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Rev. Latino-Am.

Enfermagem Artigo Original


19(6):[08 telas]
nov.-dez. 2011
www.eerp.usp.br/rlae

Violência doméstica: as possibilidades e os limites de enfrentamento1

Angelina Lettiere2
Ana Márcia Spanó Nakano3

O objetivo do presente estudo foi compreender como as mulheres em situação de violência

doméstica, atendidas no instituto médico legal, convivem com essa adversidade e identificar

as estratégias de proteção no enfrentamento, considerando o apoio/suporte requerido e o

obtido no meio relacional e institucional. Trata-se de estudo com abordagem qualitativa.

Foram entrevistadas dez mulheres e os dados analisados pela técnica de análise de conteúdo,

modalidade temática. A busca por ajuda ocorre no próprio meio social, junto à família e

amigos. Posteriormente, recorre-se aos serviços de saúde e judicial. Nessa busca, os vínculos

estabelecidos podem se tornar obstáculo ao enfrentamento e, portanto, vulneráveis à violência,

ou podem proteger as mulheres e fortalecê-las no enfrentamento. No reconhecimento de suas

necessidades sociais e de saúde, os agravantes da violência são apenas tangenciados pelos

profissionais, na apreensão das necessidades dessas mulheres. Para o atendimento integral e

humanizado devem ser pensadas novas estratégias de ações profissionais.

Descritores: Violência Doméstica; Saúde da Mulher; Apoio Social.

1
Artigo extraído da Dissertação de Mestrado “Violência doméstica sob o olhar das mulheres atendidas em um Instituto Médico Legal:
as possibilidades e os limites de enfrentamento da violência vivenciada”, apresentada a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. Apoio financeiro
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 130218/2009-0.
2
Enfermeira, Mestranda em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da
OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: angelinalettiere@yahoo.com.br.
3
Enfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro
Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: nakano@eerp.usp.br.

Endereço para correspondência:


Ana Márcia Spanó Nakano
Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
Departamento Materno-Infantil e Saúde Pública
Av. dos Bandeirantes, 3900
Bairro: Monte Alegre
CEP: 14040-902, Ribeirão Preto, SP, Brasil
E-mail: nakano@eerp.usp.br
Domestic violence: possibilities and limitations in coping

This qualitative study assesses how women, in situations of domestic violence and examined
at the Institute of Forensic Medicine, deal with this adversity and identifies protection
strategies to cope with it, considering the support required and obtained from their relational
and institutional environments. Ten women were interviewed and the data were analyzed
using thematic content analysis. Search for help primarily occurs in the women’s social
milieu, with family and friends and health and legal services being sought. In such a
quest, established bonds may either become an obstacle to coping and make these women
vulnerable to violence or protect and strengthen them during coping. In the identification of
these women’s social and health needs, the aggravating circumstances of violence are only
superficially addressed by professionals. New strategies to implement professional actions
should be devised in order to provide integral and humanized care.

Descriptors: Domestic Violence; Women’s Health; Social Support.

Violencia doméstica: las posibilidades y los límites de enfrentamiento

El objetivo del presente estudio fue comprender como las mujeres en situación de violencia
doméstica, atendidas en el Instituto Médico Legal, conviven con esta adversidad e identificar
las estrategias de protección en el enfrentamiento, considerando el apoyo/soporte requerido
y el obtenido en el medio relacional e institucional. Es un estudio de abordaje cualitativo.
Se entrevistaron diez mujeres y los datos fueron analizados por la técnica de análisis de
contenido, en la modalidad temática. La búsqueda por ayuda ocurre en el propio medio social,
junto a la familia y amigos. Posteriormente, se recurre a los servicios de salud y judicial. En
esa búsqueda los vínculos establecidos se pueden tornar un obstáculo al enfrentamiento y,
por lo tanto, vulnerables a la violencia, o pueden proteger a las mujeres y fortalecerlas en el
enfrentamiento. En el reconocimiento de sus necesidades sociales y de salud, los agravantes
de la violencia son tocados apenas tangencialmente por los profesionales en la aprehensión
de las necesidades de estas mujeres. Para la atención integral y humanizada deben ser
elaboradas nuevas estrategias de acciones profesionales.

