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Globo em Bola

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REPRESENTAÇÃO DO GLOBO TERRESTRE NA BOLA:

ESTRATÉGIA DIDÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL – ANOS


FINAIS1

Denise Mota Pereira da Silva


mota.denise@uol.com.br2
Cristina Maria Costa Leite
criscostaleite@gmail.com3

Resumo
Este artigo resulta da análise de implementação de estratégia didática lúdica para motivar
estudantes da Educação Básica a se interessarem pelas aulas de geografia e a aprenderem
com elas. A pesquisa foi realizada com três turmas de oitavos anos do Ensino Fundamental de
uma escola pública localizada no Distrito Federal, na periferia de Brasília. A estratégia
didática, que consistia em transformar uma bola de brinquedo em uma representação do globo
terrestre, foi realizada ao longo de um bimestre durante as aulas de Geografia. As etapas da
atividade consistiram em: cada grupo de estudantes inserir, na bola, o sistema de coordenadas
geográficas; a partir desse referencial, proceder à inserção dos continentes; por fim,
apresentar o trabalho à turma, a partir de questões feitas pela professora. As falas realizadas
na ocasião da apresentação e um questionário aplicado aos estudantes forneceram
informações empíricas que foram aqui analisadas qualitativamente, na perspectiva do
pensamento espacial e do raciocínio geográfico. Os resultados demonstraram que estratégias
didáticas pautadas pela ludicidade favoreceram a apropriação de conceitos geográficos e de
alguns princípios lógicos da Geografia, como o de localização, o desenvolvimento de relações
espaciais projetivas e euclidianas, configurando-se uma oportunidade de motivar estudantes a
se apropriarem dos conhecimentos geográficos para que sejam capazes de ler, entender e
analisar o espaço, construindo uma representação de mundo condizente com a realidade.

Palavras-chave: raciocínio geográfico, pensamento espacial, ludicidade.

Introdução
A Geografia Escolar, enquanto campo de estudo da ciência geográfica, vem ganhando
visibilidade graças ao aumento das pesquisas sobre ensino e aprendizagem. Tais pesquisas

1
Este trabalho é parte da pesquisa que vem sendo realizada no âmbito do doutorado.
2
Doutoranda em Geografia da Universidade de Brasília-UnB e professora da Secretaria de Estado de Educação
do Distrito Federal-SEEDF.
3
Professora da Faculdade de Educação-FE da Universidade de Brasília-UnB.

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indicam que, se por um lado, há esforços por parte dos professores em praticar um ensino eficaz,
por outro, as aulas de geografia na educação básica não têm atraído o interesse dos jovens em
razão de metodologias tradicionais que insistem em reproduzir uma educação bancária, que
pressupõe que ensinar é transferir conhecimento (FREIRE, 2004). O desinteresse dos
estudantes acarreta desmotivação dos docentes, o que leva a um ciclo vicioso que compromete
a boa convivência no ambiente escolar e as aprendizagens.

Nessa perspectiva, este artigo apresenta resultados da implementação de uma estratégia


didática realizada ao longo de um bimestre, no ano de 2017, em uma escola pública do Distrito
Federal – DF. A escola, Centro de Ensino Fundamental 03-CEF 03, localizada no Paranoá e
distante cerca de trinta quilômetros de Brasília, é uma das trinta e uma Regiões Administrativas-
RA que conformam o DF. A RA Paranoá sofre com o crescimento populacional desordenado,
ausência de equipamentos urbanos e apresenta indicadores de violência que repercutem no
cotidiano da escola e, consequentemente, no processo de aprendizagem dos estudantes.

A pesquisa, de abordagem qualitativa, adotou os seguintes procedimentos


metodológicos: atividades em sala de aula com o uso de uma bola, a partir do conteúdo Sistema
de Coordenadas Geográficas; produção de informações empíricas, a partir da apresentação oral
pelos estudantes; aplicação de questionários, analisados na perspectiva do desenvolvimento do
pensamento espacial e do raciocínio geográfico. Os sujeitos da pesquisa foram cerca de oitenta
estudantes de três turmas de oitavos anos do CEF 03, na faixa etária entre 13 e 15 anos.

