Advocacia Predatória Como Abuso Processual
Advocacia Predatória Como Abuso Processual
Advocacia Predatória Como Abuso Processual
RESUMO
Este artigo tem como objetivo a análise da advocacia predatória, como ato atentatório
a dignidade da justiça. À falta de norma específica e dissídio jurisprudencial, os tribunais do
país tem enfrentado dificuldades na coibição da referida prática. O acesso à justiça pressupõe
o dever de probidade. A utilização do referido expediente, contribui para o colapso do
sistema, com reflexos no retardamento na entrega da prestação jurisdicional. Propõe-se ao
final, a interpretação sistemática dos institutos jurídicos de direito material e processual, para
responsabilização dos profissionais envolvidos, bem como, alterações legislativas.
ABSTRACT
This article aims to analyze predatory advocacy, as an act that threatens the dignity
of justice. In the absence of a specific rule and jurisprudential agreement, the country's courts
have faced difficulties in curbing this practice. Access to justice presupposes the duty of
probity. The use of this expedient contributes to the collapse of the system, with consequences
in the delay in the delivery of the jurisdictional service. At the end, the systematic
interpretation of legal institutes of material and procedural law is proposed, for the
accountability of the professionals involved, as well as legislative changes.
Keywords: Predatory advocacy; Bad faith's litigation; Joint liability of the lawyer.
INTRODUÇÃO
1
Juiz de Direito no Estado de São Paulo. Mestrando no Curso de Pós Graduação, Mestrado e Doutorado da Universidade Nove de Julho –
UNINOVE. E-mail: antoniocesarhild@gmail.com
2 Doutor e Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-graduado em Direito Penal pela
Universidad de Salamanca-Espanha. Procurador da República (Ministério Público Federal) desde 2004, com atuação preponderante em
O sistema judiciário brasileiro tem se esforçado nos últimos anos, especialmente
após a instituição do processo eletrônico, na implementação de medidas que visem a melhora
na prestação jurisdicional.
Não se pretende com este estudo, sob o enfoque do tema proposto, apontar a solução
dos problemas inerentes a morosidade da justiça, com atendimento de seu propósito
constitucional do acesso à mesma, com vistas à garantia do cidadão, assim entendido como a
pessoa com dignidade, como mecanismo de reparação de seus conflitos de direito. Mas o
delicado assunto, deve ser tratado com parcimônia, pois se apresenta como problema
recorrente, crescente e ainda sem medidas efetivas até os dias atuais.
Contudo, dentre os inúmeros entraves existentes, nos últimos anos, reconhecidos
formalmente a partir 2016, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, foi constatada em
processos judiciais, a prática da “advocacia predatória”, fator que também contribui com os
entraves ao acesso à justiça, assim entendida, na violação do direito individual à rápida
solução do litígio.
Nos capítulos seguintes, faremos uma breve explanação das questões relativas ao
tema, especialmente a ética, a omissão na norma de regência com coibição do comportamento
em relação à referida prática, o posicionamento de nosso tribunais em suas instâncias acerca
da questão, a repercussão na mídia dos referidos fatos e a persistência do problema, com
enraizamento em todo o território nacional, a merecer uma maior atenção de todos os
envolvidos, objetivando a melhora da prestação jurisdicional, nos aspectos da probidade,
eficiência e celeridade.
Segundo José Renato Nalini, as ações dos seres humanos devem ser analisadas,
considerando as diferenças substanciais intrínsecas a cada qual.
crimes contra o sistema financeiro nacional e lavagem de ativos ilícitos. Membro do grupo de combate a cartéis da Procuradoria da
República de São Paulo. Promotor de Justiça (Ministério Público do Estado de São Paulo) em 2003.
religiosa, moral, educacional, dentre outros elementos que compõe a formação de caráter,
distintas.
Assim, a ética migrou da disciplina teórica, para o aspecto científico, dentro das
ciências sociais, com um discurso demonstrativo com provas empíricas. Seus conceitos não
sofrem mutação no tempo e no espaço. Não indica modo de agir, mas a análise de fatos, dos
quais se podem extrair lições e com base nelas nortear as ações para seus destinatários, ou
seja, a coletividade. Trata-se de uma questão objetiva - o impacto social da atitude - onde o
conceito de empatia, revela-se de salutar importância.
Enrico Tulio Liebman, assinala que o dever de lealdade processual, derivava de uma
obrigação moral.
