Final - Materiais Didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior - CONELP
Final - Materiais Didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior - CONELP
Final - Materiais Didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior - CONELP
MATERIAIS
DIDÁTICOS, EAD,
PIBID, ENSINO DE
LÍNGUA PORTUGUESA
E ENSINO SUPERIOR
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |1
Charleston Chaves
Claudia Moura da Rocha
Fábio André Cardoso Coelho
(orgs)
____________________________________________________________
As ideias e opiniões expressas nos textos deste livro são de responsabilidade exclusiva de seus respectivos autores
4 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
Sumário
Arisberto Gomes de Souza | Maria do Socorro Oliveira | Fernando Leite Nunes da Costa
Jefferson Evaristo
Jordana Lenhardt
Juliete Maganha Silva | Iago Pereira dos Santos | Bárbara Viana Villaça | Eliana Crispim
França Luquetti
Vanessa dos Santos Galvão Noronha | Angela Correa Ferreira Baalbaki | Gabrielli
Afonso Serafim | Aline França dos Santos
1. Introdução
Acreditamos que não há uma receita pronta sobre como deve ser um
ensino de língua materna bem-sucedido, que promova a formação de leitores
proficientes, mas há princípios que podem ser seguidos pelos professores,
norteando sua prática pedagógica. Esses princípios se fundamentam nos estudos
linguísticos implementados ao longo do século XX e início do século XXI.
Como vimos anteriormente, é inegável que o texto ocupa um lugar
central no ensino de língua materna, devendo ser o seu objeto de análise.
Concebê-lo dessa maneira é uma contribuição da Linguística Textual, que o
considera a unidade comunicativa fundamental, uma vez que não nos
comunicamos por frases isoladas, mas apenas por meio de textos. Portanto, não
mais palavras e frases soltas, descontextualizadas devem ser o objeto de ensino
nas aulas de língua portuguesa. Essa mudança de enfoque traz consigo a
necessidade de se considerar o texto em sua condição de gênero, um artefato
socioculturalmente construído, ao longo do tempo, que é empregado com um
propósito comunicativo, além de apresentar características formais próprias,
tanto em termos de formatação como de escolhas lexicais específicas daquele
gênero. Por essa razão, é fundamental que o aluno tenha contato com textos reais,
não só do seu cotidiano, mas também com os literários, a fim de conhecer a grande
variedade de gêneros existentes.
Nunca é demais lembrarmos que o conceito de texto não deve se limitar
ao de texto escrito, referindo-se a todas as formas de materialização do discurso
possíveis, em que se utilizam múltiplas linguagens. Uma fotografia assim como
um filme ou uma escultura são textos e podem ser lidos (FÁVERO; KOCH, 1994).
Com o avanço das novas tecnologias, novos gêneros foram surgindo e o leitor
aprendeu a lê-los e a utilizá-los, como é o caso do e-mail, das mensagens de texto,
dos memes. Alguns desses novos gêneros fazem uso de recursos das linguagens
não verbais, como imagens e sons. Como consequência disso, além de preparar o
aluno para variadas práticas de leitura e escrita (os múltiplos letramentos) que
deverá desempenhar na sociedade, de forma reflexiva e crítica, é imprescindível
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |15
O aluno precisa estar preparado para ler não só o texto impresso, mas
saber “ler” o mundo reflexivamente, tendo condições de atuar satisfatoriamente
nas diversas práticas de leitura e escrita do cotidiano em que está inserido,
principalmente as que envolvem as múltiplas semioses.
Outro princípio inquestionável é que os textos são lacunares, ou seja, não
apresentam explicitamente todas as informações necessárias para a sua
16 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
Tenha responsabilidade.
Lave suas mãos para tudo.
Seja sociável.
Não saia de casa.
Amil.
Voz em off: É hora de cuidarmos uns dos outros.
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3. Considerações finais
REFERÊNCIAS
1. Introdução
1Projeto cultural, criado em 2016, que convida conferencistas internacionais para tratar de temas da
contemporaneidade em eventos promovidos no Brasil.
22 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
Para que se tenha clareza sobre como a atividade de leitura que será
analisada neste artigo aconteceu, explicamos que a escolha do trailer do filme em
questão se justifica em razão de abordar um fato cujo tema satisfazia ao interesse
demonstrado pela turma por assuntos relacionados ao espaço. Assim, em aulas
anteriores, o tema já havia sido explorado e amplamente discutido, a partir de
diferentes gêneros textuais.
A atividade com o trailer fez parte de uma sequência de atividades
planejada para acontecer em uma aula de 120 minutos3, que tinha como objetivo
a prática de leitura através de diferentes modalidades textuais. Desse modo,
optamos por manter os três momentos que faziam parte da rotina das aulas de
língua portuguesa denominados roda de conversa, roda de leitura e momento do
registro.
Assim sendo, antes da leitura do texto escrito, organizamos um trabalho
com um texto imagético, com o intuito de motivar a participação das crianças e
ativar conhecimentos prévios. Nesse sentido, a roda de conversa contou com a
projeção de uma imagem em que o planeta Terra aparecia encobrindo o Sol.
A roda de leitura se baseou em uma reportagem que noticiava um fato
socialmente relevante, o 50º aniversário da primeira viagem do homem ao espaço,
e o trailer do filme Gagarin, o primeiro no espaço – texto cinematográfico
2
O trailer do filme Gagarin, o primeiro no espaço, está disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=v6qxZPfX1NA.
3 Gravada e transcrita segundo o modelo de transcrição proposto por Jefferson, encontrado em:
JEFFERSON, Gail. Glossary of transcript symbols with an introduction. In: LERNER, Gene H.
Conversation Analysis: studies from the first generation. Amsterdan/Philadelphia: Jonh Benjamins
Publishing Company, 2004.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |25
EXCERTO 1: “por que será que ele não enviaria o filho dele pro espaço?”
11 ((para a turma)) ele pergunta
12 Aline assim(0,5) pressuponha que seu filho vai pro espaço (1,0)
13 e você teria que enviar aí o rapaz fala assim (1,0) eu não
14 enviaria(0,5) por que será que ele não enviaria o filho
15 dele pro espaço?
16
17 Carlos [[porque lá ele ia ficar com medo dele] morrer:
18 Eduardo [[(porque ele tá com medo dele morrer)] é
19 Aline imagina se o menino não volta? (0,5) >né não?<
20 [por isso que ele tava preocupado]
21 João [hein tia ele disse ( )] a mesma coisa=
22 Aline =é::::
23 Carlos [[aquele cara ali de branco é o filho dele?[=
24 Crianças [[ ]
25 Aline =[nã::o ele não é o filho dele (1,0)
26 [mas ele acompanhou o processo então ele gosta do
rapaz]
27 Pedro [não ele morre de acidente de avião não: mor:re não
mor:re]
28 Aline como se fos:se filho dele [e o rapaz é no::vo]
29 Pedro [ele morre [no avião]]
30 Eduardo [tia tia]
31 Aline vamo lá:: o::i.
32 Eduardo depois que ele subiu e ele desceu se desce muito ºrápido
33 pega fogoº
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |27
abordada por Aline posteriormente: “olha só aquele pessoal ali (1,0) >por que eles
tão tudo gritando?<” (linhas 46 e 47).
Interessante observar que a cena, em que as pessoas pulam, gritam e se
abraçam, só pode ser compreendida como uma comemoração através da ativação
de um conhecimento partilhado previamente concebido, pois não há no vídeo
qualquer indício verbal que confirme essa situação. Carlos baseia sua contribuição
na leitura da linguagem corporal das pessoas em tela associada a um repertório de
conhecimento mais amplo, adquirido na vida diária.
Outro exemplo relevante de utilização de conhecimento de mundo para
a construção do sentido acontece, nesse excerto, quando a explicação de Aline:
“eu acredito que deva ter tipo um gp_ naquela época não sei se chamava gps (0,5)
dentro da máquina como se fosse um radar (0,5) pra eles poderem achar a
localização e depois eles vão lá resgatar::” (linhas 54 a 57), em resposta à duvida
de João: “tia o que acontece? como eles sabem pra onde o yuri gagarin vai?” (linhas
52 e 53), é simplificada por Alex, que recorre a um fato que faz parte de sua cultura
e que exige um conhecimento técnico específico: “é igual baloeiro indo atrás de
balão” (linha 58).
Esse excerto reforça como o mundo vivido é importante para a
coconstrução de sentidos sobre o mundo narrado. Percebemos que, de sua
vivência, Aline apresenta um conhecimento sobre a tecnologia do GPS, já Alex
traz o conhecimento técnico sobre balões. Essa passagem mostra que, no jogo da
coconstrução de conhecimento sobre o texto, pode-se e deve-se ir muito além de
sua superfície para produzir um sentido que reforça e ao mesmo tempo amplia
nosso saber sobre o mundo.
O recurso de ativação de conhecimentos prévios possibilita o
estabelecimento de inferências que se fazem presentes na leitura do texto em cena
como continua sendo demonstrado no excerto a seguir, em que os alunos refletem
sobre um episódio do vídeo.
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EXCERTO 3: “comemorar quando o cara subiu pô (1,0) era pra comemorar quando o cara
<descesse>”
15 Aline yuri gagarin ((pausa o filme)) olha só (1,0) tem um
16 pessoal comemoran::do (1,0)mas esse (.) esse pessoal aí
17 dentro tá::::: preocupado (.) por quê?
18 Carlos vai que algu_ [porque tá::: com] turbulência (0,5)
19 Eduardo [porque tá com turbu]lência
20 Carlos turbulência no negócio
21 Aline deu uma turbulência (1,0) e eles chamam o rapaz (.) o
22 yuri gagarin=e o yuri gagarin respon::de?
23 João não=
24 Carlos =não:::::
25 Aline >e aí como é que ele_< ficam sem saber::=
26 Camila =eles ficam sem saber se tem algum problema=
27 Aline =é:: >eles ficam sem saber notícias< (0,5) não sabem se
28 ele mor:re::u [>não sabem o que aconteceu<]
29 Eduardo [tia ele falou assim (.) tia] ele falou assim (0,5)
30 que é cedo para <comemorar>
31 Aline é:::: >é isso ai< é cedo pra comemorar (.) por quê?
32 porque não sabe se deu certo (1,0) né:? >imagina se
33 aconteceu alguma coisa com o menino lá em cima?<
34 Bruno comemorar quando o cara subiu pô (1,0) era pra
35 comemorar quando o cara <descesse>
36 Aline é::: >né não<?
37 Bruno quando o cara chegasse na ter::ra começava a
38 comemorar pô (1.0) mas não
5. Considerações finais
REFERÊNCIAS
1. Palavras iniciais
estão sempre presentes no cotidiano de todo indivíduo e fazendo com que ele aja
de acordo com o que foi estabelecido socialmente.
Discussões sobre quais habilidades de leitura são exigidas aos leitores no
século XXI têm aparecido em numerosas publicações e são alvos de recentes
pesquisas. Dentre os requisitos para ser um leitor eficaz na atualidade, afirma-se
que ler não é apenas decodificar um texto impresso, mas ser capaz de consumir e
produzir uma variedade de textos em tecnologias tradicionais e novas, acessando,
em muitos momentos, ambientes digitais e móveis. O que precisa ser enfatizado
nessas discussões são os discursos oriundos a partir da associação dos aspectos
visuais e multimodais que os textos encontrarão.
Textos verbais, visuais e verbo-visuais são parte inextrincável de nossa
cultura, sobretudo em tempos de farta tecnologia cibernética. Os livros didáticos,
no Ensino Fundamental da educação básica, já por tradição, são repletos de apelos
visuais, sob forma de tirinhas, cartuns, fotos, reprodução de pinturas, além das
ilustrações que acompanham os textos verbais. São ferramentas importantes nas
salas de aula brasileira, tendo em vista que, em muitas cidades do país, são o único
material de apoio aos docentes. Por isso, há a necessidade da reflexão e análise
desses novos gêneros textuais veiculados nas mídias de grande circulação neste
novo século, bem como que relações de comunicação constituem entre si e com
seus leitores, e que sentidos são capazes de produzir.
Assim, a leitura pressupõe algo “a mais” do que está explícito. Ler está
inteiramente ligado à construção de sentido, aos saberes partilhados, além das
relações com o contexto. Definindo o ato de ler, Feres (2016) dirá que a leitura
pode ser definida como um processo de interação que projeta a “construção de
sentidos”, oriunda das expectativas e saberes partilhados pelos indivíduos durante
a troca comunicativa. “O sentido é construído nas relações entre texto e contexto,
entre produtor e leitor e, enfim, entre o que está explícito no texto e o que é
evocado” (FERES, 2016, p. 31).
Pode-se dizer que toda leitura é intertextual, já que, ao ler um texto, são
estabelecidas associações com outro texto. Essas associações são livres e diretas,
engendradas inconscientemente, independente da intenção do autor e/ou leitor
– algumas vezes, é de maneira consciente, pois o autor pode também ter alguma
intenção sobre sua produção.
3. Fundamentos da discursividade
Cada indivíduo e grupo social está inserido numa rede discursiva e dela
não pode escapar. Na materialidade constituída pela manifestação dos vários
discursos encontra-se o espaço em que o indivíduo se constitui sujeito, utilizando-
se dos elementos já recebidos e reelaborados por ele. Este, antes indivíduo, torna-
se sujeito gerador de novos discursos e por eles atravessado. Não mais apenas
paciente, mas agente de um sistema social polifônico, que passa pela leitura e
interpretação dos elementos verbais e visuais presentes em textos.
Corroborados, principalmente, aos postulados da Análise do Discurso
Francesa proposta por Maingueneau (2008a), a noção para trabalhar a
discursividade de um enunciado/texto apoia-se sobre o “Primado do
Interdiscurso”. Para o autor, não se deve “acreditar” na existência de um discurso
‘puro’, inicial; para ele, toda manifestação dialogal está instaurada no bojo de um
interdiscurso.
Nesse ínterim, Maingueneau (2008a) afirma que, para alguns linguistas, o
Outro que se expõe pode ocorrer por dois princípios básicos de heterogeneidade:
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |39
Lúcia Santaella (2012) irá dizer que não podemos mais chamar de leitor
apenas aqueles que leem letras e palavras, mas sim os capazes de ler semáforos,
placas de trânsito, desenhos e informações que são apresentadas de maneira
visual. Se o nível discursivo é estabelecido pelas instituições que determinado
enunciado suporta, por que considerar discursivo apenas os elementos verbais?
Os elementos visuais não são capazes de apresentar enunciados coerentes e coesos
por meio do que é visto?
Acredita-se que, em enunciados verbo-visuais, a parcela visual também
contribui para a discursividade do texto, tendo em vista que, por exemplo, em
HQs (Histórias em Quadrinhos) a interpretação e compreensão total do
enunciado dá-se apenas pela leitura sincronizada feita por meio de ambas as
parcelas. Nas pinturas, pode-se observar um encadeamento progressivo, assim
como nos textos verbais, de uma leitura feita de cima para baixo, da esquerda para
a direita. Deste modo, podemos dizer que, à medida em que o linguístico descreve
42 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
Como não se trata apenas de palavras, mas sim das relações estabelecidas
entre elas e as imagens que as acompanham, o foco, nesta pesquisa, são as relações
semânticas (SANTAELLA, 2012) propriamente ditas, pois, como já foi visto, as
relações entre palavra e imagem não denotam, explicitamente, a presença de uma
conjunção e/ou conectivo, mas estabelecem nexos que inferimos “virtualmente”.
Assim, propõe-se estabelecer um quadro que nos auxiliará a compreender
melhor estas relações semânticas que se encontram nos eixos da coordenação,
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |45
5. Construindo sentidos
Figura 1 4
4Disponível em:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1842320599187019&set=a.549129038506188&type=3&t
heater. Acesso: 14/09/2018.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |49
Figura 25
5Disponível em:
https://www.facebook.com/tirasarmandinho/photos/a.488361671209144/2132430223468939/?type=
3&theater. Acesso: 14/09/2018.
50 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
assertivas: “Não estou entendendo... O que será que elas podem fazer? – Unidas?
– Ahh... TUDO!”
O simulacro discursivo diz respeito à organização das mulheres em prol de
um único desejo: igualdade de direitos a todos. Mascarado a isso, estende-se a
necessidade que tem de se unir contra o machismo e o feminicídio arraigado em
nossa sociedade. O amigo de Armandinho parece assustado ao notar a união entre
diferentes mulheres, e, atrelado a isso, Armandinho o alerta para o grande
potencial das mulheres, que são capazes de fazer muitas coisas sozinhas, mas,
unidas, podem fazer tudo. A escolha vocabular – TUDO – abraça e enaltece a
temática principal do texto: o feminismo, não como uma bandeira que pregue a
desordem ou o desamor entre as pessoas de qualquer gênero, mas o contrário,
justamente a união e respeito a todos enquanto seres humanos.
Analisando brevemente as tirinhas apresentadas, pode-se perceber que o
simulacro decorre de muitos elementos verbais e visuais para que se atinja a
semântica global do discurso. Tratando-se de um gênero tão presente no cotidiano
de todos os indivíduos, trabalhar a discursividade dos textos verbo-visuais nas
aulas de língua portuguesa auxilia o alunado a buscar em seu imaginário
sociodiscursivo saberes partilhados capazes de construir a significação total de um
discurso.
6. Algumas considerações
REFERÊNCIAS
AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo:
Publifolha, 2014.
FERES, Beatriz dos Santos. “O ato de ler numa perspectiva interativa: os níveis de
construção de sentidos dos textos”. In: Leitura e formação do leitor: Cinco estudos
e um relato de experiência. DIAS, André; FERES, Beatriz dos Santos; ROSÁRIO,
Ivo da Costa (orgs). 1. ed. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2016, p. 29-42.
1. Palavras iniciais
2. Considerações teóricas
6
John Lyons (1987) analisa o significado como sendo descritivo, expressivo, ou social. O primeiro se
caracteriza pelas declarações que pretendem descrever uma situação qualquer. O segundo, tido como
não-descritivo, caracteriza-se como a emissão de opinião ou sentimento acerca de determinada
situação. O último, na verdade, interdependente do significado expressivo, relaciona -se ao uso da
língua para o estabelecimento dos papéis e das relações sociais, transformando-se em instrumento da
interação social.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |55
empregadas”. De certa forma tais exemplos corroboram a crítica feita por Ernani
Terra quanto à matéria da Folha.
Vejamos um exemplo retirado de Sandmann (2003: 63):
(2) Carlos não joga mais, apesar de seu gosto por esportes.
(3) O carro desapareceu na avenida. O veículo não foi mais visto desde
então.
(FIG. 2: SANTIAGO)
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |61
(FIG. 4: BOLSONARO)
Negros e pardos são mais atingidos por desemprego e recebem menosFolha de São
Paulo, 05/06/04.
3. Considerações finais
REFERÊNCIAS
HOLLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Aurélio século XXI. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, s/d, versão eletrônica.
ILARI, Rodolfo e GERALDI, João Wanderley. Semântica. São Paulo: Ática, 1985.
