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Substituicao Dos Fatores Internos

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SUBSTITUIÇÃO DOS

FATORES INTERNOS
Elaboração

Carmi Machado Cavalcante

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................................................................... 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA.................................................................................................. 5

INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................................................................. 7

UNIDADE I
O MODELO WINNICOTTIANO E O FUTURO................................................................................................................................................................. 9

CAPÍTULO 1
OS DESAFIOS ATUAIS DA PSICANÁLISE.................................................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 2
AS RESPOSTAS CONSERVADORAS E UMA RESPOSTA ASSIMILATIVA....................................................................................... 15

CAPÍTULO 3
UMA RESPOSTA POR MUDANÇA PARADIGMÁTICA............................................................................................................................ 24

UNIDADE II
O PARADIGMA WINNICOTTIANO DIANTE DOS DESAFIOS ATUAIS DA PSICANÁLISE......................................................................... 45

CAPÍTULO 1
DE FREUD A WINNICOTT: ASPECTOS DE UMA MUDANÇA PARADIGMÁTICA.......................................................................... 45

CAPÍTULO 2
AS EXPLORAÇÕES PSICANALÍTICAS......................................................................................................................................................... 54

CAPÍTULO 3
A RECONSTRUÇÃO DA PSICANÁLISE WINNICOTTIANA................................................................................................................... 67

UNIDADE III
A PSICANÁLISE COMO MÉTODO DE TRATAMENTO E COMO CIÊNCIA NATURAL PARA FREUD E PARA WINNICOTT.......... 72

CAPÍTULO 1
REFORMULAÇÕES DA PSICANÁLISE DE FREUD POR WINNICOTT.............................................................................................. 72

CAPÍTULO 2
A PSICANÁLISE TEM O DIREITO DE OCUPAR UM LUGAR NO ROL DAS PRÁTICAS CIENTÍFICAS.................................. 89

CAPÍTULO 3
O MÉTODO E A CIÊNCIA PSICANALÍTICA PARA WINNICOTT......................................................................................................... 101

UNIDADE IV
INTERPRETAÇÃO INVASIVA NA ABORDAGEM PSICANALÍTICA WINNICOTTIANA.............................................................................. 104

CAPÍTULO 1
CONHECIMENTOS MÚTUOS DO ANALISTA E DO ANALISANDO NO EVENTO DA INTERPRETAÇÃO E A
IMPORTÂNCIA DO BOM DESENVOLVIMENTO PARA UMA INTERPRETAÇÃO......................................................................... 104

CAPÍTULO 2
A IMPORTÂNCIA DE FREUD E WINNICOTT NA INTERPRETAÇÃO................................................................................................. 112

CAPÍTULO 3
A INTERPRETAÇÃO INVASIVA E O ELEMENTO CONFIABILIDADE DO ANALISTA ................................................................ 129

REFERÊNCIAS....................................................................................................................................................................................... 132
APRESENTAÇÃO

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como
pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia
da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos


conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos
da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional
que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-
tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
ORGANIZAÇÃO DO CADERNO
DE ESTUDOS E PESQUISA

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de
textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam
tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta
para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto
antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para
o autor conteudista.

Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma
pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em
seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas
experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para
a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar


Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do
estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção
Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam
para a síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa

Saiba mais
Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/
conclusões sobre o assunto abordado.

Sintetizando
Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando
o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar


Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a
aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo
estudado.

6
INTRODUÇÃO
Quando alguém se propõe a buscar rumos para se explicar o como, o porquê e o
para quê de qualquer situação na condição de ser humano, essa pessoa encontra
barreiras que podem se caracterizar em obstáculos difíceis de se transpor, como também
pode transformar esse obstáculos em desafios capazes de promover crescimento,
desenvolvimento para o progresso de qualquer instituição física, psíquica, científica,
profissional, pessoal etc.

Neste trabalho, a proposta parte do estudo a respeito da Psicanálise, inicialmente


de maneira geral e obedecendo as delimitações necessárias. Focaremo-nos mais
especificamente nas Psicanálises freudiana e winnicottiana, a primeira, a respeito do
tratamento de adultos, e a segunda, a respeito do tratamento infantil. São métodos
conhecidos, mesmo que não aprofundados, de investigação dos processos inconscientes.

Objetivos
» Apresentar a história de Freud e seus interesses e estudos pela Psicanálise
e pela histeria.
» Descrever os desafios atuais da Psicanálise.
» Explicar o conceito do Complexo de Édipo, e as ideias de Winnicott a
respeito da díade mãe-bebê.
» Exemplificar diferenças entre a teoria freudiana e a teoria winnicottiana.

» Descrever a Psicanálise e os problemas do amanhã.

» Descrever a associação livre.

» Apresentar a mudança de paradigmas: de Freud a Winnicott.

» Promover a reconstrução da Psicanálise winnicottiana.

» Descrever a Psicanálise de Freud.

» Descrever a Psicanálise de Winnicott.

» Descrever o método e a ciência psicanalítica para Winnicott.

» Descrever os conhecimentos mútuos do analista e do analisando.

» Descrever a importância do bom desenvolvimento para uma interpretação.

» Descrever a interpretação para Freud e Winnicott.

» Descrever a interpretação invasiva e o elemento da confiabilidade do analista.

7
O MODELO
WINNICOTTIANO E O UNIDADE I
FUTURO

CAPÍTULO 1
Os desafios atuais da Psicanálise

Em 06 de maio de 1856, nasceu Sigmund Freud, que, mais tarde, foi considerado o pai
da Psicanálise. Esse título atribuído a Freud deu-se em razão da sistematização feita
por ele ao criar e reunir teorias e métodos de tratamento para justificar a criação da
Psicanálise. Procurou evidenciar, por meio de pesquisas empíricas em que utilizou os
casos e as observações clínicas, os estudos teóricos, filosóficos e éticos para fundar os
elementos essenciais para a construção gradativa do método psicanalítico.

A teoria psicanalítica foi elaborada no século XIX a partir das observações e dos
atendimentos às pacientes histéricas e, com base e outros casos clínicos, produziu-se
vasto material que, organizado e sistematizado, contribuiu para o entendimento a
respeito da subjetividade e do sofrimento psíquico. A Psicanálise tem sido investigada e
praticada desde então pelos seguidores de Freud, que continuam a estudar e a aperfeiçoar
um conhecimento que mudou o entendimento e o conceito sobre a mente humana.
Segundo Cavalcante (2019), vários estudiosos tentaram, em suas pesquisas, esquematizar
a Psicanálise utilizando o inconsciente para o entendimento do funcionamento mental,
mas foi Freud quem se tornou o “pai da Psicanálise”, por ter lançado as bases teóricas
para a Psicologia do inconsciente. Mesmo que um contemporâneo de Freud, Pierre
Janet (1859-1947), tenha, também, “descoberto” o inconsciente, a organização e a
estruturação dos conceitos psicanalíticos foram elaboradas por Freud. Ele criou um
método estruturado na clínica, na qual adotava a escuta e as observações para tratamento
de suas pacientes.

Antes da criação da Psicanálise, Freud cursou Medicina e iniciou seus estudos em 1873,
concluindo-os em 1881. Seu interesse inicial dentro da Medicina foi a Neurologia
e a Fisiologia, mas, quando foi para Paris, em 1885, fazer estágio com Charcot na
Salpêtrière por ter conseguido uma bolsa de estudos, ele mudou seu interesse e aderiu
ao tratamento com a utilização da hipnose nos casos de histeria. De volta a Viena em
1886, trabalhou no Departamento de Neurologia, no instituto público para crianças,

9
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

e abriu seu consultório, onde exerceu sua profissão como especialista em doenças
nervosas. Prosseguiu seus estudos na área da hipnose durante os anos de 1887 e 1888.
Em 1889, ao tratar Emmy Von N., Freud utilizou o método catártico para atender
à solicitação dessa paciente de deixá-la falar. Então, percebeu que não necessitava
perguntar e obter respostas, mas que a fala dá vazão às queixas histéricas e funciona
com mais eficácia que a hipnose. Do intenso trabalho com as histéricas, escreveu o
artigo “Estudos sobre a histeria”, publicado em 1889. Trabalhou incansavelmente para
construir o método psicanalítico e utilizou o termo Psicanálise pela primeira vez em
1896 para descrevê-lo.

Na sua experiência clínica, em maio de 1889, Freud iniciou o tratamento de uma


senhora de 40 anos, aproximadamente, que se chamava Fanny Moser, diagnosticada
como histérica. Freud utilizou o método catártico pela primeira vez nesse caso, que se
denominou “caso Emmy Von N.”. Para que esse método fosse utilizado, foi necessário
que a paciente Emmy Von N. pedisse a Freud que não continuasse a fazer perguntas e
que a deixasse falar livremente (FREUD, vol., II, 1893-1895). Foi assim que a associação
livre tornou-se uma técnica utilizada pela Psicanálise, até os dias atuais. O método
é capaz de provocar uma catarse, liberando emoções, exteriorizando sentimentos,
rememorar fatos importantes que ficaram guardados no inconsciente e elaborando
acontecimentos conflituosos do passado.

Na busca por atenuar o sofrimento de suas pacientes, que, na sua maioria, eram histéricas,
àquela época, os estudos se intensificavam para a compreensão desse transtorno, Freud
deixou a Neurologia, para a qual estava dedicando seus estudos, e passou a se interessar
pela Psicopatologia. Até então, ele não conseguia bons resultados no tratamento das
pacientes que manifestavam sinais e sintomas corporais e não podia comprovar alterações
biológicas, como os apertos na garganta, os desmaios, as paralisias, os aumentos dos
batimentos cardíacos, as sensações de falta de ar, os esquecimentos etc. Então, àquela
época, o estudioso intensificou seus estudos para a compreensão desse transtorno.

A Medicina não lhe oferecia os conhecimentos e recursos para o êxito no tratamento


dos sintomas e sinais apresentados por mulheres que o procuravam para se livrarem
de suas dores físicas e psíquicas. A área médica mostrava-se, assim, insuficiente para
tratar e aliviar os sintomas histéricos. Freud estava certo de que seria necessário outro
tipo de intervenção, que pudesse ser eficiente, para cuidar das alterações patológicas
do corpo e da mente, de modo que fosse possível eliminar os sintomas. Ao conhecer
Charcot, ficou interessado pelo método que ele utilizava para livrar as pacientes da

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O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

angústia que as fazia sofrer. O método consistia em hipnotizar a paciente e, por sugestão,
ele ordenava que, quando a paciente acordasse, os sintomas desaparecessem.

A Psicanálise foi e ainda é uma grande contribuição para os estudos relacionados à


saúde mental, tanto que, em 2006, comemoraram-se os 150 anos de nascimento de
Freud e as comemorações se espalharam por vários países, em reconhecimento ao
grande auxílio prestado para o alívio do sofrimento psíquico e à maneira de encarar a
cultura. Constatou-se que seria necessário realizar “[...] uma reflexão sobre o impacto
do pensamento freudiano sobre a nossa maneira de encarar a subjetividade [...]”
(ELZIRIK, 2006, s/p).
Em maio desse ano comemoramos os 150 anos de nascimento de Freud.
Em vários países, o ano será dedicado a uma reflexão sobre o impacto do
pensamento freudiano sobre a nossa maneira de encarar a subjetividade e
de buscar aliviar o sofrimento psíquico, assim como sua repercussão sobre a
nossa maneira de encarar a cultura, em varias dimensões (ELZIRIK, 2006).

Cultura e subjetividade são os ingredientes perfeitos para a Psicanálise se consolidar


como ciência. Sujeito e seu meio ambiente, onde vive e como chegou até ali, sua bagagem
de conceitos e preconceitos − esse composto favoreceu as ideias freudianas. Interferir
para minimizar, eliminar, movimentar as sensações de desconforto do indivíduo,
os sintomas neuróticos e suas formações simbólicas como sonhos e dissociações da
personalidade confirmava a utilização da teoria psicanalítica e seu método de tratamento.

No século XIX, o desconforto mental era um grande problema, principalmente para


as mulheres, que se sentiam insatisfeitas com a soberania masculina e sentiam que sua
sexualidade era vilipendiada por se sentirem desprezadas por seus consortes. Segundo
Cavalcante (2014, p. 130), “A relação matrimonial era quase sempre insatisfatória
sexual e afetivamente, pois as mulheres não podiam demonstrar prazer nas relações
sexuais. [...] Estavam elas destinadas apenas à procriação”. Assim, o casamento era o
vínculo procriador, e a sexualidade não era utilizada para a satisfação dos desejos; o
estilo de vida repressivo para a mulher daquela época culminava em alterações nas
funções nervosas.

Essa situação era comum na Viena em que Freud vivia e onde, como médico, percebeu
que as alterações de comportamento que indicavam estarem relacionadas às funções
neurológicas não tinham causas físico-orgânicas, e sim eram manifestações ligadas à
parte afetivo-emocional, como a histeria, cujo estudo deu início à Psicanálise. Freud
(1996, vol. I, p. 77) relata que:

11
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

A histeria é uma neurose no mais estrito sentido da palavra − quer dizer,


não só não foram achadas nessa doença alterações perceptíveis do sistema
nervoso, como também não se espera que qualquer aperfeiçoamento das
técnicas de anatomia venha a revelar alguma dessas alterações.

Essa foi a trajetória de Freud entre os séculos XIX e XX, quando desenvolveu sua
teoria e a utilizou em sua prática clínica. Naquele cenário, a histeria favorecia o
desenvolvimento de seus saberes psicanalíticos.

Nessa condição, a Psicanálise possibilita o desenvolvimento de várias reflexões a


respeito dos desafios atuais. O sofrimento aumentou ou diminuiu com o passar do
tempo? Não é possível responder a essa pergunta, no entanto, sabe-se que muitas
transformações desde o século XIX têm sido operadas na sociedade, sejam mudanças
relacionadas ao comportamento social, aos avanços tecnológicos, ao envolvimento da
mulher no mercado de trabalho, à liberdade sexual, à sociedade do espetáculo, entre
outros elementos.

O tema daquela época era a repressão sexual e a falta de valorização da mulher, mas hoje
se tem um outro campo de expressões que instiga o estudo cada vez mais aprofundado
da Psicanálise, não só com os postulados freudianos como também com os de outros
autores, que diversificaram seus conhecimentos para além dos escritos por Freud,
criando novas teorias ou ampliando aquelas que deram início à construção do método
psicanalítico, como Donald Winnicott, Melanie Klein, Carl Gustave Jung, Ana Freud
e outros pertencentes à contemporaneidade.

Figura 1. Sigmund Freud é um dos pais da Psicanálise – a terapia pela fala.

Fonte: https://www.jrmcoaching.com.br/blog/sigmund-freud-origem-historia-e-legado/.

12
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

O ontem foi marcado pelas proibições sexuais e pelas demandas do prazer; o hoje, pela
liberdade de escolher a parceria sexual. Em qual campo prolifera a dor? Sem dúvida,
o sofrimento é do ser humano e é fruto de sua relação com o meio ambiente, com a
cultura e com suas próprias aquisições morais e psíquicas, ao longo de suas experiências.
“O sofrimento não possui uma manifestação única, pois depende de cada pessoa, da
cultura, do período histórico em que vive. [...] Aquilo que é sofrimento para um pode
ser prazer para outro” (CAVALHEIRO; TOLFO, pp. 242-243).

Naquele momento, os desafios eram inúmeros em razão da falta de um método que


pudesse atender às demandas psiquiátricas, que era crescente, principalmente entre
as mulheres. Criado o método, ele foi e é ainda de grande valia para o tratamento
dos transtornos psíquicos. Alguns autores dos tempos atuais fazem referência ao
nascimento da teoria psicanalítica avalizando a importância da sua criação. Como Iensen
(2014, p. 13) diz: “O nascimento da Psicanálise respondeu às demandas neuróticas,
cujo cenário da Modernidade incrementava os efeitos danosos da intensa repressão
dirigida à sexualidade”; e Pinheiro (1999, s/p) ainda afirma: “Um método que desde o
início aprendeu a conviver e a ultrapassar obstáculos, e que, sobretudo, nos destituiu
de toda e qualquer ilusão em uma cura ideal”.

Mas, hoje, apesar de existir um método que atende a muitos desafios da contemporaneidade,
este passa ininterruptamente por ajustes como resultado das pesquisas, para dar conta
das angústias surgidas em razão de uma sociedade acelerada pela necessidade de
sobrevivência e pela competição, pela aquisição do melhor e pela sociedade do espetáculo,
pelas inconstâncias nas relações amorosas, pela emancipação da homossexualidade.
Como será aplicado o método psicanalítico ante tantos desafios? Iensen (2014), Rocha
(2008), Barreto (2017) e Leite (2000) respondem a esse questionamento postulando
que é necessário repensar a escuta clínica para atender às necessidades do momento,
ampliando os olhares para enxergar não só por um ângulo de visão, mas principalmente
por um olhar periférico, por este estar conectado ao olhar principal. A Psicanálise
se norteará por uma linha menos rígida e ortodoxa para atender à pluralidade dos
conteúdos que o paciente poderá apresentar no setting terapêutico, repensando sempre
a Psicanálise como um trabalho investigativo que se contrapõe às ideologias para que
seja possível refletir e criar para enriquecer o método com novas possibilidades e
abertura à transdisciplinaridade.

A questão da transdisciplinaridade que envolve a Psicologia (que estuda o comportamento


e os processos mentais), a Pedagogia (que realiza estudos a respeito da educação e
das dificuldades de aprendizagem) e a Psiquiatria (que estuda os distúrbios mentais)

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Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

remete a uma abordagem plural para entender assuntos diversos relacionados ao


comportamento disfuncional, às dificuldades de aprendizagem e à medicalização,
que promete “consertar” o que está fora dos padrões exigidos, para que a sociedade se
alinhe ao restabelecimento do equilíbrio mental, corporal, orgânico, cerebral rumo à
construção do sucesso. O sucesso não pode esperar que o próprio organismo consiga,
no seu tempo e sem prejuízos para o seu funcionamento, voltar às atividades planejadas
para a obtenção do êxito, da prosperidade, da vitória. É diante dessa situação que se
torna difícil o desenvolvimento das subjetividades individuais cada vez mais deixadas
de lado na sociedade atual.

