Inf 0746
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Este periódico, elaborado pela Secretaria de Jurisprudência do STJ, destaca teses jurisprudenciais
firmadas pelos órgãos julgadores do Tribunal nos acórdãos proferidos nas sessões de julgamento, não
consistindo em repositório oficial de jurisprudência
SÚMULAS
SÚMULA N. 654
DESTAQUE
O marco inicial da fluência do prazo decadencial, previsto no caput do art. 103 da Lei n.
8.213/1991, quando houver pedido de revisão da renda mensal inicial (RMI) para incluir verbas
remuneratórias recebidas em ação trabalhista nos salários de contribuição que integraram o
período básico de cálculo (PBC) do benefício, deve ser o trânsito em julgado da sentença na
respectiva reclamatória.
A controvérsia diz respeito à definição do termo inicial da fluência do prazo decadencial, previsto
no caput do art. 103 da Lei n. 8.213/1991, quando houver pedido de revisão da renda mensal inicial
(RMI) para incluir verbas remuneratórias recebidas em ação trabalhista nos salários de
contribuição que integraram o Período Básico de Cálculo (PBC) do benefício.
Nesta Corte, já desde há muito, a jurisprudência tem reconhecido que o termo inicial da
decadência, nos pedidos de revisão de benefício com base em sentença trabalhista, é o trânsito em
julgado do decisum.
Essa interpretação parte do raciocínio de que não está inerte aquele que busca a via judicial, seja
para reconhecimento do vínculo de trabalho - com repercussão sobre o cômputo do tempo de
contribuição - seja para inclusão de verbas remuneratórias - com reflexo nos salários de
contribuição e, por conseguinte, na renda mensal.
A propositura de reclamação na Justiça Laboral, por si só, não suspende nem interrompe o prazo
decadencial do ato de concessão do benefício, ex vi do disposto no art. 207 do Código Civil de 2002,
salvo expressa disposição legal em contrário - que, in casu, inexiste conforme assentado por esta
Seção no julgamento dos EREsp 1.605.554/PR.
No entanto, o reconhecimento judicial na seara trabalhista deve ser considerado o nascedouro do
direito potestativo, ante a incorporação de verbas ou de tempo de contribuição, ao patrimônio
jurídico do trabalhador. O ajuizamento da ação reclamatória, portanto, justifica-se pelas seguintes
razões.
Primeiro, de acordo com o art. 29 da Lei n. 8.213/1991, vê-se que o salário de benefício consiste
na média aritmética dos maiores salários de contribuição no período contributivo, cálculo que inclui
os ganhos habituais do segurado empregado (§3º) e os aumentos homologados pela Justiça do
Trabalho (§4º).
Segundo, a lei previdenciária garante o recálculo da renda do segurado empregado que, ao tempo
da concessão do benefício, não podia provar os salários de contribuição, como dispõe o art. 35 da Lei
n. 8.213/1991.
Terceiro, a atuação judicial do trabalhador em busca de seus direitos, desde que reconhecidos,
traz reflexo positivo também sobre a esfera de competência da autarquia, que poderá cobrar as
contribuições referentes ao vínculo trabalhista reconhecido judicialmente, nos termos do art. 22, I,
da Lei n. 8.212/1991 (Lei de Custeio da Seguridade Social).
Assim, o ajuizamento da demanda pelo segurado é medida necessária para comprovar a filiação
ao Regime Geral da Previdência Social e o tempo de contribuição, mediante o reconhecimento do
vínculo de trabalho, e a declaração judicial do direito ao recebimento integral de verbas salariais
contratualmente ajustadas, de modo a viabilizar a revisão de benefício em manutenção perante a
autarquia previdenciária.
Portanto, a partir da integralização do direito material pleiteado na ação trabalhista transitada
em julgado, o segurado poderá apresentar requerimento para revisão de benefício, na via
administrativa, no prazo previsto legalmente no caput do art. 103 da Lei n. 8.213/1991, cuja
redação em vigor ao tempo dos fatos previa ser "de dez anos o prazo de decadência de todo e
qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de
benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou,
quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito
administrativo".
A norma legal estabelece duas situações para dar início ao prazo decadencial de revisão do ato de
concessão de benefício: 1ª) do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira
prestação; ou, 2ª) quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão de
indeferimento definitivo no âmbito administrativo.
Ou seja, na primeira hipótese legal, uma vez concedido o benefício, o segurado tem dez anos
desde o dia primeiro do mês seguinte ao recebimento da primeira prestação para insurgir-se contra
eventual ilegalidade no ato de deferimento.
Na segunda situação, a lei dispunha que o marco do início do prazo decadencial seria a ciência do
indeferimento definitivo no âmbito administrativo. Contudo, no RE 626.489/SE e na ADI n.
6.096/DF, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o direito fundamental à previdência social pode
ser exercido a qualquer tempo, sem prejuízo do beneficiário ou segurado que se quedou inerte, de
modo que, se não for concedido o benefício, mantém-se o fundo de direito.
Assim, em casos como o da presente controvérsia, na qual houve a integralização do direito
material a partir da coisa julgada trabalhista, a exegese mais consentânea com o princípio da
segurança jurídica e o respeito às decisões judiciais é manter a jurisprudência segundo a qual o
marco inicial do prazo decadencial deve ser o trânsito em julgado da sentença da Justiça do
Trabalho.
