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Narrativa Professores

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Realização:

Programa de Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica (PPGEEB)


Coordenadora do PPGEEB:
Elisandra Filetti-Moura
Vice-coordenador do PPGEEB:
Marcos Antonio Gonçalves Júnior
Editor-Chefe da Revista Polyphonía (https://www.revistas.
ufg.br/sv):
Evandson Paiva Ferreira
Apoio:
Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (CEPAE)
Universidade Federal de Goiás (UFG)
URL: https://www.pos.cepae.ufg.br/

Conselho Editorial da Editora da Imprensa Universitária (*iU)

Coordenação Editorial – Conselho Editorial


Alice Maria Araújo Ferreira (UnB)
David Maciel (UFG)
Divina Aparecida Anunciação Vilhalba
Fernando de Freitas Fernandes (UFG)
Joana Plaza Pinto (UFG)
João Pires (UFG)
Julyana Aleixo Fragoso (UFG)
Maria Lucia Kons (UFG)
Pamora Mariz Silva de F. Cordeiro (PUC-Goiás)
Renan Nunes Leles (UFG)
Salustiano Álvarez Gómez (PUC-Minas)
Tadeu Pereira Alencar Arrais (UFG)
Tathiana Rodrigues Salgado (UEG)

Universidade Federal de Goiás

Reitor
Edward Madureira Brasil

Vice-Reitora
Sandramara Matias Chaves
NARRATIVAS DE
PARA

PRODUTOS EDUCACIONAIS PARA


O ENSINO NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Programa de Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica - PPGEEB

Organização:
Marcos Antonio Gonçalves Júnior
Evandson Paiva Ferreira
Elisandra Filetti Moura

Editora Imprensa Universitária


2019
© Marcos Antonio Gonçalves Júnior, Evandson Paiva Ferreira, Elisandra Filetti Moura, 2019.
© Editora da Imprensa Universitária, 2019.

Capa e Editoração eletrônica: Julyana Aleixo

Coleção: Educação Básica em Pesquisa


Volume: 1

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


GPT/BC/UFG

N234 Narrativas de professores para professores : produtos educacionais para o


ensino na educação básica. [Ebook] / Organizadores Marcos Antonio
Gonçalves Júnior, Evandson Paiva Ferreira e Elisandra Filetti Moura –
Goiânia: Editora da Imprensa Universitária, 2019.
135 p. : il. (Educação básica em pesquisa ; 1)

Produção do Programa de Pós-Graduação em Ensino na Educação


Básica - PPGEEB
Inclui bibliografia.
ISBN (Ebook): 978-85-93380-66-2

1. Professores. 2. Educação básica – Estudo e ensino. 3. Pesquisa. I. Gonçalves


Júnior, Marcos Antonio. II. Ferreira, Evandson Paiva. III. Moura, Elisandra Filetti.

CDU: 37.013.31

Bibliotecária responsável: Amanda Cavalcante Perillo / CRB1: 2870


Sumário

Apresentação...............................................................................................7

África, um Novo Olhar


O Ensino de História da África na Educação Básica..............................13
Patrícia da Silva Soares
Danilo Rabelo

Um Novo Olhar Para o Seu Lugar


O Bairro como Lugar Do Ensino de Geografia no Ciclo II do Ensino
Fundamenta ...............................................................................................32
Mariângela Azevedo
Elson Rodrigues Olanda

A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares..................47


Maria Lucia Rodrigues
Elson Rodrigues Olanda

Formação do leitor literário .....................................................................62


Uma experiência para a formação humana e crítica do aluno de
Ensino Médio
Cleunice Terezinha da Silva Ribeiro
Célia Sebastiana Silva
O ensino de gêneros retóricos e sua prática...........................................74
Audiney José Pereira
Luzia Rodrigues Silva

Olhares Sobre A Literatura Infantil


uma análise literária e sequência didática..............................................93
Dayane Tosta Costa

Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas


Orientações para a valoração do ensino ................................................108
Maria Raimunda Carvalho Araújo de Cerqueira
Gene Maria Vieira Lyra-Silva

Dança Inclusiva e Deficiência Intelectual:


um estudo com educandos da rede municipal de ensino de Aparecida de
Goiânia.........................................................................................................126
Gisele Bizerra da Cunha
Newton Freire Murce Filho


Apresentação

Fruto de um trabalho feito a várias mãos, mãos de profissionais


que têm em comum o fato de trabalharem, seja como professores ou
pesquisadores - na maioria das vezes, os dois – pela Educação Básica,
apresentamos a todos o primeiro volume da coleção “Educação Básica
em Pesquisa”, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino
na Educação Básica (PPGEEB), do Centro de Ensino e Pesquisa Aplica-
da à Educação (CEPAE), da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Em tempos de tenebrosas e até falaciosas críticas contra a escola,
a universidade e a educação em geral e, sobretudo, contra os docen-
tes, o presente trabalho vem justamente mostrar que o professor da
Educação Básica é um profissional, acima de tudo, preocupado com a
aprendizagem dos seus estudantes. O que se verá aqui não é, de forma
alguma, um conjunto de doutrinadores arrebanhando pupilos para
disciplinar! Não! Mas, sim, profissionais que, apesar de muitos pesares
como a baixa valorização profissional e social, a violência escolar cada
vez mais presente e aterradora, o pouco apoio dos órgãos públicos à
qualificação dos seus profissionais, a dificuldade para ter direito a li-
cença qualificação, a falta de bolsas de estudo, a estrutura geralmente
precária das escolas, as longas distâncias a serem percorridas, cotidia-
namente, para poder estudar, enfim, apesar das intempéries, ingres-
saram em um curso de Mestrado Profissional e realizaram trabalhos
de pesquisa a partir dos quais criaram produtos educacionais impac-
tantes nas salas de aulas das escolas em que atuam, como também de
outras escolas, por meio da divulgação e compartilhamento de seus

7


trabalhos. São memoriais de leitura, atividades de análise crítica, sites,


planos de ensino, propostas didáticas, planilhas de custo, textos para
uso em sala de aula, propostas de aulas interdisciplinares, glossários,
entre outros produtos educacionais elaborados por esses professores
pesquisadores, no intuito de lidar com as dificuldades e a diversidade
da aprendizagem de seus alunos. Se, por ventura, essas propostas cau-
sam alguma balbúrdia no seio da universidade, certamente, trata-se de
um belo e estrondoso ruído nos alicerces tradicionais, conservadores e
excludentes de se fazer educação e de se pensar a escola!
O presente ebook, então, é uma coleção de narrativas de professo-
res para professores contando, além de vivências do fazer pesquisa, as
experiências pedagógicas que deram origem a seus produtos educacio-
nais para o ensino na Educação Básica. Assim, alguns dos acadêmicos
do PPGEEB, já com seus trabalhos de mestrado concluídos, juntamen-
te com seus orientadores, são os autores dos oito capítulos que se se-
guem, sobre os quais faremos uma breve apresentação.
Em África, um Novo Olhar: O Ensino de História da África na
Educação Básica, Patrícia da Silva Soares e Danilo Rabelo nos ofere-
cem uma profunda reflexão sobre os caminhos que o ensino da his-
tória e cultura africanas têm seguido na educação básica brasileira.
Partindo da questão “Quais são as imagens que o brasileiro possui
da África hoje, em pleno século XXI?” os autores demonstram que,
apesar da legislação, o ensino sobre a África ainda é marcado pelos
estereótipos e desinformação. Enfatiza-se ainda que a exclusão da
História Africana está intimamente ligada ao racismo, na tentativa
de eliminar simbolicamente o africano da história brasileira. A partir
de tais questões, os autores elaboram “uma proposta didática de His-
tória da África para alunos de Ensino Médio, que visa à desconstru-
ção das representações estereotipadas e negativas sobre o continente
africano e que se desenvolva para estimular o questionamento dos
processos históricos, de compreender as diferentes construções his-
toriográficas e as diversas visões existentes em relação a experiências
vividas pela sociedade africana.”
No capítulo seguinte, intitulado Um Novo Olhar Para o Seu Lu-
gar: O Bairro como Lugar do Ensino de Geografia no Ciclo II do
Ensino Fundamental, os pesquisadores Mariângela Azevedo e Elson

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Rodrigues Olanda pensam o ensino da Geografia, problematizando


a relação entre o conceito de lugar e a possibilidade real de se fazer
uma educação crítica e emancipatória na Educação Básica. Partindo do
materialismo histórico, os autores pensam as visões de mundo, o ser
humano e as concepções de Geografia presente em seu ensino. Neste
trabalho, foi feita uma profunda análise de como os conteúdos desta
disciplina abordam o conceito de lugar no Ciclo II do Ensino Funda-
mental e, ainda, o tipo de conhecimento que pode se originar a partir
das práticas pedagógicas que sustentam esse ensino. Como produto
educacional, apresentam “uma proposta didática de abordagem do
conceito de lugar, tendo como conteúdo o bairro, a que compartilha-
mos no presente texto.”
A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares
é o título do capítulo 3 da presente obra, de autoria de Maria Lucia
Rodrigues e Elson Rodrigues Olanda, fruto de um trabalho de pes-
quisa etnográfica/participante, cuja proposta é a inserção dos costu-
mes culturais dos ciganos ao currículo da escola campo, na qual se
desenvolveu a pesquisa, na cidade de Trindade-GO. Os pesquisadores
realizaram entrevistas com famílias de comunidades ciganas da cida-
de citada, bem como coletaram informações da escola campo, com o
intuito de vislumbrar possibilidades de interlocução curricular, pro-
curando privilegiar práticas pedagógicas com abordagem cultural plu-
ral, respeitando a diversidade e a igualdade de direitos, passando pe-
las áreas de História, Geografia, Português e outras. Os frutos desse
trabalho são instrumentos para implementação de conteúdos da cul-
tura cigana, tais como: texto sobre a origem dos ciganos, uma sequen-
cia didática, propostas de aulas interdisciplinares, anexos contendo
termos e expressões ciganas, o Hino, a bandeira e símbolos sagrados,
todos disponibilizados para consulta. Os autores concluem que, quan-
do ciganos e os gadjos (homem não cigano) forem reconhecidos como
cidadãos pertencentes a esta sociedade que escolheram, respeitados
em suas particularidades, então ambos se sentirão realmente parte da
sociedade em que vivemos.
No capítulo 4, intitulado Formação do Leitor Literário: Uma
Experiência para a Formação Humana e Crítica do Aluno de
Ensino Médio, as autoras Cleunice Terezinha da Silva Ribeiro e Célia

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Sebastiana Silva apresentam contribuições da leitura de poesia para


a formação humana dos alunos do Ensino Médio, com base em um
relato sobre uma escola estadual, no município de Goiânia, na qual
foi desenvolvida a pesquisa. Ao realizarem a pesquisa, que envolveu
um trabalho de intervenção em sala de aula com aplicação de questio-
nários, produção de memoriais de leitura, com atividades de análise
crítica de poemas, dentre outras atividades, as pesquisadoras criaram
um site com o intuito de disponibilizar um material pedagógico a ser
consultado por professores, alunos e pesquisadores. Em sala de aula,
com a poesia de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, José
Paulo Paes e Paulo Leminski Filho, as professoras pesquisadoras traça-
ram um itinerário de leitura que possibilitou ativar as sensibilidades
dos estudantes e contribuir assim para sua formação humana. Poesias,
relatos de alunos, vídeos, imagens, áudios, a sequencia didática desen-
volvida, links, entre outros materiais utilizados, frutos desse trabalho,
compõem o interessante site, produto dessa dissertação que, apesar de
ter uma estrutura simples e de fácil acesso, contém rico material, pro-
fundo em seu alcance educacional, disponível para toda a comunidade
envolvida com Educação Básica.
O capítulo seguinte, de Audiney Pereira e Luzia Rodrigues Silva,
intitulado O Ensino de Gêneros Retóricos e sua Prática, propôs-se
a investigar que fatores contribuem para a ampliação das competências
discursivas dos alunos de Ensino Médio. Os procedimentos de inter-
venção em sala de aula, mediante o uso de sequências didáticas, além
do site que compõe a pesquisa, foram fundamentais para a caracteri-
zação do produto educacional oriundo do trabalho de Audiney Pereira.
A intervenção pedagógica, característica dos Mestrados Profissionais,
tinha por objetivo atuar pedagogicamente na ampliação da competên-
cia discursiva dos falantes. Dessa intervenção, nasce o produto educa-
cional da pesquisa, que se constitui em um site contendo as sequências
didáticas descritas em intervenções ou módulos, disponíveis de forma
gratuita. Dessa maneira, a pesquisa empreendida por Audiney Pereira
estabelece uma clareza fundamental acerca do “saber dizer” dos alunos
do Ensino Médio, ilustrando sua competência discursiva e o modo de
agenciamento das diversas posições discursivo-ideológicas presentes
nos gêneros retóricos diversos trabalhados em sala de aula.

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Já o capítulo 6, Olhares sobre a Literatura Infantil: Uma Aná-


lise Literária e Sequência Didática, de Dayane Costa, incide sobre
a importância do riso e do humor, presente na literatura infantil, em
relação ao contato com a leitura literária, às possibilidades lúdicas, de
fantasia e construção do perfil crítico dos leitores infantis. A pesqui-
sa se deu numa escola municipal de Goiânia e envolveu turmas do 5º
ano do Ensino Fundamental, nas quais se propôs identificar como o
olhar perspicaz das crianças podem ser afetados por obras literárias
que abarquem o humor e o riso como efeitos de sentido das obras e
indicadores do desenvolvimento do senso crítico desses alunos. O pro-
duto educacional da pesquisadora corresponde a um projeto de leitura
literária, com o objetivo de iluminar outras práticas no âmbito da Edu-
cação Básica. Além das sequências didáticas criadas pela professora
pesquisadora, há também análises de obras literárias, como do livro
Mudanças no galinheiro mudam as coisas por inteiro, de Sylvia Orthof,
dentre outros, disponíveis gratuitamente em um site.
Diante da sociedade de consumo, o que a escola pode fazer no
sentido de preparar o aluno para não se deixar seduzir pelo consumis-
mo e sua promessa de felicidade? No capítulo 7, Planilha de Custos
para Atividades Pedagógicas: Orientações para a Valoração do
Ensino, as pesquisadoras Maria Raimunda Carvalho Araújo de Cer-
queira e Gene Maria Vieira Lyra-Silva, nos apresentam um produto
educacional voltado para aqueles que trabalham na escola, compreen-
do em uma planilha de custos visando “uma discussão sobre educação
financeira na perspectiva de uma administração voltada para a valo-
ração das atividades pedagógicas”. Não se tratando apenas de pensar
questões da gestão escolar, a planilha apresentada pelas autoras vai
ao encontro de todos os agentes da vida escolar (professores, servido-
res, educandos), com o intuito de promover uma educação financeira
crítica, mostrando o sentido do gastos, fazendo “a escola a vivenciar a
discussão, não na lógica do lucro, e sim, da identificação das despesas
fixas e variáveis para a priorização das atividades pedagógicas a serem
realizadas na escola.”
A importância da dança na vida de alunos com deficiência intelec-
tual é o tema da pesquisa de Gisele Bizerra da Cunha e Newton Freire
Murce Filho, relatada no capítulo 8, Dança Inclusiva e Deficiência

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Intelectual: Um Estudo com Educandos da Rede Municipal de


Ensino de Aparecida de Goiânia. Buscando encontrar as contribui-
ções da dança para esses alunos, a pesquisa produziu uma proposta
de ensino, em duas escolas municipais de ensino integral, envolvendo
uma atividade prática com dança inclusiva. A proposta permitiu aos
autores identificar estratégias metodológicas importantes, tais como
abordagens baseadas nas inteligências múltiplas, a valorização e o res-
peito às diferenças individuais de cada aluno, a busca por superação
das limitações, o estimulo a diferentes tipos de interação, entre outros.
Com a pesquisa e o desenvolvimento do produto educacional, os pes-
quisadores concluem que a experiência pela qual passaram os alunos
os levaram a ter melhorias motoras, afetivas e também em aspectos
sociais, melhorando o conhecimento sobre si mesmos e do meio.
Desejamos a todos uma ótima leitura e esperamos que as vivên-
cias aqui narradas sejam experienciadas pelos leitores e, sobretudo,
usadas como inspiração para suas práticas pedagógicas e de pesquisa.
Com isso, de certa forma, poderemos compartilhar a responsabilidade
pela aprendizagem de nossos alunos e pela qualidade da educação rea-
lizada em nosso país, de professor para professor.

Goiânia-GO, fevereiro de 2019.


Marquinhos, Evandson e Elisandra.

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África, um Novo Olhar
O Ensino de História da África na
Educação Básica

Patrícia da Silva Soares


patriciassoares1@gmail.com

Danilo Rabelo
rabelodanilo62@yahoo.com.br
África, um Novo Olhar

1. Introdução

Como professora da educação básica da rede estadual e estudiosa


da História da África e dos afrodescendentes, tenho procurado manter
um estreito vínculo entre minhas pesquisas de natureza historiográfi-
ca e aquelas relacionadas ao ensino de História.
Dentre as características mais marcantes da atualidade podem-se
citar a globalização, a informação imediata em tempo real e a possibi-
lidade de conectar-se com qualquer parte do mundo a qualquer tem-
po. A reflexão mais cuidadosa, entretanto, introduz inúmeras dúvidas
quanto à abrangência desse mundo de informação e conhecimento.
Quando voltamos nosso olhar para o continente africano a dúvida se
torna mais explícita.
Quais são as imagens que o brasileiro possui da África hoje, em
pleno século XXI? Esse continente continua praticamente desconhe-
cido, submetidos aos mesmos e velhos preconceitos. Ele é visto como
uma África formada somente por selva, com populações isoladas, fa-
mintas, aculturadas, vivendo em choupanas. Uma visão de uma supos-
ta inferioridade do africano trazido ao Brasil na colonização e de seus
descendentes.
Mônica Lima fala como a participação africana na nossa formação
foi tratada por nossos historiadores:

O fato é que nossos antigos historiadores trataram indevidamente,


ou ignoraram a participação africana em nossa formação, influen-
ciados por preconceitos originários da sociedade escravista, entre
os quais os ideais de branqueamento da população brasileira nutri-
dos, desde meados do século XIX, por boa parte das elites nacionais
(LIMA, 2004, p.1).

Nesses estudos conservou-se, entretanto, um grande vazio no que


se refere ao conhecimento sobre a África. Segundo Tedesco (2006), as
referências ao continente ou a algumas de suas regiões eram predomi-
nantemente relacionadas ao tráfico de negros trazidos ao Brasil para
trabalhar como escravos. Negro e africano constituíam-se, desta ma-
neira, sinônimos de povos cuja identidade era circunscrita ao fato de

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África, um Novo Olhar

terem sido escravizados. Da mesma maneira, e talvez por isso mesmo,


a ideia que possuímos de África hoje é, também, uma totalidade. Não
conseguimos imaginá-la como um continente onde habitam povos di-
ferentes com culturas diversas e marcado por uma grande diversidade
ecológica. A imagem predominante que temos dela é que de lá vieram
os negros/escravos para trabalhar na plantation da América.
O principal problema encontrado no processo de ensino e apren-
dizado da História Africana não é relativo à história e à sua comple-
xidade, mas é com relação aos preconceitos adquiridos num processo
de informação equivocada sobre a África. Estas informações dotadas
de preconceito produziram um imaginário igualmente pobre, extre-
mamente alienante e fortemente restritivo. Seu efeito é tão forte que
as pessoas, quando colocadas em frente a uma nova informação sobre
a África, têm dificuldade na articulação de um novo raciocínio sobre a
história deste continente, sobretudo de imaginar diferente do raciocí-
nio habitual. A imagem do africano na nossa sociedade é a do selvagem
acorrentado à miséria. Essa imagem foi construída pela insistência e
persistência das representações sobre a África como a terra dos maca-
cos, dos leões, dos homens nus e dos escravos.
É inequívoco que a construção de uma identidade passa pelo co-
nhecimento da própria História, para fazê-la presente como referên-
cia cultural. Partindo dessa premissa, o argumento principal para o
ensino da História Africana está no fato da impossibilidade de uma
boa compreensão da história brasileira sem o conhecimento das histó-
rias dos atores africanos, indígenas e europeus. Sem estes elementos,
constrói-se uma história parcial, distorcida e promotora de racismo.
A exclusão da História Africana é uma dentre as várias demons-
trações do racismo brasileiro, pois produz a eliminação simbólica do
africano da história brasileira. Desse modo, nos parece fundamental
desvincular a história das sociedades africanas dessa “história euro-
cêntrica” e limitar nossa compreensão do continente africano apenas
ao contexto do mercantilismo e do tráfico negreiro ou, séculos depois,
da colonização efetiva daqueles territórios.
Considerando as questões levantadas, é que construímos uma
proposta didática de História da África para alunos de Ensino Médio,

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África, um Novo Olhar

que visa à desconstrução das representações estereotipadas e negati-


vas sobre o continente africano e que se desenvolva para estimular o
questionamento dos processos históricos, de compreender as diferen-
tes construções historiográficas e as diversas visões existentes em re-
lação a experiências vividas pela sociedade africana.
Este trabalho propõe a transposição dos novos estudos historiográ-
ficos sobre a África para situações de ensino, por meio da construção
de material didático que ajude no preenchimento de lacunas deixados
em nossos currículos e livros didáticos marcados pelo eurocentrismo
e pelo preconceito, que cumpra com as recomendações da Lei Fede-
ral 10.639/03 e com a sugestão de trabalho com a pluralidade cultural
feita pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e nas Diretrizes Curricula-
res Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-Brasilira e Africana. A proposta foi elaborada
para ser aplicada tanto em cursos à distância (Educação à Distância -
EAD), como em cursos presenciais.

2. Sobre Metodologias, Técnicas e Escolha dos Sujeitos

A pesquisa foi dividida em dois momentos. Primeiro, a formula-


ção do Material Didático de História da África (Objeto Educacional),
intitulado História da África: além dos limites da imaginação, e, segun-
do, a aplicação e teste desse objeto educacional com alunos do Ensino
Médio do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Uni-
versidade Federal de Goiás (CEPAE/UFG), por meio dos estagiários da
Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás UFG em um
curso semipresencial, com aulas presenciais e em um AVA (Ambiente
Virtual de Aprendizagem).

2.1 - O Objeto Educacional e Sua Construção


Ao iniciar a pesquisa para a formulação do Material Didático de
História da África foram feitas três perguntas: Por que trabalhar? O
que trabalhar? Como trabalhar?

16
África, um Novo Olhar

Para responder a pergunta sobre o porquê trabalhar História da


África, analisei a Lei 10639 que foi sancionada em 2003 e tornou obri-
gatório o Ensino de História da África e cultura afro-brasileira e afri-
cana na Educação Básica. Esta Lei altera a Lei de Diretrizes e Bases da
educação Nacional 9394/1996, acrescentando os artigos 26-A, 79-A
e 79-B, e estabelece que em todo o currículo escolar devem ser mi-
nistrados conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira,
incluindo o estudo da “História da África e dos Africanos, a luta dos
negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas
social, econômica e política pertinentes à História do Brasil” (BRASIL,
2003).  De acordo com a Lei 10639/2003, esses conteúdos devem ser
trabalhados em todas as disciplinas, item fundamental para a compreen-
são por parte do aluno da participação dos africanos na formação do
brasileiro em todos os âmbitos social, cultural, político e econômico.
Para Santos (2005) historicamente, o sistema de ensino brasileiro
não é só eurocentrista como também desqualifica o continente afri-
cano e inferioriza racialmente os negros, produz e reproduz a discri-
minação racial contra os africanos e seus descendentes. Além disso,
uma vez que o negro brasileiro faz parte de um grupo da população
estigmatizada, não basta desenvolver um trabalho centrado nas ques-
tões étnico-raciais, mas é preciso rever o olhar dirigido para o próprio
continente africano mantido, até o advento da Lei 10.639/03, em um
“silêncio” que exterioriza a continuidade do preconceito. A História
da África nos currículos de história no Ensino Fundamental e Médio
adquire, assim, o papel de fundamentação e estabelecimento de senti-
do para as experiências vivenciadas pelas comunidades negras e afro-
-brasileiras. Do mesmo modo ela é essencial na discussão das questões
relacionadas à construção de preconceitos e estereótipos em relação
a essa população e na própria desconstrução de certas imagens e do
próprio estigma. Hoje, quando a Lei Federal 10.639/03 determina a
obrigatoriedade do ensino da História da África e da Cultura Afro-bra-
sileira nos parece adequado à efetivação deste projeto.
Quanto à pergunta sobre qual conteúdo de História da África de-
veria-se propor para trabalhar com alunos da Educação Básica, foram
analisadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Re-

17
África, um Novo Olhar

lações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasilira e


Africana e o atual Currículo Referência da Rede Estadual de Educação de
Goiás, tentando entender: O que propõem em relação a Conteúdos e
Expectativas de Aprendizagem para História da África? Qual conteúdo
poderia selecionar para atender aos alunos e professores da Rede Esta-
dual de Educação de Goiás?
A Lei 10639/03 foi um avanço no processo de democratização do
ensino e na luta antirracismo, no entanto, é bem genérica em seu con-
teúdo, não estabelece metas para sua implementação, não faz referên-
cia à necessidade de qualificação dos professores da Educação Básica
para ministrarem os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-
-Brasileira e das universidades reformularem seus programas para for-
mação de professores (SANTOS, 2005, p. 33). As maiores dificuldades
encontradas para sua implementação são, particularmente, relativas
ao ensino de História da África, para que ela possa se concretizar e se
desdobrar de forma positiva em prática escolar. Por isso, foi aprovado
em 10 de março de 2004, pelo Conselho Nacional de Educação o pa-
recer nº CNE/CP 003/2004 que foi transformado em resolução CNE/
CP 001/2004 em 22 de junho de 2004 e em 2009 o Plano Nacional
de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
das Relações Etnicorraciais e Ensino de História e Cultura Afro-Brasilei-
ra e Africana. O objetivo desses documentos é o de instituir Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para
o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana que regulamen-
tam as alterações trazidas à Lei 9394/1996 pela Lei 10639/2003.
As Diretrizes apontam possíveis temas e objetos a serem trata-
dos nas salas de aula sobre História da África. Porém, segundo Oliva
(2009), a proposta concentra suas atenções nas questões relacionadas
aos estudos da história e da cultura afro-brasileiras. No caso específico
de História da África, o documento enfatiza a questão de que o traba-
lho dos professores deve visar quebrar a tendência de ler as sociedades
africanas apenas pelas faces negativas do continente ou pelo grande
conjunto de estereótipos que recaem sobre elas. Os autores apontam
uma série de conteúdos como a tradição oral africana; religiosidade;
reinos antigos como Núbios e Egípcios; Sociedades pré-coloniais como
Mali, Congo, Zimbábue; a escravidão na perspectiva do dominado; o

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África, um Novo Olhar

período colonial na perspectiva do colonizado; período de indepen-


dência e resistência; além de temáticas como as tecnologias, arte, luta
social de autoria africana.
O documento ressalta a necessidade de mudança de mentalidade,
de maneiras de pensar e de agir, não só dos indivíduos, mas também
das instituições de ensino para a implementação da História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana. No entanto ressalta que não se trata de mu-
dar o foco do eurocentrismo para o afrocentrismo, mas sim de ampliar
o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social
e econômica brasileira.
No Estado de Goiás, desde 2012, existe um Currículo Referência a
ser seguido pelos professores da Rede Estadual de Educação. Segundo
o seu próprio texto, ele encontra-se em consonância com legislações
vigentes, Diretrizes e Parâmetros Curriculares Nacionais, mas também
nas matrizes de referências dos exames nacionais e estaduais (GOIÁS,
2012, p. 8). Em uma análise sobre os conteúdos determinados pela Lei
10639/2003 no referido Currículo na disciplina de História, percebe-
mos uma tentativa de implementação das Diretrizes, mas no Ensino
Fundamental ainda sob a perspectiva em que a África aparece ainda
dentro da História do Dominador. No Ensino Médio, já temos con-
teúdos específicos sobre o continente africano e seus povos, como por
exemplo, no 2º ano do Ensino Médio o conteúdo “África”. Contudo,
não há uma descrição de objetos e temas que devem ser tratados em
sala de aula. Se pensarmos na vastidão de povos e culturas que se de-
senvolveram no continente africano ao longo da História, o conteúdo
“África” é generalizante e muito vasto, caberá ao professor recortar e
decidir o conteúdo que trabalhará ficando na maior parte das vezes
com o que é apresentado pelo livro didático.
Após essas análises e pautado na minha experiência como profes-
sora da Educação Básica do Estado de Goiás e nas minhas pesquisas
sobre formulação de material didático de História da África fiz a es-
colha em trabalhar com o Ensino Médio e com a temática da descons-
trução das representações estereotipadas sobre a África e o africano.
A escolha pelo Ensino Médio foi pela dificuldade que tenho em encon-
trar material didático para essa fase da Educação Básica. Para o Ensino
Fundamental, mesmo com todas as críticas em relação a conteúdo, os

19
África, um Novo Olhar

livros didáticos de História contemplam pelo menos um capítulo para


História da África, algo que não vemos em todos os livros do Ensino
Médio. E a proposta curricular para Ensino Médio no Estado de Goiás
está mais bem estruturada e em consonância com as Diretrizes.
Quanto à temática sobre as Representações do Continente Afri-
cano que visa à desconstrução das imagens construídas em nossa cul-
tura, de uma África indistinta, um bloco de fome, escravidão, pobreza,
doença e sequidão, foram selecionados visando à reconstrução da ima-
gem do próprio afrodescendente brasileiro, pois ligamos a imagem do
africano, dominado, escravizado, selvagem à própria imagem do ne-
gro. O conteúdo visa estabelecer um sentido positivo para a formação
da identidade do aluno negro e a formação de cidadãos atuantes e de-
mocráticos, capazes de compreender as relações sociais e étnico-raciais
de que participam, ajudam a manter e ou reelaborar.
Juntamente com esses questionamentos não poderíamos deixar
de perguntar que método didático se deveria desenvolver para estimu-
lar um olhar mais relativizado em relação às sociedades africanas ou
qualquer sociedade culturalmente diversa da nossa. Como trabalhar
a temática sobre Representações do Continente Africano, visando à
desconstrução de estigmas e estereótipos?
Segundo Vygotsky (1998) são as apropriações que o sujeito faz
da cultura na qual está inserido que vão lhe propiciando condições de
aprendizagem e de desenvolvimento. Para esse pesquisador o proces-
so de desenvolvimento não seria anterior à aprendizagem. A criança
se desenvolveria na medida em que, sob a orientação de pessoa mais
experiente, se apropriasse da cultura elaborada pela humanidade. Esse
novo entendimento mudou a abordagem dada às questões relaciona-
das à aprendizagem, pois aumenta a importância da dimensão intera-
tiva. Anteriormente, o foco da aprendizagem era basicamente o indiví-
duo, e a partir dessa nova concepção, passa a centralizar nas questões
interacionais.
Porém, nem toda interação resulta em aprendizagem. Para que
uma interação social possibilite a construção de determinado saber
que tenha valor educativo, é necessário que ela tenha potencialidade
para provocar uma ação produtiva, que forneça, além da dimensão afe-

20
África, um Novo Olhar

tiva, desafio e apoio para a atividade cognitiva. O processo de aprendi-


zagem é social, ao assumirmos essa posição, o foco da nossa atenção
desloca-se para as interações e as metodologias de ensino tornam-se
fundamentais.
A palavra Método vem do latim, methodu, méthodos, que significa
caminho para chegar a um fim; conjunto de procedimentos técni-
cos e científicos; ordem pedagógica na educação; sistema educativo
ou conjunto de processos didáticos. Assim, ao abordar métodos de
ensino e de aprendizagem, trata-se de um caminho para se chegar
ao objetivo proposto. No caso específico da educação escolarizada,
o fim último seria a aprendizagem do aluno de maneira eficaz (LA-
CANALLO et al., s/d, p. 2).