Os momentos atuais apresentam muitos desafios que solicitam o comparecimento


da Psicanálise para uma investigação que atenda às diversidades que se instauraram
na sociedade; para uma escuta ampla e atenta a fim de se compreenderem os novos
transtornos que surgiram a partir das tecnologias e do apressamento por alcançar
metas; para intensificar a busca para o entendimento da subjetividade, desconstruindo
o discurso da racionalização. Enfim, é necessário utilizarmos todo o aparato da teoria
psicanalítica e seu método de tratamento para nos colocarmos frente às demandas da
contemporaneidade.

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CAPÍTULO 2
As respostas conservadoras e uma
resposta assimilativa

Respostas conservadoras
Para entender o que seja uma resposta conservadora a respeito da teoria freudiana,
é necessário nos aprofundarmos nas pesquisas de Zeljko Loparic, que esclarece as
distinções entre a teoria winnicottiana e a teoria freudiana. Esse autor, no Brasil, é
quem escreve sobre a resposta conservadora, uma proposição que trata das defesas à
metapsicologia psicanalítica, que, segundo ele, é feita pelos seguidores de Freud e por
outros pesquisadores na área da Psicanálise.

Na visão dos estudiosos adeptos da teoria freudiana, o conceito é o de que Freud, o


criador da Psicanálise, desenvolveu um método capaz de tratar problemas psíquicos
além de carregar, em sua essência, a possibilidade de entender a mente humana. Para
esse entendimento, os estudos nesse campo exigem constantes transformações sem
perderem sua essência. Por esses motivos, os psicanalistas têm a consciência de que
trabalham com uma teoria que prima por vencer os obstáculos impostos pelo tempo,
e, assim como o idealizador dessa ciência, refazem seus conceitos à medida que os
estudos avançam. Vencem, dessa forma, o tempo e as exigências que se impõem, à
proporção que o tempo reclama atualização.

Freud iniciou seu trabalho procurando resolver um enigma que desafiava a ciência
médica: mulheres que sofriam e que choravam, ansiando por serem compreendidas nas
suas angústias. A Neurologia não conseguia dar uma resposta que pudesse amenizar
as expressões de dor manifestadas por elas. O desafio era buscar possíveis caminhos a
serem trilhados, para responder às interrogações e encontrar solução para um problema
que a Neurologia não conseguia atender. Uma charada que instigava o raciocínio em
busca de resposta para “problemas dos nervos”, um quebra-cabeças de difícil resolução.
Essa premissa é corroborada por Loparic quando este afirma que:
[...] não é verdade que a psicanálise não tenha quebra-cabeças para resolver.
Com efeito, a psicanálise começou [...] pela formulação e solução, por Freud,
de quebra-cabeças específicos, resultado que foi considerado, pela comunidade
psicanalítica em geral, extraordinariamente frutífero para a pesquisa e a
prática psicanalíticas contemporâneas (LOPARIC, , 2001, pp. 7-58).

15
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

É um trabalho de “fazer falar”, como propõe Celes (2005) e, considerando a técnica da


associação livre, também um trabalho de “saber ouvir”. Uma técnica que sugere refletir
a respeito do material produzido na prática clínica e da possibilidade de sua utilização
na pesquisa em Psicanálise ou na pesquisa utilizando-se o método psicanalítico. A
análise detalhada sobre o dito e o não dito na sessão de psicoterapia auxilia o analista
a encontrar o que se esconde no inconsciente, evidenciando não uma fala vazia, e sim
uma fala carregada de sentido para o analisando, quando este percebe que os conteúdos
que foram suprimidos tornaram-se conscientes. O que fazer com esses conteúdos?
Pesquisar, investigar, com o método psicanalítico para descobrir novos conhecimentos
e transformá-los em novas perspectivas para o tratamento, como também, a “[...]
pesquisa com o método psicanalítico é sempre obra de psicanalista e capaz de trazer
novidades à própria psicanálise” (FIGUEIREDO; MINERBO, 2006, p. 259).

Barreto (2017), Castelo Branco et al. (2016) e Sarmento (2006) afirmam que a influência
da Psicanálise na clínica de abordagem psicanalítica, em teorias que se orientaram pela
Psicanálise, em produções socioculturais, na cultura, na educação, é muito grande. A
atuação dessa ciência é importante na clínica, para o entendimento e análise do que
incomoda, do indizível, das fantasias; nas produções socioculturais com as produções
audiovisuais, a mídia virtual, a influência dos megaeventos que viabilizam modificações
no contexto e relações sociais; da cultura para o entendimento das emoções no
meio familiar, dos comportamentos antissociais, o funcionamento das famílias na
contemporaneidade; por fim, na educação com a formação de professores que se
atentem para um olhar voltado para si mesmos, observando suas condições psíquicas
e os transtornos advindos da lida com os alunos, que não mais se “encolhem” em uma
carteira na sala da aula, mas que se dão o direito de expressar suas ideias, opiniões,
muitas vezes proveitosas, outras vezes inconsequentes, mas importantes para se lidar
com o momento. Ainda, como escreve Aquino (1996), em muitas escolas, os alunos
se comportam indisciplinadamente deixando à mostra a “falta de limites, bagunça,
tumulto, desrespeito às figuras de autoridade”.

16
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

Figura 2. Indisciplina escolar.

Fonte: https://www.professorideal.com/indisciplina/alunos-brasileiros-lideram-o-ranking-de-indisciplina-na-sala-de-aula/.

O que tem a Psicanálise a ver com tudo isso? Na clínica, seu valor é reconhecido,
divulgado em artigos científicos e propagado via cursos de especialização e formação, e
atinge um número maior de pessoas e, em suas missões, fica claro o compromisso com
a sociedade e o avanço nas pesquisas para o aperfeiçoamento do método psicanalítico.

Diante dessas premissas, aproveita-se a pergunta do Dr. Cláudio Eizirik: “Teria realmente
a psicanálise perdido sua relevância social? Os modelos explanatórios introduzidos por
Freud e desenvolvidos e aprofundados por seus seguidores já não nos servem mais?
[...] Teria o método de tratamento analítico perdido sua utilidade?”. A Psicanálise não
perdeu a utilidade, mas os seguidores de Freud percebem a necessidade de fazer as
mudanças que o momento exige, diante de um mundo globalizado, bem diferente dos
momentos do século XIX. Porém, o sofrimento continua sendo sofrimento, embora
tenha ocorrido a mudança de século. Barreto (2017, p. 83) diz que “A psicanálise não
busca responder aos problemas do conhecimento de forma comum. Questiona-os
interminavelmente. Não trabalha apenas com a água do leito de um rio, mas com a
‘des-água’, o desdito, o não dito, o interdito, o indizível”.

Ao criar a teoria psicanalítica, Freud não mediu esforços nas reformulações, por
isso voltava sempre que necessário à sua construção. Escreve Loparic (2008, p. 139)
que “O resultado final do conjunto dessas reformulações não foi o fortalecimento da
metapsicologia freudiana, mas antes o seu desmanche”. Uma assertiva do autor que,
segundo os dicionários da língua portuguesa, é o ato de desmanchar, e desmanchar quer
dizer desfazer, tornar nulo, eliminar. No entanto, a Psicanálise não foi “desmanchada”,

17
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

mas alguns dos seus conceitos foram reformulados e/ou sofreram acréscimos bastante
importantes e proveitosos para sua aplicação na clínica.

O legado teórico de Freud alimenta inúmeras clínicas psicanalíticas, e os psicanalistas


trabalham no sentido de ajudar a pessoa a se livrar de sofrimentos que não consegue
identificar de onde vêm, oferece os seus conhecimentos dentro do método psicanalítico
para que a pessoa se liberte dos seus pesadelos do passado e das amarras do presente.
De acordo com o que Rocha (2008) destaca, quando este escreve a respeito do método
analítico, esse é um método que investiga o inconsciente e que, se não for dessa forma,
muitos conteúdos seriam inacessíveis para o tratamento psicoterapêutico. Diz Rocha
(2008, p.105): “É graças à capacidade inventiva e criadora do método que a psicanálise,
mesmo envelhecendo (como tudo o que se desenrola no tempo), tem sempre chance de
rejuvenescer no ‘verde’ da experiência analítica”. A medir pela quantidade de clínicas
e cursos de formação existentes, pelo menos no Brasil, entende-se que o método
psicanalítico ainda rende bons frutos para o analista e para seus pacientes.

Com o sucesso das clínicas psicanalíticas, era de se esperar que o método adotado por
elas fosse questionado, porque o narcisismo não cede espaço para o reconhecimento do
“eu” que guarda no inconsciente os motivos de seu sofrimento e, por isso não é dono de
si, ou seja, de sua consciência, em sua própria casa. Quando os conteúdos reprimidos
se tornam conscientes, a pessoa em tratamento consegue lidar com o “desconhecido”
que se torna conhecido pela consciência e é possível, então, transformar o desprazer,
evidenciado pelos sintomas, em bem-estar psíquico após o fortalecimento do ego.

A seguir, uma leitura importante para melhor entender a recepção narcísica quando a
Psicanálise se instituía como paradigma freudiano. Assim escreveu Freud na Conferência
XVIII:
CONFERÊNCIA XVIII

FIXAÇÃO EM TRAUMAS − O INCONSCIENTE

Ao enfatizar desta maneira o inconsciente na vida mental, contudo, conjuramos


a maior parte dos maus espíritos da crítica contrária à Psicanálise. Não se
surpreendam com isso, e não suponham que a resistência contra nós se baseia
tão-somente na compreensível dificuldade que constitui o inconsciente ou
na relativa inacessibilidade das experiências que proporcionam provas do
mesmo. A origem dessa resistência, segundo penso, situa-se em algo mais
profundo. No transcorrer dos séculos, o ingênuo amor-próprio dos homens
teve de submeter-se a dois grandes golpes desferidos pela ciência. O primeiro
foi quando souberam que a nossa Terra não era o centro do universo, mas

18
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

o diminuto fragmento de um sistema cósmico de uma vastidão que mal se


pode imaginar. Isto estabelece conexão, em nossas mentes, com o nome de
Copérnico, embora algo semelhante já tivesse sido afirmado pela ciência
de Alexandria. O segundo golpe foi dado quando a investigação biológica
destruiu o lugar supostamente privilegiado do homem na criação, e provou
sua descendência do reino animal e sua inextirpável natureza animal. Esta
nova avaliação foi realizada em nossos dias, por Darwin, Wallace e seus
predecessores, embora não sem a mais violenta oposição contemporânea.
Mas a megalomania humana terá sofrido seu terceiro golpe, o mais violento,
a partir da pesquisa psicológica da época atual, que procura provar o ego que
ele não é senhor nem mesmo em sua própria casa, devendo, porém, contentar-
se com escassas informações acerca do que acontece inconscientemente em
sua mente. Os psicanalistas não foram os primeiros e nem os únicos que
fizeram essa invocação à introspecção; todavia, parece ser nosso destino
conferir-lhe expressão mais vigorosa e apoiá-la com material empírico que
é encontrado em todas as pessoas. Em consequência, surge a revolta geral
contra nossa ciência, o desrespeito a todas as considerações de civilidade
acadêmica e a oposição se desvencilha de todas as barreiras da lógica imparcial.
Em ademais de tudo isso, perturbamos a paz deste mundo também de uma
outra forma, conforme em breve os senhores ouvirão.

Conferências introdutórias sobre Psicanálise (Parte III)


VOLUME XVI (1916-1917)

É por esse motivo que muitos não aceitam e rechaçam a Psicanálise como método
psicoterapêutico, visto que é difícil aceitar não ter controle sobre a própria consciência.
Freud (1996) escreveu sobre o golpe que desferiu e atingiu a humanidade quando ousou
lançar a teoria do inconsciente como a instância que predomina na mente humana,
afirmando que o “eu” não é senhor, nem mesmo em sua própria casa.

A consciência entendeu-se, foi relegada a segundo plano e isso mobilizou as ciências


para que se substituísse o inconsciente pelos treinamentos conscientes com resultados
rápidos, de modo a atender às demandas do momento em que o tempo precisa ser
utilizado para a realização de várias atividades ao mesmo tempo. Treinos para a redução
do stress, treinos para aprender a lidar com a depressão, realizar tarefas para um melhor
aprendizado. Essas são técnicas para um novo tempo no qual a pessoa se esforça para
ter mais prazer, mais dinheiro, estar mais disponível para a competitividade e, assim,
desenvolver capacidade para ser mais feliz de maneira prática sem passar pelas situações
que foram frustrantes no passado.

19
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

Resposta assimilativa
A resposta assimilativa é uma proposta de estudo do pesquisador Zeljko Loparic,
presidente do Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana (IBPW) e o material
sobre essa pesquisa é encontrado no artigo “O paradigma winnicottiano e o futuro
da psicanálise”, escrito por ele em 2008. Nesse artigo, Loparic cita alguns autores que
fazem oposição e críticas à teoria psicanalítica, como Antonio Imbasciati, que se opõe
ao conservadorismo intelectual e pretende chegar a uma teoria da mente diferente da
teoria de Freud. Loparic, ainda no artigo acima citado, escreve que Imbasciati concorda
com as críticas que o Cognitivismo faz à Psicanálise.

Essa resposta ao paradigma freudiano trata da aceitação da Psicanálise como parte das
ciências cognitivas, uma maneira alternativa de tratamento psicológico. Sua oposição à
Psicanálise não visa apenas agir contrariamente ao paradigma freudiano, mas traz um
novo conceito de tratamento para atender à uma sociedade que cada vez mais corre
contra o tempo, numa busca para solucionar rapidamente problemas construídos ao
longo da vida. Por esse motivo, as abordagens cognitivas estão se popularizando e
prometem dar conta das demandas dos sofrimentos humanos, que se alastram com os
tempos tecnológicos que, a cada dia, inovam em máquinas, em dispositivos eletrônicos,
em softwares sofisticados, em sites com variadas ofertas. Na área humana, são desafios
as novas identidades de gênero, a precocidade das crianças, que deixam os brinquedos
para investirem tempo nas telas, muitas vezes sem controle e supervisão, deixando
pais e mães sem saber como orientar seus filhos e filhas. Essas mudanças que fazem
parte da contemporaneidade requisitam teorias ecléticas, segundo os defensores das
terapias cognitivas.

As novas teorias pretendem atender com mais propriedade o trabalho desempenhado


pela Psicanálise em ações psicoterapêuticas desde o final do século XIX. Atualmente o
tempo passa rápido, e há grande mobilidade, medos e incertezas. As ciências cognitivas,
as comportamentais, as neurociências, entre outras, trazem promessas de esperança,
que são tão céleres quanto a fluidez do tempo da informática. Os distúrbios mentais
são tratados com treinos, a exemplo da Terapia Cognitivo Comportamental, que
tem seu foco nos processos intrapsíquicos, conceito herdado da Psicanálise, embora
o treinamento tenha sua base na terapia comportamental.

20
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

Como funciona a TCC, comumente chamada a Terapia Cognitivo Comportamental?


Knapp e Beck (2008, p. 557) dizem que:
A abordagem científica adotada pela terapia comportamental contribuiu
com diversos procedimentos e estratégias terapêuticos, como a estrutura
da sessão, a maior atividade do terapeuta, o estabelecimento de objetivos do
tratamento para toda a terapia e de uma pauta para cada sessão, a formulação
e teste de hipóteses, a obtenção de feedback, o uso de técnicas de solução de
problemas e treinamento de habilidades sociais, a prescrição de tarefas de
casa e experimentos entre as sessões, e a medição de variáveis mediacionais
e desfechos (2008, p. 557).

A cada sintoma revelado pelo cliente, o terapeuta monta intervenções estratégicas


para a resolução do problema apresentado. As práticas para treinamento em casa, em
forma de tarefas, são comuns, e a finalidade delas é promover controle do pensamento,
mudança de preocupações, aquisição de novos valores, desinibição na comunicação,
jogos para vencer os medos, as inibições etc. Os treinamentos cognitivos de habilidades
proporcionam melhoras a nível de relacionamento, treinamento de relaxamento,
treinamento de respiração, de maneiras de enfrentamento. Enfim, existe uma diversidade
enorme de treinamentos que se encaixam em cada caso, de acordo com a necessidade
do(a) cliente.

A Psicologia Cognitiva é uma vertente da Psicologia que estuda o comportamento


humano e sua estreita relação com a cognição, que engloba raciocínio, imaginação,
pensamento, percepção, memória, julgamento. Essas formas de conhecimento são
reguladoras do comportamento do indivíduo, como ele se percebe, aprende, evoca
lembranças, e, por isso, seu objetivo é atuar de forma ativa, tratando o cliente com o
entendimento de que os pensamentos conscientes e não inconscientes são responsáveis
pelas emoções e sentimentos. O pensamento irracional, ou seja, distorcido da realidade,
não são pensamentos inconscientes, e sim distorções da sua realidade ou do seu meio
ambiente.

As práticas da teoria cognitiva tiveram início com seu criador, George Miller, que declarou
ser o funcionamento do ser humano semelhante ao de um processador de informação.
As ações pertencentes a uma pessoa são compatíveis com esse processador, por isso
se registra e age como se o acontecimento fosse real, no entanto, são representações
mentais e elas são controladas pela aprendizagem. Então, as possibilidades do cognoscere
estão organizadas em um conceito da informática que tem como objetivo, a partir da
obtenção de dados, a transformação destes para se obter um resultado.

21
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

De acordo com Cid (2006, p. 1):


O mesmo é dizer que o ser humano tem que executar um determinado número
de operações mentais para realizar um determinado comportamento/ação
motora, utilizando a informação disponível do exterior e processando-a
de distintas maneiras através de vários estádios/fases de tratamento. Estes
intervêm entre a presença de um estímulo/informação e o desencadeamento
de uma resposta/comportamento.

