os enunciativos da língua.

A definição de Cunha (1985), está próxima do conceito de Mattoso


Câmara (1999).

Vejamos:
37

A língua escrita não dispõe dos inumeráveis recursos


rítmicos e melódicos da língua falada. Para suprir essa
carência, ou melhor, para reconstruir aproximadamente o
movimento vivo da elocução oral, serve-se da pontuação.
(Cunha, 1985: 625)
... na exposição escrita, o jogo de pausas e cadências
tem de ser criado pelo leitor. Este trabalho é auxiliado pelos
sinais de pontuação, mas nunca de maneira absoluta no que se
refere à correspondência entre pausas de suspensão rápida de
voz e as vírgulas, porque por uma convenção tradicional as
razões de ordem lógica interferem aí com as de natureza
meramente rítmica. (Mattoso Câmara, p.57)

Tanto o gramático quanto o lingüista deixam claro que a pontuação é


um sistema convencional de signos, portanto, com marcas características da
constituição semiótica da língua escrita, que não corresponde de maneira total
à modalidade oral da língua.

Bechara, seguindo as orientações de Catach (1980), considera os sinais


de pontuação, em sua essência, um tipo especial de grafemas. De acordo com
o autor, o emprego da pontuação se deve a questões de ordem sintática,
semântica e fonológica. O autor faz de sua conceituação as palavras de
Catach:

“sistema de reforço da escrita, constituído de sinais sintáticos,


destinados a organizar as relações e a proporção das partes do
discurso e das pausas orais e escritas. Estes sinais também
participam de todas as funções da sintaxe, gramaticais,
entonacionais e semânticas.” (p. 604)
Bechara observa ainda que os sinais de pontuação estão ligados à
expressividade, ao ritmo e à entonação dos enunciados, além de também
estarem relacionados à clareza do texto. Como vemos, o autor relaciona os
sinais de pontuação não só à escrita como também à oralidade.

Kury (1999) deixa claro que a pontuação é um sistema de sinais


gráficos ligado à escrita. O autor define a pontuação da seguinte maneira: “Na
tentativa de reproduzir s pausas, as cadências, o ritmo, a entonação da
linguagem falada, utiliza a escrita certos sinais de pontuação.” (p.65).

O autor estabelece a diferença entre os sinais de ordem objetiva, como


o ponto, a vírgula, o ponto-e-vírgula, os dois-pontos e o ponto-de-
38

interrogação; e os sinais de pontuação próprios da expressividade da língua,


como o ponto-de-exclamação e as reticências.

Vemos, na definição desse autor, a sugestão de uma relação entre


pontuação e ritmo da escrita, à medida que esse sistema de sinais faz uma
reprodução das pausas, da entonação, da cadência e do ritmo da oralidade.

Gladstone Chaves de Melo (1972), além de afirmar que a pontuação é


um sistema exclusivo da modalidade escrita da língua, considera o emprego
dos sinais de pontuação um problema mais ligado à estilística do que à
gramática.

Vejamos sua definição:

“Servem para marcar as pausas do discurso, algumas


entonações, certas mudanças de ritmo ou de altura e para
deixar claros os relacionamentos sintáticos. (p. 380)

Podemos observar que o gramático não só relaciona a pontuação à


realização oral da língua como também à lógica do texto escrito.

Os autores estudados, ao passarem ao emprego dos sinais de


pontuação, de um modo geral, indicam o emprego dos sinais de pontuação a
partir de uma fundamentação sintática.

A pesquisa das gramáticas mostrou que os seus autores têm alguma


dificuldade em fazer uma sistematização do emprego dos sinais de pontuação,
já que, embora a dimensão prosódica da língua seja citada na maioria das
definições, as orientações de emprego dos sinais têm uma fundamentação
essencialmente sintática.

Laufer (in Chacon, 1998) acredita que essa dificuldade deva-se ao fato
de o emprego da pontuação estar centrado no enunciado e não na enunciação.

Essas leituras foram importantes para que tivéssemos um parâmetro


para a identificação, no corpus selecionado, do emprego não-convencional
dos sinais de pontuação.

Já que optamos por estudar os usos dos sinais de pontuação que


contrariam as regras vigentes na gramática da língua, foi necessária a busca de
39

um suporte teórico mais abrangente, que considerasse não só os signos


verbais, mas também os signos não-verbais como componentes textuais
capazes de fornecer instrumentos para a decifração dos sentidos inscritos no
texto.

Acreditamos que a teoria semiótica de pensador norte-americano


Charles Sanders Peirce (1995) fornece subsídios necessários para a
interpretação das estratégias utilizadas pelo autor.

A semiótica, disciplina que faz parte da vasta obra filosófica de Peirce,


investiga o modo como apreendemos qualquer coisa que aparece em nossa
mente. Seus conceitos são gerais, mas nos permitem analisar os processos
existentes nos signos verbais, nos signos não-verbais e naturais, como a fala, a
escrita, os gestos, os sons, as imagens fixas ou em movimento, entre outras.

Todo esse universo simbólico é dotado de significado, e a teoria da


iconicidade de Peirce se presta a investigar as formas de expressão da
linguagem nas modalidades escrita e falada, uma vez que suas teorias
projetavam-se sobre toda a sorte de formas de representação e expressão, pois,
para a semiótica peirceana, tudo aquilo que faz parte da vida do homem se
apresenta como um elemento sígnico provido de significado. Para Simões
(2004: 2), “é a Semiótica que dá subsídios para que o homem se veja como
um signo no/do mundo e disponha-se a interagir com os demais signos,
partilhando com eles um espaço solidário (pois nem só o homem é signo).”

Segundo Simões & Castro (2000, p. 140-149), “(...) a semiótica


combinada com o plano de análise da língua que, a nosso ver, pode apontar,
com maior precisão, os requintes de expressividade e da impressividade que
se manifestam nas estruturações lingüísticas: o plano estilístico. Ao lado da
semiótica, a estilística se nos mostra o meio mais eficiente de compreensão de
um texto, pelo simples fato de entender-se a gramática do texto como algo
além da gramática normativa.”

Com base na fundamentação semiótica e com o suporte da estilística,


tivemos condições de penetrar no movimento interno das mensagens, no
40

modo como elas são engendradas, nos procedimentos e recursos nelas


utilizados, de acordo com Santaella (2002).

A análise baseada na teoria semiótica pode dar conta dos problemas


que dizem respeito aos diversos tipos de mensagens e também como reagimos
a elas.

Assim sendo, o signo foi considerado uma corporificação do


pensamento. Há três elementos indecomponíveis e universais em todos os
fenômenos, de acordo com Peirce: primeiridade (a qualidade); secundidade (a
relação) e terceiridade (a representação). O estabelecimento dessas três
categorias é a grande contribuição da teoria peirceana ao pensamento
filosófico.

A primeiridade está relacionada ao sentimento, à impressão, à


espontaneidade; a secundidade está relacionada às idéias de ação, reação e
conflito, e a terceiridade, às idéias de generalidade, aprendizagem e evolução.
Segundo Simões (2004), a primeiridade, nível das qualidades, toca a
sensibilidade e desperta as funções cerebrais; a secundidade, nível das
relações, provoca reações sensitivas deflagradoras de associações entre
experiências vividas e estratégias a desenvolver, e a terceiridade, nível das
generalizações, possibilita a construção de leis gerais aplicáveis em situações
análogas futuras.

O signo, para Peirce, é qualquer coisa de qualquer espécie, como uma


palavra, um sinal, livro que representa outra coisa, chamada de objeto do
signo e que produz um efeito interpretativo em uma mente real ou potencial,
chamado de efeito interpretante do signo. Por esse fato, a definição peirceana
do signo inclui a teoria da significação, a teoria da objetivação e a da
interpretação.

Analisamos, neste trabalho, o signo não-verbal, o sinal de pontuação


presente na obra de Guimarães Rosa. Foi observada a maneira como se
operou a conjugação do sinal de pontuação com o signo verbal, para que
fossem exploradas as relações entre as categorias de primeiridade, de
41

secundidade e de terceiridade que resultam na semiose ou produção de sentido


do texto.

Entretanto, como observa Simões (2006), por ser a semiótica de


extração peirceana uma teoria de base filosófica e não lingüística, é necessário
buscar construção de esquemas aplicativos que acomodem a teoria ao objeto
de estudo, para que efetivamente se processe a investigação pretendida, no
caso, os efeitos produzidos pelo emprego da pontuação fora dos esquemas da
gramática tradicional.

A teoria da iconicidade de Peirce (1995) chamado de efeito


interpretativo do signo opera por tricotomias ou relações triádicas. As mais
importantes para nós, neste trabalho, são: signo, objeto e interpretante (diz
respeito ao signo em si mesmo) e ícone, índice e símbolo (diz respeito à
relação entre signo e o objeto). Embora o filósofo norte-americano não tenha
tratado diretamente de questões ligadas à linguagem, como já observamos
anteriormente, há possibilidades de se estabelecerem, dentro de sua teoria,
relações com a sintaxe, com a semântica e com a pragmática.
De acordo com Simões (2005:208), “quanto ao signo lingüístico, o
modelo peirceano apresenta uma perspectiva triádica, diferente da visão dual
de Ferdinand de Saussure. Para Peirce, todo signo deve ser lido em três níveis:
sintático, semântico e pragmático:

• a leitura sintática é puramente formal, de inter-relação de elementos,


de estruturas.
• a apreciação semântica é um exame das relações signo-objeto com seu
significado básico, denotativo (função).
• a análise pragmática é a leitura no nível das relações do signo com o
usuário-consumidor, ou seja, com o intérprete do signo.”

3.1. Sintaxe, semântica e pragmática

Dentro da concepção triádica do signo, é possível considerarem-se as


dimensões sintática, semântica e pragmática de um texto.
A primeira tricotomia dos signos (qualissigno, sinsigno, legissigno)
diz respeito ao signo considerado em si mesmo. Nessa tricotomia são criadas
42

as relações sintáticas.
Um texto verbal ou não-verbal, não é formado de uma seqüência
aleatória de signos, mas a partir das associações por similaridade, que
constituem os paradigmas (eixos paradigmáticos) de seleção de qualquer
sistema de signos. São também responsáveis pela textualidade as associações
por contigüidade, que formam os sintagmas, eixos sintagmáticos ou
combinatórios.
Em relação à dimensão semântica, uma das descobertas fundamentais
de Peirce é a de que o significado de um signo é sempre outro signo; logo, o
significado é um processo significante que se desenvolve por relações
triádicas, e o interpretante representa o resultado provisório do processo
contínuo da busca do significado. Conforme observa Pignatari (1987), a
função metalingüística, com sua conseqüente operação de saturação do
código, é uma função do interpretante. Assim como a primeira tricotomia, do
signo, se refere ao nível sintático de um signo, a segunda tricotomia, da
relação do signo com o objeto, se refere ao nível semântico.
Se, como vimos, o nível sintático é um primeiro, o nível semântico é
um segundo, conseqüentemente, o nível pragmático da língua se refere à
relação do signo com o interpretante, um terceiro.
A dimensão pragmática da língua estuda a relação entre signo e seu
intérprete mais do que outras dimensões. A pragmática diz respeito ao efeito
que o signo tem sobre os intérpretes em situações de comunicação. Para
Peirce, depois de receber uma seqüência de signos, a maneira como agimos é
alterada de modo permanente ou transitório. Conforme lembra Eco (1979),
essa nova atitude é o interpretante final. Nesse momento, a semiose ilimitada
se detém, na medida que o intercâmbio dos signos produziu modificações da
experiência.
São privilegiadas, no nível pragmático, as circunstâncias de
enunciação, as relações com o co-texto, as pressuposições postas em ação
pelo intérprete e as inferências postas para que se realize a interpretação de
um texto.
As tríades vistas são aquelas capazes de dar uma visão geral da teoria
43

peirceana, porém, a semiótica de Peirce não se esgota aqui; há outras tríades


(dez ao todo) elaboradas pelo teórico, que levam em consideração outros
elementos do signo.
É importante lembrar que essas distinções não são excludentes, isto é, elas
não se excluem umas às outras, mas mostram a pluralidade de dimensões do
signo. Um mesmo signo pode exibir múltiplas faces ao mesmo tempo. Uma
categoria pressupõe a outra, ou seja, a secundidade inclui a primeiridade, do
mesmo modo que a terceiridade pressupõe a secundidade e a primeiridade. De
acordo com Peirce, algo não necessita deixar de ser coisa para passar a outra
categoria, ou um signo não precisa deixar de ser índice ou ícone; ao contrário,
não pode deixar de apresentar essas três facetas ao mesmo tempo.
Como vimos, a teoria peirceana oferece meios eficazes de interpretação
de um texto de qualquer natureza: literário ou não literário; até mesmo em
qualquer linguagem, seja ela de natureza visual, sonora ou verbal. De acordo
com Pignatari (1987) a noção de interpretante rompe com a clássica dicotomia
significante/significado, tornando mais claro o processo de significação.

O texto de Guimarães Rosa, com seu estilo peculiar que rompe com
todos os esquemas convencionais de escritura, pede um suporte teórico que
ofereça múltiplas possibilidades de análise, desvinculado de esquemas
desgastados, capazes de tornar o sentido do texto sujeito ao encaminhamento
dado pelo pesquisador. Numa pesquisa que examinou figuras que dividem o
espaço textual com signos verbais, não houve outro caminho, senão o da
semiótica. A análise dos sinais de pontuação feita a partir da teoria semiótica
de extração peirceana possibilita uma investigação objetiva, cuja
comprovação se dá no próprio texto.

4. A ORALIDADE E O DISCURSO ROSIANO

Embora vivamos numa época em que temos à disposição uma infinita


quantidade de recursos visuais, não podemos ignorar que a origem de toda
essa tecnologia está na linguagem oral.
44

Como sabemos, os textos antigos se destinavam à leitura em voz alta;


a escrita tinha importância pelo fato de fixar o texto. Vale lembrar que o
copista recebia a obra do autor por meio da fala, que, por sua vez, era
transcrita para que fosse apresentada a uma platéia formada de analfabetos em
sua maioria, razão pela qual deveria trazer a marcação da leitura por meio da
pontuação.

No texto de Guimarães Rosa identificamos nitidamente a presença da


cadeia sonora, produzindo o efeito de audição das falas que compõem as
histórias.

A oralidade na obra do escritor mineiro é aquela a que se refere


Zumthor (1997), que, com base na escritura, leva o leitor a recompor os
valores da voz, no uso e no imaginário.

Vemos, no texto rosiano, construções que se referem à voz com os


recursos de que dispõe a escrita, que são os sinais de pontuação.

Vejamos passagens que justificam essas afirmações:

—“P’r’aqui mais p’r’aqui, por mais este cotovelo!...” (Grande


Sertão: Veredas, p.201)
“Eu cá, ché, eu estou p’lo qu’o che pro fim expedir...” (idem,
p.206)
...É coragem, é qué’pe-te! que o morto morrido e matado não
agride mais... (idem, p.261)
Tchou!...Tchou!...Eh, boooi!…(“O burrinho pedrês”, p.24)
Ê-ê-ê-ê-ê, boi!... (idem, p.25)
Oé, vô’: só se espera o demo, uai! (“Dão-lalalão”, p.106)
Cruz’-que! (“Umas formas”, p.201)
—Ô velho! — ele veio, rente, perante, onto em tudo. Pá!
P’r’achato seu cavalão a se espinotear, z’t- zás... (“—Tarantão,
meu patrão”,p. 141)

Observamos, nesses excertos o emprego ornamental da pontuação,


cuja função é resgatar a fala de maneira mais fiel à situação real. Como
observa Mendes (1998), o texto rosiano é repleto de ornamentos que
procuram resgatar a melodia da fala.
45

O autor explora todas as possibilidades dos recursos de que dispõe,


como tamanho e variação dos tipos gráficos e exploração do espaço do papel,
com o aproveitamento de todas as potencialidades plásticas e imagéticas do
código alfabético, como os primeiros livros. Atualmente,se observa essa
mesma tendência na imprensa e na publicidade.

Podemos citar como exemplo de resgate do livro antigo e de


concordância com a tecnologia atual as expressões em negrito, representando
marcas da voz humana.

Ilustramos essa afirmação com o seguinte exemplo:

O velho nosso sozinho, alto, nos silêncios, bramou — ergueu


os grandes braços:
—Eu pido a palavra. . . (“—Tarantão, meu patrão”, p.146)

Aparecem também muitas expressões em itálico, como mostra esta


passagem:

Porque, diante do gravatá, selva moldada em jarro jônico,


dizer-se apenas drimirim ou amorrmeuzinho é justo;... (“ São
Marcos”, p. 229)
— Eu cá não estou bêb’do nenhuns-nada! Estou é com raiva.
(“Corpo fechado”, p. 267)

Em relação às palavras em itálico que aparecem na obra, Mendes


acredita que podem representar uma “voz cultural”, (quem sabe isso
representa o material recolhido em suas conversas com o povo?). Esse
recurso, para o pesquisador, indicaria, ainda, uma orientação da linha
melódica da palavra que sofreria uma alteração.

Para Ward (1984, p.110), o texto de Guimarães Rosa é “um discurso


escrito codificado para ser lido como se tivesse sido falado”. A autora, que
pesquisou a presença da oralidade em Grande Sertão: Veredas, chama
atenção para a ilusão de oralidade que se apresenta na obra, sendo a
pontuação um dos elementos que contribuem para dar essa feição à obra. Esse
efeito, para ela, é obtido também, no léxico com o aproveitamento de
46

expressões populares, de criações lexicais com o emprego intenso das


interjeições; na sintaxe, a preferência pelas construções coordenadas
sindéticas ou assindéticas e as subordinadas adverbiais temporais, causais e
comparativas. Vêem-se também locuções fragmentadas, encontradas também
na língua oral.

De acordo com Santaella (2001), os três tipos de linguagem — verbal,


visual e sonora — representam as três grandes matrizes lógicas da linguagem
e do pensamento, a partir dos quais se originam todos os tipos de linguagens e
processos sígnicos que os seres humanos, ao longo de sua história, foram
capazes de produzir. Segundo a autora, a grande variedade e a multiplicidade
de formas de linguagem, como a literatura, a música, o teatro, o desenho, a
pintura, a gravura e a escultura estão alicerçadas nessas três matrizes.

A linguagem sonora, segundo Santaella, estando no domínio da


primeiridade, é a mais primordial e, por esse fato, alicerça a linguagem de
caráter visual, que pertence à secundidade, do mesmo modo que esta alicerça
a matriz do discurso verbal, pertencente ao nível da terceiridade, devido à sua
natureza simbólica, convencional.

Devido ao fato de estar no nível da primeiridade, a sonoridade é o


elemento a partir do qual se estrutura a sintaxe, pois é o princípio estruturador
primordial para o funcionamento de qualquer linguagem. Desse modo, a
sintaxe alicerça a forma (matriz visual), assim como as duas, sintaxe e forma,
alicerçam o discurso verbal.

Na obra de Guimarães Rosa, é possível encontrar a interseção dessas


três matrizes da linguagem de que fala Santaella. A sonoridade e a
visualidade, em suas materialidades, estão contidas no discurso verbal do
autor. A oralidade presente na obra pode ser associada à matriz sonora, devido
ao contorno melódico, ao ritmo, e ainda à rima que se podem depreender pela
leitura. Ao mesmo tempo, temos o elemento visual na diagramação do texto,
em que a pontuação se aproxima de um desenho ou mesmo uma partitura
musical, como já comentamos, além da presença de outros recursos como
símbolos e formas de letras.
47

A produção literária de Guimarães Rosa, relativamente pequena, é


fonte inesgotável de pesquisas. Para a crítica, a escrita rosiana inaugurou um
novo período na literatura do Brasil. Sua escrita provoca inúmeras discussões
em relação às inovações que apresenta.

Rocha (1998), com base nos conceitos de sistema, norma e fala


presentes na obra de Coseriu (1979), concorda com a opinião da maioria dos
analistas da obra rosiana ao afirmar que o autor escreveu de acordo com a
norma e de acordo com o sistema, ao criar termos, cuja formação segue a
norma da língua ou utiliza as possibilidades do sistema lingüístico do
português. Esse pesquisador, entretanto, vai mais além ao defender a idéia de
que Guimarães Rosa também teria ultrapassado o sistema do português na
criação de vocábulos. Ele argumenta que, em muitas criações lexicais, o autor
deixa de respeitar a norma e também o sistema do português, como, por
exemplo, na palavra homência, (in Sagarana, p. 345) houve o acréscimo do
sufixo -ncia a um substantivo e não a um verbo, como recomenda a norma da
língua.

Proença (1973) acredita que os vocábulos de som e forma inusitados


funcionam como guizos, levando o leitor, primeiramente, a certa dificuldade
de compreensão. Essas palavras também poderiam acrescentar informações
adicionais ausentes da palavra formada de acordo com as regras da língua. O
mesmo autor acrescenta que o estranhamento inicial, por parte do leitor,
provoca depois certa admiração pela criatividade do escritor.

As idéias vistas anteriormente vêm ao encontro do objetivo principal


de nossa pesquisa. Assim como esse autor afirma que Guimarães Rosa criou,
em sua obra, co-sistemas da língua no plano morfológico, poderíamos afirmar
que o autor poderia também ter criado um sistema paralelo da pontuação?

Neste trabalho investigamos a possibilidade de o autor ter criado um


sistema paralelo de pontuação. Como já afirmamos , anteriormente, há
passagens na obra rosiana que mostram a transgressão do autor à norma
padrão, no que se refere à pontuação.

Vejamos alguns exemplos:


48

a) Eu, posso. (“Meu Tio o Iauaretê”,.p.163 )


b) Matei, montão . (id. p.163)
c) Zé Boné, sendo o melhor de todos? Ora, era. Ei. E.
Fulge, forte, Zé Boné! (“Irmãos Dagobé”, p.41)
d) Não o viu: imediatamente. A mata é que era tão feia de
altura. E — onde? (“As margens da Alegria”, p. 5)
Vemos, no exemplo (a), a vírgula entre o sujeito e o verbo; no
exemplo (b), a vírgula entre o verbo e seu complemento; na terceira passagem
(c), temos frases formadas primeiramente por uma interjeição, seguida de
outra, formada por uma conjunção e, por último, o adjetivo forte funcionando
como predicativo separado do verbo por uma vírgula. Na última passagem
(d), temos, no primeiro período, o advérbio introduzido por dois-pontos; e, na
última frase, um travessão substituindo um verbo.

Segundo os estudos já realizados sobre e obra rosiana, é possível


concluir que o escritor promove uma verdadeira revolução na linguagem ao
desestruturar as formas feitas da língua em todos os níveis: semântico,
sintático e morfológico. No interior dessa transformação lingüística está a
pontuação, pois, como observamos, nesses poucos exemplos destacados,
Guimarães Rosa faz uma ruptura com o sistema de pontuação do português.

Nossa tarefa nesta pesquisa foi a observação dessa forma inusitada de


pontuar, que parte da norma e explora todas as virtualidades da língua, com
objetivos estilístico-semióticos. Verificaremos também se a pontuação rosiana
mostra o estilo personalíssimo do autor, que teve coragem suficiente de
desestruturar a linguagem para criar uma obra singular. Para isso, partiremos
da gramática normativa, e nos basearemos principalmente na teoria semiótica
de extração peirceana, para elucidarmos a questão da pontuação em
Guimarães Rosa.

5. PONTUAÇÃO NA OBRA DE GUIMARÃES ROSA

Este capítulo, conforme informamos na introdução de nosso trabalho,


é voltado para a análise do corpus que selecionamos para discutir a pontuação
na obra do escritor mineiro.
49

Na sua prática da escrita, Guimarães Rosa procura transpor os limites


impostos pela norma da língua. Na transgressão ao que deve ser obedecido,
acrescenta outras formas que, minimamente, causam o impacto do
rompimento com a tradição gramatical.

É muito redutora, porém, uma leitura que ofereça apenas a constatação


de que o texto apresenta somente uma série de inovações. O interessante jogo
que se observa entre o verbal e o não-verbal, na obra rosiana, tem uma função
de grande importância nos textos. Os signos não-verbais, que são o objeto de
nosso estudo, oferecem uma leitura que vai além da constatação de que o
autor organiza seu texto a partir de uma pontuação que foge dos parâmetros
da língua.

A reorganização dos sinais de pontuação por Guimarães Rosa vai


acrescentar outras significações que ultrapassam aquelas previstas pela
gramática da língua. Os elementos não-verbais que compõem a tessitura do
texto do autor, como a pontuação, as capitulares, as palavras ou enunciados
em itálico ou em negrito, além de outros símbolos, são dados relevantes para a
compreensão e interpretação da obra do escritor.

O suporte da teoria da iconicidade de extração peirciana torna possível


acompanhar e compreender a evolução de um simples sinal ao estatuto de
signo e também compreender seu papel na organização textual das histórias
rosianas. A pontuação não só determina o ritmo da escrita, como também
representa as relações de sentido, desenhando as pausas, as ligações e também
as funções gramaticais e discursivas.

Como observa Muñoz (1998), no texto literário, além do uso


normativo, a pontuação passa a adquirir um valor artístico. Do ponto de vista
semiótico, os sinais de pontuação adquirem um duplo valor: o lingüístico e o
visual.

Segundo Orlandi (2001), a pontuação pode colocar em funcionamento


mecanismos de ajuste imaginário entre o discurso e o texto, pondo em jogo a
dimensão simbólica do sujeito. Para a autora, o trabalho do sujeito de colocar
em símbolos verbais suas formulações mentais converte o discurso em texto.
50

Os padrões sintáticos da linguagem verbal e visual são formados de


ícones diagramáticos. No caso da linguagem verbal, o sentimento ou imagem
desses diagramas torna-se nítido no processo de compreensão de um
enunciado. O entendimento de um texto não se dá a partir de palavra após
palavra isoladamente, mas na captação da forma sintática, isto é, do diagrama
sintético dos elementos frásicos. Esse fenômeno ocorre porque os diagramas e
os ícones estão presentes em qualquer tipo de pensamento. A pontuação
empregada por Guimarães Rosa, a princípio causa certa dificuldade ao leitor
pelo fato de já termos em nossa mente diagramas icônicos da estrutura
sintática da língua. Nosso estudo vem mostrar que os sinais de pontuação se
apresentam como marcas gerenciadoras de leitura, que conduzem o leitor ao
entendimento da obra.

Na materialização do discurso em texto, há um espaço não preenchido


responsável pela marcação de uma relação que não é perfeitamente ajustada
em relação à discursividade. Essa falta resulta na multiplicidade de possíveis
sentidos, ou na geração de significado e de sentido, que seria a semiose, numa
ótica da teoria da iconicidade.

Na obra rosiana, observam-se dois modos de emprego da pontuação.


Há passagens em que o autor pontua o texto de acordo com as regras da
língua e há outras em que demonstra grande ousadia, organizando, de outra
forma, o seu dizer.

Procuramos analisar o emprego dos sinais na seguinte ordem: a


vírgula, o ponto-e-vírgula, o ponto, os dois-pontos, o travessão, o ponto-de-
exclamação, as reticências e os parênteses.

5.1. O emprego da vírgula

A vírgula, sinal mais comum na pontuação de textos em geral, é


também largamente utilizada pelo autor. A abundância de vírgulas, nas
narrativas pesquisadas, se torna tão comum que o leitor passa a considerar
natural esse emprego. Nos excertos seguintes temos o emprego da vírgula
51

feito de acordo com a norma da língua. O nosso propósito, entretanto, é


mostrar o uso excessivo desse sinal.
Vejamos:

O camarada, vindo com ele, era um serviçal dos Dioclécios:


que, hoje, sozinho, nesta data, um patrão vinha me visitar, de
passagem. (“Luas-de- mel”, p. 97)
Mas, em verdade, filho, também, abranda. (Grande
Sertão:Veredas, p.12)
Secara, e, de agora, desde os três anos, toda manhã, cada por
dia, o Chico Carreiro atrelava suas quatro juntas de bois, e
desciam até às Pedras , o carro cheio de latas, para buscar a
água do usável. (“Uma estória de amor”, p.550)
Daí por mais em diante, nas viagens, pra lá do mais pra lá,
passaria numa fazenda, com seus homens, e era a fazenda de
um tal, ou filho dum tal, na quebrada dum morro, e o dono
saindo na boca da estrada, para convidar: — “Viva, entra,
chega p’ra dentro. Manuelzão! Semos amigos velhos. Eu estive
lá na sua Festa...” (idem p.556)
Vi quando ele se despediu e tocou — com o bom respeito de
todos —; e fiquei me alembrando, daquela vez, de quando ele
tinha seguido sozinho para Goiás, expulso, por julgamento,
deste sertão. (Grande Sertão: Veredas, p.332)

Vimos apostos e predicativos separados por vírgulas e também um


grande número de adjuntos adverbiais, cuja demarcação por vírgula, como
sabemos, é facultativa.

As inúmeras vírgulas imprimem um colorido todo especial ao texto e


convidam o leitor a reproduzir mentalmente as pausas e os contornos
entonacionais, acentuando o caráter musical da linguagem sertaneja. As
pausas tornam a narração mais lenta e detalhada, obrigando o leitor a se deter
em cada evento ou descrição. Os sinais de pontuação possibilitam a formação
de quadros imagéticos das cenas e remetem o leitor às situações de produção
desse tipo de enunciado.

Em certas passagens, entretanto, a profusão de vírgulas é um elemento


complicador, obrigando o leitor a fazer a leitura em voz alta, para que o texto
se torne compreensível.
52

A pontuação conduz à formação de esquemas mentais que fazem com


que nós, por meio da leitura, resgatemos o dinamismo das cenas. Essa
profusão de vírgulas causa um efeito de realidade à narração e esse desenho
textual dá um realce singular à palavra.

Observemos o primeiro grupo de exemplos em que a vírgula tem um


emprego especial:

a) Mecê não pode falar que eu matei onça, pode não. Eu,
posso. (“Meu tio o Iauaretê”, p.827)
b) Sêo Tomé se soberbava, lavava com sabão o corpo,
pedia roupas de esmola. Eu, bebia. (“Antiperipléia”, p. 13)
c) Que vem vindo rondando aí, rodando feito pé-d’água,
de temporal e raios: os querubins já estão com as brasas
bentas, amontoadas em seus trapes cavalos! Tu, treme... (“
O recado do morro”,p.39)
d) Oi, mecê ouviu? Essa, é miado. Pode escutar. (“Meu
tio o Iauaretê”, p.843)
e) Eu tornei a me lembrar daqueles pássaros. O
marrequim, a garrixa-do-brejo, frangos d’água, gaivotas. O
manuelzinho-da-croa! Diadorim, comigo. (Grande
Sertão:Veredas, p.218)

É interessante observar certa semelhança da pontuação dessas


passagens com a pontuação dos manuscritos medievais, em que o sujeito é
segmentado do pelo sinal de pontuação. Marchello-Nizia (apud Matos e Silva
1993) depreendeu, em documentos analisados, além do emprego da
pontuação, que tinha o propósito de reagrupar e hierarquizar as unidades
mínimas da oração, também o emprego dos sinais, de acordo com o critério de
considerar o texto uma seqüência de unidades de sentido e de respiração, não-
organizadas e não-hierarquizadas.