O raciocínio geográfico e o pensamento espacial

Nas últimas décadas, a expressão “raciocínio geográfico” tem ganhado relevância


inédita nos debates sobre ensino e aprendizagem em geografia, embora Lacoste (2011) já a
tenha utilizado ainda nos anos 1970. Para o autor, o raciocínio geográfico é a capacidade de
compreender as múltiplas conexões existentes entre os diversos arranjos espaciais, em
diferentes escalas de análise, formulando uma representação eficaz do mundo (LACOSTE,
2011). Não há, contudo, uma definição a priori de raciocínio geográfico que se volte aos
processos de aprendizagem, contemplando os diferentes mecanismos utilizados pelo cérebro
para aprender conteúdos pelo viés espacial, e que seja consenso entre estudiosos do campo da
Geografia Escolar. Considerando, no entanto, as modificações nos processos de aprendizagem
que têm sido ocasionadas pelos aparatos tecnológicos, que passaram a mediar as atividades

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cotidianas realizadas pelos estudantes, faz-se necessário refletir sobre o desenvolvimento do
raciocínio geográfico nesse contexto específico, criando mecanismos para torna-lo possível e
efetivo. Para tanto, consideramos fundamental a apropriação dos princípios lógicos da
Geografia, em especial dos princípios da localização, distribuição e extensão, sistematizados
por Moreira (2015). Embora espaço, território e paisagem formem as categorias de base de toda
construção e leitura das sociedades, são os princípios lógicos que criam o espaço.

Tudo na geografia começa então com os princípios lógicos. Primeiro é preciso


localizar o fenômeno na paisagem. O conjunto das localizações dá o quadro
da distribuição. E com a rede e conexão das distâncias vem a extensão, que
já é o princípio da unidade do espaço (MOREIRA, 2015, p.117, grifo nosso).

Assim, os princípios devem nortear as ações do professor que, por sua vez, deve
promover situações de aprendizagem que instiguem os estudantes a questionar os porquês de
as coisas estarem onde estão e a observarem intencionalidades na organização espacial. A
ênfase na localização aparece também nos estudos de Gersmehl (2008), para quem o
pensamento espacial se desenvolve a partir de estímulos que acionam funções cerebrais
específicas. O pensamento espacial, assim, é uma ferramenta que permite leitura de mapas,
gráficos e resolução de problemas que envolvam informações geográficas.

Dito isso, entendemos que a aprendizagem em Geografia deve permitir ao estudante


estabelecer relações entre a representação plana da superfície da Terra (planisférios/mapas-
múndi) e o globo terrestre, contemplando a apropriação de conceitos da cartografia e de
princípios da Geografia, necessários ao desenvolvimento do raciocínio geográfico e do
pensamento espacial. Exatamente por entendermos que favorecem a aprendizagem,
defendemos a realização de atividades em sala de aula que denominamos estratégias didáticas,
como a que aqui apresentamos, que consiste na utilização de uma bola para transformá-la em
uma representação tridimensional do globo terrestre.

Passos metodológicos para representar o globo terrestre em uma bola

Com o intuito de motivar os estudantes a aprenderem sobre o Sistema de Coordenadas


Geográficas e sua relação com as representações cartográficas, foi realizado um trabalho cuja
finalidade prática era representar o globo terrestre em uma bola de plástico, a fim de possibilitar

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o estabelecimento de relações entre o globo terrestre e suas representações planas, enquanto