Na Psicologia Cognitiva, a resposta para os variados comportamentos que uma


pessoa apresenta está na maneira como o cérebro processa a informação a partir dos
dados que recebe do ambiente. Diante da necessidade de realizar modificações nesses
comportamentos-problema, o terapeuta executa treinamentos utilizando os dados
que o indivíduo colheu do ambiente e cria um programa personalizado de acordo
com a necessidade de mudança de cada um. A função do terapeuta, então, é colocar
esses dados da realidade diante do cliente e auxiliá-lo a encontrar outras alternativas
menos negativas e, de pronto, estruturar novas maneiras de atuar no ambiente sem
prejuízo para o bem-estar geral do cliente e para uma boa adaptação à sua realidade
social. Portanto, a Psicologia Cognitiva atua para entender a relação entre pensamento,
sentimento, memória, comportamento e as reflexões que darão ensejo à criação de
estratégias para novas aprendizagens.

As terapias cognitivas prometem resolver em tempo breve as questões apresentadas


pelo cliente que chega ao consultório trazendo suas angústias e problemas que não
consegue resolver e que precisa com urgência sair de um quadro que incomoda para
dar continuidade ao trabalho, ao lazer, ao sucesso. Dessa forma, a Psicanálise fica à
margem dessa promessa, pois recordar, repetir e elaborar demanda tempo, e alcançar
essa rapidez não é possível, pois o tempo é do paciente, e não do analista. Então, ao
contrário da Psicanálise, as terapias cognitivas oferecem, segundo os treinamentos, as
técnicas para uma terapia breve e possibilidades de eficácia no tratamento.

Diante da celeridade do processo terapêutico, a popularidade das terapias cognitivas


vem aumentando cada dia mais, colocando-as na condição de modelos de psicoterapias
a serem seguidos. Rangel, Falcone e Sardinha (2007) relatam que, de acordo com estudo
realizado por eles, observa-se que existe uma propagação das terapias cognitivas no
Brasil e que os profissionais que as praticam combinam terapias de reestruturação
cognitiva e um tratamento cognitivo comportamental, entre outros, mas que os modelos
utilizados estão propensos a se integrar em um mesmo enfoque, ou seja, apenas um
deles será utilizado. Entende-se, assim, que o sucesso das terapias cognitivas está na
proporção direta da não aceitação da Psicanálise que, segundo os autores citados acima,
22
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

foi rejeitada e por isso cedeu lugar às novas abordagens cognitivas. Já Loparic (2008)
propaga que Imbasciati tem interesse em propor outro modelo de explicação para os
processos mentais unindo Psicanálise e todas as outras ciências que tenham a mente
como objeto de estudo.

Percebe-se, então, que a ciência avança em decorrência das insatisfações e dos


questionamentos que surgem para se responder com mais propriedade a respeito de
um assunto delicado e complexo. Complexo porque a percepção é subjetiva e traz
muitas dúvidas do que é e o que pode ser na visão de cada um. As certezas, em qualquer
campo do saber, serão sempre questionadas. A negação das interrogações poderá
colocar ciência no campo da estagnação e imporá barreiras ao seu desenvolvimento
e renovação.

23
CAPÍTULO 3
Uma resposta por mudança
paradigmática

Uma resposta por mudança paradigmática


Essa é a busca incansável da Psicanálise, que possibilita o enriquecimento de sua
teoria com outros desbravadores de novos caminhos, como Winnicott, que coloca
em discussão o paradigma freudiano, porque toda ideia que coloca em pauta questões
as quais se contrapõem a um paradigma existente revoluciona, impacta e faz refletir
a respeito de como as mudanças podem contribuir para auxiliar as pessoas a viverem
melhor. O novo na realidade é uma repetição daquilo que já existia, pois Freud foi
em busca de recursos teóricos para atender a uma demanda na qual as dificuldades se
faziam presentes e estavam a descoberto nos sintomas psicossomáticos revelados na
clínica de escuta analítica.

Por meio dessa escuta, Winnicott chegou à conclusão “[...] de que ‘é impossível falar
do indivíduo sem falar da mãe’ porque, usando os termos da fase madura da sua
teorização, a mãe ‘é um objeto subjetivo’” (LOPARIC, 2000, p. 41). A subjetividade
da mãe, percebida pelo bebê, exige um ambiente que facilite sua integração num
processo de amadurecimento de modo que ele “passe a ser objetivamente percebido
(WINNICOTT, 1963a/1983a). Nessa circunstância, Winnicott notou a necessidade
de promover um estudo aprofundado sobre a relação mãe-bebê para uma mudança
do paradigma psicanalítico que vigorava naquele momento.

Despertou, então, o interesse pela transição entre uma fase e a outra, no processo de
amadurecimento infantil. Entendeu que o desenvolvimento emocional se inicia nos
momentos que sucedem ao nascimento, com a necessidade de o bebê ser acolhido
para suportar a perda da proteção experienciada no útero materno para, depois de
inicialmente formar uma unidade com a mãe, ele se desenvolver para alcançar a
independência e formar uma unidade consigo, e não mais com a díade mãe-bebê. Sabe-
se que, pela necessidade de sobrevivência, o bebê respira e busca desesperadamente o
alimento para saciar sua fome; enquanto isso, ele se sente inseguro, e suas sensações
são de desamparo.

24
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

Segundo Winnicott (2005), o bebê inicia o seu amadurecimento emocional logo ao


nascer, e todo estudo realizado com o bebê deve necessariamente envolver a mãe.
Entende-se, então, que é com a mãe, ou com alguém que exerça essa função nos
cuidados com a criança, que o desenvolvimento se processa. Nessa circunstância, a
criança entende que quem está cuidado dela, durante sua dependência quase total,
é uma mãe suficientemente boa, que atende suas necessidades de amadurecimento
saudável ou reconhece em seus sentimentos que quem está lhe devotando cuidados
não lhe proporciona condições de seguridade, acolhimento, confiança e esperança na
vida, de modo que seja possível aumentar suas capacidades, desenvolver competências,
passando por vivências e adquirindo experiências que são propícias ao amadurecimento
progressivo favorável à saúde física, mental e social.

Esse amadurecimento não acontece repentinamente, e isso pode ser atestado pelos
estudos da psicologia pré-natal, que traz pesquisas e informações importantes para a
compreensão do desenvolvimento intrauterino, revelando que, dentro do ventre, o
bebê reconhece o ambiente e as movimentações físicas e emocionais do corpo da mãe
e reage a esses acontecimentos registrando-os na memória sensorial. Esse fenômeno se
tornou possível com o advento dos recursos tecnológicos aplicados à área de saúde física
e mental, como o desenvolvimento de softwares e de equipamentos como monitores
fetais, ultrassom etc.

Em uma pesquisa feita pela análise de imagens de ultrassonografia, Piontelli (1995)


observou fetos em gestações singulares e de gêmeos e registrou os resultados no
livro “De feto à criança – Um estudo observacional e psicanalítico”. No capítulo
“Comportamento fetal e meio ambiente do feto”, Piontelli escreveu sobre as
sensações experimentadas pelo feto e suas reações, frente aos estímulos recebidos.
A autora cita estudiosos que se debruçaram sobre essa questão, enriquecendo
o produto do seu intenso trabalho, dando maior credibilidade à sua pesquisa.
A citação a seguir, embora, extensa foi necessária para não se perderem partes
importantes na compreensão desse assunto.
Até o início do século passado, considerava-se que as funções sensoriais do
feto eram praticamente adormecidas, senão completamente inexistentes. O
famoso médico Bichat, ao escrever a respeito do feto, na virada do século,
descreveu-o como vivendo num mundo totalmente desprovido de qualquer
estimulação (LECANUET et al., 1989). Em 1882, Preyer considerou que o
feto recebia algum tipo de estimulação mínima em um ambiente de resto um
tanto recluso. Quarenta anos mais tarde, esSa perspectiva foi completamente
revertida. O fisiólogo Feldman, em 1920, sustentou que todos os sentidos

25
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

do feto, com exceção da visão, estavam sujeitos à estimulação in utero. No


entanto, até a década de 70, muitos cientistas respeitáveis continuavam
acreditando que o feto somente podia ser alcançado por estimulação táctil.

Pesquisa recente demonstrou que todos os sentidos humanos encontram-se


operando pelo menos a partir de um determinado momento do segundo
trimestre da gestação (CHAMBERLAIN, 1983), e, portanto a essa altura,
o feto responde aos estímulos tácteis, de pressão, cinestésicos, térmicos,
vestibulares, gustativos e dolorosos.

[...]

O meio ambiente do feto é rico em estimulação acústica proveniente do


interior do corpo da mãe (por meio do seu comer, beber, respirar e de sua
atividade cardiovascular e gastrintestinal), de suas vocalizações e dos ruídos
ambientais atenuados (WALKER et al., 1971; ARMITAGE et al., 1980). O
som mais frequente que o feto ouve é o da pulsação da principal artéria
abdominal (SALK, 1973), sendo o segundo mais frequente o da voz da
mãe. A relevância da experiência auditiva pré-natal para o bebê tem sido
demonstrada pelos estudos conhecidos de De Casper e seus colaboradores
(DECASPER; FIFER, 1980; DECASPER; SIGAFOOS, 1983; PANNETON;
DECASPER, 1984), que provaram a preferência do bebê pela voz familiar
de sua mãe, o efeito tranquilizador da exposição ao som dos batimentos
cardíacos desta após o nascimento e a preferência revelada pelo bebê por
ouvir o som de histórias familiares que foram lidas por sua mãe antes do
nascimento (p. 46-48).

A pesquisa de Piontelli (1995) deixa claro que o amadurecimento do bebê se inicia


ainda no útero, e não após o nascimento, como se pensava no século XIX. Hoje, sabe-
se, pelo advento da tecnologia, que os bebês dentro do útero reagem a estímulos que
são registrados pela precisão dos aparelhos de ultrassom. Corroborando a pesquisa
de Piontelli, Marx e Nagy (2015, p. 1) escreveram o artigo Fetal Behavioural Responses
to Maternal Voice and Touch 1 sobre o estudo que realizou com gestantes da 21ª à 33ª
semana de gestação, cujo objetivo foi medir as respostas comportamentais do feto ao
reagir à voz materna e ao toque materno do abdômen. Foram estudados 23 fetos, e a
autora chegou à seguinte conclusão:
Os resultados mostraram que os fetos apresentaram mais movimentos de
braço, cabeça e boca quando a mãe tocou seu abdômen e diminuíram seus
movimentos de braço e cabeça para a voz da mãe. Fetos no 3º trimestre
apresentaram aumento regulatório (bocejo), repouso (braços cruzados) e

1 Tradução livre feita pela autora: “Respostas comportamentais fetais à voz materna e ao toque”.

26
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

autotoque (mãos tocando o corpo) respostas aos estímulos quando comparadas


aos fetos no 2º trimestre (MARX; NAGY, 2015, p. 1).2

Nagy concluiu que os fetos selecionam as respostas dadas aos estímulos externos,
portanto eles interferem nas suas respostas e o amadurecimento do feto provoca
mudanças no seu meio ambiente. Ainda, acredita que as respostas dadas em consequência
aos estímulos da voz materna e do toque na mãe no abdômen podem ter, por parte
do bebê, a intenção de comunicar-se com o meio externo.

Com esses estudos, percebe-se que a interação pré-natal e o desenvolvimento físico e


psíquico do bebê acontecem desde o meio intrauterino e, num processo contínuo, após
o nascimento, com outras condições e características, o desenvolvimento prossegue.
Os estudos, utilizando-se ferramentas tecnológicas, indicam que o bebê não está neutro
aos estímulos e reage expressando sentimentos. Estes são revelados comprovando que
as ações da mãe mobilizam forças reativas do feto que são percebidas pelas respostas em
forma de movimentos que ele executa. Às vezes, não é necessário utilizar os aparelhos
de alta resolução para se detectar movimentos do bebê que apontam existir, mesmo
dentro do útero, gestos que patenteiam o quanto o bebê está atento aos acontecimentos
e reage aos agentes do meio. Para ilustrar essas declarações, analisaremos um caso
curioso, publicado em revistas e jornais à época em que ocorreu. Veja a seguir:

“No dia 19 de agosto de 1999, Samuel Alexander Armas ficou famoso mundialmente
por protagonizar uma curiosa imagem. Sua pequenina mão de bebê aparece fora
do útero de sua mãe segurando o dedo de um cirurgião. Ainda dentro da barriga
de sua mãe, Samuel foi diagnosticado com espinha bífida, um problema congênito
acarretado pela malformação da coluna espinhal e da coluna vertebral. A foto, tirada
pelo fotógrafo Michael Clancy, foi publicada pelo jornal USA Today e ganhou o
apelido de “Mão da Esperança”, repercutindo mundialmente. Atualmente Samuel tem
17 anos e mora em Douglas County, no estado da Georgia, nos Estados Unidos. Ele
usa aparelhos nas pernas e cadeira de rodas para auxiliá-lo com a locomoção, mas tem
a vida de um adolescente comum”.

2 Tradução livre feita pela autora ao texto original: “Results showed that fetuses displayed more arm, head, and mouth movements when the
mother touched her abdomen and decreased their arm and head movements to maternal voice. Fetuses in the 3rd trimester showed increased
regulatory (yawning), resting (arms crossed) and self-touch (hands touching the body) responses to the stimuli when compared to fetuses in the
2nd trimester”.

27
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

Figura 3. De dentro do útero, um menino agarra a mão do médico.

Fonte: https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2019/10/28/ao-abrir-barriga-em-cesarea-bebe-segura-dedo-de-medica-e-
emociona-equipe-e-familia-momento-raro-e-lindo.ghtml.

Se o bebê, sem estar completamente formado, já tem condições de reagir, mesmo


utilizando movimentos reflexos, significa que ele recebe estímulos e não fica inerte a
essas provocações. Existe uma comunicação intrauterina entre o feto e a mãe, como
escreve Wilheim (1997). Acreditava-se que a placenta era o filtro de todas as substâncias
ingeridas pela mãe, depois ficou provado que o bebê recebe quaisquer substâncias
ingeridas pela mãe. Assim, passam para o feto toxinas, vírus, bactérias, protozoários,
oxigênio, carboidratos, entre outras substâncias.

28
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

Figura 4. Desenvolvimento placenta e cordão umbilical.

Fonte: https://www.coladaweb.com/biologia/desenvolvimento/placenta-e-cordao-umbilical.

O feto absorve essas substâncias pela corrente sanguínea, e a transmissão dos nutrientes
entre o feto e a mãe é feita pelo cordão umbilical. Da mesma forma que os nutrientes
são incorporados pelo bebê, as sensações, perturbações e o descontrole da mãe são
transmitidos ao bebê pelas alterações emocionais, por isso Pert (1997) defende que
existe uma assinatura bioquímica em cada emoção. Essas transmissões alteram o estado
emocional do bebê, e sabe-se que o equilíbrio emocional é básico, essencial para o
bem-estar biopsicossocial do ser humano. Segundo Wilheim (1997), as emoções da
mãe não são neutras para o bebê, pois essas emoções são acompanhadas por alterações
bioquímicas. Essas alterações se fazem porque células nervosas produzem quantidades
maiores de substâncias neuro-hormonais que são lançadas na corrente sanguínea e
transmitidas ao feto pelo cordão umbilical.

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Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

Figura 5. O que acontece com um bebê quando a mãe chora.

Fonte: https://www.virgulistas.com.br/isso-e-o-que-acontece-com-um-bebe-quando-mae-chora-na-gravidez/.

Assim, após o nascimento, depois de ter enfrentado, durante seu desenvolvimento


físico, emocional e psicológico, os impactos das emoções maternas e de ter recebido
nutrientes nem sempre saudáveis, a criança ainda tem de enfrentar as diferenças
ambientais existentes fora do útero. Agora tem de respirar e de se alimentar com esforço,
para sua sobrevivência no planeta. Por isso, os profissionais da saúde aconselham às
mães que conversem com seus bebês, que coloquem música para acalmá-los, que os
acolham com palavras carinhosas para que estes se sintam mais confiantes. Também
se aconselha que, ao nascerem, os bebês devem ser segurados com carinho e recebidos
com alegria. Desse modo, eles vão se integrando, inicialmente utilizando o corpo da
mãe e depois integrando-se ao ambiente com segurança. Se ocorrer o contrário, no
desenvolvimento da criança, ocorrerão falhas muitas vezes graves, desencadeando
transtornos emocionais.
Desse modo, nos casos de adoecimento emocional na infância, ou fora
dela, ocorre uma não integração ou desintegração do eu. Com isso, o
estabelecimento das relações objetais fracassa, o sujeito se relaciona com
um mundo subjetivo particular ou falha em se relacionar com qualquer
objeto externo (AGNES et al., 2013, p. 981).

Como pediatra e psicanalista, Winnicott (1983) percebeu que os transtornos mentais


estavam relacionados à falta de adaptação do bebê ao ambiente, que representava
para ele, nessas condições, o desamparo, pois a mãe ou cuidadora não fora capaz de
lhe proporcionar o essencial para sentir-se seguro e integrado a ela. Para se sentir
amparado e protegido, não é o bastante ser segurado ou encostar-se ao corpo da mãe,

30
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

mas perceber em suas sensações, uma mãe capaz de decodificar suas necessidades físicas
e psíquicas, como também dar sentido às decodificações de sua fala pré-verbal e em
seguida ser atendido em suas solicitações para, assim, formar com ela uma unidade
psíquica.

Por isso, as mudanças que se fizeram necessárias na clínica winnicottiana foram o estudo
da díade mãe-bebê, não o paradigma da tríade pai-mãe-criança com base no mito de
Édipo. Sabe-se que a criança, segundo Freud, passa pelas fases do desenvolvimento
psicossexual e que as zonas de erotização correspondem à boca, na fase oral; ao ânus,
na fase anal; e aos órgãos genitais, nas fases fálica e genital. Essas são regiões de grande
concentração de energia sexual, e a maneira de satisfazer ou reprimir essa energia causa
frustração, formando pontos de fixação que interferirão no desenvolvimento psicológico
saudável ou não do ser humano. A descoberta desses pontos de fixação deu-se quando
Freud ouviu as queixas de suas pacientes que estavam presas nos primeiros anos de
vida e não conseguiam elaborar os conteúdos reprimidos guardados no inconsciente
devido ao desprazer sentido.