Diante disso, os métodos deveriam propiciar ao aluno aprender de


maneira eficiente os conteúdos culturais sistematizados pela humani-
dade, bem como a aprendizagem de valores, comportamentos e ações
úteis à sociedade em cada momento histórico. Os métodos devem
criar condições para que os alunos se tornem cidadãos que pensem e
atuem por si mesmos; que eles sejam pessoas livres de manipulações
e que consigam ter a capacidade de pensar e examinar criticamente as
ideias que lhes são expostas e a realidade social que compartilham. Na
concepção do filósofo John Dewey, o objetivo da educação é proporcio-
nar condições para que os indivíduos continuem sua própria educação.
Além disso, Dewey considera o conhecimento como fruto do ato
de pensar com base na experiência e afirma que o único caminho dire-
to para o aperfeiçoamento duradouro dos métodos de ensinar e apren-
der consiste em centralizá-los nas condições que estimulam, promo-
vem e põem à prova a reflexão e o pensamento. Pensar é o método
de se aprender inteligentemente, de aprender aquilo que se utiliza e
recompensa o espírito (Dewey, 2007). Para compreender o sentido da
experiência, o espírito deve rememorar as situações concretas que se
apresentam fora da escola, às ações que na vida comum despertam in-
teresse. São outras etapas do método de educar:
• uma situação problema dentro de um contexto de experiência
que servirá de estímulo;
• a posse de conhecimentos informativos para agir dentro da si-
tuação;

21
África, um Novo Olhar

• a ocorrência de sugestões, que o aluno mesmo deverá desenvol-


ver de forma ordenada;
• a oportunidade de aplicar as ideias surgidas, comprovando seu
valor e descobrindo o seu significado.
Para Dewey, o essencial é a interação entre o aluno, o assunto e
o modo pelo qual o conhecimento lhe é apresentado. Desse modo, o
aluno será posto em uma situação ativa, entendido como o construtor
de sua própria aprendizagem, competindo ao professor o papel de de-
safiador e não apenas o de fornecedor de respostas prontas. Portanto,
a função principal do professor é de mediador da aprendizagem dos
alunos. Partindo dessas argumentações, foi formulado um método de
ensino para o trabalho de História da África com alunos do Ensino Mé-
dio. A partir deste método, foi construído o material didático História
da África: além dos limites da Imaginação, que propõe aos alunos algu-
mas problemáticas sobre História, diversidade, África etc.
O método proposto também pode ser trabalhado para a cons-
trução de material didático sobre outros povos estigmatizados e es-
tereotipados aos olhos da nossa cultura como indígenas, ciganos,
muçulmanos etc. O objetivo principal é a desconstrução da repre-
sentação estereotipada e negativa sobre o continente africano e seus
povos ao longo da nossa história. Para tanto essas diretrizes contam
com cinco etapas:
1. Problematização do real. Partir da problematização da nossa
realidade com algumas questões motivadoras para o estudo da
temática. No nosso caso, duas problemáticas são apresentadas
ao aluno: Por que estudar História da África no Brasil? Por que
foi necessária uma lei (Lei 10639/03) para fazer conteúdo tão
importante para a compreensão da História Nacional?
2. Sondagem do conhecimento do aluno sobre a temática a
ser trabalhada. É apresentado ao aluno um questionário para
que docentes e discentes visualizem as representações da socie-
dade trabalhada em nossa cultura.
3. Trabalho com outras representações da sociedade ana-
lisada. Neste caso, é apresentado ao aluno imagens de várias
regiões da África atual em uma hashtag do Twitter onde africa-

22
África, um Novo Olhar

nos de vários países postam imagens das suas cidades, da sua


vida cotidiana, da diversidade das várias regiões do continente.
Também é trabalhado trechos de livros literários produzidos
por africanos de diferentes regiões, nos quais o aluno pode ter
uma visão do continente por outros olhos.
4. Interpretação de Textos e Fontes Históricas. Neste item
trabalha-se com encontros culturais de alguns povos africanos
do século X a XV e a produção de novas culturas, híbridas por
causa das trocas promovidas pela análise de textos historiográ-
ficos e fontes históricas. Tem como objetivo entender a dinâmi-
ca do continente anterior ao século XV, que diferente da repre-
sentação de isolamento que temos hoje, estava todo interligado
por rotas de comércio e os diversos povos encontravam-se, tro-
cavam mercadorias e cultura.
5. Avaliação Final. Atividade que volta ao questionamento ini-
cial, sobre a sociedade trabalhada e apresentação do conheci-
mento construído pelo aluno em relação ao povo estudado. O
que permanece e o que mudou com as análises feitas nas aulas
anteriores.
O material didático – História da África: além dos limites da imagi-
nação – será disponibilizado integralmente no Repositório Institucio-
nal da UFG (https://repositorio.bc.ufg.br/) e no site do Programa de
Pós Graduação Ensino na Educação Básica, CEPAE-UFG (https://pos.
cepae.ufg.br/p/6565-dissertacoes) e tem a seguinte estrutura:

23
África, um Novo Olhar

MÓDULO 1- REPRESENTAÇÕES DA ÁFRICA

Capítulo 1- A Lei nº 10639/03

Texto: A Importância da História da África no Brasil


Atividade - A Lei 10639/2003 e a Sala de Aula

Capítulo 2- Imagens da África

Questionário: Imagens da África


Atividade – Representações do Continente Africano
Texto: Olhares para a África: os Limites da Imaginação
Texto- Diversidade e Pluralidade na África
Atividade- Viagem pela África
Atividade “Olhares para África: os Limites da Imaginação”

Capítulo 3- Literatura Africana

Texto - Literatura africana: descolonização da história e outras


histórias da África
Atividade sobre Literatura Africana
Atividade de Fechamento do Módulo
_________________
MÓDULO 2 – SOCIEDADES AFRICANAS

Capítulo 1- Fontes para o Estudo da História da África

Texto - Fontes para o Estudo da História da África


Atividade - Fontes para o Estudo da História da África
Texto- Tradição Oral Africana
Atividade – Tradição Oral Africana

Capítulo 2 - Sociedades Africanas Intercâmbios Culturais

Texto - Ritmos Históricos Africanos até Século XV


Atividade de Pesquisa Sociedades Africanas

24
África, um Novo Olhar

Texto - A Costa Ocidental Africana: Estados do Sudão Ocidental:


Gana, Mali E Songai
Atividade - Análise de Documento Histórico
Atividade - Sociedades Africanas
Atividade Final
É importante ressaltar que não entendemos o material didático
como uma cartilha que deve ser seguida passo a passo, mas um objeto
de aprendizagem aberto e dinâmico, em que o professor busca apoio
na elaboração de suas aulas. O material formulado segue uma dinâmi-
ca, com começo, meio e fim, porém o professor pode selecionar apenas
os textos e atividades que serão úteis na elaboração de seus planos de
aula e para seus alunos.

2.2- Caracterização da Pesquisa e dos Informantes


Após a elaboração do material didático (objeto educacional) - His-
tória da África, Além dos Limites da Imaginação – planejou-se seu teste e
aplicação com alunos do Ensino Médio do CEPAE/UFG, por estagiários
da Faculdade de História da UFG no Centro de Ensino e Pesquisa Apli-
cada à Educação/UFG em uma disciplina eletiva no primeiro bimes-
tre de 2016, Educação para Relações Étnico-Raciais em EAD, logo após
a pesquisa ser aprovada pelo Comitê de Ética da UFG. Os estagiários
aplicaram o material em aulas semipresenciais com atividades avalia-
tivas em formato EAD na plataforma Moodle gerenciada pelo Centro
Integrado de Aprendizagem em Rede (CIAR-UFG).
Neste estudo foi avaliado como o material didático produzido fun-
ciona em salas de aula virtual, semipresencial e presencial e desenvol-
vemos estratégias de trabalho em História da África para alunos do
Ensino Médio. Para isso, acompanhei as aulas propostas juntamente
com a professora da disciplina eletiva e professora de estágio Cristi-
na de Cássia Pereira Moraes, ajudei na montagem dos planos de aula,
analisei o material produzido pelos estagiários a partir do material di-
dático proposto e, ao final, apliquei um questionário aos estagiários
em que eles analisaram a disciplina em que trabalharam e o próprio
material didático. O questionário não tem identificação do voluntário,
foi estruturado com questões fechadas e abertas com campos especí-

25
África, um Novo Olhar

ficos, para que o estagiário acrescente justificativas as suas respostas


enriquecendo nossa pesquisa. Esse questionário foi direcionado ape-
nas aos estagiários da Faculdade de História UFG que demonstraram
interesse em participar de forma voluntária.
Durante os meses de maio, junho e julho de 2016, todas as terças-
-feiras, foram feitas discussões sobre a construção dos planos de aula
com os estagiários, no período matutino na Faculdade de História da
UFG, e aulas dos estagiários com os alunos do CEPAE/UFG, no pe-
ríodo vespertino no Laboratório de Informática do CEPAE/UFG, para
aplicação do material didático (objeto educacional) - História da África,
Além dos Limites da Imaginação. No total foram onze dias de aulas no
CEPAE/UFG, entre 3 de maio e 15 de julho de 2016, cada dia com duas
aulas de uma hora, no total foram 22 aulas, assim distribuídas: dez
aulas para aplicar os textos e atividades do Módulo I - Representações
de África -; dez aulas para aplicar os textos e atividades do Módulo II -
Sociedades Africanas -; e duas aulas para a avaliação final. Em agosto de
2016 foi aplicado o questionário de avaliação do material didático aos
estagiários. Foram nove questões específicas sobre o material didáti-
co em que o estagiário poderia responder dentro de três alternativas:
concordo; discordo; indeciso e justificar suas respostas. Sete estagiá-
rios que acompanharam as aulas e as reuniões de discussão do mate-
rial didático responderam ao questionário.
Ao analisar os questionários, percebemos que algumas adequações
do material didático, História da África: além dos limites da imaginação,
foram necessárias. Contudo, ele cumpriu com a proposta de servir para
implementar a Lei 10639/03 e de trabalhar com as representações so-
bre o continente africano e sua diversidade. Em suma, os textos e as
atividades contribuíram para que os alunos pensassem historicamente
e criticamente a História de algumas sociedades africanas e discutis-
sem alguns aspectos da nossa cultura como o racismo e o estereótipo
construído sobre africanos e afrodescendentes.
A experiência de trabalhar com estagiários resultou em uma tro-
ca de experiências muito produtiva. Por causa da falta de experiência
deles em sala de aula, como pesquisadora participante pude lhes ofere-
cer suporte para pensarem e construir seus planos de aula, bem como
pensar os objetivos e as estratégias didáticas. Também foi oferecido a

26
África, um Novo Olhar

eles material historiográfico como apoio para o estudo de conteúdos


sobre História da África. Em contrapartida, os estagiários trouxeram
um novo fôlego à pesquisa com novas ideias, métodos e teorias, como
por exemplo, o trabalho com tempo presente, a construção de concei-
tos e análise de textos literários e documentários.

3. Considerações Finais

Hoje, a Lei Federal nº 10.639/03 determina a obrigatoriedade do


ensino da História da África e da cultura afro-brasileira. Mas que con-
teúdos de História da África propor para trabalhar com alunos da Edu-
cação Básica?
A representação que o brasileiro sobre o continente africano e seus
povos não sofreu grandes transformações desde o início do século XX.
Ele ainda é visto como uma região selvagem, isolada, distende, de onde
vieram os “escravos” no período colonial. Para tanto, elaborou-se nesta
pesquisa um objeto ou produto educacional que contribua para aten-
der as exigências da Lei 10639/03 e desconstruir as representações
estereotipadas sobre a África. A metodologia utilizada na construção
da pesquisa foi dividida em duas partes: primeiro a construção do ma-
terial didático sobre História da África para Ensino Médio (Objeto
Educacional), e a segunda a aplicação desse material por estagiários da
Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás, com alunos
do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada a Educação UFG.
A Lei 10639 que foi sancionada em 2003, e torna obrigatório o
Ensino de História da África e cultura afro-brasileira e africana na Edu-
cação Básica foi analisada para responder à pergunta sobre por que
trabalhar História da África. E chegou-se à conclusão de que, histori-
camente, o sistema de ensino brasileiro não é só eurocêntrico como
também desqualifica o continente africano e inferiorizava racialmente
os negros, produzindo e reproduzindo a discriminação racial contra
os africanos e seus descendentes. A inserção da História da África no
currículo de História no Ensino Fundamental e Médio é um elemento
essencial de fundamentação e de estabelecimento do sentido para as
experiências vivenciadas pelas comunidades afro-brasileiras, além de

27
África, um Novo Olhar

proporcionar importante contribuição na discussão das questões de


natureza étnico-raciais como racismo, discriminação racial.
Após as análises do Currículo Referência e das Diretrizes Curricula-
res Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e Ensino de Histó-
ria e Cultura Afro-Brasileira e Africana e nas pesquisas sobre formulação
de material didático de História da África foram delimitados o nível de
ensino e a temática a ser trabalhada, isto é, o Ensino Médio e a temáti-
ca da desconstrução das representações estereotipadas sobre a África e
o africano. A temática sobre as representações do continente africano
foi selecionada, visando à desconstrução das imagens construídas em
nossa cultura, de uma África indistinta, um bloco de fome, escravi-
dão, pobreza, doença e sequidão, almejando à reconstrução da imagem
do próprio afrodescendente brasileiro, pois ligamos a imagem do afri-
cano, dominado, escravizado, selvagem à própria imagem do negro.
O conteúdo visa estabelecer um sentido positivo para a formação da
identidade do aluno negro e a formação de cidadãos atuantes e demo-
cráticos, capazes de compreender as relações sociais e étnico-raciais de
que participam, ajudam a manter e ou reelaborar.
Outra vantagem dessa metodologia de ensino de História da Áfri-
ca reside no fato de que ela também pode ser trabalhada com outros
povos estigmatizados e estereotipados aos olhos da nossa cultura como
indígenas, ciganos, muçulmanos etc. Portanto, o objetivo principal é a
desconstrução das imagens sobre o continente africano e seus povos
ao longo da nossa história.
A aplicação e teste do material didático (objeto ou produto educa-
cional) foi com alunos do Ensino Médio do Centro de Ensino e Pesquisa
Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás (CEPAE/UFG),
por intermédio dos estagiários da Faculdade de História da Universida-
de Federal de Goiás UFG em um curso semipresencial, com aulas presen-
ciais e em um Ambiente Virtual de Aprendizagem. Durante a aplicação
do material didático foram realizadas reuniões semanais com os esta-
giários para discutir a produção dos planos de aula, as aulas no CEPAE/
UFG também foram observadas. Ao final, os estagiários responderam a
um questionário em que avaliaram positivamente o objeto educacional
confirmando que o mesmo cumpriu com a proposta de servir para im-

28
África, um Novo Olhar

plementar a Lei 10639/03 e de trabalhar com as representações sobre o


continente africano e sua diversidade no Ensino Médio.
Neste estudo trabalhamos com a representação sobre a África e
seus povos construídos em nossa cultura, mas também entendemos
que a atualização das representações sociais é um fenômeno do tempo
de longa duração, isto é, estável e resistente a mudanças. Porém, com
a Lei 10639/03, resultado das lutas políticas do Movimento Negro,
enxergamos um novo horizonte para a mudança dessas representa-
ções, tanto no meio acadêmico como no imaginário coletivo. Já estão
chegando às universidades brasileiras os estudos de uma nova gera-
ção de historiadores africanos já despojados da carga emocional dos
seus precursores, procurando explicar o continente sob as mais varia-
das perspectivas. E com a implementação da Lei 10639/03 nas salas
de aula da Educação Básica, a nova geração de brasileiros terá contato
com a história e cultura do continente africano desde o início de seus
estudos e com professores capacitados para trabalhar com tais temá-
ticas, justificando esse nosso trabalho África, Um Novo Olhar: O Ensino
De História Da África Na Educação Básica.
O trabalho com os alunos e estagiários mostrou-se extremamente
produtivo, instigando novos estudos e a pretensão de construir mate-
rial didático sobre outras sociedades africanas que também constituí-
ram culturas híbridas por causa do contato com vários povos, como as
sociedades da Costa Oriental Africana, os suaílis. A pesquisa também
deixou o desejo e a pretensão de construir mais objetos de aprendiza-
gem que ajudem os professores a levarem as Tecnologias da Informa-
ção para as suas aulas.

4. Notas
i. O estigma pode ser definido como “a situação do indivíduo que está inabilitado para a
aceitação social plena” e se refere tanto a um atributo profundamente depreciativo quanto
a uma linguagem de relações entre aqueles considerados “normais” e as alteridades
“desviantes”. O estigma seria uma “marca” que se refere a uma característica não apreciada
por aqueles que se consideram normais e/ou estão em situação de poder econômico, político
ou de aceitação social. O estigma acaba por recobrir toda a identidade de um indivíduo
sem atentar para outras características ou o papel social deste indivíduo (GOFFMAN apud
RABELO, s/d, p. 262-263).
i. O projeto A África e o Ensino de História na Educação Básica com número CAAE
55973216.0.0000.5083, teve data de início prevista para 24/04/2016 (Plataforma Brasil).

29
África, um Novo Olhar

5. Referências

BRASIL. Lei nº 10639. Altera a Lei no  9.394, de 20 de dezembro de


1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
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30
África, um Novo Olhar

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31
Um Novo Olhar Para o Seu Lugar
O Bairro como Lugar Do Ensino
de Geografia no Ciclo II do Ensino
Fundamenta

Mariângela Azevedo
Professora – SME - Goiânia
mariangela.azevedo@hotmail.com

Elson Rodrigues Olanda


Professor – CEPAE - UFG
elson.olanda@gmail.com
Um Novo Olhar Para o Seu Lugar

1. Apresentação

A proposta pedagógica apresentada neste capítulo é parte da


pesquisa de mestrado intitulada, O ensino do lugar e o lugar do en-
sino: o conceito de lugar geográfico como dimensão de uma educação
emancipadora no ciclo II do ensino fundamental. A dissertação foi
defendida no Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Ensino na
Educação, no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Uni-
versidade Federal de Goiás (PPGEEB/CEPAE/UFG) em abril de 2016
(cf.https://repositorio.bc.ufg.br/tede/bitstream/tede/6735/5/Disser-
ta%C3%A7%C3%A3o%20-%20Mari%C3%A2ngela%20Oliveira%20
de%20Azevedo%20-%202016.pdf).
O trabalho, realizado no período de 2014 a 2016, buscou proble-
matizar, no ensino de Geografia, a relação entre o conceito de lugar e
a possibilidade de uma educação que se proponha emancipadora no
Ciclo II do Ensino Fundamental. Procuramos articular as discussões
do ensino de Geografia e do conceito de lugar, às visões de mundo, ser
humano e ensino e às concepções de Geografia e sua historicidade. O
método de análise delineou-se no materialismo histórico dialético por
considerarmos o ensino escolar como uma atividade humana e social.
Intentamos mostrar que a Geografia, desde o Ensino Fundamen-
tal, pode ser proveitosa para a leitura e a compreensão do mundo em
sua complexidade e que o conceito de lugar é capaz de configurar-se
como revelador da realidade ante as novas demandas da globalização
econômica. Objetivando a práxis da pesquisa, realizamos investigações
e análises de como os conteúdos de Geografia que tratam do conceito
de lugar têm sido abordados no Ciclo II do Ensino Fundamental e que
tipo de conhecimentos podem se formar a partir das práticas pedagó-
gicas utilizadas para tal. As reflexões advindas da pesquisa, ao final,
nos embasaram na elaboração de uma proposta didática de abordagem
do conceito de lugar, tendo como conteúdo o bairro, a que comparti-
lhamos no presente texto.
Nosso objetivo macro foi o de propor uma metodologia de traba-
lho pedagógico do conceito de lugar, no ensino de Geografia, por meio
do tema o bairro, em uma perspectiva crítica de um projeto de educa-

33
Um Novo Olhar Para o Seu Lugar

ção emancipadora. Os objetivos específicos serão detalhados em cada


plano de aula, descritos a seguir.
O tempo estimado para aplicação da proposta é de 08 aulas de
50 minutos, no período de um mês, sendo que o público-alvo foram
alunos do Ciclo II do Ensino Fundamental de uma escola da Rede Mu-
nicipal de Ensino de Goiânia. O bairro pensado para a proposta é o
Jardim Guanabara III, por se tratar do bairro onde a escola fica e onde
a professora pesquisadora trabalha.

Proposta pedagógica – o bairro


Aula 01
Tempo: 50 min.
Tema: O que sabemos sobre o bairro?
Objetivo geral: Sondar os conhecimentos prévios dos alunos acerca do bairro onde moram e
valorizar seus saberes cotidianos na articulação com os saberes escolares.

Objetivos específicos:
• Exercitar a prática do diálogo em sala de aula – ensinar-aprender a ouvir e a se
expressar em público.
• Propiciar o aprimoramento da leitura e escrita sistematizadas, por meio de
anotações das principais ideias do diálogo.
• Ampliar a capacidade de expressão de ideias por meio de desenhos.
• Desenvolver a pesquisa como prática cotidiana no ambiente escolar.
• Possibilitar, pela pesquisa, a compreensão das modificações dos lugares ao
longo do tempo.
• Possibilitar a reflexão dos alunos sobre as causas das modificações espaciais
ocorridas nos lugares no decorrer do tempo.

Atividades:
Diálogo: roda de conversa sobre o que os alunos têm a dizer sobre o bairro, suas histórias,
experiências, problemas, brincadeiras, passeios, etc.
Anotação no quadro, pela professora, dos principais aspectos comentados pelos alunos
no diálogo. Os alunos deverão, também, anotar no caderno, ao mesmo tempo em que a
professora faz as anotações no quadro.
Desenho do bairro, realizado pelos alunos, em papel sem pauta.
Exposição, no mural da escola, dos desenhos dos alunos.

Atividade não presencial − Entrevista: converse com seus pais, familiares e/ou
amigos, sobre aspectos da história do bairro:
1. Há quanto tempo existe o bairro?
2. Como era o bairro há 10 anos?
3. Havia mais construções ou mais terrenos vagos?
4. Como eram as casas, o que havia de serviços, estabelecimentos comerciais, etc.?
5. Desde quando sua família mora no bairro?
6. Existem histórias que sua família tenha vivenciado no bairro que você tenha achado
interessante? Conte-nos essas histórias.
7. O que mudou no bairro durante o tempo que sua família e/ou amigos moram nele.
8. Procure fotos do bairro que mostrem como ele era no passado.

34
Um Novo Olhar Para o Seu Lugar

Aula 02
Tempo: 50 min.
Tema: O bairro no passado e o bairro no presente.
Objetivo geral: Possibilitar a reflexão sobre as modificações espaciais ocorridas no bairro
durante seu processo histórico e suas motivações.

Objetivos específicos:
• Cultivar a prática do diálogo em sala de aula.
• Trabalhar a capacidade de organização de ideias, descrição, comparação,
síntese e argumentação.
• Exercitar a escrita – ortografia, gramática, coesão e coerência por meio de
produção de texto.
• Construir a noção da relação entre espaço e tempo.
• Possibilitar o desenvolvimento do pensamento reflexivo frente às modificações
históricas ocorridas nos lugares, suas causas e consequências.

Atividades:
A partir da pesquisa realizada na atividade não presencial da aula anterior, dialogar a
respeito das investigações realizadas sobre a história do bairro (cada aluno comenta algo que
pesquisou).
Elaboração de texto: O que eu sei da história do meu bairro.
Leitura socializada dos textos produzidos em sala de aula.

Aula 03
Tempo: 50 min.
Tema: Pesquisa de campo: um olhar problematizador para o bairro – em busca da práxis.
Objetivo geral: Articular as discussões das aulas anteriores à realidade observável na
espacialidade do bairro.

Objetivos específicos:
• Principiar o desenvolvimento da capacidade de observação, organização de
ideias, coleta, sistematização e análise de dados.
• Exercitar a percepção dos elementos físicos e sociais que compõem o espaço
geográfico considerado mais próximo, o lugar, articulando-os à dimensão do
cotidiano vivenciado.
• Desenvolver o olhar crítico para os lugares do bairro por meio da observação,
comparação e análise.
• Caracterizar e interpretar as diferenças das paisagens que compõem o bairro,
problematizando a realidade socioeconômica e seus reflexos na aparência dos
lugares.
• Relacionar os problemas observados no trabalho de campo com os conflitos de
dimensão global.

Atividades:
Orientação, pela professora, dos pontos a serem observados no trabalho de campo.
Roteiro de observação:
1. Como é o bairro? Bonito? Feio? Por quê?
2. Há presença de muitas ou poucas árvores? Há Jardins?
3. Existem odores? De que tipo?
4. Quais os tipos de construções predominantes?
5. Condição da sinalização de trânsito, limpeza das ruas, condição do asfalto.

