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Estudos Sobre o Livro de Jonas

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Todas as citações bíblicas contidas nesta obra são da versão de Almeida

Corrigida e Revisada Fiel ao Texto Original, a menos que outra seja,


especificamente, mencionada.
Nenhuma parte dessa publicação poderá ser reproduzida ou transmitida em
qualquer forma ou por quaisquer meios, sejam eletrônicos ou mecânicos,
incluindo fotocópias, gravação, ou por meio de qualquer sistema de
recuperação de dados sem a permissão escrita dos editores.
Copyright © 2017 - Todos os direitos reservados por:
Depósito de Literatura Cristã
“Estudos sobre o Livro de Jonas”
Capa + Projeto Gráfico / Diagramação
Liliana Ester Dinella
Tradução
Dr. Martins do Vale
Revisão
Bernd Bremicker
Impressão e Acabamento
Imprensa da Fé, São Paulo - SP, Brasil
Traduzido do original “Le Livre du profete Jonas”
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
ROSSIER, Henri
Estudos sobre o Livre de Jonas / H. Rossier; São Paulo-SP:
Depósito de Literatura Cristã, 2017. 48p. ; 14 x 21 cm.
ISBN: 978-85-9579-005-6
1. Comentário Bíblico. 2. Teologia. 3. Escatologia
CDD 230
1ª Edição - Setembro 2017
www.boasemente.com.br
Rua Athos Palma, 250
CEP 04476-020 - São Paulo - SP BRASIL
ÍNDICE
Introdução7
Jonas - uma testemunha9
Jonas - o profeta17
Jonas e as nações23
Jonas e o povo de Israel29
Jonas e o remanescente33
Jonas - figura de Cristo39
Deus no Livro de Jonas43
Notas explicativas47
Lembramos ao leitor ser conveniente acompanhar a leitura deste estudo
com o texto correspondente na Bíblia. Recomendamos que estude sempre
em espírito de oração, pois só com a ajuda do Espírito Santo será possível
alcançar uma compreensão verdadeira do que está escrito na Palavra de
Deus.
INTRODUÇÃO
O livro do profeta Jonas não contém profecia propriamente dita,
ou antes, contém somente uma, que não foi cumprida no momento,
por causa do arrependimento dos habitantes de Nínive. Cem anos
mais tarde, um outro profeta, Naum, pronunciou de novo o juízo
outrora suspenso sobre essa grande cidade — juízo esse que não
foi executado senão cerca de um século depois. Aliás, não é na
sentença de Nínive que devemos procurar o ensinamento principal
do Livro de Jonas.
O que ele nos apresenta, desde o princípio ao fim, é a própria
pessoa do profeta. Essa circunstância, aliada ao fato notável de o
Livro de Jonas nos falar dos caminhos de Deus em graça para com
os gentios, marca-lhe em 1ugar único entre os profetas do Antigo
Testamento. Quanto a Jonas, poder-se-á dizer que é ele mesmo a
profecia em ação. Ele como pessoa serve de sinal ou símbolo, e
também deve ser visto tipologicamente. Logo de início, vemos nele
a imagem do seu próprio povo rejeitado, mergulhado na angústia,
saindo depois ressuscitado das profundezas do abismo.
Porém, a sua história não se limita somente a isso. Na pessoa
de Jonas, tendo como pano de fundo os gentios, sucessiva e
frequentemente se fundem, perante o nosso olhar, a testemunha
que se afastou de Deus, o profeta orgulhoso, o povo culpado e o
remanescente futuro arrependido. Além disso, em personagem
misterioso, um maior que Jonas, se vê também e esse sai
ressuscitado para a libertação do povo de Deus. Enfim, como ponto
culminante desse maravilhoso relato, encontramos uma revelação
do próprio Deus. Aprendemos a conhecer a Sua providência, a Sua
santidade, a Sua justiça em juízo, a Sua grande paciência, a Sua
graça ilimitada, numa palavra, todos os Seus caminhos para com o
homem, para com Israel e para com as nações.
O que acabamos de dizer, explica a nossa divisão do texto em
sete tópicos intitulados: Jonas – uma Testemunha, Jonas – o
Profeta, Jonas e as Nações, Jonas e o Povo de Israel, Jonas e o
remanescente, Jonas – figura de Cristo, Deus no Livro de Jonas.
JONAS UMA TESTEMUNHA
Entre o homem pecador, em consequência da sua
desobediência a Deus, e o homem santo, santificado pela fé no
Salvador Jesus e em virtude da redenção consumada na cruz do
Calvário, há uma diferença enorme.
Adão, inocente e responsável, antes da queda, de permanecer
na dependência de Deus, continua responsável depois de ter
perdido a sua inocência e a sua dependência, mas, como pecador,
adquiriu o conhecimento do bem e do mal, quer dizer, uma
consciência que o julga. Esta consciência torna-o indesculpável e
condena-o. Ele conhece agora o bem e o mal, mas — pobre dele! —
não lhe resta, como homem pecador e responsável, senão a
incapacidade absoluta de fazer o bem e a vontade de fazer o mal.
Mui diferente é o crente, o homem santificado, a testemunha de
Deus nesse mundo. Embora tenha a carne nele, a natureza
pecadora do primeiro Adão, recebeu já, pela fé, uma nova natureza
— a vida divina, o Espírito de Deus, o poder dessa vida e a
capacidade de fazer o bem e de resistir ao mal. Isso, porém, torna-
o, sem dúvida, duplamente responsável. A sua consciência adverte-
o do bem e do mal. Tem, portanto, duas alternativas: ou a) obedece
à direção do Espírito Santo e da vida nova que possui, ou b)
obedece aos desejos da carne de que é formado. Portanto, se é
duplamente responsável, é também duplamente indesculpável ao
pecar, porque o poder do Espírito e do novo homem que está à sua
disposição é mil vezes superior ao da carne e do velho homem.
As consequências do pecado são diferentes para o homem
pecador que anda na carne, ou para o crente, se anda segundo a
carne, visto que possui o poder de andar segundo o Espírito. O
pecador não pode esperar senão a morte e o juízo. O santo, se
peca, encontra o castigo ou a disciplina de Deus, que se exerce
para com ele e para com todos os crentes, afim de que não sejam
“condenados com o mundo” (1 Co 11:32).
Foi esse o caso de Jonas. Ele era um crente, um santo. Tinha a
vida de Deus. Estava em relação com Deus. Tinha-lhe sido confiado
um testemunho. Porém, colocado perante um mandamento de
Deus, deixa-se desviar dele pela vontade da carne, que está em
inimizade com Deus. Embora seja um crente e uma testemunha,
não procede melhor do que Adão, que, enganado por Satanás,
desobedece a um mandamento formal de Deus. O seu caso é
mesmo pior que o de Adão em sua inocência, seduzido pelo Diabo,
porque, pela fé, já possui uma nova natureza, capaz de escolher o
bem e de repelir o mal e a sedução.
Adão desobedece a Deus e ousa desculpar-se dessa
desobediência (Gn 3:12). Jonas desobedece a Deus e tem a
audácia de Lhe apresentar o motivo para tal (Jn 4:2)! Contudo,
nenhuma desculpa, nenhum motivo é válido perante Deus, para Lhe
desobedecer. E o suposto motivo de um santo bem menos ainda do
que o do primeiro Adão, porque, desde o começo da sua vida
espiritual, um santo possui a obediência da fé pela qual é salvo (Rm
1:5). Desde o primeiro passo da sua carreira ele é santificado pelo
Espírito Santo, para a obediência de Jesus Cristo, ou seja, para
obedecer como Ele obedeceu.
Para Jonas, como para Adão, a primeira consequência da
desobediência é a mesma: Adão evita a presença de Deus, que o
procura, e esconde-se atrás das árvores do jardim; Jonas dispõe-se
para fugir da presença do SENHOR para Társis (Jn 1:3). Qual
desses dois atos é pior do que o outro? Com toda a certeza o
segundo, porque Jonas é um santo que tem relações habituais e
íntimas com Deus. Evitar o seu melhor amigo, afim de fugir da
obrigação de responder ao Seu desejo — que ultraje um
semelhante ato inflige àquele que nos ama, não é?!
Mas ali, onde Adão ou Jonas fracassaram, um Homem se
mantém e permanece de pé, um Homem que nem sequer tinha
necessidade de receber uma ordem positiva para obedecer, já que
guardava todos os mandamentos de Seu Pai (Jo 15:10). Era um
Homem que predispunha a Sua vontade, sem que Deus lho
ordenasse. “Eis aqui venho” — diz Ele, “para fazer, ó Deus, a tua
vontade” (Hb 10:7). Contudo, isso é mais do que uma simples
obediência! É uma vontade que se funde e se absorve na vontade
de outrem e se identifica com ela e dela se alimenta. “A minha
comida” — diz Ele, “é fazer a vontade daquele que me enviou e de
realizar a sua obra” (Jo 4:34).
A segunda consequência da desobediência de Adão não se faz
esperar. Quer ele o queira quer não, tem de comparecer, na sua
nudez, perante Aquele de Quem fugia, e ouvi-Lo pronunciar a sua
sentença. Essa é irrevogável, mas, apesar de tudo, a graça pode
remediá-la. Adão comparece perante Deus antes de a sentença ser
executada — e isso salva-o. Encontra recursos em Deus, que tem
vestidos de justiça para ele e para sua mulher. Jonas, pela sua falta,
atrai sobre si um castigo infinitamente mais penoso que o do
primeiro Adão. E necessário, pois, que os filhos de Deus se
recordem deste fato, o avaliem em toda a sua dimensão, e o
meditem. Sigamos pois, por um instante, esse homem de Deus na
sua viagem a Társis, onde faz tão cruéis experiências: Ei-lo
