Adeus Maio Salve Junho Narrativas e Representacoes Dos Festejos Juninos em Belem Do para Nos Anos de 1950
Adeus Maio Salve Junho Narrativas e Representacoes Dos Festejos Juninos em Belem Do para Nos Anos de 1950
Adeus Maio Salve Junho Narrativas e Representacoes Dos Festejos Juninos em Belem Do para Nos Anos de 1950
Belém/PA
2016
ELIELTON BENEDITO CASTRO GOMES
Belém/PA
2016
ELIELTON BENEDITO CASTRO GOMES
Banca Examinadora:
___________________________________
Profº. Dr. Antonio Maurício Dias da Costa.
(Orientador – PPHIST/UFPA)
___________________________________
Profº. Dr. José Guilherme dos Santos Fernandes.
(Examinador Externo – PPGL/PPLSA/UFPA)
___________________________________
Profª. Dr.ª Franciane Gama Lacerda.
(Examinadora Interna – PPHIST/UFPA)
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFPA
________________________________________________________________________________
William Shakespeare disse que “a gratidão é o único tesouro dos humildes”. Diante
disso, deixo, neste momento, minha profunda gratidão a todos que em diversos momentos
de minha vida acadêmica estavam presentes.
Agradeço aos meus pais Conceição e Benedito e as minhas irmãs Elaine e Eliane pelo
apoio desde os primeiros instantes desse percurso. Sem este apoio, não sei se teria forças
suficientes para seguir essa caminhada. Estendo também meus agradecimentos aos meus
tios, em especial as minhas tias Izabel, Ana e Nazaré, que contribuíram com meus sorrisos
ao longo dessa jornada.
À minha querida prima Edmê Gomes por se fazer presente em minha vida com
carinho, atenção e dedicação.
Agradeço ao meu orientador Antonio Maurício Dias da Costa, pela pessoa humana,
gentil, generosa e sempre atenciosa, cuja convivência, desde a graduação, foi de grande
proveito. Muito obrigado Maurício, por entender e respeitar meu ritmo e ausências. Serei,
para sempre, grato!
Externo minha gratidão aos meus amigos de graduação, Mikaela Moreno, Diego
Jorge, Éderson Lobo, Erick Silva, Iolete Rolim, Clayton Pereira e, principalmente, a
Daiana Fonseca e Caroline Barroso, com as quais, em várias fases desse trabalho, pude
contar com a presença, “puxões de orelha”, leituras de textos e carinho. Mais que
perspicazes, atenciosas e acessíveis, vocês são grandes amigas. A vocês, meus queridos
historiadores, manifesto meu afeto agradecido.
Quero prestar meu especial agradecimento as minhas amigas/irmãs que tive o prazer
de conhecer ainda na minha infância, pessoas especiais que sempre farão parte de minha
vida. Gabriela Barbosa e Heliane Abreu, muito obrigado pelas palavras de incentivo e
amizade.
Não tenho palavras para agradecer meus amigos Jones Santos, Ana Carolina Marçal,
Patricia Furtado, Elayne Santos e, especialmente, Camila Travassos e Rafaele Lima,
companheiros de barulho e de diversão, por terem me ensinado e ajudado a ser o que sou.
Ao Henrique Neto, pela força, apoio e carinho expressado durante diversos momentos
da escrita dessa dissertação, muito obrigado.
Aos professores José Maia Bezerra Neto, Antonio Otaviano Vieira Junior, Cristina
Donza Cancela, Maria de Nazaré Sarges e, novamente, Franciane Gama Lacerda, pela
oportunidade de aprendizado durante a Pós-Graduação.
This study aims to analyze the narratives and representations of June festivities in Belém
of Pará in the 1950s. These festivities won highlights in the pages of books, newspapers
and magazines circulating in Belém from the period in question, where it was possible to
find ads, chronicles and novels that deal with this festive time. The June festivals of great
importance to a significant portion of belenense society, counted on the participation of
several musical ensembles, “juninos” groups and audio equipment animating these events
performed in various spaces of the suburbs and the city center. In addition, several were
the views of journalists and intellectuals on this festive celebration, these being analyzed
from the distribution of roles of values and behavior standards proposed for them in his
writings. In this sense, the concept of representation, proposed by the French historian
Roger Chartier, permeate the dissertation in question, in which the author points out that
the speeches are interspersed strategies and practices that tend to impose authority and
even induce the other the choices and they are built dialogically a game that includes
interests, conflicts and negotiations. The research presented included aid supplies taken
from the newspaper O Liberal, Folha do Norte, A Província do Pará, O Estado do Pará,
A Vanguarda and the magazine Amazônia, published in the 1950s, as well as memoirs
novels that talk about the subject worked here in the second half of the twentieth century.
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
CAPÍTULO I: A FESTA EM QUESTÃO............................................................................19
1.1. DE FESTEJO EUROPEU À FESTIVIDADE BRASILEIRA....................................20
1.2. FESTA JUNINA E IMPRENSA EM BELÉM DO PARÁ NO SÉCULO XX...........26
1.3. A ANIMAÇÃO DOS DIAS FESTIVOS.....................................................................34
1.3.1. ENTRE CURRAIS, PRAÇAS, TEATROS, RUAS E CLUBES.....................34
1.3.2. AS SOIRÉES JUNINAS EMBALADAS AOS SONS DE CONJUNTOS
MUSICAIS E DAS “PICARPES”....................................................................47
CAPÍTULO II: ESPACIALIZAÇÃO FESTIVA.................................................................55
2.1. ESPACIALIZAÇÃO FESTIVA DA CIDADE...........................................................56
2.2. CLUBES SUBURBANOS E CLUBES “ARISTOCRÁTICOS”: ESPAÇOS DE
LAZER E SOCIALIDADE NAS FESTAS JUNINAS DA CAPITAL PARAENSE NOS
ANOS DE 1950........................................................................................................................78
CAPÍTULO III: REPRESENTAÇÕES LITERÁRIAS, MEMÓRIA, FOLCLORE E
TRADIÇÃO POPULAR NOS FESTEJOS JUNINOS DE BELÉM DO PARÁ NOS
ANOS DE 1950........................................................................................................................86
3.1. INTELECTUAIS FOLCLORISTAS E MEDIAÇÃO CULTURAL...........................87
3.1.1. O FOLCLORE EM QUESTÃO..........................................................................87
3.1.2. INTELECTUAIS E MEDIAÇÃO CULTURAL................................................93
3.2. ENTRE CRÔNICAS, FESTAS, TRADIÇÕES E NOSTALGIAS.......................96
3.2.1. LINDANOR CELINA QUESTIONA: “CADÊ MEU SÃO JOÃO?”................96
3.2.2. BRUNO DE MENEZES E ENEIDA DE MORAES: ENTRE FOLHAS,
RAÍZES, MADEIRAS, CASCAS E CIPÓS..........................................................................102
3.2.3. CÂNDIDO MARINHO ROCHA: “JUNHO DAS FESTAS DE TODOS”.....111
CONCLUSÃO.......................................................................................................................116
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................120
FONTES.................................................................................................................................131
12
INTRODUÇÃO
13
INTRODUÇÃO
1
FERREIRA, Jerusa Pires. A FESTA – APRESENTAÇÃO. Projeto História, São Paulo, (28), p. 361-362, jun.
2004.
2
Constata-se também que aos poucos a televisão passou a ser introduzida nos lares dos cidadãos brasileiros.
Nesse período, era comum encontrar tais meios de comunicação nas diversas moradas do Brasil, do meio urbano
ao meio rural. Esses (os rádios) eram considerados peças obrigatórias em todos os lares, dos mais ricos aos mais
14
e ascensão social) e práticas cotidianas no âmbito urbano. Além disso, nesse contexto, os
impressos são importantes por circularem corriqueiramente entre a população belenense e,
assim, apontar, nas páginas desses periódicos, o que era tido como importante para aqueles
que nelas escreviam, acabando por interferir nas decisões e nos direcionamentos dados aos
modelos festivos da região.
O que me orientou a escolher o período aqui estudado foi a necessidade de entender a
efervescência festiva da sociedade belenense a partir do ponto de vista daqueles que
trabalhavam na imprensa local nos anos de 1950, tendo em vista que esses, em conjunto com
empresários, comerciantes, políticos, entre outros, estabeleciam estratégias diante de parcerias
e alianças para a promoção desses festejos ao longo da cidade.
Nesse sentido, percebe-se que as celebrações festivas desempenham importantes
papéis nas relações entre o espaço e o homem, refletindo os modos em que diversos grupos
sociais constroem, percebem, pensam e concebem seus ambientes, atribuindo diferentes
valores a certos lugares3. Além disso, elas são capazes de “gerar produtos tanto materiais
quanto simbólicos, representando desse modo, uma das formas de produção de identidade”. É
importante enfatizar que tal produção “não esgota outras apropriações e funções que ela [a
festa] congrega”4.
Segundo Jerusa Pires Ferreira, as festas permitem perceber “o amor, a força do corpo e
dos gestos, a construção das visões feéricas e o jogo permanente que nos leva a ter na
esperança (de comida, de vida, de fartura, de alegria, de contemplação, de criação) o apoio
para nossas fabulações e alegorias”5. Elas são capazes de aglomerar sujeitos de diversos
grupos sociais em um mesmo espaço, estabelecendo pontes entre tais grupos e suas
realidades, permitindo, quase sempre, com que haja intensas trocas culturais entre eles.
Como sugere Antônio Evaldo Almeida Barros , as festas são “momentos significativos
para se notar formas pelas quais os diferentes sujeitos e setores sociais olham uns para os
outros, comentam, justificam, aceitam ou reproduzem as múltiplas diferenças e
desigualdades”6, revelando, a cada realização festiva, um pouco da sociedade para qual está
pobres, embora estes últimos tivessem acesso mais comum aos equipamentos dos vizinhos um pouco mais
abastados. Sobre isto ver CALABRE, Lia. A Era do Rádio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
3
BEZERRA, Amélia Cristina Alves. Festa e Cidade: entrelaçamentos e proximidades. Espaço e Cultura.
UERJ, RJ, nº 23, p. 7-18, jan-jun. 2008.
4
BEZERRA, Amélia Cristina Alves. Pelas margens da cidade e no meio da festa: a (re) invenção das festas e
da identidade no espaço urbano de Mossoró – RN. Tese (Doutorado em Geografia). UFF. Instituto de
Geociências. 2006. p. 26.
5
FERREIRA, Jerusa Pires, op. cit., p. 361.
6
BARROS, Antônio Evaldo Almeida. Usos e abusos do encontro festivo: identidades, diferenças e
desigualdades no Maranhão dos Bumbás (c. 1900-50). Revista Outros Tempos. v. 6, n. 8, dez. 2009, pp. 3.
15
sendo promovida, pois podem ser observadas, também, como “ocasiões particulares para
pensar a dinâmica e processos de mudanças sociais”7 em um determinado espaço e tempo.
Durval Muniz de Albuquerque Júnior observa que “por muito tempo, os pesquisadores
que buscavam desenvolver estudos, nos quais as festas tinham lugar de destaque, se
preocupavam em focar seus interesses apenas nas comemorações cívicas ou em datas
consideradas de grande importância para a história positivista, os quais, muitas vezes, eram
“escalados para fazer o discurso de panegírico ou de legitimação da data que ali se
comemorava”. Ao longo do tempo, esses estudos sobre a temática das festas foram
despertando interesses de outros pesquisadores, como, por exemplo, folcloristas e etnógrafos
que “nelas viam expressões dos costumes e do espírito nacional”, dando atenção àquelas que
estavam atreladas as “tradições culturais nacionais, regionais ou locais [qu]e seriam aquelas
praticadas pelas camadas populares, que expressariam o verdadeiro caráter nacional”8.
Segundo Michel Vovelle “é a partir dos anos 1960 que uma geração de pesquisadores
interessados na história das mentalidades busca ampliar pesquisas acerca das festas, fazendo
renascer o interesse desses pela temática das celebrações festivas. Segundo o autor, esses
pesquisadores passaram a considerar a temática da festa importantíssima, pois nos eventos
festivos podem ser percebidos os momentos em que um grupo ou individuo projeta
simbolicamente sua representação de mundo”9.
Na Amazônia, os estudos acerca das festas têm ganhado, cada vez mais, espaços entre
as pesquisas desenvolvidas por estudiosos das ciências humanas da região, principalmente
historiadores. No Brasil, desde a segunda metade do século XX, historiadores, antropólogos,
sociólogos, entre outros10, buscam, diante de diversos enfoques, perceber a importância social
e cultural das festas nos mais variados espaços do território nacional11, colocando em
evidências, muitas vezes, as peculiaridades dos modelos festivos de cada região.
7
Ibidem. pp. 4.
8
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Festa para que te quero: por uma historiografia do festejar.
Patrimônio e Memória. UNESP, v. 7, n. 1, jun. 2011. pp.134-135.
9
VOVELLE, Michel. Ideologias e mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1987. pp. 247.
10
Segue algumas referências sobre as pesquisas desenvolvidas, desde então, por estudiosos das ciências
humanas: DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio
de Janeiro: Zahar, 1978.; DUVIGNAUD, Jean. Festas e civilizações. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.;
MAGNANI, José Guilher. Festa no Pedaço. São Paulo: Brasiliense, 1984.; ABREU, Martha. O Império do
Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro (1830-1900). Tese (Doutorado em História).
Niterói: UFF, 1995.; CUNHA, Maria Clementina Pereira da. Ecos da Folia: uma história social do carnaval
carioca entre 1880 e 1920. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.; REIS, João José. A morte é uma festa. São
Paulo: Companhia das Letras, 1991.; entre outros.
11
SILVA, Maria Manuela Ramos de Souza. A historiografia descobre a “festa”. Revista Hélade. 1 (1), 2000.
pp. 38-52.
16
O estudo acerca dos festejos juninos em Belém do Pará nos anos de 1950 começou a
ser pensado quando minha graduação em História ainda estava em andamento. A
oportunidade em participar como bolsista de iniciação científica, entre os anos de 2010 e
2012, no projeto de pesquisa “Expressões da Cultura de Massa e da Cultura Popular em
Belém na segunda metade do século XX”12, coordenado pelo professor doutor Maurício
Costa, foi importantíssima no amadurecimento das ideias sobre a temática. Nesse sentido,
surgiram os seguintes questionamentos: Qual o alcance social das representações produzidas
na imprensa paraense por escritores/cronistas acerca dos festejos juninos na cidade de Belém
do Pará nos anos de 1950? De que forma esta produção discursiva se relaciona com as
transformações socioculturais em Belém no recorte temporal proposto?
12
A pesquisa buscou levantar elementos para a compreensão da relação entre a cultura de massa radiofônica e
bailes dançantes populares em Belém a partir da década de 1950, contexto em que desempenham papel principal
os sonoros, as casas de festa representadas por sedes profissionais, gafieiras e cabarés e onde têm preponderância
ritmos musicais como bolero e merengue, dentre outros, cantados e tocados tanto por artistas brasileiros quanto
por estrangeiros, difundidos por rádios locais. A emergência deste tipo de festa popular levou à consolidação de
um modelo festivo recorrente nas décadas seguintes, cuja atmosfera histórica buscou-se delinear na pesquisa em
questão.
17
Nesse sentido, esta dissertação busca contribuir de forma significativa para os estudos
sobre festas populares em Belém do Pará. Utilizo aqui o conceito de representação proposto
pelo historiador francês Roger Chartier. Para este autor, não existe um discurso neutro, já que
eles produzem estratégias e práticas tendentes a impor uma autoridade e até mesmo legitimar
escolhas. Nesse sentido, as representações “marcam de modo visível e perpétuo a existência
do grupo, da comunidade ou da classe”. Para Chartier essas narrativas são tidas de formas
importantes e “produtivas analiticamente não tanto pela descrição de uma dada realidade, e
sim pela construção dialógica num jogo que incluía continuamente interesses, embates e
negociações”13.
Sendo assim, o presente trabalho busca investigar esses festejos através dos periódicos
que circulavam na cidade, principalmente os jornais O Liberal, Folha do Norte, A Província
do Pará, O Estado do Pará, A Vanguarda e Revista Amazônia, publicados na década de 1950,
assim como romances memorialísticos que falam sobre as festas juninas no período em
questão, tendo em vista que “esses meios trazem à tona os eventos [e] igualmente os
significados que estes tiveram na vida da população”14 local, levando em consideração que as
matérias veiculadas pela imprensa não são aqui apropriadas como fotografia do passado, mas
como instrumentos e pistas que nos auxiliam na interpretação desse. A imprensa é entendida
aqui como meio de divulgação de pontos de vista de literatos e jornalistas e que, portanto,
reflete seus interesses particulares e seus vínculos sociais.
13
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados, v. 11, n. 5, 1991. p. 181.
14
LACERDA, Franciane Gama. Imprensa e Poesia de Cordel no Pará nas primeiras décadas do século XX.
ANPUH/SP-USP. São Paulo, set. de 2008. Cd-Rom, p. 11.
18
Diante de uma vastidão de tipos de fontes históricas, está presente também a literatura,
vista, desde a segunda metade do século XX, como documento importante para a
compreensão da sociedade do passado. Nesse sentido, as contendas acerca das representações
literárias sobre os festejos juninos de Belém do Pará, no período em questão, também
ganharam as páginas dessa dissertação. Por isso, desenvolvo aqui uma breve discussão sobre
os estudos de folclore no século XX e o reflexo dessa área do conhecimento nos escritos de
intelectuais. Além disso, textos sobre os festejos juninos, de literatos que escreviam nas
páginas das gazetas que circulavam em Belém, também foram analisados, tendo em vista
perceber a relação do discurso desses sujeitos com o modo de festejar praticado na capital do
estado do Pará nos anos de 1950.
15
RODRIGUES, Carmem Izabel. Vem do bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em
espaços urbanos. Belém: Editora do NAEA, 2008. p. 19.
16
Mês das fogueiras. Jornal A Província do Pará, 02 de junho de 1951.
19
CAPÍTULO I
A FESTA EM QUESTÃO
20
A FESTA EM QUESTÃO
No Brasil, o momento festivo conhecido como quadra junina tem como pontos altos
três grandes dias: 13, 24 e 29 de junho. Dias esses em que se comemora Santo Antônio, São
João e São Pedro, respectivamente. Em diversas localidades do país, essa festa ganha espaço
durante quase todo o mês de junho e é vivida a base de intensa música, bebida e comidas
típicas da época, muitas das quais são derivadas do milho e da mandioca. Para Luciana
Chianca, essa festividade é, de maneira geral, vista como “três partes de um mesmo ciclo”,
que se encaixa dentro de um sistema de “fecundação, produção e reprodução humana”, tidos
como um conjunto de significados simbólicos que decorre do período em questão: o da
colheita18.
Essas festas, tendo raiz na cultura europeia, embalaram-se dentro da periodicidade da
produção agrícola, a qual induziu o homem a celebrar e congregar com seus iguais as épocas
de semeaduras e da colheita. Elas (as festas juninas) nasceram dos cultos voltados,
geralmente, a uma divindade protetora das plantações, sendo resignificadas com o advento do
cristianismo19.
Derivadas, no Brasil, dos costumes e tradições portuguesas, as festas juninas têm
origem na França, no século XII, onde buscavam celebrar o solístico de verão (dia mais longo
do ano, entre os dias 22 e 23 de junho), tido como véspera das colheitas. De acordo com Rita
de Cássia do Amaral “assim como outras festas de origens pagãs, essa celebração do solístico
17
Neste tópico, não pretendo me debruçar acerca da busca das origens dos festejos juninos para explicar o
objeto em questão, o que, talvez, para o historiador, seja um dos principais erros, pois, como observa Peter
Burke, tal atitude parece deixar de fora períodos históricos significativos para a copreensão desse festejo. Sobre
isso, o historiador francês Marc Bloch, em seu livro Apologia da História ou o Ofício do Historiador, indica que
o perigo da pesquisa histórica se encontra justamente nessa “obsessão das origens”, onde tudo se inclina para a
imensa importância dada às origens dos fatos. Diante disso, pretende-se nesse tópico, recuando um pouco aos
tempos antigos, compreender as mudanças e permanências culturais ligadas aos festejos populares, nesse caso,
aos festejos juninos, processados, reinventados e re-significados ao decorrer dos tempos, tendo em vista que “o
conhecimento de seus primórdios não basta para explicá-los”. Sobre isso, consultar BURKE, Peter. Abordagens
Indiretas da Cultura Popular. In: BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia
das Letras, 2010; BLOCH, Marc. O Ídolo das Origens. In: BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do
Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
18
Consultar: CHIANCA, Luciana. Para onde vai a festa? Festa Junina em Natal/RN. Vivência.
UFRN/CCHLA, Natal, v.13.1999.
19
DEL PRIORE, Mary. Festas e utopias no Brasil Colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000. p. 13.
21
ou das colheitas, como também ficou conhecida, foi ainda integrada às comemorações cristãs,
sendo apresentado ao novo mundo através de um caráter de devoção religiosa”20.