35
Um Novo Olhar Para o Seu Lugar

6. Tipos de estabelecimentos comerciais existentes.


7. Diferenças nos tipos de construções (casas em boas condições de morar? Moradias
precárias?), criadouros de mosquito Aedes Aegypti?
8. Presença de lugares públicos de lazer e condições destes, caso existam.
9. Condições do esgoto sanitário, córregos e rios que passem pelo bairro.
Visita às imediações da escola. Anotação dos aspectos observados a partir da orientação da
professora e demais aspectos que considerem relevantes.
Atividade não presencial: Elaboração de texto − Na aula de hoje, visitamos o bairro nas
imediações da escola e constatamos diversos problemas. Escreva um texto sobre os problemas
encontrados no bairro, no trabalho de campo e outros problemas que você conhece. Existem
alagamentos quando chove? Falta água tratada no bairro? O serviço de transporte coletivo
é de boa qualidade? Em seu texto, comente se esses problemas só existem no nosso bairro
ou em outros lugares da cidade e do mundo e dê sua opinião sobre por que isso acontece.
Converse com familiares e amigos antes de escrever.

Aula 04
Tempo: 50 min.
Tema: Representações cartográficas do bairro − aprendendo a planta baixa, o título e a
legenda.
Objetivo geral: Introduzir a compreensão das representações cartográficas no ensino de
Geografia por meio do estudo do bairro.

Objetivos específicos:
• Ampliar os conhecimentos de cartografia, compreendendo sua importância
para os estudos geográficos.
• Possibilitar que os alunos estabeleçam relação entre os lugares reais e suas
representações cartográficas por meio da construção de uma planta baixa e
maquete do lugar experienciado na pesquisa de campo da aula 03.

Atividades:
• Mediação do conteúdo pela professora: o que é uma planta baixa, título e
legenda? Quais suas utilidades para o estudo da Geografia? Como se constrói
uma planta baixa e uma legenda?
• Construção do esboço de uma planta baixa do espaço observado na visita de
campo, a partir dos dados anotados na aula anterior.
• Atividade não presencial: 1. construção de uma maquete dos lugares visitados
na atividade de campo utilizando de materiais reaproveitáveis. 2. Pesquisar e
recortar em jornais, revistas, internet e outros recursos, imagens, reportagens,
notícias ou quaisquer outras publicações que estejam relacionadas ao bairro,
em diversos aspectos.

Aula 05
Tempo: 50 min.
Tema: Jornal mural do bairro
Objetivo geral: Oportunizar o conhecimento do bairro em suas dinâmicas sociais.

36
Um Novo Olhar Para o Seu Lugar

Objetivos específicos:
• Mediar o conhecimento sobre o bairro nas suas dinâmicas sociais por meio dos
aspectos publicados nas mídias.
• Relacionar e problematizar as informações angariadas nas mídias e outros
espaços de comunicação, com a realidade vivenciada no cotidiano do bairro em
diálogos na sala de aula.
• Exercitar o pensamento crítico perante as publicações encontradas sobre
o bairro: sobre o que dizem respeito? Como mostram o bairro? As notícias
coincidem com a realidade? Que tipo de notícia do bairro é mais comum
dentre as encontradas na pesquisa?
• Ampliar a capacidade criativa, criadora e de organização de ideias.
• Entender a dinamicidade dos lugares pela multiplicidade de acontecimentos
relacionados ao lugar.

Atividades:
Construção de um jornal mural coletivo com os recortes trazidos pelos alunos na pesquisa
realizada na atividade não presencial da aula anterior.
Roda de conversa sobre os temas das publicações que compõem o jornal mural.
Atividade não presencial: Em grupo de 03 alunos, escolher e fotografar 02 lugares do
bairro que frequentam, passam ou qualquer outro escolhido. Escrever no caderno porque
escolheram fotografar esses lugares específicos e o que sabem sobre ele. Enviar as fotos para
o e-mail da professora, ao final do estudo do bairro, as fotos serão impressas para compor
uma exposição aberta à comunidade escolar.

Aula 06
Tempo: 50 min.
Tema: Conhecendo as representações do bairro por meio de recursos digitais.
Objetivo geral: Localizar o bairro pelas ferramentas do google maps.
Objetivos específicos:
• Compreender a utilidade das tecnologias da informação e comunicação para a
localização de lugares do mundo.
• Aprender a identificar e diferenciar as imagens de satélite dos mapas, bem
como entender suas contribuições aos estudos dos lugares.
• Relacionar a localização do bairro com noções de escalas cartográficas,
explorando os recursos oferecidos pelo recurso da rede mundial de
computadores.
• Exercitar o conhecimento da rosa dos ventos a partir do mapa pesquisado no
Google maps.
• Estabelecer relação entre as escalas local, regional e global a partir de imagens
de satélite e mapas do Google maps.
Atividades:
Pesquisas no site Google maps, buscando a localização do bairro em imagens de satélites e
mapas.
Pesquisa de imagens de satélites e mapas do mundo, do país, de outras cidades que o aluno
tenha curiosidades além de Goiânia, no Brasil e/ou no mundo.
Impressão do mapa que mostra, no bairro, a residência do aluno, na ferramenta Google maps,
para posterior atividade.
Atividade com a Rosa – dos -ventos: com mediação da professora, descrever o nome das ruas
e pontos de referência visualizados a Leste, Oeste, Norte e Sul da residência do aluno, no
mapa impresso.

37
Um Novo Olhar Para o Seu Lugar

Aula 07
Tempo: 50 min.
Tema: Meu olhar para o meu lugar.
Objetivo geral: Desenvolver a capacidade crítica geográfica das paisagens no bairro.

Objetivos específicos:
• Propiciar que o aluno desenvolva seu olhar crítico para os lugares de seu
cotidiano, por meio de linguagens visuais e de representação espacial.
• Desenvolver a capacidade criativa, criadora e reflexiva.
• Ampliar o conhecimento sobre o bairro por meio de linguagens diferenciadas.

Atividades:
• A partir das fotografias realizadas em grupo pelos alunos e impressas pela
professora, realizar a montagem da exposição coletiva das fotos dos lugares
do bairro e a apresentação das maquetes construídas a partir da pesquisa de
campo.
• Os alunos receberão a comunidade escolar para apresentação da exposição e
comentários sobre as fotos (porque escolheram o lugar fotografado) e sobre o
bairro de maneira geral e apresentar suas maquetes.

Aula 08
Tempo: 50 min.
Tema: O bairro que eu tenho o bairro que eu quero e preciso.
Objetivo geral: Possibilitar o avanço dos conteúdos escolares à dimensão política da
educação geográfica: para que serve o que se aprende?

Objetivos específicos:
• Propiciar que o aluno relacione os conhecimentos advindos do estudo do
bairro aos posicionamentos críticos de mundo.
• Desenvolver a capacidade crítica, reflexiva e argumentativa.

Atividades:
• Baseando-se nos estudos do bairro realizados durante todo o mês, escreva uma
carta ao prefeito de Goiânia, colocando-o a par da realidade de nosso bairro:
conte um pouco sobre a história do bairro, seus sentimentos relacionados
a esse lugar, quais problemas existem por aqui, o que há de positivo, o que
precisa ser modificado, o que é urgente em ser resolvido, em sua opinião, como
o bairro pode ser um lugar melhor para se viver e qual o papel da prefeitura
naquilo que precisa ser melhorado no bairro. (Trabalho interdisciplinar com a
disciplina Português)
• As cartas serão entregues à Assessoria de comunicação da prefeitura de
Goiânia.
• Roda de conversa com alunos e um representante político local, vereador,
sobre o bairro.

38
Um Novo Olhar Para o Seu Lugar

2. Avaliação

A avaliação se dará pela observação, pela professora, da partici-


pação dos alunos, engajamento nas atividades propostas e empenho
em realizar cada etapa com dedicação. Além disso, as elaborações es-
critas, textos, entrevistas, registros de observação, pesquisas e outros
trabalhos escritos serão analisados em seus conteúdos, pela professo-
ra, objetivando identificar o nível de reflexão do aluno diante do tema
abordado, levando em consideração as especificidades cognitivas indi-
viduais dos educandos.
A participação oral nas discussões será valorizada como essencial
no processo avaliativo.

Recursos didáticos

• Papel Sulfite branco.


• Lápis de cor, giz de cera e canetas hidrocor.
• Papel almaço.
• Réguas e tesouras.
• Placa de isopor grande.
• Materiais recicláveis diversos.
• Jornais e revistas.
• Biombo ou mural (jornal mural).
• Câmera fotográfica ou telefone celular com câmera.
• Computador com internet.
• Impressora.
• Papel específico para impressão de fotos.
• Papel Colorplus preto (para exposição das fotos).
• Envelopes pequenos.

39
Um Novo Olhar Para o Seu Lugar

3. Sugestões bibliográficas e outras referências

Para professores:
ALMEIDA, R. D. Do desenho ao mapa: iniciação cartográfica na esco-
la. São Paulo: Contexto, 2001.
- Auxilia o professor na elaboração de práticas de ensino de leitura e inter-
pretação de mapas por crianças.
AZEVEDO, M. O. O ensino do lugar e o lugar do ensino: o conceito
de lugar geográfico como dimensão de uma educação emancipadora no
ciclo II do ensino fundamental. 150 f. Dissertação (Mestrado em En-
sino) Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Ensino na Educação
Básica, Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universi-
dade Federal de Goiás, Goiânia, 2016.
- Na Dissertação, além da seqüência didática apresentada neste trabalho
(e- book) há problematizações sobre o conceito de lugar na Geografia acadê-
mica e na Geografia escolar como o objetivo de trabalhar o conceito de lugar
geográfico numa perespectiva emancipadora.
COSTELA, R. Z.; SCHAFFER, N. O. A Geografia em projetos curri-
culares: ler o lugar e compreender o mundo. Brasil: Edelbra, 2012.
- O livro traz um projeto trabalho de ensino do conceito de lugar na
Geografia escolar.
FREIRE, P. Uma educação para a liberdade. 4. ed. Porto: Dinalivro,
1974.
- Paulo Freire nos brinda com profundas reflexões sobre o papel huma-
nizador da educação.
SANTOS, M. O espaço do cidadão. 7. ed. 1 reimpressão. São Paulo:
Edusp, 2012.
- Milton Santos articula o conhecimento geográfico à dimensão social
e humana no contexto da sociedade capitalista.
STRAFORINI, R. Ensinar Geografia: O desafio da totalidade mundo
nas séries iniciais. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2008.

40
Um Novo Olhar Para o Seu Lugar

- O livro traz, em leitura esclarecedora, uma proposta de ensino de Geogra-


fia que articule o conhecimento geográfico à totalidade-mundo.
CAVALCANTI, L. S. Geografia, escola e construção de conheci-
mentos. Campinas: Papirus, 2010.
- Leitura indispensável ao professor de Geografia reflexivo. Trata dos resul-
tados da pesquisa em que a autora investigou as representações sociais que
os alunos têm dos conceitos geográficos.
ILHA das flores. Documentário. Duração: 13min. Roteiro e direção de
Jorge Furtado. Brasil: 1989. Disponível em: <http://portacurtas.org.
br/filme/?name=ilha_das_flores>. Acesso em: 25 fev. 2016.
- A dinâmica escolhida para tratamento dos problemas de um determi-
nado lugar, a Ilha das flores chama a atenção por se articular a proble-
máticas mundiais, como a miséria e a desigualdade.

Para Alunos:
CRUZ, J. D. Lugar. Álbum: Hot dog latino. Anhanguera discos, 2002.
- A música do compositor e cantor goiano/tocantinense, Juraíldes da
Cruz, contribui com uma didática diferenciada no ensino de Geografia,
proporcionando diversas leituras do lugar Brasil através da arte musi-
cal.
OLIVEIRA, I. J.; ARRAIS, T. A. Geografia de Goiás. São Paulo: Scipio-
ne, 2012.
- O livro trabalha conteúdos da Geografia do 4º e 5º ano do Ensino
Fundamental, levando em consideração as especificidades do Estado
de Goiás.
ROSA, A. T. et al. O espaço urbano da região metropolitana de
Goiânia. Goiânia: Gráfica e editora Vieira, 2010. (Col. Aprender com a
cidade (fascículos didáticos)).
- Nesse fascículo, a cidade é abordada como o lugar da vida cotidia-
na. As ilustrações, os assuntos e a linguagem, despertam nos alunos o
interesse e a identificação com o tema.
A seguir apresentamos algumas imagens realizadas em campo du-
rante a execução do trabalho.

41
Um Novo Olhar Para o Seu Lugar

Figura 1 - Saída para atividade de campo em observação e análise do bairro


Jardim Guanabara, Goiânia-GO.

Foto: AZEVEDO, M., 2015. Organização: OLANDA, E. R., 2017

Figura 2 - Atividade de campo para observação e análise do bairro Jardim


Guanabara, Goiânia-GO

♥♥

♥♥
♥ ♥
Foto: OLANDA, E. R., 2015. Organização: OLANDA, E. R., 2017

42
Um Novo Olhar Para o Seu Lugar

Figura 3 - Pesquisa sobre a historicidade do bairro a partir de imagens


e registros de moradores e alguns problemas antigos e atuais no Jardim
Guanabara, Goiânia-GO.

Fotos: AZEVEDO, M., 2015. Organização: OLANDA, E. R., 2017

Figura 4 - Exposição montada com pesquisas de imagens da história do bairro


Jardim Guanabara, Goiânia-GO.

.
Foto: AZEVEDO, M., 2015 Organização: OLANDA, E. R., 2017

43
Um Novo Olhar Para o Seu Lugar

Figura 5 - Apresentação de maquetes do bairro (entorno da escola) e painel


sobre as desigualdades sociais do Jardim Guanabara Goiânia-GO.

♥♥
♥ ♥♥
♥ ♥♥♥♥♥ ♥♥♥ ♥♥

Foto: OLANDA, E. R.. 2015. Organização: OLANDA, E. R., 2017

Figura 6 - Desigualdade socioeconômica evidenciada na paisagem do Jardim


Guanabara, Goiânia-GO.

Foto : AZEVEDO, Mariângela, 2015 Organização: OLANDA, E. R. 2017

44
Um Novo Olhar Para o Seu Lugar

4. Considerações finais

Durante a realização das atividades constantes na proposta pe-


dagógica, procuramos perceber se as aulas foram capazes de abranger
aspectos, discutidos na dissertação de mestrado, como essenciais para
que o ensino possa propiciar uma formação do conceito de lugar de
modo crítico, reflexivo e emancipador.
Buscamos relacionar a prática de ensino com as concepções meto-
dológicas dialéticas nas dimensões do espaço e do tempo, ou seja, geo-
gráfica e histórica, contradições, análises multiescalares, superação do
lugar enquanto localidade para uma dimensão de mundo, problema-
tização e relação entre todo e parte e consideração das relações entre
trabalho humano e espaço.
Procuramos estabelecer uma intencionalidade pedagógica clara na
abordagem do conceito de lugar, articulando o conceito aos conteúdos
trabalhados, indo além da abordagem conteudista, comum nas escolas,
e quase sempre atrelada exclusivamente ao livro didático. Buscamos a
utilização de recursos didáticos considerados mais significativos, tais
como: filmes, músicas, poemas, charges, textos jornalísticos, mapas,
aulas de campo, entrevistas, pesquisas, recortes, murais, cartazes e ou-
tros recursos didáticos que podem ser utilizadas no ensino de Geogra-
fia para um exercício mais criativo. Os recursos utilizados propiciam
que o ensino de Geografia fique mais próximo do que ele realmente
deve ser, um conhecimento para a vida. A vida não se compõe de uma
só dimensão, mas de múltiplas.
A Geografia está presente no dia a dia de variadas maneiras, não
somente em questionários teóricos e em outras atividades descritivas;
ela está no dia a dia, nas ruas, nos passeios, na televisão, na feira, no
supermercado e em tantas outras situações e, por isso, pode e deve ser
articulada à vida das pessoas.
Ainda nos dias atuais, as aulas, em parte das escolas continuam
seguindo um modelo: aula expositiva (predomínio da fala do profes-
sor), atividades descontextualizadas do cotidiano, uso predominante
do livro didático em detrimento de outras linguagens e/ou recursos
didáticos mais criativos.

45
Um Novo Olhar Para o Seu Lugar

Os conteúdos, na proposta de trabalho apresentada, foram arti-


culados à realidade vivenciada pelos alunos, construindo uma conexão
entre teoria e prática – práxis, ação transformadora necessária ao en-
sino crítico.
Em busca de identificar a articulação entre lugar e cotidiano, con-
dição que consideramos necessária para abarcar o movimento social
dos lugares, constatamos que isso se deu de maneira efetiva. Os alu-
nos se reconheciam como moradores do bairro, participando das aulas
com inúmeros exemplos e contos reais de seu dia a dia. As dimensões
consideradas nas discussões superaram o imediatismo, já que trata-
ram de problemáticas que são do bairro e do mundo ao mesmo tempo,
como a violência, a desigualdade social, a falta d’água, a poluição e
tantos outros.
Percebemos a ação dialógica, criativa, criadora, intervencionista,
autônoma, ativa e questionadora nos momentos de aula. Observa-
mos muitas intervenções orais dos alunos e, houve preocupação com
a valorização pedagógica do que era trazido por eles em suas falas.
Os educandos puderam expressar-se, problematizar vivencias, se sen-
tiam motivados nas aulas de campo, uma vez que estas foram praze-
rosas, extrapolando o espaço da sala de aula para o universo social
externo. Puderam ampliar o pensamento e a percepção sobre a reali-
dade, construindo articulações entre todo e parte. Entre o que viam
nos noticiários de televisão, na escola e no lugar mais imediato em
que vivem suas vidas.
A experiência com este trabalho demonstrou que o ensino de Geo-
grafia escolar pode propiciar uma leitura de mundo crítica e reflexiva, que
contribua para a formação de seres humanos questionadores da com-
plexidade da realidade, que olhem com estranheza para seu lugar, seu
espaço imediato, superando o olhar comum, desinteressado e alienado.
A formação do conceito de lugar geográfico na escola pode vislumbrar
possibilidades transformadoras por meio da emancipação intelectual.
Atualmente (2017), após dois anos da vivência do projeto, os alu-
nos, agora já nas turmas mais avançadas, ainda comentam em deta-
lhes as atividades realizadas naquela ocasião, em que aprenderam um
novo olhar para o seu lugar.

46
A Invisibilidade da Cultura Cigana
nos Espaços Escolares

Maria Lucia Rodrigues


Professora da Rede Estadual de Educação Cultura
e Esporte e da Rede Municipal de Educação de Trindade – GO
ml.rigues@hotmail.com

Elson Rodrigues Olanda


Professor de Geografia no CEPAE/UFG
elson.olanda@gmail.com
A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares

1. Introdução

O presente texto tem por objetivo apresentar, em linhas gerais, o


resultado de uma pesquisa realizada no município de Trindade - GO
junto a uma significativa comunidade cigana com moradia fixa nas ad-
jacências de duas escolas da rede estadual de ensino. Com uma cultura
peculiar transmitida oralmente de geração em geração há mais de mil
anos, os ciganos configuram sujeitos invisíveis em vários extratos so-
ciais e na escola essa invisibilidade não é diferente. A observação do
comportamento dos alunos ciganos em uma destas escolas colaborou
para a pesquisa, buscando (re) conhecer sua cultura e propor a sua in-
serção ao currículo da Escola Campo situada na Vila Pai Eterno.
Nosso trabalho visa à valorização da cultura cigana, fundamen-
tando-se na pesquisa etnográfica/participante, que compreende a dis-
cussão com a teoria e a prática cultural dos ciganos calon. A proposta
deste estudo é a inserção dos costumes culturais dos ciganos ao cur-
rículo da escola campo, abrindo margem para a interdisciplinaridade.
Ainda, busca ser alicerce para projetos com conteúdos que poderão en-
riquecer as práticas pedagógicas. Questionamos as leis institucionais
que regem as práticas na escola campo, verificando a existência de um
discurso carregado de lacunas quanto aos conteúdos que expressam
a cultura cigana, sendo nossa pesquisa uma proposta para preencher
essa ausência.
A escola preocupa-se em atender o que prevê as leis, conforme
descrito em seu Regimento, porém, é preciso questionar a sua dimen-
são na prática, questionar quais ações asseguram, no dia a dia, o aten-
dimento aos alunos ciganos e não ciganos. Na prática, a escola não tem
um calendário restrito aos ciganos calon, mas se organiza de forma a
atender suas especificidades, antecipando as avaliações e justificando
as faltas. Nas aulas não são mencionados como grupo étnico, não há
discussões concretas sobre seus costumes culturais.
A presença de ciganos no Brasil é descrita por (SIMIÕES, 2007;
TEXEIRA, 2008; MOONEN, 2013), os quais afirmam que há um re-
gistro oficial da primeira deportação de Portugal ocorrida em 1574 do
cigano João Torres, sua esposa Angelina e filhos para terras brasileiras,

48
A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares

porém não há referencias aos ciganos nos livros de Historia e Geografia,


como integrantes das naus portuguesas que iniciaram sua colonização
no século XVI. A documentação, não é detalhada o que torna os ciganos
singulares e praticamente invisíveis na história do Brasil. Quase sem-
pre incidem sobre “o cigano”, como sendo entidade coletiva e abstrata à
qual se atribuem características estereotipadas e pejorativas.
Existem diversas comunidades ciganas em várias partes do mun-
do, e, segundo Ramanush (2012), elas se reconhecem por uma origem
comum em uma identidade básica, que autodenominam Rom. Fora do
grupo, os não ciganos são chamados gazho. “Portanto, Rom é a autode-
nominação que a maioria dos ciganos utiliza no mundo, quando que-
rem se auto-intitular em condições étnicas.” (RAMANUSH, 2012, p.
13). De acordo com Siqueira (2007), no Brasil os ciganos são divididos
em Kalderash, Moldowaia, Sibiaia, Roraranê, Lovaria, Mathiwia e Kalê.
Os intensos debates atuais no Brasil e no mundo sobre diversi-
dade e inclusão merecem um olhar diferenciado para com os ciganos,
permitindo que o respeito e a valorização da diversidade cultural dessa
etnia venham permear as práticas pedagógicas das escolas. Considerar
o cigano como parte desta diversidade, como um grupo étnico, tornou-
-se imprescindível para o reconhecimento de sua cultura, seus valores,
sua história, lutas e conquistas para inseri-la ao currículo escolar, con-
forme previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs,1997),
Lei de Diretrizes e Bases (LDB, 1996), bem como o Projeto Político
Pedagógico (PPP) da escola campo e outros documentos oficiais.
Para esse contato com a comunidade cigana, foi preciso primeira-
mente uma reaproximação com um dos lideres da comunidade, que,
aliás, idoso, já havia estudado na escola campo visando pretensões po-
líticas eleitorais. Ele foi o interlocutor entre a pesquisadora e a comu-
nidade cigana de Trindade-GO no período de agosto de 2013 a maio
de 2015.
Para perceber os valores culturais e apreender a visão de mundo,
memórias e as trajetórias de 15 famílias ciganas nos setores Samarah,
Vila Pai Eterno e Serra Dourada em Trindade – GO, o estudo/pesquisa
foi assim distribuído: cinco (05) famílias no Samarah, cinco (05) na
Vila Pai Eterno e cinco (05) no setor Serra Dourada. Privilegiando a
abordagem qualitativa, com o contato direto do pesquisador no am-

49
A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares

biente investigado, os registros foram feitos por meio de trabalho in-


tensivo, entrevistas e diário de campo.
Outro trabalho também realizado foi na escola campo por meio
de leitura do Projeto Político Pedagógico (PPP), Regimento e diálogo
com a equipe escolar, na busca por informações complementares so-
bre a acolhida, procedimentos de matriculas, relações interpessoais e
currículo. Nessa tarefa constatou-se que havia de maneira sutil instru-
mentos didáticos que contemplam essa clientela, com uma tímida par-
ticipação no (PPP), por meio de projetos pouco inovadores distantes
da realidade, sendo pertinente pensar na inclusão do estudo da cultura
cigana ao currículo, estimulando o diálogo entre as culturas diversas
que se apresentam na escola, deixando de ser apenas um discurso.
Os ciganos em Goiás, especificamente na cidade de Trindade,
mesmo vivendo em sociedade com os nãos ciganos e tendo seus filhos
matriculados nas escolas, continuam repassando suas experiências
por meio da oralidade, acumulando assim, seus costumes, tendo como
meio a vida em comunidade, ressignificando suas concepções simbóli-
cas herdadas ao longo dos anos.
Nas entrevistas realizadas identificamos que os anciãos não fre-
quentaram a escola formal, porém transmitem oralmente aos mais
jovens os seus saberes culturais. A inclusão da cultura cigana ao currí-
culo escolar é um grande desafio, pois os ciganos só permitem que se
conheça deles aquilo que lhes convém. O que ainda permeia a vida dos
ciganos é a manutenção do imaginário que se criou em torno deles.
A cultura cigana e a compreensão do que é cultura cigana deve ser in-
ternalizada com o uso da mediação entre linguagem, papéis e valores
durante atividades concretas significativas do ensino durante as aulas.

Espaço escolar: vencer a invisibilidade e (re) conhecer a


cultura do cigano
O tratamento dado à clientela cigana durante as aulas é de uma
cultura invisível, mas não no sentido de discriminá-la. A essa clientela
é garantido o direito de estar na escola, de ser respeitada enquanto
aluno, mas sem brechas ou espaço para se manifestarem nas práticas
educacionais no cotidiano escolar.

50
A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares

Essa constatação só reafirma um comportamento homogêneo,


dando ao aluno cigano a equivocada ideia de tratamento igualitário,
mas que, na verdade, repreende a manifestação de sua cultura. Por-
tanto, não há um conflito explícito, pois o aluno cigano não questiona
a escola acerca de sua prática pedagógica, mesmo percebendo que em
seus conteúdos ou atividades faltam elementos da cultura dos ciganos.
O conflito ocorre de maneira silenciosa, nas ausências dos alunos
à escola, nos índices de evasão e repetência ou na errônea ideia, por
parte da escola, em acreditar que atender às especificidades previstas
em lei é apenas não discriminar o cigano, garantindo-lhe o direito de
estar na escola. No entanto, apesar de promoverem atividades esporá-
dicas, estas não trazem para a realidade da escola uma socialização das
culturas ali presentes.
A proposta de inserção da cultura cigana ao currículo escolar con-
siste em implementar o currículo da escola campo com práticas pedagó-
gicas que privilegiem a pluralidade cultural, a diversidade e a igualdade
de direitos. Essas práticas pedagógicas, organizadas de forma interdis-
ciplinar nas áreas de História, Geografia, Português e outras, deverão
ser discutidas e aprimoradas no coletivo de professores da escola.
O estudo em questão, após ser vinculado ao currículo, destinan-
do-se a aperfeiçoar e criar meios de se disponibilizar conteúdos para
a formação e o planejamento dos professores, permitiu que, a partir
dessas informações e da sensibilização, fosse possível redimensionar o
discurso nas aulas e no cotidiano escolar.
A pesquisa buscou socializar alguns aspectos da cultura cigana por
meio de textos, mapas e outros materiais, que foram instrumentos de
propostas que integraram as discussões nos momentos de estudos
(trabalho coletivo), intencionando uma familiaridade da equipe esco-
lar com os resultados que foram proporcionados pela pesquisa.
Como produto de ensino vinculado aos estudos, foram apresenta-
das propostas de instrumentos para implementação de conteúdos da
cultura cigana como: texto sobre a origem dos ciganos, intitulado “(Re)
Conhecer a cultura cigana”; sequência didática do projeto “(Re)Conhe-
cer a cultura cigana”; proposta de aula interdisciplinar, envolvendo
História, Língua Portuguesa e Geografia; anexos contendo termos e

51
A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares

expressões ciganas, o Hino, a bandeira e os símbolos sagrados para os


ciganos. Estes anexos podem ser consultados por meio eletrônico em
https://repositorio.bc.ufg.br https://repositorio.bc.ufg.br/tede/bits-
tream/tede/5204/5/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20-%20Maria%20
L%C3%BAcia%20Rodrigues%20Mota%20-%202015.pdf.
Estes produtos foram testados em oficinas, salas temáticas, rodas
de conversas, trabalho coletivo e, em sala de aula como proposta de
conteúdo na disciplina de História. Os testes foram inicialmente apre-
sentados por meio da oficina (Identidade, gênero e a cultura cigana).
Os objetivos específicos foram: socializar experiências na perspectiva
das relações de gênero entre os ciganos; disseminar conhecimento por
meio de fotos, cartazes, textos e vídeos em uma sala temática; subsidiar
os estudos na oficina com as pesquisas já realizadas no Mestrado Pro-
fissional em Ensino na Educação Básica (PPGEEB/CEPAE/UFG), sen-
do a primeira apresentação no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à
Educação da Universidade Federal de Goiás (CEPAE/UFG), durante o
Circula (II Mostra de Ciência cultura e arte 04, 05 e 06 de dezembro de
2014). Por meio dos recursos de aulas expositivas, perguntas livres e
vídeos, a oficina teve o propósito de buscar na memória do aluno o que
ele associa com a palavra “cigana”, iniciando-se um debate em que foi
solicitado aos alunos dizerem o que pensavam sobre a palavra. Muitos
responderam que se tratava de pessoas festeiras que usam roupas colo-
ridas, leem a sorte e moram em barracas e roubam cavalos e crianças.