Para efeito de fixação do marco temporal inicial na data do trânsito em julgado, esta Corte não
tem feito distinção quanto ao objeto da ação judicial: se a reclamatória reconhece direito com ou
sem repercussão sobre os salários de contribuição integrantes do PBC (período básico de cálculo),
como propôs o amicus curiae em sua manifestação.
Tal posicionamento se justifica porque, em geral, o título judicial da Justiça Laboral mostra-se
suficiente para a averbação de vantagens e de tempo de contribuição perante a autarquia, sendo
desnecessário aguardar a liquidação da sentença trabalhista para requerer a revisão do benefício,
visto que a referida apuração é procedimento destinado à satisfação do crédito do trabalhador
perante seu empregador.
SEGUNDA SEÇÃO
DESTAQUE
DESTAQUE
O princípio da intranscendência da pena, previsto no art. 5º, XLV da Constituição Federal, tem
aplicação às pessoas jurídicas, de modo que, extinta legalmente a pessoa jurídica - sem nenhum
indício de fraude -, aplica-se analogicamente o art. 107, I, do Código Penal, com a consequente
extinção de sua punibilidade.
Inicialmente, como se extrai dos arts. 1.116 do CC/2002 e 227 da Lei n. 6.404/1976, a sucessão da
incorporada pela incorporadora se opera quanto a direitos e obrigações, e mesmo assim somente
para aqueles compatíveis com a natureza da incorporação, como aponta a doutrina. Obrigação, não
custa lembrar, é instituto com um sentido jurídico próprio, diferente de seu significado popular, "e aí
se concebe a obrigação como um vínculo de direito que liga uma pessoa a outra, ou uma relação de
caráter patrimonial, que permite exigir de alguém uma prestação".
As consequências de uma série de atos ilícitos cabem em tese no conceito de obrigações, e por
isso estão abarcadas pela sucessão. É o caso, por exemplo, da reparação in natura do dano ambiental
na esfera cível ou administrativa, juntamente da responsabilidade civil por indenizar terceiros
eventualmente afetados pela suposta poluição praticada. Em tais relações, de natureza
indiscutivelmente patrimonial, é possível identificar todos os elementos que estruturam uma
obrigação, a saber: (I) as partes ativa e passiva (elemento subjetivo), (II) o objeto, que consiste em
prestações patrimoniais de dar ou fazer, e (III) o vínculo jurídico que os une (ex lege, nessa situação
hipotética). Por conseguinte, possíveis obrigações reparatórias derivadas do ato ilícito descrito na
denúncia podem ser redirecionadas (em tese), nos exatos limites dos arts. 1.116 do CC/2002 e 227
da Lei n. 6.404/1976.
Já a pretensão punitiva estatal, pela prática do crime tipificado no art. 54 da Lei n. 9.605/1998,
não se enquadra em nenhum desses conceitos ora analisados.
É verdade que, como diz o Parquet, as sanções passíveis de imposição à pessoa jurídica, previstas
nos arts. 21 a 24 da Lei n. 9.605/1998, assemelham-se a obrigações de dar, fazer e não fazer, o que
poderia induzir o intérprete a acreditar numa possível transmissibilidade à sociedade
incorporadora. Afinal, há uma inegável similitude entre os efeitos práticos da obrigação civil de
reparar o dano causado e, exemplificativamente, a imposição da pena de executar obras de
recuperação do meio ambiente degradado, modalidade de reprimenda restritiva de direitos
(prestação de serviços à comunidade) tratada no art. 23, II, da Lei n. 9.605/1998.
As sanções criminais, entretanto, não se equiparam a obrigações cíveis, porque o fundamento
jurídico de sua incidência é em todo distinto. Na relação entre o Ministério Público e o réu em uma
ação penal, inexistem os três elementos obrigacionais há pouco referenciados, justamente porque a
pretensão punitiva criminal não é uma obrigação, dela divergindo em suas fontes, estruturas e
consequências.
No aspecto estrutural, o vínculo das obrigações recai sobre o patrimônio do devedor (art. 798 do
CPC), enquanto a pretensão punitiva sujeita não só os bens do acusado, mas também sua liberdade
e, em casos extremos, sua própria vida (art. 5º, XLVII, "a", da CR/1988) à potestade estatal. Essa
severidade adicional do braço sancionador do Estado justifica outra diferença nas estruturas da
obrigação e da pretensão punitiva: enquanto a obrigação, sem atravessar a crise do inadimplemento,
pode ser espontaneamente cumprida pelo devedor, a pretensão punitiva sequer é tecnicamente
adimplível. O autor de um delito não pode, ele próprio, reconhecer a prática do crime e privar-se de
sua liberdade com uma pena reclusiva, sendo imprescindível a intermediação do Poder Judiciário
para a imposição de sanções criminais - e isso mesmo nos casos em que o sistema jurídico permite
negociações entre acusação e defesa a seu respeito, como nos acordos de colaboração premiada,
regidos pela Lei n. 12.850/2013.
Por fim, as consequências jurídicas da obrigação e da pretensão punitiva são também distintas. Se
de um lado a obrigação reclama adimplemento (espontâneo ou forçado) ou resolução em perdas e
danos, a pretensão punitiva, de outro, gera a aplicação de pena quando julgada procedente pelo
Poder Judiciário.
