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Fundamentos Da Bioquimicaa

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Com a célula, a biologia descobriu seu átomo...

Dessa forma,
para caracterizar a vida, é essencial estudar a célula e analisar
sua estrutura: escolher os denominadores comuns necessários
para a vida de cada célula, assim como identificar diferenças
1
associadas com o desempenho de funções especiais.
— François Jacob, La logique du vivant: une histoire de l’hérédité
(A Lógica da Vida: Uma História da Hereditariedade), 1970

Fundamentos da Bioquímica
1.1 Fundamentos celulares 2 (Fig. 1-1a). Elas incluem polímeros muito longos, cada
um com sua sequência característica de subunidades,
1.2 Fundamentos químicos 11 sua estrutura tridimensional única e sua seleção alta-
mente específica de parceiros de interação na célula.
1.3 Fundamentos físicos 19
Sistemas para extrair, transformar e utilizar a
1.4 Fundamentos genéticos 27 energia do ambiente (Fig. 1-1b), permitindo aos orga-
nismos construir e manter suas intrincadas estruturas,
1.5 Fundamentos evolutivos 29 assim como realizar trabalho mecânico, químico, osmó-
tico e elétrico, o que neutraliza a tendência de toda a
matéria de decair para um estado mais desorganizado,

C
erca de quinze bilhões de anos atrás, o universo surgiu
como uma erupção cataclísmica de partículas subatô- entrando assim em equilíbrio com seu ambiente.
micas quentes e ricas em energia. Os elementos mais Funções definidas para cada um dos componen-
simples (hidrogênio e hélio) se formaram em segundos. À tes de um organismo e interações reguladas en-
medida que o universo se expandia e esfriava, o material tre eles. Isto é válido não somente para as estruturas
condensava sob a influência da gravidade para formar es- macroscópicas, como as folhas e os ramos ou corações
trelas. Algumas estrelas se tornaram enormes e explodiram e pulmões, mas também para estruturas intracelulares
como supernovas, liberando a energia necessária para a fu- microscópicas e compostos químicos individuais. A
são de núcleos atômicos mais simples em elementos mais interação entre os componentes químicos de um orga-
complexos. Desta maneira foram produzidos, no decurso de nismo vivo é dinâmica; mudanças em um componen-
bilhões de anos, a própria Terra e os elementos químicos en- te causam mudanças coordenadas ou compensatórias
contrados nela hoje. Cerca de quatro bilhões de anos atrás, em outro, com o todo manifestando uma característica
surgiu a vida – micro-organismos simples com a capacida- além daquelas de suas partes individuais. O conjunto de
de de extrair energia de compostos químicos e, mais tarde, moléculas realiza um programa, cujo resultado final é a
da luz solar, que era usada por eles para produzir um vasto reprodução e a autopreservação do conjunto de molé-
conjunto de biomoléculas mais complexas a partir dos ele- culas – em resumo, vida.
mentos simples e compostos encontrados na superfície da
Terra. Mecanismos para sentir e responder às altera-
ções no seu ambiente, com ajustes constantes a es-
A bioquímica questiona como as extraordinárias pro-
sas mudanças por adaptações de sua química interna
priedades dos organismos vivos se originaram a partir de
ou sua localização no ambiente.
milhares de biomoléculas diferentes. Quando estas molécu-
las são isoladas e examinadas individualmente, elas estão de Capacidade de autorreplicação e automontagem
acordo com todas as leis físicas e químicas que descrevem o precisas (Fig. 1-1c). Uma célula bacteriana isolada co-
comportamento da matéria inanimada – assim como todos locada em um meio nutritivo estéril pode dar origem,
os processos que ocorrem nos organismos vivos. O estudo em 24 horas, a um bilhão de “filhas” idênticas. Cada
da bioquímica mostra como o conjunto de moléculas ina- célula contém milhares de moléculas diferentes, mui-
nimadas que constitui os organismos vivos interage para tas extremamente complexas; mas cada bactéria é uma
manter e perpetuar a vida exclusivamente pelas leis físicas e cópia fiel da original, sendo sua construção totalmente
químicas que regem o universo inanimado. direcionada a partir da informação contida no material
Os organismos, no entanto, possuem atributos extra- genético da célula original.
ordinários, propriedades que os distinguem de outros con-
Capacidade de se alterar ao longo do tempo por
juntos de matéria. Quais são estas características peculiares
evolução gradual. Os organismos alteram suas es-
dos organismos vivos?
tratégias de vida herdadas, em graus muito pequenos,
Um alto grau de complexidade química e organi- para sobreviver em condições novas. O resultado de
zação microscópica. Milhares de moléculas diferen- eras de evolução é uma enorme variedade de formas de
tes formam as intrincadas estruturas celulares internas vida, muito diferentes superficialmente (Fig. 1-2), mas
2 David L. Nelson & Michael M. Cox

Neste capítulo introdutório é feito um resumo dos co-


nhecimentos celulares, químicos, físicos e genéticos para
a bioquímica e o importante princípio da evolução – o de-
senvolvimento das propriedades das células vivas ao longo
das gerações. À medida que você avançar na leitura do livro,
perceberá a utilidade de retornar a este capítulo de tempos
em tempos, para refrescar sua memória sobre esses conhe-
cimentos básicos.

1.1 Fundamentos celulares


(a) (b) A unidade e a diversidade dos organismos se tornam apa-
rentes mesmo no nível celular. Os menores organismos con-
sistem em células isoladas e são microscópicos. Os organis-
mos multicelulares maiores possuem muitos tipos celulares
diferentes, os quais variam em tamanho, forma e função es-
pecializada. Apesar dessas diferenças óbvias, todas as célu-
las dos organismos, desde o mais simples ao mais complexo,
compartilham determinadas propriedades fundamentais,
que podem ser vistas no nível bioquímico.

As células são as unidades estruturais e funcionais de


todos os organismos vivos
Todos os tipos de células compartilham determinadas ca-
racterísticas estruturais (Fig. 1-3). A membrana plasmá-
tica define o contorno da célula, separando seu conteúdo
(c) do ambiente. Ela é composta por moléculas de lipídeos e
proteínas que formam uma barreira fina, resistente, flexível
FIGURA 1-1 Algumas características da matéria viva. (a) A com-
plexidade microscópica e a organização são aparentes nesse corte
colorido de tecido muscular de vertebrado, visto ao microscópio
eletrônico. (b) Um falcão da campina capta nutrientes consumindo
uma ave menor. (c) A reprodução biológica ocorre com uma fide-
lidade quase perfeita.

fundamentalmente relacionadas por sua ancestralidade


compartilhada. Esta unidade fundamental dos organis-
mos vivos se reflete na similaridade das sequências gê-
nicas e nas estruturas proteicas.
Apesar dessas propriedades comuns, e da unidade fun-
damental da vida que elas mostram, é difícil fazer generali-
zações sobre os organismos vivos. A Terra tem uma enorme
diversidade de organismos. A variação de habitats, das fon-
tes termais à tundra do Ártico, dos intestinos animais aos
dormitórios das universidades, se combina com uma ampla
variação de adaptações bioquímicas específicas, alcançadas
dentro de uma estrutura química comum. Neste livro, para
uma maior clareza às vezes são feitas determinadas genera-
lizações, as quais, embora não perfeitas, se mostram úteis;
também com frequência são apresentadas exceções, as
quais podem se mostrar esclarecedoras.
A bioquímica descreve em termos moleculares as estru- FIGURA 1-2 Diferentes organismos vivos compartilham caracte-
turas, os mecanismos e os processos químicos compartilha- rísticas químicas comuns. Aves, animais selvagens, plantas e mi-
dos por todos os organismos e estabelece princípios de or- cro-organismos do solo compartilham com os humanos as mesmas
unidades estruturais básicas (células) e os mesmos tipos de macro-
ganização que são a base da vida em todas as suas diversas
moléculas (DNA, RNA, proteínas) compostas dos mesmos tipos de
formas, princípios esses referidos como a lógica molecular
subunidades monoméricas (nucleotídeos, aminoácidos). Eles uti-
da vida. Embora a bioquímica proporcione importantes in-
lizam as mesmas vias para a síntese dos componentes celulares,
formações e aplicações práticas na medicina, na agricultura, compartilham o mesmo código genético, e provêm dos mesmos
na nutrição e na indústria, sua preocupação final é com o ancestrais evolutivos. Na figura é mostrado um detalhe do “Jardim
milagre da vida em si. do Éden”, por Jan van Kessel Junior (1626-1679).
Princípios de Bioquímica de Lehninger 3

e hidrofóbica ao redor da célula. A membrana é uma barrei- O volume interno envolto pela membrana plasmática, o
ra para a passagem livre de íons inorgânicos e para a maioria citoplasma (Fig. 1-3), é composto por uma solução aquosa,
de outros compostos carregados ou polares. Proteínas de o citosol, e uma grande variedade de partículas em sus-
transporte na membrana plasmática permitem a passagem pensão com funções específicas. O citosol é uma solução
de determinados íons e moléculas; proteínas receptoras altamente concentrada que contém enzimas e as moléculas
transmitem sinais para o interior da célula; e enzimas de de RNA que as codificam; os componentes (aminoácidos e
membrana participam em algumas reações. Como os lipí- nucleotídeos) que formam estas macromoléculas; centenas
deos individuais e as proteínas da membrana não estão co- de moléculas orgânicas pequenas chamadas de metabóli-
valentemente ligados, toda a estrutura é extraordinariamen- tos, intermediários em rotas biossintéticas e degradativas;
te flexível, permitindo mudanças na forma e no tamanho da coenzimas, compostos essenciais em muitas reações catali-
célula. À medida que a célula cresce, novas moléculas de sadas por enzimas; íons inorgânicos; e estruturas macromo-
proteínas e de lipídeos são inseridas na membrana plasmá- leculares como os ribossomos, sítios de síntese proteica,
tica; a divisão celular produz duas células, cada uma com e os proteassomos, que degradam proteínas que a célula
sua própria membrana. O crescimento e a divisão celular não necessita mais.
(fissão) ocorrem sem perda da integridade da membrana. Todas as células possuem, pelo menos em alguma par-
te de sua vida, ou um núcleo ou um nucleoide, onde o
genoma – o conjunto completo de genes composto por
Núcleo (eucariotos) ou nucleoide DNA – é armazenado e replicado. O nucleoide, em bac-
(bactérias, arquibactérias)
Contém material genético – DNA e
térias e em arquibactérias, não é separado do citoplasma
proteínas associadas. O núcleo é por uma membrana; o núcleo, nos eucariotos, consiste
circundado por uma membrana. no material nuclear envolto por uma membrana dupla, o
envelope nuclear. As células com envelope nuclear com-
Membrana plasmática
põem o grande grupo dos Eukarya (do grego eu,“verdade”,
Bicamada lipídica resistente,
flexível. Seletivamente permeável e karyon, “núcleo”). Os micro-organismos sem envelope
a substâncias polares. Inclui nuclear, antigamente agrupados como procariotos (do
proteínas de membrana que grego pro, “antes”), são agora reconhecidos como perten-
atuam no transporte, centes a dois grupos muito diferentes, Bacteria e Archaea,
na recepção de sinal
e como enzimas. descritos a seguir.

As dimensões celulares são determinadas pela difusão


A maioria das células é microscópica, invisível a olho nu.
As células dos animais e das plantas têm um diâmetro de
50 a 100 μm, e muitos micro-organismos têm comprimento
de 1 a 2 μm (veja no verso da capa as informações sobre as
unidades e suas abreviaturas). O que limita as dimensões de
uma célula? O limite inferior provavelmente é determinado
Citoplasma pelo número mínimo de cada tipo de biomolécula requerido
Conteúdo celular aquoso pela célula. As menores células, certas bactérias conhecidas
e partículas e organelas como micoplasmas, têm diâmetro de 300 nm e um volume
em suspensão.
de cerca de 10-14 mL. Um único ribossomo bacteriano possui
20 nm na sua dimensão mais longa, de forma que poucos
centrifugação a 150.000 g ribossomos ocupam uma fração substancial do volume de
uma célula de micoplasma.
Sobrenadante: citosol
O limite superior de tamanho celular provavelmente é
Solução concentrada determinado pela taxa de difusão das moléculas de soluto
de enzimas, RNA, nos sistemas aquosos. Por exemplo, uma célula bacteria-
subunidades monoméricas, na que depende de reações de consumo de oxigênio para
metabólitos, íons
inorgânicos.
produção de energia deve obter oxigênio molecular, por
difusão, a partir do meio ambiente através de sua mem-
Sedimento: partículas e organelas
brana plasmática. A célula é tão pequena, e a relação en-
Ribossomos, grânulos de tre sua área de superfície e seu volume é tão grande, que
armazenamento, mitocôndrias, cada parte do seu citoplasma é facilmente alcançada pelo
cloroplastos, lisossomos, retículo O2 que se difunde para dentro dela. Com o aumento do
endoplasmático.
tamanho celular, no entanto, a relação superfície-volume
FIGURA 1-3 As características universais das células vivas. Todas diminui, até que o metabolismo consuma O2 mais rapida-
as células têm um núcleo ou nucleoide, uma membrana plasmática mente do que o que pode ser suprido por difusão. Assim, o
e o citoplasma. O citosol é definido como sendo a parte do cito- metabolismo que requer O2 torna-se impossível quando o
plasma que permanece no sobrenadante após rompimento suave tamanho da célula aumenta além de um determinado pon-
da membrana plasmática e centrifugação do extrato resultante a to, estabelecendo um limite superior teórico para o tama-
150.000 g por 1 hora. nho das células.
4 David L. Nelson & Michael M. Cox

Eukarya
Animais
Bactérias Entamebas
Bacteria verdes não Musgos
sulfurosas Archaea
Fungos
Bactérias
gram- Methanosarcina
Plantas
Methanobacterium
Protobactérias positivas Halófilos Ciliados
(bactérias púrpura) Thermoproteus Methanococcus
Pyrodictium Thermococcus
Cianobactérias celer Flagelados
Flavobactérias
Tricomonados

Thermotogales

Microsporídeos
Diplomonados

FIGURA 1-4 Filogenia dos três domínios da vida. As relações filo- ser construídas a partir de similaridades na sequência de amino-
genéticas são frequentemente ilustradas por uma “árvore genealó- ácidos de uma única proteína entre as espécies. Por exemplo, as
gica” deste tipo. A base para esta árvore é a similaridade na sequên- sequências da proteína GroEL (uma proteína bacteriana que atua
cia nucleotídica dos RNAs ribossomais de cada grupo; a distância no dobramento proteico) são comparadas para gerar a árvore da
entre os ramos representa o grau de diferença entre duas sequên- Fig. 3-32. A árvore da Figura 3-33 é uma árvore “consenso”, que
cias, sendo que, quanto mais similar for a sequência, mais próxima usa várias comparações como essas para fazer a melhor estimativa
é a localização dos ramos. As árvores filogenéticas também podem do relacionamento evolutivo de um grupo de organismos.

Existem três domínios distintos de vida lagos salgados, fontes termais, pântanos altamente ácidos e
as profundezas oceânicas. As evidências disponíveis suge-
Todos os organismos vivos se incluem em três grandes gru-
pos (domínios) que definem três ramos evolutivos a partir rem que Bacteria e Archaea divergiram cedo na evolução.
de um ancestral comum (Fig. 1-4). Dois grandes grupos Todos os organismos eucarióticos, que formam o terceiro
de micro-organismos unicelulares podem ser distinguidos domínio, Eukarya, evoluíram a partir do mesmo ramo que
em bases genéticas e bioquímicas: Bacteria e Archaea. As deu origem às Archaea; por isso, os eucariotos são mais re-
bactérias habitam o solo, as águas de superfície e os tecidos lacionados às arquibactérias do que às bactérias.
de organismos vivos ou em decomposição. Muitas das arqui- Dentro dos domínios Archaea e Bacteria existem sub-
bactérias, reconhecidas na década de 1980 por Carl Woese grupos identificados por seus habitats. No habitat aeróbico
como um domínio distinto, habitam ambientes extremos – com suprimento pleno de oxigênio, alguns organismos re-

Todos os organismos
Combustível
reduzido
Fototróficos Quimiotróficos Combustível
Fonte de (energia da luz) (energia da oxidação de combustíveis químicos) oxidado
energia
Litotróficos Organotróficos
(combustíveis (combustíveis
inorgânicos) orgânicos)

Fonte de Heterotróficos
Autotróficos (carbono de
carbono (carbono do CO2) compostos orgânicos)

Cianobactérias Bactérias púrpura Bactérias sulfurosas A maioria das bactérias


Plantas vasculares Bactérias verdes Bactérias hidrogênicas Todos os eucariotos
não fototróficos
Exemplos

FIGURA 1-5 Os organismos podem ser classificados de acordo com a fonte de energia (luz solar ou compostos químicos oxidáveis) e a fonte
de carbono usadas para a síntese do material celular.
Princípios de Bioquímica de Lehninger 5

sidentes obtêm energia pela transferência de elétrons das cos de massa molecular menor do que 1.000 (metabólitos
moléculas de combustível para o oxigênio. Outros ambien- e cofatores), e uma grande variedade de íons inorgânicos.
tes são anaeróbios, praticamente desprovidos de oxigênio,
e os micro-organismos adaptados a esses ambientes obtêm Ribossomos Os ribossomos bacterianos são menores
energia pela transferência de elétrons para o nitrato (for- do que os eucarióticos, mas têm a mesma função –
mando N2), o sulfato (formando H2S) ou o CO2 (formando síntese proteica a partir de uma mensagem de RNA.
CH4). Muitos organismos que evoluíram em ambientes ana-
Nucleoide Contém uma
eróbios são anaeróbios obrigatórios: eles morrem quando única molécula de DNA,
expostos ao oxigênio. Outros são anaeróbios facultativos, simples, longa e circular.
capazes de viver com ou sem oxigênio.
Podemos classificar os organismos de acordo com a Pili Produz
maneira como obtêm a energia e o carbono que necessi- pontos de
tam para sintetizar o material celular (conforme resumido adesão à
na Fig. 1-5). Existem duas amplas categorias com base superfície de
outras células.
nas fontes de energia: fototróficos (do grego trofe, “nu-
trição”), que captam e usam a luz solar, e quimiotrófi-
cos, que obtêm sua energia pela oxidação do combustível Flagelos
Propulsionam
químico. Alguns quimiotróficos, os litotróficos, oxidam a célula no
– 0
os combustíveis inorgânicos – por exemplo, HS a S (en- seu ambiente.
0 – – – 2 3
xofre elementar), S a SO 4, NO 2 a NO 3, ou Fe a Fe . Os
organotróficos oxidam uma ampla gama de compostos
orgânicos disponíveis em seu ambiente. Os fototróficos e
os quimiotróficos também podem ser divididos naqueles
que obtêm todo o carbono necessário do CO2 (autotró-
ficos) e nos que requerem nutrientes orgânicos (hete-
rotróficos). Envelope celular
A estrutura varia
com o tipo de
A Escherichia coli é a bactéria melhor estudada bactéria.
As células bacterianas compartilham determinadas caracte-
rísticas estruturais comuns, mas também mostram especia-
lizações grupo-específicas (Fig. 1-6). E. coli é usualmente
um habitante inofensivo do trato intestinal humano. A célu-
la de E. coli tem 2 μm de comprimento e um pouco menos
de 1 μm de diâmetro, possuindo uma membrana externa
protetora e uma membrana plasmática interna que envol-
ve o citoplasma e o nucleoide. Entre a membrana interna
e a externa existe uma fina, mas resistente, camada de um
polímero (peptidoglicano) que confere à célula sua forma Membrana externa Camada de
e rigidez. A membrana plasmática e as camadas externas a Camada de peptidoglicanos
ela constituem o envelope celular. Pode ser notado aqui peptidoglicanos Membrana interna
Membrana interna
Membrana interna
que, nas arquibactérias, a rigidez é conferida por um tipo
diferente de polímero (pseudopeptidoglicano). A membra-
na plasmática das bactérias consiste em uma bicamada fina
de moléculas lipídicas impregnadas de proteínas. As mem-
branas das arquibactérias têm uma arquitetura semelhante, Bactérias gram-negativas Bactérias gram-positivas
mas os lipídeos são surpreendentemente diferentes daque- Membrana externa; Sem membrana externa;
camada de peptidoglicanos camada de peptidoglicanos
les das bactérias (veja a Fig. 10-12). mais espessa
O citoplasma da E. coli contém cerca de 15.000 ribos-
somos, números variados de cópias (de 10 a milhares) de
1.000 diferentes enzimas, talvez 1.000 compostos orgâni-

FIGURA 1-6 Características estruturais comuns das células bacte-


rianas. Devido a diferenças na estrutura do envelope celular, algu-
mas bactérias (gram-positivas) retêm o corante de Gram (introdu-
zido por Hans Christian Gram em 1882), e outras (gram-negativas)
não. E. coli é gram-negativa. As cianobactérias são distinguidas por Cianobactérias Arquibactérias
Gram-negativas; camada Sem membrana externa;
seu extenso sistema de membranas internas, onde se localizam os de peptidoglicanos mais camada de peptidoglicanos
pigmentos fotossintéticos. Embora os envelopes das arquibactérias rígida; extenso sistema do lado de fora da
e das bactérias gram-positivas pareçam semelhantes ao microscó- de membranas internas membrana plasmática
pio eletrônico, a estrutura dos lipídeos de membrana e dos polissa- com pigmentos
carídeos é muito diferente (veja a Fig. 10-12). fotossintéticos
6 David L. Nelson & Michael M. Cox

O nucleoide contém uma única molécula de DNA circular, e e antibióticos ambientais. No laboratório, estes segmentos
o citoplasma (como na maioria das bactérias) contém seg- de DNA são sensíveis à manipulação experimental e são
mentos circulares de DNA chamados de plasmídios. Na ferramentas poderosas para a engenharia genética (veja o
natureza, alguns plasmídios conferem resistência a toxinas Capítulo 9).