52
A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares

Figura 01- Oficina Circula.

Fonte: Arquivo da pesquisadora, dez. 2014.

Essas contribuições foram fundamentais para se falar da identida-


de do cigano, bem como desconstruir os estereótipos negativos, pon-
tuando no quadro as características citadas pelos alunos. Após exibi-
ção do vídeo “Vida Cigana” ( conferir em: https://www.youtube.com/
watch?v=mr4LO0AakSU) surgiram várias perguntas, sendo a questão
mais discutida o casamento precoce e a virgindade. O vídeo como re-
curso didático proporcionou preencher o imaginário dos alunos e levá-
-los a perceber que a etnia cigana continua a preservar alguns traços
básicos da personalidade cigana.
Dando continuidade à oficina, foram apresentadas algumas consi-
derações teóricas sobre a cultura cigana, como por exemplo: a ideia de
uma origem comum, a tradição, a língua, a valorização da idade e da
experiência como princípios estruturantes do status. Falou-se ainda
sobre o respeito e o culto que consagram aos seus mortos, assim como
a coesão e a diferenciação assumida face aos não ciganos, o valor da
palavra dada, a ideia do presente, a proteção das crianças e a solidarie-
dade, são alguns dos traços distintivos nos coletivos dos que se auto
classificam como ciganos.

53
A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares

Outro aspecto também apresentado nesta oficina foi a percepção


de que, o conjunto de valores contribuiu para a manutenção da hierar-
quia no seio da família e para a preservação da autoridade no grupo, o
que favorece o reforço da identidade dos ciganos enquanto grupo.
Ao final da oficina os alunos desenharam um corpo humano e es-
creveram palavras simbolizando a não discriminação aos ciganos. Nes-
ta oficina foram evidenciados alguns traços que mais distinguem a cul-
tura cigana da cultura não cigana, a defesa de certos usos, de valores e
costumes específicos, tais como: desconhecimento de atitudes sociais
negativas como a pedofilia, a violência e abando de crianças e jovens,
respeito aos mais velhos, sendo desconhecido o seu abandono.
Dentre uma das propostas resultantes da pesquisa, destaca-se a
necessidade de afastar da identidade cigana, a ideia de ser algo estático,
uma vez que existem diferentes identidades ciganas e reconfigurações
que se prendem com heterogeneidade dos grupos, o tempo de seden-
tarização, a pressão de políticas sociais ativas, os estereótipos negati-
vos cristalizados, a frequência escolar ou estratégias de casamento.
A mulher cigana acaba por assumir um papel de suporte de toda
esta transmissão e perpetuação cultural. A mulher assume um papel
preponderante para a realização do casamento cigano, uma vez que lhe
é imposta a preservação da virgindade antes do casamento. O desejo
de casar as filhas virgens é uma tradição muito arraigada na cultura
cigana, é algo que ainda permeia a vida das meninas e dos meninos os
quais estando na escola, abandonam-na em função dos novos papeis
que vão assumir no grupo. É como se precisassem se excluir do conví-
vio dos não ciganos para vivenciar essa nova condição social.
A escola campo tem em seu PPP uma proposta anual de culminân-
cia de projetos e atividades diversificadas desenvolvidas durante o ano
letivo, intitulada “Feira de Ciências e Geo-História”. Foi proposto aos
professores da escola campo o desenvolvimento da oficina apresenta-
da no CEPAE/UFG. As professoras da primeira fase do Ensino Funda-
mental acataram a idéia, para a segunda fase e Educação de Jovens e
Adultos, ficou a cargo dos professores de Língua Portuguesa e História.
A oficina durou uma semana e aconteceu nos três turnos (matutino,
vespertino e noturno), sendo o planejamento dos professores adapta-
do para a realização da oficina em cada turno.

54
A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares

Para os alunos de todos os turnos da escola campo a introdução do


assunto foi apresentada por meio de um texto sobre a cultura cigana.
Após a leitura foram feitas explanações sobre cultura, bem como apre-
sentação dos símbolos, mapas e fotos dos ciganos que são celebridades
no Brasil. Foi solicitado aos alunos ciganos que levassem fotos de seus
familiares e objetos para a exposição. Ao término da oficina, incen-
tivados pelas professoras da primeira fase os alunos confeccionaram
livrinhos, poemas e desenhos coloridos sobre a história cigana.
Para a culminância da oficina foi organizada uma sala temática
onde foram expostos os resultados trabalhados anteriormente com os
alunos. A experiência foi positiva, sendo significativa a participação
dos alunos, professores e da comunidade cigana. A sala foi organizada
de modo que todos pudessem interagir, bem como participar de uma
roda de conversa com os ciganos convidados, alguns compareceram a
caráter, sendo a maior participação dos próprios alunos da escola, os
quais relataram um pouco de suas histórias. Foi a primeira vez que um
evento deste porte foi realizado na escola campo.

Figura-02-sala temática sobre cultura cigana–exposição de objetos

Fonte: Arquivo da pesquisadora, Nov. 2015

55
A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares

A figura-02 retrata um momento em que são expostos alguns ob-


jetos e feitas algumas explanações para os alunos da Educação de Jo-
vens e Adultos.
A figura-03 apresenta uma poesia escrita por um aluno da Educa-
ção de Jovens e Adultos – EJA da 2ª Etapa (Ensino fundamental).

Figuras-03-Poesia elaborada por um aluno-sala temática sobre cultura cigana

Fonte: Arquivo da pesquisadora, Nov. 2015.

Em agosto de 2017 o tema cultura cigana foi abordado no Colé-


gio Estadual Castelo Branco (CECB) de Trindade-Go, para os alunos da
Educação de Jovens e Adultos – EJA da 3ª Etapa (Ensino Médio).
A apresentação foi realizada fazendo-se interação com os alunos.
Utilizando-se dos slides com o conteúdo da proposta de sequência didá-
tica desenvolvida na dissertação: (Re) conhecer a cultura cigana: uma
proposta de inclusão ao currículo escolar em Trindade – GO (MOTA,
2015) a conversa teve início com perguntas dos alunos, facilitando a
explanação que fluiu com o interesse dos alunos.
Segundo a coordenadora pedagógica da escola (CECB), o propó-
sito desta conversa foi contribuir para os saberes dos alunos, os quais
tinham um objetivo maior, complementar seus conhecimentos sobre
a cultura cigana para a Mostra cultural na semana do Aniversário de
Trindade – GO, visto que o tema do projeto dos alunos foi Trindade:
nossa terra nossa gente.

56
A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares

Figura 04- Dança Cigana. Alunas do Colégio Castelo Branco.

Fotos-Arquivo da pesquisadora, Ago.2017

Os alunos do Colégio Estadual Castelo Branco trabalharam dança,


língua e leitura de mãos, entre outros costumes, elevando o conheci-
mento sobre a cultura cigana. A contribuição de nossa pesquisa veio
somar ao trabalho desenvolvido pelos estudantes, sendo profícua para
promover, ainda que de maneira sutil o reconhecimento da cultura
destes povos que são parte integrante do município de Trindade - GO.

Etnia cigana: o alcance do produto e uma breve avaliação


Os produtos vinculados como propostas de conteúdos sobre a et-
nia cigana procuraram apresentar de forma respeitosa um povo que
ainda consideramos com a identidade invisível em nossa sociedade
com costumes diferentes e língua própria.
Uma das dificuldades para aproximar e conhecer melhor a cultura
dos ciganos está na língua Romani, sendo esta língua denominada pe-
los ciganos em todos os lugares do mundo como Romanes ou Romani.
Esta língua tem diversos dialetos como o calo ou kalê, rom, e sinto que é
falado somente entre eles.
Os ciganos de Trindade-GO, falam o dialeto (caló ou kalê), que,
como tradição cultural, é falado entre os calon, sem registros escritos e
sem permissão de ensiná-la aos não ciganos.

57
A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares

Observamos a importância da língua Romani e seus dialetos como


instrumento de defesa e resistência de uma cultura diferente. Esta re-
sistência nos apresenta referências das memórias de uma etnia que,
mesmo buscando o conhecimento da cultura do não cigano, o gadjo,
tem na língua a mais forte aliada para resguardar seus costumes, con-
fiando que ela não pode ser conhecida pelo gadjo, pois ele poderá, as-
sim, atrapalhar seus negócios ou até mesmo interferir em seus hábi-
tos. A língua é sagrada.
Durante os nossos estudos tivemos a oportunidade de conhecer
um pequeno numero de palavras e expressões ciganas caló/kalê, às
quais apresentamos no Quadro 01.

Quadro 01-TERMOS E EXPRESSÕES CIGANAS

Termo e/ou Significado em português do Brasil


expressão cigana
caló/kalê
Baji Força do destino.
Calderash ou Caldeireiros.
Kalderash
Chakra Roda.
Calon, Kalon ou Kalé Denominação aos que falam a língua caló, os ciganos
ibéricos.
Darro Um ritual que envolve um contrato de garantia, suporte
material e psicológico entre as famílias envolvidas (dote que o
pai do noivo paga ao pai da noiva).
Del/Beng Deus e o diabo.
Deng Demônio.
Dou-La ou Bel/Devel Único Deus.
Gadjo, Gadjé, Gazho Homem não cigano.
Gavalies de Lanoille Misteriosas noivas do fim de noite.
Kakú Mestre de cura ou xamã cigano é um Kakú homem ou mulher
que possui dons de grande paranormalidade. Eles usam
ervas, chás e toques curativos se encontravam uma única vez,
passando, desde então, a ter poderes especiais.
Kris É uma Corte de Justiça dos ciganos, cujas sentenças devem
ser obedecidas, do contrário a parte inobservante pode ser
excluída da comunidade Rrom. (lei, regras).
Kristesco Jesus Cristo.
Lowara/ São ciganos originários dos países balcânicos.
Lovaria,Machwaia/
Mathiiwia
continuação

58
A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares

Termo e/ou Significado em português do Brasil


expressão cigana
caló/kalê
Marimê ou Marimé Dicotomia entre puro e impuro entre os ciganos, que
envolve dimensões físicas e espirituais.
Phuridaí Anciã.
Pomana As cerimônias fúnebres, luto dos Roms.
Porraimôs Significa “destruição”, é um termo cunhado pelo povo Rom
para descrever, em períodos mais recentes, a tentativa do
regime nazista em exterminar este grupo étnico da Europa,
juntamente com os judeus.
Romanês ou Romaní A língua dos ciganos.
Roms, Rom, ou Roma Que falam a língua romani. Os Roms se encontram subdivididos
em quatro principais grupos: Calderash, Mathiwia, Lovaria e
Curara. Apesar de possuírem diferenças em alguns aspectos
específicos, inclusive de linguagem, esses grupos se reconhecem
e se aceitam como Rom.
Rrom Denominação reconhecida entre os ciganos para representar
uma identidade básica étnica comum entre eles, ou seja,
origem comum que auto se denominam os ciganos “Rrom”.
Sansara Mover-se. É a perpétua repetição do nascimento e morte.
Sara Kali Santa por quem a maioria dos ciganos nutre o mais devotado
amor e respeito. “Santa Sara” é reverenciada em procissões nos
dias 24 e 25 de maio.
Sinti Ciganos que falam a língua sinto e são mais encontrados
na Alemanha, Itália e França, onde também são chamados
Manouch.
Styago Le romengo Bandeira internacional do povo e Rom.
Vurdón Carroção. Transporte tipicamente cigano.
Fonte: pesquisa de campo 2013/2014. Organização: MOTA, M. L. (2015).

Há um grande distanciamento entre o cidadão cigano e não ciga-


no. Respeitar e valorizar as diferenças étnicas e culturais não significa
uma adesão a esses valores, mas deve suscitar a necessidade de promo-
ver uma educação que prima pela construção da cidadania.
Compreendemos que o cigano e os não ciganos só se sentirão par-
te integrante dessa sociedade quando ambos, o cigano e gadjo, forem
reconhecidos como cidadãos, pertencentes a esta sociedade na qual es-
colheram viver, porém, com sua particularidade respeitada. Elegemos
a escola e o currículo como um espaço de troca e interação não só da
cultura cigana, mas de todas as culturas inseridas na sociedade a qual
a instituição escolar pertence.
Há uma responsabilidade, desde o surgimento de escolarização,
em padronizar o que era preciso ensinar. Os conhecimentos acumula-

59
A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares

dos durante anos devem ser transmitidos pela escola, uma vez que o
processo de ensino aprendizagem não se dá apenas no ambiente esco-
lar, mas sim em todo o âmbito social.
A nossa avaliação da aplicabilidade do produto se encerra no não
querer apresentar, aqui, uma proposta de ensinar tudo aos ciganos na
escola, mas desejamos que, ao serem respeitados e aceitos por meio de
sua cultura pelos gadjo (homem em romani), a comunidade cigana se
sinta mais familiarizada no ambiente em que vivem. Os conhecimentos
sistematizados e acumulados pela humanidade poderão contribuir para
o crescimento intelectual das pessoas dessa etnia e de outras também.
A pluralidade cultural do mundo atual também se manifesta de
forma impetuosa e dinâmica em todos os espaços sociais, inclusive na
escola, o que acarreta confrontos e desafios que os educadores preci-
sam enfrentar. É a pluralidade que propiciará o enriquecimento e a
renovação da atuação pedagógica pela socialização de um novo currí-
culo, mais dinâmico e humanizado, que perceba, respeite e valorize as
comunidades tradicionais e as suas diversidades.
O estudo da temática (cultura cigana) permitiu comparar e con-
frontar diferentes realidades e perspectivas analíticas, bem como a
construção de hipóteses que possibilitaram o (re)conhecimento e a
compreensão dos processos de construção cultural, deste e de outros
grupos étnicos minoritários, possibilitando a melhoria das práticas
pedagógicas nas escolas em que ministramos aulas debates utilizando
as propostas do nosso produto. Temos ainda que alcançar outras esco-
las e outros espaços.

2. Referências

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curri-


culares Nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Brasília:
MEC/SEF, 1997.
LDB nacional [recurso eletrônico]: Lei de diretrizes e bases da educa-
ção nacional: Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece
as diretrizes e  define e regulariza a organização da educação brasileira

60
A Invisibilidade da Cultura Cigana nos Espaços Escolares

com base nos princípios presentes na Constituição. https://ufsj.edu.


br/portal2-repositorio/File/proen/ldb_11ed.pd
MOONEN, F. Políticas ciganas no Brasil e na Europa: subsídios
para encontros congressos ciganos no Brasil. Recife, 2013.
MOTA, M. L. R. (Re)conhecer a cultura cigana: uma proposta de
inclusão ao currículo escolar em Trindade-GO.148 f. Dissertação (Mes-
trado em Ensino) Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Ensino
na Educação Básica, Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação
da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2015.
RAMANUSH, N. Atrás do muro invisível: crença, tradição e ativis-
mo cigano. São Paulo: Bandeirantes, 2012.
SIMÕES, R. C. F. Educação cigana: Entre-lugares entre escola e co-
munidade étnica. 2007. 113f. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2007.
SIQUEIRA, M. S. B. Povo cigano: o direito em suas mãos. Revista da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH, Brasília, set.
2007. Disponível em: <direitoshumanos@sedh.gov.br / www.sedh.gov.
br>. Acesso em: 9 set. 2014.
TEIXEIRA, R. C. História dos ciganos no Brasil. Recife: Ed. Núcleo
de Estudos Ciganos, 2008.

61
Formação do leitor literário
Uma experiência para a formação
humana e crítica do aluno de
Ensino Médio

Cleunice Terezinha da Silva Ribeiro1


Autora
cleoterez@outlook.com

Célia Sebastiana Silva2


Co-autora
celia.ufg@hotmail.com

1 Mestre em Ensino na Educação Básica pelo CEPAE/UFG. Contato: cleoterez@outlook.com


2 Doutora em Literatura pela UNB e professora do CEPAE/UFG. Contato: celia.ufg@hotmail.com .
Formação do leitor literário

1. APRESENTAÇÃO DO CONTEXTO GERAL DA


PESQUISA REALIZADA

A pesquisa realizada pretendeu apresentar as contribuições da lei-


tura de poesia para a formação humana e crítica do aluno de Ensino
Médio, considerando a relevância de um trabalho pedagógico com esse
gênero em sala de aula, desenvolvido durante o Curso de Mestrado
no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade
Federal de Goiás – CEPAE/UFG, de 2013 a 2015. Objetivou-se apre-
sentar, em linhas gerais, o trabalho com a prática da leitura de poesia
no primeiro ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Dom Abel-SPL
(Setor Pedro Ludovico) no município de Goiânia-GO, e consequente-
mente, algumas considerações acerca da leitura do gênero lírico que
sustentavam a proposta da pesquisa.
Foi relevante refletir sobre a importância da poesia para a forma-
ção crítica e a formação humana, num mundo marcado pela tecnologia
e pela massificação, de modo a se buscar uma sociedade mais reflexiva,
sensível e crítica. O propósito foi estabelecer um diálogo com alguns
teóricos que defendem a poesia como gênero lírico e que merece uma
atenção especial dada à sua relevância para a formação ética, humana
e crítica do indivíduo, à medida que apresenta uma especificidade de
linguagem que é um dos adequados meios de aquisição de saber e pode
revelar um mundo mais crítico e sensível para os adolescentes bem
como aproximá-los da leitura literária. Para tanto, utilizou-se como re-
ferencial teórico: Jorge Larrosa (2000), Antonio Candido (2004), To-
dorov (2009), Octávio Paz (1993); Adorno (1995) e os documentos Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 1996); Parâme-
tros Curriculares Nacionais (PCNs, 1999); Orientações Curriculares
para o Ensino Médio (OCPEM, 2006), entre outros.
Sabe-se que gênero lírico é pouco lido na escola. Além disso, a poe-
sia é dotada de uma elaboração estética que mais diretamente se liga aos
sentidos em razão de seu caráter mais subjetivo e que, pelo menos aos
olhos de leitores que a frequentam menos, parece ter os sentidos mais
cifrados. E como o texto poético é um tipo de texto mais cifrado em me-
táforas, elipses, jogos sonoros, semânticos e outros vários recursos de

63
Formação do leitor literário

que se constitui, ele tem o poder de instigar mais o leitor criticamente


na busca da produção de sentidos. Isso pode colocar o gênero a frente de
outros textos na formação de um leitor mais autônomo.
O corpus de análise escolhido para a intervenção em sala de aula
foi a produção poética de dois poetas modernos, Carlos Drummond
de Andrade e Manuel Bandeira, e de dois contemporâneos, José Pau-
lo Paes e Paulo Leminski. A escolha desses quatro poetas deveu-se ao
fato de que, numa linguagem cotidiana e esteticamente bem elabora-
da, eles desenvolvem poemas que tocam os dramas humanos, muitos
deles vividos pelos adolescentes em formação. 
Assim, ao pretender contribuir para a formação de leitores de poe-
sia na sala de aula, e nesse âmbito, desenvolver estudos teóricos sobre
a relação entre poesia e humanização, poesia e criticidade, estabele-
ceu-se como metodologia a elaboração/execução de uma sequência di-
dática de leitura de poesia aplicada em uma turma de Ensino Médio,
previamente planejada, e foram aplicados questionários para que hou-
vesse a comprovação ou não da contribuição da poesia. Dessa forma,
toda a equipe da Unidade Escolar foi mobilizada e empenhou-se na
execução do projeto, juntamente com a pesquisadora.

2. APRESENTAÇÃO DA CONCEPÇÃO DO PRODUTO E


SUA RELAÇÃO COM A PESQUISA

Após o término da aplicação da Sequência Didática durante a parte


prática da pesquisa, um produto final foi elaborado com caráter peda-
gógico para que servisse de material a ser consultado por professores,
alunos, pesquisadores e futuros alunos do curso de mestrado.
A proposta de criação de um site surgiu quando, em sala de aula,
alunos e professores-titulares da turma investigada manifestaram in-
teresse em pesquisar os poemas lidos e ver as análises acontecidas na
sala de aula publicadas. A proposta de um trabalho com a literatura
no Ensino Médio era para que não se pautasse apenas na historiogra-
fia das escolas literárias, na metaleitura e evitasse, assim, somente a
leitura de fragmentos.

64
Formação do leitor literário

É sabido que isso tudo ocorre, apesar de a crítica a essa aborda-


gem na escola já ter sido colocada em xeque desde a década de 1960.
Autores como Costa Lima (1995), Zilberman (1989 e 2008), Malard
(2007) e os Documentos Oficiais do MEC desenvolvem estudos que
apontam essa problemática com críticas severas acerca do problema.
Tais estudos contribuem também para a percepção de que o texto lite-
rário não pode assumir papel secundário nas aulas, uma vez que uma
prática voltada tão somente para leitura de fragmentos de textos ou de
resumo de obras não desencadeará a formação leitora. A consequência
mais grave desse fato é que os estudantes brasileiros continuam entre
os que têm menor nível de compreensão de leitura no mundo, segun-
do dados da Unesco (2012). As Orientações Curriculares para o Ensi-
no Médio (2006) reconhecem a gravidade da situação e seleciona dois
aspectos que merecem destaque. O primeiro conclama as finalidades
atribuídas a essa modalidade: “o aprimoramento do educando como
ser humano, sua formação ética, desenvolvimento de sua autonomia
intelectual e de seu pensamento crítico, sua preparação para o mundo
do trabalho e o desenvolvimento de competências para continuar seu
aprendizado.” (Art. 35).
Diante do desafio dos profissionais de literatura, levar o jovem à
leitura de obras do patrimônio literário, sendo elas recentes ou clás-
sicas, que tenham sido legitimadas como obras de reconhecido valor
estético, capazes de propiciar uma fruição estética, mediante a qual
o aluno terá acesso a outra forma de conhecimento de si e do mundo
para melhor usufruir de uma leitura realizada.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ensino Médio
(1999) sugerem a promoção da estética da sensibilidade, isto é, ressal-
tam o enobrecimento dos sentimentos como fator preponderante para
a formação humana dos jovens. Logo, uma educação pela poesia, como a
defendida na pesquisa levou ao desenvolvimento de ações que colaboras-
sem para a evolução do pensamento crítico, da consciência, do espírito
humano e da afetividade. Pautou-se, dessa forma, no que o Documento
destaca ao referir sobre o trabalho com poesia “estimula a criatividade,
o espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado, a afetividade, para fa-
cilitar a constituição de identidades capazes de suportar a inquietação,
conviver com o incerto, o imprevisível, o diferente” (PCN, 1999, p.75).

65
Formação do leitor literário

A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN,


1996), no inciso III do Capítulo 35, orienta que a escola precisa promo-
ver, além do pensamento crítico e da autonomia intelectual, a forma-
ção humana e ética dos educandos.
Tomando por base, principalmente a LDBEN, acerca do leitor crí-
tico e autônomo Ezequiel Teodoro da Silva (2002, p.26) faz a defesa
da criticidade como elemento básico da leitura. O estudioso esclarece
que é pela leitura crítica que o leitor abala o mundo das certezas. Ora,
leitura crítica e autonomia caminham juntas. Silva (2002) ainda asse-
vera que esse mesmo leitor “elabora e dinamiza os conflitos, organiza
sínteses”. Ele é o que “combate assiduamente qualquer tipo de confor-
mismo, qualquer tipo de escravidão de ideias referidas pelos textos”.
Ao fazer a intervenção em sala de aula e, posteriormente, a pro-
dução do site, o ponto de partida de que se lançou mão para proceder
às considerações foi uma seleta de poemas da obra dos quatro poetas
objetos da pesquisa.

3. RELATO DA EXPERIÊNCIA DE APLICAÇÃO


DO PRODUTO CONTENDO A APRESENTAÇÃO DE
IMAGENS, VIDEOS, FOTOS, ÁUDIO, LINKS E OUTROS

Foram aplicados questionários e feita a produção de um memorial


de leitura cujas propostas se conformam com os objetivos da investi-
gação; aplicaram-se, também, atividades de análise crítica de alguns
poemas; bem como problematizaram-se o ensino de literatura na esco-
la e a leitura de poesia na sala de aula; a leitura e a interpretação de tex-
tos poéticos foram motivados como fundamentos de compreensão de
mundo e construção de conhecimento e da cidadania; possibilitou-se a
vivência de emoções, o exercício da fantasia, da imaginação e da criti-
cidade; proporcionou-se ao aluno leitor, por meio da leitura, a oportu-
nidade de alargamento dos horizontes pessoais e culturais, avalizando
a sua formação crítica e emancipadora.
Em relação ao trabalho em sala de aula, traçou-se um itinerário
para se ler a poesia de Carlos Drummond de Andrade e de Manuel
Bandeira, a partir poemas cujos recursos estilísticos lhes dão um ca-

66
Formação do leitor literário

ráter singular na modernidade lírica brasileira e cujos temas tocam os


dramas humanos, possibilitam ativar a sensibilidade e, consequen-
temente, colaborar para a formação humana. Após situar no contex-
to da produção literária desses dois poetas modernos, abordou-se a
contemporaneidade de José Paulo Paes, que apresenta uma poética
marcadamente irônica e concisa, com poemas concretos que contri-
buem significativamente para a formação do leitor crítico, e de Paulo
Leminski Filho, que apresenta a irreverência, a concisão e o cunho
libertário em seus poemas.
Por fim, apresentaram-se os resultados da pesquisa aplicada e da
receptividade dos alunos nas aulas de poesia. Tal tópico teve caráter
interpretativo, pois, a partir dos dados coletados, apresentaram-se o
relatório e a análise das atividades de leitura de poesia desenvolvidas
no ambiente escolar pesquisado, assim como a apresentação dos par-
ticipantes da pesquisa. Concomitantemente a isso, teceram-se comen-
tários e reflexões teóricas acerca do ensino de literatura, especifica-
mente, de poesia na escola.
O gênero lírico, de acordo com relato de alguns escritores, é consi-
derado relevante para a formação de leitores. Dessa forma, o trabalho
com poesia discutiu e analisou a relação docente na escola e a funcio-
nalidade da leitura com professores mediadores, coordenadores peda-
gógicos e alunos leitores. Então, buscou-se desenvolver o trabalho com
a prática da leitura, em vista de que a voz do aluno precisa ser levada
em consideração para que se possa compreender o processo de recep-
ção do texto literário e, para, a partir de então, consolidar a formação
dos jovens leitores de literatura mediada pela escola.
Trabalhar a leitura da poesia dos poetas propostos como corpus
de análise Drummond, Bandeira, Leminski e Paes foi uma experiên-
cia que, pode se afirmar, possibilitou a formação humana e crítica dos
alunos. Isso pode ser notado nas respostas de alguns deles durante a
aplicação dos questionários e das atividades, como a de T.O.S.A., por
exemplo, em relação aos poemas lidos: “sim, tem alguns que tocam a
gente e se coloca em reflexão.” Mas, evidenciou-se, também, em todos
os instrumentos de coleta de dados, que a mediação do professor, a sua
intervenção como um leitor atuante e cioso de sua responsabilidade

67
Formação do leitor literário

pode despertar o aluno em formação para o prazer, o dever e a neces-


sidade de ler é fator preponderante quando o assunto é a relação com
o texto poético.
A leitura do poema O verbo ser, de Carlos Drummond de Andrade,
por exemplo, conforme a imagem contida no link: http://formacao-de-
-leitores-literarios.webnode.com//#c-drummond-de-andrade-jpg foi
uma aula surpreendente porque mexeu com os ideais da turma, uma
vez que de forma geral, faltava sonhos aos muitos dos alunos pesqui-
sados. Eles não sabiam o que queriam ser profissionalmente. A poesia
possibilitou-lhes o mergulho interior e a reflexão sobre a vida, o ser e
as indagações propostas no próprio poema.

Poema Verbo Ser – Carlos Drummond - CleuniceRibeiro_02.jpg

A apresentação das imagens, vídeos, fotos, áudio, links e outros,


estão contidas no site: http://formacao-de-leitores-literarios.webno-
de.com// divididas em sessões.

