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Adeus Maio Salve Junho Narrativas e Representacoes Dos Festejos Juninos em Belem Do para Nos Anos de 1950

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DA AMAZÔNIA

ELIELTON BENEDITO CASTRO GOMES

“Adeus Maio! Salve Junho!”: narrativas e


representações dos festejos juninos em Belém do
Pará nos anos de 1950.

Belém/PA
2016
ELIELTON BENEDITO CASTRO GOMES

“Adeus Maio! Salve Junho!”: narrativas e


representações dos festejos juninos em Belém do
Pará nos anos de 1950.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História Social da Amazônia, do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal do Pará como requisito
obrigatório para obtenção do título de Mestre em
História. Orientador: Prof. Dr. Antonio Maurício Dias
da Costa (PPHIST/UFPA).

Belém/PA
2016
ELIELTON BENEDITO CASTRO GOMES

“Adeus Maio! Salve Junho!”: narrativas e


representações dos festejos juninos em Belém do
Pará nos anos de 1950.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História Social da Amazônia, do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal do Pará como requisito
obrigatório para obtenção do título de Mestre em
História. Orientador: Prof. Dr. Antonio Maurício Dias
da Costa (PPHIST/UFPA).

Banca Examinadora:

___________________________________
Profº. Dr. Antonio Maurício Dias da Costa.
(Orientador – PPHIST/UFPA)

___________________________________
Profº. Dr. José Guilherme dos Santos Fernandes.
(Examinador Externo – PPGL/PPLSA/UFPA)

___________________________________
Profª. Dr.ª Franciane Gama Lacerda.
(Examinadora Interna – PPHIST/UFPA)
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFPA

________________________________________________________________________________

Gomes, Elielton Benedito Castro

“Adeus Maio! Salve Junho!”: narrativas e representações dos festejos juninos


em Belém do Pará nos anos de 1950 / Elielton Benedito Castro Gomes. – 2016.
135p.:il

Dissertação (História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará,


Belém, 2015.
Orientação: Profº Dr. Antonio Maurício Dias da Costa

1. Espaço Urbano. 2. Festa Junina. 3. Imprensa. 4. Intelectuais. 5. Repre-


sentação. I. Título
CDD: 394. 20981
Aos meus pais Conceição Castro e Benedito Gomes.
Aos quais serei sempre grato!
AGRADECIMENTO

William Shakespeare disse que “a gratidão é o único tesouro dos humildes”. Diante
disso, deixo, neste momento, minha profunda gratidão a todos que em diversos momentos
de minha vida acadêmica estavam presentes.

Primeiramente agradeço a Deus e aos espíritos de luz, por terem me proporcionado


força e sabedoria diante das decisões tomadas ao longo de minha vida.

Agradeço aos meus pais Conceição e Benedito e as minhas irmãs Elaine e Eliane pelo
apoio desde os primeiros instantes desse percurso. Sem este apoio, não sei se teria forças
suficientes para seguir essa caminhada. Estendo também meus agradecimentos aos meus
tios, em especial as minhas tias Izabel, Ana e Nazaré, que contribuíram com meus sorrisos
ao longo dessa jornada.

À minha querida prima Edmê Gomes por se fazer presente em minha vida com
carinho, atenção e dedicação.

Agradeço ao meu orientador Antonio Maurício Dias da Costa, pela pessoa humana,
gentil, generosa e sempre atenciosa, cuja convivência, desde a graduação, foi de grande
proveito. Muito obrigado Maurício, por entender e respeitar meu ritmo e ausências. Serei,
para sempre, grato!

Externo minha gratidão aos meus amigos de graduação, Mikaela Moreno, Diego
Jorge, Éderson Lobo, Erick Silva, Iolete Rolim, Clayton Pereira e, principalmente, a
Daiana Fonseca e Caroline Barroso, com as quais, em várias fases desse trabalho, pude
contar com a presença, “puxões de orelha”, leituras de textos e carinho. Mais que
perspicazes, atenciosas e acessíveis, vocês são grandes amigas. A vocês, meus queridos
historiadores, manifesto meu afeto agradecido.

Quero prestar meu especial agradecimento as minhas amigas/irmãs que tive o prazer
de conhecer ainda na minha infância, pessoas especiais que sempre farão parte de minha
vida. Gabriela Barbosa e Heliane Abreu, muito obrigado pelas palavras de incentivo e
amizade.
Não tenho palavras para agradecer meus amigos Jones Santos, Ana Carolina Marçal,
Patricia Furtado, Elayne Santos e, especialmente, Camila Travassos e Rafaele Lima,
companheiros de barulho e de diversão, por terem me ensinado e ajudado a ser o que sou.

À professora Rosivone Viana, que, ainda no ensino médio, me apontou os muitos


caminhos a serem trilhados, me ensinando a não desistir dos sonhos e seguir sempre
adiante.

Ao Henrique Neto, pela força, apoio e carinho expressado durante diversos momentos
da escrita dessa dissertação, muito obrigado.

Aos amigos do mestrado e doutorado (turmas de 2013), Tunai, Edivando, Marina,


Cláudia, Luiza, Marcelo, Amilson, Tatiane, Ivanilson, Sônia, Marcus, Reinaldo, Alex e
Marília, pessoas que compartilharam comigo os momentos de indecisão, desânimo e de
solidão que a escrita proporciona.

Aos professores Franciane Lacerda e Aldrin Figueiredo, pelas arguições em meu


Exame de Qualificação, repletas de preciosas sugestões.

Aos professores José Maia Bezerra Neto, Antonio Otaviano Vieira Junior, Cristina
Donza Cancela, Maria de Nazaré Sarges e, novamente, Franciane Gama Lacerda, pela
oportunidade de aprendizado durante a Pós-Graduação.

À CAPES, pela concessão da bolsa de estudo que viabilizou a realização desse


trabalho.

A todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente, meu muito obrigado!

Belém, novembro de 2015.


De certo, mesmo que a história fosse julgada incapaz de outros
serviços, restaria dizer, a seu favor, que ela entretém. Ou, para ser
mais exato – pois cada um busca seus passatempos onde mais lhe
agrada –, assim parece, incontestavelmente, para um grande número
de homens. Pessoalmente, do mais remoto que me lembre, ela sempre
me pareceu divertida. Como todos os historiadores, eu penso. Sem o
quê, por quais razões teria escolhido esse ofício? Aos olhos de
qualquer um que não seja um tolo completo, com quatro letras, todas
as ciências são interessantes. Mas todo cientista só encontra uma única
cuja prática o diverte. Descobri-la para ela se dedicar é propriamente
o que se chama vocação. (Marc Bloch)
RESUMO

O presente trabalho busca analisar as narrativas e representações dos festejos juninos de


Belém do Pará nos anos de 1950. Esses festejos ganharam destaques nas páginas de livros,
jornais e revistas que circulavam em Belém no período em questão, onde era possível
encontrar anúncios, crônicas e romances que versavam sobre esse momento festivo. As
festas juninas, de grande importância para parcela significativa da sociedade belenense,
contavam com a participação de diversos conjuntos musicais, grupos juninos e de
aparelhos sonoros animando esses eventos realizados em diversos espaços do subúrbio e
do centro da cidade. Além disso, vários eram os pontos de vistas de jornalistas e
intelectuais sobre essa celebração festiva, sendo esses analisados a partir dos papeis de
difusão de valores e de padrões de comportamentos propostos por eles em seus escritos.
Nesse sentido, o conceito de representação, proposto pelo historiador francês Roger
Chartier, permeará a dissertação em questão, no qual esse autor assinala que os discursos
estão entremeados de estratégias e práticas que tendem a impor autoridade e até mesmo
induzirem o outro a escolhas e que são construídos dialogicamente num jogo que inclui
interesses, embates e negociações. A pesquisa apresentada contou com auxílio de fontes
retiradas dos jornais O Liberal, Folha do Norte, A Província do Pará, O Estado do Pará,
A Vanguarda e da Revista Amazônia, publicados na década de 1950, assim como
romances memorialísticos que falam sobre a temática aqui trabalhada, na segunda metade
do século XX.

Palavras – chave: Espaço Urbano, Festa Junina, Imprensa, Intelectuais, Representação.


ABSTRACT

This study aims to analyze the narratives and representations of June festivities in Belém
of Pará in the 1950s. These festivities won highlights in the pages of books, newspapers
and magazines circulating in Belém from the period in question, where it was possible to
find ads, chronicles and novels that deal with this festive time. The June festivals of great
importance to a significant portion of belenense society, counted on the participation of
several musical ensembles, “juninos” groups and audio equipment animating these events
performed in various spaces of the suburbs and the city center. In addition, several were
the views of journalists and intellectuals on this festive celebration, these being analyzed
from the distribution of roles of values and behavior standards proposed for them in his
writings. In this sense, the concept of representation, proposed by the French historian
Roger Chartier, permeate the dissertation in question, in which the author points out that
the speeches are interspersed strategies and practices that tend to impose authority and
even induce the other the choices and they are built dialogically a game that includes
interests, conflicts and negotiations. The research presented included aid supplies taken
from the newspaper O Liberal, Folha do Norte, A Província do Pará, O Estado do Pará,
A Vanguarda and the magazine Amazônia, published in the 1950s, as well as memoirs
novels that talk about the subject worked here in the second half of the twentieth century.

Key - words : Urban Space , June Festival , Press, intellectuals , Representation.


LISTA DE IMAGEM

Imagem 1 Jornal Folha do Norte, 22 de junho de 1951 57


Imagem 2 Mapa representando os bairros de Belém nos anos de 1950 63
Imagem 3 A menina que veio de Itaiara 98
Imagem 4 Bruno de Menezes, o “Embaixador” da cultura paraense 104
Imagem 5 Eneida de Moraes, mulher de voz forte e poderosa 107
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
CAPÍTULO I: A FESTA EM QUESTÃO............................................................................19
1.1. DE FESTEJO EUROPEU À FESTIVIDADE BRASILEIRA....................................20
1.2. FESTA JUNINA E IMPRENSA EM BELÉM DO PARÁ NO SÉCULO XX...........26
1.3. A ANIMAÇÃO DOS DIAS FESTIVOS.....................................................................34
1.3.1. ENTRE CURRAIS, PRAÇAS, TEATROS, RUAS E CLUBES.....................34
1.3.2. AS SOIRÉES JUNINAS EMBALADAS AOS SONS DE CONJUNTOS
MUSICAIS E DAS “PICARPES”....................................................................47
CAPÍTULO II: ESPACIALIZAÇÃO FESTIVA.................................................................55
2.1. ESPACIALIZAÇÃO FESTIVA DA CIDADE...........................................................56
2.2. CLUBES SUBURBANOS E CLUBES “ARISTOCRÁTICOS”: ESPAÇOS DE
LAZER E SOCIALIDADE NAS FESTAS JUNINAS DA CAPITAL PARAENSE NOS
ANOS DE 1950........................................................................................................................78
CAPÍTULO III: REPRESENTAÇÕES LITERÁRIAS, MEMÓRIA, FOLCLORE E
TRADIÇÃO POPULAR NOS FESTEJOS JUNINOS DE BELÉM DO PARÁ NOS
ANOS DE 1950........................................................................................................................86
3.1. INTELECTUAIS FOLCLORISTAS E MEDIAÇÃO CULTURAL...........................87
3.1.1. O FOLCLORE EM QUESTÃO..........................................................................87
3.1.2. INTELECTUAIS E MEDIAÇÃO CULTURAL................................................93
3.2. ENTRE CRÔNICAS, FESTAS, TRADIÇÕES E NOSTALGIAS.......................96
3.2.1. LINDANOR CELINA QUESTIONA: “CADÊ MEU SÃO JOÃO?”................96
3.2.2. BRUNO DE MENEZES E ENEIDA DE MORAES: ENTRE FOLHAS,
RAÍZES, MADEIRAS, CASCAS E CIPÓS..........................................................................102
3.2.3. CÂNDIDO MARINHO ROCHA: “JUNHO DAS FESTAS DE TODOS”.....111
CONCLUSÃO.......................................................................................................................116
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................120
FONTES.................................................................................................................................131
12

INTRODUÇÃO
13

INTRODUÇÃO

A festa somos nós. Em ritmo de santo, de samba, de procissão, de folguedo.


Ou mesmo nos clubes urbanos onde pessoas de idade fazem vestimentas
adequadas e vão dançar, em temporalidades disturbadas, prolongando, no
entanto, seus momentos vitais. É a espera aflita pela chegada daquele dia,
dos minutos, da hora em que partilhamos a eternidade, e depois o desgosto
da fugacidade que nos aflige. (...) E há ainda o comentário, aquilo que se diz
no dia seguinte, a retomada do eterno ciclo de dizer o que foi, e de esperar o
que virá1.

Durante os meses de maio e junho, em diversos espaços da atual cidade de Belém do


Pará, é possível ouvir ritmos e gêneros musicais que lembram, e muito, as festas juninas,
sejam pelos rádios, carros som, TV, ou até mesmo pelas cantigas entoadas com grande
veemência pelos brincantes das quadrilhas, dos bumbás, dos cordões de pássaros e bichos e
dos grupos parafolclóricos da região. Desde pelo menos a segunda metade do século passado,
essas características, que remetem ao modelo das festas juninas na cidade, fazem parte do
cotidiano festivo da população local.
Os festejos juninos dos anos 1950 remetem às procedências de um modelo festivo
popular extremamente presente no cotidiano de lazer da cidade. Este modelo encontra-se, ao
mesmo tempo, ligado às condições estabelecidas pelos meios de comunicação e
entretenimento que circulavam em Belém, na época em questão.
Nesse sentido, a presente pesquisa adentra o âmbito das festas na cidade, mas
precisamente dos festejos, apontados pelos brincantes, organizadores, jornalistas e intelectuais
paraenses, como aqueles que apresentam características populares. Seu objetivo é abordar
criticamente as narrativas e representações dos festejos juninos na capital, produzidas por
diversos sujeitos intelectuais que escreviam nas páginas de revistas e jornais do estado do
Pará nos anos de 1950.
Esse foi um período no qual nota-se a ascensão dos meios de comunicação no âmbito
social brasileiro, em especial o rádio, instrumento de informação e entretenimento, associado
à indústria cultural brasileira2, sendo, também, o responsável pelas inovações de estilos (fama

1
FERREIRA, Jerusa Pires. A FESTA – APRESENTAÇÃO. Projeto História, São Paulo, (28), p. 361-362, jun.
2004.
2
Constata-se também que aos poucos a televisão passou a ser introduzida nos lares dos cidadãos brasileiros.
Nesse período, era comum encontrar tais meios de comunicação nas diversas moradas do Brasil, do meio urbano
ao meio rural. Esses (os rádios) eram considerados peças obrigatórias em todos os lares, dos mais ricos aos mais
14

e ascensão social) e práticas cotidianas no âmbito urbano. Além disso, nesse contexto, os
impressos são importantes por circularem corriqueiramente entre a população belenense e,
assim, apontar, nas páginas desses periódicos, o que era tido como importante para aqueles
que nelas escreviam, acabando por interferir nas decisões e nos direcionamentos dados aos
modelos festivos da região.
O que me orientou a escolher o período aqui estudado foi a necessidade de entender a
efervescência festiva da sociedade belenense a partir do ponto de vista daqueles que
trabalhavam na imprensa local nos anos de 1950, tendo em vista que esses, em conjunto com
empresários, comerciantes, políticos, entre outros, estabeleciam estratégias diante de parcerias
e alianças para a promoção desses festejos ao longo da cidade.
Nesse sentido, percebe-se que as celebrações festivas desempenham importantes
papéis nas relações entre o espaço e o homem, refletindo os modos em que diversos grupos
sociais constroem, percebem, pensam e concebem seus ambientes, atribuindo diferentes
valores a certos lugares3. Além disso, elas são capazes de “gerar produtos tanto materiais
quanto simbólicos, representando desse modo, uma das formas de produção de identidade”. É
importante enfatizar que tal produção “não esgota outras apropriações e funções que ela [a
festa] congrega”4.
Segundo Jerusa Pires Ferreira, as festas permitem perceber “o amor, a força do corpo e
dos gestos, a construção das visões feéricas e o jogo permanente que nos leva a ter na
esperança (de comida, de vida, de fartura, de alegria, de contemplação, de criação) o apoio
para nossas fabulações e alegorias”5. Elas são capazes de aglomerar sujeitos de diversos
grupos sociais em um mesmo espaço, estabelecendo pontes entre tais grupos e suas
realidades, permitindo, quase sempre, com que haja intensas trocas culturais entre eles.
Como sugere Antônio Evaldo Almeida Barros , as festas são “momentos significativos
para se notar formas pelas quais os diferentes sujeitos e setores sociais olham uns para os
outros, comentam, justificam, aceitam ou reproduzem as múltiplas diferenças e
desigualdades”6, revelando, a cada realização festiva, um pouco da sociedade para qual está

pobres, embora estes últimos tivessem acesso mais comum aos equipamentos dos vizinhos um pouco mais
abastados. Sobre isto ver CALABRE, Lia. A Era do Rádio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
3
BEZERRA, Amélia Cristina Alves. Festa e Cidade: entrelaçamentos e proximidades. Espaço e Cultura.
UERJ, RJ, nº 23, p. 7-18, jan-jun. 2008.
4
BEZERRA, Amélia Cristina Alves. Pelas margens da cidade e no meio da festa: a (re) invenção das festas e
da identidade no espaço urbano de Mossoró – RN. Tese (Doutorado em Geografia). UFF. Instituto de
Geociências. 2006. p. 26.
5
FERREIRA, Jerusa Pires, op. cit., p. 361.
6
BARROS, Antônio Evaldo Almeida. Usos e abusos do encontro festivo: identidades, diferenças e
desigualdades no Maranhão dos Bumbás (c. 1900-50). Revista Outros Tempos. v. 6, n. 8, dez. 2009, pp. 3.
15

sendo promovida, pois podem ser observadas, também, como “ocasiões particulares para
pensar a dinâmica e processos de mudanças sociais”7 em um determinado espaço e tempo.
Durval Muniz de Albuquerque Júnior observa que “por muito tempo, os pesquisadores
que buscavam desenvolver estudos, nos quais as festas tinham lugar de destaque, se
preocupavam em focar seus interesses apenas nas comemorações cívicas ou em datas
consideradas de grande importância para a história positivista, os quais, muitas vezes, eram
“escalados para fazer o discurso de panegírico ou de legitimação da data que ali se
comemorava”. Ao longo do tempo, esses estudos sobre a temática das festas foram
despertando interesses de outros pesquisadores, como, por exemplo, folcloristas e etnógrafos
que “nelas viam expressões dos costumes e do espírito nacional”, dando atenção àquelas que
estavam atreladas as “tradições culturais nacionais, regionais ou locais [qu]e seriam aquelas
praticadas pelas camadas populares, que expressariam o verdadeiro caráter nacional”8.
Segundo Michel Vovelle “é a partir dos anos 1960 que uma geração de pesquisadores
interessados na história das mentalidades busca ampliar pesquisas acerca das festas, fazendo
renascer o interesse desses pela temática das celebrações festivas. Segundo o autor, esses
pesquisadores passaram a considerar a temática da festa importantíssima, pois nos eventos
festivos podem ser percebidos os momentos em que um grupo ou individuo projeta
simbolicamente sua representação de mundo”9.
Na Amazônia, os estudos acerca das festas têm ganhado, cada vez mais, espaços entre
as pesquisas desenvolvidas por estudiosos das ciências humanas da região, principalmente
historiadores. No Brasil, desde a segunda metade do século XX, historiadores, antropólogos,
sociólogos, entre outros10, buscam, diante de diversos enfoques, perceber a importância social
e cultural das festas nos mais variados espaços do território nacional11, colocando em
evidências, muitas vezes, as peculiaridades dos modelos festivos de cada região.

7
Ibidem. pp. 4.
8
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Festa para que te quero: por uma historiografia do festejar.
Patrimônio e Memória. UNESP, v. 7, n. 1, jun. 2011. pp.134-135.
9
VOVELLE, Michel. Ideologias e mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1987. pp. 247.
10
Segue algumas referências sobre as pesquisas desenvolvidas, desde então, por estudiosos das ciências
humanas: DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio
de Janeiro: Zahar, 1978.; DUVIGNAUD, Jean. Festas e civilizações. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.;
MAGNANI, José Guilher. Festa no Pedaço. São Paulo: Brasiliense, 1984.; ABREU, Martha. O Império do
Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro (1830-1900). Tese (Doutorado em História).
Niterói: UFF, 1995.; CUNHA, Maria Clementina Pereira da. Ecos da Folia: uma história social do carnaval
carioca entre 1880 e 1920. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.; REIS, João José. A morte é uma festa. São
Paulo: Companhia das Letras, 1991.; entre outros.
11
SILVA, Maria Manuela Ramos de Souza. A historiografia descobre a “festa”. Revista Hélade. 1 (1), 2000.
pp. 38-52.
16

O estudo acerca dos festejos juninos em Belém do Pará nos anos de 1950 começou a
ser pensado quando minha graduação em História ainda estava em andamento. A
oportunidade em participar como bolsista de iniciação científica, entre os anos de 2010 e
2012, no projeto de pesquisa “Expressões da Cultura de Massa e da Cultura Popular em
Belém na segunda metade do século XX”12, coordenado pelo professor doutor Maurício
Costa, foi importantíssima no amadurecimento das ideias sobre a temática. Nesse sentido,
surgiram os seguintes questionamentos: Qual o alcance social das representações produzidas
na imprensa paraense por escritores/cronistas acerca dos festejos juninos na cidade de Belém
do Pará nos anos de 1950? De que forma esta produção discursiva se relaciona com as
transformações socioculturais em Belém no recorte temporal proposto?

Além disso, a vida cotidiana, desde menininho, também influenciou na escolha do


tema. Lembro, claramente, de minha paixão pelos festejos juninos desde meus sete ou oito
anos de idade, quando eufórico ensaiava e dançava a famosa quadrilha nas ruas do bairro do
Guamá, onde até os dias de hoje resido. Não meço esforço em dizer que sou perdidamente
apaixonado pelas festas juninas em suas mais variadas dimensões, incluindo também a
histórica. Hoje não mais participo com grande intensidade desse momento festivo, mas,
sempre que posso, transito entre um espaço e outro acompanhando espetáculos relacionados à
quadra junina, como, por exemplo, os concursos de quadrilha, apresentações de boi bumbá,
cordões de pássaros e de grupos parafolclóricos, nos quais, no início de minha juventude, tive
o prazer de participar.

Tendo em vista o desenvolvimento de pesquisa acadêmica, debrucei-me sobre


trabalhos produzidos que traziam em voga a temática dos festejos populares, dando grande
atenção àqueles referentes aos festejos juninos, como, por exemplo, artigos, monografias,
dissertações e teses produzidas por discentes e docentes da Universidade Federal do Pará
(UFPA) e de outras universidades da região e do Brasil. Por meio dessas produções, pude
perceber que as festas juninas eram, algumas vezes, citadas nos estudos sobre a temática dos
festejos populares da região, principalmente em Belém, carecendo de abordagens mais densas
sobre o assunto em questão.

12
A pesquisa buscou levantar elementos para a compreensão da relação entre a cultura de massa radiofônica e
bailes dançantes populares em Belém a partir da década de 1950, contexto em que desempenham papel principal
os sonoros, as casas de festa representadas por sedes profissionais, gafieiras e cabarés e onde têm preponderância
ritmos musicais como bolero e merengue, dentre outros, cantados e tocados tanto por artistas brasileiros quanto
por estrangeiros, difundidos por rádios locais. A emergência deste tipo de festa popular levou à consolidação de
um modelo festivo recorrente nas décadas seguintes, cuja atmosfera histórica buscou-se delinear na pesquisa em
questão.
17

Nesse sentido, esta dissertação busca contribuir de forma significativa para os estudos
sobre festas populares em Belém do Pará. Utilizo aqui o conceito de representação proposto
pelo historiador francês Roger Chartier. Para este autor, não existe um discurso neutro, já que
eles produzem estratégias e práticas tendentes a impor uma autoridade e até mesmo legitimar
escolhas. Nesse sentido, as representações “marcam de modo visível e perpétuo a existência
do grupo, da comunidade ou da classe”. Para Chartier essas narrativas são tidas de formas
importantes e “produtivas analiticamente não tanto pela descrição de uma dada realidade, e
sim pela construção dialógica num jogo que incluía continuamente interesses, embates e
negociações”13.

Sendo assim, o presente trabalho busca investigar esses festejos através dos periódicos
que circulavam na cidade, principalmente os jornais O Liberal, Folha do Norte, A Província
do Pará, O Estado do Pará, A Vanguarda e Revista Amazônia, publicados na década de 1950,
assim como romances memorialísticos que falam sobre as festas juninas no período em
questão, tendo em vista que “esses meios trazem à tona os eventos [e] igualmente os
significados que estes tiveram na vida da população”14 local, levando em consideração que as
matérias veiculadas pela imprensa não são aqui apropriadas como fotografia do passado, mas
como instrumentos e pistas que nos auxiliam na interpretação desse. A imprensa é entendida
aqui como meio de divulgação de pontos de vista de literatos e jornalistas e que, portanto,
reflete seus interesses particulares e seus vínculos sociais.

Este estudo percorre a produção de representações intelectuais sobre a história dos


festejos juninos na Europa e no Brasil, tendo em vista perceber as mudanças e permanências
nas práticas sociais que englobam elementos desse momento festivo. Discuto também a
presença e as formas de animação dessas festas nos diversos espaços de Belém, apresentadas
nas páginas de jornais e revistas da cidade. Nelas, ficção e realidade misturavam-se nas
descrições presentes nas fontes consultadas sobre as festas juninas, que permitiam aos leitores
encontrar, ao longo dos textos, os interesses de quem o produz e para quem se produz. Busco,
com isso, analisá-las não como um retrato fiel da realidade e sim como um documento
complexo, resultado de interesses e escolhas por parte de quem a promove e da influência do
contexto político, econômico e social no qual a festa está inserida.

13
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados, v. 11, n. 5, 1991. p. 181.
14
LACERDA, Franciane Gama. Imprensa e Poesia de Cordel no Pará nas primeiras décadas do século XX.
ANPUH/SP-USP. São Paulo, set. de 2008. Cd-Rom, p. 11.
18

Além disso, a cidade de Belém do Pará é apresentada a partir de sua espacialização


festiva, considerando-se as mudanças urbanas e suas relações com as festas no subúrbio e no
centro da cidade. Por tanto, foram colocadas em foco as múltiplas manifestações populares
desenvolvidas nas ruas e nos espaços dançantes espalhados ao longo da urbe, tais como
praças, bosques, escolas e clubes desportivos, entendidos como “espaço[s] intermediário[s]
entre o público e o privado, entre o[s] espaço[s] vivido[s] e imaginado[s], (...) onde se
sobrepõem saberes e práticas rurais e urbanas”15.

Diante de uma vastidão de tipos de fontes históricas, está presente também a literatura,
vista, desde a segunda metade do século XX, como documento importante para a
compreensão da sociedade do passado. Nesse sentido, as contendas acerca das representações
literárias sobre os festejos juninos de Belém do Pará, no período em questão, também
ganharam as páginas dessa dissertação. Por isso, desenvolvo aqui uma breve discussão sobre
os estudos de folclore no século XX e o reflexo dessa área do conhecimento nos escritos de
intelectuais. Além disso, textos sobre os festejos juninos, de literatos que escreviam nas
páginas das gazetas que circulavam em Belém, também foram analisados, tendo em vista
perceber a relação do discurso desses sujeitos com o modo de festejar praticado na capital do
estado do Pará nos anos de 1950.

“Chegou junho barulhento, cheio de novidades e foguetinhos”16, aproveite-o!

15
RODRIGUES, Carmem Izabel. Vem do bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em
espaços urbanos. Belém: Editora do NAEA, 2008. p. 19.
16
Mês das fogueiras. Jornal A Província do Pará, 02 de junho de 1951.
19

CAPÍTULO I

A FESTA EM QUESTÃO
20

A FESTA EM QUESTÃO

1.1. DE FESTEJO EUROPEU À FESTIVIDADE


BRASILEIRA17.

No Brasil, o momento festivo conhecido como quadra junina tem como pontos altos
três grandes dias: 13, 24 e 29 de junho. Dias esses em que se comemora Santo Antônio, São
João e São Pedro, respectivamente. Em diversas localidades do país, essa festa ganha espaço
durante quase todo o mês de junho e é vivida a base de intensa música, bebida e comidas
típicas da época, muitas das quais são derivadas do milho e da mandioca. Para Luciana
Chianca, essa festividade é, de maneira geral, vista como “três partes de um mesmo ciclo”,
que se encaixa dentro de um sistema de “fecundação, produção e reprodução humana”, tidos
como um conjunto de significados simbólicos que decorre do período em questão: o da
colheita18.
Essas festas, tendo raiz na cultura europeia, embalaram-se dentro da periodicidade da
produção agrícola, a qual induziu o homem a celebrar e congregar com seus iguais as épocas
de semeaduras e da colheita. Elas (as festas juninas) nasceram dos cultos voltados,
geralmente, a uma divindade protetora das plantações, sendo resignificadas com o advento do
cristianismo19.
Derivadas, no Brasil, dos costumes e tradições portuguesas, as festas juninas têm
origem na França, no século XII, onde buscavam celebrar o solístico de verão (dia mais longo
do ano, entre os dias 22 e 23 de junho), tido como véspera das colheitas. De acordo com Rita
de Cássia do Amaral “assim como outras festas de origens pagãs, essa celebração do solístico

17
Neste tópico, não pretendo me debruçar acerca da busca das origens dos festejos juninos para explicar o
objeto em questão, o que, talvez, para o historiador, seja um dos principais erros, pois, como observa Peter
Burke, tal atitude parece deixar de fora períodos históricos significativos para a copreensão desse festejo. Sobre
isso, o historiador francês Marc Bloch, em seu livro Apologia da História ou o Ofício do Historiador, indica que
o perigo da pesquisa histórica se encontra justamente nessa “obsessão das origens”, onde tudo se inclina para a
imensa importância dada às origens dos fatos. Diante disso, pretende-se nesse tópico, recuando um pouco aos
tempos antigos, compreender as mudanças e permanências culturais ligadas aos festejos populares, nesse caso,
aos festejos juninos, processados, reinventados e re-significados ao decorrer dos tempos, tendo em vista que “o
conhecimento de seus primórdios não basta para explicá-los”. Sobre isso, consultar BURKE, Peter. Abordagens
Indiretas da Cultura Popular. In: BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia
das Letras, 2010; BLOCH, Marc. O Ídolo das Origens. In: BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do
Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
18
Consultar: CHIANCA, Luciana. Para onde vai a festa? Festa Junina em Natal/RN. Vivência.
UFRN/CCHLA, Natal, v.13.1999.
19
DEL PRIORE, Mary. Festas e utopias no Brasil Colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000. p. 13.
21

ou das colheitas, como também ficou conhecida, foi ainda integrada às comemorações cristãs,
sendo apresentado ao novo mundo através de um caráter de devoção religiosa”20.

Ao integrar, após o surgimento do cristianismo, tais comemorações ao calendário


cristão, a Igreja Católica buscou, na Europa, dar novos significados às práticas pagãs, as
quais, muitas, estavam ligadas ao fogo, que em um primeiro momento para a igreja,
representava a destruição e perdição de grandiosas obras divinas, “sem falar que as festas do
fogo eram consideradas excessivamente licenciosas, inclusive no sentido da liberação sexual”.
No entanto, em um segundo momento, com a ressignificação dos símbolos pagãos, pela
igreja, os fogos, representados até os dias de hoje pela fogueira, durante os festejos juninos,
“passaram a ser admitidos como ‘fogos eclesiásticos’”, tornando a fogueira sinônimo de
purificação, o que mais tarde terá uma intensa ligação com as questões inquisitoriais21, pois “o
fogo que arde também purifica”.22

Os fogos eram perseguidos localmente por monges e bispos obstinados em


acabar com todos os ritos pré-cristãos. Somente no Concílio de Trento
(1545-1563) a Igreja encontrou uma solução: as fogueiras de solstício
passaram a ser admitidas como “fogos eclesiásticos”. Para isso, foram
banidos todos os sentidos que a Igreja Católica chamava de “supertições”. A
fogueira, agora, era sinônimo de purificação – qualidade que a transformou
em símbolo das execuções da Inquisição23.

No texto publicado no jornal A Província do Pará, Maria Brígido aponta que, desde
tempos imemoriais, o culto ao fogo e ao sol era realizado pelos homens, aos quais esses
praticavam com grande reverência e tinham desmedido respeito a esses elementos. Essa
autora indica ainda que dentro das festas juninas, o dia 24 de junho ganha destaque por ser
visto, em algumas localidades do Brasil, como a “data cultural do fogo, adaptada ao culto
cristão daquele santo” [São João] e, por esse motivo, “festejada à sociedade pela ingênua e

20
AMARAL, Rita de Cássia. Festa à Brasileira: significado de festejar, no país que “não é sério”. 1998. Tese
(Doutorado em Antropologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998. p. 159.
21
CHIANCA, Luciana. Chama que não se apaga. Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 4, n. 45, jun.
2009. p. 20-21.
22
CHIANCA, Luciana. São João: a mais brasileira das festas. In: COLÓQUIO FESTAS E SOCIABILIDADES,
2., 2008, Natal. Anais... Natal: UFRN, 2008. Disponível em:
<https://anaiscoloquiofestas2.files.wordpress.com/2011/08/ii-colc3b3quio-festas-e-sociabilidades-anais-
completo_lt.pdf>. Acesso em: 1 jul. 2014. p. 142.
23
CHIANCA, Luciana. CHIANCA, Luciana. Chama que não se apaga, op. cit., p. 20.
22

espontânea piedade do povo”, pelo qual “são reconhecidas as fórmulas mágicas e pagãs”
utilizadas desde antigamente24.
Peter Burke observa, sobre a presença e a força da Igreja Católica na Europa que essa,
há muito tempo, tinha o poder de converter a cultura europeia num conjunto unitário – onde
as mesmas festas eram vividas por toda aquela região, assim como os mesmos santos tinham
de ser venerados em todos os cantos do continente25 -, “disciplinando” e controlando a
população, de modo a reforçar os laços de obediência dos indivíduos para com a Igreja.
Chegando ao país por meio dos portugueses, imbricados aos costumes franceses, as
festas juninas mantinham uma relação, a princípio, muita próxima com a Igreja Católica. No
entanto, aos poucos, esses festejos distanciaram-se da religião tida como oficial na época,
“dando novo vigor às celebrações urbanas” brasileiras, como bem aponta Chianca, “de origem
europeia, a festa junina recuperou no Brasil a sua expressão de festa laica e popular, mesmo
com a influência da Igreja Católica desde sua colonização no século XVI”26.
Sobre esses festejos, Lorenzo Aldé assim o apresenta:

é divertido ver como a festa popular subverte e reinventa seus símbolos


religiosos. Nada mais justo do que essa constante volta às origens, uma vez
que foi a Igreja, na Idade Média, o que inventou de se apropriar de ritos pré-
cristãos, moldando-os de acordo com seus dogmas. Por mais que tenha santo
até no nome e inúmeras referências religiosas – capelinha, compadrio,
casamento, padre, bandeira –, não tem jeito: o São João é do povo27.