Nos exemplos anteriores, a pontuação do texto remete o leitor à


entonação da oralidade. Vemos que a colocação da vírgula corresponde
fielmente ao ritmo que se observa na cadeia falada, com pausas entre o sujeito
e o verbo. Em sua leitura (silenciosa ou em voz alta) o leitor recria os aspectos
prosódicos do texto, a partir das impressões visuais
53

As unidades rítmicas mostram a delimitação das unidades de sentido.


Além de, no plano fonológico, as passagens reproduzirem a cadeia falada,
elas estão estreitamente relacionadas com as frases anteriores. A vírgula, se
por um lado, recria as pausas da oralidade no texto escrito, por outro lado, é
um índice que acumula todas as informações presentes nas frases anteriores
de cada passagem. A vírgula dos enunciados “Eu, posso.” , “Eu, bebia.”, “Tu,
treme.” remete o leitor ao contexto e essas frases trazem uma conclusão de
tudo que foi dito anteriormente. Em outras palavras, os personagens estariam
dizendo: quanto a mim, bebia; você não pode matar onças, mas eu posso;
diante dos acontecimentos tu treme; esse barulho de onça é miado; Diadorim
admirava comigo aquela beleza. A vírgula, nos enunciados, seria um modo de
o autor acenar para o leitor, numa volta à enunciação, onde estão registradas
todas as informações necessárias à compreensão das passagens.

Esses exemplos mostram a cumplicidade do narrador com o leitor/


ouvinte da obra. A vírgula tem muito mais do que a função de substituir
informações já transmitidas. Esse tipo de frase deposita em si grande dose de
emotividade que faz o outro (o leitor ou o ouvinte) penetrar realmente na
história que está sendo narrada, a ponto de não ser mais necessária uma frase
elaborada. Os dois últimos exemplos: “Essa, é miado.”e “Diadorim, comigo.”
são perfeitamente adequados ao contexto. A frase sintetizada do último
trecho, por exemplo, não impede que o leitor tenha a perfeita noção do lirismo
da cena, em que o narrador começava, graças a Diadorim, a enxergar a beleza
das coisas da natureza.

Essas construções delegam ao leitor a tarefa de estabelecer as relações


semânticas e sintáticas, para que frases como essas sejam compreendidas e,
desse modo, a pontuação se justifique.

Vejamos estas outras passagens:

a) Procedi — “Esta é bonita, a mais” — a ele afirmei, meus


créditos. (“Antiperipléia”, p. 18)
b) Sertão: estes seus vazios. O senhor vá. Alguma coisa,
ainda encontra. (Grande Sertão: Veredas, p.27)
c) Às vezes não aceito nem a explicação do compadre meu
Quelemém; que acho que alguma coisa falta. Mas, medo,
54

tenho; mediano. (Grande Sertão: Veredas, p.237)


d) Nem nenhum deles ria, a que à menor menção de troça o
Gorgulho subia no siso, homem de topete. Doido, seria?
(“O recado do morro”, p. 17)
e) Assim é que digo: eu, que o senhor já viu que tenho
retentiva que não falta, recordo tudo da minha
meninice.Boa, foi. (Grande Sertão: Veredas, p.35)
f) E convidava-nos a almoçar, ao Zé Centeralfe,
principalmente.
Meditava, o Meu Amigo. Disse: — “Esta nossa terra é
inabitada. prova-se, isto...”— pontuante. (“Fatalidade”, p.
55)

É comum o deslocamento de termos da oração na obra de Guimarães


Rosa. Nesse caso, a vírgula assume o papel de signo indicial, apontando para
o leitor a ordem dos constituintes frasais, de modo a tornar a passagem
compreensível.

No primeiro trecho, o advérbio, parte da expressão adjetiva no grau


superlativo, é deslocado da sua posição natural (Esta é a mais bonita). A
vírgula, com função de signo indicial, orienta o leitor para essa inversão e,
conseqüentemente, põe em destaque o termo deslocado. No próximo exemplo
(b), o complemento do verbo é deslocado também de sua ordem natural (ainda
encontra alguma coisa) e a pontuação é o elemento orientador dessa inversão.
No exemplo (c), além da orientação da leitura na ordem direta, a vírgula
relativiza a extensão do medo experimentado pelo sujeito do enunciado. Nos
dois exemplos seguintes, (d) e (e), temos a anteposição do predicativo A
leitura em voz alta da passagem vai tornar mais proeminentes esses termos,
com uma emissão mais lenta e acentuada. No último exemplo, (f), temos a
anteposição do verbo, que é indicada pela vírgula.

Podemos observar, nessas passagens, um jogo sutil do autor,


principalmente, com a ordem dos elementos dos enunciados. Esses
deslocamentos e inversões que se percebem pela leitura nada mais são do que
estratégias do autor com o propósito de levar o leitor a reconstruir as cadeias
anafóricas para fazer o encadeamento lógico dos elementos dos enunciados.
55

Cada língua tem seu modelo de colocação dos constituintes frasais, ou


seja, a ordem dos termos obedece a um esquema. Esse esquema corresponde a
um ícone diagramático, como vimos anteriormente, que é requisitado pelo
raciocínio. A alteração desse ícone vai provocar certa dificuldade na mente
interpretadora. Na obra de Guimarães Rosa, a pontuação será o elemento
gerenciador do percurso a ser seguido pelo leitor para o entendimento do
texto. Essa mudança na ordem dos constituintes exigirá a participação do
leitor para que a leitura se realize efetivamente.

Vejamos estes outros exemplos de emprego de vírgula:


a) Nicão morreu sem demora. O Sertório durou, uns dias.
(“Esses Lopes”, p. 47)
b) É feio — que eu matei. Onça meu parente. Matei, montão.
(“Meu tio o Iauaretê”, p. 827)
c) Nhem? Onça preta? Aqui tem muita, pixuna, muita. Eu
matava, a mesma coisa. (idem, p. 828)
d) Tio Quim leal para mim, e a tia, quieta, maninha. E rareei.
Esqueci, de tudo, muito; conforme o encargo da natureza.
(“Rebimba, o bom”, p. 127)
A vírgula, nesses excertos, segmenta o verbo de seu complemento. Na
observação desses empregos é necessário considerar todo o contexto e mais o
caráter enunciativo das passagens. O emprego indicial do sinal de pontuação
auxilia o leitor a seguir as pistas presentes no texto que o levarão a dar um
sentido aos enunciados.

Nos quatro primeiros exemplos, a vírgula aparece entre o verbo e seu


complemento. Em (a), a vírgula tem duas funções. Poderíamos até interpretá-
la como um signo desorientador, pois, inicialmente, a simetria não se desfaz,
isto é, a oposição morreu X não morreu — morreu X durou — é mantida. A
vírgula, além de garantir essa iconicidade inicial entre os enunciados, aponta a
possibilidade de quebra do modelo.A adição da informação anunciada pela
vírgula muda abruptamente o sentido do enunciado.

Nos excertos (b e c), a vírgula tem um valor indicial. O sinal de


pontuação é o elemento que estabelece a ligação com as frases anteriores para
completar seu sentido. Na passagem (d), a segmentação de todos os elementos
do enunciado pela pontuação, é um sinal de que a ordem original pode ser
56

refeita. A vírgula inicial delimitando um marcador conversacional inaugura


uma série que indica a possibilidade da oração ser lida da seguinte maneira:
Mas, tenho medo mediano. A separação do termo caracterizador do
substantivo medo indica a intenção do autor em dar proeminência à palavra
(mediano).

Estes outros excertos também mostram um emprego bem original da


vírgula:

a) E, vai, senão, que, surgiu a nova: um recado.


(“Luas-de-mel”, p. 97)
b) — “Você entendeu alguma coisa da estória do
Gorgulho, ei Pedro?” “— A pois, entendi não
senhor, seo Jujuca. Maluqueiras...” Claro que era,
poetagem. (“O recado do morro” p.25)
c) Moço!: Deus é paciência. O contrário, é o diabo.
(Grande Sertão: Veredas, p. 16)

No exemplo (a) o somatório de todas as pausas, que ocorrem até o


conectivo, contribui para a criação de certa tensão até a emissão do termo que
se segue aos dois-pontos. Discursivamente, a vírgula nesses excertos cria
certa expectativa no leitor.

A palavra poetagem encontrada na última frase do segundo exemplo,


que pertence ao narrador, completa a fala iniciada pelo personagem
(maluqueiras....) e a vírgula é um índice de que essa palavra faz parte da frase
anterior. Temos uma frase para narrador e personagem e, como sabemos, isso
é um fato comum na língua falada. Podemos dizer que os dois têm a mesma
formação discursiva.

No último exemplo, há duas orações em antítese. O autor, porém, na


diagramação da escritura, alterou a simetria do modelo oracional, ao
introduzir uma vírgula entre o predicativo e o verbo, diferentemente do que
fez na oração anterior. Dessa forma, houve uma quebra de expectativa do
leitor, já que as duas orações têm a mesma estrutura. Iconicamente, a estrutura
de cada oração está de acordo com o modelo mental que temos de cada um os
seres. As ações e qualidades de Deus são conhecidas e previsíveis, portanto, a
57

estruturação da oração que se refere a esse ser está de acordo com o modelo
tradicional. A quebra da simetria já se evidencia na grafia do substantivo
diabo, com letra minúscula, em oposição a Deus, com a inicial maiúscula. A
vírgula orienta a mente interpretadora para o deslocamento dos termos da
segunda oração, destacando o habitante das trevas e sua característica.
Portanto, a forma da segunda oração, que transgride o modelo estabelecido, é
adequada ao seu sentido.

Consideramos o texto uma imagem e os sinais de pontuação, pistas


capazes de conduzir o leitor à produção de figurações mentais interligadas,
responsáveis pelo processo de tradução semiótica. As vírgulas, empregadas de
forma inusitada, primeiramente, causam o impacto de romper com o hábito
estabelecido pela norma da língua. Vencida a primeira etapa, a mente
interpretadora busca, a partir dos parâmetros estabelecidos, formar novos
esquemas para entendimento do signo que se lhe apresenta. O próximo passo
será a busca, a partir das marcas fornecidas pela pontuação, do sentido dos
enunciados e dos propósitos do autor, ou, ainda, uma forma preferencial de
leitura.

O escritor, em sua atividade gráfica, recodifica a oralidade,


demarcando, por meio da pontuação, alguns de seus aspectos; o leitor, pela
atenção aos sinais, recupera esses aspectos, transformando-os, de marcas
gráficas, em tom e inflexão de voz. Logo, como observa Chacon (1998), o
escritor e o leitor constituem-se como seres atravessados, simultaneamente,
pela escrita e pela oralidade. Poderíamos dizer que a entonação das passagens,
na situação de leitura em voz alta, é perfeitamente adequada ao seu sentido.

As vírgulas que aparecem nos exemplos citados anteriormente,


formam quadros imagéticos das conversas dos contadores de histórias, em
que, por meio das pausas da fala, são recuperadas pelos sinais de pontuação.
As vírgulas podem também, como vimos, ser uma marca da mudança da
ordem dos constituintes frasais. O sinal de pontuação, desse modo, além de
conduzir a leitura, destaca o termo deslocado.

Foi encontrado, ainda, na obra rosiana, o seguinte emprego da vírgula:


58

a) A filha, ele só tinha aquela. (“Sorôco, sua mãe, sua filha”, p.13)
b) Diadorim, eu gostava dele? (Grande Sertão: Veredas, p. 352)
c) Eu, eu ia por meu constante palpite. (Grande
Sertão:Veredas,.p.386)
d) Café, tem não. Hum, preto bebia café, gostava. (“Meu tio o
Iauaretê”, p. 826)

Vemos, nessas passagens, a topicalização de elementos que devem


receber ênfase no enunciado, construção muito comum na linguagem oral.
Podemos observar que o elemento, no primeiro plano, antecedido pela
vírgula, é o núcleo da entonação. Ele recebe tamanho destaque que parece
valer por toda a oração. Nesse caso, a função da vírgula é a de introduzir um
elemento proeminente. No último exemplo temos uma construção com
pronome-cópia, isto é, o pronome pessoal é destacado pela pontuação e
repetido em seguida. Esse quadro de primeiro plano e de pano de fundo se
forma na mente do leitor, causando o efeito de realidade à narração. Esse tipo
de construção faz com que a atenção do leitor se volte sobre o objeto
nomeado primeiramente. Podemos dizer também que o tópico é uma forma de
anunciar ao leitor o termo sobre o qual se fará o comentário.

A vírgula que aparece na última frase do exemplo (d), substitui o


conectivo explicativo porque, dando mais concisão ao enunciado.

Outro exemplo de pontuação pode ser observado nestas passagens:

Aí, de bote, aquele Joé Cazuzo — homem muito valente — se


ajoelhou giro no chão do cerrado, levantava os braços que nem
esgalho de jatobá seco, e só gritava, urro claro e urro surdo: “—
Eu vi a Virgem Nossa, no resplandor do Céu, com seus filhos
de Anjos!...” Gritava não esbarrava. (Grande Sertão: Veredas,
p.18)
O homenzinho sentara na ponta da cadeira, os pés e joelhos
juntos, segurando com as duas mãos o chapéu; tudo limpinho
pobre. (“Fatalidade”, p. 51)
59

Vemos, nesses fragmentos, que o desenho textual que se configura


pela ausência da pontuação é compatível com o significado dos enunciados.
Essa ausência do sinal de pontuação vai provocar a mudança do ritmo da frase
e, conseqüentemente, alteração de sentido. No primeiro exemplo, a oração
que finaliza o período sintetiza, pela imagem, a forma como o jagunço
proferia as palavras, de forma clara, sem hesitações ou erros. Tomado de
grande emoção, o personagem falava de modo contínuo, sem pausa, num só
fôlego, como mostra a ausência de pontuação.

No segundo exemplo, vemos dois adjetivos dispostos sem a vírgula


entre eles. Essa justaposição de qualificativos produz um efeito de
intensificação, nesse caso, da idéia de pobreza.

Há outros empregos da vírgula carregados de grande expressividade,


como estes excertos:

a) Ordenou-lhe então — trouxesse ao curral um boi,


qualquer! (“Presepe”, p.119)
b) A boiada, do norte. (“Zingaresca”, p. 189)
c) Nesse meu, caminho fazendo, tirei minha desforra:
faceirei. Severgonhei. Estive com o melhor das
mulheres. (Grande Sertão: Veredas, p. 231)
d) [...] O sanhaço: desmancha-pesares. O eclodir-melodir
do coleiro, artefacto. O cochicho quase — imitante,
irônico— da alma-de-gato, solíloqua. Os duos joãos-
de-barro, de doméstico entusiasmo. O, que enfraquece
o coração, fagote e picirico dos pombos. O operário
pica-pau, duro estridente ou o mais mudo.[...] (“A
estória do homem do pinguelo”, p.802)
e) Adormecer, pude; mas, com outros minutos, tornei
naquele mau susto de acordar. (Grande Sertão:
Veredas, p. 167)
f) A fatal perseguição, podia quebrar e quitar-se.
Hesitou, se. Por certo não passaria, sem o que ele
mesmo não sabia — a oculta, súbita saudade.
(“Seqüência” p.59)

Nos dois primeiros trechos, vemos os substantivos separados de seus


respectivos adjuntos adnominais pela vírgula — boi qualquer, boiada do
60

norte. A separação dos termos especificadores, convencionalmente presos, faz


com que adquiram um grau de importância no enunciado e,
conseqüentemente, uma proeminência entonacional. No primeiro exemplo, a
vírgula recria a pausa que se observa na cadeia falada. Essa passagem aparece
sob forma de discurso indireto livre, ou seja, uma forma híbrida, em que o
discurso citado se associa ao discurso direto. A narrativa, ao reproduzir fala
do personagem, junto com o discurso do narrador, sugere para o leitor a
situação da produção do enunciado, a partir do ponto-de-vista do narrador,
que direciona, de certa forma, o ato de leitura. A vírgula, com valor de índice,
conduz o leitor à formação de imagens da cena e impressões auditivas do
momento de produção do enunciado, em que o personagem se mostra para o
leitor. Dessa forma, podemos dizer que o discurso indireto livre mostra a
subjetividade do personagem.

No terceiro exemplo, o narrador evidencia sua posição de sujeito do


enunciado. Como se percebe, a diagramação textual vai determinar o ritmo
mais lento na leitura oral da passagem. Também, na leitura silenciosa, o leitor
é levado a recriar mentalmente as pausas transmitidas pela escrita.
Poderíamos dizer que a entonação da passagem propicia a formação da
imagem sinuosa da estrada por meio do ritmo presente no trecho. A
segmentação do trecho pelas vírgulas revela certo lirismo que contrasta com a
presença de fatores mundanos revelados no mesmo enunciado.
Na passagem (d) ocorre o emprego da vírgula de forma bem inusitada.
Podemos entender esse procedimento do autor à luz da teoria da iconicidade.
De acordo com Nöth (1992), no texto, temos dois tipos de iconicidade: a
exofórica, ou seja, a representação do mundo feita pela estrutura lingüística e
a endofórica, em que aparecem as recorrências simétricas e assimétricas,
como as repetições de frases, de palavras, referências anafóricas de termos já
citados, além da repetição de morfemas e de fonemas.

No texto, “A estória do homem do pinguelo” (in Estas estórias, 1995),


do qual extraímos o trecho que constitui o exemplo (d), o narrador enumera o
timbre do canto de inúmeros pássaros. Essa citação é feita de forma simétrica,
seguindo um modelo (O simplezinho sim do tico-tico). No trecho em que
61

comentamos o emprego da vírgula, houve uma aparente quebra da simetria


(O, que enfraquece o coração, fagote e picirico dos pombos), pois o autor, ao
introduzir uma oração subordinada adjetiva explicativa, transforma esse
significante em pronome, ao mesmo tempo que, se for retirada a oração entre
vírgulas, o significante passa a funcionar como artigo, sendo mantida, dessa
forma, a iconicidade endofórica.

No exemplo (e), temos vírgula separando os verbos de uma locução. A


mudança de posição do verbo principal deixa clara a intenção do autor em dar
destaque ao termo habitualmente dependente, que é o verbo auxiliar. A
vírgula , dessa forma, tem a função indicial, ou seja, esse signo é uma pista de
que houve uma inversão na ordem dos termos da locução. No discurso, a
informação fundamental da locução é transferida para o verbo auxiliar.

No exemplo (f) temos a vírgula entre o verbo e a palavra se. Essa


forma, aparentemente sem função, poderia funcionar como uma conjunção
que introduziria uma oração condicional em elipse, o que seria coerente no
contexto. Esse termo também impede que a simetria icônica se desfaça, já que
se observa a aliteração do fonema consonantal fricativo alveolar surdo no
ambiente. O tipo de emprego da vírgula, entre dois termos que, notadamente,
formam uma unidade de sentido, talvez seja uma das maiores ousadias do
escritor, no que tange à pontuação. Temos visto que o elemento norteador da
pontuação na obra do escritor mineiro é a oralidade. Entretanto, nesses
exemplos, o sinal gráfico se interpenetra na unidade do constituinte frasal,
ocasionando uma quebra na estrutura, o que não ocorre na cadeia falada.

Vemos que o sinal de pontuação é empregado de modo especial,


visando a uma projeção do icônico sobre o verbal. O sinal de pontuação,
nesses exemplos, tende a projetar no espaço gráfico os processos mentais do
narrador.

Como já comentamos anteriormente, as transgressões que aparecem no


texto rosiano não são gratuitas. Qual poderia ser a intenção do autor em
introduzir uma vírgula numa unidade que, mesmo na cadeia falada, é
desprovida de pausa? Nem mesmo em redações de alunos de classes iniciais
62

se observa esse tipo de pontuação. Esse fato mostra que, intuitivamente, o


falante tem a noção de unidade. Cremos que a vírgula ocorra nesse tipo de
contexto para tornar mais evidentes os termos. Lembramos que o autor
procurava sempre fugir do lugar-comum. A colocação das vírgulas de forma
não-convencional altera a entonação já cristalizada no ouvido do leitor,
obrigando-o a uma mudança.

A vírgula, na obra rosiana, pode ter também a função de substituir um


conectivo ou um verbo.

Extraímos os seguintes exemplos da obra:

a) Só uns três dias só. Transeunte. Dixe que, eu casar, ele me


amaldiçoa...” (“O recado do morro”, p. 31)
b) Destino, quem marca é Deus, seus apóstolos. (“O recado
do morro”, p.22)
c) Sempre disse ao senhor, eu atiro bem. (Grande
Sertão:Veredas, 124)
d) Jõe Bexiguento achava que não tinha mais sustância para
ser jagunço; duns meses, disse, andava padecendo da
saúde, erisepelava e asmava. (Grande Sertão: Veredas,
p.168)
Vemos, no trecho (a), que as vírgulas estão delimitando um enunciado
de sentido condicional, cujo conectivo não está presente. Esse tipo de
construção, muito encontrado na fala, torna os enunciados mais sintéticos e
fornece ao leitor somente os elementos essenciais, ficando a coesão por conta
do sinal de pontuação. Assim como a norma lingüística é icônica, é pela
iconicidade que distinguimos o desvio ao modelo convencionado.

No exemplo (b) a vírgula substitui a conjunção aditiva; em (c) e (d), o


termo substituído pela vírgula é a conjunção integrante que e, no último
exemplo, a vírgula substitui o verbo estar.

Esse tipo de construção procura reproduzir, na escrita, a fala sertaneja,


levando o leitor a experimentar sensações auditivas, responsáveis pela
construção mental das cenas. Essas construções também obrigam o leitor a
dar um acabamento à forma da escritura.
63

É comum, à prosa rosiana, aproveitar a tendência da fala popular de


dar pouca ênfase aos elementos de ligação, deixando a coesão por conta da
pausa. A vírgula, portanto, nesses contextos, é um índice de oralidade, que
causa um efeito discursivo de ênfase aos elementos essenciais do texto e de
cumplicidade entre narrador e leitor/ouvinte na tarefa de completar a frase.

Observemos este exemplo:

Um boneco de capim, vestido com um paletó velho e um


chapéu roto, e com os braços de pau abertos em cruz, no
arrozal, não mamolengo? O passo-preto vê e não vem, os
passarinhos se piam de distância. Homem, é. (Grande Sertão:
Veredas, p.370)
Por isso, o julgamento tinha dado paz à minha idéia — por
dizer bem: meu coração. Dormi, adeus disso. Como é que eu ia
poder ter pressentimento das coisas terríveis que vieram depois,
conforme o senhor vai ver, que já lhe conto? (idem, p.138)

No primeiro exemplo, a última oração tem o deslocamento do verbo


para o seu final. A vírgula é uma pista para o leitor deslocar o verbo para o
início da oração a fim de tornar a frase mais coerente. O predicativo
antecedido do verbo mostra o que representa para o pássaro a figura do
homem. Essa palavra representaria uma senha, um sinal dentro da própria
história. Vemos, no enunciado, o narrador mostrando para o leitor o ponto-de-
vista do próprio personagem, no caso, o pássaro.

No último exemplo, é necessário que, primeiramente, o leitor disponha


os termos da oração interrogativa na ordem direta (Conforme o senhor vai ver,
que já lhe conto, como é que eu ia poder ter pressentimento das coisas
terríveis que vieram depois?) para tornar a frase mais precisa. A primeira
leitura deixa a impressão de que há um amontoado de várias frases em só
uma. A vírgula nos dá uma pista para resolver o quebra-cabeças. Construções
como essas exigem a participação do leitor na construção de sentido do texto.

Vemos, portanto, que a vírgula, nos dois exemplos, auxilia o leitor a


arrumar o texto, para que se torne mais claro. Vê-se, nitidamente, a intenção
do sujeito da enunciação de valorizar os elementos deslocados para o início
das orações.
64

Vejamos mais um exemplo de emprego da vírgula:

Acho o mais terrível da minha vida, nessas palavras, que o


senhor nunca deve de renovar. Mas, me escute. (Grande
Sertão:Veredas, p. 188)
Nesse exemplo, é evidente o caráter conversacional da conjunção
destacada pela vírgula, do resto do contexto. Na leitura oral, o primeiro
elemento vai receber maior proeminência entonacional, deixando clara a
intenção do sujeito de destacar o marcador que retoma a narração, após a
interrupção provocada pela reflexão do período anterior. A vírgula desloca a
atenção do leitor para esse elemento, tornando-se, assim, um índice de que a
narrativa terá prosseguimento, além de recriar a cadeia falada, levando à
formação mental de sensações auditivas e sonoras.

A vírgula pode ser colocada também no lugar de outro sinal de


pontuação, como mostram os exemplos seguintes:

[...] Mas a chuvaça tomava a gente de respirar, um bebia água,


se assoava, se babava, homem tinha o que aguentar, as roupas
iam pesando endurecidas, pé de cavalo trampeava em barro,
voz ouvida não cabia. [...] (“A estória de Lélio e Lina”, p.106)
Nesse trecho, há várias orações justapostas ligadas pela vírgula.
Depois da primeira oração esse sinal de pontuação estaria no lugar dos dois-
pontos. Depois da quarta oração,o ponto poderia substituir a vírgula. A
abundância de vírgulas no desenho do texto, causa o efeito de uma
sobreposição de imagens que traduz a simultaneidade de ações. Essas imagens
impõem ao texto uma grande carga de expressividade, refletindo o clima de
tensão experimentado pelos personagens.

5.1.1. Conclusão

Como vimos, a função da vírgula e predominantemente indexical, pois


orienta a leitura, no sentido de fornecer pistas da inversão dos constituintes
frasais e também transcodifica a cadeia falada tanto no ritmo da escrita como
na leitura oral do texto.

O estudo da vírgula mostrou, ainda, que o ritmo semelhante ao da


oralidade que se observa no texto rosiano é resultado da inversão dos
elementos da frase e não a simples recriação da oralidade.
65

Esse sinal de pontuação também possibilita ao autor utilizá-lo para


substituir outros sinais de pontuação, causando interessantes efeitos no texto
escrito.
Vejamos o quadro resumitivo do emprego da vírgula:

VALOR EXEMPLO OBRA PÁ- VALOR SEMIÓTICO FUNÇÃO


FUNCIO GINA TIPO INTERPRETAÇÃO DISCURSIVA
NAL SÍGNICO
delimitação O Luas-de- 97 índice possibilidade de recuperação do
dos camarada, mel recriação imagética tempo e do espaço
constituintes
vindo com do evento narrado da enunciação
frasais ele, era um
serviçal
dos
Dioclécios:
que, hoje,
sozinho,
nesta data,
um patrão
vinha me
visitar, de
passagem.
segmentação Eu, posso. Meu tio o 163 índice responsável pela conclusão das
entre o Iauaretê associações informações das
sujeito e o necessárias à frases anteriores
verbo. compreensão das
passagens
Meditava, Fatalidade 55 índice elemento maior importância
o meu gerenciador do do termo deslocado
amigo percurso a ser
seguido para
reconstrução do
enunciado, de
acordo com o
padrão convencional
segmentação O Sertório Esses 57 índice dupla função de mudança abrupta do
entre verbo e durou, uns Lopes marcar uma aparente sentido do
complemento dias. simetria e apontar enunciado
ou para sua quebra
predicativo
Mas, medo, Grande 235 índice orientação do relativização do
tenho; Sertão: deslocamento dos termo determinado
mediano. Veredas constituintes
66

Claro que O recado 24 índice condensação de fusão do discurso do


era, do morro todos os fatos narrador e do
poetagem. citados personagem
anteriormente num
julgamento
Segmentação E, vai, O recado 97 índice preparação para a criação de
entre verbo e senão, que, do morro emissão dos signos expectativa no
complemento surgiu a verbais endofóricos interlocutor
ou nova: um
predicativo recado.

Segmentação Moço!: Deus é Grande 16 índice quebra da adequação da


entre verbo e paciência. O Sertão: simetria em forma do
predicativo contrário, é o Veredas concordância enunciado ao
diabo. com os sujeitos sentido
dos enunciados

Segmentação Ordenaram-lhe Zingaresca 189 índice associações discurso do


entre o termo que trouxesse ao mentais ao narrador
determinante curral um boi, modelo de interligado ao do
e o termo qualquer. referência personagem
determinado
Separar o A filha, ele só Sorôco, sua 13 índice ícone estrutura formação de dois
elemento tinha aquela. mãe, sua da linguagem planos de
topicalizado filha oral enunciado
Substituto da — Só uns três dias O recado 31 índice reconstrução participação do
conjunção só. Dixe que, eu do morro mental da leitor na
casar, ele me situação de construção do
amaldiçoa. produção do enunciado
enunciado
deslocamento Grande 138 índice pista de participação do
dos termos Sertão: deslocamento leitor na
da oração Veredas dos termos ordenação dos
termos do
Como é que eu ia enunciado
poder ter
pressentimento das
coisas terríveis que
vieram depois,
conforme o senhor
vai ver, que já lhe
conto?

segmentação Mas, me escute. Grande formação de início de uma


da conjunção Sertão: 188 índice sensações situação
introdutória Veredas auditivas e comunicativa
visuais
67

5.2. O emprego dos dois-pontos

O tom retórico representa um traço fundamental na escrita de


Guimarães Rosa. O emprego de artifícios para prender a atenção do
leitor/ouvinte, como a repetição de refrões, os vocativos, o ritmo, as orações
justapostas, período coordenativo, as frases nominais, entre outros,
aproximam a obra do escritor das narrativas populares.

A pontuação é um dos elementos responsáveis pela configuração da


entonação e a formação dos momentos de clímax característicos das
narrativas populares. Os dois-pontos são também bastante empregados na
obra de Guimarães Rosa. É comum encontrarmos a presença desse signo mais
de uma vez em um período. Esse procedimento auxilia na formação do tom
solene da narrativa, tão apreciado pelos contadores de histórias.

Além do uso tradicional dos dois-pontos, nas citações, enumerações e


sínteses, vemos construções bem inusitadas, com os dois-pontos aliados a
outros sinais de pontuação.

Vejamos estes exemplos:

— Não caçoa! Boa mesmo!... Eu cá não largo a minha. Arma


de fogo viaja a mão da gente longe, mas cada garrucha tem seu
nome com sua moda... Faca já é mais melhor, porque toda faca
se chama catarina. Mas, foice?!: é arma de sustância — só faz
conta de somar! Para foice não tem nem reza, moço... (“São
Marcos”, p. 232)
O João Lualino, pardaz, sempre muito luxo no vestir, botava
até água-de cheiro na cabeça; diziam que era sujeito muito
mau, e sangrador, faquista. —“A ser, quand’ é que vocês ficam
forros de pajear essa gente de ambulante?”— O João Lualino
perguntou. Arre, era amanhã, estavam no arraial, de volta — o
Ivo explicava. “Eh, Crônh’co — falava Veneriano —: Vocês
foram arranjar um carcamano mais estranhável. Hum, que
zanza por aí à garimpa, mó de atestar amostra de pedrinhas e
folhas d’árvores... Que é que estará percurando, de verdade?”
[...] (“O recado do morro”, p.42)

Visualmente, o texto deixa o leitor intrigado. A perplexidade inicial se


desfaz à medida que reconhecemos o papel do sinal de pontuação, que é o de
gerenciar a leitura.
68

No primeiro exemplo, temos a presença de outros dois sinais ao lado


dos dois-pontos: o ponto-de-interrogação e o ponto-de-exclamação. Embora a
escrita do autor seja excêntrica, a presença desses sinais não é gratuita. Logo,
é importante que sigamos as instruções contidas nessa diagramação.