Descriptores: Violencia Doméstica; Salud de la Mujer; Apoyo Social.

Introdução

O impacto da violência pode ser visto no mundo, considerando-se os atos agressivos contra a mulher,
pois, todo ano, mais de um milhão de pessoas perdem objeto deste estudo. Em relação a esse fato, a Assembleia
suas vidas e muitas outras sofrem lesões não fatais, Geral das Nações Unidas, em 1993, aprovou a declaração
resultantes da violência autoinfligida, interpessoal ou sobre a eliminação de atos violentos contra a mulher e
coletiva . Segundo a Organização Pan-Americana de
(1)
definiu a ação como: qualquer ato de violência baseado
Saúde, a interface entre atos violentos e a saúde ocorre, no gênero que resulte, ou tenha probabilidade de resultar,
pois o setor da saúde constitui-se como um ponto de em dano físico, sexual ou psicológico ou sofrimento,
encruzilhada, tanto por ser o local para onde convergem incluindo a ameaça de praticar tais atos; coerção ou
todos os casos resultantes desses atos como pela pressão privação arbitrária da liberdade, tanto na vida pública ou
que suas vítimas exercem sobre os serviços de urgência, privada(3).
serviços especializados, serviços de reabilitação física e As mulheres têm maior risco de serem violentadas
psicológica e de assistência social(2). em relações com familiares e pessoas próximas do que
A violência como um fenômeno complexo deve ser com estranhos, observando-se que, na maioria das vezes,
compreendida nas suas distintas formas, particularmente o agressor tem sido o próprio cônjuge ou parceiro(4), tendo

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como causa e consequência a desigualdade de poder nas As mulheres que denunciam a violência doméstica
relações de gênero(5). na delegacia da mulher são encaminhadas ao instituto
A violência doméstica ou de gênero afeta a integridade médico legal, principalmente no caso de lesão corporal,
biopsicossocial da vítima. São diversas as sintomatologias e para a realização do exame de corpo de delito. Portanto,
transtornos do desenvolvimento que podem se manifestar, a escolha da referida instituição como o local de coleta
tais como: doenças nos sistemas digestivo e circulatório, de dados justifica-se, por ser o local em que se depara
dores e tensões musculares, desordens menstruais, com mulheres com perfil proativo, o que pode revelar a
depressão, ansiedade, suicídio, uso de entorpecentes, ação frente ao problema e também revelar movimentos
transtornos de estresse pós-traumático, além de lesões anteriores de passividade.
físicas, privações e assassinato da vítima(6-7). O recorte empírico do estudo foi dado pelo critério de
No enfrentamento dessa problemática, o acolhimento saturação dos dados, ou seja, quando ocorre a reincidência
das mulheres em situação de violência doméstica, nos das informações. Participaram do estudo 10 mulheres
serviços de saúde, ocorre de maneira fragmentada e maiores de 18 anos, que sofreram violência doméstica e
pontual, pois os profissionais não estão preparados para foram atendidas na referida instituição.
atender, de maneira integral, essa demanda. Frente à Por envolver seres humanos, esse estudo atendeu
prática clínica, em que esses atos tendem a se manter os requisitos propostos estabelecidos pela Resolução
na invisibilidade, a conduta dos profissionais de saúde 196/96, do Conselho Nacional de Saúde(9). A coleta de
é de não acolhimento às necessidades das mulheres, dados iniciou-se após aprovação pelo Comitê de Ética em
restringindo suas ações a encaminhamentos, o que Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, sob
também nem sempre resulta em resposta adequada às Protocolo nº1029/2009.
demandas das mulheres(8). A coleta dos dados foi realizada nas dependências
Nesse sentido, buscou-se compreender como as
do IML, no período de dezembro de 2009 a agosto de
mulheres em situação de violência doméstica, atendidas
2010. As mulheres eram convidadas, na sala de espera e
em um instituto médico legal (IML) do interior do
pela ordem de chegada ao serviço, a participar do estudo.
Estado de São Paulo, convivem com essa adversidade,
A coleta ocorria somente após a realização do exame
identificando-se as estratégias de proteção contra essas
de corpo de delito e em uma sala reservada, para não
ações, considerando-se o apoio/suporte requerido e
atrapalhar o fluxo do serviço.
obtido do meio relacional e institucional, em termos de
Os sujeitos eram informados dos objetivos da
reconhecer e atender suas necessidades.
pesquisa, por meio da leitura, feita pela pesquisadora, do
O presente estudo se justifica pela insuficiência de
termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE); frente
respostas, na literatura especializada, sobre quais são
ao aceite, era solicitada ao sujeito a assinatura do TCLE
os fatores que podem proteger as mulheres do ciclo da
e. após isso, era iniciada a entrevista. Foi garantida às
violência. Este estudo constitui importante contribuição
participantes uma cópia do TCLE, devidamente assinado
para a área da saúde e, em especial, para a enfermagem,
pela pesquisadora e pela entrevistada. Para assegurar o
pois entende-se que compreender essa questão possibilita
sigilo das informações e o anonimato das entrevistadas,
proporcionar cuidados mais efetivos às mulheres e construir
na apresentação dos resultados, os depoimentos foram
estratégias que incluam atendimento multidisciplinar,
codificados pela letra (E) seguidos por algarismos
somado à conjunção de setores da sociedade, a fim de
arábicos de um a dez, seguindo a ordem de realização
prestar o atendimento integral e humanizado, além de
das entrevistas.
promover estratégias para a prevenção e redução de
Os dados do estudo foram obtidos por meio de
ocorrência de episódios de agressão.
entrevista semiestruturada, em que o entrevistado tem a