Os festejos juninos são, talvez, as manifestações culturais que mais tenham se


transfigurado ao longo do tempo e ganhado formas diferentes em localidades diversas,
chegando a ser considerados, pelo pesquisador e antropólogo Roger Bastide, como “a mais
brasileira das festas”28.
Para Hobsbawm, “a invenção das tradições é essencialmente um processo de
formalização e ritualização, caracterizado por referir-se ao passado, mesmo que apenas pela
imposição da repetição”, na qual se buscou conservar os costumes do que aconteceu tempos
atrás a partir de uma nova condição ou “usar velhos modelos para novos fins”. Nesse sentido,

24
FOLCLORE – Da Comissão Paraense de Folclore. O culto do fogo – das festas solsticiais à de S. João. A
Província do Pará. 28 e 29 de junho de 1992.
25
BURKE, Peter, op. cit., p. 89.
26
CHIANCA, Luciana. Devoção e diversão: expressões contemporâneas de festas e santos católicos. Revista
Anthropológicas, ano 11, v. 18, n. 2, p. 49-74, 2007. p. 49.
27
ALDÉ, Lorenzo. Isto é São João? Banho de rio, dança indígena, culto a Xangô. A festa se reinventa na
diversidade brasileira. Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 4, n. 45, jun. 2009. p. 30.
28
Sobre isso, ver: CHIANCA, Luciana. Chama que não se apaga, op. cit., p. 18-23.
23

as práticas antigas, sejam quais foram, tiveram, mesmo que minimamente, alterações,
procurando atender aos propósitos individuais ou coletivos29.
Portanto, aproximar as festas religiosas ao cotidiano dos indivíduos reforça a
diminuição do aspecto religioso nela inserida e passa a dar ênfase ao lúdico, a diversão, ao
exagero; “aumentando a expectativa, aumentando também a frustração; daí o risco de tornar-
se manifestação folclórica sem um sentido religioso propriamente dito”30. Nelas, os brincantes
apresentam diversos aspectos de um universo cultural a partir das suas práticas, dos símbolos
presentes no meio social em que vivem e dos ritos vividos por eles em seus espaços sociais,
muitas vezes criticando as hierarquias dominantes, bem como as cerimônias oficiais
organizadas pela Igreja e pelo Estado31.
Diante disso, Mary Del Priore observa que os esforços em atrair a população para os
momentos festivos, no século XVIII, não eram poupados. Toda organização era preparada
dentro dos dois planos – religioso e profano – talvez, tentando demarcar seus espaços no
âmbito social no qual a festa estava sendo realizada32.
Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, vários hábitos festivos atrelaram e
desenvolveram-se em terras brasileiras, contribuindo ainda mais com as celebrações urbanas,
fossem elas de caráter religioso ou profano. A presença das músicas e danças desenvolvidas
nos salões reais de Portugal foram adaptadas e apresentadas nos espaços de diversão da, até
então, colônia portuguesa, como, por exemplo, a quadrilha, que de origem nobre foi
reinventada e popularizada, marcando as festas juninas de diversas localidades do país,
presente até os dias atuais e, também, vista por muitos como o símbolo principal desse
momento festivo33.
Percebe-se que as festas, fossem elas juninas ou não, traziam normalmente, em seu
seio, uma mistura de ritmos e ritos populares e religiosos, havendo ainda “misturas de estilos,
sons e partituras [além das misturas dos] corpos”34. Logo, essas festas, como observa Del
Priore, sustentavam a farsa, a fantasia e o divertimento de muitos, havendo uma intensa troca

29
Consultar HOBSBAWM, Eric. Introdução: a invenção das tradições In: HOBSBAWM, E.; RANGER, T.
(Org.), A Invenção das Tradições. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
30
LOPES JÚNIOR, Orivaldo Pimentel. Festa e religiosidade. Vivência. UFRN/CCHLA, Natal, v.13. 1999. p.
38.
31
Ver: PETRUSKI, Maria Regina. Julho Chegou... E a Festa Também: Sant’Ana e suas comemorações na
cidade de Ponta Grossa (1930-1961). Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2008.
32
DEL PRIORE, Mary, op. cit., p. 31.
33
Sobre isso, Cf., CHIANCA, Luciana. Quando o campo está na cidade: migração, identidade e festa. Revista
Sociedade e Cultura. UFG, Goiás, v. 10. Jan/Jun, 2007. p. 45-59.
34
DEL PRIORE, Mary, op. cit., p. 18.
24

cultural entre a elite e o povo, desencadeando o que Mikhail Bakhtin aponta como
“circularidade cultural”35.
Portanto, a festa servia como espaços comuns de trocas36, momentos especiais, os
quais podiam fugir do cotidiano e celebrar intensamente a alegria. Ou seja, tais rituais festivos
podem ser entendidos como “uma válvula de escape para as tensões e conflitos existentes em
todas as sociedades, o que não significa exatamente que eles funcionem como fórmulas de
subversão social.”37.
De acordo com Rossini Tavares de Lima38, assim como observa Luciana Chianca, as
festas juninas são vistas também como uma festa familiar, não no sentido dado às
comemorações natalinas, restritas a parentes, mas sim uma festa que, de uma forma ou de
outra, se estende aos amigos e vizinhos.

Dentro dessa tradição, o São João, entre nós, é particularmente a festa do lar,
da casa, da família. É a ocasião propicia para a reunião dos parentes e
amigos mais chegados e nesse aspecto possui uma função sexual bem
definida. Como na Europa, constitui momento favorável para as môças
casadouras realizarem seus objetivos. Nêle se observam indisfarçáveis traços
da ação conjunta dos mais velhos para sugerir namoros, o encontro dos dois
sexos com finalidades matrimoniais. O chefe da casa quer preservar a
família, promovendo casamentos no círculo de amizades, com o fim de
garantir a coesão e o status social.39

As festas, desde o período colonial, passaram a ser momentos em que, por de trás,
estavam às múltiplas trocas de olhares, às funções políticas, sociais e religiosas;
transformando-se no que Del Priore apresenta como uma verdadeira “ponte simbólica entre o

35
Cf., BAKTHIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François
Rabelais. São Paulo: HUCITEC; [Brasília]: Editora da Universidade de Brasília, 1987.
36
Cf., DEL PRIORE, Mary, op. cit., p. 12-13.
37
SILVA, Maria Manuela Ramos de Souza, op. cit., p.40.
38
Folclorista renomeado entre os demais da época, Rossini Tavares de Lima, também historiador, foi fundador e
diretor da revista do Folclore, na qual apresentou pesquisa acerca das manifestações culturais paulistas e
nacional. Nesse sentido, incentivou e divulgou as artes populares e de origem em diversos espaços midiáticos
(livros, revistas e jornais), principalmente a partir da segunda metade do século XX, participando também, no
final da primeira metade do século passado, da criação do Centro de Pesquisa Folclórica Mário de Andrade. No
Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, foi professor de Folclore Nacional e História da Música,
tendo, nessa última cadeira, ganhado significativo destaque. Sobre isso, consultar: REIS, Cláudia Vendramini.
Pavilhão das culturas brasileiras: o usos social do acervo Rossini Tavares de Lima. 2014. Trabalho de
Conclusão de Curso de Pós-graduação em Gestão de Projetos Culturais e Organização de Eventos. CELACC/
ECA – USP.; Enciclopédia da Música Brasileira - Art Editora e Publifolha - 2a. Edição – 1998. Disponível
em: http://jlnogueira.no.comunidades.net/rossini-tavares-de-lima. Consultado em 31 de agosto de 2015.
39
LIMA, Rossini Tavares de. Alguns Complexos Culturais das Festas Joaninas. Revista Brasileira de Folclore.
Nº. 1 (9). Set/Dez, 1961. p. 18.
25

mundo profano e o mundo sagrado”, confirmando a ideia de que os territórios de ambos não
estavam totalmente estabelecidos40.
Debruçando-se, por muito tempo, nos estudos a cerca do ritual e das festas, o
pesquisador e sociólogo Émile Durkheim em seu livro, considerado clássico por muitos
pesquisadores das humanidades, “As formas elementares da vida religiosa”, aponta, segundo
Rita de Cássia do Amaral, que “os limites que separam os ritos representativos das recreações
coletivas são “flutuantes” e ainda afirma que uma característica de toda religião é exatamente
o “elemento recreativo e estético””41, “é que, além dos santos, há a solidariedade social,
garantia do contrato que nos liga uns aos outros”42 e os ritos, qualquer que sejam eles,
“traduzem alguma necessidade humana, algum aspecto da vida, seja individual, seja
social.”43.
Portanto, os festejos populares e os rituais, como acentua o pesquisador Antonio
Maurício Costa, são “períodos e eventos que suscitam a aproximação entre os indivíduos e
que colocam as relações sociais em estado de efervescência”44, ultrapassando a vida social
estabelecida, “purificando” e “renovando” a sociedade na qual a festa está inserida.
É importante esclarecer que o que está sendo apontado no tópico em questão são
representações intelectuais sobre os festejos juninos europeus e sua ressignificação em terras
brasileiras, sendo esses apontamentos tomados, por outros intelectuais, brincantes e festeiros,
como legitimidade social e cultural das festas juninas em diversos espaços do país.
Essas narrativas são tomadas, neste caso, como construção discursiva, já que os
intelectuais, além de serem críticos, eram também participantes ativos das festas juninas,
contribuindo para o processo de desenvolvimento e consolidação da festividade. Além disso,
tais discursos podem também, como aponta Chartier45, serem vistos como estratégias e
práticas com tendências a legitimar escolhas, o que pode ser observado também ao longo do
texto.

40
Cf., DEL PRIORE, Mary, op. cit., p. 27.
41
DURKHEIM, Émile. Les formes elementaires de la vie religieuse. 1968 apud AMARAL, Rita de Cássia, op.
cit., p. 25.
42
MÉRIOT, Christian. Festas, máscaras e sociedades. Vivência. UFRN/CCHLA, Natal, v.13.1999. p. 7.
43
DURKHEIME, ÉMILE. Sociologia. In: RODRIGUES, José Albertino (Org.). Coleção Grandes Cientistas
Sociais. 3.ed. São Paulo: Ática, 1984, p. 148.
44
COSTA, Antonio Maurício. Festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará. Belém: EDUEPA, 2009.
p. 70-71.
45
CHARTIER, Roger, op. cit., p. 173-191.
26

1.2 FESTA JUNINA E IMPRENSA EM BELÉM DO PARÁ


NO SÉCULO XX.

Dois de junho de 1951. O jornal A Província do Pará traz estampada na coluna


“VIDA SOCIAL”, na página 5, a seguinte manchete: “Mês das fogueiras”. O artigo ali
apresentado era um alerta à sociedade que o “junho barulhento, cheio de novidades e
foguetinhos” havia chegado. Iniciava-se, mais uma vez, os festejos da “ruidosa quadra
joanina” alimentando a alegria dos brincantes e “dando vida e encanto” aos bairros do
subúrbio e centrais da capital paraense.

Nas noites dos santos festejados em junho46, em diversas localidades de Belém do


Pará, os dizeres “Santo Antônio disse... São João confirmou... Que Jesus Cristo mandou...
Que você será minha noiva”, ecoavam diversas vezes por sobre as fogueiras construídas,
quase sempre, de “tabuas velhas, galhos de mangueiras e até pedaços de estacas, furtadas
certamente dos quintais vizinhos pela garotada levada da bréca...”47.

Isso também pode ser observado no livro “Histórias do meu suburbio: chronicas
humorísticas” de Lindolpho Mesquita, também conhecido como Zé Vicente. Nesse livro, o
autor busca, de forma cômica, apresentar ao leitor um pouco das histórias vivenciadas ou
ouvidas pelo mesmo nos subúrbios da capital paraense, no final da primeira década do século
XX.

Sobre as práticas populares, no entorno da fogueira, durante a quadra junina, Zé


Vicente narra um dos principais momentos vividos, principalmente, pelos jovens do subúrbio
belenense: o pular da fogueira. Com o título de “Passando Fogueira”, o autor descreve, quiçá,
o início de um relacionamento entre um casal de jovens de um bairro pobre de Belém,
relacionamento esse que, aparentemente, não seria bem visto pela mãe da moça e que,
provavelmente, terminaria no matrimônio dos enamorados no cartório e na igreja.

Quando a fogueira estava mais baixa, a Nonóca convidou:


- Vamo agora passá de primo?
O Belmiro deixou o chapéo na cadeira, repuxou mais os cós das calças,
apertou o cinturão noutro buraco, e sahiu para o meio da rua.
46
São muitos os santos festejados durante o mês de junho, no Brasil. No entanto, entre eles, destacam-se, diante
do prestigio que desfrutam entre os brasileiros e da grandiosa veneração desses indivíduos para com esses santos
que constitui uma bela tradição da nossa gente, três: Santo Antonio, São João e São Pedro.
47
Fogueiras e Balões. A Província do Pará. 13 de junho de 1957, p.6.
27

A meninada corria de um lado para o outro, atirando brazas para cima, numa
gritaria ensurdecedora.
Ahi o Belmiro virou-se para o lado da Nonóca, a vêr se a mãe desta estava
observando, e declarou:
- Eu num quero passá de primo.
- De qui é, então, qui tu qués?
- Eu quero passá de marido.
A Nonóca ficou vermelha e observou:
- Mas eu nunca vi se passá fogueira de marido e muié. Eu tenho visto de
primo, cumpadre e de mano...
- Isso era antigamente. Agora a gente já tem mais liberdade.
A pequena passou para o outro lado, a mão presa na do Belmiro:
- São João disse e São Pedro confirmou que nós haverá...
Ficou com vergonha de dizer o resto, mas o Belmiro completou;
- Que nós haverá de se casado, que Santo Antônio mandou.
Ao terminar, elle beijou a mão da Nonóca e murmurou:
- Boa noite, minha esposa...
E ella respondeu:
- Boa noite, meu marido.
O Belmiro ficou radiante com aquillo, o coração palpitante mesmo, tanto que
não resistiu e puxou a Nonóca, dando-lhe um beijo nos olhos ardentes de
fumaça.
Foi nesse momento exacto que a mãe da pequena surgiu na porta, dando de
cara com aquelle lindo postal joannino.
A Nonóca não poude se justificar sem confessar:
- Nós... nós... passemos fogueira de marido com muié, mamãe.
A velha agarrou o Belmiro pelo braço e ameaçou:
- Pois, então àgora você vae vê que qualidade de sogra foi arranjá.
E concluiu:
- Esta noite você casou na fogueira, mas amanhã tem que casá no civir e no
catholico, pruquê eu num quero vê adispois os meus netos prijudicado por
falta dos papeos que a lei inzige48.

Dentro das representações e construções estabelecidas a partir dos parâmetros


intelectuais presentes na imprensa, esse era o encanto do mês que invadia as páginas dos
jornais, livros e revistas que circulavam na cidade, bem como, diversos espaços dançantes de
Belém, que afloravam os desejos das moças e rapazes que praticavam, com veemência, as
superstições49 e crendices em busca de sorte, quase sempre, no amor. Mês dos banhos

48
MESQUITA, Lindolfo (Zé Vicente). Passando fogueira. In: MESQUITA, Lindolfo (Zé Vicente). Historias do
meu suburbio: chronicas humoristicas. Ofs. grafs. da Revista da Veterinária. Belém – Pará. 1941. p. 27-28.
49
Encontrada em todos os segmentos da sociedade (pobres, ricos, moços, velhos, homens e mulheres), é tudo
aquilo que o ser humano, sem fundamentos científicos, acredita apenas por medo. Segundo Renato Almeida, as
supertições têm origem no irracionalismo mágico, onde “é curioso verificar que a maioria das pessoas é
absolutamente escravas de seus temores, de coisas ou seres que lhe podem dar sorte ou azar, que lhe fazem bem
ou mal”. Esse autor define as supertições em três grupos/ordens: palavras, pensamentos e atos. Sobre isso, ver:
ALMEIDA, Renato. Manual e Coleta Folclórica. Rio de Janeiro. 1965. apud GRINBERG, Isaac. Folclore de
Mogi das Cruzes. LIS – Gráfica e Editora LTDA. São Paulo. 1981. p. 65.
28

cheirosos feitos das cascas e raízes encontradas no âmago da Amazônia, dos trajes caipiras 50,
dos “casamentos na roça”, dos bailes embalados pelos jazzes orquestras, pelos conjuntos de
Pau e Corda e pelos sonoros; dos bumbás que embelezavam as praças, bosques, terreiros 51 e
clubes em busca do título de melhor do ano, o “mês da felicidade”, cheio de utopias, de sons,
sabores, danças e cores.

Esses festejos ganhavam as páginas dos jornais e das revistas da cidade52 nos últimos
dias do mês de maio, quando se verificava espaço para as propagandas de vendas de tecidos
característicos de trajes juninos, de bebidas, de discos com músicas “próprias” para o
momento festivo e de fogos de artifício, o que era intensificado durante todo o mês de junho.

Desde pelo menos as primeiras décadas do século XX, os jornais e revistas que
circulavam em Belém do Pará preocupavam-se em trazer em suas páginas “cenas” do dia a
dia da capital paraense. Entre um número significativo de jornais e revistas locais, A Revista
Belém Nova, dirigida pelo poeta paraense Bruno de Menezes e que teve diversas
contribuições da intelectualidade local e nacional e, talvez, a mais popular que circulou na
cidade durante os anos de 1923 a 1929, que em sua configuração parecia romper com o que
até então já havia sido visto no campo das artes paraenses, pois revelava através da fotografia,
das propagandas, da crônica, do cinema, da pintura, do teatro e da poesia, os acontecimentos
do cotidiano brasileiro53.

Sobre o que foi apontado, Maria de Lourdes Eleutério observa que:

Nesse período de transformação, a imprensa conheceu múltiplos processos


de inovação tecnológica que permitiram o uso de ilustração diversificada –
charge, caricatura, fotografia –, assim como aumento das tiragens, melhor
qualidade de impressão, menor custo do impresso, propiciando o ensaio da
comunicação de massa. (...) Foram tempos de expansão da grande imprensa,

50
Vestimentas inspiradas nos trajes de homens e mulheres que vivem no campo, os quais são confeccionados,
principalmente, com tecidos de chitas, cujos preços são inferiores aos demais tecidos.
51
Os terreiros juninos eram arraiais organizados principalmente em espaços públicos como ruas e avenidas ou
em terrenos abandonados encontrados ao longo da cidade, geralmente em trechos do subúrbio da capital
paraense. Segundo Antonio Maurício Dias da Costa, o termo terreiro aparentemente estava relacionado aos
espaços de apresentação de grupos juninos chamados de boi bumbá, o que muito se assemelhava aqueles
conhecidos como cordões de pássaros e de bichos, os quais passaram a se apresentar em “currais” (espaços fixos
e cercados) que poderiam se encontrados em diversos bairros de Belém, após a proibição de circulação desses
grupos pela cidade a partir de 1922. Sobre isso, consultar: COSTA, Antonio Maurício Dias da. Espacialização
Festiva em Disputa: estado, imprensa e festeiros em torno dos terreiros juninos de Belém nos anos de 1970.
Interseções (UERJ), v. 14, p. 304-333, 2011.
52
Os periódicos da década de 1950 consultados para a pesquisa em questão foram: O Liberal, A Província do
Pará, A Folha do Norte, O Estado do Pará, A Folha vespertina e a Revista Amazônia.
53
Sobre isso, ver: FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Eternos Modernos: uma história social da arte e da
literatura na Amazônia (1908-1929). 2001. Tese de doutorado. São Paulo: UNICAMP. 2001.
29

com impressos de vários matizes políticos, muitos de expressão


reivindicatória, periodicidade variada, segmentação enriquecida e
pluralidade temática, sobre tudo nos cenários urbanos que se
modernizavam54.

Ao longo dos anos, os magazines e os jornais comercializados em Belém do Pará,


intensificaram-se, mudando, consideravelmente, sua forma. De acordo com Leonardo Affonso
Pereira, desde o final do século XIX, o jornalismo, principalmente nas cidades do Rio de
Janeiro e São Paulo, passa a ser “um poderoso e eficaz meio de comunicação de certa parcela
da sociedade” e quase sempre era composto por jornalistas, políticos e literatos, que ao
escreverem nas páginas dos periódicos, deveriam obedecer aos códigos particulares a eles
impostos, por exemplo, apresentar “um texto leve e um texto acessível: era preciso ainda
trazer, nas folhas, aqueles temas de interesse do maior número de seus possíveis
compradores”, tendo em vista tratar de assuntos que eram de importância dos consumidores e
“fora do mundo das letras”, como as festas da Penha, os jogos e o carnaval, convertidos em
grandes temas jornalísticos e literários55.
Segundo Valéria Guimarães, esses fatos diversos, tratados pela imprensa nacional no
século XX, eram comuns nas páginas de jornais e revistas que circulavam, desde pelo menos
meados do século XIX, na Europa e nos Estados Unidos. Para ela, uma das principais
características da imprensa brasileira, principalmente aquela situada no eixo Rio de Janeiro e
São Paulo, ao tratar dos acontecimentos do dia a dia, em forma de crônicas, era “o recurso da
ficção para tornar a notícia a um só tempo mais interessante ao leitor”56.
Se na primeira metade do século XIX a imprensa nacional “permanecia com um
formato preferencial de uma imprensa significativamente voltada para as causas políticas e
em menor escala para as manifestações literárias”57, no final desse mesmo século e inicio do
século XX anuncia-se outra tendência na escrita dos periódicos, ou seja, há uma
diversificação de temas em que “a política mantinha seu espaço, mas o crescimento urbano
propiciava o ímpeto de se reportar novos focos de notícias”58, noticias essas que ganharam

54
ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Imprensa a serviço do progresso. In: MARTINS, Ana Luiza & LUCA, Tania
Regina de (Orgs.). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. p. 83.
55
PEREIRA, Leonardo. Sobre confetes, chuteiras e cadáveres: a massificação cultural no Rio de Janeiro de Lima
Barreto. Projeto História, São Paulo, v. 14, p. 231-241, fev. 1997.
56
GUIMARÃES, Valéria. Os dramas da cidade nos jornais de São Paulo na passagem para o século XX. Rev.
Bras. Hist. vol.27. n. 53. São Paulo. Jan./Jun, 2007.
57
MARTINS, Ana Luiza. Imprensa em Tempos de Império. In: MARTINS, Ana Luiza & LUCA, Tania Regina
de (Orgs.). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. p. 45.
58
ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Imprensa a serviço do progresso. In: MARTINS, Ana Luiza & LUCA, Tania
Regina de (Orgs.). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. p. 83.
30

espaços e continuaram até, pelo menos, a segunda década do século XX satisfazendo, ou não,
os leitores.
Em Belém do Pará, nos anos de 1950, a prática apresentada acima, por Leonardo
Pereira e Valéria Guimarães, intensificou-se. Os jornais e revistas produzidos na capital como,
por exemplo, a Revista Amazônia e os jornais O Liberal, Folha do Norte, A Província do
Pará, Folha Vespertina e O Estado do Pará, entre outros, traziam em suas páginas a
“fórmula” do texto “claro e acessível”, bastante difundida no Brasil na virada do século XIX
para o XX.
Nesse período, em âmbito nacional, percebe-se um redimensionamento na imprensa,
isto porque contava com a consolidação do rádio nos lares brasileiros e com a introdução da
televisão como novo meio de comunicação, fatores estes que, de maneira relevante, surtiram
efeitos particulares na forma como os jornais e revistas se estruturavam59. Novos elementos
foram incorporados ao corpo noticiário trazidos no dia a dia ao povo paraense como, por
exemplo, anúncios de vendas de rádios portáteis nacionais e estrangeiros, programação dos
eventos realizados por emissoras de rádios, propagandas de vendas de discos, colunas diárias
religiosas, notícias de outras partes do Brasil e do mundo, além, claro, da intensificação dos
anúncios de bailes dançantes realizados nos clubes recreativos situados na capital paraense 60,
o que “assinala a importância atribuída pela opinião pública aos lazeres públicos e de
massa”61.
Os periódicos que circulavam em Belém, nesse período, diferenciavam-se
significativamente daqueles do inicio do século XX. Bem distantes, estes não buscavam
somente abordar temas políticos, literários e noticiosos, que ocupavam, na maioria dos casos,
números de páginas menores do que estamos acostumados ver. Abordavam também cenas do
cotidiano da cidade como, por exemplo, as festas, os jogos esportivos, atividades escolares e
religiosas. Sobre esse processo de mudança na imprensa, Antonio Maurício Costa observa
que:

59
Sobre a questão, Cf., CALABRE, Lia, op. cit., e MARTINS, Ana L.;LUCA, Tania R., (org.). História da
Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.
60
Deixo claro que essas publicações relacionadas a eventos culturais realizados na cidade faziam parte, desde
pelo menos o início do século XX, das páginas dos periódicos do estado, no entanto, a partir do final da primeira
metade desse século essas propagandas se intensificaram, ganhando um espaço maior dentro da imprensa local.
61
COSTA, Antonio Maurício; GOMES, Elielton. A “quadra joanina” na imprensa, nos clubes e nos terreiros da
Belém nos anos de 1950: “tradição interiorana” e espaço urbano. Cadernos de Pesquisa do CDHIS,
Uberlândia, v.24, n.1, p. 195-214, jan./jun. 2011. p. 197.
31

O período entre 1945 e o final da década de 1950 é conhecido nos estudos de


história dos meios de comunicação no Brasil como a “Era do Rádio”. Em
linhas gerais, esse rótulo se aplica a uma época de grande popularidade das
emissões radiofônicas, do crescimento vertiginoso do público ouvinte, do
sucesso das radionovelas, do lançamento de produtos inovadores de
consumo e do grande sucesso de cantores populares tornados ídolos de
massa. Tudo isso situado, aproximadamente, em um período entre duas
ditaduras, a do Estado Novo, encerrada em 1945, e a do Regime Militar,
iniciada em 196462.

Em meados do século XX, a imprensa local parece buscar alternativas para sobreviver
diante dos novos aparelhos de comunicação que surgiam no âmbito social brasileiro,
alternativas essas que pairam, em quase todos os casos, nas propagandas dos mais variados
produtos nacionais e estrangeiros, tendo a nova mídia – rádio e televisão – obtida espaços
significativos nas páginas dos jornais e revistas que circulavam na cidade. Nesse período, os
periódicos locais, – revistas e jornais de variedades – produziram registros significantes a
cerca do alcance e da repercussão da programação festiva de Belém, sendo tais registros
grandiosas pistas para a construção de conhecimento da festa junina do período.
Alguns jornais daquela época anunciavam, em suas páginas, os diversos festejos
populares realizados em Belém, principalmente aqueles que giravam em torno do carnaval,
festejos juninos e do Círio de Nazaré, apresentando ao leitor um pouco do cotidiano festivo da
cidade. No entanto, “muitos são os cuidados a serem adotados por historiadores que lidam
com fontes jornalísticas. Elas podem reportar uma versão dominante dos fatos do
cotidiano”63. Ou seja, como assinala Chartier, podem ser entremeados por discursos políticos
e por influências socioculturais, em que tais discursos tendem a impor uma autoridade e até
mesmo legitimar escolhas, pois segundo esse autor, as representações, nesse caso as
jornalísticas, “marcam de modo visível e perpétuo a existência do grupo, da comunidade ou
da classe”64.
Os festejos juninos realizados na cidade de Belém, através dos periódicos que
circulavam na capital paraense nos anos 50, buscavam trazer “à tona os eventos [e]
igualmente os significados que estes tiveram na vida da população”65 local, levando em
consideração que as matérias veiculadas pela imprensa não são aqui apropriadas como
fotografia do passado, mas como instrumentos que nos auxiliam na interpretação desse.

62
COSTA, Antonio Maurício Dias da. “A cor local”: rádio e artistas da música popular em Belém nas décadas
de 1940 e 1950. ArtCultura, Uberlândia, v. 14, n. 25, jul.-dez. 2012. p. 152.
63
COSTA, Antonio Maurício; GOMES, Elielton, op. cit., p. 197.
64
CHARTIER, Roger, op. cit., p. 173-191.
65
LACERDA, Franciane Gama. Imprensa e Poesia de Cordel no Pará nas primeiras décadas do século XX,
op. cit., p. 11.
32

Assim, vale lembrar que a imprensa é entendida aqui como meio de divulgação de pontos de
vista de literatos e jornalistas e que, portanto, refletem interesses particulares.
Desde muito tempo, o hábito de se festejar os chamados santos juninos ganhou
espaços significativos, principalmente, nas cidades. Em Belém do Pará, nos anos de 1950,
esses festejos, por um longo período, estavam atrelados tanto às questões religiosas –
“catolicismo oficial” e “catolicismo popular” – como as práticas festivas profanas, ligadas aos
divertimentos e, ao mesmo tempo, dialogando com as formas tradicionais e canônicas da
religiosidade cristã.
Nesse contexto de festa, geralmente, três santos são ovacionados e festejados ao longo
do mês de junho, no Brasil: Santo Antônio, no dia 13, São João, no dia 24, e São Pedro, no
dia 29. No entanto, em algumas localidades do país, em especial em Belém do Pará, outro
santo se junta aos citados anteriormente e completa, encerrando, as homenagens dessa quadra
festiva; falo de São Marçal66, celebrado no dia 30 de junho.
Sobre os festejos de santos realizados na capital paraense e em outras localidades do
estado do Pará, Carmem Izabel Rodrigues aponta que:

Herdeiras de tradições seculares que consagraram esses santos protetores na


capital e nas cidades do interior próximas a Belém, as festas atuais mantêm,
por um lado, diversos elementos das festas mais antigas, ao mesmo tempo
em que também se transformaram em outras festas, adaptadas à diversidade
própria da modernidade urbana presente na cidade de Belém.67

Nesse sentido, percebe-se que as festas juninas, em sua dimensão histórica e social,
são uma prática que apesar de trazer, nos anos de 1950, um contexto quase que totalmente
profanizado, dialoga, mesmo que de modo superficial, com o religioso, trazendo à tona a
“experiência cultural mutante, ligada às diversas esferas da vida social, cuja reprodução está
condicionada à multiplicidade de interesses de agentes internos e externos ao evento”.68

66
Também conhecido como São Marcial de Limoges, foi apóstolo de Aquitânia no século III e esteve entre os
setenta e dois discípulos de Cristo, assistiu ao milagre da multiplicação dos pães, a ressurreição de Lázaro e foi
quem segurou a tolha de Jesus, enquanto este lavava os pés, diante disso, e por numerosos milagres atribuídos a
ele, são Marçal ganhou notória popularidade, sendo imediatamente canonizado por Vox Populi no século VI.
Tendo como celebração o último dia do mês de junho (30), em Belém do Pará, era apresentado pela imprensa
dos anos 50, como aquele responsável por encerrar a quadra festiva do mês em questão, no qual eram
construídas fogueiras de paneiros e palhas em louvor ao santo homenageado. Disponível em:
http://evangelhoquotidiano.org/main.php?language=PT&module=saintfeast&id=12206&fd=0 . Acesso em: 14
out. 2015.
67
RODRIGUES, Carmem Izabel. Vem do bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em
espaços urbanos, op. cit., p. 224.
68
COSTA, Antonio Maurício. Festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará, op. cit., p. 76.
33

Portanto, as festas juninas, sejam na Amazônia, ou em outras localidades do Brasil e,


até mesmo, fora dele, estavam sujeitas às modificações ou reinvenções, pois, como aponta
Peter Burke, a cultura popular não era e nem é estática, muito menos, homogênea. Essa tinha
e ainda tem como principal característica a heterogeneidade, que é uma consequência direta
das relações sociais entre o campo e a cidade, o popular e o erudito69. Ou seja, “o povo não é
uma unidade culturalmente homogênea, mas está culturalmente estratificado de maneira
complexa”70, pois é impossível apontar onde começa uma esfera e onde termina outra.
Sobre os festejos populares realizados na Europa do século XVI, Peter Burke aponta a
participação dos principais indivíduos daquela região, tanto como brincantes ou como
organizadores das festas:

Não era apenas a nobreza que participava da cultura popular; o clero


também, particularmente no século XVI. [...] Não era absolutamente
incomum ver os padres a cantar, dançar ou usar máscaras nas igrejas em
ocasiões festivas, e eram os noviços que organizavam a festa dos Loucos,
grande festejo de algumas regiões da Europa.71

O que foi assinalado por Peter Burke, anteriormente, pode ser confirmado por Mikhail
Bakhtin72, quando esse se debruça na análise do processo de circularidade cultural no
contexto da obra do escritor Rabelais. Segundo esse autor, as múltiplas manifestações
culturais, as quais ele dividiu em três – ritos e espetáculos, cômicas verbais e gêneros do
vocabulário familiar e grosseiro – estão estreitamente interligadas e combinadas de diferentes
maneiras.
Em outras palavras, Bakhtin assinala que há uma espécie de enfraquecimento dos
muros que até então existiam entre a cultura vista como “não oficial” – cultura cômica – e
aquela ligada à literatura – cultura erudita – que representava o que Peter Burke chamou de
“cultura letrada”. Percebe-se que esses autores, ao tratar do processo circular da cultura,
referem-se às influências recíprocas estabelecidas entre a cultura do segmento dominante e
aquela do segmento subalterno, apontando a clara apropriação do popular pela cultura erudita
e vice e versa.
Portanto, pensar a cultura como algo homogêneo é esquecer e passar por cima de
elementos comuns aos grupos que dela desfrutam; elementos esses derivados do processo de

69
Sobre isso, ver: BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna, op. cit.
70
Ibidem. pp. 57.
71
Ibidem. pp. 54.
72
Cf., BAKHTIN, Mikhail, op. cit.
34

hibridização, traduções, trocas e reconstruções culturais, tornando todas as culturas envolvidas


entre si, pois “nenhuma delas é única e pura, todas são hibridas, heterogêneas”.73
Nesse sentido, Carmem Izabel Rodrigues aponta que os festejos populares realizados
na capital paraense, desde pelo menos o século XVII, são resultado do processo de
mestiçagem cultural entre os diversos grupos que formaram a sociedade brasileira. Segundo
essa autora, no Brasil, em especial na região amazônica, “o contexto colonial facilitou a fusão
de mitos e tradições europeias seculares ao universo cultural ameríndios e africanos,
produzindo seres e credos híbridos”.74
No entanto, não devemos analisar esse processo de hibridização como algo que se deu
de forma pacífica, pois “enquanto o sincretismo religioso se intensificava na razão direta do
processo de colonização, a população mestiça era alvo de perseguições, acusada de práticas
profanas e demoníacas”75, práticas essas muitas vezes associadas aos momentos festivos e de
lazer desses grupos.
Na capital paraense, as festas juninas, assim como outros eventos festivos, eram
realizadas em diversos ambientes de sociabilidade, que iam desde praças públicas a
instituições educacionais espalhadas ao longo da cidade, ocupando diferentes espaços,
“embora as ruas e as calçadas fossem também o lócus da sociabilidade festiva”76. Para
compor esse momento de diversão, eram contratados grupos musicais (os jazzes orquestras e
grupos de pau e corda), aparelhos sonoros de grande fama na cidade e eram, também,
realizados amostras de boi bumbá e cordões de pássaros e bichos durante todo o mês de
junho, alcançando a alegria dos moradores da cidade, como veremos a seguir.

1.3. A ANIMAÇÃO DOS DIAS FESTIVOS

1.3.1 ENTRE CURRAIS, PRAÇAS, TEATRO, RUAS E


CLUBES.

Os dois combinaram ir assistir ao ensaio do “Boi Farofeiro”, cujo arraial


estava fervilhante.
Mamãe, a sinhora deixa eu ir cum o Lixandre vê a cumedia do “boio”?

73
BURKE, Peter. Hibridismo cultural. São Leopoldo: Editora da Unisinos, 2003. p. 53.
74
RODRIGUES, Carmem Izabel. Festividades Mestiças na Amazônia. História Revista, Goiânia, v. 14, n. 1, p.
235-259, jan.-jun. 2009. p. 236.
75
Ibidem. p. 236-237.
76
CHIANCA, Luciana. A Festa do Interior: são João, migração e nostalgia em Natal no século XX. Natal, RN:
EDUFRN, 2006. p. 17.
35

Era só o qui fartava... Eu num te quero mettida pulos curráo desses bichos,
não.
- Mas mamãe, lá é tudo direito e tem orde, ninguém se mistura cum gente
ordinara.
- Eu posso deixá tu i, mas eu tombem vou.
-Mas pru favo a sinhora, condo dé nove hora, não se ponha cum o aperreio
de vamo imbora, vamo imbora...
- Tá bão, já chega! Pulo que vejo tú já qué me gunverná, mas quem me
mandava já morreu!
A’ noite o Alexandre sahiu com a Enedina e mais a mãe desta para o arraial
do <Boi Farofeiro>. 77

Uma das expressões populares mais significativas em Belém do Pará, durante os


festejos juninos, desde pelo menos as primeiras décadas do século passado, é o boi-bumbá e
os cordões de pássaros e bichos. Essa manifestação popular reúne, em torno de si, valores
culturais distintos, “revestida de representações peculiares na expressão e no enredo, que se
moldam à realidade de cada região onde acontece”78.
Sobre o teatro popular conhecido como Boi bumbá, no estado do Pará, esse busca
encenar a história cômica da morte do boi, para satisfazer os desejos de Mãe Catirina de
comer algumas partes do animal, durante sua gravidez. Pai Francisco (Nêgo Chico), esposo de
Mãe Catirina, buscando satisfazer o desejo de sua mulher, mata o boi, sendo, em seguida,
descoberto pelo dono do mesmo. Uma busca a Pai Francisco se dá freneticamente pelos
homens do fazendeiro e por alguns indígenas que conheciam a região, os quais rapidamente
encontram Nêgo Chico e logo o levam para a fazenda onde o assassino do boi sofre terríveis
castigos físicos.
A partir de então, desenrola-se a tarefa árdua da ressurreição do boi, onde, em um
primeiro momento, Pai Francisco busca auxílio aos doutores da região, não encontrando
nenhum êxito. Desesperado, Nêgo Chico apela ajuda a um pajé, que, com muito sacrifício,
consegue ressuscitar o boi. O momento da ressurreição do animal é comemorado com intensa
alegria, muita música e dança, em torno do animalesco, por todos que ali se encontravam,
principalmente por Pai Francisco que nesse momento se encontrava livre de suas punições79.