estratégia didática cujo objetivo era o desenvolvimento de noções projetivas e euclidianas,
consideradas imprescindíveis ao pensamento espacial e ao raciocínio geográfico.
Realizada em três turmas de oitavos anos de uma escola pública do Distrito Federal, a
estratégia didática consistiu em atividades teóricas e práticas em sala de aula ao longo de um
bimestre do ano de 2017. As turmas foram organizadas em grupos de aproximadamente quatro
estudantes, que receberam orientação quanto às tarefas a serem cumpridas em cada etapa de
confecção do globo terrestre; quanto aos recursos materiais necessários (bola de plástico de cor
clara e lisa, barbante, tesoura sem ponta, caneta permanente preta e vermelha, atlas e globo
terrestre) e quanto à apresentação a ser feita em sala de aula, para os colegas e a professora,
após o trabalho finalizado. Nesse primeiro momento, embora receosos, os estudantes
mostraram-se atraídos e curiosos pela proposta de desenhar os paralelos, meridianos e o mapa-
múndi em uma bola. Foi mostrado um exemplo da atividade concluída em uma bola, realizada
por estudantes de outra escola, também como meio de motivar a participação. A professora
assumiu a postura de parceira dos estudantes, buscando fazê-los sentirem-se seguros de que as
atividades seriam supervisionadas e de que teriam a ajuda necessária.
Na primeira etapa, foram ministradas duas aulas expositivas sobre o sistema de
coordenadas geográficas, com destaque para o significado das linhas imaginárias como a linha
do Equador, os trópicos de Câncer e de Capricórnio, os Círculos Polares Ártico e Antártico e o
meridiano de Greenwich. Após explanação da professora, iniciou-se o traçado dessas linhas na
bola. Com o apoio do globo terrestre e dos desenhos feitos no quadro pela professora ao explicar
a atividade, esperava-se que os estudantes compreendessem que os paralelos demarcam
diferentes níveis de recebimento de luz e calor solares, e que o meridiano de Greenwich e a
Linha Internacional de Mudança de Data estão associados ao movimento de rotação e ao
sistema utilizado para definir os fusos horários. É fundamental salientar que há um propósito e
uma justificativa para a localização de cada paralelo ou do meridiano de Greenwich. Como já
mencionado, nessa aula foram utilizados exemplares de trabalhos feitos com/na bola por outros
estudantes, o que gerou motivação e autoconfiança para os que iriam executar o trabalho agora,
ao verificarem que o mesmo havia sido realizado por outros estudantes, com as mesmas
dificuldades e inseguranças. Ainda na primeira etapa, iniciou-se efetivamente o trabalho com a
bola. Para, em primeiro lugar, traçarem a linha do Equador, os estudantes foram orientados a

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utilizar a marca divisória da própria bola. Esse primeiro traçado sobre a marca saliente é um
exercício que permite ao estudante sentir o atrito entre a caneta e a superfície plástica, aplicando
mais ou menos força no traçado, na medida em que percebe que é necessário adequar a
habilidade motora fina a uma superfície tridimensional, o que difere das atividades no papel ou
em outras superfícies planas, com as quais estava habituado. Conforme a linha vai sendo
riscada, o estudante vai adquirindo autoconfiança para realizar os próximos passos (figura 1).

Fotos 1 e 2: Estudantes em sala de aula desenvolvendo a primeira etapa do trabalho.

Fonte: As autoras, 2017.

Para iniciar o segundo passo, que consistia em traçar os demais paralelos, foram
consultados globos e atlas físicos e/ou no formato digital. Aqui, fez-se necessário uma aula
expositiva sobre o fato de a distância dos trópicos e círculos polares em relação ao Equador ser
representada em graus. O estudante precisa compreender, nessa etapa, que os graus que
demarcam a distância, a partir da linha do Equador até o polo norte ou até o polo sul, resultam
dos ângulos formados pelo encontro da linha do Equador com o eixo da Terra. Uma parceria
com professores de Matemática, para que destinem algumas aulas à abordagem de tais
conteúdos, contribui para a compreensão desses conceitos. Compreendida a relação entre