(a) Célula animal


Os ribossomos são máquinas
de sintetizar proteínas
O peroxissomo oxida ácidos graxos

O citoesqueleto sustenta as células e


auxilia no movimento das organelas

O lisossomo degrada restos intracelulares


O transporte de vesículas faz o
trânsito de proteínas e lipídeos
entre o RE, o complexo de Golgi
e a membrana plasmática
O complexo de Golgi processa,
empacota e envia proteínas para
outras organelas ou para exportação

O retículo endoplasmático liso


(REL) é o local de síntese de
lipídeos e de metabolismo
de drogas

O envelope nuclear separa a O nucléolo é o local de síntese


cromatina (DNA ⫹ proteína) de RNA ribossomal
do citoplasma O núcleo contém os
O retículo endoplasmático
rugoso (RER) é o local de muita genes (cromatina)
A membrana plasmática separa a síntese proteica
célula do meio e regula o movimento Envelope
dos materiais para dentro e para nuclear Ribossomos Citoesqueleto
fora da célula
A mitocôndria oxida os
combustíveis para produzir ATP

Complexo
de Golgi
O cloroplasto absorve a luz solar
e produz ATP e carboidratos

Os grânulos de amido armazenam


temporariamente os carboidratos
produzidos na fotossíntese

As tilacoides são locais de


síntese de ATP movida pela luz
A parede celular dá forma e
rigidez, protegendo a célula
da intumescência osmótica

O vacúolo degrada e recicla


macromoléculas e armazena
metabólitos Parede celular de
O plasmodesma permite
células adjacentes
a comunicação entre duas
células vegetais O glioxissomo contém enzimas
do ciclo do glioxilato

(b) Célula vegetal


FIGURA 17 Estrutura da célula eucariótica. Ilustrações esquemá- As estruturas marcadas em vermelho são exclusivas das células
ticas dos dois principais tipos de célula eucariótica: (a) uma célula animais ou vegetais. Os micro-organismos eucarióticos (como pro-
animal representativa e (b) uma célula vegetal representativa. As tistas e fungos) têm estruturas semelhantes às das células animais e
células vegetais geralmente têm um diâmetro de 10 a 100 ␮m – vegetais, mas muitos também possuem organelas especializadas,
maiores do que as células animais, que variam entre 5 e 30 ␮m. não ilustradas aqui.
Princípios de Bioquímica de Lehninger 7

A maioria das bactérias (incluindo E. coli) existe como bém possuem vacúolos e cloroplastos (Fig. 1-7). No citoplas-
células individuais, mas as células de algumas espécies bacte- ma de muitas células estão presentes também grânulos ou
rianas (p.ex., as mixobactérias) mostram um comportamento gotículas contendo nutrientes armazenados como amido e
social simples, formando agregados multicelulares. gordura.
Em um avanço importante na bioquímica, Albert
As células eucarióticas possuem uma grande variedade Claude, Christian de Duve e George Palade desenvolveram
métodos para separar as organelas do citosol e umas das
de organelas membranares, que podem ser isoladas para outras – uma etapa essencial na investigação de suas estru-
estudo turas e funções. Em um processo de fragmentação típico
As células eucarióticas típicas (Fig. 1-7) são muito maiores (Fig. 1-8), as células ou os tecidos em solução são suave-
do que as bactérias – em geral de 5 a 100 μm de diâmetro, mente rompidos por cisalhamento físico. Este tratamento
com um volume de mil a um milhão de vezes maior do que rompe a membrana plasmática, mas deixa intacta a maioria
o das bactérias. As características que distinguem os euca- das organelas. O homogeneizado é então centrifugado; or-
riotos são o núcleo e uma grande variedade de organelas en- ganelas como núcleo, mitocôndria e lisossomos diferem em
voltas por membranas com funções específicas: mitocôndria, tamanho e por isso sedimentam em velocidades diferentes.
retículo endoplasmático, complexo de Golgi, peroxissomos e A centrifugação diferencial resulta em um fracionamen-
lisossomos. Além dessas organelas, as células vegetais tam- to preliminar do conteúdo citoplasmático, que pode ser pos-

FIGURA 1-8 Fracionamento subcelular de tecidos. Um tecido


como o hepático é homogeneizado mecanicamente para romper
as células e dispersar seu conteúdo em um tampão aquoso. O
meio com sacarose tem uma pressão osmótica semelhante à das
organelas, equilibrando assim a difusão da água para dentro e
para fora das organelas, as quais intumesceriam e estourariam
em uma solução de osmolaridade mais baixa (veja a Fig. 2-12).
(a) As partículas grandes e pequenas em suspensão podem ser
separadas por centrifugação em diferentes velocidades, ou (b) as
partículas de diferentes densidades podem ser separadas por cen-
trifugação isopícnica, na qual se enche o tubo de centrífuga com
(a) Centrifugação uma solução cuja densidade aumenta do topo para o fundo; um
diferencial soluto como a sacarose é dissolvido em diferentes concentrações
para produzir o gradiente de densidade. Quando uma mistura
Homogeneização de organelas for colocada no topo do gradiente de densidade e
do tecido
o tubo for centrifugado a alta velocidade, as organelas sedimen-
tam até que sua densidade de flutuação se iguale à do gradiente.
Centrifugação a baixa velocidade
(1.000 g, 10 min)
Cada camada pode ser coletada separadamente.
(b) Centrifugação
▲▲

▲ isopícnica (em

▲❚

densidade de sacarose)

Sobrenadante centrifugado


▲ a velocidade média
❚ ▲

❚▲ ▲


▲❚

(20.000 g, 20 min)


❚ ❚


▲ ❚ Centrifugação

▲ ▲ ❚▲ ❚

Sobrenadante


▲ ❚


centrifugado a


❚ ❚

velocidade alta

Homogeneizado ❚
▲ ❚▲ (80.000 g, 1 h)
de tecido


▲ ❚ ❚ ❚

▲ ❚
▲ Sobrenadante
▲❚



▲ centrifugado

▲ ❚

a velocidade
❚ muito alta

Sedimento contém

células inteiras, ❚
❚ (150.000 g, 3 h)
núcleos,


citoesqueleto,


membrana Amostra
▲▲
▲ ▲


plasmática
Sedimento Gradiente
contém de sacarose
mitocôndrias,
lisossomos, Sobrenadante
peroxissomos ❚ ❚ ❚ contém

❚❚❚❚

Componente
❚❚

proteínas

menos denso
Sedimento solúveis
contém Fracionamento
microssomos Componente
(fragmentos de RE), mais denso
pequenas
vesículas
Sedimento contém
ribossomos, macromolé-
culas grandes 8 7 6 5 4 3 2 1
8 David L. Nelson & Michael M. Cox

teriormente purificado por centrifugação isopícnica (“mesma e forma à célula. Os filamentos de actina e os microtúbulos
densidade”). Neste procedimento, as organelas com diferen- também auxiliam na produção de movimento das organelas
tes densidades de flutuação (resultantes de razões diferentes e da célula inteira.
entre lipídeo e proteína em cada tipo de organela) são sepa- Cada tipo de componente do citoesqueleto é compos-
radas por centrifugação por meio de uma coluna de solven- to por subunidades proteicas simples que se associam de
te com gradiente de densidade. Pela remoção cuidadosa do forma não covalente para formar filamentos de espessura
material de cada região do gradiente e observação ao micros- uniforme. Estes filamentos não são estruturas permanentes,
cópio, o bioquímico pode estabelecer a posição de sedimen- sendo submetidos a constante desmontagem em suas subu-
tação de cada organela e obter organelas purificadas para nidades e remontagem novamente em filamentos. Sua loca-
estudo posterior. Esses métodos foram utilizados para esta- lização na célula não é fixa, podendo mudar drasticamen-
belecer, por exemplo, que os lisossomos contêm enzimas de- te com a mitose, a citocinese, o movimento ameboide ou
gradativas, as mitocôndrias contêm enzimas oxidativas, e os mudanças na forma celular. A montagem, a desmontagem e
cloroplastos contêm pigmentos fotossintéticos. O isolamento a localização de todos os tipos de filamentos são reguladas
de uma organela enriquecida em determinada enzima com por outras proteínas, as quais servem para ligar ou reunir
frequência é a primeira etapa na purificação dessa enzima. os filamentos ou para mover as organelas citoplasmáticas
ao longo deles. O quadro que emerge desta breve visão da
O citoplasma é organizado pelo citoesqueleto e é estrutura da célula eucariótica é o de uma célula com uma
trama de fibras estruturais e um sistema complexo de com-
altamente dinâmico partimentos envoltos por membranas (Fig. 1-7). Os filamen-
A microscopia de fluorescência revela vários tipos de fi- tos se desmontam e se remontam em outro lugar. As vesícu-
lamentos proteicos atravessando a célula eucariótica em las membranares brotam de uma organela e se fundem com
várias direções, formando uma rede tridimensional inter- outra. As organelas se movem pelo citoplasma ao longo de
ligada, o citoesqueleto. Existem três tipos gerais de fila- filamentos proteicos, e seu movimento é impulsionado por
mentos citoplasmáticos – filamentos de actina, microtúbu- proteínas motoras dependentes de energia. O sistema de
los e filamentos intermediários (Fig. 1-9) – que diferem em endomembranas segrega processos metabólicos específi-
largura (de 6 a 22 nm), composição, e função específica. To- cos e provê superfícies sobre as quais ocorrem determina-
dos os tipos conferem estrutura e organização ao citoplasma das reações catalisadas por enzimas. A exocitose e a endo-

(a) (b)
FIGURA 1-9 Os três tipos de filamentos do citoesqueleto: fila- vermelho; os microtúbulos, irradiando a partir do centro da célu-
mentos de actina, microtúbulos e filamentos intermediários. As la, estão marcados em verde; e os cromossomos (no núcleo) estão
estruturas celulares podem ser marcadas com um anticorpo (que marcados em azul. (b) Uma célula de pulmão de salamandra em
reconheça uma determinada proteína) covalentemente ligado a um mitose. Os microtúbulos (em verde) ligados a estruturas chamadas
composto fluorescente. As estruturas marcadas são visíveis quan- de cinetócoros (em amarelo) sobre os cromossomos condensados
do a célula é observada sob um microscópio de fluorescência. (a) (em azul) puxam os cromossomos para polos opostos, ou centros-
Células endoteliais da artéria pulmonar bovina. Feixes de filamen- somos (em magenta), da célula. Os filamentos intermediários, for-
tos de actina denominados “fibras de estresse” estão marcados em mados de queratina (em vermelho), mantêm a estrutura da célula.
Princípios de Bioquímica de Lehninger 9

citose, mecanismos de transporte (para fora e para dentro As interações entre o citoesqueleto e as organelas são não
da célula, respectivamente) que envolvem fusão e fissão de covalentes, reversíveis e sujeitas à regulação em resposta a
membranas, produzem vias entre o citoplasma e o meio cir- vários sinais intra e extracelulares.
cundante, permitindo a secreção de substâncias produzidas
na célula e a captação de materiais extracelulares. As células constroem estruturas supramoleculares
Esta organização do citoplasma, embora complexa, está
longe de ser aleatória. O movimento e o posicionamento das As macromoléculas e suas subunidades monoméricas di-
organelas e dos elementos do citoesqueleto estão sob uma ferem muito em tamanho (Fig. 1-10). Uma molécula de
regulação firme, e uma célula eucariótica é submetida, em alanina tem menos de 0,5 nm de comprimento. Uma molé-
determinados estágios da vida, a reorganizações dramáti- cula de hemoglobina, a proteína transportadora de oxigênio
cas conduzidas com exatidão, como nos eventos da mitose. dos eritrócitos (células vermelhas do sangue), consiste em
subunidades contendo cerca de 600 resíduos de aminoáci-
dos em quatro longas cadeias, dobradas em forma globular
(a) Alguns dos aminoácidos das proteínas
e associadas em uma estrutura de 5,5 nm de diâmetro. As
proteínas, por sua vez, são muito menores do que os ribos-
  
COO COO COO somos (cerca de 20 nm de diâmetro), os quais, por sua vez,
  
H 3N C H H 3N C H H 3N C H
são menores do que organelas como as mitocôndrias, que
têm 1.000 nm de diâmetro. É um grande salto das biomolé-
CH3 CH2OH CH2 culas simples às estruturas celulares que podem ser vistas
 ao microscópio óptico. A Figura 1-11 ilustra a hierarquia
Alanina Serina COO
estrutural na organização celular.
Aspartato
As subunidades monoméricas das proteínas, dos áci-

COO
 dos nucleicos e dos polissacarídeos são unidas por ligações
COO
  
COO
H 3N C H H 3N C H  FIGURA 1-10 Os compostos orgânicos a partir dos quais é formada
H 3N C H a maior parte dos materiais celulares: o ABC da bioquímica. Estão
CH2 CH2
NH CH2 mostrados aqui (a) seis dos 20 aminoácidos que formam todas as
C
CH proteínas (as cadeias laterais estão sombreadas em cor-de-rosa); (b)
SH as cinco bases nitrogenadas, os dois açúcares de cinco carbonos e
HC 
NH
Cisteína os íons fosfato que formam os ácidos nucleicos; (c) os cinco compo-
OH Histidina nentes dos lipídeos de membrana; e (d) D-glicose, o açúcar simples
Tirosina
que origina a maioria dos carboidratos. Observe que o fosfato é um
componente dos ácidos nucleicos e dos lipídeos de membrana.
(b) Os componentes dos ácidos nucleicos (c) Alguns componentes dos lipídios

O O
NH2 COO COO CH2OH
C C CH3 CH2 CH2 CHOH
HN CH HN C N CH
CH2 CH2 CH2OH
C CH C CH C CH Glicerol
O N O N O N CH2 CH2
H H H
CH2 CH2
Uracil Timina Citosina CH3
CH2 CH2 
CH3 N CH2CH2OH
NH2 O CH2 CH2
CH3
C C O CH2 CH2 Colina
N N
N C HN C CH CH2
CH CH HO P OH
HC C C C CH CH2
N N H2N N N O
H H
Fosfato CH2 CH2
Adenina Guanina (d) O açúcar de origem
CH2 CH2
Bases nitrogenadas
CH2 CH2
HOCH2 O H HOCH2 O CH2 CH2 CH 2OH
H
H H CH2 CH2 O
H H H H
H OH H
H OH CH2 CH3 OH H
OH OH OH H Palmitato HO OH
CH2
␣-D-Ribose H OH
2-desoxi-␣-D-ribose CH3
Açúcares de cinco carbonos Oleato ␣-D-Glicose
10 David L. Nelson & Michael M. Cox

Nível 4: Nível 3: Nível 2: Nível 1:


A célula e Complexos Macromoléculas Unidades
suas organelas supramoleculares monoméricas
NH2
Nucleotídeos N
DNA
O
O N

O P O CH2 O
O
H H
H H
OH H
Cromatina
Aminoácidos

H

H3N C COO
Proteína CH3

Membrana
plasmática Celulose
OH
CH 2 O
H
H H OH
OH
HO OH
H

Açúcares CH
2 OH
H
Parede celular O

FIGURA 1-11 Hierarquia estrutural na organização molecular das células. O núcleo desta célula vegetal é uma organela que contém
vários tipos de complexos supramoleculares, incluindo cromatina. A cromatina consiste em dois tipos de macromoléculas, DNA e muitas
proteínas diferentes, sendo cada uma delas formada por subunidades simples.

covalentes. Nos complexos supramoleculares, contudo, as go da célula. Em resumo, uma dada molécula pode ter um
macromoléculas são unidas por interações não covalentes comportamento muito diferente na célula e in vitro. Um de-
– individualmente muito mais fracas do que as covalentes. safio central na bioquímica é entender as influências da orga-
Entre estas interações estão as ligações de hidrogênio (en- nização celular e das associações macromoleculares sobre a
tre grupos polares), as interações iônicas (entre grupos car- função das enzimas individuais e outras biomoléculas – para
regados), as interações hidrofóbicas (entre grupos apolares entender a função in vivo assim como in vitro.
em solução aquosa) e as interações de van der Waals (forças
de London) – todas elas com energia muito menor do que as RESUMO 1.1 Fundamentos celulares
ligações covalentes. Essas interações são descritas no Capí- ■ Todas as células são delimitadas por uma membrana
tulo 2. O grande número de interações fracas entre as ma- plasmática, tendo um citosol contendo metabólitos, co-
cromoléculas em complexos supramoleculares estabilizam enzimas, íons inorgânicos e enzimas, possuindo um con-
essas agregações, gerando suas estruturas singulares. junto de genes contidos dentro de um nucleoide (bacté-
rias e arquibactérias) ou de um núcleo (eucariotos).
Estudos in vitro podem omitir interações importantes ■ Os fototróficos usam a luz do sol para realizar trabalho;
entre moléculas os quimiotróficos oxidam combustíveis, transferindo
elétrons para bons aceptores: compostos inorgânicos,
Uma abordagem para o entendimento de um processo bioló-
compostos orgânicos ou oxigênio molecular.
gico é o estudo in vitro de moléculas purificadas (“no vidro”
– no tubo de ensaio), sem a interferência de outras molécu- ■ As células de bactérias e de arquibactérias contêm cito-
las presentes na célula intacta – isto é, in vivo (“no vivo”). sol, um nucleoide e plasmídeos. As células eucarióticas
Embora esta abordagem seja muito esclarecedora, deve-se têm um núcleo e são multicompartimentalizadas, com
considerar que o interior de uma célula é totalmente diferen- determinados processos segregados em organelas es-
te do interior de um tubo de ensaio. Os componentes “inter- pecíficas; as organelas podem ser separadas e estuda-
ferentes” eliminados na purificação podem ser críticos para a das isoladamente.
função biológica ou para a regulação da molécula purificada. ■ As proteínas do citoesqueleto se organizam em longos
Por exemplo, estudos in vitro de enzimas puras são comu- filamentos que dão forma e rigidez às células e servem
mente realizados com concentrações muito baixas da enzima como trilhos ao longo dos quais as organelas celulares
em soluções aquosas sob agitação. Na célula, uma enzima se deslocam por toda a célula.
está dissolvida ou suspensa em um citosol com consistência ■ Complexos supramoleculares são mantidos unidos por
gelatinosa junto com milhares de outras proteínas, sendo que interações não covalentes e formam uma hierarquia
algumas delas se ligam à enzima e influenciam sua atividade. de estruturas, algumas delas visíveis ao microscópio
Algumas enzimas são componentes de complexos multienzi- óptico. Quando moléculas individuais são removidas
máticos nos quais os reagentes passam de uma enzima para destes complexos para serem estudadas in vitro, al-
a outra, sem interagir com o solvente. A difusão é dificultada gumas interações, importantes na célula viva, podem
no citosol gelatinoso, e a composição citosólica varia ao lon- ser perdidas.
Princípios de Bioquímica de Lehninger 11

1 2 FIGURA 1-12 Elementos essenciais para a


H He
vida e a saúde animal. Os elementos princi-
3 4 Elementos principais 5 6 7 8 9 10 pais (em laranja) são componentes estruturais
Li Be Elementos-traço B C N O F Ne
das células e dos tecidos e são requeridos na
11 12 13 14 15 16 17 18 dieta em uma quantidade de vários gramas
Na Mg Al Si P S Cl Ar
por dia. Para os elementos-traço (em amarelo
19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 brilhante) as quantidades requeridas são mui-
K Ca Sc Ti V Cr Mn Fe Co Ni Cu Zn Ga Ge As Se Br Kr
to menores: para humanos, alguns miligramas
37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54
por dia de ferro, cobre e zinco são suficientes,
Rb Sr Y Zr Nb Mo Tc Ru Rh Pd Ag Cd In Sn Sb Te I Xe
e quantidades ainda menores dos demais ele-
55 56 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86
mentos. As necessidades mínimas para plan-
Cs Ba Hf Ta W Re Os Ir Pt Au Hg Tl Pb Bi Po At Rn
tas e micro-organismos são similares às mos-
87 88
Fr Ra
Lantanídeos tradas aqui; o que varia são as maneiras pelas
Actinídeos quais eles adquirem estes elementos.

1.2 Fundamentos químicos são hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e carbono, que juntos
constituem mais de 99% da massa das células. Eles são os
A bioquímica tenta explicar as formas e as funções bioló- elementos mais leves capazes de formar eficientemente
gicas em termos químicos. No final do século XVIII, os quí- uma, duas, três e quatro ligações; em geral, os elementos
micos concluíram que a composição da matéria viva é im- mais fracos formam as ligações mais fortes. Os elemen-
pressionantemente diferente daquela do mundo inanimado. tos-traço (Fig. 1-12) representam uma fração minúscula
Antoine-Laurent Lavoisier (1743-1794) percebeu a relativa do peso do corpo humano, mas todos são essenciais à vida,
simplicidade do “mundo mineral” e contrastou-a com a com- geralmente por serem essenciais para a função de proteí-
plexidade dos “mundos animal e vegetal”. Estes últimos ele nas específicas, incluindo muitas enzimas. A capacidade de
sabia serem constituídos de compostos ricos nos elementos transporte de oxigênio da hemoglobina, por exemplo, é to-
carbono, oxigênio, nitrogênio e fósforo. talmente dependente de quatro íons de ferro, que somados
Durante a primeira metade do século XX, investigações representam somente 0,3% da massa total.
bioquímicas conduzidas em paralelo sobre a oxidação da gli-
cose em leveduras e células de músculo animal revelaram
similaridades químicas marcantes nestes dois tipos celulares
Biomoléculas são compostos de carbono com uma grande
aparentemente muito distintos, indicando que a queima da variedade de grupos funcionais
glicose em leveduras e células musculares envolve os mesmos A química dos organismos vivos está organizada em torno
10 intermediários químicos e as mesmas 10 enzimas. Estudos do carbono, que contribui em mais da metade do peso seco
subsequentes de muitos outros processos químicos em dife- das células. O carbono pode formar ligações simples com
rentes organismos confirmaram a generalidade desta observa- átomos de hidrogênio, assim como ligações simples e duplas
ção, resumida em 1954 por Jacques Monod: “O que vale para com átomos de oxigênio e nitrogênio (Fig. 1-13). A capaci-
a E. coli também vale para um elefante”. A atual compreensão dade dos átomos de carbono de formar ligações simples es-
de que todos os organismos têm uma origem evolutiva comum táveis com até quatro outros átomos de carbono é de grande
tem como base em parte esta observação, de que todos parti- importância na biologia. Dois átomos de carbono também
cipam dos mesmos processos e intermediários químicos, o que podem compartilhar dois (ou três) pares de elétrons, for-
muitas vezes é denominado unidade bioquímica. mando assim ligações duplas (ou triplas).
Menos de 30 entre os mais de 90 elementos químicos As quatro ligações simples que podem ser formadas
de ocorrência natural são essenciais para os organismos. A pelo átomo de carbono se projetam a partir do núcleo for-
maioria dos elementos da matéria viva tem um número atô- mando os quatro vértices de um tetraedro (Fig. 1-14), com
mico relativamente baixo; somente dois possuem números um ângulo de aproximadamente 109,5° entre duas ligações
atômicos maiores que o selênio, 34 (Fig. 1-12). Os quatro quaisquer e tendo um comprimento médio de ligação de
elementos químicos mais abundantes nos organismos vivos, 0,154 nm. A rotação é livre em torno de cada ligação sim-
em termos de porcentagem do total de número de átomos, ples, a menos que grupos muito grandes ou altamente car-

C  H C H C H C  N C N C N

C  O C O C O C  C C C C C
FIGURA 1-13 A versatilidade do
carbono em formar ligações. O
C  O C O C O C  C C C C C carbono pode formar ligações co-
valentes simples, duplas e triplas
(indicadas em vermelho), particu-
C  N C N C N C  C C C C C larmente com outros átomos de
carbono. Ligações triplas são raras
em biomoléculas.
12 David L. Nelson & Michael M. Cox

(a) (b) (c)


X
A 120
109,5 C
C C
C
C Y
109,5 B

FIGURA 1-14 Geometria da ligação do carbono. (a) Os átomos de (CH3—CH3). (c) Ligações duplas são mais curtas e não permitem
carbono têm um arranjo tetraédrico bem característico para suas rotação. Os dois carbonos ligados por ligação dupla e os átomos
quatro ligações simples. (b) A ligação simples carbono-carbono designados por A, B, X e Y estão todos no mesmo plano rígido.
tem liberdade de rotação, como mostrado para o composto etano

H H H
Metil R C H Éter R1 O R2 Guanidina R N C N
H 
N H
H H
H H
Etil R C C H Éster R1 C O R2 Imidazol R C CH

H H O HN N:
C
H
H H
C C H
Fenil R C CH Acetil R O C C H Sulfidril R S H
C C O H
H H

Carbonil R C H Anidrido R1 C O C R2 Dissulfeto R1 S S R2


(aldeído) (dois ácidos
O O O
carboxílicos)