77
MESQUITA, Lindolfo (Zé Vicente), op. cit., p. 91.
78
DIAS JR, José do Espírito Santo. Cultura Popular no Guamá: um estudo sobre o boi bumbá e outras práticas
culturais em um bairro de periferia de Belém. 2009. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) –
Universidade Federal do Pará, Belém, 2009. p. 87.
79
Sobre isso, consultar: CARNEIRO, Edison. A conquista da Amazônia. [Rio de Janeiro]: Ministério da
Viação e Obras Públicas, Serviço de Documentação. 1956. (Coleção Mauá).; MENEZES, Bruno de. Boi Bumbá.
Auto Popular (1972). In: MENEZES, Bruno de. Obras Completas de Bruno de Menezes. Belém:
Secult/Conselho Estadual de Cultura, 1993.; DIAS JR, José do Espírito Santo. Cultura Popular no Guamá: um
estudo sobre o boi bumbá e outras práticas culturais em um bairro de periferia de Belém, op. cit.; CARVALHO,
Luciana Gonçalves de. A graça de contar: um Pai Francisco no bumba meu boi do Maranhão. Rio de Janeiro:
Aeroplano, 2011.
36

Já os Cordões de Pássaros e Bichos (de onças, peixes, camarão, caranguejos, etc.) são
também de origem rural e tiveram suas primeiras menções na imprensa local datadas de
meados do século XIX. É um espetáculo de alegoria popular, no qual, segundo Edison
Carneiro80, busca-se a defesa da flora e fauna da região norte81. Bem próximo do enredo
mostrado nas apresentações de boi bumbá, os cordões de pássaros e bichos, sempre
representados por uma ave ou um bicho, desenrola seus cortejos em torno da caçada, morte e
ressurreição do animal. Organizados, principalmente, em semicírculos, o grupo canta e dança
ao som de tambores e outros instrumentos musicais.
Edison Carneiro ao classificar os espetáculos apresentados por esses grupos de “teatro
dramático-burlesco popular”, observa que essas apresentações são constituídas a partir de um
aspecto singular, na qual é possível identificar “uma estranha mistura de novela de rádio,
burlesca e teatro de revista, a qual não falta cor local”, onde é possível encontrar “fidalgos
vestidos à moda do século XVI ou XVII”, entrelaçados aos costumes jocosos dos matutos. Os
“atores”, em busca de arrancar aplausos ou risos da plateia, adulteram a língua portuguesa
dentro das representações teatrais do gênero82.
Essas manifestações culturais, segundo Sidney Piñon, são elementos integrantes da
cultura amazônica, onde, de acordo com seus “proprietários e brincantes”, não existe em
nenhuma localidade fora do estado do Pará. Esse autor observa que, na cidade de Belém do
Pará, esses grupos são distribuídos por seus respectivos bairros e distritos, “realizando

8080
Segundo Luiz Gustavo Freitas Rossi, antropólogo que se debruçou nos estudos sobre o historiador, escritor,
etnógrafo, jornalista e folclorista Edison Carneiro, esse intelectual desenvolveu pesquisas acerca das
manifestações culturais populares vinculadas aos “menores” da sociedade brasileira, sendo, por isso, também
apontado por outros intelectuais da época como “escritor de subúrbio”. Seus trabalhos estavam, em sua maioria,
relacionados à cultura e religiosidade afro brasileira, tornando-se uma das maiores autoridades nacionais sobre os
cultos afro brasileiro, talvez por conta da grande influência que Nina Rodrigues teve na carreira intelectual de
Carneiro. Além do destaque recebido ao desenvolver pesquisa sobre a cultura negra do Brasil, principalmente
referente a religiosidade desses, Edison Carneiro também ganhou notoriedade nos estudos sobre o folclore e a
cultura popular brasileira. Em Belém, na segunda metade do século XX, esse intelectual desenvolveu pesquisa
sobre os folguedos populares vividos na cidade, o que, mais tarde, deu origem ao livro intitulado de “A
Conquista da Amazônia”. Sobre esse intelectual, ver: ROSSI, Luiz Gustavo Freitas. O intelectual “feiticeiro”:
Édison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil. Tese (doutorado em Antropologia).
Universidade Estadual de Campinas, IFCH, Campinas/SP. 2011.; GASPAR, Lúcia. Edison Carneiro.
Disponível em: <
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=759:edison-
carneiro&catid=40:letra-e&Itemid=184> Acessado em: 02 de set. 2015.; A Poesia de Edison Carneiro
descoberta por Gilfrancisco. Disponível em: < http://www.arquivors.com/cidseixas1.htm>. Acesso em; 02 de
set. 2015.
81
CARNEIRO, Edison. A conquista da Amazônia, op. cit., p. 99.
82
CARNEIRO, Edison. Folguedos Tradicionais. 2. Ed. Rio de Janeiro: FUNARTE/INF, 1982. p. 155-158.
37

concretamente as ‘brincadeiras’”, tendo elas um sentido social importantíssimo para os


integrantes dos grupos83.
Na capital paraense, por exemplo, durante os anos de 1950, os grupos juninos
conhecidos como boi bumbá e cordões de pássaros e bichos apresentavam-se em diversos
espaços da cidade como as praças, clubes dançantes, terreiros de ruas, bosques e escolas,
buscando alcançar grande êxito em cada apresentação, “fazendo do espetáculo uma
representação pomposa, cheio de luxo e requinte com intuito de mostrar o valor do
“brinquedo” aos concorrentes e aos espectadores”84.
A imprensa paraense desse período apresentava aos leitores belenenses as diversas
exibições dos “grupos joaninos”, ao longo da “encantadora quadra joanina”, em diversos
espaços da cidade. Essas apresentações, quase sempre estavam associadas aos projetos
culturais e políticos desenvolvidos pela Comissão Paraense de Folclore85, com o intuito de
promover a expansão desses espetáculos, que, a princípio, eram vividos no subúrbio – espaços
nos quais se encontravam as chamadas “vacarias”, apresentadas por Antonio Rocha Penteado
como uma espécie de “estábulos anti-higiênicos de fundo de quintal localizado junto à
residência, ou então pequenas granjas”, cheios de trechos alagados e bem distantes de toda
infraestrutura urbana86 –, para o centro da capital paraense, como foi apresentado pela
imprensa local na década de 1950.

No mês das fogueiras, dos fogos e dos balões; de Antônio, João, Pedro e
Marçal, existe também os “grupos” que nos palcos exibem com graça e

83
PIÑON, Sidney. O desencanto de uma Mira-Puraquête... Dominantes/dominados: a luta entre o “bem” e o
“mal”?. Caderno do Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Belém: Pará, n.16. 1980. p. 1-22.
84
DIAS JR. José do Espírito Santo. Boi Bumbá em Belém, uma expressão urbana e popular. Revista Estudos
Amazônicos. vol. V, nº 2 (2010), pp. 83.
85
Fundada em 25 de outubro de 1950, a Comissão Paraense de Folclore, trazendo as mesmas propostas das
outras 15 comissões estaduais brasileiras, de organizar o que era apontado pelos pesquisadores como folclore,
dentro dos respectivos limites territoriais, seguindo as diretrizes sugeridas pela Comissão Nacional de Folclore,
de debate acerca do conceito de folclore e a busca da aplicação desse conceito nas pesquisas desenvolvidas em
cada região, tendo em vista preservar a cultura local, bem como suas raízes peculiares diante do processo de
industrialização e modernização pelos quais cada região passava. Nesse sentido, pesquisar, catalogar e
sistematizar as informações dentro do âmbito cultural e folclórico da região amazônica se fazia necessário,
interligando esses elementos as questões diplomáticas, políticas, científicas e sociais do estado do Pará. Dentre
os primeiros membros da Comissão Paraense de Folclore, encontravam-se: Armando Bordalo da Silva, Augusto
Meira Filho, Santana Marques, Levi Hall de Moura, Bruno de Menezes, De Campos Ribeiro, Ernesto Cruz,
Francisco de Paulo Mendes, entre outros. É importante informar que esses membros da Comissão Paraense de
Folclore estavam ligados a diversas categorias profissionais como, por exemplo, prefeitos, antropólogos,
historiadores, biólogos, empresários, literatos, etc.. Sobre isso, ver: ALVES, Larissa Mendonça. Comissão
Paraense de Folclore em Nove anos: origens e discursos de 1949 a 1958. Trabalho de Conclusão de Curso
(Faculdade de História). Universidade Federal do Pará. Belém: Pará, 2006.
86
Consultar PENTEADO, Antonio Rocha. Belém – Estudo de Geografia Urbana. Belém: Edufpa. 1968. Esse
geógrafo e pesquisador desenvolveu seu estudo sobre a cidade de Belém do Pará apresentando como tese para o
curso de Livre-Docência na cadeira de Geografia da Universidade de São Paulo em 1966.
38

encantamento a sua peça, a qual é desempenhada com grande entusiasmo e


realidade por parte de todos os que a executam87.

EXIBIÇÕES DE GRUPOS NAS PRAÇAS PÚBLICAS


Como foi divulgado, êste ano os grupos joaninos visitarão nossas praças
públicas, exibindo-se gratuitamente ao povo. Deve-se essa inovação à
Comissão de Folclore organizada pelo sr. Lopo Alvares de Castro, prefeito
municipal de Belém, que decidiu organizar festejos nas praças atendendo ao
apêlo de numerosas famílias que se viam impedidas de comparecer ao
teatrinho dos bumbás, por motivos diversos. Assim, diversos grupos e
cordões de bumbá visitarão as praças Batista Campos, Justo Chermont,
República e Brasil, exibindo-se ao público88.

Exibição de grupos juninos no Variedades


O programa – Quatro “passaros” serão apresentados.
Prossegue despertando grande interesse no público de Belém, as
demonstrações que serão levadas a efeito pelos conjuntos juninos, no Teatro
Variedades. Diversos grupos se apresentarão naquele local, destacando-se as
exibições que serão feitas pelos grupos Rouxinol, no dia 22, Tem-Tem no
dia 24, Quati, no dia 26 e novamente Tem-Tem no dia 28, que encerrará as
demonstrações oficiais da quadra89.
Continua despertando interesse o grande concurso de grupos juninos, que a
exemplo dos anos anteriores, promoverá nesse ano a Comuna Belemense na
orientação do seu Departamento de Divulgação, Turusmo e Certames, no dia
28 e 29 do corrente, no Bosque Rodrigues Alves, ás 8,30 horas, com a
finalidade de incentivar os conjuntos juninos que se exibem em nossa
capital90.

Diante do que é apresentado, percebe-se que as festas juninas em Belém ganharam um


caráter “oficial”, vinculado ao discurso político vigente, tendo em vista a garantia de retorno
político ante sua produção. Assumia-se um discurso de preservação da cultura regional e da
importância dela para a população local, havendo um forte entrelaçamento da política com as
questões culturais. Além disso, as “antigas tradições” transformaram-se e foram substituídas
por novos padrões socioculturais, de modo que funcionam como alavancas para uma intensa
relação de interesses políticos.

Edison Carneiro, em sua estadia em Belém do Pará, na década de 50, por ocasião da
quadra junina, acompanhou de forma intensa alguns grupos juninos bem populares na cidade
como, por exemplo, Quati, Tem-tem, Periquito e Rouxinou, em vários concursos organizados
pela Comissão Paraense de Folclore e patrocinados pela prefeitura de Belém. Nesse sentido, o

87
Jornal O Liberal. 28/06/1952. p. 2.
88
Coluna QUADRA JOANINA. Título da matéria Começou hoje com os festejos em louvor de Sto. Antonio
as comemorações do dia. Jornal A Província do Pará. 12/06/1951. p. 8.
89
Matéria intitulada de Exibição de grupos juninos no Variedades. Jornal A Província do Pará. 12/06/1955.
p. 3.
90
Artigo jornalístico intitulado de Cetames De Grupos Junínos Sob O Patrocínio Da Comuna. Jornal O
Estado do Pará. 11/06/1959. p. 4.
39

pesquisador observou que os locais de apresentações desses grupos eram os mais diversos
(cinemas, teatros, circos, parques cedidos pela prefeitura, ruas e clubes) e estavam espalhados
por vários bairros da capital paraense.
Diante disso, como observa Carlos Eugênio de Moura após a análise do texto A farsa
do prêmio do antropólogo Sidney Piñon, é possível inferir que esses concursos realizados
sobre o patrocínio da prefeitura, acirravam ainda mais o controle político sobre os grupos
juninos concorrentes, onde se difundiria um discurso político de valorização, preservação e
conscientização para toda sociedade belenense. Com isso, por tanto, ocorre uma intensa
manipulação dos grupos, “desarticulando-os na medida em que se institucionalizam, por meio
de concursos, as rivalidades que os opõem”91.
Esses grupos, segundo o historiador e folclorista Vicente Salles, eram considerados
como o “teatro menos compreendido, mais criticado, em todas as épocas, sob todos os
ângulos”, talvez pelo fato desses autos populares terem sidos, em um primeiro momento,
compostos pela “ralé”92 da sociedade belenense do inicio do século passado93.
Desde o início do século XX, os autos populares ligados, principalmente, aos bois-
bumbás e aos cordões de pássaros e bichos, foram reinventados e passaram a ganhar outros
espaços no meio urbano belenense, sendo o ambiente erudito um deles. Sobre essas
reinvenções, Salles observa que:

Aconteceu em Belém essa coisa inaudita: a eruditização do folguedo


popular. Escritores e artistas desempregados e sem poder aplicar seus
conhecimentos acadêmicos, muitas vezes adquiridos nos estabelecimentos
europeus, passaram a atuar indiferentemente num e noutro nível. Com o
povo e com as chamadas elites. A exigência do trabalho que era da própria
sobrevivência, diversificou ou multiplicou o emergente teatro de época. As
épocas mais propicias, inicialmente, eram o Natal e o São João dividindo a
temporada em duas partes iguais de tempo. Depois, no primeiro semestre,
encontraram esses trabalhadores as épocas do Carnaval e da Quaresma; e no
segundo semestre, a época mais propicia de todas, a mais quente e de maior
repercussão, a festa do Círio de N. Sª de Nazaré, em outubro, onde se gerou
o chamado teatro nazareno94.95

91
MOURA, Carlos Eugênio. O Teatro que o Povo Cria: cordão de pássaros, cordão de bichos, pássaros juninos
do Pará. Da dramaturgia ao espetáculo. Belém: Secult, 1997, p. 44.
92
Termo utilizado por Vicente Salles na obra “Épocas do teatro no Grão-Pará ou Apresentação do teatro da
época”, referente aos moradores do subúrbio da cidade de Belém na primeira metade do século passado.
93
Sobre isso, consultar: SALLES, Vicente. Épocas do teatro no Grão-Pará ou Apresentação do teatro de
época. Belém: UFPA, 1994. v. 2. p. 301.
94
De acordo com Suzane Pereira, o “teatro nazareno” estava associado a um dos mais significativos eventos
festivos da capital paraense: o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, no mês de outubro. Esse, segundo a autora, era
composto pelos conjuntos de barracas de comidas regionais, jogos, diversões e teatros, que encontravam-se
espalhados ao longo do largo de Nazaré. Durante o período de festividade da padroeira da cidade, Belém do Pará
ficava em festa. “Havia bandas de músicas nos coretos, balões com fogos de artifícios, teatrinhos, jogos,
40

Esses autos, ligados aos festejos populares de Belém do Pará, segundo Salles,
passaram a despertar interesses de grande parte dos grupos sociais que formavam a sociedade
belenense. Os da “ralé”, diante da conquista de espaços na cidade, conseguiram garantir a
sobrevivência de seus espetáculos, aceitando, alguns a princípio resistindo, toda sua
renovação e atualização. Nesse sentido, percebe-se a “ascensão dos folguedos populares aos
palcos da cidade”, ligadas aos momentos de lazer das elites e dos moradores do subúrbio,
atuando nas encenações autores e atores que acabavam seduzindo e encantando os de mais
“finos espíritos”.
O jornal A Província do Pará de 16 de junho de 1957, anuncia, na página de número
2, o artigo denominado “BUMBA-MEU-BOI”, escrito pelo colaborador da gazeta Theo
Brandão96, o qual apresenta, minuciosamente, o projeto de pesquisa desenvolvido pelo
pesquisador francês Michel Simon, no Brasil, financiado pelo Centro Nacional de Pesquisa
Científica da França, sobre o Teatro Popular, tendo o espetáculo do Boi ganhado significativo
destaque. Nesse sentido, o auto popular do Bumba-meu-Boi, considerado de grande
importância para o Folclore Brasileiro, é um auto, que sobrevivendo aos costumes milenares,
ganhou fama e prestigio nos diversos grupos da sociedade, tendo, nesse sentido, o pesquisador
francês o igualado a “Comédia dell’Arte”.

Diante disso, Theo Brandão assim o apresenta:

diversões populares e comédias feitas por artistas locais, valorizando a cena amazônica”. Sobre isso, consultar:
PEREIRA, Suzane Cláudia Gomes. Você pensa que aqui é a casa da viúva Costa?: o teatro de revista paraense
na cena de Antônio Tavernard. Tese (doutorado em Cultura e Sociedade). Universidade Federal da Bahia.
Faculdade de Comunicação, 2013. pp. 57-58.
95
SALLES, Vicente, op. cit., p. 301.
96
Médico de formação, Theotônio Vilela Brandão, conhecido como Théo Brandão, destacou-se no meio
acadêmico por meio de suas pesquisas folclóricas desenvolvidas no Brasil no século passado. De acordo com
José Marque de Melo, pesquisadores não hesitam em classificar esse intelectual, tanto no campo da Saúde
(medicina), como no campo das ciências sociais (antropologia, etnologia, etnografia e folclore). A relação desse
intelectual com Arthur Ramos ajudou no desejo de Théo Brandão em enveredar pelo caminho do folclore. Além
disso, o vínculo desse pesquisador, em sua infância, com os festejos populares realizados em seu Estado natal
(Alagoas), foi de grande importância em sua carreira como pesquisador popular. Suas pesquisas eram realizadas,
quase sempre, em suas horas de folga do trabalho, quando Brandão saia em busca de sujeitos simples, muitos
moradores do interior de Alagoas, que, em sua concepção, poderiam contribuir significativamente como o
desenvolvimento da mesma. Além disso, buscava outros tipos de fontes (jornais e revistas), pretendendo
comparar os mesmos e, assim, contribuir de forma significativa com as pesquisas populares no Brasil. Sobre esse
autor, consultar: MELO, José Marques de. Théo Brandão: Precursos da Folkcomunicação. Revista
Internacional de Folckcomunicação. UEPG. 2007.; ERNESTO, Luiz. Téo Brandão, um moses (do Nordeste)
agita o folclore das Alagoas. Disponível em: http://www.jangadabrasil.com.br/temas/abril2011/te14604g.asp.
Acessado em: 02 de set. de 2015.; GASPAR, Lúcia. Théo Brandão. Disponível em:
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=180:theo-
brandao&catid=54:letra-t&Itemid=1. Acessado em: 02 de set. de 2015.
41

Obra popular de aglutinação e convergência das tradições européias e de


costumes e usanças da África e da terra, tão mestiços, por tanto, quanto os
homens do povo que, ano após ano, em todo o Brasil quase, da Amazônia ao
Rio Grande do Sul o ensaiam, representam e assistem sob os nomes diversos
de Bois, Bumbás, Reisados, Folias de Reis, Bois Kalenba, Reis de Boi,
Boisinhos, Bois de Reis, Bois Bumbás, Bois de Mamão, etc...

Segundo esse autor, o auto popular conhecido como Bumba-Meu-Boi, no Nordeste, ou


Boi Bumbá, na região Amazônica, um espetáculo que se encontra presente tanto no meio
urbano como no rural, que gera um conjunto de práticas lúdicas e simbólicas para quem os
vivem, traz explicito uma cultura pública e popular, onde os elementos sociais nela
representado são parodiados a partir da vida cotidiana dos brincantes, no qual “a ironia dá o
tom da mensagem passada ao público como forma de zombaria e vingança do povo oprimido,
que no caso específico do boi, estaria relacionado aos negros utilizados como cativos durante
a história da escravidão”97.
O folclorista paraense Bruno de Menezes, em um estudo clássico produzido na
segunda metade do século XX, publicado no ano de 197298, apresenta o Boi Bumbá paraense
como variante do bumba-meu-boi nordestino, o qual passou a fazer parte dos festejos juninos
da região. Orientado e encaixado em um espetáculo de teatro popular, suas matrizes
dramáticas estariam associadas ao patriarcalismo colonial, tendo uma intensa ligação com o
rural, em grande medida relacionada ao universo da escravidão, que representava, para o
autor, uma grande sátira do trabalho no campo.
Outro ponto de vista importantíssimo sobre esses “grupos juninos” na capital paraense
é o do pesquisador e folclorista Edison Carneiro. Esse intelectual, durante sua vinda a Belém
do Pará em junho de 1954, considerou o espetáculo dos cordões de pássaros e bichos e dos
bumbás como os mais bem representativos da região amazônica, na qual essas encenações
populares buscavam desempenhar papeis importantíssimos voltados, principalmente, na
manutenção e preservação desse espaço, “os primeiros na defesa da flora e da fauna, os
últimos na conservação de uma atitude favorável à instalação e ao desenvolvimento da
pecuária”99.
De origem rural, o boi bumbá ganha espaço na cidade, principalmente no subúrbio da
capital paraense, e lá se desenvolve junto à difusão da prática da capoeiragem, que esteve
97
DIAS JUNIOR, José do Espírito Santo. A prática cultural do Boi Bumbá na cidade de Belém: uma
representação suburbana. Anais. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
pp. 2. Disponível em: http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.0771.pdf. Acessado em:
28 jun. 2014.
98
MENEZES, Bruno de. Obras Completas de Bruno de Menezes, op. cit., p. 51-61.
99
CARNEIRO, Edison. A SABEDORIA POPULAR. In: CARNEIRO, Edison. A conquista da Amazônia, op.
cit., p. 98.
42

ligada, por muito tempo, à vadiagem100. Com o tempo, intensificou-se a vigilância policial
nesses espaços afastados do centro da cidade, onde a prática da capoeira, em junção ao
espetáculo do boi bumbá, era intensa.

Os grupos caprichavam nas apresentações em luxo, música, entrecho


dramático e representação, em busca do favoritismo do público. Quando dois
deles se cruzavam nas ruas, seguidos por seus admiradores, que atendiam
pela pitoresca designação de embiricicas (grifo do autor), lançavam
mutuamente desafios inamistosos, que terminavam em engalfinhamentos,
luta, pancadaria e algumas vezes ocasionavam mortes. Em Belém ficaram
famosas as brigas entre os bumbás Pai do Campo, Estrela d’Alva, Dois de
Ouro, Treme-Terra e Boi Canário, atiçadas pelos embiricicas. O Treme-
Treme era temido entre os demais pela agressividade de seus brincantes,
cujo máximo prazer era “furar” (grifo do autor) o boi na barriga, isto é,
esfaquear o pobre tripa (grifo do autor) que dançava sob a armação de lona e
veludo. A polícia foi obrigada a intervir e a princípio proibiu o porte de
armas, passando os brincantes em revistas. A medida não surtiu efeito, pois
na hora do entrevero os brincantes pegavam as armas que estavam
escondidas com as mulheres acompanhantes do cortejo101.

Luiz Augusto Leal observa que, até pelo menos o ano de 1905, era inevitável a
presença de capoeiras na formação dos grupos de bumbás da capital paraense. Os capoeiras,
segundo esse autor, ganhavam espaços significativos nos grupos juninos conhecidos como
bumbás da cidade, pois eram tidos como “seguranças” dos restantes dos brincantes, tomando,
na maioria das vezes, a frente do cortejo do boi, protegendo os menos ágeis/valentes “frente
ao “ritual” de confronto entre bois rivais”102.
Para esse autor, além da significativa presença dos capoeiras nas “capangagens
políticas” paraenses, os mesmos eram indispensáveis nas brincadeiras do bumbá, pois nos
encontros dos bois, “os menos valentes e menos hábeis se davam mal. Por isso, o
conhecimento da capoeiragem era imprescindível”103.

Quando a apresentação era realizada fora do curral, todos os integrantes do


boi seguiam, devidamente fantasiados, pelas ruas da cidade. Até aqui tudo
bem. Acontece que quando dois grupos de bumbás se encontravam

100
Sobre isso, consultar: RIBEIRO, José Sampaio de Campos. Gostosa Belém de Outrora. Belém, Editora
Universitária, 1965.; LEAL, Luiz Augusto Pinheiro. Capoeira, Boi bumbá e Política no Pará Republicano (1889-
1906). Afro-Ásia. Nº32, 2005, p. 241-269.; SALLES, Vicente. A Folga do Negro In: - -, O Negro na Formação
da Sociedade Paraense. Textos reunidos. Belém: Paka-Tatu, 2004.; LEAL, Luiz Augusto. A Política da
Capoeiragem: a história social da capoeira e do boi-bumbá no Pará republicano (1888-1906). Salvador:
EDUFBA, 2008.
101
MOURA, Carlos Eugênio, op. cit., p. 63.
102
LEAL, Luiz Augusto Pinheiro, op. cit., p. 152.
103
LEAL, Luiz Augusto Pinheiro, op. cit., p. 179.
43

(geralmente oriundos de bairros diferentes) era inevitável a demonstração de


força entre eles. Havia, inclusive, um breve ritual em que o boi “invasor”
pedia licença para passar. Era praxe a negação da permissão e o desafio ao
rival. Após os cantos de desafio pertinentes a cada lado, um conflito físico
intenso ocorria entre os respectivos integrantes de cada boi. Era comum,
após um destes encontros, que ficassem espalhados pela rua os paramentos
das fantasias danificadas104.

Os conflitos ocorridos durante os cortejos dos bois na cidade possuem forte relação
com o estereótipo atrelado ao capoeira como aquele que era “vagabundo que “bebia cachaça
pelos botequins” e “distribuía o tempo entre o ócio lúcido e o ócio embriagado”105.
O controle policial se deu de forma rigorosa, logo, os bumbás, como afirma José Dias
Junior, passaram a se apresentar, sobre forte controle da policia, em currais, construídos,
quase sempre, em áreas associadas aos donos dos bois e que muitas vezes serviam de sedes
para o folguedo. Nesse sentido, os currais “adquiriram o status de palco das apresentações,
um verdadeiro “teatro popular” que atraía os “inflamados torcedores” das agremiações” 106. A
partir da segunda metade do século XX, esses grupos passaram a ganhar mais destaques nos
festejos juninos organizados no centro da capital paraense.
A presença desses grupos juninos tornaram-se frequentes também em algumas
agremiações esportivas, associações profissionais e/ou beneficentes da cidade de Belém do
Pará, principalmente naqueles localizados no subúrbio, como no Imperial Clube (também
conhecido como o “Leão do Jurunas”), onde se exibiriam vários cordões num “palco armado
na sede social” entre os dias 26 e 30 de junho de 1951, tendo, neste anúncio, uma ênfase na
teatralidade do evento, organizado em espetáculos noturnos e matinais.

GRUPOS JOANINOS NO IMPERIAL

O Imperial continua brindando os seus numerosos freqüentadores com as


exibições dos melhores grupos da tradicional quadra joanina, em seu palco
armado na sede social. Dêsse modo, está organizado o seguinte programa de
representações. Hoje, às 20 horas, “Periquito” e nos dias 27, 28, 29 e 30, às
mesmas horas, “Caboclonino”, “Rouxinol”, “Periquito”, e “Papagaio Real”,
respectivamente, e às 22 horas do mesmo dia o grupo do “Coati”, Dia 1. em
matinée, voltará à se exibir o “Caboclonino”107.

104
Ibidem, p. 178-179.
105
PALHANO, Lauro, pseud. de Inocêncio Campos. O Gororoba – Cenas da vida proletária. Rio de Janeiro,
Pongetti, 1943 apud LEAL, Luiz Augusto Pinheiro, op. cit., p. 183.
106
DIAS JR, José do Espírito Santo. Cultura Popular no Guamá: um estudo sobre o boi bumbá e outras
práticas culturais em um bairro de periferia de Belém, op. cit., p. 99.
107
Jornal O Liberal. 26/06/1951. p. 4.
44

Ao lado dos concursos e apresentações teatrais de bois, pássaros e bichos em eventos


organizados por particulares ou pela prefeitura, proliferavam nos anos 1950 festas juninas de
terreiros de rua, organizadas nas vias públicas. O resumo da programação junina de Belém,
apresentado na edição de “A Província do Pará” de 24/06/1956, destacava a ocorrência de
cinco terreiros em ruas de diferentes bairros da cidade. Os terreiros foram apresentados no
jornal com os seguintes títulos: “Terreiro do Zé Honório”, “Terreiro do Mané”, “Noite do
Aluá” e “São João na Roça”.
Uma das principais festas juninas realizadas em terreiros de ruas na capital paraense,
que se repetiu durante todos os anos da década de 50, e que ganhava destaque nas páginas dos
periódicos da cidade era a “Festa do Pai Xandico”, organizada pelos administradores do Sete
de Setembro Esporte Clube. Essa festa, ocorrida algumas vezes em clubes alugados ou
cedidos aos organizadores ou em rua, avenidas ou terrenos amplos e sem coberta, eram
anunciadas pela imprensa como a “elegantíssima festa”, a qual era composta de “uma
ornamentação toda especial para essa noitada de encantamentos”, onde “uma grande fogueira
simbólica será armada no terreiro”, dando um aspecto rural ao local no qual estava sendo
realizado.
Além disso, o anúncio da “Festa do Pai Xandico” também propõe um modelo do
linguajar do homem interiorano amazônico e de suas manifestações culturais – o falar
interiorano, o compadrio de fogueira e as comidas típicas –, bem como a presença de
instrumentos musicais característicos da região nordestina, como a sanfona, a busca de uma
aproximação com as festas juninas do interior.

FESTA DO PAI XANDICO


Atenção pessoá
o que São Juão diz
é o que São Pedro vai aconfirmá
que no dia 16 tudu mundo vai
no arraiá do PAI XANDICO dançá
Convidamos a muçarada dessa bua terra, pra dia 16 do mês que nois tamos
às 9 hora da nuiti istá firmi no arraiá do PAI XANDICO pra si diverti inté a
madrugada chigá pruquê o cumpadri MAÇANETA vai tucá sua sanfuna pra
nois tudu dançá. A fuguêra no meiu prus cumpadri passá intá pruta pra muito
amô ajudá. Tambeim a cumadri FINOCA vai pra lá servi mungusá e o bom
tacacá108.

108
Sete de Setembro Esporte Clube: FESTA DO PAI XANDICO. Jornal A Província do Pará. 12/06/1951. p.
8.
45

Os estudos realizados pela antropóloga Luciana Chianca apontam que o homem


interiorano, com seus adereços, assumiu um lugar central na festa junina, a qual passou a ser
estereotipada pelo olhar do homem da cidade, “seguindo uma tradição que vem desde o Jeca
Tatu de Monteiro Lobato, esboçado no livro Urupês (1918) e consolidada na propaganda do
Biotônico Fontoura”109. Segundo a autora, outro personagem que veio para reforçar ainda
mais a imagem do matuto como destaque nos festejos juninos, percorrendo junto com a figura
do Jeca Tatu, foi Chico Bento, criado em 1961 por Mauricio de Souza.
Diante disso, o estereótipo do homem interiorano passou a ser destaque nas festas
realizadas nas cidades pelo fato de ele ser “considerado ‘mais puro’ que o [homem] da
capital”, pois representa “a nostalgia e a idealização do passado dos imigrantes que hoje
vivem nas cidades”. Outra obra que buscou estudar o caipira como tipo social foi Os
Parceiros do Rio Bonito, de Antônio Candido110. Em sua tese, de cunho sociológico, o autor
busca fazer uma apresentação do caipira paulista, que não segue uma representação da cultura
camponesa, nem tampouco a de uma cultura cabocla, mas sim de uma cultura particular
ligada às comunidades tradicionais paulistas.
O folclorista brasileiro Edison Carneiro111, aponta, assim como as fontes consultadas
nos jornais A Província do Pará, O Liberal, Folha do Norte, O Estado do Pará e Folha
Vespertina e, também, na revista Amazônia da década de 1950, o estereótipo do indivíduo do
campo como algo corriqueiro no período de festa, sendo esse abandonado logo após a quadra
festiva, quando tudo voltava à “normalidade”.
Percebe-se, diante dos discursos presentes na imprensa local, que os brincantes das
festas juninas buscavam viver, mesmo que por pouco tempo, o modo de vida idealizado do
matuto. Esses indivíduos, muitas vezes influenciados pelos migrantes nordestinos que para a
região amazônica vieram, procuravam, na cidade, reelaborar as identidades do matuto do
sertão e, com isso, refletir a cerca dos tempos em que moravam no interior.
Segundo o Antropólogo e Folclorista paraense Vicente Salles, que escreveu a
apresentação do cordel A Festa de São João no Pará e Inimigos do Corpo, de autoria de
Apolinário de Souza112, essas características do homem interiorano nas festas juninas
paraense estão mais próximas da realidade do homem do sertão nordestino do que do
amazônico. Talvez isso se explique pelo contato dos intelectuais paraenses com as obras de

109
CHIANCA, Luciana. Chama que não se apaga, op. cit., p. 23.
110
Cf., CÂNDIDO, Antônio. Os Parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos
seus meios de vida. São Paulo: Trinta e Quatro, 1997.
111
Cf., CARNEIRO, Edison. Folguedos Tradicionais, op. cit.
112
SOUZA, Apolinário. Festa de São João e Inimigos do Corpo. Belém: UFPA, 1997.
46

escritores nordestinos, reconhecidas pela produção em grande quantidade de livretos de


cordéis que passaram a circular nas cidades do Pará, assim como pelo contato com os próprios
migrantes nordestinos, os quais, em virtude da seca que assolava o sertão, vieram para a
região Norte, em busca de melhoria de vida. Esse, quem sabe, seja um dos motivos para haver
uma forte presença dos símbolos rurais nos festejos juninos belenenses, encontrados em
grande parte nas festas juninas nordestinas.
Vicente Salles, no livro “Repente & Cordel: literatura popular em versos na
Amazônia” observa que desde pelo menos o final do século XX, com a presença dos
nordestinos na Amazônia, principalmente os cearenses, tornou-se abundante a circulação da
“poesia sertaneja” e dos “folhetos de cordéis” nessa região. Nesse primeiro momento, como
indica Salles, os cordéis estavam atrelados ainda a vida e a cultura do povo do Nordeste
brasileiro, no entanto, em um segundo momento, mais precisamente na primeira década do
século passado, com a publicação do livro “Cancioneiro do Norte”, de Rodrigues de
Carvalho, a Amazônia ganhou espaço entre os escritos desses nordestinos. De acordo com
Vicente Salles :

É necessário porém chamar a atenção para o fato de a extraordinária difusão


da literatura popular em verso, oriunda do Nordeste, haver adquirido na
Amazônia não só uma mercado consumidor em potencial, mas haver
possibilitado o surgimento de poetas locais, que cultivaram o gênero como
relativa facilidade e tiveram oportunidade de difundir-se como o
desenvolvimento, também na Amazônia, de editoras especializadas113.

Uma das editoras especializadas na produção de livretos de cordéis na região, no


século XX, localizava-se no estado do Pará: a Guajarina. Essa editora, instalada na capital
paraense e fundada pelo pernambucano Francisco Rodrigues Lopes, segundo Salles
desenvolveu, nesse estado, significativa atividade editorial, atraindo para o Pará numerosos
poetas nordestinos.