Como sabemos, o ponto-de-exclamação ao lado do ponto-de-


interrogação imprime um valor expressivo ao enunciado. Desse modo, vemos
três informações nos sinais de pontuação. O desenho textual mostra uma
indagação retórica, com grande carga de espanto. A seguir, os dois-pontos
encaminham a leitura para a definição do objeto. O personagem, ao fazer uma
conjectura baseada em fatos, imprime, por meio desse ato de fala, um valor ao
objeto, alvo do comentário. Esse tipo de raciocínio se manifesta pela
criatividade. O sujeito da enunciação, diante do fato surpreendente com o qual
deparou, elaborou esse pensamento. Os outros dois sinais de pontuação
contribuem com grande carga de expressividade, para que as associações
emirjam na mente interpretadora.

No segundo exemplo, os dois-pontos estão ligados à fala do


personagem, interrompida pela voz do narrador, que está indicada pelo
travessão duplo. Portanto, esses dois-pontos estão ligados ao elemento
anterior aos travessões. Vemos duas dimensões enunciativas nesse trecho: a
fala do personagem, no primeiro plano, e a fala do narrador, como pano de
fundo. A pontuação, nesse caso, vai delimitar os papéis discursivos. Os sinais
de pontuação auxiliam o leitor a reconstruir mentalmente a cena narrada e,
dessa forma, o sentido emerge dos enunciados. Como podemos ver, nesses
exemplos, os sinais de pontuação têm um papel fundamental, na formação de
sentido do texto, pois oferecem a trilha ser seguida pelo leitor.

De acordo com Damourette (apud Charadeau & Maingueneau, 2004),


os dois-pontos estão associados à melodia do texto. Para o teórico da
linguagem, esse sinal de pontuação tem uma influência no contorno
entonacional do enunciado em que se encontra.

Observe-se o seguinte exemplo:

[...] A madre, meu construído, casa-grande de quantos andares


69

agüentando, no se subir, lanço a lanço, à risca feita. Mas: a casa sem


janelas nem portas — era o que eu ambicionava. (“Curtamão”, p. 37)

Vemos, na passagem anterior, que o sinal de pontuação se segue à


conjunção adversativa. Os dois-pontos contribuem para acentuar o clima de
tensão criado pelo valor semântico do conector e promovem também uma
mudança no ritmo da narrativa. O caráter inusitado da construção é
perfeitamente adequado ao enunciado; nesse caso, a mudança entonacional na
leitura oral e o ritmo da escrita funcionam como índices do que será citado na
narrativa: a construção de uma casa uma casa sem janelas nem portas.
Podemos dizer também que o sinal de pontuação tem a função de ratificar a
introdução de uma idéia inusitada na narrativa.

Os dois-pontos podem também substituir o conectivo da oração, como


podemos ver nestes exemplos:

a)Tinha inveja de mim: não via que eu era defeituoso feioso.


(“Antiperipléia”, p. 14)
b) O dinheiro: água que faltando. (“Curtamão”, p.37)
c) Afinal, ele falou: fosse o Almirante Balão. (idem, p.204)
d) Será: eu nunca esbarro pelo quieto, num feitio? (Grande
Sertão:Veredas, p. 126)
e) Bicho pequeno elas não guardam: comem inteirinho, ele
todo. (“Meu tio, Iauaretê”, p.827)
f) O Chapadão: céu de ferro.(Grande Sertão:Veredas, p. 351)
g) Sertão: estes vazios. (idem, p. 27)
h) Perguntei: respondeu-me que não estava doente.
(“Famigerado”, p.13)

Conforme observa Catach (1980), os sinais de pontuação, embora não


tenham correspondência articulatória, funcionam como signos lingüísticos.
Eles podem ter várias funções, como a função semântica, que completa ou
substitui palavras. Os exemplos anteriores trazem um tipo de construção
comum na obra de Guimarães Rosa. Como acontece com outros sinais de
pontuação, os dois-pontos podem substituir termos que não aparecem nos
enunciados, como conectores e verbos, que são substituídos nas passagens
anteriores.
70

Nos cinco primeiros trechos, o sinal de pontuação substitui a


conjunção explicativa (a), a conjunção comparativa (b) e (c); a conjunção
integrante (d) e a conjunção adversativa (e). Nos exemplos (f) e (g), os dois-
pontos aparecem no lugar do verbo de ligação, e no último trecho, o sinal de
pontuação está substituindo a parte da oração, subentendida no trecho
referente à resposta do personagem.

Esse tipo de construção, que torna o enunciado sintético, comum na


fala popular, conta, na leitura, com a participação do leitor, para dar-lhe
sentido. Os sinais de pontuação têm o valor de índices dos elementos ausentes
nesses trechos:

No trecho seguinte, temos outro exemplo da escrita sintética do autor:

Ali entraram com uma aragem que me deu susto de possível


reboldosa. Admirei: tantas armas. Mas eles não eram
caçadores. Ao que farejei: pé de guerra. (Grande
Sertão:Veredas, p. 90)
Temos, nessa passagem, outro exemplo de um tipo de construção
muito encontrada na obra rosiana. O sinal de pontuação presente no segundo
período tem um emprego bem original, pois indica a carga de emotividade
que deveria ser expressa pelo ponto-de-exclamação. A busca da concisão leva
o autor a criar enunciados apenas com a presença dos elementos-chave, como
as orações em que se observam os dois-pontos. O sinal de pontuação introduz
os termos “tantas armas” e “pé de guerra” e é responsável por certo grau de
tensão nos enunciados e torna os elementos que se seguem a eles mais
evidentes. Na última oração, o sinal ainda indica a conclusão do narrador.

De acordo com Moisés (1967: 74-75), “nosso pensamento se constrói


segundo uma ordem lógica, isto é, em que os argumentos se vão
acrescentando até permitir a conclusão que pretendemos considerar”. O autor
ainda observa que, por esse motivo, devemos escrever ou mesmo falar “de
acordo com a preocupação de nos fazer claros e convencer a quem nos lê e
escuta”.

Extraímos algumas passagens em que o emprego do sinal de


pontuação causa efeitos de sentido originais, como estas:
71

a) O Hermógenes rompia adiante, não dizia palavra. Nem o


Garanço também, nem o Montesclarense. Isso, em meu
sentir, eu a eles agradecia. Quem vai morrer e matar, pode
ter conversa?[...] Digo ao senhor o que eu ia pensando: em
nada. (Grande Sertão: Veredas, p.156)
b) Dar o mal por mal: assim. Eu tinha a quanta razão. (Grande
Sertão: Veredas, p. 283)
c) O senhor ponha enredo. Vai assim, vem outro café, se pita
um bom cigarro. Do jeito é que retorço meus dias:
repensando. (idem, p.234)
d) Se a Santa puser em mim os olhos, como é que ele pode me
ver?! Digo isto ao senhor, e digo: paz. (idem, p.229)
e) Aí, o mais: poeiras! Ao pino. (“—Tarantão, meu patrão”,
p.143)

Os dois-pontos provocam uma alteração no ritmo da escrita,


preparando o leitor para a citação de algo merecedor de atenção. Do ponto-de-
vista semiótico, o sinal de pontuação é um índice orientador de leitura,
responsável pela antecipação da importância do que vai ser citado.

Como já comentamos anteriormente, o narrador na obra rosiana tem


muitos pontos de contato com os contadores de estórias. Desse modo, os dois-
pontos recriam a eloqüência do ritmo da fala no espaço gráfico. Essas
passagens, ao recriarem a cadeia falada da língua, transportam o leitor à
situação de produção desses enunciados. Vemos que os dois-pontos
contribuem para o clima de tensão na narrativa, como o primeiro exemplo, em
que a expressão que se segue à pontuação mostra o estado psicológico do
personagem e também sintetiza o que poderia ser dito em várias frases. Em
outras passagens, os dois-pontos indiciam culminância do suspense; às vezes,
pode se seguir ao sinal de pontuação o inesperado, como mostram os
exemplos seguintes (b), (c), (d), (e) e (f). Esse procedimento garante,
entretanto, a interação do leitor com o texto.

Em Grande Sertão:Veredas, vê-se a interação do narrador/contador de


estórias com o leitor/ouvinte, como esta passagem: “O sertão: o senhor
sabe”(p.295). Essa passagem pode ser explicada pelo fato de o ex-jagunço
Riobaldo, ao longo da narrativa, enunciar frases, entre outras, como: “Sertão é
o penal, criminal. Sertão é onde o homem tem de ter a dura nuca e mão
72

quadrada.”(p.86); “Sertão é o sozinho.(...) Sertão: é dentro da gente.” (p. 235).


Portanto, o primeiro exemplo é totalmente coerente; os dois pontos, nesse
caso, conduzem o leitor a todas as definições anteriores.

Os dois-pontos são signos auxiliares na transmissão da gestualidade


dos personagens, como vemos nestes exemplos:

Ói: rabo duro, batendo com força. Cê corre, foge. Tá


escutando? (“Meu tio, o Iauaretê”, p.839)
Ói: onça Maria-Maria eu vou trazer ela pra cá, deixo macho
nenhum com ela não. (idem, p.839)
Hum, hum. Ói: eu tava lá, matei nunca ninguém. (idem, p.844)
Olhe: Deus come escondido, e o diabo sai por toda parte
lambendo o prato... (Grande sertão :Veredas, p.45-46)
Mire veja: Se me digo, tem um sujeito Pedro Pindó, vizinho
daqui mais seis léguas, homem de bem em tudo por tudo, ele e
a mulher dele, sempre sidos bons, de bem. [...] (Grande
Sertão:Veredas, p.13)
Esticadinha: a cabeça dá de maior, pra riba, quando ela
escancara a boca, as pintas ficam mais compridas, os olhos vão
pra os lados, reprega a cara. Ói: a boca— ói: a bigodeira salta...
Abre os braços, já tá mexendo pra pular; demora nas pernas—
ei, ei — nas pernas de trás... (“Meu tio o Iauaretê”, p. 830)

As passagens que representam as interpelações se repetem ao longo


das narrativas de referência. O personagem do conto “Meu tio o Iauaretê” (in
Estas estórias), geralmente, repete a expressão “ói:” ao se dirigir ao seu
interlocutor. A expressão “Mire veja” ou sua variação “Mire e veja” é um
mote que se apresenta ao longo da narrativa Grande Sertão:Veredas. A
expressão “olhe” também é bem utilizada pelo autor, embora a anterior seja
uma marca da epopéia. Os dois-pontos que acompanham essas expressões
retóricas, com a finalidade de assegurar a atenção do ouvinte na apresentação
da estória, sugerem os movimentos corporais e a voz do narrador. No último
exemplo, é bem nítido o mimetismo do personagem ao “desenhar” a onça e
seus movimentos para o interlocutor.

Os dois-pontos podem aparecer seguidamente, como mostram estes


excertos:

—Mais cerveja, Manuel?


73

—Eu cá nunca enjeito, seu doutor. Mas, lhe conto: o ruim foi
depois: ninguém não queria fazer negócio comigo...Perdi a
freguesia...E, eles, era ingratidão, porque eu nunca tinha feito
velhacaria nenhuma com pessoa nenhuma do arraial. Não
carrego rabo de palha...Mas, que-o-quê! (“Corpo fechado”, p.
277)
Advirto: desse Felpudo: tão bom como tão não, na mioleira.
(“—Tarantão, meu patrão...”, p.143)
Tomo nota: está soprando do sudoeste; mas, mal vale: daqui a
um nadinha, mudará, sem explicar a razão. (“A volta do marido
pródigo”, p.251)
Mire veja: aquela moça, meretiz, por lindo nome Nhorinhá,
filha de Ana Duzuza: um dia eu recebi dela uma carta: carta
simples, pedindo notícias e dando lembranças, escrita, acho
que, por outra alheia mão. (Grande Sertão: Veredas, p.78)
O emprego seguido dos dois-pontos pode ser visto como índices de
momentos de importância seguidos, na narrativa. Essa forma de pontuação
segmenta, no enunciado, chamando a atenção do leitor/ ouvinte para o
elemento sobre o qual se comentará mais adiante.

No último exemplo, além do apóstrofo inicial, temos mais dois


empregos dos dois-pontos, com o objetivo de delimitar a novidade: o
recebimento da carta. Vemos que esse tipo de emprego isola o elemento entre
os dois-pontos.

Esta colocação dupla do sinal de pontuação é distinta da anterior,


como vemos:

Agora, bem: não queria tocar nisso mais — de o Tinhoso;


chega. Mas tem um porém: pergunto: o senhor acredita, acha
fio de verdade nessa parlanda, de com o demônio se poder
tratar pacto? (Grande Sertão:Veredas, p. 22)
Entrou até embaixo de cama, para quebrar a vasilha!... E: olhe
aqui: quando ele tinha chegado, caçou uma alavanca para abrir
a porta, com cautela de economia, por não estragar...(“São
Marcos”, p.236)

A diagramação do texto nos leva a fazer associações desse tipo de


emprego com o travessão duplo, pois as expressões estão destacadas do resto
da oração pela pontuação.
74

Nesse caso, o autor tem como seu aliado o leitor, que vai fazer as
operações mentais, relacionando os dois-pontos seguidos com o travessão
duplo.

Vemos que os dois-pontos imprimem grande expressividade ao


enunciado. Os termos destacados pela pontuação adquirem proeminência no
enunciado e o sinal empregado seguidamente deixa a superfície textual menos
densa do que ficaria com o travessão. No primeiro exemplo, o narrador muda
o rumo da declaração, procedimento indicado pelo verbo entre os dois-pontos,
para transferir a dúvida que seria declarada para o interlocutor. Nos excertos
selecionados, percebe-se, ainda, que os termos destacados pela pontuação têm
a função de chamar a atenção do interlocutor.

Os dois-pontos também substituem outros sinais de pontuação, como


estes trechos mostram:

Daí deu em dizer que está sempre esperando...


— Oé, vô: só se espera o demo, uai! (“Buriti”, 106)
[...] Todo lugar é igual a outro lugar; todo tempo é o tempo.
Aí: as coisas acontecidas, não começam, não acabam. Nem.
Senhores! Assim, num povoado... (“A estória do homem do
pinguelo”, p.158)
Onça meu parente. Matei, montão. Cê sabe contar? Conta
quatro, dez vezes, tá í: esse monte mecê bota quatro vezes.
(“Meu tio o Iauaretê”, p. 827)
Ixe, quando eu mudar embora daqui, toco fogo em rancho: pra
ninguém mais poder não morar. Ninguém mora em riba do meu
cheiro.(Idem, p.826)

Normalmente a vírgula é o sinal que separa o vocativo do resto da


oração. Os dois-pontos, no primeiro trecho, têm dupla função no contexto,
pois, além de isolarem o vocativo, anunciam uma declaração inusitada,
dando-lhe destaque.

No segundo exemplo, os dois-pontos substituem a pausa que


acompanha o marcador conversacional “aí”. Nesse caso, a função dessa
partícula não é de promover a coesão seqüencial do texto, mas de fazer uma
75

interpelação ao interlocutor, anunciando a próxima declaração, dando-lhe


realce.

No penúltimo trecho temos uma construção muito comum na fala


popular. Os dois pontos, na cadeia falada, promovem uma pausa para
introduzir o termo a que se pretende dar destaque, como já vimos em outros
exemplos. Esse procedimento representa uma estratégia retórica do discurso
falado, com a intenção de convidar o ouvinte a participar do evento narrado.

Os dois-pontos, no último trecho, mostram também sua função


argumentativa, em que o narrador parece querer deixar bem marcada a
justificativa de sua atitude. A própria diagramação do texto aliada ao valor
convencional do sinal de pontuação mostra “a marcação de terreno” feita pelo
onceiro. O mesmo acontece na cadeia falada, pois a pausa suspensiva mais
forte que a da vírgula imprime um caráter de importância ao que vai ser dito.

As pausas provocadas pelos dois-pontos, na cadeia falada ou no ritmo


da escrita, imprimem às passagens um quadro sugestivo de construção das
cenas, em que se “ouve” a voz do personagem enfatizando as passagens
marcadas pelo sinal de pontuação.

Vejamos outro tipo de emprego dos dois-pontos encontrado na obra de


Guimarães Rosa:

A gente olhava: nas reluzências do ar, parecia que ele estava


torto, que nas pontas se empinava. (‘Famigerado”, p. 13)
O ponto está em que o soube, de tal arte: por antipesquisas,
acronologia miúda, conversinhas escudadas, remendados
testemunhos. (“Desenredo”, p.40)
Fez tenção: de trabalhar, sobre só, ativa inertemente; sarado o
dó de lembranças, afundando-se os dias, fora já de sobressaltos.
(“Arroio-das-antas”, p.18)
Jamais, nuncas, eu invejei ninguém: porque inveja é erro de
galho, jogar jogo sem baralho. (“A estória do homem do
pinguelo”, p.130)
Se não pediu, só não pediu esmolas, há-de. Sendo, será que,
com aquele primeiro dinheiro, viajou e virou, conformemente,
no vender bois e passar outras boiadas? Só se soube: que
também, logo, com um tempo, pegou a compor o estável. ( “A
estória do homem do pinguelo”, p. 157)
Pois, bom é dizer que: nada, com ele saía para fora de nada.
76

Devagar também é pressa (“A estória do homem do pinguelo”,


p. 157)

. O ritmo que se forma com a colocação dos dois-pontos faz com que o
leitor recupere a intenção comunicativa do autor de dar destaque aos termos
que se seguem ao sinal de pontuação.

Percebemos, nesses últimos exemplos, que os sinais de pontuação


criam relações de sentido que tornam possível captar as diferentes orientações
de leitura pretendidas pelo autor. A pontuação, desse modo, desempenha um
papel semelhante ao de certos operadores lingüísticos, ao dar uma orientação
argumentativa ao enunciado, de acordo com Ducrot (1981). O ritmo que se
imprime à narrativa, nesse caso, vai imprimir outras nuanças de sentido ao
enunciado e, conseqüentemente, ao texto em sua totalidade.

O sinal de pontuação vai ser um índice da alteração pretendida pelo


autor, de acordo com o sinal escolhido. Cabe ao leitor seguir a trilha elaborada
pelo autor, para que a leitura do texto se efetue em sua totalidade.

Nos exemplos vistos anteriormente, os dois-pontos determinam que se


inicie outra unidade de comunicação a partir desse sinal, o que não ocorreria
caso não houvesse a pontuação.

Os diálogos aparecem de várias formas na obra rosiana. Podemos


encontrar desde aqueles bem delimitados, em que se identificam o narrador e
o personagem até aqueles que podem ser identificados somente pelo mapa da
pontuação.

Vejamos exemplos de falas bem demarcadas pelo espaço gráfico:

Targino puxou o revólver. Eu me desdebrucei um pouco da


janela. Cruzaram-se os insultos:
—Arreda daí, piolho! Sujeito idiota!...
—Atira, cachorro, carontonho! Filho sem pai! Cedo será, que
eu estou rezado e fechado, e a tua hora já chegou!...
E só aí que o Manuel mexeu na cintura. [...] (“Corpo
Fechado”, p.285)
Vemos, nessa passagem, a forma tradicional de diálogo, em que o
narrador anuncia a fala dos personagens, com o auxílio dos dois-pontos.
77

Aparecem também falas de personagens no mesmo parágrafo da


narração, delimitadas, porém, pela pontuação.

Vejamos:

Olhava mais era para Mãe. Drenalina era bonita, a Chica,


Tomezinho. Sorriu para Tio Terez: — “Tio Terez, o senhor
parece com o Pai...” Todos choravam. [...] (“Campo Geral”, p.
542)
Há passagens em que os dois-pontos encaminham o leitor para a fala
do personagem, porém, a narrativa toma outro rumo.

Então, Duarte Dias declarou: suplicava deixassem-no levar o


moço, para sua casa. (“Um moço muito branco”, p. 90)
Disse: que o dia estava muito recitado. (“A partida do audaz
navegante”, p. 105)
Me disse: tinha bastante dinheiro. (“Curtamão”, p. 43)
Os dois-pontos, nesse caso, até desorientam o leitor, pois se segue o
discurso reportado. A voz do personagem que se apresentaria em primeiro
plano é apagada pela fala do narrador, nesse trecho. O narrador, nessa forma
de escritura, relata o fato a partir de seu ponto-de-vista, assumindo o controle
da voz do personagem.

Vejamos outro interessante efeito de sentido formado a partir da


conjugação de dois sinais de pontuação:

Mudara de idéia, sem contra-aviso à esposa; bem feito!: veio


encontrá-la em pleno (com perdão da palavra, mas é verídica
a narrativa) em pleno adultério, no mais doce, dado
descuidoso, dos idílios fraudulentos. (“Duelo”, p. 142-143)
Vemos, nessa passagem, uma mostra da orientação de leitura feita pelo
narrador. A interjeição exclamativa antecede o fato anunciado pelos dois-
pontos, com valor indicial. Nesse caso, a intenção de controle não é sobre o
personagem, mas sim sobre o leitor/ouvinte. A parte do enunciado que se
segue aos dois-pontos é uma justificativa do sentimento do narrador expressa
pela interjeição.

Vejamos o último exemplo do emprego dos dois-pontos:

O bando desfilou em formação espaçada, o chefe no meio. E


o chefe — o mais forte e o mais alto de todos, com um lenço
azul enrolado no chapéu de couro, com dentes brancos
78

limados em acume, de olhar dominador e tosse rosnada, mas


sorriso bonito e mansinho de moça — era o homem mais
afamado dos dois sertões do rio: célebre do Jequitinhonha à
Serra das Araras, da beira do Jequitaí à Barra do Verde
Grande, do rio gavião até nos Montes Claros, de Carinhanha
até Paracatu; maior do que Antônio Dó ou Indalécio; o
arranca-toco, o terra, o come-brasa, o pega-à-unha, o fecha-
treta, o tira-prosa, o parte-ferro, o rompe-racha, o rompe-e-
arrasa: Seu Joãozinho Bem-Bem. (“A hora e vez de Augusto
Matraga”, p. 348)

Nesse trecho, vemos a presença dos dois-pontos duas vezes. A


repetição desses sinais, porém, não indica o travessão duplo. Os signos
anunciam uma citação, que caminha numa progressão de qualificativos que se
tornam cada vez mais depreciativos, culminando com o clímax do parágrafo:
a revelação do nome do personagem com tantos predicados. Essa estratégia
retórica tem a finalidade de despertar o interesse do leitor pela figura que será
citada. Esse índice encaminha o leitor para a parte mais importante do trecho.

5.2.1. Conclusão

Percebemos que os dois-pontos, além de separar as formações


discursivas, indicando a posição do sujeito na superfície textual, têm um papel
de grande relevância no texto de Guimarães Rosa, no que diz respeito aos
efeitos imagéticos pretendidos pelo autor. Esses sinais auxiliam na produção
do clima de tensão e de mistério e ainda imprimem um tom dramático à voz
do narrador, característica típica dos contadores de estórias. Não podemos
esquecer ainda que os dois–pontos, ao alterarem o ritmo do enunciado,
imprimem –lhe outros sentidos subjacentes.

O quadro resumitivo a seguir dará uma visão geral do emprego dos


dois-pontos na obra de Guimarães Rosa.

VALOR EXEMPLO OBRA PÁ- VALOR SEMIÓTICO FUNÇÃO


FUNCIONAL GINA DISCURSIVA
TIPO INTERPRETAÇÀO
SÍGNICO
Definição Mas, foice?!: São 232 índice elaboração de ponto-de-
é arma de Marcos uma conjectura vista do
sustância — baseada em fatos personagem
só faz conta
de somar!
79

signo seguido Mas: a casa Curtamão 37 índice sinal do caráter ratificação de


de uma sem janelas inusitado do inclusão de
conjunção nem portas enunciado uma idéia
adversativa — era o que seguinte inusitada
eu
ambicionava.
substitutos de O dinheiro: Curtamão 37 índice aproximação do tipo participação
termos da água que de frase da do leitor na
oração faltando. linguagem oral formação do
Admirei: Grande 90 índice criação do clima de enunciado
tantas Sertão: tensão na narrativa
armas.(...) Ao Veredas
que farejei:
pé de guerra.
interpelação Oi: rabo Meu tio o 839 índice formação de prender a
duro, batendo Iauaretê quadros atenção do
com força. imagéticos interlocutor
Ce corre, de gestualidade
foge.
presença da Advirto:desse Tarantão, 143 índice formação de
mesma felpudo meu suspense na mente
pontuação patrão interpretadora
no enunciado
substitutos do Mas tem um Grande 22 índice transferência da função fática
travessão porém : Sertão: dúvida do narrador da linguagem
duplo pergunto: o Veredas para o interlocutor
senhor
acredita, acha
fio de
verdade,
nessa
parlanda, de
com o
demônio se
poder tratar
pacto?
substitutos da — Oé vó: só Buriti 106 índice formação de apelo à
vírgula se espera o sensações participação
demo, uai! auditivas do
leitor/ouvinte
pausa Pois é bom A estória 157 índice início de outra orientação
desnecessária dizer que: do unidade argumentativa
nada, com ele homem significativa ao enunciado
saía para fora do
de nada. pinguelo
pausa da fala Disse: que o A partida 105 índice orienta o leitor para discurso do
do dia estava do audaz a fala do personagem
personagem muito navegante personagem controlado
recitado pela voz do
narrador
anúncio de Mudara idéia, Duelo 142- índice justificativa da função
uma sem, sem 143 interjeição anterior argumentativa
explicação contra-aviso
à esposa:
bem feito!:
80

5.3. O emprego do travessão

Guimarães Rosa, ao utilizar em sua escrita a fala do povo interiorano,


não faz uma cópia fiel dessa linguagem, mas imprime marcas próprias a essa
voz, resultando em uma linguagem de grande originalidade e funcionalidade,
sem falar da beleza e lirismo de algumas narrativas. O aproveitamento de
expressões, de estruturas sintáticas, do ritmo e da musicalidade típicos do
sertão chega a criar em nós a impressão de coisa já ouvida.

Cenas teatrais, roteiros cinematográficos, nos quais sensações visuais e


auditivas se impõem, contribuem para compor situações que fazem com que o
leitor, por meio da linguagem, vivencie as cenas apresentadas e participe,
completando os enunciados, quando solicitado.

A pontuação, ao mesmo tempo que marca divisões, separa sentidos e


formações discursivas, representa uma chave para a decifração dos enigmas
que se apresentam na escrita rosiana.

A pontuação também indica modos de subjetivação do escritor, como


já vimos. Observamos que sinais comumente empregados com certa restrição,
como os dois-pontos e o travessão, são utilizados pelo autor com grande
liberdade e sem nenhuma economia. É comum encontrarmos períodos com
mais de um emprego de dois-pontos, de travessão e até mesmo de ponto-de-
interrogação ou de ponto-de-exclamação.

O travessão, além do emprego que segue as orientações da gramática


tradicional, é utilizado pelo autor também de forma não-convencional,
causando interessantes efeitos de sentido no texto.

Iniciamos a observação dos empregos criativos do travessão,


apresentando a introdução de Grande Sertão: Veredas (1978).

Vejamos:
— Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de
homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no
quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso
faço, gosto; desde mal em minha mocidade. [...] (p. 9)
O travessão indica que a narrativa tem a forma de diálogo entre o ex-
jagunço Riobaldo e um desconhecido, a quem confessa todo o seu passado e
81

suas dúvidas existenciais. A pontuação indica que a conversa se inicia no


travessão que principia a estória e se encerra no seu ponto final, como
podemos ver:

Cerro.O senhor vê. Contei tudo. [...] Amável o senhor me


ouviu, minha idéia confirmou: que o Diabo não existe. Pois
não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos
somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for...
Existe é homem humano. Travessia. (p. 460)
Nessa conversa, o narrador demonstra consciência oratória, ao se
dirigir ao visitante, por exemplo, com o uso de vocativos, de digressões e de
suspensões dramáticas.

O conto “Antiperipléia” (in Tutaméia, 1967) tem um início semelhante


a Grande Sertão: Veredas.

–E o senhor quer me levar, distante, às cidades? Delongo.


Tudo, para mim, é viagem de volta. Em qualquer ofício, não; o
que eu até hoje tive, de que meio entendo e gosto, é ser guia de
cego: esforço destino que me praz. (p.13)

O marcador conversacional E indica, na narrativa, o início de uma


unidade de comunicação já em desenvolvimento.

O travessão, como marca de diálogo, é empregado ainda em outra


narrativa. No conto “— Uai, eu?” (in Tutaméia, 1967), o título já indica o
início da conversa, que prossegue no texto, como podemos ver:

Se o assunto é meu e seu, lhe digo, lhe conto; que vale enterrar
minhocas? De como me vi, sutil assim, por tantas cargas
d’água. No engano sem desengano: o de aprender prático o
desfeitio da vida. (p.177)
Procedimento semelhante o autor tem em “— Tarantão, meu patrão...”
(In: Primeiras estórias), em que o título do texto é marcado pelo signo
indiciador de um diálogo

Outros contos são escritos sob forma de conversa, no entanto, esse tipo
de apresentação é visto apenas nessas quatro obras.

Há várias outras formas de emprego do travessão, na obra


rosiana.Vejamos esta:
82

[...] E Benevides, já montado— no Cabiúna manteúdo, animal


fino, de frente alçada e pescoço leve, que dispensa rabicho mas
reclama o peitoral, e é um de estimação, nutrido a lavagens de
cozinha e rapadura, o qual não pára um instante a cabeça,
porque é o mais bonito de todos, com direito de ser serrador, e
está sôfrego por correr; — Benevides, baiano importante, que
tem os dentes limados em ponta, e é o único a usar roupa de
couro de três peças, além do chapelão, que todos têm. [...] (“O
burrinho pedrês”, p. 12)

Aparece, em meio ao duplo travessão, uma longa e detalhada


descrição física e psicológica do animal do vaqueiro. Vemos que se misturam
as vozes do narrador e do personagem, nessa parte, que representa o foco,
emoldurado pela descrição do cavaleiro. O texto escrito se combina com a
intenção do narrador, que é passar para o leitor o sentimento de orgulho do
personagem na apresentação de seu animal. Fechados os travessões, aparece a
descrição do personagem, que se mantém num plano secundário.