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distância, ângulos e graus no sistema de coordenadas geográficas, os estudantes estão aptos


para riscar os demais paralelos na bola. Para tanto, foram orientados a: a) Utilizar um barbante
para medir a distância da linha do Equador até o polo norte. O pino da bola, orifício utilizado
para inflá-la, representa o polo norte; b) Converter o segmento de barbante em centímetros.
Para tanto, é necessário esticar o barbante sobre a régua, verificar e anotar o valor. Com as bolas
utilizadas, os valores registrados foram de 10 a 15 centímetros. Neste passo, deve-se retomar o
conhecimento sobre latitude e associar os centímetros medidos no barbante, da linha do
Equador ao Polo Norte, ao ângulo de noventa graus formado pela linha do Equador e o eixo da
Terra; c) Utilizar a regra de três para encontrar o ponto correto que corresponderia aos trópicos
de Capricórnio e Câncer, considerando que os mesmos estão localizados a 33º30’66’’ de
distância do Equador; d) Utilizar regra de três para localizar os pontos onde serão riscados os
círculos polar ártico e antártico, considerando-se que a latitude desses paralelos é de 66º; e)
Com a ajuda de um barbante, envolver toda a circunferência da bola no sentido longitudinal,
amarrá-lo e traçar o meridiano de Greenwich, seguindo a linha do barbante.
Antes de seguir para a segunda etapa, que consistia em desenhar os continentes na bola,
foi importante retomar, com os estudantes, os conceitos utilizados na realização de cada passo:
direções cardeais e colaterais, paralelos e meridianos, latitude e longitude. Aulas expositivas
sobre as diferentes projeções cartográficas e suas respectivas deformações, frente ao desafio de
representar uma superfície tridimensional como o planeta Terra em um mapa plano, reforçaram
a ideia de que todo mapa se configura como uma das muitas possibilidades de representação.
Daí, então, o terceiro passo: f) definir, junto aos estudantes, estratégias para desenhar os
continentes na bola usando como parâmetro as linhas imaginárias traçadas. Neste passo, eles
deveriam buscar, em diálogo com os colegas, mecanismos que permitissem reduzir as
deformações dos continentes, pois, naturalmente, buscariam um planisfério que servisse de
modelo para traçá-los; g) Escrever os nomes de cada linha imaginária, cada continente (dentro
do mapa), bem como dos principais oceanos: Pacífico, Atlântico e Índico.
Ao concluir o trabalho na bola, os estudantes apresentaram o resultado para toda a turma,
respondendo a perguntas da professora e tecendo comentários a respeito do trabalho realizado.
Após a apresentação de todos os grupos, os estudantes responderam ao questionário.

Análise dos resultados: o lúdico como motivador das aprendizagens

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Durante as apresentações, boa parte dos estudantes demonstrou timidez por não ter
habilidade com a comunicação oral. Essa característica já havia sido observada anteriormente
pela professora, e a decisão em incentivar os alunos a exercitarem a oralidade configurou-se
como estratégia importante para que se sentissem seguros e em condições de melhorar seu
desempenho de forma gradual. A professora gerenciou essa situação pedindo que um estudante
que demonstrasse autoconfiança desse início à apresentação, deixando os demais integrantes
do grupo tranquilos, sendo aos poucos incluídos na apresentação, respondendo às indagações.
Observamos que, para os alunos, ter a bola em mãos, como produto de um trabalho realizado
pelo grupo, serviu de apoio para explanarem a trajetória de desenvolvimento do trabalho, bem
como para lembrar dos contratempos e das superações durante o percurso. Os estudantes
demonstraram estarem orgulhosos por terem conseguido cumprir todas as etapas. As falas
realizadas durante as apresentações também proporcionaram momentos de aprendizagem na
medida em que as experiências foram compartilhadas.
Das perguntas que foram feitas na ocasião da apresentação oral, focaremos em uma,
considerada central: “O que você aprendeu ao fazer esse trabalho?” Foi surpreendente perceber
que, além de avançarem em elementos da alfabetização cartográfica, os estudantes se sentiram
motivados. Na verdade, é possível que tenham aprendido justamente porque se sentiram
motivados. Dentre as respostas, destacamos as seguintes falas: “acho que na bola é melhor para
visualizar os continentes”; “aprendi que também tem a Oceania. Eu só conhecia os outros
continentes”; “aprendi que na África passam os trópicos, a linha do Equador e o meridiano de
Greenwich”; “aprendi sobre a linha do Equador, que ela divide (o globo) em Norte e Sul”;
“aprendi que na bola deu pra entender melhor porque tem essas linhas. Fica melhor de ver”;
“eu tava vendo no jornal que a Coreia do Norte tava querendo atacar a América do Norte mas
eu não sabia porquê...é que quando bota o mapa normal assim (fazendo um gesto que indica
uma superfície plana) eu não entendia. Aí quando eu desenhei (na bola) eu vi que a Coreia do
Norte está do lado da América. Aí eu entendi”. Esta última resposta, inclusive, permite concluir
que a visualização dos continentes em uma superfície tridimensional favorece a compreensão
sobre as relações espaciais projetivas e euclidianas.