H
Carbonil R 1
C R 2
Amino R N H Tioéster R1 C S R2
(cetona) (protonado)
O H O

H O
Carboxil R C O Amida R C N Fosforil R O P OH
O H O
O

H
N O O
1 2 1
Hidroxil R O H Imina R C R Fosfoanidrido R O P O P O R2
(álcool)
O O

O H H O
R3
Enol R C C Imina N- Anidrido misto R C O P OH
substituída N (de ácido carboxílico
H H O O
(base de e ácido fosfórico;
R1 C R2
Schiff) também chamado
de acil-fosfato)
FIGURA 1-15 Alguns grupos funcionais comuns de biomolécu- de hidrogênio, mas tipicamente será um grupo contendo carbono.
las. Nesta figura e em todo o livro, será usado R para representar Quando dois ou mais substituintes são mostrados em uma molécu-
“qualquer substituinte”. Ele pode ser tão simples como um átomo la, serão designados como R1, R2 e assim por diante.
Princípios de Bioquímica de Lehninger 13

regados estejam ligados aos átomos de carbono. Neste caso, aquosa (citosol) das células, que são os metabólitos centrais
a rotação pode ser limitada. Já a ligação dupla é mais curta das rotas metabólicas principais que ocorrem em quase to-
(cerca de 0,134 nm) e rígida, permitindo somente uma rota- das as células – isto é, os metabólitos e as rotas que foram
ção limitada em torno do seu eixo. conservados durante o curso da evolução (veja o Quadro
Átomos de carbono covalentemente ligados em bio- 1-1 para uma explicação das várias maneiras de se referir ao
moléculas podem formar cadeias lineares, ramificadas e peso molecular). Esta coleção de moléculas inclui os amino-
estruturas cíclicas. Aparentemente a versatilidade de liga- ácidos comuns, nucleotídeos, açúcares e seus derivados fos-
ção do carbono, consigo mesmo e com outros elementos, forilados e ácidos mono, di e tricarboxílicos. As moléculas
foi o principal fator na seleção dos compostos de carbono são polares ou carregadas, solúveis em água e presentes em
para a maquinaria molecular das células durante a origem e concentrações de micromolar a milimolar. Elas estão apri-
a evolução dos organismos vivos. Nenhum outro elemento sionadas no interior das células porque a membrana plas-
químico consegue formar moléculas com tanta diversidade mática é impermeável a elas – embora transportadores de
de tamanhos, formas e composição. membrana específicos possam catalisar o deslocamento de
A maioria das biomoléculas pode ser considerada como algumas moléculas para dentro e para fora da célula ou en-
derivada dos hidrocarbonetos, tendo átomos de hidrogênio tre compartimentos nas células eucarióticas. A ocorrência
substituídos por uma grande variedade de grupos funcionais universal dos mesmos conjuntos de compostos nas células
que conferem propriedades químicas específicas à molécula, vivas reflete a conservação evolutiva das rotas metabólicas
formando várias famílias de compostos orgânicos. Exemplos que se desenvolveram nas células primitivas.
típicos destas biomoléculas são os álcoois, que têm um ou Existem outras biomoléculas pequenas, específicas
mais grupos hidroxil; aminas, com grupos amina; aldeídos para certos tipos de células ou organismos. Por exemplo,
e cetonas, com grupos carbonil; e ácidos carboxílicos, com plantas vasculares contêm, além dos conjuntos comuns, mo-
grupos carboxil (Fig. 1-15). Muitas biomoléculas são poli- léculas pequenas chamadas de metabólitos secundários,
funcionais, contendo dois ou mais tipos de grupos funcionais que exercem papéis específicos para a vida da planta. Estes
(Fig. 1-16), cada qual com suas características químicas e metabólitos incluem compostos que conferem às plantas
de reação. A “personalidade” química de um composto é de- seus aromas característicos e compostos como a morfina, a
terminada pela química de seu grupo funcional e pela sua quinina, a nicotina e a cafeína, que são importantes devido
disposição no espaço tridimensional. aos seus efeitos fisiológicos em humanos, mas usados para
outras finalidades nas plantas.
O conjunto de pequenas moléculas em uma dada célula
As células contêm um conjunto de pequenas moléculas tem sido chamado de metaboloma da célula, em analogia
Existe uma coleção de aproximadamente mil moléculas ao termo “genoma” (definido anteriormente e explicado na
orgânicas diferentes (Mr ~100 a ~500) dissolvidas na fase Seção 1-5).

amino

NH2
A
tipo imidazol
fosfoanidrido C
N E N
H CH3 O O C N
tioéster amida
A A A A
amida HC B A
CH3OC OSOCH2OCH2ONHOCOCH2OCH2ONHOCOCOOCO CH2OOOPOOOPOOOCH2 C CH
N H K
B B B A A B B N
O O O OH CH3 O O O
HC CH
hidroxil
HC CH
O OH
A

OOP PO
A fosforil
OH

Acetil-coenzima A

FIGURA 1-16 Vários grupos funcionais comuns em uma única cionais podem existir nas formas protonadas ou não protonadas,
biomolécula. Acetil-coenzima A (frequentemente abreviada como dependendo do pH. No modelo de volume atômico, N é azul, C é
acetil-CoA) é uma carreadora de grupos acetil em algumas reações preto, P é laranja, O é vermelho e H é branco. O átomo amarelo no
enzimáticas. Os grupos funcionais são mostrados na fórmula es- lado esquerdo é o enxofre da ligação tioéster, que é importante na
trutural. Como será visto no Capítulo 2, alguns destes grupos fun- mediação entre a parte acetil e coenzima A.
14 David L. Nelson & Michael M. Cox

QUADRO 11 Peso molecular, massa molecular e suas unidades corretas


Há duas maneiras comuns (e equivalentes) para descrever mas- Considere, por exemplo, uma molécula com uma massa de
sa molecular, e ambas são usadas neste texto. A primeira é peso 1.000 vezes a da água. Pode-se dizer que esta molécula possui
molecular, ou massa molecular relativa, denominada Mr. O Mr  18.000 ou m  18.000 dáltons. Pode-se também descre-
peso molecular da substância é definido como a relação da mas- vê-la como “uma molécula com 18 kDa”. Entretanto, a expres-
sa da molécula da substância para um-duodécimo da massa do são Mr  18.000 dáltons é incorreta.
12
carbono-12 ( C). Visto que Mr é uma razão, ela é adimensional Outra unidade conveniente para descrever a massa de um
– não tem unidades associadas. A segunda é a massa molecu- único átomo ou molécula é a unidade de massa atômica (an-
lar, denotada por m, que é simplesmente a massa da molécu- teriormente denominada u.m.a., agora geralmente descrita
la, ou a massa molar, dividida pelo número de Avogadro. Esta como u). Uma unidade de massa atômica (1 u) é definida como
massa molecular, m, é expressa em dáltons (abreviado Da). Um um-duodécimo da massa do átomo do carbono-12. Experimen-
dálton é equivalente a um-duodécimo da massa do carbono-12; talmente, a medida da massa de um átomo de carbono-12 é
1,9926  10 g, então 1 u  1,6606  10 g. A unidade de
–23 –24
um kilodálton (kDa) é 1.000 dáltons; um megadálton (MDa) é
um milhão de dáltons. massa atômica é conveniente para descrever a massa do pico ob-
servado em espectrometria de massas (veja o Quadro 3-2).

As macromoléculas são os principais constituintes das moléculas; um catálogo de suas mais variadas funções seria
bem extenso. O conjunto das proteínas em funcionamento
células em uma dada célula é chamado de proteoma da célula. Os
Muitas moléculas biológicas são macromoléculas, políme- ácidos nucleicos, DNA e RNA, são polímeros de nucleotí-
ros com peso molecular acima de ~5.000, que são montadas a deos. Eles armazenam e transmitem a informação genética,
partir de precursores relativamente simples. Polímeros mais e algumas moléculas de RNA apresentam também função
curtos são chamados de oligômeros (oligos do grego, “pou- estrutural e catalítica em complexos supramoleculares. Os
cos”). Proteínas, ácidos nucleicos e polissacarídeos são ma- polissacarídeos, polímeros de açúcares simples como a
cromoléculas feitas de monômeros cujos pesos moleculares glicose, apresentam três funções principais: reservatórios
são 500 ou menos. A síntese de macromoléculas é a atividade de combustível de alto conteúdo energético, componentes
que mais consome energia nas células. As macromoléculas estruturais rígidos da parede celular (em plantas e bacté-
podem ainda sofrer processamentos adicionais que resultam rias) e elementos no reconhecimento extracelular que se
em complexos supramoleculares, formando unidades funcio- ligam a proteínas de outras células. Polímeros mais curtos
nais como os ribossomos. A Tabela 1-1 mostra as principais de açúcares (oligossacarídeos) ligados a proteínas ou lipí-
classes de biomoléculas em uma célula de E. coli. deos na superfície da célula servem como sinais celulares
As proteínas, que são polímeros longos de aminoáci- específicos. Os lipídeos, derivados de hidrocarbonetos in-
dos, constituem a maior fração (além da água) da célula. solúveis em água, servem como componentes estruturais
Algumas proteínas possuem atividade catalítica e funcio- das membranas, depósitos de combustível de alto conteúdo
nam como enzimas; outras servem como elementos estrutu- energético, pigmentos e sinais intracelulares.
rais, receptores de sinal, ou transportadores que carregam Proteínas, polinucleotídeos e polissacarídeos apresen-
substâncias específicas para dentro ou para fora das células. tam um grande número de subunidades monoméricas e
As proteínas são talvez as mais versáteis de todas as bio- como consequência alto peso molecular – na faixa de 5.000
até mais de 1 milhão para proteínas, até vários bilhões para
ácidos nucleicos e milhões para polissacarídeos como o ami-
do. Moléculas de lipídeos individuais são muito menores (Mr
Componentes moleculares de uma entre 750 e 1.500) e não são classificadas como macromolé-
TABELA 1-1
célula de E. coli culas, mas podem associar-se não covalentemente forman-
do estruturas muito grandes. Membranas celulares são for-
Número aproximado madas por grandes agregados não covalentes de moléculas
Porcentagem de espécies de lipídeos e proteínas.
do peso total moleculares Dadas as suas sequências características de subunida-
de célula diferentes des ricas em informação, proteínas e ácidos nucleicos são
Água 70 1 muitas vezes referidos como macromoléculas informa-
cionais. Alguns oligossacarídeos, como observado anterior-
Proteínas 15 3.000
mente, também servem como moléculas informacionais.
Ácidos nucleicos
DNA 1 1-4
RNA 6 > 3.000 A estrutura tridimensional é descrita pela configuração e
Polissacarídeos 3 10 pela conformação
Lipídeos 2 20 As ligações covalentes e os grupos funcionais das biomolé-
Subunidades monoméri- 2 500 culas são, obviamente, essenciais para o seu funcionamento,
cas e intermediárias como também é o arranjo dos constituintes atômicos das
Íons inorgânicos 1 20 moléculas no espaço tridimensional – isto é, sua estereo-
química. Um composto contendo carbono normalmente
Princípios de Bioquímica de Lehninger 15

existe como estereoisômeros, moléculas com as mesmas


ligações químicas, mas com diferentes configurações. In- O O⫺
terações entre biomoléculas são invariavelmente estereo- C
específicas, requerendo configurações específicas nas in- ⫹
terações moleculares. H3 N C H
A Figura 1-17 mostra três maneiras de ilustrar a este- H C H
reoquímica, ou configuração, das moléculas simples. O dia-
grama em perspectiva especifica a estereoquímica de forma H
inequívoca, mas o ângulo das ligações e os comprimentos
das ligações centro-a-centro são melhor representados pe-
los modelos de esfera e vareta. No modelo de volume atô- (a) (b) (c)
mico, o raio de cada “átomo” é proporcional ao seu raio de
FIGURA 117 Representações de moléculas. Três maneiras para
van der Waals, e os contornos do modelo definem o espaço representar a estrutura do aminoácido alanina (mostrado na forma
ocupado pela molécula (o volume do espaço no qual os áto- iônica encontrada em pH neutro). (a) Fórmula estrutural em pers-
mos das outras moléculas estão excluídos). pectiva: uma cunha sólida ( ) representa uma ligação na qual o
A configuração é conferida pela presença de (1) liga- átomo se projeta para fora do plano do papel, na direção do lei-
ções duplas, em torno das quais não há liberdade de rota- tor; a cunha tracejada ( ) representa a ligação estendida para trás
ção, ou pela presença de (2) centros quirais, em torno dos do plano do papel. (b) o modelo de esfera e vareta, mostrando os
quais grupos substituintes são arranjados em uma orien- comprimentos relativos das ligações e os ângulos das ligações. (c)
tação específica. A característica que permite identificar modelo de volume atômico, no qual cada átomo é mostrado com
estereoisômeros é o fato de não poderem ser interconver- seu raio de van der Waals relativo correto.
tidos sem quebrar temporariamente uma ou mais ligações
covalentes. A Figura 1-18a mostra a configuração do ácido
maleico e seu isômero, ácido fumárico. Estes compostos são lado” – grupos com mesmo lado de ligações duplas; trans,
isômeros geométricos, ou isômeros cis-trans, que di- “através de” – grupos em lados opostos). O ácido maleico
ferem no arranjo de seus grupos substituintes com respei- (malato no pH neutro do citoplasma) é o isômero cis, e o
to à ligação dupla rígida (não rotante) (do latim cis, “neste ácido fumárico (fumarato), o isômero trans; cada um dos
compostos é bem definido e eles podem ser separados um
do outro, cada um possuindo propriedades químicas únicas.
Um sítio de ligação (em uma enzima, p.ex.) que é comple-
mentar a uma destas moléculas não será complementar à

FIGURA 118 Configuração de isômeros geométricos. (a) Isôme-


ros como o ácido maleico (maleato em pH 7) e o ácido fumárico
(fumarato) não podem ser interconvertidos sem quebrar ligações
H H HOOC H covalentes, o que requer o gasto de muito mais energia do que
G D G D a média da energia cinética das moléculas a temperaturas fisioló-
CPC CPC
D G D G gicas. (b) Na retina dos vertebrados, o evento inicial na detecção
HOOC COOH H COOH
de luz é a absorção da luz visível pelo 11-cis-retinal. A energia da
Ácido maleico (cis) Ácido fumárico (trans)
luz absorvida (em torno de 250 kJ/mol) converte 11-cis-retinal em
(a) retinal todo trans, provocando mudanças na célula da retina, o que
desencadeia o impulso nervoso. (Note que os átomos de hidrogê-
nio são omitidos nos modelos de esfera e vareta.)

CH3 CH3 CH3 O


CH3 CH3 CH3 CH3 J
GD GD
11 11
9 luz 9 C
12 G
10 10 12 H
CH3 CH3 CH3
C
J G
O H
11-cis-Retinal Retinal todo trans
(b)
16 David L. Nelson & Michael M. Cox

Molécula Molécula
Imagem quiral: a Imagem não quiral:
especular A molécula especular A a molécula
da molécula rotada não da molécula rotada pode
original pode ser original ser superposta
superposta à sua imagem
A C à sua imagem A C especular
Y especular X
Molécula B Molécula B
original original
X A X A
C C
Y X X X

B C B C
X B X B

(a) Y (b) X

FIGURA 1-19 Assimetria molecular: moléculas quirais e não qui- somente três grupos diferentes (isto é, o mesmo grupo ocorre duas
rais. (a) Quando um átomo de carbono tem quatro grupos substi- vezes), somente uma configuração é possível e a molécula é simétri-
tuintes diferentes (A, B, X, Y), estes podem estar arranjados de duas ca ou não quiral. Neste caso, a molécula tem sua imagem superposta
maneiras, que representam imagens especulares não superponíveis na imagem especular: a molécula do lado esquerdo pode girar no
(enantiômeros). O átomo de carbono assimétrico é chamado de áto- sentido anti-horário (quando vista de cima para baixo na direção da
mo quiral ou centro quiral. (b) Quando um carbono tetraédrico tem ligação de A com C) para formar a molécula vista no espelho.

outra, o que explica por que esses dois compostos têm pa- reita está relacionada com a esquerda). Uma molécula com
péis biológicos distintos apesar de sua química similar. somente um carbono quiral pode ter dois estereoisômeros;
No segundo tipo de estereoisômero, quatro diferentes quando dois ou mais (n) carbonos quirais estão presentes,
n
substituintes ligados a um átomo de carbono tetraédrico então podem existir 2 estereoisômeros. Estereoisômeros
podem ser arranjados em duas formas espaciais diferentes que são imagens especulares um do outro são chamados de
– isto é, possuem duas configurações (Fig. 1-19) – pro- enantiômeros (Fig. 1-19). Pares de estereoisômeros que
duzindo dois estereoisômeros com propriedades químicas não são imagens especulares um do outro são chamados de
similares ou idênticas, porém diferindo em certas proprie- diastereoisômeros (Fig. 1-20).
dades físicas e biológicas. Um átomo de carbono com qua- Como Louis Pasteur observou pela primeira vez em
tro substituintes diferentes é considerado assimétrico, e 1848 (Quadro 1-2), os enantiômeros têm propriedades qua-
carbonos assimétricos são chamados de centros quirais se idênticas, mas diferem em uma propriedade física bem
(do grego chiros, “mão”; alguns estereoisômeros estão es- característica: sua interação com a luz polarizada. Em so-
truturalmente relacionados da mesma forma que a mão di- luções separadas, dois enantiômeros giram o plano da luz

Enantiômeros (imagens especulares) Enantiômeros (imagens especulares)

CH3 CH3 CH3 CH3

X C H H C X X C H H C X

Y C H H C Y H C Y Y C H

CH3 CH3 CH3 CH3

Diastereoisômeros (imagens não especulares)


FIGURA 1-20 Dois tipos de estereoisômeros. Existem quatro di- esfera e vareta, que foi rotado para a visualização de todos os gru-
ferentes 2,3-butanos dissubstituídos (n  2 carbonos assimétricos, pos. Dois pares de estereoisômeros são imagens especulares um do
consequentemente 2n  4 estereoisômeros). Cada um é mostrado outro, ou enantiômeros. Outros pares não são imagens especulares,
em um retângulo com a fórmula em perspectiva e o modelo de sendo diastereoisômeros.
Princípios de Bioquímica de Lehninger 17

QUADRO 12 Louis Pasteur e atividade óptica: In Vino, Veritas


Louis Pasteur descobriu o fenômeno da ativi- Agora nós sabemos. Estudos de cristalografia por
dade óptica em 1843, durante sua investigação raios X em 1951 confirmaram que as formas le-
dos sedimentos cristalinos que acumulavam vorrotatória e destrorrotatória do ácido tartárico
nos barris de vinho (uma forma de ácido tartá- são imagens especulares uma da outra no nível
rico chamado de ácido paratartárico – também molecular e estabeleceram a configuração abso-
chamado de ácido racêmico, do latim racemus, luta de cada um (Fig. Q.1). A mesma abordagem
“cacho de uvas”). Ele usou pinças finas para se- foi usada para demonstrar que, embora o aminoá-
parar dois tipos de cristais idênticos em forma, cido alanina tenha duas formas estereoisoméricas
(designadas D e L), nas proteínas a alanina existe
mas com imagem especular um do outro. Am-
exclusivamente em uma forma (o isômero L; veja
bos os tipos provaram ter todas as propriedades
o Capítulo 3).
químicas do ácido tartárico, mas em solução um
tipo gira a luz plano-polarizada para a esquerda HOOC1 4
COOH HOOC1 4
COOH
2 3 2 3
(levorrotatório) e o outro para a direita (des- Louis Pasteur C C C C
trorrotatório). Posteriormente, Pasteur descre- 1822-1895 H OH HO H
OH H H OH
veu o experimento e sua interpretação:
(2R,3R)-Ácido tartárico (2S,3S)-Ácido tartárico
Em corpos isoméricos, os elementos e as proporções nas (destrorrotatório) (levorrotatório)
quais eles são combinados são os mesmos, somente o ar-
ranjo dos átomos é diferente... Sabemos, por um lado, que FIGURA Q.1 Pasteur separou cristais de dois estereoisômeros de ácido
os arranjos moleculares dos dois ácidos tartáricos são assi- tartárico e mostrou que soluções separadas de cada uma das formas
métricos, e, por outro lado, que estes arranjos são absolu- fazem girar luz polarizada na mesma magnitude, porém em direções
tamente idênticos, exceto que eles exibem assimetria em opostas. Estas formas destrorrotatória e levorrotatória foram mais tarde
direções opostas. Estariam os átomos do ácido destro agru- demonstradas como sendo os isômeros (R,R) e (S,S) representados aqui.
O sistema RS de nomenclatura é explicado no texto.
pados em forma de espiral dextrógira? Ou estariam eles co-
locados nas arestas de um tetraedro irregular? Ou estariam *Extraído da palestra de Pasteur para a Société Chimique de Paris
eles dispostos em um ou outro arranjo assimétrico citado? em 1883, citado em DuBos, R. (1976) Louis Pasteur: Free Lance of
Nós não sabemos. * Science, p. 95, Charles Scribner´s Sons, New York.