68
Formação do leitor literário

4. DIVULGAÇÃO DE SUA FORMA DE ACESSO/


COMPARTILHAMENTO OU A PRÓPRIA
DISPONIBILIDADE DO PRODUTO

O produto final do trabalho da pesquisa está disponibilizado no


site http://formacao-de-leitores-literarios.webnode.com// ela-
borado para a formação do leitor literário por meio do projeto “A prá-
tica da leitura de poesia para a formação humana e crítica do
aluno no Ensino Médio. O material é o próprio produto final da in-
vestigação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Mestrado
Profissional do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (CE-
PAE-UFG, na área de concentração: Estudos Literários.
O trabalho de leitura foi realizado no Colégio Estadual Dom Abel
– SPL (Setor Pedro Ludovico) de maio a novembro de 2014. Durante
esse período, foi investigado como a prática de leitura de poesia pode
contribuir para a formação humana e crítica do aluno no Ensino Mé-
dio. Logo, por meio de uma sequência didática, de questionários e de
leitura diária, aplicados na sala da 1ª série do Ensino Médio, foi pos-
sível criar o site com o intuito de promover um material de pesquisa a
professores, pesquisadores, mediadores de leitura, dinamizadores de
biblioteca, alunos, pais e outros.
O site possui estrutura simples e de fácil acesso. Cada parte foi
descrita de forma detalhada e contém o material usado na pesquisa.
Esperou-se com isso que as sugestões abordadas pudessem ajudar
mediadores a proporcionarem uma melhor dinamização e fruição de
leitura a seus alunos e facilitar seu trabalho como professor.
Na estrutura do Produto Final, a qual apresenta o site, pode-se
ser acessada a galeria de fotos com a transcrição de poemas que foram
lidos e expostos em um banner na sala de aula: Acesso: http://forma-
cao-de-leitores-literarios.webnode.com/galeria-de-fotos/
Há o que se chamou de Produtos dentro do site para a efetivação
da pesquisa. Nele, temos: “Ideias criativas para Leituras que vão além
dos livros”. Acesso: http://formacao-de-leitores-literarios.we-
bnode.com/products/ideias-criativas-para-leituras-que-vao-
-alem-dos-livros/

69
Formação do leitor literário

Também, pode ser acessado os “Painéis de bilhetes afetivos após


leitura de poesia em sala de aula.” Acesso: https://formacao-de-leito-
res-literarios.webnode.com/produtos/
Um terceiro “produto” é a “Sequência didática de leitura de poesia:
uma experiência leitora”. Acesso: http://formacao-de-leitores-li-
terarios.webnode.com/products/produto-2/
Os vídeos postados foram materiais importantes no desenvolvi-
mento da Sequência Didática e estão todos disponíveis no YouTube,
conforme consta no endereço eletrônico: http://formacao-de-leito-
res-literarios.webnode.com/news/videos-usados-em-sala-de-
-aula-fonte-youtube/
Outro aspecto que muito contribuiu com os professores e com a
pesquisa em sala de aula foram as análises do poemas lidos. Convém
ressaltar que nem todas estão disponíveis, entretanto, as que estão
no http://formacao-de-leitores-literarios.webnode.com/news/
analise-de-poemas/ refletem a necessidade de mais postagens nesse
aspecto para o envolvimento do aluno.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O ALCANCE DO


PRODUTO, A AVALIAÇÃO DE SUA APLICAÇÃO

Os participantes da pesquisa, no início, não estavam acostumados


com a leitura de textos poéticos. Eles faziam piadinhas, tinham dificul-
dades com a leitura expressiva e oral dos poemas, saíam da sala de aula,
ridicularizavam alguma situação durante a leitura e outras situações
desconfortáveis. Com a aplicação da Sequência Didática, descobrimos
uma forma de lidar com os problemas que impediam o envolvimento
dos alunos com a leitura e isso foi uma espécie de sedução pela poe-
sia. Conforme os relatos comprovam, alunos que diziam não gostar de
poesia passaram a ter boa aceitação do gênero poético e também a se
interessarem pela leitura.
Pelo fato de a poesia tocar, de maneira inusitada, em temas e dra-
mas vividos pelos alunos, tais como amor, morte, enfrentamento de pro-
blemas, política, medos e outros, acredita-se que o desenvolvimento da

70
Formação do leitor literário

sequência didática, e posteriormente a postagem dos resultados no


site, considerando-se as limitações de tempo e condições de trabalho,
contribuiu sim para que os alunos:
1) manifestassem sensibilidade em relação à dor do outro, como
se pode comprovar com a leitura do poema Morte do leiteiro; 2) revelas-
sem convicção de que a leitura dos textos, com a ajuda dos professores
mediadores, contribui para darem respostas coerentes em outras dis-
ciplinas diferentes do Português, como em Filosofia, por exemplo, em
que professora dessa disciplina ressaltou que os alunos haviam apro-
fundado a argumentação nas respostas dadas às atividades de Filoso-
fia. 3) expusessem a repulsa inicial pela poesia, em virtude da dificul-
dade que têm em relação ao domínio vocabular e, consequentemente,
em relação à compreensão do texto; em contrapartida passassem a ler,
compreender e gostar dos textos poéticos. 4) expusessem, também,
que o auxílio de um leitor mais maduro, no caso, o mediador, ajuda a
compreender o vocabulário, a entender o texto e, assim, a gostar dele;
5) inserissem a poesia no rol dos tipos de textos mais apreciados por
eles; 5) manifestassem que a poesia mudou-lhes de alguma forma o
ponto de vista; 6) reafirmassem a orientação de pais e professores de
que a leitura é fundamental.
O tom elogioso da leitura e da poesia nos diferentes tipos de dados
desta pesquisa pode até revelar a reprodução, pelo aluno, dos vários
discursos sobre leitura: o da mídia, o dos pais, o dos professores, etc.
A diferença é que eles puderam vivenciá-la de perto. Tiveram contato
corpo a corpo com o texto, apreciaram cada palavra e deram significa-
dos a elas.
Se, com o trabalho, houve ou não transformação de uma realida-
de, é difícil medir, mesmo com os dados que comprovam, por se tratar
de algo subjetivo como a formação humana. Cada aluno com seus va-
lores e atitudes é quem poderá confirmar isso (ou não) para si mesmo.
Importante, porém, saber que um deles disse em algum momento:
[a poesia] nos faz pensar nas coisas mais simples que as vezes passam
despercebidas por nós. [A.A.S.L.]
Dessa forma, constata-se que este trabalho, como qualquer outro,
possui limitações. Acredita-se, no entanto, que ele alcançou (trans)

71
Formação do leitor literário

formação, pois o encanto está na singularidade com que a leitura de


poesia se realiza, uma vez que cada leitor possui vivências, experiên-
cias, emoções únicas, diferentes e irrepetíveis e, consequentemente,
também, o seu modo de ler será ímpar, ainda que percorra caminhos
bem definidos para se chegar aos sentidos do texto.
Com a aplicação do Produto Final, a produção do site serviu de re-
ferência para os demais pesquisadores do Curso de Mestrado do Cen-
tro de Pesquisa Aplicada à Educação – CEPAE/UFG. Além disso, o site
foi divulgado para os professores da Rede Estadual de Ensino, o que
possibilitou a aplicação da Sequência Didática em outras Escolas Esta-
duais da Rede.

6. Referências

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Trad. Wolfgang Leo


Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
_______. Palestra sobre lírica e sociedade. In: Notas de literatura
I. Tradução: Jorge de Almeida. São Paulo: Ed. 34 /Duas Cidades, 2003.
BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e filosofia da lingua-
gem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira, colaboração de
Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. 12. ed. São
Paulo: Hucitec, 2006.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio –Lin-
guagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério da Educação,
2000.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. Rio de
Janeiro: Ouro sobre azul / São Paulo: Duas cidades, 2004.
_______. A literatura e a formação do homem. Ciência e cultura.
São Paulo. USP, 1972.
CRUVINEL, M. F. A literatura no ensino médio: uma experiência do
CEPAE-UFG. Itinerários (UNESP), Araraquara, p. 123-132, 2001.
_______. Formação do leitor: formação do sujeito. Presença Pedagó-
gica, v. v. 16, p. 13-19, 2010.

72
Formação do leitor literário

LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascara-


das/ 3ª Ed. Belo Horizonte, Autêntica, 2000.
LIMA, Luiz Costa. Lira e antilira: Mário, Drummond, Cabral. 2ª edi-
ção revista. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.
MALARD, Letícia. 110 anos de crítica literária. Disponível em
http://www.academia.org.br/abl/media/RB52%20-%20PROSA-03.
pdf; 2007 , p.115-128.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA/SEB. Orientações Curri-
culares Nacionais (ensino médio). Literatura. Ministério da Educação.
Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Brasília, 2006.
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nologias. Brasília: MEC/ Semtec, 2002.
______. Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBs).
Brasília: MEC, 1996.
PAZ, Octávio. A outra voz. Tradução: Waldir Dupont. São Paulo: Sici-
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2009, Campinas-SP. Anais do Congresso de Leitura do Brasil. Campi-
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TODOROV, Tzevetan. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DI-
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ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatu-
ra. São Paulo: Ática, 1989.
ZILBERMAN, Regina e SILVA Ezequiel Teodoro da. Literatura e Pe-
dagogia: ponto e contraponto. 2. Ed. São Paulo: Global, 2008.

73
O ENSINO DE GÊNEROS
RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

Audiney José Pereira

Luzia Rodrigues Silva


Professora do CEPAE/UFG
O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

1. Introdução

A escrita de textos de gêneros retóricos é essencial às práticas le-


tradas de uma sociedade democrática. Diante disso, torna-se impor-
tante às mediações formativas escolares o desenvolvimento de in-
tervenções pedagógicas voltadas para o ensino desses gêneros. Esta
pesquisa constrói eventos de letramento que visam ao ensino da es-
crita como prática social. O objetivo geral de pesquisa é investigar os
fatores que contribuem para a ampliação das competências discursivas
dos educandos, por meio do trabalho com gêneros retóricos que rea-
lizam o tipo dissertativo. Para alcançar esse objetivo, realizamos uma
pesquisa qualitativa aplicada, cujas ações se apoiaram em uma posição
bakhtiniana, em que a linguagem deve ser considerada por seu caráter
ideológico e pelos usos e formas reais de comunicação construídas e
utilizadas pelos falantes na interação verbal (BAKHTIN, 1992).
Nossa pesquisa caracteriza o produto. Nela, foram aplicadas se-
quências didáticas como forma de viabilizar as intervenções pedagó-
gicas visando à ampliação da competência discursiva dos educandos
que participavam como sujeitos da pesquisa. Todo o trabalho relatado,
a metodologia, os procedimentos de intervenção didática – realizados
por meio de sequências didáticas descritas neste – e o site que com-
põem a pesquisa são elementos objetivos que caracterizam o produto.
Esses elementos podem ser acessados por meio da dissertação publica-
da ou, de forma mais didática, por meio das sequências didáticas e do
relato de procedimentos publicados no site 100temas.webnode.com.
Segundo autores como Camps e Dolz (1995), bem como Perelman
(2001), pesquisas têm indicado que há bastante dificuldade por parte
de estudantes em desenvolver textos com argumentação sistemática
(afirmativas, dados de sustentação e relação) e respeito aos níveis de
coerência, especialmente as metarregras (Cf. CHAROLLES, 1978).
Em relação à argumentação, em textos escritos que compõem gê-
neros retóricos, Dolz (1994) discute que, em uma conversação “cara a
cara”, é relativamente fácil para os estudantes levar em consideração
o ponto de vista do outro e formular um posicionamento próprio; po-
rém, na atividade escrita “ele deve realizar um esforço muito maior

75
O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

para identificar a finalidade e o destinatário do discurso. A diferencia-


ção entre seu ponto de vista e o do adversário continua sendo proble-
mática” (DOLZ, 1994, p. 21).
Pudemos evidenciar pela pesquisa que – conforme posição de Ge-
raldi (2010) e Bawarshi e Reiff (2013) – o conhecimento das formas
tipificadas do gênero não se transforma, necessariamente, em domí-
nio da produção escrita desse gênero. Constatamos, ainda, que há uma
profunda vontade dos estudantes de se tornarem proficientes na es-
crita de gêneros retóricos. Essa vontade é revelada por meio de me-
diações formativas que valorizem a voz, a escuta e o diálogo com os
educandos, em interações, cuja análise esclarece sobre aquilo que os
estudantes projetam em relação às questões pragmáticas do discurso.
A pesquisa evidenciou que é no aspecto ideológico do signo – onde o
objeto é inesgotável – que se situam as dúvidas dos educandos. Nesse
caso, intervenções pedagógicas baseadas nas categorias bakhtinianas
do cronotopo, da tematização e do dialogismo se mostraram pedago-
gicamente poderosas para contribuir com a ampliação da competência
discursiva dos estudantes.

2. Procedimentos metodológicos

Para a aplicação da pesquisa, foram projetadas interlocuções de


dois tipos. As interlocuções de primeiro tipo foram aquelas que ocor-
reram em sala de aula com todos os estudantes ao mesmo tempo: pre-
paração de conteúdo, estudo dos gêneros (artigo de opinão, pesquisa
de opinião, entrevista e reportagem) e de aspectos textuais e pragmá-
ticos, primeira produção, leitura e comentário dos textos dos colegas
(a partir de fichas) e a produção textual final.
As interlocuções de segundo tipo ocorreram em momento de aula.
Nessas interlocuções, nós nos reuníamos separadamente com cada
grupo (em sala separada). Houve dois blocos de interlocução de 2º tipo.
No primeiro bloco, que antecedeu a primeira produção, os estudantes
leram em grupo textos que eles haviam escrito como trabalhos de ou-
tras disciplinas. No segundo bloco, os estudantes discutiam em grupo
os seus textos (1ª produção: artigo de opinião), liam os apontamentos

76
O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

feitos sobre seus textos na ficha de leitura feita pelo colega, dialoga-
vam conosco e eram instados a, se quisessem, realizar modificações
em seus textos e produzir a versão final do artigo de opinião.
O trabalho de preparação do conteúdo (Cf, DOLZ, NOVERRAZ
e SCHNEUWLY, 2001) foi realizado em oito aulas, considerando-se o
momento da primeira intervenção em sala até o momento da primeira
produção. Foram quatro encontros, em oito aulas duplas. No terceiro
encontro, os estudantes foram levados ao laboratório de informática e,
em grupo, instados a desenvolver as seguintes atividades: a) Determi-
nar conceitos e ideias relevantes para a discussão e criar uma definição
para, ao menos, um tópico da discussão. b) Ler a entrevista realizada
com professores e observar: o ponto de vista do destinatário, os tó-
picos (pontos/questões) que ele levantava e as informações que cita-
va. Em grupo, os estudantes anotavam nos cadernos tudo aquilo que
achavam importante sobre a entrevista e escreviam a definição de um
tópico. Em seguida, nós discutíamos com cada grupo questionando so-
bre as definições construídas – sua extensão e precisão – e a relação
delas com conceitos e ideias. Nesse caso, discutíamos se as definições
construídas observavam conceitos das áreas de conhecimento ou so-
bre como poderiam ser relacionadas aos pontos de vista (ideias). No
quarto encontro, os estudantes foram orientados a acessar um con-
junto de fontes – por meio digital ou dos diversos textos impressos
levados por nós como fonte – e levantar:
a. as principais opiniões sobre o tema;
b. argumentos favoráveis e contrários em relação às opiniões mais
comuns;
c. informações importantes e forma como se relacionavam com o
tema;
d. as informações e explicações importantes que se relacionavam
ou poderiam se relacionar ao ponto de vista do destinatário; e
e. as pesquisas científicas e/ou fatos históricos que poderiam se
relacionar com o tema. Pedimos também que os estudantes
construíssem um resumo de pontos de vista e explicações e um
quadro com dados: estatísticas, citação de fatos históricos, re-
ferência a pesquisas e/ou indicação de conceitos relevantes na

77
O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

construção de argumentos. Depois de realizada essa atividade,


reunimo-nos com cada grupo. Nesse momento, a interlocução
foi conduzida por meio das seguintes perguntas:
a. Em qual(is) aspecto(s) o tema é polêmico ou conflituoso?
b. Nesse(s) aspecto(s), quais os pontos de vista existentes e a quais
grupos sociais eles estavam relacionados?
c. Quais são os argumentos desses grupos? E como eles poderiam
ser discutidos, comentados, replicados e/ou reforçados?
No quarto encontro, os estudantes foram instados a ler artigos de
opinião e editoriais jornalísticos, observando:
a. enunciação clara do ponto de vista;
b. presença de argumentos;
c. aspecto polêmico da discussão;
d. diálogo com o destinatário; e
e. as marcas linguísticas da textualidade do gênero. Essa foi a
atividade que antecedeu a primeira produção.
As interlocuções de 2º tipo foram divididas em dois blocos. O pri-
meiro bloco ocorreu na fase de preparação do conteúdo (sequência di-
dática), anterior à primeira produção dos estudantes. Nesse primeiro
bloco, os estudantes escolhiam um texto escrito durante alguma ativi-
dade escolar e entregavam a um colega do grupo para que fosse lido e
comentado. Definimos em sala, no diálogo com os estudantes, que to-
dos leriam textos escritos para as disciplinas de Sociologia e Filosofia.
Todos os textos eram de tipo dissertativo e impunham a exigência da
argumentação sistemática.
Nas reuniões com os grupos, separadamente, os estudantes foram
instados a lerem os textos dos colegas e fazerem um comentário focan-
do as seguintes questões:
1. Houve a enunciação de um ponto de vista? Ele está claro?
2. Podem-se detectar argumentos no texto (explícitos ou implícitos)?
3. Quais dados sustentam o ponto de vista e onde ocorrem as ex-
plicações desses dados?

78
O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

4. Há aspectos ou tópicos do texto que poderiam ou deveriam ser


mais detalhados? Depois de ouvir o comentário do colega, o au-
tor do texto era instado a:
a. enunciar qual era seu propósito comunicativo;
b. comentar os argumentos que desenvolveu e indicar as informa-
ções em que se baseou; e
c. comentar – considerando as observações do leitor – as explica-
ções e informações que considerou importante enunciar (expli-
citar) e quais considerou que seriam facilmente dedutíveis pelo
interlocutor. Esse procedimento (2º tipo) de interlocução – pri-
meiro bloco com grupos – durou um período de duas semanas,
durante três dias de cada semana, com encontros de uma aula
com cada grupo.
Houve um encontro para cada grupo. Além do ponto de vista, do
grau de explicitude das informações e suficiência dos dados, do propó-
sito comunicativo e dos argumentos, nessa interlocução realizada com
os grupos, buscamos orientar os estudantes sobre a importância de a
argumentação inserir-se em um debate com os autores e fontes, bem
como acompanhar o surgimento de fatos e dados novos. Nesse caso,
trata-se do comprometimento pedagógico com o desenvolvimento de
posturas críticas e reflexivas. A 1ª produção ocorreu depois do mo-
mento em que o primeiro bloco de procedimentos de 2º tipo havia aca-
bado. Os artigos de opinião foram produzidos em sala de aula, em um
período de 90 minutos. Pedimos aos estudantes que, nesse período, se
concentrassem na escrita do texto.
Realizada a primeira produção, analisamos os textos dos estudan-
tes observando:
a. a enunciação do ponto de vista;
b. as sequências e a argumentação;
c. a informatividade; e
d. o pensamento crítico.
Conhecendo-se essas características da 1ª produção, apresenta-
mos a seguinte ficha aos estudantes, orientando-os para procurarem
detalhar as respostas:

79
O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

Leia o texto de um colega e procure identificar:


1. O texto satisfez os requisitos da situação de comunicação e
do gênero artigo de opinião: Interlocução (referência a falas,
ideias, opiniões, fatos citados pelo destinatário)? Se sim, indi-
que o ponto no texto em que isso ocorre.
2. Quais são as afirmativas que expressam o ponto de vista do
enunciador? Quais dessas afirmativas poderiam/deveriam ser
sustentadas com explicações/argumentos?
3. Quais tópicos (pontos, questões, fatos, conceitos) parecem re-
levantes no texto e poderiam ser desenvolvidos (explicados, co-
mentados, fundamentados com dados) para sustentar as opi-
niões do enunciador? Quais informações seriam importantes?
4. Qual é, em sua opinião, o argumento mais relevante do texto?
Ele está explicitado com explicações relacionando fatos e opi-
niões, apresentando e detalhando informações importantes?
Se sim, indique em qual parte. Se não, indique o que deveria ser
explicitado (escrito no texto) para melhor esclarecer e funda-
mentar o argumento.
O procedimento com a ficha durou duas aulas (1 hora e 40 minu-
tos) e consistia em cada estudante ler um texto de um membro de seu
grupo e responder – individualmente – a ficha. Os estudantes foram
orientados que não deveriam pedir esclarecimentos aos colegas, bus-
cando responder a ficha apenas por meio da leitura do texto e de seu
conhecimento ou pesquisa. Ainda como parte dessa interlocução, os
estudantes foram orientados a realizar leituras e discussões sobre a
temática de seu grupo, pois seriam realizadas novas interlocuções com
os grupos (de 2º tipo e 2º bloco) e eles seriam orientados a fazer a pro-
dução final.
A produção final referente ao gênero artigo de opinião ocorreu na
8ª semana de intervenção. A produção final foi realizada por grupos.
Nós nos reuníamos com cada grupo ao longo da aula e os estudantes
eram orientados a realizar modificações nos seus textos – se julgassem
necessário – considerando as respostas das fichas preenchidas pelos
colegas e a interlocução que realizamos. O estudante podia debater
com os colegas e pedir esclarecimentos ao colega que havia preenchido

80
O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

a ficha. Nesse procedimento, realizado em momentos diferentes em


cada grupo, orientamos que a produção final poderia ser realizada con-
siderando os seguintes aspectos:
a. Interlocução com o destinatário;
b. Presença de argumentos;
c. Suficiência de dados (informatividade);
d. Pensamento Crítico; e
e. Observação das considerações feitas na ficha de leitura, respon-
dida por um colega do grupo que leu a primeira produção.
A intervenção foi mediada pelas dúvidas e questionamentos le-
vantados pelos educandos. De forma geral, a interlocução focou ques-
tões relativas à informatividade, à argumentação e às sequências, à
orientação apreciativa do tema na sociedade, à tematização e à crono-
topia (BAKHTIN, 2002).
Para a escrita do gênero reportagem, que ocorreu logo depois da
produção final do gênero artigo de opinião, foram realizadas interven-
ções que buscavam refletir sobre os elementos das sequências do gê-
nero, o contexto em que ele circula e a sua relação com outros gêneros
de acordo com o suporte. Nesse caso, trata-se dos gêneros pesquisa
de opinião e reportagem. Os estudantes se reuniram em grupos para
definirem:
a. as informações e ideias de seus textos que comporiam a man-
chete;
b. o ponto de vista que assumiriam; e
c. as informações da pesquisa de opinião realizada que seriam
usadas e comentadas na reportagem.
Para o estudo dos aspectos da reportagem, foram distribuídos tex-
tos desse gênero para os estudantes os quais, depois da leitura, defi-
niram os seguintes pontos como relevantes em uma reportagem, que
assim podem ser sintetizados:
a. riqueza e detalhamento de informações relativas a um tópico;
b. recorrência ao discurso de autoridade, com citação de pesqui-
sas, estudos e especialistas;

81
O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

c. ponto de vista difuso;


d. presença de vários suportes e argumentos para um ponto de
vista;
e. contextualização com recorrência à história;
f. topicalização por títulos, chamadas e imagens;
g. presença de links para acesso de informações mais detalhadas
sobre pesquisas de opinião e estudos; e
h. referência a fontes e preocupação com sua credibilidade/auto-
ridade/posição.
Todas essas intervenções didáticas expressam o projeto de traba-
lho com gêneros retóricos, visando à ampliação das competências dis-
cursivas dos educandos. O projeto e as intervenções foram repensados
ao longo da pesquisa, especialmente no momento das interlocuções
de 2º tipo e 2º bloco (produção final). Até então, as intervenções fo-
cavam questões relacionadas ao trabalho com o conteúdo temático,
com as marcas linguísticas e textuais genéricas e com o pensamento
crítico. Entretanto, durante a nossa práxis pedagógica, consideramos
necessário – diante dos questionamentos dos educandos – buscar nas
categorias bakhtinianas relacionadas ao centro organizador dos gêne-
ros (cronotopia/unidade) e ao caráter ideológico do signo (orientação
apreciativa e tematização) uma base para as intervenções, que fosse
capaz de criar uma interação verbal qualificada o suficiente para con-
tribuir com a ampliação das competências discursivas daqueles estu-
dantes que apresentaram maior dificuldade.

