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12o Ano Exame

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12º ano Exame-convertido

Portugues (Escola Secundária de Amarante)

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12º Ano

Fernando Pessoa, Ortónimo e Heterónimo

1. Contextualização histórico-literária:

Fernando Pessoa é um dos mais proeminentes poetas da literatura portuguesa. Integra-se no Modernismo, movimento
estético que surge associado às artes plásticas e que, em Portugal, foi empreendido pela geração de Orpheu, revista luso-
brasileira que contou com a participação de Fernando Pessoa, Mário Sá-Carneiro, Almada Negreiro, entre outros.
O Modernismo caracteriza-se por uma nova perspetiva da vida e por uma abordagem diferente dos problemas da
humanidade.

2. A questão da heterónimia:
Heteronímia designa o fenómeno da utilização de diferentes nomes que correspondem a personalidades
diferentes, com biografia e estilo próprios, com uma visão de mundo específica, num processo de fragmentação psicológica.
Enquanto o pseudónimo é um nome falso que esconde o nome e a personalidade do seu autor, o heterónimo implica uma
personalidade particular, com uma biografia própria e uma visão específica do mundo.
A marca mais distintiva de Fernando Pessoa é a capacidade de «outrar-se», a criação da heteronímia.
Este fenómeno resulta, segundo o mesmo afirma, em carta a Adolfo Casais Monteiro, da necessidade de descobrir
a sua consciência e personalidade. E vai levá-lo à conceção de figuras "exatamente humanas" que "eram gente". Nessa carta
de 1935, diz ele: "hoje já não tenho personalidade: quanto em mim haja de humano eu o dividi entre os autores vários de
cuja obra tenho sido o executor. Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha." Trata se, contudo,
simplesmente do "temperamento dramático elevado ao máximo"; escrevendo, em vez de dramas em atos e ação, "dramas
em alma".

Poesia do Ortónimo

Na poesia ortónima, podemos distinguir duas fases: a tradicional, na continuação do lirismo português, e a
modernista, de rutura com o passado.
A primeira fase está marcada pelo sebastianismo e pelo saudosismo na segunda mostra-se a procura da
intelectualização das emoções. Na poesia de pessoa, há um grande conflito entre “pensar” e “sentir”, entre
“felicidade pura” e “consciência de si”.
Para o autor, a arte é “o resultado da colaboração entre sentir e pensar”. Para criar arte, o poeta deve racionalizar o
sentimento, daí a necessidade do fingimento. Fingir é inventar conceitos que experimentam emoções.
Fernando Pessoa, procura, pela fragmentação do eu, a totalidade que lhe permite conciliar o pensar e o
sentir.

3. Temáticas:

1) A dor de pensar é uma das linhas temáticas da poesia de Fernando Pessoa ortónimo, na qual se expressa a
dualidade consciência/inconsciência e a problemática sentir/pensar. O poeta, ser consciente, constata que a extensão
dos seus sentimentos é constantemente diminuída pela vastidão o seu pensamento que corrompe a inconsciência
inerente a própria felicidade de viver.Assim, a sua consciência surge como um fardo e uma fatalidade que desencadeia
no poeta um estado de desencanto e impotência perante o absurdo da existência, já que por um lado não consegue
libertar-se do peso da reflexão, mas também não alcança a alegre inconsciência da ceifeira, mantendo intacta a sua
própria consciência. Simplesmente paradoxal, pois consciente de que jamais será consciente, sofre a dor de pensar e
paga caro a extrema lucidez que possui. (“Ela canta, pobre ceifeira”e “Gato que brincas na rua”) .

→ "Ela canta, pobre ceifeira," - O poema caracteriza o drama interior do sujeito poético por oposição à felicidade da
ceifeira, tendo em conta as seguintes dualidades: consciência /inconsciência; felicidade / infelicidade; euforia /disforia;
sentir/ pensar.
Num primeiro momento, o sujeito poético evoca o canto da ceifeira, evidenciando:

• a suavidade;
• o carácter inconsciente da alegria da voz;
• a pureza;
• a harmonia;
• o contraste entre a dureza da "lida" do campo e a leveza do canto.

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Posteriormente, a partir da quarta quadra, o sujeito poético exprime os sentimentos que o canto da ceifeira
despertam nele, retomando o seu drama interior:
• desejo de permuta com a ceifeira;
• ânsia de ser inconsciente, mas preservando a consciência de o ser;
• vontade de intersecção - "Ah, poder ser tu, sendo eu!";
• desejo de dispersão.
O poema sintetiza, assim, a dor resultante do processo de racionalização permanente: ao contrário da ceifeira, o
sujeito poético não atinge a felicidade, porque, nele, tudo é pensamento.

→ "Gato que brincas na rua" - Pessoa parte de uma imagem-símbolo, o gato, para chegar a uma reflexão:
• a imagem-símbolo é o gato que brinca na rua, de forma instintiva e natural - "Como se fosse na cama";
• o sujeito poético inveja esse viver instintivo do gato, a sua irracionalidade e, consequentemente, a sua felicidade;
• a inevitável consciência da fragmentação interior domina o sujeito lírico - "vejo-me e estou sem mim";
• o processo de auto-análise é permanente - "Conheço-me e não sou eu".

→"Cansa sentir quando se pensa." - O poema expõe, uma vez mais, a dor resultante do pensar, presente através de
aspectos como:
• a incapacidade de conciliar o sentir e o pensar - "Cansa sentir quando se pensa";
• a solidão e a tristeza - "Há uma solidão imensa / (...) Neste momento insone e triste / (...) Pesa-me o informe real
que existe";
• a indefinição - "Em que não sei quem hei-de ser";
• a constatação da incapacidade de viver - "E não poder viver assim. / (...) Ah, nada é isto, nada é assim!";
• a incapacidade de relacionamento com os outros e com o mundo - "Mas noite, frio, negror sem fim, / Mundo mudo,
silêncio mudo".

→ "Não sei ser triste a valer" - O sujeito poético refere, através da analogia entre o florir das flores e a
inevitabilidade do pensar, a sua dor e angústia. Atente-se em aspectos como:
• a indefinição - "Não sei ser triste a valer / Nem ser alegre deveras";
• a constatação de que não sabe ser - "Acreditem: não sei ser.";
• o prazer de "não sentir" - "Com que prazer me dá calma / (...) Florir sem ter coração!";
• a identificação entre "florir" e "pensar", porque ambos são superiores à "vontade" das flores e dos homens - "O que
nela é florescer / Em nós é ter consciência. / (...) Vamos florir ou pensar.";
• a inevitabilidade da morte - "Surgem as patas dos deuses / E a ambos nos vêm calcar".

2)A nostalgia da infância é um dos aspectos focados na poesia ortonímoca e surge como consequência do desejo do
poeta regressar aos tempos em que foi criança e feliz, a época longínqua do bem, da unidade, da inconsciência e da
verdade. A infância surge sempre como a época inocente em que não havia ainda o drama da dor de pensar, é sinónimo
de segurança, pureza e felicidade e o poeta evoca esses tempos através da memória que acaba por trazer-lhe mais
angustia e solidão, quando se apercebe que essa época não é mais do que um paraíso longínquo, perdido na memoria
do tempo. Assim, ao negar lhe toda a sua felicidade, o Presente funciona como o marco de sublimação do Passado,
abrindo passagem para a típica saudade nostálgica dessa infância lembrada e esquecida. (“Quando era criança”,”Pobre
velha musica”).

3)O sonho e a realidade é também um dos temas que percorre a poesia ortónimica e retrata a multiplicidade do “EU”
que faz introspecção, inquieta-se e desdobra-se noutros seres, despersonalizando-se. Marcado pelo fluir continuo do
tempo, Pessoa sente-se separado de si próprio, distante do passado e do futuro, restando-lhe apenas o ser que é no
instante que passa e não aquele que existe na duração do tempo. Assim, Pessoa exprime nos seus poemas um misto de
inquietação e absurdo perante esta divisão do Ser que o faz sentir-se estranho de si mesmo, fragmentado entre o Real e
o Ideal e acabando, efectivamente, por ser um ser perdido no labirinto de si mesmo, não encontrando o fio que o
conduziria à saída e lhe permitiria alcançar o equilíbrio interior. (“Não sei se é sonho, se realidade”)

4) O fingimento artístico é uma das dialécticas da poesia do ortónimo, na qual o poeta sofre uma forte tensão que
conduz ao anti-sentimentalismo e à intelectualização da emoção. Para Pessoa, fingir é inventar, ou seja, é elaborar
conceitos que exprimem emoções, gerando uma nova concepção da arte, anti-romântica, despersonalizada, expressão
de sensações intelectualizadas, onde a imaginação ocupa o papel principal e a arte é criada a partir de inspiração
individual. Pessoa não transmite na sua poesia a emoção pura e simples, mas submete-a sempre ao exame da
inteligência e da razão poética, deixando que a racionalize, afastando-se do tradicional sentimentalismo, típico do
passado. Assim, a arte nasce da realidade e consiste no fingimento dessa realidade, ou seja, na sua intelectualização, a
qual e materializada em texto. (“Autopsicografia”). Neste âmbito, a composição de um poema nunca ocorre no
momento da emoção, mas no momento da recordação dessa emoção. Para Fernando Pessoa ortónimo, o poeta
necessita de ser fingidor. No entanto, é necessário ter em mente que fingidor difere de mentiroso.

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É transmitido pelo ortónimo que a produção artística não deve ser imediata, pois, além do poema ter uma
estrutura formal desorganizada, iria transmitir sentimentos imediatos, o que acabaria por não corresponder à realidade,
posteriormente. Devido a isso,Pessoa aposta na ideia de que é necessário que, por parte do poeta, haja uma
racionalização dos sentimentos. Tomemos como exemplo a ideia de um poeta que está magoado porque a sua amada
partiu. Este não poderá escrever imediatamente. Deve pensar a dor que sente e, sim, posteriormente, escrevê-la. Em vez
de dizer "Estou desolado, quero morrer!", por exemplo, poderá dizer "Estava desolado; Ainda dói; No entanto, segui",
apresentando uma estrutura a nível de abordagem do tema mais cuidada. Origina-se, então, a dor fingida (pensada).
Existem 3 níveis de dor para Fernando Pessoa:
• A dor sentida (real): Dor vivida no imediato, dor não racionalizada;
• A dor pensada (fingida): Dor refletida, momentos mais tarde, após o acontecimento que a originou;
• “Dor lida”: Dor sentida por parte do leitor, ao ler o que o poeta escreve, tendo em conta as suas vivências.
A dor sentida e pensada caracterizam a produção artística; e a perceção do leitor em relação à dor transmitida no
poema constitui a receção.
Conclui-se, então, que a poesia, para Pessoa ortónimo, é a inteletualização dos sentimentos e emções.

Alberto Caeiro
Alberto Caeiro nasceu emLisboa enãoteve profissão, nem educação(só escolaprimária). Apresenta-secomo um
“guardador de rebanhos” (que na verdade são pensamentos). Só se importa em ver a realidade de forma objetiva e natural,
com a qual contacta a todo o momento.
Mestre de Fernando Pessoa e dos outros heterónimos, Caeiro dá especial importância ao ato de observar e às
sensações, através de um discurso em verso livre e espontâneo. Vê o mundo sem necessidade de explicações, sem princípio
e sem fim, e confessa que existir é um facto maravilhoso. Aproveita cada momento da vida e cada sensação que esta lhe
presenteia.
Fazer poesia para o sujeito poético é uma atitude involuntária, espontânea, pois vive no presente e não se
interessa por os outros tempos e impressões, sobretudo visuais, e ainda porque recusa a introspeção, a subjetividade, sendo
assim, um poeta do real
é,aquelesquenãosabemser espontâneo na sua Caeiro canta o viver sem dor, o envelhecer sem angústia, o morrer sem
escrita. desespero e combate o vício de pensar que tanto atormenta
Fernando Pessoa.

ALBERTO CAEIRO - CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS:


Na obra de Caeiro, há um objetivismo absoluto ou anti metafísico. Não lhe interessa o que se encontra por trás das
coisas. Recusa o pensamento, sobretudo o pensamento metafísico, afirmando que “pensar é estar doente dos
olhos".
• Caeiro, poeta do olhar, procura ver as coisas como elas são, sem lhes atribuir significados ou sentimentos humanos.
Considera que as coisas são como são.
• Constrói uma poesia de sensações, apreciando-as como boas por serem naturais. Para ele, o pensamento apenas
falsifica as coisas.
• Numa clara oposição ente sensação e pensamento, o mundo de Caeiro é aquele que se apercebe pelos sentidos,
que se apreende por ter existência, forma e cor. O mundo existe e, por isso, basta senti-lo, basta experimentá-lo
através dos sentidos, nomeadamente através do ver.
• Ver é compreender. Tentar compreender pelo pensamento, pela razão, é não saber ver. Alberto Caeiro vê com os
olhos, mas não com a mente. Considera, no entanto, que é necessário saber estar atento à “eterna novidade do
mundo”.
• Condena o excesso de sensações, pois a partir de um certo grau as sensações passam de alegres a tristes.
• Em Caeiro, a poesia das sensações é, também, uma poesia da natureza.
• Optando pela vida no campo, acredita na Natureza, defendendo a necessidade de estar de acordo com ela, de fazer
parte dela. Pela crença da Natureza, o Mestre revela-se um poeta pagão, que sabe ver o mundo dos sentidos, ou
melhor, sabe ver o mundo sensível onde se revela o divino, em que não precisa de pensar.
• Ao procurar ver as coisas como elas realmente são, sublima o real, numa atitude panteísta de divinação das coisas
da natureza.
• Nesta atitude panteísta* de que as coisas são divinas, *O panteísmo é o sistema de crença daqueles que
desvaloriza a categoria conceptual “tempo”. sustentam/defendem que a totalidade do universo é
• O poeta confessa não ter “ambições nem desejos”. Ser poeta o único Deus.
é a sua “maneira e estar sozinho”.

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1) Fingimento artístico: o poeta “bucólico”


Alberto Caeiro é um poeta voltado para a simplicidade e as coisas puras. Viveu em contato com a natureza,
extraindo dela os valores ingênuos com os quais alimentava a alma. É um poeta bucólico, dá importância às sensações,
registrando-as sem a mediação do pensamento.
Alberto Caeiro é o lírico que restaura o mundo em ruínas. Para Caeiro, “tudo é como é”, tudo “é assim porque
assim é”, o poeta reduz tudo à objetividade, sem qualquer necessidade de pensar.

2) Reflexão existêncial: o primado das sensações


• Alberto Caeiro possui o privilégio das sensações, sobretudo visuais.
• Só lhe interessa vivenciar o mundo que capta pelas sensações, recusando o pensamento metafisico "pensar é não
compreender". Ou seja, aprender a não pensar, para se libertar de todos os modelos ideológicos, culturais ou
outros, e poder ver a realidade concreta; O pensamento gera infelicidade.
• Para Caeiro, ver é conhecer e compreender o mundo" Pensa vendo e ouvindo".
• Numa clara oposição entre sensação e pensamento, o mundo de Caeiro é aquele que se percebe pelos sentidos. O
mundo existe e, por isso, basta senti-lo, experimenta-lo através dos sentidos, nomeadamente através da visão.
• A deambulação pela natureza, procurando viver em harmonia com ela, observando os seus mais ínfimos
pormenores;
• Atenção ao mundo circundante, à realidade exterior;
Caeiro constrói, assim, uma poesia das sensações observando toda a realidade, toda a natureza que se encontra
em seu redor, e ama-a, sem a questionar, sem a tentar compreender.