Metodologia possibilidade de falar sobre o tema em questão, sem ficar


preso à indagação formulada(10). No sentido de atender os
Trata-se de estudo descritivo de abordagem interesses de produção do material empírico, construiu-
qualitativa. O campo de investigação foi um município do se um roteiro de entrevista, com questões abertas, que
interior do Estado de São Paulo, no qual se buscou focalizar contemplava informações básicas, como: identificação dos
os serviços, tanto de saúde como os equipamentos sujeitos e as questões sobre as ações de enfrentamento
sociais e de segurança pública que compõem a rede e a repercussão da violência na sua vida e na sua saúde,
institucionalizada de suporte à mulher violentada. O contemplando a questão norteadora do estudo, ou seja,
cenário de estudo foi o núcleo de perícias médico-legais, quais os fatores que podem protegê-las desse ciclo da
especificamente, o instituto médico legal. violência. Após o término da entrevista, era entregue para

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cada participante uma relação de serviços de saúde e de No primeiro núcleo de sentido, ou seja – a busca
apoio às mulheres nessa situação. por ajuda: do silêncio ao grito de socorro –, identifica-
Os depoimentos foram gravados e, após cada se que a violência é silenciada, até que alguma medida
entrevista, foram transcritos na íntegra. Os dados foram seja tomada, como identificado na fala, a seguir. Eu tinha
analisados através da modalidade de análise de conteúdo que esconder do pai, da mãe, dos irmãos, da família. Tinha que

temática .
(11)
Operacionalmente, a análise temática esconder tudo. Eu tinha que passar tudo sozinha. Foi muito difícil,

percorreu os seguintes passos: leitura compreensiva, muito difícil! (E10).