No texto publicado no jornal A Província do Pará, Maria Brígido aponta que, desde
tempos imemoriais, o culto ao fogo e ao sol era realizado pelos homens, aos quais esses
praticavam com grande reverência e tinham desmedido respeito a esses elementos. Essa
autora indica ainda que dentro das festas juninas, o dia 24 de junho ganha destaque por ser
visto, em algumas localidades do Brasil, como a “data cultural do fogo, adaptada ao culto
cristão daquele santo” [São João] e, por esse motivo, “festejada à sociedade pela ingênua e
20
AMARAL, Rita de Cássia. Festa à Brasileira: significado de festejar, no país que “não é sério”. 1998. Tese
(Doutorado em Antropologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998. p. 159.
21
CHIANCA, Luciana. Chama que não se apaga. Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 4, n. 45, jun.
2009. p. 20-21.
22
CHIANCA, Luciana. São João: a mais brasileira das festas. In: COLÓQUIO FESTAS E SOCIABILIDADES,
2., 2008, Natal. Anais... Natal: UFRN, 2008. Disponível em:
<https://anaiscoloquiofestas2.files.wordpress.com/2011/08/ii-colc3b3quio-festas-e-sociabilidades-anais-
completo_lt.pdf>. Acesso em: 1 jul. 2014. p. 142.
23
CHIANCA, Luciana. CHIANCA, Luciana. Chama que não se apaga, op. cit., p. 20.
22
espontânea piedade do povo”, pelo qual “são reconhecidas as fórmulas mágicas e pagãs”
utilizadas desde antigamente24.
Peter Burke observa, sobre a presença e a força da Igreja Católica na Europa que essa,
há muito tempo, tinha o poder de converter a cultura europeia num conjunto unitário – onde
as mesmas festas eram vividas por toda aquela região, assim como os mesmos santos tinham
de ser venerados em todos os cantos do continente25 -, “disciplinando” e controlando a
população, de modo a reforçar os laços de obediência dos indivíduos para com a Igreja.
Chegando ao país por meio dos portugueses, imbricados aos costumes franceses, as
festas juninas mantinham uma relação, a princípio, muita próxima com a Igreja Católica. No
entanto, aos poucos, esses festejos distanciaram-se da religião tida como oficial na época,
“dando novo vigor às celebrações urbanas” brasileiras, como bem aponta Chianca, “de origem
europeia, a festa junina recuperou no Brasil a sua expressão de festa laica e popular, mesmo
com a influência da Igreja Católica desde sua colonização no século XVI”26.
Sobre esses festejos, Lorenzo Aldé assim o apresenta:
24
FOLCLORE – Da Comissão Paraense de Folclore. O culto do fogo – das festas solsticiais à de S. João. A
Província do Pará. 28 e 29 de junho de 1992.
25
BURKE, Peter, op. cit., p. 89.
26
CHIANCA, Luciana. Devoção e diversão: expressões contemporâneas de festas e santos católicos. Revista
Anthropológicas, ano 11, v. 18, n. 2, p. 49-74, 2007. p. 49.
27
ALDÉ, Lorenzo. Isto é São João? Banho de rio, dança indígena, culto a Xangô. A festa se reinventa na
diversidade brasileira. Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 4, n. 45, jun. 2009. p. 30.
28
Sobre isso, ver: CHIANCA, Luciana. Chama que não se apaga, op. cit., p. 18-23.
23
as práticas antigas, sejam quais foram, tiveram, mesmo que minimamente, alterações,
procurando atender aos propósitos individuais ou coletivos29.
Portanto, aproximar as festas religiosas ao cotidiano dos indivíduos reforça a
diminuição do aspecto religioso nela inserida e passa a dar ênfase ao lúdico, a diversão, ao
exagero; “aumentando a expectativa, aumentando também a frustração; daí o risco de tornar-
se manifestação folclórica sem um sentido religioso propriamente dito”30. Nelas, os brincantes
apresentam diversos aspectos de um universo cultural a partir das suas práticas, dos símbolos
presentes no meio social em que vivem e dos ritos vividos por eles em seus espaços sociais,
muitas vezes criticando as hierarquias dominantes, bem como as cerimônias oficiais
organizadas pela Igreja e pelo Estado31.
Diante disso, Mary Del Priore observa que os esforços em atrair a população para os
momentos festivos, no século XVIII, não eram poupados. Toda organização era preparada
dentro dos dois planos – religioso e profano – talvez, tentando demarcar seus espaços no
âmbito social no qual a festa estava sendo realizada32.
Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, vários hábitos festivos atrelaram e
desenvolveram-se em terras brasileiras, contribuindo ainda mais com as celebrações urbanas,
fossem elas de caráter religioso ou profano. A presença das músicas e danças desenvolvidas
nos salões reais de Portugal foram adaptadas e apresentadas nos espaços de diversão da, até
então, colônia portuguesa, como, por exemplo, a quadrilha, que de origem nobre foi
reinventada e popularizada, marcando as festas juninas de diversas localidades do país,
presente até os dias atuais e, também, vista por muitos como o símbolo principal desse
momento festivo33.
Percebe-se que as festas, fossem elas juninas ou não, traziam normalmente, em seu
seio, uma mistura de ritmos e ritos populares e religiosos, havendo ainda “misturas de estilos,
sons e partituras [além das misturas dos] corpos”34. Logo, essas festas, como observa Del
Priore, sustentavam a farsa, a fantasia e o divertimento de muitos, havendo uma intensa troca
29
Consultar HOBSBAWM, Eric. Introdução: a invenção das tradições In: HOBSBAWM, E.; RANGER, T.
(Org.), A Invenção das Tradições. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
30
LOPES JÚNIOR, Orivaldo Pimentel. Festa e religiosidade. Vivência. UFRN/CCHLA, Natal, v.13. 1999. p.
38.
31
Ver: PETRUSKI, Maria Regina. Julho Chegou... E a Festa Também: Sant’Ana e suas comemorações na
cidade de Ponta Grossa (1930-1961). Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2008.
32
DEL PRIORE, Mary, op. cit., p. 31.
33
Sobre isso, Cf., CHIANCA, Luciana. Quando o campo está na cidade: migração, identidade e festa. Revista
Sociedade e Cultura. UFG, Goiás, v. 10. Jan/Jun, 2007. p. 45-59.
34
DEL PRIORE, Mary, op. cit., p. 18.
24
cultural entre a elite e o povo, desencadeando o que Mikhail Bakhtin aponta como
“circularidade cultural”35.
Portanto, a festa servia como espaços comuns de trocas36, momentos especiais, os
quais podiam fugir do cotidiano e celebrar intensamente a alegria. Ou seja, tais rituais festivos
podem ser entendidos como “uma válvula de escape para as tensões e conflitos existentes em
todas as sociedades, o que não significa exatamente que eles funcionem como fórmulas de
subversão social.”37.
De acordo com Rossini Tavares de Lima38, assim como observa Luciana Chianca, as
festas juninas são vistas também como uma festa familiar, não no sentido dado às
comemorações natalinas, restritas a parentes, mas sim uma festa que, de uma forma ou de
outra, se estende aos amigos e vizinhos.
Dentro dessa tradição, o São João, entre nós, é particularmente a festa do lar,
da casa, da família. É a ocasião propicia para a reunião dos parentes e
amigos mais chegados e nesse aspecto possui uma função sexual bem
definida. Como na Europa, constitui momento favorável para as môças
casadouras realizarem seus objetivos. Nêle se observam indisfarçáveis traços
da ação conjunta dos mais velhos para sugerir namoros, o encontro dos dois
sexos com finalidades matrimoniais. O chefe da casa quer preservar a
família, promovendo casamentos no círculo de amizades, com o fim de
garantir a coesão e o status social.39
As festas, desde o período colonial, passaram a ser momentos em que, por de trás,
estavam às múltiplas trocas de olhares, às funções políticas, sociais e religiosas;
transformando-se no que Del Priore apresenta como uma verdadeira “ponte simbólica entre o
35
Cf., BAKTHIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François
Rabelais. São Paulo: HUCITEC; [Brasília]: Editora da Universidade de Brasília, 1987.
36
Cf., DEL PRIORE, Mary, op. cit., p. 12-13.
37
SILVA, Maria Manuela Ramos de Souza, op. cit., p.40.
38
Folclorista renomeado entre os demais da época, Rossini Tavares de Lima, também historiador, foi fundador e
diretor da revista do Folclore, na qual apresentou pesquisa acerca das manifestações culturais paulistas e
nacional. Nesse sentido, incentivou e divulgou as artes populares e de origem em diversos espaços midiáticos
(livros, revistas e jornais), principalmente a partir da segunda metade do século XX, participando também, no
final da primeira metade do século passado, da criação do Centro de Pesquisa Folclórica Mário de Andrade. No
Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, foi professor de Folclore Nacional e História da Música,
tendo, nessa última cadeira, ganhado significativo destaque. Sobre isso, consultar: REIS, Cláudia Vendramini.
Pavilhão das culturas brasileiras: o usos social do acervo Rossini Tavares de Lima. 2014. Trabalho de
Conclusão de Curso de Pós-graduação em Gestão de Projetos Culturais e Organização de Eventos. CELACC/
ECA – USP.; Enciclopédia da Música Brasileira - Art Editora e Publifolha - 2a. Edição – 1998. Disponível
em: http://jlnogueira.no.comunidades.net/rossini-tavares-de-lima. Consultado em 31 de agosto de 2015.
39
LIMA, Rossini Tavares de. Alguns Complexos Culturais das Festas Joaninas. Revista Brasileira de Folclore.
Nº. 1 (9). Set/Dez, 1961. p. 18.
25
mundo profano e o mundo sagrado”, confirmando a ideia de que os territórios de ambos não
estavam totalmente estabelecidos40.
Debruçando-se, por muito tempo, nos estudos a cerca do ritual e das festas, o
pesquisador e sociólogo Émile Durkheim em seu livro, considerado clássico por muitos
pesquisadores das humanidades, “As formas elementares da vida religiosa”, aponta, segundo
Rita de Cássia do Amaral, que “os limites que separam os ritos representativos das recreações
coletivas são “flutuantes” e ainda afirma que uma característica de toda religião é exatamente
o “elemento recreativo e estético””41, “é que, além dos santos, há a solidariedade social,
garantia do contrato que nos liga uns aos outros”42 e os ritos, qualquer que sejam eles,
“traduzem alguma necessidade humana, algum aspecto da vida, seja individual, seja
social.”43.
Portanto, os festejos populares e os rituais, como acentua o pesquisador Antonio
Maurício Costa, são “períodos e eventos que suscitam a aproximação entre os indivíduos e
que colocam as relações sociais em estado de efervescência”44, ultrapassando a vida social
estabelecida, “purificando” e “renovando” a sociedade na qual a festa está inserida.
É importante esclarecer que o que está sendo apontado no tópico em questão são
representações intelectuais sobre os festejos juninos europeus e sua ressignificação em terras
brasileiras, sendo esses apontamentos tomados, por outros intelectuais, brincantes e festeiros,
como legitimidade social e cultural das festas juninas em diversos espaços do país.
Essas narrativas são tomadas, neste caso, como construção discursiva, já que os
intelectuais, além de serem críticos, eram também participantes ativos das festas juninas,
contribuindo para o processo de desenvolvimento e consolidação da festividade. Além disso,
tais discursos podem também, como aponta Chartier45, serem vistos como estratégias e
práticas com tendências a legitimar escolhas, o que pode ser observado também ao longo do
texto.
40
Cf., DEL PRIORE, Mary, op. cit., p. 27.
41
DURKHEIM, Émile. Les formes elementaires de la vie religieuse. 1968 apud AMARAL, Rita de Cássia, op.
cit., p. 25.
42
MÉRIOT, Christian. Festas, máscaras e sociedades. Vivência. UFRN/CCHLA, Natal, v.13.1999. p. 7.
43
DURKHEIME, ÉMILE. Sociologia. In: RODRIGUES, José Albertino (Org.). Coleção Grandes Cientistas
Sociais. 3.ed. São Paulo: Ática, 1984, p. 148.
44
COSTA, Antonio Maurício. Festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará. Belém: EDUEPA, 2009.
p. 70-71.
45
CHARTIER, Roger, op. cit., p. 173-191.
26
Isso também pode ser observado no livro “Histórias do meu suburbio: chronicas
humorísticas” de Lindolpho Mesquita, também conhecido como Zé Vicente. Nesse livro, o
autor busca, de forma cômica, apresentar ao leitor um pouco das histórias vivenciadas ou
ouvidas pelo mesmo nos subúrbios da capital paraense, no final da primeira década do século
XX.
A meninada corria de um lado para o outro, atirando brazas para cima, numa
gritaria ensurdecedora.
Ahi o Belmiro virou-se para o lado da Nonóca, a vêr se a mãe desta estava
observando, e declarou:
- Eu num quero passá de primo.
- De qui é, então, qui tu qués?
- Eu quero passá de marido.
A Nonóca ficou vermelha e observou:
- Mas eu nunca vi se passá fogueira de marido e muié. Eu tenho visto de
primo, cumpadre e de mano...
- Isso era antigamente. Agora a gente já tem mais liberdade.
A pequena passou para o outro lado, a mão presa na do Belmiro:
- São João disse e São Pedro confirmou que nós haverá...
Ficou com vergonha de dizer o resto, mas o Belmiro completou;
- Que nós haverá de se casado, que Santo Antônio mandou.
Ao terminar, elle beijou a mão da Nonóca e murmurou:
- Boa noite, minha esposa...
E ella respondeu:
- Boa noite, meu marido.
O Belmiro ficou radiante com aquillo, o coração palpitante mesmo, tanto que
não resistiu e puxou a Nonóca, dando-lhe um beijo nos olhos ardentes de
fumaça.
Foi nesse momento exacto que a mãe da pequena surgiu na porta, dando de
cara com aquelle lindo postal joannino.
A Nonóca não poude se justificar sem confessar:
- Nós... nós... passemos fogueira de marido com muié, mamãe.
A velha agarrou o Belmiro pelo braço e ameaçou:
- Pois, então àgora você vae vê que qualidade de sogra foi arranjá.
E concluiu:
- Esta noite você casou na fogueira, mas amanhã tem que casá no civir e no
catholico, pruquê eu num quero vê adispois os meus netos prijudicado por
falta dos papeos que a lei inzige48.
48
MESQUITA, Lindolfo (Zé Vicente). Passando fogueira. In: MESQUITA, Lindolfo (Zé Vicente). Historias do
meu suburbio: chronicas humoristicas. Ofs. grafs. da Revista da Veterinária. Belém – Pará. 1941. p. 27-28.
49
Encontrada em todos os segmentos da sociedade (pobres, ricos, moços, velhos, homens e mulheres), é tudo
aquilo que o ser humano, sem fundamentos científicos, acredita apenas por medo. Segundo Renato Almeida, as
supertições têm origem no irracionalismo mágico, onde “é curioso verificar que a maioria das pessoas é
absolutamente escravas de seus temores, de coisas ou seres que lhe podem dar sorte ou azar, que lhe fazem bem
ou mal”. Esse autor define as supertições em três grupos/ordens: palavras, pensamentos e atos. Sobre isso, ver:
ALMEIDA, Renato. Manual e Coleta Folclórica. Rio de Janeiro. 1965. apud GRINBERG, Isaac. Folclore de
Mogi das Cruzes. LIS – Gráfica e Editora LTDA. São Paulo. 1981. p. 65.
28
cheirosos feitos das cascas e raízes encontradas no âmago da Amazônia, dos trajes caipiras 50,
dos “casamentos na roça”, dos bailes embalados pelos jazzes orquestras, pelos conjuntos de
Pau e Corda e pelos sonoros; dos bumbás que embelezavam as praças, bosques, terreiros 51 e
clubes em busca do título de melhor do ano, o “mês da felicidade”, cheio de utopias, de sons,
sabores, danças e cores.
Esses festejos ganhavam as páginas dos jornais e das revistas da cidade52 nos últimos
dias do mês de maio, quando se verificava espaço para as propagandas de vendas de tecidos
característicos de trajes juninos, de bebidas, de discos com músicas “próprias” para o
momento festivo e de fogos de artifício, o que era intensificado durante todo o mês de junho.
Desde pelo menos as primeiras décadas do século XX, os jornais e revistas que
circulavam em Belém do Pará preocupavam-se em trazer em suas páginas “cenas” do dia a
dia da capital paraense. Entre um número significativo de jornais e revistas locais, A Revista
Belém Nova, dirigida pelo poeta paraense Bruno de Menezes e que teve diversas
contribuições da intelectualidade local e nacional e, talvez, a mais popular que circulou na
cidade durante os anos de 1923 a 1929, que em sua configuração parecia romper com o que
até então já havia sido visto no campo das artes paraenses, pois revelava através da fotografia,
das propagandas, da crônica, do cinema, da pintura, do teatro e da poesia, os acontecimentos
do cotidiano brasileiro53.
50
Vestimentas inspiradas nos trajes de homens e mulheres que vivem no campo, os quais são confeccionados,
principalmente, com tecidos de chitas, cujos preços são inferiores aos demais tecidos.
51
Os terreiros juninos eram arraiais organizados principalmente em espaços públicos como ruas e avenidas ou
em terrenos abandonados encontrados ao longo da cidade, geralmente em trechos do subúrbio da capital
paraense. Segundo Antonio Maurício Dias da Costa, o termo terreiro aparentemente estava relacionado aos
espaços de apresentação de grupos juninos chamados de boi bumbá, o que muito se assemelhava aqueles
conhecidos como cordões de pássaros e de bichos, os quais passaram a se apresentar em “currais” (espaços fixos
e cercados) que poderiam se encontrados em diversos bairros de Belém, após a proibição de circulação desses
grupos pela cidade a partir de 1922. Sobre isso, consultar: COSTA, Antonio Maurício Dias da. Espacialização
Festiva em Disputa: estado, imprensa e festeiros em torno dos terreiros juninos de Belém nos anos de 1970.
Interseções (UERJ), v. 14, p. 304-333, 2011.
52
Os periódicos da década de 1950 consultados para a pesquisa em questão foram: O Liberal, A Província do
Pará, A Folha do Norte, O Estado do Pará, A Folha vespertina e a Revista Amazônia.
53
Sobre isso, ver: FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Eternos Modernos: uma história social da arte e da
literatura na Amazônia (1908-1929). 2001. Tese de doutorado. São Paulo: UNICAMP. 2001.
29
54
ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Imprensa a serviço do progresso. In: MARTINS, Ana Luiza & LUCA, Tania
Regina de (Orgs.). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. p. 83.
55
PEREIRA, Leonardo. Sobre confetes, chuteiras e cadáveres: a massificação cultural no Rio de Janeiro de Lima
Barreto. Projeto História, São Paulo, v. 14, p. 231-241, fev. 1997.
56
GUIMARÃES, Valéria. Os dramas da cidade nos jornais de São Paulo na passagem para o século XX. Rev.
Bras. Hist. vol.27. n. 53. São Paulo. Jan./Jun, 2007.
57
MARTINS, Ana Luiza. Imprensa em Tempos de Império. In: MARTINS, Ana Luiza & LUCA, Tania Regina
de (Orgs.). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. p. 45.
58
ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Imprensa a serviço do progresso. In: MARTINS, Ana Luiza & LUCA, Tania
Regina de (Orgs.). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. p. 83.
30
espaços e continuaram até, pelo menos, a segunda década do século XX satisfazendo, ou não,
os leitores.
Em Belém do Pará, nos anos de 1950, a prática apresentada acima, por Leonardo
Pereira e Valéria Guimarães, intensificou-se. Os jornais e revistas produzidos na capital como,
por exemplo, a Revista Amazônia e os jornais O Liberal, Folha do Norte, A Província do
Pará, Folha Vespertina e O Estado do Pará, entre outros, traziam em suas páginas a
“fórmula” do texto “claro e acessível”, bastante difundida no Brasil na virada do século XIX
para o XX.
Nesse período, em âmbito nacional, percebe-se um redimensionamento na imprensa,
isto porque contava com a consolidação do rádio nos lares brasileiros e com a introdução da
televisão como novo meio de comunicação, fatores estes que, de maneira relevante, surtiram
efeitos particulares na forma como os jornais e revistas se estruturavam59. Novos elementos
foram incorporados ao corpo noticiário trazidos no dia a dia ao povo paraense como, por
exemplo, anúncios de vendas de rádios portáteis nacionais e estrangeiros, programação dos
eventos realizados por emissoras de rádios, propagandas de vendas de discos, colunas diárias
religiosas, notícias de outras partes do Brasil e do mundo, além, claro, da intensificação dos
anúncios de bailes dançantes realizados nos clubes recreativos situados na capital paraense 60,
o que “assinala a importância atribuída pela opinião pública aos lazeres públicos e de
massa”61.
Os periódicos que circulavam em Belém, nesse período, diferenciavam-se
significativamente daqueles do inicio do século XX. Bem distantes, estes não buscavam
somente abordar temas políticos, literários e noticiosos, que ocupavam, na maioria dos casos,
números de páginas menores do que estamos acostumados ver. Abordavam também cenas do
cotidiano da cidade como, por exemplo, as festas, os jogos esportivos, atividades escolares e
religiosas. Sobre esse processo de mudança na imprensa, Antonio Maurício Costa observa
que:
59
Sobre a questão, Cf., CALABRE, Lia, op. cit., e MARTINS, Ana L.;LUCA, Tania R., (org.). História da
Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.
60
Deixo claro que essas publicações relacionadas a eventos culturais realizados na cidade faziam parte, desde
pelo menos o início do século XX, das páginas dos periódicos do estado, no entanto, a partir do final da primeira
metade desse século essas propagandas se intensificaram, ganhando um espaço maior dentro da imprensa local.