polarizada em direções opostas, mas uma solução contendo


concentrações equimolares de cada enantiômero (uma mis- 1 1
tura racêmica) mostra atividade rotatória nula. Compos- 4 4
tos sem centros quirais não causam a rotação do plano da
luz polarizada.
2 3
3 2
CONVENÇÃO-CHAVE: Dada a importância da estereoquímica
nas reações entre biomoléculas (veja a seguir), os bioquí-
micos são obrigados a dar nome e representar a estrutura
de cada biomolécula de forma que sua estereoquímica seja Sentido horário Sentido anti-horário
inequívoca. Para compostos com mais de um centro quiral, (R) (S)
a nomenclatura mais usada é a do sistema RS. Neste siste-
Um outro sistema de nomenclatura para estereoisôme-
ma, a cada grupo funcional ligado a um carbono quiral é de-
ros, o sistema D e L, é descrito no Capítulo 3. A molécula
signada uma escala de prioridade. As prioridades de alguns
com um centro quiral único (dois isômeros de gliceraldeído,
substituintes comuns são:
p. ex.) pode ser nomeada por qualquer um dos sistemas. ■
CHO(2)
CHO
HO C H ⬅ H(4) OH (1)
Para nomeação no sistema RS, o átomo quiral é visto
como o grupo de mais baixa prioridade (4 no segmento do CH2OH
CH2OH (3)
diagrama) apontando para trás da página a partir do obser- L-Gliceraldeído (S)-Gliceraldeído
vador. Se a prioridade dos outros três grupos (1 a 3) de-
cresce no sentido horário, então a configuração é (R) (do Diferente da configuração é a conformação molecular,
latim rectus, “direito”); se cresce no sentido anti-horário, o arranjo espacial dos grupos substituintes que, sem que-
então a configuração é (S) (do latim sinister, “esquerdo”). brar nenhuma ligação, é livre para assumir diferentes posi-
Desta maneira, cada carbono quiral é designado como (R) ções no espaço por causa da liberdade de rotação em torno
ou (S), e a inclusão destas designações no nome do compos- das ligações simples. Em hidrocarbonetos simples como o
to fornece descrição inequívoca da estereoquímica de cada etano, por exemplo, há quase completa liberdade de rotação
centro quiral. em torno da ligação C—C. Muitas conformações diferentes
18 David L. Nelson & Michael M. Cox

e interconversíveis de etano são possíveis, dependendo do rio, então a reação em geral produz todas as formas quirais
grau de rotação (Fig. 1-21). Duas conformações são de es- possíveis: uma mistura de formas D e L, por exemplo. Célu-
pecial interesse: a escalonada, que é mais estável do que las vivas produzem somente uma forma quiral de uma dada
todas as outras e portanto predominante, e a eclipsada, que biomolécula, porque as enzimas que a sintetizam também
é a menos estável. Estas duas formas conformacionais não são quirais.
podem ser isoladas uma da outra, pois são facilmente inter- Estereoespecificidade, a capacidade de distinguir en-
conversíveis. Entretanto, a substituição de um ou mais áto- tre estereoisômeros, é uma propriedade das enzimas e de
mos de hidrogênio em cada carbono por um grupo funcional outras proteínas, sendo um aspecto característico da lógi-
que seja muito grande ou carregado eletricamente restringe ca molecular das células vivas. Se o sítio de ligação de uma
a liberdade de rotação em torno da ligação C—C. Isto limita proteína é complementar a um isômero do composto quiral,
o número de conformações estáveis do derivado do etano. então ele não será complementar ao outro isômero, da mes-
ma forma que a luva para a mão esquerda não se ajusta na
As interações entre as biomoléculas são estereoespecíficas mão direita. Alguns exemplos marcantes da capacidade dos
sistemas biológicos de distinguir estereoisômeros são mos-
Quando biomoléculas interagem, o “encaixe” entre elas é trados na Figura 1-23.
estereoquimicamente correto. A estrutura tridimensional As classes comuns de reações, químicas encontradas na
de biomoléculas grandes e pequenas – a combinação de bioquímica estão descritas no Capítulo 13, como uma intro-
configuração e conformação – é de máxima importância nas dução às reações do metabolismo.
suas interações biológicas: reagente com sua enzima, hor-
mônio com seu receptor na superfície da célula, antígeno
com seu anticorpo específico, por exemplo (Fig. 1-22). O
RESUMO 1.2 Fundamentos químicos
estudo da estereoquímica biomolecular, com métodos físi- ■ Devido a sua versatilidade de ligação, o carbono pode
cos precisos, é uma parte importante da pesquisa moderna produzir amplas coleções de estruturas carbono-car-
da estrutura celular e da função bioquímica. bono com uma grande variedade de grupos funcionais;
Nos organismos vivos, as moléculas quirais normal- estes grupos conferem às biomoléculas as suas proprie-
mente estão presentes em somente uma de suas formas dades químicas e biológicas.
quirais. Por exemplo, nas proteínas os aminoácidos ocor- ■ Um conjunto universal de aproximadamente algumas
rem somente como isômeros L e a glicose ocorre somente centenas de pequenas moléculas é encontrado em
como isômero D. (As convenções para a denominação de células vivas; a interconversão destas moléculas nas
estereoisômeros de aminoácidos estão descritas no Capítu- rotas metabólicas centrais se conservou ao longo da
lo 3, e para açúcares, no Capítulo 7; o sistema RS, descrito evolução.
anteriormente, é mais usado para algumas biomoléculas.) ■ Proteínas e ácidos nucleicos são polímeros lineares
Em contraste, quando um composto com um átomo de car- feitos de subunidades monoméricas simples; suas se-
bono assimétrico é quimicamente sintetizado em laborató- quências contêm as informações que fornecem a cada
Energia potencial (kJ/mol)

12
8 12,1
4 kJ/mol
0

0 60 120 180 240 300 360


Ângulo de torção (graus)
FIGURA 1-22 Encaixe complementar entre a macromolécula e
FIGURA 1-21 Conformações. Muitas conformações do etano são uma molécula pequena. O segmento de RNA de uma região re-
possíveis devido à liberdade de rotação em torno da ligação C—C. gulatória, conhecida como TAR, do genoma do vírus da imunodefi-
No modelo de esfera e vareta, quando o átomo de carbono frontal ciência humana (em cinza) com uma molécula argininamida ligada
(sob o ponto de vista do leitor) é girado com seus três hidrogênios (em colorido); a argininamida é usada para representar um resíduo
em relação ao átomo de carbono de trás, então a energia potencial de aminoácido de uma proteína que se liga à região do TAR. A
da molécula aumenta a um máximo na forma completamente eclip- argininamida encaixa na cavidade da superfície do RNA, sendo
sada (nos ângulos de 0o, 120o, etc.), e então diminui ao mínimo na mantida nesta orientação por várias interações não covalentes com
o o
forma totalmente escalonada (ângulos de torção de 60 , 180 , etc.). o RNA. Esta representação da molécula de RNA é produzida com
Devido ao fato de as diferenças de energia serem suficientemente o auxílio de um software que pode calcular a forma de superfície
pequenas, para permitir uma interconversão muito rápida entre as externa da macromolécula, definida pelo raio de van der Waals de
duas formas (milhões de vezes por segundo), as formas eclipsada e todos os átomos da molécula ou pelo “volume de exclusão do sol-
escalonada não podem ser isoladas uma da outra. vente”, o volume que uma molécula de água não pode penetrar.
Princípios de Bioquímica de Lehninger 19

CH3 CH3 FIGURA 1-23 Estereoisômeros têm di-


ferentes efeitos em humanos. (a) Dois
O C O C
estereoisômeros de carvona: (R)-carvona
C CH C CH
(isolado do óleo de hortelã) tem o cheiro
H2C CH2 H2C CH2 característico da hortelã; (S)-carvona (isola-
C C do do óleo de sementes de cominho) tem
CH3 C H H C CH2 o cheiro de cominho. (b) O aspartame, um
CH2 CH3 adoçante artificial, é facilmente distinguí-
vel, pelos receptores de gosto, do seu es-
(R)–Carvona (hortelã) (S)-Carvona
(cominho) tereoisômero de gosto amargo, apesar de
(a) os dois diferirem apenas pela configuração
de um dos seus dois carbonos quirais. (c)
 
O medicamento antidepressivo citalopram
NH3 NH3 (nome comercial Celexa), um inibidor se-
H O H O
 H  H letivo da recaptação da serotonina, é uma
OOC C N C OOC C N C
CH2 C C OCH3 CH2 C C OCH3 mistura racêmica dos dois estereoisômeros,
CH2 H H CH2 mas somente (S)-citalopram tem o efeito
O O terapêutico. A preparação estereoquimica-
C C mente pura de (S)-citalopram (oxalato de
HC CH HC CH citalopram) é vendida sob o nome comer-
HC CH HC CH cial de Lexapro. Como se pode prever, a
C C dose efetiva de Lexapro é a metade da dose
H H efetiva de Celexa.
L-Aspartil-L-fenilalanina metil éster L-Aspartil-D-fenilalanina metil éster
(aspartame) (doce) (amargo)
(b)

F F

N N

O O
C C
N N
(S)-Citalopram (R)-Citalopram
(c)

molécula sua estrutura tridimensional e suas funções tese em uma fábrica, exigem a entrada de energia. Ener-
biológicas. gia também é consumida no movimento de uma bactéria
■ A configuração molecular pode ser alterada somente ou de um velocista olímpico, no piscar de um vaga-lume
mediante quebra de ligações covalentes. Para um áto- ou na descarga elétrica de uma enguia. O armazenamento
mo de carbono com quatro substituintes diferentes e a expressão de informação requerem energia, sem a qual
(um carbono quiral), os grupos substituintes podem ser estruturas ricas em informação inevitavelmente se tornam
arranjados em duas diferentes formas, gerando este- desordenadas e sem sentido.
reoisômeros com propriedades distintas. Somente um No curso da evolução, as células desenvolveram meca-
dos estereoisômeros é biologicamente ativo. A confor- nismos altamente eficientes para aproveitar a energia, ob-
mação molecular é a disposição dos átomos no espaço tida da luz solar ou de combustíveis, em vários processos
que pode ser mudada por rotação em torno de ligações consumidores de energia que precisam ser realizados. Um
simples, sem quebrar ligações covalentes. dos objetivos da bioquímica é compreender, em termos quí-
micos e quantitativos, os meios pelos quais a energia é ex-
■ Interações entre moléculas biológicas são quase in-
traída, canalizada e consumida nas células vivas. As conver-
variavelmente estereoespecíficas: elas requerem um
sões de energia celular – como todas as outras conversões
exato pareamento complementar entre as moléculas
de energia – podem ser estudadas no contexto das leis da
interagentes.
termodinâmica.

1.3 Fundamentos físicos Os organismos vivos existem em um estado estacionário


Células e organismos vivos têm que realizar trabalho para dinâmico e nunca em equilíbrio com o seu meio
se manter vivos e se reproduzir. As reações de síntese que As moléculas e os íons contidos nos organismos vivos dife-
ocorrem dentro das células, como algum processo de sín- rem em tipo e concentração daqueles existentes no meio
20 David L. Nelson & Michael M. Cox

circundante. Um paramécio em uma lagoa, um tubarão no res de energia, capazes de interconverter energia química,
oceano, uma bactéria no solo, uma macieira no pomar – to- eletromagnética, mecânica e osmótica com alta eficiência
dos são diferentes na composição se comparados com seu (Fig. 1-24).
meio, e uma vez atingida a sua maturidade, eles mantêm
uma composição aproximadamente constante, apesar das O fluxo de elétrons provê energia aos organismos
constantes alterações no meio onde se encontram.
Apesar de a composição característica de um orga- Praticamente todos os organismos vivos obtêm sua energia,
nismo mudar relativamente pouco ao longo do tempo, a direta ou indiretamente, da energia radiante da luz solar. A
população de moléculas dentro do organismo está muito ruptura da molécula da água promovida pela luz durante a
longe do equilíbrio estático. Pequenas moléculas, macro-
moléculas e complexos supramoleculares são continua-
mente sintetizados e degradados em reações químicas que • Nutrientes do meio
(moléculas complexas
envolvem um constante fluxo de massa e energia através Energia potencial
como açúcares e gorduras)
do sistema. As moléculas de hemoglobina que carregam
• Luz solar
oxigênio dos seus pulmões para o seu cérebro neste mo-
mento foram sintetizadas no decorrer do último mês; no (a)
decorrer do próximo mês, elas serão todas degradadas e
completamente substituídas por novas moléculas de he- Transformações químicas
dentro das células
moglobina. A glicose que você ingeriu na sua última refei-
ção está agora circulando na sua corrente sanguínea; an-
Transformações
tes do final do dia estas moléculas de glicose em particular de energia Trabalho celular:
estarão todas convertidas em algo diferente – dióxido de realizam • síntese química
carbono ou gordura, talvez – sendo substituídas por um trabalho • trabalho mecânico
• gradientes elétrico e osmótico
novo suprimento de glicose, de forma que a concentração • produção de luz
de glicose sanguínea é mais ou menos constante ao longo • transferência de informação
de todo o dia. As quantidades de hemoglobina e glicose no genética
sangue permanecem quase constantes porque a taxa de
(b)
síntese ou ingestão de cada uma contrabalança a sua taxa
de degradação, consumo ou conversão em algum outro Calor
produto. A constância da concentração é o resultado do
estado estacionário dinâmico, um estado estacionário que (c)
está fora do equilíbrio. A manutenção deste estado requer
o investimento constante de energia; quando a célula não Desordem (entropia)
aumentada no meio
consegue mais gerar energia, ela morre e começa a decair
para o estado de equilíbrio com o seu meio. A seguir será O metabolismo produz
discutido o significado exato de “estado estacionário” e compostos mais simples do que
“equilíbrio”. as moléculas combustíveis
iniciais: CO2, NH3, H2O, HPO42–

Organismos transformam energia e matéria de seu meio (d)


Para as reações químicas que ocorrem em solução, pode-se Desordem (entropia)
definir o sistema como sendo todos os reagentes e produ- diminuída no sistema
tos, o solvente que os contêm e a atmosfera imediata – em
resumo, tudo dentro de uma região definida do espaço. O Compostos simples polimerizam
sistema e o seu meio juntos constituem o universo. Se o para formar macromoléculas
ricas em informação: DNA,
sistema não troca nem matéria e nem energia com seu meio, RNA, proteínas
então é dito isolado. Se o sistema troca energia, mas não
troca matéria com seu meio, então é dito fechado; se ele (e)
troca energia e matéria com seu meio, então é um sistema
aberto. FIGURA 1-24 Algumas interconversões de energia em organis-
Um organismo vivo é um sistema aberto, ele troca tanto mos vivos. Durante a transdução de energia metabólica, o grau de
matéria quanto energia com seu meio. Organismos obtêm desordem do sistema mais o do meio (expresso quantitativamente
energia do meio de duas formas: (1) consomem combustí- como entropia) cresce à medida que a energia potencial das mo-
léculas nutrientes complexas decresce. (a) Organismos vivos ex-
veis químicos (como glicose) do seu meio e extraem energia
traem energia do seu meio; (b) convertem parte dela em formas de
pela oxidação (veja o Quadro 1-3, Caso 2), ou (2) absorvem
energia utilizáveis para produzir trabalho; (c) devolvem parte da
energia da luz solar.
energia ao meio na forma de calor; e (d) liberam, como produto
A primeira lei da termodinâmica descreve o princípio final, moléculas que são menos organizadas do que o combustível
da conversão de energia: em qualquer mudança física de partida, aumentando a entropia do universo. Um efeito de todas
ou química, a quantidade total de energia no universo essas transformações é (e) o aumento de ordem (aleatoriedade di-
permanece constante, contudo a forma da energia pode minuída) do sistema na forma de macromoléculas complexas. O
mudar. As células contêm sofisticados processos converso- tratamento quantitativo da entropia será retomado no Capítulo 13.
Princípios de Bioquímica de Lehninger 21

QUADRO 13 Entropia: as vantagens de ser desorganizado


O termo “entropia”, que literalmente significa “mudança em seu dispersos de forma mais aleatória após a reação de oxidação,
interior”, foi usado pela primeira vez em 1851 por Rudolf Clau- passando para um total de 12 moléculas (6CO2  6H2O).
sius, um dos formuladores da segunda lei da termodinâmica. Sempre que uma reação química resultar no aumento do
Uma definição quantitativa rigorosa de entropia envolve consi- número de moléculas – ou quando uma substância sólida é con-
derações probabilísticas e estatísticas. Entretanto, sua natureza vertida em produtos líquidos ou gasosos, que permitem maior
pode ser ilustrada qualitativamente por três exemplos simples, liberdade de movimentação molecular que os sólidos – a desor-
cada um demonstrando um aspecto da entropia. A chave para dem molecular aumenta e, em consequência, a entropia tam-
a descrição de entropia é a aleatoriedade e a desordem, mani- bém aumenta.
festadas de diferentes maneiras.
Caso 3: Informação e entropia
Caso 1: A chaleira e a dissipação do calor A seguinte passagem de Júlio Cesar ato IV, Cena 3, é falada por
Sabemos que o vapor gerado na água em ebulição pode reali- Brutus, quando ele percebe que precisa enfrentar o exército de
zar trabalho útil. Contudo, suponha que apaguemos a chama Marco Antônio. Ela é um arranjo não aleatório e rico em infor-
o
sob a chaleira cheia de água a 100 C (“sistema”) na cozinha (“o mações feito de 125 letras do alfabeto inglês:
meio”) e deixemos esfriar. Na medida em que ela esfria nenhum
There is a tide in the affairs of men,
trabalho é feito, mas o calor passa da chaleira para o meio, au-
Which, taken at the flood, leads on to fortune;
mentando a temperatura do meio (cozinha) por uma quanti-
Omitted, all the voyage of their life
dade infinitesimal até que o equilíbrio completo é alcançado.
Is bound in shallows and in miseries.
Neste momento, todas as partes da chaleira e da cozinha estão
precisamente na mesma temperatura. A energia livre que esta- Além do que esta passagem afirma abertamente, ela possui
o
va concentrada na chaleira com água a 100 C, potencialmente muitos significados ocultos, não somente refletindo uma com-
capaz de realizar trabalho, desapareceu. O seu equivalente de plexa sequência de eventos na peça, mas também ecoando as
energia calorífica continua presente na chaleira  cozinha (isto ideias da peça sobre conflito, ambição e a demanda por lide-
é, “universo”), mas tornou-se completamente aleatório. Esta rança. Permeada com a compreensão de Shakespeare sobre a
energia não está mais disponível para realizar trabalho porque natureza humana, ela é muito rica em informação.
não existem mais diferenças de temperatura dentro da cozinha. Contudo, se essas 125 letras que fazem essa citação forem
Além disto, o aumento da entropia da cozinha (o meio) é ir- distribuídas em um padrão completamente aleatório e caótico,
reversível. Sabemos pela experiência do cotidiano que o calor como mostrado no quadro abaixo, ela não terá qualquer signi-
nunca passa espontaneamente da cozinha de volta para a cha- ficado.
o
leira para aumentar novamente a temperatura da água a 100 C.
o
t
n f a
Caso 2: A oxidação da glicose t s
Entropia é um estado não somente da energia, mas da matéria. h h e s
e a d

l
I

r
r t
t
Organismos aeróbicos (heterotróficos) extraem energia livre da
d

W
l a
glicose obtida do meio pela oxidação da glicose com O2, que i
a

o f s f i n
também é obtido do meio. Os produtos finais deste metabolis- e t
e
i
c
mo oxidativo, CO2 e H2O, retornam ao meio. Neste processo o s e m ad
i

o m a
i e

b
d k
r
n

meio sofre um aumento de entropia, enquanto o organismo per- n


a gh o
i

o
l
o

n
t

manece em estado estacionário e não sofre mudanças em sua t T n


t l
n
o

ordem interna. Apesar de alguma entropia surgir da dissipação e n a


i

s e l a
h
y

f
h t
s

do calor, a entropia resulta também de um outro tipo de desor- i


s
l

oi e r
i l
e

dem, ilustrado pela equação da oxidação da glicose:


h

if

a
m h
w h e
d
s

v
d

C6H12O6  6O2 → 6CO2  6H2O e t


e n
O u r u f
t
o
i

e
e

Pode-se representar isto esquematicamente como


7 moléculas 12 moléculas
Nesta forma, as 125 letras possuirão pouca ou nenhuma in-
formação, mas são muito ricas em entropia. Tais considerações
CO2 levaram à conclusão de que a informação é uma forma de ener-
O2 (um gás) gia, tendo sido denominada “entropia negativa”. De fato, o ramo
(um gás) da matemática denominado teoria da informação, que é básico
Glicose H2O para a programação lógica de computadores, está intimamen-
(um sólido) (um líquido) te relacionado à teoria termodinâmica. Organismos vivos são
estruturas altamente organizadas, não aleatórias, imensamente
Os átomos contidos em 1 molécula de glicose mais 6 mo- ricas em informação e, portanto, pobres em entropia.
léculas de oxigênio, um total de 7 moléculas, passam a ficar
22 David L. Nelson & Michael M. Cox

fotossíntese libera seus elétrons para a redução do CO2 e a química ocorre a uma tempera-
liberação de oxigênio na atmosfera: tura constante, a variação da
energia livre, G, é determina-
Luz da pela variação da entalpia, H,
refletindo o tipo e o número das
6CO2  6H2 O C6 H12 O6  6O2
ligações químicas e a formação e a
(redução de CO2 mediada pela luz) quebra de interações não covalen-
tes, e a variação da entropia, S,
Células e organismos não fotossintéticos obtêm a ener- que descreve a variação da aleato-
gia que necessitam da oxidação de produtos ricos em ener- riedade do sistema:
gia resultantes da fotossíntese, passando então os elétrons
adquiridos ao O2 atmosférico para formar água, CO2 e ou- G  H – TS
tros produtos finais, que são reciclados no meio ambiente. J. Williard Gibbs,
1839-1903 onde, por definição, H é ne-
C6H12O6  O2 → 6CO2  6H2O  energia gativa para uma reação que libera
(oxidação da glicose produtora de energia) energia, e S é positiva para uma reação que aumenta a ale-
Portanto, autótrofos e heterótrofos participam do ciclo atoriedade do sistema. ■
global de O2 e CO2, propulsionado em última instância pela
luz solar, tornando interdependentes esses dois grandes Um processo tende a ocorrer espontaneamente somen-
grupos de organismos. Praticamente toda a transdução de te se G for negativo (se energia livre é liberada no proces-
energia nas células se resume a esse fluxo de elétrons de so). Já o funcionamento da célula depende basicamente de
uma molécula à outra, em um fluxo descendente de energia moléculas, como proteínas e ácidos nucleicos, para as quais
potencial eletroquímica, de forma análoga ao fluxo de elé- a energia livre de formação é positiva: as moléculas são me-
trons em um circuito elétrico acionado por uma pilha. Todas nos estáveis e mais altamente ordenadas do que a mistura
essas reações envolvidas no fluxo de elétrons são reações de seus componentes monoméricos. Para que estas rea-
de oxi-redução: um reagente é oxidado (perda de elé- ções, consumidoras de energia (endergônicas) e, portan-
trons) enquanto outro é reduzido (ganho de elétrons). to, termodinamicamente desfavoráveis, ocorram as células
as acoplam a outras reações que liberam energia (reações
exergônicas), de forma que o processo como um todo é
A criação e a manutenção de ordem requerem trabalho e exergônico: a soma da variação da energia livre é negativa.
energia A fonte usual de energia livre em reações biológicas
Como notado, DNA, RNA e proteínas são macromoléculas acopladas é a energia liberada pela quebra (de fato hidró-
de informação; a sequência precisa de suas subunidades lise) da ligação fosfoanidrido como aquelas presentes no
monoméricas contém informação, exatamente como as le- trifosfato de adenosina (ATP; Fig. 1-25) e no trifosfato de
tras desta frase. Além de usar energia química para formar guanosina (GTP). Aqui, cada P representa um grupo fos-
ligações covalentes entre estas subunidades, as células pre- foril:
cisam investir energia para ordenar as subunidades em sua Aminoácidos → proteínas G1 positiva (endergônica)
sequência correta. É extremamente improvável que amino- ATP → AMP  — G2 negativa (exergônica)
ácidos em uma mistura venham a se condensar espontanea- [ou ATP → ADP  ]
mente em um único tipo de proteína, com uma sequência
única. Quando estas reações estão acopladas, então a soma
Isto representa aumento da ordem em uma população de G1 com G2 é negativa – o processo como um todo é
de moléculas; contudo, de acordo com a segunda lei da ter- exergônico. Por esta estratégia de acoplamento, as células
modinâmica, a tendência na natureza é mover-se no sentido conseguem sintetizar e manter os polímeros ricos em infor-
oposto, sempre de maior desordem no universo: a entropia mação essenciais para a vida.
total do universo está continuamente aumentando. Para
sintetizar macromoléculas a partir de suas unidades mono- Reações com ligações de acoplamento
méricas, energia livre precisa ser injetada no sistema (neste energético na biologia
caso, a célula).
A questão central em bioenergética (estudo da transfor-
CONVENÇÃO-CHAVE: A aleatoriedade ou a desordem dos com- mação de energia em sistemas vivos) é o meio através do
ponentes de um sistema químico é expressa como entro- qual a energia do metabolismo energético ou captura de luz
pia, S (Quadro 1-3). Qualquer alteração na aleatoriedade é acoplada às reações celulares que requerem energia. Ao
do sistema é expressa como variação de entropia, S, que, pensar em acoplamento energético, é útil considerar um
por convenção, possui um sinal positivo quando a aleatorie- exemplo mecânico simples, como mostra a Figura 1-26a.
dade aumenta. J. Willard Gibbs, que desenvolveu a teoria da Um objeto no topo de um plano inclinado possui uma certa
variação de energia durante as reações químicas, demons- quantidade de energia potencial como consequência de sua
trou que a energia livre total, G, de qualquer sistema elevação. Ele tende a deslizar para baixo ao longo do plano,
fechado pode ser definida em termos de três quantidades: perdendo sua energia potencial de posição na medida em
entalpia, H, que expressa o número e os tipos de ligações; que se aproxima do solo. Quando um mecanismo com corda
entropia, S; e a temperatura absoluta, T (em Kelvin). A de- de puxar apropriado acopla o objeto em queda a um outro,
finição de energia livre é G  H – TS. Quando uma reação menor, então o movimento de deslize espontâneo do maior
Princípios de Bioquímica de Lehninger 23