pagando o preço da sua passagem (veja Jn 1:3), saldando os seus
deveres para com os homens, enquanto faltava ao seu primeiro
dever para com Deus! Notemos que o cumprimento desses deveres
tem como resultado aumentar ainda mais a distância que separa
Jonas de Deus. E assim acontece frequentemente conosco:
pagamos “a nossa passagem”, mesmo estando animados de um
espírito de revolta, e, para não faltarmos ao cumprimento de certas
obrigações mundanas, negligenciamos uma obrigação muito
superior — a de obedecer a Deus. Obedecemos a deveres de
família e de sociedade, de cidade e de nação, aliás respeitáveis;
pagamos as nossas dívidas para com o mundo e desobedecemos à
ordem formal de Deus. Ora, essa ordem é de Lhe dar testemunho.
Jonas era chamado para ser a testemunha de Deus perante o
mundo. Um testemunho para Cristo é, com efeito, o que Deus
procura no meio de um mundo de pecado e de afastamento dEle, de
um mundo que se apressa para o juízo final. Esse é um dos pontos
fundamentais do livro de Jonas. O mundo está condenado, mas,
antes da execução da sentença, Deus quer que os Seus rendam
testemunho à Sua justiça, afim de que produza arrependimento nos
corações e que Ele possa operar em graça.
Em tempos remotos Deus tinha confiado esse testemunho a
Israel, Seu povo. Todavia, o povo torna-se desobediente e Deus
coloca-o agora nas mãos da Igreja. Mas a Igreja abandona a
verdade e degenera numa cristandade apóstata — assunto que, de
resto, o Antigo Testamento não trata. Por fim, um remanescente
judeu torna-se a fiel testemunha futura de Deus junto dos gentios —
o que, no passado nem o povo, nem os seus condutores jamais
haviam sido. O livro de Jonas fala-nos desse remanescente, de uma
maneira misteriosa, como veremos mais adiante.
Voltemos agora a Jonas, como representando os santos,
testemunhas de Deus nesse mundo. Para que a sua desobediência
não conduza, como a do homem pecador, ao juízo final, é preciso
que ele seja detido no caminho que o afasta cada vez mais de
Deus. A Sagrada Escritura diz-nos: “Mas o SENHOR mandou ao mar
um grande vento, e fez se no mar uma forte tempestade, e o navio
estava a ponto de quebrar se” (Jn 1:4). Isto ainda não é senão o
começo do castigo de Deus sobre o Seu servo, mas esse castigo
inaugura, como veremos mais à frente, os Seus caminhos de graça
para com as nações. Ora, durante a tempestade, Jonas, deitado no
porão do navio, “dormia um profundo sono” (Jn 1:5).
Frequentemente, as circunstâncias mais ameaçadoras não
atingem a consciência dos filhos de Deus. Nem a tempestade nem a
angústia dos marinheiros perturbaram a Jonas! Ele não se apercebe
de que atravessa pessoalmente o juízo de Deus, que ele ofendeu, e
não está atemorizado. É a indiferença de uma consciência
adormecida. Trata-se aqui do homem pecador e do seu estado
moral: dorme sempre! Filho das trevas e da noite, ele dorme sempre
(1 Ts 5:4 e 7)! Mas, que um Jonas, um filho de luz, durma, é muito
mais grave — e, infelizmente, quantas vezes isso acontece.
Os discípulos dormiam perante os sofrimentos do seu Salvador
no Getsêmani; dormiam perante a Sua glória sobre o santo monte
— um Jonas dorme perante o juízo que se abate sobre o mundo,
sem se aperceber que esse julgamento lhe é destinado.
Muitíssimas vezes, depois de uma guerra atroz ter devastado
as nações, interrogamo-nos se aos santos teria ocorrido o
pensamento de que essa tempestade lhes era particularmente
destinada.
Sem dúvida, Deus, que é rico em recursos, serve-se por vezes,
como veremos, de uma calamidade para atingir outros fins e cumprir
outros desígnios; mas não esqueçamos que, no caso de Jonas, o
primeiro objetivo era falar à consciência do servo de Deus.
Não raro, para nossa vergonha e nossa confusão, é necessário
que seja o mundo a despertar-nos: “Que tens, dorminhoco?
Levanta-te, clama ao teu Deus; talvez assim esse Deus se lembre
de nós para que não pereçamos” — diz o mestre do navio (Jn 1:6).
Vós, servos de Deus, diz ele, vós não pensais naqueles que
perecem. Estais assim entorpecidos do vosso egoísmo? Nós
trabalhamos, esforçamo-nos, sacrificamos todos os nossos bens;
todo o nosso carregamento se afunda nesta tormenta. E vós? Que
fazeis vós? Orais, suplicais ao vosso Deus? Nós, pelo menos,
clamamos cada um ao seu deus!…
Não é verdade que o mundo está, muitas vezes, no direito de
apostrofar assim os filhos de Deus, por eles não terem
compreendido que esse juízo está sobre eles?
Deus busca a Jonas, a testemunha, como outrora buscava a
Adão, o pecador. O “mestre do navio” é a voz de Deus que dizia
naquele tempo a Adão: “Onde estás?” Mas aqui (uma primeira
humilhação para Jonas) o mundo é o instrumento pelo qual Deus
lhe recorda que ele está perdido. Deus respondeu àqueles seres
ignorantes, mas sinceros, sem conhecimento do Deus ao qual se
dirigiam, revelando-lhes, pelas sortes, que aquele caso dizia
respeito apenas à Sua testemunha.
A segunda humilhação para Jonas: Ele não recebe, ele, judeu,
nenhuma comunicação direta de Deus. Pior ainda (e a última
humilhação para Jonas), é o mundo dizendo a Jonas: “Por que
fizeste tu isto?” (Jn 1:10). Outrora Deus tinha dito o mesmo a Eva:
“Por que fizeste isto?” (Gn 3:13). O mundo torna-se assim o juiz dos
atos de uma testemunha de Deus: Como?! Tu próprio confessavas
que temes “ao SENHOR, o Deus do céu, que fez o mar e a terra” (Jn
1:9), e fugias de diante dEle?! Que tremenda loucura! A consciência
desses pagãos é mais reta, menos entorpecida que a de Jonas! Por
fim, porém, ela é atingida. Jonas reconhece a plena justiça do juízo
de Deus: “Levantai-me, e lançai-me ao mar” (Jn 1:12). Ele sabe que
merece ser lançado no abismo e francamente o declara. Haverá
salvação para vós, diz ele aos marinheiros, mas eu mereci perder a
vida. Ele recebe, como Adão, a sentença de morte, mas, para
Jonas, essa é executada no próprio momento. E o mesmo se dá
conosco: “Eu estou morto”. “Eu me considero morto”. “Eu estou
crucificado com Cristo”. Sim, o meu julgamento é justo e disso
presto testemunho, mas encontro Cristo no fundo das ondas,
identificando-se comigo no julgamento, para me livrar!
Deus intervém, de fato — e como o não faria?! Um outro,
semelhante a Jonas, tomou o seu lugar nas entranhas do peixe. E é
lá que, sob a disciplina e na maior aflição, a testemunha culpada
reencontra a dependência que tão loucamente havia perdido: Ele
ora (Jn 2:2). Nunca ele teria ousado desobedecer, se, pela oração,
tivesse permanecido na dependência do SENHOR. O abandono
dessa dependência se vê também no primeiro Adão. Aqui, a
testemunha de Deus deve reaprendê-la como se fosse uma coisa
inteiramente nova. E a esta restauração Deus não pode responder
senão pela libertação. Jonas reconhece enfim que esta bênção é
devida unicamente à graça de Deus: “Do SENHOR vem a salvação”
(Jn 2:9). É dela que fala Eliú no livro de Jó: “Olhará para os homens,
e se algum disser: Pequei, e perverti o direito, o que de nada me
aproveitou. “Porém Deus livrou a minha alma de ir para a cova, e a
minha vida verá a luz” (Jó 33:27-28). Tal é, portanto, o fruto da
disciplina para a testemunha do Senhor: julgamento completo de si
próprio e conhecimento mais profundo da graça. Doravante, Jonas
não fugirá mais para se escapar de Deus.
JONAS O PROFETA
Antes de receber a ordem de se dirigir a Nínive, Jonas tinha
sido encarregado de uma missão profética para Israel. Este
acontecimento tivera lugar no reinado de Jeroboão II, ou pouco
tempo antes desse rei subir ao trono. Em 2 Reis 14:25 é dito que
Jeroboão “restituiu os termos de Israel, desde a entrada de Hamate,
até ao mar da planície; conforme a palavra do SENHOR Deus de
Israel, a qual falara pelo ministério de seu servo Jonas, filho do
profeta Amitai, o qual era de Gate-Hefer”. Oseias, Amós e Jonas
também, sem dúvida, conheciam o triste estado das dez tribos e da
realeza em Israel. Com que indignação os dois primeiros não
assinalam os pecados deste povo e dos seus condutores ao
anunciarem o juízo que esperava uns e outros! Não obstante, “viu o
SENHOR que a miséria de Israel era muito amarga, e que nem havia
escravo, nem absolvido, nem quem ajudasse a Israel. E ainda não
falara o SENHOR em apagar o nome de Israel de debaixo do céu;
porém os livrou por meio de Jeroboão, filho de Jeoás” (2 Rs 14:26-
27). E no capítulo 13 do mesmo livro de Reis, no versículo 5, lemos:
“O SENHOR deu um salvador a Israel, e saíram de sob as mãos dos
sírios; e os filhos de Israel habitaram nas suas tendas, como no
passado”. Portanto, enquanto os outros profetas anunciam os juízos
de Deus sobre Israel, Jonas foi chamado para anunciar uma
libertação momentânea por um salvador suscitado para tal fim
(independentemente, aliás, do seu caráter).
A fronteira de Israel foi restabelecida. Hamate, barreira principal
contra os inimigos vindos do Norte, foi retomada. Jonas tinha sido
escolhido para proclamar essas misericórdias de Deus, nos dias em