61
COSTA, Antonio Maurício; GOMES, Elielton. A “quadra joanina” na imprensa, nos clubes e nos terreiros da
Belém nos anos de 1950: “tradição interiorana” e espaço urbano. Cadernos de Pesquisa do CDHIS,
Uberlândia, v.24, n.1, p. 195-214, jan./jun. 2011. p. 197.
31
Em meados do século XX, a imprensa local parece buscar alternativas para sobreviver
diante dos novos aparelhos de comunicação que surgiam no âmbito social brasileiro,
alternativas essas que pairam, em quase todos os casos, nas propagandas dos mais variados
produtos nacionais e estrangeiros, tendo a nova mídia – rádio e televisão – obtida espaços
significativos nas páginas dos jornais e revistas que circulavam na cidade. Nesse período, os
periódicos locais, – revistas e jornais de variedades – produziram registros significantes a
cerca do alcance e da repercussão da programação festiva de Belém, sendo tais registros
grandiosas pistas para a construção de conhecimento da festa junina do período.
Alguns jornais daquela época anunciavam, em suas páginas, os diversos festejos
populares realizados em Belém, principalmente aqueles que giravam em torno do carnaval,
festejos juninos e do Círio de Nazaré, apresentando ao leitor um pouco do cotidiano festivo da
cidade. No entanto, “muitos são os cuidados a serem adotados por historiadores que lidam
com fontes jornalísticas. Elas podem reportar uma versão dominante dos fatos do
cotidiano”63. Ou seja, como assinala Chartier, podem ser entremeados por discursos políticos
e por influências socioculturais, em que tais discursos tendem a impor uma autoridade e até
mesmo legitimar escolhas, pois segundo esse autor, as representações, nesse caso as
jornalísticas, “marcam de modo visível e perpétuo a existência do grupo, da comunidade ou
da classe”64.
Os festejos juninos realizados na cidade de Belém, através dos periódicos que
circulavam na capital paraense nos anos 50, buscavam trazer “à tona os eventos [e]
igualmente os significados que estes tiveram na vida da população”65 local, levando em
consideração que as matérias veiculadas pela imprensa não são aqui apropriadas como
fotografia do passado, mas como instrumentos que nos auxiliam na interpretação desse.
62
COSTA, Antonio Maurício Dias da. “A cor local”: rádio e artistas da música popular em Belém nas décadas
de 1940 e 1950. ArtCultura, Uberlândia, v. 14, n. 25, jul.-dez. 2012. p. 152.
63
COSTA, Antonio Maurício; GOMES, Elielton, op. cit., p. 197.
64
CHARTIER, Roger, op. cit., p. 173-191.
65
LACERDA, Franciane Gama. Imprensa e Poesia de Cordel no Pará nas primeiras décadas do século XX,
op. cit., p. 11.
32
Assim, vale lembrar que a imprensa é entendida aqui como meio de divulgação de pontos de
vista de literatos e jornalistas e que, portanto, refletem interesses particulares.
Desde muito tempo, o hábito de se festejar os chamados santos juninos ganhou
espaços significativos, principalmente, nas cidades. Em Belém do Pará, nos anos de 1950,
esses festejos, por um longo período, estavam atrelados tanto às questões religiosas –
“catolicismo oficial” e “catolicismo popular” – como as práticas festivas profanas, ligadas aos
divertimentos e, ao mesmo tempo, dialogando com as formas tradicionais e canônicas da
religiosidade cristã.
Nesse contexto de festa, geralmente, três santos são ovacionados e festejados ao longo
do mês de junho, no Brasil: Santo Antônio, no dia 13, São João, no dia 24, e São Pedro, no
dia 29. No entanto, em algumas localidades do país, em especial em Belém do Pará, outro
santo se junta aos citados anteriormente e completa, encerrando, as homenagens dessa quadra
festiva; falo de São Marçal66, celebrado no dia 30 de junho.
Sobre os festejos de santos realizados na capital paraense e em outras localidades do
estado do Pará, Carmem Izabel Rodrigues aponta que:
Nesse sentido, percebe-se que as festas juninas, em sua dimensão histórica e social,
são uma prática que apesar de trazer, nos anos de 1950, um contexto quase que totalmente
profanizado, dialoga, mesmo que de modo superficial, com o religioso, trazendo à tona a
“experiência cultural mutante, ligada às diversas esferas da vida social, cuja reprodução está
condicionada à multiplicidade de interesses de agentes internos e externos ao evento”.68
66
Também conhecido como São Marcial de Limoges, foi apóstolo de Aquitânia no século III e esteve entre os
setenta e dois discípulos de Cristo, assistiu ao milagre da multiplicação dos pães, a ressurreição de Lázaro e foi
quem segurou a tolha de Jesus, enquanto este lavava os pés, diante disso, e por numerosos milagres atribuídos a
ele, são Marçal ganhou notória popularidade, sendo imediatamente canonizado por Vox Populi no século VI.
Tendo como celebração o último dia do mês de junho (30), em Belém do Pará, era apresentado pela imprensa
dos anos 50, como aquele responsável por encerrar a quadra festiva do mês em questão, no qual eram
construídas fogueiras de paneiros e palhas em louvor ao santo homenageado. Disponível em:
http://evangelhoquotidiano.org/main.php?language=PT&module=saintfeast&id=12206&fd=0 . Acesso em: 14
out. 2015.
67
RODRIGUES, Carmem Izabel. Vem do bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em
espaços urbanos, op. cit., p. 224.
68
COSTA, Antonio Maurício. Festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará, op. cit., p. 76.
33
O que foi assinalado por Peter Burke, anteriormente, pode ser confirmado por Mikhail
Bakhtin72, quando esse se debruça na análise do processo de circularidade cultural no
contexto da obra do escritor Rabelais. Segundo esse autor, as múltiplas manifestações
culturais, as quais ele dividiu em três – ritos e espetáculos, cômicas verbais e gêneros do
vocabulário familiar e grosseiro – estão estreitamente interligadas e combinadas de diferentes
maneiras.
Em outras palavras, Bakhtin assinala que há uma espécie de enfraquecimento dos
muros que até então existiam entre a cultura vista como “não oficial” – cultura cômica – e
aquela ligada à literatura – cultura erudita – que representava o que Peter Burke chamou de
“cultura letrada”. Percebe-se que esses autores, ao tratar do processo circular da cultura,
referem-se às influências recíprocas estabelecidas entre a cultura do segmento dominante e
aquela do segmento subalterno, apontando a clara apropriação do popular pela cultura erudita
e vice e versa.
Portanto, pensar a cultura como algo homogêneo é esquecer e passar por cima de
elementos comuns aos grupos que dela desfrutam; elementos esses derivados do processo de
69
Sobre isso, ver: BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna, op. cit.
70
Ibidem. pp. 57.
71
Ibidem. pp. 54.
72
Cf., BAKHTIN, Mikhail, op. cit.
34
73
BURKE, Peter. Hibridismo cultural. São Leopoldo: Editora da Unisinos, 2003. p. 53.
74
RODRIGUES, Carmem Izabel. Festividades Mestiças na Amazônia. História Revista, Goiânia, v. 14, n. 1, p.
235-259, jan.-jun. 2009. p. 236.
75
Ibidem. p. 236-237.
76
CHIANCA, Luciana. A Festa do Interior: são João, migração e nostalgia em Natal no século XX. Natal, RN:
EDUFRN, 2006. p. 17.
35
Era só o qui fartava... Eu num te quero mettida pulos curráo desses bichos,
não.
- Mas mamãe, lá é tudo direito e tem orde, ninguém se mistura cum gente
ordinara.
- Eu posso deixá tu i, mas eu tombem vou.
-Mas pru favo a sinhora, condo dé nove hora, não se ponha cum o aperreio
de vamo imbora, vamo imbora...
- Tá bão, já chega! Pulo que vejo tú já qué me gunverná, mas quem me
mandava já morreu!
A’ noite o Alexandre sahiu com a Enedina e mais a mãe desta para o arraial
do <Boi Farofeiro>. 77
77
MESQUITA, Lindolfo (Zé Vicente), op. cit., p. 91.
78
DIAS JR, José do Espírito Santo. Cultura Popular no Guamá: um estudo sobre o boi bumbá e outras práticas
culturais em um bairro de periferia de Belém. 2009. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) –
Universidade Federal do Pará, Belém, 2009. p. 87.
79
Sobre isso, consultar: CARNEIRO, Edison. A conquista da Amazônia. [Rio de Janeiro]: Ministério da
Viação e Obras Públicas, Serviço de Documentação. 1956. (Coleção Mauá).; MENEZES, Bruno de. Boi Bumbá.
Auto Popular (1972). In: MENEZES, Bruno de. Obras Completas de Bruno de Menezes. Belém:
Secult/Conselho Estadual de Cultura, 1993.; DIAS JR, José do Espírito Santo. Cultura Popular no Guamá: um
estudo sobre o boi bumbá e outras práticas culturais em um bairro de periferia de Belém, op. cit.; CARVALHO,
Luciana Gonçalves de. A graça de contar: um Pai Francisco no bumba meu boi do Maranhão. Rio de Janeiro:
Aeroplano, 2011.
36
Já os Cordões de Pássaros e Bichos (de onças, peixes, camarão, caranguejos, etc.) são
também de origem rural e tiveram suas primeiras menções na imprensa local datadas de
meados do século XIX. É um espetáculo de alegoria popular, no qual, segundo Edison
Carneiro80, busca-se a defesa da flora e fauna da região norte81. Bem próximo do enredo
mostrado nas apresentações de boi bumbá, os cordões de pássaros e bichos, sempre
representados por uma ave ou um bicho, desenrola seus cortejos em torno da caçada, morte e
ressurreição do animal. Organizados, principalmente, em semicírculos, o grupo canta e dança
ao som de tambores e outros instrumentos musicais.
Edison Carneiro ao classificar os espetáculos apresentados por esses grupos de “teatro
dramático-burlesco popular”, observa que essas apresentações são constituídas a partir de um
aspecto singular, na qual é possível identificar “uma estranha mistura de novela de rádio,
burlesca e teatro de revista, a qual não falta cor local”, onde é possível encontrar “fidalgos
vestidos à moda do século XVI ou XVII”, entrelaçados aos costumes jocosos dos matutos. Os
“atores”, em busca de arrancar aplausos ou risos da plateia, adulteram a língua portuguesa
dentro das representações teatrais do gênero82.
Essas manifestações culturais, segundo Sidney Piñon, são elementos integrantes da
cultura amazônica, onde, de acordo com seus “proprietários e brincantes”, não existe em
nenhuma localidade fora do estado do Pará. Esse autor observa que, na cidade de Belém do
Pará, esses grupos são distribuídos por seus respectivos bairros e distritos, “realizando
8080
Segundo Luiz Gustavo Freitas Rossi, antropólogo que se debruçou nos estudos sobre o historiador, escritor,
etnógrafo, jornalista e folclorista Edison Carneiro, esse intelectual desenvolveu pesquisas acerca das
manifestações culturais populares vinculadas aos “menores” da sociedade brasileira, sendo, por isso, também
apontado por outros intelectuais da época como “escritor de subúrbio”. Seus trabalhos estavam, em sua maioria,
relacionados à cultura e religiosidade afro brasileira, tornando-se uma das maiores autoridades nacionais sobre os
cultos afro brasileiro, talvez por conta da grande influência que Nina Rodrigues teve na carreira intelectual de
Carneiro. Além do destaque recebido ao desenvolver pesquisa sobre a cultura negra do Brasil, principalmente
referente a religiosidade desses, Edison Carneiro também ganhou notoriedade nos estudos sobre o folclore e a
cultura popular brasileira. Em Belém, na segunda metade do século XX, esse intelectual desenvolveu pesquisa
sobre os folguedos populares vividos na cidade, o que, mais tarde, deu origem ao livro intitulado de “A
Conquista da Amazônia”. Sobre esse intelectual, ver: ROSSI, Luiz Gustavo Freitas. O intelectual “feiticeiro”:
Édison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil. Tese (doutorado em Antropologia).
Universidade Estadual de Campinas, IFCH, Campinas/SP. 2011.; GASPAR, Lúcia. Edison Carneiro.
Disponível em: <
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=759:edison-
carneiro&catid=40:letra-e&Itemid=184> Acessado em: 02 de set. 2015.; A Poesia de Edison Carneiro
descoberta por Gilfrancisco. Disponível em: < http://www.arquivors.com/cidseixas1.htm>. Acesso em; 02 de
set. 2015.
81
CARNEIRO, Edison. A conquista da Amazônia, op. cit., p. 99.
82
CARNEIRO, Edison. Folguedos Tradicionais. 2. Ed. Rio de Janeiro: FUNARTE/INF, 1982. p. 155-158.
37
No mês das fogueiras, dos fogos e dos balões; de Antônio, João, Pedro e
Marçal, existe também os “grupos” que nos palcos exibem com graça e
83
PIÑON, Sidney. O desencanto de uma Mira-Puraquête... Dominantes/dominados: a luta entre o “bem” e o
“mal”?. Caderno do Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Belém: Pará, n.16. 1980. p. 1-22.
84
DIAS JR. José do Espírito Santo. Boi Bumbá em Belém, uma expressão urbana e popular. Revista Estudos
Amazônicos. vol. V, nº 2 (2010), pp. 83.
85
Fundada em 25 de outubro de 1950, a Comissão Paraense de Folclore, trazendo as mesmas propostas das
outras 15 comissões estaduais brasileiras, de organizar o que era apontado pelos pesquisadores como folclore,
dentro dos respectivos limites territoriais, seguindo as diretrizes sugeridas pela Comissão Nacional de Folclore,
de debate acerca do conceito de folclore e a busca da aplicação desse conceito nas pesquisas desenvolvidas em
cada região, tendo em vista preservar a cultura local, bem como suas raízes peculiares diante do processo de
industrialização e modernização pelos quais cada região passava. Nesse sentido, pesquisar, catalogar e
sistematizar as informações dentro do âmbito cultural e folclórico da região amazônica se fazia necessário,
interligando esses elementos as questões diplomáticas, políticas, científicas e sociais do estado do Pará. Dentre
os primeiros membros da Comissão Paraense de Folclore, encontravam-se: Armando Bordalo da Silva, Augusto
Meira Filho, Santana Marques, Levi Hall de Moura, Bruno de Menezes, De Campos Ribeiro, Ernesto Cruz,
Francisco de Paulo Mendes, entre outros. É importante informar que esses membros da Comissão Paraense de
Folclore estavam ligados a diversas categorias profissionais como, por exemplo, prefeitos, antropólogos,
historiadores, biólogos, empresários, literatos, etc.. Sobre isso, ver: ALVES, Larissa Mendonça. Comissão
Paraense de Folclore em Nove anos: origens e discursos de 1949 a 1958. Trabalho de Conclusão de Curso
(Faculdade de História). Universidade Federal do Pará. Belém: Pará, 2006.
86
Consultar PENTEADO, Antonio Rocha. Belém – Estudo de Geografia Urbana. Belém: Edufpa. 1968. Esse
geógrafo e pesquisador desenvolveu seu estudo sobre a cidade de Belém do Pará apresentando como tese para o
curso de Livre-Docência na cadeira de Geografia da Universidade de São Paulo em 1966.
38
Edison Carneiro, em sua estadia em Belém do Pará, na década de 50, por ocasião da
quadra junina, acompanhou de forma intensa alguns grupos juninos bem populares na cidade
como, por exemplo, Quati, Tem-tem, Periquito e Rouxinou, em vários concursos organizados
pela Comissão Paraense de Folclore e patrocinados pela prefeitura de Belém. Nesse sentido, o
87
Jornal O Liberal. 28/06/1952. p. 2.
88
Coluna QUADRA JOANINA. Título da matéria Começou hoje com os festejos em louvor de Sto. Antonio
as comemorações do dia. Jornal A Província do Pará. 12/06/1951. p. 8.
89
Matéria intitulada de Exibição de grupos juninos no Variedades. Jornal A Província do Pará. 12/06/1955.
p. 3.
90
Artigo jornalístico intitulado de Cetames De Grupos Junínos Sob O Patrocínio Da Comuna. Jornal O
Estado do Pará. 11/06/1959. p. 4.
39
pesquisador observou que os locais de apresentações desses grupos eram os mais diversos
(cinemas, teatros, circos, parques cedidos pela prefeitura, ruas e clubes) e estavam espalhados
por vários bairros da capital paraense.
Diante disso, como observa Carlos Eugênio de Moura após a análise do texto A farsa
do prêmio do antropólogo Sidney Piñon, é possível inferir que esses concursos realizados
sobre o patrocínio da prefeitura, acirravam ainda mais o controle político sobre os grupos
juninos concorrentes, onde se difundiria um discurso político de valorização, preservação e
conscientização para toda sociedade belenense. Com isso, por tanto, ocorre uma intensa
manipulação dos grupos, “desarticulando-os na medida em que se institucionalizam, por meio
de concursos, as rivalidades que os opõem”91.
Esses grupos, segundo o historiador e folclorista Vicente Salles, eram considerados
como o “teatro menos compreendido, mais criticado, em todas as épocas, sob todos os
ângulos”, talvez pelo fato desses autos populares terem sidos, em um primeiro momento,
compostos pela “ralé”92 da sociedade belenense do inicio do século passado93.
Desde o início do século XX, os autos populares ligados, principalmente, aos bois-
bumbás e aos cordões de pássaros e bichos, foram reinventados e passaram a ganhar outros
espaços no meio urbano belenense, sendo o ambiente erudito um deles. Sobre essas
reinvenções, Salles observa que:
91
MOURA, Carlos Eugênio. O Teatro que o Povo Cria: cordão de pássaros, cordão de bichos, pássaros juninos
do Pará. Da dramaturgia ao espetáculo. Belém: Secult, 1997, p. 44.
92
Termo utilizado por Vicente Salles na obra “Épocas do teatro no Grão-Pará ou Apresentação do teatro da
época”, referente aos moradores do subúrbio da cidade de Belém na primeira metade do século passado.
93
Sobre isso, consultar: SALLES, Vicente. Épocas do teatro no Grão-Pará ou Apresentação do teatro de
época. Belém: UFPA, 1994. v. 2. p. 301.
94
De acordo com Suzane Pereira, o “teatro nazareno” estava associado a um dos mais significativos eventos
festivos da capital paraense: o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, no mês de outubro. Esse, segundo a autora, era
composto pelos conjuntos de barracas de comidas regionais, jogos, diversões e teatros, que encontravam-se
espalhados ao longo do largo de Nazaré. Durante o período de festividade da padroeira da cidade, Belém do Pará
ficava em festa. “Havia bandas de músicas nos coretos, balões com fogos de artifícios, teatrinhos, jogos,
40
Esses autos, ligados aos festejos populares de Belém do Pará, segundo Salles,
passaram a despertar interesses de grande parte dos grupos sociais que formavam a sociedade
belenense. Os da “ralé”, diante da conquista de espaços na cidade, conseguiram garantir a
sobrevivência de seus espetáculos, aceitando, alguns a princípio resistindo, toda sua
renovação e atualização. Nesse sentido, percebe-se a “ascensão dos folguedos populares aos
palcos da cidade”, ligadas aos momentos de lazer das elites e dos moradores do subúrbio,
atuando nas encenações autores e atores que acabavam seduzindo e encantando os de mais
“finos espíritos”.
O jornal A Província do Pará de 16 de junho de 1957, anuncia, na página de número
2, o artigo denominado “BUMBA-MEU-BOI”, escrito pelo colaborador da gazeta Theo
Brandão96, o qual apresenta, minuciosamente, o projeto de pesquisa desenvolvido pelo
pesquisador francês Michel Simon, no Brasil, financiado pelo Centro Nacional de Pesquisa
Científica da França, sobre o Teatro Popular, tendo o espetáculo do Boi ganhado significativo
destaque. Nesse sentido, o auto popular do Bumba-meu-Boi, considerado de grande
importância para o Folclore Brasileiro, é um auto, que sobrevivendo aos costumes milenares,
ganhou fama e prestigio nos diversos grupos da sociedade, tendo, nesse sentido, o pesquisador
francês o igualado a “Comédia dell’Arte”.
diversões populares e comédias feitas por artistas locais, valorizando a cena amazônica”. Sobre isso, consultar:
PEREIRA, Suzane Cláudia Gomes. Você pensa que aqui é a casa da viúva Costa?: o teatro de revista paraense
na cena de Antônio Tavernard. Tese (doutorado em Cultura e Sociedade). Universidade Federal da Bahia.
Faculdade de Comunicação, 2013. pp. 57-58.
95
SALLES, Vicente, op. cit., p. 301.