A geografia Escolar, ao utilizar a linguagem cartográfica como metodologia


para a construção do conhecimento geográfico, lança mão desses fundamentos

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– como dominar as noções de conservação de quantidade, volume e peso,


superar o realismo nominal e compreender as relações espaciais topológicas,
projetivas e euclidianas – para estruturar um esquema de ação, na medida em
que ajudará a criança na construção progressiva das relações espaciais tanto
no plano perceptivo quanto no plano representativo (CASTELLAR, 2012, p.
45)

No geral, o globo terrestre não permite essa mesma apropriação, uma vez que ele já está
pronto, ao passo em que confeccionar um globo torna o sujeito ativo na construção desses
conhecimentos.

Figura 3: Apresentação, por um grupo de estudantes, do trabalho finalizado.

Fonte: As autoras, 2017.

Os questionários foram aplicados para as três turmas, em sala de aula, após a finalização
das apresentações. Do total de seis perguntas abertas, selecionamos uma que expressa o foco
de discussão deste trabalho, a saber: “Caso esse trabalho tivesse sido realizado em uma folha
de papel, o que mudaria?” 25% dos estudantes respondeu que desenhar em uma folha de papel
teria sido mais fácil, porque bastaria colocar a folha em cima de um mapa e contornar, o que
sugere não terem compreendido as relações que diferenciam o decalque de um mapa e o
processo de construí-lo em uma superfície esférica a partir de um sistema de coordenadas. No
entanto, 50% responderam que, independente de ser mais fácil ou mais difícil, não conseguiriam

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aprender tanto com o desenho no papel como na bola: “na bola é melhor de visualizar, na folha
é mais complicado”; “os continentes se esticariam e não seria 3D porque teria que fazer o
planeta plano”; “não ia parecer muito com o globo. No papel os continentes que são perto ficam
longe”; “seria mais fácil para desenhar mas eu não teria aprendido tanto como aprendi com a
bola”; “mudaria a forma de ser visualizado pois a folha é plana e a bola esférica e também
mudaria que não ia ter graça nenhuma, seria só uma atividade normal”; “todos os continentes e
oceanos ficariam maiores”. Essas respostas expressam tanto a motivação dos estudantes em
realizar a atividade, mesmo que a considerassem trabalhosa, quanto o conhecimento construído
a respeito das noções projetivas e euclidianas. Para 15% dos alunos, o resultado seria
completamente diferente, apontando que também há características positivas no planisfério, tal
como demonstra uma das respostas: “se o trabalho tivesse sido feito em folha daria para ver
tudo de uma vez e na bola não”. Para estes, houve uma compreensão de que o mapa-múndi
permite uma visualização de toda a superfície da Terra enquanto o globo, que, embora seja uma
representação mais fiel, não é necessariamente a mais prática, a depender do objetivo de sua
utilização.

Figura 4: Estudantes de uma turma de oitavo ano, mostrando o trabalho realizado.

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Fonte: As autoras, 2017.