Neste próximo exemplo, a enumeração que aparece entre os travessões


é tão longa que o próprio narrador se perde e demonstra a necessidade de
retornar ao ponto interrompido pela pontuação, como podemos ver:

Naquele tempo eu morava no Calango-Frito e não acreditava


em feiticeiros.
E o contra-senso mais avultava, porque, já então — e excluída
quanta coisa-e-sousa de nós todos lá, e outras cismas
corriqueiras tais: sal derramado; padre viajando com a gente no
trem; não falar em raio: quando muito, e se o tempo está bom,
“faísca”; nem dizer lepra; só o “mal”; passo de entrada com o
pé esquerdo; ave do pescoço pelado; risada renga de suindara;
cachorro; bode e galo, pretos; e, no principal, mulher feiosa,
encontro sobre todos fatídico; — porque, já então, como ia
dizendo, eu poderia confessar, num recenseio aproximado:
doze tabus de não-uso próprio; oito regrinhas ortodoxas
preventivas; vinte péssimos presságios; dezesseis casos de
batida obrigatória na madeira; dez outros exigindo a figa digital
napolitana, mas da legítima, ocultando bem a cabeça do
polegar; e cinco ou seis indicações de ritual mais complicado;
total: setenta e dois— noves fora, nada. (“São Marcos”, p.224)

Depois de uma enumeração exaustiva, em que demonstra todo o seu


conhecimento a respeito de superstições, o narrador, ironicamente, no final do
parágrafo considera a nulidade de tudo. O travessão duplo delimita as crenças
83

que fazem parte do conhecimento comum. Poderíamos dizer que há uma


espécie de simetria no trecho, isto é, a enumeração de superstições
consideradas de domínio público no interior dos travessões e a enumeração de
outras mais particulares, fora dos travessões. O último travessão isola a
conclusão. Vemos que o contraste na forma coincide com o contraste no
sentido. O travessão finaliza o trecho de forma surpreendente, pois, em
poucas palavras, faz com que tudo aquilo considerado anteriormente perca o
sentido. A pontuação faz a diagramação do trecho, levando o leitor a fazer as
associações do desenho com aquilo que o texto diz.

Como podemos ver, a exemplo dos outros tipos de sinais de


pontuação, o travessão no trecho tem um importante papel nas relações de
sentido que auxiliarão no processo de semiose.

Vejamos este exemplo dois tipos de sinais de pontuação:

Mas, na hora de sair, Lalino fez um pedido: queria o Estevam,


— o Estevão—, para servir-lhe de guarda. (“A volta do marido
pródigo”, p.100)
E, no outro dia, Lalino saiu com o Estevam — o Estevão—, um
dos mais respeitáveis capangas do major Anacleto, sujeito tão
compenetrado dos seus encargos, que jamais ria. (idem)

Nesses excertos, temos duas formações discursivas: a fala do


personagem, e a voz do próprio narrador, que aparece entre os travessões. No
primeiro trecho, vemos que há uma redundância no emprego dos sinais de
pontuação, pois a vírgula acompanha os travessões, desempenhando a mesma
função, que é a de destacar a pronúncia correta do nome. No segundo
exemplo, o emprego da vírgula está de acordo com a tradição gramatical, com
o deslocamento desse sinal para depois do segundo travessão. Acreditamos
que a presença dos dois sinais seja orientação de leitura oral, determinando
uma pausa mais longa, para evidenciar a pronúncia correta do nome, em
contraste com a do personagem. No segundo exemplo, a escrita segue a
norma, levando o leitor ao desenho psicológico de Lalino. O narrador, a partir
dessas estratégias, transmite ao leitor a simplicidade e as limitações do
personagem, com uma nuança de humor. Podemos dizer que o travessão
84

mostra dois papéis discursivos e sua característica: a crítica impiedosa, de um


lado e, de outro, a voz ingênua do personagem.

O travessão pode substituir outro sinal de pontuação:

Perdi —isto é— por culpa de má-hora de sorte; o que não


creio. Altos descuidos alheios...desordens malinas. (Grande
Sertão: Veredas, p.212)
Ói: a oca — ói ..(“Meu tio o Iauaretê”p.830)
A expressão isto é, que geralmente aparece entre vírgulas, recebe
maior destaque por aparecer entre os travessões, além de desautomatizar um
modelo já cristalizado na mente do leitor. O travessão chama a atenção para o
desenvolvimento da idéia expressa pelo verbo. No segundo exemplo, o
travessão estaria substituindo a vírgula. Cremos que houve preferência pelo
travessão, pois, além de indicar a pausa que se instaura nesse tipo de emprego,
o sinal de pontuação sugere os gestos do personagem.

Este exemplo mostra outro valor do travessão.

Vejamos:

Mas o cavalo — esse me entusiasmou: era um animal gateado,


grande, com imponência e todo brio, de rabejo vasto; e mais
tarde o senhor verá o que ele era; cavalo de cor alta, de beiço
mole, cavalo que debruça bem e que em poço bebia
remolhando a testa. (Grande Sertão:Veredas, p. 311)
Eu — eu tenho unha grande... (“Meu tio o Iauaretê”, p. 851)

O primeiro exemplo é bem original. O ponto-de-vista do narrador é


delimitado pela pontuação, porém de forma inusitada. Primeiramente, o travessão
introduz o comentário, que é finalizado pelos dois-pontos. Poderíamos dizer que a
conjugação do travessão com os dois-pontos trazem duas informações, isto é, a voz
do narrador que se interpõe na oração é delimitada pelo travessão e pólos dois-
pontos. Esse último sinal acumula a função de finalizar o comentário e sinalizar na
escrita a importância da descrição que virá a seguir.

O segundo trecho mostra um exemplo de tópico com pronome-cópia,


separado pelo travessão. O sinal de pontuação estaria representando iconicamente a
longa pausa que se segue à emissão do primeiro pronome.Vemos, nessa colocação do
sinal de pontuação, uma estratégia do personagem de prender a atenção de seu
85

interlocutor e de ter tempo para elaborar a frase, já que seu vocabulário era precário.

Nestes exemplos temos a conjugação de vários sinais:

Mas, os outros, perto de mim, por que era que não me davam
louvor, com as palavras: — Gostei de ver Tatarana! Assim é
que é assim!—? (Grande Sertão:Veredas, p.211)
—“Dito, que Pai disse: o ano em que chove sucedido é ano
formoso...—?” (“Campo Geral”, p. 476)
A pontuação tem um papel de importância fundamental nesses
excertos. Vemos, no primeiro trecho, hipoteticamente, duas falas no
enunciado do narrador: a sua e a dos companheiros. A indicação desse
amontoado de frases está no último travessão, encerrando a outra fala. O
primeiro travessão introduz o discurso dos outros. O ponto-de-interrogação
fecha toda a frase. O sinal de pontuação, dessa forma, roteiriza para o leitor as
vozes presentes no excerto.

No segundo exemplo, observa-se a voz do pai do personagem no


interior de sua fala. Nesses exemplos, o travessão é o elemento responsável
pela identificação da voz do personagem, que tem em seu interior a voz do pai
em um discurso indireto livre. É observar que a interpelação do personagem
ao irmão, mais a voz do pai estão no interior de um enunciado que encerra um
pergunta. Em passagens como essa, a pontuação vai indicando as trilhas a
serem seguidas pelo leitor para entendimento do texto.

Vejamos outro emprego do travessão:

Então, querendo e não querendo, e não podendo, senti: que —


só de um jeito. Só uma maneira de interromper, só a maneira de
sair — do fio, do rio, da roda, do representar sem fim. Cheguei
para a frente, falando sempre, para a beira da beirada. Ainda
olhei, antes. Tremeluzi. Dei uma cambalhota. De propósito, me
despenquei. E caí. (“Pirlimpsiquice”, p.41)

Nesse trecho temos dois empregos do travessão. O primeiro separa o


adjunto adverbial do resto da oração, o que na escrita comum poderia ser feito
pela vírgula. Cremos que a segmentação que ocorre nesse primeiro período se
deva ao propósito de formar um desenho textual simétrico com o período
seguinte, que segmenta os complementos relativos dos verbos. Esse
86

procedimento faz com que se acentue o jogo sonoro formado pela aliteração
dos fonemas (/ /, / /), pelas rimas em / / e pela rima com o fonema nasal
/ /. Podemos perceber que a segmentação promovida pelo segundo travessão
corresponde ao desligamento pretendido pelo narrador. Na leitura oral do
texto e no ritmo da narrativa, os travessões determinam um contorno
entonacional que compreendem o desenvolvimento do raciocínio que precede
a ação, culminando com um desfecho inusitado. O travessão mostra a
possibilidade de ruptura com uma ideologia supostamente inquestionável.

O trecho seguinte também mostra a iconicidade textual, como estes


trechos mostram:

Tanto que dei ordem. Repartição de gente — se carecia —:


determinei assim. Metade—metade. [...] (Grande
Sertão:Veredas, p. 426)
Todo o mundo — rio-abaixo, rio-acima — acaba algum dia
passando por estes cais. (“Estorinha”, p. 54)
O emprego do primeiro travessão duplo, que destaca o comentário do
narrador, está de acordo com a norma da língua. Destacamos o uso do
segundo travessão, em que se vê a exata correspondência do desenho com o
sentido da frase. O travessão se coloca entre as duas palavras que representam
a divisão do bando de jagunços em duas partes.

No segundo exemplo, os travessões fazem papel de ícones das


margens do rio. Esse tipo de pontuação materializa a projeção do discurso no
texto, com a organização textual condizente com o sentido da passagem.

Vejamos o valor dos travessões nestes excertos:

E a agitação partiu povos, porque a maioria tinha perdido a


cena, apreciando, como estavam, uma falta-de-lugar, que se
dera entre um velho – “Cai n’água, barbado!”— e o sacristão,
no quadrante noroeste da massa. E também no setor sul,
estalara, pouco antes, um mal-entendido, de um sujeito com a
correia desafivelada — lept!...lept!...lept!...—, com um outro
pedindo espaço, para poder fazer sarilho com o pau. (“A hora
e vez de Augusto Matraga”, p. 326-7)
Entre chuva e outra, o arco da velha parecia bonito, bebedor;
quem atravessasse debaixo dele — fu!— menino virava
menina, menino virava menino; será que depois desvirava?
(“Campo geral”, p.485)
87

No primeiro trecho, identificamos, com o auxílio das aspas entre os


travessões, uma voz desconhecida que se insere na narrativa. Os outros
travessões duplos inserem onomatopéias no desenvolvimento textual.

Observamos que os travessões abrem um espaço nas narrativas,


introduzindo partes que exigem a participação do leitor. Este, a partir dos
elementos de que dispõe, forma as cenas, com som e movimento, para dar
sentido às histórias. Na espacialização textual, os travessões acrescentam
vozes que buscam o efeito de completude ao discurso.

No conto “Meu tio o Iauaretê” (in Estas estórias, 1995), o travessão tem
um papel fundamental, de substituir partes da narrativa.

Vejamos alguns exemplos:

a) [...]Sou fazendeiro não, sou morador...Eh, também sou


morador não. Eu — toda parte. Tou aqui, quando eu quero eu
mudo. (p. 825)
b) Jirau é meu não. Eu — rede. Durmo em rede. (p. 825)
c) Atié! Saudade de minha mãe, que morreu, çacyara, Araã...
Eu nhum — sozinho... Não tinha emparamento
nenhum...(p.831)
d) Aquela mulher Maria Quirinéia, muito boa.
Eu — gostei. (p. 839)
f) Não falei — eu viro onça? (p.851)

Nessa história, não existe um narrador propriamente dito; o


personagem se forma pela linguagem. À medida que a narrativa avança, o
onceiro vai aparecendo como que em pinceladas que traçam um desenho. O
texto se apresenta como um diálogo-monólogo, no qual, pela fala do
personagem, o leitor faz o desenho do caçador de onças. Os travessões, com
valor indicial, além de introduzirem as falas do personagem, suprem os
silêncios produzidos pela sua carência lexical. Os três primeiros exemplos
mostram os travessões como substitutos de verbos. No exemplo (d), a frase
também é telegráfica, apresentando somente as palavras-chave, no entanto, o
travessão supre a ausência de outros termos, pois o verbo está presente. No
último exemplo (e), o travessão substitui a conjunção integrante.
88

Os exemplos que se seguem, retirados do mesmo texto, mostram outra


função do travessão.

Vejamos:

Mecê tem aquilo — espelhim, será? (p. 831)


Falou que eu era bonito, mais bonito. Eu — gostei. (p. 851)

Os travessões, nesses contextos, têm a função de indicar a gestualidade


do personagem, a produzir esses enunciados. O potencial sugestivo do sinal
de pontuação resulta em uma gama de conotações.

Por fim, mostramos o emprego inusitado do travessão, nestes


exemplos:

Como sempre amigos, se encontravam. A — e bem — era


idéia: o Laudelim podia vir junto, companhia confortada. (“O
recado do morro”, p.51)
Dirigiu-se aos três: — “Com Jesus!”— ele, com firmeza. E? –
aí. Derval, Dismundo e Doricão— o qual demônio em modo
humano. Só falou o quase: – “Hum... Ah! Que coisa. (“Os
irmãos Dagobé”, p.25)

Esses exemplos constituem partes enigmáticas dos textos. Arriscamos


fazer uma movimentação dos constituintes das orações, para facilitar a leitura,
formando essas possíveis frases:

E bem — era a idéia—: o Laudelim podia vir junto, companhia


confortada.
— E aí? Derval, Dismundo e Doricão — o qual demônio em
modo humano: — “Hum... Ah!” Que coisa.

Nos dois textos, são empregados marcadores conversacionais


semelhantes a esses, na voz do narrador. O negrito da frase do personagem
permite que a marca de início da unidade comunicativa do narrador esteja
presente, no contexto. Portanto, essas seriam possibilidades reorganização
textual, para entendimento das passagens. Os sinais de pontuação têm a
função de auxiliar o leitor a resgatar a frase original.
89

5.3.1. Conclusão

Consideramos os exemplos vistos os mais representativos, para que


pudéssemos mostrar a importância do travessão na obra de Guimarães Rosa.
Esse sinal tem uma freqüência considerável nos textos, pela forma como a
maioria dos textos se apresenta, que é a de diálogo.

Pelo fato de o travessão delimitar termos, vimos que esse sinal


também pode servir com guia de leitura, pois é comum a inversão de termos
da oração por meio do travessão.

Além emprego indicial, pudemos depreender, na narrativa rosiana, o


emprego desse sinal de pontuação com valor icônico, em que o autor procura
reproduzir no texto escrito, por meio desse sinal, o elemento descrito na
narrativa.

O emprego indexical do travessão, ainda, substitui elementos da


oração ou possibilita ao leitor o resgate do momento de produção dos
enunciados a partir das associações que podem ser feitas no texto com a
gestualidade dos personagens.

A seguir temos o quadro resumitivo dos exemplos do travessão.

VALOR EXEMPLO OBRA PÁ VALOR FUNÇÃO


FUNCIONAL GINA SEMIÓTICO DISCUR
TIPO INTERPRE SIVA
SÍGNICO TAÇÃO
início da — Nonada. Grande 9 índice a obra se interpelação
narrativa Tiros que o Sertão: apresenta para
senhor Veredas como uma estabelecer o
ouviu foram conversa entre início de uma
de briga de Riobaldo e comunicação
homem não, um
Deus esteja. desconhecido
travessão (...) Lalino A volta 100 índice fala do evidência da
duplo fez um do personagem simplicidade
pedido: marido do
queria o pródigo personagem
Estevam, —
o Estevão—
para servir-
lhe de
guarda.
substituição da Oi: a oca— Meu tio 830 índice fala chamar a
vírgula ói... o acompanhada atenção do
Iauaretê de interlocutor
gestualidade
90

segmentação Eu — eu Meu tio 851 ícone pausa entre o prender a


entre o tópico tenho unha o pronome e sua atenção do
e a cópia grande. Iauaretê cópia interlocutor /
tempo para a
emissão do
resto da frase
travessão Repartição Grande 426 índice/ícone ponto-de-vista voz do
duplo de gente — Sertão: do narrador que
se carecia— Veredas personagem se interpõe na
(...) Metade- /reprodução narrativa/
metade- do evento referência ao
evento
narrado
substituto de Eu — toda Meu tio 825 índice formação participação
vocábulo parte o imagética da do leitor na
Iauaretê cena a partir formação de
das palavras- sentido da
chave narrativa
expressividade Eu — gostei Meu tio 851 índice gestualidade estratégia de
o do prender a
Iauaretê personagem atenção do
interlocutor
inversão dos A—e O 51 índice orientação da participação
constituintes bem—era a recado ordem direta do leitor
idéia do
morro

5.4. O emprego do ponto-e-vírgula

Guimarães Rosa, com seu propósito de desconstruir o convencional,


trouxe novos paradigmas estéticos para a literatura, sobretudo, nos aspectos
lingüísticos. O escritor explora ao máximo as possibilidades do idioma e, não
satisfeito, investe em formas alternativas, tanto no campo lexical como no
sintático.

A ousadia lhe dá permissão de explorar não só elementos verbais


como também elementos não-verbais. O escritor faz uma exploração dos
recursos visuais aos recursos fônicos.

O escritor é capaz de ser original até mesmo no trabalho com o


convencional. Como vimos, ele não deixa de utilizar a pontuação de acordo
com a tradição gramatical. Entretanto, executa essa tarefa de forma única
trazendo novos efeitos para o texto.
91

Vejamos alguns excertos, em que o emprego do ponto-e-vírgula é feito


com obediência à norma da língua:

Em abril, quando passaram as chuvas, o rio — que não tem


pressa e não tem margens, porque cresce num dia mas leva
pressa e não tem margens, porque cresce num dia mas leva
mais de mês para minguar — desengordou devagarinho,
deixando poços redondos num brejo de ciscos: troncos, ramos,
gravetos, coivara; cardumes de mandis apodrecendo; tabaranas
vestidas de ouro, encalhadas, curimatãs pastando barro na
invernada; jacarés, de mudança, apressados; canoinhas ao seco,
no cerrado; e bois sarapintados, nadando como búfalos,
comendo o mururê-de-flor-roxa flutuante, por entre as ilhas do
melosal. Então, houve gente tremendo, com os primeiros
acessos da sezão. (“Sarapalha”, p.119)
Aos esses, mesmo, se comediu obrigação: Quim Queiroz
zelava os volumes de balas; o Jacaré exercia de cozinheiro,
todo tempo devia de dizer o de comer que precisava ou faltava;
Doristino, ferrador dos animais, tratador deles; e os outros
ajudavam; mas Raymundo Lé, que entendia de curas e
meizinhas, teve cargo de guardar sempre um surrão com
remédios. O que, remédio, por ora, não havia nenhum. (Grande
Sertão: Veredas, p.73)
Calçava botas cor de chocolate, de um novo feitio; por cima da
roupa clara, vestia guarda pó de linho para verde; traspassava a
tiracol as correias da codaque e do binóculo; na cabeça um
chapéu-de-palha de abas demais de largas, arranjado na roça.
(“O recado do morro”, p.5)

O comum, de acordo com o próprio narrador, é surpreendentemente


refinado. A conjugação das palavras com os sinais de pontuação traz o efeito
de plasticidade e de leveza à coreografia dos animais.

O espaço, com suas ressonâncias culturais, é um importante elemento


nas narrativas rosianas. A segmentação determinada pelo ponto-e-vírgula vai
roteirizando para o leitor, a partir das partes e subpartes, a composição de toda
a cena, dirigindo imediatamente a retina mental do leitor para o objeto
descrito, como vemos nos exemplos.

As imagens sucessivas que se formam, em nossa mente, se


assemelham a um roteiro cinematográfico, na composição da narrativa que se
junta à descrição, no segundo exemplo. O ponto-e-vírgula faz a marcação das
92

partes do texto, delimitando os elementos de acordo com suas características


comuns.

No último trecho, a descrição vai compondo em nossa mente, à


semelhança de uma câmera, o retrato da pessoa descrita, num movimento de
baixo para cima. O ponto-e-vírgula é responsável, como nos outros exemplos,
pela segmentação das partes; e a vírgula, pelas subpartes.

Segundo a gramática, o ponto-e-vírgula é empregado para indicar as


pausas mais longas do que a vírgula, numa clara associação da língua falada
com a escrita. De acordo com Cunha (1985), o ponto-e-vírgula é empregado
para separar orações mais extensas, da mesma natureza, ou para separar
partes de um período, das quais uma pelo menos esteja subdividida por
vírgula. Emprega-se, ainda, o ponto-e-vírgula para separar itens de
enunciados enumerativos.

No plano discursivo, o emprego do ponto-e-vírgula mostra a clara


intenção de se fazer uma separação mais nítida entre as partes do discurso,
estabelecendo certa hierarquia, segundo a qual os elementos separados pelo
ponto-e-vírgula se situam num plano superior àqueles separados pela vírgula.
Na obra analisada, os períodos que têm mais de um ponto-e-vírgula,
geralmente, são longos, e muitos ocupam um parágrafo.

Em Grande Sertão: Veredas, há um período, cuja extensão é de uma


página e meia, no qual o narrador cita o nome de alguns jagunços de seu
bando (quarenta!); somente aqueles com os quais tinha alguma afinidade.

Vejamos parte desse parágrafo:

Aí o senhor via os companheiros, um por um, prazidos, em


beira do café. Assim, também, por que se aguentava aquilo, era
por causa da boa camaradagem, e dessa movimentação sempre.
Com todos, quase todos, eu bem combinava, não tive questões.
Gente certa. E no entre esses, que eram, o senhor me ouça bem:
Zé Bebelo, nosso chefe, indo à frente, e que não sediava folga
nem cansaço; o Reinaldo — que era Diadorim: sabendo deste,
o senhor sabe minha vida; o Alaripe, que era de ferro e de ouro,
e de carne e osso e de minha melhor estimação; Marcelino
Pampa, segundo em chefe, cumpridor de tudo e senhor de
muito respeito; João Concliz, que com o Sesfrêdo porfiava,
93

assoviando imitado de toda qualidade de pássaros, este nunca


se esquecia de nada; o Quipes, sujeito ligeiro, capaz de abrir
num dia suas quinze léguas, cavalos que haja; [...] José Félix; o
Liberato; o Osmundo. [...] E — que ia me esquecendo –
Raymundo Lé, puçanguara, entendido de curar qualquer
doença, e Quim Queiroz, que da munição dava conta, e o
Justino, ferrador e alveitar. A mais, que nos dedos conto: o
Pitolô, José Micuim, Zé Onça, Zé Paquera, [...] e o Tuscaninho
Caramé. (Grande Sertão: Veredas, p.242-243)

Nesse exemplo, observa-se a enumeração dos componentes do bando


de forma hierarquizada, com a citação do nome do chefe, Zé Bebelo, em
primeiro lugar. Nesse ponto do texto, há uma quebra, em que se insere o nome
das duas pessoas mais queridas — Reinaldo e Alaripe, citados numa escala de
ligação afetiva. Após esse corte, a composição do grupo volta a ser feita, de
forma que o texto seja organizado em tópicos separados pelo ponto-e-vírgula
e os subtópicos, pela vírgula, com o nome de cada jagunço e função ou
característica mais marcante. A finalização do período é feita com apenas o
nome dos três últimos companheiros. O parágrafo prossegue com a citação
dos nomes de outros membros do grupo, dos quais o narrador havia
esquecido. Na citação desses últimos elementos, a segmentação é feita pela
vírgula. Esse esquema de pontuação representa um mapa orientador das
diferentes etapas da narrativa, conduzindo a leitura e possibilitando a
interpretação do texto. O ponto-e-vírgula, nesse trecho, é um índice de que a
enumeração dos personagens é feita segundo a ordem de prestígio junto ao
personagem.

A enumeração feita por Riobaldo revela que, acima de tudo, estava o


seu sentimento de jagunço, pois o primeiro nome que aparece na lista é o de
Zé Bebelo, chefe do bando. Diadorim, seu amor, ocupa o segundo lugar na
lista. Logo, a ordem da citação obedece fielmente as prioridades do narrador.

Vejamos outro exemplo de interessante emprego da pontuação:

De perto, na tectura sóbria — só três ou quatro esgalhos — as


folhas são estrelas verdes, mãos verdes espalmadas; mais
longe, levantam-se das grotas, como chaminés alvacentas;
longe-longe, porém, pelo morro, estão moças cor de
94

madrugada, encantadas, presas, no labirinto do mato. (“São


Marcos”, p.241)

A pontuação marca, no espaço gráfico, as três dimensões espaciais do


quadro descrito: perto, mais longe e longe-longe. Vemos que o primeiro plano
é marcado pela vírgula; e os outros dois, pelo ponto-e-vírgula. Esse tipo de
pontuação auxilia o desenho da imagem que se forma a partir da presença das
metáforas, dando a exata dimensão espacial da cena descrita. O elemento
descrito, os esgalhos, adquirem feições de acordo com a distância em que são
observados. Esse distanciamento espacial é assinalado pela pontuação.
Notamos que as associações revelam a percepção visual do narrador. A
vegetação vista de uma pequena distância tem uma feição mais icônica (folhas
= estrelas, mãos verdes); à medida que o objeto descrito se torna mais
distante, a imaginação vai se tornando mais livre, subjetiva, portanto, mais
simbólica (folhas = chaminés alvacentas e moças encantadas). A distância
maior leva o narrador a fazer as descrições mais conceituais. Podemos ver,
por meio da descrição presente, nesse trecho, que a organização sintática da
frase atende às necessidades enunciativas.
Observemos outros empregos do ponto-e-vírgula:

a) É a quinta vez que ele indica lugares malassombrados. Já sei:


todo pau-d’óleo; todas as cruzes; todos os pontos onde os
levadores de defunto, por qualquer causa, fizeram estância,
depondo esquife no chão; todas as encruzilhadas — mas
somente à meia noite; todos os caminhos: na quaresma — com
os lobisomens e as mulas-sem-cabeça, e o cramondongue, que
é um carro-de-bois que roda à disparada, sem precisar de boi
nenhum para puxar. (“Minha gente”, p.184)
b) Parou, para espiar um buraco de tatu, escavado no barranco;
para descascar um ananás selvagem, de ouro mouro, com
cheiro de presépio; para tirar mel da caixa comprida da abelha
borá; para rezar perto de um pau-d’óleo, que ambos
conservavam, muito de-fresco, os sinais nas mãos de Deus. (“A
hora e vez de Augusto Matraga”, p.360)
c) Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de
fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com
casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus,
arredado do arrocho de autoridade. (Grande Sertão: Veredas,
p. 9)
d) Mas eu aos poucos macio pensava, desses acordados em
sonho: e via, o reparado — como ele principiava a rir, quente,
95

nos olhos, antes de expor o riso daquela boca; como ele falava
meu nome com um agrado sincero; como ele segurava a rédea
e o rifle, naquelas mãos tão finas, brancamente. (Grande
Sertão: Veredas, p. 240)
e) Já sabia que das moitas de beira de estrada trafegavam para a
roupa da gente umas bolas de centenas de carrapatinhos, de
dispersão rápida, picadas milmalditas e difícil catação; que a
fruta mal madura da cagaiteira, comida com sol quente, tonteia
como cachaça; que não valia a pena pedir e nem querer tomar
beijos a primas; que uma cilha bem apertada poupa dissabor na
caminhada; que parar à sombra da aroeirinha é ficar com o
corpo empipocado de coceira vermelha; que, quando um cavalo
começa a parecer mais comprido, é que o arreio está saindo
para trás, com o respectivo cavaleiro; e, assim, longe outras
coisas. (“Minha gente”, p.173)
g) Eu sendo água, me bebeu; eu sendo capim, me pisou; e me
ressoprou, eu sendo cinza. Ah, não! Então, eu estava ali, em
chão, em a-cú acôo de acuado?! (Grande Sertão: Veredas, p.
253)
Podemos observar nesses excertos que os períodos são mais ou menos
longos, divididos em partes menores pelo ponto-e-vírgula. As partes marcadas
pelo sinal de pontuação têm a mesma estrutura, o que confere simetria ao
texto e, conseqüentemente, um ritmo encadeado. Celso Cunha (1985) lembra
que a divisão pelo ponto-e-vírgula se assemelha à cesura interna de um verso
longo. Como podemos observar, esses trechos têm nítidas semelhanças com o
estilo oratório.

No exemplo (a), as orações e expressões que se seguem ao ponto-e-


vírgula são iniciadas pelo pronome indefinido todas/todos; no exemplo (b), as
orações reduzidas do infinitivo são iniciadas pela preposição para. Em (c), as
orações são marcadas pela repetição do pronome relativo onde; no excerto
(d), temos as orações iniciadas pelo vocábulo como, em função de conjunção
integrante, no exemplo (e), as orações que estão em simetria são iniciadas
pela conjunção integrante que. O sinal de pontuação tem um valor indexical
nessas passagens, pelo fato de estar associado aos vocábulos destacadas que
fazem referência à realidade, cujas marcas estão nos pronomes e nas
conjunções.

Além do ponto-e-vírgula, observa-se, no primeiro exemplo, a presença


dos dois-pontos e do travessão. Esse exemplo mostra que a ousadia do escritor
96

não tem limites no que se refere à pontuação. Visualmente, a diagramação do


texto provoca certo desconcerto, já que somos encaminhados para uma
estrutura que se altera. De acordo com a gramática, os elementos colocados
no interior dos travessões mantêm-se isolados do resto na narrativa.

Cremos que o papel do ponto-e-vírgula, sinal que estamos analisando


nesta seção, permanece o mesmo, isto é, introduz parte do período que se
repete. Há o acréscimo de outro elemento na escritura, que é particularização
da informação com marcas temporais contidas no interior do duplo travessão.
O modo como as informações se organizam na textualidade conduzem à
formação de esquemas mentais que sugerem a particularização da informação
que, a princípio, traz uma marca de generalização. Discursivamente, os sinais
de pontuação que se conjugam no enunciado têm a função de quebrar um
ritmo que caminhava para a automatização, com a adição de outras
informações que imprimem particularização do geral.

No exemplo (b), observa-se uma série de orações subordinadas ao


verbo presente na oração principal. Esses enunciados, que têm a mesma
forma, indicam uma seqüência de ações com a mesma circunstância de
finalidade. O ponto-e-vírgula delimita cada quadro, dando seqüência às ações
do personagem. Esse sinal de pontuação tem a função de acrescentar outras
orações, revelando o caráter metódico às ações do personagem. Essas
imagens, do mesmo modo como figuram no texto, emergem em nossa mente
em quadros sucessivos.

No exemplo (c), o narrador, por meio de orações de estrutura idêntica,


vai adicionando elementos definidores do sertão. O ponto-e-vírgula dispõe os
itens que vão evocando imagens que contribuem para que a idéia de amplidão
se forme na mente interpretadora. Discursivamente, a pontuação acrescenta
informações encaminhadoras do conceito que se pretende que o interlocutor
forme a respeito do sertão. No exemplo (d), o ponto-e-vírgula traça um mapa
norteador das cenas que surgem na memória do narrador.

A presença desses sistemas semióticos no texto, como sensações


sonoras, visuais e táteis são apelos ao raciocínio do leitor, para que ele faça a
97

composição da cena com toda a sua carga de emoção; e a pontuação é um


elemento de importância fundamental, pois orienta a leitura, produzindo
efeitos que contribuem para que se realize a interpretação.