96
Médico de formação, Theotônio Vilela Brandão, conhecido como Théo Brandão, destacou-se no meio
acadêmico por meio de suas pesquisas folclóricas desenvolvidas no Brasil no século passado. De acordo com
José Marque de Melo, pesquisadores não hesitam em classificar esse intelectual, tanto no campo da Saúde
(medicina), como no campo das ciências sociais (antropologia, etnologia, etnografia e folclore). A relação desse
intelectual com Arthur Ramos ajudou no desejo de Théo Brandão em enveredar pelo caminho do folclore. Além
disso, o vínculo desse pesquisador, em sua infância, com os festejos populares realizados em seu Estado natal
(Alagoas), foi de grande importância em sua carreira como pesquisador popular. Suas pesquisas eram realizadas,
quase sempre, em suas horas de folga do trabalho, quando Brandão saia em busca de sujeitos simples, muitos
moradores do interior de Alagoas, que, em sua concepção, poderiam contribuir significativamente como o
desenvolvimento da mesma. Além disso, buscava outros tipos de fontes (jornais e revistas), pretendendo
comparar os mesmos e, assim, contribuir de forma significativa com as pesquisas populares no Brasil. Sobre esse
autor, consultar: MELO, José Marques de. Théo Brandão: Precursos da Folkcomunicação. Revista
Internacional de Folckcomunicação. UEPG. 2007.; ERNESTO, Luiz. Téo Brandão, um moses (do Nordeste)
agita o folclore das Alagoas. Disponível em: http://www.jangadabrasil.com.br/temas/abril2011/te14604g.asp.
Acessado em: 02 de set. de 2015.; GASPAR, Lúcia. Théo Brandão. Disponível em:
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=180:theo-
brandao&catid=54:letra-t&Itemid=1. Acessado em: 02 de set. de 2015.
41
ligada, por muito tempo, à vadiagem100. Com o tempo, intensificou-se a vigilância policial
nesses espaços afastados do centro da cidade, onde a prática da capoeira, em junção ao
espetáculo do boi bumbá, era intensa.
Luiz Augusto Leal observa que, até pelo menos o ano de 1905, era inevitável a
presença de capoeiras na formação dos grupos de bumbás da capital paraense. Os capoeiras,
segundo esse autor, ganhavam espaços significativos nos grupos juninos conhecidos como
bumbás da cidade, pois eram tidos como “seguranças” dos restantes dos brincantes, tomando,
na maioria das vezes, a frente do cortejo do boi, protegendo os menos ágeis/valentes “frente
ao “ritual” de confronto entre bois rivais”102.
Para esse autor, além da significativa presença dos capoeiras nas “capangagens
políticas” paraenses, os mesmos eram indispensáveis nas brincadeiras do bumbá, pois nos
encontros dos bois, “os menos valentes e menos hábeis se davam mal. Por isso, o
conhecimento da capoeiragem era imprescindível”103.
100
Sobre isso, consultar: RIBEIRO, José Sampaio de Campos. Gostosa Belém de Outrora. Belém, Editora
Universitária, 1965.; LEAL, Luiz Augusto Pinheiro. Capoeira, Boi bumbá e Política no Pará Republicano (1889-
1906). Afro-Ásia. Nº32, 2005, p. 241-269.; SALLES, Vicente. A Folga do Negro In: - -, O Negro na Formação
da Sociedade Paraense. Textos reunidos. Belém: Paka-Tatu, 2004.; LEAL, Luiz Augusto. A Política da
Capoeiragem: a história social da capoeira e do boi-bumbá no Pará republicano (1888-1906). Salvador:
EDUFBA, 2008.
101
MOURA, Carlos Eugênio, op. cit., p. 63.
102
LEAL, Luiz Augusto Pinheiro, op. cit., p. 152.
103
LEAL, Luiz Augusto Pinheiro, op. cit., p. 179.
43
Os conflitos ocorridos durante os cortejos dos bois na cidade possuem forte relação
com o estereótipo atrelado ao capoeira como aquele que era “vagabundo que “bebia cachaça
pelos botequins” e “distribuía o tempo entre o ócio lúcido e o ócio embriagado”105.
O controle policial se deu de forma rigorosa, logo, os bumbás, como afirma José Dias
Junior, passaram a se apresentar, sobre forte controle da policia, em currais, construídos,
quase sempre, em áreas associadas aos donos dos bois e que muitas vezes serviam de sedes
para o folguedo. Nesse sentido, os currais “adquiriram o status de palco das apresentações,
um verdadeiro “teatro popular” que atraía os “inflamados torcedores” das agremiações” 106. A
partir da segunda metade do século XX, esses grupos passaram a ganhar mais destaques nos
festejos juninos organizados no centro da capital paraense.
A presença desses grupos juninos tornaram-se frequentes também em algumas
agremiações esportivas, associações profissionais e/ou beneficentes da cidade de Belém do
Pará, principalmente naqueles localizados no subúrbio, como no Imperial Clube (também
conhecido como o “Leão do Jurunas”), onde se exibiriam vários cordões num “palco armado
na sede social” entre os dias 26 e 30 de junho de 1951, tendo, neste anúncio, uma ênfase na
teatralidade do evento, organizado em espetáculos noturnos e matinais.
104
Ibidem, p. 178-179.
105
PALHANO, Lauro, pseud. de Inocêncio Campos. O Gororoba – Cenas da vida proletária. Rio de Janeiro,
Pongetti, 1943 apud LEAL, Luiz Augusto Pinheiro, op. cit., p. 183.
106
DIAS JR, José do Espírito Santo. Cultura Popular no Guamá: um estudo sobre o boi bumbá e outras
práticas culturais em um bairro de periferia de Belém, op. cit., p. 99.
107
Jornal O Liberal. 26/06/1951. p. 4.
44
108
Sete de Setembro Esporte Clube: FESTA DO PAI XANDICO. Jornal A Província do Pará. 12/06/1951. p.
8.
45
109
CHIANCA, Luciana. Chama que não se apaga, op. cit., p. 23.
110
Cf., CÂNDIDO, Antônio. Os Parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos
seus meios de vida. São Paulo: Trinta e Quatro, 1997.
111
Cf., CARNEIRO, Edison. Folguedos Tradicionais, op. cit.
112
SOUZA, Apolinário. Festa de São João e Inimigos do Corpo. Belém: UFPA, 1997.
46
113
SALLES, Vicente. Repente & Cordel: literatura popular em versos na Amazônia. Rio de Janeiro:
FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore, 1985. pp. 20.
47
Nesse sentido, o contato entre a cultura nordestina e a amazônica resultou, como pode
ser observada nas citações acima, em produções hibridas, tendo, em grande medida, a
produção dos nordestinos sido incorporada a do homem amazônico.
O anúncio do arraial do “Pai Xandico” parece uma breve apresentação interessante à
alusão nordestinas e amazônicas associadas ao que era visto como caracteristicamente junino.
A fala do caboclo interiorano é usada para mostrar a especificidade do arraial junino, que
contaria com a presença de uma importante Jazz-Orquestra da cidade. O destaque para a
“sanfuna do cumpadri Maçaneta” revela a associação da festa com ritmos nordestinos como o
baião, o xote e o nascente forró. Este último, de acordo com Chianca115 assumiu o papel de
“música-tipo” (com seu “instrumento-tipo”: a sanfona) das festas juninas nordestinas desde
fins dos anos 1940, especialmente no meio urbano.
Dada apresentação a cerca dos grupos juninos conhecidos como Boi bumbás e cordões
de pássaros e bichos como uma das formas de animação dos festejos juninos na capital
paraense durante os anos de 1950, cabe agora observar outros meios importantes para o
desenvolvimento desse momento festivo: a presença marcante dos conjuntos musicais e dos
sonoros.
A segunda metade do século XX foi marcada por diversas transformações no âmbito
social belenense como: grande fluxo de migração do campo para a cidade, a divulgação em
larga escala de diferentes ritmos musicais de apelo popular, sendo esses transmitidos via rádio
(samba, ritmos nordestinos e latinos) e, principalmente, o período de grande expansão do
meio de comunicação de massa, em especial a radiofônica.
Nesse período, em Belém, era comum a intensa difusão, por meio das rádios e também
pelos grupos musicais e pelos sonoros, de ritmos como boleros, salsas, congos, merengues,
114
SALLES, Vicente. Sociedades de Euterpes: as bandas de música no Grão-Pará, op. cit., p. 102-103.
115
CHIANCA, Luciana. A Festa do Interior: são João, migração e nostalgia em Natal no século XX, op. cit., p.
67.
48
mambos e cúmbias, sendo apreciados como elementos peculiares nos bailes promovidos nos
espaços dançantes da capital. No entanto, foi desde pelo menos as primeiras décadas do
século passado que esses ritmos latinos, ao lado do samba, começaram a fazer parte do dia a
dia do povo paraense, pois os programas das estações estrangeiras estavam fortemente
associados aos programas de rádio local do período. Isto acontece exatamente na época em
que, após o processo de redemocratização resultante da derrubada do Estado Novo, assiste-se
a uma promoção dos meios de comunicação de massa no país e, principalmente, à forte
presença do rádio como um meio informativo e de entretenimento, associado à indústria
cultural nacional.
Em seu livro intitulado A Era do Rádio117, Lia Calabre observa que tal instrumento de
comunicação e entretenimento é responsável pelas inovações e adaptação nas formas de artes
que existiam antes de seu surgimento. Além disso, assinala que o rádio era um excelente meio
de informação e de divulgação de diversas manifestações culturais e artísticas no país.
Segundo a autora, nesse momento havia uma necessidade, por parte dos governantes, de o
país passar uma imagem de próspero, desenvolvido e, acima de tudo, moderno.
Os anos de 1950 foi o período em que houve o crescimento do número e
diversificação dos meios de comunicação no Brasil, dando destaque para o rádio, sendo o
responsável pelas inovações de estilos – fama e ascensão social – e práticas cotidianas no
âmbito urbano. Nesse sentido, Antonio Mauricio Costa & Edimara Bianca Vieira apontam
que o processo de expansão do modo de vida urbano, presentes nas grandes cidades do país,
em meados do século passado, esteve associada e conectada, em grande medida, às emissões
radialísticas, através dos programas jornalísticos, esportivos, rádionovelas, humorísticos, bem
como nos repertórios musicais transmitidos por esse meio de comunicação, onde “este último
116
COSTA, Antonio Maurício D.; Gomes, Elielton B. Castro, op. cit., p. 201.
117
Cf., CALABRE, Lia, op. cit.
49
ocupava a função, naquele contexto, tanto de pano de fundo geral como de atração principal
das programações”118.
Nesse sentido, Tony Leão da Costa119 assinala que tanto os programas radiofônicos
como a difusão dos discos em Belém tiveram grande influência na construção dos gostos
musicais da população local. Para esse autor, os artistas paraenses, associados quase sempre
às orquestras jazzistas, em vários momentos, “imitavam” os estilos musicais provenientes da
região Sudeste e até mesmo aqueles de fora do país.
Os grupos musicais conhecidos como Jazz Orquestras eram conjuntos que embalavam
as noites dançantes, principalmente dos clubes que se encontravam espalhados ao longo da
cidade de Belém do Pará. Esses grupos correspondiam mais a uma formação de músicos não
eruditos que tocavam os mais variados ritmos musicais, sendo eles estrangeiros e brasileiros
como, por exemplo, tangos, marchas, choros e sambas. Apesar de proporcionar a ideia de uma
formação e especialização musical de origem norte-americana, esses conjuntos estavam mais
próximos do contexto musical da região amazônica120.
Para Vicente Salles121, os anos de 1920 foi o momento em que ocorreu a difusão de
instrumentos musicais como cavaquinho, a flauta e o banjo entre as formações dos pequenos
conjuntos musicais em Belém. Esses grupos foram responsáveis pelo desenvolvimento da
música urbana na cidade, pois reproduziam os ritmos que ficaram popularizados nas rádios
nacionais e internacionais, além daqueles que tiveram grande notoriedade nos cinemas
americanos.
No entanto, é somente a partir dos do final dos anos de 1930 que esses grupos
musicais conhecidos como “Jazzísticos” ou “conjuntos de boate”, como eram apresentados na
imprensa da segunda metade do século XX, terão uma intensa popularização. Nos anos de
1950, percebe-se, através dos documentos consultados, a presença constante desses grupos
musicais nos espaços dançantes da cidade, estando eles situados no subúrbio ou no centro da
mesma.
118
COSTA, Antonio Maurício Dias da; VIEIRA, Edimara Bianca Corrêa. Na Periferia do Sucesso: rádio e
música popular de massa em Belém nas décadas de 1940 e 1950, Projeto História, nº 43. 2011. p. 112.
119
COSTA, Tony Leão da. “Música de subúrbio”: cultura popular e música popular na “hipermargem” de
Belém do Pará. 2013. Tese (Doutorado) em História. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas. Departamento de História. Niterói: Rio de Janeiro. 2013. p. 178.
120
Ver: COSTA, Antonio Maurício Dias da. Festa e espaço urbano: meios de sonorização e bailes dançantes na
Belém dos anos 1950. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 32, nº 63. 2012.
121
Consultar: SALLES, Vicente. Sociedades de Euterpes: as bandas de música no Grão-Pará, op. cit.
50
RECREATIVA BANCREVEA
ICOARACI R. CLUBE
Festa do Balão
Também no próximo sábado o Icoarací Recreativo Clube simpatizada
agremiação desportiva da Vila de Icoarací, vai promover sua festa caipira a
qual denominou de a Festa do Balão, a qual será abrilhantada pelo “choro”
do professor Antonio Rocha .
DELTA CLUBE
122
COSTA, Antonio Maurício Dias da. Festa e espaço urbano: meios de sonorização e bailes dançantes na
Belém dos anos de 1950, op. cit., p. 387.
51
Como garantia de comodidade aos sócios de clubes cujas sedes ficavam mais distantes
do centro, havia inclusive o oferecimento de ônibus especiais saindo do Olímpia – principal
cinema da cidade, localizado na região central, de grande importância nos momentos de lazer
dos moradores de Belém – nas primeiras horas da noite, como noticiou A Província do Pará
em 28/06/1955.
Entre os conjuntos mais divulgados nos jornais de Belém do início dos anos 1950
estavam: Grupo de Jazz Orquestra Batutas do Ritmo, que tinha no seu comando a pessoa de
Sarito; Grupo de Jazz Orquestra Martelo de Ouro, liderado por Vinícios; Jazz Internacional,
coordenado pelo Professor Candoca, também conhecido como o “Mago da Viola”; Jazz
Vitória, liderado por Raul Silva; Jazz Orquestra Maçaneta, comandada por Guiães de Barros;
e Jazz Marajoara, tendo à frente o maestro Oliveira da Paz.
Como foi afirmado anteriormente, as festas juninas em Belém do Pará, nos anos de
1950, também eram animadas por aparelhos sonoros apresentados pela imprensa como
“picarpes” (do inglês “pick-up”). Esses sonoros, assim como os grupos de Jazz Orquestras,
também tinham fama em alguns espaços dançantes da cidade.
Diferente dos conjuntos musicais que tinham destaques nas festas realizadas nos
clubes “chiques” da capital, as “picarpes” tinham presenças acentuadas, tanto nos festejos
juninos como em outros festejos populares, em clubes suburbanos ou em terreiros juninos
localizados em áreas afastadas do centro. É importante deixar claro que a presença desses
aparelhos sonoros, durante as festas juninas, não se limitavam apenas aos espaços localizados
no subúrbio de Belém, embora sua presença fosse constante nesses ambientes, como foi
anunciado no jornal O Liberal de junho de 1953.
123
Jornal O Liberal. 12/06/1953. p. 4.
52
bairro do Umarizal em junho de 1951. De acordo com a notícia do jornal Folha Vespertina124,
a festa estava sendo minuciosamente organizada por uma comissão organizadora que buscava
agradar a todos os brincantes, tendo a festa o serviço de dois alto-falantes que tocariam
“musicas de danças, para gáudio da mocidade”, além de distribuição gratuita de comidas e
bebidas próprias da época, como o aluá e o munguzá.
Essas “picarpes” e sonoros, sinônimos do sistema de som capaz de se deslocar para
diversos espaços de festas, desde os finais dos anos 1940, vinham se tornando marcas
registradas nas festas dançantes do subúrbio de Belém125. Esse sistema de som era montado de
forma artesanal por pessoas com conhecimento de eletrônica, no qual encontrava-se um
amplificador de metal e válvula, uma caixa de som pequena, projetor sonoro, conhecido como
“boca – de – ferro” e um toca disco de 78 rotações (a pick – up).
Esses aparelhos de som, de proprietários oriundos principalmente do subúrbio da
cidade, em um primeiro momento, estiveram associados principalmente a eventos de
aniversário, casamentos ou festas de vizinhança. A partir da sua popularização, ampliou-se as
contratações para outros eventos festivos, em especial os bailes dançantes realizados nos
clubes da cidade, principalmente naqueles situados na periferia da mesma.
Talvez, o fato dos donos dos sonoros serem provenientes do subúrbio, assim como os
locutores titulares desses aparelhos, explique a forte presença deles nos clubes e nos espaços
dançantes localizados em bairros afastados do centro da capital paraense. Como observa
Antonio Maurício Costa esses sonoros tiveram uma importância grandiosa entre a ocorrência
das festas em Belém, tendo em vista “não assumir uma posição complementar ao rádio, mas
sim ocupar um espaço particular como meio de comunicação ligado a ocorrência de eventos
festivos”126.
Nesse sentido, percebe-se, diante do que foi apontado no capitulo em questão, que as
festas juninas, no Brasil, são resultados de um processo constante de diversidade cultural,
onde o contato entre a cultura europeia, indígena e africana, se somou e se difundiu ao longo
do território brasileiro; trocas essas que se revelaram importantes até, pelo menos, a segunda
década do século XX.
Dentre as principais características das representações difundidas em notas de jornais e
revistas que circulavam em Belém nos anos de 1950, bem como em textos de folcloristas
paraenses, encontravam-se a busca de uma festa ruralizada em um ambiente que se
124
Santo Antonio na Roça. Jornal Folha Vespertina. 05/06/1951. p. 2.
125
Sobre isso, consultar: COSTA, Antonio Maurício D.; Gomes, Elielton B. Castro, op. cit.
126
COSTA, Antonio Maurício Dias da. Festa e espaço urbano: meios de sonorização e bailes dançantes na
Belém dos anos de 1950, op. cit., p. 386.
53
127
NAPOLITANO, Marcos. Introdução. In: NAPOLITANO, Marcos. Cultura brasileira: utopia e massificação
(1950-1980). 3. ed. São Paulo: Contexto, 2008. pp. 8.
128
COSTA, Antonio Maurício. Festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará, op. cit., p. 71.
54
satisfazendo as vontades dos brincantes, nos mais diversos espaços espalhados ao longo da
capital paraense, como podem ser observadas no capítulo a seguir.
55
CAPÍTULO II
ESPACIALIZAÇÃO FESTIVA
56
ESPACIALIZAÇÃO FESTIVA
Nomes paraenses que nem sei mesmo se hoje são os mesmos, nossa rua
como um poderoso rio ia tomando afluentes cujas denominações esqueci ou
– creio – nunca soube direito129.
Belém, sobranceira e olímpica, não pôde ser desbancada como capital da
Amazônia. (...) Uma cidade peculiar, testemunho vivo da riqueza da
Amazônia130.
129
MORAES, Eneida. Aruanda e banho de cheiro. Belém: CEJUP/SECULT, 1997. p. 50.
130
CARNEIRO, Edison. A conquista da Amazônia. op. cit., p. 7-36.
131
GOMES, Renato Cordeiro. Todas as cidades, a cidade: literatura e experiência urbana. Rio de Janeiro:
Rocco, 1994. p. 24.
132
Entende-se como festas populares aquelas que estão configuradas dentro de um sistema mobilizado pelas
comunidades humanas, no qual encontra-se presente as dimensões culturais – política, religiosa e comercial –
relacionando-se tanto com o modo produtivo, ligado ao trabalho, como ao lazer dos indivíduos. Sobre o sentido
do termo “Festas Populares”, consultar: MELO, José Marques de. As festas populares como processos
comunicacionais: roteiro para o seu inventário, no limiar do século XXI. Vivência. UFRN/CCHLA. Natal: RN,
v. 13. p. 173-186.; FERRETI, Sérgio. Estudos sobre festas religiosas populares. In: MIRANDA, Nadja &
RUBIM, Linda (Orgs.). Estudos da festa. Salvador: Edufba 2012. p. 17-32.
133
Publicado em matéria intitulada O Rei Momo da Coligação. O Liberal, 08 de janeiro de 1951. p. 1.
57
Folha Vespertina e O Estado do Pará, que circulavam na capital paraense, nesse período,
através dos anúncios das festas, nos permitem chegar a tal conclusão.
Era comum, nas páginas desses periódicos, encontrar as expectativas dos bailes, os
resumos do que acontecera durante as realizações festivas e os convites, anunciando o dia, a
hora, o local e as atrações das festas realizadas em Belém, como pode ser observado no
anúncio abaixo.
134
RAMINELLI, Ronald. História urbana. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.).
Domínios da História: ensaio de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 195.
58
135
Segue algumas das pesquisas desenvolvidas sobre o processo de urbanização e modernização da cidade de
Belém do Pará e Manaus na segunda metade do século XX, mais precisamente entre os anos de 1950 e 1970.
RODRIGUES, Carmem Izabel. Vem do bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em
espaços urbanos. op, cit.; PENTEADO, Antonio Rocha. . Belém – Estudo de Geografia Urbana. op. cit.;
RODRIGUES, Carmem Izabel. À beira do Guamá... um bairro em movimento. In: VIEIRA JUNIOR, Antônio
Otaviano; BELTRÃO, Jane Felipe (Orgs.). Conheça Belém, co-memore o Pará. op. cit.; TRINDADE JUNIOR,
Saint-Clair. Produção do espaço e uso do solo urbano em Belém. Belém: NAEA/UFPA, 1997; PETIT, Pere.
