Sobre João Calvino
Sobre João Calvino
Sobre João Calvino
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo refletir e discutir algumas formulações do
pensamento político de João Calvino, um teólogo cristão francês do século XVI, e a sua
influência sobre as questões políticas e sociais do seu tempo, isto é, na cidade de Genebra,
Suiça. Para discorrer sobre o assunto, será utilizada a obra As institutas da Religião Cristã,
volume IV, de 1559, de autoria do reformador, que permite a compreensão de seu
pensamento político. Para tanto, além da análise do material bibliográfico escrito por
Calvino, também será utilizado textos de autores que comentam sobre a possibilidade de os
ideais calvinistas terem alcançado o Estado e com esse alcance, ter ocorrido uma
modificação na forma de governar do burgo genebrino. De maneira mais específica, busca-se
elucidar se as ideias e os argumentos do autor das “Institutas”, impulssionavam a população
cristã genebrina para um novo comportamento cotidiano, que contribuia com o Estado para o
benefício da cidade; além de tentar compreender, se João Calvino, ao inserir-se diretamente
no campo político, contribuiu para uma melhoria na organização administrativa da cidade.
Compreende-se, pois, que as ideias calvinistas foram um marco, não só para fiéis, mas
também para uma área da sociedade que ocupava um espaço de formação tão importante
quanto a religião: a política.
Palavras-Chaves
João Calvino; Política; Genebra; Reforma Protestante; Teologia
ABSTRACT
The present paper aims to analyze the influence that the French Christian theologian, John
Calvin, had on the political issues of the city of Geneva, Switzerland, in the sixteenth
century, taking as a basis for analysis the ideas defended in the work Institutes of Christian
Religion, volume IV, 1559. Therefore, we seek to investigate the bibliographic material
written by Calvin, in addition to the writings of other authors who discuss the possibility that
Calvinist ideals reached the State and with that reach, there was a change in the way of
governing of the Genevan town. The present work seeks to elucidate whether the ideas and
arguments of the author of the “Institutes” impelled the Christian population in Geneva
towards a new daily behavior, contributing to the State for the benefit of the city; in addition
to seeking to identify whether John Calvin, by inserting himself directly into the political
field, contributed to an improvement in the administrative organization of the city. It is
understood, therefore, that Calvinist ideas were a milestone, not only for believers, but also
for an area of society that occupied a training space as important as religion: politics.
Keywords
John Calvin; Politics; Geneva, Protestant Reformation, Theology.
*
Mestranda em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Licenciada em História
pela Faculdade Saberes.
E-mail: juliananeves1998@hotmail.com
Pensando dessa maneira, Agostinho afirma que o poder temporal deve existir e
possuir autonomia e não independência, pois o poder secular (potestas) é inferior ao
espiritual (auctoritas). Já a igreja, junto aos fiéis, cuidava dos assuntos espirituais, ou
seja, deveria conduzir o povo ao arrependimento para a salvação.
Assim sendo, no inicio do século XVI, por volta do ano de 1517, iniciou-se
uma reforma na Igreja que ficou conhecida mundialmente como Reforma
Protestante. Com essa reforma, houve o rompimento da unidade da igreja cristã
ocidental, surgindo, em consequência disso, igrejas e líderes com pensamentos
distintos e interpretações diferentes das Escrituras Sagradas. Essas igrejas
protestantes se distanciavam da doutrina cristã papal, apesar de algumas não terem
abandonado completamente parte das doutrinas católicas.
A Reforma Protestante tem a grave responsabilidade de ter quebrado a
milenária unidade religiosa no mundo cristão-ocidental, provocando o fenômeno da
confessionalização, ou seja, a separação social, política e cultural da Europa e de
algumas das suas regiões em dois campos: o católico e o protestante. Este sistema
cristalizou na fórmula cuius regio, eius et religio, pelo qual os súbditos estavam
obrigados a seguir a religião do príncipe. O afrontamento entre os dois campos
conduziu ao fenómeno das guerras de religião, que afectou sobretudo a França, os
territórios germânicos, Inglaterra, Escócia e Irlanda (ORLANDIS, 1993, s/p).
Na Idade Média, a estabilidade política dependia diretamente da unidade da
igreja cristã e era de interesse politico a unicidade religiosa, tendo em vista que a
igreja legitimava o rei. Para o primeiro reformador, Martinho Lutero, havia destinção
entre o poder temporal e o poder espiritual e ele traçou uma nítida distinção entre as
áreas temporal e espiritual, mas considerou muitas funções, tal como a
administração, como sendo não essenciais. Portanto, a maior parte dos estados
luteranos desenvolveram um sistema territorial “erastiano” no qual os príncipes
superintendiam questões eclesiásticas. Erastianismo foi a concepção defendida pelo
suíço Thomas Erastus (1524-83), professor de medicina na Universidade de
Heidelberg, de que o estado tinha o direito de exercer suprema autoridade sobre a
igreja em todas as questões. Na realidade, essa doutrina foi mais defendida pelo
jurista holandês Hugo Grócio (1583-1645) do que por Erasto.
1
O Sacro Imperio Romano, era uma monarquia de caráter feudal que durou de 800 até 1806 na
Europa Central e uma parte do Norte da Europa. Os territórios pertencentes a Alemanha, Holanda,
Bélgica, Áustria, Luxemburgo, Republica Checa, Republica Eslovaca, Eslovênia, a parte norte da Itália, a
porção leste da França e oeste da Polônia constituíam esse Império.
2
O anabatismo foi um movimento cristão, que diferentemente dos dogmas católicos, os convertidos
eram batizados apenas na idade adulta. Eles também reivindicava a separação entre Igreja e Estado e
pregava o próprio afastamento e isolamento da sociedade de modo pacífico.