1. Introdução
é visível a relação intertextual entre a imagem e o que está escrito dentro do balão
de fala:
O humor nas chamadas de capa do jornal Meia Hora está não somente
relacionado ao código linguístico, mas também aos elementos não verbais
(imagens que acompanham as manchetes, tamanho e cor de fonte, disposição
tipográfica, localização da fotografia/imagem) que as compõem. Travaglia (1989,
p. 673) fala em categorias do humor. Uma dessas categorias, segundo o autor, está
relacionada ao código, tanto verbal quanto não verbal:
Logo, é necessário que o leitor esteja atento aos fatores não linguísticos
aliados aos elementos verbais a fim de que compreenda o humor e a ironia
presentes nas manchetes da chamada, tendo que fazer, muitas vezes, um resgate
a seu próprio conhecimento de mundo. Esse leitor precisa estar consciente que “o
efeito de humor deriva da sacada, da construção surpreendente de tais
correspondências [e de sua descoberta pelo leitor/ouvinte]” (POSSENTI, 2014, p.
74). Com isso, podemos advogar um tal efeito de humor decorrente das escolhas
linguísticas e das seleções de imagens, planos e enquadramentos feitos pelo jornal.
Ao analisar, por exemplo, os provérbios de Millôr Fernandes e outros
textos de humor, Perini (2014, p. 74) comenta também sobre esse efeito de
humor. Segundo ele, esse efeito “deriva da sacada, da construção surpreendente
de tais correspondências (e de sua descoberta pelo leitor/ouvinte)”. Assim, no caso
das manchetes ou das chamadas, a compreensão do humor só se concretiza
quando cognitivamente o leitor aciona e inter-relaciona seus conhecimentos de
mundo e seus conhecimentos linguísticos. Ou seja, “saca” ou “descobre” o que há
por de trás dos recursos ou dos jogos linguísticos e da seleção/enquadramento de
uma imagem ou foto. Com esse comentário, sistematizamos na tabela abaixo o
que consideramos recursos verbais e recursos não verbais a serem observados na
análise das capas:
74 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
CAPA – 15/06/2016
CAPA – 02/08/2018
CAPA 26/06/2018
Capa 1
1. O título da chamada principal “Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou!” é
trilha de um famoso conto de fadas.
a) Que conto de fadas é esse? Qual é a relação desse desenho com o fato
noticiado pelo jornal?
b) Que elementos não verbais remetem a esse conto?
Capa 2
1. A frase “Foi na raça!” possui duas interpretações no contexto em que está
inserida.
Capa 3
82 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
6. Considerações Finais
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |83
Neste artigo, o foco foi gênero discursivo chamada de capa que ainda não
é tão trabalhado em sala de aula, mas tem uma importância fundamental no
despertar da leitura de suportes como jornais, revistas e até algumas páginas da
internet, já que, por estar na primeira página, é responsável por atrair leitores para
a leitura desses suportes. Também discutimos a importância do humor na
construção do discurso jornalístico e como pode funcionar como uma visão crítica
do jornal acerca de um fato, além de como a relação da linguagem verbal e não
verbal contribuem para esse efeito humorístico e, ao mesmo tempo, crítico.
Para a apresentação do gênero chama de capa optamos pela escolha do
jornal Meia Hora, periódico popular, de linguagem simples e que tem como
principal característica suas chamadas de capas irreverentes e com pegadas
inteligentes de humor e ironia. Esse efeito das chamadas de capa do jornal Meia
Hora ocorre, por haver uma exploração tanto de elementos da linguagem verbal,
como da linguagem não verbal (tamanho da fonte, imagem, disposição
tipográfica, ambiguidade, intertextualidade).
Houve comentários também acerca da definição de humor e sua
contribuição para a construção do discurso, além de sua importância nos estudos
linguísticos. Para fins de noção prática, os elementos verbais e não verbais foram
analisados em algumas capas selecionadas, a fim de que pudéssemos perceber
como essa harmonização entre eles criam essa atmosfera humorística/irônica
como um objetivo crítico do jornal.
Por fim, sugerimos diversas aplicações didáticas, a fim de que o professor
possa abordar em sala de aula, de forma que o educando não tenha apenas acesso
a textos midiáticos diferenciados, como também possa entender o papel do humor
e da ironia como uma forma de posicionamento crítico do jornal diante de algum
fato. Ademais, esse tipo de abordagem possibilita ao professor um trabalho em
que estimule ao aluno a reflexão e o exercício do senso crítico. Dessa forma, foram
produzidas atividades de interpretação das chamadas de capa e, no final, uma que
estimulasse a produção de uma chamada, de forma que fique a cargo do educando
a escolha dos recursos verbais e não verbais de sua produção textual.
84 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
REFERÊNCIAS
CALDEIRA, Adriano Baptista. "A chamada de capa". In: BONINI, Aldair et. al.
Os gêneros do jornal. Florianópolis: Insular, 2014.
MELO. J.M. de. A opinião do jornalismo brasileiro. 2. ed. rev. Petrópolis: Vozes,
1994.
PLATÃO, Francisco; FIORIN, José Luiz. Para entender o texto: leitura e redação.
São Paulo: Ática, 1997.
POSSENTI, Sírio. Cinco ensaios sobre humor e análise do discurso . São Paulo:
Parábola, 2018.
1. Introdução
2. O projeto
linguagem poética, o primeiro esforço a ser feito para alcançar o objetivo final é
o de acessar os usos e sentidos daquilo que é expresso na letra original em sua
língua primeira. É apenas a partir desse reconhecimento que o trabalho de
tradução e versão pode ser concretizado de fato.
Dessa maneira, a primeira atividade prática relacionada ao projeto foi a
de escolha, triagem e ordenação de acordo com a relevância da música para o
grupo. Como o colégio trabalha a partir de uma perspectiva de aprendizagem
integral, as etapas de trabalho que extrapolam a dimensão cognitiva também têm
destaque e cuidado em sua estruturação, pois temos o cuidado com o
desenvolvimento humano também nas esferas sociais e emocionais. Nessa fase do
trabalho, propusemos aos estudantes que escolhessem três músicas com as quais
eles gostariam de trabalhar, considerando a conexão afetiva entre eles e a canção,
suas habilidades e limitações relativas à execução das partes do trabalho, seja sob
o ponto de vista do domínio das línguas trabalhadas– lembramos aqui que, nessa
ocasião, estávamos trabalhando com grupos heterogêneos em compreensão e
expressão em língua inglesa –, seja sob o prisma da dificuldade técnica que cada
gênero musical pode impor durante a gravação da versão cantada – consideramos
que gêneros mais rápidos e com cadência mais marcada, como o rap,
representariam um desafio muito maior para ser cantados do que, por exemplo,
um ritmo lento.
Orientamos os estudantes também sobre a adequação da letra a um
ambiente escolar, sendo que estaria fora de negociação qualquer texto de teor
preconceituoso ou vexatório. Consideramos, nesse caso, que palavras de baixo
calão, desde que possuíssem relevância dentro da letra original e significado não
literal poderiam ser adaptadas em língua portuguesa, mantendo a
intencionalidade de uso e não necessariamente o termo em si. Para a escolha final
da canção, propusemos uma negociação entre os grupos e uma das professoras, na
qual seria feita uma leitura global dos textos propostos, levando em consideração
a. relevância da peça musical para o grupo; b. repetição de música dentro da série
(julgamos adequado não haver músicas repetidas, principalmente para que as
professoras, ao orientarem os trabalhos, não sofressem interferência entre os
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |91
técnica de sponken words. O objetivo dessa última parte, além de possibilitar uma
plataforma para a expressão artística do grupo que quisesse fazê-lo, funciona
também como uma verificação da coerência entre a letra vertida e a composição
musical, que pode ser revista, revisada e adaptada para encaixar-se perfeitamente.
Os critérios avaliativos levaram em consideração todas as partes do
projeto, valorizando mais os aspectos da letra (60% da nota total), a saber: a. A
versão respeita o sentido apresentado pelo texto-fonte (letra escolhida); b. A
versão criada adequa-se à proposta musical do texto-fonte (rima, métrica,
aliteração, etc.); c. A versão adequa-se à comunidade de chegada (contexto
brasileiro – gírias, expressões idiomáticas, etc.). Paralelamente, a produção do
vídeo com a música em português representou 40% da nota, considerando: a. A
produção visual conversa com a versão (escolha de elementos estéticos, edição);
b. Houve cuidado e comprometimento com a produção do vídeo (qualidade da
imagem, caracterização do trabalho, escolha de ferramentas de vídeo adequadas,
legendas, etc.); c. Qualidade de áudio (a canção/narração é audível, clara, etc.).
Com essa parcela da nota procuramos incentivar a feitura dos vídeos, valorizando
a qualidade técnica e não habilidades artísticas, por considerarmos que não são
todos os estudantes que têm ou tiveram acesso à formação musical ou
cinematográfica.
3. Considerações finais
Essa conclusão, que chega como insight natural da prática, irá reaparecer
em outros momentos da vida do estudante, quando ele se deparar com textos em
línguas estrangeiras ou traduzidos para o português. Assim como o estudo da
Literatura necessita da dúvida, da desconfiança, uma vez que, por mais que seja
frustrante para um estudante em começo de formação, não há respostas unívocas
98 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
REFERÊNCIAS
1. Introdução
Desse modo, a concepção de gênero por nós adotada é a que evoca ação
social, conforme proposta por Bazerman (2011, p. 23), quando afirma que os “[...]
gêneros não são apenas formas. Gêneros são formas de vida, modos de ser, são
frames para a ação social”. Bazerman (2011, p. 10) acrescenta ainda,
8 Estão traduzidos para o português os trechos de edições em língua estrangeira citados neste texto.
102 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
3. Procedimentos metodológicos
Figura 1
Fonte: Dados da pesquisa.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |105
o uso da escrita não significa que esses usos sejam organizados e sistematizados.
Essa enxurrada de informações trocadas ocorre em momentos segmentados,
conforme determinados motivos como interagir com namorado(a), amigo(a) ou
familiar, conhecer pessoas etc. Nesses casos, o acesso ocorre de maneira exagerada
e, assim, muitas vezes, eles deixam de vivenciar outras práticas sociais que fariam
com que vivenciassem diversas práticas de letramento.
De qualquer forma, também não podemos deixar de perceber que os
alunos-sujeitos desenvolvem a escrita em curtas periodicidades no dia a dia,
repetindo-a muitas vezes, revelando que são instigados a desenvolvê-la. Essa
informação nos mostra, portanto, que as práticas sociais as quais os nossos alunos
estão imersos requerem a utilização da escrita e são importantes porque revelam
como são as práticas de letramento cotidianas. É um fenômeno de letramento que
extrapola o mundo da escrita, tal qual é concebido pelas instituições que se
encarregam de introduzir formalmente os sujeitos em práticas letradas
(KLEIMAN, 1995, p. 20).
As práticas sociais cotidianas solicitam diversificados usos da escrita que,
por sua vez, revelam uma série de características particulares e uma dessas
características diz respeito ao fato de os alunos-sujeitos utilizarem a escrita para
interagirem em vários momentos em um mesmo dia. Diferentemente do que
ocorre na escola, os horários em que essa prática de escrita acontece são flexíveis,
já que podem ocorrer a qualquer momento, em pequenos intervalos, como
enquanto se caminha ou se descansa por um momento.
Na vida fora da escola, os alunos-sujeitos praticam a escrita sem
determinações prontas, é uma escrita ancorada em práticas de letramento
carregadas de características da modernidade, que representam uma das muitas
facetas dos letramentos (BARTON & HAMILON, 2000) concebidos e
institucionalizados nas rotinas do cotidiano, revelando os variados modos de ler
e escrever e os significados sociais dessas práticas.
Essas dinâmicas das práticas de letramento dos alunos sujeitos nos
mostram que os processos de produção de texto podem ser muito diferentes
daquilo que costumeiramente eles fazem na escola. Barton & Hamilton (2000) já
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |107
Lápis coloridos
Fotografia
Cola
9 Os resultados foram posicionados de acordo com o quantitativo de citações, do mais até o menos
citado.
108 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
6. Considerações finais
REFERÊNCIAS
1. Introdução
seu modo de dizer. O livro didático diz - evoca discussões, pontua determinados
temas, evidencia movimentos e comportamentos, sugere, apresenta, provoca,
questiona, responde.
Sobre a mulher, com o passar dos anos, elas intensificaram lutas por vagas
nas escolas, nas universidades, no mercado de trabalho e na política, tudo isso
abalou o corpo-nação. Atualmente, mulheres já assumem cargos bastante
elevados e de grande importância. Mundialmente, segundo o site country meters
– dados em tempo real da população mundial, as mulheres já representam 49,6%
da população e, além disso, vivem mais e melhor do que os homens.
Ao abordar e explorar temas como mulher, violência contra a mulher,
mulheres no mercado de trabalho, mulheres em casa, mulheres nas escolas,
entendemos, respaldados na AD, que o livro didático não apenas descreve
processos, mas põe em funcionamento um campo de forças constitutivas desses
processos, por meio das materialidades discursivas.
Evidenciamos, ao longo das unidades do livro Interpretação de textos de
Willam Cereja, ano 2016, modos de dizer por meio de metáforas, antíteses, jogos
de palavras que constituem os processos ideológicos e efeitos de sentidos que
pairam nas entrelinhas da construção das tirinhas.
Figura 1
Fonte: CEREJA (2016, p. 110)
para o autor, ideologia e história, tendo em vista que não há dispositivo fora da
história (p. 192) e que não há história que não contemple, em sua construção e
abordagem, noções de inconsciente e ideologia.
A partir de uma concepção discursiva, compreendemos o
desenvolvimento de uma reflexão crítica sobre a produção de conhecimentos e
os relacionamentos sociais. Conforme Pêcheux (1995), as palavras comunicam
sentidos. Nesse contexto, a figura feminina é colocada em local de superioridade,
uma vez que, além de, aparentemente, consciente do processo de convivência em
sociedade, exerce sobre o homem um papel determinante: coloca-o em estado de
reflexão.
Não há inocência na linguagem (ORLANDI, 2002). Desse modo, a maior
reflexão não está no dito, mas, sim, no não-dito, no silêncio, naquilo que está além
da materialidade do texto. Orlandi (2007), ao postular sobre o processo de
formulação dos sentidos, afirma que “o silêncio não é, pois, imediatamente
interpretável”, porque “é a historicidade inscrita no tecido textual que pode
devolvê-lo” (ORLANDI, 2007, p. 58). Ora, nessa trama discursiva, dominação e
resistência se encontram compreendidas em um processo marcado pela
formulação de sentidos e construção de uma identidade que coloca o sujeito-
homem no silêncio, provocando efeito de emancipação à voz feminina.
FIG_2
Fonte: CEREJA (2016, p. 52)
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |125
FIG_3
Fonte: CEREJA (2016, p.37)
FIG_4
Fonte: CEREJA (2016, p. 102)
128 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
FIG_5
Fonte: CEREJA (2016, p. 91)
Na tira acima, há um diálogo entre mãe e filho. A mãe, por sua vez, é
posta em um lugar de autoridade, tanto pelo fato de ser mãe, como também por
sua postura na construção: deitada em um sofá e lendo um jornal. O filho, Calvin,
apresenta uma necessidade (“Tô com fome”) e, em seguida, faz sua petição (“Posso
fazer um lanche”).
Em outros momentos da história, não poderíamos conceber o que está
descrito acima: uma mulher em casa, mas em estado de descanso, até mesmo
porque, em conformidade com o enunciado lugar de mulher é na cozinha,
trabalhando no lar para a alimentação do marido – sujeito implícito à construção
– e dos filhos, zelando pelos utensílios e ambiente doméstico.
Na tira, Calvin representa o sujeito homem e é surpreendido por um
direcionamento sobre o que deve comer. A mãe orienta/ordena/solicita ao filho
que este “sirva-se”, mas o ato de fala gira em torno, apenas, da comida fruta, mais
precisamente maçã ou laranja, as que estão na geladeira. Calvin, porém, ao obter
a resposta da mãe, segurava um pote de biscoitos. Ou seja, sua vontade era outra
e foi negada. O efeito-revolta o leva à seguinte conclusão: “Embora usemos o
mesmo idioma, não falamos a mesma língua”.
Podemos facilmente relacionar o pensamento de Calvin ao modelo
formal/ estruturalista de concepção da língua. Ferdinand Saussure (2006), em seu
130 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
5. Considerações finalizantes
REFERÊNCIAS
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2006.
134 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
1. Introdução
Nem sempre se sabe se aquele que ensina está disponível para essa
abertura. Como é que nos formamos leitores e produtores de texto?
É na comunidade (comum-unidade), na relação com o outro. Não
é no rigor do olhar, nem na benevolência, nem nos atos de
indiferença que se encontra a saída. Ela está, fundamentalmente,
no quanto àquele que ensina e aquele que aprende se abrem, cada
vez, para compreensão ativa.
3. As oficinas
Ora, se toda gente pode contar o que viu, por que não poderá
escrevê-lo? A escrita não é senão a transcrição da palavra falada, e
é por isso que se diz que o estilo é o homem. O estilo mais bem
descrito é, as mais das vezes, o estilo que se poderia falar melhor.
a preocupação do aluno com tais aspectos pode fazer com que ele
risque várias vezes o que escreveu e não consiga ir adiante sem ter
uma frase bem elaborada antes de iniciar a próxima, o que é um
desperdício de tempo e energia, já que há como dizer se estas ideias
iniciais serão realmente aproveitadas no texto final.
Não só o professor como o colega de turma pode ser percebido como leitor,
trazendo assim uma nova atividade preliminar para quem escreve, pois passam a
selecionar quais partes de seu texto inicial podem ser expandidas, desenvolvidas
ou cortadas. O autor também leva em conta a sequência para apresentação dos
assuntos, bem como a forma de fazer o encadeamento e a transição dos conteúdos.
Ao relacionar a necessidade de uma produção escrita mais consciente,
Soares (2009, p.111) enfatiza que: “ cada aluno deve ser capaz de avaliar o quanto
da informação que ele deseja passar e partilhar com o leitor ”. Destaca ainda que
para alcançar o propósito de um texto claro e objetivo, é necessário julgar se a
linguagem empregada está de acordo com o que se quer.
Para Soares (2009, p.112):
4. Palavras finais
REFERÊNCIAS
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Contexto,
2009. 144 p.
VAL, Maria das Graças Costa; ROCHA, Gladys. Reflexões sobre práticas escolares
de texto: o sujeito-autor. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |149
1. Questões iniciais
3. Metodologia
5. Considerações finais
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
1. Aquecimento
I - O sabor da vitória
que há 60 anos não ficava fora da competição, e a Suécia, cuja última participação
no evento foi em 2006, foi assim representado pelo cartunista J. Bosco:
II - O brinde do canarinho
5. Placar geral
REFERÊNCIAS
______. “Les stéréotypes, c’est bien. les imaginaires, c’est mieux”. In: Boyer H.
(Dir.). Stéréotypage, stéréotypes: fonctionnements ordinaries et mises en scène.
Paris: L’Harmattan, 2007. Disponível em: <http://www.patrick-
charaudeau.com/Les-stereotypes-c-est-bien-Les.html>. Acesso: 10 nov. 2015.
1. Introdução
Nesse sentido, não somos capazes de formular um cálculo satisfatório sobre aquilo
que, periodicamente, lemos em diferentes capas de revistas, se não voltarmos
nossa atenção a plausíveis aspectos dialógicos na construção dos textos ali
publicados. Pensar nas recorrências linguageiras ali presentes é o mesmo que
considerar a ocorrência de um bom número de marcas enunciativas, de caráter
polifônico, contribuintes para a produção dos sentidos pretendidos por seus
enunciadores.
Como afirma Bakhtin (2003), não importa se trata como língua ou como
discurso, a linguagem empregada será sempre dialógica. Implica dizer, portanto,
que o não reconhecimento disso significa apagar a conexão existente entre a
linguagem e a vida.