Todas essas diferenciações demonstram que não é possível enquadrar a pretensão punitiva na
transmissibilidade regida pelos arts. 1.116 do CC/2002 e 227 da Lei n. 6.404/1976, o que nos traz a
uma conclusão intermediária: não há, no regramento jurídico da incorporação, norma autorizadora
da extensão da responsabilidade penal à incorporadora por ato praticado pela incorporada.
Pensando ainda no aspecto consequencial, a pena é disciplinada por um plexo normativo próprio,
com matizes garantistas que delimitam sua extensão e também não têm correspondência no campo
das obrigações. Para os fins deste voto, o mais relevante deles é o princípio da pessoalidade ou
intranscendência, insculpido no art. 5º, XLV, da CR/1988.
Para o Parquet, referido princípio não teria aplicação às pessoas jurídicas, destinando-se
exclusivamente às pessoas naturais. A compreensão sistemática da norma constitucional também
aponta nessa direção: se o sistema criminal admite a punição de pessoas jurídicas, em que pesem as
peculiaridades que derivam da ausência de um corpo físico, não pode o sistema valer-se dessas
mesmas peculiaridades como fundamento para restringir garantias penais cujo exercício pela
pessoa jurídica é, na prática, possível.
É distinta a hipótese da incorporação realizada para escapar ao cumprimento de uma pena já
aplicada à sociedade incorporada em sentença definitiva, ainda que não exista fraude. Afinal, no
presente caso, não chegou a ocorrer a prolação de sentença condenatória, porque a ação penal foi
trancada em seu nascedouro: o que se julgou neste recurso especial foi a possibilidade de a
incorporadora suceder a incorporada para responder a ação penal ainda em tramitação. A situação
seria diferente se já houvesse sentença definitiva impondo alguma pena à sociedade e esta,
sentindo-se onerada pela reprimenda, aceitasse ser incorporada por outra, a fim de não arcar com
os efeitos da sanção penal.
Para esses dois casos (tanto a ocorrência de fraude como a incorporação realizada após sentença
condenatória transitada em julgado), pode-se pensar na desconsideração da incorporação, ou
mesmo da personalidade jurídica da incorporadora, a fim de manter viva a sociedade incorporada
até que a pena seja cumprida. Ou, no caso da pena mais gravosa do catálogo legal (a liquidação
forçada, prevista no art. 24 da Lei n. 9.605/1998), é viável declarar a ineficácia da operação de
incorporação em face do Poder Público, de modo a garantir que a parcela de patrimônio
incorporada seja alcançada pela pena definitiva.
Trata-se de soluções em tese possíveis para evitar o esvaziamento da pretensão punitiva estatal, a
serem aprofundadas pelo Judiciário nas hipóteses sobreditas. O fundamental, neste julgamento, é
compreender que a situação dos autos não abrange fraude ou incorporação com o fim de escapar a
uma pena já aplicada, mesmo porque, repito, a ação penal foi trancada pouco após o recebimento da
denúncia. Se configurada alguma dessas outras hipóteses, haverá distinção em relação ao
precedente ora firmado, com a necessária aplicação de consequência jurídica diversa.
PROCESSO AgRg na RvCr 5.735-DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas,
Terceira Seção, por unanimidade, julgado em
11/05/2022, DJe 16/05/2022.
DESTAQUE
Não é cabível revisão criminal quando utilizada nova apelação, com vista a reexame de fatos e
provas, não se verificando contrariedade ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos,
consoante previsão do art. 621, I, do Código de Processo Penal.
Cumpre lembrar que este "Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido do
não cabimento da revisão criminal quando utilizada como nova apelação, com vista ao mero
reexame de fatos e provas, não se verificando hipótese de contrariedade ao texto expresso da lei
penal ou à evidência dos autos, consoante previsão do art. 621, I, do CPP" (AgRg no REsp n.
1.781.148/RJ, Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 18/10/2019).
No caso concreto, a pretensão do autor é rediscutir tudo aquilo que fora objeto de análise no
processo penal originário. A prova já foi objeto de apreciação pelas instâncias competentes, não
havendo nenhuma informação adicional a modificar a conclusão alcançada.
PRIMEIRA TURMA
DESTAQUE
DESTAQUE
A empresa que efetua irregularmente a lavra de minério, enriquecendo-se ilicitamente, não pode
pretender o ressarcimento dos custos operacionais dessa atividade contra legem, sob o argumento
de que a não remuneração ensejaria o locupletamento sem causa da União.
O caso trata de ação civil pública proposta pela União em desfavor de empresa mineradora,
objetivando a condenação desta ao ressarcimento de R$ 2.134.548,00 (dois milhões, cento e trinta e
quatro mil, quinhentos e quarenta e oito reais), em razão de prejuízos causados pela extração ilegal
de 177.879 m³ de areia, bem como a restauração ambiental da área degradada.
Na origem, houve o reconhecimento da prática de extração ilegal de minérios, com
desatendimento às limitações constantes da licença de operação, optando, contudo, empregar os
critérios da proporcionalidade e da razoabilidade por ocasião da delimitação do quantum
indenizatório.