Em suas oficinas, manipulava tipos e caixotins o operário gráfico Thadeu de


Serpa Martins, natural do Ceará, que se revelaria, em Belém, excelente
cordelista. Seria, mais tarde, o representante da Guajarina em Fortaleza. A
editora paraense publicou-lhe mais de uma dezena de folhetos. O fluxo de
cordelistas e cantadores nordestinos para a Amazônia tornou significativa a
presença do Nordeste no Folclore Regional. Resultou, como não podia

113
SALLES, Vicente. Repente & Cordel: literatura popular em versos na Amazônia. Rio de Janeiro:
FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore, 1985. pp. 20.
47

deixar de acontecer, na incorporação dos estilos e tendências da poesia


sertaneja ao folclore amazônico114.

Nesse sentido, o contato entre a cultura nordestina e a amazônica resultou, como pode
ser observada nas citações acima, em produções hibridas, tendo, em grande medida, a
produção dos nordestinos sido incorporada a do homem amazônico.
O anúncio do arraial do “Pai Xandico” parece uma breve apresentação interessante à
alusão nordestinas e amazônicas associadas ao que era visto como caracteristicamente junino.
A fala do caboclo interiorano é usada para mostrar a especificidade do arraial junino, que
contaria com a presença de uma importante Jazz-Orquestra da cidade. O destaque para a
“sanfuna do cumpadri Maçaneta” revela a associação da festa com ritmos nordestinos como o
baião, o xote e o nascente forró. Este último, de acordo com Chianca115 assumiu o papel de
“música-tipo” (com seu “instrumento-tipo”: a sanfona) das festas juninas nordestinas desde
fins dos anos 1940, especialmente no meio urbano.

1.3.2 AS SOIRÉES JUNINAS EMBALADAS AOS SONS


DE CONJUNTOS MUSICAIS E DAS “PICARPES”.

Dada apresentação a cerca dos grupos juninos conhecidos como Boi bumbás e cordões
de pássaros e bichos como uma das formas de animação dos festejos juninos na capital
paraense durante os anos de 1950, cabe agora observar outros meios importantes para o
desenvolvimento desse momento festivo: a presença marcante dos conjuntos musicais e dos
sonoros.
A segunda metade do século XX foi marcada por diversas transformações no âmbito
social belenense como: grande fluxo de migração do campo para a cidade, a divulgação em
larga escala de diferentes ritmos musicais de apelo popular, sendo esses transmitidos via rádio
(samba, ritmos nordestinos e latinos) e, principalmente, o período de grande expansão do
meio de comunicação de massa, em especial a radiofônica.
Nesse período, em Belém, era comum a intensa difusão, por meio das rádios e também
pelos grupos musicais e pelos sonoros, de ritmos como boleros, salsas, congos, merengues,

114
SALLES, Vicente. Sociedades de Euterpes: as bandas de música no Grão-Pará, op. cit., p. 102-103.
115
CHIANCA, Luciana. A Festa do Interior: são João, migração e nostalgia em Natal no século XX, op. cit., p.
67.
48

mambos e cúmbias, sendo apreciados como elementos peculiares nos bailes promovidos nos
espaços dançantes da capital. No entanto, foi desde pelo menos as primeiras décadas do
século passado que esses ritmos latinos, ao lado do samba, começaram a fazer parte do dia a
dia do povo paraense, pois os programas das estações estrangeiras estavam fortemente
associados aos programas de rádio local do período. Isto acontece exatamente na época em
que, após o processo de redemocratização resultante da derrubada do Estado Novo, assiste-se
a uma promoção dos meios de comunicação de massa no país e, principalmente, à forte
presença do rádio como um meio informativo e de entretenimento, associado à indústria
cultural nacional.

Tocava-se nas festas outros ritmos de procedência diversa como rancheiras,


quadrilhas, mazurcas e schottiches (o abrasileirado “xote”), boleros, além
dos ritmos caribenhos (cúmbias, salsas, mambos, merengues, etc.), muito
presentes nas festas juninas da cidade. Em meados do século XX, a recepção
local de emissoras de rádio de Cuba, das Guianas e da Nicarágua se somava
à divulgação deste repertório musical nos programas de rádios paraenses.
Isso explica sua presença nas festas dos clubes suburbanos e aristocráticos116.

Em seu livro intitulado A Era do Rádio117, Lia Calabre observa que tal instrumento de
comunicação e entretenimento é responsável pelas inovações e adaptação nas formas de artes
que existiam antes de seu surgimento. Além disso, assinala que o rádio era um excelente meio
de informação e de divulgação de diversas manifestações culturais e artísticas no país.
Segundo a autora, nesse momento havia uma necessidade, por parte dos governantes, de o
país passar uma imagem de próspero, desenvolvido e, acima de tudo, moderno.
Os anos de 1950 foi o período em que houve o crescimento do número e
diversificação dos meios de comunicação no Brasil, dando destaque para o rádio, sendo o
responsável pelas inovações de estilos – fama e ascensão social – e práticas cotidianas no
âmbito urbano. Nesse sentido, Antonio Mauricio Costa & Edimara Bianca Vieira apontam
que o processo de expansão do modo de vida urbano, presentes nas grandes cidades do país,
em meados do século passado, esteve associada e conectada, em grande medida, às emissões
radialísticas, através dos programas jornalísticos, esportivos, rádionovelas, humorísticos, bem
como nos repertórios musicais transmitidos por esse meio de comunicação, onde “este último

116
COSTA, Antonio Maurício D.; Gomes, Elielton B. Castro, op. cit., p. 201.
117
Cf., CALABRE, Lia, op. cit.
49

ocupava a função, naquele contexto, tanto de pano de fundo geral como de atração principal
das programações”118.
Nesse sentido, Tony Leão da Costa119 assinala que tanto os programas radiofônicos
como a difusão dos discos em Belém tiveram grande influência na construção dos gostos
musicais da população local. Para esse autor, os artistas paraenses, associados quase sempre
às orquestras jazzistas, em vários momentos, “imitavam” os estilos musicais provenientes da
região Sudeste e até mesmo aqueles de fora do país.
Os grupos musicais conhecidos como Jazz Orquestras eram conjuntos que embalavam
as noites dançantes, principalmente dos clubes que se encontravam espalhados ao longo da
cidade de Belém do Pará. Esses grupos correspondiam mais a uma formação de músicos não
eruditos que tocavam os mais variados ritmos musicais, sendo eles estrangeiros e brasileiros
como, por exemplo, tangos, marchas, choros e sambas. Apesar de proporcionar a ideia de uma
formação e especialização musical de origem norte-americana, esses conjuntos estavam mais
próximos do contexto musical da região amazônica120.
Para Vicente Salles121, os anos de 1920 foi o momento em que ocorreu a difusão de
instrumentos musicais como cavaquinho, a flauta e o banjo entre as formações dos pequenos
conjuntos musicais em Belém. Esses grupos foram responsáveis pelo desenvolvimento da
música urbana na cidade, pois reproduziam os ritmos que ficaram popularizados nas rádios
nacionais e internacionais, além daqueles que tiveram grande notoriedade nos cinemas
americanos.
No entanto, é somente a partir dos do final dos anos de 1930 que esses grupos
musicais conhecidos como “Jazzísticos” ou “conjuntos de boate”, como eram apresentados na
imprensa da segunda metade do século XX, terão uma intensa popularização. Nos anos de
1950, percebe-se, através dos documentos consultados, a presença constante desses grupos
musicais nos espaços dançantes da cidade, estando eles situados no subúrbio ou no centro da
mesma.

118
COSTA, Antonio Maurício Dias da; VIEIRA, Edimara Bianca Corrêa. Na Periferia do Sucesso: rádio e
música popular de massa em Belém nas décadas de 1940 e 1950, Projeto História, nº 43. 2011. p. 112.
119
COSTA, Tony Leão da. “Música de subúrbio”: cultura popular e música popular na “hipermargem” de
Belém do Pará. 2013. Tese (Doutorado) em História. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas. Departamento de História. Niterói: Rio de Janeiro. 2013. p. 178.
120
Ver: COSTA, Antonio Maurício Dias da. Festa e espaço urbano: meios de sonorização e bailes dançantes na
Belém dos anos 1950. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 32, nº 63. 2012.
121
Consultar: SALLES, Vicente. Sociedades de Euterpes: as bandas de música no Grão-Pará, op. cit.
50

As Jazz Orquestras, como observa Antonio Maurício Costa122, dependendo dos


espaços festivos, obtinham “uma fama acentuada pelo sucesso das apresentações”,
principalmente nos ambientes “aristocráticos” da cidade, tendo espaços reservados nos
principais eventos organizados pelos diretores e administradores dos recintos. A maioria
dessas orquestras se fazia presente nos festejos juninos de clubes aristocráticos, embora se
apresentassem num ou noutro clube suburbano no período junino, como foi apresentado no
anúncio intitulado de São João nos clubes no jornal O Liberal de 18/06/1953.

São João nos Clubes

Os clubes desportivos e recreativos da cidade estão se movimentando na


presente e festiva quadra junina para recepcionarem seus associados com
alegres noitadas típicas.
As festas programadas são as seguintes:

RECREATIVA BANCREVEA

Festa da roça véspera de S. Pedro


Nos salões amplos do Pálace Teatre, vão os bancréveanos recepcionar seus
associados e famílias com alegre noitada na véspera de São Pedro. A música
será a orquestra de Maçaneta, dirigida pelo maestro Guiães de Barros que
apresentará ainda um conjunto regional.
A reserva de mêsas pode ser feita à diretoria bancreveana.

TUNA LUSO COMERCIAL

São João na Roça


Os cruzmaltinos estarão em festa no próximo sábado à noite quando
realizarão sua tradicional noitada caipira em seus amplos salões. A música
estará a cargo de Mário Rocha, sendo o traje exigido o de passeio.

ICOARACI R. CLUBE

Festa do Balão
Também no próximo sábado o Icoarací Recreativo Clube simpatizada
agremiação desportiva da Vila de Icoarací, vai promover sua festa caipira a
qual denominou de a Festa do Balão, a qual será abrilhantada pelo “choro”
do professor Antonio Rocha .

DELTA CLUBE

São João no Sítio


O Delta vai sábado próximo realizar em sua sede social à av. Nazaré,
transformando em autêntico terreiro do interior, uma alegre noitada caipira

122
COSTA, Antonio Maurício Dias da. Festa e espaço urbano: meios de sonorização e bailes dançantes na
Belém dos anos de 1950, op. cit., p. 387.
51

que está despertando desusado interêsse entre os deltanos. A música será do


professor Candoca.

Como garantia de comodidade aos sócios de clubes cujas sedes ficavam mais distantes
do centro, havia inclusive o oferecimento de ônibus especiais saindo do Olímpia – principal
cinema da cidade, localizado na região central, de grande importância nos momentos de lazer
dos moradores de Belém – nas primeiras horas da noite, como noticiou A Província do Pará
em 28/06/1955.
Entre os conjuntos mais divulgados nos jornais de Belém do início dos anos 1950
estavam: Grupo de Jazz Orquestra Batutas do Ritmo, que tinha no seu comando a pessoa de
Sarito; Grupo de Jazz Orquestra Martelo de Ouro, liderado por Vinícios; Jazz Internacional,
coordenado pelo Professor Candoca, também conhecido como o “Mago da Viola”; Jazz
Vitória, liderado por Raul Silva; Jazz Orquestra Maçaneta, comandada por Guiães de Barros;
e Jazz Marajoara, tendo à frente o maestro Oliveira da Paz.
Como foi afirmado anteriormente, as festas juninas em Belém do Pará, nos anos de
1950, também eram animadas por aparelhos sonoros apresentados pela imprensa como
“picarpes” (do inglês “pick-up”). Esses sonoros, assim como os grupos de Jazz Orquestras,
também tinham fama em alguns espaços dançantes da cidade.
Diferente dos conjuntos musicais que tinham destaques nas festas realizadas nos
clubes “chiques” da capital, as “picarpes” tinham presenças acentuadas, tanto nos festejos
juninos como em outros festejos populares, em clubes suburbanos ou em terreiros juninos
localizados em áreas afastadas do centro. É importante deixar claro que a presença desses
aparelhos sonoros, durante as festas juninas, não se limitavam apenas aos espaços localizados
no subúrbio de Belém, embora sua presença fosse constante nesses ambientes, como foi
anunciado no jornal O Liberal de junho de 1953.

“SANTO ANTONIO NA ROÇA”

Realiza-se hoje à noite, uma festa dançante na séde do Clube Atlético


Relampago, “Santo Antonio na Roça”, à travessa Caldeira Castelo Branco,
nº. 1122, canto com a rua Silva Castro (bairro do Guamã), ao som do
afamado “Sonoro Barnabé”, de propriedade de D. Corrêa e irmão123.

Outros sonoros também se fizeram presentes em um terreiro juninos organizado pelos


moradores da Avenida Alcindo Cacela, entre Boaventura da Silva e Antonio Barreto, no

123
Jornal O Liberal. 12/06/1953. p. 4.
52

bairro do Umarizal em junho de 1951. De acordo com a notícia do jornal Folha Vespertina124,
a festa estava sendo minuciosamente organizada por uma comissão organizadora que buscava
agradar a todos os brincantes, tendo a festa o serviço de dois alto-falantes que tocariam
“musicas de danças, para gáudio da mocidade”, além de distribuição gratuita de comidas e
bebidas próprias da época, como o aluá e o munguzá.
Essas “picarpes” e sonoros, sinônimos do sistema de som capaz de se deslocar para
diversos espaços de festas, desde os finais dos anos 1940, vinham se tornando marcas
registradas nas festas dançantes do subúrbio de Belém125. Esse sistema de som era montado de
forma artesanal por pessoas com conhecimento de eletrônica, no qual encontrava-se um
amplificador de metal e válvula, uma caixa de som pequena, projetor sonoro, conhecido como
“boca – de – ferro” e um toca disco de 78 rotações (a pick – up).
Esses aparelhos de som, de proprietários oriundos principalmente do subúrbio da
cidade, em um primeiro momento, estiveram associados principalmente a eventos de
aniversário, casamentos ou festas de vizinhança. A partir da sua popularização, ampliou-se as
contratações para outros eventos festivos, em especial os bailes dançantes realizados nos
clubes da cidade, principalmente naqueles situados na periferia da mesma.
Talvez, o fato dos donos dos sonoros serem provenientes do subúrbio, assim como os
locutores titulares desses aparelhos, explique a forte presença deles nos clubes e nos espaços
dançantes localizados em bairros afastados do centro da capital paraense. Como observa
Antonio Maurício Costa esses sonoros tiveram uma importância grandiosa entre a ocorrência
das festas em Belém, tendo em vista “não assumir uma posição complementar ao rádio, mas
sim ocupar um espaço particular como meio de comunicação ligado a ocorrência de eventos
festivos”126.
Nesse sentido, percebe-se, diante do que foi apontado no capitulo em questão, que as
festas juninas, no Brasil, são resultados de um processo constante de diversidade cultural,
onde o contato entre a cultura europeia, indígena e africana, se somou e se difundiu ao longo
do território brasileiro; trocas essas que se revelaram importantes até, pelo menos, a segunda
década do século XX.
Dentre as principais características das representações difundidas em notas de jornais e
revistas que circulavam em Belém nos anos de 1950, bem como em textos de folcloristas
paraenses, encontravam-se a busca de uma festa ruralizada em um ambiente que se

124
Santo Antonio na Roça. Jornal Folha Vespertina. 05/06/1951. p. 2.
125
Sobre isso, consultar: COSTA, Antonio Maurício D.; Gomes, Elielton B. Castro, op. cit.
126
COSTA, Antonio Maurício Dias da. Festa e espaço urbano: meios de sonorização e bailes dançantes na
Belém dos anos de 1950, op. cit., p. 386.
53

urbanizava e modernizava de forma intensa. Nessas notícias, como foi apontado


anteriormente, pode ser consultada a presença dos grupos juninos (boi bumbá e cordões de
pássaros e bichos) em diversos espaços da cidade, do subúrbio ao centro da capital paraense.
A presença dos sonoros, mais precisamente nas áreas afastadas do centro de Belém,
também se fazia constante nessa dinâmica festiva da cidade. Enquanto esses se encontravam
animando as festas do subúrbio de Belém, conjuntos musicais conhecidos como “jazzes
orquestras” embalavam as noites festivas dos “clubes aristocráticos” localizados nos bairros
centrais da urbe.
É importante salientar que a década de 1950 “gerou um conjunto de representação
simbólico de Brasil e de povo brasileiro que até hoje atua em nossas consciências”. Além
disso, nesse período aconteceram mudanças significativas no âmbito da cultura popular
nacional, onde “o velho Brasil rural, de comunidades camponesas e semi-rurais, passou a
coexistir com um Brasil cada vez mais urbanizado e industrializado”127, cruzando elementos
ditos tradicionais com aqueles que compõem o lazer das cidades.
Conclui-se, por tanto, que falar de festas juninas em Belém, Pará, é trazer à tona um
conjunto de práticas culturais hibridizadas, que contêm em sua forma elementos dos meios
urbano e rural. É trazer também à tona uma série de referências jornalísticas e eruditas sobre
os festejos populares da cidade. É falar de eventos que aproximam os indivíduos da urbe,
conferindo às relações de sociabilidade um estado de efervescência e, que muitas vezes,
ultrapassa a vida social estabelecida. É, em outras palavras, “a descoberta dos sujeitos
participantes da possibilidade de ‘liberarem-se de si mesmos’ e de enfrentarem o mundo das
regras de conduta e procedimento com a instauração de um tempo ‘sem leis, nem forma’”128.
A imprensa, durante os anos de 1950, teve um papel fundamental para as divulgações
das festas juninas que aconteciam na cidade, feitas por meio de anúncios, crônicas e relatos
memorialísticos presentes nesses periódicos, onde tais festejos eram matizados por
representações voltadas a uma lógica “tradicional” e “moderna”, sendo que em alguns
momentos tais vertentes cruzavam-se, dando origem a uma festa hibridizada.
Essas festas serviam para construir, e ao mesmo tempo, solidificar os laços entre os
indivíduos das camadas sociais de Belém, tornando-se uma manifestação da vida de cada
sujeito, nas quais as pessoas celebravam suas próprias festas e, ao mesmo tempo, suas
identidades culturais em uma só festividade, que poderia ser “tradicional” ou “moderna”,

127
NAPOLITANO, Marcos. Introdução. In: NAPOLITANO, Marcos. Cultura brasileira: utopia e massificação
(1950-1980). 3. ed. São Paulo: Contexto, 2008. pp. 8.
128
COSTA, Antonio Maurício. Festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará, op. cit., p. 71.
54

satisfazendo as vontades dos brincantes, nos mais diversos espaços espalhados ao longo da
capital paraense, como podem ser observadas no capítulo a seguir.
55

CAPÍTULO II

ESPACIALIZAÇÃO FESTIVA
56

ESPACIALIZAÇÃO FESTIVA

2.1. ESPACIALIZAÇÃO FESTIVA DA CIDADE

Nomes paraenses que nem sei mesmo se hoje são os mesmos, nossa rua
como um poderoso rio ia tomando afluentes cujas denominações esqueci ou
– creio – nunca soube direito129.
Belém, sobranceira e olímpica, não pôde ser desbancada como capital da
Amazônia. (...) Uma cidade peculiar, testemunho vivo da riqueza da
Amazônia130.

A cidade construída pelo discurso possibilita visões diversas, leituras e


interpretações que dependem do leitor131.

Na manhã do dia 08 de janeiro de 1951, o jornal O Liberal circulava com grande


intensidade entre um número significativo de leitores da capital paraense. Além das diversas
notícias de cunho político, econômico e social, os festejos populares 132 ocupavam,
significativamente, algumas páginas daquela gazeta, distribuindo-se do início ao fim do
periódico, sendo encontrado na primeira página da edição, o seguinte texto: “Belém já nestes
dias se acha entregue aos folguedos [...] dando expansão a sua alegria e esquecendo por
alguns dias os trabalhos e vicissitudes oriundos da luta pela vida”133.
O escrito encontrado ao longo dessa primeira página demonstra a importância
grandiosa dos festejos populares para sociedade belenense, durante os anos de 1950, tanto aos
moradores do subúrbio da cidade como aos que viveram nas áreas centrais da mesma.
Matinais, vespertinas e soirées dançantes eram realizadas, corriqueiramente, entre os espaços
de lazer e sociabilidade espalhados ao longo de Belém do Pará, buscando sempre alcançar
grande êxito em cada realização. Os jornais O Liberal, Folha do Norte, A Província do Pará,

129
MORAES, Eneida. Aruanda e banho de cheiro. Belém: CEJUP/SECULT, 1997. p. 50.
130
CARNEIRO, Edison. A conquista da Amazônia. op. cit., p. 7-36.
131
GOMES, Renato Cordeiro. Todas as cidades, a cidade: literatura e experiência urbana. Rio de Janeiro:
Rocco, 1994. p. 24.
132
Entende-se como festas populares aquelas que estão configuradas dentro de um sistema mobilizado pelas
comunidades humanas, no qual encontra-se presente as dimensões culturais – política, religiosa e comercial –
relacionando-se tanto com o modo produtivo, ligado ao trabalho, como ao lazer dos indivíduos. Sobre o sentido
do termo “Festas Populares”, consultar: MELO, José Marques de. As festas populares como processos
comunicacionais: roteiro para o seu inventário, no limiar do século XXI. Vivência. UFRN/CCHLA. Natal: RN,
v. 13. p. 173-186.; FERRETI, Sérgio. Estudos sobre festas religiosas populares. In: MIRANDA, Nadja &
RUBIM, Linda (Orgs.). Estudos da festa. Salvador: Edufba 2012. p. 17-32.
133
Publicado em matéria intitulada O Rei Momo da Coligação. O Liberal, 08 de janeiro de 1951. p. 1.
57

Folha Vespertina e O Estado do Pará, que circulavam na capital paraense, nesse período,
através dos anúncios das festas, nos permitem chegar a tal conclusão.
Era comum, nas páginas desses periódicos, encontrar as expectativas dos bailes, os
resumos do que acontecera durante as realizações festivas e os convites, anunciando o dia, a
hora, o local e as atrações das festas realizadas em Belém, como pode ser observado no
anúncio abaixo.

Imagem 1. Jornal Folha do Norte, 22 de junho de 1951, p. 3.

Desde pelo menos as primeiras décadas do século passado, em Belém do Pará,


encontrava-se diversificado o universo cultural em vários ambientes de lazer e sociabilidade
(ruas, praças, feiras, bosques, escolas, clubes dançantes e desportivos); locais esses onde as
relações sociais eram intensas; um verdadeiro “fato cultural, um caldeirão de impressões, de
sentimentos, de desejos e de frustrações.”134, acentuando a ideia de que a cidade era
construída, também, a partir de uma teia de relações culturais.

134
RAMINELLI, Ronald. História urbana. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.).
Domínios da História: ensaio de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 195.
58

A segunda metade do século XX é considerada, por alguns pesquisadores das


humanidades135, como o período de profundas transformações na região amazônica,
principalmente nas cidades de Belém do Pará e Manaus, ocasionadas pelo processo de
modernização – urbanística e econômica – que estava atrelado aos projetos capitalistas
voltados para o desenvolvimento dessas regiões.
O processo de urbanização da capital paraense, principalmente da área suburbana, era
refletido, também, nos espaços dançantes da cidade. Como aponta a escritora Lindanor
Celina, em uma de suas crônicas publicada na Revista Amazônia de junho de 1955, que os
festejos populares realizados na urbe passaram a destoar o romantismo de antigamente,
substituindo-o pela “ultra-civilização”, por uma suposta “urbanização” e pelo “sintético”,
fazendo com que os brincantes se esforçassem ao máximo para reviver o que entendiam como
“pitoresco”, como “tradicional”. Logo, como é observado na crônica, o “primitivo” abre
caminho para a “civilização”, sendo essa, também, responsável pela transformação da
dinâmica socioespacial de Belém.
Nesse período, a capital paraense também passava por agudas alterações
socioculturais, pois se intensificava com o processo migratório, campo-cidade, a ocupação e
urbanização de terras que compõem, em sua maioria, os atuais bairros periféricos de Belém.
Segundo Carmem Izabel Rodrigues, essas áreas periféricas que, nos finais dos anos de
1940 e durante os anos de 1950, passaram por intenso processo de urbanização, tornaram-se,
desde o inicio, “espaços de estabelecimento e circulação de moradores das áreas ribeirinhas
situadas próximas a Belém, especialmente das cidades e localidades estabelecidas no rio
Guamá e Tocantins e seus afluentes”136. Rodrigues sugere ainda que esses indivíduos
contribuíram significativamente no processo de construção e desenvolvimento dos bairros que
compõe até hoje a configuração urbana de Belém.
Esse contingente de migrantes, oriundos tanto das localidades próximas à cidade de
Belém como também de regiões afastadas (Guajarina, Bragantina, Salgado, Baixo Tocantins,

135
Segue algumas das pesquisas desenvolvidas sobre o processo de urbanização e modernização da cidade de
Belém do Pará e Manaus na segunda metade do século XX, mais precisamente entre os anos de 1950 e 1970.
RODRIGUES, Carmem Izabel. Vem do bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em
espaços urbanos. op, cit.; PENTEADO, Antonio Rocha. . Belém – Estudo de Geografia Urbana. op. cit.;
RODRIGUES, Carmem Izabel. À beira do Guamá... um bairro em movimento. In: VIEIRA JUNIOR, Antônio
Otaviano; BELTRÃO, Jane Felipe (Orgs.). Conheça Belém, co-memore o Pará. op. cit.; TRINDADE JUNIOR,
Saint-Clair. Produção do espaço e uso do solo urbano em Belém. Belém: NAEA/UFPA, 1997; PETIT, Pere.
Chão de promessas: elites políticas e transformação econômica no Estado do Pará pós-1964. Belém: Paka-Tatu,
2003.
136
RODRIGUES, Carmem Izabel. op. cit. 2008. p. 77.
59

Baixo Amazonas e Arquipélago do Marajó)137, fixaram-se em áreas próximas ao comércio da


cidade, mas, ao mesmo tempo, de difícil acesso, pois, nos anos de 1950, Belém do Pará ainda
não era detentora de significativos veículos de transportes que circulassem intensamente pelo
subúrbio da cidade. No entanto, esses migrantes colaboraram expressivamente na
disseminação de gostos, hábitos e crenças, imbricando tais costumes com os já existentes em
Belém. Diante disso, observa que como todas as cidades do país, Belém do Pará traz expresso,
em seu modo de vida, um conjunto de padrões culturais, onde seus agentes – nativos ou
migrantes – atuam de forma significativa.
De acordo com Carmem Izabel Rodrigues138, as ruas, nas quais muitos migrantes se
fixaram, traduziam o grau de pobreza de seus moradores. Suas habitações, desde pelo menos
as primeiras décadas do século passado, revelam as dificuldades dos indivíduos que lá viviam.
Elas, quase sempre, eram estruturadas por palhas, madeiras, barros e enchimento, tendo seus
moradores encontrados, ao longo do tempo, dificuldade em viver e circular nesses espaços,
por conta do “acumulo de lama, capim e valas, o que se agravava no inverno pelo volume das
chuvas, alagando as casas e as ruas, dificultando assim o acesso dos transportes coletivos a
essas paragens.”139.
O número populacional de Belém do Pará, nos anos de 1950, cresceu
consideravelmente. Nesse período, os bairros mais populosos da cidade eram o Marco,
Umarizal e Telégrafo Sem Fio. Porém, os que apresentaram maior variação populacional
durante esse tempo foram os bairros do Jurunas, Condor e Guamá:

O Jurunas apresentou um índice de crescimento de 101,08%, o bairro da


Condor apresentou um índice de 500,90% (o maior índice) e o bairro do
Guamá foi de 68,52%. O bairro da Sacramenta foi de 270,60%, o do Souza
de 204,22%, a Marambaia de 112,04%. Já os bairros do Comércio e do
137
Essa mobilização demográfica oriunda, principalmente, das regiões citadas não possui um registro oficial. No
entanto, tal mobilização pode ser confirmada na verificação da composição populacional de atuais bairros que
compõem a espacialização belenense como, por exemplo: Jurunas, Guamá, Cremação, São Braz, Canudos,
Pedreira, Marco, Telegrafo, Sacramenta, Marambaia, entre outros. Sobre isso, consultar: COSTA, Antonio
Maurício; GOMES, Elielton B. Castro. op. cit. pp. 207.
138
Para compor o corpus da cartografia da Belém antiga, realizou-se entrevistas com nterlocutores/intérpretes
que narraram suas experiências pessoais e suas memórias coletivas sobre a cidade, reportando-se,
principalmente, aos anos de 1940, 1950 e 1960. No entanto, vale deixar claro, é perceptível a ultrapassagem dos
limites definidos pelos pesquisadores, pois se sabe que a memória não é datada e que cenas do cotidiano podem
de uma forma ou de outra, influenciar nos discursos de cada interlocutor. Os intérpretes que colaboraram para o
desenvolvimento do trabalho que deu origem ao livro “Memória da Belém de Antigamente” eram provenientes
das mais diversas esferas sociais, ou seja, havia uma diversidade social imensa, que ia dos mais humildes aos
mais requintados, tendo, cada um, papeis importantíssimos na construção da história e da memória de Belém.
Para saber um pouco mais sobre a cartografia cultural da Belém do século passado, consultar: FARES, Josebel
Akel (Org.). Memórias da Belém de antigamente. Belém: EDUEPA, 2010.
139
RODRIGUES, Venize Nazaré Ramos. Cidade narrada: memórias, história e representações. In: FARES,
Josebel Akel (Org.). 2010. p. 67.
60

Reduto apresentam uma diminuição na população de 15,57% e 23,21%


respectivamente. A Cidade Velha cresceu 23,25%, o bairro de Nazaré
90,27%, o de São Bráz 4,15% e Canudos 30,98%140.

Talvez, o fato de os bairros do Jurunas, Guamá e Condor estarem localizados nas


proximidades do rio, locais onde a circulação de moradores das áreas ribeirinhas era
constante, tenha proporcionado, com o intenso processo migratório do campo para a capital,
durante os anos de 1950, esse aumento populacional141. Além disso, esse processo pode
também ser considerado como o principal motivo de ressignificação da paisagem urbana,
cultural e social de Belém durante a década de 50, pois também se intensificava o
entrelaçamento cultural entre os dois mundos – urbano e rural – “numa miríade de costumes
capazes de responder pela nova lógica urbana a partir de então.”142, pois “uma multiplicidade
de práticas [vem] ganhando corpo no transcurso temporal das diferentes situações em que se
envolviam as pessoas que ali estavam”143, pessoas essas que traziam, junto com suas
bagagens, “um conjunto de histórias particulares que aí se encontra[vam], por aí se
cruza[vam] e daí [eram] difundidas”144.

A baixada145, segundo Tony Leão da Costa, era o local onde as tradições eram vividas
de forma “escondida”, pois o distanciamento entre o centro da cidade e o subúrbio era claro,
tanto na questão de infraestrutura como na que envolvia os aspectos culturais da capital
paraense. Sobre isso, esse autor ressalta que:

A cultura suburbana parecia se refugiar em áreas marginais, frente ao avanço


do “progresso” e das mudanças de hábitos da cidade. O primitivo cedia lugar

140
FONTES, Edilza. O pão nosso de cada dia: trabalhadores, indústria da panificação e a legislação trabalhista
(Belém 1940-1954). Belém: Paka-Tatu, 2002. p. 205.
141
Como muitas outras cidades localizadas na região amazônica, a de Belém do Pará, surgida entre as águas dos
rios Guajará e Guamá traz, em sua estrutura, um número significativo de portos, empresas e empresas-portos,
sendo esses dirigidos pelo Estado ou por instituições privadas e que tiveram uma importância crucial na
dinâmica econômico-espacial da cidade e na vida de seus moradores, principalmente dos migrantes que foram se
fixando próximo a essas áreas durante o processo de urbanização da cidade no século passado. Sobre isso,
consultar: RODRIGUES, Carmem Izabel. À beira do Guamá... um bairro em movimento. In: VIEIRA JUNIOR,
Antônio Otaviano; BELTRÃO, Jane Felipe (Orgs.). op. cit.
142
DIAS JUNIOR, José. Entre cabarés e gafieiras: um estudo das representações boemias na periferia de
Belém do Pará, 1960-1980. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo. Anais... São
Paulo: ANPUH, 2011, p. 4.
143
SILVA, Marcos Alexandre Pimentel da. A cidade vista através do porto: múltiplas identidades urbanas e
imagem da cidade na orla fluvial de Belém (PA). 2006. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará,
Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Belém, 2006. p. 40.
144
SILVA, Marcos Alexandre Pimentel da. 2006. p. 44.
145
Utilizo, aqui, o termo baixada, apresentado por Saint-Clair Trindade Jr., para designar as “áreas inundadas ou
sujeitas às inundações – decorrentes, em especial, dos efeitos das marés – e ficaram conhecidas, principalmente a
partir da década de 60, por serem espaços de moradia das camadas sociais de baixo poder aquisitivo.”. Ver:
TRINDADE JUNIOR, Saint-Clair. op. cit.
61

ao civilizado, pela força das transformações da cidade e de seus costumes.


As mudanças na forma urbana, o avanço proporcionado pelo asfalto, a
“civilização”, por exemplo, mudavam as configurações da cultura, davam
características para as manifestações populares, desalojando-as, muitas
vezes, de determinadas áreas onde ocorriam.146

Essa área suburbana de Belém era local de moradia dos mais diversos tipos sociais
como, por exemplo, lavadeiras, capoeiras, sacerdotes afro-religosos, frequentadores das
religiões de matriz africana, do catolicismo, que tinha uma intensa relação com as demais
religiosidades local, brincantes ligados aos grupos de bumbás, vendedores ambulantes, entre
outros, que tornaram essas áreas um verdadeiro mundo mesclado, derivado do cruzamento de
vários segmentos sociais147.
É interessante mostrar que o subúrbio belenense, diante dos problemas de
infraestrutura e saneamento, atraia, para suas festas, um número significativo de curiosos que
viviam nas áreas centrais da cidade. Essa curiosidade estava atrelada as questões culturais dos
indivíduos148 que moravam nas áreas afastadas do centro de Belém, como foi relatado por
Salomão Larêdo, em seu livro de memória sobre o bairro da Condor e o Palácio dos Bares.

Comecei a frequentar o bairro da Condor após terminar a Faculdade de


Direito, por volta de 1938. Mas só me tornaria um frequentador mais
assíduo, já na década de 1940. [...] Lembro que antes do famoso bar do João
de Barros, aquela área funcionava como uma espécie de portos para
embarcações, sobretudo, canoas. Depois passou a ser um local de pouso dos
hidroviários da empresa aérea alemã Condor. Também havia o Bar
Soberano, de Hilário Ferreira. Porém, o bairro só se transformaria em reduto
da boemia de Belém com o João de Barros. Ele ampliou o espaço do Bar
Soberano, criando, inclusive, uma palafita que se projetava sobre o rio
Guamá. Naquele tempo, as companhias teatrais que faziam temporada no
Theatro da Paz, como a Cia. Jaime Costa, costumavam jantar na Condor.
Quando terminavam os espetáculos, todo o elenco ia fazer as refeições no
Bar da Condor. Os boêmios da cidade também iam para lá, depois que
acabavam as tradicionais festas da Assembléia Paraense, Pará Clube,
Aliados, dentre outros. Isso acontecia por volta das duas da madrugada. O
ambiente era muito cordial e saudável, frequentado por médicos, advogados,
oficias das Forças Armadas e políticos149.

146
COSTA, Tony Leão da. “Música de subúrbio”: cultura popular e música popular na “hipermargem” de
Belém do Pará. 2013. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense. Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas. Departamento de História. Niterói: Rio de Janeiro. 2013. p. 57.
147
Ver: COSTA, Tony Leão da. op. cit.
148
Festas realizadas em bares e boates localizadas ao longo dos bairros periféricos de Belém como, por exemplo,
o famoso Bar da Condor, conhecido também como Palácio dos Bares, que tinha como o proprietário a figura de
João de Barros.
149
LARÊDO, Salomão. Palácio dos Bares – Buate Condor – recanto encantado da cidade morena às
margens do lendário rio Guamá. – Bar da Condor – poemas salientes, memória social/emocional,
depoimentos. Salomão Larêdo Editora, Belém, 2003. p. 335-336.
62

Da mesma forma, os bairros nobres atraiam grande número de homens e mulheres do


subúrbio que buscavam, mesmo que raramente, viver as alegrias propagandeadas com muito
requinte pela imprensa local como, por exemplo, os concursos de bois organizados em praças
centrais da cidade e, principalmente, aqueles realizados no Bosque Rodrigues Alves.
Sobre isso, José Ronaldo Trindade acentua que, desde o início do século passado,
nesses espaços “não eram apenas os membros das famílias de elite que podiam ser
encontrados passeando em agradáveis fins de tarde, desfrutando da bela paisagem fornecida
ou da frescura proporcionada à sombra de frondosas árvores”. Os moradores do subúrbio
também davam o ar de sua graça naqueles espaços, “insinuando a pobreza [desordens e
imoralidades] por entre as belas árvores que embelezavam as praças como o Largo da
Pólvora”150.