É nesse contexto da repressão da fase fálica que se vivencia o complexo de Édipo. O


menino se apaixona pela mãe e coloca o pai no lugar de rival. Nessa fase, o menino
valoriza narcisicamente os órgãos genitais, como sendo o órgão do poder, o falo. Freud
(vol. XIX, p. 158) diz: “O que está presente, portanto, não é uma primazia dos órgãos
genitais, mas uma primazia do falo”. Com receio de perder esse poder imaginário,
sente-se inseguro e teme que algo possa acontecer a ele. Cavalcante (2014, p. 138)
pontua que “A criança sente pelo sexo oposto uma paixão conflituosa e povoada de
temores”. A esse fenômeno dá-se o nome de angústia da castração.

Desse modo, o que diferenciou o trabalho de Winnicott do paradigma freudiano foi o


estudo da mãe como unidade psíquica, pois, quando o bebê nasce, ele não está separado
de sua mãe e mantém com ela uma unidade, porque ela representa o ambiente onde
o recém-nascido está indistinto dela. Como não está separado da maternagem e é
dependente dos cuidados de alguém que possa assisti-lo proporcionando o conforto do
alimento, o consolo nos momentos das sensações de desamparo, o bem-estar nas trocas
das fraldas, então, para ele, o zelo indica uma boa maternagem, com a qual se constrói
um desenvolvimento infantil saudável e uma vida adulta equilibrada emocionalmente.

Essa é a base da teoria winnicottiana, que serve como guia para aplicação na clínica com
crianças e pessoas adultas. Por isso, é muito importante conhecer um pouco sobre esse
teórico, já que se está estudando a teoria desenvolvida por ele. Alguns dados sobre ele

31
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

serão expostos a seguir. Winnicott nasceu em 1896 em Plymouth, Inglaterra. Durante


a Primeira Guerra Mundial, no período de 1914-18, foi auxiliar de enfermagem
em Cambridge, quando estava no primeiro ano de Medicina, e depois se alistou na
Marinha. Depois da guerra, prosseguiu seus estudos de Medicina em Londres, no St.
Bartholomew’s Hospital. Em 1920, obteve seu diploma. Em 1923, ao ler um trabalho de
Freud, decidiu fazer análise com James Strachey e, nesse mesmo ano, Winnicott obteve
dois cargos como consultor em Pediatria nos hospitais Queen’s Hospital for Children
e Paddington Green Children’s Hospital, onde clinicou por cerca de 40 anos. Em 1924,
abriu seu consultório na Harley Street, em Londres. Com o conhecimento obtido por
meio de sua prática, construiu sua teoria.

Mas, antes de abrir seu consultório estava empenhado em obter formação em Psicanálise,
porque encontrou sintonia entre suas ideias e as ideias de Freud relatadas por Oskar
Pfister em seu livro The Psychoanalytic Method, editado em 1917. Então iniciou sua
análise pessoal com James Strachey em 1923, encaminhado por Ernest Jones. Em
1927, iniciou sua formação como analista na Sociedade Britânica de Psicanálise,
concluindo-a em 1934 e, em 1935, formou-se analista de crianças. Por algum tempo,
foi o único pediatra com formação em Psicanálise, destacando-se dos demais médicos
no tratamento de crianças com transtornos mentais.

Com a experiência no atendimento de crianças, percebeu que as mães eram responsáveis


pelas dificuldades apresentadas pelos seus pacientes pueris, e essas dificuldades estavam
relacionadas à maneira como foram cuidados na infância. Mesmo que os bebês fossem
saudáveis fisicamente, tinham experimentado, na relação intersubjetiva com a mãe,
durante os estágios primitivos do desenvolvimento psíquico, falhas importantes no
manejo, inadequado por não atender às necessidades da criança, prejudicando seu
desenvolvimento e amadurecimento mental saudável.

Na sua prática clínica como pediatra e psicanalista, Winnicott estava atento ao


desenvolvimento emocional da criança e estava ciente de que o bebê se mostrava
completamente dependente da maternagem, por isso seus problemas emocionais
estavam vinculados às etapas iniciais do desenvolvimento. Chegou à conclusão de que
a constituição do psiquismo antecede o complexo de Édipo e que os fatores ambientais,
como também a dependência de uma cuidadora que desempenhasse a função materna
eram circunstâncias decisivas para a formação do mundo psíquico do bebê. Segundo
Lescovar (2004, p. 44):
No exercício da pediatria, deparou-se com um grande número de casos de
crianças que adoeciam precoce e psicossomaticamente, apesar de diagnosticadas

32
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

pelos médicos pediatras como fisicamente saudáveis (WINNICOTT, 1958a).


Tal constatação obrigou Winnicott a considerar a dependência do bebê dos
cuidados circunstantes ambientais como necessariamente constituintes de
seu psiquismo (LESCOVAR, 2004, p. 44).

A criança nasce indefesa e sem organização para coordenar seu mundo interno e perceber
o mundo que a cerca. Ao nascer, o bebê humano é incompetente para sobreviver sem
ajuda de alguém que possa cuidar dele, por isso, depende de cuidados, não só físicos,
mas também, afetivos, para o seu desenvolvimento. Levando em consideração a
fragilidade físico-orgânica e a imaturidade do cérebro, ainda não desenvolvido para os
raciocínios e o conhecimento intelectual que garantem o entendimento das próprias
ações e as ações do outro, o bebê recém-nascido está completamente subordinado à
responsabilidade e ao zelo de outra pessoa. Segundo Winnicott (1983, pp. 45-46),
“Neste estado o lactente não tem meios de perceber o cuidado materno [...]. Não pode
assumir controle sobre o que é bem ou mal feito, mas apenas está em posição de se
beneficiar ou de sofrer distúrbios”.

Nesse sentido, é importante saber porque o bebê tem uma infância longa e fica tão
explícita sua dependência de outra pessoa para sobreviver. Rodrigues (2014) escreve,
em sua coluna “Porque é que temos uma infância tão longa?” e, então, copia António
Piedade explicando que os seres humanos são os mamíferos que demoram a andar e a
conseguir sua independência adulta. Para o amadurecimento, eles necessitam de muitos
anos de aprendizado, o que corresponde a três ou quatro vezes mais anos do que as
espécies que são mais semelhantes aos seres humanos. Cita como exemplo os primatas,
que são mais inteligentes que outras espécies. A reprodução desses “parentes” próximos
do ser humano se dá aos quatro anos de idade, enquanto, nessa mesma idade, a espécie
humana se encontra em quase total dependência de outrem para sua sobrevivência.

A necessidade de uma infância prolongada, continua Piedade, é devido ao grande


consumo de glicose, que é o principal alimento dos neurônios. O cérebro tem diferentes
volumes ao longo do desenvolvimento e consome quantidades diferentes de glicose. Dessa
forma, os estudiosos entenderam que, em determinadas etapas do desenvolvimento,
o cérebro consome mais dessa substância e o crescimento é mais lento para atender
às demandas dos neurônios.

No período em que os primatas estão se reproduzindo, portanto, o organismo está


maduro sexualmente e o cérebro da criança está consumindo mais glicose, o que
corresponde a 66% da energia do organismo em todas as suas necessidades.

33
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

Nessa fase do crescimento infantil, o cérebro queima 66% da energia que todo o
organismo consome em repouso! Com a glicose a ser prioritariamente consumida
pelo cérebro, o resto do organismo só pode desenvolver-se a um ritmo muito mais
lento do que o verificado nos outros primatas. [...]
RODRIGUES, H. Porque é que temos uma infância tão longa. Disponível em: https://www.
sulinformacao.pt/2014/09/porque-e-que-temos-uma-infancia-tao-longa/. Acesso em: 16 de junho de
2021.

Figura 6. Bezerros recém-nascidos são abandonados às margens de rodovia em MG.

Fonte: https://olharanimal.org/bezerros-recem-nascidos-sao-abandonados-as-margens-de-rodovia-em-mg/.

Figura 7. Desenvolvimento do bebê com três meses.

Fonte: https://www.almanaquedospais.com.br/desenvolvimento-do-bebe-de-3-meses/.

34
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

Por isso, os cuidados maternos são imprescindíveis para a auto-organização do bebê,


e este necessita que a maternagem seja bem desempenhada. A necessidade de proteger
a criança e cuidar dela tem relação com o chamado “hormônio do amor”, a ocitocina.
Essa substância é liberada para o aumento do prazer nas relações sexuais e contribui
para estreitar os laços afetivos entre os pares. Quando a gestante entra em trabalho
de parto e o bebê força com a cabeça a passagem para o nascimento, a produção do
hormônio ocitocina aumenta (ROHDEN; ALZUGUIR, 2016).

Assim, a liberação de ocitocina em doses maiores favorece a vinculação da mãe com o


bebê e estimula sua necessidade de ser suficientemente boa, atendendo às solicitações
dele, acolhendo-o nas suas fragilidades, suprindo suas deficiências causadas pela
dependência, interpretando seus choros de fome, de sede, de irritação, de variados
incômodos. Com esse modo de agir, a mãe auxilia no desenvolvimento saudável da
criança, na sua integração consigo e com o ambiente, no seu processo de vir a ser
(WINNICOTT, 2007).

Essa estreita relação do par mãe-bebê forma uma unidade psíquica, condição primordial
para o seu desenvolvimento emocional e o consequente desenvolvimento físico e
psíquico. Não é possível, portanto, pensar um sem reconhecer o outro. Inicialmente,
o bebê não se distingue da mãe, apenas mais tarde é que ele consegue se identificar
como um ser separado dela, então, para a criança, a mãe vai assumindo a condição de
objeto externo e não mais se mantém a vida em comum praticada entre a díade.

Mãe e bebê, uma unidade psíquica – inicialmente, o bebê não está integrado
psiquicamente de modo a formar uma unidade em si mesmo. Ele precisa dos cuidados
do ambiente, representado pela maternagem, para que consiga desenvolver sua própria
integridade psíquica, separando-se do “eu” de sua cuidadora. Loparic (2006, p. 32)
relata que “O novo exemplar proposto por Winnicott é o bebê no colo da mãe, que
precisa crescer, isto é, constituir uma base para continuar existindo e integrar-se numa
unidade”.

Com os zelos dispensados, o bebê encontra segurança para ser ele mesmo, percebendo
que seu “eu” está integrado no seu corpo. A psicose, segundo Winnicott, é resultado
da falta de alguém que juntasse os pedaços do “eu” desintegrado do bebê quando este
nasce, para que ele mesmo, com os cuidados do banho, dos braços que o acolhem,
com o corpo aquecido, com sua identidade sendo evidenciada pelo chamamento do
seu nome, tenha instrumentos afetivos para se personalizar (WINNICOTT, 2000).
Segundo as ideias desse teórico, se o desenvolvimento da criança acontece sem o

35
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

acolhimento das suas necessidades básicas, e se essas necessidades não são supridas,
ela cresce com falhas na formação da personalidade. O ambiente familiar deve estar
preparado para auxiliar na evolução da criança.

Nos estudos de Winnicott (1983; 2002) reúnem-se conhecimentos a respeito da


capacidade que têm as mães suficientemente boas para se dedicarem aos cuidados
dispensados aos filhos e filhas, no carinho, no desvelo, na renúncia para atender às
suas necessidades de alimentação, higiene, conforto, consolo, tranquilidade, como
se dissesse por meio dos seus cuidados: “Pode confiar em mim e dormir, descansar,
saborear o alimento, brincar”. Dessa relação adequada ao desenvolvimento infantil,
estabelece-se a base para o desenvolvimento emocional, psicológico e físico da criança.
Nessa relação de confiança, o bebê se identifica com a mãe e a mãe com ele, e os dois
tornam-se, assim, uma unidade psíquica. Essa condição fornece elementos de seguridade
e confiança para que o bebê possa se organizar e, mais tarde, integrar-se como um ser
total, personificando-se, conferindo qualidades ao seu ser e existir, caracterizando-se
como pessoa, como um indivíduo que, de acordo com a idade cronológica e mental,
consegue se estabelecer em sociedade.

Mãe suficientemente boa – o bebê depende dos cuidados de alguém que se ocupe das
suas necessidades para que possa alcançar a sua integridade como ser capaz de construir
seu ambiente pessoal e com ele desenvolver-se com a ajuda, e não dependência, de
outrem. A saída do não ser para o ser se caracteriza por um bom processo de maturação.
À medida que o bebê se desenvolve, ele registra nas suas sensações a segurança, a
confiança, o respeito e o acolhimento. As falhas no atendimento são condições essenciais
para o bebê construir-se como pessoa.
[...] em geral os bebês realmente se encontram em condições bastante
favoráveis quando estão num estado de dependência absoluta; há, entretanto,
bebês com os quais isto não acontece. Estou dizendo que estes bebês que não
recebem este tipo de cuidados suficientemente bons não conseguem se realizar,
nem mesmo como bebês. Os genes não são suficientes (WINNICOTT, 1999
pp. 83/84).

À proporção que o bebê cresce e desenvolve sua constituição física, afetiva, cognitiva e
social, ele vai adquirindo uma linguagem que o coloca em comunicação com o mundo, e
não apenas com sua mãe. Isso é possível porque o bebê confia no ambiente que o cerca
a partir dos cuidados que sua mãe dispensa a ele. Passa, assim, de uma dependência
quase absoluta para uma relativa autonomia. O amadurecimento biopsicossocial permite
o desenvolvimento de ações mais complexas, porque sua confiança foi desenvolvida

36
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

considerando-se a atenção e o zelo que recebeu desde os primeiros dias de nascido.


De acordo com Winnicott (1999, p. 87):
À medida que prossegue o desenvolvimento e o bebê adquire um interior
e um exterior, a confiabilidade do meio ambiente passa então a ser uma
crença, uma introjeção baseada na experiência de confiabilidade (humana, e não
mecanicamente perfeita). [...] O bebê não ouve ou registra a comunicação,
mas apenas os efeitos da confiabilidade; é algo que se registra no decorrer
do desenvolvimento. O bebê não tem conhecimento da comunicação, a não
ser a partir dos efeitos da falta de confiabilidade.

A confiabilidade ou a falta dela se inicia com o toque das mãos. Os atos de segurar, dar
o banho e trocar as fraldas definirão para o bebê se ele pode confiar ou ter medo de cair
e se posicionar apavorado, como no reflexo de Moro. Segurar a criança com cuidado
contribui para o seu processo de maturação. O amadurecimento saudável implica
na percepção de que ele pode acreditar no acolhimento, acreditar que será atendido
nas suas necessidades, acreditar que, mesmo que demore um pouco, o auxílio chega,
acreditar que alguém protege. Então, o mundo e as pessoas são considerados confiáveis.

Figura 8. Reflexo de Moro.

Fonte: https://www.sanarmed.com/reflexo-de-moro-e-outros-reflexos-primitivos-do-recem-nascido-colunistas.

As mãos, então, representam uma forma de se comunicar com o bebê. Elas dizem com
firmeza que ele não vai cair, elas dizem com carinho que ele é bem-vindo, elas dizem que
ele será protegido e aquecido, mas também podem dizer que seu mundo será carregado
de frustrações, perdas e abandono. Winnicott (1999) diz que segurar a estrutura física

37
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

do bebê pode resultar em condições satisfatórias ou desfavoráveis psicologicamente.


Segurá-lo com amor “facilita os processos de maturação”, ao contrário, esses processos
são interrompidos e interferem na adaptação do bebê. Nessas condições, os bebês
podem adquirir confiança e podem passar pelas fases do desenvolvimento emocional
mais rapidamente. Assim, esclarece Loparic (2000, p.p. 34/35) fazendo referência a
Winnicott: “[...] não levou muito tempo para que ele chegasse à conclusão de que se
precisava de uma psicologia do bebê recém-nascido, que não tentasse reduzir todos
os problemas apenas à ‘angústia de castração e ao complexo de Édipo’”.

Como é possível perceber, a teoria winnicottiana descreve o bebê sempre levando em


consideração a mãe ou cuidadora, porque a presença dela, como parte do ambiente
da criança, é fundamental para seu desenvolvimento. À medida que o bebê progride,
aumenta sua autonomia e ele pode se separar da cuidadora. Portanto, Winnicott
teoriza a respeito da díade mãe-bebê, que determina o aparecimento de dificuldades e
transtornos psíquicos a partir dessa relação. Isso diferencia seus conceitos dos conceitos
psicanalíticos de Freud, que considera o complexo de Édipo como o responsável pelo
desencadeamento de transtornos mentais.

Todo esse processo de amadurecimento saudável depende da mãe suficientemente


boa, e os critérios para se identificar essa mãe são os seguintes:

» adaptação quase completa às necessidades do bebê;

» percepção e compreensão das necessidades do bebê;

» proteção;

» cuidado;

» confiabilidade;

» ela mostra ao filho que não é perfeita;

» ela apresenta ao filho a frustração quando não atende às suas necessidades


imediatamente.

Quando a mãe consegue se identificar com seu bebê, sem o sacrifício de uma renúncia
doída que a leve ao sentimento desagradável de ser mãe, sem sentir-se explorada pela
criança, sem experimentar sentimentos de rejeição que a façam menosprezar o ser ao
qual deu à luz, ela estabelece com ele o acolhimento que Winnicott denominou holding,
que significa fornecer ao bebê o apoio de que ele necessita para continuar a vida fora

38
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

do útero. O holding fornece o apoio entendido pelo bebê como proteção, cuidado,
confiança na fase em que se sente completamente desprotegido pela sua incapacidade
física e psíquica de sobreviver por si só, portanto, no momento em que sua dependência
é absoluta. A dependência física significa sentir-se amparado pelas mãos de quem cuida,
principalmente pelas mãos da mãe, com as quais tem muita familiaridade.