Do cálculo, concluiu-se que a indenização deveria ser arbitrada em 50% (cinquenta por cento) do
valor obtido com a extração irregular de areia, sob o argumento de que a reparação proporcional ao
dano sofrido pela vítima, não poderia proporcionar lucro (ganho que não auferiria acaso o dano não
houvesse ocorrido), pois valer-se do preço de venda do minério equivaleria a permitir que a União
se apropriasse do trabalho, dos custos e dos investimentos alheios.
Ao assim decidir, o Tribunal de origem se afastou da orientação jurisprudencial consagrada no
STJ, no sentido de que "a indenização deve abranger a totalidade dos danos causados ao ente
federal, sob pena de frustrar o caráter pedagógico-punitivo da sanção e incentivar a impunidade de
empresa infratora, que praticou conduta grave com a extração mineral irregular, fato incontroverso
nos autos." (REsp 1.923.855/SC, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em
26/4/2022, DJe de 28/4/2022).
Diversamente do entendimento consignado pela instância recursal ordinária, não se mostra
plausível a ideia de se premiar o infrator particular com a metade dos ganhos obtidos com a venda
do minério por ele irregularmente lavrado, notadamente porque tal compreensão não reflete o
princípio da integral reparação do dano, colidindo, ao invés, com o primado de que a ninguém é
lícito beneficiar-se da própria torpeza.
Portanto, a empresa que efetua irregularmente a lavra de minério, enriquecendo-se ilicitamente,
não pode pretender o ressarcimento dos custos operacionais dessa atividade contra legem, sob o
argumento de que a não remuneração de tais custos ensejaria o locupletamento sem causa da União.
Ao invés disso, desponta intuitivo que a prévia conduta antijurídica da mineradora particular afasta
a proteção normativa que invoca para si.
PROCESSO REsp 1.742.251-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira
Turma, por unanimidade, julgado em 23/08/2022.
DESTAQUE
DESTAQUE
DESTAQUE
A boa-fé objetiva impõe à operadora de plano de saúde o dever de agir visando à preservação do
vínculo contratual, dada a natureza dos contratos de plano de saúde e a posição de dependência dos
beneficiários, especialmente dos idosos.
Assim, embora não se possa exigir que ela preste o serviço sem que para tanto receba a devida
contraprestação, a rescisão do contrato por inadimplemento, autorizada pelo art. 13, II, da Lei n.
9.656/1998, deve ser considerada a última medida, quando falhar a negociação da dívida ou a
eventual suspensão do serviço.
Sob essa perspectiva, mostra-se contrária aos deveres de cooperação e solidariedade a conduta
de rescindir o contrato quando, "embora pagas com atraso, todas as parcelas estavam adimplidas
até a competência 10/2020" - competência imediatamente anterior à da rescisão, ocorrida em
18/11/2020 - com o devido acréscimo de correção monetária e juros de mora, revelando-se,
sobretudo, contraditório o comportamento da operadora de fazê-lo em 2020, em meio à crise
sanitária provocada pela pandemia do Covid-19, depois de "acatar pagamentos com atraso".
A situação de pandemia não constitui, por si só, justificativa para o não-pagamento, mas é
circunstância que, por seu grave impacto na situação socioeconômica mundial, não pode ser
desprezada pelos contratantes, tampouco pelo Poder Judiciário.
Não por outro motivo, inclusive, o legislador editou a Lei n. 14.010/2020 para dispor sobre o
regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de direito privado no período da
pandemia do coronavírus (Covid-19), fixando como termo inicial o dia 20/03/2020.
Conquanto esse regime jurídico emergencial e transitório não se aplique às obrigações vencidas
antes de 20/03/2020, como se tem na espécie, dele se extrai a intenção do legislador de garantir a
preservação das relações jurídicas e a proteção dos vulneráveis durante o estado de emergência
pública.
Tal panorama revela a ofensa à boa-fé objetiva pela operadora do plano de saúde ao rescindir o
contrato de plano de saúde durante a pandemia.
DESTAQUE
DESTAQUE
DESTAQUE
Da análise do art. 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente, verifica-se que o legislador inseriu
medidas de cunho essencialmente preventivo, pedagógico ou educativo (como as hipóteses dos
incisos I a VI) e também medidas tipicamente sancionadoras, estabelecendo entre elas uma evidente
gradação que envolve desde a mais leve (como é a hipótese do inciso VII, que é advertência) até
sanções mais graves (como são as hipóteses dos incisos VIII a X, a saber, perda da guarda,
destituição da tutela e suspensão ou destituição do poder familiar).
O caso em análise tem como pano de fundo o pagamento de multa prevista no art. 249 do ECA,
estabelecida em seu patamar mínimo (03 salários mínimos) tendo em vista a evasão escolar de filho
adolescente em razão da negligência e da omissão de sua genitora
É correto afirmar, nesse contexto, que a sanção pecuniária prevista no art. 249 do ECA, embora
topologicamente distante do art. 129 do mesmo Estatuto, igualmente compõe aquele mesmo rol,
tratando-se de medida que, a despeito de seu cunho essencialmente sancionatório, igualmente
possui caráter preventivo, coercitivo e disciplinador, buscando-se ainda que tais condutas não mais
se repitam a bem dos filhos.