NH2 FIGURA 1-25 Trifosfato de adenosina (ATP) provê


energia. Aqui cada P representa um grupo fosforil.
N
C N A remoção do grupo fosforil terminal (sombreado
O O O HC em rosa) do ATP, pela quebra da ligação fosfoani-
 C CH
O P O P O P O CH2 N N drido para gerar difosfato de adenosina (ADP) e íon
O
O O O fosfato inorgânico (HPO42–) é altamente exergônica, e
H H esta reação é acoplada a várias reações endergônicas
H H nas células (como no exemplo da Figura 1-26b). ATP
OH OH também provê energia para vários processos celulares
pela clivagem que libera os dois fosfatos terminais,
P P P Adenosina (Trifosfato de adenosina, ATP) 2–
resultando em pirofosfato inorgânico (H2P2O7 ), fre-
quentemente abreviado como PPi.
O

O P OH  P P Adenosina (Difosfato de adenosina, ADP)
O
Fosfafo inorgânico (Pi)

OH O

O P O P OH  P Adenosina (Monofosfato de adenosina, AMP)
O O
Pirofosfato inorgânico (PPi)

pode levantar o menor, realizando uma certa quantidade de A magnitude de G depende da reação química em particu-
trabalho. A quantidade de energia disponível para realizar lar e o quão longe do equilíbrio o sistema inicialmente
trabalho é a variação de energia livre, G, sendo sempre estava. Cada composto envolvido em uma reação química
um pouco menor do que a quantidade teórica de energia li- contém uma certa quantidade de energia potencial, relacio-
berada, porque um pouco de energia é dissipado como calor nada ao tipo e ao número das suas ligações. Nas reações que
de fricção. Quanto maior a elevação de um objeto grande, ocorrem espontaneamente, os produtos possuem menos
maior será a energia liberada (G) com o deslizamento e energia livre do que os reagentes, portanto a reação libera
maior a quantidade de trabalho que poderá ser realizado.
O objeto grande pode levantar o menor somente porque,
no início, o objeto grande estava longe da sua posição de
equilíbrio: ele foi em algum momento anterior elevado aci- (a) Exemplo mecânico
ma do solo, processo que precisou da injeção de energia.
Como isso se aplica às reações químicas? Em sistemas G > 0 G < 0
fechados, as reações químicas ocorrem espontaneamente
até que o equilíbrio seja alcançado. Quando um sistema trabalho perda de
realizado ao energia
está em equilíbrio, à taxa de formação de produtos se igua- levantar potencial
la exatamente à taxa na qual os produtos são convertidos o objeto de posição
em reagentes. Portanto, não existe uma variação líquida na
concentração de reagentes e produtos. Quando um sistema
se move do estado inicial ao estado de equilíbrio, então a
variação de energia é dada pela variação de energia livre,
G, quando não existe variação de temperatura ou pressão. Endergônico Exergônico

FIGURA 1-26 Acoplamento energético em processos químicos e (b) Exemplo químico


mecânicos. (a) O movimento de queda do objeto libera energia Reação 2:
potencial que pode realizar trabalho mecânico. A energia potencial ATP → ADP  Pi Reação 3:
disponibilizada pelo movimento de queda espontânea, no processo glicose  ATP →
exergônico (em cor-de-rosa), pode ser acoplada ao processo ender- glicose-6-fosfato  ADP
Energia livre, G

gônico representado pelo movimento ascendente de um segundo Reação 1:


objeto (em azul). (b) Na reação 1, a formação de glicose-6-fosfato glicose  Pi →
a partir da glicose e do fosfato inorgânico (Pi) gera um produto com glicose-6-fosfato
G2 G3
conteúdo energético maior que o dos reagentes. Para esta reação
endergônica, G é positivo. Na reação 2, a quebra exergônica do
trifosfato de adenosina (ATP) possui uma grande variação negativa G1
de energia livre (G2). A terceira reação é a soma das reações 1 e G3 = G1  G2
2, e a variação da energia livre, G3, é a soma aritmética de G1
e G2. Pelo fato de G3 ser negativo, o processo como um todo é
exergônico e ocorre espontaneamente. Reação coordenada
24 David L. Nelson & Michael M. Cox

energia livre, que por sua vez está disponível para realizar aA  bB → cC  dD
trabalho. Essas reações são exergônicas (ou exotérmicas);
o declínio na energia livre dos reagentes para os produtos a constante de equilíbrio, Keq, é dada por
c d
é expresso como um valor negativo. Reações endergônicas [C]eq [D] eq
(ou endotérmicas) requerem uma injeção de energia, e seus Keq  a b
[A] eq [B] eq
valores de G são positivos. Assim como no processo mecâ-
nico, somente parte da energia liberada na reação química onde [A]eq é a concentração de A, [B]eq é a concentração
exergônica pode ser utilizada para realizar trabalho. Em sis- de B, e assim por diante, quando o sistema alcançou o
temas vivos, uma parte da energia é dissipada como calor ou equilíbrio. Um grande valor de Keq significa que a reação
perdida como incremento de entropia. tende a prosseguir até que os reagentes estejam quase com-
Em organismos biológicos, exatamente como no exem- pletamente convertidos nos produtos.
plo mecânico da Figura 1-26a, uma reação exergônica pode Gibbs mostrou que G (a variação da energia livre)
ser acoplada a uma reação endergônica para propulsionar para qualquer reação química é uma função da variação da
energia livre padrão, G – uma constante que é caracte-
o
uma reação desfavorável. A Figura 1-26b (um tipo de gráfico
chamado de diagrama de coordenada de reação) ilustra este rística de cada reação específica – e um termo que expressa
princípio para a conversão da glicose em glicose-6-fosfato, a concentração inicial de reagentes e produtos:
c d
que é o primeiro passo da rota de oxidação da glicose. A [C]i [D] i
G  G  RT ln
o
maneira mais simples para produzir glicose-6-fosfato seria:
[A]ai [B]bi (1-1)
Reação 1: Glicose  Pi → glicose-6-fosfato
onde [A]i é a concentração inicial de A, e assim por
(endergônica; G1 é positivo)
diante; R é a constante dos gases; e T é a temperatura ab-
(Aqui, Pi é uma abreviação para fosfato inorgânico, soluta.
2–
HPO4 . Não se preocupe com a estrutura destes compostos G é uma medida da distância de um sistema da sua
agora, pois serão descritos em detalhe mais adiante neste posição de equilíbrio. Quando uma reação já alcançou o
livro.) Esta reação não ocorre espontaneamente; G1 é po- equilíbrio, nenhuma força permanece e não consegue mais
sitiva. Uma segunda reação muito exergônica pode ocorrer realizar trabalho: G  0. Para este caso especial, [A]i 
em todas as células: [A]eq, e assim por diante, para todos os reagentes e produ-
tos, e
Reação 2: ATP → ADP  Pi
[C]ic [D]di
c d
(exergônica; G2 é negativo) [C]eq [D] eq

Essas duas reações químicas compartilham um inter- [A]ai [B]bi [A]aeq [B]beq
mediário comum, Pi, o qual é consumido na reação 1 e pro-
Substituindo G por 0 e [C]i [D]i /[A]i [B]i por Keq na
c d a b
duzido na reação 2. Portanto, as duas reações podem ser
Equação 1-1, obtém-se a relação
acopladas na forma da terceira reação, que pode ser escrita
como a soma das reações 1 e 2, com o intermediário comum, Go  – RT ln Keq
Pi, omitido de ambos os lados da equação:
da qual se pode ver que Go é simplesmente uma
Reação 3: Glicose  ATP → Glicose-6-fosfato  ADP segunda maneira (além de Keq) de expressar a força de
condução de uma reação. Pelo fato de Keq poder ser ex-
Pelo fato de mais energia ser liberada na reação 2 do é perimentalmente medido, então G , que é a constante
o
consumida na reação 1, a energia livre para a reação 3, G3, termodinâmica característica de cada reação, pode ser de-
é negativa, e a síntese de glicose-6-fosfato pode consequen- terminada.
temente ocorrer na reação 3. As unidades de G e G são joules por mol (ou ca-
o

O acoplamento de reações exergônicas e endergônicas lorias por mol). Quando Keq >> 1, G é maior e negativo;
o

através de um intermediário compartilhado é central nas quando Keq << 1, então G é maior e positivo. A partir de
o

trocas de energia em sistemas vivos. Como será visto, rea- uma tabela de valores, tanto de Keq ou G , determinados
o

ções que quebram ATP (como a reação 2 na Figura 1-26b) experimentalmente, pode-se ver quais reações tendem a se
liberam energia que propulsiona vários processos endergô- completar e quais não.
nicos em células. A quebra de ATP nas células é exergônica Um cuidado deve ser tomado a respeito da interpreta-
porque todas as células vivas mantêm uma concentra- ção de G : constantes termodinâmicas como estas indi-
o

ção de ATP que está bem acima de sua concentração cam onde o equilíbrio final de uma reação se encontra, mas
de equilíbrio. É este desequilíbrio que permite que o ATP não com que rapidez esse equilíbrio vai ser alcançado. As
sirva como o maior portador de energia química em todas velocidades das reações são governadas pelos parâmetros
as células. cinéticos, tópico que será considerado em detalhes no Ca-
pítulo 6.
Keq e G0 são medidas da tendência das reações de
ocorrerem espontaneamente As enzimas promovem sequências de reações químicas
A tendência de uma reação química em se completar pode Todas as macromoléculas biológicas são muito menos es-
ser expressa como uma constante de equilíbrio. Para uma táveis termodinamicamente se comparadas com suas uni-
reação na qual a móis de A reagem com b móis de B para dades monoméricas, sendo mesmo assim cineticamente
dar c móis de C e d móis de D, estáveis: suas quebras não catalisadas ocorrem tão len-
Princípios de Bioquímica de Lehninger 25

tamente (ao longo de anos ao invés de segundos) que, em


uma escala de tempo típica de organismos vivos, estas mo-
léculas podem ser consideradas estáveis. Praticamente toda Barreira de ativação
(estado de transição, ‡)
reação química em uma célula ocorre em uma taxa signifi-

Energia livre, G
cante somente com a presença das enzimas – biocatalisa-
dores que, como todos os outros catalisadores, aumentam G‡não cat
bastante a velocidade de reações químicas específicas sem Reagentes (A)
G‡cat
contudo serem consumidos no processo.
O caminho de reagente(s) a produto(s) invariavel-
mente envolve uma barreira energética, chamada de po- G
tencial de ativação (Fig. 1-27), que precisa ser supera- Produtos (B)
da para que alguma reação ocorra. A quebra de ligações
existentes e a formação de novas geralmente requer, em
Coordenada da reação (A → B)
primeiro lugar, a modificação das ligações existentes para
criar um estado de transição que possui energia livre FIGURA 1-27 A energia se altera durante uma reação quími-
maior que a dos reagentes ou produtos. O ponto mais alto ca. Uma barreira de potencial, representando o estado de transição
no diagrama da coordenada de reação representa o esta- (veja o Capítulo 6), deve ser superada na conversão dos reagentes
do de transição, e a diferença de energia entre o reagente (A) nos produtos (B), mesmo que os produtos sejam mais estáveis
no seu estado fundamental e em seu estado de transição do que os reagentes, como indicado por uma variação grande e
consiste na energia de ativação, G‡. Uma enzima cata- negativa da energia livre (G). A energia necessária para transpor

lisa a reação ao prover uma acomodação mais confortável a barreira de potencial é chamada de energia de ativação (G ). As
ao estado de transição: uma superfície que complementa enzimas catalisam as reações diminuindo as barreiras de potencial.
o estado de transição em sua estereoquímica, polarida- Elas se ligam fortemente aos intermediários dos estados de tran-
de e carga. A ligação da enzima ao estado de transição é sição, e a energia de ligação desta interação efetivamente reduz
a energia de ativação de G‡não cat (curva azul) para G‡cat (curva
exergônica, e a energia liberada por esta ligação reduz a
vermelha). (Veja que a energia de ativação não está relacionada à
energia de ativação para a reação e aumenta muito a sua
variação da energia livre, G.)
velocidade.
Uma contribuição adicional à catálise ocorre quando
dois ou mais reagentes se ligam à superfície da enzima pró-
ximos um do outro e em uma orientação estereoespecífica signado de catabolismo. A energia liberada pelas reações
que favorece a reação. Isto aumenta em várias ordens de catabólicas promove a síntese de ATP. Como resultado, a
grandeza a probabilidade de colisões produtivas entre rea- concentração celular de ATP está bem acima da sua concen-
gentes. Como resultado destes fatores somados com vários tração de equilíbrio, de modo que o G para quebra de ATP
outros, discutidos no Capítulo 6, as reações catalisadas por é grande e negativo. Similarmente, o metabolismo resulta
enzimas normalmente ocorrem a velocidades 1012 vezes na produção de carreadores de elétrons reduzidos, NADH
mais rápidas que reações não catalisadas. (Isso é um milhão e NADPH, ambos os quais podem doar elétrons em proces-
de milhão de vezes mais rápido!) sos que geram ATP ou conduzir etapas redutoras em rotas
Catalisadores celulares são, com raras exceções, pro- biossintéticas.
teínas. (Algumas moléculas de RNA possuem atividade Outras rotas iniciam com moléculas precursoras pe-
enzimática, como discutido nos Capítulos 26 e 27.) Nova- quenas e convertem-nas progressivamente em moléculas
mente, com algumas exceções, cada enzima catalisa uma maiores e mais complexas, incluindo proteínas e ácidos
reação específica e cada reação no interior da célula é ca- nucleicos. Tais rotas sintéticas, que invariavelmente reque-
talisada por uma enzima diferente. Portanto milhares de rem injeção de energia, são coletivamente designadas de
enzimas diferentes são necessárias em cada célula. A mul- anabolismo. A rede de rotas catalisadas por enzimas cons-
tiplicidade de enzimas, sua especificidade (capacidade de tituem o metabolismo celular. O ATP (e os nucleosídeos
diferenciar os reagentes uns dos outros) e sua suscetibili- trifosfatados energicamente equivalentes, trifosfato de
dade de regulação dão às células a capacidade de diminuir cistidina [CTP], trifosfato de uridina [UTP] e trifosfato de
seletivamente os potenciais de ativação. Esta seletividade guanosina [GTP]) é o elo de ligação entre os componentes
é crucial para a regulação efetiva dos processos celulares. catabólicos e anabólicos desta rede (mostrado esquemati-
Ao permitir que reações específicas ocorram a velocidades camente na Fig. 1-28). As rotas das reações catalisadas
significativas em momentos específicos, as enzimas deter- por enzimas que atuam sobre os principais constituintes
minam como a matéria e a energia são canalizadas nas ati- das células – proteínas, gorduras, açúcares e ácidos nuclei-
vidades celulares. cos – são praticamente idênticas em todos os organismos
As milhares de reações químicas catalisadas por enzi- vivos.
mas nas células são organizadas funcionalmente em muitas
sequências de reações consecutivas, chamadas de rotas, O metabolismo é regulado para obter equilíbrio e
nas quais o produto de uma reação se torna o reagente da
seguinte. Algumas rotas degradam nutrientes orgânicos em economia
produtos finais simples para poder extrair energia química As células vivas não só sintetizam de forma simultânea mi-
e convertê-la em formas úteis à célula; o conjunto destas lhares de tipos diferentes de carboidratos, gorduras, pro-
reações degradativas e produtoras de energia livre é de- teínas e moléculas de ácidos nucleicos e suas subunidades
26 David L. Nelson & Michael M. Cox

Nutrientes Demais Considere por exemplo a rota que leva à síntese do


trabalhos aminoácido isoleucina, um constituinte das proteínas, em
armazenados
celulares
E. coli. A rota possui cinco passos catalisados por cinco en-
Alimentos Biomoléculas zimas diferentes (A a F representam os intermediários da
ingeridos complexas rota):
Fótons Trabalho
solares mecânico

Trabalho enzima 1
A B C D E F
osmótico
Treonina Isoleucina

Se uma célula começa a produzir mais isoleucina do que


ela necessita para a síntese de proteínas, então a isoleucina
NAD(P) não usada acumula e o acréscimo de sua concentração inibe
a atividade catalítica da primeira enzima da rota, causando
a imediata desaceleração da produção de isoleucina. Tal re-
ADP troalimentação inibitória mantém a produção e a utiliza-
Rotas das Rotas das ção de cada intermediário em equilíbrio (ao longo do livro,
reações reações
catabólicas anabólicas
será usado para indicar inibição da reação enzimática).
(exergônicas) (endergônicas) Apesar de o conceito de rota discreta ser uma ferra-
menta importante para organizar o nosso conhecimento do
ATP
metabolismo, ele é muito simplificado. Existem milhares de
metabólitos intermediários na célula, muitos dos quais fa-
zem parte de mais de uma rota. O metabolismo seria melhor
NAD(P)H
representado como uma rede de rotas interconectadas e in-
terdependentes. A mudança na concentração de qualquer
metabólito dá início a um efeito de ondulação, influencian-
do o fluxo de materiais pelas outras rotas. A tarefa de com-
preender estas complexas interações entre intermediários e
CO2 rotas em termos quantitativos é desencorajadora, contudo a
nova ênfase em biologia de sistemas, discutida no Capítu-
NH3
lo 15, começou a oferecer uma importante compreensão da
Pr H2O regulação global do metabolismo.
odu es
t o s si sor
mples, precur As células regulam também a síntese de seus próprios
catalisadores, as enzimas, em resposta ao aumento ou à di-
FIGURA 1-28 O papel central do ATP e do NAD(P)H no metabolis- minuição da necessidade de um produto metabólito; este é
mo. O ATP é o intermediário químico compartilhado que conecta o conteúdo do Capítulo 28. A expressão de genes (a tradu-
os processos celulares consumidores e fornecedores de energia. ção da informação contida no DNA em proteínas ativas na
Seu papel na célula é análogo ao do dinheiro na economia: ele célula) e a síntese de enzimas são outros níveis de controle
é “produzido/adquirido” nas reações exergônicas e “gasto/consu- metabólico na célula. Todos os níveis devem ser levados em
mido” nas endergônicas. O NAD(P)H (adenina nicotinamida dinu- conta na descrição do controle global do metabolismo ce-
cleotídeo [fosfato]) é um cofator carreador de elétrons que capta lular.
elétrons de reações oxidativas e então os doa em uma ampla gama
de reações de redução na biossíntese. Estes cofatores essenciais
às reações anabólicas, presentes em concentrações relativamente
RESUMO 1.3 Fundamentos físicos
baixas, precisam ser constantemente regenerados pelas reações ca- ■ Células vivas são sistemas abertos, trocando matéria e
tabólicas. energia com o meio externo, extraindo e canalizando
energia para manter-se no estado estacionário dinâmi-
co longe do equilíbrio. Energia é obtida do sol ou de
combustíveis pela conversão da energia do fluxo de elé-
mais simples, como o fazem nas exatas proporções requeri-
trons em ligações químicas no ATP.
das pela célula sob uma dada circunstância. Por exemplo,
durante o rápido crescimento celular os precursores de ■ A tendência de uma reação química em prosseguir em
proteínas e ácidos nucleicos devem ser feitos em grandes direção ao equilíbrio pode ser expressa como função
quantidades, ao passo que, em células que não estão cres- da energia livre, G, que possui dois componentes: a
cendo, a demanda por estes precursores é muito menor. As variação da entalpia, H, e a variação da entropia, S.
enzimas-chave em cada rota metabólica são reguladas de Estas variáveis estão relacionadas pela equação G 
modo que cada tipo de molécula precursora seja produzido H – T S.
na quantidade apropriada às demandas momentâneas das ■ Quando o G de uma reação é negativo, a reação é
células. exergônica e tende a caminhar para sua conclusão;
Princípios de Bioquímica de Lehninger 27

quando G é positivo, a reação é endergônica e tende


a ir na direção oposta. Quando duas reações podem
ser somadas para produzir uma terceira, o G da rea-
ção global é a soma dos Gs das duas reações sepa-
radas.
■ As reações que convertem ATP em Pi e ADP ou em
AMP e PPi são altamente exergônicas (G negativo
e grande). Muitas reações celulares endergônicas são
propulsionadas pelo seu acoplamento, mediante um in-
termediário comum, àquelas reações altamente exer-
gônicas.
■ A variação da energia livre padrão, Go, é uma cons-
tante física relacionada à constante de equilíbrio pela
equação Go  – RT In Keq.
■ Muitas reações celulares ocorrem a velocidades apro-
priadas somente porque as enzimas estão presentes (a) (b)
para catalisá-las. As enzimas atuam em parte pela es-
tabilização do estado de transição, reduzindo a energia FIGURA 1-29 Duas inscrições antigas. (a) O Prisma de Sennacherib,
de ativação, G‡, e aumentando a velocidade de reação inscrito em torno de 700 a.c., descreve em caracteres da linguagem
em várias ordens de grandeza. A atividade catalítica das Assíria alguns eventos históricos durante o reinado do Rei Senna-
enzimas nas células é regulada. cherib. O prisma contém cerca de 20.000 caracteres, pesa cerca de
50 kg e sobreviveu de forma quase intacta por 2.700 anos. (b) Uma
■ Metabolismo é a soma de muitas sequências de reações única molécula de DNA da bactéria E. coli, extravasando de uma
interconectadas que interconvertem metabólitos celu- célula rompida, é centenas de vezes mais longa que a própria célu-
lares. Cada sequência é regulada para suprir o que a cé- la e contém codificada toda a informação necessária para especifi-
lula precisa em um dado momento e para gastar energia car a estrutura e a função da célula. O DNA bacteriano contém cer-
somente quando necessário. ca de 4,6 milhões de caracteres (nucleotídeos), pesa menos do que
10-10 g e sofreu somente algumas pequenas alterações durante os
últimos milhões de anos (as manchas amarelas e as pintas escuras
1.4 Fundamentos genéticos nesta micrografia eletrônica colorida são artefatos da preparação).