3. Intervenções pedagógicas

No momento da produção final, realizada por meio da interlocu-


ção com os grupos e conosco, os estudantes apresentaram os seguintes
questionamentos: qual o grau de explicitude das informações que esses
gêneros (retóricos) impõem? Qual é a forma em que um argumento es-
truturado ocorre? É sempre em forma de silogismo? Por que os gêne-
ros como o artigo de opinião, o editorial e a manchete eram marcados

82
O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

pela argumentação sistemática? Por que ou quando se precisa indicar


a fonte bibliográfica? A quais fontes recorrer e por quê? Por que a per-
cepção sobre o valor e as qualidades de um texto pode variar tanto de
um leitor para ou outro? Como se orientar no sentido de produzir “um
texto bom”, adequado aos objetivos visados e poderoso na situação de
comunicação em que se coloca?
A interlocução com o grupo centrou-se na tentativa de demons-
trar – por meio da citação de textos – que grande parte da força retóri-
ca de uma ação de linguagem está no discurso realizado em um gênero
adequado, não necessariamente na argumentação (sistemática).
A força retórica do discurso depende de sua capacidade de mobili-
zar/modificar a posição epistemológica dos destinatários e isso – apesar
do peso exercido pela coerência argumentativa, a sistematicidade dos ar-
gumentos e a interação entre eles e o ponto de vista, no caso dos gêneros
retóricos – pode ser realizado pelas afirmativas, pela apresentação dos
dados, pelo tipo de análise/discussão levantada no texto ou pela relação
proposta para os tópicos relevantes na discussão. Todos esses elemen-
tos – ou alguns deles apenas – podem estabelecer mais diálogo ou cau-
sar mais reflexão no destinatário do que simplesmente a argumentação
sistemática. Isso se dará em função sempre do conhecimento de mundo
do destinatário, do conhecimento compartilhado e da capacidade do(s)
destinatário e/ou público de acionar informações no intertexto, relacio-
ná-las com aquilo que foi textualizado pelo enunciador e, em seguida,
atribuir-lhes um sentido. Nesse sentido, percebemos a importância de
um sistema de referências reconhecido pelos interlocutores, de um sis-
tema de epistemologias, pois é isso que torna possível o acordo entre
espíritos (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA), em especial, criando o
consenso sobre aquilo que é relevante na discussão.
A partir dessa interlocução, começamos a entender que os ques-
tionamentos e dúvidas mais frequentes – e que colocam maior dificul-
dade à ação docente, visando a ampliação da competência discursiva
dos educandos – diziam mais respeito às questões cronotópicas desses
gêneros, bem como a fatores como tematização e acabamento.
Outro procedimento da intervenção didática, realizado junto ao
grupo dos estudantes, consistiu em realizar uma valoração positiva
daquilo que o estudante havia escrito. Para isso, procuramos demons-

83
O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

trar que – considerando o gênero artigo de opinião – a primeira pro-


dução demonstrava conhecimento do estudante sobre escrita e capaci-
dade de escrita. Apontamos que os primeiros textos estabeleciam uma
interlocução com o destinatário, indicavam tópicos relevantes para a
discussão, possuíam uma orientação argumentativa clara e ainda apre-
sentavam uma capacidade crítica expressa na comparação de situações
entre drogas legais e drogas ilegais. Especialmente, esse último aspec-
to pareceu ser determinante para a reação dos educandos. Ao sentir a
valoração que seus escritos receberam, imediatamente eles reagiram
colocando questionamentos ao grupo sobre suas produções.
Outro procedimento consistiu em – depois de retomar o conjunto
de textos sugeridos como referência e os textos produzidos pelos edu-
candos – realizar a interlocução com os grupos sobre três aspectos: a
cronotopia, a tematização e o grau de acabamento (BAKHTIN, 1997).
Buscamos responder sobre aquilo que aparece ou pode aparecer em
um texto de um gênero como esse (os tópicos, as informações), so-
bre o grau de acabamento requerido para os tópicos sobre os quais se
constrói a argumentação, sobre como a valoração em relação a certas
questões pode se modificar de uma época para a outra e sobre como
isso se expressa por meio das tematizações que ocorrem nos gêneros.
Na interlocução com os estudantes, empenhamo-nos em eviden-
ciar que o cronotopo diz respeito àquilo que aparece, que pode deve/
aparecer (os topói, os lugares) e, em especial, à centração discursiva
que se deve aplicar a um tópico, criando um efeito de duração, de tem-
po em que o discurso se centra em um tópico. O cronotopo diz respeito
ao discurso ir a um lugar (tópico), e nele “repousar” durante o tempo
em que compõe uma “paisagem” discursiva, ou seja, faz um tópico pro-
gredir, ganhar sentido (informatividade, orientação argumentativa,
por exemplo), defini-lo.
Bazermam (2015b) diz que cada gênero tende a nos levar a “certos
lugares mentais, com certos matizes ideológicos” e não a outros. São
esses lugares, esses matizes ideológicos que caracterizam o cronotopo
– centro de organização – dos gêneros.
Por meio do cronotopo de cada gênero, em cada época, podemos
responder sobre as formas de tematização mais comuns e questionar/
demonstrar suas relações – no sentido de refração e reflexão – com

84
O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

o contexto econômico-político e social de cada época. Podemos, tam-


bém, definir quais são os tópicos, as informações, os tipos de prova, os
argumentos mais acessados no intertexto. Podemos, ainda, determi-
nar as fontes e vozes sociais de onde tendem a vir.
Os grupos de estudantes, durante suas produções finais, questio-
naram por diversas vezes sobre: quais tópicos discutir? Qual nível de
detalhamento/explicitude das informações aplicar a um tópico? Por
que se podia/devia trabalhar certos tópicos e não outros? Haveria tó-
picos que necessariamente deveriam constar do gênero? Assumir de-
terminado ponto de vista – por meio de uma apreciação valorativa –
implicaria necessariamente passar por certas “discussões” (diga-se:
construir paisagens discursivas)?
No caso das interlocuções com os 5 grupos, as orientações se cen-
traram, mais especificamente, na forma como os “topói” e o acabamen-
to, detalhamento dado a eles, definem a fruição do tempo na escrita e
fixam um espaço discursivo onde tópicos considerados relevantes são
desenvolvidos. Os tópicos – sejam aqueles que recebem maior acaba-
mento (por definição, oposição/contraste, comparação etc), sejam aque-
les para os quais não ocorre detalhamento e aparecem em afirmativas
que não são desenvolvidas, mas cujas relações dialógicas colocadas em
tela servem para confirmar, reforçar, esclarecer sobre a temática – e as
relações de referência, comentário e polêmica, colocadas em ação em
seu desenvolvimento precisam ser capazes de, diante do destinatário/
público, constituir uma unidade dentro do propósito comunicativo do
enunciador e responder aos requisitos da sequencialidade comum ao
gênero adotado para a ação de linguagem (BAKHTIN, 1997).
Ainda se referindo ao enunciado e sua realização em gêneros,
Bakhtin (1997) é claro ao definir que são o tratamento exaustivo do
objeto de sentido, o intuito ou querer-dizer do enunciador e as formas
típicas de estruturação do gênero e do acabamento que definem a to-
talidade acabada de um enunciado. Segundo esse autor, o tratamen-
to exaustivo será muito relativo — exatamente um mínimo de aca-
bamento capaz de suscitar uma atitude responsiva. Teoricamente, o
objeto é inesgotável, porém, quando se torna tema de um enunciado
(de uma obra científica, por exemplo), recebe um acabamento relativo,
em condições determinadas, em função de uma dada abordagem do

85
O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

problema, do material, dos objetivos por atingir, ou seja, desde o início


ele estará dentro dos limites de um intuito definido pelo autor (BAKH-
TIN, 1997, p 300).
Percebemos pela pesquisa, ainda, que os educandos, em suas prá-
ticas discursivas, têm uma profunda clareza sobre a questão do que-
rer-dizer definir o sentido do enunciado. Por isso, é comum, nas in-
terlocuções que visavam discutir seus textos e o grau de explicitude
dos argumentos e das informações, tais educandos pronunciarem:
“mas você entendeu o que eu quis dizer”. No caso do trabalho escolar
com gêneros retóricos, evidenciamos que, para os estudantes, não há a
compreensão clara de que o grau de acabamento, relativo ao quantum
mínimo de informação/explicação considerada necessária para garan-
tir uma atitude responsiva da forma, como intentada pelo enunciador,
varia de acordo com as características genéricas, em função do tipo de
sequencialidade que marca cada gênero. Nesse sentido, o conhecimen-
to da sequencialidade do gênero escolhido para a ação retórica ajuda
na questão do tratamento exaustivo, de se saber sobre o acabamento
dado a cada tópico, mas devemos considerar também que – mesmo no
caso daqueles estudantes que demonstraram, já na primeira produção,
um bom conhecimento da sequencialidade desses gêneros.
A produção escrita impõe dúvidas e incertezas, em sua maioria,
relacionadas à tematização e às formas de construir a unidade (crono-
topia) do texto. Isso se vê no fato de que, pragmaticamente, os estu-
dantes sabem que a totalidade acabada de um enunciado será julgada
pelo intuito, pelo querer-dizer (BAKHTIN, 1997). Contudo, as dificul-
dades e dúvidas surgem justamente onde o tratamento exaustivo é
“muito relativo”, onde o objeto é inesgotável.
Os questionamentos e dúvidas parecem ser comuns aos processos
de escrita, pois decorrem tanto da inesgotabilidade do objeto, quanto
da necessidade do enunciador de, em uma ação de linguagem, realizar
pressuposições sobre aspectos como o conhecimento compartilha-
do entre os participantes da interação verbal e sobre o destinatário e
aquilo que conhece e considera relevante; e de se situar no intertexto
formado pelo conjunto diverso de gêneros e informações que semio-
tizam o assunto e lhe dão um tratamento. São fatores pragmáticos e
genéricos que contribuem para que o enunciador possa se orientar

86
O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

sobre o tratamento exaustivo, o acabamento a ser dado a um tópico e


a constituição do texto em uma unidade de sentido tratamento (SOU-
ZAc, 2002).
O conhecimento do gênero contribui, em parte, para orientar o
estudante sobre o acabamento. Entretanto, nos casos de maior dúvi-
da, somente considerações sobre aspectos relativos à tematização e à
cronotopia em gêneros retóricos públicos foram capazes de contribuir
para a ampliação da capacidade discursiva desses estudantes. Nos tra-
balhos com a produção final, vimos que o problema na escrita do gê-
nero artigo de opiniao não é iminentemente de informatividade, ou
seja, de conhecimento do campo da temática, do intertexto. Esse é um
requisito, porém, a escrita parece impor/exigir do escritor a definição
de um conjunto amplo e claro de diretrizes que não é muito fácil de
constituir: o propósito comunicativo, o destinatário, o gênero, o meio,
o intertexto, o espaço de agência. As perguntas dos estudantes (dúvi-
das) acabam por incidir sobre aspectos como: por que usar tal infor-
mação e não tal? Por que detalhar um tópico e apenas citar outro? Por
que suprimir um tópico e focar outro? Por que fazer uma determinada
referência implica um aspecto X, tal como um contra-argumento pos-
sível? De forma geral, são questões sobre apropriação do intertexto,
tematização, acabamento e cronotopia.
As interlocuções – no caso daquelas relacionadas à apropriação do
intertexto, acabamento e cronotopia – centraram-se em três aspectos
para dialogar com as questões dos educandos: 1 – a sequencialidade
exigida, ou mais comum, pelo gênero, 2 – as ontologias e epistemolo-
gias comuns ao gênero, 3 – o destinatário.
O cronotopo, a escolha de “paisagens”, tem, nos gêneros artigo de
opinião e reportagem, uma fortíssima relação com a tematização que
se quer dar ao assunto. Por um lado, o conhecimento do intertexto
diz ao enunciador sobre as formas que um tema ou temas correlatos
foram tematizados e a valoração apreciativa que receberam. Assim, o
enunciador constrói uma posição de sujeito assumindo, na relação com
o intertexto, uma tematização e valoração apreciativa e, em seguida,
buscando um cronotopo capaz de unificar as “paisagens discursivas”
acionadas no intertexto, produzindo um sentido. Esse procedimento
de passagem, marcado pela relação com o intertexto, exige do enuncia-

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O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

dor um profundo discernimento, reflexão, consciência crítica sobre as


formas como um assunto tem sido tematizado, considerando aspectos
históricos que contribuem para que a valoração apreciativa se modifi-
que. É nesse ponto de passagem que parece se situar o sofrimento da
escrita: a passagem da tematização, da valoração apreciativa construí-
da pelo sujeito para o tema, ao cronotopo, a um discurso com unidade,
capaz de produzir o sentido desejado e realizar a ação de linguagem.

4. Considerações finais
Os resultados das intervenções didáticas, considerando-se os da-
dos do corpus de textos analisados, demonstraram a eficiência de um
trabalho de letramento escrito, baseado nos gêneros como forma de
ação e prática social. Isso se evidencia pelo grau de engajamento dos
estudantes, pela ampliação da consciência crítica de gêneros dos estu-
dantes, expressa na maioria das fichas e nos gêneros artigo de opinião
e reportagem; bem como porque as intervenções baseadas no trabalho
com gêneros retóricos foram capazes de contribuir para que estudan-
tes com maiores dificuldades em relação à construção desses gêneros
pudessem ampliar sua competência discursiva.
O ensino da escrita de gêneros retóricos na escola, visando à am-
pliação da competência discursiva dos educandos – tal como definida
neste trabalho – mostra-se produtivo quando as mediações formativas
colocadas em ação pelos agentes pedagógicos conseguem mobilizar os
educandos. Para isso, é necessário que se considerem as ações de lin-
guagem que os educandos podem e desejam realizar, os propósitos e
os gêneros adequados para isso no ambiente escolar. Nesse sentido,
os dados da pesquisa demonstraram que a competência discursiva dos
educandos e sua agenciação podem ser ampliadas por meio do traba-
lho com os gêneros artigo de opinião e reportagem, articulados com
outros gêneros retóricos.
Nos processos de constituição da escrita dos educandos, as inter-
venções pedagógicas precisam considerar que toda escrita é cronotópi-
ca. Isso significa que ela organiza – dentro de um princípio de fruição,
de aparecimento, de gradação, de síntese, de transcorrência, de cen-
tração – o conteúdo ideológico. Encontrar esse “princípio de organiza-

88
O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

ção”, de modo a satisfazer as necessidades retóricas da situação – con-


siderando o tema, o destinatário e propósito comunicativo – parece
ser a busca mais árdua que a produção escrita impõe. Os gêneros são o
instrumento construído como resposta social a isso. Assim, fazer do-
minar – ao menos em parte – o cronotopo de um gênero, sua fruição
possível, é uma importante função das práticas de letramento escrito
escolar. Entretanto, é preciso ser claro – no caso da ação docente – que
conhecer um gênero e ser capaz de usá-lo não garante, em especial em
situações de escrita, que sempre se poderá fazê-lo com êxito.
Como produto, a pesquisa pode ser acessada por diversos educa-
dores do país porque se encontra divulgada em várias matrizes digitais
e em trabalhos apresentados em congressos e seminários, bem como
publicada em seus anais. Além disso, o relato de pesquisa, os instru-
mentos pedagógicos utilizados, as sequências didáticas descritas em
intervenções ou módulos, os resultados da pesquisa e o site construído
(WWW.100temas.webnode.com) compõem um conjunto de elemen-
tos materiais que podem ser acessados por educadores, possibilitando
a reflexão sobre suas práticas de ensino e contribuindo para o desen-
volvimento de uma práxis pedagógica capaz de ampliar a competência
discursiva dos educandos.

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O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

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O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

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O ENSINO DE GÊNEROS RETÓRICOS E SUA PRÁTICA

5. Referências bibliográficas

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ção, Hucitec, 1992.
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BAWARSHI, Anis S. e REIFF, Mary Jo. Gênero: história, teoria,
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BAZERMAN, Charles. Retórica da ação letrada.In: HOFFNAGEL,
Judith Chambliss; DIONÍSIO, Paiva Ângela; ACUNHA, Pietra(Orgs.).
1 ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.
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DOLZ, Joaquim. La interación de las actividades orales e escritas
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São Carlos. Pedro e João editores, 2010.
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aula. Lectura y Vida, ano 22, nº 2, 2001.
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gumentação: a nova retórica. 2ª Ed. – São Paulo: Martins Fontes,
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SOUZA, Geraldo Tadeu. Introdução à teoria do enunciado concre-
to do Círculo Bakhtin/Volochinov/Medvedev. 2ª edição – São Pau-
lo: 2002.

92
Olhares Sobre A Literatura Infantil
uma análise literária e sequência
didática

Dayane Tosta Costa


Universidade Federal de Goiás
dayane_tosta18@yahoo.com.br
Olhares Sobre A Literatura Infantil

1. Introdução

A literatura infantil desperta muitos olhares e interpretações,


além de convidar o leitor para um universo de cores e signos. O livro
é uma janela a partir da qual pode ser visto um horizonte de possibili-
dades. É preciso sensibilidade para adentrar esse universo. A literatura
é um fazer gratuito, um modo de arte que não precisa de motivo para
existir e, ainda assim, é um bem inestimável para o indivíduo. Assim é
o mistério das artes, são fazeres que não precisam de função, motivo
ou esclarecimento, existem por si e para si.
O que aqui se desenvolve é fruto de um amplo trabalho de pesqui-
sa, realizado entre os anos de 2013 e 2015, no Programa de Pós-Gra-
duação em Ensino na Educação Básica (PPGEEB), do Centro de Ensino
e Pesquisa Aplicada à Educação (CEPAE) da Universidade Federal de
Goiás (UFG).
Minha dissertação de mestrado, intitulada “O riso como potência
para o letramento literário”, orientada pela Professora Doutora Maria
de Fátima Cruvinel, partiu do questionamento sobre qual a potência do
riso e humor presentes na literatura infantil para o aprendizado. Parti-
mos da hipótese de que o riso está bastante ignorado ou subestimado
no campo pedagógico, muitas vezes sendo considerado como ato de in-
disciplina e desrespeito ao professor. Para descobrir a potência do riso
foi necessário primeiro fazer uma investigação acerca do gênero literário
e sua relação com o discurso escolar. Chegamos ao conceito de “peda-
gogização da literatura” (LARROSA, 2010), processo pelo qual o texto
literário passa ao ingressar na cultura escolar e se submeter à gramática
transmissão-aquisição, perdendo seu caráter puramente estético.
A literatura diz respeito a uma capacidade humana de transgredir
o real por meio da farsa, do símbolo, da poesia e da ficção. No âmbito
da literatura infantil, a fecundidade é grande pois a infância é um cam-
po privilegiado da ludicidade, da fantasia e do riso. No entanto, apesar
de ser um campo rico, a literatura infantil, desde o seu surgimento,
foi uma colônia da pedagogia, apresentando um objetivo moralizante.
Sob essa perspectiva, é preciso considerar o ofício de mediador, pois o
professor deixa de ser um portador da verdade e profeta do conheci-

94
Olhares Sobre A Literatura Infantil

mento que converte estudantes, e passa a ser um sujeito aberto ao diá-


logo que convida os estudantes para uma experiência de aprendizado.
Sócrates oferece uma imagem de mediador interessante, pois sua arte
maiêutica, ao despertar ideias no interlocutor, apresenta um conceito
de mediação no qual o professor intermedeia as diversas trocas feitas
no ambiente de aprendizado. É pela via do diálogo que Sócrates leva o
seu interlocutor ao parto do conhecimento. O mediador é aquele que
ultrapassa a doutrinação e consegue promover o encontro do leitor
com o texto literário, respeitando a variedade de sentidos que esse en-
contro pode promover.
A formação, pela via literária, valoriza a potência poética e fanta-
siosa da linguagem e é resultado de uma relação constitutiva e trans-
formadora com a palavra literária. O ser humano é mobilizado pela
ficção, de modo que a escola não pode ignorar essa faceta do sujeito,
sob pena de mutilar uma parte importante da constituição humana.
Quando as práticas escolares limitam o uso da literatura ao ensino de
normas da língua portuguesa, a escola está diminuindo a riqueza da
literatura e impedindo que o fenômeno literário como uma construção
estética seja apreendido, a fruição fica totalmente comprometida nes-
sa perspectiva.
Para descobrir a potência do riso foi imprescindível compreender
o significado desse conceito. Quatro acepções do riso foram considera-
das. O homem é o único animal que ri. Essa célebre sentença de Aris-
tóteles é reproduzida por Bergson, que além disso, aborda o riso como
um fenômeno social, já que, além de rir, o ser humano em grupo tam-
bém é capaz de provocar o riso no outro.
O sujeito cômico é aquele que não se adéqua à fluidez social; o
riso funciona como um castigo que repreende e reprime os sujeitos
cômicos. Bergson trata do riso como escárnio. É possível que o riso es-
carnecedor se manifeste em vários fenômenos escolares. No entanto,
o riso não se reduz ao escárnio. Ele se manifesta também como alegria
e subversão. Para Freud o riso é causa de prazer e alívio psíquico em
decorrência da economia de esforço intelectual.
Já o riso, para Espinosa, é alegria e contentamento. Diz respeito ao
ânimo positivo de viver e ao aumento da potência de agir. Segundo o
filósofo holandês, a alegria é uma conquista, passamos de um estado de

95
Olhares Sobre A Literatura Infantil

baixa potência a um estado de maior potência por meio da educação dos


afetos. A alegria que contagia todas as partes do corpo e da mente por
igual é chamada de hilaritas, um prazer supremo que eleva o ser humano
e o deixa mais autônomo e ciente de si, tal é o poder do contentamento.
Outra concepção acerca do riso que foi basilar para essa pesquisa
refere-se aos estudos de Bakhtin. Nessa perspectiva, o riso é subversão
de valores tradicionalmente instituídos. É um riso crítico que carrega
grande seriedade, pois ao rebaixar o elevado, desnuda as relações so-
ciais desvelando a conjuntura de opressão vivida pela organização de
poder social.
No que diz respeito à carnavalização, é possível compreender esse
princípio manifestando-se na inversão que sugere a destruição dos va-
lores hierárquicos e dicotômicos e em consequência o surgimento de
novos valores. Em contato com uma literatura que faz no plano es-
tético esse tipo de inversão, o leitor vislumbra novas perspectivas de
apreensão da realidade. A emancipação do sujeito que lê é um fator
positivo para o trabalho com obras que sejam subversivas.
Diante da compreensão de que a literatura infantil, com teor cô-
mico, pode ser uma porta de entrada para a experiência da potência
positiva do riso no ambiente escolar, foi necessário explorar esse as-
pecto na prática. A pesquisa empírica se deu numa escola municipal de
Goiânia. Cinco obras da literatura infantil foram escolhidas e roteiros
de leitura nos moldes de plano de aula foram feitos e aplicados em
duas turmas de 5º ano com o objetivo vivenciar a potência do riso pela
via do contato com as obras infantis cômico-subversivas. A pesquisa-
-ação deu origem a um produto que consistiu num projeto de leitura
literária, cujo objetivo foi iluminar outras práticas no âmbito da edu-
cação básica.
Destarte, o presente artigo acerca da leitura literária é um recorte
do produto de minha dissertação, citada anteriormente. Esse extrato
restringiu o olhar sobre a obra Mudanças no galinheiro mudam as coisas
por inteiro de Sylvia Orthof. Essa obra tem a peculiaridade de ser cô-
mica e subversiva. Este projeto pode ancorar outras leituras dessa e
de outras obras infantis, para o uso pedagógico de professores. Além
da análise literária da obra, o que aqui se desenvolve é uma proposta

96
Olhares Sobre A Literatura Infantil

de sequência didática para a obra analisada. Fundamentar a prática de


leitura literária em um projeto pode contribuir para os saberes desen-
volvidos pelo professor em sala de aula.
A base teórica que influenciou a leitura é Bakhtiniana. O autor rus-
so elaborou uma análise acerca do riso, da carnavalização e da inversão.
Essas categorias estão presentes na obra analisada por esse projeto.
O riso em Bakhtin (2008) é aquele subversivo, capaz de destronar
estruturas superiores e inverter relações de poder. Um riso crítico. A
carnavalização nada mais é do que uma cosmovisão sobre a realida-
de que critica as relações hierárquicas vigentes, sob o viés do riso e
da festa, por meio da inversão. Os três conceitos estão interligados e
se unem para compor a categoria “cômico-subversiva”, na qual muitas
obras infantis se encontram caracterizadas.
A subversão é um modo de divergir de uma versão tradicional. A
literatura infantil contemporânea se utiliza desse método para denun-
ciar desequilíbrios e desigualdades. Nas obras infantis escolhidas, essa
inversão dos valores é feita por meio de uma linguagem cômica.
Nessa perspectiva, foi proposto um projeto de leitura literária que
pudesse ser utilizado por professores em turmas de 5º ano, do ensi-
no fundamental, observando-se três eixos temáticos fundamentais:
Emancipação, Identidade e Inversão. A aplicação desse projeto foi, sem
dúvida, um convite à leitura, um exercício de imaginação!
A obra Mudanças no galinheiro mudam as coisas por inteiro, de Sylvia
Orthof, ganhou o prêmio “Altamente recomendável para crianças” da
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Sylvia Orthof
(1932-1997) publicou mais de 120 títulos infanto-juvenis, entre con-
tos, peças teatrais e poesias. Estudou mímica, desenho, pintura, arte
dramática e teatro. Seu primeiro livro infantil foi publicado em 1981.
Na referida obra, Orthof convida o leitor a uma atmosfera de sub-
versão e comicidade. A narrativa aborda de maneira cômica um fato inu-
sitado e improvável, a substituição do dia pela noite, essa mudança pro-
move uma alteração nas relações estabelecidas entre os personagens.
Essa narrativa literária infantil se utiliza de um recurso humorísti-
co, chamado nonsense – palavra de origem inglesa que literalmente sig-
nifica expressão ou situação ilógica, absurda, sem sentido ou coerên-

97
Olhares Sobre A Literatura Infantil

cia. Segundo a estudiosa Filomena Aguiar de Vasconcelos, o nonsense


busca apoio no movimento surrealista e é um modo de protesto contra
a estrutura vigente do mundo, cujo sujeito lança um olhar cético para
essa estrutura e por isso constrói uma visão absurda da realidade mar-
cada pelo tom humorístico do discurso.
A narrativa de Orthof (2012) começa com um grande problema
que se não fosse solucionado ocasionaria muita confusão para os habi-
tantes da Terra. O Sol acordou gripado e, apesar de todos os tratamen-
tos terapêuticos manipulados por ele para a própria cura, não houve
alívio. De início, a narrativa já se mostra cômica, o nonsense com a ima-
gem de um Sol gripado, com o nariz pingando “roxo-rosado”, inaugura
a narrativa demonstrando que se trata de uma proposta humorística.
A única solução encontrada pelo personagem foi telefonar para a casa
da personagem Lua e solicitar que ela acendesse o dia em seu lugar. Lua
fica chateada diante da interrupção da sua rotina matinal. Seu mordo-
mo, um dragão subserviente, que atendia pelo nome de Jeremias, mas
se chamava Severino, cujo nome a própria patroa mudara por pura im-
plicância, “era um tipo acostumado a obedecer a qualquer pessoa que
falasse mais alto, muito nervoso, cuspindo um fogo fraquinho pelo na-
riz, tal como dizem que os dragões fazem” (ORTHOF, 2012, p. 11).
A falta de personalidade do Dragão, descrito na história como ca-
chorrinho de Lua, é manifestação da falta de consciência social do
indivíduo perante a vida, e sinaliza a exploração a que o personagem
é submetido.
Lua, apesar de aborrecida, termina de fazer o que havia interrom-
pido e manda Jeremias aprontar rapidamente o café da manhã, pois
ela teria um dia inteiro de serviço pela frente. Outro artifício utilizado
pela autora com fins humorísticos é o inusitado, os alimentos consumi-
dos no café da manhã são curiosos: geleia de jabuticaba, ovos estrela-
dos, leite da via láctea, dentre outros.
Depois de comer, a Lua, que então estava em sua fase “nova”, fica
toda redonda, transformando-se em Lua Cheia. O duplo sentido dado
à palavra “cheia” apresenta-se de modo mais efetivo pela via da ima-
gem, além de a palavra remeter a um dos estados da lua, remete tam-
bém à aparência física da personagem.

98
Olhares Sobre A Literatura Infantil

A Lua, então, vai toda redonda para o seu posto de trabalho, tro-
peçando nas Três Marias, demonstrando dar pouca importância às fa-
mosas estrelas. Em situação de protesto, as Três Marias fuxicam:

– Esta dona Lua pensa que é o quê?


– Patati... patatá... patati... - respondeu a Segunda Maria, que só di-
zia isso.
A Terceira Maria, essa fuxicou pior: simplesmente não comentou
coisa alguma, mas lançou um olhar... um olhar cheio de fuxicos e de
intenções, um olhar terrível! (ORTHOF, 2012, p. 20)

O termo “fuxicar” é coloquial e tem o sentido de tecer comentá-


rios, fofocar sobre os outros. É um termo cômico que pode provocar
risos. Além disso, a segunda estrela se expressa apenas com a onoma-
topeia “patati patata”, de maneira bastante graciosa, mas sobretudo
cômica, por reiterar a sugestão de que as Três Marias seriam fofoquei-
ras (falariam muito).
Esses são recursos que a autora utiliza para desenvolver o humor
e que caracterizam a obra como um texto cômico. O humor aí desen-
volvido é lúdico e isso pode causa no leitor mirim satisfação e prazer.
Na narrativa, o leiteiro, o gato e o galo são os primeiros seres ter-
restres a estranharem o fato de o dia ter amanhecido sem Sol e com
a Lua Cheia em seu lugar. O galo fica confuso com a situação e não
anuncia o dia por meio do seu canto, e, já que o seu serviço havia sido
dispensado pelas contingências do dia, o personagem começa a inter-
ferir nos afazeres domésticos da galinha: passa a observar a desordem
do galinheiro e reclamar do que, para ele, não seria o tratamento ade-
quado aos pintinhos. A caracterização do galo como um personagem
machista e prepotente é notável na narrativa, uma vez que ele passa a
exigir uma postura diferente da galinha demonstrando hierarquia e o
poder que exercia.
A galinha, grande heroína da narrativa, faz uma longa reflexão an-
tes de dizer qualquer coisa. E conclui o seguinte: “– Se o galo não pode
cantar porque o Sol sumiu do céu, é porque o galo não manda coisa
alguma, porque, se mandasse, cantava. O galo implica comigo porque
sou fraca, sou fraca, sou fraca... mas se eu resolver mudar, eu mudo!”
(ORTHOF, 2012, p. 26).