No excerto (e), temos orações iniciadas pela conjunção integrante com


a função de completar o sentido do verbo. A disposição dessas orações
delimitadas pelo ponto-e-vírgula produz o efeito de acúmulo de informações,
de certa forma, metódicas, sem perspectiva de mudança, infinitas. A
expressão outras coisas interrompe bruscamente a enumeração, sugerindo sua
continuidade. As orações não-presentes são igualmente importantes, pelo fato
de a expressão destacada ser delimitada pelo ponto-e-vírgula. Portanto, o sinal
de pontuação é índice da seqüência que não se esgota no enunciado. O sinal
de pontuação é uma marca dos outros termos não-presentes no espaço gráfico.
A interrupção da enumeração uma crítica irônica à mentalidade sem
perspectiva do personagem que vê a vida como uma seqüência de
acontecimentos previsíveis.

Podemos observar que a repetição das estruturas marcadas pelo ponto-


e-vírgula mantém uma simetria responsável pelo ritmo evocador da cadência
da fala interiorana, que conserva os modelos retóricos da contação de
histórias, dos jograis e das pregações religiosas. A escolha desse modelo de
estrutura que se repete reforça no discurso a idéia sugerida.

O último exemplo (f) mostra um interessante jogo com formas de


enunciados. O ponto-e-vírgula é responsável pela segmentação dentro do
período formado por três orações de estruturas idênticas, que,
semanticamente, caminham numa ordem decrescente. Notamos que, na
penúltima oração, há um acúmulo de elementos coesivos, pois, além da
pontuação, ocorre a presença do conectivo. O equilíbrio determinado pela
ordenação dos eventos, inicialmente se desfaz, pois nessa oração a ordem dos
constituintes se inverte, dando origem a um quiasmo. A presença do segundo
ponto-e-vírgula assegura, indicialmente, a presença de outro grupo oracional
de igual valor, ainda que com mudança de ordem das orações. A mudança se
deve a questões de ordem enunciativa, pois o narrador teve a intenção de
98

colocar em primeiro plano a ação sofrida, provocada pelo agente da ação


verbal.

Observemos outro emprego do ponto-e-vírgula:

Mas o cavalo — esse me entusiasmou: era um animal gateado,


grande, com imponência e todo brio, de rabejo vasto; e mais
tarde o senhor verá o que era; cavalo de cara alta, de beiço
mole, cavalo que debruça bem e que em poço bebia
remolhando a testa. (Grande Sertão: Veredas, p. 311)
E ela avermelhou as faces; mas veio; reparei que tinha as mãos
aperfeiçoadas bonitas, mãos para tecer minha rede. (Grande
Sertão:Veredas, p. 345)
A noite que houve, em que eu, deitado, confesso, não dormia;
com dura mão sofreei meus ímpetos, minha força esperdiçada;
de tudo me prostrei. (Grande Sertão:Veredas, p. 240)
Vemos que o ponto-e-vírgula presente nesses trechos tem a função de
substituir o travessão, isolando elementos na oração. A parte situada entre os
dois sinais é iconicamente endofórica, no primeiro enunciado, pelo fato de se
referir ao que foi dito anteriormente. Discursivamente, o trecho que se insere
entre os dois sinais de pontuação representa o comentário do narrador. No
primeiro exemplo, o ponto-e-vírgula tem a função de convencer o interlocutor
e, no segundo trecho, o narrador mostra sua surpresa diante do evento
expresso pelo verbo. Nos dois primeiros exemplos, a disposição do ponto-e-
vírgula evoca a figura do contador de histórias, que interrompe a narração
para expressar um comentário a respeito do fato narrado.

No último exemplo, ocorre, entre os dois pontos-e-vírgula, a mudança


de tempo verbal, que corresponde a uma mudança de atitude do sujeito do
enunciado. Notamos que o verbo passa do pretérito imperfeito (dormia) para o
pretérito perfeito (sofreei), fazendo com que a narrativa passe do mundo
narrado para o mundo comentado, isto é, o sujeito reage frente à situação que
se lhe apresenta. Isso faz com que ocorra uma mudança de perspectiva, ou
seja, passa-se ao primeiro plano do relato, o plano da ação propriamente dita,
de acordo com Weinrich (in Koch, 1994). Desse modo, temos a oposição
entre primeiro plano, com o verbo no pretérito perfeito, e pano de fundo, com
o verbo no pretérito imperfeito. A mudança de um tempo verbal para outro
99

projeta em nossa mente configurações similares às que ocorrem na escrita, um


cenário de ações com dois planos.

A disposição dos dois sinais de pontuação leva o leitor a estabelecer


relações indiciais desse tipo de desenho textual com o travessão duplo, pois a
termos que se inserem entre os dois sinais de pontuação provocam
interrupções na seqüência narrativa com informações paralelas aos
enunciados.

Vejamos outras passagens com emprego do ponto-e-vírgula:

E outra coisa: o diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro!


(Grande Sertão : Veredas, p.21)
Conto ao senhor é o que eu sei e o senhor não sabe; mas
principal quero contar é o que eu não sei se sei, e que pode ser
que o senhor saiba. (Grande Sertão: Veredas, p. 175)

O sinal de pontuação é empregado com a função de marcar a presença


dos contrários, fato recorrente na obra rosiana. Observamos que,
simbolicamente, o ponto-e-vírgula que se encontra, sobretudo no primeiro
trecho, desempenha o papel indicial de preparar o leitor para a presença de um
argumento inesperado e mais forte, que neutraliza a força do primeiro
enunciado.

No segundo excerto, o ponto-e-vírgula tem valor semelhante ao que


tem no exemplo anterior. O signo de pontuação acena a presença de um
argumento que destrói a força ilocucionária do primeiro enunciado. O sinal de
pontuação tem, igualmente, o valor de índice, pois compele nossa atenção
para o que está por vir, que é um enunciado mais polêmico do que o primeiro.
Essa construção também é típica das estórias de caráter oral, pois imprime um
tom eloqüente e ao mesmo tempo prende a atenção do leitor/ouvinte.

Nos exemplos seguintes temos um emprego bem original do ponto-e-


vírgula.

Vejamos:

a) Que lá o prazer trivial de cada um é judiar dos outros, bom


atormentar; e o calor e o frio mais perseguem; e, para
digerir o que mais se come, é preciso de esforçar no meio,
100

com fortes dores; e até respirar custa dor; e nenhum


sossego não se tem. (Grande Sertão: Veredas, p. 40)
b) É preciso de Deus existir a gente, mais; e do diabo divertir a
gente com sua dele nenhuma existência. (Grande Sertão:
Veredas, p. 237)
c) Alembrado de que no hotel e nas casas de família, na
Januária, se usa toalha pequena de se enxugar os pés; e se
conversa bem. (Grande Sertão: Veredas, p. 256)
d) Ô velho! — ele veio, rente, perante, ponto em tudo, pá!
p’r’achatado, seu cavalão a se espinotear, z’t-zás...; e nós.
Aí, o povaréu fez vêvêvê: pé, p’rá lá, se esparziam. O velho
desapeou, pernas compridas, engraçadas; e nós. (“—
Tarantão, meu patrão.” p.143)
No primeiro exemplo, temos uma série de orações aditivas precedidas
pelo ponto-e-vírgula. A pausa gerada pelo sinal de pontuação, a cada
introdução de nova informação, vai gerar um ritmo repetitivo, responsável
pela formação, na mente interpretadora, de quadros, de modo contínuo,
interminável, dando a exata dimensão daquilo que é narrado. Observe-se que
essa estrutura entre a primeira e a última declaração é aberta e outros
enunciados, de uma série interminável, de igual sentido e valor, trazidos pela
memória, podem ser acrescentados. Discursivamente, a sucessão de orações
aditivas representa série de argumentos cuja finalidade é o convencimento da
real dimensão da declaração posta na primeira oração.

No segundo exemplo, opera-se, pelo sinal de pontuação, a união de


duas idéias opostas que, na verdade, se tornam difusas pela própria matéria de
que são formadas lingüisticamente, isto é, a aliteração do fonema consonantal
oclusivo alveolar sonoro /d/ coloca lado a lado Deus e o diabo; existir/
divertir/ existência, pela semelhança sonora, além da assonância da vogal
média /i/, que contribui para que todo o enunciado mantenha
correspondências. Todos esses recursos contribuem para que imagens difusas
se formem, num processo que não nos fornece elementos para um sentido
acabado, mas vago. Foi exatamente essa a intenção que se detectou no texto.
No terceiro excerto, há um interessante jogo de oposição, em que o
narrador se revela atraído por elementos, sem qualquer tipo de
correspondência: o material e o espiritual; o refinamento de costumes e o
prazer de uma conversa. A memória trouxe à tona sensações agradáveis
101

surgidas sem qualquer tipo de censura. A segmentação feita pela pontuação


prepara o leitor para a adição de mais um enunciado que, no entanto, quebra a
expectativa. Essa oração tem um valor contrastivo em relação à oração
anterior. Com isso, o narrador revela sua atração por apostos.

Os exemplos (b) e (d) mostram uma divisão, em que o ponto-e-vírgula


joga com os extremos de forma ambígua, colocando num mesmo plano
elementos completamente díspares.

O ponto-e-vírgula que precede a conjunção aditiva, no exemplo (d),


mostra a oposição, no nível da espacialidade, entre o narrador, representado
pelo pronome nós, e o velho. A iconicidade da escritura está de acordo com a
narrativa, em que o outro personagem (o velho), que aparece como centro das
atenções, ocupa o maior espaço no plano da escritura, enquanto ao narrador e
a seus companheiros resta um pequeno espaço, tanto na dimensão da escrita
como na dimensão da narrativa. Simbolicamente, o ponto-e-vírgula marca
essa distância entre os dois planos; o do narrador, em um plano, e, no outro, o
personagem.

No plano discursivo o ponto-e-vírgula marca a diferença de planos não


só de ordem moral como também de ordem espacial.

Vejamos este outro exemplo:

Condenado de maldito, por toda lei, aquele estrago de homem


estava; remarcado: seu corpo, sua culpa! (Grande
Sertão:Veredas, p. 373)

Esse excerto mostra a segmentação pelo sinal de pontuação de um


período formado por duas orações. O ponto-e-vírgula marcaria a presença de
outra oração iniciada pelo predicativo, com o verbo em elipse (remarcado
estava seu corpo, sua culpa), funcionado, assim, como índice de outra oração,
que passaria por um processo de condensação, tornando-se mais sintética,
cumprindo o seu papel de apenas mostrar os elementos essenciais. A
pontuação também tem uma função expressiva.

Vejamos estes dois outros empregos do sinal de pontuação em estudo:


102

Chegaram, em mês de maio, acharam, na barriga serrã, o sítio


apropriado, e assentaram a sede. O que aquilo não lhes tirara,
de coragem, de suor! Os currais, primeiro; e a Casa. (“Uma
estória de amor” p.547)
E tocamos conosco cinquenta-e-tantas reses, de gado baiano;
à-toa. (Grande Sertão:Veredas, p. 396)
Isso, mas totalmente; às vezes. (Grande Sertão:Veredas, p.98)

Conforme observa Kury (1999), o emprego do ponto-e-vírgula


depende essencialmente da intenção; desse modo, vemos, nesses exemplos
que o ponto-e-vírgula é uma marca discursiva. O sinal de pontuação
segmenta, não uma oração, porém, termos do enunciado.

No primeiro exemplo, a pontuação destaca o último elemento da frase.


Além da pausa determinada pelo ponto, destacando o nome, há outras marcas
textuais que indicam a valorização desse substantivo. Vemos que a palavra
ocupa a posição final, sinal de que esse é o elemento para o qual a atenção se
volta, além da maiúscula inicial. O substantivo foi supervalorizado no espaço
gráfico, reflexo do que representava para Manuelzão, personagem do conto
“Uma estória de amor” (in Manuelzão e Miguilim,1995). O diagrama textual
faz com que a mente interpretadora estabeleça relações de semelhança com
aquilo que é narrado.

A descrição que aparece nesse ponto da narrativa se identifica com a


descrição indicial. Esse tipo de signo, de nível de secundidade (por ser gerado
pela contigüidade, inferência), é geralmente introduzido pelo artigo definido,
pois está destinado a se aplicar a apenas um objeto; por isso, é importante que
se realize a conexão com elementos individualizadores. Entretanto, esse
elemento indicial se afasta do tipo de referência direta, enredando-se em uma
malha de sugestões, segundo Santaella (2001). O substantivo casa apresenta
uma riqueza de sugestões subjacentes aos sentidos possíveis. O tipo de
representação do objeto que dirige a retina mental do leitor para o objeto
descrito vai além da percepção do cenário, isto é, a diagramação do texto
sugere muito mais do que o desenho da casa.
103

No segundo exemplo, temos dois tipos de segmentação, em que a


vírgula separa o substantivo da locução adjetiva e o ponto-e-vírgula destaca a
outra expressão adjetiva. Esse tipo de pontuação obedece a uma ordem de
valores, em que o qualificador de caráter objetivo (de gado baiano), separado
pela vírgula estaria num nível mais baixo e o qualificador de caráter subjetivo
(à-toa), destacado pelo ponto-e-vírgula pertenceria a um nível superior.
Vemos que o ponto-e-vírgula faz uma separação entre a narração e o
julgamento perceptivo do fato. A forma como se organiza o enunciado
transmite a idéia de que, diante da complexidade do mundo, as conclusões são
inacabadas.

No último exemplo, a pontuação mostra a incompletude do discurso e


a inconstância do homem. A segmentação da contrajunção com o advérbio, a
princípio, finalizaria a declaração; entretanto, o ponto-e-vírgula acrescenta
mais uma expressão adverbial com a função de relativizar a certeza expressa
anteriormente. O ponto-e-vírgula funciona como um índice das inflexões do
raciocínio, desenhando no espaço gráfico o movimento do pensamento, falível
e provisório.

Destacamos, também, este tipo de emprego do ponto-e-vírgula:


Agora eu pateteava.
Todos contavam estórias de raparigas que tinham sido simples
somente; essas senvergonhagens. (Grande Sertão:Veredas, p.
178)
Tal, de tarde, o bento-vieira tresvoava, em vai sobre vem sob,
rebicando de vôo todo bichinhozinho de finas asas; pássaro
esperto. (Grande Sertão:Veredas , p. 25)
A Rosa’uarda. Me alembrei dela; todas as minhas lembranças.
(Grande Sertão:Veredas, p. 236)
O sinal de pontuação que aparece nos dois primeiros excertos tem a
função de separar o ponto de vista do narrador com sua conclusão ao fato
narrado.

O ponto-e-vírgula, nos dois primeiros exemplos, faz uma separação


entre a narração e o julgamento perceptivo do fato. Esse tipo de construção
provoca a formação perceptiva de dois planos de enunciado: a narração e a
avaliação do narrador.
104

No terceiro exemplo, o ponto-e-vírgula vai indicar o alargamento do


que foi dito no segmento anterior, deixando transparecer claramente a carga
emotiva da expressão segmentada pelo sinal de pontuação. O nome
Rosa’uarda fez despertar aos poucos na memória do narrador uma série de
experiências marcantes que o levaram a ser mais preciso na linguagem. Nos
três exemplos o ponto-e-vírgula é um índice da conclusão subjetiva do
narrador.

Como a obra rosiana é calcada na oralidade, vemos construções


típicas do homem que vive nesse espaço, conforme o próximo exemplo
mostra:

Porque as duas minhas-damas eram ricas; dizer: deviam de ter


muito dinheiro de prata aforrado. (Grande Sertão: Veredas, p.
398)

Vemos que, a exemplo da linguagem popular, predominantemente


sintética, a locução verbal quer dizer foi reduzida apenas ao verbo principal.
Essa expressão de retomada ao que foi dito anteriormente, com finalidade de
esclarecimento, aparece geralmente entre vírgulas. A pausa gerada pelo
ponto-e-vírgula tem a função de marcar a elipse do verbo auxiliar, que, com a
participação do leitor, na atividade de leitura, será identificado.

Vejamos outro efeito interessante causado pelo uso do ponto-e-


vírgula:

Em segredo pondo eu minha toda concentrada energia


passional tão pulsante; de bom guerreiro. (“Se eu seria
personagem”, p.138)
Nesse exemplo temos um emprego bem expressivo do ponto-e-vírgula,
pois é o único sinal de pontuação presente na oração. A locução de bom
guerreiro, destacada pelo sinal de pontuação, põe em evidência a qualidade a
que o narrador se atribui. O ponto-e-vírgula nesse trecho é um índice de
acréscimo de uma informação. Depreende-se, pela colocação do sinal de
pontuação, a intenção do narrador em evidenciar sua característica.

O ponto-e-vírgula pode também marcar o tópico:


105

Ah, quem o homem era eu já sabia, ele se chamava


Treciziano. O bruto; para falar com ele, só a cajado. (Grande
Sertão:Veredas, p. 386)
Esse tipo de construção é muito comum na língua coloquial
espontânea, em que o termo topicalizado, sobre o qual vai ser introduzida uma
informação nova, aponta para um elemento já presente na representação
mental do ouvinte. A construção dá proeminência ao tópico, tornando-o um
termo de primeiro plano, e o comentário a seu respeito, o pano de fundo. Essa
estrutura de enunciado faz com que o raciocínio do leitor opere com
associações que o levam a estabelecer nexos da figura do personagem
Treciziano com a figura do diabo.

Vejamos outro emprego do ponto-e-vírgula:


Só de mim era que Diadorim às vezes parecia ter um espevito
de desconfiança; de mim, que era o amigo! (Grande
Sertão:Veredas, p. 25)
Diadorim vigiou aquelas diferenças: ele temeu; temeu por
minha salvação, a minha perdição. (Grande Sertão: Veredas,
p.351)
No primeiro exemplo, temos a repetição do complemento nominal (de
mim) presente no tópico do período; e no segundo exemplo ocorre a repetição
do verbo (temeu). Esses elementos em primeiro plano são carregados de carga
emotiva. No primeiro exemplo, o narrador expressa toda a sua indignação à
atitude de Diadorim; e no segundo exemplo, aparece expressa na voz do
sujeito da enunciação a aflição de Diadorim perante uma realidade ambígua.
Nos dois casos, como vemos, a pontuação tem caráter expressivo.

Por fim, vejamos o último tipo de emprego do ponto-e-vírgula


selecionado:

Diadorim — em que era ele devia de estar pensando?; é o que


eu não soube, não sei, à minha morte esta pergunta faço...
(Grande Sertão:Veredas, p.437)
Diz que lê?; diz-que escreve! (Grande Sertão:Veredas, p.
440)
Pensei: será se eu fosse adoecer?; um longe de dor de dente já
me indispondo. (Grande Sertão:Veredas, p.159)
106

Vemos, nesses trechos, o ponto de interrogação seguido de um ponto-


e-vírgula, combinação absolutamente incompatível, tanto na dimensão
sintática como na dimensão fonológica. O ponto-e-vírgula assinala, de acordo
com a gramática, partes de um período não-concluído, com uma entonação
descendente; e o ponto de interrogação indica finalização da frase,
assinalando um tom de voz ascendente. Desse modo, temos a completude na
incompletude. Devemos acrescentar a isso o fato de o ponto de interrogação
ter uma função discursiva fechada, que é a pergunta direta. Logo, a
interrogação na frase só pode indicar uma pergunta.

Os dois primeiros trechos se assemelham a pares conversacionais, nos


quais, em primeiro lugar, aparece a pergunta e, em seguida, a resposta. O
ponto-e-vírgula, nesses dois casos, seria índice da continuidade do período, a
despeito da presença da interrogação. A mudança de turno não ocorre em
períodos separados, pelo fato de que a resposta antecedida pelo ponto-e-
vírgula se apresenta na voz do próprio narrador. Além disso, o ponto-e-vírgula
que se segue ao ponto-de-interrogação mostra que há sempre a possibilidade
de um acréscimo àquilo que, teoricamente, representa uma completude.

O ponto-e-vírgula da terceira frase não indica uma resposta, pois o


ponto de interrogação que finaliza a frase anterior representa uma pergunta
retórica, em que o sujeito dá mostras de seu estado de ansiedade. O segmento
que se segue à interrogação representa uma justificativa da indagação feita
anteriormente.

Como sabemos, o desenho mental das seqüências é similar àquilo que


é contado, logo, acreditamos que a pontuação desenhou, nesses contextos, a
sobreposição de imagens que emergem na memória do personagem ao narrar
fatos que ainda o atormentavam.

5.4.1. Conclusão

Os exemplos do emprego do ponto-e-vírgula que aparecem nesta seção


de nosso estudo representam uma visão panorâmica do universo de usos desse
sinal de pontuação.
107

É bem significativa a presença do ponto-e-vírgula na obra de


Guimarães Rosa. Esse sinal de pontuação representa um valioso instrumento
de organização textual, nas extensas citações e enumerações, divididas em
tópicos e subtópicos separados por ponto-e-vírgula e por vírgula, mostrando
certa hierarquia de sinais de pontuação.
O sinal de pontuação é ainda muito empregado pelo autor para a
substituição de termos em elipse e para indicação do deslocamento de
constituintes. Na análise do emprego do ponto-e-vírgula, na obra do escritor
mineiro, percebeu-se que esse sinal é também de grande proveito para a
formação de efeitos característicos da retórica utilizada pelos contadores de
estórias.
Temos, a seguir o quadro resumitivo dos usos do ponto-e-vírgula, na
obra rosiana.

VALOR EXEMPLO OBRA PÁ- VALOR SEMIÓTICO VALOR


FUNCIO- GINA TIPO INTERPRE- DISCURSI
NAL SÍGNI- TAÇÃO -VO
CO
divisão de (...) Zé Bebelo, nosso chefe, Grande 242- índice a ordem na revelação
partes e indo à frente, e que não sediava Sertão: 243 enumeração das
subpartes folga nem cansaço; o Reinaldo Veredas feita de prioridades
da — que era Diadorim: sabendo acordo existenciais
narração deste, o senhor sabe minha com o do narrador
vida; o Alaripe, que era de prestígio do
ferro de ouro, e de carne e personagem
osso e de minha melhor junto ao
estimação; Marcelino Pampa narrador
(...)
delimita- De perto, na tectura sóbria — São 241 índice dimensões subjetivida-
ção só três ou quatro esgalhos — as Marcos espaciais da de da
espacial folhas são estrelas verdes, descrição descrição
na mãos verdes espalmadas; mais proporcio-
narrativa longe, levantam-se das grotas, nal à
como chaminés alvacentas; distância
longe-longe, porém, pelo física o
morro, estão moças cor de objeto de
madrugada, encantadas, presas, descrição
no labirinto do mato.
108

separação Lugar sertão se divulga: é onde Grande 240 índice evocação de informa-
de partes os pastos carecem de fechos; Sertão: imagens ções
em um onde um pode torar dez, quinze Veredas formadoras encaminha
período já léguas, sem topar com casa de da idéia de doras do
marcado morador; e onde morador vive amplidão do conceito de
pela seu cristo-jesus, arredado do sertão sertão
vírgula arrocho da autoridade.
substituto E ela avermelhou as faces; mas Grande 345 índice interrupção surpresa
do veio;reparei que tinha as mãos Sertão: da narrativa diante da
travessão aperfeiçoadas bonitas, mãos Veredas para a cena
duplo para tecer minha rede. expressão do narrada
narrador

delimita- Minha 173 índice referência à reforço da


ção de Já sabia que das moitas de gente realidade idéia
orações de beira de estrada trafegavam marcada presente na
mesma para a roupa da gente umas pelos estrutura que
se repete
estrutura bolas de centenas de conectivos
carrapatinhos, de dispersão
rápida, picadas milmalditas e
difícil catação; que a fruta mal
madura da cagaiteira, comida
com sol quente, tonteia como
cachaça; que não valia a pena
pedir e nem querer tomar
beijos à primas; que uma cilha
bem apertada poupa dissabor
na caminhada; que parar à
sombra da aroeirinha é ficar
com o corpo empipocado de
coceira vermelha; que, (...)
introdução E outra coisa: o diabo, é às Grande 211 índice marca do estratégia de
da oração brutas; mas Deus é traiçoeiro. Sertão : contraste prender a
adversati- Veredas presente em atenção do
va toda a obra leitor
rosiana
marcação Alembrado de que no hotel e Grande 256 índice evocação sem revelação do
da nas casas de família, na Sertão: censura de caráter
introdução Januária, se usa toalha pequena Veredas sensações contraditório
do ser
de uma de se enxugar os pés; e se
humano
oração conversa bem.
aditiva
segmenta- Condenado de maldito, por Grande 373 índice presença dos participação
ção das toda lei, aquele estrago de Sertão: elementos- do leitor no
orações homem estava; remarcado: seu Veredas chave do acabamento
do corpo, sua culpa. enunciado do
enunciado
período
composto
destaque E tocamos conosco cinqüenta- Grande 396 índice marca de um destaque ao
ao e-tantas reses, de gado baiano; Sertão: qualificador ponto-de-
qualifica- à-toa. Veredas subjetivo vista do
dor do narrador
nome
acréscimo A Rosa’uarda. Me alembrei Grande 236 índice alargamento ênfase no
de dela; todas as minhas Sertão: da ponto-de-
informa- lembranças. Veredas informação vista do
narrador
ções anterior
109

introdução Porque as duas minhas-damas Grande 398 índice índice de estratégia de


de uma eram ricas; dizer: deviam de ter Sertão: acréscimo de convenci-
retificação muito dinheiro de prata Veredas informação mento do
aforrado. interlocutor

segmenta- Condenado de maldito, por Grande 373 índice índice da expressivi-


ção de toda lei, aquele estrago de Sertão: condensação dade da
estruturas homem estava; remarcado: seu Veredas de uma pontuação
condensad corpo, sua culpa! oração
as
comple- Ah, quem o homem era eu já Grande 386 índice desenho do ênfase no
mento sabia, ele se chamava Sertão: personagem tópico
verbal em Treciziano. O bruto; para falar Veredas
tópico com ele, só a cajado.
marcação Só de mim era que Diadorim às Grande 25 índice diagramação expressão do
de um vezes parecia ter um espevito Sertão: correspondent sentimento
termo de desconfiança; de mim, que Veredas e com o de
indignação
repetido era o amigo! (Grande estado
Sertão:Veredas, p. 25) emocional do
personagem
incompati Diadorim — em que era ele Grande 437 índice presença de acréscimo de
-bilidade devia de estar pensando?; é o Sertão: dois tipos de argumentos
entre tipos que eu não soube, não sei, à Veredas frases a uma
estrutura
de sinais minha morte esta pergunta
fechada
de faço...
pontuação

5.5. O emprego do ponto

Em seu projeto de retratar a sociedade sertaneja, Guimarães Rosa


decidiu fazer um verdadeiro mergulho na sua dimensão lingüística, conforme
observa Bolle (2002).

De modo geral, a narrativa rosiana se apresenta como um relato oral de


um narrador, numa linguagem criativa e poética, que se dirige a um
interlocutor, cuja fala, invariavelmente, não se conhece.

Depreende-se que a intenção do autor é fazer sobressair a fala desse


homem interiorano, com toda a sua musicalidade. Como sabemos, embora a
modalidade oral e a modalidade escrita da língua sejam sistemas semióticos
autônomos, eles são complementares. De acordo com Catach(1980), a
pontuação age sobre dois eixos: ela reúne e completa as informações da
língua oral e também dispõe de uma ordem gráfica interna que pode ser
considerada autônoma. Pelo fato de a pontuação ter alguma relação com a
110

modalidade oral da língua, ela é um elemento de grande importância para a


realização do projeto de Guimarães Rosa.

De acordo com depoimento de vários estudiosos e até mesmo de


leitores comuns, a obra rosiana é própria para ser lida em voz alta, pois,
assim, todo o potencial sonoro do texto é realçado, e seu entendimento
facilitado. A pontuação, na obra do escritor mineiro, pode ser considerada um
guia de leitura, a exemplo dos manuscritos medievais.

Aparecem, nesta seção, as passagens que dão mostras do emprego do


ponto na obra analisada.

Vejamos este excerto:

Sem que bem se saiba, conseguiu-se rastrear pelo avesso um


caso de vida e de morte, extraordinariamente comum, que se
armou com o enxadeiro Pedro Orósio (também acudindo por
Pedrão Chãmbergo ou Pê-Boi, de alcunha), e teve aparente
princípio e fim, num julho-agosto, nos fundos do município
onde ele residia; em sua raia noroesteã, para dizer com rigor.
(“O recado do morro”, p.5)

Esse trecho que abre o conto “Recado do morro” (in No Urubuquaquá,


no Pinhém, 1976), como vemos, é formado de um período e compreende o
primeiro parágrafo do texto. Formado de orações subordinadas e coordenadas,
o período faz a introdução do caso a ser relatado, com referência ao
protagonista, ao espaço onde se desenvolve e à sua duração temporal. Essa
parte do texto tem a função de apresentar para o leitor um roteiro das partes
do conto, que obedecem à seqüência apresentada no parágrafo introdutório do
“caso [...] extraordinariamente comum”.

Na diagramação total da narrativa, essa parte introdutória posiciona-se


num plano distinto do resto do texto. A introdução forma um quadro
imagético, em que a figura do narrador se mantém distante da seqüência de
cenas que será mostrada. O ponto faz cessar a voz desse indivíduo que se
afasta para dar vez à descrição dos personagens e do cenário, dando início à
narrativa propriamente dita. É interessante observar que a estória segue
exatamente o mapa traçado inicialmente pelo narrador. O ponto tem o valor
111

indicial de reunir em uma mesma unidade elementos que compõem o quadro


panorâmico do caso a ser relatado. Discursivamente, esse ponto delimita um
parágrafo que pode ser considerado um tópico de toda a narrativa.

Vejamos esta outra organização de parágrafo, encontrada na obra de


Guimarães Rosa:

[...] Nela acreditou, num abrir e não fechar de ouvidos. Daí, de


repente, casaram-se. Alegres, sim, para feliz escândalo popular,
por que forma fosse.
Mas.
[...] Deu-se a entrada dos demônios.
[...] Era o seu amor meditado, a prova de remorsos. Dedicou-se
a endireitar-se.
Mais.
[...] Entregou-se a remir, redimir a mulher, à conta inteira.
(“Desenredo p. 39)

A conjunção adversativa e o advérbio, embora não estejam seguidos


no desenvolvimento textual, são dotados de marcas discursivas próprias de
parágrafos, com implicações semânticas e pragmáticas. Essas frases adquirem
um realce particular com a adição do ponto. O sinal de pontuação corta o
desenvolvimento do enunciado na escrita, deixando que o leitor desenvolva
mentalmente a idéia sugerida pela contrajunção e pelo advérbio.

No nível prosódico, o ponto indica uma queda na linha entonacional,


marcando o sentido completo e o término do enunciado. A completude
indicada pelo ponto na diagramação é um elemento que causa surpresa e
chama a atenção do leitor, contribuindo para deixar bem marcado o fato que
vai causar o desequilíbrio na história.