exploração do material e síntese interpretativa . Para a


(12) As mulheres deste estudo quando tomam iniciativas
análise dos resultados, foram incorporados os conceitos de busca por alguma ajuda, ou seja, quando rompem
de fator de proteção e integralidade no contexto da rede o silêncio, isso ocorre, a princípio, em seu próprio meio
social de enfrentamento da violência contra a mulher. social mais próximo, como a família e os amigos. Então são
meus familiares que estão me ajudando atualmente (E6). Olha
Resultados eu pedia um socorro, vinha me buscar... Na hora aparecia algum
amigo e já ia me pegar... Sabe? Então... Nesse ponto todo mundo
Como referido anteriormente, o grupo de estudo sempre me ajudou (E3).
foi composto por dez mulheres em situação de violência Frente às limitações da família para ajudar na
doméstica. As agressões que elas sofreram, em 90% resolução do problema, buscam ajuda em outros locais
dos casos, foram cometidas pelo atual companheiro, e, como na instituição religiosa e, mesmo quando a
em 10%, o agressor foi o ex-companheiro. Em relação instituição não se mostra presente, a espiritualidade que
ao estado civil, 50% eram solteiras e viviam com o elas têm ajuda, de algum modo, a suportar ou a enfrentar
companheiro no momento da entrevista, 20% eram o problema, como identificado na seguinte fala: ... eu
casadas e 30% eram separadas. acredito em Deus, acredito na justiça divina que está por vir né.
Todas as mulheres do estudo sofreram violência física, Porque também eu fui decepcionada pelos homens da liderança
porém, em alguns casos, ela estava associada a outros né. Assim, se não fosse a minha fé de que tudo vai dar certo, de
tipos de violência. Das entrevistadas, 20% relataram ter que tudo termina bem... (E6).
vivenciado somente a violência física. Além desse tipo A depender das consequências da violência para a
de agressão, 50% sofreram violência psicológica, 20% saúde e de como percebem o estado da gravidade do caso,
violência sexual e 10% cárcere privado. Vale destacar a busca por ajuda no serviço de saúde é recurso não só
que duas participantes do estudo relataram violência para a resolução dos agravos físicos, mas, principalmente,
patrimonial. para a dos psicológicos, como identificado nas falas: Não,
A média de idade das entrevistadas foi de 38 anos, primeiro eu fui dá ponto (pronto-socorro) e depois eu fiz o boletim
sendo que a idade variou de 24 a 62 anos. Quanto à de ocorrência (E7). Eu comecei a fazer tratamento psico... Com
ocupação, 60% delas exerciam atividade remunerada, psiquiatra e com psicólogo (E3).
30% eram do lar e 10% estavam desempregadas. Em As vítimas recorrem a outras instâncias da rede,
relação à escolaridade, 50% tinham apenas o ensino como o setor da segurança, tais como a delegacia da
fundamental incompleto, 10% tinham completado o ensino mulher, como identificado nas falas: ... eu queria justiça. Na
fundamental, 30% o ensino médio e 10% havia concluído hora, minha sede era justiça. Na hora eu liguei no 190 (E6). Eu fui
o ensino superior. Quando se analisou o número de filhos, lá na delegacia da mulher (E4).
foi verificada a média de dois filhos por mulher, havendo No segundo núcleo de sentido – rede de apoio social:
variação de 1 a 4 filhos. Ao serem indagadas sobre a cor proteção e vulnerabilidade, ao romperem com a condição
da pele, 50% referiram ser pardas, 40%, brancas e 10% de silêncio –, a busca por ajuda, que ocorre inicialmente
declararam-se negras. Em relação à prática religiosa, 30% na família e nos amigos, como já mencionado, pode
eram evangélicas, 40% católicas e 30% não faziam parte protegê-las da situação de violência, quando essa ajuda
de instituição religiosa. visa o cuidado para com as mulheres e também a ajuda
Através da análise das falas das entrevistadas, financeira, como identificado nas falas: ...é difícil você
depreendeu-se a seguinte categoria central: reconhecendo enfrentar isso. Mas, ao mesmo tempo não é tão difícil porque você
a rede social de apoio de que dispõe e as expectativas tem o apoio, o cuidado e o carinho (família). Se eu tivesse feito isso
quanto ao alcance das necessidades requeridas. Nessa na primeira vez, não tinha a segunda (E2). Todo mundo dá força.
categoria, identificaram-se os seguintes núcleos de sentido: Você está entendendo. Então eu tenho muito amigo. A gente não
a) a busca por ajuda: do silêncio ao grito de socorro; está sozinha nesse mundo não. Para que viver apanhando? Uma
b) rede de apoio social: proteção e vulnerabilidade e c) falou que eu não vou passar fome enquanto isso, que eu te dou
reconhecimento de suas necessidades sociais e de saúde. uma cesta básica. Outra fala isso. Você está entendendo (E7).