que Israel gemia sob o jugo terrível do rei da Síria. Um profeta,
anunciando apenas a libertação, era um fenômeno, senão único,
pelo menos extremamente raro em Israel. Quando foi enviado a
Nínive, Jonas conhecia, portanto, o SENHOR — e ele assim o
expressa mais tarde — como “um Deus compassivo e
misericordioso, longânimo e grande em benignidade, e que se
arrepende do mal” (Jn 4:2).
Quando se tratava de Israel, Jonas não tinha hesitado em
anunciar a libertação do seu povo. O seu coração alegrava-se e o
seu patriotismo encontrava ali plena satisfação. Contudo, no seu
orgulho espiritual, não podia aceitar uma missão única e especial
para com os gentios, como tinha sido anteriormente a sua missão
em Israel. Ainda poderia admiti-la, se ele estivesse certo de que a
ameaça da destruição de Nínive se consumaria, mas ele tinha já
experimentado o caráter misericordioso do SENHOR, tal como se
havia revelado outrora a Moisés: “O SENHOR, O SENHOR Deus,
misericordioso e piedoso, tardio em irar-se e grande em
beneficência e verdade; que guarda a beneficência em milhares;
que perdoa a iniquidade, e a transgressão e o pecado” (Êx 34:6-7).
Jonas estava pronto a reconhecer um ato de graça, moderado,
aliás, pela Lei, para com a sua nação, mas não poderia aceitá-lo,
quando se tratava de nações idólatras. Deus não lhes tinha dado o
dom da Lei. Como admitir, pois, que a graça lhes fosse livremente
outorgada?
Mas outro motivo, e talvez o mais importante, impelia o profeta
a desobedecer. Jonas pensava apenas em si próprio. Verifica-se
isso mesmo em toda a sua conduta, nos capítulos 3 e 4. Ele ia
clamar a Nínive: “Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida”.
Mas, se aquilo não acontecesse? Se Deus se arrependesse da Sua
ameaça? Que viria a ser do seu caráter de profeta? A misericórdia
de Deus seria o desmoronamento da sua autoridade e da sua
dignidade. Nem por um momento ocorre ao pensamento de Jonas
que Nínive se possa arrepender e alterar o curso dos caminhos de
Deus a seu respeito!
Outros profetas, e mais tarde o maior de todos, João Batista,
preparam o juízo e o arrependimento, mas Jonas nem sequer
ambicionava semelhante missão. O que ele queria era salvaguardar
o seu caráter, a sua dignidade, a sua autoridade de profeta. O que
viriam a ser todos os seus atributos, se o que ele tinha anunciado
não se cumprisse? Quando tinha proclamado antecipadamente a
retomada de Hamate, a sua palavra tinha-o acreditado aos olhos do
seu povo. E ele queria agora que o anúncio do julgamento de Nínive
o acreditasse também aos olhos das nações! Bem triste coisa é o
egoísmo do homem, mas mais triste ainda o egoísmo de um profeta.
Por isso é que Jonas foge — e sofre o castigo desse ato de
desobediência. E, sejam quais forem os motivos invocados, quantas
vocações cristãs não terão se tornado estéreis pela própria vontade
dos servos de Deus? Deus quer enviar-me a Nínive; eu prefiro ir a
Társis na Espanha!
Nos nossos dias, isso entrou de tal modo nos costumes dos
discípulos do SENHOR, que acham uma tal desobediência muito
natural. Embarcar no navio que os afasta de Deus e fazem pior do
que Jonas, porque enfeitam essa desobediência com o nome de
missão divina e de obediência à direção do Espírito Santo!
Jonas, em certo sentido, era menos culpado do que esses dos
quais falamos, porque não receava declarar que fugia de diante da
face de Deus (Jn 1:10). Todavia, noutro sentido, ele seria mais
culpado do que eles, porque sabia que, fugindo, fazia a sua própria
vontade.
Entre alguns servos de Deus isso dá-se, sim, e muitas vezes,
mas por lamentável ignorância. Por isso a disciplina lhes será
perdoada, ao passo que “o servo que soube a vontade do seu
senhor, e não se aprontou, nem fez conforme a sua vontade, será
castigado com muitos açoites” (Lc 12:47). Pudessem os servos ou
evangelistas, que ignoram o que é, realmente, uma chamada de
Deus, ser verdadeiros perante Ele, e não tranquilizarem a sua
consciência dando o nome de obediência ao que é precisamente o
contrário!
No final do capítulo 2, Jonas parecia ter aprendido, como
testemunha, a sua lição sob a disciplina, porque o peixe o tinha
vomitado em terra seca, e o antigo Jonas, por infelicidade, tão
parecido com o antigo Adão, tornara-se, em figura, um Jonas
ressuscitado. Mas, como profeta, está longe de ter aprendido toda a
sua lição — lição, como parece, segundo este relato, bem difícil de
aprender. Ele tinha, sem dúvida, achado, sob o castigo, que era
duro recalcitrar contra os aguilhões e que, custasse o que custasse,
era preciso obedecer. Por isso, a partir da segunda intimação, não
recusou fazer o que Deus lhe mandava: “E levantou-se Jonas, e foi
a Nínive, segundo a palavra do SENHOR” (Jn 3:3). Mas como e em
que espírito obedeceu ele? Como um Judeu obedecia sob a Lei,
num espírito de orgulho nacional e de justiça própria, com o
pensamento de que Deus de deve julgar as nações, “separadas da
comunidade de Israel, e estranhas às alianças da promessa, não
tendo esperança, e sem Deus no mundo” (Ef 2:12). Jonas deverá
aprender que a última palavra de um profeta não é o juízo. Por
muito certo que esteja, resta ainda a esperança, enquanto a
sentença não é executada. Deus tinha dito: “Ainda quarenta dias”.
Porém, em tempos passados, não tinha sido preciso nada mais para
que o juízo fosse afastado, em virtude da intercessão de um Moisés
(Êx 34:28; 24:18); nem, posteriormente, para que todas as astúcias
de Satanás fossem frustradas, em virtude da obediência de Cristo
(Lc 4:2). A última palavra da profecia é a graça e a glória, e eis
aquilo de que Jonas de modo nenhum suspeitava! O seu coração
era friamente legal, orgulhoso, duro, e comprazia-se com o
julgamento. Ele, a quem esse mesmo julgamento acabava de
atingir, deveria ter conhecido a graça, não somente por a ter
anunciado anteriormente, mas por ter sido ele mesmo objeto dela.
Por conseguinte, o que é a dureza do coração do homem, quando
se vê bater esse mesmo coração sob a roupagem de um profeta?
Ah! como é humilhante de pensar que a nossa lição é tão difícil de
aprender!
A profecia de Jonas produziu um efeito considerável sobre a
consciência das pessoas de Nínive. O propósito de Deus estava
alcançado, porque, se Ele faz conhecer os Seus juízos, é para que
as almas se convertam e voltem para Ele. Então o coração do Deus
da Graça pode revelar-se. Mas, quando a graça é proclamada, o
orgulho e a própria justiça do profeta dão lugar a uma irritação mal
contida. É o que, de fato, tem sempre caracterizado os judeus.
Irritam-se ao verem a salvação anunciada aos gentios, e não podem
suportar de serem colocados na mesma posição que os outros, sob
o julgamento. Jonas faz pensar no irmão mais velho do filho pródigo,
encolerizando-se contra seu pai e recusando entrar em casa, por o
seu irmão ser um objeto de graça e um motivo de alegria. Como o
pai da parábola, Deus repreende Jonas, — e com que paciência! —,
mas abandona-o finalmente à sua obstinação na cabana que ele fez
para si próprio, privado do seu kikayon1 e sob o ardor do sol. A
história finda ali, mas se nós nada sabemos acerca da mudança que
se operou no coração do profeta, sabemos que a graça de Deus
não mudou até ao dia de hoje para com as nações — e disso somos
felizes testemunhas!
A primeira parte da história de Jonas mostra haver no coração
do profeta mais graça do que a segunda. Assim acontece muitas
vezes na carreira dos servos de Deus. A medida que aumenta a sua
legítima importância, a sua própria satisfação cresce também e
termina num desacordo com os pensamentos de Deus, que se
tornam impróprios para os seus mesquinhos interesses. Por isso,
quantos de entre eles não serão deixados lá, como Jonas, com uma
carreira destruída, por terem preferido satisfazer os seus próprios
desejos, em vez de progredirem no conhecimento da graça.
No capítulo primeiro, a disciplina que atinge o profeta está cheia
de ensinamentos. Ele reconhece — dolorosa verificação! — que ele,
profeta de Deus, é a causa do juízo que atinge os seus
companheiros e o seu navio (Jn 1:12). Aceita, como legítimo, o
julgamento que o atinge a ele mesmo e anuncia que a sua expulsão
virá a ter como resultado a salvação dos gentios. Como teria sido
precioso ver essa humilhação dar os seus frutos na segunda parte
da história do profeta! Contudo, infelizmente, isso não acontece.
Recebamos nós os bons ensinamentos de todas estas coisas e,
sobretudo, não comecemos onde Jonas começou: Não evitemos a
presença de Deus; não fujamos da Sua face; andemos na luz;
digamos-Lhe: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração” (Sl
139:23). Evitaremos assim mais de um castigo doloroso. Deus não
nos envia ao mundo como profetas, mas confia nos uma missão
como servos. Não cumpri la fielmente seria fazer como Jonas: Voltar
as costas a Deus!