Diferentemente, não seria. A linguagem, por ser dialógica, é construída no
embate de vozes que ocorre ao longo da enunciação. Assim como nada é adâmico
em nosso contato com o mundo (embora em maior parte essas corriqueiras
relações sejam de modo simplório, exigem de nós muitas vezes apurado engenho
para conseguirmos atingir nossos objetivos, produzir os sentidos necessários para
nossos enunciados, nossos textos, nosso agir sobre o mundo e por ele sermos
alcançados), assim também é quando estamos diante de capas de revistas, como a
edição 2334 e 919, de Veja e Carta Capital, respectivamente. Nelas, com alusão a
um possível processo de impeachment da então Presidente da República, Dilma
Roussef, é possível perceber que, o êxito da informação exige do produtor
requintes no trabalho com a linguagem, engenhos esses que passam pelos recursos
do Dialogismo e da Polifonia.
2. Dialogismo e polifonia
Por fim, nos cabe pensar que as vozes presentes em uma enunciação serão
sempre vozes sociais, revelando as consciências valorativas que tornam possíveis
compreendermos um enunciado. Quando enunciamos, ainda que a relação com a
coisa referida (na sua pura materialidade) não seja dialógica, seu sentido será
sempre de cunho dialógico (BAKHTIN, 2003). Por conseguinte, a compreensão
dos enunciados é possível, graças à seleção de um número de recursos
linguageiros, como uma palavra, uma expressão, uma máxima, uma citação etc,
expedientes que, selecionados por alguém para a produção dos sentidos
pretendidos, poderão estar presentes em outras vozes, em outros discursos, ainda
que não diretamente ligados ao conteúdo ao que em algum momento se pretende
informar.
186 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
3. Análise
Figura 1
predominante do céu, tom que cobre quase toda a extensão da capa, merece uma
reflexão. Em prol disse, cumpre proceder à leitura de um número de elementos
e, na sequência, voltar a atenção para possíveis diálogos que, de algum modo,
contribuem para a produção dos sentidos trazidos pelo texto.
Popularmente, ouvimos que “uma vez imagem vale mais do que mil
palavras”. A princípio, as imagens atraem mais do que as palavras, a ponto de
podermos afirmar que é a capa que vende. Assim, se a imagem nela está, não será
difícil afirmar que o procedimento inicial de análise por buscar compreender o
que compõe o conteúdo imagético. Não obstante, para principiar, a escolha do
título “A INSUSTENTÁVEL LEVEZA”.
O título, inevitavelmente, nos remete para o romance “A Insustentável
Leveza do Ser”, de Milan Kundera, escritor da antiga Tchecoslováquia. Na obra
de Kundera, o desenvolvimento do enredo erótico-amoroso se conjuga com
enorme sensação de felicidade a um momento histórico politicamente opressivo
e à reflexão sobre a existência humana como um enigma que resiste à decifração.
Como resultado de suas escolhas ou por interferências alheias, cada uma de suas
personagens experimenta, ao seu modo, o peso insustentável que calcula a vida.
De ouro modo, podemos dizer que elas buscam meios para reconhecer a opressão
política dos anos de 1960 e 1970 em Praga e, de algum modo, tentar amenizá-la.
Na primeira parte da obra, na pretensão de estabelecer uma distinção entre
o “peso” e a “leveza”, o autor alerta que o
“leveza”. Ademais, a escolha pelo azul de um céu limpo, claro, sem imagens de
qualquer ameaça, também sugere a imagem de uma presidente aparentemente
segura em seu posto. Assim, considerando o tom de suas declarações à Folha de S.
Paulo, tal cor parece oferecer à contestada presidente uma sensação de
serenidade, resultado da confiança em si mesma ao longo da entrevista.
A cor não é uma matéria, mas sim uma sensação (FARINA, 1982). Podemos
inferir que, ao escolher o tom azul para transmitir uma aparente serenidade
atribuída à Dilma Rousseff, a revista sugere que os leitores compartilhem de seu
discurso, isto é, uma ironia à autoconfiança da presidente. Desse modo, se para
Veja Dilma mostra-se aparentemente relaxada, alheia às críticas sofridas naquele
momento, da mesma visão seus leitores deverão compartilhar, o que, de certo
modo, contribui para a queda da então Presidente.
Finalizando a transcrição dos fragmentos da obra de Kundera, dividirei o
trecho restante em três partes. No primeiro deles, o escritor ressalta que “a
ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar”.
Nesse ponto, a justificativa do título apresentado por Veja parece ganhar ênfase,
uma vez que, “sem apoio popular e do Congresso, o governo Dilma flutua em um
ambiente de incerteza”, conforme enunciado da capa.
A partir da capa escolhida de Veja, para a edição 2334, a grande crítica da
revista à figura de Dilma Rousseff. Ao lado de outros elementos semióticos, Veja
afirma que “enquanto as suspeitas de corrupção chegam perigosamente perto do
Planalto”, a presidente parece não oferecer a devida importância à sua situação
política. Desse modo, seu descompromisso com a opinião pública, não
reconhecendo a baixa popularidade provocada pelas últimas notícias, torna suas
declarações apresentadas na entrevista à Folha de S. Paulo “tão livres quanto
insignificantes”, fazendo aqui um diálogo com um trecho da citada obra de
Kundera.
Na parte final da transcrição de “A Insustentável Leveza do Ser”, a grande
indagação: “Que escolher, então? O peso ou a leveza?”. Como uma voz que, de
praxe, se posiciona contrariamente ao que propõe a gestão petista, Veja parece
construir uma resposta que permite aos seus leitores pensarem que Rousseff
190 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
diante das acusações preferiu estar, como na fala popular, “livre, leve e solta”, não
oferecendo a devida importância às últimas publicações sobre seu governo. Por
sua vez, com o título “A INSUSTENTÁVEL LEVEZA”, Veja demonstra ao seu
público que as respostas da presidente, buscando transmitir segurança, livre de
qualquer preocupação sobre as acusações recebidas, não são suficientes para
esconder a insustentabilidade de sua situação política.
Observando o histórico de outras publicações da revista ao longo do
período em que a Presidência da República esteve ocupada por algum membro
do PT, podemos notar que, como nesta última capa, o periódico agiu
constantemente como uma voz que não se afastou do embate com o partido.
Assim como nas edições até aqui apresentadas, a revista busca fazer um recorte
da realidade, não deixando de fazer valer o posicionamento que pretende
imprimir em seu discurso, uma vez que não “não é possível o acesso ao real sem
atribuir um recorte ideológico” (HERNANDES, 2006, p. 23). Portanto, é
necessário ao profissional da imprensa atribuir valores àquilo que publica.
Diferentemente de Veja, nas capas da revista Carta Capital não são comuns
posicionamentos desfavoráveis à imagem do Partido dos Trabalhadores. Na capa
construída para a edição 919, é possível observar que a revista sai em defesa do
PT, ainda que não cite diretamente o nome do partido ou o nome de algum de
seus membros.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |191
Figura 2
Vale ainda notar que na Idade Média, outro grave problema enfrentado
pelos homens estava relacionado à imagem de justiça. A esse respeito, FRANCO
JÚNIOR (1992, p. 54) explica que “os elementos socialmente mais humildes (..)
ficavam inevitavelmente à mercê de nobres, clérigos e funcionários reais ou
feudais, muitas vezes donos de grande autonomia e de grande cupidez”. Na capa,
infere-se que Carta denuncia uma dependência do povo brasileiro diante dos
sentidos de justiça promovidos por discursos como o pregado por Dallagnol nas
investigações da Lava Jato.
A fim de melhor compreender esse processo dialógico na referida capa,
penso ser interessante recorrer ao que em 16.09.2016, outro veículo de
comunicação, o Jornal Zero Hora, de Porto Alegre, apresenta sobre o coordenador
da Lava Jato. Para o periódico, o cristão Deltan Dallagnol “é movido por suas
crenças”. Ele “acredita que pode mudar a forma de combater a corrupção no país”.
Para isso, “também se associou às 10 medidas de combate à corrupção, projeto que
chegou ao Congresso com a assinatura de mais de 2 milhões de pessoas”. Nessa
missão, “em busca de apoio, o procurador peregrinou por igrejas”, enquanto
“advogados e procuradores mais experientes não aprovam o estilo”. É em razão
disso que “adversários dizem que Dallagnol quer ‘santificar’ a Lava-Jato”.
Daí, a imagem do chefe da Lava Jato com os braços levantados em direção
ao céu. Firme em uma das mãos, a figura de um crucifixo. Em um plano inferior,
uma multidão de seguidores, ouvintes de sua “pregação”, a luta contra a
corrupção, segundo seus depoimentos. “Um seguidor de Jesus”, como se descreve,
“a partir dos cultos, levou sua palavra contra a corrupção, que ecoou por escolas,
associações, clubes e o plenário do Congresso” (Jornal Zero Hora, 16.09.2016).
Observando o contexto da edição de Carta Capital, é válido considerar que
a investida da Lava Jato contra os acusados, sendo os maiores alvos políticos e
empresários ligados ao Partido dos Trabalhadores, a alusão ao “golpe” se refere ao
afastamento do PT do mais alto escalão do governo, a Presidência da República,
o que para os enunciadores, caso se concretize, significaria um ato inapropriado.
Desse modo, Deltan Dallagnol representa esse ameaça, tendo como fundamento
um discurso movido por uma “farsa”, ou seja, o levantamento de acusações sem
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |193
4. Considerações finais
do discurso. Nos sentidos de cada uma das capas analisadas, uma gama de textos
pertencentes a diferentes campos podem ser trazidos ao diálogo.
Como afirma Bakhtin (2006), somente no contato entre textos é que uma
luz brilha, de modo a iluminar tanto o posterior como o anterior, associando o
texto a um diálogo. Daí, portanto, “o texto só ganha vida em contato com outro
texto” (op. cit., p. 162), processo observado nas duas capas de revistas trazidas aqui
para uma reflexão sobre o Dialogismo e a Polifonia.
“Quando aceitamos que um texto não é um sistema fechado, somos levados
a reconhecer que o autor – o produtor do texto – vem carregado de influências
várias, de múltimas citações” (VALENTE, 2008, p. 88), razão pela qual tanto
autores quanto leitores serem resultados de uma gama de leituras que realizamos
em nosso cotidiano. Cada um desses textos é repleto de um número de vozes
entrecruzadas, ainda que pertencentes a diferentes campos.
Por fim, ao observarmos os elementos que compõem a construção de cada
uma das capas selecionadas para este estudo, podemos perceber que os sentidos
ali pretendidos por seus produtores são resultados de recursos dialógicos e
polifônicos. Coube, portanto, tanto à Veja quanto à Carta Capital recorrer a esses
expedientes na tentativa de produzir sentidos capazes de provocar o aceite de seus
respectivos públicos, buscando que estes compartilhem dos mesmos discursos
que esses veículos carregam, representados aqui por suas capas.
Considerando, portanto, que o conteúdo trazido por essas revistas é fruto
de reflexões de um conjunto de notícias já publicadas por outros veículos no dia
a dia, é preciso recorrer a expedientes capazes de atrair seus leitores para novas
leituras sobre um fato ou acontecimento. Afinal, é assim que (re)construímos
nossas visões sobre o mundo e, como destaca Valente (2008, p. 88), “se de alguma
forma tudo já foi dito no mundo e cabe-nos apenas saber redizer, que saibamos
então fazê-lo com engenho e arte”, procedimentos escolhidos por Veja quanto e
Carta Capital para construir suas capas e, por conseguinte, serem alvos de aceite
de seus respectivos leitores.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |195
REFERÊNCIAS
CASTRO, Maria Lília Dias de. A dialogia e os efeitos de sentido irônicos. In:
BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção de sentido. Campinas, SP:
Editora da UNICAMP, 1997.
HERNANDES, Nilton. A mídia e seus truques: o que jornal, revista. TV, rádio e
internet fazem para captar e manter a atenção do público. São Paulo: Contexto,
2006.
196 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
KANT, I. Crítica da Razão Pura. In: Kant. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os
Pensadores).
KOCH, Ingedore G. Villaça. O texto e a construção dos sentidos. 10. ed. São Paulo:
Contexto, 2013.
1. Introdução
2. As tipologias textuais
3. A argumentação
Por conseguinte, todo texto tem uma tomada de posição por parte do
enunciador, porquanto, ao contar uma história, por exemplo, o enunciador faz
escolhas, além das lexicais, de fatos considerados mais importantes, omitindo - ou
relatando superficialmente - outros fatos. Uma mesma história, ao ser contada por
outro enunciador, não terá exatamente o mesmo relato, assim como uma
descrição é determinada pelo ponto de vista e pela tomada de posição, pois
depende da intencionalidade do autor. O mesmo vale para os textos expositivos,
considerados impessoais frente aos argumentativos; os expositivos, os quais
explicam ou revelam informações sobre um determinado objeto do discurso,
também têm, por trás de sua estrutura, uma perspectiva adotada pelo enunciador.
Nesse sentido, Koch (2009, p.17) afirma que
inclusive, textos dissertativos, visto que será, nesse caso, uma estratégia de
convencimento para o leitor. Em propagandas, essa estratégia descritiva é muito
utilizada, porque os vocábulos que compõem a classe gramatical mais utilizada
nessa tipologia - os adjetivos - são escolhidos intencionalmente para enaltecer o
produto, deixando de lado possíveis características negativas.
Para a elaboração de um texto argumentativo propriamente dito, faz-se
necessário utilizar estratégias e operadores argumentativos, que são explorados
pelos manuais de redação. Como exemplo, é correto citar os argumentos de
autoridade, baseado no consenso, baseado em provas concretas, baseado no
raciocínio lógico e baseado na competência linguística. Para a estruturação dos
parágrafos em si, há a montagem do tópico frasal, que pode ser uma declaração
inicial, uma alusão histórica, uma interrogação, etc. Para o desenvolvimento
desses parágrafos, há, por exemplo, as estratégias de causa e efeito, de
enumeração, de exemplificação e de contraste. Além disso, há a escolha lexical e
os operadores, que envolvem o campo da coesão e da coerência - os conectores,
principalmente - e outras tantas estratégias.
Tomemos como exemplo, agora, “Tragédia Brasileira”, de Manuel
Bandeira:
Ademais, o trecho “Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada
disso: mudou de casa.”, demonstra, por meio de verbo “poder” que, para a
sociedade, esse homem estava liberado para matar, reafirmando a explicação dada
anteriormente sobre o conservadorismo nas relações amorosas. Por fim,
entendemos claramente um posicionamento do enunciador no trecho “privado
de sentidos e de inteligência” ao opinar sobre a atitude de Misael.
5. Considerações finais
REFERÊNCIAS
AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da língua portuguesa. São Paulo:
Publifolha, 2018.
FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Para entender o texto. Leitura e redação. São Paulo:
Ática, 1994.
GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. 27. ed. Rio de Janeiro: Ed.
da FGV, 2010.
1. Introdução
Com o surgimento das orientações dos PCN (BRASIL, 1998) para o terceiro
e quarto ciclos do Ensino Fundamental, o ensino de língua materna passou a
privilegiar mais os textos inseridos num contexto sócio-histórico e na pragmática,
entendendo a língua como uma prática social.
De acordo com Elias (2014), a competência comunicativa é atingida
quando se sabe usar a língua na modalidade oral e na modalidade escrita, levando
em consideração o comportamento linguístico diferente numa ou noutra
modalidade, de acordo com a situação comunicativa. A autora acrescenta que,
apesar de elas serem modalidades distintas, não são dicotômicas.
Galvão e Azevedo (2015) pautam-se nas considerações de Marcuschi
(2005) e destacam que uma forma de estudar a oralidade amplamente é relacioná-
la à escrita, observando diferenças e semelhanças. Elas também ressaltam que o
trabalho com a oralidade pode contribuir na formação cultural e no regaste de
tradições.
Fávero, Andrade e Aquino (2014) acrescentam que é importante que a
escola realize um trabalho de integração fala/escrita valorizando o contínuo e não
diferenças. Um dos contínuos proposto por Bortoni-Ricardo (2004) é o da
oralidade-letramento. Numa das pontas do contínuo, está a cultura de oralidade
e na outra a de letramento:
3. Gênero causo
5. Proposta de intervenção
1) Apresentação da situação
Para começar essa fase, foram apresentadas as etapas do trabalho e a
finalidade das tarefas. Em seguida, foi comentado com os alunos sobre as
características da fala e da escrita, apresentando slide explicativo sobre essas
modalidades, assim eles puderam entender os contextos de uma produção oral e
de uma produção escrita. Posteriormente, foi novamente esclarecido que não há
divisão entre essas modalidades e apresentado o contínuo oralidade - letramento
proposto por Bortoni-Ricardo (2004).
Foi destacado que, no processo de retextualização do causo oral para o
escrito, é necessário considerar a situação comunicativa para definir que nível do
contínuo adotar, analisando se deve ou não ter apagamento de marcas de
oralidade. Os alunos chegaram à conclusão de que traços regionais e de humor
deveriam ser mantidos por serem característicos do gênero.
Quadro 3 - Primeira produção do aluno 12 após aplicação das oficinas Causo da pedra do tesouro
Causo da pedra do tesouro
Embaixo da casa grande, tinha uma pedra como fosse passagens secreta.
Embaixo da casa grande, descido tem uma pedra enorme, e como se fosse uma passagem mesmo
todas as pedras são pequenas e aquela e grande.
Dizem quer embaixo, e um alcapão onde ele guardava o tesouro.
220 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
Quando você desce, vê uma pedra grande como fosse passagem secreta, pedras do muro são
tamanhos normais Essa não e pedra como fosse uma passagem.
5ª operação: Para deixar claro o que foi O aluno não utilizou essa operação.
dito no oral em relação à referenciação ou
à orientação espacial são acrescentadas
algumas palavras, para referenciar ações e
verbalizar conteúdos expressos por
dêiticos (elementos linguísticos que
indicam o lugar (aqui) ou o tempo (agora)
e os participantes (eu/tu), ou seja, há uma
estratégia de reformulação).
sétima operação. Ela também foi aplicada ao substituir o pronome “ele” por
“Breves”.
O texto final do aluno 12 ainda precisa melhorar em relação ao
encadeamento e progressão das ideias, porém comparando-o à avaliação
diagnóstica, percebe-se desenvolvimento na competência da escrita. Isso é
observado no uso da paragrafação, na redução considerável dos erros ortográficos,
na inserção do uso da vírgula e do ponto final e na diminuição notável de
estruturas truncadas em relação à avaliação diagnóstica.
Este convite circulou na rede social da escola, nas redes sociais dos alunos
e da professora, de demais membros da comunidade escolar e da prefeitura, assim
como foi impresso no Boletim Oficial do município, desde 15 dias antes da
inauguração.
Para que a exposição cultural tivesse um aspecto mais profissional,
utilizou-se como materiais de divulgação banners em lona. Foi pedido a um aluno
de outra escola que a professora trabalha para criar os designs de cada banner;
pois, conforme já dito, ninguém da turma tinha esse conhecimento e nem acesso
a esses recursos.
No dia da inauguração, os alunos e a comunidade vieram no ônibus cedido
pela prefeitura. Foi muito comovente vê-los chegando junto com a comunidade,
antes dos demais, e vendo que o trabalho deles alcançou algo, a princípio, tão
utópico. A cada banner visto com o nome deles, os olhares se encantavam,
cumprindo-se assim a função social da escrita e a valorização e a inserção dos
letramentos locais.