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No entanto, se não há coesão familiar, ou vínculo emocional, na alta estima da pessoa, porque a gente pensa que

familiar, o impacto produzido é a vulnerabilidade frente à não é nada (E8). Então isso ele mexeu muito mais com o meu

violência, já que os sujeitos se mostram isolados e sem emocional, com o meu psiquicossomático da vida. Então ele me

apoio efetivo, como apontado nas falas, a seguir. Minha deixou extremamente surtada. Ele literalmente me levou à loucura

mãe até agora ainda nem me procurou para falar: filha, vamos (E6). Afetou sim. Afetou porque eu tenho problema de gastrite

conversar (E8). Ah a minha família foi uma vez só. Liguei para a nervosa e ele me espancou demais. Eu não gosto... Eu não quero
minha tia. Minha tia mora em Leme e falei: “oh eu, eu vou ir para nem lembrar o jeito dele ter pegado a minha cabeça e batido no
algum lugar longe, vou desaparecer com o meu filho e eu preciso chão (E4).
que você fique com a minha mãe. Porque a minha mãe depende Essa realidade pode ser constatada, pois distúrbios
de mim. Eu prefiro que você fique com a sua irmã só para poder psicológicos não são acolhidos pelos profissionais como
resolver meu problema. Aí ela falou: “resolve você! Você que tem elas esperam, como identificado nas falas:... porque tem
que ficar com a sua mãe. Se vira” (E1). médicos que assim... Que faz o que tem que fazer. Não pensa
Em relação à instituição da igreja, é possível perceber no psicológico da pessoa (E3). Eu tenho um psiquiatra que faz
que ela atua oferecendo apoio, principalmente emocional, 15 anos que eu trato com ele. Porque o que eu falo entra aqui
como observado nas falas:... ajudou a tirar aquela mágoa, (ouvido) e sai aqui para ele (E10).
aquela tristeza de dentro do meu coração e me dá forças para A violência pode trazer prejuízos à saúde, mas,
prosseguir. Porque a igreja ajuda, mas de uma forma interior também, marca as relações interpessoais, as instituições
na gente só. Porque fora mesmo tem que ter uma coisa mais sociais e a sociedade como um todo, na medida em
forte para ele, para as pessoas verem que a gente não está tão que essas mulheres percebem modificação nas relações
abandonada assim, à própria sorte da situação (E8). sociais, principalmente, em relação aos amigos e aos
Nos serviços de saúde, evidencia-se que esses vizinhos. Eu me afastei de todo mundo. Eu me afastei porque
cumprem o papel de tratar o que é aparente. Eu fui ao eu achava que seu tivesse amizade com aquele ela vai descobrir
hospital e para mim eu achei que o hospital tinha feito o boletim ela vai contar, o outro vai saber, o outro vai saber, as noras vão
(E2). Fui atendida rápida porque estava sangrando né. A faca saber (E10). Agora as pessoas que acabam ficando um pouco mais
ainda estava dependurada, porque não podia tirar a faca das cautelosas de chegar em você, conversar, porque você chega a
costas (E7). se afastar por um tempo muito grande, as pessoas ficam assim...
Em relação à intervenção policial, as mulheres utilizam aí... então... o que é está acontecendo... aí as pessoas vão meio
esse recurso devido à possibilidade de autoproteção, como se afastando um pouco também (E3).
relatado. Espero que o juiz conceda que ele se afaste de mim e
que eu consiga ficar com a casa porque eu tenho as minhas filhas Discussão
para criar (E5). Eu fui procurar porque eu não aguento mais e
se acontecer alguma coisa comigo eu quero que alguém sabe. Este estudo possibilitou a aproximação das vivências