1 Veja as notas no final do livro.


JONAS E AS NAÇÕES
O estado das nações é representado por Nínive, que ê como
que a imagem da condição moral dos gentios aos olhos de Deus.
“Levanta-te” — diz o SENHOR a Jonas, “vai à grande cidade de
Nínive, e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até à minha
presença” (Jn 1:2). A maldade, a ausência completa do bem — eras
isso que os caracterizava aos olhos de Deus. A Sua paciência tinha
suportado por longo tempo essa maldade, e essa aproveitou-se da
oportunidade para se desenvolver até aos seus extremos limites.
Por isso não restava mais a Nínive do que o julgamento, a não ser
que houvesse da parte de Deus algum recurso ou algum meio de
salvação. Quem porém, poderia anunciá-lo? O profeta Jonas, tipo
aqui do povo de Israel, estava sob o mesmo juízo. Tinha-se
mostrado desobediente e rebelde a Deus, e não podia esperar da
Sua parte senão a condenação. Um outro profeta, Isaías, tipo de um
remanescente fiel em Israel, encontrou-se mais tarde perante Deus
e não procurou evitar a Sua presença (Is 6). Antes de ser enviado,
reconheceu a sua mácula e foi purificado dela por uma brasa viva,
que tinha consumido o holocausto. O SENHOR disse então: “A quem
enviarei, e quem há de ir por nós?” E o profeta responde: “Eis-me
aqui, envia-me a mim” (Is 6:8). Deus envia-o para Israel, para lhe
anunciar o juízo, que vai atingi-lo, e a graça que poupará um
pequeno remanescente. Jonas, longe de se encontrar perante Deus,
evita a Sua presença, para não ser enviado às nações. Ora, são
precisamente elas que Deus quer poupar, e Jonas sabia isso muito
bem.
Os marinheiros são tipos de todas as nações, embarcados num
navio que cada vez mais as afasta de Deus. “Clamavam cada um ao
seu deus” (Jn 1:5), mas, perante a tempestade que ameaça tragá-
los, eles aprendem o que valem esses ídolos mudos, que não lhes
respondem. Talvez o Deus de Jonas se lembre deles, para que não
pereçam? (Jn 1:6). Mas qual é a causa da sua aflição? A ignorância
do seu próprio estado leva-os a atribuírem esta desgraça a outrem,
talvez a algum de entre eles: “Vinde, e lancemos sortes, para que
saibamos por que causa nos sobreveio este mal. E lançaram sortes,
e a sorte caiu sobre Jonas” (Jn 1:7). Não conhecendo Deus, apelam
a um poder desconhecido deles — a sorte — para serem
informados. Vê-se aqui a ignorância do coração natural do homem,
sem conhecimento de si mesmo, sem conhecimento de Deus. Os
dois grandes temas, nos quais se resume toda a revelação, são-lhes
desconhecidos. São cegos, mas Deus, na Sua graça, responde-lhes
colocando-Se ao nível da sua inteligência: a sorte fala e designa
Jonas. Jonas, apesar do julgamento que o espera, apesar da sua
fuga, para longe de Deus, que ele lhes tinha declarado
anteriormente (Jn 1:9), rende testemunho ao caráter de Deus,
segundo o que a sua inteligência obscurecida podia discernir: “Eu
sou hebreu, e temo ao SENHOR, o Deus do céu, que fez o mar e a
terra seca” (Jn 1:9). O testemunho da fé de Israel em um só Deus
Criador, recorda às nações o que Deus lhes tinha revelado por Suas
obras, de maneira a torná-los indesculpáveis (Rm 1:20). A pregação
de Paulo aos atenienses (At 17) não tem outro caráter.
Aqueles pobres gentios ignorantes pronunciam três frases:

1. “Declara-nos tu agora, por causa de quem nos sobreveio este


mal” (Jn 1:8). Deus respondeu pelas sortes, mas empregando
aí Israel, objeto do Seu juízo, para trazer a luz ás nações,
porque, como está escrito: “A salvação vem dos judeus” (Jo
4:22).
2. “Por que fizeste tu isso?” Jonas tinha já respondido antes, de
maneira que esses gentios não podiam equivocar-se acerca
disso: “…fugia da presença do SENHOR, porque ele lho tinha
declarado” (Jn 1:10). Assim são eles que repreendem o profeta:
Você diz que conhece e teme a Deus e não tem medo de Lhe
desobedecer?! Quantas vezes os judeus, para vergonha sua,
se encontraram sob a crítica severa das nações — tal como os
cristãos de hoje, sob a crítica do mundo!
3. “Que te faremos nós?” (Jn 1:11). A confiança na palavra de
Deus nasce em seus corações e, cm vez de se desviarem de
Israel, servo infiel, compreendem que só o Seu representante
os pode informar acerca da vontade de Deus. Jonas reconhece
que a sua infidelidade é a causa das dispensações de Deus
para com as nações. Ele diz: “Eu sei” — verdadeira expressão
de um coração que conhece a Deus — “que por minha causa
vos sobreveio esta grande tempestade” (Jn 1:12). “Levantai-me,
e lançai-me ao mar”. Assim, a rejeição de Israel é a
reconciliação do mundo (Rm 11:15).