Talvez a propriedade mais marcante dos organismos e das


células vivas seja sua capacidade de se reproduzir por in-
contáveis gerações com fidelidade quase perfeita. Esta
continuidade de traços herdados implica em constância, ao da de modo estável, expressa com exatidão na forma de
longo de milhões de anos, na estrutura das moléculas que produtos dos genes e reproduzida com o mínimo de erros.
contêm a informação genética. Poucos registros históricos O armazenamento, a expressão e a reprodução efetivos da
de civilizações sobreviveram por mil anos mesmo quando mensagem genética definem espécies individuais, distin-
riscados em superfícies de cobre ou talhados em pedra guem umas das outras e asseguram a sua continuidade em
(Fig. 1-29). Contudo, existem boas evidências de que as sucessivas gerações.
instruções genéticas permaneceram praticamente intactas
nos organismos vivos por períodos muito maiores; muitas A continuidade genética está contida em uma única
bactérias possuem praticamente o mesmo tamanho, forma
e estrutura interna, possuindo também o mesmo tipo de
molécula de DNA
moléculas precursoras e enzimas das bactérias que viveram O DNA é um polímero orgânico, fino e longo, sendo que sua
cerca de quatro bilhões de anos atrás. Esta continuidade da largura é da escala atômica e o seu comprimento chega a
estrutura e da composição é o resultado da continuidade da ser de alguns centímetros. Um esperma ou óvulo humano,
estrutura do material genético. carregando a informação hereditária acumulada em bilhões
Entre as descobertas mais notáveis da biologia no sé- de anos de evolução, transmite esta herança na forma de
culo XX está a natureza química e a estrutura tridimen- moléculas de DNA, nas quais a sequência linear de subu-
sional do material genético, ácido desoxirribonucleico, nidades de nucleotídeos ligados covalentemente codifica a
DNA. A sequência de subunidades monoméricas, os nu- mensagem genética.
cleotídeos (estritamente, desoxirribonucleotídeos, como Normalmente quando são descritas as propriedades de
discutido a seguir), neste polímero linear codifica as ins- espécies químicas, é descrito o comportamento médio de
truções para formar todos os outros componentes celu- um número muito grande de moléculas idênticas. Enquanto
lares e provê o molde para a produção de moléculas de é difícil de prever o comportamento de uma única molécula
DNA idênticas a serem distribuídas aos descendentes por em uma coleção, por exemplo, de um picomol de compostos
ocasião da divisão celular. A perpetuação de uma espécie (cerca de 6  1011 moléculas), o comportamento médio das
biológica requer que sua informação genética seja manti- moléculas é previsível porque muitas delas entram no cálcu-
28 David L. Nelson & Michael M. Cox

lo da média. O DNA celular é uma notável exceção. O DNA então a continuidade da informação é assegurada pela in-
que forma todo o material genético da E. coli é uma única formação presente na fita oposta, que pode atuar como um
molécula contendo 4,64 milhões de pares de nucleotídeos. molde para reparar o dano.
Esta única molécula tem que ser replicada com perfeição
nos mínimos detalhes para que uma célula de E. coli possa
gerar descendentes idênticos por divisão celular; não existe
espaço para tomar médias neste processo! O mesmo vale
para todas as células. O esperma humano traz para o óvulo
que ele fertiliza somente uma molécula de DNA de cada um
dos 23 cromossomos, para se combinar com somente uma
molécula de cada cromossomo correspondente no óvulo. O
resultado desta união é altamente previsível: um embrião
com todos os seus ~25.000 genes, feitos de 3 bilhões de pa-
res de nucleotídeos, intactos. Um feito químico impressio-
nante!

PROBLEMA RESOLVIDO 1-1 Fidelidade da Replicação


do DNA
Calcule o número de vezes que o DNA de uma célula de Fita 1
E. coli atual foi copiado desde que sua primeira célula bac-
teriana precursora surgiu há cerca de 3,5 bilhões de anos.
Para simplificar, assuma que neste período a E. coli sofreu,
em média, uma divisão celular a cada 12 horas (isto é supe- Fita 2
restimado para a bactéria atual, mas provavelmente subesti- G C
mado para a bactéria ancestral). A T
T A
Solução: G
C
(1 geração/12h) (24 h/dia) (365 dias/ano) (3,5  10 anos) C
9
A T A T
 2,6  10 gerações
12

Uma única página deste livro contém cerca de 5.000 ca- C G C G


racteres, de tal forma que o livro inteiro contém 5 milhões A A
T T
de caracteres. O cromossomo da E. coli também contém 5 G G
milhões de caracteres (pares de bases). Se você fizer uma
cópia manual deste livro e então passá-lo a um colega de
classe para também fazer uma cópia manual, e se essa cópia T A T A
for passada para um terceiro colega de classe para fazer a A A
T T
terceira cópia da cópia e assim por diante, quanto cada có- G C G C
pia vai se assemelhar com o livro original? Agora, imagine
o texto que resultaria ao se fazer cópias de cópias à mão
alguns trilhões de vezes! T A T A
A T A T

A estrutura do DNA permite sua replicação e seu reparo Fita Fita Fita Fita
velha 1 nova 2 nova 1 velha 2
com fidelidade quase perfeita
A capacidade dos seres vivos de preservar seu material ge- FIGURA 1-30 Complementaridade entre as duas fitas de DNA. O
nético e de duplicá-lo para a próxima geração resulta da DNA é um polímero linear de quatro tipos de desoxirribonucleotí-
complementaridade entre as duas fitas da molécula de DNA deos, ligados covalentemente: desoxiadenilato (A), desoxiguanila-
(Fig. 1-30). A unidade básica do DNA é um polímero linear to (G), desoxicitidilato (C), desoxitimidilato (T). Cada nucleotídeo,
de quatro subunidades monoméricas diferentes, desoxirri- com sua estrutura tridimensional única, pode se associar especi-
ficamente, mas não covalentemente, com um outro nucleotídeo
bonucleotídeos, arranjados em uma sequência linear pre-
na fita complementar: A sempre se associa com T e G com C.
cisa. Esta sequência linear codifica a informação genética.
Portanto na molécula de DNA dupla fita, toda a sequência de
Duas destas fitas poliméricas estão torcidas uma em torno
nucleotídeos em uma das fitas é complementar à sequência da
da outra formando a hélice dupla de DNA, na qual cada outra. As duas fitas, mantidas juntas por ligações de hidrogênio
desoxirribonucleotídeo em uma fita pareia especificamen- (representado por traços verticais em azul-claro) entre cada par de
te com um desoxirribonucleotídeo complementar na fita nucleotídeo complementar, giram uma em torno da outra para for-
oposta. Antes da célula se dividir, as duas fitas de DNA se mar a hélice dupla de DNA. Na replicação do DNA, as duas fitas
separam uma da outra e cada uma serve como molde para a (em azul) se separam e duas fitas novas (em rosa) são sintetizadas,
síntese de uma nova fita complementar, gerando duas mo- cada uma com uma sequência complementar às fitas originais. O
léculas em forma de hélice dupla idênticas, uma para cada resultado são duas moléculas tipo hélice dupla e cada uma idên-
célula-filha. Se a qualquer momento uma fita é danificada, tica ao DNA original.
Princípios de Bioquímica de Lehninger 29

A sequência linear no DNA codifica proteínas com formar complexos supramoleculares, como cromossomos,
ribossomos e membranas. As moléculas individuais destes
estrutura tridimensional complexos possuem sítios de ligação para cada uma com
A informação no DNA é codificada na sua sequência linear alta afinidade específica, e dentro das células elas se agru-
(unidimensional) de subunidades de desoxirribonucleo- pam espontaneamente em complexos funcionais.
tídeos, mas a expressão dessa informação resulta em uma Apesar de as sequências proteicas conterem toda a in-
célula tridimensional. Esta transformação da informação de formação necessária para alcançar sua conformação nativa,
uma dimensão para três dimensões ocorre em duas fases. o dobramento preciso e a automontagem também requerem
Uma sequência linear de desoxirribonucleotídeos no DNA o ambiente celular correto – pH, força iônica, concentrações
codifica (através de um intermediário, RNA) a produção de de íons metálicos, e assim por diante. Portanto, a sequência
uma proteína com a sequência linear de aminoácidos cor- de DNA sozinha não é suficiente para ditar a formação da
respondente (Fig. 1-31). A proteína dobra em uma forma célula.
tridimensional particular determinada pela sua sequência
de aminoácidos e estabilizada primariamente por interações RESUMO 1.4 Fundamentos genéticos
não covalentes. Embora a forma final da proteína dobrada
■ A informação genética é codificada na sequência linear
seja ditada pela sua sequência de aminoácidos, o processo
de quatro tipos de desoxirribonucleotídeos no DNA.
de dobra é assistido por “chaperonas moleculares” (veja a
Fig. 4-29). A estrutura tridimensional precisa, ou confor- ■ A hélice dupla da molécula de DNA contém um molde
mação nativa, de uma proteína é crucial para sua função. interno para sua própria replicação e reparo.
Uma vez em sua conformação nativa, a proteína pode ■ A sequência linear de aminoácidos em uma proteína,
associar-se não covalentemente com outras macromolé- que está codificada no DNA pelo gene para aquela pro-
culas (outras proteínas, ácidos nucleicos ou lipídeos) para teína, produz a estrutura tridimensional específica da
proteína – um processo que também depende das con-
dições ambientais.
Gene da hexocinase
DNA ■ Macromoléculas individuais com afinidade específica
por outras macromoléculas têm a capacidade de se au-
Transcrição do DNA to-organizar em complexos supramoleculares.
em RNA complementar

RNA mensageiro
1.5 Fundamentos evolutivos
Nada na biologia faz sentido exceto sob a luz da evolução.
Tradução do RNA nos
ribossomos em cadeias — Theodosius Dobzhansky, The American Biology Teacher,
polipeptídicas Março de 1973

Hexocinase O grande progresso na bioquímica e na biologia mole-


não dobrada cular nas décadas recentes confirmou a validade da gene-
ralização de Dobzhansky. A similaridade notável das rotas
Dobramento da cadeia de metabólicas e das sequências de genes entre os filos sugere
polipeptídeo na estrutura fortemente que todos os organismos modernos derivaram
nativa da hexocinase
de um ancestral evolutivo comum através de uma série de
pequenas mudanças (mutações), cada uma conferindo uma
vantagem seletiva a algum organismo em algum nicho eco-
ATP  glicose lógico.
ADP  glicose-
Hexocinase
cataliticamente ativa
-6-fosfato Mudanças nas instruções hereditárias permitem a
evolução
Apesar da fidelidade quase perfeita na replicação genética,
erros pouco frequentes não reparados no processo de repli-
cação do DNA levam a mudanças na sequência de nucleo-
FIGURA 1-31 Do DNA ao RNA, do RNA à proteína e da proteína
tídeos do DNA, produzindo uma mutação genética (Fig.
à enzima (hexocinase). A sequência linear de desoxirribonu-
cleotídeos no DNA (o gene), que codifica a proteína hexocina-
1-32) e alterando as instruções para um componente ce-
se, é primeiro transcrita em uma molécula de ácido ribonucleico lular. Danos reparados incorretamente em uma das fitas do
(RNA) com uma sequência complementar de ribonucleotídeos. A DNA possuem o mesmo efeito. Mutações no DNA passadas
sequência do RNA (RNA mensageiro) é então traduzida na cadeia aos descendentes – isto é, mutações presentes nas células
linear da proteína hexocinase, que então se dobra na sua forma reprodutivas – podem ser danosas ou mesmo letais ao novo
nativa tridimensional com o auxílio das chaperonas moleculares. organismo ou célula; elas podem, por exemplo, ser a causa
Uma vez em sua forma nativa, a hexocinase adquire sua atividade da síntese de uma enzima defeituosa que não é capaz de
catalítica: ela catalisa a fosforilação da glicose, usando ATP como catalisar uma reação metabólica essencial. Ocasionalmen-
doador do grupo fosforil. te, contudo, uma mutação equipa melhor um organismo ou
30 David L. Nelson & Michael M. Cox

Gene da hexocinase FIGURA 1-32 Duplicação e mutação de genes:


DNA um caminho para gerar novas atividades enzimáti-
cas. Neste exemplo, o único gene da hexocinase em
Um erro raro durante a
replicação do DNA duplica
um organismo hipotético pode eventualmente, por
o gene da hexocinase acidente, ser copiado duas vezes durante a replicação
do DNA, de modo que o organismo terá duas cópias
Gene original Gene duplicado inteiras do gene, sendo uma delas desnecessária. Ao
longo de gerações, na medida em que o DNA com
Um segundo erro raro resulta dois genes para a hexocinase é repetidamente repli-
em uma mutação no segundo cado, alguns erros raros podem ocorrer, levando a
gene da hexocinase mudanças na sequência de nucleotídeos do gene
excedente e, portanto, da proteína que ele codifica.
Mutação Em alguns casos muito raros, a proteína produzida a
partir desse gene mutado é alterada de tal forma que
ela se liga a um novo substrato – galactose no nosso
expressão do caso hipotético. Neste caso, a célula contendo o gene
expressão do gene duplicado
gene original mutado mutante adquire uma nova capacidade (metabolizar
a galactose), permitindo-a sobreviver em um nicho
ecológico que dispõe de galactose, mas não de glico-
ATP  glicose ATP  galactose se. Se a mutação ocorrer sem a duplicação do gene,
então a função original do produto do gene é perdida.
ADP  glicose- ADP  galactose-
6-fosfato -6-fosfato

Hexocinase original (a Hexocinase mutante com


galactose não é substrato) nova especificidade de
substrato para a galactose

uma célula para sobreviver em um dado ambiente. Uma en- permite a sobrevivência das células mutantes em novos ni-
zima mutante pode ter adquirido, por exemplo, uma especi- chos ecológicos.
ficidade um pouco diferente que a torna agora capaz de usar A adaptação seletiva por vários bilhões de anos refinou
um composto que previamente a célula estava incapacitada os sistemas celulares para tirar o máximo das propriedades
de metabolizar. Se uma população de células se encontrar físicas e químicas das matérias-primas disponíveis. As va-
em um ambiente onde aquele composto é a única ou a mais riações genéticas casuais em indivíduos em uma população,
abundante fonte de combustível disponível, então a célula combinadas com a seleção natural, resultaram na evolução
mutante terá uma vantagem competitiva sobre as demais de uma enorme variedade dos organismos atuais, cada um
células não mutadas (tipo selvagem) da população. A cé- adaptado ao seu nicho ecológico particular.
lula mutada e suas descendentes vão sobreviver e prosperar
no novo ambiente, enquanto as células do tipo selvagem vão As biomoléculas surgiram primeiro por evolução química
definhar e serão eliminadas. Isto é o que Darwin denominou
Agora foi omitido o primeiro capítulo da história da evolu-
de “sobrevivência do mais adaptado sob pressão seletiva” – ção: o surgimento da primeira célula viva. Os compostos or-
o processo da seleção natural. gânicos, incluindo as biomoléculas básicas como aminoáci-
Ocasionalmente, uma segunda cópia de um gene in- dos e carboidratos, são encontrados, se não for considerada
teiro é introduzida em um cromossomo como resultado da sua ocorrência nos organismos vivos, somente em quanti-
replicação defeituosa do cromossomo. A segunda cópia é dades – traço na crosta terrestre, no mar e na atmosfera.
desnecessária, e mutações neste gene não serão deletérias, Então como o primeiro organismo vivo conseguiu adquirir
podendo se tornar um meio pelo qual a célula pode evoluir, seus blocos de construção orgânica característicos? De
produzindo um novo gene com uma nova função enquan- acordo com uma hipótese, estes compostos foram criados
to mantém o gene original e a sua função. Sob esta óptica, pelo efeito de poderosas forças atmosféricas – irradiação
as moléculas de DNA dos organismos modernos são docu- ultravioleta, relâmpagos e raios ou erupções vulcânicas –
mentos históricos, registros de uma longa jornada desde as sobre os gases da atmosfera terrestre pré-biótica e sobre os
primeiras células até os organismos modernos. Contudo, os solutos inorgânicos nas fontes hidrotermais superaquecidas
registros históricos no DNA não estão completos; no curso nas profundezas do oceano.
da evolução, muitas mutações devem ter sido apagadas ou Esta hipótese foi testada em um experimento clássico
re-escritas. Porém as moléculas de DNA são a melhor fon- sobre a origem abiótica (não biológica) de biomoléculas or-
te de história biológica disponível. A frequência de erros gânicas conduzido em 1953 por Stanley Miller no laborató-
na replicação do DNA representa equilíbrio entre muitos rio de Harold Urey. Miller submeteu uma mistura de gases
erros, muitos dos quais geram células-filhas inviáveis, e supostamente existentes na terra pré-biótica, incluindo
relativamente poucos prevenindo a variação genética que NH3, CH4, H2O e H2, a uma descarga elétrica produzida por
Princípios de Bioquímica de Lehninger 31

Eletrodos nucleicos. A dependência mútua destas duas classes de bio-


moléculas traz a intrigante pergunta: quem veio primeiro, o
DNA ou a proteína?
A resposta pode ser que ambos surgiram aproximada-
mente ao mesmo tempo e que o RNA precedeu ambos. A
Local da descoberta de que moléculas de RNA podem atuar como
descarga catalisadoras da sua própria formação sugere que o RNA,
ou arco
elétrico ou uma molécula similar, pode ter sido o primeiro gene e
NH3 o primeiro catalisador. De acordo com este cenário (Fig.
HCN, 1-34), um dos primeiros estágios da evolução biológica foi
CH4
amino-
H2 ácidos a formação por acaso, na sopa primordial, de uma molécula
H2O de RNA que pode catalisar a formação de outra molécula de
RNA com a mesma sequência – uma autorreplicação, um
80˚C RNA autoperpetuante. A concentração de uma molécula
de RNA autorreplicante cresceria exponencialmente, vis-
to que uma molécula forma duas, duas formam quatro, e
Condensador assim por diante. A fidelidade da autorreplicação presumi-
velmente não era perfeita, de modo que o processo gerou
variantes do RNA, muitos dos quais podendo ser melhores
para a autorreplicação. Na competição por nucleotídeos, a
mais eficiente entre as sequências autorreplicantes ganha-
ria e os replicadores menos eficientes se extinguiriam da
população.

Criação da sopa pré-biótica, incluindo nucleotídeos, a


FIGURA 1-33 Produção abiótica de biomoléculas. Aparelho de
partir de componentes da atmosfera primitiva da Terra
descarga elétrica usado por Miller e Urey em experimentos de-
monstrando a formação abiótica de compostos orgânicos em con-
dições atmosféricas primitivas. Após submeter a mistura gasosa do
sistema a descargas elétricas, os produtos foram coletados por con- Produção de moléculas de RNA
densação. Biomoléculas tais como aminoácidos estavam entre os curtas com sequências aleatórias
produtos.

um par de eletrodos (para simular relâmpagos e raios) por Replicação seletiva de segmentos de
um período de uma semana ou mais e então analisou o con- RNA catalíticos autoduplicantes
teúdo do frasco da reação fechada (Fig. 1-33). A fase gaso-
sa da mistura continha CO e CO2, além dos gases de partida.
A fase líquida continha uma grande variedade de compostos Síntese de peptídeos específicos,
orgânicos, incluindo alguns aminoácidos, ácidos orgânicos, catalisada por RNA
aldeídos e ácido cianídrico (HCN). Este experimento mos-
trou a possibilidade da produção abiótica de biomoléculas
em um tempo relativamente curto e em condições relativa-
mente brandas. Aumento do papel dos peptídeos na replicação do RNA;
Experimentos de laboratório mais refinados fornece- coevolução do RNA e das proteínas
ram boas evidências de que muitos dos componentes quí-
micos das células vivas, incluindo polipeptídeos e moléculas
parecidas com o RNA, podem se formar sob estas condi- Sistema de tradução primitiva se desenvolve, com
ções. Polímeros de RNA podem atuar como catalisadores genoma de RNA e catalisadores RNA-proteína
em reações biologicamente importantes (veja os Capítulos
26 e 27), e o RNA provavelmente exerceu um papel crucial
na evolução pré-biótica, tanto como catalisador como repo-
sitório de informações. RNA genômico começa a ser copiado em DNA

RNA ou precursores relacionados podem ter sido os


primeiros genes e catalisadores Genoma de DNA, tradução em complexos RNA-proteína
Nos organismos modernos, ácidos nucleicos codificam a in- (ribossomos) com catalisadores de RNA e proteína
formação genética que especifica a estrutura das enzimas,
e as enzimas catalisam a replicação e o reparo dos ácidos FIGURA 1-34 Um possível roteiro para o “mundo do RNA”.
32 David L. Nelson & Michael M. Cox