Entendeu... Que ele está envolvido. Eu creio que não vai acontecer de mulheres em situação de violência e das estratégias

nada, mas pelo menos se acontecer já está sabendo que uma pista e decisões adotadas por elas, que as colocam frente

já tem (E4). às possibilidades e aos limites de enfretamento dessa


Em alguns momentos, no entanto, diferente do que adversidade.
poderiam esperar, ou seja, que a busca pelos seus direitos Nos caminhos em busca de ajuda, transitam do
fosse um marco de ruptura com sua condição de vítima, silêncio para o grito de socorro. Mesmo referido por todas
essa as coloca frente a uma realidade de desamparo e as entrevistadas, este caminhar requer análise cuidadosa,
descrença na justiça. É um processo meio lento. É burocrático, visto que, qualitativamente, evidencia diferenças em
agora a gente é chamada em vários órgãos. Toda vez que precisar termos do processo de transformação pessoal e das
eu vou ter que vir aqui. Então para a conclusão dos fatos é muito condições sociais de cada uma das mulheres. O que
complicado, mas, assim hoje eu sinto que eu não corro mais perigo permeia, para todas, é o exercício do poder entre os
em relação a ele não, nem eu e nem a G (E6). Mas como a demora gêneros, mas não como único fator hierarquizante no
é muita para a Lei da Maria da Penha saí para poder ir buscar ele. contexto das relações sociais, o que pode explicar as
Fazer e tirar. Demorou sete meses para entrar em contato comigo. diferenças no processo de enfrentamento. A violência
Eu só gostaria de falar que a Lei tem que ser mais rápida. A Lei da contra as mulheres é banalizada, minimizada, negada
Maria da Penha. Mais rápida! (E7). pela cultura machista e sexista, sendo percebida pela
No último núcleo de sentido – reconhecimento sociedade como algo que não poderia ser evitado(13).
de suas necessidades sociais e de saúde –, dentre as Assim, as estratégias de resistência construídas no
consequências que se mostram mais evidenciadas nas seu dia a dia significam, na realidade, estratégias de
falas destas mulheres estão as de ordem psíquica. No empoderamento, ou seja, pelo conceito feminista, é a