3
A Confissão de Fé dos zwinglianos era reformada, com base na Segunda Confissão Helvética,
promulgada pelo sucessor de Ulrico Zuínglio, Heinrich Bullinger, na década de 1560. Os pontos de
vista de Zuínglio sobre o batismo eram, na maioria das partes, uma resposta aos anabatistas, que
negavam o batismo infantil.
seminário com os monges agostinianos e aos 25 anos fez votos monásticos, vivendo como
tal, foi um grande crítico da vida monástica e das características que considerava negativas
na Igreja Católica. Erasmo viajou por toda a Europa, passando por países como Portugal,
Espanha, Croácia, Dinamarca e outros.
Na passagem bíblica de Romanos 9.21 o autor discorre: “Ou não tem o oleiro
direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para
desonra?” Este versículo é um dos utilizados pelos calvinistas para defender a
soberania de Deus no julgamento. À princípio, o versículo pode parecer injusto e
arbitrário, como se Deus estivesse brincando de querer e não querer a salvação de
algum ser humano. Mas, em resposta a isso, algumas pessoas têm afirmado,
utilizando Romanos 9.20, que Deus possui o direito de fazer o que lhe apraz e não se
deve criticá-lo. Outros consideram que todos seriam condenados se Deus lhes desse o
que realmente merecem. Dessa maneira, se acredita que a eleição é um ato gracioso,
além de soberano, que manifesta a glória de Deus.
Com isso, João Calvino quer dizer que o reino de Deus e o governo civil,
embora sejam distintos em natureza e função, não se excluem mutuamente, nem são
incompatíveis entre si. A ordem social não poderia ser vista como uma coisa imunda
e impertinente aos cristãos, pois o reino terreno deveria ser uma reprodução do reino
celeste, onde os crentes já poderiam desfrutar do gozo eterno que eles tanto
almejavam após a segunda vinda de Cristo.
Ora, este reino espiritual começa justamente aqui na terra em nós uma
certa prelibação do reino celeste, e de certo modo auspicia nesta vida
mortal e passageira a bem-aventurança imortal e incorruptível. Mas o
objetivo do governo temporal é manter e conservar o culto divino externo,
a doutrina e religião em sua pureza, o estado da Igreja em sua integridade,
levar-nos a viver com toda justiça, segundo o exige a convivência dos
homens durante todo o tempo que vivermos entre eles, instruir-nos numa
justiça social, fomentar a harmonia mútua, manter e conservar a paz e
tranquilidade comuns, coisas essas que reconheço serem supérfluas, se o
reino de Deus, como ora se acha entre nós, extingue a presente vida”
(CALVINO, 1559, p. 452-453).
Devido ao fato de que a própria igreja vinha tentando trazer os bispos para
mais próximo de uma relação mais afinada com o Papa, locais que não faziam parte do
centro da gravidade papal acabavam ficando um pouco mais esquecidos, pois não
gravitavam em torno das discussões em voga em Roma. Devido a isso, os bispos de
Genebra vinham atuando muito fortemente fora de Genebra e o poder secular
genebrino acabou tomando conta do espaço que se encontrava vago; houve caso de o
poder do bispo ser substituído pelo poder de um magistrado.
O resultado disso foi que, guiado por sua sabedoria própria e confiando em
seus próprios recursos terrenos, o Estado tendeu a sentir que podia
encontrar seu próprio caminho na vida sem a direção da Igreja. Havia
uma tendência crescente para que a unidade existente entre a Igreja e o
Estado fosse dissolvida e para que o Estado continuasse sozinho a sua
caminhada. (WALLACE, 2003, p.98.)
5. Conclusão
Como já se sabe, Genebra era governada por concílios e antes de Calvino não
havia uma normatização legislativa organizada e explicitada para todos, com seu
conhecimento jurídico e seu pensamento voltado para a submissão bíblica, o
reformador foi chamado para ajudar na confecção do corpo de leis da cidade. Para o
pensador não havia uma desassociação entre a vida cristã e a sua participação nos
assuntos da comunidade e, justamente por se entender que a participação política do
povo é responsabilidade de todo cristão, a posição em relação a forma de poder
refletia uma rejeição a qualquer tipo de poder que fosse déspota e tirânico. O
reformador defendia que o poder civil deveria ser uma representação da vontade
popular, ao mesmo tempo em que o povo deveria se tornar preparado para ser
participativo. Nos últimos anos do teólogo em Genebra, a amplitude de seu trabalho,
liderança e ensino já havia desencadeado uma nova mentalidade urbana.
João Calvino buscou, mediante princípios baseados em novas interpretações
das Escrituras Sagradas, definidas atualmente como “Doutrina Reformada”, alterar o
entendimento sobre princípios e imposições que, aos seus olhos, não beneficiavam a
política e a organização do Estado e da cidade. Com o tempo a doutrina cristã
calvinista se espalhou pelo mundo tornando- se um sistema de vida. Não somente o
pensamento religioso de Calvino se ampliou para além dos muros de Genebra, mas
também seu entrosamento político, desencadeando em muitos outros países uma
busca por um governo onde o poder político era uma representação popular, longe de
um governo tirânico e déspota.
Além disso, seu pensamento religioso proporcionou aos calvinistas
contemporâneos o mesmo pensamento implantado em Genebra: é dever do cristão
prezar pela ordem social se envolvendo no poder político e na melhora urbana, assim
também como no ensino da Palavra de Deus. O cristão deve se preparar para algum
tipo de trabalho secular, cuidar da vida de sua família e promover o bem-estar de
outros, além de buscar a organização da cidade de todas as maneiras possíveis.