A situação econômica do infrator não deve parametrizar o exame da própria adequação da
providência determinada, questão que melhor se amolda à ideia de que seja a medida efetivamente
preventiva, pedagógica e inibidora da repetição das condutas censuradas.
Dito de outra maneira, a vulnerabilidade social e econômica da entidade familiar e dos pais não
impede a aplicação da multa prevista no art. 249 do ECA se os requisitos de sua incidência estiverem
presentes.
Contudo, a situação de hipossuficiência econômica deve ser considerada como relevante para a
fixação do valor da multa, que será revertida ao fundo gerido pelo Conselho dos Direitos da Criança
do Adolescente do respectivo município (art. 214 do ECA), especialmente porque não se pode
olvidar que o referido valor será logicamente despendido pela entidade familiar em que está
inserida a criança ou adolescente que se pretende proteger igualmente de uma situação de
vulnerabilidade financeira.
Em relação ao tema, sublinhe-se que há sucessivos precedentes desta Terceira Turma no sentido
de que, embora não seja admissível a exclusão da multa ao fundamento de vulnerabilidade e
hipossuficiência econômica, é perfeitamente admissível a redução do valor da multa do art. 249 do
ECA, inclusive aquém do mínimo legal de 03 salários mínimos, nessas circunstâncias. Nesse sentido,
confiram-se: REsp 1.658.508/RJ, Terceira Turma, DJe 26/10/2018; REsp 1.780.008/MG, Terceira
Turma, DJe 08/06/2020 e REsp 1.784.627/SC, Terceira Turma, DJe 08/06/2020.
A tese em análise delimita-se a saber se a aluna em graduação de curso de ensino superior restou
enganada pela instituição de ensino que, no seu sítio eletrônico, teria garantido aos futuros alunos
inexistir limitação ao exercício da profissão por aqueles portadores de diploma de licenciatura plena
em Educação Física, isto no ano de 2006, quando de sua entrada na Universidade, ou seja, quando já
vigente a separação, entre bacharelado e licenciatura, ocorrida no curso de Educação Física.
Na hipótese, a instituição de ensino, além de sustentar o equívoco acerca da restrição da atividade
aos alunos da licenciatura, sustentara, também, que a autora teria sido devidamente informada
sobre as duas modalidades de curso na área de educação física bem como as áreas de habilitação de
cada curso e que no sítio eletrônico já havia informações claras e objetivas sobre as novas
modificações determinadas pelo CONFEF, informando que o licenciado atua desde a educação
infantil até o ensino médio e o bacharelado nas demais áreas, exceto a educação.
Era seu ônus, pois, evidenciar que prestara claras informações à aluna, o que não fizera, pelo
contrário, gerara legítima expectativa de que ela poderia atuar em qualquer campo profissional
ligado à sua área de atuação.
Presente o conflito de informações prestadas aos alunos da instituição, tendo em vista as
multifárias ações ajuizadas, evidenciando-se a violação aos dispositivos da lei consumerista a
reconhecer a vulnerabilidade técnica e informacional dos consumidores e o ônus da ré em
evidenciar a ausência de falha na prestação dos seus serviços.
O fato de a estudante ter concorrido no vestibular para o curso de licenciatura, como reconhecera
o acórdão, não seria suficiente a fazer superada a alegação de que incorreta informação teria sido
prestada à aluna no site eletrônico da instituição no sentido de que o curso em questão permitiria ao
profissional o pleno exercício de suas funções, inclusive em clubes e academias.
O juízo sentenciante, orientando a procedência dos pedidos, reconhecera que "(...) as Instituições
de Ensino deveriam ter o cuidado redobrado de forma a alertar os vestibulandos que prestaram o
concurso naquele ano, como no caso da Autora, que realizou sua matrícula em maio de 2006.
Dessa forma, em que pese a distinção ter decorrido de norma regulamentar dos Conselhos
profissionais, tal fato não exime a obrigação das Sociedades de Ensino de comprovar que prestaram
todas as informações possíveis aos alunos que se matricularam no curso de Licenciatura em Ed.
Física acerca das novas restrições impostas."
O raciocínio levado a efeito pelo juízo de primeiro grau revela plena consonância com as
disposições dos arts. 6º e 30 do CDC no sentido de que é direito do consumidor e dever do
fornecedor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços por ele
fornecidos, estando o vulnerável protegido contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos
comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas abusivas no fornecimento de produtos
e serviços.
É insuficiente o fato de a aluna ter-se matriculado para o curso de licenciatura como reconhecido
no acórdão, pois este fato não enfraquece o argumento de que a informação prestada pela
instituição fora deficiente e que teria sido garantido o amplo exercício da profissão à consumidora.
QUARTA TURMA
DESTAQUE
Configura dano moral, sujeito à indenização, a veiculação, em rede nacional de TV, de imagem de
pessoa nua em praia de naturismo, sem autorização e com atribuição de conotação pejorativa.
No caso, a Corte estadual consignou expressamente que a parte ré cometeu ato ilícito ao filmar e
divulgar, sem autorização, reportagem da parte autora em praia de naturismo, em área em que se
veda expressamente qualquer registro de imagem.
Ainda, constou no acórdão recorrido que o programa, veiculado em rede nacional pela parte ré,
colocou a parte autora em situação vexatória e ridicularizou sua aparência.