Aqueles homens hesitaram em executar a ordem do profeta e


esgotam todos os meios ao seu alcance antes de lhe obedecerem,
mas não podem ser bem sucedidos, porque “o mar se ia
embravecendo cada vez mais contra eles” (Jn 1:13). Para que eles
sejam salvos é necessária uma vítima, senão o juízo os atingirá.
Veremos mais tarde quem é essa verdadeira vítima, mas o que nos
interessa agora é Jonas, como tipo ou figura do Israel rejeitado.
Havendo-se executado o juízo, o barco dos gentios pode doravante
continuar seu rumo. lsrael rejeitado abriu a porta à bênção dos
nações. Essa cena é uma imagem para o tempo atual, um exemplo
antecipado da salvação de indivíduos fazendo parte de todos os
povos idólatras que “clamavam cada um a seu deus” (Jn 1:5),
segundo está escrito: “e com o teu sangue compraste para Deus
homens de toda a tribo, e língua, e povo, e nação” (Ap 5:9).
A iminência do perigo fá-los clamar ao SENHOR, porque é
sempre por aí que começam as nossas relações com Deus. Mas a
revelação de um sacrifício, do qual eles são responsáveis, que pode
afastar para sempre o juízo, repugna ao seu coração natural.
Prefeririam muito mais remar para alcançarem a terra! Por outro
lado, eles não podem ignorar que, lançando o servo de Deus às
ondas, recai sobre eles “sangue inocente” (Jn 1:14). São, portanto,
culpados, mas Deus ensina-lhes que, apesar de sua participação no
sacrifício, este último é para eles o único meio de salvação.
Notemos agora a mudança moral que se produz nos tripulantes do
envio: “Temeram, pois, estes homens ao SENHOR com grande
temor; e ofereceram sacrifício ao SENHOR, e fizeram votos” (Jn
1:16).
O seu primeiro passo no caminho da sabedoria é o de temerem
muito a Deus. Tomam em seguida perante Ele uma atitude de
adoradores, oferecendo-Lhe um sacrifício. Depois “fazem votos”.
Um voto é a livre devoção a Deus, para O servir sem restrições (Dt
23:21; Lv 7:16). Encontramos, pois, aqui todo um conjunto de
homens salvos, conduzidos a Deus, transformados em testemunhas
da Sua graça, adoradores e servidores que Lhe são consagrados.
Naquele barco das nações encontram-se doravante pessoas salvas,
enquanto que Jonas, representando Israel, é submergido nas
profundezas do mar dos povos.
O primeiro capítulo deste livro mostra-nos como a obediência
da fé se tornou hoje a parte das nações; o terceiro capítulo atrai os
nossos olhares para um tempo futuro. O julgamento é anunciado a
Nínive, a “grande cidade”, representando, como capital, o conjunto
dos povos. A Escritura diz-nos que “os homens de Nínive creram em
Deus; e proclamaram um jejum, e vestiram-se de saco, desde o
maior até ao menor” (Jn 3:5). Notemos que se trata aqui de um
jejum nacional. Não se poderá dizer que não seja real, porque é
baseado sobre a fé na Palavra de Deus, mas, entre os habitantes de
Nínive, essa fé “não tem raiz em si mesmo, antes é de pouca
duração” (Mt 13:21).
Apesar disso, um arrependimento exterior, baseado no te mor
do juízo, afasta-o por algum tempo. Dois séculos mais tarde a sorte
de Nínive torna-se definitiva e a cidade é inteiramente destruída.
Sucederá o mesmo quando se estabelecer o reino milenar de Cristo.
Colocadas em presença dos seus julgamentos, as nações
submeter-se-ão a Ele e reconhecerão o Deus de Israel (Sl 18:44),
mas quando, depois de mil anos desse reinado glorioso, Satanás for
solto e puder de novo seduzir as nações, elas sofrerão então o juízo
final.
Esse arrependimento de Nínive leva os nossos pensamentos
para os sérios dias que atravessamos. A mão de Deus paira
ameaçadora sobre os povos. Parece que a Sua voz se faz ouvir,
dizendo: “Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida” (Jn 3:4).
Não deveriam as nações, como tais, arrepender-se e “proclamar um
jejum”? Imperadores e reis, grandes e pequenos, não deveriam eles
clamar “fortemente a Deus, e converter-se, cada um do seu mau
caminho, e da violência que há nas suas mãos” (Jn 3:8)? “Quem
sabe se se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do furor da
sua ira, de sorte que não pereçamos?” (Jn 3:9). Deus pode
arrepender-se e mudar a direção dos Seus caminhos para com os
homens, quando eles mudam os seus próprios caminhos e se
afastam deles. Pudessem essas palavras, como outrora as de
Jonas, encontrar eco no coração dos povos!
JONAS E O POVO DE ISRAEL
Temos visto que Jonas, apesar da sua fé e do seu caráter de
profeta, encarna em si o espírito do povo do qual faz parte, espírito
de desobediência, de independência de Deus, de orgulho espiritual
e de justiça própria, que Deus constantemente assinala pelos Seus
profetas. E não se trata aqui de idolatria, aliás tão frequentemente
anatematizada, porque havia muito tempo que esse povo a tinha
deixado, mesmo antes de, pela rejeição do Cristo, ter sido disperso
entre as nações. Ora, é precisamente desse tempo que o livro de
Jonas nos fala, embora em figura. Verificamos esse fato no
momento em que a história de Israel vai terminar. O povo persiste
nos seus caminhos de independência e de vontade própria, sem se
ter realmente arrependido das “falsas vaidades” (Jn 2:8), que o
tinham caracterizado por longo tempo. A casa estava vazia, varrida
e ornamentada (veja Mt 12:44). O estado desse povo, que o
demônio da idolatria já não assediava, estava particularmente
marcado nos tempos dos derradeiros profetas e durante a vida do
SENHOR na terra por ser uma geração incrédula e perversa,
sepulcros branqueados por fora e cheios de corrupção por dentro,
uma raça hipócrita, mas vaidosa da sua própria justiça, orgulhosa e
vangloriando-se de ter por pai a Abraão, fugindo da luz e evitando o
testemunho de Deus, hostil à verdade e rebelde à graça. A
fidelidade estrita às normas da Lei, normas exteriores às quais, de
resto, juntaram ainda as suas tradições que invalidavam o
mandamento de Deus — eis o que revestia todas as suas
aparências de piedade (veja Mc 7:9). Os chefes empregavam todos
os seus esforços para conservarem a sua dignidade, a sua
reputação, a sua influência sobre o povo. Contudo, o que mais os
caracterizava, era o ódio à graça, que lhes trazia à memória a
verdade acerca do seu próprio estado espiritual: Se estavam
condenados — consideravam eles — não havia, pois, diferença
alguma entre eles e os outros homens; a graça abria a porta da
salvação a todo o pobre pecador de entre as nações — e isso é que
eles não podiam suportar! Jonas, embora fosse um homem de
Deus, oferece-nos mais de um aspecto desse quadro. Chegou um
momento que, pela rejeição do Salvador e do Espírito Santo, a
condenação definitiva dos judeus foi pronunciada: “Transportar-vos-
ei, pois, para além da Babilônia” (At 7:43). Israel é então lançado no
mar dos povos, onde é retido até ao dia da sua ressurreição
nacional.
Portanto, ele renascerá como nação! Porém, vamos ao capítulo
3, no segundo período da sua história: O seu coração, porventura,
havia mudado? De modo nenhum! Embora retorne, exteriormente,
mesmo sob o poder do anticristo, às formas antigas do seu culto (Dn
9:27), o seu estado moral é caracterizado pela irritação contra Deus.
Ele irrita-se ao ponto de desejar a morte e acha que faz bem (veja
Jn 4:8 9). Aqui o livro cala-se acerca do fim da sua história. É como
se esse povo revoltado regressasse ao nada, de onde saíra!
Observemos nós também esse solene silêncio a seu respeito.
A rejeição de Israel, em relação com a profecia de Jonas, nos é
anunciada pelo SENHOR de uma maneira muito assombrosa. No
Evangelho segundo Mateus, capítulo 12, Jesus fala de Jonas como
sendo um sinal da Sua morte e da Sua ressurreição.
Consideraremos mais à frente esse assunto, mas notemos desde já
que no capítulo 16 do mesmo evangelho, o SENHOR volta a fazer-
lhe referência e, sem dúvida, com intenção bem distinta: Os fariseus
e os saduceus pediram-lhe de novo um sinal. Jesus fala-lhes dos
sinais do céu, do bom tempo e da tempestade — imagens da graça
e do juízo —, que eles sabiam discernir bem, enquanto que não
podiam discernir “os sinais dos tempos”. O julgamento estava à
porta e eles não se apercebiam disso: “nenhum sinal lhe será dado,
senão o sinal do profeta Jonas” (Mt 16:4). Israel ia ser
definitivamente lançado ao mar, abandonado, para dar lugar aos
caminhos da graça de Deus para com todos os povos. Por isso o
evangelista acrescenta: “E, deixando-os, retirou-se”.
O verdadeiro Israel, porém, ressuscitará e virá a ser, como
vamos ver, o Enviado e a Testemunha de Deus, para conduzir ao
arrependimento a grande multidão das nações.
JONAS E O REMANESCENTE
A finalidade principal do livro de Jonas ressalta, parece-nos, do
capítulo 2, que nós intencionalmente temos omitido até aqui. Temos
visto que a pessoa de Jonas nos apresenta os caracteres que
teriam possuído os testemunhos de Deus, e, por conseguinte, o
profeta judeu, como testemunha. Enfim, que essa mesma pessoa
ilustra também, para nós, a história do povo que, apesar de tudo,
tem sido e será ainda a testemunha de Deus perante as nações.
Dizemos “será”, porque se o povo, como conjunto, foi rejeitado
definitivamente quando a paciência de Deus se esgotou, dali sairá,
mais tarde, um remanescente, núcleo de um futuro povo, carregado,
como toda a sua raça, com a culpa do sangue, quer dizer, da
responsabilidade da morte do Messias, e disso sofrendo as
consequências por ocasião da grande tribulação do fim. Mas a
angústia de então produzirá no coração desses fiéis um sincero
arrependimento, para salvação. Não procurarão separar a sua
responsabilidade da do povo a que pertencem; reconhecerão que o
seu castigo é merecido, que a tempestade que vai crescendo
sempre é a justa retribuição da sua perversidade e que devem ser
suprimidos da terra dos viventes, por terem crucificado o Filho de
Deus! Mas, tragados pelo grande peixe, descobrirão, no infortúnio,
que o seu Messias atravessou as mesmas angústias, e que Deus
Lhe respondeu! Essa convicção dará uma grande segurança a
esses fiéis, de modo que clamarão a Deus com a certeza de serem
ouvidos por Ele.
As suas experiências são-nos descritas no capítulo 2 do nosso
profeta. A oração de Jonas contém dois temas: o primeiro indica as
experiências do remanescente fiel, do verdadeiro Israel, no dia da
angústia (Jn 2:3), da qual é salvo. O segundo indica os sofrimentos
e a morte de Cristo — tema este que constituirá o assunto de outro
capítulo.
Quanto ao primeiro tema, supomos que os nossos leitores
estão suficientemente familiarizados com o Antigo Testamento, para
saberem que os Profetas e os Salmos nos falam constantemente do
remanescente judeu crente do fim e das tribulações que ele suporta.
A oração de Jonas é uma prova em apoio dessa verdade. Os oito
versículos reproduzem tão numerosas passagens dos salmos e do
profeta Isaías que, citá-las todas, seria sobrecarregar inutilmente o
nosso texto. Cada leitor, munido de uma boa concordância bíblica,
poderá, por si próprio, formar a lista delas. Limitar-nos-emos, pois, à
citação de algumas passagens mais essenciais.
“E orou Jonas ao SENHOR, seu Deus, das entranhas do peixe.
E disse: Na minha angústia clamei ao SENHOR, e ele me respondeu;