Na aula seguinte, foi realizada a autoavaliação do trabalho, conforme
propõem Schneuwly e Dolz (2011). Os alunos destacaram aspectos evolutivos da
produção textual, assim como os efeitos do projeto, como resgate cultural.
6. Considerações finais
REFERÊNCIAS
______. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 10. ed. São Paulo:
Cortez, 2010.
226 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
1. Introdução
Os autores argumentam que uma tese será sempre uma obra de pesquisa,
documentação, reflexão e análise, objeto de uma investigação sistemática. Trata-
se, portanto, “[...] de trabalho científico que levanta, coloca e soluciona
problemas; argumenta e apresenta razões baseadas na evidência dos fatos, com o
objetivo de provar se as hipóteses levantadas são falsas ou verdadeiras”
(MARCONI e LAKATOS, 2010, p. 228). Definir uma pesquisa é definir como o
pesquisador irá se apropriar do objeto/fenômeno que pesquisa, assim como a
forma como ele o compreenderá.
A partir de então, por desdobramento natural, definirá a forma como ele
irá abordar e analisar esse mesmo objeto/fenômeno. “Por essa razão, várias são as
modalidades de pesquisa que se podem praticar, o que implica coerência
epistemológica, metodológica e técnica, para o seu adequado desenvolvimento”
(SEVERINO, 2016, p. 124).
A pesquisa que realizamos definiu como sendo qualitativa. Segundo
Santade (2014, p. 99), “a pesquisa qualitativa define-se como um estudo não
estatístico, que identifica e analisa, de forma acurada, dados de difícil
mensuração”, tratando o objeto de forma subjetiva e interpretando-o com base
não em estatísticas, tabelas e gráficos, mas em análises de cunho interpretativo,
efetivadas por um pesquisador-observador – ou um professor-pesquisador
(BORTONI-RICARDO, 2008). Tal postulado epistemológico se opõe a um outro,
quantitativo, que “faz uso intenso de técnicas estatísticas, correlacionando as
variáveis e verificando o impacto e a validade do experimento” [tendo como uma
de suas principais características a] “descrição dos significados considerados como
inerentes a objetos, atos e fatos” (SANTADE, 2014, p. 98)12.
Pesquisas qualitativas vêm sendo aplicadas nas ciências da linguagem há
algumas décadas, posto que novas concepções e necessidades de pesquisa
12Não pode deixar de ser dito, entretanto, que outros autores afirmam que ser qualitativa não é uma
definição da pesquisa, mas uma forma dentre as suas abordagens (LÜDKE e ANDRÉ, 2015). Isso vai
ao encontro da ideia de que, eventualmente, as abordagens, definições e escolhas podem ser
conflitantes entre si. Trata-se, antes de tudo, de uma característica da pesquisa social e da marcante
análise subjetiva que configura as ciências humanas, sociais e da linguagem.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |229
13 “De acordo com o paradigma positivista, a realidade é apreendida por meio da observação empírica”
(BORTONI-RICARDO, 2008, p. 14).
14 Processo pelo qual, a partir de premissas gerais (e reincidentes), é possível chegar a proposições
de Santade (2014).
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |231
17O autor, cientista da UNB, costuma publicar seus textos em jornais e blogs, além de em suas mídias
sociais. Vejam-se alguns de seus textos em https://bit.ly/2xb3cDk - acesso em 04/03/2022 às 16h16min.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |233
3. Etapas da pesquisa
4. Considerações finais
REFERÊNCIAS
BRYDON, D. Local needs, global contexts: learning New Literacies. IN: MACIEL,
R.; ARAUJO, V. (Orgs.) Formação de professores de línguas: ampliando
perspectivas. Jundiaí: Paco Editorial, 2011.
EVARISTO, Jefferson; SILVA, Antônio José da. PLNM para a educação básica: o
estado da arte do caso Manaus. REVISTA DIÁLOGOS (REVDIA), v. 9, p. 82-96,
2021
RIGHETTI, Sabine. Língua portuguesa esconde ciência nacional. Rem: Rev. Esc.
Minas, Ouro Preto, v. 64, n. 4, p. 396-398, dez. 2011.
1. Apresentação
2. Justificativa
sua função social, no modo como ela é usada, ou seja, a língua enquanto escolha.
Para tanto, analisamos 2 textos retirados de contextos reais de comunicação,
dados reais de fala/escrita.
3. A Gramática Sistêmico-Funcional
Nos caminhos teóricos que orientam nossos estudos, Halliday pode ser
considerado um dos linguistas mais influentes do século XX, com uma teoria que
se caracteriza por ser de base paradigmática, em que o componente semântico
assume importância central.
Esse autor defende que a língua é o que é por possuir uma função social,
o falante/escritor faz determinadas escolhas linguísticas em detrimento de outras,
e é essa relação que gera um sistema que influencia e é influenciado pelos que
estão a sua volta: “a língua é como é por causa das funções em que ela evoluiu na
espécie humana.”. (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p.31)19
Também designada Linguística Sistêmico-Funcional, ou LSF, a teoria de
Halliday relaciona a natureza da língua com as necessidades que lhe impomos e
as funções a que ela deve servir. Portanto, a LSF corresponde a uma teoria geral
de funcionamento da linguagem humana, uma abordagem descritiva baseada no
uso.
A Gramática Sistêmico-Funcional Hallidiana (doravante GSF) de 1970
recusa as descrições meramente estruturais até então dominantes na linguística e
propõe olhar mais amplo, não somente para o sistema da língua, mas para suas
funções em simultâneo, relacionando texto e contexto, e descrevendo as redes de
escolhas da léxico-gramática que realizam o potencial semântico do sistema.
Nesse sentido, os pressupostos teórico-metodológicos da LSF fornecem
instrumentos de descrição da língua, recusam as descrições meramente
estruturais e, dessa forma, elegem o uso como marca fundamental de
caracterização de uma língua (op. cit.), descrevendo como e por que a língua pode
19Tradução minha para: “Language is as it is because of the functions in which it has evolved in the
human species”
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |243
Contexto(s):
dois tipos de contextos resulta em semelhanças e diferenças entre textos, pois tais
contextos influenciam e regulam a produção e o uso da língua.
A noção de contexto implica fortemente nos significados que queremos
“fazer” ou transmitir, assim, tão importante quanto nossa habilidade linguística,
são os aspectos contextuais, é preciso conhecimento de como as coisas são
tipicamente/obrigatoriamente ditas em determinado contexto.
A relação texto-contexto é tão forte, que podemos prever os significados
ou as características linguísticas potenciais mais previsíveis que serão ativadas em
determinado contexto, tanto quanto, é possível deduzir o contexto em que um
determinado texto fora produzido, utilizando-se desses mesmos aspectos, em uma
relação probabilista (cf. HALLIDAY, 1992).
Para Halliday (1985), elementos linguísticos não significam
isoladamente, assim, os parâmetros do contexto de situação afetam nossas
escolhas linguísticas, porque refletem as três funções que constituem os
propósitos principais da linguagem, as chamadas metafunções da linguagem:
ideacional, interpessoal e textual.
Os conceitos de gênero, enquanto contexto de situação, e registro, como
contexto de cultura, são as duas principais camadas do contexto que tem impacto
no texto, as duas principais dimensões de variação entre textos.
O conceito de gênero, conforme Bakhtin (2003, p. 266) está relacionado
a diferentes atividades em uma cultura, em que determinadas condições de
comunicação discursiva, específicas de cada campo de atividade humana geram
determinados tipos estilísticos, composicionais e temáticos relativamente
estáveis, ou seja, determinados gêneros. Em outras palavras, o gênero é produzido
no contexto de cultura, e surge ou se modifica em função da atividade social
humana.
Para a GSF todo o texto é multidimensional e possibilita a realização,
simultaneamente, das três funções ou três tipos de significado, presentes em
qualquer uso da linguagem.
Conforme as teorias de Halliday (1985) e Halliday e Mathiessen (2004),
as metafunções da linguagem realizam-se gramaticalmente por meio de escolhas
246 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
4. A Transitividade
5. Análise de dados
Excerto 1 (Texto 1)
(Você) Bata os ovos com o açúcar e a margarina.
ator processo material meta circunstância de acompanhamento
Excerto 2 (Texto 1)
(Você) Leve Ø ao fogo.
Ator processo material meta circunstância de localização
Excerto 3 (Texto 2)
Na batedeira, eu bato a manteiga.
circunstância de localização ator processo material meta
(lugar)
Excerto 4 (Texto 2)
(Eu) Misturo Delicadamente […]
Ator processo material Circunstância de modo
6. Considerações finais
REFERÊNCIAS
FIRTH, J. R. Context of situation. In: FIRTH, J. R.: The tongues of man ɛt speech.
Oxford: University Press, 1937 [1966]. p. 110-114.
1. Introdução
O cotidiano dentro dos espaços escolares está cada vez mais desafiador,
pois exige dos profissionais da área, principalmente professores, atitudes capazes
de transformar por meio de práticas educativas pensamentos e ações, no intuito
de promover o respeito e a compreensão dos sujeitos às individualidades
existentes no bojo da sociedade.
Posicionar-se contra qualquer forma de preconceito e desenvolver ações
que promovam a valorização cultural é indispensável para a garantia do direito a
uma educação de qualidade para todos, sem distinção de cor, gênero, religião ou
nível socioeconômico. Dentre as possíveis formas de preconceito está o
linguístico que, assim como os outros, gera muitos transtornos e dificuldades de
ensino e aprendizagem no cotidiano escolar.
No que diz respeito às questões extralinguísticas que compõem o cotidiano
da escola, as diversas formas de se expressar ou variações linguísticas são
influenciadas por fatores geográficos, de gênero, socioeconômicos, de faixa etária,
dentre outras peculiaridades nas quais os indivíduos estão inseridos. Esses fatores
vivenciados pelos indivíduos têm grande influência na formação de sua
linguagem e podem ser observados nos diferentes modos de falar, gerando a
discriminação, sobretudo, o preconceito linguístico na sociedade, provocado por
aqueles que se denominam falantes nativos do português padrão, o qual é
criteriosamente pautado em regras que delimitam o que é certo e o que é errado
em torno da língua.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |257
variados, como: idade, classe social, escolaridade, sexo, etnia, profissão, entre
outros. A oposição mais importante quanto à classe social e a escolaridade, fatores
geralmente apresentados juntos, se dá entre a variedade mais próxima da chamada
“norma culta” (variedades padrão) e as falas coloquiais (variedades não-padrão).
Já variação estilística refere-se às diferenças nas falas de um mesmo indivíduo.
Dependendo da situação em que se encontra, ele escolhe o tipo de linguagem que
julga ser mais conveniente, como por exemplo: o tipo de ouvinte, a relação entre
os interlocutores, o estado emocional do falante, o grau de formalidade do
discurso ou informalidade. (MOLLICA, 2007).
Por conseguinte, a língua é diferente em qualquer ato de comunicação em
que se realiza, pois seus usuários possuem propósitos e estratégias diferentes ao
utilizá-la. Seu uso é feito de forma singular, independentemente da similaridade
de objetivos a serem alcançados, devido às particularidades de cada situação que
faz com que o usuário busque recursos mais adequados para tal (TRAVAGLIA,
2007).
A grande diversidade linguística é discutida a fundo entre os estudiosos da
área. Camacho (2004, p. 35) mostra:
Ensinar a Língua Materna em um país como o Brasil por hora parece uma
tarefa fácil, contudo quando paramos para refletir sobre as características
multiculturais pré-existentes em nosso ceio social, essa tarefa que é incumbida
aos professores de língua portuguesa torna-se totalmente complexa, necessitando
de uma reflexão, por parte desses profissionais e dos atores das políticas públicas
linguísticas, no que diz respeito às variadas questões sobre língua que
circunscrevem as vivências na sala de aula.
No cerne dessa discussão, os estudos sociolinguísticos são fundamentais
para esclarecer a interferência de diferentes tipos de variação linguística na fala e
na escrita de alunos em processo de letramento, visando ajudá-los no aprendizado
da variedade padrão na modalidade oral e escrita de sua língua nativa.
É muito comum na escola alunos dizendo “nois vai pro recreio agora”, “fiz
meu devê de casa”, “os professor marcou prova”. Esses são exemplos de variações
linguísticas facilmente encontradas no cotidiano de um professor, seja no período
de alfabetização – aqui entendido como aquisição do sistema grafocêntrico da
língua – ou nos períodos posteriores, os quais denominamos de processo de
letramento (SOARES, 2004). E isso não se limita apenas a fala, em muitos casos o
aluno leva essas características para sua escrita. De acordo com Bagno apud
Bortoni (2004, p.8):
A escola é peça chave para se formar bons usuários da língua padrão, mas
não pode deixar de lado as variedades linguísticas, reconhecendo-a como algo
intrínseco à sociedade, tal como aponta Cagliari (2009) ao afirmar que a sociedade
264 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
4. Considerações finais
REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. 56ª ed. revista e ampliada. São Paulo:
Parábola Editorial, 2015.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização & linguística. 11ª ed. São Paulo: Scipione,
2009.
FARACO, Carlos Alberto. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São
Paulo: Parábola, 2008.
FRANCHI, Carlos Alberto et. al. Mas o que é mesmo “Gramática”? Organização
de Sírio Possenti. São Paulo: Parábola, 2006.
GERALDI, João Wanderley (org). O texto na sala de aula. 4. Ed. São Paulo: Ática,
2006.
SILVA, Myriam Barbosa da. A escola, a gramática e a norma. In: BAGNO, Marcos
(Org.). Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2002.p. 253-265.
1. Reflexões iniciais
sentido, a questão que se coloca inicialmente está ligada ao “como fazer” das
práticas de letramento, isto é, aos exercícios de leitura e de escrita atrelados às
possibilidades de construção da autonomia, que permitam, inclusive, a análise do
que chamamos de “cultura letrada”.
2. Língua e sociedade
20A concepção de letramento autônomo está voltada para a dicotomia fala versus escrita, em que esta
segunda representa uma forma de progresso e civilização, tal como se nota na escola muitas das vezes;
já a concepção de letramento ideológico considera os contextos de uso, as possibilidades reais de
práticas e eventos de letramento.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |273
Com base nessas reflexões, propõe-se a seguir uma análise das práticas de
letramento no âmbito da EJA-Manguinhos (Educação de Jovens e Adultos de
Manguinhos), curso desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), sob
orientação e certificação da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
(EPSJV). Tal curso, abarcando turmas de Ensino Fundamental e Ensino Médio,
busca contextualizar sua prática a partir das questões ligadas ao território de
moradia da maioria dos estudantes, sobretudo suas condições de vulnerabilidade,
de modo que seja exercício cotidiano a construção de conhecimentos no âmbito
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |275
Caro candidato,
Meu nome é J., sou casado, pai de três filhos, tenho 43 anos e moro
numa comunidade desta cidade.
O motivo desta carta é para saber quais são as suas propostas para a
nossa cidade, pois estamos passando por diversas dificuldades, como
segurança, saúde, educação. Então, é muito importante que você
responda esta carta, pois eu preciso destas informações para que eu
e os demais eleitores possa votar nessas eleições com consciência.
Nunca procurei esse tipo de informação porque não tinha interesse
algum por política, mas eu agora sei que é de grande importância
para nós eleitores saber as propostas de nossos políticos e observar
se está sendo cumprido o que foi prometido.
(...)
Um abraço e que tenha uma boa vitória.
J. H.
que buscar informações a respeito das propostas dos candidatos bem como ter
“interesse por política” são novidades em sua vida. Certamente, esse texto dialoga
com o trabalho integrado proposto nesta turma, que se propunha não só a discutir
o período de eleição para prefeito da cidade do Rio de Janeiro, como também a
exercitar uma participação política mais ativa por parte de estudantes-cidadãos.
No semestre seguinte, as discussões da turma Médio II estavam atreladas
ao eixo “Identidade e Cultura local”. Nas aulas de Português, havia reflexões sobre
a identidade da língua portuguesa, cujo estudo abarcava um pouco da história
dessa língua no Brasil, o processo de colonização portuguesa, as variações
linguísticas — diferenças do português em regiões distintas e variação do
português no tempo —, a relação entre preconceito linguístico e preconceito
social etc. No início do semestre, sob inspiração dos contos “Restos de carnaval”
e “Banhos de Mar”, de Clarice Lispector, e do filme “Central do Brasil”, a proposta
era que cada estudante escrevesse um pouco sobre si e também sobre sua trajetória
de vida, resgatando lembranças da própria infância.
A estudante S. C., nascida em Pernambuco, conta como foi sua chegada
ao Rio de Janeiro:
(...)
Eu sonho para mim um escola com um bom ensino como a EJA que
admiro estar estudando nesse espaço com bons professores quem
tem uma enorme paciência com seus alunos.
E que nos dá o direito de nos expressarmos e fazer com que a nossa
voz seja ouvida e assim reconhecida por todos para o nosso
crescimento, e também de nossos professores na ajuda de nossa
formação acadêmica.
E também do crescimento cada vez maior da nossa escola na
formação de novos alunos e alunas de nossa EJA, formação de
jovens e adultos que nos tem dado sempre um grande suporte na
reta de nossa formação e de nosso aprendizado em sermos grandes
guerreiros em estarmos firmes com a graça de deus em não
desistirmos de nossos estudos.
E assim poder ser exemplos para toda a sociedade e ser reconhecido
por todos e fazer valer a pena a sua postura de pessoa bem estudada
e poder compartilhar suas experiências com outros alunos e alunas
de nossa linda EJA Manguinhos.
Obrigado a todos os professores dessa escola maravilhosa.
A. A.
com que a nossa voz seja ouvida e assim reconhecida por todos para o nosso
crescimento”. Evidentemente, considerando os eixos temáticos discutidos em sala
de aula ao longo do curso, inferem-se os discursos que envolvem um projeto
político-pedagógico proposto a estimular a participação ativa dos estudantes, a
mobilização coletiva, o exercício do questionamento. Emerge do texto também a
ideia de “compartilhar suas experiências com outros alunos e alunas”. Tal como
antes, a fé é sempre um elemento importante para que não se desista dos estudos.
Dando sequência à trajetória da turma, no seu último período (Médio
IV), o eixo temático proposto para discussão em sala de aula foi “Trabalho”. Assim,
discutindo a rotina do trabalhador na cidade do Rio de Janeiro, resgatamos um
pouco das atividades realizadas no Médio I a respeito do projeto de cidade
elaborado pela turma, que incluía a produção de uma carta ao(s) candidato(s) a
prefeito na ocasião. Passado o período eleitoral, assim como o primeiro ano de
mandato do novo prefeito da cidade, neste momento, a proposta de escrita
consistia numa carta destinada ao próprio prefeito, não como registro de
expectativas pós-eleição, mas como avaliação do seu primeiro ano de mandato. O
estudante J. H., que antes havia mencionado em sua carta para o candidato seu
interesse recente por política, desta vez, delineia melhor sua insatisfação em
relação aos serviços básicos, de responsabilidade da prefeitura:
Caríssimo Crivella,
Venho através desta fazer o meu desabafo como morador desta
cidade maravilhosa. Não só eu, mas todos que moram aqui têm
sofrido muito com a falta de segurança, desemprego, transportes e
muitos outros transtornos que têm acontecido aqui. Portanto, eu
queria uma solução para esses problemas, pois são de sua
responsabilidade.