Chão de promessas: elites políticas e transformação econômica no Estado do Pará pós-1964. Belém: Paka-Tatu,
2003.
136
RODRIGUES, Carmem Izabel. op. cit. 2008. p. 77.
59
A baixada145, segundo Tony Leão da Costa, era o local onde as tradições eram vividas
de forma “escondida”, pois o distanciamento entre o centro da cidade e o subúrbio era claro,
tanto na questão de infraestrutura como na que envolvia os aspectos culturais da capital
paraense. Sobre isso, esse autor ressalta que:
140
FONTES, Edilza. O pão nosso de cada dia: trabalhadores, indústria da panificação e a legislação trabalhista
(Belém 1940-1954). Belém: Paka-Tatu, 2002. p. 205.
141
Como muitas outras cidades localizadas na região amazônica, a de Belém do Pará, surgida entre as águas dos
rios Guajará e Guamá traz, em sua estrutura, um número significativo de portos, empresas e empresas-portos,
sendo esses dirigidos pelo Estado ou por instituições privadas e que tiveram uma importância crucial na
dinâmica econômico-espacial da cidade e na vida de seus moradores, principalmente dos migrantes que foram se
fixando próximo a essas áreas durante o processo de urbanização da cidade no século passado. Sobre isso,
consultar: RODRIGUES, Carmem Izabel. À beira do Guamá... um bairro em movimento. In: VIEIRA JUNIOR,
Antônio Otaviano; BELTRÃO, Jane Felipe (Orgs.). op. cit.
142
DIAS JUNIOR, José. Entre cabarés e gafieiras: um estudo das representações boemias na periferia de
Belém do Pará, 1960-1980. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo. Anais... São
Paulo: ANPUH, 2011, p. 4.
143
SILVA, Marcos Alexandre Pimentel da. A cidade vista através do porto: múltiplas identidades urbanas e
imagem da cidade na orla fluvial de Belém (PA). 2006. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará,
Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Belém, 2006. p. 40.
144
SILVA, Marcos Alexandre Pimentel da. 2006. p. 44.
145
Utilizo, aqui, o termo baixada, apresentado por Saint-Clair Trindade Jr., para designar as “áreas inundadas ou
sujeitas às inundações – decorrentes, em especial, dos efeitos das marés – e ficaram conhecidas, principalmente a
partir da década de 60, por serem espaços de moradia das camadas sociais de baixo poder aquisitivo.”. Ver:
TRINDADE JUNIOR, Saint-Clair. op. cit.
61
Essa área suburbana de Belém era local de moradia dos mais diversos tipos sociais
como, por exemplo, lavadeiras, capoeiras, sacerdotes afro-religosos, frequentadores das
religiões de matriz africana, do catolicismo, que tinha uma intensa relação com as demais
religiosidades local, brincantes ligados aos grupos de bumbás, vendedores ambulantes, entre
outros, que tornaram essas áreas um verdadeiro mundo mesclado, derivado do cruzamento de
vários segmentos sociais147.
É interessante mostrar que o subúrbio belenense, diante dos problemas de
infraestrutura e saneamento, atraia, para suas festas, um número significativo de curiosos que
viviam nas áreas centrais da cidade. Essa curiosidade estava atrelada as questões culturais dos
indivíduos148 que moravam nas áreas afastadas do centro de Belém, como foi relatado por
Salomão Larêdo, em seu livro de memória sobre o bairro da Condor e o Palácio dos Bares.
146
COSTA, Tony Leão da. “Música de subúrbio”: cultura popular e música popular na “hipermargem” de
Belém do Pará. 2013. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense. Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas. Departamento de História. Niterói: Rio de Janeiro. 2013. p. 57.
147
Ver: COSTA, Tony Leão da. op. cit.
148
Festas realizadas em bares e boates localizadas ao longo dos bairros periféricos de Belém como, por exemplo,
o famoso Bar da Condor, conhecido também como Palácio dos Bares, que tinha como o proprietário a figura de
João de Barros.
149
LARÊDO, Salomão. Palácio dos Bares – Buate Condor – recanto encantado da cidade morena às
margens do lendário rio Guamá. – Bar da Condor – poemas salientes, memória social/emocional,
depoimentos. Salomão Larêdo Editora, Belém, 2003. p. 335-336.
62
150
TRINDADE, José Ronaldo. Errantes da Campina: Belém, 1880-1990. 1999. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999. p. 32.
63
Imagem 2. Mapa representando os bairros de Belém que compunham a cidade nos anos de 1950.
Fonte: PENTEADO, Antonio Rocha. Belém: estudo de geografia urbana, Belém: UFPA, 1968. v. 2.
64
metrópoles que tiveram seu crescimento acelerado a partir dos anos de 1940 e inicio da
segunda metade do século passado pelo processo de industrialização.154
Nesse sentido, os ambientes socialmente construídos, como acentua Antonio Arantes,
não estão facilmente aproximados, “como se formasse um gigantesco e harmonioso mosaico”.
Segundo esse autor, tais ambientes “se superpõem e, entrecruzando-se de modo complexo,
forma[ndo] zonas simbólicas de transição”.155
O etnógrafo e folclorista baiano Edison Carneiro observa, através dos estudos
realizados na e sobre a Região Amazônica, durante os anos de 1950, mais precisamente os de
1954 e 1955, financiados primeiramente pela Companhia de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) e, as outras, pela Superintendência do Plano de Valorização
Econômica da Amazônia (SPEVEA) e do Instituto Nacional de Imigração e Colonização
(INIC), que nesse período o número populacional da região amazônica era aproximadamente
1. 844. 655 habitantes, dos quais mais de três quintos (1. 123. 273 [61%]) viviam no estado do
Pará e que aproximadamente 23% (254. 949) dessa população paraense morava em Belém156.
Segundo esse autor, “um estilo de vida especial desenvolveu-se na cidade”. Ou seja,
diferente de algumas localidades da região amazônica que se “escravizaram” ao rio, a
população belenense distribuiu-se por “ruas com indicação do distrito e da quadra”. Sobre
isso, Carneiro ressalta que:
154
GROSTEIN, Marta Dora. op. cit., p. 15.
155
ARANTES, Antonio A. A guerra dos lugares: mapeando zonas de turbulência. In: ARANTES, Antonio A.
Paisagens paulistanas: transformações do espaço público. São Paulo/Campinas; Editora da Unicamp/Imprensa
Oficial. 2000. p. 106.
156
CARNEIRO, Edison. A Conquista da Amazônia. op. cit.
157
CARNEIRO, Edison. ibdem. p. 41.
66
Amazônica, “a ocupação não vai além das terras banhadas pelo grande rio e pelos seus
inúmeros afluentes e confluentes.”. Ou seja, “O homens movimentam-se ao longo dos rios,
ocupando-lhes as margens imediatas, sem capacidade nem recursos para tentar, em caráter
efetivo e permanente, a penetração e a ocupação do interior.”. Logo, “os estabelecimentos
humanos – arraiais, vilas e cidades – situam-se à beira-rio, de preferência na foz, mas sempre
nos barrancos.”. Nesse sentido, “pode-se dizer que, com exceção da área de Belém e de
algumas zonas de colonização intensa, como a servida pela Estrada de Ferro de Bragança,
toda a população amazônica – população ribeirinha – vive do e no rio, submissa e dócil aos
seus caprichos”158.
Por essas áreas dinamizadas – de lazer, diversões, atividades culturais, negócios,
serviços e comércio – transitavam trabalhadores da área portuária, moradores da região,
intelectuais, funcionários públicos, artistas e estudantes, ao mesmo tempo em que se podia
notar um número significativo de mulheres transitando pelas ruas, indo para o trabalho ou
retornando dele, consumidoras, “trabalhadoras de bordéis”, mais conhecidas como mulheres
da vida, ou, simplesmente, como prostitutas159, pois, nesses espaços, encontrava-se “um
sistema amplo de relações culturais marcados pela busca de prazeres, distrações, novos e
variados ambientes de diversões, alguns mais, outros menos sofisticados”160. Como afirma
José Dias Júnior:
Maria Izilda de Matos observa, a partir dos estudos desenvolvidos sobre a experiência
das mulheres imigrantes portuguesas na cidade de São Paulo, assim como o processo de
industrialização da mesma, nas primeiras décadas do século passado, que diversas
158
Ver: CARNEIRO, Edison. Idem.
159
Sobre isso, ver: LARÊDO, Salomão. op.cit.
160
MATOS, Maria Izilda Santos de. Imigrantes Portugueses: cotidiano, trabalho e resistência. São Paulo 1920-
1940. In. SARGES, Maria de Nazaré; DE SOUSA, Fernando; MATOS, Maria Izilda; VIEIRA JUNIOR,
Antonio Otaviano; CANCELA, Cristina Donza (Orgs.). Entre Mares: o Brasil dos Portugueses. Belém: Editora
Paka-Tatu, 2010, p. 196.
161
DIAS JUNIOR, José. Entre cabarés e gafieiras: um estudo das representações boemias na periferia de
Belém do Pará, 1960-1980. op. cit. p. 4.
67
intervenções urbanas derivadas do inicio do século XX, intervenções essas que atuaram no
realinhamento e nivelamento de ruas, assim como na estimulação de reformas e construção de
edifícios, objetivando tornar a cidade mais elegante, fez com que o território de lazer
expandisse significativamente, principalmente nos anos de 1950, ampliando o caráter
metropolitano, tornando a urbe um polo de atratividade162, principalmente cultural.
Diante do processo de urbanização e modernização das cidades, algumas áreas
desenvolveram-se expressivamente em relação às outras. A prostituição, principalmente nas
áreas de baixada das cidades, em especial no caso de Belém do Pará, intensificou-se.
Poderiam ser vistas as prostitutas, mais ou menos refinadas, circulando entre os
frequentadores das regiões boemias de Belém, sobretudo no bairro da Condor163.
Esse bairro, segundo Tony Leão da Costa desde os anos de 1950 é considerado como
uma importante área de atração da boêmia da cidade. No entanto, essa área 57não era tida,
principalmente pela imprensa paraense, como uma das melhores. Ambientes de prostituição e
de bailes populares eram encontrados ao longo das ruas e avenidas que cortavam o bairro164.
Segundo esse autor, na Condor poderiam ser encontradas figuras da “malandragem”
romântica e seresteira de Belém, indivíduos “craques” na arte da dança, principalmente no
merengue. Trajando calças e sapatos brancos, os dançarinos de gafieira divertiam-se nos
bares, boates e cabarés da cidade até o surgimento dos primeiros raios de sol.165
No entorno da Condor, assim como dos bairros vizinhos – Jurunas, Cremação e
Guamá – esse sistema de relações culturais ampliou-se, significativamente, a partir do final
dos anos 40, intensificando-se nos anos 50, 60 e 70. O famoso Bar da Condor, que
posteriormente foi chamado de Palácio dos Bares, era considerado por muitos moradores e
frequentadores da área, dos anos citados acima, como a mais “nova opção para os boêmios da
162
As décadas de 1940 e 1950 consolidaram o que os sociólogos denominaram de sociedade urbano-industrial
no Brasil e o começo de uma sociedade de massa. Particularmente após a Segunda Guerra Mundial, o Brasil se
modernizou em diferentes setores, assim como, redefiniu alguns elementos que faziam parte das atividades
culturais do país, como o rádio, o cinema e a imprensa. Ver: VIEIRA, Ruth; GONÇALVES, Fátima. Ligo o
rádio pra sonhar: a história do rádio no Pará. Belém: Prefeitura Municipal, 2003.
163
O nome Condor surgiu diante da presença de uma companhia aérea alemã, durante os anos 1920 e 1930,
instaladas nessa área litorânea da cidade (rio Guamá), no local que hoje se encontra a praça Princesa Izabel, ao
lado do Palácio dos Bares. Sobre isso, consultar: LARÊDO, Salomão, op. cit.,; RODRIGUES, Carmem Izabel,
Vem do bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em espaços urbanos. op. cit.; FARES,
Josebel Akel, Memórias da Belém de antigamente. op. cit.
164
DA COSTA, Tony Leão. Arte engajada e boemia desinteressada. In: Música do Norte: intelectuais, artistas
populares, tradição e modernidade na formação da “MPB” no Pará (anos 1960 e 1970). Dissertação (Mestrado
em História Social da Amazônia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará,
Belém, 2008, pp. 57.
165
Ver: ibidem. p. 59.
68
cidade”, era “povoado por tipos excêntricos, de todos os gêneros, alguns até fellinianos”166,
além de ser considerado por muitos como “o segundo lar para muita gente”, como foi
apresentado por Tony Leão da Costa, acima, e por Carlos Queiroz na citação a seguir:
166
O estilo de vida felliniano, associado aos trabalhos do diretor de cinema Federico Fellini, foi adotado, mesmo
que inconsciente, por muito tempo, pelos fãs desse cineasta de grande nome e reconhecimento no mundo das
artes. Segundo Carla Giffoni, esse estilo adotado pelo diretor, em suas produções, busca, no surreal, pensar a
realidade vivida pela sociedade, rompendo com o estilo de muitos diretores de sua geração, que buscavam
reproduzir a vida como ela é, se aproximando ao máximo da realidade. Esse autor se utiliza em suas obras de
vários tipos excêntricos como, por exemplo, palhaços, mágicos, pessoas com seios grandes, etc., lançando mão
da ironia, melancolia e do caricato para refletir sobre assuntos de ordem social com maior domínio. Sobre isso,
consultar: GIFFONI, Carla. Federico Fellini: a fusão entre o palhaço e o mágico. In: Recanto das Letras (blog),
7 dez. 2012. Disponível em: <http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/4023674>. Acesso em: 9 maio
2014.
167
QUEIROZ, C., paraense, 58 anos, Bacharel em Direito, Escritor, Jornalista e Colunista Social. In: LARÊDO,
Salomão, op. cit., p. 245-248. Entrevista concedida em 2011.
168
DIAS JUNIOR, José. Entre cabarés e gafieirias: um estudo das representações boemias na periferia de
Belém. op. cit., p. 4.
169
RAMINELLI, Ronald. História Urbana. op. cit., p. 193.
69
170
MATOS, Maria Izilda, Imigrantes Portugueses: cotidiano, trabalho e resistência. São Paulo 1920-1940. In.
SARGES, Maria de Nazaré; DE SOUSA, Fernando; MATOS, Maria Izilda; VIEIRA JUNIOR, Antonio
Otaviano; CANCELA, Cristina Donza (Orgs.). 2010, p. 197.
171
TRINDADE JUNIOR, Saint-Clair. op. cit., p. 51.
172
MENEZES, Bruno de. Lua Sonâmbula: poemas. Belém: Falângola, 1953. Disponível em:
<http://fragmentosdebelem.tumblr.com/post/83909278847>. Acesso em: 14 maio 2014.
173
MOURÃO, Leila. O conflito fundiário urbano em Belém (1960-1980): a luta pela terra de morar ou de
especular. 1987. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) – Universidade Federal do Pará,
Belém, 1987. p. 64.
174
Ibidem. p. 64-65.
70
175
PENTEADO, Antonio Rocha. op. cit., p. 312-313.
176
Segundo Carmem Izabel Rodrigues, o termo “Bairro da Folia” serviu, por muito tempo, para definir um dos
bairros mais festivos da cidade, o Jurunas. “Marcado por tradições religiosas e políticas, o Jurunas é acima de
tudo um festival de cores: amarelo, azul, branco e vermelho, as cores do Rancho Não Posso me Amofiná, paixão
e glória de todos os moradores”. Ver: RODRIGUES, Carmem Izabel. Vem do bairro do jurunas: sociabilidade
e construção de identidades em espaços urbanos. op. cit., p. 131.
177
Ibidem. p. 86.
178
Ibidem. p. 78.
179
ARAÚJO, Flávia de Sousa. Entre portais do espetáculo e portas do cotidiano sobre as águas do Guamá:
cartografando processos construtivos de subjetivação no Jurunas, Belém-Pa. 2008. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008. p. 55.
71
180
RODRIGUES, Carmem Izabel, Vem do bairro do jurunas: sociabilidade e construção de identidades em
espaços urbanos. op. cit., p. 81.
181
Ibidem. p. 113.
182
Jornal A Vanguarda de 1953. Fonte constante nos recortes do acervo Vicente Salles, localizado no Museu da
Universidade Federal do Pará. O recorte está destacado sem indicação de data especifica.
183
LACERDA, Franciane Gama. Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916). Belém:
Ed. Açaí/Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia (UFPA)/Centro de Memória da
Amazônia (UFPA), 2010. p. 17.
184
Sobre o processo migratório de espanhóis para o Estado do Pará, ver: SARGES, Maria de Nazaré. A
“Galícia” paraense: imigração espanhola em Belém (1890-1910). In: ALONSO, José Luis Ruiz-Peinado;
CHAMBOULEYRON, Rafael (Orgs.). T(r)ópicos de História: gentes, espaços e tempo na Amazônia (séculos
XVII a XXI). Belém: Ed. Açaí/Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia (UFPA)/Centro de
Memória da Amazônia (UFPA), 2010. p. 201-218. Sobre o processo migratório de portugueses para o Estado do
Pará, consultar: SARGES, Maria de Nazaré; SOUSA, Fernando; MATOS, Maria Izilda; VIEIRA JUNIOR,
Antônio Otaviano; CANCELA, Cristina Donza (Orgs.). op. cit., 2010.
72
185
Sobre isso, ver: LACERDA, Franciane Gama. Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-
1916). op. cit.
186
O processo de hibridização, segundo esse autor, está associado aos resultados de encontros culturais
múltiplos; encontro esses onde é possível observar novos elementos adicionados a eles, reforçando, ainda mais,
os elementos culturais mais antigos. Sobre isso, consultar: BURKE, Peter. Hibridismo Cultural. op. cit.
187
Ver: LACERDA, Franciane Gama. Imprensa e Poesias de Cordel no Pará nas primeiras décadas do
século XX. op. cit.
188
Ver: COSTA, Antonio Maurício. Festa e espaço urbano: meios de sonorização e bailes dançantes na Belém
dos anos de 1950. op. cit.
73
189
Ibidem. 2012.
190
Consultar: DIAS JUNIOR, José. Cultura popular no Guamá: um estudo sobre o boi bumbá e outras práticas
culturais em um bairro de periferia. op. cit.
191
Sobre isso, ver: Idem; PENTEADO, Antonio Rocha, op. cit.; RODRIGUES, Carmem Izabel, Vem do bairro
do jurunas: sociabilidade e construção de identidades em espaços urbanos. op. cit.; TRINDADE JUNIOR,
Saint-Clair. op. cit.; RODRIGUES, Carmem Izabel. À beira do Guamá... um bairro em movimento. op. cit.
192
DIAS JUNIOR, José. Cultura popular no Guamá: um estudo sobre o boi bumbá e outras práticas culturais
em um bairro de periferia de Belém. op. cit., p. 39.
74
193
Ibidem, p. 55-56.
194
Ibidem, p. 45.
195
A antropóloga Luciana Chianca indica que esse estilo musical foi consagrado, desde o final da primeira
metade do século XX, pelo artista pernambucano Luiz Gonzaga. A pesquisadora aponta que esse artista,
recuperando canções tradicionais, tocadas por seu pai, consagrou um estilo que ganhou, suavemente, espaço no
meio musical e passou, desde então, a ser associado à festa junina. Para Gonzaga, os anos de 1950 foram muito
importantes, pois conseguiu afirmar, em âmbito nacional, uma musicalidade “nordestina”, representada
essencialmente por três importantes ritmos: o baião, o xote e o xaxado; ritmos esses que passaram a conceber a
musicalidade regional do Nordeste, sintetizando uma verdadeira expressão urbana daquele povo. “A voz de
Gonzaga se vinculou inexoravelmente a esses ritmos e aos instrumentos locais tradicionais, como a sanfona, o
triângulo, a zabumba e o pandeiro. A musicalidade junina também se apropriou desses ritmos, das temáticas
regionais e canções de Gonzaga”. Sobre isso, consultar: CHIANCA, Luciana. São João, migração e nostalgia
em Natal no século XX. op. cit.; p. 67-74.
196
Sobre isso, ver: DIAS JUNIOR, José. Cultura popular no Guamá: um estudo sobre o boi bumbá e outras
práticas culturais em um bairro de periferia de Belém . op. cit., p. 63.
75
que deve ser rigorosamente policiada pelos fiscais detentores de poder de força para a
implementação da modernidade civilizatória”.200
Diante da análise proposta por Túlio Chaves a partir dos anos de 1930, esses espaços
se consolidaram, principalmente aquele no qual se encontrava uma das principais avenidas da
cidade, a 15 de Agosto (atual Avenida Presidente Vargas), como lugares nos quais, “além dos
arranha-céus, se localizavam os melhores hotéis, cafés, cinemas e sedes dos principais clubes
da cidade, como o aristocrático “Assembléia Paraense” e a “Tuna Luso Comercial””. Além
disso, nessas proximidades, encontravam-se dois importantes símbolos eruditos da capital: o
largo da pólvora (atual Praça da República) e o Teatro da Paz. Isso permite concluir que esses
espaços “tornavam a rua um local do ponto de vista de um centro econômico e de vida
cultural, noturna e moderna, vida esta evidente e necessária para parte considerável da
população local”201.