A divisão de tarefas entre DNA (depósito de informação de compostos inorgânicos, tais como sulfeto ferroso e car-
genética) e proteína (catálise) foi, de acordo com a hipótese bonato ferroso, ambos abundantes na superfície terrestre.
do “mundo do RNA”, um desenvolvimento posterior. Novas Por exemplo, a reação
variantes de moléculas de RNA autorreplicantes se desen-
FeS  H2S → FeS2  H2
volveram, com a capacidade adicional de catalisar a con-
densação de aminoácidos em peptídeos. Eventualmente, os produz energia suficiente para promover a síntese de
peptídeos assim formados puderam reforçar a capacidade ATP ou compostos similares. Os compostos orgânicos de
do RNA de se autorreplicar e o par – molécula de RNA e que precisavam podem ter surgido das ações não biológicas
peptídeo auxiliar – poderia passar por modificações adicio- de raios e relâmpagos, do calor de vulcões ou do calor de
nais na sequência, gerando sistemas autorreplicantes com fendas termais no oceano sobre os componentes da atmos-
eficiências crescentes. A interessante descoberta de que na fera primitiva: CO, CO2, N2, NH3, CH4 e outros. Uma fonte
maquinaria de síntese de proteínas nas células modernas alternativa de compostos orgânicos tem sido proposta: o es-
(ribossomos) são as moléculas de RNA, não as proteínas, paço extraterrestre. Em 2006, a missão espacial Stardust
que catalisam a formação das ligações peptídicas é consis- (poeira estelar) trouxe finas partículas de poeira da cauda
tente com a hipótese do mundo do RNA. de um cometa; a poeira continha uma variedade de compos-
Algum tempo após a evolução deste sistema primitivo tos orgânicos.
de síntese de proteínas, houve um desenvolvimento adicio- Os organismos unicelulares primitivos adquiriram gra-
nal: moléculas de DNA com sequências complementares às dualmente a capacidade de extrair energia de compostos
moléculas de RNA autorreplicantes assumiram a função de do seu meio e de usar esta energia para sintetizar a maioria
conservar a informação “genética”, e as moléculas de RNA de suas moléculas precursoras, se tornando portanto menos
evoluíram para exercer o seu papel na síntese de proteínas. dependentes de fontes externas. Um evento evolutivo muito
(É explicado no Capítulo 8 por que o DNA é uma molé- significante foi o desenvolvimento de pigmentos capazes de
cula mais estável que o RNA e, portanto, um repositório capturar a energia da luz do sol, que pode ser usada para re-
mais adequado à informação hereditária.) As proteínas se duzir, ou “fixar”, CO2 para formar compostos orgânicos mais
revelaram catalisadores versáteis e, com o passar do tempo, complexos. O doador original de elétrons para estes proces-
assumiram a maior parte dessa função. Compostos simila- sos fotossintéticos foi provavelmente o H2S, produzindo
2–
res a lipídeos presentes na sopa primordial formaram cama- enxofre elementar ou sulfato (SO4 ) como subproduto; mais
das relativamente impermeáveis ao redor das coleções de tarde, as células desenvolveram a capacidade enzimática de
moléculas autorreplicantes. A concentração de proteínas e usar H2O como doador de elétrons nas reações fotossinté-
ácidos nucleicos dentro destes envólucros lipídicos favore- ticas, eliminando O2 como resíduo. As cianobactérias são
ceu as interações moleculares necessárias para a autorre- os descendentes modernos destes primeiros produtores de
plicação. oxigênio fotossintético.
Pelo fato de a atmosfera da Terra nos estágios iniciais
A evolução biológica começou há mais de meio bilhão da evolução biológica estar praticamente desprovida de oxi-
gênio, as primeiras células eram anaeróbicas. Sob estas con-
de anos dições, organismos quimiotróficos podiam oxidar compos-
A Terra se formou cerca de 4,6 bilhões de anos atrás, e a tos orgânicos em CO2 passando elétrons não para o O2, mas
2–
primeira evidência de vida data de mais de 3,5 bilhões de para aceptores como SO4 , neste caso produzindo H2S como
anos atrás. Em 1996, cientistas trabalhando na Groenlândia produto. Com o surgimento de bactérias fotossintéticas pro-
encontraram evidências químicas de vida (“moléculas fós- dutoras de O2, a atmosfera se tornou progressivamente rica
seis”) tão antigas quanto 3,85 bilhões de anos, formas de em oxigênio – um oxidante poderoso e tóxico para organis-
carbono incrustadas em rochas que parecem ter uma ori- mos anaeróbios. Respondendo à pressão evolutiva ao que
gem nitidamente biológica. Em algum lugar da Terra duran- Lynn Margulis e Dorion Sagan chamaram de “holocausto
te seus primeiros bilhões de anos os primeiros organismos do oxigênio”, algumas linhagens de micro-organismos le-
surgiram, capazes de replicar sua própria estrutura a partir varam ao surgimento de organismos aeróbicos que obtêm
de um molde (RNA?), que foi o primeiro material genéti- energia passando elétrons das moléculas de combustível ao
co. Pelo fato de a atmosfera terrestre no alvorecer da vida oxigênio. Devido ao fato de a transferência de elétrons de
ser praticamente desprovida de oxigênio e porque existiam moléculas orgânicas ao O2 liberar uma grande quantidade
poucos micro-organismos para aproveitar os compostos or- de energia, os organismos aeróbicos tiveram uma vantagem
gânicos formados pelos processos naturais, estes compos- energética sobre seus equivalentes anaeróbios quando am-
tos eram relativamente estáveis. Dada esta estabilidade e bos competiam no ambiente contendo oxigênio. Esta vanta-
eternidade de tempo transcorrido, o improvável se tornou gem se traduziu na predominância de organismos aeróbicos
inevitável: os compostos orgânicos foram incorporados nas em ambientes ricos em O2.
células em evolução para produzir catalisadores autorrepli- As bactérias e as arquibactérias modernas habitam
cantes com eficiência crescente. Assim, teve início o proces- praticamente todos os nichos ecológicos da biosfera, e
so da evolução biológica. existem organismos capazes de usar praticamente qual-
quer tipo de composto orgânico como fonte de carbono e
A primeira célula provavelmente usou combustíveis energia. Micróbios fotossintéticos tanto em água salgada
como em água doce capturam energia solar e a utilizam
inorgânicos para gerar carboidratos e todos os outros constituintes da
As células primitivas surgiram em uma atmosfera redutora célula, que por sua vez são usados como alimento pelas ou-
(não existia oxigênio) e provavelmente obtiveram energia tras formas de vida. O processo de evolução continua – e,
Princípios de Bioquímica de Lehninger 33

nas células bacterianas que se reproduzem rapidamente, complexos discretos com proteínas específicas e a sua di-
em uma escala de tempo que permite testemunhá-lo no la- visão correta entre as células-filhas se tornaram mais ela-
boratório. Uma abordagem para produzir uma “protocélu- borados. Proteínas especializadas foram requeridas para
la” no laboratório envolve o exame do genoma de bactérias estabilizar o DNA dobrado e para separar os complexos
simples para a determinação do número mínimo de genes DNA-proteína resultantes (cromossomos) durante a divisão
necessários para que possa existir vida. O menor genoma celular. Segundo, na medida em que as células se tornaram
conhecido de uma bactéria de vida livre é o do Mycobac- maiores, um sistema de membranas intracelular se desen-
terium genitalium, que contém 580.000 pares de bases volveu, incluindo uma dupla membrana envolvendo o DNA.
codificando 483 genes. Esta membrana segregou o processo nuclear de síntese de
RNA a partir do molde de DNA do processo citoplasmático
Células eucarióticas evoluíram a partir de precursores mais de síntese de proteínas nos ribossomos. Finalmente, as pri-
meiras células eucarióticas, que eram incapazes de realizar
simples através de vários estágios fotossíntese ou metabolismo aeróbico, englobaram bactérias
A partir de 1,5 bilhão de anos atrás, os registros fósseis aeróbicas e bactérias fotossintéticas formando associações
começaram a mostrar evidências de organismos maiores endossimbióticas que finalmente tornaram-se permanen-
e mais complexos, provavelmente as primeiras células eu- tes (Fig. 1-36). Algumas bactérias aeróbicas evoluíram
carióticas (Fig. 1-35). Detalhes do caminho evolutivo de para as mitocôndrias dos modernos eucariotos e algumas
células não nucleadas para células nucleadas não podem ser cianobactérias fotossintéticas se tornaram os plastídios,
deduzidos somente pelo registro fóssil, mas as semelhanças como os cloroplastos das algas verdes, o provável ancestral
bioquímicas e morfológicas dos organismos modernos suge- das células das plantas modernas.
rem uma sequência de eventos consistente com a evidência Em algum estágio posterior da evolução, os organismos
fóssil. unicelulares acharam vantajoso se agregar como aglomera-
Três mudanças principais devem ter ocorrido. Primei- dos, adquirindo assim maior mobilidade, eficiência ou su-
ro, na medida em que as células adquiriram mais DNA, os cesso reprodutivo se comparado com seus competidores
mecanismos necessários para dobrá-lo compactamente em unicelulares livres. Uma evolução adicional destes organis-
mos agregados levou a associações permanentes entre célu-
las individuais e eventualmente à especialização dentro da
0
colônia – para a diferenciação celular.
As vantagens da especialização celular levaram à
Diversificação de eucariotos multicelulares evolução para organismos sempre mais complexos e al-
500 (plantas, fungos, animais) tamente diferenciados, nos quais algumas células realiza-
vam as funções sensoriais, outras as funções digestivas,
fotossintéticas ou reprodutivas, e assim por diante. Muitos
Surgimento de algas vermelhas e verdes organismos multicelulares modernos contêm centenas de
1.000
Surgimento de endossimbiontes tipos de células diferentes, cada uma especializada para
(mitocôndrias, plastídeos) uma função de manutenção do organismo inteiro. Meca-
nismos fundamentais que evoluíram primeiramente tive-
1.500 Surgimento de protistas, ram ainda refinamentos ulteriores e se embelezaram com
os primeiros eucariotos
a evolução. Os mesmos mecanismos e estruturas básicas
que sustentam o movimento dos cílios no Paramecium e
Milhões de anos atrás

2.000 do flagelo na Chlamydomonas são utilizados, por exem-


plo, pelos espermatozoides altamente diferenciados dos
vertebrados.
2.500 Surgimento das bactérias aeróbicas
Desenvolvimento da atmosfera rica em O2 Anatomia molecular revela relações evolutivas
Agora os bioquímicos possuem um tesouro de informações
3.000 muito rico e sempre crescente da anatomia molecular das
Surgimento de cianobactérias células, que pode ser usado para analisar as relações evolu-
fotossintéticas produtoras de O2 tivas e refinar a teoria da evolução. A sequência do genoma,
Surgimento de bactérias sulfúricas o conteúdo genético completo de um organismo, foi deter-
3.500 fotossintéticas minada para centenas de bactérias, para mais de 40 arqui-
Surgimento de metanogênicos bactérias e para um número crescente de micro-organismos
eucarióticos, incluindo Saccharomyces cerevisiae e Plas-
4.000 Formação de oceanos e continentes modium sp.; plantas, incluindo Arabidopsis thaliana e
arroz; e animais multicelulares, incluindo Caenorhabditis
elegans (um verme), Drosophila melanogaster (a mos-
ca-das-frutas), camundongo, rato, cachorro, chimpanzé e
4.500 Formação da Terra
Homo sapiens (Tabela 1-2). Com tais sequências em mãos,
uma comparação detalhada e quantitativa entre as espécies
FIGURA 1-35 Marcos da evolução da vida na Terra. pode fornecer uma visão profunda do processo evolutivo.
34 David L. Nelson & Michael M. Cox

Sistemas simbióticos
podem agora executar
catabolismo aeróbico.
O metabolismo Alguns genes bacterianos
anaeróbio é ineficiente Bactérias são engolfa- se moveram para o núcleo
porque o combustível das por eucariotos e as bactérias endossim-
não é completamente ancestrais e multipli- biontes se tornaram
oxidado. cadas em seu interior. as mitocôndrias.

Núcleo

Eucarioto
não fotossintético

Mitocôndria

Eucarioto anaeróbio Eucarioto aeróbico


ancestral

Genoma
bacteriano Genoma de Cloroplasto
cianobactéria

Cianobactéria Eucarioto
Bactéria aeróbica fotossintética fotossintético
Cianobactéria
engolfada se torna
O metabolismo aeróbico é Energia luminosa é um endossimbionte Com o tempo alguns
eficiente porque o com- usada para sintetizar e se multiplica; a genes da cianobactéria se
bustível é oxidado em CO2. biomoléculas a partir nova célula pode deslocaram para o núcleo
de CO2 . produzir ATP e os endossimbiontes se
usando energia da tornaram plastídeos
luz solar. (cloroplastos).

FIGURA 136 Evolução dos eucariotos por endossimbiose. O eu- dria. Quando a cianobactéria fotossintética (em verde) se tornou
carioto primitivo, um anaeróbio, adquiriu uma bactéria púrpura endossimbionte de alguns eucariotos aeróbicos, então estas células
endossimbiótica (em amarelo), que levou consigo a capacidade de se tornaram os precursores fotossintéticos das modernas plantas e
fazer o catabolismo aeróbico e se tornou, com o tempo, a mitocôn- algas verdes.

Até aqui, a filogenia molecular derivada da sequência de ge- quando um novo gene sequenciado de uma espécie é forte-
nes é consistente, mas em alguns casos até mais precisa que mente ortólogo com um gene de uma outra espécie, então
a filogenia clássica com base em estruturas macroscópicas. este gene provavelmente codifica uma proteína com a mes-
Apesar de os organismos terem continuamente divergido ma função em ambas as espécies. Desta forma, a função do
em sua anatomia bruta, em nível molecular a unidade da produto dos genes pode ser deduzida a partir da sequência
vida se torna imediatamente clara; estruturas e mecanismos genômica, sem nenhuma caracterização bioquímica do pro-
moleculares são muito similares desde os organismos mais duto do gene. Um genoma anotado possui, além da pró-
simples aos mais complexos. Estas similaridades são mais pria sequência de DNA, uma descrição da provável função
facilmente percebidas nas sequências, tanto nas sequências do produto de cada gene, deduzida por comparação com
de DNA que codificam proteínas como na própria sequência outras sequências genômicas e funções proteicas estabele-
das proteínas. cidas. Às vezes, podem-se deduzir as capacidades metabó-
Quando dois genes compartilham similaridades de se- licas de um organismo somente pela sequência genômica,
quência facilmente detectáveis (sequência de nucleotídeos isto é, pela identificação das rotas (conjunto de enzimas)
no DNA ou sequência de aminoácidos na proteína que eles codificadas no genoma.
codificam), suas sequências são ditas homólogas e as pro- As diferenças de sequência entre genes homólogos po-
teínas que eles codificam são homólogas. Se dois genes dem ser tomadas como uma medida aproximada do grau em
homólogos ocorrem na mesma espécie, então eles são ditos que as duas espécies divergiram no curso da evolução – ou
parálogos e os produtos proteicos também são parálogos. a quanto tempo atrás o seu precursor evolutivo comum deu
Presume-se que os genes parálogos sejam derivados da origem a duas linhas com destinos evolutivos diferentes.
duplicação gênica, seguida por mudanças graduais nas se- Quanto maior o número de sequências diferentes, mais an-
quências de ambas as cópias. Tipicamente, proteínas pará- tiga a divergência na história evolutiva. Pode-se construir
logas são similares não somente em sequência, mas também uma filogenia (árvore genealógica) na qual a distância evo-
em sua estrutura tridimensional, mas ambas adquiriram lutiva entre duas espécies quaisquer é representada por sua
funções diferentes durante sua evolução. proximidade na árvore (a Fig. 1-4 é um exemplo).
Dois genes homólogos (ou proteínas) encontrados em No curso da evolução, novas estruturas, processos ou
espécies diferentes são ditos ortólogos e suas proteínas mecanismos regulatórios são adquiridos, reflexos dos ge-
resultantes são ortólogas. Normalmente as ortólogas pos- nomas alterados dos organismos em evolução. O genoma
suem a mesma função em ambos os organismos; portanto, de um eucarioto simples como a levedura deve ter genes
Princípios de Bioquímica de Lehninger 35

TABELA 1-2 Alguns dos muitos organismos cujos genomas foram completamente sequenciados
Tamanho do genoma
Organismo (pares de nucleotídeos) Número de genes Interesse biológico
5,8  10 4,8  10
5 2
Mycoplasma genitalium O menor organismo
1,1  10 1,0  10
6 3
Treponema pallidum Causa sífilis
9,1  10 8,5  102
5
Borrelia burgdorferi Causa a doença de Lyme
1,7  10 1,6  10
6 3
Helicobacter pylori Causa úlcera gástrica
1,7  10 1,7  10
6 3
Methanococcus jannaschii Arquibactéria; cresce a 85°C!
1,8  10 1,6  103
6
Haemophilus influenzae Causa gripe bacteriana
2,2  10 2,4  10
6 3
Archaeoglobus fulgidus* Metanogênica de alta temperatura
3,6  10 3,2  10
6 3
Synechocystis sp. Cianobactéria
4,2  10 4,1  10
6 3
Bacillus subtilis Bactéria comum do solo
4,6  10 4,4  103
6
Escherichia coli Algumas linhagens são patógenos humanos
1,2  10 5,9  10
7 3
Saccharomyces cerevisiae Eucarioto unicelular
2,3  10 5,3  103
7
Plasmodium falciparum Causa malária em humanos
1,0  10 2,3  104
8
Caenorhabditis elegans Verme redondo multicelular
2,3  10 1,3  10
8 4
Anopheles gambiae Vetor da malária
1,2  10 3,2  10
8 4
Arabidopsis thaliana Planta modelo
3,9  10 3,8  10
8 4
Oryza saliva Arroz
1,2  10 2,0  10
8 4
Drosophila melanogaster Mosca de laboratório (“mosca-das-frutas”)
2,6  10 2,7  10
9 4
Mus musculus domesticus Camundongo de laboratório
3,1  10 4,9  10
9 4
Pan troglodytes Chimpanzé
3,1  10 2,9  10
9 4
Homo sapiens Humano

Fonte: A página do RefSeq para cada organismo está em www.ncbi.nlm.nih.gov/genomes.

relacionados à formação da sua membrana nuclear, genes conhecida, o que representa mais de 40% dos genes de
estes não presentes nas bactérias ou nas arquibactérias. cada espécie. As proteínas de transporte que movem íons e
O genoma de um inseto deve conter genes que codificam pequenas moléculas através da membrana plasmática ocu-
proteínas envolvidas em especificar a segmentação carac- pam uma proporção significante dos genes em todas as três
terística do seu corpo, genes estes não presentes na leve- espécies, mais em bactérias e plantas que nos mamíferos
dura. O genoma de todos os vertebrados deve compartilhar (10% dos ~4.400 genes de E. coli, ~8% dos ~32.000 genes
genes que especificam o desenvolvimento da coluna espi- de A. thaliana, e ~4% de ~29.000 genes de H. sapiens).
nhal, e o dos mamíferos deve ter genes próprios necessá- Os genes que codificam as proteínas e o RNA necessários
rios para o desenvolvimento da placenta, uma característi- para síntese de proteínas somam de 3 a 4% do genoma de
ca dos mamíferos – e assim por diante. A comparação dos E. coli, mas nas células mais complexas de A. thaliana,
genomas completos das espécies de cada filo está levando mais genes são necessários para endereçar as proteínas até
à identificação de genes que são críticos às mudanças evo- a sua localização final nas células do que o requerido para
lutivas fundamentais no plano corporal e no desenvolvi- sintetizá-las (cerca de 6 e 2% do genoma, respectivamen-
mento. te). Em geral, quanto mais complexo o organismo, maior
a porção do seu genoma que codifica genes envolvidos na
regulação de processos celulares e menor a porção dedica-
A genômica funcional mostra a alocação de genes para da aos processos básicos, como geração de ATP e síntese
processos celulares específicos proteica.
Quando a sequência de um genoma está completamente
determinada e uma função associada a cada gene, os gene- A comparação genômica apresenta importância crescente
ticistas moleculares podem agrupar os genes de acordo com
o processo (síntese de DNA, síntese de proteína, geração de
na biologia e na medicina humana
ATP, e assim por diante) no qual eles funcionam e encontrar Os genomas de chimpanzés e humanos são 99,9%
qual fração do genoma está alocada a cada uma das ativida- idênticos, apesar de as diferenças entre as duas es-
des celulares. pécies serem enormes. As relativamente poucas diferenças
A maior categoria de genes em E. coli, A. thaliana e nos conteúdos genéticos devem explicar o domínio da lin-
H. sapiens consiste em genes (até agora) de função des- guagem em humanos, a extraordinária capacidade física dos
36 David L. Nelson & Michael M. Cox

chimpanzés e uma miríade de outras diferenças. A compa- Termos-chave


ração de genomas está permitindo aos pesquisadores iden-
tificar genes candidatos ligados a divergências no programa Todos os termos estão definidos no glossário.
de desenvolvimento de humanos e dos outros primatas e a metabólito 3 variação da energia livre,
emergência de funções complexas como a linguagem. Tudo núcleo 3 G 22
se tornará mais claro somente quando o genoma de mais genoma 3 reação endergônica 22
primatas se tornar disponível para comparação com o geno- eucarioto 3 reação exergônica 22
ma humano. procarioto 3 equilíbrio 23
Da mesma forma as diferenças no conteúdo genético bactéria 4 variação da energia livre
arquibactérias 4 padrão, G° 24
entre humanos são extremamente pequenas se compara-
citoesqueleto 8 energia de ativação,
das com as diferenças entre humanos e chimpanzés. Mes-
estereoisômeros 15 G‡ 25
mo assim, estas poucas diferenças são responsáveis pelas
configuração 15 catabolismo 25
diferenças entre nós – incluindo diferenças na saúde e centro quiral 16 anabolismo 25
na suscetibilidade a doenças crônicas. Temos muito que conformação 18 metabolismo 25
aprender sobre a variabilidade na sequência entre huma- entropia, S 22 biologia de sistemas 26
nos, e a disponibilidade de informação genômica vai cer- entalpia, H 22 mutação 29
tamente transformar o diagnóstico e o tratamento médico.
Podemos esperar que, para algumas doenças genéticas, os
tratamentos paliativos até agora utilizados, serão substituí- Leituras adicionais
dos por curas; e para as suscetibilidades a doenças associa- Geral
das com marcadores genéticos particulares prevalecerão a
Friedman, H.C. (2004) From “Butyribacterium” to “E. coli”:
advertência e talvez medidas preventivas intensificadas. O
an essay on unity in biochemistry. Perspect. Biol. Med. 47, 47–66.
atual “histórico médico” poderá ser substituído pela “previ-
são médica”. ■ Fruton, J.S. (1999) Proteins, Enzymes, Genes: The Interplay of
Chemistry and Biochemistry, Yale University Press, New Haven.
Um distinto historiador da bioquímica relata o desenvolvi-
RESUMO 1.5 Fundamentos evolutivos mento desta ciência e discute seus impactos na medicina, farmá-
■ As mutações ocasionais herdadas geram organismos cia e agricultura.
melhor adaptados para sobreviver em um dado ni- Harold, F.M. (2001) The Way of the Cell: Molecules, Organis-
cho ecológico, e seus descendentes serão preferen- ms, and the Order of Life, Oxford University Press, Oxford.
cialmente selecionados. Este processo de mutação e
Judson, H.F. (1996) The Eighth Day of Creation: The Makers
seleção é a base da evolução darwiniana que vai da
of the Revolution in Biology, expanded edn, Cold Spring Harbor
primeira célula a todos os organismos modernos e ex- Laboratory Press, Cold Spring Harbor, NY.
plica a similaridade fundamental de todos os organis- Uma descrição muito clara e apropriada do surgimento da
mos vivos. bioquímica e biologia molecular no século vinte.
■ A vida surgiu há cerca de 3,5 bilhões de anos, mais pro- Kornberg, A. (1987) The two cultures: chemistry and biology.
vavelmente com a formação de um compartimento fe- Biochemistry 26, 6888–6891.
chado por membrana contendo uma molécula de RNA A importância de aplicar ferramentas químicas aos proble-
autorreplicante. Os componentes das primeiras células mas biológicos, descritos por um eminente especialista.
podem ter sido produzidos próximo a fontes hidroter- Monod, J. (1971) Chance and Necessity, Alfred A. Knopf, Inc.,
mais no fundo dos oceanos ou pela ação de raios e re- New York. [Paperback edition, Vintage Books, 1972.] Originally pu-
lâmpagos e altas temperaturas sobre moléculas atmos- blished (1970) as Le hasard et la nécessité, Editions du Seuil, Paris.
féricas simples, como CO2 e NH3. Uma exploração das implicações filosóficas do conhecimento
■ Os papéis catalíticos e genéticos exercidos pelos pri- biológico.
meiros genomas de RNA foram ao longo do tempo Morowitz, H.J. (2002) The Emergence of Everything (How
sendo realizados por proteínas e DNA, respectiva- the World Became Complex), Oxford University Press, Oxford.
mente. Discussão curta e muito bem escrita sobre a emergência de
■ Células eucarióticas adquiriram a capacidade de pro- organismos complexos a partir de precursores simples.
mover a fotossíntese e a fosforilação oxidativa a partir Pace, N.R. (2001) The universal nature of biochemistry. Proc.
de bactérias endossimbióticas. Em organismos multice- Natl. Acad. Sci. USA 98, 805–808.
lulares, alguns tipos de células diferenciadas se espe- Uma curta discussão da definição mais sucinta de vida, na
cializaram em uma ou mais funções essenciais para a Terra e em qualquer outro lugar.
sobrevivência do organismo. Fundamentos celulares
■ O conhecimento das sequências completas de nucleo- Becker, W.M., Kleinsmith, L.J., & Hardin, J. (2005) The
tídeos dos genomas de organismos de diferentes ramos World of the Cell, 6th edn, The Benjamin/Cummings Publishing
da árvore filogenética fornece compreensões mais pro- Company, Redwood City, CA.
fundas da evolução e oferece também grandes oportu- Um excelente texto introdutório de biologia celular.
nidades para a medicina humana. Lodish, H., Berk, A., Matsudaira, P., Kaiser, C.A., Krieger,
M., Scott, M.R., Zipursky, S.L., & Darnell, J. (2004) Molecular
Cell Biology, 5th edn, W. H. Freeman and Company, New York.
Um texto excelente e útil para este e outros capítulos.
Princípios de Bioquímica de Lehninger 37