“O processo civil com sua estrutura de contraditório, em que a cada parte é confiada
a missão de sustentar suas próprias razões, é essencialmente refratário a uma
rigorosa disciplina moralista do comportamento das partes”. (LIEBMAN, 2003, p.
112).
A boa-fé5 “(em latim: bona fides) é um conceito que denota boa intenção, honestidade,
sinceridade ou crença correta, independentemente dos resultados práticos que as ações desse tipo
podem produzir”.
Note-se que a boa-fé de que trata o legislador, tem alcance amplo, ou seja, a todos os
que participarem de qualquer forma do processo, sejam partes, patronos, magistrados,
servidores, membros do ministério público, defensoria pública, dentre outros, bem como
constitui um dever. Logo, a dedução da causa em juízo, vem imbuída do ingrediente da boa-
fé, sob o aspecto objetivo, portanto, presumida.
6 "Somente se justifica a aplicação da pena por litigância de má-fé se houver o dolo da parte no entravamento do trâmite processual,
manifestado por conduta intencionalmente maliciosa e temerária, inobservado o dever de proceder com lealdade, o que não está presente
neste feito". (REsp 523.490/MA, Terceira Turma, Relator Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ de 1º.8.2005); “(...) Isso,
porque a má-fé não pode ser presumida, sendo necessária a comprovação do dolo da parte, ou seja, da intenção de obstrução do trâmite
regular do processo, nos termos do art. 17, VI, do Código de Processo Civil”. (AgRg no REsp 1.374.761/MS, Quarta Turma, Relator
ministro RAUL ARAÚJO, DJe de 26.03.201); “Os princípios da segurança jurídica e boa-fé objetiva, bem como da vedação ao
comportamento contraditório (venire contra factum prioprium), impedem que a parte, após praticar ato em determinado sentido, venha a
adotar comportamento posterior e contraditório”. (AgRg no REsp 1.099.550/SP, Quinta Turma, Relator Ministro ARNALDO ESTEVES
LIMA, DJe 29.03.2010); “O princípio da boa-fé objetiva proíbe que a parte assuma comportamentos contraditórios no desenvolvimento da
relação processual, o que resulta na vedação do venire contra factum proprium, aplicável também ao direito processual”. (AgRg no Resp
1.280.482/SC, Segunda Turma, Relator Ministro HEMAN BENJAMIN, DJe 13.04.2012).
7 “Consiste o princípio da boa-fé objetiva em exigir do agente que pratique o ato jurídico sempre pautado em valores acatados pelos
costumes, identificados com a idéia de lealdade e lisura. Com isso, confere-se a segurança às relações jurídicas, permitindo-se aos
respectivos sujeitos, confiar nos seus efeitos programados e esperados”. “Como a segurança jurídica é um dos primeiros fundamentos do
Estado Democrático de Direito, é fácil concluir que o princípio da boa-fé objetiva não se confina ao direito privado. Ao contrário, expande-se
por todo o direito, inclusive o direito público em todos os seus desdobramentos (...)”. “Com efeito, não é, no plano constitucional, apenas o
princípio da segurança jurídica que impõe aos agentes o comportamento segundo a lealdade e a boa-fé. Também o princípio da garantia da
dignidade da pessoa humana o exige (CF, art.1º, III), assim como o da solidariedade social (CF, art.3º, I). As raízes do prin cípio da boa-fé,
embora não expresso, encontram-se na própria declaração dos direitos e garantias fundamentais, a qual prevê que estes não são apenas os
literalmente arrolados nos incisos do art. 5º, pois compreendem implicitamente, também, todos os outros que decorram do regim e adotado
pela Constituição (CF, art. 5º, § 2º)”. (grifei). “Nesta perspectiva, voltada para a explicitação do princípio da dignidade humana, inter-
relacionado com a igualdade substancial e a solidariedade social, é de ter-se como certo que a constituição consagra, implicitamente, o
princípio da boa-fé, como ilação lógica do sistema, daí irradiando-se, necessariamente, para alcançar todos os relacionamentos privados e
públicos. De modo particular, são atingidos os que se desenvolvem no campo do direito processual. Afinal, o processo de hoje se acha
constitucionalizado por inteiro, compromissado que é com a tutela e a efetivação dos direitos fundamentais, sendo o próprio devido processo
legal uma das principais garantias constitucionais explícitas (art.5º, LIV). Nesse prisma, o dever de comportamento, segundo a boa-fé
imposto ao todos os que participam do processo, é inerente à própria garantia do devido processo legal outorgada pela Constituição”.