do ventre da sepultura gritei, e tu ouviste a minha voz” (Jn 2:1-2).
E de notar que o clamor de Jonas não vem aqui senão depois
do clamor dos gentios. E assim será, com efeito. Hoje o navio dos
nações, contendo os que, pela fé, se tornaram adoradores do
verdadeiro Deus, continua o seu curso, e aqueles que nele seguem
obtiveram a salvação depois de terem “clamado ao SENHOR” (Jn
1:14). Israel, pelo contrário, está submerso no mar dos povos; mas,
do seio desse abismo, do fundo da sua angústia, do meio dessa
grande tribulação, que pesará, em primeiro lugar, sobre os fiéis do
antigo povo de Deus, um remanescente se erguerá e clamará
também ao seu Deus, que tanto ofendeu!
Esse versículo reveste-se da forma habitual dos salmos. É um
recreio de todo o conteúdo da oração e indica desde logo o
resultado, enquanto que os versículos seguintes descrevem por que
caminho esse resultado será obtido. Atirado ao fundo do abismo,
tragado pelo grande peixe preparado por Deus como instrumento de
sua preservação, o fiel ora e clama. E com que alegria ele verifica
que a resposta à sua prece chegou! O salmo 120, que serve de
prefácio à pequena compilação dos Cânticos de Degraus, fala
exatamente nos mesmos termos. Trata-se, neste salmo, do
remanescente expulso de novo do seu país pela perseguição,
depois de ali ter entrado em companhia da nação incrédula: É o dia
da aflição de Jacó (veja Ap 12:13-16). Então ele diz: “Na minha
angústia clamei ao SENHOR, e me ouviu” (Sl 120:1). “E clamaram ao
SENHOR na sua angústia, e os livrou das suas dificuldades” é-nos
dito repetidas vezes no Salmo 107, que, por sua vez, serve de
prefácio ao quinto livro dos salmos, onde se encontram os Cânticos
de Degraus. “Ele respondeu-me” — é o resumo de todas as
experiências dos fiéis: uma completa libertação. E o mesmo sucede
no salmo 130: “Das profundezas a ti clamo, ó SENHOR!”. Esse
Salmo descreve-nos os solenes exercícios de consciência do
remanescente, e os resultados eternamente benditos da sua
libertação (veja também os salmos 18:6 e 86:7). “Do ventre da
sepultura gritei, e tu ouviste a minha voz” (Jn 2:2).
Depois do resumo de que acabamos de falar, a oração de
Jonas retoma a sequência das experiências que suscitaram essa
resposta de Deus. Primeiramente, o fiel clama do seio do abismo e
Deus ouve. A resposta efetiva ao seu clamor não veio ainda, mas
ele tem a consoladora certeza de que a oração da fé chegou aos
ouvidos do SENHOR. A oração de Ezequias (Is 38:10) tem muito em
comum com a de Jonas, somente ali a angústia é menor: Ezequias
desce ao abismo e Jonas está lá. David, no salmo 30:3 sai dele
(veja ainda o Sl 18:4-5). “Porque tu me lançaste no profundo, no
coração dos mares, e a corrente das águas me cercou; todas as
tuas ondas e as tuas vagas têm passado por cima de mim” (Jn 2:3).
Encontra-se exatamente a mesma expressão no salmo 42:7.
Todo o leitor um pouco familiarizado com as Sagradas Escrituras,
sabe que o segundo livro dos salmos (salmos 22 a 72) descreve os
sentimentos e as experiências do remanescente de Judá disperso
entre as nações durante a grande tribulação. Ora, são precisamente
essas experiências que nos apresenta a oração de Jonas.
“E eu disse: Lançado estou de diante dos teus olhos; todavia,
tornarei a ver o teu santo templo” (Jn 2:4).
Voltamos a encontrar aqui a oração de Ezequias (Is 37:10-11);
as numerosas passagens do segundo livro dos salmos (salmos
43:2; 44:9 e 60:1 e 10), e ainda outras passagens mais como os
salmos 74:1, 77:7, 31:22 ou Lamentações de Jeremias 5:22. A
consciência de ser rejeitado não destrói a certeza da fé entre o
remanescente na angústia. Expulso de Jerusalém, não cessa de
olhar para o templo, como Daniel fazia em frente das janelas
abertas para o lado de Jerusalém (Dn 6:10. Veja também Sl 42:4;
43:3-4; 18:6; e Hc 2:20). Os santos de hoje, que podem aplicar a si
próprios essa passagem quando estão em aflição, sabem que esse
templo é, para eles, a casa do Pai, nos céus.
“As águas me cercaram até à alma, o abismo me rodeou; e as
algas se enrolaram na minha cabeça” (Jn 2:5).
A alma faz, na aflição, a experiência daquilo que é o juízo de
Deus por causa do pecado. No segundo livro dos Salmos, de que
temos falado, essa posição terrível está pintada em traços
indeléveis: “Um abismo chama outro abismo, ao ruído das tuas
cachoeiras; todas as tuas ondas e as tuas vagas têm passado sobre
mim” (Sl 42:7). O salmo 69 descreve a grandeza dessa angústia.
Entrar no lodo profundo do pecado tem como consequência o juízo:
a profundeza das águas que traga e a corrente que submerge, ao
mesmo tempo que se abre um abismo sem fundo (Sl 69:2 e 15).
Veremos mais à frente que o fiel encontra Cristo no abismo, esse
Jesus que ali desceu por ele. Nós também, cristãos, temos feito a
mesma experiência, mas sem sermos obrigados, como o
remanescente, a conhecermos o abismo, a não ser na nossa
consciência.
“Eu desci até aos fundamentos dos montes; a terra me
encerrou para sempre com os seus ferrolhos; mas tu fizeste subir a
minha vida da perdição, ó SENHOR meu Deus” (Jn 2:6).
A angústia chega aos seus últimos limites; o aflito não pode
descer mais baixo. É a morte em todo o seu horror. As portas que
fecham o acesso à terra dos viventes são fechadas para sempre.
Estas mesmas experiências se reencontram no cântico de Ezequias
(Is 38:10-11), e também a mesma resposta de Deus: “…mas a ti
agradou livrar a minha alma da cova da corrupção; porque lançaste
para trás das tuas costas todos os meus pecados … O SENHOR
veio salvar me” (Is 38:17 e 20). É pela ressurreição de Cristo que
todos os nossos pecados são deixados no abismo onde nunca mais
serão encontrados.
“Quando desfalecia em mim a minha alma, lembrei me do
SENHOR; e entrou a ti a minha oração, no teu santo templo” (Jn 2:7).
No momento da suprema angústia e da agonia, o fiel lembra-se
do SENHOR, e a sua oração não é já somente ouvida, mas também
recebida no lugar onde Deus habita.
“Os que observam as falsas vaidades deixam a sua
misericórdia” (Jn 2:8).
Aqui vem a reprovação pronunciada contra o povo apóstata,
novamente invadido pelo demônio da idolatria (Mt 12:43-45), e que,
por vaidades ou ídolos mentirosos, abandona a graça colocada
perante ele. Mais vale estar mergulhado na angústia, mas com uma
esperança, do que compartilhar a sorte dos que têm o anticristo
como amo. No salmo 31 vemos a diferença entre os que adoram
ídolos vãos (veja Sl 31:6), e aqueles que confiam no SENHOR, cuja
graça é o seu único recurso.
“Mas eu te oferecerei sacrifício com a voz do agradecimento; o
que votei pagarei. Do SENHOR vem a salvação” (Jn 2:9).
Aqui o fiel remanescente chega ao mesmo culto que os gentios
tinham encontrado no tempo da sua infidelidade. É esse culto que
os cristãos rendem agora. Somente no porvir profético as nações
sacrificarão, sob o reinado do Messias, ao SENHOR, o Deus de
Israel, e subirão a Jerusalém para O adorarem, em companhia do
Seu povo (Sl 115:14-15; 22:25). Haverá então para Israel, assim
como para os gentios (Jn 1:16) “votos”, o serviço do SENHOR, livre e
sem restrição, de um “povo de boa vontade” (Sl 56: 12; 61:8; 66:13;
76:11; Dt 23:21).
A última frase desta oração profética é: “Do SENHOR vem a
salvação”. Ela está lá. Só Ele a operou. Ela é unicamente o fruto da
Sua graça (Is 38:20; 52:10). Nos últimos dias, Israel encontrará essa
grande verdade, que faz hoje a alegria, a segurança de todos os
crentes, e sobre a qual a sua certeza está para sempre fundada.
Como se produzirá essa libertação? É o que vamos ver no próximo
capítulo.
JONAS FIGURA DE CRISTO
A pessoa de Jonas representa o Cristo sob dois aspectos
diferentes: a) a morte e a ressurreição de Cristo, para cumprir a obra
da redenção, descrita nos evangelhos segundo Mateus e Lucas, e
b) como sofrendo ele mesmo a ira de Deus.
Ocupando nos com o primeiro aspecto, vemos no evangelho
segundo Mateus, os escribas e os fariseus, que acabavam de
acusar o Senhor de “não expulsar os demônios senão por Belzebu,
príncipe dos demônios” (Mt 12:24), pedir-Lhe um sinal da (veja Mt
12:38), ou seja, um milagre que pudesse acreditá Lo aos olhos
deles! Pedir a Jesus o que O acreditasse, quando toda a Sua vida e
os milagres de bondade que Ele operava a cada passo
proclamavam, de forma incontestável, que Ele era Emanuel, o que
quer dizer Deus Conosco! Essa geração má e adúltera poderia
ainda ser convencida por meio de um sinal?! Por isso o Senhor lhes
responde: “Uma geração má e adúltera pede um sinal, porém, não
se lhe dará sinal, senão o sinal do profeta Jonas; pois, como Jonas
esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim estará o
Filho do homem três dias e três noites no coração da terra” (Mt
12:39-40). Tipo maravilhoso, dado na pessoa de Jonas, dos
sofrimentos de Cristo, cerca de 900 anos antes da Sua vinda! Com
efeito, os Seus sofrimentos e a Sua morte são o principal assunto da
profecia.
Contudo, a permanência de Cristo no sepulcro era também o
sinal de que era agora demasiado tarde para o povo. Demonstrava
que não havia mais possibilidades para ele de receber o Profeta, o
Enviado, o Filho do homem, o Filho de Deus, como seu Rei. A partir
dali, todas as antigas relações de Deus com o Seu povo estavam
interrompidas e, para serem reatadas, não poderiam ser baseadas
senão na sua rejeição, e nunca mais na sua apresentação ao Seu
povo como Messias e como Rei. Cristo veio tomar, em amor, o lugar
de Israel, rejeitado por causa da sua desobediência, afim de que
este último, em virtude da expiação consumada na Cruz do
Calvário, pudesse reencontrar o seu lugar no Reino. Para nós,
cristãos, Ele tomou o nosso lugar, como pecadores sob o juízo, afim
de que os céus nos pudessem ser abertos.
A essas palavras Jesus acrescenta: “Os ninivitas ressurgirão no
juízo com esta geração, e a condenarão, porque se arrependeram
com a pregação de Jonas. E eis que está aqui quem é maior do que
Jonas” (Mt 12:41). Os gentios, tão desprezados pelos judeus, eram
muito menos culpados do que este povo. Nínive tinha-se
arrependido sem nenhum sinal, e pela simples pregação de um
profeta acerca do julgamento ou juízo que os esperava. Porventura
se tinha arrependido Jerusalém com a pregação de Um maior que
Jonas, que era não somente o profeta da graça, obedecendo a
vontade de Deus, mas o próprio Filho de Deus? Por isso, esses
homens gentios serão, no dia do juízo, as angustiantes testemunhas
da justa condenação de Israel, que rejeitou Deus na pessoa de
Cristo, vindo em graça.
Em Lucas 11:29-32, o Senhor é ainda mais explícito. Depois de
ter dito, no versículo 29, que não seria dado a essa geração má
outro sinal senão o de Jonas, Jesus acrescenta, no versículo 30:
“Porquanto, assim como Jonas foi sinal para os ninivitas, assim o
Filho do homem o será também para esta geração”. Aqui o Senhor
compara esta geração judia, culpada, aos ninivitas, um povo pagão!
Jonas, morto e ressuscitado em figura, era não apenas um
pregador, mas também um sinal para os ninivitas — sinal que o
acreditava junto deles. Com efeito, não se trata, nessa passagem,
da pregação, mas da pessoa de Jonas. Um Cristo morto e