99
Olhares Sobre A Literatura Infantil

A onomatopeia “sou fraca, sou fraca” faz alusão ao canto da gali-


nha d´angola “tô fraca, tô fraca” e é uma interrupção cômica da nar-
rativa num momento de tensão. Ainda que os leitores desconheçam
esse tipo de galináceo, originário da África e pouco comum para uma
criança urbana, a galinha d’angola, a oralidade da expressão onoma-
topéica e o sentido que ela sugere – a declaração de fraqueza – são
provocadores de riso.
Após o momento de reflexão, a galinha decide, num ato de muita
coragem e autonomia, subir no poleiro e fazer um discurso em respos-
ta às reclamações do marido:
– Se a casa está uma desordem, a culpa é minha, mas também é do
galo. Afinal, a casa é nossa. Ele que ajude... E se os pintinhos estão
malcuidados é porque meu marido só faz cantar de galo, esquece de
conversar com os filhos, esquece de ser amigo da gente.
Aí, ela ficou tão nervosa, tão nervosa, que abriu a boca e cantou:
– Cocoricó! (ORTHOF, 2012, p. 29)
A emancipação proveniente da argumentação e do canto da ga-
linha é tão notória que o Dragão Severino percebe que era a vez dos
fracos cantarem. Assim, de maneira urgente, ele salta de paraquedas,
gritando para a Lua que se chamava Severino e não Jeremias. A Lua
tenta manter a hierarquia por via do poder que exercia sobre o seu
“cachorrinho” e serviçal, mas ele olha para ela e a adjetiva de “gorda”.
Essa forma de tratamento para com a Lua, além de ser depreciativa,
soa infantil, mas é a reação do sujeito perante a exploração sofrida na
relação de trabalho.
Diante desse adjetivo, a Lua percebe que estava muito redonda e
fica pulando de um lado para o outro no céu, tentando perder calorias;
lembra-se também que estava trabalhando para o Sol sem nenhum pa-
gamento e vai exigir um benefício pelo trabalho extra. O Sol fica logo
bom da gripe, visto que mais um dia de resfriado lhe causaria muitos
transtornos financeiros.
Depois do episódio catártico no qual o Dragão demonstra insatis-
fação para a Lua, Severino passa a exigir um tratamento mais respeito-
so. Na conclusão da narrativa compreende-se que: “o mais importante
mesmo foi que a galinha aprendeu a cantar. Afinal... mudanças no ga-
linheiro mudam as coisas por inteiro!” (ORTHOF, 2012, p. 35). Assim,

100
Olhares Sobre A Literatura Infantil

a Terra voltou ao seu estado natural, no entanto, pela via da subversão


do estabelecido e do convencional, a Galinha e o Dragão conseguem
superar a hierarquia e inverter as relações de poder.
A presente obra infantil materializa a teoria de Bakhtin (2008) a
respeito do riso libertador e subversivo. No livro, a estratégia de sub-
versão da ordem vigente ocorre pela via de um destronamento, rebai-
xamento e inversão das posições de poder. O empoderamento liberta-
dor do ser mulher, representado na obra pela personagem galinha, é
um ponto de inversão dos poderes característicos da lógica presente no
conceito de carnavalização, conceito desenvolvido pelo teórico russo.
O fenômeno da carnavalização não permite que o oprimido perma-
neça tal qual, pelo contrário, as figuras de oprimido e opressor perdem
seu lugar original no momento da festa, trata-se de uma “gangorra gro-
tesca que funde céu e terra no seu vertiginoso movimento; a ênfase se
coloca contudo menos na subida que na queda, é o céu que desce à terra
e não o inverso” (BAKHTIN, 2008, p. 325). O aspecto carnavalizador
de inversão e do realismo grotesco pode ser visto diversas vezes nessa
obra, desde um Sol gripado, até uma galinha que subverte o convencio-
nal pela via do seu discurso; a concepção carnavalesca do mundo pode
ser melhor apreendida pelas imagens produzidas por Orthof.
De acordo com as representações sociais convencionais e o imagi-
nário popular coletivo, uma mulher só é chamada de “galinha” de modo
depreciativo, significa dizer que uma moça tem vários parceiros se-
xuais. No contexto machista da sociedade brasileira, a avaliação moral
do comportamento sexual geralmente recai sobre o gênero feminino,
tendo em vista que um homem pode ter um comportamento “galinha”
sem que essas atitudes sejam consideradas questionáveis/inadequadas
ou ofensivas. Aliás, do homem se espera que ele tenha a postura de “pe-
gador”. Isso agrega valor à sua masculinidade. Sylvia Orthof consegue
romper com essa visão colocando a galinha no lugar de heroína.
O personagem Severino, o dragão, parafraseia a vida de muitos
trabalhadores pobres que vivem sob a imposição normativa do pa-
trão, que se configura como opressor. Na narrativa, a tomada de cons-
ciência de Severino começa pela exigência do reconhecimento do seu
nome próprio e de sua identidade. É o primeiro passo para um movi-
mento revolucionário.

101
Olhares Sobre A Literatura Infantil

Essa narrativa contempla os três eixos temáticos do projeto de lei-


tura proposto: Emancipação, Identidade e Inversão, de modo que várias
reflexões podem ser realizadas em torno das ações das personagens.
Na primeira aula, as duas edições dos livros foram levadas para a
sala. A condução desta aula teve o objetivo de apresentar a narrativa
e promover um debate em torno das ações das personagens e das te-
máticas “Gênero” e “Trabalho”. Depois da leitura dramática do texto,
com entonações e interpretações faciais diversificadas para cada per-
sonagem, feita por mim, um tempo foi destinado para que as crianças
pudessem manusear as duas edições do livro.
As duas turmas mantiveram-se atentas durante a leitura do texto.
Foi notório o espanto no decorrer da narrativa, um ou dois alunos sem-
pre tentavam antecipar o final da história, ansiosos. Um aluno sugeriu
que na ausência de Sol um Eclipse estaria instaurado. Outra criança in-
terrompeu a leitura para explicar que a chuva que tinha ocorrido mais
cedo era, certamente, em virtude do resfriado do Sol. Todos riram. O
ambiente descontraído em razão da leitura dramática do texto se man-
teve até o final da aula, nas duas turmas.
Na turma E2, um educando ponderou que galinha nunca canta,
exceto se estiver chocando. Discutimos a função da galinha como re-
presentante da mulher trabalhadora e todos demonstraram entusias-
mo diante do discurso empoderado da personagem. Exploramos tam-
bém o personagem Severino e a insubordinação do mesmo perante
a exploração do seu trabalho. Na turma E1, por sua vez, o momento
considerado mais cômico foi quando o Dragão chamou a Dona Lua de
Gorda. Os alunos afirmaram que a Lua merecia aquele adjetivo por ser
uma patroa tão injusta com o Dragão. Nas duas turmas houve muito
riso diante da fofoca entre as Três Marias. Uma aluna explicou que a
história era boa, mas não era engraçada. Outros disseram que a histó-
ria era cômica.
Discutimos sobre a atitude da galinha, do galo, do sol, da lua e do
dragão, e pelo diálogo algumas incompreensões em torno da narrativa
foram surgindo, como por exemplo: por que o Sol não voltou com o
canto da galinha? O livro foi consultado para responder às perguntas.
A interpretação do texto ocorreu por via do diálogo.
O debate foi mais aprofundado na turma E2. Conseguimos avan-

102
Olhares Sobre A Literatura Infantil

çar na interpretação da narrativa e, apesar de alguns alunos não consi-


derarem a obra cômica, todos se empenharam em participar da discus-
são. Nos minutos finais da aula expliquei que na aula seguinte a turma
viveria a narrativa de Sylvia Orthof, por meio da interpretação teatral.
Na aula seguinte, o objetivo consistiu em vivenciar a narrativa
a partir do jogo dramático e pelas técnicas do teatro espontâneo. A
dramatização do texto intentou acentuar o diálogo dos leitores com
a obra, e foi proposta apenas após a atividade de leitura e apreciação
do projeto estético da autora ter ocorrido, isto significa que a litera-
tura nunca é pretexto para outras atividades pedagógicas, o objetivo
primordial da leitura literária é a própria leitura; essa concepção foi
aderida em todo projeto.
Os aparatos cênicos foram: carretéis de linhas de tricô coloridas,
duas máscaras carnavalescas, um nariz de palhaço, um balão grande
branco e outro vermelho, tesouras e um cachecol com penas verme-
lhas. O local onde se desenvolveu a experimentação teatral foi a qua-
dra da escola. O enredo para a dramatização esteve presente nas duas
edições do livro disponibilizadas para as turmas, elas foram as fontes
primárias de consulta. A experiência foi filmada.
A garota surda estava presente, no entanto, a intérprete de Libras
havia faltado. Isto não foi impedimento para o desenvolvimento da
prática, pois a interação com a menina ocorreu e ela foi incluída no jogo
teatral, sobretudo porque a turma já sabia usar a linguagem de sinais.
A primeira turma (E2) estava bastante animada para a proposta.
Poucos ficaram tímidos e recolhidos num canto da quadra. A proposta
de teatro espontâneo a partir da narrativa de Orthof foi explicada e
um aluno se dispôs a dirigir as cenas junto comigo. Um tempo inicial
foi disponibilizado para que cada criança escolhesse um personagem
e os aparatos cênicos que serviriam para caracterizar a performance. A
minha surpresa foi grande quando percebi que ninguém queria ser a
heroína da história. Então eu interpretei a galinha. Parece que a visão
estigmatizada da galinha como um ser inferior e desprezível habita-
va o imaginário dos alunos. Por outro lado, várias meninas quiseram
interpretar as três Marias. O Dragão Severino, o Sol gripado e a Dona
Lua foram personagens escolhidos por várias crianças também. Alguns
garotos interpretaram o galo.

103
Olhares Sobre A Literatura Infantil

Um fato curioso aconteceu nessa turma, depois de explicar que


eu teria que interpretar o papel da heroína porque ninguém da tur-
ma escolheu essa personagem. Um garoto pediu para interpretar junto
comigo e o seu discurso foi assim “huuuum, o Sol é patrão do galo e
ele não manda em coisa alguma, agora é a vez dos fracos cantarem”.
Ele modificou um pouco a cena e demonstrou que tinha compreendido
bem o papel empoderado da galinha na narrativa.
Cada criança interpretou à sua maneira e o livro literário foi so-
licitado inúmeras vezes. Certamente foi uma experiência cômica, o
clima era de ensaio e improvisação. A narrativa literária de Sylvia Or-
thof foi apropriada de modo mais profundo, já que boa parte da turma
se empenhou na produção de uma performance teatral. A abertura da
proposta possibilitou que o riso escarnecedor e satírico aparecesse em
vários momentos, mas é preciso salientar que a mediação foi impor-
tante no sentido de propor a todo momento um riso compartilhado
e coletivo ao invés do riso negativo que reprime e ridiculariza. Foi um
momento lúdico que cumpriu o objetivo de usufruir pela via do jogo
teatral a narrativa de Sylvia Orthof.
Na segunda turma (E1) foi possível avançar mais na proposta. Ini-
cialmente ninguém queria representar a galinha, no entanto no desen-
rolar da improvisação muitas crianças se dispuseram a interpretar o dis-
curso emancipador da personagem. Novamente as três Marias foram
escolhidas pelas meninas enquanto os meninos demonstraram predi-
leção para interpretar o Dragão Severino. A experiência foi muito cô-
mica e a história ganhou entonações e sotaques que expandiram a veia
humorística da narrativa. Depois de explorar todas as possibilidades de
improvisação, a partir do texto, ficamos brincando de cantar e jogar o
balão. Toda interação foi marcada pelo ludismo e o escárnio foi menos
evidenciado nessa turma. A cena do Dragão na interação com a sua pa-
troa foi repetida muitas vezes e os objetivos da aula quanto a apropria-
ção do livro literário pela via do jogo teatral foram contemplados.
Esse livro pode ser explorado em muitas outras aulas, pois a narra-
tiva é fecunda. A prática de leitura realizada é uma demonstração de que
um texto cômico que gera riso gera também aprendizado e é mobiliza-
dor do letramento literário. Diante dessa prática leitora, a dualidade riso
e seriedade rompe-se. Assim, propõe-se a seguinte sequência didática:

104
Olhares Sobre A Literatura Infantil

2. Sequência didática

Atividade de leitura e interpretação de texto

Objetivos:

1. Promover o letramento literário;


2. Desenvolver a leitura e interpretação de texto;
3. Trabalhar com o estilo humorístico nonsense
4. Abordar questões referentes ao patriarcalismo, sexismo e rela-
ções trabalhistas;

Metodologia:

1º Momento: iniciar a prática pedagógica com a preparação da


turma para a leitura da obra literária. Uma conversa sobre as relações
de trabalho na atual sociedade, sobre o papel da mulher no mercado de
trabalho e a diferença de salários entre os gêneros figuram um exercício
de motivação para a leitura da narrativa, uma espécie de imersão dos su-
jeitos na atmosfera do texto. Esse momento inicial também serve para
fazer um levantamento dos conhecimentos prévios dos educandos.
2º Momento: Leitura da narrativa Mudanças no galinheiro mudam
as coisas por inteiro de Sylvia Orthof
3º Momento: Depois de lido, é necessário interpretar o texto e sus-
citar pontos de vista, por meio de perguntas que problematizem as ações
e toquem os eixos temáticos. Por exemplo: qual a função da mulher na
narrativa? Quais são as relações vivenciadas entre os personagens? Al-
guém exerce poder sobre alguém? De que modo a emancipação ocorre?
Esses questionamentos farão com que os alunos se remetam à narrativa
e o livro será requisitado. No decorrer da análise dessas questões é pos-
sível trabalhar conteúdos referentes às relações de trabalho e a situação
da mulher numa sociedade machista. É importante desnaturalizar a po-
sição de submissão, a qual a mulher no patriarcado é colocada.
4º Momento: Explicar o significado de nonsense e dar exemplos
tirados da narrativa – Sol gripado respingando roxo-rosado e leite da
via láctea.

105
Olhares Sobre A Literatura Infantil

5º Momento: Promover um jogo dramático a partir da história,


no qual cada aluno ou grupo de alunos escolham um personagem e
interpretem de modo espontâneo a narrativa. Nessa atividade o que
está em pauta é a apropriação da história pela via do corpo de modo
que os alunos possam dar novas entonações e contornos para os sen-
tidos advindos do texto. O papel do professor como mediador dessa
construção é muito importante, pois é ele quem vai dirigir e organizar
o jogo teatral.
Avaliação: Como mecanismo de avaliação, pode-se observar a
participação dos alunos nas discussões e na construção do jogo teatral.
O produto completo com a análise de mais outras quatro obras da
literatura infantil e respectivas sequências didáticas pode ser acessado
por meio do seguinte endereço eletrônico: https://repositorio.bc.ufg.
br/tede/bitstream/tede/4889/5/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20
-%20Dayane%20Tosta%20Costa%20-%202015.pdf .
O que aqui se propôs foi fazer um recorte de um projeto de lei-
tura literária mais amplo. É fundamental que a literatura ingresse
na escola e todos os afetos por ela produzidos devem ser acessados e
trabalhados, nesta pesquisa a ênfase foi dada ao afeto do riso, sendo
este compreendido como potência para o letramento literário, mas a
literatura abre horizonte para uma gama complexa de sentimentos e
sensações, de modo que a pesquisa continua aberta num diálogo infi-
nito que se perpetua por meio de outras possibilidades de abordagens
e perspectivas.

3. Referências:

COSTA, Dayane Tosta. O riso como potência para o letramento literário.


2015. 151 f. Dissertação (Mestrado em Ensino na Educação Básica)
– Centro de Estudos e Pesquisas Aplicadas à Educação, Universidade
Federal de Goiás, Goiânia.
BAKHTIN, Mikhail. (V. N. Volochinov). Marxismo e filosofia da lingua-
gem. 6.ed. Trad.: Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hu-
citec, 1992.

106
Olhares Sobre A Literatura Infantil

______. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto


de François Rabelais. 6. ed. Trad.: Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hu-
citec; Brasília: Universidade de Brasília, 2008.
BERGSON, Henri. O riso: Ensaio sobre a significação da comicidade.
2.ed. Trad.: Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
– (Coleção Tópicos)
FREUD, Sigmund. Os chistes e a sua relação com o Inconsciente. Trad.:
Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas.
Trad.: Alfredo Veiga Neto, – 5.ed.- Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
ORTHOF, Sylvia. Mudanças no galinheiro mudam as coisas por inteiro.
Ilustração: Mariana Massarani. Rio de Janeiro: Rovelle, 2012.
SPINOZA, Benedictus de. Ética. Trad.: Tomaz Tadeu. 3. ed. – Belo Ho-
rizonte: Auntêntica Editora, 2010.

107
Planilha de Custos para Atividades
Pedagógicas
Orientações para a valoração do ensino

Maria Raimunda Carvalho Araújo de Cerqueira


PPGEEB/CEPAE/UFG
maria.raimundinha@gmail.com

Gene Maria Vieira Lyra-Silva


PPGEEB/CEPAE/UFG
gene.lyra@gmail.com
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

1. Apresentação

O arcabouço histórico, político, social e econômico dos anos 1990


foi marcado pela política neoliberal, na lógica da liberdade econômi-
ca, com foco na descentralização de ações governamentais e gerencia-
mentos voltados para resultados. Assim, com fulcro no modelo po-
lítico e na orientação da legislação vigente, o Estado do Tocantins,
buscando vivenciar e oportunizar a autonomia e participação nas
decisões da escola, implantou em 1997, o Programa Escola Autônoma
de Gestão Compartilhada. Esse foi regulamentado pela Lei nº 1.360/
2002, art. 79, com o nome de Escola Comunitária de Gestão Comparti-
lhada – PECGC, o qual é o objeto desse Livro Texto intitulado: Planilha
de Custos Para Proposição de Atividades Pedagógicas: Orientações para
a valoração do ensino.
Considerando que o PECGC, destina recursos públicos às escolas,
via associações de apoio, requer o bom uso desses recursos financeiros,
de certa maneira, exige que a escola esteja preparada para gerir tais
recursos de forma a alcançar os objetivos que constam de sua proposta
pedagógica; de modo que sentiu-se a necessidade de alvitrarmos uma
discussão sobre educação financeira na perspectiva de uma administra-
ção voltada para a valoração das atividades pedagógicas. Dessa forma,
pondera-se a necessidade de investimento financeiro para a execução
da proposta pedagógica das escolas; e ainda que o PECGC é o principal
programa responsável por viabilizar o aporte de recursos financeiros
para as unidades escolares públicas da rede estadual de ensino do To-
cantins, vislumbra-se a priorização dos recursos do PECGC, sobretudo
para as atividades pedagógicas eleitas pelo coletivo da escola.
Nesse sentido, leva-se em consideração que os Programas de Pós
Graduação em nível de mestrado profissional na área de ensino, exigem
como parte integrante da pesquisa, a proposição de um produto educa-
cional a partir da realidade pesquisada, e considera-se ainda, que a pes-
quisa apontou a inexistência de uma ferramenta que evidencie a priori-
zação das atividades pedagógicas, foi elaborada e aplicada uma planilha
de custos para a proposição de atividades pedagógicas e, a partir desta,

109
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

elaborou-se este livro - texto com orientações para o uso da planilha.

2. Educação Financeira na perspectiva de uma


administração voltada para a valorização das atividades
pedagógicas: viés para um exercício de cidadania

No regime capitalista, a educação financeira se acentua como um


fenômeno de discussão mundial, de forma que a temática tem sido mui-
to discutida também nas escolas, sobretudo a partir de 2010. Assim,
considerando que o Programa Escola Comunitária de Gestão Comparti-
lhada, tem como foco a descentralização de recursos públicos, o que
exige o bom uso desses recursos por parte das Associações de Apoio
que os recebe, sentiu-se a necessidade de abordar sobre essa temática.
Sobre educação financeira Gallery et al. (apud SANT ANA, 2014,
p.22), afirma ser “a capacidade de fazer julgamentos inteligentes e
decisões eficazes em relação ao uso e gestão do dinheiro”. Segundo a
Organisation for Economic and Co-Operation Development / Organi-
zação para Cooperação e Desenvolvimento Econômico- OCDE/OECD,
educação financeira:
é processo mediante o qual os indivíduos e as sociedades melhoram
a sua compreensão em relação aos conceitos e produtos financei-
ros, de maneira que com informação, formação e orientação pos-
sam desenvolver os valores e as competências necessários para se
tornarem mais conscientes das oportunidades e riscos neles envol-
vidos e, então, poderem fazer escolhas bem informadas, saber onde
procurar ajuda, adotar outras ações que melhorem o seu bem-estar
e, assim, tenham a possibilidade de contribuir de modo mais con-
sistente para a formação de indivíduos e sociedades responsáveis,
comprometidos com o futuro. (OCDE, 2005).

Com a finalidade de promover a educação financeira e previden-


ciária e contribuir para o fortalecimento da cidadania, a eficiência e
solidez do sistema financeiro nacional e a tomada de decisões cons-
cientes por parte dos consumidores, pelo Decreto nº 7.397, de 22 de
dezembro de 2010, o governo brasileiro instituiu a ‘Estratégia Nacio-

110
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

nal de Educação Financeira (ENEF), fomentada, dirigida e supervisio-


nada pelo Comitê Nacional de Educação Financeira – CONEF.
A partir daí, com o intento de fomentar a cultura financeira no país
como iniciativa pública, implantou–se o Programa Educação Financeira
nas Escolas, o qual é coordenado pela Associação de Educação Financei-
ra do Brasil (AEF/ Brasil). Dessa forma, este programa é uma ação que
faz parte da Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) e tem
como “objetivo contribuir para o desenvolvimento da cultura de plane-
jamento, prevenção, poupança, investimento e consumo consciente”.
É notória a compreensão e preocupação da iniciativa pública em pre-
parar os sujeitos para atender os ditames estruturantes do capitalismo
mundial, na mesma lógica dos setores rentistas, com destaque para o
padrão produtivo no sentindo do aumento da renda e acúmulo de lucro.
Neste sentido, Augustinis et al. (2012, p. 102), enfatiza que “os
objetos discursivos relacionados ao tema não são neutros e nem ino-
centes, uma vez que [...] corroboram um tipo específico de mercado:
o mercado livre neoliberal”. As autoras defendem que “a educação em
geral e a educação financeira em particular não podem ser compreen-
didas como um negócio ou como mercadoria”.
Ao abordar sobre a teoria da escola como aparelho ideológico do
estado dominante, Saviani (2012) destaca que,
a escola constitui o instrumento mais acabado de reprodução das
relações de produção tipo capitalista. Para isso, ela toma a si todas
as crianças de todas as classes sociais e inculca–lhes durante anos a
fio de audiência obrigatória “saberes práticos” envolvidos na ideo-
logia dominante (SAVIANI, 2012, p.22, grifos do autor)

Nesse sentido, Augustinis et al. (2012) sustenta que,


mesmo as mais nobres utopias educacionais não conseguem su-
perar ou transcender a lógica do mercado que perpetua o domínio
do capital como modo de produção e que tem seus fundamentos
no individualismo, no lucro e na competição (AUGUSTINIS et al.
2012 p.102).

Corrobora-se com as autoras, no sentido de que não há como fugir


dessa lógica por vivermos em um mundo capitalista, no entanto, em-

111
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

bora pareça utópico, postula-se por uma sociedade de direitos iguais e


sem supremacia de classes.
Por fim, na contramão da orientação adotada pelo Programa de
Educação Financeira na Escola, o qual é destinado aos estudantes, se deu
a proposição deste Produto Educacional, uma planilha de custos para
proposição de atividades pedagógicas, a qual é destinada a todos os su-
jeitos responsáveis pela realização dessas atividades. Vale ressaltar que
não contrapõe-se no sentido do consumo consciente, o qual entende-
-se ser uma habilidade necessária afim de não tornar os sujeitos reféns
do consumismo desenfreado, mas quando visa levá-los a conhecerem
o universo financeiro a fim de fazerem escolhas financeiras adequadas
e investimentos visando a acumulação de lucros.
De modo que por meio do referido produto (planilha de custos),
pretende-se levar a escola a vivenciar a discussão, não na lógica do lu-
cro, e sim, da identificação das despesas fixas e variáveis para a priori-
zação das atividades pedagógicas a serem realizadas na escola.
Assim sendo, postula-se uma Educação Financeira como um viéis
de cidadania na perspectiva de que haja administração dos gastos da
verba do PECGC de forma planejada e voltada para a valoração de ati-
vidades pedagógicas, no intuito das atividades da escola serem mais
organizadas de modo a priorizar as que estão diretamente relaciona-
das ao processo de ensino, e assim, sanar a inexistência de uma ferra-
menta que evidencie essa priorização.

3. A Dimensão Pedagógica

A dimensão pedagógica está diretamente ligada às atividades ela-


boradas e desenvolvidas na escola que envolve o currículo, os/as alu-
nos/as, os/as professores/as, as equipes específicas, a gestão escolar,
as práticas e metodologias de ensino e de avaliação da aprendizagem,
enfim, todas as atividades que são inerentes ao processo de ensinar e
de aprender. Essa dimensão,

diz respeito ao trabalho da escola como um todo em sua finalidade


primeira – o ensino aprendizagem - e a todas as atividades desen-

112
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

volvidas, tanto dentro quanto fora da sala de aula, inclusive à forma


de gestão, à abordagem curricular e à relação escola-comunidade.
(TOCANTINS: SEDUC, s/d, p. 07)

É pois, na dimensão pedagógica que a escola evidencia sua pro-


posta de ensino, de modo que a busca pela ‘qualidade’ se concentra no
Projeto Político Pedagógico, no currículo, na atuação dos professores
e das professoras e na organização do trabalho didático na unidade
escolar. Ou seja, os sujeitos do ato pedagógico na unidade escolar e em
como se materializa esse ato. Saviani (2012) aponta para a necessida-
de de articular o trabalho desenvolvido nas escolas com o processo de
democratização da sociedade. De acordo com esse autor,

A prática pedagógica contribui de modo específico, isto é, propria-


mente pedagógico, para a democratização da sociedade na medida
em que compreende como se coloca a questão da democracia re-
lativamente à natureza própria do trabalho pedagógico (SAVIANI,
2012, p.79).

Todo trabalho que subsidie a dimensão pedagógica da


escola, ou seja, o fazer pedagógico desenvolvido na e pela
escola referente ao processo de ensino, deve ser voltado
para a emancipação de seus pares.

Compreender a dimensão pedagógica da escola e o impacto dessa


dimensão no processo de ensino, requer tomada de decisão por meio
da realização de projetos e ações educativas planejadas e intencionais
as quais devem estar diretamente associadas à gestão do currículo, ao
tempo pedagógico, às metodologias de ensino, aos recursos didáticos
e à aprendizagem dos alunos e das alunas. Nessa dimensão, se efetiva
a função social da escola que é a formação ‘plena’ do cidadão crítico,
participativo, responsável e humano.

3.1 Atividades pedagógicas: o que são?


A atividade é inerente ao fazer do ser humano. Diz respeito ao
ato dinâmico e à tendência do homem em agir e realizar coisas. Paulo
Neto (2011) pondera que Marx já sinalizava para a questão da práxis
humana e faz um chamamento ao pesquisar e procurar conhecer as

113
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

categorias que constituem a articulação da sociedade burguesa. Sendo,


portanto a ‘atividade’ uma categoria central do materialismo históri-
co-dialético.
De acordo com Paulo Neto (2011, p.46), para Marx, as categorias
(valor, trabalho, capital, totalidade, contradição, mediação etc.), expri-
mem “[...] formas de modo de ser, determinações de existência, fre-
quentemente aspectos isolados de [uma] sociedade determinada”.
Diversos pensadores clássicos fazem menção à atividade prática
sensorial relacionada ao fazer pedagógico, o qual nesse trabalho de ca-
ráter didático tratar das ‘atividades pedagógicas’. Saviani (2011, p.17)
resume o objetivo da atividade pedagógica ao afirmar que “[...] o traba-
lho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada
indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletiva-
mente pelo conjunto dos homens”.

É por meio das atividades pedagógicas que as ações da escola


criam situações sistematizadas de aprendizagem.

As atividades pedagógicas constituem-se, portanto, em práticas,


metodologias, técnicas e absorção de situações que sirvam como me-
diadoras da relação entre o ensino e a aprendizagem. Elas precisam ser
intencionais, com objetivos definidos e sistematizados, pois são res-
ponsáveis por proporcionar condições para que os alunos e as alunas
se apropriem da cultura produzida historicamente e se tornem cada
vez mais humanizados.

3.2 A importância das atividades pedagógicas para o ensino


As atividades pedagógicas formam a âncora principal da escola e
são extremamente importantes para o fazer pedagógico e o cumpri-
mento da função social da educação, da apropriação da cultura huma-
nizada e da formação de seres humanos históricos e críticos. Dourado
et. al. (2006) corrobora que,
a educação, se entendida como a apropriação da cultura, historica-
mente produzida pelo homem, e a escola, enquanto locus privilegia-
do de produção sistematizada do saber, precisam ser organizadas

114
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

no sentido de que suas ações, que devem ser eminentemente edu-


cativas, atinjam os objetivos da instituição de formar sujeitos con-
cretos, ou seja, sujeitos que tenham condições de participar crítica
e criativamente da sociedade em que estão inseridos. (DOURADO
et. al., 2006 p.58)

Conforme Asbahr (2005), a importância da atividade pedagógica


deve ser compreendida a partir das relações na educação escolar que
criam condições para,

[...] a formação crítica do aluno, possibilitando que este tenha aces-


so também ao processo de produção do conhecimento. [...] Assim,
o aluno não é só objeto da atividade do professor, mas é princi-
palmente sujeito e constitui-se como tal na atividade de ensino/
aprendizagem na medida em que participa ativamente e intencio-
nalmente do processo de apropriação do saber, superando o modo
espontâneo e cotidiano do conhecer. (ASBAHR, 2005, p. 61).