Levando em consideração a importância do segurar o bebê e as consequências dessa


ação para seu desenvolvimento psíquico, o complexo de Moro foi colocado em pauta
para se obter mais esclarecimentos a respeito desse tema.

Reflexo de Moro
O reflexo de Moro foi descrito por Ernst Moro (1874-1951), médico e pediatra austríaco,
que descobriu reações do bebê durante os três primeiros meses de vida. Avaliaram-se
respostas involuntárias, como a abertura dos braços e das mãos quando alguém afrouxa
o braço que está segurando o bebê e a mão que está apoiando sua cabeça, deixando-a
cair por uns dois centímetros, sem retirar as mãos, criando um pequeno vácuo. Esse
movimento provoca um susto na criança, que expressa receio de cair. Após estirar
os braços e espalmar as mãos, o bebê encolhe os braços rumo ao corpo, relaxando,
e dá demonstração de estar seguro. Esse reflexo é primitivo e, por isso, não perdura
por mais de cinco meses. Se, porventura, essas reações ultrapassarem os cinco meses,
torna-se necessário realizar uma avaliação neurológica na criança.

Percebe-se, segundo a teoria winnicottiana, o quão importante é para a integridade


psíquica do bebê que as mãos que sustentam seu corpo frágil garantam sua integridade
física. O bebê necessita de um ambiente que assegure a ele condições de desenvolver
sua personalidade com sensações de inteireza e de não fragmentação, isso para não
desenvolver transtornos de personalidade, principalmente a psicose.

Winnicott (1983) faz considerações importantes a respeito da origem da psicose e diz que
esse transtorno não está relacionado ao complexo de Édipo. Segundo ele, Freud situou
a má resolução das etapas do desenvolvimento psicossexual em pontos de fixação. Esses
pontos são geradores de muita ansiedade e, sendo a ansiedade intolerável, o indivíduo
desenvolve defesas para se proteger de manifestações perigosas ao ego. A regressão
a pontos de fixação é desencadeadora de enfermidades psíquicas. Já para Winnicott,
a origem das psicoses não está associada à ansiedade em decorrência do complexo de
Édipo e à regressão ao ponto de fixação da fase fálica, e sim ao desenvolvimento da
criança e ao ambiente onde sua personalidade é formada.

39
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

Um ambiente que não foi suficientemente bom para auxiliar o bebê na sua independência
e integração do ego é responsável pelo desencadeamento de transtornos mentais,
sendo a psicose um dos principais temas estudados por Winnicott. Ele escreve no
livro “O ambiente e os processos de Maturação” (1983, p. 231): “Psicose é uma doença
de deficiência do ambiente”.
Ao ser colocada em posição supina, a cabeça da criança é suspensa com suporte
pelo examinador, levantando também o corpo da criança minimamente.
Num movimento súbito, o examinador solta a criança, simulando uma
queda e presenciando o reflexo de Moro em condições normais, mas logo
em seguida já sustenta a cabeça da criança novamente.

Durante o reflexo de Moro, observa-se uma abdução e extensão dos membros


superiores com abertura das mãos seguida de uma adução e flexão cruzada
destes membros. Esse reflexo primitivo, que avalia a cintura escapular da
criança, desaparece e tende a se integrar por volta do 5º ou 6º mês de vida
do bebê, não devendo persistir no segundo semestre.
FARIA, G. M. Reflexo de Moro e outros reflexos primitivos do recém-nascido. Disponível
em: https://www.sanarmed.com/reflexo-de-moro-e-outros-reflexos-primitivos-do-recem-nascido-
colunistas. Acesso em: 16 junho de 2021.

Psicose
No decorrer na obra de Winnicott, este aborda inúmeras vezes acerca do estado
psíquico da psicose. O autor muito contribuiu para a elucidação desse tema e, no
decorrer de seus escritos a respeito das fases do desenvolvimento inicial individual,
esse estudo muito se fez presente e desempenhou um papel muito importante em toda
a obra winnicottiana.

É indispensável lembrarmos que, durante a construção das obras freudianas, o autor


pouco trabalhou esse tema, ou seja, Freud deu mais ênfase aos estudos da neurose e
direcionou sua energia para tal. Assim, ficou a cargo de Winnicott elaborar um estudo
acerca da psicose. Ainda sobre Freud, este acreditava que não seria possível acontecer
o processo de transferência em analisandos que tivessem esse quadro clínico. Isso
quer dizer que, de acordo com os estudos freudianos, não há possibilidade de haver
tratamento sem que haja a transferência, o que tornava o trabalho limitado e com pouco
alcance (FREUD, 1924b). De acordo com Freud, o quadro psicótico tinha relação com
o que ele chamou de “mecanismo de defesa de cisão”, que, em suma, quer dizer que há
ruptura do paciente do contato com a realidade e ainda com o investimento da libido
no eu. Foi a partir dos estudos e contribuições de Melanie Klein que foi possível trazer
a transferência não mais apenas para o campo da neurose (KLEIN, 1952), mas, também,
40
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

foi possível colocar em realce as atenções para os estágios iniciais do desenvolvimento


pessoal (KLEIN, 1996a, 1996b).

Com base nas considerações de Winnicott, existe a necessidade de se demonstrar


que existe uma mudança radical a qual se associou à psicose, ou, melhor dizendo, à
doença psicótica e à sua etiologia. Quando trazemos à luz a Psicanálise freudiana,
deparamo-nos com o recaimento da psicose em direção às questões envoltas pelas
dinâmicas das relações objetais e no que tange às questões da sexualidade. Em um
contraponto, é possível que se observe como Winnicott encara esse contexto. O autor
considerava e inseriu o aspecto ambiental nesse estudo e o apresentou como sendo o
principal fundamento do que desencadeia a psicose (BUSNARDO, 2012). Além disso,
Winnicott aponta que a psicose se origina quando há uma falha ambiental na primeira
infância que se relaciona com a forma de cuidado. No que tange a um estudo em que
o autor esteve presente, a ideia abordada dizia respeito ao fato de que os distúrbios
mentais que demandam medidas como hospitalização dependem do tipo de falha que
aconteceu no desenvolvimento da criança em sua primeira infância (WINNICOTT,
1965vi, p. 15).

Quando apontamos para a “falha ambiental” descrita pelo autor, é importante que se
note que essa falha opera no sentido de impedir que o indivíduo caminhe em direção à
maturidade, ou, melhor dizendo, que a conquista de seu desenvolvimento pessoal não
venha a acontecer da forma esperada. É necessário que o indivíduo tenha um ambiente
suficientemente bom, dito como facilitador, para que haja a tendência inata de ele ir
em direção à integração; quando não há esse ambiente, essa integração é interrompida.
Sobre isso, Winnicott aponta que o distúrbio esquizofrênico surge como o “negativo”
do processo, que pode, em algum momento, ser pormenarizado como “positivo” no
processo no que tange à maturação da vivência infantil em seus primeiros anos de vida
(WINNICOTT, 1965vi, p. 15). É possível perceber que, no sentido da maturação, o
que é comprometido é o caminho diante da falha do ambiente:
Nesse sentido, a falha da provisão elementar básica inicial perturba os
processos de maturação, ou evita que eles contribuam para o crescimento
emocional da criança, e é esta falha do processo de maturação, integração, etc.
que constitui o estado de doença quechamamos de psicótico (WINNICOTT,
1963a, p. 232).

Com base em toda a obra de Winnicott, é possível notar que este coloca em evidência e
trata com muita importância os primeiros meses e primeiros anos de vida do indivíduo.
O autor relaciona os primeiros meses de vida como um período de dependência

41
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

absoluta, ou seja, o bebê necessita de outro alguém para sanar suas necessidades básicas,
e é nesse período que surgem as afecções psicóticas, que são as falhas do ambiente as
quais impactam a vida desse bebê. Winnicott complementa sua análise dizendo que
é nesse ponto, entre essas suas questões descritas anteriormente, que a psicose se
desenvolve, e é esse ponto, também, que marca o momento em que o autor se afasta
da Psicanálise de Freud, destacando, assim, as questões que envolvem a relação de
dependência com o ambiente, das relações objetais e daquilo que se refere à teoria da
sexualidade. Sobre o início de sua teoria a respeito da psicose, Winnicott nos diz que:
“Ver-se-á que na tentativa de datar o início da psicose eu estou, portanto, me referindo
ao grau de dependência do indivíduo e não à vida instintiva pré-genital do indivíduo,
nem ao estágio da primazia da zona erótica do lactente” (WINNICOTT, 1965h, p.
124). É possível perceber, também, que é no período da “dependência absoluta” que
o ambiente precisa se adequar às necessidades do bebê, pois, caso isso não ocorra, há
a possibilidade de que a organização da psicose aconteça. Winnicott aborda sobre os
graus de dependência e diz:
Podemos considerar os graus de dependência em uma série: a) Dependência
extrema. Aí as condições precisam ser suficientemente boas, senão o lactente
não pode iniciar seu desenvolvimento inato. Falha ambiental: deficiência
mental não orgânica; esquizofrenia dainfância; predisposição a doença mental
hospitalizável mais tarde (WINNICOTT, 1965vc, p. 64).

De modo mais amplo, é possível afirmar que Winnicott considera que a psicose
se estrutura como uma forma de o indivíduo se defender de ansiedades, angústias
e necessidades não sanadas. Em outras palavras, foi a forma como o eu conseguiu
se proteger da falta. A partir dessa falta, ocorre, portanto, uma desintegração, uma
desconexão do corpo, e isso faz com que o eu se perca de si mesmo. Winnicott diz:
“Pode-se reconhecer que essas são especificamente a essência das ansiedades psicóticas,
e pertencem, clinicamente, à esquizofrenia ou ao aparecimento de um elemento esquizoide
oculto em uma personalidade não psicótica nos demais aspectos” (WINNICOTT,
1965N, p. 57). O holding e o ambiente se entrelaçam na obra de Winnicott e, para
ele, no início da vida infantil, no momento em que o eu infantil está em formação,
este depende de forma direta do apoio do ego materno (ambiente) ou, também, do
holding, para que assim consiga amadurecer. Quando ocorre falha ou insuficiência
destes, o resultado acarretado será o desenvolvimento da psicose. Winnicott pontua
que: “As consequências de um apoio defeituoso ao ego por parte da mãe podem ser
tremendamente devastadoras [...]” (WINNICOTT, 1965n, p. 57). O autor diz ainda que:

42
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I

O holding deficiente produz extrema aflição na criança, fonte da sensação


de despedaçamento; da sensação de estar caindo num poço sem fundo;
de um sentimento de que a realidade exterior não pode ser usada para o
reconforto interno; e de outras ansiedades que são geralmente classificadas
como “psicóticas” (WINNICOTT, 1965vf, p.27).

Dentre todas as contribuições feitas por Winnicott em sua obra (que são inúmeras,
por sinal), foi ele, como já vimos, o responsável por trazer grandes construções acerca
da psicose e da etiologia dessa condição. Além disso, o autor se ocupou em falar a
respeito das formas de manifestação desse estado psíquico e contemplou-a de maneira
detalhada. Ao citar a esquizofrenia infantil ou autismo, Winnicott direcionou-se muito
mais rumo à etiologia psicológica do que frente à etiologia neurológica, ou seja, ele
considerou, em primeiro plano, a psique humana:
Este conhecido grupo clínico contém doenças secundárias a lesão ou
deficiência física do cérebro e inclui também algum grau de cada tipo de
falha nos pormenores da maturação inicial. Em boa proporção desses casos
não há evidência de doença ou defeito neurológico (WINNICOTT, 1965n,
p. 57).

Ao falar da esquizofrenia latente, é possível observar que a falha ambiental, em primeiro


momento, aparece de uma maneira mais oculta. As questões problemáticas que
envolvem essas falas surgem no futuro e emergem em sujeitos que possuem aspectos
psíquicos saudáveis. Acerca disso, Winnicott alega:
Há muitas variedades clínicas de esquizofrenia latente em crianças que
passam por normais ou que podem mesmo mostrar um brilho especial
do intelecto ou grande precocidade. A doença em tais casosse revela na
fragilidade do “êxito”. Pressão e tensão próprias de estágios posteriores
podem desencadear uma doença (WINNICOTT, 1965n, pp. 57-58).

A psicose se apresenta de uma terceira maneira; esta diz respeito à elaboração de


uma autodefesa falsa de um sujeito que viveu num ambiente que fora deficiente. É,
portanto, nesse ponto que o falso-self se forma e Winnicott nos diz que o “[...] uso
de defesas, especialmente a de um falso mas bem sucedido self, possibilita a muitas
crianças parecerem prometer muito, mas um colapso eventual revela a ausência
do self verdadeiro” (WINNICOTT, 1965n, p. 58). No que tange à personalidade
esquizoide e seu desenvolvimento, Winnicott aponta que ocorre um desdobramento
psicopatológico, ocasionado por um elemento esquizoide que, até então, estava encoberto
na personalidade do indivíduo considerado “normal”. Busnardo (2012) comenta que,
quando se trata de elementos de natureza psicótica, é possível que haja manifestações
e, ainda, podem ser socializados caso estejam, é claro, em conformidade com a cultura
43
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro

em que o sujeito está inserido. A falha no ambiente está ligada de forma ampla ao
elemento esquizoide:
Estes graus e tipos de defeitos da personalidade podem se relacionar, na
investigação de casos individuais, com vários tipos e graus de falhas em
cuidado, manejo e apresentação de objeto no estágio inicial. Isto não significa
negar a existência de fatores hereditários, mas antes complementá-los em
certos aspectos importantes (WINNICOTT, 1965N, p. 58).

Quando trazemos à luz as principais questões que estão associadas ao processo de


maturação do indivíduo, falamos em:

» integração, ou melhor dizendo, holding;

» personalização;

» relação com objeto.

Tendo estas como pontos primordiais, Winnicott (1965) afirma que é possível que
ocorram falhas que podem compilar no desenvolvimento da psicose, quer dizer, há
uma falha na integração/holding, que está relacionada o cuidado do indivíduo; falha na
personalização, que está relacionada ao manejo; e falha na relação com o objeto, está
relacionada à apresentação de objeto (BUSNARDO, 2012).

Para finalizar, utilizo um trecho de Busnardo (2012), que diz:


Apesar de delinear todas as nuances e caminhos da afecção psicótica, com
origem em um padrão falho de provisão ambiental, Winnicott, também
aponta para um possível caminho que significaria ausência de doença, ou
seja, é possível que se considere um processo de prevenção associada a tal
patologia.

Para Winnicott (1965), “é necessário dizer, contudo, que se de início se aceita


hereditariedade então: a) provisão ambiental suficientemente boa tende a prevenir
doença esquizofrênica ou psicótica [...]”(WINNICOTT, 1965vc, p. 65). Em outras
palavras, a provisão ambiental saudável e suficientemente boa implica no indivíduo
a possibilidade de percorrer rumo a um processo de maturação saudável (Busnardo,
2012).

44
O PARADIGMA
WINNICOTTIANO
DIANTE DOS UNIDADE II
DESAFIOS ATUAIS DA
PSICANÁLISE

CAPÍTULO 1
De Freud a Winnicott: aspectos de uma
mudança paradigmática

Psicanálise e os problemas do amanhã


É fato que a sociedade se encontra em constante mudança, desconstrução e reconstrução
cultural. A contemporaneidade nos permite observar que a Psicanálise fundamentada
por Freud encara um período delicado, visto que a teoria é cobrada a acompanhar
os avanços da sociedade moderna, muito embora esta represente um “para além do
tempo”, considerando, principalmente, a atemporalidade dos escritos freudianos.

De acordo com Rocha (2008), ainda que nos deparemos com aqueles que controvertem
a metapsicologia freudiana no seu estatuto de ciência, muitos não se mostram
indiferentes à descoberta do inconsciente e à sua representatividade no enredo da
cultura contemporânea.

Dos anos de 1950 a 1960 a Psicanálise ganhou prestígio no cenário intelectual da


Europa e da América do Norte e do Sul, onde era vista com entusiasmo e fascínio.
Com o passar do tempo, tal prestígio se esvaiu, uma vez que outras linhas de estudos
científicos ganharam força. Os europeus e norte-americanos tomaram como alternativas
mais consistentes para o tratamento de questões psíquicas as neurociências, a Biologia,
a Genética e a Psicologia Cognitiva, que hoje são apontadas com maior relevância.

Rocha (2008) diz que, “tendo fracassado como ciência, a psicanálise teria se tornado objeto
de ‘crença’ e, como tal, pode facilmente tornar-se também um objeto de ‘descrença’”.

45
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise

Portanto, a Psicanálise passou por um período de ascensão, contudo, deparou-se com


as dificuldades no campo da clínica e do reconhecimento de sua seriedade.

Das inúmeras dificuldades do amanhã, há de se considerar ainda uma questão que


envolve a Psicanálise de uma forma profunda, a relação: dinheiro x acesso à sessão de
análise.
O preço das sessões torna a experiência da análise senão impossível, ao
menos muito onerosa para a maioria das pessoas de nossa sociedade. Além
do mais, os críticos acusam-na de ser demasiado longa, o que não apenas
torna o tratamento mais caro, mas cria laços de dependência no cliente para
com o seu analista (ROCHA, 2008).