3. DICOTOMIA ENTRE O USO E O ABUSO DO DIREITO
Ao lado do uso regular dos instrumentos jurídicos, temos a figura do abuso. O abuso,
caracteriza a violação da norma, a quebra do dever jurídico (CC 187).
Referida conclusão sob o aspecto material, não encontra o mesmo tratamento quando
se está a tratar de questões de ordem processual, considerando que, como dito acima,
pacificado o entendimento que as condutas violadoras das normas processuais que
caracterizam ato atentatório a dignidade da justiça, são imbuídas do elemento subjetivo, qual
seja o dolo, não considerado sob o aspecto objetivo, tal como acontece com a boa-fé.
Referido órgão tem como objetivo, monitorar possíveis litigantes com perfis que se
repetem na prática da advocacia predatória, como meio de auxiliar os julgadores em
demandas desta natureza, ressalvada a convicção de cada qual, e especialmente a análise do
caso concreto.
parte ou advogado, encaminhadas por AR e não pelos serviços de atendimento ao consumidor ou canais institucionais da empresa para
comunicação; (VIII) fragmentação dos pedidos deduzidos por uma mesma parte em diversas ações, cada uma delas versando sobre um
apontamento específico questionado ou sobre um documento específico cuja exibição se pretende, independentemente de serem deduzidos
perante o mesmo réu. 3) Em diversos casos, após a oitiva dos autores em juízo verificava-se que estes não tinham conhecimento ou interesse
na distribuição da ação. 4) Foram identificadas boas práticas para enfrentamento da questão indicada acima, a seguir listadas: (I) Processar
com cautela ações objeto deste comunicado, em especial para apreciar pedidos de tutelas de urgência. (II) Analisar ocorrência de prevenção,
conexão ou continência. Indica-se, para tanto, a pesquisa de processos, no site do E. TJSP, identificando-se como magistrado (ícone
‘identificar-se’ no canto direito superior), realizando a pesquisa pelo nome da parte. Atentar que, aos magistrados, se o feito for digital, é
possível acessar o seu conteúdo clicando com o botão do mouse na frase “este processo é digital”, escrita em vermelha, logo acima do extrato
de movimentação processual. Dispensa-se, assim, conceder prazo para que as partes apresentem as cópias processuais necessárias para
identificação da prevenção, conexão, continência ou litispendência. (III) Designar audiência de conciliação ou de instrução e julgamento,
com determinação de depoimento pessoal do autor, para apurar a validade de sua assinatura em procuração ou o seu conhecimento quanto à
existência da lide e do seu desejo de litigar. (IV) Apreciar com cautela pedido de concessão do benefício da justiça gratuita, sobretudo em
ações em que, paradoxalmente, os autores não se valem da regra do art. 101, I, do CDC, para justificar a competência territorial em São
Paulo, especialmente quando residem em outro Estado e os fatos por eles narrados ocorreram em outro Estado, não guardando pertinência
com a competência territorial do TJ/SP. (V) Homologar com cautela acordos extrajudiciais firmados sem a participação da parte. (VI)
Apreciar com cautela pedido de inversão do ônus da prova nos termos do art. 6, VIII do CDC, especialmente para se aferir se, diante das
provas produzidas, houve comprovação satisfatória da verossimilhança dos fatos alegados pelo autor em sua inicial e se não há necessidade
de documentos adicionais, sobretudo quando somada a pedido de gratuidade de justiça”.
10 https://amagis.jusbrasil.com.br/noticias/485909142/acoes-predatorias-sao-usadas-para-golpes-em-comarcas-no-interior-do-estado. Acesso
Ou seja, no último mês, outra atuação predatória foi elucidada, com a constatação da
existência de aproximadamente 50.000 (cinquenta mil) processos ajuizados, com base na
referida prática abusiva. É preciso que sejam tomadas medida mais eficazes quanto a este
problema.