Linguagem, estilo e estrutura:


▪ Tem uma linguagem poética nova: libertação dos sentidos, das sensações, das emoções, recorrendo à
irregularidade estrófica para provar a imediata passagem do sentir para a escrita;
▪ A apologia do realismo sensorial: a única realidade está na consciência da sensação e o pensamento reduz-
se ao puro sentir. Por isso, o sujeito poético capta apenas o que as sensações lhe oferecem na realidade
imediata;
▪ Depois de afirmar que se sente “triste de gozá-lo tanto”, ou seja, de aproveitar o dia até ao limite, procura
recuperar o equilibrio (“Sei a verdade e sou feliz”) sentindo o “corpo deitado na realidade”;
▪ Sensacionista, a quem só interessa o que capta nas sensações;
▪ O sentido das coisas é reduzido à perceção das cores, das formas, dos cheiros e dos sabores.
▪ É o poeta da natureza, vive de acordo com ela, na sua simplicidade e paz;
▪ Aparente simplicidade e natureza argumentativa do discurso poético, visivel no recurso a uma linguagem
corrente e a orações coordenadas.
▪ Recurso à aliteração, à anáfora e à metáfora.

Linguagem
A lírica ortónima pessoa distingue-se pela musicalidade pela subtileza do desenvolvimento dos temas através de uma linguagem
simples mas densa, sugestiva e simbolista.

Ricardo Reis

Ricardo Reis nasceu no Porto em 1887 e formou-se em medicina. Foi um poeta materialista e neoclássico. É
um poeta epicurista triste, pois defende o prazer do momento “carpe diem” (aproveite o momento) como caminho
para a felicidade.
Apesar de procurar este prazer e de querer alcançar a felicidade, considera que nunca se consegue a verdadeira calma
e tranquilidade, ou seja, sente que tem de viver em conformidade com as leis do destino, indiferente à dor, conseguida
pelo esforço estoico (naturalismo).

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RICARDO REIS - CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS:


• Na poesia de Ricardo Reis, há um sentimento de fugacidade da vida, mas ao mesmo tempo uma grande serenidade
na aceitação da relatividade das coisas e da miséria de vida.
• A vida é efémera e o futuro imprevisível. “Amanhã não existe”, afirma o Poeta. Estas certezas levem-no a
estabelecer uma filosofia de vida, de inspiração horaciana e epicurista, capaz de conduzir o homem numa
existência sem inquietações nem angústias.
• Reconhecendo a fraqueza humana e a inevitabilidade da morte, Reis procura uma forma de viver com o mínimo de
sofrimento. Por isso, defende um esforço lúcido e disciplinando para obter uma calma qualquer.
• Na linha do poeta latino Horácio, Reis considera importante o carpe diem, o aproveitar o momento, o prazer de
cada instante.
• Sendo um epicurista, o Poeta advoga a procura do prazer sabiamente gerido, com moderação e afastado da dor.
Para isso, é necessário encontrar a ataraxia, a tranquilidade capaz de evitar qualquer perturbação. O ser humano
deve ordenar a sua conduta de forma a viver feliz, procurando o que lhe agrada.
• A obra de Ricardo Reis apresenta epicurismo triste, uma vez que busca o prazer relativo, uma verdadeira ilusão da
felicidade por saber que tudo é transitório.
• A apatia, ou seja, a indiferença, constitui o ideal ético, pois, de acordo com o Poeta, há necessidade de saber viver
com calma e tranquilidade, abstendo-se de esforços inúteis para obter uma gloria ou virtude, que nada apresentam
à vida.
• Próximo de Caeiro, há na sua poesia a áurea mediocritas, o sossego do campo, o fascínio pela natureza onde busca
a felicidade relativa.
• Discípulo de Alberto Caeiro, Ricardo Reis refugia-se na aparente felicidade pagã que lhe atenua o desassossego.
Procura alcançar a quietude e a perfeição dos deuses, desenhando um novo mundo à sua medida, que se encontra
por detrás das aparências.
• Afirma uma crença nos deuses e nas presenças quase-divinas que habitam todas as coisas.
• Considera que sendo o destino “calmo e inexorável” acima dos próprios deuses, tem necessidade do auto domínio,
de nos portarmos “altivamente” como “donos de nós-mesmos”, construindo o nosso “fado voluntário”. Devemos
procurar, voluntariamente, submetermos-nos, ainda que só possamos ter a ilusão da liberdade.
• Pagão por carácter e pela formação helénica e latina, há na sua poesia uma actualização de estoicismo e
epicurismo, juntamente com uma ostra ética e um constante diálogo entre o passado e o presente.

1) Temáticas na poesia de Ricardo Reis (o poeta clássico):

• Apatia – o termo apatia pode ter dois significados, a ausência de dor ou sofrimento bem como pode ser a ausência
de paixão e de qualquer tipo de emoções, sejam elas agradáveis ou desagradáveis. Actualmente, apatia denota um
estado de indiferença ou impavidez perante qualquer acontecimento, seguindo assim o estoicismo.

• Ataraxia – significa tranquilidade da alma ou ausência de perturbação. Consiste na busca do equilíbrio emocional
recorrendo à diminuição da intensidade das paixões, dos desejos e o fortalecimento da alma face às adversidades
da vida. A ataraxia está ligada às correntes filosóficas do epicurismo, do estoicismo e do cepticismo.

• Carpe diem – é uma expressão de origem latina que significa "aproveita o momento", "colhe o dia". Outros
significados que esta expressão pode ter são o fruir da vida em todos os sentidos sem preocupações com o que o
futuro trará. Foi usada primeiramente pelo poeta Horácio. Está muito presente em Odes.

• Epicurismo – é uma filosofia moral com origem no filósofo Epicuro. Este defendia o prazer como caminho para a
felicidade plena. Mas para atingir esta felicidade era necess á rio manter uma atitude de ataraxia.

• Estoicismo – considera que é possível encontrar a felicidade desde que se viva de acordo com as leis do destino
ou fatum, permanecendo com uma atitude de indiferença perante os males e paixões, visto estes perturbarem a
razão. Para esta corrente filosófica o ideal ético é a apatia.

• Fatum – de origem latina, esta palavra significa fado ou destino.

• Horacianismo – influencia poética e do pensamento induzida pelo poeta latino Hor á cio autor das Odes. É a
construção poética e retórica, baseando-se essencialmente na temática da brevidade da vida, da passagem do
tempo, necessidade de ficar impávido perante as forças do destino. Convida a gozar cada dia que passa e a beleza
da Natureza.

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• Paganismo – refere-se ao molde cultural e religioso das pessoas do meio rural. Caracterizava os seguidores das
religiões politeístas com ligações à Natureza, era tido como o culto e respeito pela Natureza viva e divina.

2) Reflexão existêncial: a consciência e encenação da mortalidade


 A consciência da efemeridade da Vida, da inexorabilidade do Tempo e da ineviatbilidade da Morte.
 A tragicidade da vida humana;
 A vida como “encenação” da hora fatal (previsão e preparação da morte): despojamento de bens materiais,
negação de sentimentos excessivos e de compromissos;
 Intelectualização de emoções e contenção de impulsos ;
 Vivência moderada do momento (o presente é o único que nos é concebido);
 Preocupação obsessiva com a passagem do tempo e com a inelutável morte.

Características fundamentais a nível semântico da poesia de Ricardo Reis


• Seguia a filosofia epicurista e defendia a necessidade do carpe diem ;
• Mantinha uma atitude estóica;
• Buscava constantemente a ataraxia;
• Necessitava de nos transmitir uma ilusão de calma, felicidade e liberdade;
• Mantinha uma atitude apática perante tudo o que o perturbava e os mistérios da vida;
• Cria em vários deuses;

Características fundamentais a nível estético e estilístico da poesia de Ricardo Reis


• Presença de versos rigorosos;
• Uso da ode;
• Mantinha um estilo latinizante;
• Os seus poemas tinham uma estrutura formal perfeita;
• Uso do hipérbato;
• Os recursos estilísticos predominantes são a metáfora, a comparação e a imagem;
• Influenciado pelo estilo horaciano usava frequentemente o plural

Álvaro de Campos: O poeta da modernidade

ÁLVARO DE CAMPOS - CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS:


• Álvaro de Campos, a refletir a insubmissão e rebeldia dos movimentos vanguardistas da segunda década do século
XX, olha o mundo contemporâneo e canta o futuro.

• Álvaro de Campos é o poeta, que, numa linguagem impetuosa, excessiva, canta o mundo contemporâneo, celebra
o triunfo da máquina, da força mecânica e da velocidade. Dentro do espírito das vanguardas, exalta a sociedade e a
civilização modernas com os seus valores e a sua “embriaguez” (ex: Ode Triunfal…).

• Diferentemente de Caeiro, que considera a sensação de forma saudável e tranquila, mas rejeita o pensamento, ou
de Ricardo Reis, que advoga a indiferença olímpica, Campos procura a totalização das sensações, conforme as
sente ou pensa, o que lhe causa tensões profundas.

• Como sensacionista, é o poeta que melhor expressa as sensações da energia e do movimento, bem como as
sensações de“sentir tudo de todas as maneiras”. Para ele a única realidade é a sensação.

• Em Campos há a vontade de ultrapassar os limites das próprias sensações, numa vertigem insaciável, que o leva a
querer “ser toda a gente e toda a parte”. Procura unir em si toda a complexidade das sensações.

• Mas, passada a fase eufórica, o desassossego de Campos leva-o a revelar uma face disfórica, a ponto de desejar a
própria destruição. Há ai a abulia e a experiência do tédio, a deceção, o caminho do absurdo.

• Incorporando todas as possibilidades sensoriais e emotivas, apresenta-se entre o paroxismo da dinâmica em fúria e
o abatimento sincero, mas quase absurdo.

• Depois de exaltar a beleza da força e da máquina por oposição à beleza tradicionalmente concebida, a poesia de
Campos revela um pessimismo agónico, a dissolução do “eu”, a angústia existencial e uma nostalgia da infância
irremediavelmente perdida.

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• Na fase intimista de abulia, observa-se a disforia do “eu”, vencido e dividido entre o real objectivo e o real
subjectivo que o leva a sensação do sonho e da perplexidade (ex: Tabacaria). Verifica-se, também, a presença do
niilismo em relação a si próprio, embora reconheça ter “todos os sonhos do mundo”.

Nasceu em 1890 em Tavira e é engenheiro de profissão. Pessoa considera que Campos se encontra no
“extremo oposto, inteiramente oposto, a Ricardo Reis”, apesar de ambos serem discípulos de Caeiro .
Distancia-se, no entanto, muito do seu mestre ao aproximar-se de movimentos modernistas como o futurismo e
o sensacionismo. Distancia-se do objetivismo e perceciona as sensações distanciando-se do objeto e centrando-se no
sujeito, caindo, pois, no subjetivismo que acabará por enveredar pela consciência do absurdo, pela experiência do
tédio, da desilusão .
O sensacionismo faz da sensação a realidade da vida e a base da arte. O eu do poeta tenta integrar e unificar
tudo o que tem ou teve existência ou poderá vir a existir.

As 3 fases de Álvaro de Campos:

1. Fase Decadentista - A do poema "Opiário" - que exprime a nostalgia de além, estilo confessional divagativo, embriaguez
do ópio, cansaço da civilização, o tédio, decadentismo e a sonolência e a necessidade de novas sensações.

2. Fase Futurista/ Sensacionista - A da "Ode Triunfal" - há um excesso de sensações modernas, da volúpia da imaginação, a
tentativa de totalização de todas as possibilidades sensoriais e afectivas, a inquietude, a exaltação da energia explosiva, de
"todas as dinâmicas", da velocidade e da força. Defensor de uma estética não-aristotélica baseada não já na ideia de beleza,
mas sim na ideia de força. Cantor delirante da Energia, do Progresso e da civilização industrial.
O poema "Ode Triunfal" exemplifica claramente esta fase poética do heterónimo Álvaro de Campos. O título sugere
logo qualquer coisa de grandioso, não só no conteúdo como na forma. A irregularidade métrica e estrófica, típicas da poesia
modernista, afastam logo o poema da lírica tradicional portuguesa.
Este ritmo irregular traduz a irreverência e o nervosismo do próprio poeta. A nível estilístico, sobressaem inúmeras
metáforas, comparações, imagens, apóstrofes, anáforas (entre outras), a fim de realçar o sensacionismo de Campos. Há que
destacar que nem tudo é entusiasmo nesta ode. Assim, logo no início, o poeta escreve “À dolorosa luz das grandes lâmpadas
eléctricas da fábrica” e tem “febre”. Ao longo do texto há um desfilar irónico dos escândalos da época: a desumanização, a
hipocrisia, a corrupção, a miséria, a pilhagem, os falhanços da técnica (desastres, naufrágios), a prostituição de menores,
entre outros. O poeta tanto manifesta o desejo de humanizar as máquinas, através das apóstrofes (“Ó rodas, ó
engrenagens, ó máquinas!...”), como também de se materializar ao identificar-se com as máquinas (Ah! poder eu exprimir-
me como um motor se exprime! Ser completo como uma máquina! ").O mais surpreendente no poema é que, depois de o
poeta ironizar os ridículos da sociedade moderna, ele identifica-se com eles ao exprimir (“Ah, como eu desejava ser o
souteneur disto tudo!").

3. Fase Intimista/ Abúlica - A partir de 1916, perante a incapacidade das realizações, é o poeta do abatimento, da abulia, da
angústia, da revolta, da atonia, da aridez interior, cosmopolita, decaído, melancólico, refúgio em si mesmo num pessimismo
agónico. Irmão de Pessoa ortónimo, na dor de pensar e nas saudades da infância.
Álvaro de Campos, tanto celebra a civilização industrial e mecânica, como expressa o desencanto do quotidiano
citadino. Exalta a beleza da força e da máquina, mas acaba por revelar a dissolução do "eu". Passada a fase eufórica, Campos
revela uma fase disfórica. Procura continuadamente sentir tudo de "todas as maneiras".

O imaginário épico

I. Matéria épica- a exaltação do Moderno:


▪ Elogio do cosmopolitismo;
▪ Exaltação eufórica da máquina, da força, da velocidade, da agressividade, do excesso;
▪ Integração de todos os tempos e de todo o processo num poema;
▪ Emoção violenta e “pujança de sensação”, com pendor épico;
▪ A nova poesia como expressão da civilização moderna;

II. O arrebatamento do canto:


▪ O cântico reflete a grandiosidade da matéria épica;
▪ Poema extenso, com versos livres e longos;
▪ Estilo esfuziante e torrencial;
▪ abundância de recursos expressivos.

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Reflexão existêncial: Sujeito, consciência e tempo; a nostalgia da infância


▪ Consciência dramática da identidade fragmentada.
▪ Ceticismo perante a realidade e a passagem do tempo.
▪ Angústia existêncial, solidão, abulia, cansaço e morbidez.
▪ Introspeção e pessimismo – dor de pensar.
▪ A náusea, a abjeção e o “sono” da vida quotidiana.
▪ Evasão para o mundo da infância feliz, irremediavelmente perdido.