No que tange à relação dinheiro-tempo-pressa, a Psicanálise enfrenta sua crise quando


vai de encontro com o marco do século XXI: a pressa para resolver as demandas.
Velocidade vira critério de escolha e valor, dando início a um leilão simbólico, que
busca resoluções baseadas num velocímetro extrínseco, que sobrevive em função
das exigências da sociedade moderna. Diante disso, as chances ficam escassas para
a análise, que transporta consigo o seguinte pressuposto: a não preocupação com o
tempo cronológico. Os aspectos temporais precisam fazer parte dessa conta e, em
Psicanálise, falamos em dois destes: o tempo cronológico e o tempo do inconsciente.
O tempo cronológico é aquele que cultural e socialmente é seguido. É o tempo da hora
marcada, o tempo que se espera para comparecer a um compromisso ou finalizar um.
O tempo que conta no relógio. Além desse, um importante aspecto temporal a ser
considerado é o tempo singular do inconsciente. Na subjetividade da inconsciência,
reside a atemporalidade, o inverso ou, mais amplamente dizendo, trata-se de um
universo paradoxal. É lá onde o efeito precede a causa, onde o “saber não sabido”, o
oculto, desencadeia algo que “só aparece num depois”. E esse “depois” pede tempo e
necessita dele. Na vida psíquica, um tempo coexiste ao outro e eles, de algum modo, se
transpassam. No fim das contas, cada sujeito possui seu próprio tempo, suas experiências
psíquicas, individuais, familiares, culturais. Cada um no seu momento, no seu tempo
e ritmo. A análise é um processo do sujeito em sua subjetividade (MACHADO, 2021).

É inevitável que as dificuldades do amanhã embatam na construção da Psicanálise e a


coloquem diante de desafios. Para que não seja descartada como um saber improdutivo
e inútil faz-se necessário repensar a teoria e alargar a escuta clínica (DA POAIN, 1999
apud ROCHA 2008). Portanto, Rocha (2008) diz que a questão em que se faz necessário
pensar é: “Como deve se comportar a psicanálise diante dos desafios do amanhã, se

46
O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II

ela pretende salvaguardar o lugar que conquistou no campo das ciências humanas?”
(ROCHA, 2008).

O primeiro desafio a que Rocha (2008) se refere está ligado à situação socioeconômica.
Os grandes desafios são aqueles que surgem da própria situação socioeconômica
desse amanhã, que, ao que tudo indica, será muito mais ainda marcado pela
globalização da economia e da política, que, salvo melhor juízo, parece
favorecer os mais privilegiados e castigar os menos abastados. [...] A
psicanálise assumir-se-á definitivamente como uma experiência terapêutica
da elite, privilégio de alguns felizardos da sorte ou das injustiças sociais
(ROCHA, 2008, p. 114)

Para o amanhã, há de se esperar por inúmeros confrontos com a realidade, principalmente


em relação ao construto do “imaginário social”, que não será o mesmo com o passar do
tempo e com as construções e reconstruções sociais/culturais. Da Pain (1999) levanta
uma questão importante: se o inconsciente é o outro e se constrói na relação entre o
“campo do real” e o “campo social”, que será o inconsciente amanhã nesse mundo do
produtivíssimo e do consumismo, de tanto individualismo e de tão pouca solidariedade,
em que os vínculos intersubjetivos se perdem?

Nesse sentido, trazemos à luz conflitos internos que se relacionam ao “vazio interior,
ao choque das identidades e ao fascínio das palavras ocas” (ROCHA, 2008). O mundo
encontra-se, há algum tempo, num campo de vivência objetificada, em que o sujeito
vive em função da busca por mais prazer e menos sofrimento, direcionando aos objetos
a chance de constituir a si mesmo enquanto sujeito.

A Psicanálise precisará confrontar-se com algumas realidades atuais para escapar dos
problemas do amanhã. Rocha (2008) chama atenção para questões que precisarão ser
repensadas para além do tempo e da teoria.
[...] outro grande desafio para a psicanálise de amanhã: Como se comportará
a psicanálise diante das grandes questões que atingem a sexualidade como
a epidemia da Aids, a emancipação da homossexualidade, as mudanças na
família e nas imagens paterna e materna e as drogas? [...] E o que deve ela
fazer para poder assumir tais desafios? Repensando a teoria e alargando a
escuta clínica (DA POAIN, 1999, pp.28-29). [...] Não dissociar o inconsciente
do imaginário social, no qual ele se nutre e se forma. Repensar a questão
dos ideias. Olhar a psicanálise como uma forma de saber “em mutação” e
não como um saber sistematizado e estabelecido (pp.114-115).

47
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise

À vista disso, a Psicanálise precisará encorajar-se para laborar não apenas o que a
teoria transmite sobre “as novas patologias da contemporaneidade, mas, também, de
perguntar o que estas patologias têm a dizer à psicanálise” (ROCHA, 2008). Nesse
sentido, será possível, de maneira sensível e contemporânea, repensar a teoria e ampliar
a escuta. Cada sujeito possui seu próprio universo, sua subjetividade inconsciente, e a
amplitude da escuta precisa ter como base o método principal da teoria psicanalítica: a
associação livre de palavras frente ao analista, pois é por meio dela que é possível acessar
esse universo particular e transformar “as repetições das vivências transferenciais na
produção de uma nova maneira de ser” (ROCHA, 2008). Os desafios se apresentam a
cada transformação do mundo, da sociedade e da cultura. Faz-se necessário que estes
sejam enfrentados e vencidos para que o futuro da Psicanálise possa “vir a ser”.

Associação livre
Trata-se da regra fundamental da Psicanálise e esta fez um percurso que atravessou da
hipnose até chegar ao que é a associação livre. Rocha (2008) aponta de forma clara que
a associação livre consiste no momento em que o indivíduo se encontra em análise e
verbaliza o que lhe ocorre na mente, sem se preocupar com as exigências de censura,
sejam elas pertencentes à sua consciência moral ou social; é falar sem fazer escolhas
conscientes daquilo que se quer dizer, abandonando os caminhos e construções lógicas
formais do pensamento, deixando que sua fala circule livremente. Para Rocha (2008),
“esse método analítico libera os pensamentos de suas intenções conscientes e os faz
gravitar em torno de pontos de atração que são inconscientes” (ROCHA, 2008).
Precisamente para que o imaginário do cliente pudesse com mais facilidade
soltar as suas asas, produzindo um modo de pensar e de falar mais livres,
Freud criou o espaço da análise e, nele, optou pelo divã do paciente e pela
poltrona do analista. Evitando o face a face no diálogo terapêutico, ele quis
deixar livre o espaço da análise para que a linguagem do inconsciente mais
facilmente pudesse manifestar-se e as associações livres mais facilmente
pudessem ser feitas (ROCHA, 2008, p. 107)

Com a associação livre, é possível alcançar com maior destreza os constituintes


responsáveis pela descarga dos afetos, das representações e das lembranças.

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O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II

A mudança de paradigmas: de Freud a Winnicott


Ainda a respeito dos desafios que a Psicanálise enfrenta, a mudança paradigmática
de Winnicott é, para alguns autores, um caminho importante em relação à teoria.
Está relacionada a uma possibilidade de reaver a Psicanálise em sua especificidade e
sustentar o seu futuro. Mas, seria assim possível, por intermédio de uma mudança de
paradigmas, assegurá-la enquanto teoria para os desafios do amanhã?
Ficou a cargo de Loparic (2008) discorrer sobre o paradigma da Psicanálise elaborada
por D. W. Winnicott durante sua carreira como pediatra e psicanalista. Este não se
contentou em reafirmar e rearticular a Psicanálise de Freud, diferente de Bion, Klein,
e Lacan, mas sim, ocupou-se de ampliá-la e modificá-la.
Loparic (2008) conta que percebeu que as contribuições de Winnicott consistiam na
“elaboração de uma psicanálise não edipiana, baseada não na teoria da sexualidade, mas
numa teoria inteiramente nova: a teoria do amadurecimento, a qual excluía o modo
de teorização metapsicológico” (LOPARIC, 2008). Essa nova teorização de Winnicott
o separou da metapsicologia freudiana e, para o autor, abre portas para a Psicanálise
no futuro.
Muito se fala na mudança, mas, afinal, qual é a base para a constituição de um novo
paradigma? É necessário que algumas questões sejam levadas em consideração antes de
iniciar esse processo e ainda que saibamos que se trata de um percurso que demanda
tempo e pesquisa. Loparic (2008) se utiliza de Thomas S. Kuhn, um grande e influente
epistemólogo do século XX, para trazer à luz essa discussão que nos faz pensar acerca
de uma ciência que se fundamenta de forma coesa e sobre o aspecto no qual se distende
uma laboração e resolução problemática que se assemelha a um quebra-cabeça. Assim
como num quebra-cabeça, peças precisam ser cuidadosamente analisadas com minuciosa
atenção para que possam ocupar de forma coesa seus respectivos lugares dentro do
quadro final. A priori, trata-se de uma estrutura interna que tipifica um modo de ver
o mundo, bem como de falar sobre ele que vem a ser “compartilhada por um grupo
institucionalizado e estruturado como paradigma ou matriz disciplinar” (LOPARIC,
2008).
O desenvolvimento de uma disciplina desse tipo passa por períodos
de pesquisa normal, cumulativa, realizada de acordo com o paradigma
dominante, seguidos de períodos de crise, provocados pelo aumento de
“anomalias” – problemas considerados relevantes, mas que permanecem
não resolvidos. As crises levam uma parte do grupo a se dedicar à pesquisa
revolucionária visando à constituição de um novo paradigma, obedecendo,
contudo, à condição de preservar a capacidade solucionadora da disciplina
(LOPARIC, 2006).

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Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise

De modo mais específico, as mudanças nos paradigmas acontecem para que ocorram as
ditas “revoluções científicas”. Os novos entram em cena e são tidos como promissores,
visto que estão aptos a solucionar tanto as questões problemáticas principais que já
foram resolvidas quanto os desequilíbrios e anomalias, já que podem aumentar o alcance
de resolução de questões problemáticas da ciência. Estes atuarão como substitutos dos
paradigmas antigos que se encontram em crise (LOPARIC, 2006).

O paradigma freudiano
Em breves palavras e com base no que Loparic (2006) nos apresenta, pode-se dizer
que o arquétipo fundamental da teoria criada pelo estudo vanguardista de Freud vem
a ser o ele chamou de complexo de Édipo. É nessa fase infantil em que a criança vive,
na cama dos pais, envolvida de forma profunda com seus conflitos internos geradores
de neuroses, que se relacionam, ainda, com a condução das relações triangulares e
pulsões sexuais.

Não sendo surpresa, sabe-se que o marco e o ponto central de Freud é a teoria da
sexualidade, que foi incessantemente criticada e rechaçada à época. Freud explica a
ontologia do ser na parte metapsicológica da teoria, que apresenta a sustentação de um
aparelho psíquico individual que se conduz por meio das pulsões libidinais e distintas
energias psíquicas que se estabelecem em causa-efeito. No tocante à metodologia
freudiana, esta é pautada na interpretação e manejo do material transferencial, que
consiste nas repetições das configurações vinculares do sujeito em sua vivência, bem
como em questões envoltas pelo atravessamento do complexo de Édipo. Loparic (2006)
diz que “os valores epistemológicos básicos são os das ciências naturais, incluindo
explicações causais, e o valor prático principal é a eliminação do sofrimento decorrente
dos conflitos internos pulsionais, do tipo libidinal” (LOPARIC, 2006).

De acordo com Loparic (2006), levando em conta a importância do arquétipo de Édipo


na Psicanálise freudiana, cabe intitulá-lo como sendo o paradigma edípico ou triangular.
Levando em consideração aspectos sexuais do período do complexo de Édipo, a base
de Freud pode ser assinalada como sexual.

O paradigma winnicottiano
A Psicanálise atravessou diversas reformulações, inclusive feitas pelo próprio Freud.
Tais reformulações foram feitas, em sua maioria, frente aos acontecimentos que surgiam
durante os atendimentos de Freud. Nas investigações de Winnicott, o paradigma

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O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II

freudiano entra em crise, dando assim, espaço para o caminho rumo a um novo
paradigma. Das motivações que levaram Winnicott a ir mais além, há de se considerar
a principal crise no acúmulo de obstáculos clínicos, dentre eles “as manifestações da
tendência antissocial e da psicose infantil”, que não eram teoricamente compreendidas
e nem clinicamente tratadas a partir do olhar paradigmático freudiano e sua formulação
do complexo de Édipo. Para Winnicott, muito embora estas não atendessem a essas
demandas clínicas, não deveriam ser excluídas do âmbito de aplicação da Psicanálise.
Com base em seus estudos sobre a etiologia e a classificação dos distúrbios
e a etiologia destes, Winnicott ampliou e modificou substancialmente o
conceito de clínica psicanalítica, descrevendo três variedades básicas de
“psicoterapia”: a das psicoses, a das depressões reativas e das neuroses e a
da tendência antissocial (WINNICOTT, 1987, cap. 27, p. 146).

A multiplicidade da Psicoterapia direcionada para as psicoses é caracterizada por um


arranjo complexo e profundo do holding, que faz com que seja possível “a regressão à
dependência, fenômeno essencialmente distinto da regressão aos pontos de fixação
da libido” (LOPARIC, 2008). No que tange às questões relacionadas às psicoses, para
Loparic (2008), a clínica tradicional se faz inadequada, principalmente em razão de
um equívoco teórico que consiste em emaranhar e confundir essas duas tipicidades de
regressão, pois ele acredita “que o termo ‘adaptação às necessidades’ no tratamento de
pacientes esquizoides e no cuidado do lactente significa satisfazer os impulsos do id”
(1965b, p. 241; tr. p. 217). Essa afirmação, para Winnicott, é inteiramente inapropriada.
Em relação às depressões reativas e às neuroses, estas se utilizam do arquétipo clássico,
ou seja, dizem respeito ao setting desenhado por Freud, que tem como instrumento
de trabalho as interpretações. Acerca da tendência antissocial, conforme a Psicanálise
propriamente dita e não com o manejo familiar ou social em geral, esta consiste em
reconhecer a atuação do sujeito como parte da transferência, compreendendo, assim,
que se trata de uma indicação de esperança que necessita ser entendida, bem como
valorizada de forma positiva (LOPARIC, 2006).
Existe uma problemática que precisa ser apontada, sendo ela a da clínica, que acabou
por irromper os arrojados estudos de Winnicott, em outras palavras, os impactos que
envolvem o campo de elaboração do paradigma edípico, mas que, de algum modo, não
se ligavam a nele. “O paradigma edípico não estava inteiramente errado, na verdade ele
era constantemente confirmado, mas se mostrava insuficiente: mais precisamente, não
conseguia fazer tudo o que Freud esperava que ele fizesse” (LOPARIC, 2006, p. 33).
Winnicott encontrou na Psicanálise freudiana inúmeras dificuldades, sendo a primeira
delas e uma das mais importantes a que dizia respeito à sua maneira de ser acessada,

51
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise

sua codificação, e não sobre a metapsicologia. Em verdade, o que ocorreu foi que
Winnicott deparou-se com uma série de anomalias em que o paradigma freudiano,
o exemplar de Édipo e a teoria da sexualidade não eram capazes de compreender e a
problemática resistia nas clínicas.

Visto que Winnicott vislumbrava aspectos para os quais a Psicanálise de Freud não
alcançava resolução, faz-se necessário pensar, portanto, acerca das possíveis modificações
para assegurar que a Psicanálise se desenvolva nos campos em que ele percebe deficiência.
Para começar, Loparic (2008) fala sobre a necessidade de afastar-se do paradigma
edípico, que se baseia na estruturação do complexo de Édipo e na teoria da sexualidade,
elaborada como sendo a “teoria-guia” da Psicanálise.

Winnicott propõe que o bebê no colo da mãe precisa crescer, isto é, constituir uma base
para continuar existindo e integrar-se numa unidade. Algo importante a se considerar
é a “generalização-guia”, que consiste numa “teoria do amadurecimento pessoal”, cuja
“teoria da sexualidade” é apenas de um fragmento. Sobre isso, Loparic (2008) nos diz
que: “se supusermos que a mudança winnicottiana do paradigma freudiano aconteceu,
como diria Kuhn, de forma análoga a um Gestalt switch, ela não podia limitar-se a pontos
isolados, devendo abranger todo o campo teórico da psicanálise” (LOPARIC, 2008).

Não se pode negar que Winnicott, de fato, rompendo com a Psicanálise freudiana,
conseguiu introduzir um modelo considerado novo em relação ao objeto de estudo
psicanalítico que se encontra alinhado ao conceito da integração, considerando,
principalmente, as relações interpessoais, as coisas e as questões psicossomáticas. O
seu método se encarrega de salvaguardar a função de externar, por intermédio da
fala, o conteúdo transferencial. Desse modo, admitem-se apenas as interpretações
que são baseadas na sua teoria do amadurecimento, sem recorrer à metapsicologia
freudiana. Além disso, inclui o manejo da regressão à dependência e do acting-out dos
antissociais. A intenção principal é a supressão de defesas erguidas que operam no
sentido de paralisar o amadurecimento e, ainda, a facilitação para que possa acontecer
o que se espera, mas que ainda não veio a acontecer; tal como que se associe ao que
continuou ou se fez dissociado e cindido. Os conflitos no paradigma winnicottiano
que causam sofrimento ao sujeito, sejam eles internos ou externos, deixam de ocupar
um lugar fundamental, ficando, assim, em segundo plano, reconhecido como parte
sadia de vida (LOPARIC, 2008).

É importante que se considere a relevância da “relação mãe-bebê” contemplada nos


estudos de Winnicott. Considerando essa relação, Loparic (2008) achou por bem

52
O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II

denominar o paradigma de winnicottiano de “dual”. A generalização-guia passou a


ser vista como sendo a própria teoria do amadurecimento, portanto, Loparic a chama
de “maturacional”. É verdade que o termo em questão não deverá ser encarado de maneira
puramente biológica, pois, além do lado fisiológico-anatômico, o desenvolvimento
humano possui a sua face pessoal.

Visto isso, há de se considerar, de acordo com Loparic (2008), que “existe uma tendência
geral voltada para o crescimento físico, e uma tendência ao desenvolvimento na parte
psíquica da parceria psicossomática”. Por conseguinte, no que tange às esferas física e
psíquica, as tendências hereditárias, que estão juntas à psique, inserem as tendências
que carregam à integração ou ao alcance da totalidade. A sustentação das teorias acerca
do desenvolvimento da personalidade vem a ser, de certo modo, a linha da vida e sua
continuidade que possui seu princípio antes no nascimento do bebê (1987a, pp. 89–90;
tr. p. 79).