Nós, moradores de comunidades, sofremos com preconceito,
insegurança, falta de saneamento básico e coleta de lixo e enchentes
quando chove, por falta de drenagens nos rios, sem falar na falta de
médicos nas unidades de saúde mais próximas. Gostaria que você
governasse com mais respeito aos moradores de comunidades.
J. H.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |283
5. Reflexões finais
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. “A escrita de si” (1983). In: MOTTA, Manoel Barros (org).
Ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 144-
162.
HARA, Tony. “Escrita de si: um rascunho da vida”. In: HARA, Tony. Ensaios
sobre a singularidade. Londrina: Kan Editora, 2011, p. 99-112.
SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática,
1986.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |285
1. Introdução
2. Referencial teórico
2.2 A “dita-cuja”
1964 a 1985, época em que o Brasil viveu sob uma ditadura civil-
militar. Usando como argumento o combate à ameaça de
implantação do comunismo no Brasil e a defesa da “moral e dos
bons costumes” da sociedade, os militares que governaram o Brasil
nesse período suspenderam os direitos civis da população,
instituíram a censura aos meios de comunicação, prenderam,
torturaram e mataram opositores do regime (AZEVEDO;
SERIACOPI, 2016).
2.3. Sou eu
Vê-se que a música que iremos trabalhar foi citada nessa biografia. Chico
Buarque, como afirma Marcelino (2011), usou o pseudônimo de Julinho de
Andrade para enganar a censura.
A escolha pelo artista partiu do entendimento de memória coletiva, do
conhecimento desta parte da história, estudada na escola e vista nas mídias, em
reportagens, séries e novelas.
ler e o professor é um modelo de leitor para o aluno. É por isso que a leitura
tutorial, segundo Bortoni-Ricardo, Machado e Castanheira (2010, p. 51), é “aquela
em que o professor exerce papel de mediador durante o processo de leitura e
compreensão”, e é um processo fundamental para que nós, professores,
alcancemos o êxito em nossa prática.
Há muito tempo, trabalhar a leitura não é tarefa somente dos professores
de Língua Portuguesa. Se o aluno não lê bem, não é culpa deles também. Todas as
áreas do conhecimento, sistematizado (como nas escolas) ou não, estão associadas
à leitura e os professores de todas as áreas devem internalizar essa ideia. Na
verdade,
é imprescindível que a leitura esteja no centro das atividades
pedagógicas. Dessa forma, a leitura, por integrar saberes e
contribuir para a construção de novos saberes, tem um papel
importante na escola dentro desse novo contexto. Nessa
perspectiva, a leitura é a atividade elo que transforma os projetos
de um professor em projetos interdisciplinares (BORTONI-
RICARDO; MACHADO; CASTANHEIRA, 2010, p.52).
3. Foi assim
4. Proposta
PROTOCOLO DE LEITURA
I
(Após assistirem ao vídeo com a música)
Professora: Alguém é capaz de me dizer, após a audição dessa música, qual o tema dela?
Aluna R.: Ela fala sobre a Ditadura Militar, mas não da parte ruim, fala da parte que o povo quer
mudança e espera por ela.
Professora: De que década é a música?
Aluna R: Década de 70
Professora: Isso... muito antiga, né? Da época da...
Ao mesmo tempo, alguns: Ditadura...
Professora: Isso, aí olha só...nós vamos fazer a leitura dela, da letra dela, pra saber o que ela tem a
ver com a Ditadura e como o autor quis passar sua mensagem... é uma releitura passo a passo.
(Nesse momento, em slides, a letra estava visível por trechos para a leitura tutorial coletiva)
II
Professora: Qual é o título da música?
Vários: Apesar de você.
Professora: Como é o nome do autor?
Aluna R: Chico Buarque.
Professora: Quem conhece Chico Buarque? (Nem um aluno sequer disse que conhecia, apenas
leram o que tinha nos slides).
III
Professora: Por que você acha que ele repetiu três vezes o verso “Amanhã vai ser outro dia”?
Aluno G.L.: Porque a cada dia que se passa, ele pensa que amanhã pode ser um dia melhor.
Aluno G.F: Porque a cada dia que se passa, ele acha que vai ser aquela mesma rotina, mesmo que
ele tenha esperança, será uma rotina.
(O aluno G.L compreendeu o sentido da frase, já o aluno G.F fez uma ligação entre a repetição e o
fato de ser algo rotineiro, fazendo a associação entre sentido e efeito de sentido da expressão.)
IV
Professora: Quem é esse você?
Vários: O governo militar.
Professora: Tá muito claro pra vocês que é o governo? Ele manda em quê?
Aluna R.: Nas pessoas, no povo.
294 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
V
Professora: Na parte A minha gente hoje anda/Falando de lado/E olhando pro chão, viu”, esse
“anda” representa andar com as pernas ou andar de se encontrar, estar?
(Nesse momento, gerou-se uma discussão em que só uma aluna considerou que o andar era no
sentido de locomover-se).
Professora: Não pode ser, gente?
Aluna S.C: Eu acho que é de estar assim, não de andar com as pernas.
Aluno J.V.L: Eu acho que é andar de estar falando de lado, não de caminhar.
Aluna K.: Pra mim é andar. (e fez o gesto de dar passos com os dedos).
(Talvez por conta de a maioria não achar que seja “locomover-se”, não tiveram a atitude de
encenar)
VI
Professora: Que estado que ele inventou?
Aluna G.C: Inventou isso aqui que tá acontecendo.
Professora: Em outro contexto, outra situação, a palavra estado pode ser um lugar? Como?
Aluno C.M: Sim, o Acre é um estado. Será que ele não tá falando do estado que ele mora?
Professora: E aí, gente? O que vocês acham? Pode?
Alguns: Acho que não...
Professora: Posso usar a palavra “estado” em que outras situações, além dessas? (burburinho e
ninguém soube dizer) A água de beber é em que estado?
Aluna R.: Líquida.
Professora: O gelo é a água em qual estado?
Vários: Sólido.
Professora: A água evaporando é em qual estado?
Vários: Gasoso.
Professora: Então o que significa “estado” quando falo isso?
Aluno G.L, brincando: Governo!
VII
Professora: O que ele quis dizer com Como vai proibir/Quando o galo insistir/Em cantar?
Aluna G.C: Que o governo não vai poder proibir quando o povo tiver que fazer o que deve ser
feito. Quando a pessoa for atrás do direito dela.
Professora: Tem como alguém proibir o galo de cantar?
Alguns: Não...
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |295
Professora: Passou... alguém lembra o que eu falei sobre ela ter passado pelo filtro?
Aluna G.C: A senhora falou “indagora” que eles no começo achavam que o “você” era uma mulher.
Aluna R.: Ah sim...
VIII
Professora: Quem é esse “a gente”?
Alguns: Nós.
Professora: Nós aqui?
(os alunos entendem que “a gente” é o mesmo que “nós”, mas a professor instiga-os)
(Podemos perceber que ela manifesta seu sentimento gratidão por não ter sofrido como as pessoas
da época)
IX
Professora: “Quando chegar o momento”. De qual momento ele fala?
Aluno G.F: O momento em que todos serão livres pra falar o que quiserem.
Professora: Como é cobrar com juros?
Aluna R.: É como se fosse cobrar mais deles.
Professora: Em que lugar se ouve falar em juros, normalmente?
Aluno G.L: No banco.
Professores: O que são os juros?
Aluna R.: É tipo se... a pessoa deve e não paga, o banco vai cobrar uma taxa.
Professora: Isso! Taxa... e qual a brincadeira que o cantor faz com as palavras no final do verso?
Aluna G.C: Juros de taxa e juro de jurar. É um verbo.
X
Professora: O que significa “reprimido”?
Aluno G.B: Revoltado.
Professora: Revoltado, gente?
Alguns: Não.
Professora: Então é o que?
296 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
(O aluno faz o gesto com as mãos sugerindo uso das aspas quando fala “escondido”.)
(A professora brinca com a aluna que sempre responde tudo e pede pra ela não repetir porque fará
a pergunta de novo, direcionando; ela pede para que levante o braço aquele aluno que não sabe
por que a palavra está entre aspas e apenas três não levantaram)
Professora: No verso “Sem lhe pedir licença”, o autor quis demonstrar o quê?
Aluno M.G: Ele está sendo sarcástico. Irônico.
Professora: O que é ser sarcástico?
Aluno M.G: É você meio que zombar, dizer algo que não quer dizer de verdade.
Aluna R.: Esse pedir licença é porque tudo tinha que passar pela ditadura.
Professora: Mais especificamente, pela censura.
XIV
Professora: “Morrer de rir” é uma expressão com efeito estilístico. Qual?
Aluno G.C: É tipo como se... como se tivesse sendo exagerado.
Professora: Como se conceitua isso em língua portuguesa? ...(depois de burburinhos)... Hipérbole.
Aluna T: Ah, a gente estudou isso ano passado.
Professora: Então, o que é?
Aluna T: Não sei, só "lembrei desse" nome, mas a senhora disse que é um exagero, diga outros
exemplos aí.
Professora: Hipérbole é um recurso na linguagem pra gente falar algo que é um exagero. Por
exemplo: “Te liguei mil vezes, fia”. “Chorou um rio de lágrimas”, etc.
Alguns: Ah...
(Aproveitamento do texto para ensinar as figuras de linguagem)
XV
Professora: O que significa “Impunemente”?
Aluna R.: Sem punição. Uma coisa que eles faziam muito nessa época.
Professora: “Como vai abafar/nosso coro a cantar/na sua frente”. Esse coro representa o quê?
Aluno G.L brincando: A pele. (vários riem)
Professora: Sério, gente...
Aluna M.L: Coro de voz, muitas vozes.
Professora: Mas esse coro significa que vamos falar...
Alguns: Juntos!
Professora: Vamos falar juntos, a mesma...
Aluno G.L: Coisa!
298 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
XVI
Professora: Esse “lá, lá iá, lá, lá iá...” representa o quê?
Aluno G.B: Que ele não quer mais cantar! (alunos riram)
Professora: Pode ser... mas pode ser o que também?
Aluna R.: Que a música tá acabando...
Professora: Pode ser! Pode mais outras coisas... o quê?
Aluna G.C: Pode ser que o coro vai seguir cantando junto esse “lá, lá iá”.
Professora: Pode! O que mais?
Aluno M.G, impaciente: Lá, lá iá é qualquer coisa que não é a letra da música, é só a melodia...
Quando uma pessoa não sabe cantar ela canta lá, lá iá junto com a melodia e não precisa saber a
letra. A música é o som, a letra “é as palavras”.
XVII
(A professora encerrou a aula, falando sobre os vídeos que assistiu sobre a Ditadura Militar, sobre
a supersérie exibida na Rede Globo “Os dias eram assim”, sobre as entrevistas a que assistiu com
Chico Buarque falando sobre essa época. Disse que na Internet tem muito conteúdo interessante
sobre o assunto, mas que é preciso saber pesquisar em sites sérios. Motivou os alunos a pesquisarem
e quis saber se eles tinham algo a falar ou perguntar).
5. Hein?
Analisar um texto, com base na mediação direta do professor, em uma
atividade de leitura tutorial com o método de andaimagem, requer planejamento
e paciência. Planejamento porque se deve ter conhecimento dos conteúdos a
serem ministrados, ainda mais quando se irá trabalhar a interdisciplinaridade;
paciência porque o processo de leitura, passo a passo, é lento e demanda controle
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |299
É possível que ouçamos uma música e não nos demos conta da mensagem
que ela quer transmitir. É possível que os alunos não tivessem outra oportunidade
de conhecer a canção estudada aqui. Para isso, a análise por andaimagem
300 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
Concluir o trabalho e pensar sobre toda a prática traz-nos certo alívio, certa
paz e um sentimento de que foi feita a nossa parte. Muito se fala sobre leitura nas
séries finais do ensino fundamental II, muito se questiona, há bastante conteúdo
prático e eficaz ao nosso alcance, em livros, artigos alheios, vistos nas aulas de
Letramento e ensino, por exemplo. Porém, este trabalho procurou contribuir com
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |301
REFERÊNCIAS
1. Introdução
feijoada
marmelada
goleada
quartelada
Fiorin sustenta que o texto de Paes — formado por palavras soltas,
aparentemente desconexas, sem elementos coesivos — oculta um fio condutor
que lhe dá a coerência de sentido. Há, no plano morfológico, um paralelismo
marcado pela presença do sufixo ada, que conduz o leitor a diversos significados
possíveis quando presente numa formação lexical21.
Os significados das palavras, tanto em sua vertente denotativa quanto na
conotativa, possibilitam, ao leitor atento, percorrer caminhos para responder a
dúvidas internas do coenunciador que revelam uma busca pela compreensão de
um enunciado e onde, enfim, reside sua clareza: “Esse texto fala de quê? Não ficou
claro para mim...”. Fiorin revela seu entendimento sobre o poema de Paes (ibid.,
p. 211):
21Segundo o Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 7.0, -ada: 1. tônico = ‘ação’ ou ‘resultado de
ação (enérgica)’; ‘coleção’; ‘multidão’; ‘golpe’; ‘produto alimentar’; ‘duração’; ‘porção’; ‘marca feita com
um instrumento’; ‘acontecimento’; ‘movimento’.
306 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
22 Costa Val apoia-se nos estudos de linguística textual de Robert de Beaugrande e Wolfgang Dressler,
que definem os sete fatores responsáveis pela textualidade: coesão, coerência, informatividade,
situacionalidade, intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade.
23 Garcia retoma aqui reflexões de Adam Schaff, em Introdução à Semântica (Civilização Brasileira,
24Por Conforte (2014, p. 104), sabemos que o primeiro estudo literário de Othon Moacyr Garcia foi
publicado em 1939 na Revista de Cultura e Técnica, quase 30 anos antes da primeira edição de
Comunicação em Prosa Moderna .
308 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
2. Algumas definições
Às vezes parece-me que o termo “clareza” habita uma zona ainda a ser
ocupada por definições inequívocas, talvez pela complexidade de fazê-lo devido
aos múltiplos elementos que compõem os efeitos da clareza enunciativa. Algo
muito semelhante ao que veio ocorrendo com a noção de “estilo” durante boa
parte do Século XX25. Volto à obra de Mattoso Camara citada acima, pois entendo
que — ao menos até este ponto do estudo — ela traz a conceituação de clareza
mais consistente (CAMARA Jr., 1977, p.148):
25Chociay (1983) lista 11 definições diferentes para o termo “estilo”, embora, em quase todas, perceba-
se a presença de elementos do mesmo campo sêmico, como “autor”, “homem”, “caráter”, evidenciando
a gênese humana dos fenômenos estilísticos do texto.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |309
natural — entre a ideia de clareza e outros lexemas de seu campo semântico, como
limpidez, cristalinidade e nitidez.
Sobre a clareza externa, Mattoso diz tratar-se do pensamento claramente
projetado, uma vez tendo sido claramente concebido. Essa projeção se faz com os
elementos da língua (ibid., p.150):
3. Clareza e sintaxe
Figura 1
UOL - 01/02/2018, publicado às 16h.
Figura 2
Correção do título, publicada às 20h30.
Em casual encontro com Júlia, Pedro fez comentários sobre seus exames
Repare-se na alta carga icônica dos termos grifados, que formam um campo
semântico-imagético coerente com uma memória afetiva (estou sendo otimista)
do relacionamento amoroso que se aproxima do fim. Nesse caso há um drama
adicional: o “fim” pode ser o da própria vida de Noel, que morreu antes de ouvir
a canção gravada por Aracy.
Há uma relação antitética nos lexemas “começo” e “morre”: o início e o
fim. O sintagma “festa de São João”, remetendo à celebração, ganha carga irônica
e dramática, pois a alegria festeira contrasta com a tristeza da morte próxima. Essa
inferência se reforça com a presença de “foguete”, índice de festividade, de
ajuntamento para comemorar, e contrasta com a solidão do fim. “Retrato” e
“bilhete” operam aqui como índices da memória, mas também como símbolos da
afetividade, pois, sendo suportes de comunicação verbal (o bilhete) e não verbal
(o retrato), indicam que a relação foi frutífera a ponto de ter deixado rastros de
agradável memória.
“Luar” nos conduz para o simbolismo do romântico, reforçando a
coerência de namoro, mas também de “São João”, posto que seja uma festa que
geralmente acontece à noite. Uma carga semiótica parecida está em “violão”,
índice de serenata que, por extensão, nos remete a um símbolo de romantismo.
Vemos, portanto, em um pequeno trecho desta belíssima letra, que Noel
criou um texto de alta iconicidade ao fazer escolhas lexicais que, ao comporem
um potente campo semântico-imagético, nos conduzem por um caminho
semiótico onde se misturam paixão, vida (pela alegria da festividade), memória e
morte. Uma metáfora do correr da vida, talvez, e, sendo metáfora (ao menos neste
trecho da letra), também um ícone da curta vida que Noel Rosa teve.
318 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
5. Conclusão
REFERÊNCIAS
AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo:
Publifolha, 2011.
CHOCIAY, Rogério. “Em busca do Estilo”. In: Alfa, São Paulo, p. 65-76. 1983.
PEIRCE, Charles S. Semiótica (trad. José Teixeira Coelho Neto). São Paulo:
Perspectiva, 2015.
RIBEIRO, Ernesto Carneiro. Serões Grammaticaes ou Nova Grammatica
Portugueza. 2ª ed. Salvador: Livraria Catilina, 1915.
1. Introdução
Cada vez mais a tela tem se tornado o local das produções contemporâneas,
que recorrem a várias modalidades da linguagem como fala, imagem (fixa ou
movimento), escrita e música. Nesse cenário, textos multimodais, que
possibilitam a recombinação de conteúdos provenientes de qualquer mídia,
coexistem com os tradicionais, levando os sujeitos a diferentes comportamentos.
Com efeito, superando o simples desvendar de códigos, as práticas de leitura e a
escrita configuram-se como condutas sociais que reverberaram em toda sociedade
(COSCARELLI; RIBEIRO, 2005; XAVIER, 2005; DIAS, 2011; LEU et al, 2013;
ROWSSELL et al, 2013).
Assim, nesse ambiente digital, tem-se lido para identificar questões
importantes, para localizar e avaliar criticamente dados, para sintetizar e
comunicar informações. Os textos recentes são igualmente tipificados pelos meios
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |323
Figura 1. Segunda parte da sequência didática. Na sala de informática, alunos apontam seus memes
de internet prediletos. Fonte: Maria Alice de Souza.
Figura 2. Terceira etapa da sequência didática. Aula explanatória sobre as dimensões interativas da
imagem. Fonte: Maria Alice de Souza.
Figura 3. Terceira parte da sequência didática. Aluna utilizando o gerador de memes. Fonte: Maria
Alice de Souza.
Figura 4. Meme de internet produzido por aluna na terceira fase da sequência didática mostra
aspectos do comportamento adolescente. Fonte: Maria Alice de Souza.
5. Considerações finais
REFERÊNCIAS
DIAS, Eliana et al. Gêneros textuais e(ou) gêneros discursivos: uma Questão de
nomenclatura? In: Interacções - ILEEL/UFU nº 19, pp. 142-155, 2011.
KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Reading images: the grammar of visual design.
London and New York: Routledge, 1996.
LEU, Donald J.; KINZER, Charles K.; COIRO, Julie; CASTEK, Jill; HENRY,
Laurie A. Novas literacias: uma teoria de duplo nível da natureza mutável da
alfabetização, Instrução e Avaliação. In: Theoretical models and processes of
reading. Newark, DE: International Reading Association, 2013.