Sobre isso, José Ronaldo Trindade indica que nesses espaços – dando destaque ao
bairro da Campina – as regras e normas eram presentes e aplicadas com grande intensidade,
onde delas advinham “um jogo de exclusão para os “desgarrados” – os quais não segu[iam] a
“cartilha” do bairro. Além disso, esse autor aponta que o comportamento dos indivíduos dizia
bastante sobre eles, ou seja, podia-se saber, através de seus atos, quem eram as pessoas gentis,
quem eram os “ásperos”, quem eram os trabalhadores e quem eram os vagabundos que
transitavam naquela região da cidade de Belém, proporcionando aos fiscais uma maior
atenção voltada para aqueles que fugiam das normas estabelecidas202. Sobre esses espaços,
Antônio Rocha Penteado observa que:
Graças às suas origens, Nazaré e São Braz são os bairros onde mais se notam
grandes palacetes, rodeados de jardins, nem sempre muito bem cuidado,
mas, de qualquer forma, construídos no centro de amplos lotes; embora tal
fato contraste frontalmente com a estrutura e paisagens urbanas dos bairros
da Condor e do Guamá, não significa estarem ausentes as habitações
modestas, colocadas no alinhamento da rua e, até mesmo, as “barracas”.203
Nos bairros mais centrais, além de haver uma preocupação com a estética das fachadas
dos prédios e palacetes distribuídos ao longo das ruas e avenidas, havendo uma grande
200
LACERDA, Franciane Gama; SARGES, Maria de Nazaré. De Herodes para Pilatos: violência e poder na
Belém da virada do século XIX para o XX. Projeto História, São Paulo, n. 38, p. 165-182, jun. 2009. p. 166.
201
CHAVES, Túlio Augusto Pinheiro de Vasconcelos. Isto não é para nós? Um estudo sobre a verticalização
e modernidade em Belém entre as décadas de 1940 e 1950. Dissertação (Mestrado em História). Universidade
Federal do Pará. Belém: UFPA, 2011. pp. 29.
202
Sobre isso, consultar: TRINDADE, José Ronaldo, op. cit.
203
PENTEADO, Antonio Rocha. op. cit., p. 319.
77
diferença entre as moradias que compunham os bairros suburbanos da cidade, percebe-se que
os ambientes de divertimentos espalhados ao longo desses bairros, em muito diferem daqueles
encontrados no subúrbio de Belém. Um fator importante para percebermos tais diferenças
encontra-se disponível nas páginas de jornais e revistas que circulavam na capital paraense
durante a década de 1950.
Nesse sentido, a imprensa paraense desse período apresenta, por meio dos anúncios de
festas, a diversidade de clubes recreativos e desportivos,204 localizados no meio urbano
belenense, distribuindo-se entre o subúrbio e a área nobre da cidade. Segundo Antonio
Maurício Costa, essas disposições espaciais estão atreladas aos discursos jornalísticos e
memorialísticos sobre a cidade relativos à posição marginal dos chamados ‘bairros de
subúrbio’ e ‘bairros nobres’205.
Além desses clubes, outros ambientes de lazer, tidos como refinados por uma parcela
significativa da cidade, encontravam-se espalhados ao longo dessas áreas, como, por exemplo,
o Museu Goeldi, o Teatro da Paz, a Praça da República e da Batista Campos e o Grande
Hotel, onde, segundo Edison Carneiro, localizava-se a “boite Buraco Frio” onde parcela
significativa de Belém embalava-se ao som de grupos musicais de destaques da região. Ou
seja, ambientes que traziam à tona uma “lembrança imperecível do grande prefeito de Belém,
“o velho Lemos”...”206, responsável, no inicio do século passado, pela urbanização e
modernização das áreas centrais da capital, Belém do Pará207.
Portanto, os anos de 1950 demarcam, na cidade de Belém do Pará, um vestígio de
grandes transformações sociais, espaciais e culturais, a qual são refletidas também no modo
de festejar dos moradores da capital paraense, tanto daqueles que habitavam o subúrbio, como
daqueles que moravam no centro da urbe.
204
Denominação dada aos clubes que se dedicavam às aptidões físicas, visando competições entre os praticantes,
proporcionando também entretenimento a eles.
205
COSTA, Antonio Maurício. Festa e espaço urbano: meios de sonorização e bailes dançantes na Belém dos
anos de 1950. op. cit.
206
CARNEIRO, Edison. A Conquista da Amazônia. op. cit., p. 43.
207
Para Venize Nazaré Ramos Rodrigues, a política desenvolvida por Antônio Lemos, no inicio do século XX,
de embelezamento do espaço urbano de Belém, segregou a população pobre das áreas centrais da cidade,
“derivando daí a formação de bairros periféricos ainda, hoje, em sua maioria, destinado às populações de baixa
renda”. Ver: RODRIGUES, Venize Nazaré Ramos, op. cit., p. 67.
78
Vale pontuar aqui algumas questões que giram em torno dos clubes recreativos, os
quais, segundo Peter Burke, compõem os ambientes sociais desde pelo menos o final do
século XVIII. De acordo com Peter Burke, até mesmo nos dias atuais, a palavra “club” produz
uma ideia de ambiente aristocrático, ligado às exclusividades e posses. Não devemos, no
entanto, cair no equívoco de considerar que tais espaços tinham apenas esse caráter nobre e
excludente, pois trouxeram “uma importante contribuição para a democracia, assim como a
modernização”. Logo, esses ambientes “têm ao mesmo tempo um aspecto democrático e
aristocrático”, onde transitavam pessoas com um nível social mais ou menos abastado, pois
eram estabelecimentos que tinham “o direito de rejeitar, assim como de admitir, novos
sócios”209.
208
COSTA, Antonio Maurício Dias da. Festa e espaço urbano: meios de sonorização e bailes dançantes na
Belém dos anos de 1950. op. cit., p. 390-393.
209
BURKE, Peter. A história social dos clubes. Folha de São Paulo, São Paulo, fev. 2002. Seção Mais Autores.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2402200203.htm>. Acesso em: 20 ago. 2013.
79
210
SIQUEIRA, Uassyr. CLUBES E SOCIEDADES DOS TRABALHADORES DO BOM RETIRO:
organização, lutas e lazer em um bairro paulistano (1915-1924). 2002. Dissertação (Mestrado em História) –
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002. p. 75.
211
BURKE, Peter. A história social dos clubes. op. cit.
212
Ver: COSTA, Antonio Maurício Dias da. Festa e espaço urbano: meios de sonorização e bailes dançantes na
Belém dos anos de 1950. op. cit.
80
buscavam ganhar a vida se prostituindo, aspectos esses que poderiam afastar os “elegantes”
frequentadores do recinto.
Nesse sentido, esses espaços dançantes, principalmente aqueles localizados nos bairros
nobres, transmitiam a sensação, aos seus frequentadores, de “estar em casa”, de “se sentir a
vontade”. A ideia de casa, presente nos anúncios jornalístico, está associada, principalmente,
as relações familiares presentes nesses ambientes de diversão, pois, como aponta Sonia
Giacomini “o clube é permanentemente referido como lugar da família, lugar de encontro das
famílias, lugar de constituição de famílias e de alianças entre as famílias”213, famílias essas
constituídas, quase sempre, por indivíduos que tiveram sucesso em suas carreiras
profissionais, que esbanjavam seu sucesso econômico, bem como sua distinção educacional,
entre si.
A presença dos grupos jazzísticos e dos sonoros eram marcantes nesses espaços de
sociabilidade e de lazer, bem como a presença de uma ornamentação, quase sempre, artificial,
trajes típicos e comidas da época. Exemplo disso são os “clubes aristocráticos”, com sua
decoração bem cuidada, a orientação aos participantes para o uso de “trajes típicos” e as
orquestras com seu repertório musical diversificado permaneceram como o ponto alto da
quadra junina “elegante” de Belém. Os eventos em salões de clubes, de acordo com os
jornalistas da época, estiveram pautados, ao seu modo, em uma ideia de fidelidade às
“tradições juninas”. Por outro lado, os festejos juninos nos espaços do subúrbio estiveram, nos
anúncios ou crônicas da imprensa, sempre associados ao sentido de festa popular, quer de
forma positiva ou negativa.
Os clubes “elegantes”, “chics” ou “aristocráticos” – de acordo com os termos do
discurso jornalístico –, localizados em bairros centrais e apresentados nos periódicos dos anos
de 1950, possuíam aspectos distintivos em relação aos demais existentes na cidade, além de
serem frequentados pela elite paraense. Nesses espaços se encontrava o mais característico
universo de sociabilidade e lazer das famílias mais abastadas da cidade. No entanto, não
descartamos a hipótese de que os bailes realizados nesses ambientes fossem frequentados por
alguns indivíduos da classe média e baixa da capital.
Já os clubes espalhados pelo subúrbio da cidade, apresentados pela imprensa como
“clubes suburbanos”, quase sempre ligados a sindicatos, associações profissionais ou de
esporte e lazer, tinha a presença constante de dançarinos amadores, de grandes destaques na
213
GIACOMINI, Sonia. A ALMA DA FESTA: família, etnicidade e projetos num clube social da Zona Norte
do Rio de Janeiro – O Renascença Clube. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006. p. 53.
81
arte da dança. Esses indivíduos eram embalados aos sons, provenientes quase sempre das
“picarpes”, elemento importantíssimo na composição festiva desses espaços dançantes.
Sobre essas festas nos espaços suburbanos, foram encontradas, ao longo da pesquisa,
inúmeras referências como, por exemplo, aquela que se encontra presente no jornal O Estado
do Pará de 25 de junho de 1955, de autoria de De Campos Ribeiro214, intitulada de “Assim se
faz são João na roça”215.
Na matéria em questão, De Campos Ribeiro descreve seu retorno “à sede da velha e
benemérita Sociedade Beneficente” da Vinte de Março, espaço por onde transitou, na
companhia de seus amigos, 30 anos atrás, onde o barracão ainda era coberto por zinco. O
convite de retorno a esse espaço fez com que De Campos Ribeiro relembrasse aquelas noites
por ele vividas com grande alegria, além de perceber que as famílias, senhoritas e rapazes
continuavam se divertindo a valer, “de maneira sadia, com sinceridade alegre, por horas de
que ninguém que ali esteve certamente se olvidará tão cedo”.
A festa em questão, continua Ribeiro, contou com a participação do conjunto
organizado por Tó Teixeira, que “dirigiu bravamente, com alma, vivendo ele próprio as
emoções da música com que animava o folguedo da Vinte”. O espaço da Vinte de Março
estava “transmutado em arraial roceiro com minúcias de ornamentação de delicioso sabor
típico [que] era já um convite ao puladinho das polcas, aos chorinhos quebrados, às valsas
sentimentais, à quadrilha bizarra e elegante de outrora”.
Outras informações referentes às festas juninas do subúrbio belenense encontram-se
nas páginas do livro de crônicas, sobre a capital paraense, escrito por Murilo Menezes 216 e
publicado no ano de 1954. No texto em questão, intitulado de “Noite de São João”, esse autor
relembra a presença de sua família e “amigos” em uma festa junina organizada em uma rua do
subúrbio belenense, na noite de 23 de junho.
214
Sobre esse autor, conferir: CASTRO, Maria das Neves Rocha de. De Campos Ribeiro: percurso literário. In:
CASTRO, Maria das Neves Rocha de. Memórias de uma velha cidade: a representação histórico-social de
Belém pós-Belle Époque em crônicas de De Campos Ribeiro. Dissertação (Mestrado em Letras – Estudos
Literários). Universidade Federal do Pará. Instituto de Letras e Comunicação. Belém, 2011.
215
Consultar matéria em: HABIB, Salomão. Tó Teixeira: o poeta do violão. Belém: Violões da Amazônia,
2013. pp. 220-221.
216
Murilo Castro Menezes do nasceu na cidade de Aracati, no Estado do Ceará, na última década do século XIX
(11 de outubro de 1890), de onde saiu muito jovem acompanhado de seus pais. Ao chegar na capital paraense,
trabalhou como balconista do Bazar Liquidador, passando posteriormente pela Amazon River e Port of Pará,
empresas estrangeiras dirigidas pelo engenheiro Guilherme Paiva, de quem se tornou grande amigo e compadre.
Passou também a colaborar nos jornais e revistas de Belém, escrevendo crônicas que, em muito, focalizavam os
costumes, o folclore e suas impressões de viagens realizadas ao longo dos rios da Amazônia. Conseguiu
publicar, com muita dificuldade, três livros, incluindo o citado nesta dissertação. Para saber mais sobre esse
autor, consultar: MOREIRA, Clovis; ILDONE, José; CASTRO, Acyr (orgs.). Introdução à Literatura no
Pará. Belém: CEJUP, 1990, V. III. pp. 303-312.
82
De acordo com a fonte em questão, o contato dessa família com o subúrbio de Belém
se deu por conta dos moradores de quartos sublocados no recinto desses indivíduos, muito dos
quais eram provenientes desses espaços afastados do centro da cidade; pois Menezes e seus
familiares vivam em uma “casa vasta, baixa, isolada, com uns 15 quartos e algumas salas
confortáveis”, nas proximidades da Praça Batista Campos, na qual apenas alguns cômodos
eram utilizados pela família, sendo os demais alugados a terceiros.
A chamada para participar da festa narrada pelo autor, partiu de uma de suas
inquilinas, uma negra de nome Donata que “era exatamente, uma partícula do elemento
negroide, incrustada com sua quitanda, num bairro de gente branca”. Esse convite se
estendeu, também, aos demais moradores daquele recinto, que, por meio de D. Donata,
puderam “penetrar nesse mundo muito ignorado para muitos, mais interessante, como seja o
das nossas favelas”. Murilo de Menezes narra, de forma detalhada, tal experiência.
Era tempo de São João, e ela fez um convite aos vizinhos do prédio, para
irem todos, por ela conduzidos, à casa de seu cunhado, um carroceiro
apatacado, proprietário de inúmeras carroças, nesse tempo, quando ainda não
existia caminhão, - e que acostumava festejar com espalhafato, o dia do
santo do seu nome. [...]
Por aquelas ruas verdes de relva, que são Pariquis, Apinagés, Caripunas,
seguíamos em grande alvoroço, admirando as fogueiras, as residências com
reuniões às portas, assistindo a queima de fogos; encontrando grupos
boêmios que se dirigiam a determinados logradouros; vendo os balões
pontilharem o céu escuro como lumes errantes; enquanto que bombas
estrugiam longe, e o pipocar dos foguetes enchiam de animação a noite
estival [...].
Por fim, os garotos que iam na frente, ao chegarem à Travessa dos
Tupinambás deram o alarme. Éramos chegados
A casa que ficava do lado esquerdo da travessa, era uma avantaja puxada,
edificada dentro dum vasto terreno cercado. Ficava de lado, tendo à sua
esquerda um terreiro limpo, mesmo próprio às demonstrações joaninas.
Balões chineses e bandeirinhas, o gosto artístico do dono semeara por toda a
parte.
Candieiros de querosene erguidos em postes iluminavam toda a quadra,
auxiliados pela colossal fogueira no meio da rua, a qual era alimentada
amiúde. No fundo havia um barracão servindo de bar, onde se vendiam a
quem quisesse, desde a cerveja, às demais misturas alcoólicas. Por traz dele,
83
217
MENEZES, Murilo. A capital do El Dourado: crônica sentimental de Belém e comentários sobre alguns dos
seus problemas. Belém. 1954. pp. 79-80.
218
CORRÊA, Ângela Tereza de Oliveira. História, Cultura e Música em Belém: décadas de 1920 e 1940. Tese
(Doutorado em História). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. São Paulo, 2010.
84
219
Jornal Folha do Norte. 03/06/1951. p. 3.
220
SIQUEIRA, Uassyr de. op. cit., p. 78.
221
SILVA, Marcos Ruiz da. LAZER NOS CLUBES SÓCIO-RECREATIVOS DE CURITIBA/PR: a
constituição de práticas e representações sociais. Dissertação (Mestrado em Educação Física). Universidade
Federal do Paraná. 2007. p. 62-63.
85
desses indivíduos. Alem disso, como ressalta Beatriz Loner esses ambientes servem também
como indicadores para compreender as representações e configurações dos grupos que neles
se divertem, sendo vistos como “importantes no desenvolvimento e congregação de seus
elementos e no estabelecimento de distinções com outros grupos e setores sociais”222.
Em síntese, pode-se afirmar que o processo de modificação do cenário urbano da
cidade, tanto no centro como no subúrbio da mesma, teve reflexo significativo no modo de
festejar o são João em Belém, na qual, novos espaços passaram a fazer parte desse momento
festivo, juntando-se com aqueles já existentes, desde o início do século XX.
Diante disso, a imprensa, um dos principais meios de comunicação desse momento,
apresenta, por meio de imagens e narrativas, esses ambientes de lazer como o local onde a
felicidade reinava, travando, muitas vezes, simbólicas disputas pelo título de “melhores
reuniões festivas da quadra”, principalmente entre os clubes “aristocráticos” apontados pela
mesma, como ambientes frequentados por pessoas “chic’s” e finas de Belém.
Apresentar, de forma breve, parte da cidade, bem como sua relação com algumas
ações lúdicas, se fez necessário, pois a gênese desses ambientes é tida como de grande
importância no modo de festejar a quadra junina de Belém, onde o processo de constituição
desses espaços urbanos foi marcado pela introdução de modelos culturais trazidos por
indivíduos de diversos espaços, que ajudaram a formar afinidades, identidades e tipos de
cultura no meio urbano belenense. Esses modelos tiveram, também, grandes reflexos nos
textos de intelectuais paraenses dos anos de 1950, sujeitos esses notados como direcionadores
de padrões festivos na capital paraense, como pode ser observado no capítulo que segue.
222
LONER, Beatriz Ana. Construção de Classes. Operários de Pelotas e Rio Grande (1888-1930). Pelotas:
UFP. Editora Universitária: Unitrabalho. 2011. p. 20.
86
CAPÍTULO III
REPRESENTAÇÕES LITERÁRIAS,
FOLCLORE E TRADIÇÃO POPULAR NOS
FESTEJOS JOANINOS DE BELÉM NOS
ANOS DE 1950.
87
REPRESENTAÇÕES LITERÁRIAS,
FOLCLORE E TRADIÇÃO POPULAR NOS
FESTEJOS JOANINOS DE BELÉM NOS
ANOS DE 1950.
223
O sentido da palavra popular é utilizado aqui a partir das discussões propostas por Geneviève Bollème em seu
livro “O Povo por Escrito”, no qual essa autora busca definir o lugar do “popular” nos domínios do poder, da
literatura e da política. Diante disso, Geneviève Bollème aponta que muitos intelectuais, ao tratar do popular,
costumam atribuir, a esse termo, sentidos como “bizarria” ou “anomalia”, “como se existisse a vontade ou pelo
menos o desejo de desprezar um dado da gramática”, atribuindo também “sinônimo de sublevações, violências,
terror e medo”. No entanto, vale pontuar que, ao criticar tais posicionamentos, a autora afirma que ao “interessar-
se hoje pelo popular é talvez sinal de uma busca mais importante do que o foi outrora a busca da verdade,
porquanto ela põe em causa a honestidade daquele que fala, daquele que confessa ser o discurso – o discurso do
próprio saber – um discurso que oprime e rediz”. Sobre isso, conferir: BOLLÈME, Geneviève. O Povo por
Escrito. São Paulo: Martins Fontes. 1988.
224
CARNEIRO, Edison. Dinâmica do folclore. São Paulo: WMF Martins Fontes. 2008. pp. 7.
225
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A Ilha da Princesa e a Cidade dos Pajés. In: FIGUEIREDO, Aldrin Moura
de. A Cidade dos Encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia (1870 – 1950).
Belém: EDUFPA, 2008. pp. 64.
88
“crenças antigas”. Era o cronista tentando aprisionar nos tempos pretéritos os costumes vistos
como primitivos” 226 à época.
Sobre isso, Martha Abreu assinala que a cultura popular, desde o século XIX, estava
relacionada a uma vertente de pensamento intelectual composta por pesquisadores
folcloristas, educadores, artistas e aqueles ligados as ciências sociais como antropólogos e
sociólogos. Esses, segundo essa autora, estavam preocupados em desenvolver um discurso
referente à construção de uma determinada identidade cultural, no qual, muitas vezes,
relacionavam a questão do popular com “a não modernidade, o atraso, o interior, o local, o
retrógrado, o entrave à evolução”, tentando valorizar as singularidades culturais, bem como a
vitalidade de uma suposta cultura popular227.
Antonio Maurício Costa indica que esses folcloristas do período passaram a assumir
papeis de guardiões na preservação da “autêntica” manifestação cultural por eles tomada
como popular. O modo de pensar desses intelectuais será também refletido nos textos dos
demais escritores que surgiram posteriormente a segunda década do século passado. Segundo
esse autor:
226
Ibidem. pp. 65.
227
ABREU, Martha. Cultura popular, um conceito e várias histórias. In: ABREU, Martha & SOIHET, Rachel.
Ensino de História, Conceitos, Temáticas e Metodologias. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003.
228
COSTA, Antonio Maurício Dias da. A Produção da “Música Cabocla”: a polifonia formadora do Carimbó nas
representações de literatos, jornalistas e folcloristas no Pará (1900 – 1960). História (São Paulo). V. 34, n. 1,
jan./jun., 2015. pp. 244.