Respondendo agora à pergunta lançada no primeiro parágrafo (seria possível, por


meio de uma mudança de paradigmas, assegurá-la enquanto teoria para os desafios
do amanhã?): muito embora não seja possível assegurar ou mesmo garantir que a
Psicanálise venha a se fortalecer com a mudança de paradigmas para os desafios do
amanhã, Loparic (2006) afirma que o futuro da Psicanálise se firmará tão somente pela
metapsicologia de Freud. Para ele, o paradigma winnicottiano se mostra promissor
diante das demandas atuais.
Por outro lado, por se ocupar do ente humano como amostra temporal
da natureza humana, caracterizada, como vimos, pela emergência do ser a
partir do não ser, a tendência à integração, a solidão essencial, o cuidado
com a continuidade do ser e a união psicossomática – traços acessíveis na
experiência, não apenas na do setting, mas também na cotidiana –, a psicanálise
winnicottiana abre as portas para o pensamento pós-metapsicológico sobre
o humano, este deixa de ser suscetível à simples assimilação pelas ciências
cognitivas (LOPARIC, 2006).

De modo mais amplo, o que se pode ver é que há um deslocamento da Psicanálise


do “campo da ciência” para uma posição de “ciências do homem, sendo a primeira
conforme posição freudiana, e a segunda, conforme posição winnicottiana. A Psicanálise
é, portanto, um estudo da natureza humana que se articula e consolida por meio das
ciências que não mais se embasam (somente) nos paradigmas filosóficos objetificados,
mas sim, por meio de paradigmas filosóficos não objetificados, interpretativos e não
naturalistas.

53
CAPÍTULO 2
As explorações psicanalíticas

O brinquedo na situação analítica com adultos


Winnicott traz à luz o “brincar infantil” na análise com adultos. Em suas proposições,
ele descreve como o brinquedo possui um lugar relevante na análise infantil e que,
ao chegar à análise com adultos, espera-se que esse brinquedo abra espaço para que o
analista vá ao encontro das fantasias, alucinações e sonhos do sujeito.

O autor considera que o brinquedo, quando na análise dos adultos, se difere da fantasia
e do sonho. Nesse sentido, sua intenção é demonstrar como o brincar pode operar
em uma análise com adultos. É por intermédio desse brincar que, no momento em
que o adulto se silencia, o analista consegue fazer as interpretações durante a fase de
manipulação do brinquedo.

Em uma análise, um dos supervisionados por Winnicott trouxe um caso que chamou
a atenção no que diz respeito à lógica do brincar para adultos. O paciente em questão
relatou ter encontrado um “atalho para a análise” e, ao discorrer a respeito disso,
contou que passara pelo playgroud das crianças. Esse sujeito percebera a importância
e o valor do brinquedo. Como era um paciente que já tivera episódios de violência,
Winnicott chama a atenção para o fato de quão importante é que situações em que
surja o “senso de humor” não venham a ser negligenciadas, pois esse sujeito deposita
esperança de chegar ao final de sua análise sem que haja momentos em que o “manejo
controlador” se torne necessário, e tudo isso a partir de um ambiente propício e que
demonstre leveza (ao invés de controle) para que o sujeito se torne capaz de brincar.

Embora as associações livres sejam muito importantes, Winnicott acredita que o


supervisionando/estudante acabou por negligenciar a continuação das sessões por
meio do brincar, enterrando-se, assim, no material associativo do sujeito.

Para exemplificar a introdução do material de jogos na análise de adultos, Winnicott


trouxe o caso de uma paciente que, na ocasião, não tomara café antes de chegar à
sessão e aquilo lhe trouxe muita agitação e sensação de que a hora estivesse perdida.
Para manejar essa situação e ainda analisar de forma mais profunda a diferença entre
a relação da paciente com o café, a xícara e pires, a bandeja, o açúcar, a ideia de querer

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O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II

café, e, ainda, um sonho que poderia ter lhe ocorrido de ter um café servido por ele,
Winnicott considerou essa situação como uma questão de brinquedo.

Acerca de outro caso clínico, Winnicott relata sobre um paciente que tinha certa
dificuldade com o brincar. Esse homem buscara a análise devido à sua incapacidade
de manter amizades. Em uma das sessões, o paciente fez uma observação: “Estive
pretendendo dizer-lhe que gosto de entrar e sair, porque isso é um brinquedo, com
toda essa história a respeito de uma rotina e evitar ver os outros pacientes, e assim por
diante”. Tal observação chamou a atenção de Winnicott e atingiu um ponto importante
da análise desse sujeito.
Para que esse homem pudesse fazer essa observação, havia a razão de que, nas
sessões anteriores, tratáramos do brincar e, em sua análise, havia chegado a
hora de que eu o fizesse ver que, em vez de brincar, ele estava se masturbando
com regularidade, e que o fantasiar se achava trancado na masturbação
(WINNICOTT, p. 25).

Ao fazer essa interpretação, Winnicott percebeu que o paciente começou a permitir


o seu brincar e trouxe à consciência a sua “solidão durante toda a infância, exceto
quando havia jogos organizados. Ele fora incapaz de brincar porque partilhar a fantasia
significava perder muito” (p. 25). Em um dos jogos, foi possível perceber que ele tivera
uma irmã imaginária durante sua infância e por ela nutria violentos ciúmes, apesar
de que, na realidade, por suas irmãs mais velha e mais nova não sentia ciúme algum.
Esta menina imaginária que encontrara tinha representado o seu self feminino
e fora praticamente uma pessoa perfeita, que se relacionava estreitamente
com o pai, que ele fora incapaz de ter por ser menino. Em desespero, havia
tentado vestir-se de menina muitas vezes durante a infância, mas, isto
nunca havia sido satisfatório, por causa da menina idealizada que sempre
levava consigo e a quem odiava e, naturalmente, amava de maneira narcísica
(WINNICOTT, p. 25).

Winnicott ocupou-se de trazer à luz as recordações na prática do brincar na análise


em adultos. Introduziu nas sessões “papel e lápis e tem havido aspectos de brinquedo,
trocas verbais humorísticas etc.” (p. 26), contudo, a descoberta das diferenças existentes
entre os episódios do brincar, os sonhos e as fantasias foram vislumbrados por ele pouco
tempo depois de iniciar tal prática em sua clínica. Para Winnicott, algo importante e
óbvio a ser considerado é que:
[...] no brinquedo, ainda que se tenha de abandonar uma parte considerável
que não pode ser partilhada com a outra pessoa, há muito a ser ganho da
sobreposição parcial da fantasia da outra pessoa com a nossa, de maneira

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Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise

que existe uma experiência partilhada, ainda que sobre uma área limitada
do fantasiar total (Winnicott, p. 25)

Ou seja, para Winnicott, o brincar na análise com o adulto desempenha um papel muito
importante e que há muito a ser considerado e visto mesmo que as fantasias ainda se
mantenham ocultas, sem a possibilidade de serem compartilhadas em sua totalidade.

Fragmentos referentes a variedades de confusão


clínica
No que tange ao comportamento do obsessivo, Winnicott considera que há confusão
nesse aspecto. “Por que é que, na saúde, uma confusão pode ser arrumada, e, na doença,
a arrumação, que é compulsiva, é também inútil?” (WINNICOTT, p. 26).

Quando falamos na “enfermidade obsessiva”, a confusão passa a ser uma defesa


organizada. Para manter oculto um fato simples, a confusão, que ocorre em certo
grau e é inconscientemente mantida, trabalha de forma a se opor a possibilidade de
trazer para a consciência o fato que se quer manter velado. O fato simples ao qual
Winnicott se refere é que o que o obsessivo quer manter na inconsciência está ligado
ao “triunfo do mau sobre o bom, do ódio sobre o amor, da agressão sobre a capacidade
de preservação etc.” (p. 26). Desse modo, “a arrumação nunca pode ter sucesso. Mas,
pode se encontrar uma confusão quase consciente quando a arrumação parece haver
tido sucesso”.

Na clínica é possível que se encontre “a confusão como defesa, organizada e alterada


pela análise do sadismo oral” (p. 26), que, no que lhe concerne, é capaz de modificar o
equilíbrio interno de forças. Desse modo, a desesperança, que é um simples fato e que
precisa ser oculta pela “confusão”, passa a existir em menor grau. Winnicott aponta
que “pode ser útil para o paciente, no processo, ser informado a respeito da confusão
como defesa” (p. 26).

Quando o sujeito passa a saber de sua confusão como defesa, isso o ajuda na “aceitação
da utilidade das obsessões, as quais, contudo, não são por isso curadas”. Existe um
relacionamento entre a depressão e a obsessão, e Winnicott as descreve da seguinte
maneira:
[...] (a) pessoas deprimidas e obcecadas não toleram umas às outras; (b)
determinado paciente movimenta-se para lá e para cá, da depressão para a
obsessão. De modo geral, o paciente sente-se mais real no estado deprimido,
mas as obsessões passageiras podem proporcionar um alívio temporário
quanto ao humor (WINNICOTT, p. 26).

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O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II

Existem questões que se manifestam acerca do que pode tornar um sujeito “deprimido
capaz de ficar obsessivo”, e ocasionalmente, “do que faz um sujeito obsessivo tornar-se
temporariamente deprimido”, ao mesmo tempo em que alguns pacientes se preservam
em outra categoria diagnóstica. De acordo com Winnicott, “esta questão enfatiza o
fato de que a depressão, como estado clínico, não é a posição depressiva”. Desse modo,
essa passagem descrito logo anteriormente e o fracasso do paciente em alcançá-la
encontram-se subjacentes, análogo aos estados de depressão e de obsessão.

O interesse em questão está ligado à capacidade que o sujeito em análise tem de


suportar o humor. “O temor de defesas antidepressivas pode contribuir para a adoção
de técnicas obsessivas”, pois, para Winnicott, quando a depressão se mostra em estado
grave como um humor, o seu oposto não será a defesa maníaca, mas, sim, a mania.
“O humor implica um alto grau de repressão da agressão ou de amor cruel” (p. 27).
A pessoa deprimida despreza o obsessivo que fugiu dos sentimentos. O
obsessivo não pode suportar a capacidade que o depressivo tem de sustentar
um humor; pois esta atitude implica esperança e, na realidade, um humor
depressivo tende a dissolver-se espontaneamente com o tempo. A pessoa
depressiva, contudo, necessita ser preservada do suicídio, quando se acha
no “fundo” da fase depressiva (WINNICOTT, p. 27).

Para Winnicott, a depressão implica esperança. Esperança essa de ser “sustentada


durante um certo período de tempo”, cuja elaboração venha a acontecer, ou seja,
trata-se de uma “recomposição ou reordenamento dentro de si, no chamado mundo
interno” (p. 27).

No que diz respeito às primeiras realizações na posição depressiva, Winnicott traz para
a discussão questões relacionadas ao “acúmulo de lembranças de boa maternagem”
(p. 27). Quanto ao caso do obsessivo, ao invés desse tipo de lembrança, ocorre uma
acumulação de lembranças relacionadas ao “treinamento, ensino, implantações de
moralidade”. É possível perceber que há uma constate quando se faz a comparação dos
dois cenários de maternagem inicial. A comparação desses dois estados parecem-me
conduzir a um contraste entre dois tipos de maternagem inicial.

Acerca da confusão como defesa, Winnicott chama a atenção para uma questão
importante:
A confusão como defesa organizada deve ser analisada desde que se queira
que o paciente chegue àquilo que se encontra sempre no centro do indivíduo,
um caos primário, a partir do qual se organizam amostras de autoexpressão
individual (WINNICOTT, p. 27).

57
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise

Nesse sentido, Winnicott nos diz que, na clínica, quando se é possível propiciar o alívio
em relação à “dissipação da confusão da defesa organizada”, o sujeito se capacita para
que possa chegar ao “caos primário” erigido no cerne. Só é possível alcançar isso em
meio a um ambiente que “seja do tipo especial, por mim denominado preocupação
materna primária, isto é, quando a mãe (analista) que sustenta está identificada em alto
grau com o bebê sustentado” (p. 27). Quando esse ponto da análise é atingido, o sujeito
necessita de um sustento e amparo simbólico por parte do analista. Para Winnicott,
caso haja o fracasso nesse ponto da análise, poderá esta acarretar uma “queda para
sempre do self não integrado e o afeto que corresponde a isto é uma ansiedade de
intensidade psicótica”.

Na página 28 do livro “Explorações psicanalíticas”, Winnicott relata um caso


clínico de uma paciente que atendeu. Por meio dessa letura, é possível entender
dinamicamente o funcionamento do que ele levantou no decorrer do capítulo.

Notas sobre o brinquedo


Para Winnicott, o brinquedo caracteriza prazer. A satisfação obtida por meio deste
dependerá do uso de símbolos, muito embora a pulsão venha do instinto. A experiência
e a habilidade de brincar é um triunfo no que diz respeito ao desenvolvimento emocional
de uma criança. Para, além disso, o brinquedo é visto como

» “conquista ou realização no desenvolvimento emocional individual”;

» “como elaboração imaginativa em torno de funções corporais”;

» “relacionamento com objetos e ansiedade”;

» “uma atividade criativa (tal como o sonho) desempenhada”.

Acerca dos “produtos dos brinquedos”, é possível perceber que, junto ao elemento
essencial, que é o prazer, o brinquedo pode propiciar para a criança o desenvolvimento
de práticas ligadas a:

1. “manipulação de objetos”;

2. “administração do poder/capacidade de coordenação, habilidades, julgamentos


etc.”;

3. “controle sobre uma área limitada.” Muito embora a criança “descubra um


poder limitado de controlar”, concomitantemente, ela pode descobrir um
“campo de ação ilimitado da imaginação” (p. 50)

58
O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II

Por meio do brinquedo, a criança consegue lidar de forma criativa com a realidade
do mundo externo. A partir disso, é possível que ela produza um “viver criativo
que a conduz a uma capacidade de sentir-se real e sentir que a vida pode ser usada
e enriquecida” (p. 50). Quando a criança não tem acesso ao brinquedo, ela se torna
incapaz de ver o mundo de forma criativa e, como efeito disso, “é arrojada de volta a
submissão e a um senso de futilidade ou a exploração de satisfações instintuais diretas”
(p. 50). No que tange à administração da agressão e da destrutividade, o brinquedo
possui uma incumbência vital, visto que “quando a criança tem a capacidade de fruir
a manipulação de símbolos”. Ou seja, durante o brincar, ela pode destruir e restaurar;
ferir e reparar; sujar e limpar; matar e trazer à vida. Além disso, com a “conquista
adicional da ambivalência, em lugar da cisão do objeto (e do self) em bom e mau” (p. 50).

Para complementar, Belo e Scodeler (2013) fazem uma importante contribuição e


colocação acerca do brincar com base em uma visão winnicottiana:
Através da capacidade de brincar, o indivíduo consegue, a cada novo contato
com a experiência, lançar sobre ela um novo olhar, tendo a possibilidade de
encontrar saídas criativas para velhos problemas. Neste ponto é que se dá
o trabalho do psicanalista: possibilitar uma ambiência suficientemente boa
para que o brincar se torne possível. Dessa forma, o brincar aqui apontado
não se finda apenas como uma pré-condição para a análise, ou sua finalidade,
seu meio ou seu objetivo, engloba todos esses aspectos, sendo terapêutico
em si mesmo por preservar no indivíduo aquilo que lhe é genuinamente
seu (BELO; SCODELER, 2013, pp. 106-107).

Winnicott escreve ainda sobre o “desenvolvimento da capacidade de brincar”, que está


ligado à socialização. Por meio desse desenvolvimento, é possível que a criança brinque
com outras crianças; brinque de acordo com as regras pré-estabelecidas pelo jogo ou
do grupo; possibilite situações mais complexas em que tenha de assumir posições de
líder ou de liderado.

Acerca da “psicopatologia do brinquedo”, é possível observar aspectos que, de acordo


com Winnicott, estão envoltos com perda de capacidade, falta de confiança, ansiedade,
insegurança; fuga para o devaneio (situado entre o sonho verdadeiro e o brinquedo);
sensualização (o instinto aparece em forma grosseira, junto ao fracasso da simbolização);
dominação (a criança que só é capaz de brincar se for com o seu próprio jogo, no
entanto, envolve outras crianças que precisam se submeter a ela e às suas regras);
fracasso em jogar (crianças inquietas, privadas), a não ser que o jogo seja regido por
regras estritas e que alguém que coordene os jogos; fuga ao exercício físico.

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Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise

A “relação com a masturbação” também tem suas ligações com o brincar. Winnicott
diz que, ao chegar a essa fase etária, pode existir uma linha tênue entre “a masturbação
física com fantasia inconsciente e a atuação compulsiva da fantasia masturbatória” como
fragmento de um investimento, em sua grande parte inconsciente, de confrontar o
conflito e a culpa a respeito da masturbação real.

“A caminho da adolescência”, o brinquedo desempenha um papel importante no


sentido de ajudar a criança a passar por essa fase de “sexo indeterminado”, pois, “na
representação e no fantasiar-se, existe um campo infinito de ação para as identificações
cruzadas”.

O “início da adolescência” é um período em que as tensões instintuais ficam mais


intensas. Dessa maneira, é possível que a capacidade de brincar seja perdida, dando
espaço para a masturbação compulsiva (especialmente em rapazes). Nessa fase, a
masturbação passa a substituir o brincar.

Quando o indivíduo chega à “adolescência”, a característica do brinquedo é o fato de que


os “objetos de brinquedo” são assuntos mundiais. Eles passam a “brincar” com a política
mundial; “brincam” de pais e mães, no sentido de se relacionarem amorosamente, casar
e ter filhos; “brincam” com a construção imaginativa, direcionando suas energias para
aprender ou se tornarem artistas, músicos, filósofos, arquitetos, entusiastas religiosos
etc.; “brincam” em jogos, direcionando-se para se tornarem profissionais ou competindo
por campeonatos; “brincam” de guerra ao lutarem entre si ou por fazerem coisas que
os colocam em risco real; se delinquentes, “brincam” de ladrões sendo ladrões ou são
incapazes de brincar.

