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III. Derecho de familia 1073
i direito roMAno
1. ANTELÓQUIO
1 Nas palavras de Lucien CAES, “Niente di più facile, ma nello stesso tempo di menos cientifico, che
il
2 Vide A. Santos JUSTO, A crise da romanística no BFDUC LXXII (1996) 42-44.
3 Vide Sebastião CRUZ, Direito romano.(ius romanum). I. Introdução. Fontes4 (Ed. do Autor /
Coimbra, 1984) 107-108.
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1074 Fundamentos romanísticos del Derecho contemporáneo
2. ÉpocA ArcAicA
Seja como for, o divórcio é muito antigo e não se afigura ousada a hipótese
que refere a sua prática na civilização etrusca que antecedeu a romana10.
4 Esta época começa no ano 753 a.C. (fundação de Roma) e termina no ano 130 a.C., data da
famosa lex Aebutia de formulis que legalizou o processo das fórmulas (agere per formulas) que contribuiu
decisivamente para o progresso da ciência jurídica romana (iurisprudentia) e, consequentemente, do
próprio direito romano. Vide CRUZ, ibidem 43-45 e 333; e JUSTO, Direito privado romano – I. Parte
geral (Iintrodução. Relação jurídica. Defesa dos direitos)4 em Studia Iuridica 50 (Coimbra Editora / Coimbra,
2008) 18 e A evolução do direito romano no BFDUC. Volume comemorativo do 75 tomo (Coimbra, 2003)
50-53.
5 Vide Eduardo Ruiz FERNANDEZ, El divorcio en Roma (Universidad Complutense - Facultad de
derecho / Madrid, 1992) 26.
6 Cf. PLUTARCO, Rom., 29.
7 Vide Sílvio A. B. MEIRA, A legislação romana do divórcio em Novos e velhos temas de direito
(Forense / Rio de Janeiro, 1973) 13.
8 Cf. Cf. AULO GELIO, 17,21,44; e TITO LIVIO, 3,19.
9 Vide FERNANDEZ, ibidem 32, 37, 38 e 55.
10 Vide MEIRA, o.c.12.
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III. Derecho de familia 1075
O divórcio pressupõe, como requisito fundamental, a existência de um
matrimónio11 e, por isso, à sua compreensão não é indiferente a determinação da
sua natureza, afirmando-se a doutrina para a qual se trata, nas primeiras épocas,
duma relação de facto socialmente reconhecida que subsiste enquanto durarem a
estima e o afecto recíproco e a vontade de viverem juntos como marido e mulher,
factores compreendidos na conhecida expressão affectio maritalis12. Portanto, a
falta desta implicava a dissolução do matrimónio, ou seja, o divórcio13.
Discute-se, ainda hoje, o sentido técnico da terminologia divortium e
repudium. Sem esquecer a sábia advertência do nosso Mestre Sebastião CRUZ
de que as palavras gastam-se com o uso e prostituem-se com o abuso, têm sido
apresentadas várias hipóteses, destacando-se: a que entende que repudium é o
acto de manifestação de vontade contra a continuação do matrimónio, enquanto
divortium é o efeito produzido por este acto, ou seja, a cessação do vínculo; a
que considera que repudium é o acto do homem que afasta a mulher, sendo
divortium o da mulher que se afasta14; e a que, reconhecendo a dificuldade na
sua aplicação, observa que divortium facere e repudium mittere são expressões
usadas promiscuamente em relação ao homem e à mulher15. Parece fora de
dúvida que só muito mais tarde, por influência cristã, adquiriram significados
precisos: repudium passou a traduzir o divórcio unilateral; e divortium, o divórcio
por mútuo acordo ou bilateral16.
Situação algo análoga ocorria com a mulher liberta casada com o seu
18 Vide FERNANDEZ, ibidem 19, 44 e 52; VISKY, ibidem 241; MEIRA, o.c. 13; e JUSTO, ibidem 93.
19 Vide FERNANDEZ, ibidem 52.
20 Vide FERNANDEZ, ibidem 44.
21 Vide FERNANDEZ, ibidem 47.
22 D. 43,30,1,5: “Si quis filiam suam, quae mihi nupta sit, velit abducere, vel exhiberi sibi desideret,
an adversus interdictum exceptio danda sit…”. Vide Siro SOLAZZI, In tema di divorzio no BIDR 34 (1025)
1, 27 e 28.
23 D. 43,30,1,5: “… Et certo iure utimur, ne bene concordantia matrimonia iure patriae potestatis
turbentur…” Cf. também: PS V,6,15; C. 5,17,5.