A poesia de Álvaro de Campos apresenta:


• o predomínio da emoção espontânea e torrencial;
• o elogio da civilização industrial, moderna, da velocidade e das máquinas, da energia e da força, do progresso;
• um poeta virado para o exterior, que tenta banir o vício de pensar e acolhe todas as sensações;
• a ansiedade e a confusão emocional - angústia existencial;
• o tédio, a náusea, o desencontro com os outros;
• a presença terrível e labiríntica do "eu" de que o poeta se tenta libertar;
• a fragmentação do "eu, a perda de identidade;
• o sentido do absurdo;
• a excitação da procura, da busca incessante;
• o verso livre e longo;
• um estilo esfuziante, torrencial, dinâmico;
• exclamações, interjeições, enumerações caóticas, anáforas, aliterações, onomatopeias;
• uma desordem de ritmos, violência de metáforas - desespero por não poder meter as sensações nas palavras.

Bernardo Soares, “O Livro do Desassossego”

Bernardo Soares é o menos autonomizado dos principais heterónimos, e por isso é considerado por Pessoa um
semi-heterónimo. Segundo Pessoa, na carta a Adolfo Casais Monteiro, “não sendo a personalidade minha, é, não diferente
da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afetividade”.
O Livro do Desassossego, caracterizado por uma organização fragmentária, reúne um conjunto de textos de
natureza essencialmente subjetiva. Neles, o narrador, frequentemente apresentado na situação de observador acidental
durante a deambulação pelo espaço urbano, regista as impressões que a realidade lhe provoca e, por vezes, dedica-se à sua
transfiguração poética.
Bernardo Soares parte do mundo exterior, do quotidiano e do imaginário urbano de Lisboa para refletir, de forma
desassossegada, sobre a realidade. Tal ocorre em fragmentos que fazem do Livro do Desassossego uma espécie de diário.
Neles, na posição de observador acidental, o narrador conjuga deambulação e sonho. O vaguear e o contemplar a cidade
levam-no frequentemente a transformá-la através da imaginação, apresentando, nos seus textos, a transfiguração poética
do real.
A natureza fragmentária da obra é uma das suas marcas da modernidade e advém da intencional descontinuidade
dos textos que o integram; “Não tendo sido composto nem acabado, o Livro do Desassossego é, para todo o sempre, um
work in progress. (…) Começado como uma recolha de ensaios e de textos poéticos em prosa, (…) o livro torna-se em seguida
um jornal íntimo. (…) O desassossego, que é o fio condutor do seu livro, é esta “fermentação” mental que provoca o
apodrecimento do tempo vivido. (…) É a impossibilidade de encontrar o repouso, a paz de alma, o conforto intelectual ou
espiritual.”

1. O imaginário urbano e o quotidiano


Os fragmentos, maioritariamente configurados com prosa diarística, prosa poética e narrativa, revelam o sujeito no
seu banal quotidiano de ajudante de guarda-livros. Do espaço em que se movimenta ele transmite a descrição do
quotidiano das ruas de Lisboa, construindo um imaginário urbano confinado às ruas da Baixa, num perímetro de extensão
exígua, em torno da Rua dos Douradores, rotineiramente frequentada.
Bernardo Soares reconhece que o fracasso que marca o seu quotidiano decorre, em parte, da inaptidão para lidar
com estas questões pragmáticas da existência («Nunca aprendi a existir»). Consciente desta sua característica, acredita que
todos os seus sonhos estão à partida condenados ao desastre, motivo pelo qual se refugia numa atitude de inércia.
Considera que a condição de ser pensante o torna superior aos indivíduos que o rodeiam, seres estes que estão
marcados pela inconsciência que se contentam com uma existência marcada pela mediocridade. É por este motivo que se
refugia numa solidão voluntária.

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2. Deambulação e sonho: o observador acidental


O núcleo mais significativo do Livro do Desassossego é o deambular pela cidade de Lisboa, uma fina deambulação
do seu real. Além disso, é a idealização constante de uma consciência lúcida, ruída pela angústia do tempo e do tédio,
brilhante, às vezes paradoxal.
O único meio para escapar a esse “sentimento de a vida não ser nada” é sonhá-la. Sonhá-la deliberadamente, visto
que, de todas as maneiras, mesmo sem o querer e sem o saber, é o que nós fazemos. Quando Soares fala do sonho ou do
devaneio, não se trata da atividade ao longo do sono, estranhamente ausente desse universo mental, mas da imaginação,
do devaneio do sonho acordado.
Em vários fragmentos do livro, o enunciador percorre as ruas de lisboa e regista as perceções que tem da cidade
recordando o que Cesário Verde tinha feito em «um sentimento do ocidental».
A deambulação permite observar e fazer registos sobre diferentes lugares e elementos do real que se cruzam com
o sujeito. A relação desta personagem com a realidade em que vive e o lugar em que se inscreve que o conduzem ao
desassossego, que tem origem na insatisfação, no tédio, no seu temperamento sonhador, nas circunstâncias adversas da
sociedade em que vive.
Os momentos descritivos e os narrativos são frequentemente o ponto de partida para reflexões ou abrem portas
para a imaginação e para o mundo do sonho: o «eu» imagina-se «outro» noutro lugar que ele próprio cria atrás da
imaginação. No fundo, é no mundo “do sonho” que se procura por termo ao seu desassossego.
Em permanente deambulação, o sujeito é o observador acidental da realidade. Ele observa as pequenas
movimentações e gestos quotidianos, sem relevância aparente e, permanecendo à margem daquilo que observa, parte
mentalmente para digressões para o mundo real. Dessas digressões para o sonho é um pequeno passo. Assim, a
deambulação pelas ruas da baixa lisboeta percorridas pelo sujeito é, simultaneamente um mergulho dos sentidos,
sobretudo da visão e da audição e um ponto de fuga para a imaginação e sonho.

3. Perceção e transfiguração poética do real


A perceção que o «eu» tem e regista do real é a que podemos apelidar de objetiva.
É a imaginação que serve de ponte entre as paisagens exteriores e o mundo interior e a realidade interior
ultrapassa a exterior. Assim, substitui o real exterior pelo interior. Há também as paisagens e as experiências que foram
interiorizadas pelo «eu» e que são caracterizadas como suas: “certos quadros, sem sombra de relevo artísticos, certas
oleogravuras que havia em paredes com que convivi muitas horas- passa a realidade dentro de mim”. Nestes casos, o
enunciador seleciona aspetos do mundo exterior que transforma interiormente, de forma artística e imaginativa. O «eu»
transfigura assim o real, torna-o seu e/ou muda-lhe a forma pelas palavras usadas na transfiguração poética: “os bancos do
elétrico, de um entretecido da palha forte e pequena, levam-me a regiões distantes, multiplicam-se-me em indústrias,
operários…”
As ruas da cidade e os seus caminhantes, o escritório, o quarto alugado, ou qualquer outro que lhe proporcione
imagens do real, captam a atenção do sujeito e, frequentemente, o seu olhar, assemelhando-se a uma objetiva em zoom,
que se vai aproximando, fixando-se num pormenor. Contudo, o pormenor fixado provoca no sujeito uma associação, uma
lembrança que o transporta para um pensamento do que não está ali. Mais do que a perceção realista da cidade, o que os
textos transmitem é a transfiguração poética do real.
A sua deambulação pela realidade chega a modos de análise subjetiva. De facto, Bernardo Soares expõe no Livro do
Desassossego viagens interiores que conduzem a uma transmutação subjetiva.

4. Análise dos fragmentos:


I. Fragmento 1 – “Eu não fiz senão sonhar”
À semelhança do ortónimo, também Soares parece anular a vida em favor do sonho desta fazendo a apologia da
passividade da vida, num claro diálogo com Ricardo Reis.
“A [minha] mania de criar um mundo falso” acompanhou-o sempre, o que é revelador da primazia da imaginação
criadora em relação às impressões exteriores, numa abstração permanente da perceção que permite a viagem na
imaginação, quando “o real se esquece de si mesmo para se deixar apreender numa forma sem formas”. A recusa do meio
social e a afirmação de que solipsismo (conceção que acredita que para além de nós só existem as nossas experiências), com esse “mundo de amigos
dentro de mim, com vidas próprias, reais, definidas e imperfeitas”, é uma marca evidente desta obra, em que o princípio da
autossuficiência percorre outros fragmentos, como veremos, transformando o sonho no motor da comunhão com o
“outro”.
“Quando sonho isto, e me visiono encontrando-os, todo eu me alegro, me realizo, me pulo, brilham-me os olhos,
abro os braços e tenho uma felicidade enorme, real” –, fazendo com que haja saudades das figuras sonhadas, mais do que
as saudades chorosas da infância perdida.
O “passado morto” que se quer trazer na algibeira e que não pertence a nenhum espaço, ou as “flores do jardim”,
“as hortas”, todos esses elementos provincianos e acolhedores só existem nele enquanto coisa sonhada – “tudo isto, que
nunca passou de um sonho, está guardado em minha memória a fazer de dor e eu, que passei horas a sonhá-los, passo
horas depois a recordar têlos sonhado e é, na verdade, saudade que eu tenho, um passado que eu choro”.
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Tudo isto é o sonho, gravado ‘até ao infinito’ na memória, e visto como “uma vida real morta que fito, solene, no
seu caixão”.
Para além da observação da paisagem interior, há “também as paisagens e as vidas que não foram inteiramente
interiores”, nomeadamente os quadros que o marcaram e que “passam a realidade dentro de mim”.
Há uma sensação diferente, “mais pungente e triste”, devido à impossibilidade de integração numa dessas
paisagens bucólicas. Afinal, o sonho e o real coincidem nessa falta de dimensão física, no ‘não espaço’. O “mal da vida” é,
afinal, o drama de ser consciente, essa “doença de ser consciente”, sem que haja para esta figura uma ilha que abrigue “os
isolados no sonhar!”.
Não há soluções mágicas e não há “ilhas extremas do sul”, como diria o ortónimo, que permitam a fuga longa da
realidade. Cresce a tristeza, cresce a angústia – “Ter de viver e, por pouco que seja, de agir; ter de roçar pelo facto de haver
outra gente, real também, na vida!” –, cresce a consciência e o sentido de inutilidade de tudo.

II. Fragmento 2 – “Amo, pelas tardes demoradas de verão, o sossego da cidade baixa”

Apesar da manifesta indiferença pelo mundo, o olhar deste ajudante de guarda- livros tudo observa e tudo regista,
sendo a cidade de Lisboa um espaço de construção intelectual deste “viajante acidental”, que, tal como Cesário Verde,
também deambula pelas ruas da capital, mas também viaja em transportes, visualizando as paisagens físicas e as suas
gentes, que são também, como revela a dado momento, paisagens – “Não distingo, fundamentalmente, um homem de uma
árvore”.
As descrições da cidade de Lisboa conferem a verosimilhança necessária ao ajudante de guarda-livros e marcam a
antítese realidade exterior (visto) vs. realidade interior (sentido). Soares desprende-se de tudo o que é humano, menos
das sensações, que são tudo para ele. Daí que a perceção exterior da capital seja, no fundo, uma extensão dele próprio.
À semelhança do poema “O Sentimento dum ocidental”, também aqui se sente esse contágio metonímico da
cidade, que se reflete no espaço vazio do “eu” – “Amo, pelas tardes demoradas de verão, o sossego da cidade baixa, e
sobretudo aquele sossego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha em mais bulício. […] toda a linha separada
dos cais quedos tudo isso me conforta de tristeza, se me insiro, por essas tardes, na solidão do seu conjunto”. […] Por ali
arrasto, até haver noite, uma sensação de vida parecida com a dessas ruas. De dia elas são cheias de um bulício que não
quer dizer nada; de noite são cheias de uma falta de bulício que não quer dizer nada. Eu de dia sou nulo, e de noite sou eu”.
É dolorosa a apologia do inútil, do não ser, nesse destino comum e abstrato para os homens e para as coisas. O
tédio de existir é evidente, nessa tristeza que invade o seu ser “Nessas horas lentas e vazias”. E porquê? Porque tudo é
uma sensação sua, mas também uma coisa externa, que não cabe a Soares alterar. Os sonhos, então, nem sempre
substituem a realidade. Por vezes, até são idênticos à realidade, porque surgem do exterior, “como o elétrico que dá a volta
na curva extrema da rua”.
A observação dos transeuntes revela essa massa anónima e quotidiana, nomeadamente os “casais futuros”; os
“pares das costureiras”; os “rapazes com pressa de prazer”; os “reformados de tudo” ou os “vadios parados que são donos
das lojas”. Desta forma, essa “gente normal” acaba por ser símbolo da realidade observada, atores de um filme do qual
Soares é observador: “Por ali arrasto, até haver noite, uma sensação de vida parecida com a dessas ruas”.
Acentua-se a transitoriedade de tudo e o sentimento de alheamento face a tudo isto que é, afinal, “a salada
coletiva da vida”, o que faz com que haja “uma paz de angústia, e o meu sossego é feito de resignação”. Sem vontade
própria, Soares caminha na vida de forma automatizada e sem ambições, desejos ou emoções – “Passa tudo isso, e nada de
tudo isso me diz nada, tudo é alheio ao meu sentir, indiferente, até, ao destino próprio, inconsciência”.

III. Fragmento 3 – “Quando outra virtude não haja em mim, há pelo menos a da perpétua novidade da sensaçao
liberta”
Em mais um movimento deambulatório – “Descendo hoje a Rua Nova do Almada” –, Soares descreve um
acontecimento banal do quotidiano – “reparei de repente nas costas do homem que a descia adiante de mim” – que
desperta nele algo parecido com ternura pela “vulgaridade humana”, pela “inocência de viver sem analisar”. É evidente a
ternura pela vida sem surpresas e vazia de pensamento analítico.
Este olhar de ternura “absurda e fria” que se estende aos demais – “tudo isto” – é como uma sensação “idêntica
àquela que nos assalta perante alguém que dorme”. Estes seres que por ele passam com a sua atitude consciente são, no
fundo, inconscientes, porque não têm consciência da sua consciência, tal como a ceifeira. Também “as costas deste homem
dormem”, aliás, todo ele dorme, porque vive inconscientemente – “Vai inconsciente. Vive inconsciente. Dorme, porque
todos dormimos. Toda a vida é um sonho. Ninguém sabe o que faz, ninguém sabe o que quer, ninguém sabe o que sabe.
Dormimos a vida, eternas crianças do Destino”.
A sua ternura estende-se a toda a humanidade infantil, a toda a sociedade dormente (inconsciente), sentindo
“compaixão do único consciente”, alheio a tudo isto. Se tudo é um estado de sonolência, todas as ações são inúteis, sendo
meras coisas que sucedem no intervalo entre uma realidade e outra, tal como todos são iguais – bons e maus –, porque, no
sono, todos são indistintos. Apesar de a vida ser vista como sem sentido, incluindo a sua, só ele tem essa consciência –
assim, só para ele a vida é sem sentido, porque só ele tem essa consciência. Soares, enquanto ser acordado (consciente),
opõe-se àquele homem adormecido, símbolo da inconsciência humana.

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Desta forma, a ternura (irónica) que sente por este homem individual é metonimicamente alargada a toda a
humanidade, da qual se distancia, mas pela qual sente a compaixão condescendente por quem não tem “consciência da
inconsciência”.
Tal como Ricardo Reis, Soares também observa os outros de forma distanciada e sente o repúdio da inconsciência,
o repúdio da “normalidade” da vida inconsciente, como o partilhar, o conviver. Ser consciente é isolar-se de quem sente
tudo isto, é ser estrangeiro, é sentir desassossego.