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contribuição para que a mudança nas relações entre homens abordado por um estudo publicado por esta revista. Tal
e mulheres esteja acompanhada de transformações na pesquisa aborda o significado da vivência de profissionais
linguagem, refletindo novas construções de imaginários da saúde em cuidar de vítimas de violência sexual. O
sociais(14). principal tema emergido do estudo foi o sentimento de
Ao enfrentar esse problema, as mulheres percorrem impotência para resolver a situação de violência, diante
caminhos que envolvem a interação de processos de problemas que emergem da subjetividade do outro,
intrapsíquicos e sociais, como as relações familiares e bem como de questões sociais e também por essas
institucionais, que podem ser de risco ou de proteção mulheres não perceberem os recursos e possibilidades de
à violência. Entende-se que o contexto familiar é fator enfrentamento do problema(19).
que pode proteger, uma vez que a família atua com fator Fato marcante é a psicologização do problema da
externo e que leva à reconstrução diante do sofrimento violência, que se revela como forma de não enfrentamento
e é influência que pode modificar, melhorar ou alterar a da questão pelos serviços de saúde. Ao medicalizar o
resposta da pessoa frente à adversidade, ou seja, frente corpo da mulher agredida, reafirma-se a ideologia médica
ao ato violento(15). de definir a realidade apresentada, aquilo que lhe é
No entanto, algumas mulheres, geralmente, aparente, obscurecendo a raiz social, política, cultural do
estão isoladas de seus parentes e da rede social, o que problema(20). Assim, o conhecimento da subjetividade do
pode facilitar o controle do agressor sobre a vítima e a outro e das questões biopsicossociais não é abordado no
perpetuação do ciclo de violência. Para que seja rompido modelo biomédico que valoriza os resultados práticos e
esse ciclo, é necessário que exista uma rede articulada de em curto prazo(19).
serviços de apoio à mulher nessa situação(16). Além dos serviços de saúde, há os serviços de
Dentre os recursos sociais que são acionados segurança pública, principalmente a busca das delegacias
estão a família e instituições de segurança e de saúde, de defesa da mulher, o que representa para as mulheres
o que constitui sua rede social de apoio. Nessa rota, há deste grupo marco de ruptura com a condição de vítima
diversas portas de entrada, ou seja, diferentes serviços da violência, sustentadas na Lei Maria da Penha, que as
que deveriam trabalhar de forma articulada para prestar protegerá do agressor e fará justiça ao seu caso. A Lei
assistência qualificada à mulher(17) e também é importante Maria da Penha, que altera o Código Penal, permite que
que seja dada continuidade ao atendimento, aspectos agressores sejam presos em flagrante ou tenham a prisão
esses que não foram identificados por este estudo, nas preventiva decretada. Também estipula a criação de um
falas das entrevistas. juizado especial para violência doméstica e familiar contra
É nesse contexto que a Organização Mundial da a mulher, visando dar mais agilidade aos processos, assim
Saúde passa a recomendar a capacitação dos profissionais como medidas de proteção, entre elas, a saída do agressor
de saúde para reconhecer e abordar a violência através de casa, a proteção dos filhos e o direito de a mulher reaver
do acolhimento, do reconhecimento da integridade das seus bens(21). Porém, as mulheres do estudo queixam-se
mulheres como sujeitos com direitos humanos, informá- da morosidade dos processos, o que as deixa inseguras
las sobre os recursos disponíveis na sociedade, tais como diante da situação a que estão expostas.
delegacias de mulheres e casas abrigo, além de reconhecer As necessidades das mulheres deste estudo são
as situações de risco de vida para protegê-las, trabalhando percebidas por elas de forma diferenciada, a depender de
de forma articulada com outros setores da sociedade(5). No sua condição histórica, social e do contexto de suporte
entanto, o acolhimento ocorre de maneira fragmentada e social recebido. No enfrentamento, as mulheres orientam-
sem compromisso de continuidade da atenção, tanto nos se, tendo por base as necessidades que possibilitam ser
aspectos de reabilitação física e emocional quanto nos de apreendidas pelas instituições sociais (saúde e segurança),
reabilitação social e jurídica(18). ou seja, as de base normativa, o que é limitante para
Os vínculos estabelecidos com a rede, que, neste acessar aspectos de sua integralidade. Os agravantes da
grupo, reduz-se a serviços de saúde (pronto-socorro) e violência para a saúde e para a sua condição de vida são
com maior evidência ao tratamento psicoterapêutico, apenas tangenciados pelos profissionais, na apreensão de
apresentaram-se para elas como cumpridores do papel suas necessidades.
de tratar o que é aparente, com soluções paliativas e No transcorrer dos relatos do grupo de estudo,
limitantes no atendimento de suas necessidades, o que percebe-se que a rede social configurada e utilizada por
torna a rede de apoio frágil e desestruturada. elas se conforma com vínculos maiores e outros menores.
Ainda no que se refere aos profissionais de saúde, Isso aponta que a rede ainda se apresenta com vínculos
o conhecimento sobre o atendimento das mulheres foi e relações muito frágeis e que a integração entre todos