24 Vide G. LONGO, Sullo scioglimento del matrimonio per volontà del paterfamilias no BIDR XL
(1932) 201-202.
25 Vide FERNANDEZ, ibidem 46.
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III. Derecho de familia 1077
patrono. É provável que não se pudesse divorciar enquanto este mantivesse a
vontade de a ter como sua mulher. Ou seja, a dissolução do matrimónio dependia
exclusivamente da vontade do patrono e não da liberta. Vale a pena transcrever
um excerto dum texto de ULPIANUS:
“… Não tem esta o direito de matrimónio com outro enquanto
o seu patrono não quiser que ela seja sua mulher … Com qualquer que se
tenha casado, será considerada como não casada…”26.
Durante o período que decorre entre a Lei das XII Tábuas (meados do
século V a.C.)44, a vida romana continuou, como nos primeiros tempos, a ser
disciplina pelos mores maiorum que lhe imprimiam uma convivência marcada por
elevado sentido ético. São os tempos em que se afirmou a figura do paterfamilias
que iria pautar, ao longo dos séculos até aos nossos dias, o padrão de homem
leal, verdadeiro, autêntico, a que o direito constantemente recorre.
3.2 PRINCIPADO
Por isso, não surpreende que se tenha recorrido, como nunca, aos
60 Cf. SÉNECA, De bem., 3,16,2.
61 Cf. MARTIALIS, Ep., 6,7.
62 Vide BONFANTE, o.c. 254.
63 Pode, no entanto, assinalar-se o embrião da futura monarquia. Vide JUSTO, Direito privado
romano – I, cit. 68.
64 Vide JUSTO, ibidem 68.
65 Vide FERNANDEZ, o.c. 72.
66 Vide FERNANDEZ, o.c. 73-75.
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1082 Fundamentos romanísticos del Derecho contemporáneo
divórcios, muitas vezes sem a invocação de causa, quando, sem pudor e sem
vergonha, não fossem justificados com a má saúde, a loucura, o adultério e a
ausência67.
Quanto aos filhos, continuavam a receber alimentos dos seus patres que
não perdiam a patria potestas, salvo se tivessem má conduta, circunstância que
os colocava sob a custódia das matres85. Mais tarde, Diocleciano e Maximiano
determinaram que, não havendo acordo entre os progenitores, cabia ao
magistrado decidir a quem pertencia a custódia86.
Todavia, a luta foi longa e nem sempre com vencedor claro. Fala-se duma
legislação romano-cristã oscilante, com alternativas marcadas por avanços e
retrocessos, situação que se compreende: haja em vista que não é fácil derrubar
princípios seguidos durante muitos séculos; e que a própria Igreja queria evitar
uma colisão com as regras civis, segundo as quais o matrimónio e o divórcio eram
livres108.
Haja em vista também que Justiniano era um classicista e, por isso, não
surpreende que continue a ver na affectio maritalis o elemento fundamental do
matrimónio131, cuja cessação implicava a dissolução do vínculo matrimonial, ou
seja, o divórcio.
Por sua vez, a mulher podia repudiar o seu marido, se este conspirasse
contra o Imperador ou não denunciasse uma conspiração; se o marido atentasse
contra a sua vida ou, sabendo, não denunciasse quem se propunha praticar esta
acção nem tentasse defender a mulher; se o marido procurasse entregar a mulher
129 Assinala-se o seu início no ano 530 (ano em que Justiniano encarregou Triboniano de elaborar o
Digesto) e o seu fim no ano 565 (ano da morte deste Imperador). Caracteriza-se pela helenização (influência
da filosofia grega), pelo classicismo (tentativa de imitar o direito romano clássico) e pela actualização e
compilação do direito romano. Vide CRUZ, o.c. 51; e JUSTO, A evolução do direito romano, cit. 67-68.
130 N. 22,3: “… quae in hominibus subsequuntur, quidquid ligatur solubile est”.
131 Cf. N. 22,3.
132 Cf. N. 22,4. Vide MEIRA, o.c. 29.
133 Cf. N. 22,5.
134 Cf. N. 22,6
135 Cf. N. 22,16.
136 Cf. N. 117,8,1-6.
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III. Derecho de familia 1091
a outros para a prática de adultério; se a denunciasse de adultério e não provasse;
se o marido levasse para casa outra mulher ou vivesse noutra casa com ela137.