IV. Fragmento 4 – “Releio passivamente, recebendo o que sinto como uma inspiração e um livramento, aquelas
frases simples de Caeiro”
A espontaneidade de Caeiro no Poema VII de O Guardador de Rebanhos, de Caeiro – “Porque eu sou do tamanho
do que vejo” – não encontra eco no Livro do Desassossego, no qual tudo é metafísico. Assim, nessa ânsia de se deixar
contaminar pela naturalidade do Mestre, repete os versos do “pastor por metáfora”, para se esvaziar da metafísica –
“Frases como estas, que parecem crescer sem vontade que as houvesse dito, limpam-me de toda a metafísica que
espontaneamente acrescento à vida”.
Porém, tudo isto é em vão, visto que é incapaz de apenas fruir a vida, porque, “consciente de saber ver, olho a
vasta metafísica objetiva dos céus todos com uma segurança que me dá vontade de morrer cantando. ‘Sou do tamanho do
que vejo!’ E o vago luar, inteiramente meu, começa a estragar de vago o azul meio- negro do horizonte.”
A dicotomia espontaneidade/racionalidade é latente e, após sonhar apregoar “uma nova personalidade larga aos
grandes espaços da matéria vazia”, Soares retrai-se e fica subjugado pela “paz indecifrável do luar duro que começa largo
com o anoitecer”.
Assim, o saber “florir”, o ser espontâneo não é possível e o duro pensamento analítico abate-se sobre Bernardo
Soares.

V. Fragmento 5 – “O único viajante com verdadeira alma que conheci era um garoto de escritório que havia
numa outra casa, onde em tempos fui empregado”
Através da singular história de um rapazito que trabalhava num escritório e que “Não só era o maior viajante,
porque o mais verdadeiro”, como também uma das pessoas mais felizes, aflora-se a inocência do jovem colecionador, que
coleciona com inteligência perante a estupidez dos adultos. Colecionar destinos, traçar rotas sem viajar é o ato supremo de
inteligência e de lucidez – a negação da viagem física.
No presente, Soares desconhece o paradeiro deste jovem, supondo sentir pena, mas imaginando que este rapazito
deve ser agora “estúpido”, isto é, inconsciente, tributável, quotidiano. Está “morto” agora, enquanto antes estava “vivo” e
viajava com a alma – “deve ser homem, estúpido, cumpridor dos seus deveres, casado talvez, sustentáculo social de
qualquer – morto, enfim, em sua mesma vida.É até capaz de ter viajado com o corpo, ele que tão bem viajava com a alma.”
O mundo deve ser construído dentro de cada indivíduo através da imaginação, daí a necessidade da ação
exterior. É “melhor, senão mais verdadeiro, o sonhar com Bordéus do que desembarcar em Bordéus.” A viagem mental não
se prende à realidade que desfila perante os seus olhos, mas sim aos pensamentos individuais. Para além disso, para
quem desiste da vida, a experiência dessa mesma vida é inútil. Para quê, no fundo, viver, se há o sonho? Paris, China… serão
realidades iguais, porque (re)construídas pelos mesmos significados, apenas mudando a geografia.
Segundo Soares, há um anjo da guarda que abandona as crianças, “como as mães animais às crias crescidas, ao
cevado que é o nosso destino”, o que torna os homens vítimas inocentes e ingénuas das teias do Destino, que sobre tudo
desce.

VI. Fragmento 6 – “Tudo é absurdo”


“Tudo é absurdo” – todos aqueles que se empenham em algo são absurdos, seja em garantir a subsistência da
família, seja em alcançar a fama e a glória. Os ecos da poesia de Reis são evidentes neste excerto (“Um lê para saber,
inutilmente. Outro goza para viver, inutilmente”), em que Soares narra os seus pensamentos enquanto vai “num carro
elétrico”, “reparando lentamente” em pormenores – “coisas, vozes e frases” – das pessoas que o circundam.
Esse olhar analítico leva-o ao pormenor do vestido que observa, derivando para a fábrica onde foi confecionado e
na qual os operários fazem diariamente o seu trabalho. Desta forma, toda a vida social acaba por estar ali representada
porque tem aquele vestido sem rosto diante de si – “mas não é só isto: vejo, para além, as vidas domésticas dos que vivem a
sua vida social nessas fábricas e nesses escritórios...Todo o mundo se me desenrola aos olhos só porque tenho diante de
mim, abaixo de um pescoço moreno, que de outro lado tem não sei que cara, um orlar irregular regular verde-escuro sobre
um verde-claro de vestido. Toda a vida social jaz a meus olhos”.
O ato espontâneo de analisar o real e de partir para a imaginação de todas as vidas contidas naqueke vestido que
leva este observador acidental a preencher a sua vida com a vida dos outros. Estes continuam com as ações dinâmicas,
enquano o observador comtempla, estaticamente. A vosão do real afasta-se da objetividade para se tornar no real imbuído
de sensações interiores, que formarão a imaginação – “Saio do carro exausto e sonâmbulo. Vivi a vida inteira”.
Efetivamente, Soares faz do quotidiano a base da sua viagem imaginária, escrevendo nas páginas desconexas do
seu diário o desassossego da existência humana. Este passeio de elétrico (relembrando os que Pessoa fez com Ofélia)
transforma-se numa viagem pela imaginação, em que, assumindo- se como um espectador do mundo, deriva para o mundo
da imaginação. Tal como no excerto 3, Soares é o homem que se afasta da realidade, que observa os outros, embora
excluindo-se do convívio com estes, que não são seus semelhantes nas suas vidas inconscientes.
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Fernando Pessoa e a Mensagem

Mensagem é a única obra completa publicada em vida de Fernando Pessoa. Contém 44 poemas. Os seus poemas,
apesar de compostos em momentos diversos, têm como fio condutor da sua unidade a visão mítica da Pátria.

1. A Estrutura Tripartida
Os 44 poemas que constituem a Mensagem encontra-se agrupados em três partes que correspondem às etapas da
evolução do Império Português – nascimento, realização e morte.
O poema comça com a expressão latina Benedictus Dominus Deus noster qui deditnobis signum (Bendito o Senhor
Nosso Deus que nos deu o sinal).
Cada uma das partes do Poema inicia-se também com uma expressão latina: na primeira surge Bellum sine bello
(Guerra sem guerra). Na segunda parte, ocorre Possessio maris (Posse do mar). N1.1a terceira parte há uma Pax in excelsis
(Paz nos céus), que marcará o Quinto Império. O poema termina com a expressão Valete, Frates (felicidades irmãos).

1.1. Brasão
Esta primeira parte corresponde ao nascimento do Império Português. Portugal na Europa e em relação ao Mundo,
procurando atestar a sua grandiosidade e o valor simbólico do seu papel na civilização ocidental

1.2. Mar Português


Nesta segunda parte surge a realização da vida. Em “Mar Português”, Pessoa procura simbolizar a essência do ideal
de ser português vocacionando para o mar e para o sonho.

1.3. O Encoberto
A terceira parte corresponde a desintegração, começa por manifestar a esperança e o “sonho português”, pois o
atual Império encontra-se moribundo. Mostra a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição.

2. Discurso da Mensagem

Em Brasão, “Os Campo”, “Os Castelos”, “As Quinas”, “A Coroa” e “O Timbre”, são marcas de afirmação do passado,
de mágoa do presente e de antevisão do que há de vir. Em Mar Português, há um presente de glórias, que já não existe,
mas que faz parte da mémoria e alma portuguesa, capaz de fazer renascer uma nova luz, de permitir o advento do Quinto
Império. O Encoberto, depois de manifestar a crença num regresso messiânico, considera que, após a tempestade atual, a
chama há de voltar e a luz permitirá o caminho certo. Por isso que acredita que “É a Hora” de traçar novos rumos e
caminhar na construção de um Portugal novo.

Mensagem – Análise de textos

1.ª Parte
1. O dos Castelos
» Personificação da Europa
» “Futuro do passado” designa uma alma que permanece.
2. Ulisses
» Lenda da criação da cidade de Lisboa por Ulisses
» “O mito é o nada que é tudo”: apesar de fictício, legitima e explica a realidade
» O mito está num plano superior à realidade, dada a sua intemporalidade
3. D. Afonso Henriques
» D. Afonso Henriques equiparado a Deus, tendo como missão o combate aos Infiéis
» Vocabulário de dimensão sagrada: “vigília”, “infiéis”, “bênção”
» Referência ao aparecimento de Deus a D. Afonso Henriques na Batalha de Ourique
4. D. Dinis
» Mitificação de D. Dinis pela sua capacidade visionária (plantou os pinhais que viriam a ser úteis nos
Descobrimentos); construtor do futuro
» O Presente é “noite”, “silêncio” e “Terra”, enquanto que o futuro é os pinhais, com som similar ao do mar, daí a
“terra ansiando pelo mar”
5. D. Sebastião, rei de Portugal
» A “loucura” ou “sonho” é a capacidade de desejar e ter iniciativa, para ultrapassar o estado de “cadáver adiado que
procria” (simplesmente vive esperando a morte)
» Convite a que outros busquem a grandeza para construir algo importante (“Minha loucura, outros que me a
tomem”)
» Para ser grande, Portugal deve ter loucura e desejar grandeza, para poder “renascer o país”.

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» Enquanto figura histórica, D. Sebastião morreu em Alcácer-Quibir (“ficou meu ser que houve”) mas persiste
enquanto lenda e exemplo de “loucura” (“não o que há”)
» Apesar do fracasso, a batalha de Alcácer-Quibir é importante para motivar e recuperar Portugal do estado de
“morte psicológica”

2.ª Parte
1. O Infante
» “Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce”: descrição do processo de criação
» Porque Deus quis unir a Terra, “criou” o Infante D. Henrique para que este impulsionasse a obra dos
Descobrimentos
» Mitificação do infante, criado e predestinado por Deus
» Depois de criado o Império material (“Cumpriu-se o mar”), “o Império se desfez”, faltando “cumprir-se Portugal”,
sob a forma de um Quinto Império espiritual
2. Horizonte
» O horizonte (“longe”, “linha severa”, “abstrata linha”) simboliza os limites
» Descrição das tormentas da viagem (passado), da chegada (presente) e reflexão (projeção futura)
» A esperança e a vontade são impulsionadoras da busca
» O sucesso permite atingir o Conhecimento como recompensa
3. Ascensão de Vasco da Gama
» Capacidade de interferência de Vasco da Gama no plano mitológico das guerras entre deuses e gigantes
» Ascensão de Vasco da Gama e dos Portugueses, porque devido aos seus feitos “se vão da lei da morte libertando”,
perante pasmo quer no plano mitológico (deuses e gigantes) quer no plano terreno (pastor)
4. O Mostrengo
» Existência permanente do desconhecido
» O homem do leme treme com medo do perigo, mas enfrenta-o (herói épico)
» Imposição progressiva do homem do leme ao mostrengo
5. Mar Português
» Lamentação do “preço” dos descobrimentos e reflexão sobre a sua utilidade
» O mar (“sal”, “lágrimas”) é de origem portuguesa – mitificação de Portugal
» “Tudo vale a pena/Se a alma não é pequena”: o preço da busca é recompensado, neste caso tornando-se português
o mar.
» É no mar (desconhecido) que se espelha o céu
» Cumprir o sonho é ultrapassar a dor
6. Prece
» Poema de transição da 2.ª para a 3.ª parte da obra
» Descrição negativa do presente e consequente saudade do passado
» “O frio morto em cinzas a ocultou:/A mão do vento pode erguê-la ainda.”: Debaixo das cinzas ainda resta alguma
esperança
» Demonstração do desejo de novas conquistas
» Independentemente da conquista, interessa “que seja nossa” para recuperar a identidade e glória passadas.
» O Passado é representado pela grandeza nacional (Descobrimentos) e o Presente pela saudade do passado, daí a
necessidade de recuperar o fulgor e o tom de esperança implícito no poema

3.ª Parte
1. O Quinto Império
» “Triste de quem é feliz!”: Felicidade de quem não sonha, não passando de “cadáver adiado que procria”
» Quem sonha está permanentemente descontente, e por isso tem objetivos
» Depois de quatro Impérios, um novo nascerá, começado por D. Sebastião
» D. Sebastião morreu, mas a mitificação permanente permite que o sonho persista e que possa ser prosseguido –
“minha loucura, outros que me a tomem”
2. Screvo meu livro à beira-mágoa
» Descontente face à situação do mundo, o poeta vive na ânsia do sonho e da vinda do “Encoberto” para o despertar
» O vocativo varia, assegurando apenas a vinda de um messias, independentemente da sua identidade
» O sujeito poético apela à vinda do destinatário para “acordar” o povo
3. Nevoeiro
» Metáfora do Portugal presente, na indefinição, obscuridade e incerteza
» O país vê-se perante uma crise de identidade e valores
» Ao contrário da nação, o sujeito poético está inquieto, chorando a saudade do passado
» É chegada a hora de preparar o futuro, despertar o reino e cumprir a missão já que ao nevoeiro sucede um novo
dia.

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I Os Campos:
• Primeiro / O dos Castelos
• Segundo / O das Quinas
II Os Castelos:
• Primeiro / Ulisses
• Segundo / Viriato
• Terceiro / O Conde D. Henriques
• Quarto / D. Tareja
• Quinto / D. Afonso Henriques
• Sexto / D. Dinis

Bellum sine bello


PRIMEIRA PARTE
Sétimo (I) / D. João o Primeiro
• Sétimo (II) / D. Filipa de Lencastre

Brasão
III As Quinas:
• Primeira / D. Duarte, Rei de Portugal
• Segunda / D. Fernando, Infante de Portugal
• Terceira / D. Pedro, Regente de Portugal

Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum

Quarta / D. João, Infante de Portugal


• Quinta / D. Sebastião, Rei de Portugal
IV A Coroa:
• Nun’ Álvares Pereira
V O Timbre:
• A Cabeça do Grifo / O Infante D. Henriques
• Uma Asa do Grifo/ D. João Segundo
• A outra Asa do Grifo / Afonso Alburquerque
Mensagem

I. O Infante
II. Horizonte
III. Padrão
IV. O Mostrengo
SEGUNDA PARTE

Possessio maris
Mar Português

V. Epitáfio de Bartolomeu Dias


VI. Os Colombos
VII. Ocidente
VIII. Fernão de Magalhães
IX. Ascensão de Vasco da Gama
X. Mar Português
XI. A Última Nau
XII. Prece

I Os Símbolos:
• Primeiro / D. Sebastião
• Segundo / O Quinto Império
• Terceiro / O Desejado
• Quarto / As Ilhas Afortunadas
• Quinto / O Encoberto
II Os Avisos:
TERCEIRA PARTE

Pax in execelsis


O Encoberto

Primeiro / O Bandarra
• Segundo / António Vieira
• Terceiro / (Screvo meu livro à beira-mágoa…)

III Os Tempos:
• Primeiro / Noite
• Segundo / Tormenta
• Terceiro / Calma
• Quarto / Antemanhã
• Quinto / Nevoeiro

3. O mito do Quinto Império


O Quinto Império profetizado na Mensagem seria um império de fraternidade universal, que seria vivido na Terra.
Enraizando no mito do "Paraíso Perdido", aquele espaço edénico onde reinava a perfeição, o mito do Quinto Império
preconiza o renascimento humano numa outra era, num tempo futuro, ligado à simbologia solar e a toda a carga positiva
que a ela se associa.