1. Introdução
E, ainda, sente-se feliz por saber que, quando ele olha para o céu, sabe que ela está
lá em cima olhando por eles.
A partir daí, ele começa a admirar o céu. Em sua contemplação, Chico
percebe uma estrela com um brilho intenso e diferente que está crescendo muito
e que vem se aproximando dele; quando ele olha, percebe que é Mariana que vem
para falar com ele.
Chico fica muito feliz e quer chamar seus pais para reverem Mariana,
mas ela o impede, diz que a visita era apenas para ele. Mariana conta a Chico que
era uma estrela que queria saber como era conviver com uma família amorosa,
conversando com suas irmãs estrelas; elas concordaram com sua vinda, porém,
determinaram um tempo para ela ficar aqui na Terra e, assim que o tempo acabou,
chamaram-na de volta. Por esse motivo, Mariana não pode ficar com a família.
Inconformado, Chico insiste para que ela veja os pais, mas ela acha
melhor não, argumentando que os adultos não podem falar com as estrelas, eles
só podem senti-las com o coração. Nessa hora, as estrelas do céu se agrupam e
Mariana diz que já está na hora de subir novamente. Chico fica triste por sua
irmãzinha ter que ir de novo, mas antes de ir, Mariana fala que tem um presente
para ele. Ela pede que ele feche os olhos e brilha intensamente, dando ao Chico
uma sensação de paz e tranquilidade e, então, some sem que ele veja.
Chico adormece na varanda e seu pai o carrega para cama. No outro dia,
Chico acorda e fica em dúvida se tudo fora um sonho ou não. Para ele, aquele
aniversário era o melhor de sua vida, pois ver Mariana, mesmo que em sonho, era
o melhor presente que podia ter recebido, já que alimentava a esperança de
encontrá-la outras vezes, mesmo que não soubesse de que forma iria revê-la.
Por esse motivo, adquiriu o hábito de sempre olhar para o céu. Passa-se
o tempo e Chico, já adulto, casado com Rosinha, percebeu que Mariana fazia parte
da vida dele, desde aquele aniversário, e que voltou reencarnada como a filha dele
com a Rosinha, terminando, assim, a história.
340 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
(https://www.google.com.br/search?q=tirinha+do+chico+bento+em+que+ele+fala+da+chuva+com+r
osinha). Acessado em 10/09/2018.
A irmã de Chico Bento era uma estrela que veio a Terra passar uns
tempos com uma família amorosa, mas suas irmãs estrelas não a deixam ficar por
muito tempo na terra e a chamam de volta. Anos mais tarde, essa estrela volta à
Terra para conversar com o Chico Bento para matar as saudades e anos mais tarde
torna-se sua filha. A exemplo,
346 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
(http://prodoc.museudoindio.gov.br/noticias/retorno-de-
midia/68-mitos-e-lendas-da-cultura-indigena) Acessado em
20/09/2018
7. Considerações finais
Já para Nunes,
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
NUNES, José Horta. Uma articulação da análise de discurso com a história das
ideias linguísticas. In Revista Língua, sujeito e história nº 37. RS: Universidade
Federal de Santa Maria, 2008. Pág. 107 a 124.
PRETI, Dino. Oralidade e gíria: como tratá-las no ensino. (Org. Neusa Barbosa
Bastos). Língua Portuguesa – uma visão em mosaico. São Paulo: COMPED /
EDUC / IP-PUC/SP, 2002.
350 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
Webgráficas
http://arquivosturmadamonica.blogspot.com/2014/04/esquecidos-7-mariana-
irma-do-chico-bento.html
http://prodoc.museudoindio.gov.br/noticias/retorno-de-midia/68-mitos-e-
lendas-da-cultura-indigena)
https://cafecomsociologia.com/preconceito-linguistico/
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |351
Diante do atual cenário educacional brasileiro que clama por atenção das
autoridades públicas e por melhores condições de trabalho para seus profissionais,
os materiais e recursos didáticos utilizados pelos professores em sala de aula
merecem um olhar especial. Essa ótica se justifica e se aprofunda à medida que o
livro didático se firma como protagonista frente aos demais materiais didáticos.
Dentre outros fatores, sua centralidade está marcada pela facilidade que
proporciona ao docente, que, por não raras vezes, dobra ou até mesmo triplica sua
jornada de trabalho em uma ou mais instituições escolares (SOARES, 2002). Tudo
isso para conceder o mínimo de conforto e estabilidade financeira a ele e à sua
família.
Essa importância possui valor histórico. De acordo com Bunzen e Rojo
(2006), as primeiras experiências com relação ao emprego de impressos no Brasil,
sobretudo no ensino de língua portuguesa, vinham em forma de cartilhas, livros
de leitura, gramáticas e manuais de redação. Esses materiais abrangiam os anos
iniciais da alfabetização até as séries finais do ensino regular.
Um importante suporte que ficou marcado no século XX diz respeito às
antologias que eram constituídas por uma seleção de cânones literários escritos
por autores de destaque no Brasil e em Portugal. Por meio desse livro, os alunos
mantinham contato com textos tradicionais e que compunham a coleção literária
valorizada pela crítica (BUNZEN; ROJO, 2006).
Entretanto, esse material não era elaborado como o livro didático que se
conhece nas escolas de hoje e que é avaliado e legitimado pelo PNLD (Programa
352 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
e urbana, em destaque na região sudeste. Nesses termos, Clare (2002, s/p, apud
BUNZEN; ROJO, 2006, p. 77.) escreve que em presença da ditadura militar, a qual
se iniciou em 1964, “passe-se a buscar o desenvolvimento do capitalismo,
mediante expansão industrial”. Assim, a escola se reorganizou a fim de formar
cidadãos para o exercício de uma profissão. Passava, então, a fornecer as condições
essenciais para o setor produtivo que carecia de mão de obra qualificada.
Em meio a esse cenário de profundas mudanças estruturais na sociedade
brasileira, o ingresso altamente ampliado à escola pública (BUNZEN; ROJO,
2006) levanta uma problemática que merece atenção: qual é o reflexo dos novos
agentes (docentes e discentes) dessa escola na educação nacional?
Não é mais uma escola pública destinada apenas aos filhos das elites,
mas as camadas populares passaram a ter assento nas salas de aula.
O novo perfil cultural do alunado, por exemplo, acarreta
heterogeneidade nos letramentos e nas variedades dialéticas. Os
esforços das escolas em adequar-se à nova realidade têm impactos
visíveis na qualidade do ensino. Também o perfil sociocultural,
econômico e social dos docentes sofre alteração, com a ampliação
das redes. Dessa forma, a profissão de professor começa a
desprestigiar-se, a perder autonomia, a deslocar-se nos espaços
sociais. (BUNZEN; ROJO, 2006, p. 74)
Pinheiro (2010) observa que o papel do livro didático ficou ainda mais
estabelecido pela criação do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), o qual
colocou o governo brasileiro como o principal comprador de livros escolares no
mundo, fato que o consolidou como o maior programa de compra e distribuição
desse tipo de livro no cenário internacional (DAHER et al, 2013).
Frente às críticas desenvolvidas em torno do livro didático, embasadas
sobre a ótica de que ele deturpa a autoridade professoral e a liberdade de escolha
de conteúdos, Soares (2002) tem o cuidado de considerar que, em seus próprios
termos, o livro didático possui um “papel ideal e um papel real” bem díspares.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |355
[...] há o papel ideal e o papel real. O papel ideal seria que o livro
didático fosse apenas um apoio, mas não o roteiro do trabalho dele.
Na verdade isso dificilmente se concretiza, não por culpa do
professor, mas de novo vou insistir, por culpa das condições de
trabalho que o professor tem hoje. Um professor hoje nesse país,
para ele minimamente sobreviver, ele tem que dar aulas o dia
inteiro, de manhã, de tarde e, frequentemente, até a noite. Então, é
uma pessoa que não tem tempo de preparar aula, que não tem
tempo de se atualizar. A consequência é que ele se apoia muito no
livro didático. Idealmente, o livro didático devia ser apenas um
suporte, um apoio, mas na verdade ele realmente acaba sendo a
diretriz básica do professor no seu ensino. (SOARES, 2002, s/p)
racional e crítico do livro, sendo que abre oportunidades para novas experiências
com esse material tão tradicional e enraizado na cultura educacional do Brasil.
Esse autor ainda indica cinco práticas específicas ao professor, no intuito
de selecionar o material didático adequado. São elas: clareza dos objetivos os quais
se pretende alcançar; avaliação das condições e disponibilidades físicas da escola
para com tal opção; conhecimento profundo do material a ser utilizado, tendo em
mente suas potencialidades e deficiências; planejamento sistemático e, por fim, a
avaliação dos resultados obtidos.
Esses apontamentos são simples e passíveis de aplicação em contextos
escolares. Por isso, apresentar-se-á, em seguida, uma experiência vivenciada em
uma turma de curso preparatório para o Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM) na disciplina Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. As cinco práticas
citadas no parágrafo anterior estarão presentes no decorrer da narrativa descritiva
da aula, que também incluirá relatos dos próprios alunos sobre a percepção que
tiveram ao usar o aparelho celular com propósito pedagógico.
diariamente para assistir às aulas. Como muitos ainda estavam no ensino médio,
o cansaço físico era evidente e, assim, o aproveitamento escolar regular era
prejudicado. O programa ainda colaborou com aqueles que não dispunham de
condições financeiras para arcar com as mensalidades de cursos tradicionais.
São oferecidas aulas de Linguagens (Português), Matemática, Física,
Química, Biologia, História, Geografia, Sociologia, Filosofia e Redação. Os
professores são atuantes nas escolas de ensino médio da região e/ou profissionais
experientes na disciplina que lecionam.
O Itaguara Valoriza iniciou-se no ano de 2017 com 25 matriculados. A
turma era heterogênea. Os alunos adolescentes e adultos compartilhavam o
mesmo espaço físico. Mediante os bons resultados alcançados pela turma do ano
passado, em 2018, o projeto iniciou com o dobro de matrículas, o que diminuiu
ainda mais o valor da mensalidade.
O material didático de Português (apostila) assim como para as demais
disciplinas é produzido por escolas privadas especializadas em cursos
preparatórios para concursos e vestibular. É oferecido e distribuído gratuitamente
para todos no início do curso. As despesas de compra e transporte são bancadas
pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Social e Comunitário de Itaguara.
Observa-se que ele é bem utilizado pelo corpo docente e discente. Possui pouco
espaço para explicações, o que contribui para a presença sistemática do professor
na mediação do conteúdo, e extensa lista de exercícios, os quais são separados
entre: ortografia, gramática e interpretação de texto. O professor de Linguagens
optou por priorizar a interpretação textual com base no conteúdo cobrado pelo
ENEM, principal referencial do curso, mas sem negligenciar as outras duas áreas
de estudo, pois representam significativa importância na prática da escrita.
A sala de aula é ampla e bem equipada. Conta com um computador a
serviço do professor ligado à internet, carteiras individuais, ventilação e
luminosidade adequadas, uma televisão de 50 polegadas e quadro negro. Quanto
ao perfil da turma, percebe-se que a maioria ainda está no Ensino Médio. Os
demais alunos são recém-formados no Ensino Médio ou trabalhadores de diversos
setores econômicos que buscam ingressar na universidade.
360 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
aparelho. Entretanto, reconhecem que o uso pleno dessa tecnologia se faz por
meio de maturidade e disciplina de quem a usa.
Diante desses registros, também se observa, por outro lado, que o discurso
presente em boa parte das escolas, de que o celular pode desviar a atenção e
corromper o planejamento da aula, esteve presente no relato dos alunos. Isso
reforça a ideia de que os professores exercem influência na opinião do alunado
até mesmo quando se trata de um aparelho que os adolescentes dominam com
tanta facilidade. Essa habilidade dos alunos contrasta com o comportamento de
boa parte dos professores da educação básica que, por deficiência na formação
inicial e/ou contínua ou por condições tecnológicas precárias na escola pública de
modo geral, ainda preferem ministrar aulas tradicionais, fundamentadas em
práticas compartimentalizadas de conteúdo, deixando de lado outros recursos
didáticos que podem ser introduzidos à sala de aula, os quais estejam mais
próximos às práticas sociais dos estudantes, para o aperfeiçoamento das estratégias
de ensino.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |363
4. Considerações finais
REFERÊNCIAS
1. Introdução
era o locutor e o interlocutor, qual tipo textual era utilizado. Além disso, o aluno
era instigado a realizar uma leitura crítica dos textos. Dessa forma, os alunos
foram se tornando capazes de produzir diferentes gêneros textuais nas diversas
práticas linguísticas reais.
Segundo Costa Val (2007), os gêneros textuais devem ser abordados na
sala de aula de maneira funcional:
2. Metodologia
as demais. Portanto, consideramos que a primeira edição foi como uma etapa
piloto, com vistas a verificar o êxito do projeto e a motivação dos participantes
em seguir no projeto. Apesar dos problemas listados, constatamos que esta fase
inicial foi bastante exitosa. Os alunos gostaram muito de participar, escreveram
textos muito interessantes, a comunidade escolar abraçou o projeto e ele cresceu
a cada edição.
No início de 2017, submetemos o “Projeto Jornal IFFolha” ao “Projeto
Jovens Talentos para a Ciência” da FAPERJ. O projeto foi aprovado e nos foram
concedidas 3 bolsas para os alunos do IFFPádua. Fizemos a seleção dos alunos
bolsistas e demos continuidade ao nosso trabalho.
A metodologia utilizada seguiu as sugestões dadas por Faria e Zanchetta
Jr. (2012) e aplicadas à realidade do IFFPádua. Os tópicos a seguir resumem os
passos metodológicos:
Exemplos:
a) Grupo da reportagem: definir as reportagens que poderiam ser feitas, de acordo
com o que estivesse acontecendo na escola, por exemplo: trabalhos de campo;
apresentação de atividades culturais; premiação de concursos; projetos
desenvolvidos.
b) Grupo da notícia: definir as notícias que mereceriam ser publicadas: o que
aconteceu na escola de interessante? Quem esteve envolvido? Onde e quando
aconteceu? Qual notícia deveria ser a capa da edição?
c) Grupo dos entrevistadores: planejar a entrevista: que pessoas iriam entrevistar?
Que assunto seria abordado? Que perguntas seriam feitas? Como seria o texto
introdutório da entrevista? Que dados deveriam ser informados?
d) Grupo de ilustradores: planejar como seria a ilustração do jornal: os desenhos
seriam atrelados aos textos? Seriam engraçados? Coloridos? Em preto e branco?
Seria charge? Cartum?
e) Grupo dos quadrinistas: que histórias poderiam ser criadas? Que assuntos
poderiam abordar? Como seriam criadas? Com ou sem diálogos? Em balões ou em
quadrinhos? Coloridos ou não? Engraçados? Críticos? Desenhados à mão ou em
programas de computador?
370 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
Essas reuniões eram feitas com todos os grupos no início de cada edição e à medida
que cada grupo sentia necessidade de tirar dúvidas e resolver problemas. Os
grupos também procuravam ajuda dos professores das diversas disciplinas para
dirimir suas dúvidas.
9) Cada bolsista ficou encarregado de produzir quatro textos para cada edição e ir
a campo fazer entrevistas nas cidades vizinhas. Em conjunto com alguns
voluntários, encarregaram-se de definir o projeto gráfico do jornal. Para isso,
analisaram o projeto gráfico de outros jornais e elaboraram um específico para o
IFFolha. Criaram ainda uma identidade visual, ou seja, escolheram o tipo das
letras para os títulos, textos e legendas, o uso ou não de cores. Estabeleceram as
seções que apareceriam sempre no mesmo espaço. Definiram quais gêneros
textuais não poderiam faltar. E, se algum deles não tivesse voluntário para
produzir, os bolsistas se encarregavam dessa tarefa. Além disso, reunidos uma vez
por semana com a coordenadora do projeto, liam e discutiam textos teóricos sobre
a produção de um jornal escolar, incluindo o livro “Para ler e fazer o jornal na
sala de aula”, de Faria e Zanchetta Jr. (2012).
10) Os alunos voluntários foram convidados a pensarem num logotipo para o
IFFolha. Foram produzidas duas logos bem criativas. Após votação de todos os
envolvidos no projeto, a logo criada por uma aluna voluntária do projeto foi a
vencedora e tornou-se a logo oficial do IFFolha.
Figura 1
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |371
A aluna propôs uma releitura da logo dos Institutos Federais, que foi
transformada em um jornal sendo lido por uma pessoa.
3. Edições publicadas
Figura 2
Link para acesso:<https://issuu.com/jornaliffolha/docs/jornal_iffolha_1__edi__o>. Acesso em 03 nov.
2018.
374 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
Não estipulamos uma temática para esta edição e, por isso, recebemos
textos de diversos assuntos. No quadro a seguir apresentamos os gêneros textuais
produzidos e os assuntos abordados.
Gênero Tema
Notícias 1- Greve no instituto
2- Olimpíadas 2016
3-Competições esportivas de que os alunos do IFFPádua participaram
Editorial Apresentação do jornal
Reportagem 1-Conscientização da comunidade escolar para ajudar o instituto a
economizar
2-Projeto de pesquisa “Da guerra ao terror”
Entrevista Com os professores do IFFPádua sobre a Reforma do Ensino Médio
Pesquisa Reforma do Ensino Médio
Poemas Diversos
Crônica Um acontecimento na vida do autor
Playlist, caça- Diversos
palavras
Recados Sobre um fato que aconteceu no Instituto
Horóscopo Signo dos professores
Artigo de opinião Relacionamentos abusivos
Quadro 2: Gêneros e temas da primeira edição do Jornal IFFolha.
Figura 3
Link para acesso: <https://issuu.com/jornaliffolha/docs/jornal_2ed> Acesso 03 nov. 2018.
dele nos jogos, respondeu que foram “as fêmeas”. Assim que a 1ª edição foi
publicada, muitas alunas se sentiram ofendidas com essa declaração do aluno e se
propuseram a fazer textos para a 2ª edição abordando não só este acontecimento
como outros ocorridos na escola e que elas consideraram machistas.
Acerca do ocorrido e de como o jornal pode ser um instrumento de
empoderamento da comunidade, Santos e Pinto (1992) ressaltam:
Como já foi dito, essa temática abrangia apenas a primeira parte do jornal.
No quadro a seguir, apresentamos os gêneros textuais produzidos nesta parte:
Conto Questões de gênero. Pessoas que não se identificam com o gênero que
lhes foi atribuído quando de seu nascimento.
Obs: este texto veio na segunda parte do jornal devido a um erro na hora
de fazer a diagramação.
Quadro 3: Gêneros e temas da primeira seção da segunda edição do Jornal IFFolha.
início, a cada dia se empolgavam mais, cada dia traziam uma ideia nova para
desenvolver ainda mais o projeto. Isso nos revela com clareza o quão importante
é esse modo de aprendizado, dentro e fora da sala de aula.
Assim que finalizamos a 2ª edição, os alunos tiveram a ideia de fazermos uma
camisa do Jornal IFFolha. A partir da 3ª edição, a foto da Equipe IFFolha, na
última página, é sempre tirada com a camisa oficial do jornal.
Figura 5
Link para acesso: <https://issuu.com/jornaliffolha/docs/jornal_iffolha_4__edi__o> Acesso em 03 nov.
de 2018.
4. Considerações finais
REFERÊNCIAS
FARIA, Maria Alice; ZANCHETTA Jr., Juvenal. Para ler e fazer o jornal na sala
de aula. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2012.