229
CORRÊA, Ângela Tereza de Oliveira. Músicos e poetas na Belém do início do século XX: incursionando
na história da cultura popular. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) NAEA,
Universidade Federal do Pará – UFPA. Belém, 2002. pp. 45.
230
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Letras Insulares: leituras e formas da história no modernismo brasileiro, In:
CHALHOUB, Sidney & PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda (Orgs.). A História Contada: capítulos de
história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1998.
89
vive entre as “vozes bárbaras da floresta” chama atenção como referência da nacionalidade e
sobrevivência de um passado formador da nação.”231.
Segundo Tony Leão da Costa, com o surgimento de um número significativo de
revistas na primeira metade do século XX, entre elas a revista Belém Nova e Terra Imatura,
os intelectuais, apontados pelo autor como aqueles que possuíam discursos quase que
“etnográficos” ou “folclóricos”, procuravam apresentar o popular regional a partir do
fenômeno primitivista, que estava atrelado a valorização das qualidades presentes em alguns
grupos, visto como autêntico “da força, da alma ou da personalidade de cada povo e que, por
sua vez, se opõe às características culturais das populações marcadas pela civilização”232.
Nos anos de 1950, com a institucionalização do folclore, diante do surgimento da
Comissão Nacional do Folclore (CNFL) em 1947, e da busca da formalização do mesmo
como disciplina vinculada as Ciências Sociais, com a qual “pretendiam construir instituições
que promovessem um conhecimento verdadeiramente científico em sua área de estudo”, o
“movimento” folclórico do período, tendo em vista desenvolver pesquisas acerca do folclore
nacional, diante da preservação de nossa herança folclórica, bem como a introdução desse
tema no ensino formal, buscava “preservar a identidade cultural comum da nação”,
objetivando, com isso, reconhecê-lo “como disciplina autônoma no interior do campo das
Ciências Sociais e possuir uma cátedra específica nas Faculdades de Filosofia, garantindo que
a pesquisa superasse o amadorismo então reinante no campo”233.
A busca por estabelecer uma ligação entre o folclore e as ciências sociais,
principalmente com a Antropologia, foi oficializada, com a criação da Carta do Folclore, no I
Congresso Brasileiro de Folclore, em 1951, realizado na cidade do Rio de Janeiro. De acordo
com Edison Carneiro, o congresso em questão pretendeu reconhecer a importância dos
estudos do folclore para as ciências antropológicas e culturais, além disso, “condenava o
preconceito de só considerar folclórico o fato espiritual e aconselha[va] o estudo da vida
popular em toda a sua plenitude, quer no aspecto material, quer no aspecto espiritual”234.
A partir de então, travou-se um conflito entre os representantes defensores do folclore
e aqueles que defendiam as ciências sociais, pois, esses últimos, não viam com bons olhos a
aproximação de ambos. Os principais motivos de sociólogos e antropólogos não aceitarem tal
231
COSTA, Antonio Maurício Dias da. A Produção da “Música Cabocla”: a polifonia formadora do Carimbó
nas representações de literatos, jornalistas e folcloristas no Pará (1900 – 1960). op. cit., p. 252.
232
COSTA, Tony Leão. Música, literatura e identidade amazônica no século XX: o caso do carimbó no Pará.
ArtCultura, Uberlândia, v. 12, n. 20, jan./jun. 2010, pp. 64.
233
VILHENA, Luis Rodolfo. Entre o regional e o nacional: folcloristas na década de 50. Disponível em
http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_32/rbcs32_08.htm, acesso em 24/06/2014.
234
CARNEIRO, Edison. Dinâmica do Folclore. op. cit., p. 64.
90
relação são os seguintes: a) Esses cientistas sociais acreditavam que grande parte dos
folcloristas ainda estava atrelada as linhas de pensamentos daqueles do século XIX, quando o
tempo do curioso e do interessante tinha destaque entre seus escritos, pois “mesmo entre
aqueles que se dedicam ou dedicaram à pesquisa, o fenômeno folclórico foi apenas
identificado, mas não relacionado com os demais fenômenos culturais”; b) o fato de esses
acreditarem que o folclore se limitava apenas à literatura oral; e c) os interesses dos
pesquisadores folcloristas estarem voltados apenas à cultura do povo, ou seja, daqueles
ligados as camadas populares, deixando de lado aspectos, vistos pelos cientistas sociais, como
importantes no meio “erudito”235.
Mesmo tendo perdido espaços, a partir dos anos 60, nas cátedras universitárias, por
conta do descrédito que o folclore passou a ter diante, principalmente, dos sociólogos e
antropólogos, por conta das várias críticas realizadas pelos membros da faculdade de
sociologia da Universidade de São Paulo, os folcloristas, bem como suas pesquisas, foram de
fundamental importância na construção do ensino básico, bem como nas Secretarias de
Turismo e Cultura e em outros órgãos referentes ao desenvolvimento cultural do País236.
Diante disso, Edison Carneiro observa que:
235
Sobre isso, consultar: CARNEIRO, Edison. Antropologia e Folclore. In: Idem.
236
Sobre isso, ver: ABREU, Martha. op. cit.
237
CARNEIRO, Edison. Dinâmica do Folclore. op. cit., p. 69.
238
Folclorista de grande influência no período.
91
capilaridade que lhe permitiria idealmente abranger todo o território nacional” 239. Nesse
sentindo, Luis Rodolfo Vilhena aponta que:
239
VILHENA, Luis Rodolfo. op. cit., p. 3.
240
Ibidem. p. 4.
241
Sobre isso, ver: CUNHA, Paulo Anchieta Florentino da. O movimento folclórico brasileiro e seus
desdobramentos na Paraíba: uma aproximação a partir da trajetória de Hugo Moura (1960 a 1978).
Dissertação (Mestrado em Antropologia). Universidade Federal de Pernambuco. Recife. 2011.
242
Sobre isso, consultar: FERNANDES, Florestan. Mário de Andrade e o folclore brasileiro. Rev. Inst. Est.
Bras., São Paulo, 1994.
92
jornalístico. Muito desses indivíduos, como observa Antonio Maurício Costa, mesmo
relatando elementos referentes às “tradições populares”, assim como a militância pela
preservação da mesma, pareciam não participar ou partilhar desse ambiente. Neste caso, esses
literatos e jornalistas pareciam “assumir a autoridade intelectual de definir critérios de
autenticidade para as manifestações folclóricas. Ao mesmo tempo, estes estudiosos
demarcavam sua desvinculação pessoal do ambiente dessas “sobrevivências””243.
Um dos principais representantes do folclore local, em âmbito nacional, nos anos de
1950, foi o poeta e folclorista Bruno de Menezes, apontado por Câmara Cascudo como
“mestre legítimo da cultura popular norte brasileira” e respeitado pelos demais representantes
do folclore de outras localidades do país244.
Diferente de muitos desses intelectuais folcloristas do período, Bruno de Menezes,
morador do subúrbio belenense, encontrava-se constantemente por entre as ruas, vielas e
caminhos dessa área. Foi apontado pela imprensa local do período em questão e, até mesmo a
de agora, como:
portador da cultura popular, a mais autorizada fonte desse saber das ruas,
conhecimento ambulante e de se fazer em livro, o Bruno festeiro, dançarino
de festas folclóricas, de quadrilhas juninas, de pássaros, dos tambores de
batuque, do boi-bumbá, o folclorista que, mais tarde, terá o reconhecimento
público de Luís da Câmara Cascudo, o folclorista-mor da nação,
reconhecimento que valerá por título de doutor “honoris causa”, será o
embaixador do Pará, “com as credenciais da cultura, sinceridade,
emoção”245.
Outros atributos foram apresentados, por Vicente Salles, no prefácio do livro “Obras
Completas (volume II)”, a Bruno de Menezes. Segundo Salles, assim como Heitor Villa-
Lobos afirmou “O folclore sou eu!”, Bruno de Menezes também deveria ter o feito, alegando
que este último, “por toda vivência que possuía de suas andanças belemenses, tornou-se
certamente a mais autorizada fonte de informação da cultura popular paraense, a quem muitos
recorriam com frequência”246.
243
COSTA, Antonio Maurício Dias da. A Produção da “Música Cabocla”: a polifonia formadora do Carimbó
nas representações de literatos, jornalistas e folcloristas no Pará (1900 – 1960). op. cit., p. 263.
244
Sobre isso, consultar matéria intitulada de Bruno: Saudades. Jornal A Província do Pará, 02 de novembro de
1963. (Suplemento Literário).
245
Matéria intitulada de O Poeta da negritude, dos tambores e do luar. Disponível em:
http://www.diariodopara.com.br/impressao.php?idnot=148262. Acesso em 10 de junho de 2015.
246
SALLES, Vicente. Bruno de Menezes, era o folclorista. In: MENEZES, Bruno. Obras Completas de Bruno
de Menezes. op. cit., p. 16.
93
O termo mediação, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, nada mais é que o
ato ou efeito de mediar, de intervir, de interceder251 nos múltiplos espaços sociais, cujo
247
Ibidem. pp. 17.
248
José Coutinho de Oliveira, Margarida Schivazappa, Ernesto Cruz, Jaques Flôres, Eurico Fernandes e
Frederico Barata.
249
Auxílio da Prefeitura de Belém aos grupos e “bichos” de S. João. A Província do Pará. 13 de junho de 1951.
pp. 8.
250
Sobre isso, Consultar: LEAL, Luiz Augusto Pinheiro. A participação nortista nos Congressos do Negro e do
Folclore. In: LEAL, Luiz Augusto Pinheiro. “Nossos Intelectuais e os Chefes da Mandinga”: repressão,
engajamento e liberdade de culto na Amazônia (1931-1951). Tese (Doutorado em Estudos Étnicos e Africanos).
Universidade Federal da Bahia. 2011.
251
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI escolar: o minidicionário da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. p. 453.
94
contato entre ambos “são sempre problemáticos e provocadores das reações mais diversas”252,
incluindo também ações de diferentes grupos que possuem objetivos antagônicos. Os
mediadores culturais, nesse sentido, são aqueles que desempenham papeis de interpretes e que
transitam entre diferentes segmentos e domínios sociais, articulando-os e, em algumas vezes,
catalisando-os.
Para Letícia Vianna, a figura do mediador é importante na ampla relação constituída
por grupos e indivíduos distintos, no qual esse tem a capacidade de falar e interpretar várias
línguas e habilidades, assim como manipular códigos variados253. Esse intermediador,
segundo Gilberto Velho, torna-se um verdadeiro especialista na arte da interação dos
diferentes estilos de vida, bem como das diversas visões de mundo, desenvolvendo, não
importando seu local de origem, “o talento e a capacidade de intermediar mundos
diferentes”254.
Os festejos populares, segundo Antonio Maurício Costa, percebidos a partir de sua
dimensão histórica e social, “é uma prática que está inserida no campo dos conflitos e
negociações desenvolvidos na sociedade”255. Esses são verdadeiros espaços de convivência de
variados grupos, na qual alguns indivíduos assumem posições diferenciadas dos demais,
posições essas que apresentam sujeitos com “potenciais de metamorfose”256 bastante
desenvolvidos, onde atuam como mediadores em mundos altamente opostos e espalhados ao
longo da urbe.
Em Belém do Pará, durante os anos de 1950, sujeitos como jornalistas, cronistas e
literatos pareciam assumir esse papel de mediador cultural, a partir do momento em que se
esforçavam em apresentar ao leitor, em seus escritos presentes nas páginas dos periódicos,
relatos da vida festiva realizada na cidade. Esses indivíduos, como aponta Cristina Patriota de
Moura, “são muitas vezes pessoas que adquirem proeminência justamente por estarem
ocupando tal posição”257, conseguindo, às vezes, com seus discursos, ter grande influência no
modo de festejar na metrópole.
252
VIANNA, Hermano. “Não quero que a vida me faça de otário!”: Hélio Oiticica como mediador cultural entre
o asfalto e o morro. In: VELHO, Gilberto; KUSCHNIR, Karina (Orgs.). Mediação, cultura e política. Rio de
Janeiro: Aeroplano, 2001. p. 32..
253
VIANNA, Letícia. O Rei do meu Baião: mediação e invenção musical. In. Ibidem. p. 85.
254
VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1994. p. 81.
255
COSTA, Antônio Maurício. A festa dentro da festa: recorrências do modelo festivo do circuito bregueiro no
Círio de Nazaré em Belém do Pará. Campos, v. 7, n. 2, p. 83-100, 2006. p. 83.
256
Para melhor compreender a utilização do termo “potenciais de metamorfose” e sua relação com o termo
“mediadores culturais”, é importante consultar: VELHO, Gilberto, op. cit.; MOURA, Cristina Patriota de, op. cit.
257
MOURA, Cristina Patriota de. Ibidem. p. 188.
95
No caso dos festejos juninos realizados na capital paraense, nos anos 50, jornalistas,
intelectuais e cronistas como Lindanor Celina, Georgenor Franco, Cândido Marinho Rocha,
Eneida de Morais, Bruno de Menezes, entre outros, construíam certa imagem da festa popular,
tendo em vista ser uma tarefa difícil, “pois acostumados a lidar com seus iguais – alvos fáceis
de seus versos e frases bem construídas – não têm ainda o seu forte na comunicação com
grupo do qual, apesar da íntima convivência, desconhecem o próprio jeito de viver e
interpretar o mundo”258. Os textos desses sujeitos foram utilizados nessa dissertação por conta
das diversas referências acerca dos festejos juninos em Belém do Pará, escritos, pelos
mesmos, nas páginas de jornal e revistas que circulavam na cidade. Contribuindo,
significativamente, para o entendimento dos modelos festivos vivenciados na urbe na segunda
metade do seco XX.
No entanto, mesmo diante das supostas dificuldades encontradas ao longo do caminho,
durante a escrita, esses sujeitos tiveram papeis fundamentais na construção e narrativa da
história paraense, principalmente no que concerne às questões que giravam em torno da
cultura desse povo. É importante observar que esse é um período em que o termo “cultura”
tende a ocupar cada vez mais os espaços que antes eram preenchidos pelo “folclore” nos
escritos de jornalistas e folcloristas propriamente ditos.
Dentre as produções encontradas ao longo dos periódicos que circulavam em Belém
na década de 1950, alguns temas se destacavam, em meio aos quais está a forte valorização da
“tradição” na cultura local, muito presente nas obras dos jornalistas, cronistas e literatos que
escreviam nessas gazetas, podendo, tais temas, serem observados nos tópicos a seguir.
Sobre esses valores, Raymond Williams aponta, a partir das análises realizadas sobre
grupos de intelectuais ligados à cultura inglesa do início do século XX, que esses fazem parte
de uma verdadeira consciência social, pois ao romper com os dominantes, esses indivíduos se
relacionam com um grupo inferior, “não em solidariedade, não em afiliação, mas como uma
extensão do que é ainda sentido como obrigação pessoal (...) contra a crueldade e estupidez do
sistema e a favor de suas vítimas desesperançadas.”259, desempenhando assim, através de suas
produções, papeis de mediadores culturais.
258
PEREIRA, Leonardo. O carnaval das letras. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento
Geral de Documentação e Informação Cultural, 1994. p. 17.
259
WILLIAMS, Raymond. A Fração Bloomsbury. Plural, São Paulo, n. 6, p. 149-150, 1999.
96
260
Consultar: SILVA, Dário Benedito Rodrigues Notado da. A memória da festa de são Benedito em Lindanor
Celina. Tucunduba: arte e cultura em revista. Belém/Pa. UFPA, n. 3, p. 14-23, 2012.
261
CELINA, Lindanor. Menina que vem de Itaiara. Ed. Especial. Belém: Cejup/Secult, 1997.
262
Sobre Lindanor Celina, ver: STOENESCO, Dominique. Belém, Paris, Lisboa... Itinerário de uma autora
paraense: Lindanor Celina. Latitudes, n. 2, p. 60-61, fev. 1998; PENHA, Maria de Oliveira. A cartografia de
Irene na trilogia de Lindanor Celina. 2008. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Pará,
Belém, 2008; TUPIASSÚ, Amarílis; PEREIRA, J. Carlos; BEDRAN, Madeleine. Lindanor, a menina que veio
de Itaiara. Belém: SECULT/PA, 2004; SILVA, Dário Benedito Rodrigues Nonato da. op. cit. p. 14-23.
263
Sobre isso, consultar: CELINA, Lindanor. Crônicas intemporais. Belém: CEJUP, 2003.
97
literatura, como Dalcídio Jurandir, que teve acesso, muito surpreso, a seus
escritos por meio da coluna “Miranete”, do Jornal “A Pronvíncia do Pará”.264
264
SILVA, Dário Benedito Rodrigues Nonato da. op. cit., p. 16.
265
Ibidem. p. 23.
266
Uma das maiores expressões dos estudos literário brasileiro no século passado, se destacou em sua atuação no
ensino de literatura no Brasil, contribuindo de forma significativa no que concerne o âmbito da critica, teoria e
historiografia literária do país. Sobre esse intelectual, ver: COUTINHO, Eduardo F.. A contribuição de Afrânio
Coutinho para os estudos literários no Brasil. Anais. 3º Colóqui do Grupo de Estudos Literários
Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A crítica literária no Brasil.
Feira de Santana: UEFS, 3, 2012. pp. 9-20.
267
Sobre essa informação, consultar a orelha do livro “Crônicas intemporais”, em CELINA, Lindanor, op. cit.
98
No entanto, foi na Revista Amazônia de junho de 1955 que Lindanor Celina deixou
uma marca importantíssima sobre os festejos juninos de sua infância – lá pelos idos anos 30 –,
dando a entender que o intenso processo de urbanização e modernização da cidade, a partir da
segunda metade do século XX, proporcionou o desaparecimento da “autêntica” festa junina
vivida e apresentada pela autora.
– Que é feito do São João de nossa meninice? Ah! os velhos tempos! Não
posso ver chegar esta época sem que em minha mente se faça logo uma
curiosa associação de idéias. São João, para mim, estará para sempre ligado
às reminiscências indestrutíveis de minha infância e adolescência, tempo
feliz que a saudade tocou de lindas e indeléveis côres. São João para mim,
pois, continuará a ser apesar do asfalto e tudo o mais que constitui a moderna
civilização, a lembrança tocante do nosso casarão da rua do Fio, a imensa
fogueira armada por meu Pai, o aluá magnífico feito por minha Mãe, os
bolos de milho, as cangicas, o arrôs doce, os primos, afilhados e madrinhas.
As adivinhações da clara do ôvo no copo dágua, os vintens (quem ainda
conhece vitem?) que a gente jogava na fogueira crepitante, para manhãzinha,
ao alvorecer, ir apanhá-los, catando-os por entre as cinzas ainda quentes,
para dá-los ao primeiro pobre que passassem cujo nome seria,
infalivelmente, o do nosso prometido. Ainda me lembro de um beberrão a
quem perguntei, ansiosa, o nome e ele respondeu, entre tombos, a voz
pastosa: “Colondino, menina”. Esfriei. Sabe lá o que é casar com um homem
268
CASTRO, José Guilherme de Oliveira. Lindanor Celina – A artesã de personagens. In: Tupiassú, Amarílis;
PEREIRA, João Castro; BEDRAN, Madeleine (Orgs.). 2004. pp. 37.
100
Esse sentimento de nostalgia observado nas obras de Lindanor Celina, bem presente
na crônica aqui apresentada, era corriqueiro nos escritos de diversos redatores da imprensa
paraense. Desde pelo menos os meados do século XX é possível encontrar relatos marcados
por saudosismo relativo às então chamadas “festas joaninas de antigamente”.
Mas será que o São João vivido ou ansiado por Lindanor Celina era o mesmo da
população do subúrbio de Belém? Certamente não! Provavelmente, quase em nada ele se
associava àqueles vividos nas ruas do subúrbio, ao qual essa suposta modernidade não tinha
chegado tão violentamente, como aponta a cronista.
Sobre isso, matéria intitulada de “Fogueiras e Balões”, no jornal A Província do Pará
de junho de 1958, aponta que as festas juninas vividas nos espaços suburbanos da capital
paraense buscavam ainda viver momentos de alegrias e animações “entorno das fogueiras
crepitantes onde as famílias vão dilatando o círculo de parentes”, a partir do tradicional
compadrio de fogueiras, nos quais surgiam compadres e comadres, primos e primas e até
mesmo os “futuros” noivos e noivas, que, muitas vezes, acabavam concretizando o
matrimônio.
Segundo a matéria, os espaços festivos, “enfeitados de bandeirinhas multicolores e
palmeiras, entre as quais se destaca no seu heráldico porte, o açaizeiro, onde grande parte da
população se diverte ao som de alto-falantes ou orquestras típicas”, assumiam características
269
CELINA, Lindanor. Cadê meu São João?. Revista Amazônia: da planície para o Brasil. Jun. de 1955. s/ n.
101
de clubes recreativos não tão requintados, mas de grande destaque, principalmente, diante dos
indivíduos moradores dessa área da cidade.