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os setores e serviços, formando efetivamente uma rede contribuindo para a realização de planejamentos da
de proteção, apesar da evolução nesse campo, ainda se assistência de enfermagem, que vão desde a prevenção,
mostra distante da realidade dos sujeitos deste estudo. atendimento, reabilitação até a reintegração da mulher
Acredita-se que, no desenvolvimento e na atuação da junto à sociedade.
rede no enfrentamento da violência, ainda ocorre dicotomia Na ação intersetorial, é fundamental um trabalho em
entre aquilo que é preconizado e o que é vivenciado no rede, que inclua setores de saúde, segurança, educação,
cotidiano dessas mulheres, e que essas instituições ainda bem-estar social e jurídico, que trabalhem de forma
não realizam efetivamente seu papel protetor desses articulada e responsável, o que amplia as chances de
sujeitos. Assim, para cumprir verdadeiramente sua construir estratégias que respondam, de forma integral,
função de proteção, as redes de apoio social têm que às necessidades das mulheres, e que as ajudem na
trabalhar sob a perspectiva da flexibilização dos sistemas superação dos agravos consequentes dessa violência à
ecológicos(22-23). saúde e condição de vida delas e de suas famílias.
Estudo realizado pela Secretaria Especial de Políticas
Públicas para as Mulheres constatou que o ato violento, Referências
muitas vezes, é cíclico, pois as mulheres encontram
1. Krug EG, Dalhberg LL, Mercy JÁ, Zwi AB, Lozano R,
diversos obstáculos e falta de medidas protetivas efetivas
editors. World report on violence and health. Geneva
na busca de proteção, resultando em desgaste emocional
(CH): World Health Organization; 2002.
e retorno à situação de violência(24).
2. Organização Pan-americana da Saúde. Violência y

Conclusão salud. Washington (US): OPAS: 1994.


3. United Nations. Declaration on the Elimination of
Os resultados desta pesquisa mostram que, apesar Violence against Women. General Assembly resolution nº.
dos avanços obtidos nos últimos anos, ainda persistem A/48/104 of 20 Dec 1993. Geneva; 1993. Disponivel em:
“nós críticos” na trajetória de enfrentamento das mulheres http://www.un.org/esa/gopher-data/esc/cn6/1986-93/
para romper o silêncio, denunciar e superar a violência e1993-27.en/
sofrida. Com esta pesquisa, pretende-se dar subsídios 4. Kronbauer JFD, Meneghel SN. Perfil da violência de
para criar e tornar mais efetivas as estratégias de ajuda, gênero perpetrada por companheiro. Rev Saúde Pública.
visando fortalecer a rede de enfrentamento à violência 2005;39(5):695-701.
contra a mulher. 5. World Health Organization. Multi-country study on
No sentido de contribuir para repensar o modo de women’s health and domestic violence against women.
cuidar da mulher nessa situação, principalmente no que Geneva (CH): World Health Organization; 2005.
se refere ao cuidado de enfermagem, é importante que 6. Carlson BE, Mcnutt LA, Choi D, Rose IM. Intimate
os profissionais de enfermagem, que lidam com essas partner abuse and mental health: the role of social support
mulheres, apropriem-se de novos saberes, de diversas and others protective factors. Violence Against Women.
áreas do conhecimento, das discussões interdisciplinares 2002;8(6):720-45.
e intersetoriais, para subsidiar e aprimorar a prática, a 7. Loxton D, Schofield M, Hussain R, Mishra G. History of
fim de que o princípio da integralidade da assistência à domestic violence and physical health in midlife. Violence
saúde possa ser um produto da prática em saúde, desses Against Women. 2006;12(8):715-31.
profissionais. Isso significa pensar o cuidado em saúde não 8. Lettiere A, Nakano AMS, Rodrigues DT. Violência
apenas como um saber instrumental ou técnico, mas sim contra a mulher: a visibilidade do problema para um
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Recebido: 3.12.2010
Aceito: 10.8.2011

Como citar este artigo:


Lettiere A, Nakano AMS. Violência doméstica: as possibilidades e os limites de enfrentamento. Rev. Latino-Am.
Enfermagem [Internet]. nov.-dez. 2011 [acesso em: ___ ___ ___];19(6):[08 telas]. Disponível em: __________
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