Purves, W.K., Sadava, D., Heller, H.C., & Orians, G.H. Um roteiro da sucessão dos passos químicos que levaram ao
(2003) Life: The Science of Biology, 7th edn, W. H. Freeman and primeiro organismo vivo.
Company, New York. de Duve, C. (1996) The birth of complex cells. Sci. Am. 274
Fundamentos químicos (April), 50–57.
Barta, N.S. & Stille, J.R. (1994) Grasping the concepts of ste- Evolution of Catalytic Function. (1987) Cold Spring Harb.
reochemistry. J. Chem. Educ. 71, 20–23. Symp. Quant. Biol. 52.
Uma descrição clara do sistema RS para nomear estereoisô- Uma coleção de quase 100 artigos sobre todos os aspectos da
meros com sugestões práticas para determinar e recordar os tipos evolução pré-biótica e da evolução biológica inicial, provavelmen-
de isômeros. te a melhor fonte sobre evolução molecular.
Vollhardt, K.P.C. & Shore, N.E. (2005) Organic Chemistry: Gesteland, R.F., Atkins, J.F., & Cech, T.R. (eds). (2006) The
Structure and Function, 5th edn, W. H. Freeman and Company, RNA World, Cold Spring Harbor Laboratory Press, Cold Spring
New York. Harbor, NY.
Uma discussão atualizada de estereoquímica, grupos funcio- Uma coleção de estimulantes revisões sobre uma ampla
nais, reatividade e a química das principais classes de biomoléculas. gama de tópicos relacionados ao roteiro do mundo do RNA.
Lazcano, A. & Miller, S.L. (1996) The origin and early evolu-
Fundamentos físicos
tion of life: prebiotic chemistry, the pre-RNA world, and time. Cell
Atkins, P.W. & de Paula, J. (2006) Physical Chemistry for the 85, 793–798.
Life Sciences, W. H. Freeman and Company, New York. Uma breve revisão do desenvolvimento nos estudos da ori-
Atkins, P.W. & Jones, L. (2005) Chemical Principles: The Quest gem da vida: atmosfera primitiva, fontes hidrotermais submari-
for Insight, 3rd edn, W. H. Freeman and Company, New York. nas, origem autotrófica versus origem heterotrófica, os mundos
Blum, H.F. (1968) Time’s Arrow and Evolution, 3rd edn, Prin- do RNA e pré-RNA e o tempo requerido para a vida surgir.
ceton University Press, Princeton. Margulis, L. (1996) Archaeal-eubacterial mergers in the origin
Uma excelente discussão de como a segunda lei da termodi- of Eukarya: phylogenetic classification of life. Proc. Natl. Acad.
nâmica influenciou a evolução biológica. Sci. USA 93, 1071–1076.
Os argumentos para dividir todos os seres vivos em cinco rei-
Fundamentos genéticos
nos: Monera, Protista, Fungos, Animais e Plantas. (Comparar com
Griffiths, A.J.F., Wessler, S.R., Lewinton, R.C., Gelbart, Woese et al., 1990, abaixo.)
W.M., Suzuki, D.T., & Miller, J.H. (2004) An Introduction to
Margulis, L., Gould, S.J., Schwartz, K.V., & Margulis, A.R.
Genetic Analysis, W. H. Freeman and Company, New York.
(1998) Five Kingdoms: An Illustrated Guide to the Phyla of
Hartwell, L., Hood, L., Goldberg, M.L., Silver, L.M., Veres, Life on Earth, 3rd edn, W. H. Freeman and Company, New York.
R.C., & Reynolds, A. (2003) Genetics: From Genes to Geno- Descrição de todos os principais grupos de organismos, mui-
mes, McGraw-Hill, New York. to bem ilustrados com micrografias eletrônicas e desenhos.
International Human Genome Sequencing Consortium. Mayr, E. (1997) This Is Biology: The Science of the Living
(2001) Initial sequencing and analysis of the human genome. Na- World, Belknap Press, Cambridge, MA.
ture 409, 860–921. A história do desenvolvimento da ciência, com ênfase especial
Jacob, F. (1973) The Logic of Life: A History of Heredity, Pan- na evolução darwiniana, por um eminente estudioso de Darwin.
theon Books, Inc., New York. Originally published (1970) as La Miller, S.L. (1987) Which organic compounds could have occur-
logique du vivant: une histoire de l’hérédité, Editions Galli- red on the prebiotic earth? Cold Spring Harb. Symp. Quant.
mard, Paris. Biol. 52, 17–27.
Um interessante relato histórico e filosófico dos eventos que Resumo de experimentos de laboratório sobre evolução quími-
nos levaram à presente compreensão molecular da vida. ca, pela pessoa que realizou o experimento original de Miller-Urey.
Klug, W.S. & Cummings, M.R. (2002) Concepts of Genetics, Woese, C.R. (2002) On the evolution of cells. Proc. Natl. Acad.
7th edn, Prentice Hall, Upper Saddle River, NJ. Sci. USA 99, 8742–8747.
Pierce, B. (2005) Genetics: A Conceptual Approach, 2nd edn, Revisão curta e clara.
W. H. Freeman and Company, New York. Woese, C.R. (2004) A new biology for a new century. Microbiol.
Fundamentos evolutivos Mol. Biol. Rev. 68, 173–186.
Desenvolvimento do pensamento atual sobre a evolução ce-
Brow, J.R. & Doolittle, W.F. (1997) Archaea and the proka- lular por um dos mais destacados pensadores desta área.
ryote-to-eukaryote transition. Microbiol. Mol. Biol. Rev. 61,
456–502. Woese, C.R., Kandler, O., & Wheelis, M.L. (1990) Towards a
Uma discussão completa dos argumentos para colocar as ar- natural system of organisms: proposal for the domains Archaea,
quibactérias no ramo filogenético que levou aos organismos mul- Bacteria, and Eucarya. Proc. Natl. Acad. Sci. USA 87, 4576–4579.
ticelulares. Os argumentos para dividir todos os seres vivos em três do-
mínios. (Comparar com Margulis, 1996, acima.)
Carroll, S.B. (2006) The Making of the Fittest: DNA and the
Ultimate Forensic Record of Evolution, W.W. Norton & Com-
pany, Inc., New York.
Problemas
Seguem alguns problemas relacionados ao conteúdo do capítulo.
Carroll, S.B. (2005) Endless Forms Most Beautiful: The New
(Para solucionar os problemas de final de capítulo o leitor pode
Science of Evo Devo and the Making of the Animal Kingdom,
consultar a guarda da obra.) Cada problema tem um título para
W.W. Norton & Company, Inc., New York.
facilitar a referência e discussão. Para todos os problemas numé-
de Duve, C. (1995) The beginnings of life on earth. Am. Sci. 83, ricos mantenha em mente que as respostas devem ser expressas
428–437.
38 David L. Nelson & Michael M. Cox

com número correto de algarismos significativos. Soluções sucin- (a) Por que a relação superfície-volume afeta a taxa máxima
tas são fornecidas no Apêndice B. do metabolismo?
(b) Calcule a relação superfície-volume para a bactéria
1. O tamanho das células e seus componentes
Neisseria gonorrhoeae esférica (0,5 m de diâmetro), responsá-
(a) Se você for ampliar uma célula 10.000 vezes (ampliação
vel pela doença gonorreia. Compare-a com a relação superfície-vo-
típica conseguida no microscópio eletrônico), quão grande isto
lume da ameba globular, uma grande célula eucariótica (150 m
seria? Considere que você está vendo uma célula eucariótica “típi-
de diâmetro). A área da superfície de uma esfera é dada por 4 r2.
ca” com um diâmetro celular de 50 m.
(b) Se esta célula for uma célula muscular (miócito), quantas 5. O transporte rápido dos axônios. Os neurônios possuem
moléculas de actina ela poderia conter? (Assuma que a célula é uma fina e longa extensão chamada de axônio, estrutura especia-
esférica e que mais nenhum outro componente celular está pre- lizada em conduzir sinais através do sistema nervoso do organis-
sente; moléculas de actina são esféricas, com 3,6 nm de diâmetro. mo. Alguns axônios podem ter 2 m de comprimento – por exem-
O volume da esfera é de 4/3 r3.) plo, os axônios que se originam na medula espinhal e terminam
(c) Se esta fosse uma célula do fígado (hepatócito) com as nos músculos dos dedos dos pés. Pequenas vesículas envoltas por
mesmas dimensões, quantas mitocôndrias poderia conter? (Consi- membrana e que carregam materiais essenciais para o funciona-
dere que a célula é esférica, nenhum outro componente celular está mento do axônio se movem ao longo de microtúbulos do citoes-
presente e a mitocôndria é esférica, com 1,5 m de diâmetro.) queleto desde o corpo celular até a extremidade dos axônios. Se a
(d) Glicose é o principal nutriente produtor de energia para velocidade média de uma vesícula é de 1 m/s, quanto tempo levará
a maioria das células. Assumindo uma concentração celular de para a vesícula se mover do corpo celular que está localizado na
1 mM (isto é, 1 milimol/L), calcule quantas moléculas de glicose medula espinhal até a ponta axonal nos dedos?
podem estar presentes na nossa célula eucariótica hipotética (e
6. A vitamina C sintética é tão boa quanto a vitamina na-
esférica). (O número de Avogadro, o número de moléculas em 1
tural? Uma alegação manifestada por alguns fornecedores de
mol de substância não ionizada, é 6,02  1023.)
alimentos naturais é a de que as vitaminas obtidas de fontes natu-
(e) Hexocinase é uma enzima importante no metabolismo da
rais são mais saudáveis do que as obtidas por síntese química. Por
glicose. Se a concentração de hexocinase em nossa célula euca-
exemplo, o ácido L-ascórbico (vitamina C) puro extraído dos fru-
riótica é de 20 M, quantas moléculas de glicose estão presentes
tos da roseira silvestre é melhor do que o ácido L-ascórbico puro
para cada molécula de hexocinase?
produzido pela indústria química. Existe alguma diferença entre
2. Componentes da E. coli. Células de E. coli tem forma de bas- as vitaminas das duas fontes? Pode o corpo distinguir a fonte de
tão, possuem cerca de 2 m de comprimento e 0,8 m de diâmetro. origem das vitaminas?
O volume de um cilindro é r2 h, onde h é a altura do cilindro.
7. Identificação de grupos funcionais. As Figuras 1-15 e 1-16
(a) Se a densidade média da E. coli (na maior parte água) é
mostram alguns grupos funcionais comuns de biomoléculas. Devi-
1,1 x 103 g/L, qual é a massa de uma única célula?
do ao fato de as propriedades e atividades biológicas das biomolé-
(b) A E. coli possui um envelope de proteção celular de 10
culas serem basicamente determinadas pelos seus grupos funcio-
nm de espessura. Qual porcentagem do volume total da bactéria é
nais, é importante poder identificá-las. Em cada um dos compostos
ocupada pelo envelope?
abaixo, circule e identifique o nome de cada grupo funcional.
(c) A E. coli é capaz de crescer e multiplicar rapidamente
porque contém cerca de 15.000 ribossomos esféricos (diâmetros O
de 18 nm), que realizam a síntese de proteínas. Qual porcentagem H HO P O
do volume celular é ocupada pelos ribossomos? H C OH
H O
3. Informação genética no DNA da E. coli. A informação H H H C OH C C COO
genética contida no DNA consiste de uma sequência linear de 
H
H3N C C OH H C OH
unidades codificantes, conhecida como códon. Cada códon é uma
Fosfoenolpiruvato,
sequência específica de três desoxirribonucleotídeos (três pares H H H
um intermediário no
de desoxirribonucleotídeos no DNA fita dupla), e cada códon co- Etanolamina Glicerol metabolismo da glicose
difica uma unidade de aminoácido na proteína. O peso molecu- (a) (b) (c)
lar de uma molécula de DNA de E. coli é de cerca de 3,1  109

g/mol. O peso molecular médio do par de nucleotídeo é 660 g/mol O O
e cada par de nucleotídeo contribui com 0,34 nm de comprimento C
do DNA. CH2
(a) Calcule o comprimento de uma molécula de DNA da E. H O
CH2
coli. Compare o comprimento da molécula de DNA com as dimen- C
sões da célula (veja o Problema 2). Como a molécula de DNA cabe NH 
H C NH3
dentro da célula? COO C O
(b) Assumindo que uma proteína média na E. coli consiste  HO C H
H3N C H H C OH
de uma cadeia de 400 aminoácidos, qual é o número máximo de H C OH
proteínas que podem ser codificadas por uma molécula de DNA H C OH H3C C CH3
de E. coli? H C OH
CH3 CH2OH
Treonina, um Pantotenato, CH2OH
4. A alta taxa do metabolismo bacteriano. As células bacte-
aminoácido uma vitamina D-glicosamida
rianas têm uma taxa de metabolismo muito mais alta que as cé-
lulas animais. Sob condições ideais algumas bactérias dobram de (d) (e) (f)
tamanho e se dividem a cada 20 minutos, enquanto que muitas
células animais sob condições de crescimento rápido requerem 24 8. Atividade de drogas e estereoquímica. As dife-
horas. A alta taxa do metabolismo bacteriano requer uma elevada renças quantitativas na atividade biológica entre dois
relação área de superfície-volume celular. enantiômeros de um composto algumas vezes são enormes. Por
Princípios de Bioquímica de Lehninger 39

exemplo, o isômero D da droga isoproterenol, usada no tratamen- (b) Encefalina-metionina, o ópio do cérebro:
to de asma leve, é de 50 a 80 vezes mais efetivo como broncodila-
tador do que o L isômero. Identifique o centro quiral no isoprote-
renol. Por que os dois enantiômeros possuem bioatividade tão
radicalmente diferente? H H H O
H O CH2 H H
HO CH2 C C N C C N C C N C C N C COO
NH2 H H O H H H O CH 2
CH2

Isoproterenol S
CH3
9. Separação de biomoléculas. No estudo de uma biomolécula
particular (proteína, ácido nucleico, carboidrato ou lipídeo) no labo- (c) Fosfatidilcolina, um componente de muitas membranas:
ratório, o bioquímico primeiro precisa separá-la das outras molécu- CH3 O
las da amostra – isto é, precisa purificá-la. Técnicas de purificação 
específicas são descritas mais adiante no texto. Entretanto, olhan- CH3 N CH2 CH2 O P O CH2 H H
do-se as subunidades monoméricas de uma biomolécula, tem-se CH3 O HC O C (CH 2 )7 C C (CH 2 ) 7 CH3
alguma ideia sobre as características da molécula que vão permitir
O
separá-la das outras moléculas. Por exemplo, como você separaria
(a) aminoácidos de ácidos graxos e (b) nucleotídeos de glicose? CH 2 O C (CH 2)14 CH 3

10. Vida baseada em silício? O silício está no mesmo grupo do O


carbono na tabela periódica e, tal como o carbono, pode formar
até quatro ligações simples. Muitas histórias de ficção científica 13. Determinação da estrutura de uma biomolécula. Uma
tem se baseado na premissa da vida baseada em silício. Seria isto substância desconhecida, X, foi isolada de músculo de coelho. Sua
possível? Quais características do silício o tornam menos adapta- estrutura foi determinada a partir das seguintes observações e ex-
do que o carbono como elemento central de organização da vida? perimentos. A análise qualitativa mostrou que X era inteiramente
Para responder esta questão, considere o que você aprendeu so- composta por C, H e O. Uma amostra de X foi pesada e oxidada
bre a versatilidade de ligação do carbono, e consulte um livro- completamente, e H2O e CO2 produzidos foram medidos; esta aná-
-texto introdutório de química inorgânica sobre propriedades de lise quantitativa revelou que X continha 40,00% de C, 6,71% de H
ligação do silício. e 53,29% de O em peso. A massa molecular de X, determinada por
espectrometria de massa, foi 90,00 u (unidades de massa atômica;
11. A ação dos fármacos e a forma das molécu-
veja o Quadro 1-1). Espectroscopia infravermelha mostrou que
las. Há alguns anos duas companhias farmacêuticas in-
X continha uma dupla ligação. X dissolveu prontamente em água
troduziram no mercado uma droga sob os nomes comerciais De-
produzindo uma solução ácida, que demonstrou atividade óptica
xedrine e Benzedrine. A estrutura da droga é mostrada abaixo.
quando testada no polarímetro.
(a) Determine a fórmula empírica e molecular de X.
(b) Desenhe as possíveis estruturas de X que se ajustam à
fórmula molecular e contêm uma ligação dupla. Considere so-
mente estruturas lineares e ramificadas e despreze estruturas
As propriedades físicas (análise de C, H e N, ponto de fusão, cíclicas. Note que o oxigênio faz ligações muito pobres consigo
solubilidade, etc.) da Dexedrine e de Benzedrine eram idênticas. mesmo.
A dose oral recomendada de Dexedrine (que ainda está dispo- (c) Qual é o significado estrutural da atividade óptica obser-
nível) era de 5 mg/dia, mas a dose recomendada de Benzedrine vada? Quais estruturas em (b) são consistentes com a observa-
(não mais disponível) era duas vezes este valor. Aparentemente ção?
requeria-se consideravelmente mais Benzedrine do que Dexedri- (d) Qual é o significado estrutural da observação de que a
ne para produzir a mesma resposta fisiológica. Explique esta apa- solução de X era ácida? Quais estruturas em (b) são consistentes
rente contradição. com a observação?
(e) Qual é a estrutura de X? Mais de uma estrutura é consis-
12. Componentes de biomoléculas complexas. A Figura tente com todos os dados?
1-10 mostra os principais componentes de biomoléculas comple-
xas. Para cada uma das três importantes biomoléculas a seguir
(mostradas na sua forma ionizada em pH fisiológico), identifique
Problemas de análise de dados
os constituintes. 14. Moléculas de gosto doce. Muitos compostos têm gosto
(a) Trifosfato de guanosina (GTP), um nucleotídeo rico em doce para humanos. O gosto doce resulta quando uma molécula
energia que serve como precursor do RNA: se liga ao receptor doce, um tipo de receptor de gosto, na superfí-
O cie de certas células da língua. Quanto mais forte a ligação, menor
a concentração requerida para saturar o receptor e mais doce será
N C
O O O NH o gosto da uma substância em uma dada concentração. A energia
livre padrão, Go, da reação de ligação entre uma molécula doce
O P O P O P O O N
CH2 N NH2 e um receptor para sabor doce pode ser medida em kilojoules ou
O O O H H kilocalorias por mol.
H H O gosto doce pode ser quantificado em unidades de “doçu-
OH OH
ra molar relativa” (DMR), uma medida que compara a doçura de
40 David L. Nelson & Michael M. Cox

uma substância com a doçura da sacarose. Por exemplo, a sacari- H


Br OH H  N C9H17
na tem uma DMR de 161; isto significa que a sacarina é 161 vezes N
HO Br
mais doce que a sacarose. Em termos práticos, isto é medido pe- H
HN
HO O Br
dindo a voluntários humanos para comparar a doçura de soluções H
HO H H O
OH O Br O2N
contendo diferentes concentrações de cada composto. Os gostos H HO
OH
da sacarose e da sacarina são igualmente doces quando a sacarose H
está na concentração 161 vezes maior do que a da sacarina. Tetrabromossacarose Ácido sucrônico
(a) Qual é a relação entre DMR e Go da reação de ligação? DMR  13.012 DMR  200.000
G  12,2 kcal/mol G  13,8 kcal/mol
Especificamente, uma Go mais negativa corresponde a uma
maior ou menor DMR? Explique seu raciocínio. Morini, Bassoli e Temussi (2005) utilizaram métodos compu-
Segue abaixo a estrutura de 10 compostos, todos de gosto tacionais (frequentemente referidos como métodos “in silico”)
doce para humanos. A DMR e a Go de ligação ao receptor para para modelar a ligação de moléculas doces a receptores para doce.
doce são dadas para cada substância. (b) Por que é útil ter um modelo de computador para predi-
H OH zer a doçura de moléculas, ao invés de ensaios de gosto usando-se
HO HO humanos e animais?
H
H O OH Em um trabalho anterior, Schallenberger e Acree (1967) su-
H
HO H
OH O
H
OH geriram que todas as moléculas doces incluem o grupo estrutural
H OH “AH-B”, no qual “A e B são átomos eletronegativos separados por
H
uma distância maior que 2,5 Å [0,25 nm], mas menor que 4 Å [0,4
Desoxissacarose
nm]. H é um átomo de hidrogênio ligado a um dos átomos eletro-
DMR  0,95
G  6,67 kcal/mol negativos por uma ligação covalente” (p. 481).
(c) Dado que o comprimento de uma ligação simples “típica”
H OH é de cerca de 0,15 nm, identifique o(s) grupo(s) AH-B em cada
HO HO molécula mostrada anteriormente.
H
HO O OH (d) Com base em seus resultados de (c), dê duas objeções à
H
HO H H
OH O OH afirmação de que “moléculas contendo uma estrutura AH-B terão
H OH
H gosto doce”.
Sacarose (e) Para duas das moléculas mostradas anteriormente, o mo-
DMR  1 delo AH-B pode ser usado para explicar a diferença de valores de
G  6,71 kcal/mol DMR e Go. Quais são estas duas moléculas e como você as usaria
NH2 O para defender o modelo AH-B?
O H (f) Muitas das moléculas tem estruturas parecidas, mas va-
O N
O OH lores de DMR e Go muito diferentes. Dê dois exemplos, e use-os
OH S
NH O para argumentar que o modelo AH-B é incapaz de explicar as di-
NH2 O O
ferenças observadas na doçura.
N Em seus estudos de modelos computacionais, Morini e co-
H O CH3
D-Triptofano Sacarina Aspartame autores usaram a estrutura tridimensional do receptor doce e
DMR  21 DMR  161 DMR  172 um programa de modelagem de dinâmica molecular chamado de
G  8,5 kcal/mol G  9,7 kcal/mol G  9,7 kcal/mol GRAMM para predizer o Go da ligação de moléculas doces ao
O receptor de doce. Primeiro, eles “treinaram” seu modelo – isto é,
NH2 O eles refinaram os parâmetros de modo que os valores de Go pre-
OH H
N
H
N
ditos pelo modelo se ajustavam ao valor conhecido de Go para
NH2 S OH um conjunto de moléculas doces (“conjunto de treino”). Eles en-
Cl N O O tão “testaram” o modelo indagando a predição dos valores de Go
H
para um novo conjunto de moléculas (“conjunto de teste”).
6-Cloro-D-triptofano Alitame (g) Por que Morini e colaboradores tiveram que testar seu
DMR  906 DMR  1.937
G  10,7 kcal/mol G  11,1 kcal/mol modelo com um conjunto de moléculas diferentes do conjunto de
moléculas usadas para treinar o modelo?
(h) Os pesquisadores encontraram que os valores de Go
NH O previstos para o conjunto de teste diferiram dos valores corretos,
H na média, em 1,3 kcal/mol. Usando os valores dados para as estru-
N
OH turas apresentadas, estime o erro resultante nos valores de DMR.
O Referências
O O

CH3 Morini, G., Bassoli, A., & Temussi, P.A. (2005) From small
Neotame sweeteners to sweet proteins: anatomy of the binding sites of the
DMR  11.057 human T1R2_T1R3 receptor. J. Med. Chem. 48, 5520–5529.
G  12,1 kcal/mol
Schallenberger, R.S. & Acree, T.E. (1967) Molecular theory of
sweet taste. Nature 216, 480–482.

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