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4. O que se espera dos portugueses?


A Mensagem celebra as qualidades dos portugueses, que no passado ajudaram a construir um país, e que no
futuro o deverão ajudar a reerguer-se.
Não se limitando, como Camões, ao elogio do português que desvendou novos mundos e que se “se mais
mundos houvera, lá chegara”, Fernando Pessoa destaca ainda a força de outrora de um povo dominador, possuidor de
um império territorial espalhado por vários continentes. Tudo isto aconteceu porque houve vontade, esforço, dedicação
e capacidade de sofrimento. Na verdade, quando se consegue conjugar o que “Deus quer” com o que “o homem sonha”,
então aí “a obra nasce”.
Agora, para que esse elogio continue a ser merecido e para que “possa cumprir-se Portugal”, cabe a este país e a
este povo guiar a Europa e o Mundo, até atingir um novo Império.

5. Sebastianismo
Fernando Pessoa, na Mensagem cria o herói, o Encoberto que se apresenta como D. Sebastião. Da história ao
mito: a inspiração providencial da figura de D.Sebasteão. D. Sebastião é representado pelo “Encoberto” que está
associado a uma dimensão messiânica de um salvador da pátria. A mitologia nacional indica o Sebastianismo como a
crença na regeneração futura de Portugal e de ideologia impulsionadora do Quinto Império.

6. Exaltação patriótica

O nacionalismo está presente por Portugal ser o tema central. O passado de inspiração, o presente de frustação
e o futuro de concretização. O sentido providencial e messiânico de Portugal está presente na eleição do povo para a
instituição do Quinto Império.

7. Simbologia
▪ Ilhas Afortunadas- Em Mensagem, Fernando Pessoa fala das Ilhas Afortunadas como mito e símbolo, é o espaço
onde se inventa a ideia de salvação, é lá que está o Desejado, o salvador, aquele ou aquilo que virá salvar a pátria,
fazê-la renascer, construindo o Quinto Império.

▪ Mostrengo- O Mostrengo, presente na Mensagem, de Fernando Pessoa, corresponde à figura do Adamastor de Os


Lusíadas, de Camões. Como este, é o guardião do mar tenebroso, no Cabo das Tormentas, mais tarde da Boa
esperança.O Mostrengo é a personificação do medo e do receio. O Mostrengo, ao ser vencido, permitiu a revelação
de um novo mundo aos Portugueses.
Por isso, o Mostrengo (tal como o Adamastor) representa os perigos e as dificuldades que se apresentam ao ser
humano que quer conhecer novos mundos, simboliza as dificuldades que temos que enfrentar quando queremos
explorar o desconhecido
▪ Os números- Os números que aparecem ligados à estrutura da obra são o um, símbolo da unidade, do ser, princípio
e fim de todas as coisas; o dois, símbolo da dualidade, da vida e da morte; o três símbolo da trindade, da união
Deus, Universo, Homem, das três fases da existência: nascimento, crescimento e morte; símbolo do homem (o
homem representado de braços abertos, em forma de cruz, salientando-se ainda o peito, ao centro, lugar do
coração e as pernas), é o número da união, do equilíbrio, da harmonia, é, assim, o símbolo da vontade divina que
deseja a ordem e a perfeição; o sete é o número que está associado à criação divina e ao poder, que estabelece uma
relação entre Deus e o Homem; o oito é universalmente o número do equilíbrio cósmico, do infinito;
o doze simboliza o universo durante o seu percurso cíclico espácio-temporal, é o universo na sua complexidade
interna.
Se olharmos para a estrutura da obra, verificamos que estes números estão sempre presentes quer na divisão
em partes, quer no número de poemas que compõe cada uma delas.

▪ Mar- Na Mensagem, o mar é "Elemento de ligação entre o passado e certeza adivinhada do futuro, o mar é o
símbolo do ser-se português". O mar surge associado ao desvendar do desconhecido, à demanda de um novo
mundo, de um novo tempo. É o espaço que concilia o perigo, a dor e a possibilidade de ultrapassar' o abismo e o
medo, é união, revelação e descoberta. O mar espelha o céu, o divino, é o caminho, é o espaço de concretização do
sonho/da loucura.
O mar é símbolo dinâmico da vida, por isso, o mar foi o caminho para a construção do império físico, o mar será
o caminho de busca dessa Índia por haver, como se pode ler no Dicionário de Símbolos de Jean Chevalier e Alain
Gheerbrant, "Tudo sai do mar e tudo aí volta: lugar do nascimento, da transformação e do renascimento.”
No mar está o Mostrengo, símbolo do desconhecido, do medo, do fantástico, do misterioso que urge combater e
destruir. Para lá do Mostrengo, estava o novo mundo. Vencer o Mostrengo, comparável ao Adamastor de Os Lusíadas, é
vencer os medos e as inseguranças.

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▪ Terra- A terra simboliza a função materna, pois é ela que dá a vida, é, portanto, a fonte do ser e a sua protecção.
Na Mensagem podemos associar às figuras femininas D. Tareja e D. Filipa de Lencastre. Ambas simbolizam a
concepção de seres excepcionais, que marcarão o destino da pátria. A primeira representa o início da La dinastia de
Portugal: "Ó mãe de reis e avó de impérios, / Vela por nós!," a segunda, dá origem à Ínclita Geração: “ Que enigma
havia em teu seio / Que só génios concebia?".

▪ Espada-Símbolo militar, da virtude e da bravura. Representando a força, possui uma dupla simbologia: a destruição,
mas também o combate à injustiça, à maldade, à ignorância, ganhando, então, uma dimensão positiva. Na
Mensagem, e seguindo de novo as palavras de Artur Veríssimo, na obra já citada, é "o símbolo da Guerra Santa, da
guerra interior, do Verbo, da palavra, da conquista do conhecimento, da libertação dos desejos, do poder, da
espiritualidade, da vontade divina, da justiça.". Este autor associa ainda a espada ao cavaleiro, à defesa do Bem.
Entre o cavaleiro e a sua espada cria-se uma ligação intrínseca, "mística", pois ela será a sua "companheira de vida
ou de morte". Esta interpretação é perceptível no poema Nun' Álvares Pereira: a espada confere ao herói uma
dimensão guerreira, mas é também luz que o guia, que permite desvendar e conhecer.

▪ Loucura-A loucura é vista como a força motriz que conduz o homem à genialidade, à heroicidade. É um traço
distintivo da grandeza, é a energia criativa, é aquilo que impulsiona à ação. Sem o sonho, sem a utopia, sem a
loucura, o homem toma-se incapaz de agir, é ela que o impulsiona na sua inquietação, na busca da distância,
da "febre de Além".

▪ Padrão- É um monumento erigido para assinalar as descobertas, é um símbolo de posse, de poder, é a afirmação da
conquista constante que traduz a insatisfação permanente, o desejo de ir mais além. Quando o homem atinge,
apesar da sua ousadia, coragem e esforço, os seus limites, sobra Deus: "Este padrão assinala ao vento e aos céus /
Que, da obra ousada, é minha parte feita: / O por jazer é só com Deus."

▪ Nau- Simboliza a viagem, a descoberta de novos mundos, novas culturas, que permitirão o alargamento do
conhecimento. Numa travessia difícil, a nau representa a segurança.

▪ Noite, Tormenta, Calma, Antemanhã, Nevoeiro- Estes são os títulos dos cinco poemas que constituem a terceira
secção, denominada Os Tempos, da terceira parte da obra e podem ser lidos como um todo.
A noite é o tempo do sono, da morte, da suspensão das energias e um momento de letargia. Representa o
estado do país que perdeu o Poder e o Renome.

A tormenta, na Bíblia representa a intervenção de Deus, nomeadamente a Sua cólera e pressupõe uma ideia de
agitação, que trará, no futuro, uma mudança: "Mas súbito, onde o vento ruge, / O relâmpago, farol de Deus, um hausto /
Brilha, e o mar 'scuro 'struge." A tormenta simboliza as aspirações do homem desejoso de uma vida menos banal.

A calma conota a ideia de pacificação, de desejo de regresso à tranquilidade, de reflexão.

Antemanhã/manhã simboliza o tempo em que a luz ainda está pura, em que não há corrupção. É sempre o
início de qualquer coisa, um tempo de descoberta, de recomeço, de esperança, de possibilidade, de redenção, de
revelação. Antemanhã é a passagem das trevas para a claridade.

8. Relação Intertextual Mensagem/ Lusíadas

• O épico fala dos heróis que construíram e alargaram o Império Português, para que a sua memória não
seja esquecida, enquanto Pessoa escolhe aquelas figuras históricas predestinadas a essa construção
imperial mas, através delas procura simbolizar a essência do ser português que acredita no sonho e se
mostra capaz da utopia para a realização de grandes feitos.

• Nos Lusíadas há a viagem à India, na Mensagem temos a avaliação do esforço, considerando que a glória
advém da grandeza da alma humana, apesar das vidas perdidas e de toda a espécie de sacrifícios dos
nautas mas também das mães, filhos e noivas.

Camões procurou em Os Lusíadas cantar os feitos gloriosos dos portugueses que deram início ao grande império
que se estendeu pelos diversos continentes. Pessoa, em Mensagem, cantou o fim do Império territorial, procurando
incentivar o aparecimento de um império de língua, de cultura e de valores.

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As Dificuldades- “O Mostrengo” da Mensagem ou o “Adamastor” de Os Lusíadas aproximam-se na sua mais profunda


imagem comunicativa. Ambos exprimem os perigos da aventura marítima para exaltar o espirito dos nautas e do povo
português.

Sintese:

Semelhanças
• Poemas sobre Portugal.
• Concepção da História Portuguesa enquanto demanda mística.
• D. Sebastião, ser eleito, enviado por Deus ao mundo, para difundir a Fé de Cristo.
• Os heróis concretizam a vontade divina.
• Conceito abstracto de Pátria.
• Apresentação dos heróis da História de forma fragmentária.
• Exaltação épica da acção humana no domínio dos mares.
• Superação dos limites humanos pêlos heróis portugueses.
• Superioridade dos navegadores lusos sobre os nautas da Antiguidade.
• Glória marcada pelo sofrimento e lágrimas.
• Sacrifício voluntário em nome de uma causa patriótica.
• Estrutura rigorosamente arquitectada.
• Evocação do passado (memória) para projectar, idealizar o futuro (apelo, incentivo).

Diferenças
Os elementos estruturantes das obras (forma e conteúdo) são marcados pela diferença de quatro séculos que separam os
autores

Os Lusíadas

• Dinamismo; a viagem, a aventura, o perigo.


• A acção, a inteligência, o concreto, o conhecimento do Império no apogeu e na decadência, a possibilidade de
ter esperança.
• O poeta dirige-se a D. Sebastião, que era uma realidade viva, e invectiva o rei a realizar novos feitos
que dêem matéria a uma nova epopeia.
• A memória e a esperança situam-se no mesmo plano.
• Concepção de heroísmo: concretização de feitos épicos pelos humanos.
• Amor à Pátria: enaltecimento e imortalização a História de Portugal e dos heróis portugueses, através de um
poema épico, trabalho árduo e longo.
• Linguagem épica, estilo grandiloquente.
• Epopeia clássica pela forma e pelo conteúdo. Narração da viagem de Vasco da Gama, da luta dos deuses, da
História de Portugal em alternâncias, discurso encaixado, analepses e prolepses.
• Assunto: os Portugueses e os feitos concretos cumpridos. O poeta canta a saga lusa na conquista dos mares.
• Os heróis agem norteados pela Fé' de Cristo, dando a conhecer novos mundos ao mundo. A missão de Vasco da
Gama foi coroada de êxito dela derivou o Império Português do Oriente; outra missão poderá ser realizada pelo
rei D. Sebastião: difusão do Cristianismo e conquistas no Norte de África.
• Epopeia de dimensão humanista-renascentista: acesso ao conhecimento dos segredos da Natureza pelo Homem

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Mensagem
• Estatísmo: o sonho, o indefinido.
• O abstracto, a sensibilidade, a utopia, a falta de razões para ter esperança, o sebastianismo.
• D. Sebastião é uma entidade que vive na memória saudosa do poeta, uma sombra, um mito.
• A esperança é utopia, só existe no sonho.
• Concepção de heroísmo: de carácter mental, conceptual. O autor identifica-se com os heróis e, através deles,
revela-se num processo lírico-dramático.
• Os heróis são símbolos de um olhar visionário, as figuras são espectros, resultado do trabalho do pensamento.
• Amor à Pátria: atitude metafísica, procura incessante do que não existe. Expressão de fé no Quinto Império,
evasão angustiada da vivência absurda.
• Linguagem épico-lírica, estilo lapidar.
• Mega-poema constituído por quarenta e quatro poemas breves, agrupados em três partes principais (1ª,2ª, 3ª,
sendo a 1ª e a 3ª subdivididas). De carácter ocultista, a sua natureza é predominantemente de índole
interpretativa, com reduzida narração.
• Assunto: a essência da Pátria e a missão que esta deverá cumprir,
• Os heróis, numa atitude contemplativa e enigmática, buscam o infinito: a Índia tecida de sonhos. A missão
terrena de Portugal foi cumprida por vontade divina; outra, de índole ocultista, aventura espiritual e cultural,
está ainda por cumprir a hegemonia do Quinto Império.
• Poema épico-lírico-simbólico-mítico, projecto de ideal de fraternidade universal: utopia. Elogio da loucura, do
sonho: evasão do real, valorização do imaginário.

O Império: apogeu e decadência


A epopeia Os Lusíadas celebra a ação grandiosa e heroica dos Portugueses que deram o início ao grande império
que se estendeu pelos diversos continentes. Ao relatar a viagem à India, entrecortando-a com episódios do passado e
profecias do futuro, Camões mostra a história do povo que teve a ousadia da aventura marítima.
O poema épico-lírico Mensagem canta de forma retratando o Portugal que se encontra declínio a necessitar de
uma nova força anímica.

Caracteristicas do discurso épico:


- Uso da 3ª pessoa (narratividade);
- Glorificação dos feitos heroicos de um herói e consequente mitificação;
- Protagonistas de estatuto moral e social elevado;
-Inserção de figuras e acontecimentos histórica.

Caracteristicas do discurso lírico:


- Uso da 1ª pessoa (subjetividade);
- Tom emotivo e linguagem expressiva;
-Forma fragmentaa (44 poemas).