Verifica-se, portanto, que o ato ilícito não se configura pela mera conduta de filmagem
inapropriada, que a parte agravante reputa como legítima, mas também pela divulgação em
programa de TV em rede nacional, com apelidos jocosos e mesmo após a parte recorrida não ter
autorizado a sua divulgação.
Dessa forma, o valor da verba indenizatória por dano moral fixada pelo Tribunal de origem, R$
80.000,00 (oitenta mil reais), se denota dentro dos padrões da razoabilidade e proporcionalidade,
não se mostrando desproporcional à lesão (exposição da parte nua em rede nacional, sem
autorização e com atribuição de conotação pejorativa).
PROCESSO AgInt no AREsp 1.924.962-CE, Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em
08/08/2022, DJe 12/08/2022.
DESTAQUE
DESTAQUE
Incide a Súmula n. 326/STJ, no caso de discrepância entre o valor indicado no pedido e o quantum
arbitrado na condenação, não havendo falar em sucumbência dos autores da demanda, vencedores
em seu pedido indenizatório.
DESTAQUE
Não é típico o ato do servidor que se apropria de valores que já lhe pertenceriam, em razão do
cargo por ele ocupado.
DESTAQUE
O processo penal é regido pelo princípio do tempus regit actum, assim, se no momento do
oferecimento da denúncia os acusados não exerciam função/cargo público, torna-se dispensável a
defesa prévia prevista no art. 2º, I, do Decreto Presidencial n. 201/1967, que tem por escopo a
proteção do interesse público e da atividade exercida pelo servidor público, motivo da real
preocupação do legislador.
No caso, não tendo a defesa demonstrado em que medida a ausência de notificação anterior ao
recebimento da denúncia poderia gerar prejuízo à sua ampla defesa na ação penal, não há se falar
em nulidade, uma vez que, nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal, "nenhum ato será
declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa".
Ademais, a defesa preliminar nos crimes de responsabilidade de prefeitos é suprida pela resposta
à acusação do rito ordinário, em que é permitida não apenas a formal rejeição da denúncia como,
inclusive, mais ampla e beneficamente ao acusado, o juízo de sua sumária inocência (AgRg no RHC n.
88.026/PE, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 13/8/2019, DJe de 22/8/2019).
PROCESSO AgRg no HC 754.506-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em
16/08/2022, DJe 22/08/2022.
DESTAQUE
DESTAQUE
O caso trata de um paciente apontado como um dos principais beneficiários finais dos desvios de
recursos públicos (cerca de 18 milhões de reais) e médico com posição de liderança na organização
criminosa constituída para fraudar licitações e contratações públicas realizadas por diversos
municípios do Estado de São Paulo, por intermédio, desde 2018, de associação relacionada ao
serviço de saúde, inclusive com a instalação e administração de hospitais de campanha destinados
ao enfrentamento da pandemia de Covid-19. Tudo num complexo e estruturado esquema criminoso,
voltado à prática de lavagem de capitais, de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso.
Mesmo depois da deflagração da Operação Contágio, em 20/04/2021, teria havido distribuição de
dinheiro pela organização criminosa, com armazenamento de valores em local tido como bunker (a
Polícia Federal chegou a apreender mais de 463 mil reais); teria ocorrido a orientação pelos líderes
da organização para que os sócios formais das empresas de fachada se ocultassem. Os desvios de
recursos públicos estariam continuando mesmo após a nomeação de interventor judicial na
associação. O paciente e outro investigado teriam tentado a destruição ou ocultação de provas, ao
apagarem todos os registros de conversas do aplicativo Whatsapp com o intuito de destruir
evidências.
Nesse sentido, estão presentes indícios suficientes de autoria e de materialidade delitiva e há
motivação idônea, concreta e contemporânea, para o decreto prisional, seja pela necessidade de
interromper o ciclo delitivo da organização criminosa, seja para evitar a reiteração delitiva, ou
mesmo a fim de assegurar a conveniência da instrução criminal.
Tais particularidades demonstram a gravidade real dos fatos, a periculosidade social do paciente
e a reiteração delitiva, havendo, portanto, motivação idônea e contemporânea para o decreto
prisional.
DESTAQUE
DESTAQUE
As guardas municipais não possuem competência para patrulhar supostos pontos de tráfico de
drogas, realizar abordagens e revistas em indivíduos suspeitos da prática de tal crime ou ainda
investigar denúncias anônimas relacionadas ao tráfico e outros delitos cuja prática não atinja de
maneira clara, direta e imediata os bens, serviços e instalações municipais.
A Constituição Federal de 1988 não atribui à guarda municipal atividades ostensivas típicas de
polícia militar ou investigativas de polícia civil, como se fossem verdadeiras "polícias municipais",
mas tão somente de proteção do patrimônio municipal, nele incluídos os seus bens, serviços e
instalações. A exclusão das guardas municipais do rol de órgãos encarregados de promover a
segurança pública (incisos do art. 144 da Constituição) decorreu de opção expressa do legislador
constituinte - apesar das investidas em contrário - por não incluir no texto constitucional nenhuma
forma de polícia municipal.