ressuscitado, recebido agora entre as nações como Salvador, e do
qual Jonas é o tipo, condena doravante Israel. Este povo era
culpado da Sua morte, e ressuscitando-O, Deus declarava a Sua
plena satisfação acerca da obra do Seu amado Filho, ao qual Israel
tinha rejeitado — o que o condenava sem remissão. Por isso o
Senhor acrescenta, no versículo 32: “Os homens de Nínive se
levantarão no juízo com esta geração, e a condenarão; pois se
converteram com a pregação de Jonas; e eis aqui está quem é
maior do que Jonas”. De fato, os ninivitas tinham-se arrependido
sem nenhum sinal especial, enquanto que os judeus pediam um
sinal! A simples pregação de Jonas os tinha levado ao
arrependimento! A sua palavra tinha bastado para produzir esse
resultado. Que tinham eles feito, eles, judeus, da pregação de
Cristo? E, no entanto, que extraordinária diferença havia entre estes
dois testemunhos! Jonas vinha anunciar o julgamento e a destruição
de Nínive; Cristo vinha anunciar a graça e a salvação ao Seu povo
culpado! Quão profundo era, pois, o endurecimento do coração de
Israel, para ter rejeitado uma tal mensagem!
Tal é o tipo de Jonas, no Novo Testamento: Jonas rejeitado,
Jonas passando três dias e três noites no ventre do peixe, Jonas
ressuscitado — Cristo rejeitado, Cristo passando três dias e três
noites no coração da terra, Cristo ressuscitado! Assim o Senhor é
apresentado hoje para salvação a todos os homens!
O livro de Jonas mostra-nos, de resto, mais do que qualquer
outro livro profético, que a profecia não pode ser interpretada à luz
de acontecimentos históricos — um dos numerosos erros da
teologia moderna — e que só Cristo é o seu alvo final e única
solução.
Cristo é-nos também apresentado neste livro sob um segundo
aspecto. Jonas é ali um tipo de Cristo, sofrendo ele mesmo a ira de
Deus e dela sendo livrado afim de que os fiéis do fim (o
remanescente de Israel), atravessando a grande tribulação, ali
encontrem o ânimo e o conforto do que carecerão para a
suportarem. Essa verdade importante está resumida numa
passagem de Isaías: “Ele se fez o seu Salvador. Em toda a angústia
deles ele foi angustiado, e o anjo da sua presença os salvou” (Is
63:8-9). E assim que o remanescente de Judá, culpado da rejeição
do Messias, passando, em virtude desse pecado, pelo crisol da
angústia, e encontrando-se ele próprio rejeitado segundo Mateus
16:4, encontrará, quando for submerso nas águas profundas, que
um outro, seu Salvador e seu Redentor, ali esteve também antes
dele e por amor dele, e delas foi libertado. Que bendita segurança
uma tal descoberta dará então à sua alma, não é?! Com efeito, na
dura prova do Getsêmani, Ele pôde dizer: “No dia da minha
angústia, inclina para mim os teus ouvidos” (Sl 102:2), e “tenho
misturado com lágrimas a minha bebida, por causa da tua ira e da
tua indignação, pois tu me levantaste e me arremessaste” (Sl 102:9-
10). Ele próprio disse também: “Livra-me, ó Deus, pois as águas
entraram até à minha alma” (Sl 69:1). Ele próprio, Ele, Jesus “nos
dias da sua carne, oferecendo, com grande clamor e lágrimas,
orações e súplicas ao que o podia livrar da morte, foi ouvido quanto
ao que temia” (Hb 5:7). Vemos nessas passagens e em muitas
outras Cristo no Getsêmani, atravessando o dia da “angústia” (Sl
102:2), e as angústias do juízo merecido pelo Seu povo.
Simpatizava com ele, realizando na sua alma o que é a ira de Deus
contra o Israel culpado. É considerando isso que os fiéis do
remanescente do fim serão animados na sua piedade, na sua
confiança em Deus, na certeza da sua salvação final, e que poderão
dizer: “Até quando, SENHOR?”, certos de que um dia eles serão
favoravelmente recebidos. Na profundidade das águas e
compartilhando a sua angústia, aprenderão a conhecer Cristo e
saberão que Ele saiu ressuscitado do grande abismo, afim de que
eles reencontrem a bênção sobre “a terra dos viventes”.
Esta salvação que nós, cristãos, possuímos hoje, nos abriu o
céu. A salvação de Israel, nos últimos dias, abrir-lhe-á a terra
renovada sob o reinado do Rei da Paz, de maneira que esse povo
poderá dizer, com a mesma segurança que nós dizemos hoje: “Do
SENHOR vem a Salvação”.
DEUS NO LIVRO DE JONAS
Deus Se manifesta no livro de Jonas sob dois aspectos.
Primeiro, quando Ele envia a tempestade como um juízo sobre
o Seu profeta infiel e sobre os gentios, Ele tem um propósito de
graça para com esses últimos. Eles eram, até ali, completamente
indiferentes e sem conhecimento do verdadeiro Deus, mas o
SENHOR conduz os marinheiros às portas da morte, para os obrigar
a clamar a Deus — ao Deus único e verdadeiro (Jn 1:4; compare Sl
107:23-32). Então Ele Se revela como o Deus Salvador para esses
gentios, um Deus que sacrifica o Seu profeta em favor deles. É
preciso que o servo de Deus seja entregue à morte para que
algumas almas, alheias a Deus, aprendam a conhecê-Lo e sejam
levadas a servi-Lo. Mas Deus é também um Deus Salvador para o
Seu povo. Ele não pode suportar a desobediência e é forçoso punir
as transgressões, porque Ele não pode abandonar a Sua justiça
nem a Sua santidade; mas o ventre do peixe que tragou Jonas
esconde, por assim dizer, um outro Jonas obediente e fiel, que sofre
sem culpa, mas que ressuscita, afim de que, para Israel, “a salvação
seja do SENHOR”.
O segundo aspecto por que Deus se manifesta neste livro é:
“Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em
todos vós” (Ef 4:6). Ele é o Deus Criador e Conservador de todos os
homens e de toda a criação. Ele dirige os elementos, os ventos e o
mar conforme a Sua vontade; prepara um grande peixe, um
kikayon1, um verme, um vento do oriente, para cumprir os seus
desígnios. A Sua providência vela por tudo; a Sua bondade infinita
está cm toda a parte. A este “Deus do céu, que fez o mar e a terra
seca” (Jn 1:9), os gentios adorarão finalmente, quando eles
reconhecerem o “Pai de todos” no Deus que, “sem acepção de
pessoas, julga segundo a obra de cada um” (1 Pe 1:17). O amor de
Deus para com todas as Suas criaturas é universal, e os homens de
hoje bem o querem reconhecê-lo, mas, infelizmente, só com a
condição de que isso não os obrigue a arrependerem se dos seus
pecados! Contudo, não foi esse o caso de Nínive. Quando esses
gentios souberam que o Deus de paciência e de mansidão ia julgá-
los, porque O tinham ofendido gravemente, foram levados ao
arrependimento. Deus não se revelou a Nínive como o SENHOR, o
Deus de Israel, mas como Deus — Elohim, o Criador (Jn 3:5 e 8-
10). Aquela cidade, cuja maldade tinha subido até Deus e que se
prostrava perante os seus ídolos, arrependeu-se. O jejum foi
proclamado, e não foi o Deus Salvador, mas sim o Deus Criador que
teve isso em conta e que poupou Nínive por algum tempo.
A conversão das nações, nos últimos dias, pelo evangelho
eterno, não terá outro caráter. O anjo que o há-de anunciar dirá em
alta voz: “Temei a Deus, e dai-Lhe glória; porque é vinda a hora do
seu juízo. E adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as
fontes das águas” (Ap 14:7). As nações arrepender-se-ão e serão
poupadas durante mil anos, como Nínive o foi durante dois séculos.
Jonas tinha de aprender esta verdade elementar: O amor
universal de Deus; a providência do “Pai de todos”. Ele, sob a Lei,
conhecia o SENHOR, o Deus de Israel como um Deus
misericordioso. Conhecia-O como um Deus Salvador, que o tinha
livrado, mas o seu orgulho de judeu não podia admitir que o coração
de Deus estivesse igualmente aberto para todas as Suas criaturas!
O seu egoísmo levava-o a pensar que os cuidados de Deus deviam
dirigir-se exclusivamente para a sua pessoa. Que Jonas fosse
poupado — estava certo! Que a grande cidade fosse destruída —
era necessário para salvaguardar a honra do profeta! Não é verdade
que o nosso amor próprio nos leva, muitas vezes, a ignorar as
verdades mais elementares no tocante ao caráter de Deus? Por isso
a última lição desse livro é destinada ao profeta. A providência de
Deus prepara um kikayon2 para fazer sombra sobre a cabeça de
Jonas e “livrá-lo do seu enfado”. Ele conta agora, cheio de alegria,
com a proteção que lhe oferece uma planta, íntima criatura de Deus,
em vez de olhar para Aquele que a preparou. Deus dá a planta por
pasto a um verme, que também preparou. Assim, tudo se encadeia
nos caminhos da providência: O Criador pensa em tudo, numa
planta, num ver me, num Jonas (que humilhação para o profeta!),
numa grande cidade com toda a sua população e o seu rei, nas
pessoas incapazes de discernirem entre a mão direita e a mão
esquerda, no gado numeroso que enchia os estábulos! Onde está,
pois, o teu coração face ao Meu — diz o Pai de todos a Jonas? O
teu egoísmo cega-te acerca do que Eu sou e te irritaste. É razoável
essa tua ira? Acaso Eu me irritei contra ti? O coração de Jonas é
julgado, ou, pelo menos, convencido de egoísmo e de orgulho. O
justo Jó teve de fazer uma experiência semelhante, cujos resultados
a Palavra de Deus nos dá a conhecer. Quando Jó encontrou o Deus
Criador, o Pai de todos, face a face, diz: “Por isso me abomino e me
arrependo no pó e na cinza” (Jó 42:6). Mas Jonas, infelizmente, ao
encontrá-Lo diz: “Faço bem que me revolte até à morte” (Jn 4:9). Tal
é aqui a última palavra do profeta de Israel! Os marinheiros
navegaram felizes e cheios de alegria pelo mar apaziguado; Nínive
arrependida desfruta agora da sua libertação; os olhares do Pai de
todos procuram as mais ignorantes das suas criaturas para as
abençoar; e uma só fica de parte — ele, o depositário dos segredos
de Deus, sombrio e irritado, porque, estando ocupado consigo
mesmo, ignora o caráter e o coração do seu Deus!
Mas, já o dissemos, essa benevolência universal do Pai de
todos não é nunca de indiferença para com o mal. Esse mesmo Pai
“julga segundo a obra de cada um”. Ele julga os que se aventuram
sobre o mar, confiados na proteção dos seus deuses, e também
julga as Suas testemunhas que, num espírito de desobediência, se
afastam dEle; julga uma nação cheia de maldade e de violência.
Não poupa ninguém, afim de salvar todos os homens! E quando a
vontade do homem, mais obstinada num Santo do que no mais
miserável dos pecadores, persiste em se Lhe opor e em contradizê-
Lo, Ele, o Pai de todos, não se irrita; usa de paciência — paciência
de que não vemos nem o resultado nem o fim nesta história!
Assim passamos em revista nesse livro, tão especial entre
todos os escritos proféticos, todo o conjunto da história do homem,
desde o princípio até ao fim: A história da criatura caída, mas
provida de uma vida nova; a da rejeição de Israel; a da graça
concedida às nações; a de um remanescente preservado na
angústia; a das nações do fim, recebendo o evangelho do Reino; e,
coroando todo esse conjunto, o Cristo entregando-Se a Si próprio e
ressuscitando de entre os mortos; o Deus Criador, no qual
esperarão todas as nações; e o Deus Salvador, de Quem nos é dito:
“Pouco é que sejas meu servo, para restaurares as tribos de Jacó, e
tornares a trazer os preservados de Israel; também te dei para luz
dos gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da
terra” (Is 49:6).