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Contos
“Sempre é uma companhia”, Manuel da Fonseca

1. Resumo do conto:
“Carregado de tristeza, o entardecer demora anos. A noite vem de longe, cansada; tomba tão vagarosamente que o mundo parece
que vai ficar para sempre naquela magoada penumbra. Lá vêm figurinhas dobradas pelos atalhos, direito às casas tresmalhadas da
aldeia. Nenhuma virá até à venda falar um bocado, desviar a atençao daquele poente dolorido. São ceifeiros, exaustos da faina, que
recolhem. Breve, a aldeia ficará adormecida, afundada nas trevas. E António Barrasquinho, o Batola, não tem ninguém para
conversar, não tem nada que fazer. Está preso e apagado no silêncio que o cerca.”
Este conto relata a solidão da velhice nos povos do interior, como sendo o caso de Batola, o chapeirão redondo, pobre,
sozinho e sempre a beber vinho, e da sua mulher, uma senhora bastante diferente dele, alta e robusta, que abre a venda de manhã
e atende todos os fregueses. Batola era um homem baixo, carrancudo, que passa os seus dias sentado no banco em frente à venda,
onde só apareciam ceifeiros, já cansados e exaustos da faina, que recolhem para as suas casas. Era uma rotina, uma solidão imensa.
No meio da sua monotomia desolada, Batola recorda o seu amigo, o velho Rata, a sua única companhia, um mendigo que
se suicidara.
Numa tarde, ouviu-se um motor, coisa que não se ouvia à muito tempo na aldeia. Era um carro, com dois homens, um de
fato de ganga e outro muito bem vestido. Era um vendedor e o seu motorista, que pararam em frente à venda de Batola para pedir
uma bilha de água. Puseram-se à conversa e é então que, o vendedor pede a Calcinhas, o motorista, para tirar a “caixa” do modelo
pequeno. Um rádio. Este diz-lhe que quando quisesse, podia ouvir musica toda a noite e todo o dia, canções, fados e guitarradas, e
até noticias da guerra.
Batola, surpreendido e apaixonado pelo aparelho, pondera comprá-lo, mas a sua mulher diz-lhe que se o fizer, ela sai de
casa. É uma escolha que ele tem de fazer. O vendedor, apressado, sugeriu-lhes que, se ao prazo de 1 mês não o quisessem,
poderiam devolvê-lo a preço zero. A mulher concordou, e apartir daquele dia, todos se reuniam para ouvir as canções, comentar as
noticias de ultima hora, e assim por diante.
O velho Batola, antes sozinho e vivendo uma vida em que as horas passavam devagar, renasceu. Acordava cedo para
vender coisas aos fregueses e fazia notar a sua vivacidade, a sua vontade de saber mais. Nunca algo deste género tinha acontecido
na aldeia. Por contradiçao, a sua mulher, refugiou-se em casa, e ninguém soube dela durante o mês inteiro. O tempo passou tao
rapido, que o final do mês chegara e Batola tivera se esquecido de tentar convencer a mulher.
O conto termina com Batola, a guardar o aparelho e a sua mulher, ternuramente, a dizer-lhe “Olha… Se tu quisesses, a
gente ficava com o aparelho. Sempre é uma companhia neste deserto.”

• Solidão e convivialidade:
O título «Sempre é uma companhia» remete para a companhia que a rádio vinha trazer à população isolada,
invadindo a taberna e as suas vidas, com as notícias da II Guerra Mundial.
No conto de Manuel da Fonseca, as primeiras páginas anunciam o isolamento geográfico, a solidão e o silêncio,
bem como referem a chegada do automóvel.
Os habitantes de Alcaria viviam em condições indignas, de tao forma que perderam, praticamente, as suas
características humanas.
A chegada da rádio viria a permitir a ligação com o mundo, a tomada de contato com informação nova e que
permitia aos habitantes ter novos assuntos de conversa. Até mesmo as mulheres, que não costumavam frequentar a
taberna, passaram a fazê-lo.
Se a vinda da rádio havia interferido com a vida do casal, a possibilidade de ficarem sem a rádio era dolorosa,
pois os habitantes regressariam novamente ao seu isolamento. A mulher de Batola, apresenta-se, no final, com um ar
ternurento, contrastando com a altitude altiva inicial, afirmando que a radiofonia «sempre é uma companhia neste
deserto»

• Caracterização das personagens:


• António Barrasquinho, o Batola – preguiçoso, improdutivo, sonolento, bêbado, bate na mulher; tem nome e alcunha
típica do Alentejo; a sua indumentária é própria do homem alentejano. A Sebenta Português 12º ano Liliana Vieira Conde
3 morte do seu amigo Rata, acentua a sua solidão. É «atarracado, as pernas arqueadas», usa «chapeirão» e um «lenço
vermelho atado ao pescoço».
• Mulher de Batola – expedita, trabalhadora, incansável, é ela quem abre a venda e atende os clientes, voltando depois
para a lida da casa; ela é «alta, grave, um rosto ossudo», dotada de um sossego único, característica advinda da sua
possibilidade de por e dispor do governo da casa e do negócio.
• Rata – era mendigo e viajante, uma espécie de mensageiro. Quando Batola o escutava a tarde inteira, parecia que
também ele havia viajado pelo mundo. Quando deixou de poder viajar, suicidou-se.
• Caixeiro-viajante – vendedor de aparelhos radiofónicos, comerciante e amigo de vender

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• Os homens de Alcaria – figurinhas metaforicamente apresentadas com gado e que vivem em casas «tresmalhadas»: «o
rebanho que se levanta com o dia, lavra, cava a terra, ceifa e recolhe vergado pelo cansaço e pela noite. Mais nada que o
abandono e a solidão.» Têm falta de esperança numa vida velhor. Batola contrasta com estes, pois pode preguiçar, bebe
o melhor vinho da venda, tem um fio de ouro no colete, mas é solidário com os aldeãos. Partilha com este, a condição
animalesca dos conterrâneos: “rumina” a revolta; os suspiros saem-lhe “como um uivo de animal solitário”.
A intriga
• Peripécia banal: um engano de percurso leva um vendedor a Alcaria.
• Isolamento geográfico da aldeia e ausência de comunicação: abandono, solidão e desumanização da população.
Chegada do novo aparelho: a radiotelefonia.
• Ligação ao mundo: música e notícias.
• Alteração de comportamentos: devolução da humanidade.

O tempo
• Tempo histórico: anos 40 do século XX (referência à eletricidade e à telefonia).
• Passagem do tempo condensada: “há trinta anos para cá”, “todas as manhãzinhas”.
• Tempo sintetizado: da chegada do vendedor à partida do vendedor e prazo de entrega do aparelho – um mês.

O narrador
• O narrador de terceira pessoa narra os acontecimentos, comenta, conhece o passado e o mundo interior das
personagens (presença: não participante; ponto de vista: subjetivo; focalização: omnisciente)
• O narrador centra a atenção do leitor no abandono e solidão sentidos pelo protagonista.
• O narrador conhece os pensamentos de Batola e desvenda como se vão formando: o desgosto leva-o a fechar-se num
mundo de evocações

A atualidade
• Isolamento e falta de convivialidade.
• Relações entre homem e mulher.
• Vícios sociais: o alcoolismo, a violência doméstica.
• As inovações tecnológicas e alterações de hábitos sociais.

O espaço
• Aldeia de Alcaria: “quinze casinhas desgarradas e nuas”.
• Estabelecimento do casal Barrasquinho: “a venda” é um local onde reina o desleixo.
• “Fundos da casa”: espaço de habitação sombrio separado da venda.
• Locais “longínquos” por onde viajava Rata: Ourique, Castro Marim, Beja.

 Espaço fisico – Aldeia de Alcaria com “quinze casinhas desgarradas e nuas”, rodeadas pela “solidão do campo”.
 Espaço psicológico - Alteração do comportamento das personagens após a instalação da telefonia:
▪ Autoritária e oponente à compra da telefonia, a mulher de Batola revela possuir densidade psicológica,
já que, ao fim de um mês, faz um pedido submisso ao marido. A mulher respeita agora o “novo” Batola.
▪ Ocioso e apático, Batola torna-se ativo após a chegada da telefonia que o arranca da sua solidão.
▪ Os ceifeiros, outros solitários e condenados a uma existência árida, encontram naquele pequeno
aparelho a esperança de comunicação com o mundo.
 Espaço social- espaço rural pobre, duas condições de vida dos ceifeiros, alheamento social e falta de informação.

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“George”, Maria Judite de Carvalho

“George” é um conto da autoria de Maria Judite de Carvalho que aborda temas como a complexidade da natureza
humana, as metamorfoses da figura feminina, o diálogo entre realidade, memória e imaginação e as três idades da vida humana.
Primeiramente, ao iniciarmos a leitura do texto, percebemos que estamos perante duas figuras femininas que caminham
na rua e têm vestidos iguais. No entanto, ao longo do conto, vamos concluindo que as duas mulheres, afinal, são a mesma pessoa,
mas em idades diferentes. Gi tem 18 anos, olhos grandes e semicerrados, boca fina, cabelos escuros e lisos e pescoço alto. George,
com 45 anos, é apenas descrita como alguém que usa um vestido claro e amplo. Deste modo, vemos que George recorda o seu
passado representado em Gi e dialoga com ela, a partir da sua imaginação.
Em segundo lugar, e em oposição a Gi, surge na narrativa Georgina, uma senhora de 70 anos, que passa a dar conselhos à
artista de renome: George. Diversos indícios apontam para o facto de existir um desdobramento da personagem, neste caso, de
George, que se projeta, agora, no futuro. Estamos, portanto, perante uma personagem que se divide em três, as quais representam
o passado, o presente e o futuro.
Gi é uma personificação da ânsia de liberdade, da descoberta e do conhecimento. Recusa seguir o modelo feminino
imposto pela sociedade uma vez que não se quer casar nem ter filhos, sendo desapegada de qualquer laço afetivo, característica
esta que prevalece na figura do presente.
George representa a solidão, o desamparo e a exclusão, estando em constante processo de fuga.
Por sua vez, Georgina tem consciência da passagem do tempo, da efemeridade da vida e do poder. Em oposição às duas
outras figuras, dá importância aos laços afetivos.
Toda a obra é marcada pelo diálogo entre dois espaços, sendo estes o espaço físico/exterior, ou seja, a realidade, e o
espaço psicológico/interior relacionado com a imaginação e com a memória. Maria Judite de Carvalho tem uma linguagem e um
estilo ricos em recursos expressivos, o que permite ao leitor um maior envolvimento na história, uma maior compreensão da
dimensão psicológica da personagem e a possibilidade de acompanhar passo a passo a viagem que George realiza no espaço e
também no tempo.
Podemos, assim, concluir que, através das três idades da vida humana, este conto aborda a efemeridade da vida e a
importância dos laços afetivos.

Metamorfoses da figura feminina

Passagem do tempo: Convivialidade:


- Juventude; - Partida da vila e concretização do sonho de
- Idade Adulta; ser pintora;
- Velhice; - Alteração do visual (cor do cabelo);
-Irregularidade amorosa;
- Mudanças frequentes de residência.

As três idades da vida

Gi – 18 anos George – 45 anos Georgina- quase 70 anos


A “rapariguinha” do retrato: a A mulher independente, A velhice, o espectro da solidão
inocência, a juventude, a vida profissional e financeiramente e da inevitabilidade da morte.
familiar na vila. Representa o bem sucedida. Representa o Retrato construido com recurso
passado e a sua juventude. Tem presente. Mora em à imaginação. Perspetivação do
jeito para o desenho, tem uma Amesterdão e vai à sua terra futuro da sua figura. Trata-se de
namorado e a mãe está a natal para vender a sua casa uma velha, imperfeitamente
preparar-lhe o enxoval. de infância de modo a maquilhada.
desprender-se do passado.
Não possui nada seu, mora
em casas alugadas, desfez-se
dos livros, do passado apenas
possui uma foto dela em
jovem.

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Dialogo entre as idades:

Gi / George – Através do dialogo entre Gi e George percebe-se que a jovem tenciona abandonar a terra natal
(refere que o namorado não tem ambição senão a de ficar e construir uma casa). Tem a função de recordar a George o
seu passado.
George/Georgina – Tem a função de deixar antever a George o que será o seu futuro, um tempo marcado pela
solidão e pela degradação fisica, o que impedirá a protagonista de pintar até ao fim da sua vida.

“Familias desavindas”, Mário de Carvalho

Ramon era um galego, proprietário de um bom restaurante, que se candidatou ao cargo de «semaforeiro», função para que foi
selecionado de forma caricata, e que pertencia a uma família honesta e trabalhadora, que se dedicava à profissão pelo amor à mesma e
não ao salário, que era modesto («equivalente ao de um jardineiro»).
Ramon, o seu filho Ximenez e o seu neto Asdrúbal trabalhavam até altas horas da madrugada, pedalando na bicicleta que gerava
a energia que mudava as luzes do semáforo ou afinando-a quando era necessário.
O Dr. João Pedro Bekett tinha-se instalado no Porto, oriundo de Coimbra, com a sua família, num primeiro andar de um prédio
situado próximo do semáforo, onde tinha o seu consultório. Tratava-se de um médico afamado, mas que exagerava nitidamente no seu
espírito de missão. Obcecado por encontrar doentes que pudesse curar, considerava que o semáforo dificultava a sua ação. Por isso,
ofendeu, de forma arrogante, Ramon, que não gostou e passou a dificultar-lhe ainda mais a vida. Aqui teve início a inimizade, o conflito
e o ódio entre as duas famílias.
O filho (João) e o neto (Paulo), igualmente médicos, herdaram o ódio à família dos semaforeiros e deram seguimento ao conflito
com os descendentes de Ramon. A troca de insultos entre os dois lados da barricada prosseguiu, roçando por vezes o extremismo ou
raiando o conflito físico: por exemplo, o Dr. Paulo pedia aos seus clientes que insultassem o «semaforeiro»; certa vez, Asdrúbal levantou
a mão para o médico.
Quando Paco, bisneto de Ramon, sucedeu ao seu pai, Asdrúbal, deu-se um acidente: um jovem que passava de moto, ao tentar
um roubo por esticão, bateu no «semaforeiro» e deixou-o estendido, no chão. Então, o Dr. Paulo, na sua qualidade de médico, esqueceu
o ódio secular e socorreu Paco, cujas mazelas, no entanto, eram graves, pelo que teve de ser transformado de ambulância para o
hospital.
Após o acidente, o Dr. Paulo, com a sua bata branca, por remorso, passou a pedalar todos os dias, do nascer ao pôr-do-sol, para
manter o semáforo a funcionar, enquanto Paco se restabelecia.

O título
O título “Famílias Desavindas” prevê uma narrativa de conflitos entre famílias, indicando que o tema se
desenvolverá até à rutura e falta de entendimento. Contudo, a conclusão apresenta o último elemento da família dos
médicos cheio de remorsos pelo desentendimento com o semaforeiro ferido, condoendo-se dele e querendo desculpar-
se, dispondo-se a fazer o seu penoso trabalho. O conto é pois, não a história de uma guerra entre famílias, como o título
parece fazer crer, mas a de uma pacífica e bondosa reconciliação.

Constituição da obra
O primeiro parágrafo constitui a introdução, localizando a ação no espaço (uma rua do Porto) e apresentando o
motivo de toda a ação (a instalação de um insólito semáforo de pedais).
O desenvolvimento é constituído pelos parágrafos seguintes até “com Paco” (l.62). Aqui narram-se as
circunstâncias da instalação do semáforo e o conflito de famílias a que ele dá origem.
Na parte final, a conclusão apresenta a resolução do conflito, mostrando o arrependimento do representante da
família dos médicos e anunciando a pacificação entre as famílias.

Caracterização das Personagens

Família do semaforeiro:
• Ramon: “Cheio de boavontade”, “era esforçado”, tinha “amor à profissão”, tão focado no seu trabalho, “ Não gostava
que interferissem com o seu trabalho” (Sente-se magoado e triste pelo Dr.Bekett e inicio com o conflito).
• Ximenez: amor à profissão.
• Asdrubal: amor à profissão (insulta o médico Paulo).
• Paco: acessível, “se estivesse bem disposto, comuta, facilita” (Mantém o conflito com o dr. Paulo até ser socorrido pelo
mesmo no seu acidente).