Tanto a Polícia Militar quanto a Polícia Civil - em contrapartida à possibilidade de exercerem a
força pública e o monopólio estatal da violência - estão sujeitas a rígido controle correcional externo
do Ministério Público (art. 129, VII, CF) e do Poder Judiciário (respectivamente da Justiça Militar e
da Justiça Estadual). Já as guardas municipais ― apesar da sua relevância ― não estão
sujeitas a nenhum controle correcional externo do Ministério Público nem do Poder Judiciário. É de
ser ver com espanto, em um Estado Democrático de Direito, uma força pública imune a tais formas
de fiscalização, a corroborar, mais uma vez, a decisão conscientemente tomada pelo Poder
Constituinte originário quando restringiu as balizas de atuação das guardas municipais à vigilância
do patrimônio municipal.
Não é preciso ser dotado de grande criatividade para imaginar - em um país com suas conhecidas
mazelas estruturais e culturais - o potencial caótico de se autorizar que cada um dos 5.570
municípios brasileiros tenha sua própria polícia, subordinada apenas ao comando do prefeito local e
insubmissa a qualquer controle externo. Se mesmo no modelo de policiamento sujeito a controle
externo do Ministério Público e concentrado em apenas 26 estados e um Distrito Federal já se
encontram dificuldades de contenção e responsabilização por eventuais abusos na atividade policial,
é fácil identificar o exponencial aumento de riscos e obstáculos à fiscalização caso se permita a
organização de polícias locais nos 5.570 municípios brasileiros.
A exemplificar o patente desvirtuamento das guardas municipais na atualidade, cabe registrar
que muitas delas estão alterando suas denominações para "Polícia Municipal". Ademais, inúmeros
municípios pelo país afora - alguns até mesmo de porte bastante diminuto - estão equipando as suas
guardas com fuzis, equipamentos de uso bélico, de alto poder letal e de uso exclusivo das Forças
Armadas.
A adequada interpretação do art. 244 do CPP é a de que a fundada suspeita de posse de corpo de
delito é um requisito necessário, mas não suficiente, por si só, para autorizar a realização de busca
pessoal, porque não é a qualquer cidadão que é dada a possibilidade de avaliar a presença dele; isto
é, não é a todo indivíduo que cabe definir se, naquela oportunidade, a suspeita era fundada ou não e,
por consequência, proceder a uma abordagem seguida de revista. Em outras palavras, mesmo se
houver elementos concretos indicativos de fundada suspeita da posse de corpo de delito, a busca
pessoal só será válida se realizada pelos agentes públicos com atribuição para tanto, a quem
compete avaliar a presença de tais indícios e proceder à abordagem do suspeito.
Ao dispor no art. 301 do CPP que "qualquer do povo poderá [...] prender quem quer que seja
encontrado em flagrante delito", o legislador, tendo em conta o princípio da autodefesa da sociedade
e a impossibilidade de que o Estado seja onipresente, contemplou apenas os flagrantes visíveis de
plano, como, por exemplo, a situação de alguém que, no transporte público, flagra um indivíduo
subtraindo sorrateiramente a carteira do bolso da calça de outrem e o detém. Diferente, porém, é a
hipótese em que a situação de flagrante só é evidenciada após realizar atividades invasivas de
polícia ostensiva ou investigativa como a busca pessoal ou domiciliar, uma vez que não é qualquer
do povo que pode investigar, interrogar, abordar ou revistar seus semelhantes.
Da mesma forma que os guardas municipais não são equiparáveis a policiais, também não são
cidadãos comuns. Trata-se de agentes públicos com atribuição sui generis de segurança, pois,
embora não elencados no rol de incisos do art. 144, caput, da Constituição Federal, estão inseridos §
8º de tal dispositivo; dentro, portanto, do Título V, Capítulo III, da CF/1988, que trata da segurança
pública em sentido lato. Assim, se por um lado não podem realizar tudo o que é autorizado às
polícias, por outro lado também não estão plenamente reduzidos à mera condição de "qualquer do
povo"; são servidores públicos dotados do importante poder-dever de proteger o patrimônio
municipal, nele incluídos os seus bens, serviços e instalações.
É possível e recomendável, dessa forma, que exerçam a vigilância, por exemplo, de creches,
escolas e postos de saúde municipais, de modo a garantir que não tenham sua estrutura física
danificada ou subtraída por vândalos ou furtadores e, assim, permitir a continuidade da prestação
do serviço público municipal correlato a tais instalações. Nessa esteira, podem realizar
patrulhamento preventivo na cidade, mas sempre vinculados à finalidade específica de tutelar os
bens, serviços e instalações municipais, e não de reprimir a criminalidade urbana ordinária, função
esta cabível apenas às polícias, tal como ocorre, na maioria das vezes, com o tráfico de drogas.
Não é das guardas municipais, mas sim das polícias, como regra, a competência para patrulhar
supostos pontos de tráfico de drogas, realizar abordagens e revistas em indivíduos suspeitos da
prática de tal crime ou ainda investigar denúncias anônimas relacionadas ao tráfico e outros delitos
cuja prática não atinja de maneira clara, direta e imediata os bens, serviços e instalações municipais.