No Jornal Folha do Norte de junho de 1956, Lindanor Celina também deixa marca
importantíssima sobre os festejos juninos de Belém do Pará nos anos de 1950. Intitulada de
“Junho, barulhento e pitoresco...”, a crônica, bem próxima da que foi apresentada
anteriormente, através da comparação entre a festa “joanina” de outrora e aquela vivida na
década de 1950, pela literato, que nem esperava o mês de maio, “mês dos lírios e das
novenas”, terminar e já se anunciava com foguetes estourando pelo céu, faz com que a
cronista mergulhe saudosamente em sua memória e relembre dos tempos juninos de sua
infância e adolescência, “dias alegres que se foram para sempre”.
Buscando escapar dessa nostalgia, Celina propõe “sacudir para bem longe tais
lembranças e, encarando serenamente os dias que passam, procura viver cada um deles
intensa e plenamente, sem lamentos estéreis nem saudades inúteis”. Mesmo diante do
processo de “modernização festiva”, na qual as “fogueiras, compadres, comadres, milho
assado, bumba-meu-boi e os banhos feiticeiros” perderam espaços para o “asfalto, os arranha-
céus e o gás butano”, a autora, decididamente, vive o “novo” São João “inteirinho, em cada
minuto, em cada hora, em cada dia”, concluindo que a vida segue e que se desprender,
minimamente, do passado é fundamental para aproveitar o presente.
270
Sobre Bruno de Menezes, ver: REIS, Marcos Valério Lima. Entre poéticas e batuques: trajetórias de Bruno
de Menezes. 2012. Dissertação (Mestrado em Comunicação, Linguagem e Cultura) – Universidade da
Amazônia, Belém, 2012; FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Arte, literatura e revolução: Bruno de Menezes,
anarquista, 1913-1923. In: FONTES, Edilza Joana de Oliveira; BEZERRA NETO, José Maia (Orgs.). Diálogos
entre história, literatura & memória. 1. ed. Belém: Paka-Tatu, 2007; FARES, Josebel Akel. Bruno de
Menezes e o rufar dos tambores. Boitatá, Londrina, n. 13, p. 126-137, jan.-jul. 2012.
103
Menezes publicou vasta obra entre os anos de 1920 e 1960. Suas principais obras
foram: Crucifixo (1920), Bailado Lunar (1924), Poesia (1931), Batuque (1939), Lua
Sonâmbula (1953), Poemas para Fortaleza (1957) e Onze Sonetos (1960). O folclore começou
aparecer com grande intensidade nas obras de Bruno de Menezes no final dos anos 50,
quando da publicação dos livros Boi Bumbá (1958) e São Benedito da Praia (1959).
Era um “escritor por vocação, com alma de poeta”. Foi fundador da revista literária
Belém Nova, uma das revistas que circulavam na capital paraense e que era responsável pela
divulgação da poesia modernista brasileira. De acordo com Aldrin Moura de Figueiredo, a
revista Belém Nova surge com grande novidade. Ou seja, buscava ir de contra ao que já havia
sido desenvolvido no campo da arte e da literatura paraense até então, tendo em vista
desenvolver uma arte dentro do âmbito e costumes do cotidiano da região, dialogando com as
das demais regiões do país271, que também se encontravam presentes nas páginas desse
periódico272.
271
A revista Belém Nova contou também com a participação de diversos escritores das outras regiões do Brasil,
principalmente do Nordeste do País (Maranhão, Rio Grande do Norte e Pernambuco). Sobre isso, consultar:
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Os Vândalos do Apocalipse e outras histórias: arte e literatura no Pará dos
anos 20. Belém: IAP, 2012.
272
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Civismo, mundanismo e modernismo: nasce a revista Belém Nova. In:
Idem.
104
273
Disponível em: https://nadadorentrepalavras.wordpress.com/2014/08/22/rufando-o-batuque-de-bruno-de-
menezes/. Acessado em: 05 mai. 2015.
105
aos pesquisadores das humanidades, compreender um pouco mais sobre os hábitos e costumes
do povo nortista.
No Jornal Folha do Norte de junho de 1952, Bruno de Menezes escreve texto
intitulado de “Belém, cidade dos cheiros de São João”, no qual, preocupa-se em apresentar ao
leitor um dos principais costumes populares realizados, na época, durante os festejos juninos,
principalmente nas vésperas e dia de São João: o banho de cheiro.
Segundo esse autor, no dia 24 de junho de 1952, a cidade de Belém do Pará
“amanheceu trescalante. Cheirando a vegetais odorantes, a raízes maceradas”, dentre as quais
destacavam-se vinde-cá-pagé, cascas de arataciú, serragens de pau de Angola, capelas cor
de musgo, entrelaçadas a outras raízes, formando as “corôas silvestres, como nas antigas
festas campestres”, anunciando o momento de louvar “os santos folieiros”.
274
Belém, cidade dos cheiros de São João. Jornal Folha do Norte, 24 de junho de 1952.
275
SALLES, Vicente. As raízes da cultura mestiça na Amazônia: singularidade de um modelo cultural
ternário. Brasília: MicroEdição do Autor, 2010.
106
Na obra Aruanda e Banho de Cheiro, Eneida de Villas Boas Costa de Moraes (1903-
1971), ou simplesmente Eneida, como gostava de ser chamada, rememora a dinâmica cultural
de quando vivia em Belém do Pará, nas duas primeiras décadas do século XX, busca, de
forma comparativa com a de quando visitou a cidade por volta da segunda metade dos anos
40, após sua partida para o Rio de Janeiro, apontar as diversas transformações no espaço
urbano da capital paraense, bem como no que diz respeito à cultura e a relação social dos
moradores de Belém do Pará, deparando-se com o processo de mudança significativa pelo
qual a sociedade local passava, como “o aparecimento de associações literárias, revistas e
jornais; o ressurgimento da Academia Paraense de Letras”.
Segundo José Guilherme de Oliveira, as crônicas escritas por Eneida de Moraes
“representam um encontro com fatos banais, corriqueiros, com as lendas do folclore paraense,
os namorados, o cão da madrugada, os objetos de estimação e as injustiças sociais”, esses
textos chegam até o leitor com um sabor diferente, fazendo com que esses questionem e se
posicionem diante dos fatos apresentado. Em suas produções literárias, como um ato de
desabafo, Eneida “usou-se desse direito de ser livre, de falar aquilo que sentia com
espontaneidade, sem qualquer medo ou constrangimento. Talvez, por isso mesmo, seus livros
transbordem lirismo, transfigurando-a uma “sempre viva” cujo perfume poético permanece
gravado nas páginas de suas obras e na memória do leitor”276.
276
CASTRO, José Guilherme de Oliveira. Prefácio. In: MORAES, Eneida. Aruanda – Banho de Cheiro.
Belém: CEJUP/SECULT, 1997, p. 7-8.
107
Eneida de Moraes circulou por entre discursos políticos e literários e, nos anos 1930,
entrando em contato com as obras de filosofia marxista, encantou-se e entregou-se ao ideário
comunista, muito presente nas suas obras, desde então. Nos livros “Aruanda” (1958) e
“Banho de Cheiro” (1965), essa escritora, já residente na cidade do Rio de Janeiro, por meio
277
Disponível em: http://www.releituras.com/eneida_menu.asp. Acesso em: 16 out. 2015.
108
de sua memória, conta-nos sua relação com os santos católicos festejados ao longo do mês de
junho, mostrando um distanciamento com Santo Antônio e São Pedro, mas uma imensa
afetividade com São João, de quem era “velha e dedicada amiga”. Além disso, a autora
destaca aspectos dos costumes tradicionais do povo paraense, ao descrever a prática dos
banhos e supertições realizadas na virada do dia 23 para o dia 24 de junho:
278
MORAES, Eneida de. op. cit., p. 69-71.
109
279
Quadra Joanina: os banhos de felicidade. Jornal Folha do Norte. Junho de 1950.
280
Sobre as informações aqui apresentadas, consultar matéria intitulada CAI, CAI BALÃO! ACENDE A
FOGUEIRA EM MEU CORAÇÃO!. Revista Amazônia. Jun. de 1957.
110
às ervas, cascas, raízes e cipós, que serviam de ingredientes para a realização do famoso
“banho de cheiro cheiroso”.
Houve quem dissesse na época que o “Pagé Marabá”, além de ser grande admirador
das vendedoras de ervas, também receitava aos compradores desses produtos banhos para
todos os casos como, por exemplo, busca de emprego, mulheres que queriam arrumar
maridos, homens que queriam conquistar as mocinhas, realização de casamentos, velhos que
queriam reconquistar vigor de outrora, etc., tendo, talvez por esse motivo, recebido tal titulo.
Várias são as referências atribuídas ao pajé, por historiadores e antropólogos. Segundo
Gianno Quintas, o pajé é aquele que “dispõe de poderes especiais para curar males
sobrenaturais como a ‘panema’, ‘assombrado de bicho’ e outras moléstias características da
região amazônica”281; para isso, é comum esses utilizarem materiais que estão diretamente
ligados a fauna e flora da região. Sobre isso, Aldrin Moura de Figueiredo, no livro A cidade
dos Encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia (1870-
1950), assinala que os pajés, também apontados pela imprensa local do século XIX e início do
XX como “grandes feiticeiros”, “bruxos” e “patifes”, passam, a partir da terceira década do
século passado, após os escritos de intelectuais sobre as práticas religiosas negras e indígenas
da Amazônia, a serem encarados por outro viés: a partir de um olhar positivo de muitos que
compõe a sociedade local do período282, principalmente pela intelectualidade local.
Sobre a prática do uso de ervas, madeiras, cascas e cipós, nos festejos populares em
Belém, o pesquisador e antropólogo Napoleão Figueiredo, no livro, Rezadores, Pajés e
Puçangas, observa que tal processo, também associado às práticas curativas, relacionadas,
principalmente, aos cultos religiosos afro-amazônicos, era normalmente realizado durante os
festejos juninos, período no qual a renda dos vendedores dos produtos coletados, muitas
vezes, de espaços distantes da capital como, por exemplo, a Zona Bragantina, região
Guajarina, Tocantina e das ilhas, era transportada a Belém por meio do sistema fluvial ou
rodoviário, aumentava consideravelmente283.
Para esse autor, os visitantes de Belém do Pará, e arrisco também incluir os próprios
moradores da cidade, que transitavam pelas feiras da capital paraense, muitas vezes sentiam-
se atraídos pelas barracas pequenas, nas quais eram vendidos as ervas, cascas, raízes e banhos,
tendo ao lado uma quantidade imensa de produtos da flora, da fauna e da natureza mineral da
281
QUINTAS, Gianno Gonçalves. Pajelanças e religiões afro-brasileiras. Anais. XI Congresso Luso Afro
Brasileiro de Ciências Sociais. Salvador – Ba. UFBA. 2011. pp.2.
282
Sobre isso, ver: FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A Cidade dos Encantados: pajelança, feitiçarias e
religiões afro-brasileiras na Amazônia (1870-1950). op. cit.
283
FIGUEIREDO, Napoleão. Rezadores, Pajés e Puçangas. Belém: Boitempo, 1979.
111
Cândido Marinho Rocha nasceu em 1907, em Belém do Pará. Iniciou suas publicações
de contos e crônicas a partir do ano de 1926, aos 19 anos. Colaborou com a revista A Phênix,
da Academia Livre de Comercio da Phênix Caixeiral Paraense, dirigida por Ramiro Castro.
Foi eleito, em 1958, Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP) e em 1961,
assumiu a cadeira de nº 1 da Academia Paraense de Letras (APL), onde defendia fielmente o
desenvolvimento de uma literatura por ele sugerida de “O Paraensismo”. Esse autor, como
aponta Reginaldo Arroyo, da Folha de São Paulo, em 1964, trás em seus textos cor local,
caracterizado, principalmente, pela linguagem regional, o que era comum nos textos dos
outros intelectuais da época.
Era junho de 1956, a Revista Amazônia, mais uma vez, chegava às mãos de seus
“formidáveis” leitores, trazendo em suas folhas noticias vinculadas ao dia a dia da população
belenense e de outras localidades da região Norte. Dentre essas páginas, encontravam-se
diversos escritos sobre os festejos do mês em questão, em meio a qual se destacava aquele
intitulado de Junho Feliz, escrito por Cândido Marinho Rocha287.
A matéria contava que maio, o mês do romantismo, chegava ao fim e começava mais
uma vez o mês de junho, “sempre feliz”, trazendo junto à tradição das festas juninas, que em
284
Ibidem. pp. 1.
285
Ibidem. pp. 5.
286
RODRIGUES, Carmem Izabel. Vem do bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidade em
espaços urbanos. op. cit., p. 217.
287
Sobre o que foi apontado, consultar: ROCHA, Cândido Marinho. Vila Podrona - Sobre o Autor. Belém:
Luzes-Gráfica Editora, 1964.; CASTRO, Acyr, ILDONE, José, MEIRA, Clóvis. op. cit.
112
muito fazia lembrar os santos homenageados (Antônio, Batista, Pedro e Marçal). Ou seja,
iniciava o “Junho das alegrias dos simples. Junho das festas de todos. Junho dos cânticos dos
Ingênuos”.
Como é observado no título da matéria apresentada acima, o mês de junho era
apontado por Cândido Marinho Rocha como o mês da felicidade, cheio de encanto e
inocência, no qual homens, mulheres, crianças e idosos, divertiam-se tranquilamente, “sem o
desequilíbrio dos guizos embriagadores de Fevereiro; cantante, sem malicia; saltitante, sem
caricaturas; humano, sem divisões; dançarino, sem exagerações”.
Além das qualidades apresentadas pelo autor, o mês de junho também é visto como
aquele em que a prática da democracia se tornava constante, quando humildes e poderosos,
juntos, divertiam-se nos espaços enfeitados de fitas, balões e bandeirolas, até os primeiros
raios do sol. Pois, nesse mês:
288
Junho Feliz. Revista Amazônia. Junho de 1956.
113
289
CASTILHA, Leandro Dalcin. A construção de um sentido de “caipira” no “Jeca Tatu” de Monteiro Lobato.
Espaço Plural. Ano VIII. Nº 16. 1º semestre. 2007. pp. 74.
290
Sobre isso, consultar: COSTA, Antonio Maurício D.; Gomes, Elielton B. Castro. op. cit.
291
Georgenor de Sousa Franco (1919 – 1985), jornalista e escritor, foi presidente por aproximadamente 14 anos
da Academia Paraense de Letras, onde ocupava a cadeira de número 38. Transitou por vários órgãos da capital
paraense como o Conselho Estadual de Cultura, Instituto Histórico e Geográfico do Pará, Federação das
Academias de Letras do Brasil, Instituto Brasileiro de Educação, Ciências e Cultura. No âmbito literário,
Georgenor Franco proferiu várias conferências em esfera local e nacional, além disso, presidiu comissões
julgadoras de concursos literários na cidade de Belém e até mesmo no interior do estado. Trabalhou, por muito
tempo, ao lado do poeta Haroldo Maranhão, no jornal Folha do Norte. Além de ter trabalhado na imprensa
citada, Georgenor Franco cooperou significativamente para a Revista Amazônia, na qual escrevia textos que
giravam entorno das questões políticas, sociais e culturais da cidade. Sobre isso, consultar: CASTRO, Acyr;
ILDONE, José; MEIRA, Clóvis. 1990. V. 3.
292
ALMEIDA, Renato. Manual de Coleta Folclórica (1965). In. GRINBERG, Isaac. (Ed.) Folclore de Mogi das
Cruzes. São Paulo: Ed. LIS, 1981, p. 65.
114
Percebe-se que os costumes considerados pela Igreja e pelo Estado como pagãos,
utilizados nas festas juninas realizadas na colônia portuguesa, faziam, ainda nos anos de 1950,
parte desse ciclo festivo, porém, de uma forma readaptada ao contexto da segunda metade do
século XX, e isso vai mais além, pois a crença no sobrenatural como "instrumento de cobiça"
permanece até os dias atuais, tempos no quais tal prática não possui mais o caráter
pecaminoso, sendo, agora, parte de uma "tradição" popular.
Sobre isso, Edward Thompson observa que “no século XVIII, o costume constituía a
retórica de legitimação de quase todo uso, prática ou direito reclamado. Por isso, o costume
não codificado – e até mesmo o codificado – estava em fluxo constante”293, sendo esse um
campo no qual a mudança se fazia presente de forma intensa.
É interessante notar que essas referências de simpatias presentes nos textos
jornalísticos e nas crônicas de revistas dos anos 50 estavam, quase sempre, direcionadas a um
293
THOMPSON, Edward. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. pp. 16.
115
público feminino, considerado pelos diretores das revistas como alvo de destaque nas compras
de revistas de variedades.
Vale salientar que esses intelectuais tiveram importância significativa, através de seus
discursos, nos modelos festivos vivenciados em Belém do Pará nos anos de 1950 e
permitiram, por meio de suas narrativas, perceber as relações sociais e culturais estabelecidas
entre as pessoas nesses espaços, nos quais muitas nasceram, cresceram e aprenderam a
construir valores e costumes sociais e culturais dentro do que lhes eram essenciais.
116
CONCLUSÃO
117
CONCLUSÃO
294
CORRÊA, Ângela Tereza de Oliveira. Belém do Pará, palco de manifestações culturais no início do século
XX. In: SIMONIAN, Ligia (Org.). Belém do Pará: história, cultura e Sociedade. Belém: Editora do NAEA,
2010. pp. 307.
118
papeis que foram atribuídos a essa manifestação festiva por aqueles que se propuseram a
compreendê-la e explicá-la. Esse trajeto nos levou a perceber que as festas juninas reuniam
várias funções, sentidos e significados, não só para os brincantes, como também para aqueles
que a promoviam e para quem relatava na imprensa local sobre elas.
Procurou-se demonstrar que ao longo da década de 1950 intensificaram-se as
divulgações desses festejos nas páginas de jornal e revistas da capital paraense, o que indica a
importância desses momentos festivos para os moradores da cidade, que adotaram novos
conteúdos e posturas onde o que prevalecia eram características de um modelo festivo mais
urbanizado, que estavam atreladas ao processo de urbanização e modernização de Belém,
relacionando-as com aquelas vigentes desde pelo menos o início do século XX.
A expansão espacial e populacional da cidade, na segunda metade do século XX,
delineou um novo estilo de vida, bastante diferenciado daqueles de anos atrás. O processo de
urbanização e modernização dos espaços belenenses parecia se sobrepor às características
rurais, que diversas vezes tomavam os anúncios e crônicas sobre as festas juninas do período.
Essas características se encontravam também em alguns espaços da cidade, como, por
exemplo, o subúrbio, no qual portos, hortas e vacarias que poderiam ser encontradas em
bairros como Guamá, Condor e Jurunas, espaços de moradas de sujeitos vindos,
principalmente, do interior do estado, trazendo consigo experiências de vida e cultura dessas
paragens e cruzando-os com o universo social do citadino.
No que se refere ao modelo festivo da cidade, nos anos de 1950, em termos bem
amplos, percebe-se, diante dos discursos de intelectuais e jornalistas, que se buscava,
principalmente nos espaços centrais de Belém, mesmo que minimamente, desenvolver um
estilo festivo baseado em um arquétipo de “civilização”, no qual se destacavam referências do
“moderno”. Digo minimamente, porque não se pode deixar de considerar a força e
persistência de práticas culturais de outrora nesses espaços, que, apesar das resistências de
alguns, foram aceitas e incorporadas à vida festiva nesses ambientes. Em contrapartida, o
outro mundo festivo da cidade, desenvolvido no subúrbio da capital paraense, buscava
reproduzir costumes e práticas antigas e “tradicionais”, os quais, por diversas vezes, eram
assim reconhecidos nos escritos de literatos/cronistas da época.
Percebeu-se também que os realizadores dos festejos juninos nos clubes, ruas, praças e
escolas da cidade, na década de 1950, não buscavam exatamente promover uma festa sagrada,
ou seja, não almejavam uma celebração em que envolvesse, de fato, uma comemoração
religiosa, mas sim, usar os dias dos santos católicos (Santo Antônio, São João, São Pedro e
São Marçal) como pontos estratégicos para realização festiva. Buscavam atrair um número
119
significativo de brincantes para esses espaços dançantes, nos quais as animações festivas eram
diversas, que iam desde espetáculos de grupos juninos (bumbás e cordões de pássaros e
bichos) à presença marcante de grupos conhecidos como “jazzes” orquestras e de sonoros.
Os anúncios das festas juninas em Belém, idealizando o cenário rural como pano de
fundo nos locais de sociabilidades, eram muito presentes nas folhas de jornais e revistas da
cidade, buscando, de alguma forma, promover uma versão estilizada de um mundo caipira no
meio urbano. Expressões como “São João na Roça”, “São João no Sertão”, “Casamento na
Roça” e “Festa na Roça”, como títulos dos anúncios das festas realizadas em Belém, indicam
a busca de uma representação peculiar de uma festa do interior no meio urbano belenense.
Concluo esse texto de dissertação indicando, ao leitor, que o mesmo proporcionou,
sem dúvida alguma, análises significativas para construção do conhecimento histórico acerca
das festas na cidade. Mas, vale pontuar, que tais análises ainda são ínfimas para se entender,
em amplidão, os diversos modelos festivos da urbe. Portanto, iniciou-se a abertura do campo
de pesquisa, cabe agora, aos pesquisadores do universo festivo, dar continuidade, já que os
caminhos são diversos e não se esgotam nos pontos apresentados nessa investigação.
120
REFERÊCIAS
121
REFERÊNCIAS
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(1830-1900). Tese (Doutorado em História). Niterói: UFF, 1995.
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