Ainda quanto aos filhos, foi fixado o princípio de que não devem sofrer
prejuízo com a dissolução do matrimónio dos pais e, em consequência, foram
contemplados os seguintes factos: 1) se o divórcio se devesse a culpa do pai, os
filhos eram confiados à mãe, ocorrendo a cargo do pai os gastos de alimentação;
2) se fosse atribuído a culpa da mãe, a custódia dos filhos e a obrigação de os
alimentar pertencia ao pai. Todavia, se este não tivesse património e aquela
dispusesse de meios de fortuna, os filhos ser-lhe-iam confiados, assim como o
dever de os alimentar142. Tratando-se de divórcio consensual, recorria-se ao juiz
que decidia no caso de não haver acordo dos pais143.
Durante largo tempo, Roma foi confrontada com duas ideias diferentes de
matrimónio e de divórcio. A influência cristã foi-se impondo, mas nunca foi capaz
de proibir os divórcios. A famosa compilação de Justiniano, considerado o grande
legislador cristão147, ainda estava muito longe de aceitar a tese da Igreja “quod
Deus coniunxit homo non separet”. Haja em vista que parte considerável dos
indivíduos do Império não era cristã; e que, entre os cristãos, devia haver muitos
para quem a indissolubilidade do matrimónio era inaceitável e insuportável. Por
outras palavras, a concepção romana fundada na liberdade do casamento e a ideia
de os cidadãos se poderem libertar das misérias provenientes de casamentos mal
sucedidos eram ainda muito vivas148.
II - DIREITO MEDIEVAL
No entanto, a progressão das ideias cristãs não se fez sem oscilações, como
oscilantes eram os complexos normativos tardo-romanos, persistindo a dúvida
sobre a possibilidade de o divórcio se dissolver. O Edictum Theodorici repete
as disposições de Constantino, admitindo o divórcio apenas no caso de crimes
praticados por qualquer dos cônjuges157. A lex Wisigothorum admite o divórcio
consensual158, mas logo Chindasvindo impõe o princípio da indissolubilidade.
No domínio franco, onde Carlos Magno deu corpo e alma a uma respublica
christiana, a hierarquia eclesiástica hesita em romper com os usos e sentimentos
da população159. No ano 744, o capitular de Soissons dispõe que nenhuma mulher
pode, enquanto o marido viver, passar a novas núpcias; e nenhum homem, cuja
mulher ainda seja viva, pode desposar outro, salvo causa fornicationis160.
150 Cf. Evangelho S. Mareus, 5,22; -19,9. Vide BONFANTE, o.c. 268.
151 Vide VAZQUEZ, o.c. 1684.
152 Vide VAZQUEZ, o.c.1685.
153 Vide BONFANTE, o.c. 268.
154 Vide POYAN, o.c. 456.
155 Vide POYAN, o.c. 449.
156 Vide GAUDEMET, o.c. 69.
157 Cf. art. 54 do Edictum Theodorici. Vide MARONGIU, o.c. 488.
158 Cf. título 21 da Lex Wisigtorum.
159 Vide MARONGIU, o.c. 489.
160 Cf. cap. 9. Vide MARONGIU, o.c. 489.
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III. Derecho de familia 1095
Os concílios, que se tornam menos brandos e tolerantes desde o
século VIII, tendem a impedir as segundas núpcias de quem ainda tem o ex-
cônjuge vivo. Todavia, ao mesmo tempo, os maus exemplos vêm das classes
mais elevadas. O príncipe Grimoaldo divorciou-se da sua mulher, invocando o
direito hebraico (more hebraico). No entanto, a Igreja opôs-se ao divórcio de
Lotário II que, por amor a Valrada, deixou a mulher Teutberga. Entretanto, os
novos Imperadores e reis afirmavam-se fiéis e, ratione peccati, o Papa passou a
exercer uma função suprema na direcção da vida colectiva, cabendo-lhe, entre as
primeiras responsabilidades, a defesa da Igreja, empenhada em moralizar a vida
pública e transferir a sua doutrina para o plano da realidade161.
IV - IDADE CONTEMPORÂNEA
V - O DIVÓRCIO EM PORTUGAL
Por isso, o Iluminismo não teve, entre nós, o carácter violento que assumiu
em França; e, afastando-se do Código Civil francês, o Código Civil português de
1867 não consagrou o divórcio. Portugal continuou de costas voltadas às novas
ideias que pugnavam pela introdução do divórcio.
Por tudo isto tem-se dito que “o legislador deixou um sistema ainda mais a
precisar de reparo do que aquele que encontrou”190. E já se fala de redução drástica
da natalidade, do aumento do número de casais com filho único ou até sem filhos,
do aumento do número de indivíduos que vivem sozinhos, do aumento da taxa
de separação e de divórcios191.
VI - CONCLUSãO
A. Santos Justo
ABREVIATURAS
DL - Decreto-Lei