150
TRINDADE, José Ronaldo. Errantes da Campina: Belém, 1880-1990. 1999. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999. p. 32.
63

Imagem 2. Mapa representando os bairros de Belém que compunham a cidade nos anos de 1950.
Fonte: PENTEADO, Antonio Rocha. Belém: estudo de geografia urbana, Belém: UFPA, 1968. v. 2.
64

Ao observar a disposição dos bairros no mapa de Penteado 151, assim como a


disposição de habitantes por área, vemos que o maior número populacional está distribuído,
principalmente, nas áreas periféricas em torno do centro de Belém (Nazaré, Batista Campos,
Comércio, Cidade Velha, São Braz e Reduto) em direção à periferia mais afastada, onde havia
uma série de problemas a resolver, ligados, inclusive, a questão do arruamento desses
espaços.
É importante observar no mapa em questão que os bairros mais habitados são
Umarizal e Marco, seguidos por Comércio, Jurunas, Guamá, São Bráz, Pedreira e Telégrafo
Sem Fio, espaços esses que se encontravam afastados do centro da capital paraense.
Para Saint-Clair Trindade Jr morar nessas áreas, que ele chama de baixadas, tem, há
muito tempo, “servido para expressar a condição social de um indivíduo, independente da
localização (próximo/distante) e do sítio (alagado ou não) em que esteja sua moradia”. Isso se
dá pelo fato desses lugares estarem associados, quase sempre, “ao processo e a condição de
favelização de parcelas da população no espaço urbano de Belém.”152.
Sobre isso, Marta Grostein observa que a intensa centralização da pobreza no meio
urbano brasileiro tem como expressão um espaço dual, ou seja, “de um lado, a cidade formal,
que concentra os investimentos públicos e, de outro, o seu contraponto absoluto, a cidade
informal afastada dos benefícios equivalentes e que cresce exponencialmente”. Percebe-se
que tais espaços definem o crescimento abusivo das cidades, sem qualquer tipo de controle, o
que, a autora aponta ser “próprio da cidade industrial metropolitana”153. Diante disso,
observa-se claramente uma hierarquia de espaços por onde se dividiam pessoas e habitações.
Grostein aponta ainda que essa dualidade é revelada a partir do reconhecimento da
cidade “formal” que é assumida pelos poderes públicos, dos quais surgem os investimentos
urbanos de todos os tipos, assim como de outra cidade, a “informal”, a qual se associa o
fenômeno da ampliação urbana ilegal ao da exclusão social. Para essa pesquisadora, em tal
fenômeno, está implícita a suposição de que “o acesso a cidade se dá de modo diferenciado e
que é sempre socialmente determinado, compreendendo o conjunto das formas assumidas
pelos assentamentos ilegais” (loteamentos clandestinos, favelas e cortiços). Essa é uma
realidade de longa data nas cidades do país, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro,
151
As informações apresentadas por Antonio Rocha Penteado, no mapa apresentado nessa dissertação, foram
coletadas durante a construção de sua tese de doutoramento, principalmente, nos arquivos do IBGE do Estado do
Pará. Tal informação pode ser confirmada em seu livro “Belém: estudo de geografia urbana, volume II”,
publicado pela Editora da Universidade Federal do Pará.
152
TRINDADE JUNIOR, Saint-Clair. op. cit., p. 31.
153
GROSTEIN, Marta Dora. Metrópole e Expansão Urbana: a persistência de processos “insustentáveis’. São
Paulo em Perspectiva, v. 15, n. 1, p. 13-19, 2001. p. 14.
65

metrópoles que tiveram seu crescimento acelerado a partir dos anos de 1940 e inicio da
segunda metade do século passado pelo processo de industrialização.154
Nesse sentido, os ambientes socialmente construídos, como acentua Antonio Arantes,
não estão facilmente aproximados, “como se formasse um gigantesco e harmonioso mosaico”.
Segundo esse autor, tais ambientes “se superpõem e, entrecruzando-se de modo complexo,
forma[ndo] zonas simbólicas de transição”.155
O etnógrafo e folclorista baiano Edison Carneiro observa, através dos estudos
realizados na e sobre a Região Amazônica, durante os anos de 1950, mais precisamente os de
1954 e 1955, financiados primeiramente pela Companhia de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) e, as outras, pela Superintendência do Plano de Valorização
Econômica da Amazônia (SPEVEA) e do Instituto Nacional de Imigração e Colonização
(INIC), que nesse período o número populacional da região amazônica era aproximadamente
1. 844. 655 habitantes, dos quais mais de três quintos (1. 123. 273 [61%]) viviam no estado do
Pará e que aproximadamente 23% (254. 949) dessa população paraense morava em Belém156.
Segundo esse autor, “um estilo de vida especial desenvolveu-se na cidade”. Ou seja,
diferente de algumas localidades da região amazônica que se “escravizaram” ao rio, a
população belenense distribuiu-se por “ruas com indicação do distrito e da quadra”. Sobre
isso, Carneiro ressalta que:

Os bairros, Sacramenta, Pedreira, Telégrafo sem Fio, Cremação, Condor,


com sua sistematização de ruas: no dos Jurunas, tribos indígenas,
Tupinambás, Timbiras, Parecis, Mundurucus; no do Marco (da Légua), as
vitórias brasileiras na guerra do Paraguai, Lomas Valentinas, Humaytá,
Peribebuí, Chaco; no de Nazaré, figuras da República, Deodoro, Ruy
Barbosa, Quintino Bocayuva, Benjamin Constant... A Praça Batista Campos,
em que a prefeitura transformou o antigo parque; a “vila” da Barca,
pescadores e marítimos vivendo sôbre a água em casa de madeira arrancada
a navios encalhados; a miniatura da floresta amazônica no Bosque Rodrigues
Alves... A arborização de mangueiras... Travessas, alamedas, passagens,
como a da Volta do Tripa...157

Para Edison Carneiro, se apropriando do que disse Euclydes da Cunha de que “O


homem, em vez de senhorear a terra, escravizava-se ao rio”, nesse período, na Região

154
GROSTEIN, Marta Dora. op. cit., p. 15.
155
ARANTES, Antonio A. A guerra dos lugares: mapeando zonas de turbulência. In: ARANTES, Antonio A.
Paisagens paulistanas: transformações do espaço público. São Paulo/Campinas; Editora da Unicamp/Imprensa
Oficial. 2000. p. 106.
156
CARNEIRO, Edison. A Conquista da Amazônia. op. cit.
157
CARNEIRO, Edison. ibdem. p. 41.
66

Amazônica, “a ocupação não vai além das terras banhadas pelo grande rio e pelos seus
inúmeros afluentes e confluentes.”. Ou seja, “O homens movimentam-se ao longo dos rios,
ocupando-lhes as margens imediatas, sem capacidade nem recursos para tentar, em caráter
efetivo e permanente, a penetração e a ocupação do interior.”. Logo, “os estabelecimentos
humanos – arraiais, vilas e cidades – situam-se à beira-rio, de preferência na foz, mas sempre
nos barrancos.”. Nesse sentido, “pode-se dizer que, com exceção da área de Belém e de
algumas zonas de colonização intensa, como a servida pela Estrada de Ferro de Bragança,
toda a população amazônica – população ribeirinha – vive do e no rio, submissa e dócil aos
seus caprichos”158.
Por essas áreas dinamizadas – de lazer, diversões, atividades culturais, negócios,
serviços e comércio – transitavam trabalhadores da área portuária, moradores da região,
intelectuais, funcionários públicos, artistas e estudantes, ao mesmo tempo em que se podia
notar um número significativo de mulheres transitando pelas ruas, indo para o trabalho ou
retornando dele, consumidoras, “trabalhadoras de bordéis”, mais conhecidas como mulheres
da vida, ou, simplesmente, como prostitutas159, pois, nesses espaços, encontrava-se “um
sistema amplo de relações culturais marcados pela busca de prazeres, distrações, novos e
variados ambientes de diversões, alguns mais, outros menos sofisticados”160. Como afirma
José Dias Júnior:

Como a maioria dos bairros periféricos de Belém não dispunha, em meados


do século XX, de uma infra-estrutura eficiente, como serviços de
saneamento, segurança, transporte, educação e principalmente de lazer, foi
comum nesses lugares o surgimento de espaços de diversão variados. Era
fácil se encontrar nas periferias campos de futebol, sedes de clubes e
associações de rua, currais de boi bumbá, terreiros de religiosidade afro-
brasileira e as casas de festas noturnas161.

Maria Izilda de Matos observa, a partir dos estudos desenvolvidos sobre a experiência
das mulheres imigrantes portuguesas na cidade de São Paulo, assim como o processo de
industrialização da mesma, nas primeiras décadas do século passado, que diversas

158
Ver: CARNEIRO, Edison. Idem.
159
Sobre isso, ver: LARÊDO, Salomão. op.cit.
160
MATOS, Maria Izilda Santos de. Imigrantes Portugueses: cotidiano, trabalho e resistência. São Paulo 1920-
1940. In. SARGES, Maria de Nazaré; DE SOUSA, Fernando; MATOS, Maria Izilda; VIEIRA JUNIOR,
Antonio Otaviano; CANCELA, Cristina Donza (Orgs.). Entre Mares: o Brasil dos Portugueses. Belém: Editora
Paka-Tatu, 2010, p. 196.
161
DIAS JUNIOR, José. Entre cabarés e gafieiras: um estudo das representações boemias na periferia de
Belém do Pará, 1960-1980. op. cit. p. 4.
67

intervenções urbanas derivadas do inicio do século XX, intervenções essas que atuaram no
realinhamento e nivelamento de ruas, assim como na estimulação de reformas e construção de
edifícios, objetivando tornar a cidade mais elegante, fez com que o território de lazer
expandisse significativamente, principalmente nos anos de 1950, ampliando o caráter
metropolitano, tornando a urbe um polo de atratividade162, principalmente cultural.
Diante do processo de urbanização e modernização das cidades, algumas áreas
desenvolveram-se expressivamente em relação às outras. A prostituição, principalmente nas
áreas de baixada das cidades, em especial no caso de Belém do Pará, intensificou-se.
Poderiam ser vistas as prostitutas, mais ou menos refinadas, circulando entre os
frequentadores das regiões boemias de Belém, sobretudo no bairro da Condor163.
Esse bairro, segundo Tony Leão da Costa desde os anos de 1950 é considerado como
uma importante área de atração da boêmia da cidade. No entanto, essa área 57não era tida,
principalmente pela imprensa paraense, como uma das melhores. Ambientes de prostituição e
de bailes populares eram encontrados ao longo das ruas e avenidas que cortavam o bairro164.
Segundo esse autor, na Condor poderiam ser encontradas figuras da “malandragem”
romântica e seresteira de Belém, indivíduos “craques” na arte da dança, principalmente no
merengue. Trajando calças e sapatos brancos, os dançarinos de gafieira divertiam-se nos
bares, boates e cabarés da cidade até o surgimento dos primeiros raios de sol.165
No entorno da Condor, assim como dos bairros vizinhos – Jurunas, Cremação e
Guamá – esse sistema de relações culturais ampliou-se, significativamente, a partir do final
dos anos 40, intensificando-se nos anos 50, 60 e 70. O famoso Bar da Condor, que
posteriormente foi chamado de Palácio dos Bares, era considerado por muitos moradores e
frequentadores da área, dos anos citados acima, como a mais “nova opção para os boêmios da

162
As décadas de 1940 e 1950 consolidaram o que os sociólogos denominaram de sociedade urbano-industrial
no Brasil e o começo de uma sociedade de massa. Particularmente após a Segunda Guerra Mundial, o Brasil se
modernizou em diferentes setores, assim como, redefiniu alguns elementos que faziam parte das atividades
culturais do país, como o rádio, o cinema e a imprensa. Ver: VIEIRA, Ruth; GONÇALVES, Fátima. Ligo o
rádio pra sonhar: a história do rádio no Pará. Belém: Prefeitura Municipal, 2003.
163
O nome Condor surgiu diante da presença de uma companhia aérea alemã, durante os anos 1920 e 1930,
instaladas nessa área litorânea da cidade (rio Guamá), no local que hoje se encontra a praça Princesa Izabel, ao
lado do Palácio dos Bares. Sobre isso, consultar: LARÊDO, Salomão, op. cit.,; RODRIGUES, Carmem Izabel,
Vem do bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em espaços urbanos. op. cit.; FARES,
Josebel Akel, Memórias da Belém de antigamente. op. cit.
164
DA COSTA, Tony Leão. Arte engajada e boemia desinteressada. In: Música do Norte: intelectuais, artistas
populares, tradição e modernidade na formação da “MPB” no Pará (anos 1960 e 1970). Dissertação (Mestrado
em História Social da Amazônia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará,
Belém, 2008, pp. 57.
165
Ver: ibidem. p. 59.
68

cidade”, era “povoado por tipos excêntricos, de todos os gêneros, alguns até fellinianos”166,
além de ser considerado por muitos como “o segundo lar para muita gente”, como foi
apresentado por Tony Leão da Costa, acima, e por Carlos Queiroz na citação a seguir:

A Condor durante os primeiros anos da década de 1950 constituía um


universo à parte em Belém. O Bar de João de Barros era povoado por tipos
excêntricos, de todos os gêneros, alguns até fellinianos. Era parada
obrigatória para o boêmio que procurava emoções fortes. Naquele tempo não
havia crimes (apesar da grande quantidade de bêbados), nem arruaceiros ou
qualquer tipo de violência. O máximo que acontecia eram algumas brigas
entre homens e mulheres. Geralmente, prostitutas reclamando de algum
“calote” do freguês. Entre as prostitutas era possível encontrar de
balzaquianas a lolitas. O João de Barros, por sinal, exercia um certo controle
sobre essa atividade. Se fosse informado que alguma prostituta praticou furto
ou outro delito qualquer, ele bania a profissional do lugar. Vale registrar que,
nas imediações do Bar da Condor, existiam vários quartinhos conhecidos
como “rendez vous” ou “suadouros”, nos quais praticava-se o “sexo pago”.
Havia ainda as “Pensões Alegres”. Caso da pensão da Dona Esmelinha.
Essas pensões também eram chamadas de “escolinhas”, porque muita gente
se iniciava lá na “arte do amor”. As moças eram fixas, moravam no lugar, e
muitos jornalistas frequentavam as pensões em busca de mulheres e bebidas.
Alguns diziam que estavam fazendo “extra” no jornal, enquanto se divertiam
nas “escolinhas”167.

O processo de migração ocorrido do interior do estado do Pará, assim como de outras


regiões da Amazônia, para a capital, Belém, pode ser visto como um dos principais fatores
dos inúmeros problemas sociais em expansão na cidade a partir da segunda metade do século
XX. A capital paraense passou por “uma consequência direta do desenvolvimentismo
capitalista sobre a região”168 pois, “os novos interesses do capitalismo promoveram o
surgimento de uma nova concepção de espaço.”169.

166
O estilo de vida felliniano, associado aos trabalhos do diretor de cinema Federico Fellini, foi adotado, mesmo
que inconsciente, por muito tempo, pelos fãs desse cineasta de grande nome e reconhecimento no mundo das
artes. Segundo Carla Giffoni, esse estilo adotado pelo diretor, em suas produções, busca, no surreal, pensar a
realidade vivida pela sociedade, rompendo com o estilo de muitos diretores de sua geração, que buscavam
reproduzir a vida como ela é, se aproximando ao máximo da realidade. Esse autor se utiliza em suas obras de
vários tipos excêntricos como, por exemplo, palhaços, mágicos, pessoas com seios grandes, etc., lançando mão
da ironia, melancolia e do caricato para refletir sobre assuntos de ordem social com maior domínio. Sobre isso,
consultar: GIFFONI, Carla. Federico Fellini: a fusão entre o palhaço e o mágico. In: Recanto das Letras (blog),
7 dez. 2012. Disponível em: <http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/4023674>. Acesso em: 9 maio
2014.
167
QUEIROZ, C., paraense, 58 anos, Bacharel em Direito, Escritor, Jornalista e Colunista Social. In: LARÊDO,
Salomão, op. cit., p. 245-248. Entrevista concedida em 2011.
168
DIAS JUNIOR, José. Entre cabarés e gafieirias: um estudo das representações boemias na periferia de
Belém. op. cit., p. 4.
169
RAMINELLI, Ronald. História Urbana. op. cit., p. 193.
69

O processo de expansão urbana, nas grandes cidades, dificultou o acesso às


moradias170. No caso de Belém do Pará, esse procedimento se intensificou a partir do
momento em que a região amazônica passou a vivenciar as transformações provenientes de
sua integração maior ao Centro-Sul do país, que proporcionou “um crescimento do baixo
terciário, a carência de habitação, bem como a favelização acentuada, com insuficiência dos
serviços/equipamentos urbanos e comunitários.”171.
Nesse período, as condições da população belenense, principalmente dos moradores
da baixada da cidade, eram preocupantes. Bruno de Menezes, no livro Lua Sonâmbula, de
1953, observa, durante as viagens de bonde pelo subúrbio da cidade, que nesses espaços era
comum a formação de “vários becos que levavam a um labirinto de caminhos sobre estivas”,
nos quais esses caminhos eram facilmente confundidos com lamaçais e com vários detritos
encontrados na maré. Segundo o poeta, foram nesses espaços que muitos indivíduos sem
habitações na cidade, com os restos de madeiras dos barcos encalhados as margens do rio,
construíram seus “casebres palafitários”, dando origem à famosa Vila da Barca 172. Os
problemas nessa área da capital paraense eram diversos, ou seja, “havia déficit habitacional,
ineficiência de transportes coletivos, pressões sociais sobre a infra-estrutura física e
equipamentos, principalmente por setores de renda mais baixa”173.
Segundo Leila Mourão, o avanço econômico, ocasionado pelo processo de
industrialização, mantinha uma gigantesca concentração populacional nas grandes cidades
brasileiras, sobretudo nos anos de 1950 e 1960, tendo, nos últimos anos, ocorrido uma enorme
preocupação com o direcionamento da economia, assim como da sociedade brasileira, onde
houve “consistência diante da necessidade de planejamento e de políticas urbanas
propriamente ditas”. Nesse sentido, tal planejamento passa a ser visto “como instrumento de
governo para atenuar os problemas existentes e prevenir o surgimento de outros” 174.
Antônio Rocha Penteado após uma excursão feita por alguns bairros da cidade, para
sua pesquisa de doutorado, na segunda metade do século XX, indica que eram predominantes
“as “barracas” e raros os prédios de alvenaria com dois ou mais andares”. No entanto, nessas

170
MATOS, Maria Izilda, Imigrantes Portugueses: cotidiano, trabalho e resistência. São Paulo 1920-1940. In.
SARGES, Maria de Nazaré; DE SOUSA, Fernando; MATOS, Maria Izilda; VIEIRA JUNIOR, Antonio
Otaviano; CANCELA, Cristina Donza (Orgs.). 2010, p. 197.
171
TRINDADE JUNIOR, Saint-Clair. op. cit., p. 51.
172
MENEZES, Bruno de. Lua Sonâmbula: poemas. Belém: Falângola, 1953. Disponível em:
<http://fragmentosdebelem.tumblr.com/post/83909278847>. Acesso em: 14 maio 2014.
173
MOURÃO, Leila. O conflito fundiário urbano em Belém (1960-1980): a luta pela terra de morar ou de
especular. 1987. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) – Universidade Federal do Pará,
Belém, 1987. p. 64.
174
Ibidem. p. 64-65.
70

localidades encontravam-se frequentemente a presença de “clubes, ligados às práticas


desportivas ou atividades sociais baseadas nas reuniões dançantes ou manutenção do folclore
regional”175.
O bairro do Jurunas, o qual, diante da diversidade cultural, religiosa e festiva, foi
afetuosamente chamado por seus moradores como o “Bairro da Folia”176, é um dos mais
antigos da capital paraense. Como citado anteriormente, esse bairro é, talvez, o que mais se
aproxima da realidade do bairro da Condor. Segundo a Lei Municipal 7806/96, a população
que compõe, durante as décadas de 1950 e 1960, o bairro da Condor, que surgiu da ocupação
de terrenos alagadiços, tinha como grande parte de seus moradores “migrantes oriundos do
próprio bairro do Jurunas, que então se expandia até os limites da orla ribeirinha, tanto para
baixo (direção sul) quanto para leste”177.
Sendo um bairro que se desenvolveu as margens do rio Guamá, o Jurunas é, desde o
inicio de sua ocupação, um bairro cercado por “estruturas formidáveis de portos, empresas e
empresas portos (...) que tiveram uma importância crucial na dinâmica econômico-espacial da
cidade e na vida de muitos moradores”178, em especial os migrantes que passaram, desde pelo
menos o final dos anos 40 e início dos anos 50, a se fixar, como residentes, nas proximidades
do rio. Nesse sentido, os rios, igarapés e portos, tiveram um papel significativo na promoção
de sociabilidades e trocas socioafetivas importantíssimas na constituição de uma cultura das
margens em Belém, sobretudo nas localidades antes apresentadas.
Segundo Flávia de Sousa Araújo, desde o início do século XX a área litorânea da
cidade de Belém, principalmente no Jurunas, vista como “terras de cotas mais baixas,
alagadas ou passiveis de alagamentos”, passaram a ser ocupadas por “segmentos sociais de
menor poder aquisitivo, oriundos principalmente do interior do Estado do Pará”179.
Sobre isso, Carmem Izabel Rodrigues acentua que é especialmente nessas áreas,
próximas do rio, que a concentração de migrantes originários de cidades e localidades
ribeirinhas é intensa, enquanto que no centro da cidade, espaço urbanizado e melhor
estruturado, com presença de prédios de grande porte, assim como um grande e variado

175
PENTEADO, Antonio Rocha. op. cit., p. 312-313.
176
Segundo Carmem Izabel Rodrigues, o termo “Bairro da Folia” serviu, por muito tempo, para definir um dos
bairros mais festivos da cidade, o Jurunas. “Marcado por tradições religiosas e políticas, o Jurunas é acima de
tudo um festival de cores: amarelo, azul, branco e vermelho, as cores do Rancho Não Posso me Amofiná, paixão
e glória de todos os moradores”. Ver: RODRIGUES, Carmem Izabel. Vem do bairro do jurunas: sociabilidade
e construção de identidades em espaços urbanos. op. cit., p. 131.
177
Ibidem. p. 86.
178
Ibidem. p. 78.
179
ARAÚJO, Flávia de Sousa. Entre portais do espetáculo e portas do cotidiano sobre as águas do Guamá:
cartografando processos construtivos de subjetivação no Jurunas, Belém-Pa. 2008. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008. p. 55.
71

comércio local, “a presença de migrantes interioranos é equivalente à presença de migrantes


de outros bairros, nascidos na capital ou em outras cidades da Amazônia ou de outras regiões
do país.”180.
Sendo o bairro do Jurunas espaço de heterogeneidade, onde se reproduzem
intensamente as práticas de religião, circulação, consumo e lazer, “é notável [desde] o início
do século passado, o contraste entre a falta de estrutura do bairro em termos de urbanização e
condições de habitação, e o nível de participação de seus moradores em eventos festivos de
todo tipo.”181.Talvez isso explique o quanto os festejos populares desenvolvidos nessa área da
cidade de Belém, segundo alguns cronistas e jornalistas da imprensa paraense, em meados do
século XX, sejam tidos como os mais bens sucedidos, pois nesses lugares, segundo a
imprensa local182, “a alegria [era] mais extravagante, mais sincera e mais feliz.”.
O século XIX e o início do século XX foram, para a capital paraense, um período de
profundas transformações, associadas, quase sempre, a atividade econômica em voga: a
extração do látex. Além disso, como aponta Franciane Lacerda o advento da República
brasileira também teve papel importantíssimo, com seu ideário de civilização e progresso, na
reorganização espacial da cidade, pois “a busca por construir um Estado civilizado, que
representasse o desenvolvimento e o progresso que a República pretendia edificar, expressou-
se no Pará de diversas formas, como no embelezamento e na urbanização da capital
paraense”183, sendo tal progresso direcionado, principalmente, para o centro da cidade.
Na medida em que o processo de civilização e progresso tomava conta da capital
paraense, a ação migratória para a cidade de Belém do Pará se intensificava. Portugueses,
Espanhóis, entre outras nacionalidades, chegavam à cidade e distribuíam-se por regiões
próximas e/ou afastadas de Belém184. No entanto, o número maior de migrantes, direcionados
para o Estado do Pará, não era proveniente de regiões estrangeiras e sim do próprio país: os
cearenses.

180
RODRIGUES, Carmem Izabel, Vem do bairro do jurunas: sociabilidade e construção de identidades em
espaços urbanos. op. cit., p. 81.
181
Ibidem. p. 113.
182
Jornal A Vanguarda de 1953. Fonte constante nos recortes do acervo Vicente Salles, localizado no Museu da
Universidade Federal do Pará. O recorte está destacado sem indicação de data especifica.
183
LACERDA, Franciane Gama. Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916). Belém:
Ed. Açaí/Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia (UFPA)/Centro de Memória da
Amazônia (UFPA), 2010. p. 17.
184
Sobre o processo migratório de espanhóis para o Estado do Pará, ver: SARGES, Maria de Nazaré. A
“Galícia” paraense: imigração espanhola em Belém (1890-1910). In: ALONSO, José Luis Ruiz-Peinado;
CHAMBOULEYRON, Rafael (Orgs.). T(r)ópicos de História: gentes, espaços e tempo na Amazônia (séculos
XVII a XXI). Belém: Ed. Açaí/Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia (UFPA)/Centro de
Memória da Amazônia (UFPA), 2010. p. 201-218. Sobre o processo migratório de portugueses para o Estado do
Pará, consultar: SARGES, Maria de Nazaré; SOUSA, Fernando; MATOS, Maria Izilda; VIEIRA JUNIOR,
Antônio Otaviano; CANCELA, Cristina Donza (Orgs.). op. cit., 2010.
72

Franciane Lacerda ressalta que o momento de crise política vivenciada pelos


cearenses, no Estado do Ceará, bem como o declínio da produção agrícola e as grandes secas
de 1889 e de 1915 foram fatores preponderantes para o trânsito de grande número de
cearenses para a Amazônia, principalmente o Pará185.
Esses indivíduos, bem como migrantes de outras localidades do país e de fora dele,
tiveram papeis fundamentais nas formas de festejar na cidade, principalmente nas áreas
afastadas do centro de Belém. A forte presença desses migrantes nordestinos na Amazônia fez
com que se intensificasse o processo de hibridismo cultural186, onde a cultura nordestina
passou a ser desenvolvida em conjunto com a cultura da região da norte. Logo, as festas
juninas, bem como outros momentos festivos, passaram a marcar o cotidiano dos moradores,
sendo grande parte deles compostos por migrantes de origens diversas 187.
Festa de carnaval, festa junina e a festa do círio de Nazaré ganhavam destaques, nas
páginas dos periódicos da capital paraense, entre os diversos festejos realizados em Belém,
em especial no subúrbio da cidade. Era nesses lugares, que desde pelo menos o inicio dos
anos 50, que se dançavam ritmos variados, muitas vezes animados por conjuntos musicais
como as Jazz Orquestras ou as “picarpes”, tendo essa última maior presença nos ambientes
recreativos do subúrbio belenense.
Durante os anos de 1950, os locais de sociabilidade e de lazer ampliaram-se
significativamente em Belém. “Além do teatro, do cinema, do Arraial de Nazaré e das festas
populares (carnaval, festas juninas, festas de santos padroeiros, etc.)”188, clubes recreativos e
desportivos juntaram-se aos que já existiam desde pelo menos a segunda década do século
XX, expandindo expressivamente a opção de divertimento e recreação da vida cotidiana da
população local.
A imprensa paraense desse período apresentava, por meio dos anúncios de festas, a
diversidade de clubes recreativos e desportivos localizados no meio urbano belenense,
distribuindo-se entre o subúrbio e a área nobre da cidade. Os localizados nas proximidades do
rio e os de pontos afastados do centro de Belém eram apresentados pela imprensa como
“clubes de subúrbio”, já os encontrados no centro da cidade ou em bairros considerados

185
Sobre isso, ver: LACERDA, Franciane Gama. Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-
1916). op. cit.
186
O processo de hibridização, segundo esse autor, está associado aos resultados de encontros culturais
múltiplos; encontro esses onde é possível observar novos elementos adicionados a eles, reforçando, ainda mais,
os elementos culturais mais antigos. Sobre isso, consultar: BURKE, Peter. Hibridismo Cultural. op. cit.
187
Ver: LACERDA, Franciane Gama. Imprensa e Poesias de Cordel no Pará nas primeiras décadas do
século XX. op. cit.
188
Ver: COSTA, Antonio Maurício. Festa e espaço urbano: meios de sonorização e bailes dançantes na Belém
dos anos de 1950. op. cit.
73

nobres recebiam a denominação de “clubes sociais”, “clubes aristocráticos” ou “clubes


nobres”.

Percebemos aqui a presença marcante de clubes situados na periferia


imediata de bairros centrais como Cidade Velha, Campina e Nazaré. Do
Jurunas ao Telégrafo sem Fio, da margem do rio Guamá até a baia do
Guajará, se espalhavam esses clubes por um conjunto de bairros suburbanos
nos anos de 1950 demarcando, num corte longitudinal, o limite territorial da
cidade na direção leste.189

Diante do número significativo de áreas boemias espalhadas por Belém do Pará,


durante os anos de 1950, existiam lugares que se destacavam tanto no centro da cidade como
nas áreas mais afastadas, apresentadas pela imprensa local como o subúrbio, não havendo
uma clara distinção entre os frequentadores de ambos os lugares, pois os ambientes chamados
de cabarés, bares e botequins espalharam-se rapidamente pelos bairros da capital paraense
atraindo uma diversidade de frequentadores de diferentes grupos sociais.
Dentre os principais bairros festivos de Belém, encontrava-se o Bairro do Guamá.
Segundo José Dias Junior, esse bairro deriva de dois momentos: um primeiro momento, início
do século XX, desencadeado a partir do bairro de São Braz e um segundo momento, anos de
1950, proveniente do Rio Guamá. Segundo esse autor, esse bairro surgiu a partir de migrantes
nordestinos que, primeiramente, se fixaram em São Braz, local de entrada e saída da cidade, e
posteriormente penetraram as matas criando estradas e caminhos, fixando-se ao longo
desses190.
Já nos anos de 1950, o bairro do Guamá, assim como os bairros do Jurunas e da
Condor, citados anteriormente, expandiu seus espaços através da presença significativa de
migrantes oriundos, principalmente, das regiões ribeirinhas localizadas nas proximidades de
Belém191. Essa população foi responsável, nesse período, pelo desenvolvimento das ruas e
passagens encontradas, ainda hoje, na parte sul do bairro.
Desenvolvida as margens do rio, o bairro do Guamá foi lentamente, desde as primeiras
décadas do século XX, expandido entre as matas que tomavam conta daquele espaço, dando, a
partir das pressões dos populares que lá se fixaram, dimensão urbana ao território 192.

189
Ibidem. 2012.
190
Consultar: DIAS JUNIOR, José. Cultura popular no Guamá: um estudo sobre o boi bumbá e outras práticas
culturais em um bairro de periferia. op. cit.
191
Sobre isso, ver: Idem; PENTEADO, Antonio Rocha, op. cit.; RODRIGUES, Carmem Izabel, Vem do bairro
do jurunas: sociabilidade e construção de identidades em espaços urbanos. op. cit.; TRINDADE JUNIOR,
Saint-Clair. op. cit.; RODRIGUES, Carmem Izabel. À beira do Guamá... um bairro em movimento. op. cit.
192
DIAS JUNIOR, José. Cultura popular no Guamá: um estudo sobre o boi bumbá e outras práticas culturais
em um bairro de periferia de Belém. op. cit., p. 39.
74

Nos anos cinquenta o crescimento populacional em Belém sofreu um


aumento significativo devido, principalmente, aos projetos políticos para o
desenvolvimento econômico da região, que resultaram no processo de
construção da Rodovia Belém-Brasília. Esse advento possibilitou a migração
para Belém de muitas pessoas vindas do interior do Estado, pessoas que se
estabeleceram, em sua maioria, nos bairros de subúrbio da cidade. Verifica-
se, nesse momento, o crescimento populacional da cidade, com maior ênfase
nos bairros populares próximos ao centro 193.

Se o bairro da Condor ficou conhecido como o “Bairro da Boêmia” e o bairro do


Jurunas como o “Bairro da Folia”, o do Guamá era apresentado, desde pelo menos a segunda
metadedo século passado, pelos estudiosos que desenvolveram pesquisas sobre o território,
como um verdadeiro “Caldeirão Cultural”, onde as manifestações folclóricas, religiosas e
carnavalescas eram intensas. Para José Dias Junior, essa diversidade cultural, presente no
bairro do Guamá até mesmo nos dias de hoje, foi herdada, principalmente, dos migrantes
(nordestinos e interioranos) que habitaram o bairro desde o inicio do século XX194.
Eram diversos os locais de lazer e sociabilidade espalhados ao longo do bairro do
Guamá. Casas de gafieira, forrós195 e, até mesmo, boates distribuíam-se entre as ruas e
avenidas da área guamaense, desde pelo menos a metade do século passado. Entre os
ambientes de entretenimento mais conhecidos nesse circuito encontravam-se as sedes do
“Onze bandeirinhas”, “Estrela do Norte”, “Grajaú”, “Milionário” e “Carroceiros”196.
Esses ambientes de sociabilidade e de lazer, apresentados acima, além de serem
frequentados por moradores do bairro do Guamá, atraíam um número significativo de homens
e mulheres de outras localidades da cidade, principalmente de bairros como o da Condor,
Jurunas, Cremação e São Braz.