Nem todos os alunos se apropriaram de noções projetivas e euclidianas, conforme


podemos constatar pelas respostas dadas por 10% dos sujeitos (oito estudantes), as quais
exemplificamos a seguir: “só iria dar para fazer a metade do globo e ficaria difícil”; “na folha
você iria desenhar só um lado do Planeta Terra” ou “não daria para terminar de dar as voltas
das linhas imaginárias”. Embora esses alunos estejam no oitavo ano, fica claro que não
dominam as noções projetivas e euclidianas que envolvem as projeções cartográficas, sugerindo
que não tiveram, nas séries anteriores, um processo de alfabetização cartográfica. Se
considerarmos que é a partir das relações espaciais topológicas que são engendradas as relações
projetivas e euclidianas, está claro que os primeiros mapas que as crianças deveriam aprender
a manipular seriam os topológicos (OLIVEIRA, 2010), o que provavelmente não aconteceu
nesse caso.
Os resultados, verificáveis nas falas dos estudantes e nas respostas ao questionário,
demonstraram que vários conhecimentos foram adquiridos. Constatamos que houve
apropriação de vários princípios da Geografia, sendo o mais evidente o de localização, na
medida em que os sujeitos relacionaram o sistema de coordenadas geográficas à possibilidade
de localizar qualquer ponto na superfície da Terra, inclusive no oceano. Esse princípio, seguido
dos princípios de distribuição e extensão, é fundamental para que se compreenda a

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intencionalidade presente em cada localidade. A compreensão, por parte dos estudantes, do
Sistema de Coordenadas Geográficas como um referencial para projetar mapas, calcular
distâncias e, acima de tudo, permitir a relação entre o plano e o esférico, permite afirmar que
muitos conhecimentos cartográficos e geográficos foram adquiridos, na perspectiva do
raciocínio geográfico.

Considerações finais

O uso de estratégias didáticas lúdicas, a exemplo do trabalho realizado com a bola,


configura-se como uma possibilidade de identificar dificuldades dos estudantes sobre noções
espaciais e conceitos geográficos, favorecer as aprendizagens a partir do uso da cartografia
como linguagem fundamental para o desenvolvimento do pensamento espacial e raciocínio
geográfico e, ainda, servir como motivação para que os alunos se interessem pelas aulas de
Geografia, já que se sentem estimulados a desenvolver atividades práticas que se diferenciem
de aulas expositivas, nas quais se sentem entediados. A dinâmica da formação dos grupos e do
trabalho prático desafiador, em sala de aula, desloca o estudante do papel de expectador,
causando-lhe desconforto diante de uma tarefa nova na qual precisa investir esforços. Essa
desestabilização obriga o cérebro a criar mecanismos para resolver o desafio proposto, processo
que se configura como uma maneira de exercitar o pensamento espacial, para que os estudantes
sejam capazes de criar correspondências entre a representação plana do planeta e uma
representação tridimensional, nesse caso, utilizando a bola.

Promover o pensamento espacial dos estudantes, em diferentes níveis de complexidade,


é uma tarefa que os professores de Geografia precisam assumir. A cartografia é a linguagem
por excelência dessa modalidade de pensamento. Ao serem instrumentalizados a pensar
espacialmente, a partir da apropriação dos elementos cartográficos como escala e projeções, os
estudantes avançam para uma competência mais complexa que é a de analisar o arranjo espacial
em diferentes escalas, apropriando-se das categorias geográficas como lugar, região e território,
identificando a lógica que move o mundo na produção do espaço pela sociedade.

Referências bibliográficas

14º Encontro Nacional de Prática de Ensino de Geografia

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14º Encontro Nacional de Prática de Ensino de Geografia
Políticas, Linguagens e Trajetórias
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CASTELLAR, Sônia. (org.). A psicologia genética e a aprendizagem no ensino de Geografia.


In:______. Educação Geográfica, teorias e práticas docentes. 3ª ed., 2ª reimpressão. São
Paulo: Contexto, 2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
GERSMEHL, Phil. Teaching Geography. 2 ed. New York: Guilford Press, 2008.
LACOSTE, Yves. A Geografia - isso serve, em primeiro lugar para fazer a guerra.
Campinas, São Paulo: Papirus, 2011.
MOREIRA, Ruy. Pensar e ser em geografia: ensaios de história, epistemologia e ontologia do
espaço geográfico. São Paulo: Editora Contexto, 2015.
OLIVEIRA, Lívia. Estudo metodológico e cognitivo do mapa. In: ALMEIDA, Rosangela Doin.
Cartografia Escolar. 2ª ed., 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2010.

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