O parágrafo formado pelo advérbio mais, finalizado pelo ponto,


adiciona mais um fator para a expectativa que se instaurou no texto a partir do
parágrafo formado pela conjunção. O ponto pode ser visto também como uma
estratégia retórica do narrador para chamar atenção do seu leitor/ouvinte,
fazendo com que a retina mental deste “presencie” a fala do narrador, com
todas as suas inflexões vocais, imprimindo um clima de suspense no texto.
112

Vejamos outro exemplo de ponto parágrafo:

[...] Com pouco ia desastrar-se com os cães, feia a sungar a


afilada cabeça, sua cara aguda, aventando-lhes o assomar.
Eram horas episódicas.
[...] Mascava-se o bruto rastro; aos quatro e três dedos, dos
cascos, calcados no sulco fundo do carreiro, largo, no barro
bem amarelo, cor que abençoa.
Havia urgência.
Podia-se uma idéia.
[...] A pingo de palavras, com inculcações, em ordem a
atordoá-lo, emprestar-lhe minha comichão. Correr aposta.
Ponteiro menor, a anta; ponteiro grande, os cães.
E dependi daquilo.
[...] Vi o capinzal, baixas ervas, o meigo amarelo do lameiro,
uma lama aprofundada. Ele era um retrato.
Tomei uns momentos.
[...] Ele era maquinalmente meu. Obra de uns dez minuros.
No súbito.
[...] Embaixo, lá a anta soltara o estridente longo grito — de ao
se atirarem à água, o filhote e ela — de em salvo.
Refez-se a tranqüilidade. (“Tapiiraiauara”, p. 171-173)

Segundo a gramática da língua, o parágrafo compreende uma


seqüência finita de frases relacionadas semanticamente entre si, formando
uma unidade dentro da estrutura textual. Como podemos ver, na obra de
Guimarães Rosa, essa unidade pode ser formada de várias formas, de acordo
os tipos de parágrafos encontrados nos excertos.

Nesse último trecho, retirado de um conto de Tutaméia (1967), vemos


que o parágrafo pode compor-se de uma oração ou até mesmo de uma
expressão.

As frases delimitadas pelo ponto parágrafo no discurso têm a função


de mostrar o ponto de vista narrador em relação ao fato narrado. O contador
da estória, homem da cidade, obrigado a participar de uma caçada a uma anta
e seu filhote, mostra-se horrorizado com o “assassinato”, de acordo com suas
113

palavras, do qual participaria. Sentindo a esperteza do animal, intimamente,


torce para que a empreitada de seu grupo não tenha sucesso.

A leitura do texto orienta nosso raciocínio para a figura do narrador,


que interrompe o relato do episódio para confessar ao leitor/ouvinte seu temor
em relação ao perigo pelo qual o animal passava. Esses parágrafos, embora
finalizados pelo ponto, expressam grande emotividade , levando o interlocutor
da estória a se juntar ao narrador, torcendo para que os dois animais consigam
driblar seus algozes; o que, felizmente, acontece. Desse modo podemos dizer
que os parágrafos finalizados pelo ponto exercem a função de índice na
narrativa.

Vejamos mais um exemplo de ponto parágrafo:


Todos foram à vila, para missa-de-galo e Natal, deixando na
fazenda Tio Bola, por achaques de velhice, com o terreireiro
Anjão, imbecil, e a cardíaca cozinheira Nhota. Tio Bola
aceitara ficar, de boa graça, dando visíveis sinais de paciência.
Tão magro, tão fraco; nem piolhos tinha mais. Tudo cabendo
no possível, teve uma idéia.
Não primeira e súbita invenção. (“Presepe”, p. 119)
Como vemos, o ponto finaliza uma frase com valor concessivo que
poderia estar ligada à última oração. Assim como o exemplo anterior, o trecho
em forma de parágrafo expressa a fala do narrador destacada do resto da
narrativa. Cremos que a colocação dessa frase no interior do último período
não produziria o mesmo efeito no texto.

Ao processar as operações de interpretação dessa passagem, a mente


do leitor não finaliza suas considerações com o ponto-parágrafo. Ao contrário,
o sinal de pontuação sugere uma série de justificativas sintetizadas na oração
que inicia o período. Desse modo, podemos dizer que o ponto- parágrafo,
presente no exemplo, além de encaminhar o leitor para a opinião do narrador,
sugere uma série de inferências não-verbalizadas por parte de quem conta a
história.

Embora não tenha sido incluído o estudo do parágrafo em nossa


proposta de trabalho, vimos necessidade de abordar esse item da língua escrita
ao tratar do emprego dos sinais de pontuação.
114

Vejamos outro tipo de parágrafo finalizado pelo ponto:

Construção alguma vige porém por si triste, nem a do túmulo,


nem a da choupana, nem a do cárcere. Importe lá que a
mulher divise-se parada ou caminhando. De seu caixilho de
pedra e ferro o olhar do homem a detém, para equilíbrio e
repouso, encentrada, em moldura. Seja tudo pelo amor de
viver.
A vida, como não a temos. (“Quadrinho de estória”, p. 122)
Nesse trecho vemos outra variação de frase finalizada pelo ponto
parágrafo. O último enunciado do exemplo se refere à frase situada no
parágrafo anterior e funciona como uma síntese conceitual da parte da
narrativa encontrada no parágrafo anterior. Percebe-se que o enunciado que
forma um parágrafo remete nossa memória às frases proverbiais, reveladoras
de uma incontestável sabedoria. O ponto, que aparece no final do enunciado,
finaliza formalmente a proposição, entretanto, abre espaço para reflexões que
talvez a própria mente ainda não tenha sido capaz de verbalizar. Vê-se aí a
figura do narrador que se distancia da narrativa para expressar seu ponto-de-
vista.

Essa estrutura se repete no fechamento do parágrafo seguinte: “A vida,


sem escapatória, de parte contra parte”. Vê-se que a figura do narrador se
confunde com a própria narrativa; e a função do ponto não é mais destacar a
fala de quem conta a história. O sinal de pontuação oferece uma pista para que
essa voz seja identificada na tessitura do texto.

No mesmo conto, “Quadrinho de estória”, vemos outros parágrafos


finalizados pelo ponto, que despertam interesse, como estes:

[...] Ninguém quer nascer, ninguém quer morrer. Sejam quais


o sol e céu, a palavra horizonte é escura.
Ou então.
Quer ver — como bicho saído dos tampos da tristeza — ele
quer; seus olhos perseguem. [...]
[...] Escuta os passos do soldado sentinela, são passadas
mandadamente, sob a janela mesma, embora não se veja, não.
Se bem.
Ele não pode arrepender-se. [...] (p.122-125)
115

Como podemos ver, as expressões destacadas em parágrafos fazem um


elo de ligação entre os parágrafos circundantes.

A relação entre a frase iniciada pela conjunção alternativa e a oração


anterior indica uma segunda possibilidade de atitude. A outra expressão “Se
bem.” formando o parágrafo, com característica concessiva, anuncia
possibilidade antagônica àquela posta anteriormente.

O ponto que fecha esses parágrafos indica uma ação contrária que se
impõe, sem a possibilidade de contestação. Com isso, as verdades e certezas
postas nos parágrafos anteriores são relativizadas por essas “frases-
parágrafos”.

Vejamos estas passagens do conto “Soroco, sua mãe, sua filha” (in
Primeiras estórias, 1978), em que o ponto desempenha um importante papel
para a formação de sentido do texto.

Aquele carro parara na linha de resguardo, desde a véspera,


tinha vindo com o expresso do Rio, e estava lá, no desvio de
dentro, na esplanada da estação. Não era um vagão comum de
passageiros, de primeira, só que mais vistoso, todo novo. A
gente reparando, notava as diferenças. Assim repartido em
dois, num dos cômodos as janelas sendo de grades, feito as de
cadeia, para os presos. A gente sabia que, com pouco, ele ia
rodar de volta, atrelado ao expresso daí de baixo, fazendo parte
da composição. Ia servir para levar duas mulheres, para longe,
para sempre. O trem do sertão passava às 12h45m.
[...] Agora, mesmo, a gente só escutava era o acorçôo do
canto, das duas, aquela chirimia, que evocava: que era um
constado de enormes diversidades desta vida, que podiam doer
na gente, sem jurisprudência de motivo nem lugar, nenhum,
mas pelo antes, pelo depois.
Soroco.
Tomara aquilo se acabasse. O trem chegando, a máquina
manobrando sozinha para vir pegar o carro. O trem apitou, e
passou, se foi, o de sempre. (p. 13-15)

Exceto as falas, o ponto-de-interrogação e as reticências têm apenas


uma ocorrência na narrativa. A segmentação das orações absolutas, frases e
períodos é feita, basicamente, por meio do ponto. Isso faz com que a narração,
entrecortada pela descrição, tenha um ritmo lento, arrastado, traduzindo
discursivamente a emoção de um indivíduo pacato, cuja única reação é o
116

estado de tristeza pela difícil tarefa de conduzir mãe e filha até a locomotiva
que as levará definitivamente para o hospício.

A leitura desse conto induz o leitor a fazer correspondências entre a


pontuação e uma câmera que se movimenta lentamente, com pequenas
paradas provocadas pelo ponto, para que as imagens mentais se formem,
produzindo o efeito pretendido pela configuração textual.

No primeiro trecho destacado, que corresponde ao primeiro parágrafo


do conto, a indicação do horário do trem faz um corte súbito no caminhar da
“câmera” responsável pela progressão da narrativa. Nesse ponto, o foco se
desloca para a voz que banaliza o drama do personagem.

O parágrafo seguinte, formado por um período, que se diferencia do


resto do texto, tem a função de expressar, em primeira pessoa do plural,
representada pela expressão a gente, a emoção do povo da cidade que observa
o drama do personagem. Essa parte da narrativa evoca a voz do narrador que
se distancia da narrativa. Sem qualquer advertência, a imagem do personagem
se sobrepõe à fala do narrador, no parágrafo seguinte, lembrando que sua dor
é incomparavelmente maior do que a dor dos espectadores.

A pontuação, ao demarcar o jogo através do qual as diferentes


unidades lingüísticas promovem a continuidade do texto escrito, dirige o
raciocínio do leitor para a cena retratada.

De acordo com a tradição gramatical, o ponto-parágrafo, na escrita, é


empregado para se passar de um grupo a outro grupo de idéias,
correspondendo a um maior repouso de voz, na cadeia falada. Vemos, na obra
rosiana, além desse tipo de emprego do ponto- parágrafo, outras formas de
aproveitamento desse sinal.

Segundo Chacon (1998),


No que se refere à sua natureza espacial, na reconfiguração que
a escrita faz da oralidade, uma das maneiras pelas quais,
tradicionalmente, ela espacializa o que, na oralidade,
corresponderia a tópicos conversacionais é delimitando, por
meio de marcas gráficas, o conjunto de unidades rítmicas que
comporiam a reconfiguração desses tópicos Essas marcas
gráficas correspondem aos espaços em branco que delimitam o
117

produto rítmico de tal reconfiguração: o parágrafo. (p.242)


Desse modo, a mudança de parágrafo é um índice orientador de
leitura. Isso significa que as partes do texto segmentadas em parágrafos são
consideradas unidades enunciativas.

Vejamos estes exemplos:

a) [...] “— Siô Baldo, já tomei os altos de tudo! Mas carece de


você não ir s’embora, não, mas antes prosseguir sendo o
secretário meu... Aponto que vamos por esse Norte, por
grandes fatos, que você não se arrependerá...”— me disse —
“...Norte, más bandas.” Soprou, só; enche que ventava.
Porque ele tinha me estatutado os todos projetos. Como estava
reunindo e pervalendo aquela gente, para sair pelo Estado
acima, em comando de grande guerra.[...] (Grande Sertão:
Veredas, p. 101)
b) [...] Mas não era toda vez: tinha dia de se ter medo, ocasião,
assim como tinha dia de mão de tristeza, dia de sair tudo errado
mesmo — que esses e aqueles a gente tinha de atravessar, varar
da outra banda. Cuidava de outros medos.
Das almas. Do lobisomem revirando a noite, correndo sete-
portelos, as sete partidas. Do Lobo-Afonso, pior de tudo. [...]
(“Campo Geral”, p. 505)
c) [...] Mas, da outrora ocasião, sem destaque de acontecer, senão
que aprazível tão quieta, reperfeita, em beira de um campo,
quando a informação do Boi tinha sobrevindo, de nada, na mais
rasa conversa, de felicidade. Daí, mencionavam mais nunca o
referido urdido — como não se remexe em restos.
De certo modo. Mais para adiante, o Jelázio morreu, com
efeito, inchado dos rins, o espírito vertido. (“Os três homens e o
boi dos três homens que inventaram um boi”, p. 113)
d) [...] Quando viu que o surdo-mudo se fora, chegou-se. Vinha só
para poder receber o que lhe dessem. Mas mandaram-lhe que
viesse definido e ficasse.
Ao que ficou. Deu o nome, que experimentou escrever, mas
não soube, não se alembrou mais, experimentou à toa, com a
ponta de um tição preto numa régua de curral. (“Uma estória de
amor”, p. 552)
[...] Acho que me escabreei. De sorte que tantos pensamentos
tive, duma viragem, que senti foi esfriar as pontas do corpo, e
me vir o peso de um sono enorme, sono de doença, de
malaventurança. Que dormi. Dormi tão morto, sem estatuto,
que de manhã cedo, por me acordarem, tiveram de molhar com
água meus pés e minha cabeça, pensando que eu tinha pegado
febre de estupor. Foi assim.
Vou reduzir o contar: o vão que os outros dias para mim
118

foram, enquanto. Desde que da rede levantei, com aquele peso


anoitecido, amanhecido nos olhos. Tempo de minha vazante. A
ver como veja: tem sofrimento legal padecido, e mordido e
remordido de sofrimento; assim mesmo que ter roubo sucedido
e roubo roubado. (Grande Sertão:Veredas, p. 175)

Observa-se, nesses excertos, que o ponto-parágrafo segmenta um


período que se estende até o início do parágrafo seguinte. No exemplo (a), a
oração subordinada causal se prende à oração do período anterior, estando o
ponto-parágrafo, portanto, no lugar da vírgula. O ponto-parágrafo separou a
última oração, pois, semanticamente, ela vai ser explicitada nos próximos
períodos. No exemplo (b), o ponto-parágrafo aparece no lugar dos dois-
pontos, pelo fato de os elementos que iniciam o parágrafo seguinte
representarem o aposto enumerativo do vocábulo medos. Podemos observar
que a enumeração dos elementos que compreendem o medo do personagem
recebe um destaque especial, desse modo, essa pontuação tem uma função
expressiva, em que os elementos destacados representam todas as
preocupações do menino. Em (c), o ponto-parágrafo substitui a vírgula, pois o
parágrafo seguinte é iniciado por uma expressão, cuja função é acrescentar
uma circunstância modal à oração do parágrafo anterior. A modalização da
oração anterior vai relativizar a verdade posta na comparação. No excerto (d),
o ponto também está no lugar da vírgula, seguindo-se a ela a oração que inicia
o parágrafo seguinte, com a função de evento posterior.

No nível prosódico, o ponto-parágrafo indica uma pausa mais longa


depois de um grupo fônico descendente; portanto, essas orações e expressões
que se seguem ao ponto-parágrafo estão precedidas de uma pausa mais
demorada.

Vemos que, na organização do texto escrito há um espaço separando


dois elementos presos sintática e semanticamente. Isso quer dizer que cada
frase corresponde a uma unidade de sentido distinta, acarretando novos
sentidos subjacentes a essa alteração.

Vejamos este tipo de parágrafo muito encontrado em Grande Sertão:


Veredas:
119

[...] Acho que me escabreei. De sorte que tantos pensamentos


tive, duma viragem, que senti foi esfriar as pontas do corpo, e
me vir o peso de um sono enorme, sono de doença, de
malaventurança. Que dormi. Dormi tão morto, sem estatuto,
que de manhã cedo, por me acordarem, tiveram de molhar com
água meus pés e minha cabeça, pensando que eu tinha pegado
febre de estupor. Foi assim.
Vou reduzir o contar: o vão que os outros dias para mim
foram, enquanto. Desde que da rede levantei, com aquele peso
anoitecido, amanhecido nos olhos. Tempo de minha vazante. A
ver como veja: tem sofrimento legal padecido, e mordido e
remordido de sofrimento; assim mesmo que ter roubo sucedido
e roubo roubado. [...] (p. 175)

O personagem se refere à própria ação de narrar, preparando o


interlocutor para o episódio que vai ser relatado. Na verdade, o ponto
parágrafo substitui os dois pontos, nesse contexto. Vemos o ponto,
representando, nesse tipo de construção, uma grande pausa no ritmo da
narrativa, para representar, a partir das impressões visuais, a distância
temporal e física, narrador e narrativa.

Há outra construção interessante no mesmo exemplo Na primeira parte


do exemplo, a oração consecutiva (Que dormi.) aparece destacada pela
pontuação, como um recurso para transcodificar, no espaço gráfico, a grande
pausa, na fala, da culminância de um processo iniciado no período anterior.
Nessa passagem o ponto tem um valor icônico, pois procura “desenhar”, no
espaço gráfico, o momento de produção do enunciado

Os exemplos seguintes mostram emprego do ponto-final.

Vejamos algumas passagens da obra rosiana:

Mas, no vir de cimas desse morro, do Tebá — quero dizer:


Morro dos ofícios — redescendo, demos com o velho, na porta
da choupã dele mesmo. Homem no sistema de quase-doido,
que falava no tempo do Bom Imperador. Baiano, barba de
piassaba; goiano baiano. O pobre, que não tinha as três espigas
de milho em seu paiol. Meio sarará. A barba, de capinzal sujo;
e os cabelos dele eram uma ventania. perguntei uma coisa, que
ele não caprichou de entender, e o catrumano Teofrásio bramou
— abocou a garruchona em seus peitos dele. Mas, que não deu
tujo. Esse era o velho da paciência. Paciência de velho tem
muito valor. Comigo conversou. Com tudo que, em tão
dilatado viver, ele tinha aprendido. Seus pai, como aquele
120

homem sabia todas as coisas práticas da labuta, da lavoura e do


mato, de tanto tudo. Mas, agora, que tanto aforrava de saber, o
derrengue da velhice tirava dele toda possança de trabalhar; e
mesmo o que tinha aprendido ficava fora dos costumes de usos.
Velhinho que apertava muito os olhos. (Grande Sertão:
Veredas, p. 393)
O arraial era o mais monótono possível. Logo na chegada,
ansioso por conversas à beira do fogo, desafios com viola,
batuques e cavalhadas, procurei, procurei, e quebrei a foice. As
noites, principalmente, me impressionavam. Casas no escuro,
rua deserta. Raro, o pataleio de um cavalo no cascalho. O
responso pluralíssimo dos sapos. Um só latido, mágico, feito
por muitos cachorros remotos. Grilos finfininhos e bezerros
fonfonando. E pronto. (“Corpo Fechado”, p. 261)
Parágrafos como esses são comuns na obra de Guimarães Rosa:
extensos e com a incidência de um sinal de pontuação. Conforme observamos,
todos os períodos são ligados pelo ponto, nos dois excertos.

No primeiro trecho, o ponto faz a segmentação de um misto de


narração com descrição do ambiente e do personagem, resultando na
formação de um quadro imagético definidor do indivíduo, tanto físico como
psicológico.

No segundo excerto, a definição do espaço abre o parágrafo e se


reitera no terceiro período. A partir do quarto período, vemos o desenho do
lugarejo em quadros, emoldurados pelos pontos. Esses últimos períodos têm a
função de ratificar o ponto-de-vista do narrador posto nos três primeiros
períodos. O ponto-parágrafo que encerra a descrição sugere a sensação de
tédio a que o narrador se viu condenado por estar naquele lugar.

Estes dois próximos exemplos, na forma, têm um fechamento


semelhante ao último trecho apresentado.

Vejamos:

Mas o pai de Manuelzão concordava de ser pobre, instruído nas


resignações; ele trabalhava e se divertia olhando só para o
chão, em noitinha sentava para fumar um cigarro, na ponta da
choupana, e cuspia muito. Tinha medo até do Céu. Morreu.
(“Uma estória de amor”, p. 557)
Manuel Fulô fez festa um mês inteiro, e até adiou, por via
disso, o casamento, porque o padre teimou que não
matrimoniava gente bêbada. Eu fui o padrinho. (“Corpo
fechado”, p. 286)
121

No primeiro exemplo o ponto segmenta partes de um parágrafo numa


progressão descendente no que diz respeito à sua extensão. Primeiramente, o
ponto finaliza um período formado por várias orações, em que o narrador
descreve psicologicamente o personagem; a outra parte segmentada pelo
ponto é formada de uma oração. Por fim, a última oração é formada apenas
pelo verbo. Vemos que essa progressão tem a função de encaminhar a leitura
para outro final, pois o personagem tinha humildade de espírito; porém, o
ponto cessa a construção mental do indivíduo de forma ironicamente
surpreendente. Podemos identificar a presença de dois planos, nesse trecho.
Os tempos verbais, segundo Weinrich (cf. Koch, 1994), apontam para o plano
da narração, com os verbos no pretérito imperfeito, em que o ouvinte tem a
mera atitude de passividade e o tempo do comentário, com o verbo no
pretérito perfeito, que obriga o ouvinte a uma atitude tensa. O tempo do
comentário se sobrepõe ao tempo narrado, que permanece em segundo plano.
Vemos que o verbo no pretérito perfeito interrompe a narração, de maneira
súbita e inesperada, apresentando um desfecho inusitado para o personagem.
A narração é feita de forma segmentada, levando o leitor a compor
mentalmente a figura do homem. Inesperadamente, com um misto de humor e
ironia, o narrador encerra a descrição, dando um fim aparentemente injusto
para o personagem descrito.

No segundo exemplo, a oração que encerra o parágrafo aparece


segmentada da oração anterior pelo ponto. Isso promove no texto a formação
de dois planos discursivos: o da narrativa e o plano do narrador. A
configuração textual leva o leitor a visualizar a figura do narrador de fora da
narrativa, com a função de atestar a veracidade do evento relatado. Portanto, o
ponto que finaliza cada um dos blocos oracionais é índice de dois planos
distintos na narrativa.

Os próximos exemplos mostram o início e o final da obra considerada


a mais importante do escritor, Grande Sertão: Veredas( 1978)

— Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de


homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal,
122

no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço,


gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me
chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os
olhos de nem ser — se viu—; e com máscara de cachorro. Me
disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito,
arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de
gente, cara de cão:determinaram — era o demo. Povo
prascóvio. Mataram. Dono dele nem sei quem for. Vieram
emprestar minhas armas, cedi. Não tenho abusões. [...] ( p. 9)
[..] Existe é homem humano. Travessia. (p.460)

Vemos que o ponto segmenta a primeira palavra do texto. Esse sinal


de pontuação abre a mente leitora para uma série de pensamento difusos,
sugeridos, também, pela ressonância nasal da palavra. Seria esta o resultado
de uma aglutinação de non (não) + nada (coisa alguma) = tudo ([-]+[-] = +)?
Ou seria simplesmente a justaposição de no+nada?

Na continuação do parágrafo, aparecem orações entrecortadas por


frases que procuram dar forma à imprecisão do pensamento, aliada à
incapacidade de elaboração de uma frase bem formada. O ponto tem a função
de indicar a passagem de uma unidade de pensamento à outra. Vemos, nessa
parte da narração, palavras que traduzem a visão crítica do narrador e outras
que dão desenvolvimento à narrativa (cf. Povo prascóvio. Mataram.).

A última palavra da narrativa (“Travessia”), finalizada pelo ponto,


conduz o leitor à sensação de uma obra inacabada, à espera de sentidos que
lhe dêem uma finalização. Essa idéia, sugerida pelo texto e pelos sinais de
pontuação, é reforçada pela presença da lemniscata no encerramento do
romance (∞),simbolizando o infinito.

Observemos este outro emprego do ponto:

No Urubuquaquá. Os campos do Urubuquaquá – urucuias


montes, fundões e brejos. No Urubuquaquá, fazenda-de-gado: a
maior — no meio — um estado de terra. A que fora lugar,
lugares, de mato-grosso, a mata escura, que é do valor do chão.
Tal agora se fizera pastagens, a vacaria. o gadame. Este mundo,
que desmede os recantos. Mar a redor, fim a fora, iam-se os
Gerais, os Gerais do ô e do ão: mesas quebradas e mesas
planas, das chapadas, onde há areia; para o verde sujo de más
123

árvores, o grameal e o egreste – um capim rude, que boca de


burro ou de boi não quer; e água e alegre relva arrozã, só nos
transvales das veredas, cada qual, que refletem, orlantes, o
cheiroso sassafrás, a buritirana espinhosa, e os buritis, os
ramilhetes dos buritizais, os buritizais, os buritizais, os buritis
bebentes. [...]
No Urubuquaquá, não. Ali havia riqueza, dada e feita. A casa
— avarandada, assobradada, clara de cal, com barras de
madeira dura nos janelões — se marcava. Era seu acento num
pendor de bacia. tudo o que de lá se avistava, assim nos morros
assim a vaz, seria gozo forte, o verdejante. Somente em longe
ponto o cravancão dum barranco se rasgava, de rechã,
vermelho de grês. Mas, por cima, azulal, ao norte, fechava o
horizonte o albardão de uma serra. No Urubuquaquá. A Casa,
batentes de pereiro e sucupira, portas de vinhático. O
fazendeiro seu dono se chamava “Cara-de-Bronze”. (“Cara-de-
Bronze”, p.73)

Nesses dois trechos, aparece a expressão No Urubuquaquá,


segmentada pelo ponto, repetida durante a longa descrição da fazenda. Nota-
se que há dois planos espaciais de descrição: a fazenda Urubuquaquá, onde a
natureza é generosa e onde reina a prosperidade, e o resto das Gerais, com sua
vegetação cruel, que traz sofrimentos ao homem. Essa oposição é bem
marcada no segundo excerto (No Urubuquaquá, não.) Essa expressão
adverbial funciona como um tópico que se repete durante a descrição, para
reforçar a idéia de superioridade da terra.

Frases, muitas vezes, formadas de uma palavra, finalizadas pelo ponto


são comuns na obra de Guimarães Rosa. É interessante observar que essas
construções não são formas acabadas; elas contêm uma palavra-chave. O
ponto que se segue a elas promove o início de uma série de conjecturas. Cabe
ao leitor, a partir dos signos indiciais presentes no texto, estabelecer as
possíveis relações e associações que auxiliarão a decifração do texto.

Foram selecionados, também os seguintes exemplos do emprego do


ponto:

Sertão. O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte com


as astúcias. (Grande Sertão:Veredas, p.17-18)
E o que era, que estava assombrando o animal, era uma folha
seca esvoaçada, que sobre se viu quase nos olhos e nas orelhas
dele. Do vento. Do vento que vinha, rodopiado. (idem, p. 187)
124

O ponto também, nesses exemplos, põe em destaque as expressões


segmentadas por ele. Formam-se, dessa maneira, dois planos na narrativa: o
tópico, que se coloca no primeiro plano e se repete no enunciado; e o
comentário, que permanece no pano de fundo. Assim como ocorre no outro
exemplo, o ponto-final, nesses dois exemplos, tem o papel de evidenciar o
termo topicalizado ou indicar o deslocamento de um termo da oração como
mostra o segundo exemplo, em que a locução Do vento se transforma em uma
frase ligada ao período anterior e em tópico para a frase seguinte.

Observe-se este trecho em que ocorre um interessante efeito causado


pelo deslocamento de termos da oração:

Ia haver festa. Naquele lugar — nem fazenda, só um reposto,


um-currais –de-gado, pobre e novo ali entre o Rio e a Serra-
dos-Gerais, onde o cheiro dos bois apenas começava a corrigir
o ar áspero das ervas e árvores do campo-cerrado, e, nos matos,
manhã e noite, os grandes macacos roncavam como engenho-
de-pau moendo. Mas, para os poucos moradores, e assim para a
gente mais longe ao redor, vivente nas veredas e chapadas,
seria bem uma festa. Na Samarra. (“Uma estória de amor”, p.
543)
Como vemos, nesse trecho, fez-se o caminho inverso. O ponto
segmenta uma oração à qual poderia juntar-se o adjunto adverbial que aparece
no final do parágrafo. No interior dessa oração que se desmembra, há outras
duas orações delimitadas pelo ponto, nas quais há uma descrição do local,
cujo nome se revela somente no final do parágrafo, que é o elemento sobre o
qual deve recair o foco de atenção do leitor. Podemos observar que essa
expressão se encontra em último lugar, finalizada pelo ponto-parágrafo. Por
esse motivo, o núcleo entonacional da passagem estará na expressão que
constitui o foco, o adjunto adverbial, considerado o ponto de maior
relevância. A diagramação do texto causa um efeito bem interessante, além
das nuanças de sentido que surgem. O foco desse parágrafo é precedido e
seguido de pausa, na leitura oral. Essa diagramação roteiriza para o leitor o
termo de importância fundamental no parágrafo. Toda a descrição que se
coloca no interior da oração cria um clima de expectativa que culmina na
última expressão.
125

Vejamos estes excertos, com outros empregos do ponto:

Matar, matar, sangue manda sangue. Assim nós dois


esperávamos ali, nas cabeceiras da noite, junto em junto.
Calados. Me alembro, ah. Os sapos. Sapo tirava saco de sua
voz, vozes de osga, idosas. Eu olhava para a beira do rego.
[...] E eu tinha medo. Medo. Medo em alma. (Grande Sertão:
Veredas, p. 26)
Seja, o que se diz: a carta errada, do ano passado, desta vez
era um trunfo! Donde bem, e sei; ah. (“A estória do homem
do pinguelo” p. 823)
Eh, bicho burro! Mas mecê pode falar que ela é burra não, eh.
Eu posso. (“Meu tio o Iauaretê” p. 839)

Vejamos, primeiramente, o emprego da interjeição ah. Como sabemos,


essa palavra expressa a emoção do sujeito da enunciação. Por esse motivo, via
de regra, a palavra vem acompanhada pelo ponto de exclamação e, na cadeia
falada, ocorre maior inflexão de voz. Nesses exemplos, à interjeição se segue
o ponto final ou ponto parágrafo. O autor, ao empregar esse tipo de
pontuação, rompe com o uso automatizado dos sinais de pontuação, causando
certo estranhamento no leitor. Vemos, nos exemplos, uma queda na curva
entonacional depois da interjeição. Na primeira passagem, a colocação do
ponto está adequada ao contexto, com uma pausa que dá margem a uma série
de outras evocações. Alguns fatos que surgem na lembrança são verbalizados,
outros são silenciados pela pausa do ponto. As reticências poderiam,
perfeitamente, aparecer no lugar do ponto, nesse contexto.

No segundo exemplo, toda a carga de emoção acompanha a oração


anterior, em que o personagem faz sua descoberta. A oração onde se encontra
a interjeição finalizada pelo ponto dá condições à mente para que surjam
outras figuras associadas ao contexto.

O ponto que acompanha a interjeição mostra também certa carga de


emoção, pois uma ofensa ao animal traria tristeza ao sujeito do enunciado. Por
isso, ocorre uma queda na curva entonacional da fala.
126

Vemos, portanto, que o ponto tem a função de expressar a emotividade


do personagem, nesses trechos. O ponto teria, em potencial, tudo o mais que
poderia ser dito para completar a indignação de quem emite a frase.