193
Ibidem, p. 55-56.
194
Ibidem, p. 45.
195
A antropóloga Luciana Chianca indica que esse estilo musical foi consagrado, desde o final da primeira
metade do século XX, pelo artista pernambucano Luiz Gonzaga. A pesquisadora aponta que esse artista,
recuperando canções tradicionais, tocadas por seu pai, consagrou um estilo que ganhou, suavemente, espaço no
meio musical e passou, desde então, a ser associado à festa junina. Para Gonzaga, os anos de 1950 foram muito
importantes, pois conseguiu afirmar, em âmbito nacional, uma musicalidade “nordestina”, representada
essencialmente por três importantes ritmos: o baião, o xote e o xaxado; ritmos esses que passaram a conceber a
musicalidade regional do Nordeste, sintetizando uma verdadeira expressão urbana daquele povo. “A voz de
Gonzaga se vinculou inexoravelmente a esses ritmos e aos instrumentos locais tradicionais, como a sanfona, o
triângulo, a zabumba e o pandeiro. A musicalidade junina também se apropriou desses ritmos, das temáticas
regionais e canções de Gonzaga”. Sobre isso, consultar: CHIANCA, Luciana. São João, migração e nostalgia
em Natal no século XX. op. cit.; p. 67-74.
196
Sobre isso, ver: DIAS JUNIOR, José. Cultura popular no Guamá: um estudo sobre o boi bumbá e outras
práticas culturais em um bairro de periferia de Belém . op. cit., p. 63.
75

Era comum a polícia fazer intervenções nesses lugares, para conter os


excessos de alguns frequentadores que, constantemente, eram responsáveis
por “brigas e quebra-quebra” nas sedes, devido a esses lugares atraírem
pessoas consideradas de má índole, como bandidos, jogadores e prostitutas,
considerados os principais causadores das arruaças. A presença desses
sujeitos sociais nas casas de festa, certamente, contribuiu para uma
representatividade marcada pela “visão negativa” das gafieiras aos olhos da
opinião pública belenense, que não media esforços em propagandear de
forma pejorativa, denunciando através da imprensa, as “desordens”
cometidas por alguns frequentadores. Porém, esses lugares também foram
constantemente visitados por pessoas da “alta estirpe social”, fazendo dessas
casas de lazer, verdadeiros espaços de circularidade cultural.197

Segundo Tony Leão da Costa198, a cidade de Belém, diante do impacto da economia


gomífera, no início do século passado, passou por enormes transformações, muitas das quais
estavam atreladas ao processo de “embelezamento”, ligado, principalmente, aos bairros
centrais. Isso, talvez, tenha proporcionado um aumento significativo dos moradores e
visitantes, principalmente moradores do subúrbio belenense, das áreas centrais como: Nazaré,
Campina, Batista Campos, São Braz e parte do Reduto. Consequentemente, algumas ruas
foram alargadas e pavimentadas. O “passeio público ao modelo francês” passou a compor o
lazer da “fina flor da cidade”, houve a criação de bibliotecas, mercados e uma melhor
iluminação dessa área central.
Os bairros mais centrais da cidade como, Batista Campos, Nazaré, Campina, São Braz
e parte do Reduto, também contribuíram significativamente para a expansão do universo
cultural belenense durante meados do século XX.
Nesses bairros era encontrado outro lado da boêmia da cidade: lá eram presentes bares,
cafés, boates e outros recintos de lazer glamurizados, quase sempre, pela imprensa paraense
de meados do século passado.
Esses bairros ofereciam, aos moradores e visitantes, melhor qualidade de vida, em
razão dos processos de embelezamento, urbanização e “civilização”, apresentada
anteriormente, e também pela Bela Época199. Segundo Franciane Lacerda e Maria de Nazaré
Sarges, “o espaço público que se confunde com o espaço social se transforma na paisagem
197
Ibidem, p. 67.
198
COSTA, Tony Leão da. “Música de Subúrbio”: cultura popular e música popular na “hipermargem” de
Belém do Pará. op. cit., p. 62.
199
Também conhecida como Belle Époque, foi, segundo Maria de Nazaré Sarges, um período no qual a capital
paraense tornou-se um verdadeiro “canteiro de obras”, buscando atrelar a cidade aos modelos estéticos dos
países europeus, o que “em parte se tornava possível graças ao aquecimento da economia produzido pela
exportação do látex”. Durante um período significativo, a cidade de Belém ficou também conhecida como a
“Paris na América” ou “Francesinha do Norte”, refletindo uma imagem civilizatória e de progresso. Consultar:
SARGES, Maria de Nazaré. Memórias do “velho” intendente: Antonio Lemos – 1869-1973. 1998. Tese
(Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP: Campinas, 1998.
76

que deve ser rigorosamente policiada pelos fiscais detentores de poder de força para a
implementação da modernidade civilizatória”.200
Diante da análise proposta por Túlio Chaves a partir dos anos de 1930, esses espaços
se consolidaram, principalmente aquele no qual se encontrava uma das principais avenidas da
cidade, a 15 de Agosto (atual Avenida Presidente Vargas), como lugares nos quais, “além dos
arranha-céus, se localizavam os melhores hotéis, cafés, cinemas e sedes dos principais clubes
da cidade, como o aristocrático “Assembléia Paraense” e a “Tuna Luso Comercial””. Além
disso, nessas proximidades, encontravam-se dois importantes símbolos eruditos da capital: o
largo da pólvora (atual Praça da República) e o Teatro da Paz. Isso permite concluir que esses
espaços “tornavam a rua um local do ponto de vista de um centro econômico e de vida
cultural, noturna e moderna, vida esta evidente e necessária para parte considerável da
população local”201.
Sobre isso, José Ronaldo Trindade indica que nesses espaços – dando destaque ao
bairro da Campina – as regras e normas eram presentes e aplicadas com grande intensidade,
onde delas advinham “um jogo de exclusão para os “desgarrados” – os quais não segu[iam] a
“cartilha” do bairro. Além disso, esse autor aponta que o comportamento dos indivíduos dizia
bastante sobre eles, ou seja, podia-se saber, através de seus atos, quem eram as pessoas gentis,
quem eram os “ásperos”, quem eram os trabalhadores e quem eram os vagabundos que
transitavam naquela região da cidade de Belém, proporcionando aos fiscais uma maior
atenção voltada para aqueles que fugiam das normas estabelecidas202. Sobre esses espaços,
Antônio Rocha Penteado observa que:

Graças às suas origens, Nazaré e São Braz são os bairros onde mais se notam
grandes palacetes, rodeados de jardins, nem sempre muito bem cuidado,
mas, de qualquer forma, construídos no centro de amplos lotes; embora tal
fato contraste frontalmente com a estrutura e paisagens urbanas dos bairros
da Condor e do Guamá, não significa estarem ausentes as habitações
modestas, colocadas no alinhamento da rua e, até mesmo, as “barracas”.203

Nos bairros mais centrais, além de haver uma preocupação com a estética das fachadas
dos prédios e palacetes distribuídos ao longo das ruas e avenidas, havendo uma grande

200
LACERDA, Franciane Gama; SARGES, Maria de Nazaré. De Herodes para Pilatos: violência e poder na
Belém da virada do século XIX para o XX. Projeto História, São Paulo, n. 38, p. 165-182, jun. 2009. p. 166.
201
CHAVES, Túlio Augusto Pinheiro de Vasconcelos. Isto não é para nós? Um estudo sobre a verticalização
e modernidade em Belém entre as décadas de 1940 e 1950. Dissertação (Mestrado em História). Universidade
Federal do Pará. Belém: UFPA, 2011. pp. 29.
202
Sobre isso, consultar: TRINDADE, José Ronaldo, op. cit.
203
PENTEADO, Antonio Rocha. op. cit., p. 319.
77

diferença entre as moradias que compunham os bairros suburbanos da cidade, percebe-se que
os ambientes de divertimentos espalhados ao longo desses bairros, em muito diferem daqueles
encontrados no subúrbio de Belém. Um fator importante para percebermos tais diferenças
encontra-se disponível nas páginas de jornais e revistas que circulavam na capital paraense
durante a década de 1950.
Nesse sentido, a imprensa paraense desse período apresenta, por meio dos anúncios de
festas, a diversidade de clubes recreativos e desportivos,204 localizados no meio urbano
belenense, distribuindo-se entre o subúrbio e a área nobre da cidade. Segundo Antonio
Maurício Costa, essas disposições espaciais estão atreladas aos discursos jornalísticos e
memorialísticos sobre a cidade relativos à posição marginal dos chamados ‘bairros de
subúrbio’ e ‘bairros nobres’205.
Além desses clubes, outros ambientes de lazer, tidos como refinados por uma parcela
significativa da cidade, encontravam-se espalhados ao longo dessas áreas, como, por exemplo,
o Museu Goeldi, o Teatro da Paz, a Praça da República e da Batista Campos e o Grande
Hotel, onde, segundo Edison Carneiro, localizava-se a “boite Buraco Frio” onde parcela
significativa de Belém embalava-se ao som de grupos musicais de destaques da região. Ou
seja, ambientes que traziam à tona uma “lembrança imperecível do grande prefeito de Belém,
“o velho Lemos”...”206, responsável, no inicio do século passado, pela urbanização e
modernização das áreas centrais da capital, Belém do Pará207.
Portanto, os anos de 1950 demarcam, na cidade de Belém do Pará, um vestígio de
grandes transformações sociais, espaciais e culturais, a qual são refletidas também no modo
de festejar dos moradores da capital paraense, tanto daqueles que habitavam o subúrbio, como
daqueles que moravam no centro da urbe.

204
Denominação dada aos clubes que se dedicavam às aptidões físicas, visando competições entre os praticantes,
proporcionando também entretenimento a eles.
205
COSTA, Antonio Maurício. Festa e espaço urbano: meios de sonorização e bailes dançantes na Belém dos
anos de 1950. op. cit.
206
CARNEIRO, Edison. A Conquista da Amazônia. op. cit., p. 43.
207
Para Venize Nazaré Ramos Rodrigues, a política desenvolvida por Antônio Lemos, no inicio do século XX,
de embelezamento do espaço urbano de Belém, segregou a população pobre das áreas centrais da cidade,
“derivando daí a formação de bairros periféricos ainda, hoje, em sua maioria, destinado às populações de baixa
renda”. Ver: RODRIGUES, Venize Nazaré Ramos, op. cit., p. 67.
78

2.2. CLUBES SUBURBANOS E CLUBES


“ARISTOCRÁTICOS”: ESPAÇOS DE LAZER E
SOCIABILIDADE NAS FESTAS JUNINAS DA
CAPITAL PARAENSE NOS ANOS DE 1950.

Os anos de 1950 foram importantíssimos no processo de proliferação dos ambientes


recreativos da cidade, sendo os clubes sociais um deles. Desde o início do século XX,
diversos clubes sociais e desportivos passaram a fazer parte da opção de lazer dos moradores
de Belém do Pará, no entanto, foi a partir do início da segunda metade do século passado que
a opção de divertimento dos citadinos cresceu expressivamente, pois novas associações
desportivas surgiram no meio urbano. Sobre isso, Antonio Maurício Costa indica que:

As opções de lazer ligadas à ‘vida boêmia’ ampliaram-se na cidade ao longo


da década de 1950. Além do cinema, do teatro do Arraial de Nazaré e das
festas tradicionais (carnaval, festas juninas, festas de santos padroeiros etc.),
os bares, clubes de elite e clubes suburbanos ocuparam um papel destacado
no cotidiano de lazer dos moradores da cidade. (...) Temos, portanto, uma
dinâmica festiva muito viva e presente nos clubes ‘sociais’ e ‘suburbanos’ de
Belém em meados do século XX, por onde circulavam organizadores de
festas, músicos e cantores de conjuntos musicais, profissionais de sonoros,
dançarinos e o público cativo frequentador de bailes em cada bairro208.

Vale pontuar aqui algumas questões que giram em torno dos clubes recreativos, os
quais, segundo Peter Burke, compõem os ambientes sociais desde pelo menos o final do
século XVIII. De acordo com Peter Burke, até mesmo nos dias atuais, a palavra “club” produz
uma ideia de ambiente aristocrático, ligado às exclusividades e posses. Não devemos, no
entanto, cair no equívoco de considerar que tais espaços tinham apenas esse caráter nobre e
excludente, pois trouxeram “uma importante contribuição para a democracia, assim como a
modernização”. Logo, esses ambientes “têm ao mesmo tempo um aspecto democrático e
aristocrático”, onde transitavam pessoas com um nível social mais ou menos abastado, pois
eram estabelecimentos que tinham “o direito de rejeitar, assim como de admitir, novos
sócios”209.

208
COSTA, Antonio Maurício Dias da. Festa e espaço urbano: meios de sonorização e bailes dançantes na
Belém dos anos de 1950. op. cit., p. 390-393.
209
BURKE, Peter. A história social dos clubes. Folha de São Paulo, São Paulo, fev. 2002. Seção Mais Autores.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2402200203.htm>. Acesso em: 20 ago. 2013.
79

Segundo Uassyr Siqueira210, no finalzinho do século XIX e principalmente nos


primeiros anos do século XX, com o processo de metropolização de algumas cidades do país,
novos valores e estilos culturais emergiram, sendo a intensificação de clubes sociais e
recreativos, nas cidades, um deles, possibilitando que os indivíduos gastassem seu tempo livre
com atividades ligadas ao lazer, principalmente com a prática da dança.
Diante do processo de modernização e urbanização de algumas regiões do Brasil, os
clubes sociais e recreativos, principalmente aqueles localizados nos subúrbios, traziam “uma
maneira de integrar os recém-chegados à cidade e fazê-los sentir-se mais em casa”. Segundo
Burke, “a existência desses clubes, em muitos dos quais membros de diferentes classes sociais
se encontravam regularmente face a face, ajudou a criar uma cultura mais democrática do que
até então existente”211.
Em conjunto com os anúncios sobre as festas juninas, em Belém, organizadas nos
terreiros de rua, praças e bosques, encontrava-se aqueles referentes às festas realizadas nos
clubes dançantes da cidade, relacionando-as com as transformações urbanas e festivas nos
anos de 1950, as quais ganhavam destaques nas páginas dos periódicos. É importante acentuar
que os anúncios priorizavam os clubes localizados em bairros centrais da cidade, como pode
ser observado a seguir.
Entre os diversos clubes existentes no meio urbano belenense, os que mais se
destacavam nos anúncios das festas juninas na década de 1950 eram: São Domingos
(Jurunas), Imperial Esporte Clube (Jurunas), Esporte Clube Norte Brasileiro (Cremação),
Leblon Esporte Clube (São Braz), Assembleia Paraense (Campina), Delta Clube (Nazaré),
Automóvel Clube (Campina), Azas Esporte Clube (Nazaré), Palace Teatro (Campina), Cedro
Esporte Clube (Campina), Tropical Clube (Campina), Parque Atlético Clube (Marco), Clube
do Remo (Nazaré), Amazônia Clube (Campina) e Paissandu Esporte Clube (Nazaré).
Antonio Maurício Costa212 ressalta que foi a partir dos anos de 1950 que a proliferação
desses espaços dançantes passou a se intensificar na cidade. Esse autor observou que era
comum a presença de “olheiros” entre um clube e outro, principalmente nos mais “bem
afamados”, tendo em vista, talvez, copiar os estilos, tanto ornamental como musical desses
espaços. É importante deixar claro que durante as festas noturnas, realizadas nesses ambientes
“sociais”, não era permitida entrada de menores de idade, bem como de mulheres que

210
SIQUEIRA, Uassyr. CLUBES E SOCIEDADES DOS TRABALHADORES DO BOM RETIRO:
organização, lutas e lazer em um bairro paulistano (1915-1924). 2002. Dissertação (Mestrado em História) –
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002. p. 75.
211
BURKE, Peter. A história social dos clubes. op. cit.
212
Ver: COSTA, Antonio Maurício Dias da. Festa e espaço urbano: meios de sonorização e bailes dançantes na
Belém dos anos de 1950. op. cit.
80

buscavam ganhar a vida se prostituindo, aspectos esses que poderiam afastar os “elegantes”
frequentadores do recinto.
Nesse sentido, esses espaços dançantes, principalmente aqueles localizados nos bairros
nobres, transmitiam a sensação, aos seus frequentadores, de “estar em casa”, de “se sentir a
vontade”. A ideia de casa, presente nos anúncios jornalístico, está associada, principalmente,
as relações familiares presentes nesses ambientes de diversão, pois, como aponta Sonia
Giacomini “o clube é permanentemente referido como lugar da família, lugar de encontro das
famílias, lugar de constituição de famílias e de alianças entre as famílias”213, famílias essas
constituídas, quase sempre, por indivíduos que tiveram sucesso em suas carreiras
profissionais, que esbanjavam seu sucesso econômico, bem como sua distinção educacional,
entre si.
A presença dos grupos jazzísticos e dos sonoros eram marcantes nesses espaços de
sociabilidade e de lazer, bem como a presença de uma ornamentação, quase sempre, artificial,
trajes típicos e comidas da época. Exemplo disso são os “clubes aristocráticos”, com sua
decoração bem cuidada, a orientação aos participantes para o uso de “trajes típicos” e as
orquestras com seu repertório musical diversificado permaneceram como o ponto alto da
quadra junina “elegante” de Belém. Os eventos em salões de clubes, de acordo com os
jornalistas da época, estiveram pautados, ao seu modo, em uma ideia de fidelidade às
“tradições juninas”. Por outro lado, os festejos juninos nos espaços do subúrbio estiveram, nos
anúncios ou crônicas da imprensa, sempre associados ao sentido de festa popular, quer de
forma positiva ou negativa.
Os clubes “elegantes”, “chics” ou “aristocráticos” – de acordo com os termos do
discurso jornalístico –, localizados em bairros centrais e apresentados nos periódicos dos anos
de 1950, possuíam aspectos distintivos em relação aos demais existentes na cidade, além de
serem frequentados pela elite paraense. Nesses espaços se encontrava o mais característico
universo de sociabilidade e lazer das famílias mais abastadas da cidade. No entanto, não
descartamos a hipótese de que os bailes realizados nesses ambientes fossem frequentados por
alguns indivíduos da classe média e baixa da capital.
Já os clubes espalhados pelo subúrbio da cidade, apresentados pela imprensa como
“clubes suburbanos”, quase sempre ligados a sindicatos, associações profissionais ou de
esporte e lazer, tinha a presença constante de dançarinos amadores, de grandes destaques na

213
GIACOMINI, Sonia. A ALMA DA FESTA: família, etnicidade e projetos num clube social da Zona Norte
do Rio de Janeiro – O Renascença Clube. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006. p. 53.
81

arte da dança. Esses indivíduos eram embalados aos sons, provenientes quase sempre das
“picarpes”, elemento importantíssimo na composição festiva desses espaços dançantes.
Sobre essas festas nos espaços suburbanos, foram encontradas, ao longo da pesquisa,
inúmeras referências como, por exemplo, aquela que se encontra presente no jornal O Estado
do Pará de 25 de junho de 1955, de autoria de De Campos Ribeiro214, intitulada de “Assim se
faz são João na roça”215.
Na matéria em questão, De Campos Ribeiro descreve seu retorno “à sede da velha e
benemérita Sociedade Beneficente” da Vinte de Março, espaço por onde transitou, na
companhia de seus amigos, 30 anos atrás, onde o barracão ainda era coberto por zinco. O
convite de retorno a esse espaço fez com que De Campos Ribeiro relembrasse aquelas noites
por ele vividas com grande alegria, além de perceber que as famílias, senhoritas e rapazes
continuavam se divertindo a valer, “de maneira sadia, com sinceridade alegre, por horas de
que ninguém que ali esteve certamente se olvidará tão cedo”.
A festa em questão, continua Ribeiro, contou com a participação do conjunto
organizado por Tó Teixeira, que “dirigiu bravamente, com alma, vivendo ele próprio as
emoções da música com que animava o folguedo da Vinte”. O espaço da Vinte de Março
estava “transmutado em arraial roceiro com minúcias de ornamentação de delicioso sabor
típico [que] era já um convite ao puladinho das polcas, aos chorinhos quebrados, às valsas
sentimentais, à quadrilha bizarra e elegante de outrora”.
Outras informações referentes às festas juninas do subúrbio belenense encontram-se
nas páginas do livro de crônicas, sobre a capital paraense, escrito por Murilo Menezes 216 e
publicado no ano de 1954. No texto em questão, intitulado de “Noite de São João”, esse autor
relembra a presença de sua família e “amigos” em uma festa junina organizada em uma rua do
subúrbio belenense, na noite de 23 de junho.

214
Sobre esse autor, conferir: CASTRO, Maria das Neves Rocha de. De Campos Ribeiro: percurso literário. In:
CASTRO, Maria das Neves Rocha de. Memórias de uma velha cidade: a representação histórico-social de
Belém pós-Belle Époque em crônicas de De Campos Ribeiro. Dissertação (Mestrado em Letras – Estudos
Literários). Universidade Federal do Pará. Instituto de Letras e Comunicação. Belém, 2011.
215
Consultar matéria em: HABIB, Salomão. Tó Teixeira: o poeta do violão. Belém: Violões da Amazônia,
2013. pp. 220-221.
216
Murilo Castro Menezes do nasceu na cidade de Aracati, no Estado do Ceará, na última década do século XIX
(11 de outubro de 1890), de onde saiu muito jovem acompanhado de seus pais. Ao chegar na capital paraense,
trabalhou como balconista do Bazar Liquidador, passando posteriormente pela Amazon River e Port of Pará,
empresas estrangeiras dirigidas pelo engenheiro Guilherme Paiva, de quem se tornou grande amigo e compadre.
Passou também a colaborar nos jornais e revistas de Belém, escrevendo crônicas que, em muito, focalizavam os
costumes, o folclore e suas impressões de viagens realizadas ao longo dos rios da Amazônia. Conseguiu
publicar, com muita dificuldade, três livros, incluindo o citado nesta dissertação. Para saber mais sobre esse
autor, consultar: MOREIRA, Clovis; ILDONE, José; CASTRO, Acyr (orgs.). Introdução à Literatura no
Pará. Belém: CEJUP, 1990, V. III. pp. 303-312.
82

De acordo com a fonte em questão, o contato dessa família com o subúrbio de Belém
se deu por conta dos moradores de quartos sublocados no recinto desses indivíduos, muito dos
quais eram provenientes desses espaços afastados do centro da cidade; pois Menezes e seus
familiares vivam em uma “casa vasta, baixa, isolada, com uns 15 quartos e algumas salas
confortáveis”, nas proximidades da Praça Batista Campos, na qual apenas alguns cômodos
eram utilizados pela família, sendo os demais alugados a terceiros.
A chamada para participar da festa narrada pelo autor, partiu de uma de suas
inquilinas, uma negra de nome Donata que “era exatamente, uma partícula do elemento
negroide, incrustada com sua quitanda, num bairro de gente branca”. Esse convite se
estendeu, também, aos demais moradores daquele recinto, que, por meio de D. Donata,
puderam “penetrar nesse mundo muito ignorado para muitos, mais interessante, como seja o
das nossas favelas”. Murilo de Menezes narra, de forma detalhada, tal experiência.

Era tempo de São João, e ela fez um convite aos vizinhos do prédio, para
irem todos, por ela conduzidos, à casa de seu cunhado, um carroceiro
apatacado, proprietário de inúmeras carroças, nesse tempo, quando ainda não
existia caminhão, - e que acostumava festejar com espalhafato, o dia do
santo do seu nome. [...]

Na noite de 23 de junho, às nove horas, estávamos reunidos no quintal de


nossa casa, umas trinta pessoas, que tais eram os convidados da Donata. De
casa éramos eu, o paizinho, Roque, meu irmão; Alvaro Fernandes e
Heráclito Sampaio, primos. As mulheres ficaram.

E alegres, partimos a três de fundo, com a Donata abrindo a marcha.

Por aquelas ruas verdes de relva, que são Pariquis, Apinagés, Caripunas,
seguíamos em grande alvoroço, admirando as fogueiras, as residências com
reuniões às portas, assistindo a queima de fogos; encontrando grupos
boêmios que se dirigiam a determinados logradouros; vendo os balões
pontilharem o céu escuro como lumes errantes; enquanto que bombas
estrugiam longe, e o pipocar dos foguetes enchiam de animação a noite
estival [...].
Por fim, os garotos que iam na frente, ao chegarem à Travessa dos
Tupinambás deram o alarme. Éramos chegados
A casa que ficava do lado esquerdo da travessa, era uma avantaja puxada,
edificada dentro dum vasto terreno cercado. Ficava de lado, tendo à sua
esquerda um terreiro limpo, mesmo próprio às demonstrações joaninas.
Balões chineses e bandeirinhas, o gosto artístico do dono semeara por toda a
parte.
Candieiros de querosene erguidos em postes iluminavam toda a quadra,
auxiliados pela colossal fogueira no meio da rua, a qual era alimentada
amiúde. No fundo havia um barracão servindo de bar, onde se vendiam a
quem quisesse, desde a cerveja, às demais misturas alcoólicas. Por traz dele,
83

havia o alojamento de carroças e as estrebarias dos muares. Num recanto do


terreiro erguia-se um tablado, onde uma negra esbelta, rodopiava horas
seguidas com impecável ritmo, ao som de cadenciado batuque. [...]217.

Ao analisar a fonte em questão, foi levantado o seguinte questionamento: por que as


mulheres não participaram desse momento festivo, sendo “obrigadas” a ficarem em seu
recinto? Isso reforça a imagem do subúrbio de Belém, diversas vezes propagandeado pela
imprensa local, como espaço de grande periculosidade, nos quais transitavam pessoas de más
índoles e onde o jogo de sedução, na presença das prostitutas, era constante.
Além disso, é importante salientar, diferente do que aponta Lindanor Celina em sua
crônica presente na Revista Amazônia de 1955, que ainda se vivia, nesses espaços afastados
do centro de Belém, aspectos vistos como tradicionais pela autora, onde, ao longo do
percurso, Menezes aponta que diversos sujeitos encontravam-se postos, em frente as suas
casas, a apreciar a queima de fogos e da fogueira, confraternizando alegrias com os demais
indivíduos que naquelas paragens se encontravam.
De acordo com Ângela Corrêa218, muitos bairros suburbanos como, por exemplo,
Guamá, Jurunas e Umarizal encontravam-se nas proximidades do centro de Belém,
aproximações essas que iam além das questões geográficas, onde pessoas de diferentes
idades, pertencentes a vários grupos sociais, dirigiam-se as festas realizadas nessas paragens,
buscando, por várias vezes, exercer a vida amorosa e sexual. Como pode ser obsevado na
fonte citada acima, essas festas eram normalmente compostas de diversos tipos de bebidas,
comida, danças e musicas.
Vale enfatizar que a imprensa paraense, ao anunciar as festas, fossem elas “joaninas”
ou não, buscava fazer uma alusão de destaque aos festejos realizados nos clubes
“aristocráticos” de Belém, como é apresentado nos diversos anúncios de festas, onde, sobre
esses clubes “chics”, eram destacados seus amplos salões, os melhores conjuntos animando as
festas, “ambientes fadados a alcançar o pleno êxito” e onde as moças elegantes da cidade se
faziam presentes. Como pode ser observado no anúncio a seguir:

São João no Pará Clube

Quando se anuncia em Belém uma festa do Pará Clube, o tradicional e


aristocrático grêmio da Avenida Nazaré, aguarda-se com ansiedade mais um
espetáculo de encanto, entusiasmo e elegancia, do qual participa a nossa

217
MENEZES, Murilo. A capital do El Dourado: crônica sentimental de Belém e comentários sobre alguns dos
seus problemas. Belém. 1954. pp. 79-80.
218
CORRÊA, Ângela Tereza de Oliveira. História, Cultura e Música em Belém: décadas de 1920 e 1940. Tese
(Doutorado em História). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. São Paulo, 2010.
84

melhor sociedade. Desde o ano passado o Pará Clube incorporou ao seu


calendário mundano os festejos joaninos, tendo oferecido a única festa
infantil da quadra e, no penúltimo dia do mês de junho, um baile típico que,
sem favor, foi melhor da temporada. Mantendo a tradição assim
auspiciosamente inaugurada, vai o Pará Clube êste ano oferecer à sociedade
local duas festas: uma, que será o baile típico, a qual terá lugar nos amplos
salões do Palace Teatro, precisamente na noite de São João, 23 de junho, a
qual, por feliz coincidência, ocorre num sábado, e a outra, no dia imediato,
domingo, 24, em sua própria sede social, destinada exclusivamente para os
filhos de seus sócios. Ambos os recintos serão decorados com motivos
próprios da época e as danças decorrerão ao som da melhor orquestra da
cidade. Não será exagero afirmar que nêste como no outro o Pará Clube
promoverá, sem dúvida, as melhores reuniões festivas da quadra219.

Percebe-se que os discursos de jornalistas da imprensa paraense, sobre as festas


juninas realizadas nos clubes “aristocráticos” de Belém, buscavam construir a noção de que
eram nesses ambientes que a verdadeira “civilização” se encontrava, pois nos anúncios era
sempre dado destaque aos “amplos salões” e “elegantes noitadas”, atribuindo, quase sempre,
aos títulos das festas, termos estrangeiros como “grande soirée” e “Big matinal” dançantes.
Construiu-se, assim, não apenas o desejo de comer e beber em um ambiente falado pela
imprensa, mas de aproveitar a atmosfera criada naquele espaço, a diversão e a convivência
entre seus frequentadores.
Esses espaços, considerados como instituições privadas, formalmente organizadas,
esquematizadas, construídas e designadas especificamente para a prática do lazer, seja por
meio de atividades esportivas, artísticas ou outras formas de amostras culturais, buscavam
atender, ao máximo as expectativas dos seus frequentadores, permitindo perceber as
dinâmicas de trocas, importantes para a construção de significados e modo de vida das
pessoas.
Uassyr Siqueira220 indica que os clubes poderiam ser percebidos mais do que um
simples espaço de diversão, podendo ser apontados como locais onde os brincantes poderiam
iniciar, através dos flertes, a constituição de uma família, bem como manter e firmar laços de
amizade no interior de um grupo, comunidade ou classe.
221
Diante disso, como aponta Marcos Ruiz da Silva , os clubes recreativos passam a
representar os diversos interesses das pessoas que neles frequentam, “estabelecendo, nessa
apropriação do tempo livre, regras implícitas e explicitas que orientam as relações sociais”

219
Jornal Folha do Norte. 03/06/1951. p. 3.
220
SIQUEIRA, Uassyr de. op. cit., p. 78.
221
SILVA, Marcos Ruiz da. LAZER NOS CLUBES SÓCIO-RECREATIVOS DE CURITIBA/PR: a
constituição de práticas e representações sociais. Dissertação (Mestrado em Educação Física). Universidade
Federal do Paraná. 2007. p. 62-63.
85

desses indivíduos. Alem disso, como ressalta Beatriz Loner esses ambientes servem também
como indicadores para compreender as representações e configurações dos grupos que neles
se divertem, sendo vistos como “importantes no desenvolvimento e congregação de seus
elementos e no estabelecimento de distinções com outros grupos e setores sociais”222.
Em síntese, pode-se afirmar que o processo de modificação do cenário urbano da
cidade, tanto no centro como no subúrbio da mesma, teve reflexo significativo no modo de
festejar o são João em Belém, na qual, novos espaços passaram a fazer parte desse momento
festivo, juntando-se com aqueles já existentes, desde o início do século XX.
Diante disso, a imprensa, um dos principais meios de comunicação desse momento,
apresenta, por meio de imagens e narrativas, esses ambientes de lazer como o local onde a
felicidade reinava, travando, muitas vezes, simbólicas disputas pelo título de “melhores
reuniões festivas da quadra”, principalmente entre os clubes “aristocráticos” apontados pela
mesma, como ambientes frequentados por pessoas “chic’s” e finas de Belém.
Apresentar, de forma breve, parte da cidade, bem como sua relação com algumas
ações lúdicas, se fez necessário, pois a gênese desses ambientes é tida como de grande
importância no modo de festejar a quadra junina de Belém, onde o processo de constituição
desses espaços urbanos foi marcado pela introdução de modelos culturais trazidos por
indivíduos de diversos espaços, que ajudaram a formar afinidades, identidades e tipos de
cultura no meio urbano belenense. Esses modelos tiveram, também, grandes reflexos nos
textos de intelectuais paraenses dos anos de 1950, sujeitos esses notados como direcionadores
de padrões festivos na capital paraense, como pode ser observado no capítulo que segue.

222
LONER, Beatriz Ana. Construção de Classes. Operários de Pelotas e Rio Grande (1888-1930). Pelotas:
UFP. Editora Universitária: Unitrabalho. 2011. p. 20.
86

CAPÍTULO III

REPRESENTAÇÕES LITERÁRIAS,
FOLCLORE E TRADIÇÃO POPULAR NOS
FESTEJOS JOANINOS DE BELÉM NOS
ANOS DE 1950.
87

REPRESENTAÇÕES LITERÁRIAS,
FOLCLORE E TRADIÇÃO POPULAR NOS
FESTEJOS JOANINOS DE BELÉM NOS
ANOS DE 1950.

3.1. INTELECTUAIS FOLCLORISTA E MEDIAÇÃO


CULTURAL

3.1.1. O FOLCLORE EM QUESTÃO

Mais curiosa, e às vezes menos ridícula, é a caracterização do popular223 no


folclore. Figura-se o povo, não numa situação transitória, mas em repouso.
Ora, se encararmos o folclore na sua dinâmica, veremos que os fenômenos
do populário têm não apenas a marca do passado, mas o sinal do presente –
e do futuro224.

Desde a segunda metade do século XIX, intelectuais (jornalistas, literatos, advogados,


entre outros), ao escrever para imprensa local, procuravam registrar assuntos referentes à
sociedade paraense. Tais assuntos estavam, diversas vezes, relacionados às questões que
giravam em torno do “tradicional”, onde buscavam representar “uma imagem romântica do
povo do interior, o qual manteria uma espécie de pureza original”225. Em paralelo, havia
também interesses pelos assuntos relacionados à cidade; no entanto, quase sempre, essa era
apresentada por esses intelectuais como aquela que “refletia um tipo de degradação das

223
O sentido da palavra popular é utilizado aqui a partir das discussões propostas por Geneviève Bollème em seu
livro “O Povo por Escrito”, no qual essa autora busca definir o lugar do “popular” nos domínios do poder, da
literatura e da política. Diante disso, Geneviève Bollème aponta que muitos intelectuais, ao tratar do popular,
costumam atribuir, a esse termo, sentidos como “bizarria” ou “anomalia”, “como se existisse a vontade ou pelo
menos o desejo de desprezar um dado da gramática”, atribuindo também “sinônimo de sublevações, violências,
terror e medo”. No entanto, vale pontuar que, ao criticar tais posicionamentos, a autora afirma que ao “interessar-
se hoje pelo popular é talvez sinal de uma busca mais importante do que o foi outrora a busca da verdade,
porquanto ela põe em causa a honestidade daquele que fala, daquele que confessa ser o discurso – o discurso do
próprio saber – um discurso que oprime e rediz”. Sobre isso, conferir: BOLLÈME, Geneviève. O Povo por
Escrito. São Paulo: Martins Fontes. 1988.
224
CARNEIRO, Edison. Dinâmica do folclore. São Paulo: WMF Martins Fontes. 2008. pp. 7.
225
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A Ilha da Princesa e a Cidade dos Pajés. In: FIGUEIREDO, Aldrin Moura
de. A Cidade dos Encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia (1870 – 1950).
Belém: EDUFPA, 2008. pp. 64.
88

“crenças antigas”. Era o cronista tentando aprisionar nos tempos pretéritos os costumes vistos
como primitivos” 226 à época.
Sobre isso, Martha Abreu assinala que a cultura popular, desde o século XIX, estava
relacionada a uma vertente de pensamento intelectual composta por pesquisadores
folcloristas, educadores, artistas e aqueles ligados as ciências sociais como antropólogos e
sociólogos. Esses, segundo essa autora, estavam preocupados em desenvolver um discurso
referente à construção de uma determinada identidade cultural, no qual, muitas vezes,
relacionavam a questão do popular com “a não modernidade, o atraso, o interior, o local, o
retrógrado, o entrave à evolução”, tentando valorizar as singularidades culturais, bem como a
vitalidade de uma suposta cultura popular227.
Antonio Maurício Costa indica que esses folcloristas do período passaram a assumir
papeis de guardiões na preservação da “autêntica” manifestação cultural por eles tomada
como popular. O modo de pensar desses intelectuais será também refletido nos textos dos
demais escritores que surgiram posteriormente a segunda década do século passado. Segundo
esse autor:

Os estudos de folclore se iniciaram no Pará, na segunda metade do século


XIX, em busca de manifestações regionais (lendas, crenças e costumes) que
apontassem um ângulo particular e legítimo da história nacional. Esta
perspectiva fortaleceu-se com o interesse dos intelectuais modernistas, a
partir dos anos 1920, pela busca de uma linguagem nacional para as artes
produzidas no País228.