5. HISTÓRICO LEGISLATIVO
advogado que patrocina ação contra banco já representou 49.244 processos contra instituições financeiras. O juiz da Terceira Vara Cível de
Cuiabá, Luiz Octávio Saboia Ribeiro, pediu informações ao Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) de Mato Grosso
do Sul, sobre três advogados que estariam realizando “advocacia predatória” contra instituições financeiras. Um despacho do último dia 25
de maio revelou que um processo que trata sobre a anulação de descontos em folha de pagamento, proposta por uma cliente do Banco Olé
Bonsucesso Consignado, acabou se transformando em diligências envolvendo dois Estados do Centro-Oeste Brasileiro”.
https://www.folhamax.com/cidades/advogados-que-atuam-em-mt-sao-alvos-do-gaeco-ms-por-advocacia-predatoria/306153. Acesso em: 20
junho. 2021.
20 “DOM JOSÉ por Graça de Deus Rei de Portugal, e dos Algarves, d’aquem, e d’além Mar em África, Senhor de Guiné, e da Conquista,
Navegação, Comercio da Etiópia, Arábia, Pérsia, e da Índia, &c. Faço saber aos que esta Minha Carta de Lei virem, que por quanto depois de
Em seu item sétimo, estabelecia a responsabilidade dos advogados, pelo fato da
utilização do judiciário com demandas destituídas de fundamentação, que acabavam por
prejudicar o próprio funcionamento do sistema21.
E essa ressalva da lei, é o caminho do qual se valem aqueles que desvirtuam a prática
da nobre função, de forma predatória. A certeza da impunidade - exceto de ordem disciplinar
a qual não tem tido o caráter pedagógico e inibitório que a medida visa instituir, no combate -
acaba por proporcionar sua reiteração.
muitos anos tem sido um dos mais importantes objectos da atenção, e do cuidado de todas as Nações polidas da Europa o de precaverem com
sábias providências as interpretações abusivas, que ofendem a Majestade das Leis; desautorizam a reputação dos Magistrados; e tem perplexa
a justiça dos Litigantes; de sorte que no Direito, e Domínio dos bens dos Vassalos não possa haver aquela provável certeza, que só pode
conservar entre eles o público sossego: Considerando Eu a obrigação, que Tenho de procurar aos Povos, que a Divina Omnipotência pôs
debaixo da Minha Protecção, toda a possível segurança nas suas propriedades; estabelecendo com ela a união, e paz entre as famílias, de
modo, que umas não inquietem as outras com as injustas demandas, a que muitas vezes são animadas por frívolos pretextos tirados das
extravagantes subtilezas, com que aqueles, que as aconselham, e promovem, querem temerariamente entender as Leis mais claras, e menos
susceptíveis de inteligências, que ordinariamente são opostas ao espírito delas, e que nelas se acha literalmente significado por palavras
exclusivas de tão sediciosas, e prejudiciais cavilações”.
21 “7 Item: Por quanto a experiência tem mostrado, que as sobreditas interpretações de Advogados consistem ordinariamente em raciocínios
frívolos e ordenados mais a implicar com sofismas as verdadeiras Disposições das Leis, do que a demonstrar por elas a justiça das partes:
Mando, que todos os Advogados, que cometerem os referidos atentados, e forem neles convencidos de dolo, sejam nos Autos, a que se
juntarem os Assentos, multados, pela primeira vez em cinquenta mil réis para as despesas da Relação, e em seis meses de suspensão; pela
segunda vez em privação dos graus, que tiverem da Universidade; e pela terceira em cinco anos de degredo para Angola, se fize rem assinar
onde os causídicos foram responsáveis pelo ajuizamento de aproximadamente 50.000
(cinquenta mil) feitos indevidamente.
“(...) A exclusão não faz sentido, até porque os deveres de que trata o art. 77
“são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de
qualquer forma participem do processo”. Não raro, o dolo de cometer o ato
atentatório à dignidade da justiça não é da parte, mas de seu representante ou
representante legal. A censura à violação dos deveres processuais seria
muitíssimo mais eficaz se também aqueles responsáveis diretamente pelo
andamento do processo, mesmo que instruídos ou supervisionados por seus
clientes ou por instâncias superiores nos órgãos que presentam, pudessem vir
a ser por ela atingidos quando tiverem dado causa dolosamente à violação de
um dever processual”. (BENEDUZZI, 2017, p. 89)
clandestinamente as suas Alegações por diferentes Pessoas; incorrendo na mesma pena os assinantes, que seus Nomes emprestarem para a
violação das minhas Leis, e perturbação do sossego público do Meus Vassalos”.