Nessas passagens, ocorrem outros empregos do ponto que merecem


comentário. No primeiro exemplo, há uma seqüência de palavras soltas,
delimitadas pelo ponto. O adjetivo calados aparece destacado pela intenção
do narrador em dar ênfase a esse detalhe importante para compor o cenário
tomado pelo coaxar dos sapos, em que a expressão os sapos é destacada em
tópico, assim como a palavra medo, também delimitada pelo ponto. O ponto
nessa passagem tem o valor de um índice que interrompe os enunciados,
auxiliando a mente a fazer as associações formadoras de sentido do trecho. Há
um grande contraste na passagem, onde se percebe o silêncio dos jagunços em
oposição ao barulho produzido pelos sapos. Outra oposição é a alegria dos
animais incompatível com o sentimento de medo experimentado pelo
narrador, possivelmente, por todo o bando.

Vejamos o próximo emprego do ponto:


Mas, agora, eu afirmo: Zé Bebelo é homem valente de bem, e
inteiro, que honra o raio da palavra que dá! Aí. E é chefe
jagunço, de primeira, sem ter ruindades em cabimento, nem
matar os inimigos que prende, nem consentir com eles se
judiar... (Grande Sertão: Veredas, p. 208)
Nesse exemplo vemos o marcador discursivo aí segmentado pelo
ponto, cuja função é reforçar a posição enfática do narrador. Essa palavra
promove uma quebra no ritmo acelerado da narrativa, onde se encontra
inclusive rima, causando certo atropelo na leitura oral da passagem, pela
mudança brusca na entonação. Iconicamente há um grande contraste, pois
essa expressão se insere entre dois períodos longos. O ponto sugere idéias
inexprimíveis, captáveis pelo raciocínio do leitor. Poderíamos também pensar
na possibilidade de o marcador conversacional estar deslocado da oração
anterior.

Temos nestes exemplos, mais um tipo de emprego do ponto. Vejamos:

Isso, para ele era fritada de meio ovo. O que porém bem. (—
“Uai, eu?”, p.177)
127

Pois, por exemplo: o dia deu-se. Foi sendo que. (idem, p.178)
E eu mesmo entender não queria. Acho que. (Grande Sertão:
Veredas, p. 114)
Depois, enxeriu que eu falasse discurso também. Tive de.
(Grande Sertão:Veredas, p. 104)

Esses trechos mostram que o ponto finaliza frases truncadas, refletindo


a própria fala do homem típico do sertão, com uma linguagem tosca do
sertanejo, muitas vezes, incapaz de verbalizar uma sentença coerente com as
regras da sintaxe. Discursivamente, essas formas segmentadas pelo ponto têm
a função de mostrar a fala típica do homem interiorano, cuja função se
concretiza, que é a de comunicar algo. O resto da oração é completado, quem
sabe, pelas inferências do interlocutor. Semioticamente, o leitor reconstrói em,
na tela mental, a figura do personagem.

Como vimos, Guimarães Rosa, no emprego do ponto, redimensiona o


uso desse sinal, atribuindo-lhe novos valores. Como resultado, vemos
interessantes efeitos não só na escrita como também na significação do texto.

De acordo com os exemplos vistos, o ponto pode dar um realce


particular a um enunciado e pode também substituir os dois-pontos, as
reticências e, até mesmo, sinais que denotam maior expressividade como o
ponto de exclamação.

Vejamos outros exemplos deste capítulo:

Uma porteira. mais porteiras. os currais. Vultos de vacas


debandando. A varanda grande. Luzes. Chegamos. Apear.
(“Minha gente”, p.185)
— E, é. Quiser dar o recado, dá. Não quiser, faz de conta.
Apitou. O trem. (“A volta do marido pródigo” p.86)
Silêncio. Passopretos. Silêncio. Ciscado das galinhas.
Passopretos. Silêncio. Primo Ribeiro:
— Primo Argemiro! (“Sarapalha”, p.124)
O emprego de frases justapostas é um processo de grande freqüência
na obra de Guimarães Rosa. Esse procedimento dá progressão à narrativa,
causando um efeito intensivo no contexto. É muito comum essa técnica nas
narrativas tradicionais dos contadores de histórias, com frases nominais e
128

orações incompletas. Esse processo é responsável pela formação de quadros


que recriam as cenas em nossa mente. Em termos discursivos, esse tipo de
escrita atinge mais diretamente o leitor, tornando o enunciado mais sintético.
O leitor é responsável pela formação dos enunciados.

Podemos observar, ainda, nesses exemplos, que a pontuação forma


uma cena teatral, fazendo a marcação dos elementos que vão sendo dispostos
sucessivamente como objetos.

Este exemplo mostra um emprego bem sugestivo do ponto:

Mecê é homem bonito, tão rico. Nhem? Nhor não. Às vez. Aperceio.
Quage nunca. Sei fazer, eu faço: faço de caju, de fruta do mato, do
milho. Mas não é bom, não. Tem esse fogo bom bonito, não. Dá
muito trabalho. Tenho dela hoje não. Tenho nenhum. Mecê não
gosta. É cachaça suja, de pobre...(“Meu tio o Iauaretê”, p. 825)
Vemos, no excerto, a predominância do ponto. Esse signo transporta o
leitor/ouvinte para a situação de enunciação. O ponto é empregado
estrategicamente para indicar as pausas, com curva descendente, na língua
oral. O sinal de pontuação indica também que o personagem, na incapacidade
de formular uma frase mais elaborada, apela para enunciados curtos,
sintéticos. Os silêncios provocados pelo ponto podem sugerir, ainda, a
intenção do onceiro de ganhar tempo para conquistar a confiança de seu
interlocutor.

Observe-se a última passagem selecionada para análise:

De antemão: — Não. De nenhuma ambicionice ou


mesquinhez se nos acuse, a nós, gente de casta, neste mundo
bom que Deus governa; nós outros, os Dandrades Pereiras
Serapiães, anchos em feliz fortuna e prosápia, como as uvas
que num cacho se repimpam. (“Os chapéus transeuntes”, p.
745)
O advérbio destacado pelos dois-pontos, no excerto seguinte poderia
ser visto como um tópico, embora separado por ponto da frase seguinte. Essa
palavra, que recebe um ponto está relacionada ao período seguinte. Essa
construção antecipa para o leitor parte do sentido daquilo que vai ser dito.
129

5.5.1.Conclusão

O ponto é um sinal, com valor indexical, de grande produtividade na


obra de Guimarães Rosa, sobretudo, para segmentar as frases nominais, que
aparecem em abundância na obra. Essas frases se aproximam da escrita
telegráfica.

Por meio da pontuação é possível ao leitor dar um acabamento a essas


palavras para que se estabeleçam nexos com a narrativa. Essa escrita
telegráfica possibilita ao leitor, ainda, que estabeleça associações da narração
ou descrição de cenas com uma câmera que se movimenta e se detém no foco
da narrativa.

O quadro que se segue faz um resumo dos valores que o ponto pode
adquirir nos enunciados

VALOR EXEMPLO OBRA PÁ VALOR SEMIÓTICO FUNÇÃO


FUNCIONAL GINA TIPO INTERPRETAÇÃO DISCURSIVA

SÍGNICO
demarcação Mas. Desenredo 39 índice criação de visão crítica
de parágrafos Deu-se a entrada expectativa do narrador
dos demônios.
Dedicou-se a
endireitar-se.
Mais.

demarcação A vida, como Quadrinho 122 índice síntese conceitual ponto-de-vista


de parágrafos não a temos de estória do episódio do narrador
anterior
Segmentação (...)A gente Soroco, 13 índice correspondência emoção do
de orações reparando, sua mãe, entre a pontuação e personagem
notava as sua filha uma câmera
diferenças.
Soroco
Substitição Cuidava dos Campo 505 índice enumeração os emoção do
dos dois- outros medos. Geral medos do menino personagem
pontos
Das almas. Do
lobisomem
ponto-final Baiano, barba Grande 393 índice descrição do narração/
piassaba; goiano Sertão: personagem
descrição sob
baiano. O pobre, Veredas segmentada em
a ótica do
que não tinha as pontos
narrador
três espigas de
milho em seu
paiol.
130

Ponto-final Tinha medo até Uma 557 índice quebra da dois planos
do céu. Morreu estória de expectativa na textuais
amor construção do
personagem
ponto-final — Nonada. Grande 9/460 índice sugestão de participação
Sertão: pensamento difusos do leitor na
Travessia.
Veredas composição
e incompletos
da obra
ponto-final No Urubuququá. Cra-de- 73 índice oposição Fazenda delimitação
Bronze Urubuquaquá e de dois planos
No
Gerais espaciais
Urubuquaquá,
não.
ponto- final Ia haver festa. Uma 543 índice roteiro do foco da descrição
estória de narrativa espacial
(...)Na Samarra.
amor
ponto- final E eu tinha medo. Grande 26 índice Frases nominais participação
Medo. medo em sertão: que induzem o do leitor na
alma. Veredas leitor a identificar construção do
os contrastes. sentido
ponto-final O que porém - Uai, eu? 177 índice frases truncadas mostrar a fala
bem. típica
sertaneja
Foi sendo que.
ponto-final A varanda Minha 185 índice frases telegráficas participação
grande.
gente do leitor
Chegamos.
Apear

5.6. O emprego do ponto-de-interrogação

Como sabemos, é nítida a influência dos trovadores e jograis da Idade


Média na obra de Guimarães Rosa. Talvez, deva-se a esse fato a figura
constante do narrador-personagem, típico contador de “causos” ou de um
narrador porta-voz de outro narrador, contador da história oralmente
imaginada. Vê-se, nas histórias rosianas, a utilização de uma série de recursos
expressivos por meio da fala e de outros meios de expressão do próprio corpo
desse contador de casos.

A utilização de vários recursos no processo de recriação e montagem


dos casos exige a total participação do leitor, tanto na construção mental das
cenas como na “imaginação auditiva” (cf. Paulo Rónai:1978), para a
construção de seus vários e possíveis sentidos.
131

Nas narrativas rosianas, as interpelações do narrador a seu ouvinte são


feitas de forma tão contundente que realidade e ficção se confundem,
sobretudo nas passagens reveladoras do eterno conflito do personagem
rosiano, que não tem certeza de coisa alguma, mas busca incessantemente
uma resposta.

Devido à presença desse narrador que está sempre diante de um outro,


a quem interpela e com quem dialoga, o ponto-de-interrogação, tem grande
freqüência no texto rosiano, funcionando como guia de leitura.

Em Grande Sertão: Veredas, o narrador está sempre à espera de uma


possível definição.

Vejamos algumas passagens da obra:

A fantasia, minha agora, nesta conversa — o senhor me atalhe.


Se não, o senhor me diga: preto é preto? branco é branco? Ou:
quando é que a velhice começa, surgindo de dentro da
mocidade. (p. 188)
O diabo existe e não existe? (p.11)
Viver nem não é muito perigoso? (p.30)

Esse outro, na narrativa rosiana, vem a ser também o seu leitor. Este
tem acesso às narrativas na forma de texto escrito e precisa recuperar a força
da voz nessa matéria escrita, caso contrário, terá dificuldade de compreensão.
De acordo com Machado e Pereira (2001, p.77), “essa espécie de tradução da
vocalidade para a letra, da fala do contador para o texto escrito, denota o
trabalho que o autor empreendeu artesanalmente, com o cuidado de não
perder o calor da voz na frieza do papel”. É necessária também a tradução no
sentido inverso, que recupera o sentido sonoro, na pronúncia, mesmo que seja
mental, dessa voz presente no texto.

As construções das situações são feitas com tamanha habilidade que


imagens riquíssimas se fixam em nosso pensamento, reconstruindo o que a
voz presente na escrita nos sugere.

No conto “Meu tio, o Iauaretê” (in Estas estórias,1995) o autor faz o


uso contínuo da interrogação. A conversa de um onceiro com um
132

desconhecido, que nunca se manifesta, promove o desenvolvimento da


narrativa.

Ã-hã, preto vem mais não. Preto morreu. Eu cá sei? Morreu,


por aí, morreu de doença. [...] (p. 825)
Mecê acha que eu pareço onça? Mas tem horas em que eu
pareço mais. Mecê não viu. (p. 833)
No conto “Nenhum, nenhuma” (in Primeiras estórias,1978), o
personagem transfere para ouvinte/leitor sua indagação:

Porque eu desconheci meus Pais — eram-me tão estranhos;


jamais poderia verdadeiramente conhecê-los, eu; eu? (p.50)
Essa passagem encerra a história, em que o narrador chega ao final do
conto sem uma resposta para sua pergunta. A interação do narrador com o
leitor provoca o surgimento de sugestões de conclusões inacabadas, na mente
interpretadora, pois também não há certeza de nada.

Em certas passagens é mais nítida a figura do interlocutor na narrativa:

O senhor mais queria saber? Não. Eu sabia que não. (Grande


Sertão:Veredas, p. 176)
Nessa passagem, o narrador repete a possível resposta do outro e dá
prosseguimento à conversa.

Em outras passagens, o próprio narrador responde às suas perguntas:

Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava,


nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém
de doido. (“A terceira margem do rio”, p. 31)

Pelas interpelações do narrador ao interlocutor e pela grande


quantidade de diálogos, o ponto de interrogação tem grande freqüência na
obra de Guimarães Rosa. As perguntas, geralmente, retóricas, aparecem até
mesmo em título: “— Uai, eu?” (in Tutaméia, 1967). Em “Desenredo”(p. 38-
40), conto que faz parte da mesma obra, esse tipo de indagação é responsável
pela progressão do texto.

Vejamos estes exemplos:

Com elas quem pode, porém?


Todo fim é impossível?
133

Sempre vem imprevisível o abominoso?


Crível?
Incrível?
Mais certa? (p.38-40)

As perguntas de caráter irônico, com função de chamar a atenção do


leitor/ouvinte para um novo evento, são calculadas pelo narrador com o
objetivo de encaminhar a opinião desse interlocutor a respeito dos
acontecimentos. Essas perguntas também representam índices de que a
narrativa vai tomar um novo rumo.

Podemos observar que os empregos do ponto-de-interrogação vistos


nos exemplos anteriores estão de acordo com a norma da língua. Sentimos,
entretanto, necessidade de fazer um rápido comentário sobre a importância
desse sinal no conjunto da obra rosiana.

As frases interrogativas, muitas vezes truncadas e entrecortadas,


definem um discurso que se dá como linguagem falada.

Observem-se estes exemplos:

a) [...] Só o que me consolava era ter havido aquele julgamento,


com a vida e a fama de Zé Bebelo autorizadas. O julgamento?
Digo: aquilo para mim foi coisa séria de importante. (Grande
Sertão:Veredas,p.216)
b) [...] De como me vi, sutil assim, por tantas cargas d’água. No
engano sem desengano: o de aprender prático no desfeitio da
vida.
Sorte? A gente vai — nos passos da história que vem. (“—Uai,
eu?”, p.177)
e) Bem, mas o senhor dirá, deve de: e no começo — para pecados
e artes, as pessoas— como por que foi que tanto emendado se
começou? Ei, ei, aí todos esbarram. (Grande Sertão:Veredas,
p. 14)

Nos exemplos (a) e (b), o autor utiliza a tendência da fala popular de


dar pouca importância aos elementos introdutórios das orações, tornando a
palavra-chave o foco da informação.

No exemplo (a), a frase interrogativa é um recurso retórico empregado


pelo narrador, cuja função é chamar a atenção do ouvinte para o assunto sobre
134

o qual vai discorrer. O ponto-de-interrogação tem um valor de índice, pois dá


pistas ao interlocutor para o que se segue.

No segundo exemplo, o ponto-de-interrogação é empregado com a


intenção de levar o interlocutor à reflexão. Esse sinal representa um índice
sugestivo que transforma os fatos em idéias, criando no ouvinte um tecido de
pensamentos em torno do fato em questão.

O fluxo da fala que impõe, geralmente, um ritmo próprio à seqüência


frasal, na obra rosiana, cria dificuldades para fazermos uma citação, sendo
necessário retirar o que imaginamos ser o início de uma nova seqüência de
fala.

Os trechos selecionados compreendem, muitas vezes, mais de um


parágrafo, pelo fato de sentirmos que o exemplo ficaria incompreensível caso
focalizássemos somente a parte do comentário.

No exemplo (c), a forma do enunciado retrata seu sentido, em que a


interrogação fecha uma oração que emenda mais de uma pergunta, mostrando
a própria confusão mental do narrador na elaboração do(s) enunciado(s). Esse
sinal de pontuação funciona como um sinalizador das inflexões do raciocínio
do narrador, que, por meio de sua verbalização, espera o auxílio do ouvinte
nessa organização.

Para o autor, a ditadura idioma era capaz de cercear o processo de


criação. Em carta (3/12/1964), justificava sua escrita como uma reação ao
lugar-comum e como uma forma de falar ao inconsciente e até atingir o
supraconsciente do leitor. Este, ao ser atingido, participaria do processo de
construção de sentido do texto.

Este trecho mostra outro tipo de emprego do ponto-de-interrogação:

[...] Mau não sou. Cobra? — ele disse? Nem cobra serepente
malina não é. Nasci devagar. Sou é muito cauteloso. (Grande
Sertão:Veredas, p. 138)

Nesse excerto, o autor procedeu de forma inversa, ao desmembrar a


oração interrogativa em duas frases finalizadas pelo sinal de pontuação.
135

Podemos notar que foram suprimidos o verbo e a conjunção, restando apenas


as palavras indispensáveis para a compreensão do enunciado.

A leitura oral do enunciado obriga o leitor a fazer uma entonação


ascendente duas vezes, sem contar com as pausas mais demoradas. Por ser a
pontuação um código semiótico, os fatos da oralidade são evocados na leitura
silenciosa. Desse modo, esses elementos acompanhados pelo ponto-de-
interrogação têm valor de índice do sentimento de surpresa, levando o sujeito
da enunciação a segmentar o enunciado. Discursivamente, esses sinais
promoveram um desequilíbrio na narrativa e expressam a surpresa do
narrador ao tomar conhecimento do julgamento recebido. A linguagem, nesse
excerto, é responsável pela formação de quadros imagéticos, em que o leitor
procura formar um nexo para os enunciados, muitas vezes, considerados
desconexos pelo leitor.

Observemos outro exemplo de emprego do ponto-de-interrogação:

[...]E se eu quiser fazer outro pacto, com Deus mesmo —


posso? — então não desmancha na rás tudo o que em antes se
passou? Digo ao senhor: remorso? Como no homem que a
onça comeu, cuja perna. Que culpa tem a onça, e que culpa
tem o homem? [...] (Grande Sertão:Veredas, p. 237)

Esse trecho, parte de um parágrafo que ocupa três páginas, mostra um


excesso de pontos-de-interrogação. Sentimos necessidade de fazer um
comentário sobre apenas um emprego, pois os outros estão previstos pela
gramática normativa. O terceiro emprego do ponto-de-interrogação: “Digo ao
senhor: remorso?” é bem peculiar à escrita rosiana, em que se vê apenas a
presença da palavra-chave, com a elipse do verbo. O sinal de pontuação, com
função argumentativa, guarda relação com o que foi dito anteriormente. O
narrador tenta justificar-se pelo que já foi dito. Esse raciocínio do narrador se
assemelha à abdução de que fala Peirce, ou seja, o narrador levanta uma
hipótese explicativa para o fato de querer fazer um pacto também com Deus.

A leitura do texto rosiano deve ser feita em voz alta para que as
inflexões da fala sejam recuperadas, e sua compreensão seja facilitada, como
vemos neste exemplo:
136

Pediu: se podia vir à garupa, em vez de ir no arção?


(“Nenhum, nenhuma”, p. 50)

Temos nesse trecho um exemplo do discurso indireto livre, em que a


voz do narrador se mistura com a voz do personagem. O ponto-de-interrogação
é um índice da voz do personagem. Com isso, simbolicamente, a narração torna
o evento relatado mais próximo do leitor, dirigindo a retina mental para o fato
em si.

Temos nestes trechos outros exemplo do emprego do ponto-de-


interrogação:

O senhor sabe?: não acerto no contar, porque estou remexendo


o vivido longe alto, com pouco caroço, querendo esquentar,
demear, de feito, meu coração, naquelas lembranças. (Grande
Sertão:Veredas, p.135)
Fomos. Fui. Para o recanto duma janela, nesse comenos. A pra
efetuar fogo. A ordem não era-de? (Grande Sertão:Veredas,p.
277)
No primeiro exemplo, a pontuação indica que temos duas frases dentro
de uma. A leitura oral desse trecho exige um certo malabarismo vocal, pois,
além de uma entonação ascendente, é necessário deixar a voz em suspensão
devido aos dois-pontos. Discursivamente, houve a intenção do narrador de
deixar bem marcada a interpelação ao interlocutor. Esse ponto de interrogação
sugere o som da voz do narrador, reforçando o caráter oral da narrativa.

No segundo exemplo, o ponto de interrogação auxilia o leitor a


completar a oração, além marcar a posição do sujeito de se eximir da
responsabilidade da ação, deixando suspenso um certo julgamento. A
diagramação textual apresenta analogia com o raciocínio do personagem.

A dupla interrogação é também um recurso empregado pelo autor,


como vemos neste trecho:

...Bom, eles trancaram o Tião. De certo que eles bateram


também no Tião. Mas, e depois? seu moço?!... (“São
Marcos”, p.235)
Temos, no excerto anterior um interessante efeito de sentido causado
pela repetição do ponto-de-interrogação. Como índice de leitura, o sinal de
137

pontuação expressa a grande carga de emotividade do personagem diante do


problema relatado. Vemos que o último ponto-de-interrogação é
acompanhado também do ponto-de-exclamação, que acrescenta mais uma
informação ao enunciado. No desenho do texto vemos que os dois sinais de
pontuação isolam a expressão que representa a autoridade. Esse índice remete
o leitor à figura do personagem pressionando seu interlocutor a dar uma
solução para o caso que tanto o preocupava.

O sinal de pontuação na frase se assemelha a uma notação musical de


transcrição da melodia que se observa na fala, pois, na verdade, nesse tipo de
construção, fazemos uma curva ascendente.

Vejamos o último exemplo:

[...] Acabar com o Hermógenes! Assim eu figurava o


Hermógenes: feito um boi que bate.[...] Assim neblim-neblim,
mal vislumbrado, que que um fantasma? E ele, ele mesmo, não
era que era o realce meu —?— eu carecendo de derrubar a
dobradura dele; para remedir minha grandeza façanha! (Grande
Sertão:Veredas, p.409)

Segundo Catach (1980), um sinal de pontuação pode ter o valor de um


morfema. Esse tipo de sinal, que vale como uma palavra, está ligado à língua
e à tipografia. Esse trecho mostra a eloqüência de Riobaldo ao relatar o
episódio, em que teve a oportunidade de matar o jagunço mais temido das
Gerais.

O ponto-de-interrogação entre os travessões indica não só uma


indagação retórica, mas uma série de indagações, cabendo ao ouvinte/leitor,
que tem conhecimento de todos os fatos que envolvem a figura desse homem
tão temido, dar continuidade ao discurso do narrador. Portanto, esse sinal de
pontuação, com valor de índice, cria um tecido de pensamentos relacionados
ao episódio.
138

5.6.1. Conclusão

O narrador das histórias de Guimarães Rosa se assemelha ao contador


de histórias, que com grande conhecimento das técnicas da retórica, torna
vivos os personagens e dá grande dinamismo aos episódios.

Por isso, o ponto-de-interrogação tem um papel de grande importância


em seu projeto de escrita. Há interessantes efeitos presentes nos texto, a partir
do emprego da pontuação. No entanto, o emprego desse sinal na escritura
rosiana está mais ligado à norma da língua.

Observemos a seguir o quadro resumitivo do ponto-de-interrogação,


para que tenhamos uma visão geral de seu emprego.

VALOR EXEMPLO OBRA PÁGI VALOR SEMIÓTICO FUNÇÃO


FUNCIO- NA TIPO INTER- DISCURSIVA
NAL SÍGNICO PRETA-
ÇÃO
pergunta O diabo existe Grande 11 índice sugestão da chamar
retórica e não existe? Sertão: voz do atenção do
Veredas narrador interlocutor
Porque eu Nenhum, 50 índice conclusões participação do
desconheci nenhuma inacabadas leitor
meus Pais — eram-
me
tão estranhos;
jamais poderia
verdadeiramente
conhecê-los, eu;
eu?
Com elas quem Desenre- 38-40 índice índices de encaminhamento
pode, porém? Todo do aconteci- da opinião do
fim é impossível? mentos que leitor
Sempre vem mudarão o
imprevisível o rumo da
abominoso? história
Crível? Incrível?
Mais certa?
Sorte? A gente vai —Uai, eu? 177 índice presença da levar o
— nos passos da palavra- interlocutor à
história que vem. chave para reflexão
despertar
uma cadeia
de sugestões
desmem- Cobra? — ele Grande 138 índice formação de desequilíbrio da
bramento disse? Sertão: quadros narrativa
de uma Veredas imagéticos
oração em que dão
duas nexo `a
frase
elipse do Digo ao senhor: Grande 237 índice raciocínio tentativa de
verbo remorso? Sertão: difuso justificativa
Veredas
139

dupla Mas, e depois? seu São 235 índice quadro estado de tensão
interroga- moço?! Marcos mental da do personagem
ção situação de
indagação
pergunta O senhor sabe?: Grande 135 índice sugestão da destaque à
retórica não acerto no Sertão: voz do interpelação ao
contar, porque Veredas narrador interlocutor
estou remexendo o
vivido longe
alto,[...]
discurso Pediu:se podia vir Nenhum, 50 índice tornar viva fala do
indireto à garupa, em vez nenhuma mais personagem
livre de ir no arção? próxima a
cena narrada
substitui- E ele, ele mesmo, Grande 409 índice formação da indagação
ção de não era que era o Sertão: indagação
uma realce meu— ? — Veredas pelo
palavra eu carecendo de contexto
derrubar a
dobradura dele

5.7. O emprego do ponto-de-exclamação

Na obra de Guimarães Rosa, o narrador, freqüentemente, não escreve,


porém conta oralmente suas histórias. Por esse motivo, as narrativas são,
geralmente, em primeira pessoa. Esse narrador se expande em outro que ouve,
seu interlocutor que recebe a narrativa, que vem a ser também o leitor.

Devido às centenas de falas, conversas, fragmentos de discursos, o


ponto-de-exclamação é de grande proveito para o autor. Esse sinal de
pontuação estabelece um nexo entre o dito através da escrita e as situações
que envolveriam a emissão da frase na oralidade.

Na obra rosiana observam-se centenas de falas em que o ponto-de-


exclamação promove interessantes efeitos no texto.

Vejamos algumas passagens que ilustram nosso ponto-de-vista:


Mecê tá doido?! Atiê! Sai pra fora, rancho é meu, xô!
Atimbora! (“Meu tio o Iauaretê”, p.852)
O jagunço Riobaldo. Fui eu? Fui e não fui! — porque não
sou, não quero ser. Deus esteja! (Grande Sertão: Veredas, p.
166)
Esses trechos, pontuados de acordo com a tradição gramatical,
mostram que o autor obtém interessantes efeitos de sentido com o auxílio dos
signos. O ponto-de-exclamação remete o leitor ao envolvimento com o qual o
140

narrador constrói o objeto de sua fala. Isso faz com que o leitor recupere o
contexto em que se desenvolve a fala do personagem.

No primeiro exemplo, vemos o emprego do ponto-de-exclamação


conjugado ao ponto-de-interrogação, revelando uma pergunta retórica
carregada de grande indignação do personagem. Os vários pontos-de-
exclamação dão um efeito cumulativo do tom enérgico da ordem expressa
pelo matador de onças.

No segundo exemplo, vemos também o tom enérgico do narrador,


numa tentativa de encobrir, no discurso, sua confusão mental. A segunda frase
exclamativa revela uma estratégia de encerrar um assunto delicado para esse
indivíduo. A entonação que surge com grande vigor, até mesmo mentalmente,
traz a cena narrada ao leitor.

Na reconstrução da cena, o ponto-de-exclamação, com valor indicial,


resgata na narrativa os movimentos corporais, como mostram os exemplos a
seguir:

Depois o calundu sungou a cabeça, e o sangue subiu atrás, num


repuxo desta altura: ...!... (“O burrinho pedrês”, p.43)
Nesse trecho, a exclamação, auxiliada pelas reticências, reconstrói, na
superfície do texto, o quadro em que se desenvolve esse acontecimento, com
toda a gestualidade do narrador. Vemos que o dinamismo da cena, transmitido
pela pontuação, procura convencer o leitor sobre a singularidade do evento.

Vejamos outro exemplo do valor expressivo do ponto-de-exclamação:

Pai soubesse que ele tinha conversado com Tio Terez? Aí,
mortes! —? Rezava. (“Campo geral”, p.505)

Nessa parte da narração, temos um exemplo de discurso indireto livre,


em que vemos, pela voz do narrador, também a fala do personagem,
amedrontado pelas prováveis conseqüências de seu ato. A sintaxe telegráfica
da frase reflete a fusão da forma e do conteúdo. A impossibilidade do
personagem de elaborar uma frase completa é suprida pelo ponto-de-
exclamação, que leva o leitor a dar completude à situação sugerida pela
palavra-chave.
141

O emprego do ponto-de-exclamação deste trecho é bem original:

Notei que os companheiros reparavam a estranheza daquilo,


dos cavalos e as minhas maneiras. Só que se riam, formados no
costume de jagunços, que é de frouxas essas leviandades. —
“Barzabu!”— ô gente!, feito fosse minha certeza, o Das-
Trevas. E eu parava, rente, no meio de todos, que de volta
aceitavam minha presença, esses cavalos. (Grande
Sertão:Veredas, p.325)

Nesse trecho, vemos a segunda exclamação acompanhada pela vírgula.


O ponto-de-exclamação tem a função de expressar a crítica do narrador ao
comportamento dos companheiros. Acreditamos que a presença da vírgula se
deva ao fato de marcar a continuidade do período que teve início no primeiro
travessão. A exclamação, desse modo, funciona como índice de um
comentário com muita expressividade, que não se inclui na narrativa.

Vejamos outro exemplo do emprego especial do ponto-de-exclamação:

E estrondeou aí foi então do pacato do aro: — Ô de casa! —


varandando-a até à cozinha onde sobreditamente se fitavam
Joãoquerque e Mira, que tremeram tomando rebate.
Ô! Renovou-se abrupto o brado, esmurrada a porta, ouvida
também correria na rua, após estampido de arma, provável à
boca. (“Estória nº 3”, p.49)
O chamamento que aparece no segundo parágrafo é parte da mesma
voz que figura em itálico e entre travessões. Vemos, no entanto, que a
interpelação se mistura à fala do narrador. O caráter indexical do ponto-de-
exclamação conduz o leitor a identificar a origem dessa voz.