Poderão, todavia, realizar busca pessoal em situações absolutamente excepcionais - e por isso
interpretadas restritivamente - nas quais se demonstre concretamente haver clara, direta e imediata
relação de pertinência com a finalidade da corporação, isto é, quando se tratar de instrumento
imprescindível para a tutela dos bens, serviços e instalações municipais. Vale dizer, só é possível que
as guardas municipais realizem excepcionalmente busca pessoal se houver, além de justa causa para
a medida (fundada suspeita de posse de corpo de delito), relação clara, direta e imediata com a
necessidade de proteger a integridade dos bens e instalações ou assegurar a adequada execução dos
serviços municipais, o que não se confunde com permissão para realizarem atividades ostensivas ou
investigativas típicas das polícias militar e civil para combate da criminalidade urbana ordinária.
A fim de evitar eventuais compreensões equivocadas da diretriz acima, esclarece-se que não
basta que o crime seja praticado em um bem público municipal, como, por exemplo, uma rua
municipal, ou contra algum habitante do município. É preciso que, na hipótese dos bens e
instalações municipais, o crime do qual se suspeita atente contra a sua integridade física; no caso
dos serviços, por sua vez, é necessário que a conduta possa obstar a sua adequada execução.
É o caso, por exemplo, de alguém que seja visto tentando pular o muro para fora de uma escola
municipal em situação que indique ser provável haver furtado um bem pertencente à instituição e
ter consigo a res furtiva; ou, ainda, a hipótese de existir fundada suspeita de que um indivíduo esteja
vendendo drogas dentro da sala de aula de uma escola municipal, o que, por certo, deve ser coibido
pelos agentes incumbidos de resguardar a adequada execução do serviço público municipal de
educação no local. Nessas situações extraordinárias, os guardas municipais estarão autorizados a
revistar o suspeito para confirmar a existência do crime e efetuar a prisão em flagrante delito, se for
o caso.
No caso, os guardas municipais estavam em patrulhamento quando depararam com o recorrente
sentado na calçada, o qual, ao avistar a viatura, levantou-se e colocou uma sacola plástica na cintura.
Por desconfiar de tal conduta, decidiram abordá-lo e, depois de revista pessoal, encontraram no
referido recipiente certa quantidade de drogas que ensejou a prisão em flagrante delito.
Ainda que eventualmente se considerasse provável que a sacola ocultada pelo réu contivesse
objetos ilícitos, não estavam os guardas municipais autorizados, naquela situação, a avaliar a
presença da fundada suspeita e efetuar a busca pessoal no acusado. Caberia aos agentes municipais,
apenas, naquele contexto totalmente alheio às suas atribuições, acionar os órgãos policiais para que
realizassem a abordagem e revista do suspeito, o que, por não haver sido feito, macula a validade da
diligência por violação do art. 244 do CPP e, por conseguinte, das provas colhidas em decorrência
dela, nos termos do art. 157 do CPP, também contrariado na hipótese.
DESTAQUE
A constrição judicial que incide em imóvel bloqueado gerido por Fundo de Investimentos em
Participações (FIP) deve estar adstrita à cota-parte do acusado/cotista.
DESTAQUE
No caso, a vítima foi assaltada por três agentes em janeiro de 2018. Na delegacia não reconheceu
nenhuma das fotos que lhe foram apresentadas e afirmou categoricamente não ser capaz de realizar
retrato falado e que os três assaltantes aparentavam ser menores de idade. Já em abril do mesmo
ano, quase três meses após o fato, a vítima alega ter reconhecido um dos assaltantes em uma maca
em um hospital, momento em que se deslocou à delegacia para denunciar o fato, o que ensejou nova
apresentação de fotografias e, assim, o réu foi então efetivamente reconhecido em solo policial, bem
como pessoalmente em juízo.
Todavia, tal narrativa não se mostra suficiente para atribuir a autoria ao paciente. Isso porque a
vítima afirmou categoricamente não ser capaz de realizar retrato falado no dia dos fatos e alegou
aparentarem ser os assaltantes menores de idade, mas, três meses após o evento, afirmou com
convicção ter reconhecido o agente que, à época do delito, já contava com 27 anos de idade e o
reconhecimento foi reforçado pela apresentação das fotografias do suspeito na delegacia.
Todos esses elementos considerados em conjunto e somados ao fato de que nenhuma outra prova
independente e idônea - que não o depoimento da vítima - ter sido apresentada configuram a
nulidade do reconhecimento, porquanto realizado quase três meses após o fato, reforçada a
memória da vítima pela apresentação de fotografias do suspeito na delegacia, circunstâncias que
contaminariam a idoneidade do reconhecimento realizado em juízo.
Sobre o reconhecimento de pessoas, a Sexta Turma firmou recentemente entendimento no
sentido de que além do regramento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal ser de
observância obrigatória, não prescinde de corroboração por outros elementos indiciários
submetidos ao crivo do contraditório na fase judicial.
Com tal entendimento, objetiva-se a mitigação de erros judiciários gravíssimos que,
provavelmente, resultaram em diversas condenações lastreadas em acervo probatório frágil, como o
mero reconhecimento fotográfico de pessoas em procedimentos crivados de vícios legais e até
psicológicos - dado o enviesamento cognitivo causado pela apresentação irregular de fotografias
escolhidas pelas forças policiais -, que acabam por contaminar a memória das vítimas, circunstância
que reverbera até a fase judicial e torna inviável posterior convalidação em razão do viés de
confirmação.