NOVA ESCOLA. Jornal na sala de aula: leitura e assunto novo todo dia.
Disponível em: <http://novaescola.org.br/conteudo/324/leitura-de-jornal-na-
sala-de-aula.> Acesso em: 16 set. 2016.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |385
1. Introdução
4. Modalidade
4.1 Modalização
QUADRO 1- Modalização
Ex1: O time pode ser o campeão Probabilidade: o grau indica uma
possibilidade
Ex 2: O professor, normalmente, Usualidade: o grau indica uma
viaja nas férias. frequência
No exemplo 1, caso o falante tivesse usado “deve ser”, a frase teria seu
sentido alterado, porque “deve” marca uma certeza maior do que “pode”, que, no
caso, indica uma possibilidade. Assim, a escolha entre “deve” ou “pode” marca
uma tomada de posicionamento do falante, suas reais intenções, ou simplesmente,
o que ele deseja que o interlocutor entenda da sua mensagem.
4.2 Modulação
QUADRO 2- Modulação
Ex1: É preciso ter urgência no Obrigação
transplante de coração.
Ex2: Determino que você vá embora. Inclinação
5. Metodologia
6. Gênero depoimento
etapas, com objetivos, na qual as pessoas organizam seus discursos (Eggins, 1994;
Martin, 1992). Assim, os usuários de uma língua reconhecem um gênero devido
ao seu uso social, aos seus objetivos imediatos para a comunicação. Hasan (1989)
sugere que tais textos (orais, verbais e não verbais) possuem uma estrutura
potencial a qual prevê elementos obrigatórios e opcionais, por isso, o usuário de
uma língua pode reconhecer um gênero devido aos seus aspectos estruturais
frequentes e pela ausência de outros.
O depoimento é considerado um texto narrativo, em 1ª pessoa, na qual
o indivíduo relata episódios e acontecimentos reais da sua vida pessoal. Nos
depoimentos proferidos na sede da Cáritas, os sujeitos narraram fatos pertinentes
à saída do seu país de origem e de como foram recebidos no Brasil.
7. Análise do corpus
Depoimento de Pierre:
"Sou de Kinshasa. Estou aqui há quase cinco meses. Ainda não saiu meu
refúgio.
Eu fugi da guerra na minha terra, porque era membro de um partido, eu fugi
por causa dessas coisas de política. Se ficasse lá podiam me matar. Antes de fugir, eu
estava preso. Depois consegui fugir e arranjei uma maneira de chegar aqui no Brasil.
Não vim porque gostasse antes do Brasil, eu estava precisando de um lugar
onde eu pudesse viver em paz, por isso fiquei aqui.
Mas, desde que eu cheguei aqui, não está nada bom. Estou sozinho aqui. A
gente fugiu do sofrimento, mas aqui está no fogo, dentro do sofrimento.
Aqui não há consideração pelos refugiados. Se você solicita um trabalho em
qualquer lugar e apresenta os documentos que mostram que você é refugiado, eles
não deixam trabalhar.
O brasileiro pensa que o refugiado é um homem que matou no país dele e
fugiu para cá, mas não é. O refugiado é uma pessoa que estava sofrendo na terra dele
e fugiu para viver uma nova vida."
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |393
Depoimento de Carlos
"Eu fazia parte de um partido político opositor. A gente começou a fazer
manifestação e isso causou problema para nós. Eu sou enfermeiro formado e
trabalhava como socorrista. Muitos de nós foram presos e outros foram executados.
Aí começou a dar muito medo.
Eu decidi vir para o Brasil porque era o caminho mais fácil para conseguir o
visto. Hoje, no país da gente, para conseguir o visto da França ou Canadá, é muito
difícil, então o Brasil foi mais fácil. O Brasil abriu as portas.
Demorei mais ou menos dois anos para conseguir trabalho. São essas as
maiores dificuldades que a gente tem.
À primeira vista, as pessoas recebem muito bem a gente, com muito calor.
São curiosos, fazem muitas perguntas. Tem também outros que têm preconceito. O
fato de que a gente é da África já faz com que muitos tirem a conclusão de que a
gente é traficante, não sei por quê.
Pessoalmente, esse negócio de preconceito é muito difícil ter certeza. As
pessoas fazem isso com muita inteligência, para não parecer ser racista, entendeu? É
muito difícil.
Uma vez, o que eu percebi foi na Cinelândia. Eu estava andando
normalmente e tinha uma moça na minha frente. Ela se assustou do nada e começou
a fugir. Mas isso não tem nada a ver com o fato de eu ser refugiado... acho que ela não
sabia que eu sou estrangeiro, é por causa de ser negro. É uma coisa séria ser refugiado
e também (ter) a cor da gente, os refugiados brancos acho que não encontram as
mesmas dificuldades que a gente.
Eu desejo fazer a minha vida aqui. Eu vivo com uma brasileira, penso em ter
um filho com ela, então viver feliz aqui, porque não é muito diferente da minha terra
não."
Depoimento de Pascal
Cheguei no Brasil há três meses. Estou estudando português, eu era militar,
tenho facilidade porque militar tem que estudar outras línguas. Sou carioca, um
antepassado morou aqui, ele veio para cá como escravo e depois voltou para o Congo.
Por isso eu sou carioca.
Uma pessoa me ajudou, me trouxe aqui. Ele falou "vamos para a América",
eu achei que estivéssemos indo para os Estados Unidos da América. Mas ele me
deixou aqui, por isso eu estou estudando.
Aqui estou morando na Central do Brasil. Estou alugando minha casa,
porque aqui (na Cáritas) me ajudam, mas o dinheiro daqui às vezes não vem no
tempo, às vezes fica dois meses sem vir. Aqui me pagam R$ 300. Só dá para pagar o
quarto.
Estou procurando emprego para trabalhar. Se Deus permitir, eu não quero
mais voltar para o Congo não, eu sou carioca.
Estou vendendo água (como camelô) para pagar a casa, mas os guardas me
perturbam muito.
se que tal recurso está ligado ao grau de usualidade, ou seja, incide sobre a
frequência da informação, que, no caso, está mais próxima do polo negativo.
De igual modo, convém salientar a presença do advérbio de negação “não”,
como marcação de um discurso altamente negativo sobre não querer voltar para
o país de origem (“se Deus permitir, eu não quero mais voltar para o Congo não,
eu sou carioca”). Entende-se, portanto, que o falante enfatiza o advérbio “não”
para reforçar o caráter negativo da experiência de ter vivido no Congo.
Depoimento de Ben
"Estou há seis meses no Brasil. Eu morava perto de Goma, na Província do
Kivu do Norte (no Congo). Lá a situação está muito complicada. A minha esposa foi
baleada e morreu e eu fugi para Uganda, onde consegui o documento para vir para
cá para o Brasil.
A vida aqui para o refugiado é muito complicada. Chegamos aqui e não tem
casa. A gente paga aluguel e é muito caro. Um quartinho, uma quitinete é R$ 400,
R$ 300, mas aqui (na Cáritas) nós recebemos R$ 300.
Eu moro na favela. Tem outros congoleses perto, mas eles não podem me
ajudar, eles também têm dificuldades.
A favela é muito complicada, mas a gente tem que acostumar. É muito
complicado, o barulho de tiro, fica complicado para nós.
Estou feliz (de estar aqui). Eu cheguei há pouco, demora até a gente se
acostumar com o país, mas vai dar certo. Vou ficar aqui, com certeza."
Depoimento de Angélica
"Nasci em Kinshasa, na capital (da República Democrática do Congo). Eu
era estudante e fui fazer um estágio em um orfanato. Lá havia pessoas traficando
crianças. Eu sabia que lá tinha tráfico de crianças e queria denunciar, mas começou
uma confusão, me ameaçaram.
Eu moro na casa de um outro congolês, em uma favela de Brás de Pina. A
maior dificuldade é a língua, que é um pouco difícil.
Eu moro na favela, pode ter algum problema. Tem muitos tiros lá, eu ouço
muitos tiros. Eu tenho vontade de sair de lá.
Não posso voltar para o Congo, porque as pessoas que me ameaçaram estão
lá.
Eu vim sozinha para cá, é muito difícil. Mas, mesmo assim, quero ficar aqui
pra sempre. Estou alegre porque não estou mais me sentindo ameaçada.”
Depoimento de Camille
"O país (Congo) não está bom, está em guerra. Foi uma grande história para
chegar aqui. Eu vim de avião, uma pessoa me ajudou. Fizeram documentos falsos.
Mas, depois que cheguei, a pessoa me deixou na rua com as crianças e foi embora.
Tive que dormir na rua no primeiro dia com as três crianças.
Tenho três filhos. O primeiro tem 9, essa tem 3 e um bebê que nasceu aqui
e tem três meses. Não tenho ninguém que possa me ajudar, estou sozinha. Se não
fossem os vizinhos, não sei como seria minha vida. O dinheiro (que ganho da Cáritas)
só dá pra pagar o aluguel da casa.
Eu estou triste porque meus filhos não têm leite para tomar, as outras estão
com fome. Eu não tinha idéia de que no Brasil seria ruim assim, eu não imaginava
que um dia fosse dormir com fome no Brasil."
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |397
8. Considerações Finais
REFERÊNCIAS
HASAN, R. The structure of a text the identity of text. In: HALLIDAY, M. A. K.;
HASAN, R. Language, context and text: aspects of language in a social-semiotic
perspective. Oxford: Oxford University press, 1989.
MARTIN, J.R. Context: register, genre and ideology . ______. English text:
systems and structure. Philadelphia/Amsterdam: John Benjamins Publishing
Company, 1992.
1. Introdução
3. O contexto da pesquisa
discussão formado por oito a doze participantes, facilitado por um moderador que
se concentra em um determinado tema ou temas.
Na ADC, os recursos utilizados na coleta dos dados são inúmeros, advindo
de tradições linguísticas anteriores à Análise do Discurso, a exemplo da Teoria
dos Atos de Fala, da Pragmática e da Retórica. No entanto, analisar o discurso do
ponto de vista proposto nesta pesquisa significa defender o uso dinâmico da
linguagem e seus efeitos, pressupondo-a como efeito da própria forma linguística,
sendo ao mesmo tempo criadora e indicadora da realidade social, diferentemente
das outras abordagens citadas anteriormente em que a linguagem é tida como uma
simples marca de um grupo social.
Nesta perspectiva, o grupo focal foi escolhido como método de coleta de
dados por três motivos: primeiro, por contribuir para a formação (continuada) das
professoras de língua portuguesa, de modo a refletir criticamente sobre sua
prática, sobre o próprio conhecimento, assim como para propor e executar ações
coerentes com a consciência linguística crítica, é que oportunizei, nas dinâmicas
do grupo focal, espaços para reflexão crítica sobre o ensino de Língua Portuguesa.
Segundo, por tornar possível a avaliação das crenças e atitudes dos professores em
relação a políticas e procedimentos no local de trabalho, no que se refere ao
ensino de LP, como também por fornecer informações mais detalhadas, já que o
grupo está a escutar uns aos outros, discutindo sobre uma mesma temática,
podendo surgir tópicos relevantes que o mediador não havia considerado ao
elaborar a entrevista. Terceiro, porque os grupos focais “podem estimular
mudanças significativas e levar participantes a redefinirem seus problemas de
uma forma mais politizada” (BARBOUR, 2009, p. 31). Nesse sentido, conforme
afirma Byers et al (1991, p. 64):
Assim, após visitar inúmeras escolas, o grupo focal foi formado por 10
professoras de língua portuguesa que lecionam do 6º ao 9º ano em escolas situadas
no centro de Boa Vista - RR. Foram realizados 10 encontros, dispostos em duas
semanas, com duração de 2h cada, totalizando 20h de discussões. Os encontros
foram realizados à noite, das 18 às 20h, no horário em que as professoras cumprem
2h referentes a reuniões pedagógicas, em um espaço cedido por uma escola
estadual. Como os encontros foram filmados e gravados em áudio, o grupo assinou
o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e o Termo de Autorização
de Uso de Imagem e Voz, que implicaram no sigilo dos nomes das participantes
da pesquisa.
Como recomendado por Barbour (2009), durante os encontros eu registrei
as observações imediatas sobre a discussão do grupo focal, anotando qualquer
característica sobressalente e minhas impressões sobre os temas e os participantes
mais envolvidos. Ao final, transcrevi os encontros e selecionei os excertos
relevantes para a pesquisa.
O planejamento do encontro em que tratei da representação de escola
demandou a elaboração de uma proposta metodológica multidimensional,
realizada a partir da coleta e do processamento de um conjunto diversificado de
informações advindas de desenhos produzidos individualmente e das discussões
em grupo. Assim, entreguei para as professoras cartolina, lápis de cor variados,
cola colorida e pedi que sentassem distante umas das outras para que os desenhos
das colegas não as influenciassem. Em seguida, pedi para que mostrassem e
apresentassem os desenhos, o que desencadeou discussões ricas e muito
produtivas, apresentadas a seguir.
espaço simbólico. Representar a escola por meio do desenho é uma das formas de
expressão da experiência, da visão e das crenças que constroem e constituem as
professoras durante os anos vividos nesse espaço.
Nesse sentido, analiso o discurso juntamente com os desenhos produzidos
por quatro professoras em um encontro de grupo focal, a fim de destacar aspectos
comuns e incomuns das representações de escola. As representações foram
nomeadas como escolas-prédio porque os desenhos apresentaram configurações
características de um prédio, como exposto abaixo.
Imagem 1 – Ane
Imagem 2 – Carolina
408 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
Imagem 3 – Elen
Imagem 4 – Margarida
Assim, as professoras, diante dos integrantes do grupo focal, que por sua
vez fazem parte da esfera social que abrange o exercício de sua competência
profissional, preocupam-se em dar uma demonstração de eficiência. Ao optar por
uma representação ou outra, as professoras estão interessadas não tanto no curso
completo das diferentes práticas que executam, mas somente naquela da qual
deriva sua reputação profissional.
O desempenho das professoras tende a incorporar e a exemplificar os
valores oficialmente reconhecidos pela sociedade, mais do que o seu
comportamento de indivíduo como um todo. Na medida em que os valores sociais
comuns são ressaltados, percebo a reafirmação dos valores morais da comunidade
escolar. Segundo Goffman (1975, p. 41), “tanto quanto a tendência expressiva das
representações venha a ser aceita como realidade, aquela que é no momento
aceita como tal terá algumas das características de uma celebração”. Em outras
palavras, não aceitar ou não comungar tais eventos, não ter vontade de estudar, é
permanecer longe do lugar onde a realidade está acontecendo. O mundo na
verdade é uma reunião.
A escola-prédio atribui ao quadro — exposto em uma sala quadrangular
com carteiras alinhadas e alunos organizados e silenciosos diante da parede do
conhecimento — um papel central, representando o espaço escolar e a construção
da ordem, que assume o lugar dos guardiões do saber. O discurso de Elen (2º
encontro, p. 13), “aqui eu coloquei uma sala [...] que nós pudéssemos utilizar um
quadro desses novos [...] esses quadros digitais”, apresenta um alto grau de
compartilhamento e repetição do poder simbólico.
A hierarquia que tangencia o discurso da professora é reflexo da prática
discursiva que legitima a instituição escolar como o lugar natural para o
conhecimento ocorrer, em que a posição de professor está investida e legitimada
pela sociedade como elo entre o conhecimento e os alunos. À vista disso, a
representação resvala a sustentação de um status individual/profissional — o
professor é uma autoridade a ser respeitada e na qual os alunos têm de acreditar
— no intuito da conquista do consenso social — que o poder do professor seja
mantido e respeitado —, por isso o professor é o intermediário entre o
412 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
6. Considerações finais
REFERENCIAIS
1. Introdução
2. Interdisciplinaridades
Este item tem a intenção de debater os conceitos possíveis de
interdisciplinaridade, pois compreendemos que as práticas são variadas e,
portanto, também serão várias as teorias.
Surgido, na literatura nacional, a partir da década de 70 com os estudos de
Ivani Fazenda e Hilton Jupiassu, o conceito de interdisciplinaridade é bastante
amplo e ainda suscita muitas discussões (Garcia Joe, 2008). Essa abrangência
provoca dúvidas nos atores da educação, pois não há um desenho bem delineado
sobre o que pode ser considerado interdisciplinar. Se um texto de Ciências é
utilizado pelo professor de Português, pode-se dizer que houve
interdisciplinaridade? Se a escola promove um projeto e convida todos os
professores a abordarem o mesmo assunto, houve interdisciplinaridade? Seriam
essas apenas ações pontuais? A priori, respondemos afirmativamente a esta última
questão. No entanto, não nos furtamos a refletir sobre o que estamos, de fato,
realizando para implementar uma prática interdisciplinar, conforme preconizam
os documentos oficiais e conforme os debates de estudiosos do tema.
Logo no início dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua
Portuguesa para o 3º e 4º ciclos, lê-se que um dos objetivos do Ensino
Fundamental é que o aluno seja capaz de:
todas as áreas” (2017), o autor discute o impacto que a disciplina deve ter na
aprendizagem:
5. Considerações finais
REFERÊNCIAS
1. Introdução
linguagem passa a ser encarada como forma de ação, ação sobre o mundo, dotada
de intencionalidade, veiculadora de ideologia” (KOCH, 2002, p. 15).
Levando em conta essas afirmações, podemos entender que, em maior ou
menor grau, a argumentatividade está presente em todos os gêneros textuais e que
o texto é um objeto multifacetado que revela não só o que sabemos da língua mas
também o que sabemos sobre o mundo em que vivemos (KOCK; ELIAS, 2018, p.
10). Sendo assim, ao considerarmos que os textos carregam tipos discursivos
variados, ensinar/aprender a argumentar deve ir além de análises das estruturas e
técnicas argumentativas pré-moldadas. Trataremos a seguir do trabalho com a
argumentação no contexto escolar.
3. Argumentação e ensino
Texto 1
6. Considerações finais
REFERÊNCIAS
KOCH, Ingedore Vilaça; ELIAS, Vanda Maria. Escrever e argumentar. São Paulo:
Contexto, 2018.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |441
KOCH, Ingedore Vilaça. A inter-ação pela linguagem. 10ª ed. São Paulo: Contexto,
2006.
RAMOS, Paulo. Faces do humor: uma aproximação entre piadas e tiras. Campinas,
SP:
Zarabatana Books, 2011.
XAVIER, Glayci R. S.; SIQUEIRA, Sirley Ribeiro. Pensar por si e dizer o que
pensa: o ensino da argumentação e a formação de sujeitos autônomos.
Entrepalavras, Fortaleza, v. 9, n. 1, p. 72-92, jan./abr. 2019.
442 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
XAVIER, Caco. Aids é coisa séria! - humor e saúde: análise dos cartuns inscritos
na I Bienal Internacional de Humor, 1997. História, Ciências, Saúde-Manguinhos,
Rio de Janeiro, v. 8, n.1, p. 193-221, mar./jun. 2001.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |443
1. Introdução
façam parte de sua vivência, de sua rotina, de sua prática enquanto agente social
(CRUZ, 2016). Nesse sentido, pensamos no ensino de LP para surdos de forma
instrumental, funcional e dialógica, a partir das necessidades desse aluno,
buscando comparar sempre questões inerentes à Libras e à LP escrita e de modo
que o aprendiz se identifique com os textos e gêneros discursivos utilizados
durante o processo de ensino-aprendizagem.