Nos ensinamentos sobre direito quântico, por Ricardo Hasson Sayeg22, pode-se
chegar a interpretação de que referido dispositivo, se apresenta incompatível com a prática da
advocacia predatória, não se aplicando a mesma, na medida em que esta não se coaduna com
o devido processo legal, por violar a boa-fé objetiva, e ainda o princípio da dignidade da
pessoa humana. O uso abusivo do aparelho judicial atinge por via reflexa o direito individual
do cidadão:
E mais, além da colisão com a realidade, também implica, como acima dito, na
infração ao princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que o uso abusivo da
justiça, não apenas sob o aspecto econômico, mas também social, tem impactos na vida
daqueles que se utilizam da referida via, para fins de solução de seus conflitos de direito.
22 “Com efeito, tais linhas são: o Positivismo, o Realismo e o Jusnaturalismo, atualmente rerrotulado como Direitos Humanos, encarnado na
categoria jurídica da dignidade da pessoa humana. Basta analisar as três e ver, diante dos invulgares defensores de cada uma delas, que todas
estão corretas, e são juridicamente razoáveis, incontestáveis, sob a perspectiva da consistência. O olhar do observador, segundo Foucault,
altera a perspectiva sob o objeto, por sempre parcial. Via de consequência, cada linha corresponde a uma perspectiva, a um olhar, bem
lançado e elaborado, juridicamente consistentes, contudo, parciais. Há de se olhar para além do que os olhos alcançam, enxergar o que não
veem, na perspectiva do olhar sobre cada uma dessas linhas. E quando se olha diretamente para elas, na perspectiva parcial de cada uma, se
deve enxergar além delas; e, o que encontramos, são as outras. Isso significa que, a substância de cada uma delas é composta pelas outras
duas. Ou seja, o Positivismo só é integral, ao invés de parcial quando consubstancial ao Realismo e aos Direitos Humanos. Na mesma toada,
o Realismo, ao Positivismo e aos Direitos Humanos. Os Direitos Humanos, ao Positivismo e ao Realismo”. “(...) Ou seja, o texto legal não
pode ser aplicado sem estar potencializado pelo contexto real, e tem que implicar a dignidade da pessoa humana. Assim sendo, conforme o
Direito Quântico se aplica a um só tempo os Direitos Humanos, o Positivismo e o Realismo, de modo que se o Direito tiver como
consequência qualquer perturbação a um dos três, no núcleo essencial de cada um deles, haverá perturbação do próprio Direito, que, se assim
defeituosamente aplicado, será sempre parcial”. (SAYEG, 2020, p. 5/12)
23 “PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. ATO ATENTATÓRIO AO
EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO. MULTA DO ART. 14 DO CPC. APLICABILIDADE ÀS PARTES E A TODOS AQUELES QUE, DE
do Paraná, sob a égide do estatuto revogado (CPC 1973), reconheceu a responsabilidade do
parquet pela prática do ato atentatório.
ALGUMA FORMA, PARTICIPAM DO PROCESSO. 1. Hipótese de mandado de segurança impetrado pelo Município de Curitiba/PR com
a finalidade de impedir que as autoridades impetradas promovessem a realização de audiência pública convocada pelo Ministério Público do
Trabalho, destinada a redefinir o valor do repasse de verbas municipais a entidades e organizações não-governamentais de atendimento a
crianças e adolescentes. O pedido liminar foi deferido, ocasião em que foi determinada a suspensão da audiência pública mencionada. 2. Na
tentativa de conferir efetividade à ordem mandamental, e por não ter conseguido intimar as autoridades impetradas no dia anterior, o Oficial
de Justiça designado compareceu ao local de realização da audiência pública, ocasião em que uma das impetradas, Procuradora do Trabalho,
"tão logo tomou ciência da notificação, de microfone em punho, diante do auditório, afirmou que realizaria o evento, pois considerava a
decisão ilegal e inconstitucional, razão pela qual não iria obedecê-la". Consta dos autos, ainda, que um Promotor de Justiça do Estado do
Paraná, causou "tumultos e pressões", além de ter imposto ao Oficial de Justiça, quando do cumprimento da decisão judicial, a obrigação de
falar ao microfone para todo o auditório, com mais ou menos 150 pessoas. 3. De todo o ocorrido, resultou a condenação pessoal da
Procuradora do Trabalho e do Promotor de Justiça do Estado do Paraná ao pagamento de multa, no valor equivalente a vinte por cento (20%)
do valor da causa atualizado, em virtude de ato atentatório ao exercício da jurisdição (art. 14, V e parágrafo único, do CPC), e a extinção do
mandado de segurança, sem resolução de mérito (art. 267, VI, do CPC), por perda de objeto, já que a audiência pública, mesmo em afronta à
decisão judicial, foi realizada. 4. O inciso V do art. 14 do Código de Processo Civil, incluído pela Lei 10.358/2001, prevê como dever das
partes e de todos aqueles que, de alguma forma, participam do processo, "cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar
embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final". 5. Não há como se admitir, no entanto, que um membro
do Ministério Público, a quem incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis (art. 127 da CF/88), deixe de dar cumprimento à ordem judicial que suspendeu a realização do evento, sob a alegação de que
não era parte na ação mandamental, máxime porque o provimento liminar era extremamente claro no tocante à extensão dos seus efeitos. 6.