1 Veja as notas no final do livro.


2 Veja as notas no final do livro.
NOTAS EXPLICATIVAS
Para os leitores já familiarizados com as Sagradas Escrituras,
estas breves notas podem parecer supérfluos; mas para os que
iniciam agora os primeiros passos em tão glorioso terreno— o
estudo da Palavra de Deus — são bastante úteis.

1. Gentios ou nações: Termos empregados aqui como sinônimos.


Os judeus davam o nome de gentios a todos os povos que não
faziam parte do povo de Israel. Tal como os antigos romanos
davam o nome de bárbaros a todos quantos não fizessem parte
do império greco-romano.
2. Kikayon: Nome de uma planta que aparece em lugares
arenosos, perto do Mediterrâneo e do Mar Morto. Quando as
condições climáticas lhe são favoráveis, nasce e cresce
rapidamente, sendo, geralmente, de pouca duração. Algumas
edições bíblicas traduzem o “kikayon” por “aboboreira”, outras
traduzem-no por “cabaceira”, ainda outras por “rícino”. Também
aparece como “trepadeira de Gilgal” (que é uma planta de fruto
venenoso). Mais acertadamente, algumas edições o chamam
simplesmente “uma planta”. Sucede que, sendo o “kikayon”
planta exclusiva daquelas paragens, não temos termo
adequado para tradução do seu nome indígena e por isso
achamos preferível conservar-lho a induzir os nossos leitores a
erros.
3. É costume considerarmos os Salmos como formando um livro
único, mas, na realidade, o “Livro dos Salmos” é formado por
cinco livros:
Livro 1: Salmo 1 a 41
Livro 2: Salmo 42 a 72
Livro 3: Salmo 73 a 89
Livro 4: Salmo 90 a 106
Livro 5: Salmo 107 a 150.
4. Israel renascerá como nação! Esse estudo ainda foi escrito nos
alvores do século XX, antes da libertação de Jerusalém do
poder dos turcos pelo general Allenby (Novembro de 1917) e
antes da “declaração Balfour” que abriu a terra para os judeus
muito tempo antes da formação do atual estado de Israel. O
autor manifesta aqui uma certeza, que advém da fé que
professa: Ele sabia que Israel havia de renascer como nação,
porque assim no-lo assegura a Palavra de Deus — e a
Escritura, divinamente inspirada, não pode falhar!

Bom seria se, crentes e não crentes, meditassem todos nesta


grande verdade: A ESCRITURA DIVINAMENTE INSPIRADA, NÃO
PODE FALHAR! (compare Jo 10:35).
As notas foram agregadas pelo tradutor.
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Table of Contents
Introdução
Jonas uma testemunha
Jonas o profeta
Jonas e as nações
Jonas e o povo de Israel
Jonas e o remanescente
Jonas figura de Cristo
Deus no Livro de Jonas
Notas explicativas

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