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Família do médico:
• Dr. João Pedro: obsessivo, ambicioso; “andava pelas ruas a interpelar os transeuntes”; “boa fama”; “transbordava de
espírito de missão” (autor do primeiro conflito com o semaforeiro).
• Dr. João (filho): a sua personalidade é contraditória, no trabalho era, pessoa simples, “Médico muito modesto”, falta de
autoconfiança, inseguro, “Enganava-se, era um facto, mas fazia questão de orientar os pacientes para um colega”;
contrariamente, mantinha um enorme ódio para com o semáforo, “Herdou o ódio ao semáforo” (odeio o semaforeiro e
intensifica o conflito).
• Dr. Paulo: era inconveniente e impaciente, “Ouvia as queixas dos doentes, com impaciência, e depois impunha
silêncio.”; exibicionista e muito explicativo, “As doenças são provocadas por vírus ou bactérias. No primeiro caso,
chamam-se viróticas, no segundo, bacterianas.” (Insulta o semaforeiro Asdrúbal e mantém uma relação de conflito
também com Paco mas depois socorre-o, deixando os ódios de lado e solidariamente ocupa o lugar de Paco até este
voltar do hospital).

Marcos Históricos e seu valor:

Dobrar do seculo XIX: Época da industrialização (o progresso estava nos novos e insólitos inventos); Corrupção associada
à implantação dos semáforos no Porto.
Primeira Guerra Mundial : Simplificação e melhoria da máquina, concluida por inspeção camarária (retira-se a roda da
frente).
Segunda Guerra Mundial: Substituição do semaforeiro (época de mudança).
Pouco depois da Revolução de Abril: Novo semaforeiro, novos tempos.

Dimensão Irónica:

• O insólito com aparência de real (fantástico que se introduz no quotidiano recriado)


Conto em que se articulam dois universos logicamente incompatíveis:
→ o da realidade e da normalidade (verosimilhante) – que é reforçado e legitimado pelo narrador através de marcadores
históricos, de topónimos e de nomes de pessoas;
→ o do insólito /fantástico (inverosimilhante) – que é marcado pelo carácter incomum e pitoresco das ações narradas
(semáforo a pedais; escolha do primeiro semaforeiro; origem do conflito entre médicos e semaforeiros; acidente, que
culmina com o médico a assumir a função de semaforeiro).

• O cómico extraído do quotidiano


Denúncia, com recurso ao humor/cómico e à ironia, de aspetos negativos extraídos do quotidiano:
→ censura dos ódios entre famílias sem motivo;
→ vícios sociais como o suborno, a burocracia excessiva, a incompetência profissional (cf. descrição caricatural dos
médicos e da própria função de semaforeiro). O insólito com aparência de real (fantástico que se introduz no quotidiano
recriado).

A importância dos episódios e da peripécia final

De estrutura linear, esta história tem 3 sequências narrativas:


- O relato das histórias pessoais das duas familias;
- O conflito entre João Pedro Bekett e Ramon, resultando no ódio que se perpetua nos descendentes.
- a reconciliação entre ambos após o acidente de Paco, o que levou à rápida intervenção do Dr. Paulo Bekett.

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Poetas Contemporâneos

Temáticas
1) Representação do quotidiano- são abordados assuntos do quotidiano e representações dele à imagem do
poeta em questão;
2) Tradição literária- Influência de outras correntes e de outros autores faz-se sentir nos poetas
contemporâneos, seja através de temas como o amor, a passagem do tempo e a complexidade da
natureza humana;
3) Figurações do poeta- remete para a caracterização do poeta e reflexão sobre o papel do mesmo, tanto na
vida como no mundo ou poesia.
4) Arte poética- ocorre uma reflexão sobre a própria composição poética. Remete para a centralidade que a
própria poesia e o seu autor ocupam no seu processo de criação.

Representação do
Poeta Tradição Literária Figuração do poeta Arte poética
contemporâneo
Miguel Torga Comprometimento Temos ligação à Paixão pela Terra. Processo de criação
político e social com o condição humana: Consciência social e ética. como algo rigoroso
seu tempo (de ditadura). duelo Inquietação, agonia e e que implica
Presença da Natureza. homem/mundo; rebeldia do “eu” poético face sofrimento.
homem/Deus; ao seu tempo.
homem/criação Inconformismo quanto à
poética. condição humana.
Influência de
correntes e poetas
tradicionais, como
Pessoa e Camões
Ana Luísa Presença de espaços Temas ligados ao Ambiguidade “eu” poético vs Quotidiano
Amaral quotidianos, quer sejam quotidiano, à autor, numa poesia de enquanto motor da
eles interiores ou questão do género, contornos auto biográficos. matéria poética.
exteriores. ao amor. Aparente
Referência a Diálogo com a simplicidade do
acontecimentos comuns tradição anglo- poema e que
do dia a di, ligados às saxónica e esconde um
tarefas domésticas que reinvenção dos trabalho de
despetam curiosidade grandes poetas aperfeiçoamento.
poética. macionais – Camões
e Pessoa.

Luiza Neto Fragmentos do mundo Ligação à poesia do “Eu” poético atento ao real e Estilo puro e em
Jorge circundante. olhar e da descrição às ações quotidianas. transgressão com o
Poesia descritiva do real. do real que lembra, Diálogo com o leitor através cânone- subversão
Inquietação face ao Cesário Verde. da transgressão sintática que evidente na sintaxe
convencionalismo social implica a releitura e a que se afasta da
e à cidade responsabilidade do leitor na tradição.
desumanizada. perceção do produto Papel sacralizado
artistico. conferido à palavra

Manuel Comprometimento Diálogo intenso com Visão do poeta enquanto ser Poesia enquanto
Alegre político, denúncia da Camões e com as comprometido com o seu arma contra a
opressão da ditadura cantigas de amigo. tempo, batalhando pela opressão, a violência
salazarista(e do drama defesa da liberdade. e a falta de
da Guerra Colonial). liberdade.
Defesa das liberdade.

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Representação do
Poeta Tradição Literária Figuração do poeta Arte poética
contemporâneo
Nuno Júdice Reflexão sobre várias Diálogo com o Observação do real
vertentes da atualidade património literário e posteriormente submetido à Privilégio da poesia
– poema enquanto lugar histórico naciomal, subjetividade do sujeito. de caracteristicas
de eleição para a análise no rumo de Camões narrativas – poema
do mundo. e da tragédia dos longo.
Poesia de contraste amores entre Pedro e
entre o mundo exterior e Inês, mas também
o mundo interior do com Garrett e Antero
sujueito poético. de Quental.
Alexande Crítica sarcástica ao país Poesia em diálogo Ironia, provocação enquanto Defesa da liberdade
O’Neill e à consciência com a poesia satírica formas de recusa da ordem de criação poética,
burguesa. medieval (canigas de estabelecida. alheada do
escárnio e de Poesia de intervenção. sentimentalismo
maldizer). Poeta enquanto ser excessivo.
empenhado na luta contra a Condenação da rima
injustiça. e dos artificialismos
normativos.
Comprometimento ético Temas ligados à Drama do Homem face à Trabalho árduo de
e cívico com o seu critica social, poesia consciência da finitude criação poética,
tempo e com Portugal. de intervenção. humana. Visão do poeta visto como um óficio
Poesia enquanto forma enquanto ser comprometido artesanal.
Ruy Belo de intervenção. com o seu tempo.
Oposição passado eufórico
(infância/juventude)/
presente disfórico (vida
adulta).
Recusa da opressão Ligação à tradição Poeta enquanto portador da Importtância à
salazarista. lírica camoniana e denúncia do regime palavra, considerada
Consciência do Homem pessoana. repressivo do Estado Novo. a verdadeira matéria
enquanto ser para a prima do poema.
António morte. Poesia reflexiva que
Forte presença da procura tocar o
Ramos Rosa
realidade das coisas – as indizível.
árvores, a luz... -, visão Aceitação dos
panteísta e apaixonada limites da poesia.
da Natureza.

Presença da Natureza e Influências Presença de temática Criação poética


dos quatro elementos tradicionais e de amorosa, quer na vertente enquanto processo
primordiais (água, terra, poetas tradicionais maternal que na vertente de trabalho
ar e fogo). como Camões. sexual. angustiante e
Eugénio de Tempo presente Poeta enquanto ser “do artesanal, de forma
Andrade enquanto momento povo” que trabalha em a revelar o poema
analisado criticamente e sofrimento até encontrar as na sua plenitude –
que permita construir palavras exatas. daí a mão ser o
um outro futuro. simbolo da génse
artistica.
Inquietação com o Ligação a Cmaões, Ligação à Natureza no Forte presença de
enigma da vida e da mas também à decurso da criação poética. metáforas e de
criação poética e recusa poesia de Orpheu Poeta enquanto artista da simbolos complexos.
Herberto do quotidiano banal. (época de Fernando palavra, insatisfeito mas sem Consciência do
Helder Repúdio da realidade Pessoa). desistir. trabalho intimo para
individual. o poeta ao trabalho
Presença do sagrado. criativo.

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Representação do
Poeta Tradição Literária Figuração do poeta Arte poética
contemporâneo
Poesia de pendor Forte diálogo Perceção subjetiva da Apurado processo
humanista, ora mais intertextual com realidade. de criação
melancólica ora mais poetas nacionais Atenção às grandes questões intelectual, com
satírica. como Camões e que atormentam o ser metáforas e jogos de
Dimensão Pessoa. humano, desprezando o palavras.
autobiografica, a partir sentimentalismo barroco. Poeta enquanto
Vasco Graça de situações artifice que modela
Moura quotidianas, por vezes a palavra, a rima, a
observada de forma métrica.
irónica. Poesia finamente
trabalhada e
sustentada num
vasto conhecimento
teórico.
Poesia enquanto procura Constante diálogo Tensões ligadas à condição Poesia vista
da superação da com as duas figuras humana. Poeta enquanto enqaunto produto
imperfeição do mundo centrais da lirica portador da liberdade. concreto (existência)
real. portuguesa – camões e menos enquanto
Jorge de Sena Temas ligados às e Pessoa. produto metafísico
questões da liberdade, (essência).
da justiça, da
efemeridade da vida
(velhice) e da morte.

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Memorial do Convento, José Saramago

1. Título:
O título sugere memórias de um passado delimitado pela construção do convento de Mafra, com o que de
grandioso e de trágico representou como símbolo do país.
O título apresenta uma carga simbólica quer enquanto sugere as memórias – evocativas do passado – e
pressuposições existenciais, quer ao remeter para o Mundo místico e misterioso.
Ao lado da história da construção do convento, com tudo o que de grandioso e de trágico representou, surge o fantástico
erudito e popular que permite a realização dos sonhos e as crenças num universo de magia.
O Convento de Mafra liga-se ao sonho dos fardes que aproveitam a oportunidade de terem um convento,
mas reflecte, sobretudo, a magnificência da corte de D. João V e do poder absoluto, que se contrapõe ao sacrifício e à
opressão do povo que nele trabalhou, muitas vezes, aniquilado para servir o sonho do seu rei. Com as memórias de uma
época é um romance histórico, mas simultaneamente social ao fazer a análise das condições sociais, morais e económicas
da corte e do povo. A intenção de Saramago é homenagear todos os que de A a Z, trabalharam em condições duras para
um desejo megalômano.

2. Linhas de acção presentes na obra:


A análise de Memorial do Convento permite constatar a existência de duas narrativas simultâneas: uma de
carácter histórico – a construção do convento de Mafra – e outra ficcionada – a construção da passarola que engloba a
história de amor entre Baltasar e Blimunda.
A acção principal diz respeito à concretização do plano de D.João V – a edificação do convento. Mas nesta
encaixam-se outras acções, constituindo diferentes linhas de acção que se articulam com a primeira.
1ª linha de acção: A do rei D.João V
Abrange todas as personagens da família real e relaciona-se com a segunda linha de acção, uma vez que a promessa do
rei é que vai possibilitar a construção do convento. Esta linha tem como espaço principal a corte e, depois, o convento, na
altura da sua inauguração, no dia de aniversário do rei.
2ª linha de acção: A dos construtores do convento
Esta é a linha principal da história, a par da quarta – a que respeita à construção da passarola. Esta segunda linha de acção
vai ganhando relevo e une a primeira à terceira: se o convento é obra e promessa do rei, é ao sacrifício dos homens, aqui
representados por Baltasar e Blimunda, que ela se deve. Glorificam-se aqui os homens que se sacrificam, passam por
dificuldades, mas que também as vencem.
3ª linha de acção: A de Baltasar e Blimunda
Nesta linha relata-se uma história de amor e o modo de vida do povo português. As duas personagens (Baltasar e
Blimunda) são as construtoras da passarola; a figura masculina é também, depois, construtora do convento, constituindo-
se paradigma da força que faz mover Portugal – a do povo.
4ª linha de acção: A de Bartolomeu Lourenço
Esta relaciona-se com o sonho e o desejo de construir uma máquina voadora. Articula-se com a primeira e segunda linhas
de acção, porque o padre é o mediador entre a corte e o povo. Também se enquadra na terceira linha, dado que a
construção da passarola resulta da força das vontades que Blimunda tem de recolher para que a passarola voe.

Pela análise das sequências narrativas da obra, verifica-se a existência de um plano ficcional que se cruza com a
História, uma vez que a construção da passarola, evento a que a História se refere, acaba por ser ficcionada quando se
afirma que se moverá pela força das «vontades» que Blimunda recolhe.

3. Caracterização das personagens:


No romance, há dois tipos de personagens distintos: as históricas e as ficionais. Saramago pretende evidenciar
dicotomicamente dois tipos de vivências humanas:
• Em que os homens se servem dos seus semelhantes para atingir determinados objetivos;
• Em que os homens se servem dos próprios meios para alcançar esses mesmos fins.

Esta critica está ao serviço do autor, que pretende fazer a análise das condições sociais, morais e económicas da
corte e do povo.
As personagens históricas pertencem a uma classe social privilegiada (nobreza/clero) que vive a seu belo prazer,
menosprezando os interesses do povo:
➢ D. João V – rei de Portugal. De caráter vaidoso, magnificente e megalómano pretende deixar uma obra que
ateste a grandeza da sua riqueza e do seu poder, ainda que para tal se tenha de sacrificar o povo. É um “marido
leviano”, cuja relação com a rainha se assenta, essencialmente, pelo cumprimento de deveres reais e conjugais.
A caracterização do rei é feita predominantemente através da descrição das suas ações e dos seus pensamentos
– de modo indireto.