O uso de recursos visuais é muito importante, tendo em vista a
singularidade desse aprendiz, pois sua primeira língua é a Libras, uma língua
espaço-visual, com estrutura gramatical própria (BRASIL, 2002). Vale destacar
também o direito desse aluno à aprendizagem da LP escrita, tendo em vista que
essa é sua segunda língua, apresentada e utilizada na modalidade escrita.
Neste artigo, como o leitor verá adiante, selecionamos alguns conteúdos,
tradicionalmente trabalhados nas aulas de Língua Portuguesa, cujos conceitos e
definições partem da gramática tradicional da LP e, algumas vezes, não fazem
sentido em Libras, por isso, o aluno pode ter dificuldade para compreender. Dessa
forma, reiteramos que o uso de estratégias e recursos inadequados com alunos
surdos os levará ao insucesso na aprendizagem, mas a responsabilidade por esse
insucesso não é dele, e sim do professor, que não conseguiu contemplar suas
demandas cognitivas e linguísticas.
Buscamos trabalhar os conteúdos a seguir por meio de recursos imagéticos,
gêneros discursivos com os quais eles tenham contato em sua rotina diária,
respeitando a dialogia entre os alunos, suas individualidades, a especificidade
linguística e cultural, a instrumentalidade e a funcionalidade da LP, língua-alvo.
Apresentamos nossas propostas de abordagens dos assuntos nas próximas
subseções.
Substantivos
“Substantivos são palavras que designam seres-visíveis ou não,
animados ou não, ações, estados, sentimento, desejos, ideias” (CEREJA;
MAGALHÃES, 2005, p.114). Bechara (1999) define da seguinte forma:
448 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
Para essa atividade, sugerimos que o professor solicite aos alunos que
desenhem ou fotografem objetos cujos nomes eles desconheçam em LP. O
professor montará um cartaz com as palavras escritas e ilustradas com o material
dos alunos. Após mostrar que cada objeto tem um nome em LP, ele poderá
explicar a divisão silábica desses nomes e o processo de translineação. Deve ser
feita a continuidade com a criação de um texto coletivo. Com o auxílio dos alunos,
o professor fará o registro na lousa; os alunos poderão ser voluntários para
452 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
Onomatopeias
As onomatopeias são classificadas nas gramáticas normativas como
representação do som: “Onomatopeias são palavras criadas com a finalidade de
imitar sons e ruídos produzidos por arma de fogo, sinos, campainhas, veículos,
instrumentos musicais, vozes de animais, etc.” (CEREJA; MAGALHÃES, 2005,
p.104) “Onomatopeia é o emprego de fonema em vocábulo para descrever
acusticamente um objeto pela ação que exprime.” (BECHARA, 1999, p.74).
As definições apresentadas foram pensadas para o público ouvinte, que faz
uso das onomatopeias na modalidade oral da LP em suas vivências. Porém, para o
público surdo, as definições mostradas não são claras. Então, se a explicação for
embasada nos conceitos apresentados nas gramáticas, não será suficiente para uma
compreensão plena.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |453
Para trabalhar a onomatopeia com o aluno surdo, sugerimos que seja usado
um conceito de som empregado na Física: “Som - fenômeno da propagação de
ondas de pressão produzidas no ar por um corpo que vibra.” (FERREIRA, 2011,
p. 822). A pessoa surda pode perceber o som através da vibração ou por ilustrações
visuais. O professor pode usar recursos que fazem parte das experiências dos
alunos, como: experimentar a vibração do aparelho celular; bater na porta e
mostrar que toc, toc é uma forma de representar em LP a vibração produzida.
Na imagem a seguir, há exemplos visuais de onomatopeias representando
sons que, muitas vezes, a pessoa surda não percebe ou, talvez, nunca tenha se dado
conta de que tais movimentos provocam ruídos sonoros, como engolir, mastigar,
arrotar etc.
29 http://portaldoservidor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=13667acesso em 16/09/2018.
454 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
Como vemos nas imagens acima, se o aluno surdo tiver dúvidas e recorrer
à interpretação, o intérprete ou o professor irá sinalizar pai/mãe, ou, mesmo se o
próprio aluno fizer a leitura em Libras, aparecerão pai/mãe, dois núcleos. Então,
o aluno poderá fazer a classificação, considerando o aspecto apresentado em
Libras, dois núcleos: sujeito composto. Para evitar esse equívoco, professor deve
ter conhecimento em Libras e em LP para mostrar ao aluno essa diferença nas
duas línguas. Sugerimos o uso do gênero textual convite (convite para reunião de
responsáveis), em que é empregado o termo pais, para exemplificar o significado
no contexto.
Figura 8: gênero textual convite com o uso da palavra pais (Arquivo pessoal)
Deve ser feita a leitura do convite com os alunos, extraindo o que eles
compreenderam, perguntando: Quem são os responsáveis? / O que significa a
palavra pais? Quem são seus pais ou responsáveis? Mostrando que, quando ele vê
a palavra pai em português, ela representa apenas uma pessoa do sexo masculino;
456 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
entretanto, a palavra pais (plural) pode representar (pai e mãe), (dois ou mais pais
do sexo masculino), (responsáveis: avós, tios, ou outras pessoas). A partir de um
exemplo usual o aluno poderá ter uma compreensão clara. Outro exemplo é a
palavra casal: em LP, representa duas pessoas ou dois seres, um do sexo masculino
e outro do sexo feminino; porém, em Libras, em algumas construções, a palavra
casal é representada pelos sinais homem ou (macho) e mulher ou (fêmea).
A imagem mostra duas aves; em Libras, será feito o sinal do pássaro macho
e o da fêmea, logo, haverá dois núcleos, o que configura, em LP, sujeito composto.
É necessário mostrar o conceito através de situações reais, em que esta
palavra é empregada. Por exemplo, chamar um menino e uma menina à frente e
dizer que se trata de um casal de alunos, que a frase para registro da situação
poderia ser escrita das seguintes formas:
Um aluno e uma aluna vieram à frente. – uso de duas palavras, portanto,
dois núcleos.
Um casal de alunos veio à frente. – uso de uma palavra para representar
duas pessoas, portanto, somente um núcleo.
Em Libras, realmente, há dois núcleos; diferentemente da classificação em
LP, o sujeito é composto. Essa observação também deve ser mostrada ao aluno,
pois o surdo recebe as explicações em Libras e faz os registros escritos em LP,
certamente, seu raciocínio fica envolvido nas duas línguas.
Considerações finais
Embora a melhora na qualidade da educação dos alunos surdos exija
grande trabalho e esforço, todos os alunos, sem distinção, têm direito à educação
que atenda as suas demandas e lhes proporcione o desenvolvimento de suas
potencialidades. Quando são revistos os métodos que falharam e aprimorados os
bons métodos, com a finalidade de formar o aluno para o exercício pleno de
cidadania, garantindo-lhe os direitos previstos nas leis e nas diretrizes que regem
a educação, não só o estudante é beneficiado, todos os envolvidos ganham e a
sociedade usufrui do resultado positivo desse trabalho. O aluno surdo não é menos
capaz nem tem menos direitos, a escola também é para ele.
REFERÊNCIAS
1. Introdução
2.1 E como são os materiais didáticos para o ensino de Língua Portuguesa como
segunda língua para surdos?
em CD-ROM. Para que o aluno consiga ter acesso ao conteúdo na forma digital,
ele precisa ir ao lado de cada frase e clicar em um ícone, em seguida, uma janela
é aberta e aparece o vídeo em Libras mostrando a tradução da frase do Português
para Libras.
Apesar da existência desse material, ele não é condizente com a
metodologia bilíngue, uma vez que quase não há a presença de recursos visuais,
ou a presença de algumas referências aos aspectos linguísticos do aluno surdo ou
à cultura surda.
31
O sinal de cada um dos personagens foi dado pelo professor surdo Weslei da Silva Rocha do Instituto
Nacional de Educação de Surdos (INES).
468 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
respeito ao conteúdo gramatical proposto no capítulo, além disso, traz dicas para
facilitar a compreensão do tema apresentado.
5. Considerações finais
REFERÊNCIAS
1. Introdução
2. Argumentação e lógica
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdeu a ação por danos morais
que moveu contra o procurador da República Deltan Dallagnol, da força-tarefa
da Operação Lava Jato. O processo foi motivado pela entrevista coletiva em que o
procurador apresentou um PowerPoint apontando o petista como personagem
central no esquema de corrupção na Petrobras. (Grifos nossos)
Para Lula, o procurador agiu de forma abusiva e ilegal e pedia
indenização de um milhão de reais. Em sua decisão, o juiz Carlo Mazza Britto
482 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
(https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/deputados-citaram-
%E2%80%9Cdeus%E2%80%9D-59-vezes-na-votacao-do-impeachment/)
(http://escrevalolaescreva.blogspot.com/2010/10/dilma-nao-esqueca-sua-funcao-no-mundo.html)
“Então, em princípio, este Juízo, assim como não tem poderes de ordenar a prisão
do paciente, não tem poderes para autorizar a soltura.
O Desembargador Federal plantonista, com todo o respeito, é autoridade
absolutamente incompetente para sobrepor-se à decisão do Colegiado da 8ª Turma
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e ainda do Plenário do Supremo Tribunal
Federal. (Grifos nossos)
Se o julgador ou a autoridade policial cumprir a decisão da autoridade
absolutamente incompetente, estará, concomitantemente, descumprindo a ordem de
prisão exarada pelo competente Colegiado da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal
da 4ª Região. (Grifos nossos)
Diante do impasse jurídico, este julgador foi orientado pelo eminente Presidente
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a consultar o Relator natural da Apelação
Criminal 5046512-94.2016.4.04.7000, que tem a competência de, consultando o
colegiado, revogar a ordem de prisão exarada pelo colegiado.
Assim, devido à urgência, encaminhe a Secretaria, pelo meio mais expedito, cópia
deste despacho ao Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto, solicitando
orientação de como proceder.
Comunique-se a autoridade policial desta decisão e para que aguarde o
esclarecimento a fim de evitar o descumprimento da ordem de prisão exarada pelo
competente Colegiado da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Curitiba, 08 de julho de 2018.”
(https://veja.abril.com.br/politica/em-despacho-moro-diz-que-desembargador-nao-
pode-soltar-lula/)
488 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
5. Considerações finais:
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. 17ª ed. Tradução de Antônio Pinto
de Carvalho. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.
(https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/deputados-citaram-
%E2%80%9Cdeus%E2%80%9D-59-vezes-na-votacao-do-impeachment/)
Acesso em: 04/07/2018.
(https://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/04/1762082-veja-frases-dos-
deputados-durante-a-votacao-do-impeachment.shtml) Acesso em: 04/07/2018.
(http://escrevalolaescreva.blogspot.com/2010/10/dilma-nao-esqueca-sua-
funcao-no-mundo.html) Acesso em: 04/07/2018.
(https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/em-nota-aecio-faz-
criticas-a-delacao-de-pedro-correa/) Acesso em: 04/07/2018.
(https://folhapolitica.jusbrasil.com.br/noticias/158348575/papa-francisco-diz-
que-o-bom-catolico-deve-empenhar-se-na-politica) Acesso em: 04/07/2018.
(https://veja.abril.com.br/politica/em-despacho-moro-diz-que-desembargador-
nao-pode-soltar-lula/) Acesso em: 04/07/2018.
490 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
1. Introdução
sociedade.
Isso exigirá maior atenção do professor de português na seleção de textos
que fomentem o debate saudável, permitindo-lhe levantar, com o grupo dos
alunos, questionamentos e reflexões, a fim de explorar o universo da linguagem,
possibilitando que os estudantes conheçam mais sobre sua própria língua,
compreendendo-a como prática social, de bases ideológicas e culturais que
afetam, diretamente, o modo como entendemos o mundo e como nele atuamos.
Para isso, os currículos dos cursos de licenciatura de futuros professores de
língua portuguesa devem priorizar uma formação crítica e autorreflexiva pautada,
sobretudo, numa concepção de língua que permita o desenvolvimento da
criticidade desses profissionais, visando à superação de velhos conceitos em torno
da língua portuguesa e viabilizar as condições para que os estudantes “se
familiarizarem com as práticas sociais de linguagem orais e/ou escritas, relevantes
para sua efetiva inscrição sociocultural” (FARACO, 2006, p. 31). Além disso, nas
matrizes curriculares dos cursos de formação, é preciso ainda revisar o objetivo
das disciplinas que limitam o estudo da língua a uma concepção estrutural.
Com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), na década
de 1990, o Brasil deu um importante passo na educação básica. Na área de língua
portuguesa, o documento simbolizou um grande avanço no ensino de português
(ROJO, 2000). Nele, os gêneros discursivos assumiram um caráter mais
abrangente que permitiu considerar o texto como unidade básica de ensino. Para
além do limite da frase, a língua passa a ser vista e ensinada a partir da perspectiva
interacionista, de base bakhtiniana (1995). Além disso, temas como políticas
linguísticas, variação e desenvolvimento da criticidade do aluno passaram a
ocupar o centro das propostas para o ensino e aprendizagem de português, com
foco no desenvolvimento da leitura e da escrita.
A publicação dos PCN orientou, ainda, um conjunto de ideias ligadas à
formação docente com relação às políticas públicas para os professores de
português:
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |495
língua, por sua vez, constitui esse processo de desenvolvimento e perpetuação das
expressões simbólicas.
Nesse sentido, a relação língua e cultura sugere uma prática pedagógica
crítica em que, no contexto de ensino-aprendizagem, os educandos sejam capazes
de interagir com os seus modos particulares de interpretar o mundo. Segundo
Candau (2009, p. 165), uma das características fundamentais da perspectiva
intercultural é “a promoção deliberada da inter-relação entre diferentes grupos
culturais presentes em uma determinada sociedade”.
Para o ensino de língua pautado na premissa da educação intercultural,
Mendes (2008) destaca três princípios. O primeiro refere-se ao modo como vemos
o outro e o mundo a nossa volta; o segundo diz respeito ao modo como nos
posicionamos no mundo e compartilhamos nossa experiência; e, por fim, o
terceiro princípio está relacionado ao modo como nós interagimos e dialogamos
com o outro. Juntos, esses três princípios evidenciam que, no processo de ensino-
aprendizagem da língua, todos os sujeitos envolvidos, professores e alunos, podem
participar ativamente da construção crítica do conhecimento e da visão sobre
contexto no qual estão inseridos.
Com efeito, a dimensão intercultural como pauta para o ensino e a
aprendizagem de português orienta a prática docente no levantamento da
reflexão crítica da língua de modo que a tradição do ensino gramatical ganhe uma
direção voltada, por exemplo, para a análise linguística e não para a memorização
das regras, permitindo explorar o universo da linguagem por meio da descoberta
contínua e reflexiva.
No ensino de português, essa abordagem converge também para o respeito
à variedade linguística, que revela a criatividade dos falantes. Para Bakhtin
(1995), a variação é inerente à língua e representa também as variações sociais.
Sendo assim, ignorar este fenômeno linguístico é desenvolver uma pedagogia
excludente e cúmplice dos poderes de imposição das desigualdades sociais.
Outro aspecto importante da dimensão intercultural para o ensino de
língua se refere ao compromisso com a valorização da cultura na seleção de textos
e temas a serem discutidos, na variedade dos gêneros textuais apresentados em
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |499
sala de aula e na atenção dada aos temas que só ganham notoriedade em datas
específicas, mas que estão inseridas nas nossas vidas cotidianamente. Assim:
A educação intercultural não pode ser reduzida a algumas situações e/ou atividades
realizadas em momentos específicos, nem focalizar sua atenção exclusivamente em
determinados grupos sociais. Trata-se de um enfoque global que deve afetar todos os
atores e a todas as dimensões do processo educativo, assim como os diferentes âmbitos
em que ele se desenvolve. (CANDAU, 2009, p.170)
4. Considerações finais
REFERÊNCIAS
FARACO, C. A. Ensinar vs. Não ensinar gramática: ainda cabe esta questão? In:
Calidoscópio, vol. 4, n. 1, 2006.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: três artigos que se completam. São
Paulo: Autores Associados. Cortez, 1989.
MOITA LOPES L. P. da. Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo:
Parábola Editorial, 2006.
MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa; SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo, cultura
e sociedade. 12.ed. São Paulo: Cortez, 2013.
1. Introdução
governo federal, torna-se um meio pelo qual se pode compreender o estado atual
da produção do LDP.
Almeida (2008), em seu estudo sobre como se organizavam as aulas régias
no Brasil colonial, afirma que a expulsão dos jesuítas fez-se acompanhar do
primeiro gesto oficial de controle da produção de material didático por parte do
governo em terras brasileiras. Isso se deu, pois era preciso garantir, por meio do
material usado pelos estudantes, que as ideias jesuíticas fossem substituídas pela
ideologia pombalina.
Outro gesto oficial do governo para o estabelecimento de um controle da
produção de obras didáticas foi a lei de 17 de fevereiro de 1854. Essa lei, elaborada
na gestão do ministro Luiz Pereira de Coutto Ferraz, regulamentou a instrução
primária e secundária, suprimiu as aulas régias e criou a Inspetoria Geral da
Instrução Primária e Secundária da Corte32. Segundo Gondra (2005, p. 19),
32Conforme Piletti e Piletti (2013), entre as décadas de 1840 e 1860, foram criadas Diretorias-Gerais
de Instrução Pública em todos os estados do Brasil. Na corte, ou seja, na cidade do Rio de Janeiro, a
diretoria recebeu a designação de inspetoria.
508 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
33
A página eletrônica do FNDE apresenta como data de fundação para o INL o ano de 1929. Em Freitag
et al. (1989), bem como em Witzel (2002), aponta-se o ano de 1937. Essa data é corroborada pelo fac
simile da lei de criação do INL, que se encontra na página eletrônica do Senado Federal. Disponível
em <
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=93&tipo_norma=DEL&data=19371
221&link=s>. Acesso em 13 mai. 2017.
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |511
34No histórico do PNLD disponível na página eletrônica do FNDE, assim como em Feijó, Amorim e
Rodrigues (2012), esse mesmo programa é denominado Programa do Livro Didático para o Ensino
Fundamental (PLIDEF). Em nosso trabalho, optamos por manter a denominação apresentada por
Freitag, Motta e Costa (1989). Höfling (2000) explica que o PLID engloba outros programas como o
Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (PLIDEF), o Programa do Livro Didático para
o Ensino Médio (PLIDEM), o Programa do Livro Didático para o Ensino Superior (PLIDES) e o
Programa do Livro Didático para o Ensino Supletivo (PLIDESU). Esses programas, entretanto, tiveram
pequena duração.
514 | Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior
35
MEC/USAID: acordo que incluiu convênios realizados entre o Ministério da Educação (MEC) e a
United States Agency for International Development (USAID), a partir de 1964. Esses convênios
objetivavam a implantação do modelo educacional americano no Brasil. O movimento estudantil da
época, discordando do acordo, protestou contra os convênios e reivindicou o fim do acordo. Diante
disso, as organizações estudantis foram consideradas clandestinas pelo regime militar (DICIONÁRIO
INTERATIVO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA, 2008).
Materiais didáticos, EAD, PIBID, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino Superior |515
4. Considerações finais
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Jorge de Souza. Perfil do leitor colonial. Salvador: UFBA, Ilhéus: UESC,
1999.
HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. 2. ed. São Paulo: Edusp,
2005.
OLIVEIRA, João Batista Araújo et al. A política do livro didático. São Paulo:
Unicamp, 1984.