Como aponta Ângela Corrêa229, é necessário, nesse momento, regionalizar os cenários,


trazendo, assim, uma diferença daquela estética importada da Europa, buscando desenvolver
uma cultura popular paraense, supervalorizando, de tal modo, aquela de caráter regionalista.
Nesse sentido, Aldrin Figueiredo indica que era indispensável, nesse contexto, divulgar o
passado que ainda perdurava nas secretas paragens da Amazônia230. Logo, “o caboclo que

226
Ibidem. pp. 65.
227
ABREU, Martha. Cultura popular, um conceito e várias histórias. In: ABREU, Martha & SOIHET, Rachel.
Ensino de História, Conceitos, Temáticas e Metodologias. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003.
228
COSTA, Antonio Maurício Dias da. A Produção da “Música Cabocla”: a polifonia formadora do Carimbó nas
representações de literatos, jornalistas e folcloristas no Pará (1900 – 1960). História (São Paulo). V. 34, n. 1,
jan./jun., 2015. pp. 244.
229
CORRÊA, Ângela Tereza de Oliveira. Músicos e poetas na Belém do início do século XX: incursionando
na história da cultura popular. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) NAEA,
Universidade Federal do Pará – UFPA. Belém, 2002. pp. 45.
230
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Letras Insulares: leituras e formas da história no modernismo brasileiro, In:
CHALHOUB, Sidney & PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda (Orgs.). A História Contada: capítulos de
história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1998.
89

vive entre as “vozes bárbaras da floresta” chama atenção como referência da nacionalidade e
sobrevivência de um passado formador da nação.”231.
Segundo Tony Leão da Costa, com o surgimento de um número significativo de
revistas na primeira metade do século XX, entre elas a revista Belém Nova e Terra Imatura,
os intelectuais, apontados pelo autor como aqueles que possuíam discursos quase que
“etnográficos” ou “folclóricos”, procuravam apresentar o popular regional a partir do
fenômeno primitivista, que estava atrelado a valorização das qualidades presentes em alguns
grupos, visto como autêntico “da força, da alma ou da personalidade de cada povo e que, por
sua vez, se opõe às características culturais das populações marcadas pela civilização”232.
Nos anos de 1950, com a institucionalização do folclore, diante do surgimento da
Comissão Nacional do Folclore (CNFL) em 1947, e da busca da formalização do mesmo
como disciplina vinculada as Ciências Sociais, com a qual “pretendiam construir instituições
que promovessem um conhecimento verdadeiramente científico em sua área de estudo”, o
“movimento” folclórico do período, tendo em vista desenvolver pesquisas acerca do folclore
nacional, diante da preservação de nossa herança folclórica, bem como a introdução desse
tema no ensino formal, buscava “preservar a identidade cultural comum da nação”,
objetivando, com isso, reconhecê-lo “como disciplina autônoma no interior do campo das
Ciências Sociais e possuir uma cátedra específica nas Faculdades de Filosofia, garantindo que
a pesquisa superasse o amadorismo então reinante no campo”233.
A busca por estabelecer uma ligação entre o folclore e as ciências sociais,
principalmente com a Antropologia, foi oficializada, com a criação da Carta do Folclore, no I
Congresso Brasileiro de Folclore, em 1951, realizado na cidade do Rio de Janeiro. De acordo
com Edison Carneiro, o congresso em questão pretendeu reconhecer a importância dos
estudos do folclore para as ciências antropológicas e culturais, além disso, “condenava o
preconceito de só considerar folclórico o fato espiritual e aconselha[va] o estudo da vida
popular em toda a sua plenitude, quer no aspecto material, quer no aspecto espiritual”234.
A partir de então, travou-se um conflito entre os representantes defensores do folclore
e aqueles que defendiam as ciências sociais, pois, esses últimos, não viam com bons olhos a
aproximação de ambos. Os principais motivos de sociólogos e antropólogos não aceitarem tal

231
COSTA, Antonio Maurício Dias da. A Produção da “Música Cabocla”: a polifonia formadora do Carimbó
nas representações de literatos, jornalistas e folcloristas no Pará (1900 – 1960). op. cit., p. 252.
232
COSTA, Tony Leão. Música, literatura e identidade amazônica no século XX: o caso do carimbó no Pará.
ArtCultura, Uberlândia, v. 12, n. 20, jan./jun. 2010, pp. 64.
233
VILHENA, Luis Rodolfo. Entre o regional e o nacional: folcloristas na década de 50. Disponível em
http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_32/rbcs32_08.htm, acesso em 24/06/2014.
234
CARNEIRO, Edison. Dinâmica do Folclore. op. cit., p. 64.
90

relação são os seguintes: a) Esses cientistas sociais acreditavam que grande parte dos
folcloristas ainda estava atrelada as linhas de pensamentos daqueles do século XIX, quando o
tempo do curioso e do interessante tinha destaque entre seus escritos, pois “mesmo entre
aqueles que se dedicam ou dedicaram à pesquisa, o fenômeno folclórico foi apenas
identificado, mas não relacionado com os demais fenômenos culturais”; b) o fato de esses
acreditarem que o folclore se limitava apenas à literatura oral; e c) os interesses dos
pesquisadores folcloristas estarem voltados apenas à cultura do povo, ou seja, daqueles
ligados as camadas populares, deixando de lado aspectos, vistos pelos cientistas sociais, como
importantes no meio “erudito”235.
Mesmo tendo perdido espaços, a partir dos anos 60, nas cátedras universitárias, por
conta do descrédito que o folclore passou a ter diante, principalmente, dos sociólogos e
antropólogos, por conta das várias críticas realizadas pelos membros da faculdade de
sociologia da Universidade de São Paulo, os folcloristas, bem como suas pesquisas, foram de
fundamental importância na construção do ensino básico, bem como nas Secretarias de
Turismo e Cultura e em outros órgãos referentes ao desenvolvimento cultural do País236.
Diante disso, Edison Carneiro observa que:

os cientistas sociais não precisam temer a invasão do seu campo de estudo


especifico e particular pelos folcloristas. Até onde pode ir o folclore?
Somente até a indicação de quais fenômenos sociais e culturais a que se liga
o fenômeno folclórico considerado e de como se estabelece essa ligação.
Somente até a revelação do fenômeno do folclórico como parte integrante e
funcional da cultura local – isto é, como individualidade própria que lhe dá a
cultura local. Os folcloristas não desejam intrometer-se em problemas que
lhes não competem. Mas queiram ou não, folcloristas e cientistas sociais têm
de viver sobre o mesmo terreno comum237.

Portanto, organizar uma representatividade regional do folclore se fazia necessário,


para assim obter grande sucesso em âmbito nacional. Essa inovação, proposta por Renato
Almeida238, pretendia garantir melhor organização das pesquisas desenvolvidas em cada
região, bem como a divulgação das causas desse “movimento”, “dando à CNFL uma

235
Sobre isso, consultar: CARNEIRO, Edison. Antropologia e Folclore. In: Idem.
236
Sobre isso, ver: ABREU, Martha. op. cit.
237
CARNEIRO, Edison. Dinâmica do Folclore. op. cit., p. 69.
238
Folclorista de grande influência no período.
91

capilaridade que lhe permitiria idealmente abranger todo o território nacional” 239. Nesse
sentindo, Luis Rodolfo Vilhena aponta que:

Estamos falando de uma fase em que a institucionalização das Ciências


Sociais brasileiras era incipiente e grande parte de seus protagonistas, em
especial fora do eixo Rio - São Paulo, eram intelectuais polivalentes,
exercendo ao mesmo tempo diferentes atividades no ensino, como
profissionais liberais, no jornalismo, no funcionalismo público etc. O
“chamamento” feito por Renato Almeida para que integrassem o movimento
folclórico não foi apenas a convocação para participarem de uma missão
patriótica, mas uma convocação para que os estudos de folclore, que eram
apenas uma das suas áreas de interesse intelectual, passassem a definir
prioritariamente sua identidade.240.

Um dos principais representantes das ciências sociais no período, Florestan Fernandes,


não aceitava tal aproximação, mesmo não desmerecendo tal dado cultural. Esse intelectual
acreditava ainda que o folclore estava preocupado com as antiguidades populares de outrora.
Segundo esse autor, os folcloristas estavam, em seus argumentos, mais próximos das
indagações de caráter humanísticas do que daquelas que apresentavam um patamar
científico241.
Sobre os estudos desenvolvidos acerca desse fenômeno cultural (folclore), Florestan
Fernandes observa, a partir da análise das obras deixadas por Mário de Andrade, que esse
intelectual deixou marcas importantíssimas relacionadas à história do folclore nacional, onde,
em parceria com Luciano Gallet, Renato de Almeida, entre outros, debruçaram-se a um
campo, até então, visto, pelos estudiosos do período, como novo no âmbito das pesquisas
folclóricas brasileiras: a música. É importante esclarecer, que embora Mário de Andrade e
seus companheiros tenham dado ênfase as pesquisas e análises do folclore musical, esses não
se limitaram apenas a esse campo de investigação, debruçando-se também por outras paragens
folclóricas do país242.
Na década de 50, os intelectuais ou estudiosos do folclore poderiam ser vistos atuando
em diversas áreas de investigação cultural e social, tendo, ao mesmo tempo, que associar tais
tarefas àquelas que estavam relacionadas à construção literária bem como ao trabalho

239
VILHENA, Luis Rodolfo. op. cit., p. 3.
240
Ibidem. p. 4.
241
Sobre isso, ver: CUNHA, Paulo Anchieta Florentino da. O movimento folclórico brasileiro e seus
desdobramentos na Paraíba: uma aproximação a partir da trajetória de Hugo Moura (1960 a 1978).
Dissertação (Mestrado em Antropologia). Universidade Federal de Pernambuco. Recife. 2011.
242
Sobre isso, consultar: FERNANDES, Florestan. Mário de Andrade e o folclore brasileiro. Rev. Inst. Est.
Bras., São Paulo, 1994.
92

jornalístico. Muito desses indivíduos, como observa Antonio Maurício Costa, mesmo
relatando elementos referentes às “tradições populares”, assim como a militância pela
preservação da mesma, pareciam não participar ou partilhar desse ambiente. Neste caso, esses
literatos e jornalistas pareciam “assumir a autoridade intelectual de definir critérios de
autenticidade para as manifestações folclóricas. Ao mesmo tempo, estes estudiosos
demarcavam sua desvinculação pessoal do ambiente dessas “sobrevivências””243.
Um dos principais representantes do folclore local, em âmbito nacional, nos anos de
1950, foi o poeta e folclorista Bruno de Menezes, apontado por Câmara Cascudo como
“mestre legítimo da cultura popular norte brasileira” e respeitado pelos demais representantes
do folclore de outras localidades do país244.
Diferente de muitos desses intelectuais folcloristas do período, Bruno de Menezes,
morador do subúrbio belenense, encontrava-se constantemente por entre as ruas, vielas e
caminhos dessa área. Foi apontado pela imprensa local do período em questão e, até mesmo a
de agora, como:

portador da cultura popular, a mais autorizada fonte desse saber das ruas,
conhecimento ambulante e de se fazer em livro, o Bruno festeiro, dançarino
de festas folclóricas, de quadrilhas juninas, de pássaros, dos tambores de
batuque, do boi-bumbá, o folclorista que, mais tarde, terá o reconhecimento
público de Luís da Câmara Cascudo, o folclorista-mor da nação,
reconhecimento que valerá por título de doutor “honoris causa”, será o
embaixador do Pará, “com as credenciais da cultura, sinceridade,
emoção”245.

Outros atributos foram apresentados, por Vicente Salles, no prefácio do livro “Obras
Completas (volume II)”, a Bruno de Menezes. Segundo Salles, assim como Heitor Villa-
Lobos afirmou “O folclore sou eu!”, Bruno de Menezes também deveria ter o feito, alegando
que este último, “por toda vivência que possuía de suas andanças belemenses, tornou-se
certamente a mais autorizada fonte de informação da cultura popular paraense, a quem muitos
recorriam com frequência”246.

243
COSTA, Antonio Maurício Dias da. A Produção da “Música Cabocla”: a polifonia formadora do Carimbó
nas representações de literatos, jornalistas e folcloristas no Pará (1900 – 1960). op. cit., p. 263.
244
Sobre isso, consultar matéria intitulada de Bruno: Saudades. Jornal A Província do Pará, 02 de novembro de
1963. (Suplemento Literário).
245
Matéria intitulada de O Poeta da negritude, dos tambores e do luar. Disponível em:
http://www.diariodopara.com.br/impressao.php?idnot=148262. Acesso em 10 de junho de 2015.
246
SALLES, Vicente. Bruno de Menezes, era o folclorista. In: MENEZES, Bruno. Obras Completas de Bruno
de Menezes. op. cit., p. 16.
93

Fora uma das mais vivas e legítimas expressões da cultura popular no


extremo-norte brasileiro. Sabia de todas as manifestações do espírito
popular. Informador sempre idôneo, documento oral imediato, simpatia
comunicante, colaboração afetuosa para os consulentes incontáveis. Poeta
magnífico, jornalista, ensaísta, expositor admirável, era o Embaixador do
Pará, com as credenciais da cultura, sinceridade e emoção247.

Na companhia de outros intelectuais do período248, Bruno de Menezes representava a


Comissão Estadual do Folclore durante reunião com os grupos juninos da cidade, em junho de
1951. Segundo notícia veiculada no ano em questão, essa comissão, além de atender aos
pedidos do então prefeito da cidade, o senhor Lopo Alvarez de Castro, de promover, ao longo
de Belém do Pará, atividades culturais referentes as apresentações desses grupos juninos,
buscava “preservar a tradição que tende a desaparecer e se estiola cada dia, desses elementos
folclóricos que tanto atuaram nos costumes do passado”249.

A ligação desse intelectual com a Comissão Nacional do Folclore parece ter se


estreitado a partir dos anos 50, após a aproximação dos intelectuais de outras regiões do País,
principalmente daqueles do eixo Rio – São Paulo, da pesquisa de Bruno de Menezes referente
às manifestações folclóricas e negras do estado do Pará250.

3.1.2. INTELECTUAIS E MEDIAÇÃO CULTURAL.

O termo mediação, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, nada mais é que o
ato ou efeito de mediar, de intervir, de interceder251 nos múltiplos espaços sociais, cujo

247
Ibidem. pp. 17.
248
José Coutinho de Oliveira, Margarida Schivazappa, Ernesto Cruz, Jaques Flôres, Eurico Fernandes e
Frederico Barata.
249
Auxílio da Prefeitura de Belém aos grupos e “bichos” de S. João. A Província do Pará. 13 de junho de 1951.
pp. 8.
250
Sobre isso, Consultar: LEAL, Luiz Augusto Pinheiro. A participação nortista nos Congressos do Negro e do
Folclore. In: LEAL, Luiz Augusto Pinheiro. “Nossos Intelectuais e os Chefes da Mandinga”: repressão,
engajamento e liberdade de culto na Amazônia (1931-1951). Tese (Doutorado em Estudos Étnicos e Africanos).
Universidade Federal da Bahia. 2011.
251
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI escolar: o minidicionário da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. p. 453.
94

contato entre ambos “são sempre problemáticos e provocadores das reações mais diversas”252,
incluindo também ações de diferentes grupos que possuem objetivos antagônicos. Os
mediadores culturais, nesse sentido, são aqueles que desempenham papeis de interpretes e que
transitam entre diferentes segmentos e domínios sociais, articulando-os e, em algumas vezes,
catalisando-os.
Para Letícia Vianna, a figura do mediador é importante na ampla relação constituída
por grupos e indivíduos distintos, no qual esse tem a capacidade de falar e interpretar várias
línguas e habilidades, assim como manipular códigos variados253. Esse intermediador,
segundo Gilberto Velho, torna-se um verdadeiro especialista na arte da interação dos
diferentes estilos de vida, bem como das diversas visões de mundo, desenvolvendo, não
importando seu local de origem, “o talento e a capacidade de intermediar mundos
diferentes”254.
Os festejos populares, segundo Antonio Maurício Costa, percebidos a partir de sua
dimensão histórica e social, “é uma prática que está inserida no campo dos conflitos e
negociações desenvolvidos na sociedade”255. Esses são verdadeiros espaços de convivência de
variados grupos, na qual alguns indivíduos assumem posições diferenciadas dos demais,
posições essas que apresentam sujeitos com “potenciais de metamorfose”256 bastante
desenvolvidos, onde atuam como mediadores em mundos altamente opostos e espalhados ao
longo da urbe.
Em Belém do Pará, durante os anos de 1950, sujeitos como jornalistas, cronistas e
literatos pareciam assumir esse papel de mediador cultural, a partir do momento em que se
esforçavam em apresentar ao leitor, em seus escritos presentes nas páginas dos periódicos,
relatos da vida festiva realizada na cidade. Esses indivíduos, como aponta Cristina Patriota de
Moura, “são muitas vezes pessoas que adquirem proeminência justamente por estarem
ocupando tal posição”257, conseguindo, às vezes, com seus discursos, ter grande influência no
modo de festejar na metrópole.

252
VIANNA, Hermano. “Não quero que a vida me faça de otário!”: Hélio Oiticica como mediador cultural entre
o asfalto e o morro. In: VELHO, Gilberto; KUSCHNIR, Karina (Orgs.). Mediação, cultura e política. Rio de
Janeiro: Aeroplano, 2001. p. 32..
253
VIANNA, Letícia. O Rei do meu Baião: mediação e invenção musical. In. Ibidem. p. 85.
254
VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1994. p. 81.
255
COSTA, Antônio Maurício. A festa dentro da festa: recorrências do modelo festivo do circuito bregueiro no
Círio de Nazaré em Belém do Pará. Campos, v. 7, n. 2, p. 83-100, 2006. p. 83.
256
Para melhor compreender a utilização do termo “potenciais de metamorfose” e sua relação com o termo
“mediadores culturais”, é importante consultar: VELHO, Gilberto, op. cit.; MOURA, Cristina Patriota de, op. cit.
257
MOURA, Cristina Patriota de. Ibidem. p. 188.
95

No caso dos festejos juninos realizados na capital paraense, nos anos 50, jornalistas,
intelectuais e cronistas como Lindanor Celina, Georgenor Franco, Cândido Marinho Rocha,
Eneida de Morais, Bruno de Menezes, entre outros, construíam certa imagem da festa popular,
tendo em vista ser uma tarefa difícil, “pois acostumados a lidar com seus iguais – alvos fáceis
de seus versos e frases bem construídas – não têm ainda o seu forte na comunicação com
grupo do qual, apesar da íntima convivência, desconhecem o próprio jeito de viver e
interpretar o mundo”258. Os textos desses sujeitos foram utilizados nessa dissertação por conta
das diversas referências acerca dos festejos juninos em Belém do Pará, escritos, pelos
mesmos, nas páginas de jornal e revistas que circulavam na cidade. Contribuindo,
significativamente, para o entendimento dos modelos festivos vivenciados na urbe na segunda
metade do seco XX.
No entanto, mesmo diante das supostas dificuldades encontradas ao longo do caminho,
durante a escrita, esses sujeitos tiveram papeis fundamentais na construção e narrativa da
história paraense, principalmente no que concerne às questões que giravam em torno da
cultura desse povo. É importante observar que esse é um período em que o termo “cultura”
tende a ocupar cada vez mais os espaços que antes eram preenchidos pelo “folclore” nos
escritos de jornalistas e folcloristas propriamente ditos.
Dentre as produções encontradas ao longo dos periódicos que circulavam em Belém
na década de 1950, alguns temas se destacavam, em meio aos quais está a forte valorização da
“tradição” na cultura local, muito presente nas obras dos jornalistas, cronistas e literatos que
escreviam nessas gazetas, podendo, tais temas, serem observados nos tópicos a seguir.
Sobre esses valores, Raymond Williams aponta, a partir das análises realizadas sobre
grupos de intelectuais ligados à cultura inglesa do início do século XX, que esses fazem parte
de uma verdadeira consciência social, pois ao romper com os dominantes, esses indivíduos se
relacionam com um grupo inferior, “não em solidariedade, não em afiliação, mas como uma
extensão do que é ainda sentido como obrigação pessoal (...) contra a crueldade e estupidez do
sistema e a favor de suas vítimas desesperançadas.”259, desempenhando assim, através de suas
produções, papeis de mediadores culturais.

258
PEREIRA, Leonardo. O carnaval das letras. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento
Geral de Documentação e Informação Cultural, 1994. p. 17.
259
WILLIAMS, Raymond. A Fração Bloomsbury. Plural, São Paulo, n. 6, p. 149-150, 1999.
96

3.2. ENTRE CRÔNICAS, FESTAS, TRADIÇÕES E


NOSTALGIA.

3.2.1 LINDANOR CELINA QUESTIONA: “CADÊ MEU


SÃO JOÃO?”

Apontada por Dalcídio Jurandir, na apresentação do romance Menina que vem de


Itaiara, como a “autora que conversa mais que escreve”, Lindanor Celina, escritora que
buscou em sem seus textos fixar, quase sempre, aquilo “o que viu, o que amou e desamou”,
refletindo a intenção em registrar em seus escritos, principalmente sobre os momentos em que
viveu nas cidades de Bragança e Belém do Pará, os espaços, os costumes mais tradicionais, as
pessoas e os trejeitos da população260, “incorporou-se ao pequeno grupo de escritores
paraenses que não se desgarra[ra]m da província e jura[ra]m amor constante àquelas criaturas
e coisas sempre tão ignoradas e remotas, que são o Pará”261.
Intelectual262, que saiu de Buritizal, na cidade de Castanhal, estado do Pará, para
ganhar o mundo, ao escrever seus romances e crônicas, preocupava-se em relatar suas
memórias desde os tempos de menina. Iniciada no jornalismo, no final da primeira metade do
século XX, especializou-se em crônicas literárias, publicando diversos trabalhos no Brasil e
na Europa. Além disso, Celina manteve, por muito tempo, contato com Benedito Nunes e
Dalcídio Jurandir, tendo, esse último, forte influência na maneira de escrever de Lindanor 263.
Sobre isso, Dário Benedito Rodrigues da Silva aponta que:

Quando Lindanor estreou no romance, com a escrita de Menina que vem de


Itaiara, nos anos 60, já se fazia conhecer como a cronista de grande
repercussão, pela sua atuação jornalística e desbravadora de matérias que
incluíam até personalidades famosas dos meios literários paraenses,
nacionais e internacionais. Em sua casa, recebia grandes expressões da

260
Consultar: SILVA, Dário Benedito Rodrigues Notado da. A memória da festa de são Benedito em Lindanor
Celina. Tucunduba: arte e cultura em revista. Belém/Pa. UFPA, n. 3, p. 14-23, 2012.
261
CELINA, Lindanor. Menina que vem de Itaiara. Ed. Especial. Belém: Cejup/Secult, 1997.
262
Sobre Lindanor Celina, ver: STOENESCO, Dominique. Belém, Paris, Lisboa... Itinerário de uma autora
paraense: Lindanor Celina. Latitudes, n. 2, p. 60-61, fev. 1998; PENHA, Maria de Oliveira. A cartografia de
Irene na trilogia de Lindanor Celina. 2008. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Pará,
Belém, 2008; TUPIASSÚ, Amarílis; PEREIRA, J. Carlos; BEDRAN, Madeleine. Lindanor, a menina que veio
de Itaiara. Belém: SECULT/PA, 2004; SILVA, Dário Benedito Rodrigues Nonato da. op. cit. p. 14-23.
263
Sobre isso, consultar: CELINA, Lindanor. Crônicas intemporais. Belém: CEJUP, 2003.
97

literatura, como Dalcídio Jurandir, que teve acesso, muito surpreso, a seus
escritos por meio da coluna “Miranete”, do Jornal “A Pronvíncia do Pará”.264

[...] a literatura de Lindanor Celina responde aos meandros da época, em que


se tinha a valorização da pessoa do literato tanto profissional quanto
publicamente, mesmo em se tratando de uma mulher, o que não nos cabe
aqui neste momento. Lindanor, considerada por muitos com a expressão “à
frente de seu tempo”, enfatiza no romance o poder da observação e da
conservação da memória sobre o esquecimento [...].265

Segundo o crítico literário Afrânio Coutinho266, Lindanor Celina era a “romancista de


costumes”, pois era comum, em suas narrativas, descrever cenas e situações do cotidiano,
sejam elas vividas no momento ou em épocas outrora. Essa escritora foi autora dos livros
Estradas do Tempo-Foi, Breve Sempre, Pranto por Dalcídio Jurandir, Afonso Coutinho,
Santo de Altar, A Viajante e Seus Espantos, Diário da Ilha, Eram Seis Assinalados e A
Menina que vem de Itaiara, tendo esse último ganhado destaque nas páginas do suplemento
literário que compunha o Jornal O Estado de São Paulo267, talvez, um dos principais jornais
do país. Alguns dos livros citados foram reeditados e publicados pela Editora
CEJUP/SECULT, no final do século XX.

264
SILVA, Dário Benedito Rodrigues Nonato da. op. cit., p. 16.
265
Ibidem. p. 23.
266
Uma das maiores expressões dos estudos literário brasileiro no século passado, se destacou em sua atuação no
ensino de literatura no Brasil, contribuindo de forma significativa no que concerne o âmbito da critica, teoria e
historiografia literária do país. Sobre esse intelectual, ver: COUTINHO, Eduardo F.. A contribuição de Afrânio
Coutinho para os estudos literários no Brasil. Anais. 3º Colóqui do Grupo de Estudos Literários
Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A crítica literária no Brasil.
Feira de Santana: UEFS, 3, 2012. pp. 9-20.
267
Sobre essa informação, consultar a orelha do livro “Crônicas intemporais”, em CELINA, Lindanor, op. cit.
98

Imagem 3. A menina que veio de Itaiara.


Fonte: TUPIASSÚ, Amarílis; PEREIRA, João Carlos; BEDRAN, Madeleine. (orgs.) Lindanor, a
menina que veio de Itaiara. Belém: SECULT, 2004. pp. 18.
99

Lindanor Celina transitou em diversos espaços da imprensa paraense do século


passado como o Estado do Pará, A Província do Pará e a Revista Amazônia, proporcionando
ao leitor dessa cidade melhor entendimento do que se passava em Belém, principalmente
acerca das questões do cotidiano local, tendo as manifestações festivas grandes destaques em
seus escritos.

Os jornais paraenses, como A Folha do Norte e A Província do Pará


também contribuíram para a divulgação da literatura regional. Nestes
veículos de comunicação, muitos escritores publicaram poemas, crônicas e
ensaios. Podemos citar, no terreno da crônica jornalística, os escritores: Nilo
Franco, Ápio Campos, Augusto Meira Filho, “o namorado de Belém” e
Lindanor Celina que, durante muito tempo, assinou em A Província do
Pará, a coluna intitulada Minarete. As crônicas da escritora apresentavam
um estilo forte e se voltavam os assuntos simples da vida cotidiana268.

No entanto, foi na Revista Amazônia de junho de 1955 que Lindanor Celina deixou
uma marca importantíssima sobre os festejos juninos de sua infância – lá pelos idos anos 30 –,
dando a entender que o intenso processo de urbanização e modernização da cidade, a partir da
segunda metade do século XX, proporcionou o desaparecimento da “autêntica” festa junina
vivida e apresentada pela autora.

CADÊ MEU SÃO JOÃO?

– Que é feito do São João de nossa meninice? Ah! os velhos tempos! Não
posso ver chegar esta época sem que em minha mente se faça logo uma
curiosa associação de idéias. São João, para mim, estará para sempre ligado
às reminiscências indestrutíveis de minha infância e adolescência, tempo
feliz que a saudade tocou de lindas e indeléveis côres. São João para mim,
pois, continuará a ser apesar do asfalto e tudo o mais que constitui a moderna
civilização, a lembrança tocante do nosso casarão da rua do Fio, a imensa
fogueira armada por meu Pai, o aluá magnífico feito por minha Mãe, os
bolos de milho, as cangicas, o arrôs doce, os primos, afilhados e madrinhas.
As adivinhações da clara do ôvo no copo dágua, os vintens (quem ainda
conhece vitem?) que a gente jogava na fogueira crepitante, para manhãzinha,
ao alvorecer, ir apanhá-los, catando-os por entre as cinzas ainda quentes,
para dá-los ao primeiro pobre que passassem cujo nome seria,
infalivelmente, o do nosso prometido. Ainda me lembro de um beberrão a
quem perguntei, ansiosa, o nome e ele respondeu, entre tombos, a voz
pastosa: “Colondino, menina”. Esfriei. Sabe lá o que é casar com um homem

268
CASTRO, José Guilherme de Oliveira. Lindanor Celina – A artesã de personagens. In: Tupiassú, Amarílis;
PEREIRA, João Castro; BEDRAN, Madeleine (Orgs.). 2004. pp. 37.
100

chamado Colondino? E o banho de igarapé, à meia – noite, água


geladíssima, os garrafões de cheiro, para dar sorte?... É difícil reconhecer
nêsse São João de beira de piscina, ultra-civilizado, anômico, urbanizado, o
velho São João. A gente de agora, numa vã tentativa de encontrar nêle o
mesmo pitoresco, tenta embalde fazê-lo reviver. E saem os estapafúrdio
“cunvitis” nos jornais, para um “São João em casa de nhã Fulana”, mas o
resultado nunca será o mesmo. É um São João sintético, isso mesmo,
sintético. A nossa civilização afastou-se tanto da natureza e do
provincianismo, que destôa, soa falso tudo isso, toda essa boa vontade em
retroceder a um passado de nós tão distante. É inútil, somos civilizados, da
geladeira, do gás butano, da televisão, não mais somos da roça. E por mais
que queiramos uma quadra joanina parecida com a de outrora, cadê côr
local, cadê ambiente? Nas grandes cidades, São João é apenas barulheiras,
foguetório, quem sabe lá o que é um aluá? É São João de pick-up, de fogos
perigosos, os “cabeça – de – negro” matando menino e até mesmo gente
grande, tão diferentes dos antigos e inofensivos “busca-pés”, que faziam
correr, soltando gritinhos nervosos as sinhazinhas de antanho. E os balões?
De primeiro, era mesmo uma beleza, cada qual caprichando mais no seu,
para soltá-los dentro da noite estrelada. Agora, é proibido, é perigoso, causa
danos, provoca incêndios. Mas deixe estar que era bem bonito a gente ver o
bicho colorido ir subindo, subindo, tornando-se mais e mais pequenino,
reduzido, à medida que subia, subia, tal qual os nossos sonhos, quanto mais
altos, mais irrealizáveis269.

Esse sentimento de nostalgia observado nas obras de Lindanor Celina, bem presente
na crônica aqui apresentada, era corriqueiro nos escritos de diversos redatores da imprensa
paraense. Desde pelo menos os meados do século XX é possível encontrar relatos marcados
por saudosismo relativo às então chamadas “festas joaninas de antigamente”.
Mas será que o São João vivido ou ansiado por Lindanor Celina era o mesmo da
população do subúrbio de Belém? Certamente não! Provavelmente, quase em nada ele se
associava àqueles vividos nas ruas do subúrbio, ao qual essa suposta modernidade não tinha
chegado tão violentamente, como aponta a cronista.
Sobre isso, matéria intitulada de “Fogueiras e Balões”, no jornal A Província do Pará
de junho de 1958, aponta que as festas juninas vividas nos espaços suburbanos da capital
paraense buscavam ainda viver momentos de alegrias e animações “entorno das fogueiras
crepitantes onde as famílias vão dilatando o círculo de parentes”, a partir do tradicional
compadrio de fogueiras, nos quais surgiam compadres e comadres, primos e primas e até
mesmo os “futuros” noivos e noivas, que, muitas vezes, acabavam concretizando o
matrimônio.
Segundo a matéria, os espaços festivos, “enfeitados de bandeirinhas multicolores e
palmeiras, entre as quais se destaca no seu heráldico porte, o açaizeiro, onde grande parte da
população se diverte ao som de alto-falantes ou orquestras típicas”, assumiam características
269
CELINA, Lindanor. Cadê meu São João?. Revista Amazônia: da planície para o Brasil. Jun. de 1955. s/ n.
101

“verdadeiramente populares”, proporcionando aos brincantes maior identificação como o que


era apresentado nas páginas dos periódicos como “tradicional” e indicando que características
do antigo São João permaneciam ainda por lá.
Diante da crônica escrita por Lindanor Celina, é possível identificar, pelo menos,
dois mundos festivos “distintos” da cidade de Belém do Pará, um que em alguns aspectos se
assemelham aquelas festas de São João realizadas e comemoradas nos terreiros juninos de
rua, no qual se buscava, quase sempre, relembrar – principalmente através de alguns aspectos
presentes neles –, o meio rural como, por exemplo, a presença marcante das fogueiras
crepitantes, do aluá, dos banhos de ervas, dos compadrios de fogueiras, ou seja, características
que relembravam o “velho são João” vivido pela autora. O outro mundo está relacionado com
o processo de urbanização e modernização da capital paraense, no qual é possível perceber as
organizações das festas juninas em “beira de piscina”, com presença de bebidas alcoólicas
como o wisky e a cerveja, de fogueiras e outros adereços sintéticos, das constantes barulheiras
causadas quase sempre pelos foguetes e aparelhos sonoros, conhecidos como “pick-up’s”, que
também animavam as festas desses ambientes.
Além disso, a literata aponta aspectos como os laços de solidariedades entre
familiares, amigos e vizinhos, durante a festa junina em Belém do Pará, que segundo a autora
pareciam estar perdendo força, nos anos de 1950, pois o processo de modernização e o grande
número de espaços de lazer e sociabilidade espalhados ao longo de Belém – do subúrbio ao
centro – intensificou o conteúdo urbano, proporcionando assim festejos em “beira de piscina”,
“ultra-civilizados”, urbanizados. Lindanor Celina, diante disso, define o São João de meados
do século XX, como um “São João Sintético”, sem “côr local”, sem ambiente que se
aproximasse o máximo do campo e da “tradição”.
É importante deixar claro, que nos anos de 1950, os dois modelos festivos, durante a
quadra junina em Belém do Pará, em alguns momentos se assemelhavam e em outros se
antagonizavam. Pois, em ambos os espaços, a modernização acabava se fazendo presente,
bem como a busca do que era visto pelos festeiros, pela imprensa e pelos brincantes como
tradicional.
Sobre isso, Tony Leão da Costa aponta que ao se falar de Belém do Pará, entre os anos
de 1930 e 1960, é possível observar “duas cidades”, uma – a central – na qual se encontram os
principais jogos políticos, tida como objetos de investimentos dos poderes púbicos, onde se
localizavam os espaços de lazer mais requintados da capital paraense; e a outra – a periférica
[subúrbio] – na qual é possível identificar ruas alagadas e escuras, bem como as distribuições
102

de clubes recreativos não tão requintados, mas de grande destaque, principalmente, diante dos
indivíduos moradores dessa área da cidade.
No Jornal Folha do Norte de junho de 1956, Lindanor Celina também deixa marca
importantíssima sobre os festejos juninos de Belém do Pará nos anos de 1950. Intitulada de
“Junho, barulhento e pitoresco...”, a crônica, bem próxima da que foi apresentada
anteriormente, através da comparação entre a festa “joanina” de outrora e aquela vivida na
década de 1950, pela literato, que nem esperava o mês de maio, “mês dos lírios e das
novenas”, terminar e já se anunciava com foguetes estourando pelo céu, faz com que a
cronista mergulhe saudosamente em sua memória e relembre dos tempos juninos de sua
infância e adolescência, “dias alegres que se foram para sempre”.
Buscando escapar dessa nostalgia, Celina propõe “sacudir para bem longe tais
lembranças e, encarando serenamente os dias que passam, procura viver cada um deles
intensa e plenamente, sem lamentos estéreis nem saudades inúteis”. Mesmo diante do
processo de “modernização festiva”, na qual as “fogueiras, compadres, comadres, milho
assado, bumba-meu-boi e os banhos feiticeiros” perderam espaços para o “asfalto, os arranha-
céus e o gás butano”, a autora, decididamente, vive o “novo” São João “inteirinho, em cada
minuto, em cada hora, em cada dia”, concluindo que a vida segue e que se desprender,
minimamente, do passado é fundamental para aproveitar o presente.

3.2.2 BRUNO DE MENEZES E ENEIDA DE MORAES: ENTRE


FOLHAS, RAÍZES, MADEIRAS, CASCAS E CIPÓS.

Bento Bruno de Menezes (1893-1963)270, considerado, no meio acadêmico e literário


paraense, como um dos maiores folcloristas da região amazônica, foi personagem de destaque
no meio literário local. Como jornalista, trabalhou em vários jornais de Belém como Folha do
Norte e Jornal do Povo. Também foi membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará
(IHGP), da Comissão Paraense do Folclore e presidente da Academia Paraense de Letras
durante os anos de 1956 e 1957.

270
Sobre Bruno de Menezes, ver: REIS, Marcos Valério Lima. Entre poéticas e batuques: trajetórias de Bruno
de Menezes. 2012. Dissertação (Mestrado em Comunicação, Linguagem e Cultura) – Universidade da
Amazônia, Belém, 2012; FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Arte, literatura e revolução: Bruno de Menezes,
anarquista, 1913-1923. In: FONTES, Edilza Joana de Oliveira; BEZERRA NETO, José Maia (Orgs.). Diálogos
entre história, literatura & memória. 1. ed. Belém: Paka-Tatu, 2007; FARES, Josebel Akel. Bruno de
Menezes e o rufar dos tambores. Boitatá, Londrina, n. 13, p. 126-137, jan.-jul. 2012.
103

Menezes publicou vasta obra entre os anos de 1920 e 1960. Suas principais obras
foram: Crucifixo (1920), Bailado Lunar (1924), Poesia (1931), Batuque (1939), Lua
Sonâmbula (1953), Poemas para Fortaleza (1957) e Onze Sonetos (1960). O folclore começou
aparecer com grande intensidade nas obras de Bruno de Menezes no final dos anos 50,
quando da publicação dos livros Boi Bumbá (1958) e São Benedito da Praia (1959).
Era um “escritor por vocação, com alma de poeta”. Foi fundador da revista literária
Belém Nova, uma das revistas que circulavam na capital paraense e que era responsável pela
divulgação da poesia modernista brasileira. De acordo com Aldrin Moura de Figueiredo, a
revista Belém Nova surge com grande novidade. Ou seja, buscava ir de contra ao que já havia
sido desenvolvido no campo da arte e da literatura paraense até então, tendo em vista
desenvolver uma arte dentro do âmbito e costumes do cotidiano da região, dialogando com as
das demais regiões do país271, que também se encontravam presentes nas páginas desse
periódico272.