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➢ D. Maria Ana Josefa – oriunda da Áustria, a rainha revela-se extremamente devota e submissa, cujo papel se
resume basicamente a dar herdeiros ao rei… Tem sonhos eróticos com o cunhado.
➢ A Infanta D. Maria Bárbara – primeira filha do casal real. Tem cara de lua cheia, é bexigosa e feia, mas boa
rapariga, musical a quanto pode chegar uma princesa (XXII). Casa aos 17 anos com o infante D. Fernando de
Espanha, pelo que não chega sequer a ver o convento erigido em honra do seu nascimento…
➢ O Infante D. Francisco – irmão de D. João V. é um homem sem escrúpulos que cobiça o trono e a esposa do rei,
bem como se entretém a provar a sua boa pontaria de espingarda nos marinheiros que estão nos barcos
ancorados no Tejo…
➢ Domenico Scarlatti – músico italiano. É um homem de completa figura, rosto comprido, boca larga e firme, olhos
afastados (XVI). Foi contratado para dar lições de música à infanta D. Maria Bárbara. Também ele partilha o
segredo da construção da “passarola”, deslocando-se várias vezes à quinta do duque de Aveiro onde toca cravo
para gáudio dos presentes…
➢ João Frederico Ludovice – arquiteto alemão, contratado para construir o convento de Mafra que sabe que uma
vida, para ser bem sucedida, haverá de ser conciliadora, sobretudo por quem a viva entre os degraus do altar e os
degraus do trono (XXI) …
➢ Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão – Figura que tem fundamento histórico com alcunha de “o Voador”.
Convencido de um espírito aberto e despreconceituoso, movimenta-se na corte e na academia de Coimbra.
Ambiciona o sonho de um dia voar, daí o seu projeto da “passarola”, apoiado por el-rei D. João V de quem é
amigo. Mantém, do mesmo modo, laços de profunda amizade com Baltasar e Blimunda, que o ajudam na
construção da “máquina voadora”, e com quem, segundo as suas palavras, forma uma trindade terrestre, o pai, o
filho e o espírito Santo (XVI). Transtornado com a perseguição da Inquisição, refugia-se em Toledo, onde acaba
por falecer…

Note-se que, na caracterização das personagens pertencentes a este grupo, há, quase sempre, um tom
depreciativo e irónico que marca o distanciamento temporal e, sobretudo, afetivo do narrador.

Pelo contrário, a caracterização das personagens ficcionais, a quem o narrador confere maior destaque, reveste-
se de um tom francamente positivo e valorativo, tanto mais que pertencem na sua maioria a um grupo social
desfavorecido e, muitas vezes, explorado/oprimido pelas classes do poder.

Os dois tipos de personagens, as histórias e as ficcionais – cuja caracterização é predominantemente indireta e


psicológica – convivem em simultâneo, sendo a intenção narrador, ao apresentar duas vivências antagónicas,
desmascarar injustiças sociais quase sempre negligenciadas pela História ao longo do tempo.
➢ Baltasar Mateus – de alcunha, o sete-sóis, esteve na guerra de sucessão de Espanha, durante quatro anos, da
qual foi dispensado por ter perdido a mão esquerda em combate. De regresso, começa por trabalhar no
“matadouro” no Terreiro do Paço, em Lisboa. Num auto de fé conhece Blimunda, a quem se liga amorosa e
espiritualmente. A convite do padre Bartolomeu Lourenço, ajuda a construir a “passarola”, sonho que passa
também a ser seu. Mais tarde, trabalha nas obras do convento de Mafra, primeiro como servente e, depois,
como boeiro. Após a morte do padre, zela pela preservação da “máquina voadora” e, um dia, por descuido, é
levado ao acaso, acabando por ser queimado 9 anos depois num auto de fé pela Inquisição. Trata-se de um
homem do povo, analfabeto e humilde, que aceita a vida tal como esta se lhe apresenta.
➢ Blimunda de Jesus – uma mulher do povo, a quem o padre Bartolomeu Lourenço, batiza de “sete-Luas”. Vive um
amor apaixonado, franco e leal com Baltasar. Tem o dom de, em jejum, ver o interior das pessoas e das coisas, o
que lhe permite recolher as duas mil “vontades” indispensável para a “passarola” voar. Detentora de grande
densidade psicológica e de uma firmeza sem limites, procura “o seu homem” durante nove anos, unindo-se ao
mesmo numa comunhão espiritual ao resgatar a sua “vontade” quando finalmente o reencontra num auto de fé
em que este está a ser queimado no fogo da Inquisição… O nome de Blimunda, estranho e raro tal como a
personagem que o veste, teria surgido ao narrador, talvez pela musicalidade que ele encerra ou pela magia das
suas três sílabas, símbolo da perfeição. Esta figura representa a força que permite ao povo a sua sobrevivência,
assim como contestar o poder e resistir.
➢ Sebastiana Maria de Jesus – mãe de Blimunda, um quarto de cristã-nova condenada a ser açoitada em público e
ao degredo por ter “visões e revelações”. Ao avistar a filha no meio da multidão que assiste à procissão dos
sentenciados pelo Santo Ofício, de quem também faz parte, interroga-se sobre a identidade do homem “tão alto,
que está perto de Blimunda” e comunica telepaticamente com afilha para que estes se conheçam…
➢ Marta Maria – mãe de Baltasar, é quem recebe o “filho pródigo” e Blimunda em sua casa, quando estes vão pela
primeira vez juntos a Mafra.
➢ João Francisco – pai de Baltasa, homem do povo cuja subsistência reside na agricultura…
➢ Inês Antónia – irmã de Baltasar, mãe de dois filhos, que sofre a morte do rapaz mais novo, com pouco mais de
dois anos…

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➢ Álvaro Diogo – homem do povo e antigo soldado (IV) com quem Baltasar trava amizade ao chegar a Lisboa…
➢ Os trabalhadores do convento – personagem coletiva, cuja “força bruta” e esforço desmedido são explorados de
forma desumana. De entre estes, distinguem-se, nomeadamente: Francisco Marques, José Pequeno, Joaquim da
Rocha, Manuel Milho, João Anes, Julião Mau-Tempo…

O povo em geral – massa anónima tantas vezes subestimada e esquecida pela História – é apresentado como o
verdadeiro herói, na medida em que foi à custa do seu sacrifício, e muitas vezes da própria morte, que se tornou possível
a edificação do megalómano convento.

Saramago sentiu a necessidade de repensar os acontecimentos e as figuras à luz de uma nova realidade criada
no presente e que tem implicações na construção de valores sociais futuros.

4. Tempo
Esta categoria narrativa assume diferentes aspetos:

• Tempo histórico – os acontecimentos desenrolam-se no século XVIII, que é definido por eventos históricos:
o O casamento de D. João V com D. Maria Ana Josefa – 1708;
o O início da construção do convento de Mafra – 1717;
o O último auto de fé onde é sentenciado António José da Silva – 1739

• Tempo da narrativa– é o tempo da ação, ação que se organiza, de uma maneira geral, cronologicamente. No
entanto, é evidente que para José Saramago, as referências cronológicas não são essenciais e, por isso,
aparecem, muitas vezes, nas obras, apenas por dedução.
o A narrativa inicia-se por volta de 1711;
o O auto de fé onde Baltasar é queimado conjuntamente com António José da Silva, em 1739.

Em Memorial do Convento há a reconstituição histórica do século XVIII, em Portugal. Pode-se, então, concluir
que a narrativa se reporta a vinte e oito anos decorridos entre 1711 e 1739.

• Tempo do discurso – Em Memorial do Convento, o narrador faz ressurgir o passado e analisa-o conscientemente
com a sua visão do presente. O passado serve, então, e muitas vezes, para criticar o presente, de uma forma
muito peculiar.

5. Espaço:
Evocação de dois espaços principais determinantes no desenrolar da ação: Mafra e Lisboa.

Mafra: passa da vila velha e do antigo castelo nas proximidades da Igreja de Santo André para a vila nova em
cujas imediações se vai construir o convento. A vila nova cria-se justamente por causa da construção do
convento.

Lisboa: descrevem-se vários espaços dos quais se destacam o Terreiro do Paço, o Rossio e S. Sebastião da
Pedreira.

Portugal beneficiava da riqueza proveniente do ouro do Brasil. D. João V em decreto de 26 de novembro de 1711
autorizou que se fundasse, na vila de Mafra, um convento dedicado a Santo António e pertencente à Província dos Capuchos
Arrábidos.
Ludwig, arquiteto alemão, estava em Lisboa, em 1700, contratado como decorador-ourives, pelos Jesuítas. Foi a ele que
entregaram o projeto do Mosteiro, destinado a albergar 300 frades. A traça do edifício terá sido executada por volta de 1714-1715
ao passo que a igreja, avançada ate ao zimbório, foi sagrada em 1730. Outras dependências foram construídas para além da igreja:
portaria, refeitório, enfermaria, cozinha, claustros, biblioteca.

Terreiro do Paço: local onde primeiramente trabalha Baltasar na sua chegada a Lisboa, descrição pormenorizada
e sugestiva da procissão do Corpo de Deus, em junho. É um espaço fulgurante de vida, com grande importância
no contexto da sociedade lisboeta da época.

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Rossio: surge no início da obra, relacionado com o auto de fé que aí se realiza. A reconstituição do auto de fé é
fidedigna, a cerimónia tinha por base as sentenças proferidas pelo Tribunal do Santo Ofício e nela figuravam não
só reconciliados, mas também relaxados, aqueles que eram entregues à justiça secular para a execução da pena
de morte. O dia da publicação do auto era festivo, segundo se pode constatar das defesas efetuadas. A procissão
propriamente dita saía na manhã de domingo da sede do Santo Ofício e percorria a cidade de Lisboa antes de
chegar ao local da leitura das sentenças, numa das praças centrais. À frente seguiam os frades de S. Domingos
com o pendão da Inquisição. Atrás destes os penitentes por ordem de gravidade das culpas, cada um ladeado
por dois guardas. Depois, os condenados à morte, acompanhados por frades, seguidos das estátuas dos que iam
ser queimados em efígie. Finalmente os altos dignitários da Inquisição, precedendo o Inquisidor-Geral. A sorte
dos réus vinha estampada nos sambenitos (hábito em forma de saco, de baeta amarela e vermelha que se vestia
aos penitentes dos autos de fé) para que a compacta multidão que se aglomerava soubesse o destino dos
condenados.

S. Sebastião da Pedreira: local mágico ao qual só acedem o padre, Bartolomeu Lourenço, o Voador, Baltasar e
Blimunda. É lá que se encontra a máquina voadora que está a ser construída em simultâneo com o Convento de
Mafra. A passarola insere-se na narrativa como um mito, do qual o homem depende para viver, mito proibido
mas que se evidenciará e se deixará ver pelo voo espetacular que se realizará, mostrando que ao homem nada é
impossível e que a vida é uma grande aventura. S. Sebastião da Pedreira era, àquele tempo, um espaço rural,
onde não faltavam fontes, terras de olival, burros, noras, e onde se situava a quinta abandonada. Ali irão as tens,
variadíssimas vezes e pelas razões mais diversas.

6. Visão critica:

Tendo como pretexto a construção do convento de Mafra, Saramago, adotando a perspetiva de um narrador
distanciado do tempo da diegese, apresenta uma visão crítica da sociedade portuguesa da primeira metade do século
XVIII. É neste sentido que Memorial do Convento transpõe a classificação de romance histórico, uma vez que não se trata
de uma mera reconstituição de um acontecimento histórico, mas é antes um testemunho intemporal e universal do
sofrimento de um povo sujeito à tirania de uma sociedade em que só a vontade de El-Rei prevalece.
Logo desde o início do romance é visível o tom irónico e, até mesmo, sarcástico do narrador relativamente
à hipotética esterilidade da rainha e às infidelidades do rei. Esta atitude irónica do narrador mantém-se ao longo da
obra, denunciando o comportamento leviano do rei, a sua vaidade desmedida e as promessas megalómanas de que
resulta o sofrimento extremo dos homens. O clero, que exerce o seu poder sobre o povo ignorante através da instauração
de um regime repressivo e que constantemente quebra o voto de castidade, também não escapa ao olhar crítico do
narrador. A atuação da Inquisição é de igual modo criticada ao longo do romance, nomeadamente, através da
apresentação de diversos autos-de-fé e uma crítica às pessoas que dançam em volta das fogueiras onde se queimaram
os condenados.
Assim, são sobretudo as personagens de estatuto social privilegiado o alvo da crítica do narrador que denuncia as
injustiças sociais, a omnipotência dos poderosos e a exploração do povo – evidenciada nas miseráveis condições de
trabalho dos operários do convento de Mafra; ao mesmo tempo que denota empatia face aos mais desfavorecidos, cujo
esforço elogia e enaltece.

7. Dimensão simbólica:

Esta obra está carregadíssima de simbologia. Tudo, nela, são elementos simbólicos, desde as ações, as
personagens, os espaços, os números e elementos como o Sol, a Lua, o sangue, o fogo, a passarola… Até o título da obra
apresenta uma simbologia! “Memorial do Convento” remete para as memórias da construção do convento e tudo o que
adveio dessa construção.

Por exemplo, o Convento de Mafra, mandado construir por D. João V, simboliza a ostentação régia, a opressão e
a vaidade dos poderosos. Representa o sacrifício dos operários que construíram o monumento, a exploração e miséria do
povo que nele trabalhou. A personagens de Blimunda, com o seu poder de visão, compreende as coisas sobre a vida, a
morte, o pecado e o amor, e simboliza, na obra, olhar da «História» que o narrador exercita, denunciando a moral
duvidosa, os excessos da corte, o materialismo e hipocrisia do clero, as injustiças da Inquisição, o terror, o obscurantismo
de uma época, a miséria e as diferenças sociais. O número sete, que muitas vezes aparece em Memorial do Convento,
também carrega alguma simbologia. Sete são as vezes que Blimunda passa em Lisboa, em demanda de Baltasar. Este
número regula os ciclos da vida e da morte na Terra e pode ligar-se à ideia de felicidade, de totalidade, de ordem moral e
espiritual. O Sol, associado a Baltasar e ao povo, sugere a ideia de vida, de renovação de energias (o povo trabalha até à
exaustão no convento, Baltasar constrói uma máquina, mesmo depois de amputado). Como o Sol, que todos os dias tem
de vencer os guardiães da noite, também Baltasar vence as forças obscuras da ignorância e da intolerância ao voar.

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A Lua, símbolo do ritmo biológico da Terra, traduz a força vital que é representada pelas vontades recolhidas
por Blimunda para fazer voar a passarola. Associada a Blimunda, lembra o seu mágico poder de «ver às escuras».
A passarola traduz a harmonia entre o sonho e a sua realização. Graças ao sonho, foi possível juntar a ciência, o
trabalho artesanal, a magia e a arte, para fazer a passarola voar. Representa o progresso, a liberdade, a alternativa a um
espaço de repressão, intolerância e violência.
Entre estes, muitos outros elementos simbólicos comandam a obra, bem como o seu desenvolvimento,
tornando-se imprescindíveis para a sua compreensão.

Sonho/ vontade –Força motora que conduz à evolução e ao progresso.


Passarola / Convento – Metáfora da liberdade e do poder do Homem vs. opressão e poder de Deus.
Sete-Sóis/Sete-Luas – Simbolo da união e da plenitude. O primeiro representa o dia, a força fisica e o trabalho. A segunda
representa a noite, a magia, o sonho. A união de ambos simboliza a perfeição, visivel não só nas alcunhas como nos
numeros 7 e nas três silabas que compõem o seu nome.
Três – representa a ordem espiritual e intelectual. É o numero perfeito, a expressão da totalidade.
Quatro – Simbolo da Terra com os seus pontos cardeais. Representa a totalidade do espaço e do tempo.
Nove – Numero da procura, da gestação, simboliza o coroar do esforço.

8. Intertextualidade:
Ao longo da obra, Saramago estabelece relações de intertextualidade com provérbios, com a Biblia ou com
outros autores como Camões, Padre António Vieirae Fernando Pessoa. Essas alussões, paródias ou citações funcionam
quase sempre como ponto de partida para ironizar e ridicularizar outras situações que estão relatadas.

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