Nesse sentido, o objetivo das atividades pedagógicas é oportuni-


zar aos alunos e às alunas a apropriação do conhecimento historica-
mente produzido e a finalidade principal de sua ação é gerar o desen-
volvimento e a formação do pensamento crítico na sistematização do
seu saber.
É pois na dimensão pedagógica que são definidas as ações edu-
cativas e, se concretiza a efetivação da intencionalidade da educação
que é a transmissão e assimilação da cultura produzida historicamente
e a formação do cidadão participativo, responsável, crítico e humano.

4. A dimensão pedagógica do PECGC: orientações para a


valoração do ensino

Entende-se que as atividades pedagógicas são agregadas à dimen-


são pedagógica. Considera-se que esta dimensão por sua vez, contempla
os seguintes aspectos: práticas educacionais dos professores e professo-
ras, aprendizagem dos alunos e alunas, materiais didáticos, estrutura e
encadeamento lógico do currículo e avaliação da aprendizagem.

115
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

A dimensão pedagógica, diz respeito às ações e


procedimentos diretamente relacionados ao ensino.

O PECGC (2008) no âmbito da unidade escolar tem como um dos


seus objetivos “planejar as aplicações dos recursos financeiros, levan-
do em conta as necessidades da proposta pedagógica”.
No entanto, são priorizadas as atividades de manutenção da es-
cola, com rubricas já definidas. Isso é perceptível no próprio projeto
de reestruturação do PECGC (2008) e nos demais documentos do Pro-
grama, que indicam para a priorização das despesas com consumo de
água, energia elétrica, telefone, pequenos reparos, materiais de expe-
diente e de consumo.
Deste modo, observa-se que os recursos podem ser investidos no
fortalecimento das ações pedagógicas desde que as necessidades de
manutenção sejam sanadas, como ressalta o Projeto de reestruturação
do PECGC ao elucidar que a unidade escolar,

por meio da Associação de Apoio a Escola, elabora o planejamento


anual de suas atividades, prevendo a realização de despesas, espe-
cialmente as fixas, como é o caso da água, energia, telefone, diá-
rias, despesas de eventos programáveis. ‘Podendo ainda, investir no
fortalecimento das ações pedagógicas desde que as necessidades
de manutenção sejam sanadas’. (TOCANTINS/SEDUC: 2008, p.12,
grifo nosso)

Por considerar a limitação do montante de recursos repassados


pelo PECGC e a necessidade da escola planejar e usar esses recursos
com foco na dimensão pedagógica é que propomos este produto edu-
cacional voltado para a valoração do ensino, que perpassa por uma
educação financeira a partir da adesão de uma planilha de custos para
o exercício e proposição de atividades pedagógicas.

4.1 O que é a planilha de custos?

O quê? Como? Quando? Quanto?

116
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

Antes de apresentar a planilha de custos, sentiu-se a necessidade


de dialogar sobre a compreensão do que seria uma planilha de custos.
De acordo com o Manual de Orientação do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão (2011), para o preenchimento da planilha de custo
e formação de preços, planilha de custos é,

um instrumento importante para subsidiar a Administração com


informações sobre a composição do preço a ser contratado, de
modo a aferir sua exequibilidade. Além disso, é peça fundamental
para auxiliar no processo de repactuação, no reajustamento de pre-
ços e na análise do reequilíbrio econômico-financeiro de contratos.
(BRASIL: MPOG 2011, p.6).

Portanto,
quer seja na versão impressa ou digital, a planilha de custos
é um meio de planejar as atividades a serem realizadas a
fim de facilitar a distribuição e controle do orçamento e
recursos financeiros.

Acredita-se que com a adesão e o uso deste produto educacional


a planilha de custos para proposição de atividades pedagógicas possa
privilegiar e priorizar as atividades pedagógicas, visto que a planilha
favorece a organização das finanças e o controle dos gastos de forma
que se possa perceber para onde estão indo os recursos investidos, por
ser dividida em categorias (campos) que permitem a análise de como e
em que os recursos financeiros estão sendo gastos.
Outra prerrogativa do uso da planilha é o fato de oportunizar aos
responsáveis pela realização de atividades pedagógicas da escola faze-
rem suas proposições e assim exercitar a cidadania, na perspectiva de
uma administração voltada para a valoração do ensino.

4.2 Planilha de custos para proposição de atividades


pedagógicas
Ressalta–se que um dos objetivos da proposição deste Produto
Educacional é contribuir para a valoração das atividades pedagógicas
desenvolvidas na escola, por meio da construção de orientações na
distribuição da verba do PECGC, para a melhor otimização dos recur-

117
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

sos financeiros. Assim, foi pensada a planilha de custos, elaborada


e disponibilizada, em versão impressa e digital (em formato Word e
Excel) como produto educacional voltado para o uso da comunidade
escolar em observância às atividades pedagógicas e fortalecimento
do processo de ensino.
Deste modo, por meio do referido produto (planilha de custos), pre-
tende-se levar à escola a vivenciar a discussão, não na lógica do lucro,
e sim, da identificação das despesas fixas e variáveis para a priorização
das atividades pedagógicas a serem planejadas e realizadas na escola.
Assim sendo, reforça–se que este produto educacional vislumbra-
-se em uma Educação Financeira como um víeis de cidadania na pers-
pectiva de que haja administração dos gastos da verba do PECGC de
forma planejada e voltada para a valoração de atividades pedagógicas,
no intuito das atividades da escola serem mais organizadas de modo a
priorizar as que estão diretamente relacionadas ao processo de ensino.
Destaca-se que conforme documento de área da CAPES (2013,
p.24 e 25), o produto educacional é parte integrante do trabalho final
do mestrado profissional o qual “deve incluir necessariamente o rela-
to fundamentado dessa experiência”. Assim, a aplicação do produto
educacional passou por dois momentos: o pré-teste e teste com seus
respectivos ajustes, para só então disponibilizar a versão final.
No pré-teste, participaram 04 potenciais usuários da planilha de
custos, sendo: 02 professoras, 01 membro da comunidade e 01 estu-
dante. O teste, foi realizado em duas etapas, primeiramente, após rea-
juste na planilha, repetiu-se a aplicação aos sujeitos que participaram
do pré-teste. A outra etapa, consistiu da aplicação à equipe diretiva e
outros professores da referida unidade escolar. Foram disponibiliza-
das cópias impressas e digitais da planilha, mas só tivemos devolutivas
impressas. Das 10 cópias distribuídas foram devolvidas 7 preenchidas,
as quais apresentam compreensão da proposta de preenchimento das
categorias/ campos da planilha em conformidade com a legenda/co-
mentários apresentada.
Ressalta-se que essa aplicação foi realizada em uma unidade es-
colar da rede pública estadual de ensino do Tocantins, a qual optou-se
por omitir o nome, primando por garantir o anonimato e sigilo dos

118
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

participantes. A seguir, versão da planilha de custos, após aplicação


amostral de pré-teste e teste com potenciais usuários responsáveis por
propor atividades pedagógicas no âmbito da unidade escolar.

Figura 1- Planilha de Custos para Proposição de Atividades Pedagógicas


1- PLANILHA DE CUSTOS PARA PROPOSIÇÃO DE ATIVIDADES PEDAGÓGICAS DO
PROGRAMA ESCOLA COMUNITÁRIA DE GESTÃO COMPARTILHADA – PECGC
2- NOME DA ASSOCIAÇÃO:Associação de Apoio à Unidade Escolar ...
3- CNPJ:
4-ENDEREÇO:
5-PROJETO/AÇÃO/ ATIVIDADE A SER REALIZADA:

9-PREVISÃO PARA
8-QTD / PÚBLICO ALVO

14-VALOR(R$)
REALIZAÇÃO

12-UN DE MEDIDA
7-PÚBLICO ALVO

15-UNITÁRIO
6-PROPOSTA

11-TÉRMINO

16-TOTAL
10- INÍCIO
PREVISTO

PREVISTO

__/__/__ __/__/__ 13-QTD

17-VALOR TOTAL DA AÇÃO

18-Observação:
19-Solicitação 22- Autorizo/ Associação
20-Data: ____ /____ / ____ 23- Data: ____ /____ / ____

_________________________________________ _________________________________________
21-Assinatura do proponente responsável 24- Assinatura
pelo projeto/ ação
Fonte: elaborada pela autora 2016

Para facilitar o preenchimento da planilha de custos, foi elaborado


um quadro de legenda/comentários anexo à planilha.

119
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

Quadro 01- Legenda/comentários dos campos da planilha de custos

Campo da planilha Legenda/ comentário

1- Planilha de Custos para Informa o nome da planilha para a proposição de projetos/


proposição de atividades ações pedagógicas.
pedagógicas do Programa Obs.: pode ser em conformidade com o PPP ou não (caso
Escola Comunitária de Gestão seja nova ação que não conste do PPP). Utilize uma
Compartilhada / PECGC planilha para cada projeto/atividade

2 - Nome da associação Escreva o nome da escola que a associação de apoio


pertence

3- CNPJ Escreva o número do CNPJ da Associação de Apoio

4- Endereço Escreva o endereço da unidade escolar

5- Projeto/ação a realizar Escreva o nome do projeto / ação em conformidade com o


PPP ou não, caso não conste do PPP. Utilize uma planilha
para cada projeto/atividade.

6- Proposta Informe qual atividade (etapa do Projeto/ ação) que você


se propõe a realizar e como será realizada a atividade
proposta
Obs: Para cada proposta utilize uma linha. Utilize quantas
linhas forem necessárias

7- Público alvo previsto Indique quem será diretamente beneficiado

8- Quantidade / público alvo Informe a quantidade de beneficiados diretos (quantos


previsto públicos alvos)

9- Previsão para realização Informe a data de realização da proposta (etapa do


projeto/ação)

10- Início Informe a data de início da realização da atividade (etapa


do Projeto/ ação) que você se propõe a realizar

11- Término Informe a previsão de data para terminar a atividade


etapa do Projeto/ ação quevocê se propõe a realizar

12- Unidade de medida Descreva como será medida a atividade (etapa do Projeto/
ação) que você se propõe a realizar (ex: unidade, pessoa,
quilo, metro, etc)

13- Quantidade Indique a quantidade de atividade a ser realizada? (está


diretamente relacionada à etapa do Projeto/ ação e
Unidade de Medida)

120
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

Campo da planilha Legenda/ comentário

14- Valor Informe a soma/ resultado da memória de cálculo dos


valores que ficam cada atividade/ ação ou projeto a ser
realizado

15- Unitário Informe a previsão individual do valor de mercado de


cada atividade (etapa do Projeto/ ação)

16- Total Informe a soma do valor geral da atividade (etapa do


projeto /ação) proposta. Obs: Multiplica-se o campo
quantidade por valor unitário para obter o valor total

17- Valor total da ação Informe a soma total do valor dos gastos com projeto/ação
a ser realizada

18 – Observação Faça observações complementares, caso necessário

19- Solicitação Assine (este campo destina à assinatura do solicitante/


responsável pelo projeto/ação)

20- Data Informe a data de preenchimento da planilha

21- Assinatura do proponente Assine como responsável pela realização da atividade


responsável pelo projeto/ ação (projeto/ação)

22- Autorizo/ Associação Encaminhe para análise e assinatura da Associação de


Apoio (este campo destina-se que à quem autorizou a
realização da atividade/despesa)

23- Data Informe a data da autorização da despesa

24-Assinatura Assine como responsável pela autorização da despesa

Fonte: elaborado pela autora

A figura 2 a seguir, constitui-se de um demonstrativo de uma plani-


lha de custos preenchida com a proposição de atividades pedagógicas.

121
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

Figura 2- Planilha de Custos preenchida com proposição de atividades


pedagógicas

Fonte: Aplicação/teste do Produto Educacional

Observação
Os dados e informações da figura 2 que identificam
a unidade escolar em que o teste foi aplicado, foram
ocultados para garantir o seu anonimato.

5. Considerações transitórias

A proposição do produto educacional partiu da necessidade de va-


lorar as atividades pedagógicas na aplicação dos recursos do PECGC.
Assim, postula-se que haja adesão e uso da planilha de custos, pela
escola no intuito das atividades realizadas serem mais organizadas,
priorizando-se as de cunho pedagógico.
Vale destacar que a planilha em si, não leva a priorização das ativi-
dades pedagógicas, mas acredita-se que ao aderir e fazer uso contínuo
a escola possa refletir sobre à aplicação dos recursos do PECGC, pois
dará subsídio para elaboração de demonstrativos das atividades reali-
zadas e dos valores investidos e com isso levantar suas prioridades e,
até mesmo, procurar diminuir os gastos com despesas administrativas
fixas e variáveis para a priorização das atividades pedagógicas.
Acredita-se que a adoção e uso da planilha poderá contribuir além
da reflexão e priorização das atividades pedagógicas, para o controle

122
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

e organização dessas atividades e ainda, colaborar para a melhoria no


processo do ensino nas escolas que fizerem a adesão ao seu uso, possi-
bilitando fazer uma comparação futura do uso e/ou não uso anterior.
Ressalta-se que não foi possível avaliar a exequibilidade do uso da
planilha. As etapas pré-teste e teste nos permitiram identificar o en-
tendimento e preenchimento de cada categoria/campo da referida pla-
nilha. A avaliação no sentido da valoração das atividades pedagógicas
só será possível a partir da adesão e uso efetivo do Produto por parte
da unidade escolar.
Por fim, destaca-se que o produto educacional não está pronto e
acabado pois é passível de alterações e adaptações, motivo pelo qual
também denominamos esse tópico “considerações transitórias”. No en-
tanto, a planilha de custos será disponibilizada à título de sugestão à
unidade escolar pesquisada e às demais que tiverem interesse, deixando
a critério das unidades escolares que aderirem, fazerem as adequações
que se fizerem necessárias para atender a sua realidade e demandas.
Para tanto, será disponibilizada como encarte deste livro-texto, (o
qual será entregue uma cópia impressa à escola pesquisada) e ainda,
em versão digital (nos formatos Word e Excel) no repositório de pro-
dutos educacionais do sítio do Programa de Pós-Graduação em Ensino
na Educação Básica do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educa-
ção da Universidade Federal de Goiás, no endereço eletrônico https://
pos.cepae.ufg.br

6. Referências bibliográficas

ASBAHR, Flávia Ferreira da Silva. Sentido pessoal e projeto políti-


co-pedagógico: análise da atividade pedagógica a partir da Psi-
cologia Histórico-Cultural. 2005. 199f. Dissertação (Mestrado em
Psicologia) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. São
Paulo.
AUGUSTINIS, Viviane Franco. COSTA, Alessandra de Sá Mello da.
BARROS, Denise Franca. Uma Análise Crítica do Discurso de Edu-
cação Financeira: por uma Educação para Além do Capital. In

123
Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

Revista ADM.MADE, Rio de Janeiro, ano 12, v.16, n.3, p.79-102, se-
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_______, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secreta-
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Estratégia Nacional de Educação Financeira –ENEF.
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mento dos Conselhos Escolares. Brasília: MEC, 2006.
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PAULO NETTO, José. Introdução ao estudo de Marx.1ª ed. São
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SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico- crítica: Primeiras apro-
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TOCANTINS, Estado do. Escola Comunitáriade Gestão Comparti-
lhada: Proposta de reformulação do Programa. Palmas, SEDUC:
2008.
__________, Estado do. Escola Comunitáriade Gestão Comparti-

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Planilha de Custos para Atividades Pedagógicas

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__________, Estado do. Lei nº 1.360, de 31 de dezembro de 2002,
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de 2014.
__________,Projeto Político-Pedagógico. Cartilha de orienta-
ção para elaboração. SEDUC: s/d.

125
Dança Inclusiva e Deficiência
Intelectual:
um estudo com educandos da rede
municipal de ensino de Aparecida de
Goiânia

Gisele Bizerra da Cunha


Mestra em Ensino na Educação Básica/Cepae-UFG
giselebaianinha@hotmail.com

Newton Freire Murce Filho


Doutor em Linguística/Unicamp
newtonmurce@yahoo.com.br
Dança Inclusiva e Deficiência Intelectual:

1. Introdução

A motivação e o interesse que levaram à proposta desta pesqui-


sa são resultantes de experiências, desta pesquisadora, com a dança,
para pessoas com deficiência intelectual, na Associação Pestalozzi de
Goiânia – CAE Peter Pan. Notando a importância da dança na vida dos
alunos com deficiência intelectual e como eles demonstram prazer e
interesse por essa atividade, percebemos a necessidade de estudar e
analisar mais profundamente a dança e como ela pode contribuir para
a inclusão desses alunos na escola e na sociedade.
O presente trabalho busca, portanto, um diálogo entre dança e
inclusão, apresentando a seguinte questão principal a ser investigada:
Como a dança pode contribuir para a inclusão de alunos com deficiên-
cia intelectual na educação básica? Tem-se como objetivo principal ve-
rificar como a dança possibilita a inclusão dos alunos com deficiência
intelectual no contexto da educação básica. A pesquisa é qualitativa e
foi proposta para ser desenvolvida a partir de observações de aulas e
entrevistas realizadas em duas Escolas Municipais de Ensino Integral
do município de Aparecida de Goiânia.
Como referencial teórico destacamos autores que tratam de corpo,
dança, educação inclusiva, inteligências múltiplas e dança inclusiva. So-
bre a educação inclusiva no Brasil e em Aparecida de Goiânia, estudamos
os trabalhos de Monteiro (2001), Sassaki (1998), Santos (2016) e docu-
mentos nacionais e municipais que envolvem o estudo. Para o tema de-
ficiência intelectual, embasamo-nos em Almeida (2012), Cintra (2002),
Matos (2012). Ao tratar da teoria das inteligências múltiplas, pesquisa-
mos Gardner (1995) e Smole (1999). Para o tema dança, nos fundamen-
tamos em Fahlbusch (1990), Marques (2010), Laban (1990), Scarpato
(2001). Sobre dança inclusiva, verificamos Cintra (1992), Figueiredo
(1997, 1999), Ramos (2010), Tolocka e Verlengia (2006).
Considerando os dados coletados e analisados nesta pesquisa,
concluímos que a prática da dança inclusiva na escola pode proporcio-
nar a alunos com deficiência intelectual contribuições significativas no
desenvolvimento afetivo e social, motor e cognitivo, permitindo que
alunos com esse tipo de deficiência se sintam mais incluídos no am-

127
Dança Inclusiva e Deficiência Intelectual:

biente escolar e na sociedade. Claro (2012), quanto às contribuições da


dança para as pessoas com deficiência intelectual, argumenta:
Pode-se concluir melhorias significativas nos seguintes âmbitos:
estabilidade emocional, com desenvolvimento da iniciativa, pron-
tidão, confiança, o relaxamento de tensões e redução da agressi-
vidade; criatividade, criação de movimentos próprios; desenvolvi-
mento de habilidades motoras básicas, a dança utiliza ações básicas
de movimento (marcha, corrida, salto, queda, giro) importantes no
desenvolvimento motor da criança, aliadas ao trabalho de ritmo e
exploração do espaço;

Constatamos também que um tipo de educação que leva em conta


a teoria das inteligências múltiplas pode contribuir para o processo de
inclusão escolar. Ainda em relação a uma escola que pretenda trabalhar
considerando as inteligências múltiplas, Smole (1999, p. 21) aponta
que essa escola busque:
• estimular nos alunos o profundo entendimento de umas poucas
disciplinas básicas (línguas, matemática, ciências, história, geogra-
fia e artes);
• encorajar as crianças a utilizar esse conhecimento para fazer tare-
fas com as quais se deparam dentro e fora da escola;
• incentivar o desenvolvimento de uma mistura singular de inteli-
gências em cada aluno;
• apoiar-se na comunidade e em seus serviços para as atividades
extracurriculares;
• oferecer disciplinas opcionais, com liberdade de escolha para os
alunos;
• aceitar o desafio de articular um ambiente ilimitado e intencional;
• criar um ambiente para que os alunos se sintam livres para explo-
rar novos estímulos e situações desconhecidas;
• propiciar o engajamento dos alunos em projetos coletivos e indi-
viduais;
• e, finalmente, auxiliar os alunos a aprender e documentar seu tra-
balho e seu processo de aprendizagem (SMOLE, 1999, p.21).

Desta pesquisa surgiu um produto educacional (ou final), que con-


siste em uma proposta de ensino (atividade prática com dança inclu-
siva) no ensino regular de duas escolas municipais de ensino integral,

128
Dança Inclusiva e Deficiência Intelectual:

considerando que esse tipo de proposta de dança na escola contribui-


ria para a inclusão de alunos com deficiência intelectual. Nesse senti-
do, o texto completo da dissertação de mestrado da pesquisadora em
questão, pode ser considerado como seu produto educacional, uma vez
que o trabalho analisa as aulas de dança inclusiva nessas duas escolas,
tirando dessas análises consequências, o que se verifica principalmen-
te no capítulo 4 e nas considerações finais. As maiores contribuições
do produto educacional consistem, portanto, nos avanços que foi pos-
sível verificar, por meio da pesquisa, das contribuições que aulas de
dança inclusiva no contexto escolar podem trazer para a inclusão de
alunos com deficiência intelectual. Outra contribuição significativa do
produto educacional foi a verificação do que consistiria em aulas de
dança em uma perspectiva inclusiva, o que é apresentado adiante, ain-
da neste item.
É importante esclarecer que a proposta de ensino não pôde ter sido
desenvolvida pela própria pesquisadora devido aos seguintes fatores:
em primeiro lugar, devido ao fato de que alunos com deficiência intelec-
tual necessitam de um tempo maior de adaptação junto a professores
que eles ainda desconhecem. Como o tempo para o desenvolvimento
desta pesquisa foi curto, não seria possível que esta pesquisadora pu-
desse ter um tempo mais longo de convivência com esses alunos.
O segundo fator diz respeito ao fato de que os alunos desta pes-
quisadora na Associação Pestalozzi de Goiânia são todos educandos
com deficiência intelectual. Como o interesse da pesquisa é observar
a inclusão de alunos com deficiência intelectual em ambiente regular
de ensino, ou seja, em convivência com alunos que não possuem defi-
ciência intelectual, não seria possível que a pesquisadora propusesse
e desenvolvesse aulas para essa pesquisa em seu próprio ambiente de
trabalho. A pesquisadora também não poderia desenvolver a pesqui-
sa em seu outro trabalho, na Escola Municipal Neivio Rocha Barbosa,
devido ao fato de haver apenas um aluno com laudo de deficiência in-
telectual, o que dificultaria observar maiores interações entre alunos
com ou sem deficiência.
O terceiro e último fator refere-se ao fato de que, caso essa pesqui-
sadora propusesse aulas ou oficinas com alunos com deficiência inte-
lectual para os quais ela mesma desenvolvesse as atividades, não seria

129
Dança Inclusiva e Deficiência Intelectual:

possível um distanciamento maior para que ela pudesse fazer obser-


vações e anotações do que aconteceria nessas aulas. Além disso, esta
pesquisadora buscou as Emeis nas quais realizou a pesquisa devido ao
conhecimento de que tem do fato de que essas instituições constituem
referências importantes no que diz respeito ao processo de ensino e de
aprendizagem, inclusive no que concerne à inclusão.
Sendo assim, entendemos que o produto educacional (ou final)
dessa pesquisa consiste em uma proposta de ensino (atividade prática
com dança inclusiva na escola) com vistas à inclusão de alunos com
deficiência intelectual, considerando um conjunto de aulas observadas
e analisadas em 2 Emeis da cidade de Aparecida de Goiânia.
Após a realização de todo o processo dessa pesquisa e a aplicação
do produto educacional foi possível verificar, como parte constitutiva
e inédita desse produto, algumas indicações do que poderia consistir
em elementos que identificariam uma proposta de dança inclusiva na
escola. Nosso trabalho de observação e de análise do material de pes-
quisa nos levou a constatar que podem consistir em estratégias meto-
dológicas importantes em direção a uma proposta de dança inclusiva
na escola o seguinte:
• Aulas de dança que considerem a proposta da teoria das inteli-
gências múltiplas;
• Aulas de dança que respeitem e valorizem as diferenças indivi-
duais de cada aluno em cada turma e de cada turma em particu-
lar. Dentre essas diferenças, podemos destacar, por exemplo, as
diferenças corporais, de ritmos, de tempos de aprendizagens,
de inteligências;
• Aulas de dança planejadas com o intuito de problematizar, dis-
cutir e tentar superar as limitações que cada aluno possa ter;
• Aulas de dança que valorizem e estimulem as potencialidades
de cada aluno, não apenas intelectualmente, mas em termos de
desenvolvimento motor, afetivo e social;
• Aulas de dança em um ambiente que seja acolhedor e positivo;
• Aulas de dança cujos professores estejam abertos a novidades e
desafios e cujos planejamentos sejam flexíveis, com possibilida-
des de adaptações e improvisações para a solução de problemas
inicialmente não previstos;

130
Dança Inclusiva e Deficiência Intelectual:

• Aulas de dança que estejam abertas à interdisciplinaridade, con-


tando com a colaboração de diferentes áreas do conhecimento,
como, por exemplo, a educação física, as artes visuais, a peda-
gogia, o teatro, de modo que o trabalho de inclusão mobilize e
conte com diferentes profissionais do contexto escolar.
• Aulas de dança que estimulem diferentes tipos de interação
com o outro, seja em uma mesma turma ou entre turmas di-
ferentes, com o intuito de contribuir para o desenvolvimento
social e afetivo dos alunos.

Foto 1 (Aula de dança (forró) da Emei1 com alunos com deficiência intelectual
inseridos na turma pesquisada.)

Foto 2 (Aula de dança (Passinhos) da Emei2 com exposição das atividades


propostas pelo professor para toda turma pesquisada.)

131
Dança Inclusiva e Deficiência Intelectual:

Foto 3 (Aula de dança sobre passinhos da Emei2 com experimentação coletiva


de toda turma.

Foto 4 (Aula de dança da Emei1 com experimentação de abraços durante a


dança.)

132
Dança Inclusiva e Deficiência Intelectual:

Foto 5 (Aula de dança sobre passinhos na Emei2 com experimentação coletiva


de toda turma pesquisada.)

Foto 6 (Aula de dança da Emei1 onde os alunos experimentaram um


relaxamento com massagem da professora.)

133
Dança Inclusiva e Deficiência Intelectual:

Foto 7 (Aula de dança da Emei2 com experimentação em duplas dos


passinhos.)

Toda a pesquisa realizada, incluindo as observações e análises in-


cluídas no produto educacional estão disponíveis em: https://reposi-
torio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/6966.
Foi possível constatar, portanto, após a realização desta pesquisa,
que incluiu criteriosa análise e verificação de seu produto educacio-
nal (uma proposta de ensino baseada em uma perspectiva inclusiva de
dança na escola), que uma proposta de dança inclusiva no ambiente
escolar contribui significativamente para a inclusão de alunos com de-
ficiência intelectual.
A experiência de três meses nas Emeis proporcionou momentos de
observações relevantes que ajudaram na descoberta do interesse dos
alunos com deficiência intelectual pela dança e de como ela pode auxi-
liar na melhoria motora, afetiva e social desses alunos com deficiência
intelectual na educação básica e na sociedade. Para Santos (1997 apud
Claro 2012, p.14), a dança contribui para um melhor conhecimento de
si e do meio:

Através da dança qualquer indivíduo experimenta um equilíbrio


corporal e psíquico. Assim sendo a dança, além de ser uma forma
de libertar tensões, energias e emoções, permite ao indivíduo adap-
tar-se e integrar-se no meio envolvente. Isto acontece, na medida

134
Dança Inclusiva e Deficiência Intelectual:

em que através do conhecimento do corpo no espaço e no tempo,


a ação dinâmica do corpo, com as suas relações com os outros, le-
vam o homem a desenvolver-se harmoniosamente, ao nível físico,
psíquico e social, tornando-se sociável, comunicativo e sensível à
realidade, assumindo desta forma a sua própria identidade.

Para que a inclusão de fato aconteça, não basta que ela esteja ga-
rantida na legislação, sendo necessário que haja modificações impor-
tantes no sistema de ensino. Essas mudanças devem acompanhar a
realidade de cada aluno e de cada escola, além de serem planejadas e
contínuas para garantir uma educação inclusiva de qualidade.
A dança inclusiva precisa ser mais explorada para que ocupe um
lugar de importância no contexto escolar. Então não paramos por aqui,
continuaremos a investigar a dança e sua capacidade de incluir pessoas
com deficiência intelectual no ambiente escolar.

2. Referências Bibliográficas

CLARO, Catarina Pessoa Lopes. Avaliação de um programa de dan-


ça em jovens com necessidades educativas especiais. Dissertação
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