"Os deveres enumerados no art. 14, pois, são deveres das partes. E por partes devem-se entender todos os sujeitos do contraditório. Em
outros termos, o conceito de partes a que alude o art. 14 não se refere apenas às partes da demanda (demandante e demandado), mas a todas
as partes do processo (incluindo-se aí, também, portanto, os terceiros intervenientes e o Ministério Público que atua como custos legis). É
mais amplo ainda, porém, o alcance do art. 14. Isto porque não só as partes, mas todos aqueles que de qualquer forma participam do processo
têm de cumprir os preceitos estabelecidos pelo art. 14." (Alexandre Freitas Câmara, "Revista Dialética de Direito Processual", n. 18, p. 9-19,
set. 2004). 7. Deixa-se de analisar, por fim, toda a argumentação no sentido de que "o princípio da unidade do Ministério Público (...) não
tem o condão de interligar a extremos os papéis autonomamente desempenhados pelos membros dos diversos Ministérios Públicos", pois
todos os envolvidos na presente ação tiveram conhecimento da decisão judicial que impedia a realização da audiência pública e,
deliberadamente, decidiram desrespeitá-la, em flagrante ato atentatório ao exercício da jurisdição. 8. Recursos especiais desprovidos”.(REsp
nº 757.895 - PR (2005/0095324-8), Relatora MINISTRA DENISE ARRUDA, j.2.4.2009, DJe 5.5.2009).
24 “PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE LAUDO DE AVALIAÇÃO. EMBARAÇO À
EFETIVAÇÃO DE PROVIMENTO JUDICIAL. APLICAÇÃO DA MULTA DO ART. 14, V, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. 1 – O art.
14, V, parágrafo único, do CPC apenas especificou o dever genérico de obediência às ordens e decisões judiciais que já existia no
ordenamento jurídico, estabelecendo ainda sanção específica para a hipótese de descumprimento. Seus preceitos evidenciam a censura ao
chamado Contempt of Court, também presente no código de processo civil alemão (Missachtung des Gerichts). 2 - Os deveres contidos no
art. 14 do CPC são extensivos a quem quer que cometa o atentado ao exercício da jurisdição. Por esse motivo, a multa por desacato à
atividade jurisdicional prevista pelo parágrafo único deste artigo é aplicável não somente às partes e testemunhas, mas também aos peritos e
especialistas que, por qualquer motivo, deixam de apresentar nos autos parecer ou avaliação. Na hipótese julgada, a empresa que estava
incumbida da entrega do laudo desempenhava função de perito. Recurso conhecido e não provido”. (REsp nº 1.013.777 - ES (2007/0294693-
8), Relatora MINISTRA NANCY ANDRIGHI, j. 13.04.2010, DJe 04/07/2010).