Temos, neste exemplo, uma mostra da concisão do autor:

[...] E eu peguei puxei o corpo apenas para não ficar em cima


dum vestígio de lama – porque ali de noite tinha chovido; e
Diadorim panhou o chapéu-de-couro, com o qual tapou o
rosto do dono. A paz no Céu ainda hoje-em-dia, para esse
companheiro, Marcelino Papa, que de certo dava para grande
homem-de-bem, caso se tivesse nascido em grande cidade. Ah
pá-pá! falei fogo. Aquilo em volta se arrebentava, balalhava.
(Grande Sertão: Veredas, p.441)

Geralmente, a interjeição é acompanhada da exclamação, mas o autor


inovou, ao pontuar somente a onomatopéia que se segue. O efeito causado na
142

leitura oral é de aceleração da narrativa, o que acontece também no início da


citação, onde se nota a ausência de conectivo ou pontuação. O exemplo
mostra que a forma se ajusta ao conteúdo, já que não havia tempo de se fazer
uma pausa nem ao menos para expressar a dor pela perda do companheiro. A
urgência era de atirar e não de lastimar. O ponto-de-exclamação é um índice
que sugere ao leitor as relações internas do evento narrado.

Vejamos a expressividade deste exemplo:

Tempo me mediu. Tempo? Se as pessoas esbarrassem, para


pensar — tem uma coisa! — : eu vejo é o puro tempo vindo de
baixo, quieto mole, como a enchente duma água... (Grande
Sertão:Veredas, p.445)

Nesse trecho, temos a conjugação de três sinais de o pontuação: o


travessão duplo, os dois-pontos e o ponto-de-exclamação. Dessa forma, nossa
tarefa de leitores é detectar as três informações presentes na passagem.
Primeiramente, o travessão duplo sinaliza a mudança brusca do rumo do
enunciado, como se o narrador visse urgência , por isso, a presença do ponto-
de exclamação. Com isso, a frase inicial não é concluída e sobrepõe-se a ela a
frase exclamativa, entre parênteses. Finalmente, os dois-pontos anunciam a
outra frase em tom reflexivo. Podemos reconstruir a situação de produção dos
enunciados pela pontuação: o narrador inicia um comentário e lhe surge à
mente outra idéia, considerada mais clara, que é evidenciada por meio dos
parênteses. O ponto-de-exclamação indica a excitação do personagem no
momento do surgimento do pensamento.

Selecionamos outra passagem onde se vê a presença do ponto-de-


exclamação. Vejamos:

—Diz-se que, lá na cadeia do arraial, os soldados fizeram


graça... Diz-se quê, não! me arrependo: eles fazem mesmo.,
eu sei, porque também já estive lá (...) (“São Marcos”, p.235)
Nesse trecho, vemos o emprego expressivo da exclamação. O sinal de
pontuação indica a interrupção brusca da fala do personagem. Este inicia uma
declaração e repentinamente, tomado de emoção, decide substituir por outra mais
verdadeira.
143

Observemos o último exemplo do emprego do ponto-de-exclamação:

A gente disparava dentro dos quintais, avançávamos. E de


detrás das casa. E guardávamos o emboque da rua. Diz que lê?;
diz-que escreve! Tiro ali era máquina.(Grande Sertão:Veredas,
p. 440
Vemos que no mesmo período aparecem dois tipos de frases separadas
pela vírgula. Esse tipo de construção pode ser visto como um recurso retórico,
em que o narrador faz uma pausa na narrativa para se dirigir ao ouvinte, com
o objetivo de encaminhar sua reação e sua avaliação ao fato que está sendo
relatado. Vemos que a exclamação determina ao ouvinte uma ação de
registrar o que ouve. Acreditamos também que o narrador interrompe a
narrativa com a intenção de reforçar a importância de seu papel, pois, graças a
ele, a história se desenvolve. Podemos dizer, portanto, que a exclamação,
unida à interrogação, recupera a figura do narrador como sujeito da
enunciação.

5.7.1. Conclusão

Embora haja, na prosa rosiana, uma infinidade de empregos de ponto-


de-exclamação, em construções bem originais, reconhecemos que o autor
emprega esse sinal sem grande liberdade. Muitas vezes nos sentíamos
tentados a fazer uma citação de alguma passagem interessante, porém éramos
forçados a não aproveitar o exemplo, pelo fato de o emprego da pontuação
fugir ao propósito da pesquisa, que é analisar a pontuação que foge da norma.

O quadro seguinte mostra uma síntese do que vimos de uso não-


gramatical do ponto-de-exclamação nas obras selecionadas do escritor.

VALOR EXEMPLO OBRA PÁ- VALOR SEMIÓTICO FUNÇÃO


FUNCIONAL GINA TIPO INTERPRE- DISCURSIVA
SÍGNICO TAÇÃO
expressividade Mecê ta doido?! Meu tio 852 índice expressão de
Atiê! Sai pra o reconstrução indignação
fora, rancho é Iauaretê do evento na
meu, xô! mente do
Atimbora! leitor
144

O jagunço Grande 166 índice formação do tentativa de


Riobaldo. Fui eu? Sertão: quadro encobrir uma
Fui e não fui! — Veredas imagético que dificuldade
porque não sou, sugere a
não quero ser. dificuldade de
Deus esteja! raciocínio
(Grande
Sertão:Veredas,
p. 166)

Depois o calundu O 43 índice reconstrução convencimento


sungou a cabeça, burrinho da mímica do interlocutor
e o sangue subiu pedrês na retina
atrás, num repuxo mental
desta altura: ...!...

Pai soubesse que Campo 505 índice pensamento presença de duas


ele tinha geral inconcluso vozes
conversado com discursivas
Tio Terez? Aí,
mortes! —?
Rezava.

. —“Barzabu!”— Grande 325 índice formação crítica


ô gente!, feito Sertão: imagética da
fosse minha Veredas situação de
certeza, o Das- produção do
Trevas. enunciado
— Ô de casa! Estória 49 índice identificação presença de
[...] Ô! Renovou- n.3 das vozes pela vários planos
se abrupto o pontuação discursivos
brado. [...]
Ah pá-pá! falei Grande 441 índice marca do convencimento
fogo. Aquilo em Sertão: vigor da sobre a
volta se Veredas situação gravidade da
arrebentava, situação
balalhava.
. Diz que lê?; diz- Grande 440 índice presença do estratégia de
que escreve! Tiro Sertão: narrador convencimento
ali era máquina. Veredas

5.8. O emprego das reticências

Assim como encontramos um número pequeno de usos especiais do


ponto-de-exclamação, também detectamos poucos empregos não-gramaticais
das reticências na obra rosiana.

Pelo fato de a o autor recriar a fala do sertanejo em sua obra, é intenso


o uso das reticências. Há construções bastante criativas; porém, como nosso
propósito é a observação dos usos especiais desse sinal, identificamos puçás
ocorrências especiais das reticências.
145

Há páginas inteiras repletas de reticências, indicando pausas de


respiração, silêncios para elaboração do discurso, pausas argumentativas,
entre outras ocorrências.
O conto “Meu tio o Iauaretê” se constrói por meio do ponto-de-
interrogação, ponto-de-exclamação e das reticências.

Vejamos um excerto desse texto:

[...] Nhã-nhem? Hã-hã. [...]Tinham dúvida em mim não,


farejam que eu sou parente delas... Eh, onça é meu tio o
jaguaretê, todas. Fugiam de mim não, então eu matava...
Despois, só na hora é que ficavam sabendo, com muita raiva...
(p. 834)
[...] Mas eu sou onça, Jaguaretê tio meu, irmão de minha mãe,
tutira... Meus parentes! Meus parentes!... Oi, me dá sua mão
aqui... Dá sua mão, deixa eu pegar...Só um tiquinho... (p. 841)
Observamos a fala do onceiro é marcada por suspensões de voz para
iniciar outra frase ou por carência lingüística. As reticências podem funcionar
também, no texto, como uma estratégia do matador de onças para o se
aproximar do visitante, como mostra o segundo exemplo. Esse tipo de
desenho textual leva o leitor a recompor a cena com som e movimento, dando
sentido ao texto.

A Viver é muito perigoso... (Grande Sertão: Veredas, p.22

A frase “Viver é muito perigoso...” (Grande Sertão: Veredas, p.22) é


uma variação de um mote que se repete ao longo do discurso de Riobaldo ao
seu ouvinte, deixando para o seu leitor/ouvinte dar completude ao enunciado.

No conto “Conversa de bois” (in Sagarana, 1974), as reticências têm


um valor icônico, representando a respiração dos animais enquanto
conversam.

Vejamos um excerto do conto:

— Pior, pior... Começamos a olhar o medo... o medo


grande...e a pressa... O medo é uma pressa que vem de
todos os lados, uma pressa sem caminho.... É ruim ser boi-
de-carro. É ruim viver perto dos homens... as coisas ruins
são do homem: tristeza, fome, calor — tudo, pensado, é
pior... (p.294)
146

Na história, esse sinal de pontuação causa um efeito muito


interessante, ficando bem delimitadas a voz do narrador e a fala dos animais.
Vemos que os silêncios deixam para o leitor a tarefa de completar os
enunciados repletos de crítica.

Vejamos alguns empregos interessantes das reticências:


Esticado nos pés, parecia querer tentar repor o clã numa ainda
até então nem nunca atingida compostura. Ao que, do grupo
das mulheres, principalmente, ouviram-se vozeios resmelengos,
e protestos, atribulados,trépidos, se bem que pouco inteligíveis,
por simultâneos. De tia, tia e tia:
“... ... ...então...”
“... ... ...não...”
“... ... ...razão!...”
O debate não teria fim, discussão de nascer trevas. [...] (“Os
chapéus transeuntes” p.754)
Eu queria mais que sua leve mãozinha na minha mão; queria-
a, pelo menos, trêmula. Puro pouco engano. Aí, ela parava. E a
luta, a mover-se entre nós dois, independia de nossas frases:
—“... ... ...”— golpeou o ar com o queixo e encolheu ombros
por ênfase, sua cabecinha pendulou um pouco.
“... ... ...”— e pôs as mãos na cintura, contranitente, amei-lhe o
ativo cerrar-se da boca. demais, empurrei os ombros para
frente, tido que eu outrossim precisava de expandir os
diâmetros do corpo. Perto de nós, ali, pio, pio, pio, também
com volumoso coração, um passarinho por si cantava.
“... ... ...”— avançou o lábio inferior, e recusava-se a encarar-
me; trazendo-se a seu rosto um rubor grosso, vindo com vigor
de sobrancelhas e de olhos. O pássaro bateu as asinhas, flipe e
flope. Sério, como na elevação da hóstia, eu queria só
desfingir-me. (idem p.764)

Vemos, nesses excertos, que as reticências valem por frases inteiras,


como afirma Catach (1980). A partir do texto e das palavras presentes nos
diálogos, o leitor vai dar sentido à narração, recompondo esses enunciados
com outras vozes presentes no texto.

Vejamos o último exemplo do emprego das reticências:

Os praças? O tiroteio deles pegando os Hermógenes de supetão,


surpresa bruta, de retaguarda. Os tiros eram: ... a bala, bala, bala...
bala, bala, bala... a bala: bá!... — desfechavam com metralhadora. Aí
147

arrejarrajava, feito um capitão de vento. (...) (Grande


Sertão:Veredas p.270)
Esse trecho aproxima a escrita fala, em que os espaços do texto se lembre
uma partitura musical. A disposição diagramática da palavra bala aliada à pontuação
mostra a seqüência rítmica do tiroteio. As reticências indican as pausas, isto é, os
momentos entre uma seqüência de tiros e outra. O cessar dos tiros, de modo brusco, é
indicado pela presença da sílaba tônica a palavra bala, com o ponto de exclamação
(ba!) A cessação das balas é seguida de silêncio, representado pelas reticências.

Vemos que o signo indicial representado pelas reticências tem duplo valor
semiótico. Ao mesmo tempo em que remete leitor ao quadro imagético do silêncio
ritmado, leva o leitor a experimentar a grande tensão presente no episódio.

5.8.1.Conclusão

As reticências são largamente empregadas na obra de Guimarães Rosa.


Há interessantes efeitos de sentido com o emprego desse sinal de pontuação
na obra estudada.

Por ser um texto que se propõe a recriar a oralidade, as reticências são


empregadas para indicar as suspensões de fala e a respiração dos personagens.
Vimos ainda, em algumas passagens, a substituição de falas por meio das
reticências.

Como já observamos, embora esse sinal de pontuação seja muito


empregado na obra de Guimarães Rosa, há poucos empregos especiais desse
signo.

Vejamos o quadro resumitivo do emprego das reticências.


148

VALOR EXEMPLO OBRA PÁ- VALOR SEMIÓTICOe FUNÇÃO


FUNCIO- GINA TIPO INTERPRETA DISCURSIVA
NAL SÍGNI ÇÀO
CO
suspensão Tinham dúvida em Meu tio 834 índice resgate sonoro carência
da melodia mim não, farejam o que leva à vocabular
frasal que eu sou parente Iauaretê reconstrução da
delas... Eh, onça é cena
meu tio o
jaguaretê, todas.
Fugiam de mim
não, então eu
matava...
Pior, pior... Conver- 294 índice marca da interação entre
Começamos olhar sa de respiração leitor e texto
o medo... o medo bois
grande...e a
pressa... O medo é
uma pressa que
vem de todos os
lados, uma pressa
sem caminho...[...]
reprodução Os tiros eram: ... Grande 270 índice ritmo do tiroteio expressão da
dos a bala, bala, Sertão: remete à tensão do
silêncios bala... bala, bala, Veredas situação episódio
bala... a bala:
bá!... —
desfechavam
com
metralhadora.
substituição —“... ... ... Cha- 754 índice recomposição
de palavras então...” péus das falas
—“... ... ... não ...” transeun
—“... ... ... tes
razão!...”

5.9. O emprego dos parênteses

Os parênteses, na obra de Guimarães Rosa, são talvez os sinais de


pontuação menos empregados. Poucos são os contos que têm esse tipo de
sinal.

Vejamos alguns exemplos:

Qual, isso é bondade sua, seu Marrinha... São seus olhos


melhores...
Não. Eu sou muito franco... Quando falo que é, é porque é
mesmo... (Pausa)... Quem sabe, a gente podia representar esse
drama, hem seu Laio? ...Como é que chama mesmo?...” O
Visconde Sedutor”...Foi o que você disse, não foi? (“A volta
do marido pródigo”,p.80)
[...] se benzia, bramando: — Em nome do Padre, do Filho e
149

do Espírito Santo!...— (ele mesmo estava escutando a voz,


aquela voz — ele se despedindo de si— aquela voz, demais:
todo choro na voz, a força; e uma coragem de fim, varando
tudo, feito relâmpagos...) Dês-de-repente— ele parecia que
tinha alto voado [...] (“Campo Geral”, p.476)
E seu Marra saca o lápis e a caderneta, molha a ponta do dedo
na língua, molha a ponta do lápis também, e toma nota, com
a seriedade de quem assinasse uma sentença.
(Lá além, Generoso cotuca Tercino:
—Mulatinho descarado! Vai em festa, dorme que-horas, e,
quando chega, ainda é todo enfeitado e salamistrão!...) (“A
volta do marido pródigo”, p.71)

Como vemos, o autor emprega esse sinal de várias maneiras, da forma


mais ortodoxa à mais complexa.

Sabemos que esse sinal de pontuação é empregado para intercalar uma


informação acessória. O autor, porém, estende o uso do sinal e inclui partes
mais longas entre parênteses, chegando mesmo a ultrapassar um parágrafo,
como vemos no último exemplo. O texto onde mais encontramos parênteses é
no conto Cara-de-Bronze (in No Urubuquaquá, no Pinhém, 1976).

É interessante o emprego dos parênteses no conto “Cara-de-Bronze”.


Nesse texto, há passagens tão extensas que podem ser consideradas outro
texto dentro dos parênteses. O conto tem características bem peculiares, pois,
além do emprego especial do sinal de pontuação, as notas indicadas pelos
asteriscos remetem o leitor a um texto paralelo ao principal.

5.9.1. Conclusão

Depreendemos várias funções para os parênteses: indicação de


entonação, disposição dos personagens nas cenas, informação suplementar,

Embora os parênteses se destinem mais especificamente à leitura


silenciosa, esse sinal de pontuação em textos como “A volta do marido
pródigo” e “Cara-de-Bronze” se aproximam de indicações de representação.

Cremos que esse seja o sinal menos empregado pelo autor, pelo fato de
ele se referir mais especificamente à leitura silenciosa.
150

Há empregos interessantes dos parênteses, porém são usos previsíveis


desses sinais e fogem, portanto de nossa proposta de pesquisa. O sinal de
pontuação tem um emprego indicial, causando um efeito de fala paralela do
narrador ao leitor ou ouvinte.

Temos, seguir , o quadro resumitivo dos sinais de pontuação.

VALOR EXEMPLO OBRA PÁ- VALOR SEMIÓTICO FUNÇÃO


FUNCIONAL GI- DISCURSI
NA TIPO INTERPRE VA
SÍGNI- TAÇÃO
CO
intercalação Não. Eu sou muito A volta 80 índice orientação voz do
de informação franco... Quando do de leitura narrador
acessória falo que é, é porque marido oral
é mesmo... pródigo
(Pausa)...
[...] se benzia, Campo 476 índice
bramando: — Em geral
nome do Padre, do
Filho e do Espírito
Santo!...— (ele
mesmo estava
escutando a voz,
aquela voz — ele
se despedindo de
si— aquela voz,
demais: todo choro
na voz, a força; e
uma coragem de
fim, varando tudo,
feito relâmpagos...)
Dês-de-repente—
ele parecia que
tinha alto voado
[...]

6. UMA PRIMEIRA CONCLUSÃO.


Com base no estudo feito sobre o emprego não-gramatical dos sinais
de pontuação na prosa de Guimarães Rosa, observamos que a vírgula é o sinal
de maior freqüência. Esse sinal de pontuação pode substitui qualquer outro,
até mesmo o ponto. Poderíamos dizer que a vírgula seria uma espécie de sinal
universal para o autor. Além de substituir outros sinais, ela também aparece
no lugar de conectivos, sobretudo coordenativos, ligando orações justapostas.
151

Ao assinalar as pausas da língua falada, a vírgula pode aparecer entre


os termos essenciais e integrantes da oração.

Os dois-pontos também encontrados com muita freqüência na obra


rosiana. Eles segmentam termos considerados mais importantes nos
contextos, provavelmente, devido à duração da pausa na leitura oral. É
comum os dois-pontos aparecerem mais de uma vez num mesmo contexto,
podendo substituir travessões.

O ponto-e-vírgula também é bastante encontrado na obra. Esse sinal de


pontuação, muitas vezes, também desempenha o papel da vírgula, do
travessão e até substitui conectivos. A seguir temos o travessão, que pode
desempenhar o papel dos dois-pontos. Porém, havendo o emprego dos dois
sinais num período, o travessão pertence a um nível superior ao dos dois-
pontos.

Devido à especial predileção do autor pelas frases nominais ou orações


com estilo quase telegráfico, nas quais se observam somente as palavras-
chave, o ponto propicia ao escritor a formação interessantíssimas passagens
construídas, basicamente, com a presença desse tipo de frase, causando o
efeito de seqüência cinematográfica, ou o criando uma tensão no texto, num
resgate às técnicas das narrativas orais. O autor, para dar equilíbrio rítmico ao
período, pode segmentar orações por meio do ponto, ou, ao contrário,
condensar várias unidades oracionais em uma só estrutura, cabendo ao leitor
resolver o quebra-cabeças por meio da pontuação.

O ponto-de-interrogação também é utilizado pelo autor no seu projeto


de fazer uma pontuação não-convencional, permitindo-lhe a elaboração de
construções interessantes, porém o emprego não-gramatical é pouco
observado.

O ponto-de-exclamação, as reticências e os parênteses são sinais


empregados de forma mais convencional.

A pontuação observada na obra rosiana, que foge às orientações da


gramática, tem a função de marcar a entonação da língua falada na escrita. Ela
152

funciona, para o autor, como guia de leitura, num resgate à época do


surgimento dos sinais de pontuação.

Ao lado dos sinais de pontuação há outros recursos empregados pelo


autor que servem de guias orientadores, como as orações em negrito e hífens,
que podem conduzir a leitura em voz alta, como estas passagens:

[...] E, longe, piava outro passarinho — um sem nome que se


saiba a a toda essa hora do dia, nas árvores do ribeirão: —
“Toma-a-benção-ao seu-tí-o, João!..”
[...] E o outro, o passarinho anônimo, lá em baixo, no morro de
árvores pretas do ribeirão: — Toma-a-benção-ao-seu-ti-ío,
Jo-ão! (“Recado do morro” p. 22-23)

Cremos que o detalhe em negrito indique o volume da voz e os hífens


sugerem a segmentação da melodia do pássaro. Observamos que a primeira
frase aparece entre aspas ao contrário da segunda que não recebe aspas. Esse
detalhe poderia indicar a autoria do primeiro canto e a cópia no canto do
segundo pássaro. O acento gráfico da palavra tío marcaria a acentuação da
voz no fonema /i/. Vemos também que essa cópia varia no final, com o
alongamento das duas últimas palavras.

Em outros textos vemos os diálogos em negrito e com aspas e em


outros os diálogos aparecem em itálico. Em “Hora e vez de Augusto Matraga”
(in Sagarana, 1984) as cantigas que aparecem no texto são escritas em itálico,
como se fosse a voz do povo da região.

O autor não utilizou somente a lemniscata como símbolo para compor


a sua narrativa. No conto “Se eu seria personagem” (in Tutaméia, p.140),
vemos a seguinte passagem:

A hora se fazia pelo deve & haver dos astros, não a aliás e
talvez.
O símbolo que aparece no trecho, chamado ampersand é bastante
encontrado em textos da Idade Média, com valor da conjunção e, que se
conserva até hoje.
153

A pontuação do autor também guarda muitas semelhanças com os


textos medievais, onde se vê a pontuação predominantemente fonológica, que
se destina à leitura em voz alta, fazendo sobressair a voz do homem sertanejo
com todo o seu contorno entonacional. Talvez o autor, na sua busca pela
palavra original tenha feito o mesmo com a pontuação.

7. CONCLUSÕES
O estudo da pontuação na obra de Guimarães Rosa vem mostrar a
importância desse item na obra do autor. Na realidade, a pontuação é parte da
significação de seu texto.
Os sinais de pontuação, na obra rosiana, adquirem papel semiótico,
não só no aspecto visual como também no aspecto lingüístico. Eles são dados
importantes para a organização textual, já que muitas vezes preenchem vazios
deixados pela ausência de conectivos ou mesmo de termos essenciais da
oração. A pontuação, desse modo, pode conduzir o leitor a identificar um
possível sentido do texto, ou auxiliá-lo a desenredar a trama textual repleta de
armadilhas. O emprego dos sinais de pontuação possibilita também despertar
no leitor múltiplas associações de idéias, que, a princípio, podem não passar
de sugestões, situação prevista pelo autor, pois, para ele, “O livro pode valer
pelo muito que nele não deveu caber.” (“Aletria e hermenêutica” p. 12)
A análise dos sinais de pontuação na obra de Guimarães Rosa nos
conduz à idéia de que seus textos são próprios para serem lidos em voz alta,
pois há passagens que exigem a leitura oral para serem entendidos, ou mesmo
para serem mais bem percebidas as astúcias da escrita do autor. Além do
mais, há, na obra uma série de orientações de leitura oral, como segmentação
por hífen, detalhes em negrito e indicações de leitura no interior de
parênteses, o que nos leva a supor que o autor via a possibilidade de
encenação de seus textos.
A pontuação empregada pelo escritor segue dois critérios: 1) segue a
tradição gramatical; 2) obedece razões principalmente de natureza estilística,
expressiva e com fundamentos semióticos.
154

Essa pontuação não-gramatical presente na obra do escritor se deve às


próprias exigências do seu projeto de escrita, que visava a recriar a fala
sertaneja, com toda a sua musicalidade e ritmo peculiares.
Temos consciência de que parece meio estranho fazer uma pesquisa, à
primeira vista de pouca aplicabilidade do ponto de vista didático, em especial,
de uma pontuação que não se presta a uma sistematização nos moldes
previstos pela cultura letrada. Entretanto, é necessário salientar que esse tipo
de emprego cumpre projetos de expressividade que também devem ser objeto
de estudo quando se trata da comunicabilidade dos textos, de sua
potencialidade expressional.
Logo, a importância dessa pesquisa se mostra também em relação à
necessidade de mudança da mentalidade didática quanto à exploração de
textos quase exclusivamente canônicos, deixando de fora a observação de
marcas de astúcias enunciativas que, a despeito de transgredirem a
normatividade, atingem maior grau de expressividade e comunicabilidade.
Além do mais, a conjugação dos subsídios semióticos à leitura e
compreensão de textos propõe novas formas de leitura, importantes para a
compreensão não só do texto rosiano, mas também da compreensão da
maneira como os signos se formam e como as linguagens e os meios se
combinam e se misturam, prestando serviços indispensáveis à comunicação
humana..
É urgente a reformulação na metodologia de ensino da língua
portuguesa e, para isso vemos necessidade de implantação de um ensino que
dê oportunidade ao aluno de ampliar se conhecimento enciclopédico,
conhecer e respeitar as variedades lingüísticas. A leitura de um texto literário
como o de Guimarães Rosa documenta esse falar característico da população
interiorana que se reflete no ritmo da fala, que, por sua vez, se reflete no ritmo
da escrita.
A fundamentação teórica escolhida (a princípio tão exótica quanto a
tese proposta) se deve à própria natureza do texto, que se apresenta com uma
grande riqueza de signos verbais e não-verbais. A teoria semiótica de Peirce é
capaz de dar conta de um texto como o de Guimarães Rosa em sua
155

abrangência, ainda que nossa análise tenha ficado aquém do que


pretendêssemos em função do prazo estipulado pelos órgãos reguladores.
Ainda assim, parece-nos ter deixado marcas em nosso estudo do que
pode ser discutido quando da escritura de um texto, em que uma rede
semiótica é construída e que signos de natureza distinta (verbais e não-
verbais, pois sinais de pontuação não são signos verbais). Nossa escritura é, a
princípio, regida pela gramática normativa, contudo, quando se tem domínio
do sistema de linguagem eleito (verbal ou não-verbal), é possível partir-se
para a transgressão deliberada, calculada, premeditada. E assim vemos o
projeto de escrita de Guimarães Rosa. O seu desejo de não facilitar a
passagem do leitor pelo texto, promover-lhe a reflexão, dar-lhe matéria para
pensar, fez com que seus textos se nos apresentassem como quase transcrições
de falas. Assim sendo, a gramática normativa (embora tacada para a escrita)
passava a não cobrir as exigências do texto rosiano. Como falarescrever nos
moldes da só escrita? E foi assim que se procurou analisar a distribuição de
sinais de pontuação nos textos do autor. Não apenas como indicadores de
pausas ou de funções sintáticas, mas de situações comunicativas específicas
em que os interlocutores se defrontavam, enfrentavam, ameaçavam,
intimidavam-se, arremedavam, debochavam e assim por diante.
Cada uma encenação dramática era então marcada por um sinal de
pontuação em emprego inusitado. Entre a rigidez da gramática normativa e a
sutileza da estilística, entra em cena a semiótica peirceana, com fundamentos
lógicos, e busca discutir a semiose pretendida pelo autor, no mínimo como
hipótese de mensagem, então recriada pelo analista.
Retomando o valor didático-pedagógico desta tese, é possível
constatar que o ensino convencional de pontuação não atinge os objetivos da
proficiência lingüística. Muito disso se deve pelo não-atrativo da tarefa. Por
que não partir para uma nova abordagem, em que os sinais de pontuação
fossem observados não apenas como “sinais de trânsito” dos textos escritos,
mas como ingredientes significativos na semiose geral do texto. Podem até
não atingir o estatuto de signos simbólicos como as palavras, mas não se pode
negar a função icônica e a função indicial que desempenham em boa parte da
156

marcação dos textos. Mesmo quando a abordagem for eminentemente


gramatical, a presença/ausência dos sinais de pontuação é definidora de
funções sintáticas, de funções de linguagem, etc. Logo, creio estar patente o
valor semiótico dos sinais de pontuação em geral e destes na obra de
Guimarães Rosa que acaba por usá-los como traços de um magnífico desenho.
Além do mais, a conjugação dos subsídios semióticos à leitura e
compreensão de textos propõe novas formas de leitura, importantes para a
compreensão não só do texto rosiano, mas também a compreensão da maneira
como os signos se formam e como as linguagens e os meios se combinam e se
misturam.
É urgente a reformulação na metodologia de ensino da língua
portuguesa e, para isso vemos necessidade de implantação de um ensino que
dê oportunidade ao aluno de ampliar seu conhecimento enciclopédico, de
conhecer e também respeitar as variedades lingüísticas. A leitura de um texto
literário como o de Guimarães Rosa documenta esse falar característico da
população interiorana que se reflete no ritmo da fala, que, por sua vez, se
reflete no ritmo da escrita.
157

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163

RESUMO

Este trabalho apresenta uma análise semiótica da pontuação na obra de


Guimarães Rosa. O estudo verifica as estratégias de pontuação utilizadas pelo
autor, as quais buscam recuperar, na escrita, as características da língua
falada.Trata-se de uma pesquisa semiótica, calcada, principalmente, nas
contribuições da teoria semiótica de Peirce. Esse procedimento visa a
observar os usos especiais dos sinais de pontuação presentes no texto, com. O
estudo tem como corpus as seguintes obras: Sagarana, Manuelzão e
Miguilim, No Urubuquaquá, no Pinhém, Noites do Sertão, Grande Sertão:
Veredas, Primeiras Estórias, Tutaméia e Estas Estórias.
164

ABSTRACT

This work presents a semiotic analysis of the punctuation in the production of


Guimarães Rosa. The present study verifies the punctuation strategies applied
by the author, in the search to recuperate, in writing, the spoken language
characteristics. This is a semiotic research, established, mainly, in the Peirce’s
semiotic theory contributions.”. The corpus of this research is compound by
the following production: Sagarana, Manuelzão e Miguilim, No
Urubuquaquá, no Pinhém, Noites do Sertão, Grande Sertão: Veredas,
Primeiras Estórias, Tutaméia and Estas Estórias. Finally, will be introduced
suggestions for a didactic improvement of the analysed contents and the
formulated conclusions.

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
INSTITUTO DE LETRAS
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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

BANCA EXAMINADORA:

PROFª. DRª. DARCILIA SIMÕES Orientadora UERJ


Profa. Drª Maria Teresa Tedesco Vilardo Titular UERJ
Abreu
Prof. Dr. Flavio García de Almeida Titular UERJ
Prof. Dr. Edwaldo Machado Cafezeiro Titular UFRJ
Prof. Dr. Manoel de Carvalho Almeida Titular Colégio Pedro II-
UFF
Prof. Dr. Cláudio Cezar Henriques Suplente UERJ
Suplente UERJ
Profª Drª Vanise Gomes de Medeiros
Suplente FMFM_SP
Profª Drª Maria Suzett Biembengut
Santade
Suplente Colégio Pedro II
Prof. Dr. Manuel Ferreira da Costa

Data: 29 DE MARÇO DE 2006


Horário: 15 HORAS
Local: Instituto de Letras
Nota obtida:
Situação final:

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