271
A revista Belém Nova contou também com a participação de diversos escritores das outras regiões do Brasil,
principalmente do Nordeste do País (Maranhão, Rio Grande do Norte e Pernambuco). Sobre isso, consultar:
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Os Vândalos do Apocalipse e outras histórias: arte e literatura no Pará dos
anos 20. Belém: IAP, 2012.
272
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Civismo, mundanismo e modernismo: nasce a revista Belém Nova. In:
Idem.
104

Imagem 4. Bruno de Menezes, o “Embaixador” da cultura paraense.


Fonte: Adriano Abade – Rufando o Batuque de Bruno de Menezes273.

Segundo a crítica literária da época, a produção de Bruno de Menezes foi fundamental


para a construção do conhecimento histórico e social da Amazônia. Ao realizar uma
transposição das vivências do negro no Brasil, em especial da região Norte, do folclore e da
realidade desse povo, esse autor proporcionou, não apenas aos críticos literários, mas também

273
Disponível em: https://nadadorentrepalavras.wordpress.com/2014/08/22/rufando-o-batuque-de-bruno-de-
menezes/. Acessado em: 05 mai. 2015.
105

aos pesquisadores das humanidades, compreender um pouco mais sobre os hábitos e costumes
do povo nortista.
No Jornal Folha do Norte de junho de 1952, Bruno de Menezes escreve texto
intitulado de “Belém, cidade dos cheiros de São João”, no qual, preocupa-se em apresentar ao
leitor um dos principais costumes populares realizados, na época, durante os festejos juninos,
principalmente nas vésperas e dia de São João: o banho de cheiro.
Segundo esse autor, no dia 24 de junho de 1952, a cidade de Belém do Pará
“amanheceu trescalante. Cheirando a vegetais odorantes, a raízes maceradas”, dentre as quais
destacavam-se vinde-cá-pagé, cascas de arataciú, serragens de pau de Angola, capelas cor
de musgo, entrelaçadas a outras raízes, formando as “corôas silvestres, como nas antigas
festas campestres”, anunciando o momento de louvar “os santos folieiros”.

As maceradas, que exalavam um forte cheiro pela cidade, principalmente


pelas feiras, praças e ruas do subúrbio que, segundo Bruno de Menezes, faz
com que pessoas fiquem tontas só de sentir o forte e bom cheiro proveniente
dessas ervas e raízes “que serve de afrodiziaco para os amores luso-
africanos, que andam nas ruas do comércio, nas praças adjacentes, como se
uma porção de mulatas, de mulheres diferentes das outras, saíssem dum
banho tribal, de ritualismo nudista, feito de cheiros bravios”.
Todos êstes recantos amanheceram mandando no sôpro do vento
O cheiro tirado da para a cidade se banhar,
Este cheiro que entra pela João Alfredo, invade os onibus grafinos,
Belisca os braços das brancas, das mulatas, das curibocas, das roxinhas,
Entra nas casas de comercio, nos botequins, nas farmacias, que preparam
drogas;
Vão bulir com as moças dos QUATRO E QUATROCENTOS, até com os
malandros “mordedores”...274

Como indica Vicente Salles no ensaio As Raízes da Cultura Mestiça na Amazônia275,


os costumes apresentados acima e que também estarão presentes nas obras de diversos autores
da região como, por exemplo, da escritora Eneida de Moraes, que observaremos a seguir, a
miscigenação cultural – europeia, indígena e africana – transplantada e modificada ao longo
do tempo, resultado da interação desses povos, indicada pelos pesquisadores das humanidades
como a cultura propriamente brasileira, diante de suas peculiaridades regionais, “transmitem a
conduta e o habito das gentes, seus saberes e seus fazeres”.

274
Belém, cidade dos cheiros de São João. Jornal Folha do Norte, 24 de junho de 1952.
275
SALLES, Vicente. As raízes da cultura mestiça na Amazônia: singularidade de um modelo cultural
ternário. Brasília: MicroEdição do Autor, 2010.
106

Na obra Aruanda e Banho de Cheiro, Eneida de Villas Boas Costa de Moraes (1903-
1971), ou simplesmente Eneida, como gostava de ser chamada, rememora a dinâmica cultural
de quando vivia em Belém do Pará, nas duas primeiras décadas do século XX, busca, de
forma comparativa com a de quando visitou a cidade por volta da segunda metade dos anos
40, após sua partida para o Rio de Janeiro, apontar as diversas transformações no espaço
urbano da capital paraense, bem como no que diz respeito à cultura e a relação social dos
moradores de Belém do Pará, deparando-se com o processo de mudança significativa pelo
qual a sociedade local passava, como “o aparecimento de associações literárias, revistas e
jornais; o ressurgimento da Academia Paraense de Letras”.
Segundo José Guilherme de Oliveira, as crônicas escritas por Eneida de Moraes
“representam um encontro com fatos banais, corriqueiros, com as lendas do folclore paraense,
os namorados, o cão da madrugada, os objetos de estimação e as injustiças sociais”, esses
textos chegam até o leitor com um sabor diferente, fazendo com que esses questionem e se
posicionem diante dos fatos apresentado. Em suas produções literárias, como um ato de
desabafo, Eneida “usou-se desse direito de ser livre, de falar aquilo que sentia com
espontaneidade, sem qualquer medo ou constrangimento. Talvez, por isso mesmo, seus livros
transbordem lirismo, transfigurando-a uma “sempre viva” cujo perfume poético permanece
gravado nas páginas de suas obras e na memória do leitor”276.

276
CASTRO, José Guilherme de Oliveira. Prefácio. In: MORAES, Eneida. Aruanda – Banho de Cheiro.
Belém: CEJUP/SECULT, 1997, p. 7-8.
107

Imagem 5. Eneida de Moraes, mulher de voz forte e poderosa.


Fonte: Arnaldo Nogueira Jr. – Conversa de Mulher277.

Eneida de Moraes circulou por entre discursos políticos e literários e, nos anos 1930,
entrando em contato com as obras de filosofia marxista, encantou-se e entregou-se ao ideário
comunista, muito presente nas suas obras, desde então. Nos livros “Aruanda” (1958) e
“Banho de Cheiro” (1965), essa escritora, já residente na cidade do Rio de Janeiro, por meio

277
Disponível em: http://www.releituras.com/eneida_menu.asp. Acesso em: 16 out. 2015.
108

de sua memória, conta-nos sua relação com os santos católicos festejados ao longo do mês de
junho, mostrando um distanciamento com Santo Antônio e São Pedro, mas uma imensa
afetividade com São João, de quem era “velha e dedicada amiga”. Além disso, a autora
destaca aspectos dos costumes tradicionais do povo paraense, ao descrever a prática dos
banhos e supertições realizadas na virada do dia 23 para o dia 24 de junho:

Em minha terra, na longínqua e amada cidade de Santa Maria de Belém do


Grão Pará, há uma prática extremamente bela e perfumada, que se chama o
banho de cheiro ou banho da felicidade. Quereis aprender a fazê-lo? A
receita é simples, e transmitindo-a, cumpro um dever, pois de coração vos
desejo, a todos, muitas felicidades. Tomai de uma lata de banha bem limpa.
Dentro dela, com bastante água jogai fôlhas, raízes, madeiras cheirosas da
Amazônia que, raladas, esmagadas – verdes pela juventude ou amareladas
pela velhice – darão, depois de fervidas, um liquido esverdeado, com
estranho perfume de mata virgem. Perdoai se os nomes dessas ervas
parecerem selvagens aos vossos ouvidos habituados aos caros, raros e belos
perfumes franceses, cujos rótulos lembram romances e poemas. Nossos
aromas, primitivos, agrestes, são frutos da floresta e, com êles, naturalmente
nossos avós índios também se perfumavam; se não recendiam aquêle odor, é
porque – sabeis – os índios tem cheiro de terra. Eis as plantas necessárias ao
banho da felicidade: catinga de mulata, manjerona, bergamota, pataqueira,
priprioca, cipó catinga, arruda, cipoíra, baunilha (só uma fava) e corrente.
Deixa-i ferver e ferver muito. Depois – ah depois... – deixa-i esfriar e está
pronto o vosso banho de São João, que deve ser tomado à meia-noite de 23
de junho para abrir as portas de todas as venturas. São João ajudará. Manhã
cedo, no meu tempo de menina – perdoai se gosto tanto de ressuscitar meu
passado – nas vésperas de São João, a cidade amanhecia festiva, com a
correria de homens carregando à cabeça tabuleiros cheios das ervas da
felicidade. Seus pregões embalavam as mangueiras que arborizavam praças
e ruas de Belém de meu tempo. Cheiro cheiroso! (a pronuncia local: chêro
chêroso.)278.

Essa intelectual, ao escrever seu texto, expressa um forte saudosismo em relação às


festas juninas de outrora, no qual se observa um tom de nostalgia da escritora que compilou
suas memórias nos anos 1940 longe de Belém e rememorava o período junino de sua infância.
A importância da prática dos “banhos de felicidades” apresentados pelos intelectuais
acima, bem como a maneira que esses deveriam ser tomados, ganhavam cada vez mais
espaços nas páginas dos periódicos da cidade na década de 1950. O jornal Folha do Norte de
junho de 1950, apresenta aos leitores da época alguns dos principais compostos desse banho.

HERVAS – Pataqueira, São João, oriza, mucuracaá, caraxió, arruda, vindicá,


carneirinho, malvarosa, pluma e panema.
CIPÓS – Corembó, catinga, sucuripi e cipó-juira.

278
MORAES, Eneida de. op. cit., p. 69-71.
109

RAIZES – BATATAS – Mão d’onça, urutaciú, periperióca, patcholi, ária de


cheiro, mendara e marapuama.
CASCAS – De cedro, buiussú, umiri, preciosa e macaca-puranga.
PAUS – Santo, de Angola, de Rosa, corembó.
TREVOS – De boto, roxo, cumaru, torcidinho, japana, Mangerona, catinga
de Mulata, mangericão, amor crescido, redondo, pé de galinha, pega-rapaz,
macaquinho, beliscão, abraçadinho, benjoim, apertadinho, etc...279

Assim como Eneida de Moraes, o periódico apresentado acima, além de destacar os


principais elementos que compõem a “água perfumosa da felicidade”, que “constitui uma das
mais belas e queridas tradições da quadra buliçosa”, indica aos leitores, principalmente
àqueles que nesta tradição se deleitavam, o modo de preparo do mesmo.

De maneira diferenciada daquela apresentada pela escritora Eneida de Moraes, o jornal


em questão, tendo como orientador da forma de preparo do banho, o jornalista Ildefonso
Tavares, mais conhecido como o “Marabá”, aconselhava que esse fosse feito e tomado do
seguinte modo:

Os trevos, hervas e cipós são pisados e as raízes e paus, ralados dentro de


uma bacia ou cuia pitinga, com água, guardando-se a decoção até a hora do
banho. Em seguida, deita-se água limpa pelo corpo e esfrega-se todo ele com
as raízes, hervas, etc., em fusão, concluindo o banho por despejar-se sobre a
cabeça o liquido restante. É de rigor vestir a roupa sem enxugar o corpo.
Cada uma das hervas, raízes e cascas tem a sua virtude particular, uma das
quais, dizia Marabá, tira a caipora do homem e da mulher.

Apontado por Georgenor Franco na Revista Amazônia de junho de 1957280 como


“jornalista de fibra e com um grande coração”, Ildefonso Tavares, o “Marabá”, ficou
conhecido entre os amigos de profissão como o grande especialista nos assuntos que giravam
entorno da quadra junina na região. No jornal Folha do Norte, era responsável pelas colunas
sobre o carnaval e os festejos juninos, onde incentivava a população belenense a desenvolver
com alegria e qualidade esses folguedos populares por entre as ruas e praças espalhadas ao
longo da capital paraense. Além disso, ficou também conhecido por “Pagé Marabá”, talvez
pelo fato do mesmo transitar corriqueiramente, com outros funcionários da imprensa da qual
era representante, pela feira do Ver – o – Peso, principalmente por entre os espaços destinados

279
Quadra Joanina: os banhos de felicidade. Jornal Folha do Norte. Junho de 1950.
280
Sobre as informações aqui apresentadas, consultar matéria intitulada CAI, CAI BALÃO! ACENDE A
FOGUEIRA EM MEU CORAÇÃO!. Revista Amazônia. Jun. de 1957.
110

às ervas, cascas, raízes e cipós, que serviam de ingredientes para a realização do famoso
“banho de cheiro cheiroso”.
Houve quem dissesse na época que o “Pagé Marabá”, além de ser grande admirador
das vendedoras de ervas, também receitava aos compradores desses produtos banhos para
todos os casos como, por exemplo, busca de emprego, mulheres que queriam arrumar
maridos, homens que queriam conquistar as mocinhas, realização de casamentos, velhos que
queriam reconquistar vigor de outrora, etc., tendo, talvez por esse motivo, recebido tal titulo.
Várias são as referências atribuídas ao pajé, por historiadores e antropólogos. Segundo
Gianno Quintas, o pajé é aquele que “dispõe de poderes especiais para curar males
sobrenaturais como a ‘panema’, ‘assombrado de bicho’ e outras moléstias características da
região amazônica”281; para isso, é comum esses utilizarem materiais que estão diretamente
ligados a fauna e flora da região. Sobre isso, Aldrin Moura de Figueiredo, no livro A cidade
dos Encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia (1870-
1950), assinala que os pajés, também apontados pela imprensa local do século XIX e início do
XX como “grandes feiticeiros”, “bruxos” e “patifes”, passam, a partir da terceira década do
século passado, após os escritos de intelectuais sobre as práticas religiosas negras e indígenas
da Amazônia, a serem encarados por outro viés: a partir de um olhar positivo de muitos que
compõe a sociedade local do período282, principalmente pela intelectualidade local.
Sobre a prática do uso de ervas, madeiras, cascas e cipós, nos festejos populares em
Belém, o pesquisador e antropólogo Napoleão Figueiredo, no livro, Rezadores, Pajés e
Puçangas, observa que tal processo, também associado às práticas curativas, relacionadas,
principalmente, aos cultos religiosos afro-amazônicos, era normalmente realizado durante os
festejos juninos, período no qual a renda dos vendedores dos produtos coletados, muitas
vezes, de espaços distantes da capital como, por exemplo, a Zona Bragantina, região
Guajarina, Tocantina e das ilhas, era transportada a Belém por meio do sistema fluvial ou
rodoviário, aumentava consideravelmente283.
Para esse autor, os visitantes de Belém do Pará, e arrisco também incluir os próprios
moradores da cidade, que transitavam pelas feiras da capital paraense, muitas vezes sentiam-
se atraídos pelas barracas pequenas, nas quais eram vendidos as ervas, cascas, raízes e banhos,
tendo ao lado uma quantidade imensa de produtos da flora, da fauna e da natureza mineral da

281
QUINTAS, Gianno Gonçalves. Pajelanças e religiões afro-brasileiras. Anais. XI Congresso Luso Afro
Brasileiro de Ciências Sociais. Salvador – Ba. UFBA. 2011. pp.2.
282
Sobre isso, ver: FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A Cidade dos Encantados: pajelança, feitiçarias e
religiões afro-brasileiras na Amazônia (1870-1950). op. cit.
283
FIGUEIREDO, Napoleão. Rezadores, Pajés e Puçangas. Belém: Boitempo, 1979.
111

região284, concluindo que “na mentalidade mágica do homem amazônico, integrado ao


processo que se desenvolveu e se desenvolve na área, existe apenas um todo – suas crendices,
suas supertições, enfim, sua religião”285.
Nesse sentido, Carmem Izabel Rodrigues assinala que os festejos populares realizados
na capital paraense, desde pelo menos o século XVII, são resultados do processo de
mestiçagem cultural entre os diversos grupos que, mesmo diante das reinvenções, nas práticas
religiosas e populares da sociedade nortista desde então, resistindo e se fortalecendo,
principalmente nos arrabaldes da cidade que se expandia e se modernizava aos poucos286.

3.2.3. CÂNDIDO MARINHO ROCHA: “JUNHO DAS


FESTAS DE TODOS”

Cândido Marinho Rocha nasceu em 1907, em Belém do Pará. Iniciou suas publicações
de contos e crônicas a partir do ano de 1926, aos 19 anos. Colaborou com a revista A Phênix,
da Academia Livre de Comercio da Phênix Caixeiral Paraense, dirigida por Ramiro Castro.
Foi eleito, em 1958, Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP) e em 1961,
assumiu a cadeira de nº 1 da Academia Paraense de Letras (APL), onde defendia fielmente o
desenvolvimento de uma literatura por ele sugerida de “O Paraensismo”. Esse autor, como
aponta Reginaldo Arroyo, da Folha de São Paulo, em 1964, trás em seus textos cor local,
caracterizado, principalmente, pela linguagem regional, o que era comum nos textos dos
outros intelectuais da época.
Era junho de 1956, a Revista Amazônia, mais uma vez, chegava às mãos de seus
“formidáveis” leitores, trazendo em suas folhas noticias vinculadas ao dia a dia da população
belenense e de outras localidades da região Norte. Dentre essas páginas, encontravam-se
diversos escritos sobre os festejos do mês em questão, em meio a qual se destacava aquele
intitulado de Junho Feliz, escrito por Cândido Marinho Rocha287.
A matéria contava que maio, o mês do romantismo, chegava ao fim e começava mais
uma vez o mês de junho, “sempre feliz”, trazendo junto à tradição das festas juninas, que em

284
Ibidem. pp. 1.
285
Ibidem. pp. 5.
286
RODRIGUES, Carmem Izabel. Vem do bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidade em
espaços urbanos. op. cit., p. 217.
287
Sobre o que foi apontado, consultar: ROCHA, Cândido Marinho. Vila Podrona - Sobre o Autor. Belém:
Luzes-Gráfica Editora, 1964.; CASTRO, Acyr, ILDONE, José, MEIRA, Clóvis. op. cit.
112

muito fazia lembrar os santos homenageados (Antônio, Batista, Pedro e Marçal). Ou seja,
iniciava o “Junho das alegrias dos simples. Junho das festas de todos. Junho dos cânticos dos
Ingênuos”.
Como é observado no título da matéria apresentada acima, o mês de junho era
apontado por Cândido Marinho Rocha como o mês da felicidade, cheio de encanto e
inocência, no qual homens, mulheres, crianças e idosos, divertiam-se tranquilamente, “sem o
desequilíbrio dos guizos embriagadores de Fevereiro; cantante, sem malicia; saltitante, sem
caricaturas; humano, sem divisões; dançarino, sem exagerações”.
Além das qualidades apresentadas pelo autor, o mês de junho também é visto como
aquele em que a prática da democracia se tornava constante, quando humildes e poderosos,
juntos, divertiam-se nos espaços enfeitados de fitas, balões e bandeirolas, até os primeiros
raios do sol. Pois, nesse mês:

As choupanas se transformam em palacios coloridos e iluminados e os


palacios se transmunham em choupanas enormes, ruidosas e garridas. Todos
se tornam roceiros amáveis, de face e fala simplória e simpática. Os letrados
“viram” pescadores; os ricos são apenas remadores satisfeitos; as mocinhas
em vestidos de chita; as damas de sandalias cheirosas; os moços contentes
nas calças curtas com remendos de tecido novinho; os pobres dançam nos
“cordões”, cantando felicidade; os velhos, sorridentes, recordam. E todos são
compadres e amigos288.

A busca de uma construção simbólica do interior, durante as festas juninas na cidade,


era algo corriqueiro nos escritos de intelectuais da Revista Amazônia, assim como nas páginas
dos jornais que circulavam na capital, não somente na organização dos ambientes de lazer,
mas nas características do homem interiorano, ou seja, nos seus trajes, costumes e fala.

Apesar da desvalorização do homem do campo, esse, durante o mês junino, ganhava


significativo destaque por entre as ruas, praças, clubes e terreiros espalhados ao longo da
capital paraense. Mesmo diante dessa suposta evidência ao homem do interior, o “caipira”
ainda trazia consigo aquele estigma negativo atribuído ao trabalhador rural, como aquele sem
sofisticação, que não consegue, de maneira alguma, acompanhar a evolução da sociedade da
qual faz parte, características essas bastantes apontadas por Monteiro Lobato em sua obra
Urupês, da qual a personagem principal era o famoso Jeca Tatu.

288
Junho Feliz. Revista Amazônia. Junho de 1956.
113

O discurso construído por Monteiro Lobato a respeito do “Jeca Tatu” passou


a ser efetivado como verdade quando o público enunciatário aceitou-o como
real e, portanto, verdadeiro. A partir de então Lobato passou a exercer poder
sobre a figura do caipira por meio de seu discurso, resultando na figura
estigmatizada do “caipira” e na construção de um novo sentido inerente ao
homem do campo, o qual se efetivou e, muito embora não seja o único
sentido atrelado ao termo “caipira”, cristalizou-se e perdura até hoje na
memória discursiva do público enunciatário brasileiro289.

O homem do campo/caipira, apresentado por Monteiro Lobato como aquele sem


interesses nas questões políticas e sociais do país, tinha como grandes características a
significativa fé religiosa, atrelada, quase sempre, às crendices curativas e aos sabes populares
vinculados a região da qual fazia parte290. Esses vínculos religiosos, bem como o interesse na
crença e nas práticas de cunho popular também se fizeram presentes nas páginas da Revista
Amazônia durante o mês de junho.
Como pode ser observado na crônica escrita por Lindanor Celina, apresentada
anteriormente, as práticas e crenças supersticiosas estavam presentes no dia a dia da
população belenense, principalmente daqueles que se encontravam, de alguma forma, ligados
ao subúrbio da capital paraense, região essa onde tais práticas se faziam constantes.
No texto Cai, cai balão! Acenda a fogueira em meu coração! de Georgenor Franco291,
presente na Revista Amazônia de junho de 1957, observa-se as principais crendices praticadas
pelos jovens que buscavam, curiosamente, saber de seu futuro. Sobre essas crenças e
superstições, Renato Almeida observa que tais práticas têm a capacidade de aprisionar a
maioria das pessoas "através de seus temores, de coisas ou seres que lhe podem dar sorte ou
azar, que fazem o bem ou o mal..."292. Vejamos algumas delas:

289
CASTILHA, Leandro Dalcin. A construção de um sentido de “caipira” no “Jeca Tatu” de Monteiro Lobato.
Espaço Plural. Ano VIII. Nº 16. 1º semestre. 2007. pp. 74.
290
Sobre isso, consultar: COSTA, Antonio Maurício D.; Gomes, Elielton B. Castro. op. cit.
291
Georgenor de Sousa Franco (1919 – 1985), jornalista e escritor, foi presidente por aproximadamente 14 anos
da Academia Paraense de Letras, onde ocupava a cadeira de número 38. Transitou por vários órgãos da capital
paraense como o Conselho Estadual de Cultura, Instituto Histórico e Geográfico do Pará, Federação das
Academias de Letras do Brasil, Instituto Brasileiro de Educação, Ciências e Cultura. No âmbito literário,
Georgenor Franco proferiu várias conferências em esfera local e nacional, além disso, presidiu comissões
julgadoras de concursos literários na cidade de Belém e até mesmo no interior do estado. Trabalhou, por muito
tempo, ao lado do poeta Haroldo Maranhão, no jornal Folha do Norte. Além de ter trabalhado na imprensa
citada, Georgenor Franco cooperou significativamente para a Revista Amazônia, na qual escrevia textos que
giravam entorno das questões políticas, sociais e culturais da cidade. Sobre isso, consultar: CASTRO, Acyr;
ILDONE, José; MEIRA, Clóvis. 1990. V. 3.
292
ALMEIDA, Renato. Manual de Coleta Folclórica (1965). In. GRINBERG, Isaac. (Ed.) Folclore de Mogi das
Cruzes. São Paulo: Ed. LIS, 1981, p. 65.
114

O NOME NO PAPEL: Escrevemos em pequenos pedaços de papel os nomes


de várias pessoas, enrolam-se os papezinhos e os põem numa vazilha com
água; o papel que amanhecer desenrolado indicará o nome do noivo ou da
noiva. Este serve para homem e para mulher.

O ANEL NO COPO – Passa-se sobre a fogueira um copo contendo água,


mete-se no copo, sem que atinja a água, um anel de aliança preso por um fio,
e fica-se a segurar no fio; tantas são as pancadas dadas pelo anel nas paredes
do copo quantos os anos que o experimentador terá de esperar pelo
casamento.

MESA POSTA: a jovem deve guardar um bocado de todo alimento que


tomar nas diversas refeições, arranjando assim um pratinho que é posto
sobre uma mesa. Indo deitar-se a moça sonhará com o homem com quem
deverá unir-se, mais tarde, pelo matrimônio. E verá muito bem o rosto do
rapaz, de maneira a reconhecê-lo no seu prometido.

SOMBRA NA ÁGUA: a pessoa curva-se sobre um rio, um açúde, ou mesmo


uma vasilha com água, procurando divisar as feições retratadas. Se não
aparecer, não chegará a outro São João. Morre no duro.

MOEDA NA FOGUEIRA: Coloca-se uma moeda na fogueira de São João, e


pela manhã retira-se do brazeiro e dá-se de esmola ao primeiro pedinte,
perguntando-se-lhe o nome. Serà este o do futuro esposo. Se fòr rapaz, a
moeda deve ser dada à primeira esmoler.

PLANTIO DO ALHO: para saber se está próximo a casar, a pessoa planta


três dias antes de São João, três cabeças de alho; quantas cabeças
aparecerem, nascendo, no dia de São João, tantos serão os anos de espera do
casamento. Se porém nenhum aparecer, é que a moça ficará pra titia.

Percebe-se que os costumes considerados pela Igreja e pelo Estado como pagãos,
utilizados nas festas juninas realizadas na colônia portuguesa, faziam, ainda nos anos de 1950,
parte desse ciclo festivo, porém, de uma forma readaptada ao contexto da segunda metade do
século XX, e isso vai mais além, pois a crença no sobrenatural como "instrumento de cobiça"
permanece até os dias atuais, tempos no quais tal prática não possui mais o caráter
pecaminoso, sendo, agora, parte de uma "tradição" popular.
Sobre isso, Edward Thompson observa que “no século XVIII, o costume constituía a
retórica de legitimação de quase todo uso, prática ou direito reclamado. Por isso, o costume
não codificado – e até mesmo o codificado – estava em fluxo constante”293, sendo esse um
campo no qual a mudança se fazia presente de forma intensa.
É interessante notar que essas referências de simpatias presentes nos textos
jornalísticos e nas crônicas de revistas dos anos 50 estavam, quase sempre, direcionadas a um

293
THOMPSON, Edward. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. pp. 16.
115

público feminino, considerado pelos diretores das revistas como alvo de destaque nas compras
de revistas de variedades.
Vale salientar que esses intelectuais tiveram importância significativa, através de seus
discursos, nos modelos festivos vivenciados em Belém do Pará nos anos de 1950 e
permitiram, por meio de suas narrativas, perceber as relações sociais e culturais estabelecidas
entre as pessoas nesses espaços, nos quais muitas nasceram, cresceram e aprenderam a
construir valores e costumes sociais e culturais dentro do que lhes eram essenciais.
116

CONCLUSÃO
117

CONCLUSÃO

A “finalização” de um trabalho é o momento em que existe a possibilidade não apenas


de apontar resultados, mas, também, de indicar novas perspectivas para pesquisadores
seguintes, instigando-os no levantamento de novos questionamentos e na busca de outras
respostas.
A temática dos festejos juninos em Belém do Pará ainda é um universo a ser visitado,
visto que os trabalhos desenvolvidos sobre tais festejos não são suficientes para entender, em
amplitude, as implicações históricas e sociológicas dessa celebração festiva da cidade.
Portanto, lanço, através dessa dissertação, uma discussão que permita, em algum aspecto,
contribuir com os estudos sobre a temática das manifestações culturais da região.
O festejo junino é, hoje, de modo geral, considerado importante celebração festiva no
país, não só para o cidadão brasileiro como também para indivíduos estrangeiros, servindo,
muitas vezes, junto com outras manifestações festivas, como marca característica de diversos
sujeitos no Brasil. Esses festejos tornaram-se uma grande janela e um magnífico palco para
acompanhar a cultura popular belenense na segunda metade do século XX e sua
transformação na história, a partir de suas múltiplas dimensões e apropriações.
Em Belém do Pará, no século passado, durante os tempos festivos, “aglomeravam-se
uma multidão anônima, que dava vida, som, cor e movimento”294 aos espaços dançantes
espalhados ao longo da urbe. Referências festivas diversas foram elaboradas nesse período,
possibilitando à cidade um entrelaçamento de culturas e feições urbanas, principalmente a
partir do final da primeira metade do século XX. Essas características podem ser identificadas
nas páginas de jornal e revistas que circulavam em Belém no período em questão,
especialmente nos lugares destinados as narrativas de memorialistas, cronista e jornalistas,
que registraram nesses espaços suas impressões ouvidas e vividas sobre a vida festiva da
capital paraense.
O percurso desse trabalho teve como ponto de partida as festas juninas em Belém do
Pará nos anos de 1950. A partir delas tentamos perceber a relação desses festejos, através das
narrativas e representações intelectuais, com as mudanças que a cidade vivenciava no período.
Para isso, foi trilhado um caminho no qual visitamos inicialmente os múltiplos sentidos e

294
CORRÊA, Ângela Tereza de Oliveira. Belém do Pará, palco de manifestações culturais no início do século
XX. In: SIMONIAN, Ligia (Org.). Belém do Pará: história, cultura e Sociedade. Belém: Editora do NAEA,
2010. pp. 307.
118

papeis que foram atribuídos a essa manifestação festiva por aqueles que se propuseram a
compreendê-la e explicá-la. Esse trajeto nos levou a perceber que as festas juninas reuniam
várias funções, sentidos e significados, não só para os brincantes, como também para aqueles
que a promoviam e para quem relatava na imprensa local sobre elas.
Procurou-se demonstrar que ao longo da década de 1950 intensificaram-se as
divulgações desses festejos nas páginas de jornal e revistas da capital paraense, o que indica a
importância desses momentos festivos para os moradores da cidade, que adotaram novos
conteúdos e posturas onde o que prevalecia eram características de um modelo festivo mais
urbanizado, que estavam atreladas ao processo de urbanização e modernização de Belém,
relacionando-as com aquelas vigentes desde pelo menos o início do século XX.
A expansão espacial e populacional da cidade, na segunda metade do século XX,
delineou um novo estilo de vida, bastante diferenciado daqueles de anos atrás. O processo de
urbanização e modernização dos espaços belenenses parecia se sobrepor às características
rurais, que diversas vezes tomavam os anúncios e crônicas sobre as festas juninas do período.
Essas características se encontravam também em alguns espaços da cidade, como, por
exemplo, o subúrbio, no qual portos, hortas e vacarias que poderiam ser encontradas em
bairros como Guamá, Condor e Jurunas, espaços de moradas de sujeitos vindos,
principalmente, do interior do estado, trazendo consigo experiências de vida e cultura dessas
paragens e cruzando-os com o universo social do citadino.
No que se refere ao modelo festivo da cidade, nos anos de 1950, em termos bem
amplos, percebe-se, diante dos discursos de intelectuais e jornalistas, que se buscava,
principalmente nos espaços centrais de Belém, mesmo que minimamente, desenvolver um
estilo festivo baseado em um arquétipo de “civilização”, no qual se destacavam referências do
“moderno”. Digo minimamente, porque não se pode deixar de considerar a força e
persistência de práticas culturais de outrora nesses espaços, que, apesar das resistências de
alguns, foram aceitas e incorporadas à vida festiva nesses ambientes. Em contrapartida, o
outro mundo festivo da cidade, desenvolvido no subúrbio da capital paraense, buscava
reproduzir costumes e práticas antigas e “tradicionais”, os quais, por diversas vezes, eram
assim reconhecidos nos escritos de literatos/cronistas da época.
Percebeu-se também que os realizadores dos festejos juninos nos clubes, ruas, praças e
escolas da cidade, na década de 1950, não buscavam exatamente promover uma festa sagrada,
ou seja, não almejavam uma celebração em que envolvesse, de fato, uma comemoração
religiosa, mas sim, usar os dias dos santos católicos (Santo Antônio, São João, São Pedro e
São Marçal) como pontos estratégicos para realização festiva. Buscavam atrair um número
119

significativo de brincantes para esses espaços dançantes, nos quais as animações festivas eram
diversas, que iam desde espetáculos de grupos juninos (bumbás e cordões de pássaros e
bichos) à presença marcante de grupos conhecidos como “jazzes” orquestras e de sonoros.
Os anúncios das festas juninas em Belém, idealizando o cenário rural como pano de
fundo nos locais de sociabilidades, eram muito presentes nas folhas de jornais e revistas da
cidade, buscando, de alguma forma, promover uma versão estilizada de um mundo caipira no
meio urbano. Expressões como “São João na Roça”, “São João no Sertão”, “Casamento na
Roça” e “Festa na Roça”, como títulos dos anúncios das festas realizadas em Belém, indicam
a busca de uma representação peculiar de uma festa do interior no meio urbano belenense.
Concluo esse texto de dissertação indicando, ao leitor, que o mesmo proporcionou,
sem dúvida alguma, análises significativas para construção do conhecimento histórico acerca
das festas na cidade. Mas, vale pontuar, que tais análises ainda são ínfimas para se entender,
em amplidão, os diversos modelos festivos da urbe. Portanto, iniciou-se a abertura do campo
de pesquisa, cabe agora, aos pesquisadores do universo festivo, dar continuidade, já que os
caminhos são diversos e não se esgotam nos pontos apresentados nessa investigação.
120

REFERÊCIAS
121

REFERÊNCIAS

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Folha do Norte. 22 de junho de 1951.
Folha do Norte. 03 de janeiro de 1951.
A Província do Pará. 02 de novembro de 1963.
A Província do Pará. 13 de junho de 1951.
Folha do Norte. 24 de junho de 1952.
133

1.2. SESSÃO OBRAS RARAS DO PARÁ

Revista Amazônia: da planície para o Brasil. (Junho de 1955/1956/1957).

2. LITERATURA

CELINA, Lindanor. Menina que vem de Itaiara. Ed. Especial. Belém:


CEJUP/SECULT, 1997.
CELINA, Lindanor. Crônicas intemporais. Belém: CEJUP. 2003.

HABIB, Salomão. Tó Texeira: o poeta do violão. Belém: violões da Amazônia, 2013.

LAREDO, Salomão. Palácio dos Bares – Buate Condor – recanto encantado da


cidade morena às margens do lendário rio Guamá. – Bar da Condor – poemas
salientes, memória social/emocional, depoimentos. Salomão Laredo Editora, Belém,
2003.

MENEZES, Bruno de. Obras Completas. Belém: SECULT/Conselho Estadual de


Cultura, 1993.

MENEZES, Murilo. A capital do El Dourado: crônica sentimental de Belém e


comentários sobre alguns dos seus problemas. Belém, 1854.

MESQUITA, Lindolfo (Zé Vicente). Histórias do meu subúrbio: chronicas


humorísticas. Ofs. grafs. Da Revista da Veterinária. Belém – Pará, 1941.

MORAES, Eneida. Aruanda e Banho de Cheiro. Belém: CEJUP/SECULT, 1997.

RIBEIRO, José Sampaio de Campos. Gostosa Belém de Outrora. Belém. Editora


Universitária, 1965.

ROCHA, Candido Marinho. Vila Podrona. Belém: Luzes Gráfica Editora. 1964.

SOUZA, Apolinário. Festa de São João e Inimigos do Corpo. Belém: UFPA. 1997.

TUPIASSÚ, Amarilís; PEREIRA, J. Carlos; BEDRAN, Madeleine (orgs.). Lindanor,


a menina que veio de Itaiara. Belém: SECULT/PA, 2004.

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