25 “Insurge-se, no apelo extremo, contra acórdão da Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, assim ementado:
ocorrência de erro material decorrente de ato doloso. Acima do respeito à preclusão máxima está o dever de se re speitar os princípios da
moralidade administrativa, da razoabilidade e da supremacia do interesse público. 5. O patrimônio público não pode sujeitar-se às agressões
decorrentes de sentença judicial, incompatível com o direito positivo, mormente quando decorrentes de artimanhas jurídicas, fruto de
deslealdade processual e má-fé do advogado, hábeis a ludibriar os operadores do direito, surgindo daí a necessidade de aplicação de sanção
para coibir tal tipo de comportamento, ainda que em sede de execução. 6. Em face da situação teratológica do processo, legitimasse a
excepcional condenação dos advogados em litigância de má-fé e no dever de pagarem multa, nos termos dos arts. 17 e 18 do Código de
Processo Civil, decorrente da responsabilidade processual objetiva, sob pena de incumbir tais sanções ao autor, que não participou dos
referidos atos processuais. 7. O desconto de imposto de renda poderá ser objeto de apreciação nas vias ordinárias. Além disso, o advogado
não pode recorrer, em nome do cliente, para discutir valores de IR descontados por ordem do Juízo. 8. Apelação do autor improvida. 9.
Determinação para que se oficie ao Ministério Público Federal, Ordem dos Advogados do Brasil e Conselho Regional de Contabilidade, para
providências pertinentes”. Extraído da decisão monocrática que negou seguimento ao recurso extraordinário interposto, tendo em vista se
tratar de processo físico, e não haver digitalização do acórdão, no acesso ao sistema do TRF-3ª Região: “Processual Civil. (...) Litigância de
má-fé. Possibilidade de responsabilização do Advogado. Multa. Indenização. Desconto de IR. Apelação Improvida.” (STF, Agravo de
Instrumento nº 675239/SP, Rel. Min. Dias Toffolli, DJU 15/06/2011 grifos não originais).
26 “Ação indenizatória cumulada com obrigação de fazer. (...) evidência de fraude processual. Peculiaridades do caso em que se mostra
cabível a condenação nas penas de litigância de má-fé, inclusive, de forma solidária, a advogada da autora. Desnecessidade de apuração em
processo autônomo” (TJSP, Ap. 0007218-93.2011.8.26.0002; Rel. Des. Paulo Roberto de Santana; 23ª Câmara de Direito Privado; Data do
julgamento: 31/07/2013). “APELAÇÃO EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS EXTINÇÃO INTERESSE DE AGIR INEXISTENTE
COGNOSCIBILIDADE PARCIAL CAPÍTULO NÃO DEVOLVIDO ÔNUS DE IMPUGNAÇÃO LITIGÂNCIA DE MÁ -FÉ
CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA SENTENÇA IRRETOCÁVEL. - Apelo parcialmente não cognoscível não devolvido o capítulo do interesse
de agir por violação evidente da exigência do artigo 514, inciso II, do CPC73. O apelante deve dar as razões, de fato e de direito, pelas quais
entende deva ser anulada ou reformada a sentença recorrida, inadmissível a simples repetição das razões da inicial, pior, a simples aposição
de teses jurídicas, excertos doutrinários e jurisprudenciais sem qualquer menção à decisão. Carência de ação patente, pedido esvaziado pela
própria documentação já trazida pela autora em evidente litigância de má-fé (desnecessidade da tutela jurisdicional) art. 14, do CPC73; -
Conduta qualificada em diversos incisos do artigo 17, do Código Buzaid. Patente deslealdade processual, litigância de má-fé bem delineada
pelo Juízo da R. Primeira Instância, ante o evidente propósito (locupletamento) da ação cautelar de exibição de documento de pleno
conhecimento e da posse da autora; - Excepcionalidade que permite a condenação solidária do patrono com a parte nas verbas de litigância
de má-fé precedentes. Responsabilidade processual independente da disciplinar ou criminal (art. 71, do EOAB) remessa de ofício ao MP e à
OAB que constitui dever do Magistrado (art. 40, CPP); - Manutenção da decisão por seus próprios e bem lançados fundamentos artigo 252
do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO e, na parte conhecida, NÃO
PROVIDO”. (TJSP. Ap. 1011912-75.2014.8.26.0037 Rel. Maria Lúcia Pizzotti, j.1.06.2016). “EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO Autora que
ingressou com cinco ações postulando o mesmo contrato. Além disso, o documento pretendido foi enviado extrajudicialmente pela financeira
ré ao escritório do próprio advogado Solicitação administrativa que, apesar de irregular, foi atendida. Todavia, mesmo tendo recebido o
contrato, a autora ajuizou ação judicial requerendo a exibição do mesmo documento Evidenciada a falta de interesse processual da autora,
bem como a litigância de má-fé - Art. 14, I, II e III, c/c art. 17, II, III e VII, todos do CPC Responsabilidade do advogado que não pode ser
excluída, tendo em vista que recebeu em mãos o contrato antes de ajuizar a ação Desnecessidade de ação própria para apuração da má-fé do
procurador - Sentença mantida RECURSO DESPROVIDO”. (Ap. 1005511-60.2014.8.26.0037, da Comarca de Araraquara, Relator
Desembargador SÉRGIO SHIMURA, j. 27.04.2016).
