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Resumo: O presente artigo reflete a prática clínica junto de mulheres vítimas de violência
doméstica, acompanhadas psicologicamente na consulta de Violência Doméstica da
Fundação Materno-Infantil Mariana Martins. Ao longo do artigo é realizado um confronto
da literatura e estudos realizados sobre o tema com a prática clínica na referida instituição.
Neste artigo, inicialmente é realizada uma breve exposição acerca da prevalência deste
fenómeno a nível nacional e internacional. São expostos os fatores que poderão estar
na base das mulheres tolerarem as relações abusivas onde estão inseridas ou estiveram
e é abordado o modelo de intervenção utilizado junto destas mulheres, bem como os
resultados. Finalmente, termina-se com uma reflexão acerca do tema, com sugestões
consideradas relevantes, que postas em prática podem auxiliar numa compreensão e
intervenção mais eficaz junto a vítimas de violência doméstica.
Palavras-chave: violência doméstica; vítima; relação.
Abstract: This article focuses on the clinical practice among women victims of domestic
violence, psychologically attended in the Domestic Violence consultation of the Fundação
Materno-Infantil Mariana Martins. Throughout the article, is accomplished a comparison
of the literature and previous research on this subject with the clinical practice in said
institution. In this article, it was developed a brief exposition about the prevalence of this
phenomenon at national and international level. Is discussed the factors that could be
at the basis of women tolerate the abusive relations where they are inserted or exposed,
and is approached the intervention model used with these accompanied women, as well
as the results. As a conclusion, there were given reflections on the topic, with suggestions
considered relevant, which put into practice can help more effective understanding and
intervention with domestic violence victims.
Keywords: domestic violence; victim; relationship.
1 Psicóloga, mestra e doutoranda em Psicologia. O presente trabalho teve o apoio da Fundação Materno-
Infantil Mariana Martins. celine_19r@hotmail.com
Revista Brasileira de Psicologia, 04(01), Salvador, Bahia, 2017
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Intervenção psicológica em mulheres vítimas de violência doméstica
Psychological intervention in women victims of domestic violence
Introdução
sociais menores e menos favoráveis em relação às mulheres que não sofreram abuso
(Katerndahl, Burge, Ferrer, Becho & Madeira, 2013, cit in Hansen, Eriksen & Elklit, 2014). A
ausência de suporte social real e menores níveis de suporte social percebido foram
identificados como fatores de risco para o desenvolvimento de perturbação de stress pós-
traumático em indivíduos expostos ao trauma (Brewin, Andrews, & Valentine, 2000; Ozer,
Best, Lipsey & Weiss, 2003, cit in Hansen, Eriksen & Elklit, 2014). Isto é algo que também
é percebido nas mulheres acompanhadas, independentemente da idade, constata-se que
o agressor consegue afastar a vítima de familiares ou amigos, tornando-a mais vulnerável
e emocionalmente mais dependente dele.
variar entre 24 e 84% (Coker, Weston, Creson, Justiça & Blakeney, 2012; Golding, 1999;
Lilly & Graham-Bermann, 2010, cit in Hansen, Eriksen & Elklit, 2014). Os estudos também
relatam níveis elevados de depressão em mulheres vítimas de violência doméstica, uma
revisão de 18 estudos que avaliaram amostras clínicas e não clínicas, Golding (1999)
constatou que a taxa média de depressão nestas mulheres foi de 47,6%. Outros estudos
descobriram padrões similares de ansiedade em mulheres vítimas de violência doméstica
(Hurwitz, Gupta, Liu, Silverman & Raj, 2006; Mitchell et al,. 2006, cit in Hansen, Eriksen &
Elklit, 2014).
As estratégias adotadas para o tratamento de vítimas de violência doméstica,
devem ter em atenção as características únicas de cada uma delas. Devido à presença
de poder e controlo nestes relacionamentos, as vítimas são frequentemente impedidas
de interagir com pessoas que não sejam os seus agressores, pois frequentemente os
abusadores restringem as vítimas de postos de trabalho e as vítimas são, portanto, muitas
vezes dependentes dos abusadores de apoio financeiro. As vítimas são envergonhadas,
desprezadas, humilhadas e criticadas. Não raras vezes, as mensagens que recebem de
seus agressores traduzem-se nas crenças que detêm sobre si mesmas (Binkley, 2013). As
vítimas têm medo e muitas vezes não têm opções de mudança devido a recursos limitados
ou controlados. Devido ao abuso mental que as vítimas de violência doméstica sofrem,
muitas utentes nessas situações compartilham algumas características comuns: depressão,
ansiedade, dependência emocional, baixa auto-estima e isolamento (Zlotnick, Johnson &
Kohn, 2006, cit in Binkley, 2013). Em consulta, é importante ter escuta ativa para estas
mulheres, deixando-as expressar os seus sentimentos.
A intervenção utilizada com estas mulheres baseou-se no uso de terapia cognitivo-
comportamental. A estrutura das sessões terapêuticas variam de paciente para paciente,
tendo em conta as necessidades e idiossincrasias de cada mulher.
Em qualquer sessão, é crucial trabalhar e restabelecer a aliança terapêutica, sendo
que, estudos demonstram que as alianças adequadas e bem sucedidas levam a resultados
mais eficazes no tratamento (Raue & Goldfried, 1994). Além disso é importante monitorizar
o humor, explorar os sintomas (físicos e psicológicos) desde a última vez que estiveram em
consulta e perceber os problemas que a utente mais deseja resolver. Na discussão de um
problema é importante perguntar acerca dos pensamentos, emoções e comportamentos
específicos associados a esse problema. Posteriormente, deve procurar-se uma estratégia,
em colaboração com a utente, sendo que essa estratégia poderá incidir na resolução
direta do problema, avaliar o pensamento negativo associado ao problema ou mudança
no comportamento (Beck, 2013). Frequentemente em consulta, as vítimas apresentam
verbalizações como “eu não vou conseguir encontrar trabalho”, sendo necessário avaliar e
responder a pensamentos deste género, de forma a ajudar a utente a adotar uma perceptiva
mais adequada e adaptativa das situações, implementando soluções. A sessão visa preparar
a utente a realizar mudanças no seu pensamento e comportamento (até à próxima sessão),
que terá consequências positivas no seu humor e funcionamento. No exemplo apresentado,
é importante certificar quais as soluções apresentadas, como ajudar a utente a entrar em
contacto som a Segurança Social, ensinar estratégias na elaboração do curriculum, treinar
competências interpessoais.
No acompanhamento destas mulheres, a primeira parte das sessões visa sempre
reestabelecer a aliança terapêutica e adquirir informação para que, juntamente com a
utente, se possa definir e priorizar os problemas a trabalhar. Na segunda parte, são discutidos
Conclusão
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