27 “(...) Embora reiteradamente manifestada a discordância desta Relatora, evidente o processo jurisprudencial de enrijecimento das
condições da ação (cf. RExt. 631.240/MG). Busca-se, justamente, evitar lides temerárias como esta. Inadmissível a tutela judicial de
condutas ilícitas com manifesto escopo de locupletamento; inolvidável que bastaria ao patrono omitir dolosamente o documento de fl. 13
para que a ação fosse julgada procedente, logrando êxito, inclusive, no recebimento de honorários de sucumbência. Impositiva, portanto, a
censura à conduta que não pode se restringir à parte. Inadmissível a pretensão do Ilustre Patrono que pretende se eximir da sanção processual
imposta sob o pálio do art. 32, do EOAB. Supor que o advogado age como mero mandatário judicial da parte constitui verdadeiro
desprestígio à formação do próprio causídico. Pouco crível admitir a responsabilidade exclusiva da autora, desempregada, antes “atendente
de suporte técnico”, pela conduta processual; fazê-lo desprestigiaria a aptidão do Poder Judiciário de modular condutas. Como menciona o
Desembargador José Renato Nalini, o país vive “uma crise global, declínio de valores” que, sem dúvida, não começa ou se limita àqueles que
exercem algum poder na Capital Federal. O Poder Judiciário não se pode fazer mouco com “pequenos” atos ímprobos ou imorais. Neste
sentido, os operadores do direito devem ultrapassar os valores do “homem médio”, sendo verdadeiro exemplo para o contingente
lastimavelmente inculto. Sem dúvida, compete à Ordem dos Advogados do Brasil a apuração da conduta do Nobre Patrono, a fim de lhe
Neste contexto, verifica-se que além das medidas das Corregedorias da Justiça,
alguns julgados tem sido sensíveis à questão, e tem aplicado a responsabilização solidária, ex
vi do disposto no artigo 77 § 6º do Código de Processo Civil, nas hipóteses de abuso, com a
prova do elemento subjetivo má-fé, também ao procurador, diante da conduta abusiva, com
desvirtuamento dos poderes inerentes ao próprio mandato.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto, para aqueles que militam diariamente com as questões deduzidas em
juízo, a prática da advocacia predatória, assim entendia aquela abusiva, com excesso ou
desvio dos poderes inerentes ao mandato, em evidente má-fé, se repetem nas mais variadas
formas. O senso ético e moral que devem permear a conduta daqueles que se utilizam do
Poder Judiciário, aliados ao princípio da boa-fé objetiva, não tem sido suficiente, para coibir
referida prática. As decisões judiciais em sua grande maioria, afastam possibilidade de
aplicação da referida responsabilidade, diante da norma de regência em vigor.
Cabe aos operadores do direito, atentar para o alarmante crescimento das demandas
predatórias, assim como condutas processuais dissonantes do mandato, e tomar medidas
efetivas para sua inibição.
impor eventuais sanções disciplinares. Isto, contudo, jamais impediu que o Juízo, no poder de direção do processo, imponha censura à
conduta dos advogados. A responsabilidade processual independente da apuração dos fatos na esfera criminal ou disciplinar (art. 71, da Lei
n. 8.906, de 1994). Neste sentido, induvidosa a acuidade da decisão do MM. Magistrado, que, ao contrário do alegado, não fixou
responsabilidade criminal, cumprindo, contudo, com o dever imposto no EOAB e no Código de Processo Penal (art. 40), a fim de remeter os
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maneira efetiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NALINI, José Renato. Ética da Magistratura. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
LIEBMAN, Enrico Tulio. Manual de Direito Processual Civil. Tocantins: Intelectus, 2003.
THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Volume I. Rio de Janeiro:
Forense, 2015.
autos ao Ministério Público e à OAB. Isto não elide a solidariedade do advogado ao pagamento das sanções impostas, em conformidade com
o artigo 18, do Código Buzaid como já decidiram os tribunais pátrios, cito (...)”.