Neste capítulo, Winnicott separou em seções e explicitou notas sobre o brincar


que vão de I a XII de maneira detalhada. É importante ler essas seções para
complementar o que foi pontuado nesta apostila.

Psicogênese de uma fantasia de espancamento


datada de 11 de março de 1958
Em breve nota sobre o assunto em questão, Winnicott descreve um caso clínico de uma
paciente em alusão a um artigo em que Freud escreveu sobre “Uma criança espancada”.
No artigo, Freud coloca em ênfase a fantasia de espancamento. Por trás dessas fantasias,
existe uma organização intensa e complexa, além disso, há diferenças entre as fantasias
de meninos e de meninas. Pode-se perceber, ainda, como a manifesta evidência de que
“a crueldade desta maneira organizada certamente se acha associada a uma fixação na

60
O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II

fase anal” (WINNICOTT, p. 38). Winniccot chama a atenção para a forma como essas
fantasias devem ser vistas e salienta que, mesmo que existam denominadores comuns,
é preciso analisá-las de forma a considerar caso a caso.

Para falar desse assunto, o autor descreve uma “história de uma fantasia de espancamento
que persistiu através de toda uma longa análise e da qual a elucidação só chegou ao
final desta” (WINNICOTT, p. 38).

A paciente se mostrava inquieta diante de uma ideia pervertida e chegou a dizer para
Winnicott que sua análise não seria bem-sucedida se isso não fosse esclarecido. A ideia
que lhe ocorria com frequência em sua vida funcionava como uma “válvula sexual de
escape”. Em verdade, tratava-se de detalhe importante, quando foi revelado que na
fantasia em si, não havia sofrimento.
Tinha havido um acontecimento inicial da infância que resultou nesta fantasia
estabelecida. Desde o início da análise, sabia-se que, em certo estágio do
desenvolvimento, à época em que a paciente contava aproximadamente cinco
anos de idade, a surra fora aplicada por uma certa Sra. Stickland e era óbvio
que a vara [stick] que a mulher possuía era importante (WINNICOTT, p. 38).

Para a paciente, a situação era encarada como sendo de importância primordial e não
se trava apenas de uma ideia. Das lembranças que ocorriam durante as sessões, uma
delas era da mãe da paciente, que retirava uma vara de dentro do guarda-roupas; outra
cena que lhe ocorria à memória era sobre seu pai e a ideia de que este a havia surrado
num momento de excitação sexual. Contudo, com o decorrer das sessões, foi possível
perceber, na verdade, que tudo se tratava de um equívoco, e uma fantasia encobridora
que se colocou por trás do emaranhado. Em determinado momento, Winnicott e a
paciente perceberam e concordaram que não ocorrera a cena real de espancamento.

A paciente esteve em análise por longo período − com Winnicott, por exemplo, ela
permaneceu por cerca de 10 anos. Com base nos relatos, sabe-se que ela passou por
regressões profundas e, em certos momentos, era necessário que ele a visitasse. No
percurso da análise, Winnicott percebeu como era doloroso para a paciente e para
ele passar pela tensão do tratamento que, inevitavelmente, era penoso para ambos.

Nas profundas regressões da paciente, era possível observar que a fantasia de


espancamento permanecia em sua constante, embora “pertencesse a um estágio
avançado de desenvolvimento” (p. 39). Nos momentos em que a tensão sexual se
desenvolvia, a via possível para o alívio encontrada pela paciente era por meio da
fantasia de espancamento. Era, portanto, a única via de escape confiável para a paciente,

61
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise

visto que seu contato sexual com homens tornara-se sem sentido. A paciente também
não manifestara experiências homossexuais, apesar de que teria atraído pessoas com
quem pudesse ter tido experiências com essa relação. Para Winnicott, “a ausência de
experiências homossexuais fazia parte de sua extrema desesperança no relacionamento
com a mãe, a mesma que aparece também na fantasia de espancamento”.

Caminhando para o fim da análise e em busca de resoluções, foi possível, por meio da
análise do material, que exigiu interpretação, perceber que:
[...] a ideia do espancamento estava suplantando uma extrema desesperança
a respeito de comunicar-se com a mãe em nível anal. Toda sua vida a
paciente manipulara a sua flatulência e havia em verdade desenvolvido
uma técnica de especialista a este respeito, mas, tudo foi em vão e houve
um período de depressão profunda associada com o pleno reconhecimento
da absoluta desesperança que ela tivera, em bebê, com referência a qualquer
comunicação com a mãe por esta maneira. Isto seguiu-se, naturalmente, a
uma desesperança mais profunda a respeito de comunicar-se em nível oral,
mas o fracasso aqui ia tão fundo e envolvia processos tão primitivos que o ego
da paciente não se achava suficientemente organizado para ela experienciar
pesar ou desesperança. Ela podia apenas sentir que sua boca e seu apetite
haviam-se ido com a mãe que a desmamara e abandonara com a idade de
dois meses a uma babá. A paciente sentia que a fantasia de espancamento
se achava relacionada a uma fixação (WINNICOTT, p. 39).

De acordo com Winnicott, é possível afirmar que o sentimento acerca da fantasia de


espancamento não teria sido modificado sem que a interpretação do material fornecido
nas sessões fosse feita apontando para a fixação na mãe. Portanto, posteriormente à
interpretação, a fantasia de espancamento ganhou um novo sentido na vida da paciente.
“Era o sadismo reprimido da mão o fato inalterável” (p. 39). Com base no discurso da
paciente, Winnicott conseguiu juntar evidências que mostravam que o masoquismo
da mãe era um elemento importante e havia afetado não só o marido, mas os filhos
também.
Poder-se-ia dizer que ela casara e tivera filhos como uma experiência
masoquista, chegando às vezes a uma posição mais evidente de autopunição,
com um elemento suicida em si. O sadismo subjacente, em verdade, emergira
em sua velhice e mostrava-se particularmente evidente no tratamento que
dava a uma mulher que lhe era devotada e também, de modo bastante óbvio
um tipo homossexual (WINNICOTT, p. 39).

Ou seja, a questão ganhou um novo sentido e chegou luz ao que se manteve escondido
na inconsciência, envolto pelas “lembranças encobridoras”. Tornou-se possível pensar,

62
O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II

quiçá, “talvez possível vincular o detalhe de nunca ter havido qualquer sensação de ficar
machucada com o fato de que o masoquismo e a fixação da mãe é que eram operativos”.

É importante ressaltar que, no período em que a paciente estava em análise, o


“inconsciente reprimido de sua mãe” se mantinha presente e era importante no que
dizia respeito à sua organização de defesas contra ansiedades. O desalento vivenciado
na relação com a mãe era outra expressão, isto é, do fato desta se manter indisponível
para a filha. A mãe só se tornara disponível e acessível quando esta se tornou mais
velha, construindo-se um vínculo de boa amizade entre ambas.

Um ponto importante a que Winnicott chama a atenção é para o fato de que a construção
do processo se dá com o tempo e as mudanças só poderiam ocorrer neste caso quando
a fixação na mãe aparecesse nas sessões de análise. Em outros termos, a “interpretação
da fixação anal e do sadismo reprimido da mãe” só pôde ser realizada ao final da
análise, baseando-se tal opinião no que diz respeito ao material fornecido na análise,
que permitiu que as interpretações pudessem ser feitas.

O destino do objeto transicional: preparação para uma


palestra proferida perante a Associação de Psicologia
e Psiquiatria Infantil, de Glasgow, em 05 de dezembro
de 1959
Para explicar o motivo pelo qual considera os objetos transicionais, Winnicott faz algumas considerações
acerca do assunto. Para ele, os objetos encontram-se em “várias linhas de transição”, sendo uma delas
situada nos relacionamentos objetais. Nesse caso, “o bebê coloca o punho na boca, depois o polegar,
e depois, há uma mistura do uso do polegar ou dos dedos, e de algum objeto que é escolhido pelo
bebê para manejar” (WINNICOTT, p. 44). Pouco a pouco, o bebê passa a utilizar objetos que não
fazem parte de si mesmo e sequer fazem parte da mãe. Winnicott fala, ainda, sobre a transição que
está relacionada à “mudança de objeto”. Tal processo de transição é subjetivo para o
bebê. Inicialmente, pode-se dizer que qualquer objeto que alcance uma relação com o
bebê é criado por ele, “Assemelha-se a uma alucinação” (p. 44). É notório que a forma
como a mãe ou aquele que entra para substituí-la se comporta é de suma importância
nesse momento.
Uma mãe é boa e outra é má em deixarem um objeto real ficar exatamente
onde o bebê está alucinando um objeto, de maneira que, na realidade, a
criança fica com a ilusão de que o mundo pode ser criado e de que o que é
criado é o mundo (WINNICOTT, p. 44).

63
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise

Ao tocar nesse assunto, Winnicott traz para a discussão um termo utilizado por
Sechehaye: “realização simbólica”. Em seu sentido amplo, essa expressão carrega o
significado de “tornar real o símbolo, apenas que, desde nosso ponto de vista, que
trata da primeiríssima infância, estamos pensando em tornar real a alucinação” (p.
44). A valer, inicia-se, assim, a capacidade que o bebê constitui em si de utilizar-se dos
símbolos, no qual o desenvolvimento é constante e o objeto transicional passa a ser o
primeiro símbolo. Nesse ponto, o símbolo é, concomitantemente, “tanto a alucinação
quanto uma parte objetivamente percebida da realidade externa” (p. 44). Desse modo,
fica claro que Winnicott retrata a vida de um bebê que significa, também, a relação do
meio ambiente, por entre a mãe ou por aquele que a substituirá na função para com
o bebê. Fala-se, portanto, acerca de um par que cuida”.
Esta maneira de enunciar o significado do objeto transicional torna necessário
que empreguemos a palavra ilusão. A mãe está capacitando o bebê a ter a
ilusão de que objetos da realidade externa podem ser reais para ele, isto
é, que eles podem ser alucinações, uma vez que são apenas estas que são
sentidas como reais. Se se quer que um objeto externo pareça real, então o
relacionamento com ele tem de ser o relacionamento que se tem com uma
alucinação (WINNICOTT, p. 45).

Em outros termos, é concebível dizer que um objeto externo não tem existência para nós,
afora na medida em que o alucinamos, contudo, mantendo-nos como sãos, é necessário
que tomemos o cuidado de não alucinar, exceto quando sabemos o que devemos ver.
Neste sentido, é possível que alguns equívocos sejam cometidos, principalmente se o
sujeito estiver em situação de cansaço ou penumbra.

De acordo com Winnicott, “o bebê com um objeto transicional acha-se a todo o tempo
neste estado em que lhe é permitido ficar e, embora seja louco, não o chamamos de
loucura” (p. 45). Caso o bebê conseguisse exprimir em palavras, sua fala viria com a
seguinte reivindicação: “Este objeto faz parte da realidade externa e eu o criei”. A partir
disto, é possível que se chegue a um significado muito importante no tange ao mundo
do bebê: a onipotência. Esta aparece na primeira infância e, quando nos deparamos
com ela, não se pode mencionar apenas a “onipotência de pensamento”. Em verdade,
o bebê crê em uma onipotência que acaba se ampliando em direção a certos objetos
e, eventualmente, incorpora a mãe e até outras pessoas no meio ambiente imediato.
Uma das transições é do controle onipotente dos objetos externos para o
abandono do controle e, finalmente, para o reconhecimento de que existem
fenômenos que se acham fora de nosso próprio controle pessoal. O objeto
transicional que faz parte tanto do bebê quanto da mãe adquire uma nova
condição a que damos o nome de posse (WINNICOTT, p. 45).

64
O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II

Winnicott acredita existir outros tipos de transições que se encontram em processo


no decorrer do período em que o bebê utiliza os objetos transicionais. Ele fala sobre
“aquela que pertence aos poderes em desenvolvimento do bebê, ao desenvolvimento
da coordenação e ao gradual enriquecimento da sensibilidade”. Nesse período, o olfato
encontra-se em seu ápice e, para Winnicott, não mais será tão proeminente assim,
“exceto, talvez, durante episódios psicóticos” (p. 45). No que tange às sensibilidades
do bebê, é importante ressaltar como algumas questões ganham enorme significado
na vida destes, principalmente em relação a texturas; a secura e a umidade; o frio e o
morno, além, é claro, da extrema sensibilidade dos lábios infantis e do sentido do gosto.
É por meio dos fenômenos transicionais que se torna possível observar o primórdio
da “capacidade de sentimentos afetuosos, com o relacionamento instintual direto
mergulhando na repressão primaria” (p. 45).

O funcionamento corporal está atrelado à forma como o bebê utiliza um objeto, e, a


valer, não é possível imaginar que um objeto possa ter significado para um bebê, a não
ser que assim se encontre atrelado. “Esta é outra maneira de enunciar que o ego se baseia
em um ego corporal” (p. 45). Dentre as possibilidades que existem e que Winnicott
se preocupou em descrever, é importante que se lembre de que, ocasionalmente, a
mãe pode ser usada como sendo ela mesma um objeto transicional, e vale dizer que,
quando isso ocorre, pode-se dar origem a alguns problemas.

Para exemplificar outros casos, Winnicott traz à luz algumas possíveis situações:
[...] o uso do polegar ou dos dedos, que pode persistir, e pode haver ou não
o acariciar afetuoso de alguma parte do rosto ou de alguma parte da mãe,
ou, ainda, de um objeto, tudo a ocorrer ao mesmo tempo. Em alguns casos,
o acariciamento continua e perde-se de vista o sugar do polegar ou dedo.
Então, com frequência acontece que um bebê que não utilizou a mão ou o
polegar para gratificação autoerótica, apesar disso, pode usar um objeto de
um ou outro tipo. Quando um objeto é empregado, geralmente se descobre
uma ampliação do interesse, de maneira que, em breve, outros objetos se
tornam importantes (WINNICOTT, p. 46).

Seja por essa motivação ou por outra, as meninas possuem a tendência a agarrar-se
a objetos macios, até utilizarem bonecas, e os meninos possuem a tendência a ir em
busca de agarrar-se a objetos duros.

Em determinado momento, existe uma passagem do objeto transicional e, para falar


sobre isso, Winnicott coloca em evidência duas possíveis abordagens, sendo a primeira
marcada pelo comportamento que a criança tem de deixar o objeto transicional

65
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise

“semiesquecido” em uma gaveta ou fundo de armário, formando assim, um limbo


dos objetos transicionais esquecidos. Para exemplificar, Winnicott fala sobre “um
menino que esqueceu do seu objeto e entrou em uma fase de regressão que segue
diante da privação”. Ao retomar seu objeto transicional, o menino conseguiu retomar
gradualmente outras possessões adquiridas posteriormente.

A segunda abordagem a respeito da qual Winnicott versa diz que, a rigor, “o objeto
transicional e os fenômenos transicionais encontram-se na própria base do simbolismo”
(p. 47), portanto, pode-se, com razão, reivindicar que os fenômenos designam a
origem, seja na vida do bebê ou da criança. Trata-se “de uma espécie de terceira área
da existência, uma terceira área que tem sido difícil de encaixar na teoria psicanalítica”
(p. 47), que precisou ser construída pouco a pouco. Essa terceira área seria capaz de
evidenciar ser a vida cultural do sujeito. No que diz respeito às três áreas de existência,
Winnicott as revela como sendo:

» realidade psíquica ou interna individual;

» realidade externa;

» área do viver que corresponde aos fenômenos transicionais do bebê.

Para além das três áreas que Winnicott diferencia, ele também faz uma diferenciação
entre o “objeto transicional”, teoria elaborada por ele, e a teoria de Klein sobre o “objeto
interno”. Para ele, o objeto interno é uma questão que envolve a realidade interna,
que se torna gradativamente complexa a cada etapa vivenciada pelo bebê. Já o “objeto
transicional é um pouco um cobertor, mas, para o bebê, é um representante tanto do
seio da mãe quanto do seio internalizado dela” (p. 48).

66
CAPÍTULO 3
A reconstrução da psicanálise
winnicottiana

Há de se lembrar do que Freud apresentou acerca da reconstrução e construção da


Psicanálise. É necessário que um percurso seja levado em consideração para chegarmos
até os caminhos da reconstrução da Psicanálise winnicottiana. Para explicitar, Neto
(2018) traz à luz dois casos clínicos, um de Freud e um de Winnicott, para demonstrar
as construções e reconstruções a serem consideradas nesse momento. Em um de seus
artigos, datado de 1937, Freud (1937/1986) nos diz:
Todos sabemos que o analisado deve ser movido a recordar algo vivenciado
e recalcado por ele, e as condições desse processo são tão interessantes que a
outra peça do trabalho, a operação do analista passa, em contrapartida, a um
segundo plano. O analista não vivenciou nem recalcou nada que interesse;
a sua tarefa não pode ser recordar algo. Em que consiste, pois, a sua tarefa?
Tem de deduzir o esquecido a partir dos indícios que ele deixou por trás de
si; melhor dizendo: tem de construí-lo. […] Seu trabalho de construção, ou se
se prefere, de reconstrução, mostra várias coincidências com o do arqueólogo
que exuma alguns domicílios ou alguns monumentos destruídos e sepultados.
[…] É inquestionável o direito de ambos de reconstruí(-los) por meio da
completação e do encaixamento dos restos conservados (p. 260-261).

Para falar a respeito da “construção”, que vem a ser a modalidade do trabalho analítico
em Freud, Laplanche e Pontalis apresentam que “construção” é um “Termo proposto
por Freud para designar uma elaboração do analista mais extensiva e mais distante
do material que a interpretação, e essencialmente destinada a reconstituir nos seus
aspectos simultaneamente reais e fantásticos uma parte da história infantil do sujeito”
(LAPLANCHE, 1967, p. 97).

No mesmo artigo de Freud citado acima, ele busca, então, diferenciar construção ou
reconstrução daquilo que frequentemente intitulamos como interpretação.
“Interpretação” se refere àquilo que se empreende com um elemento
singular do material: uma ocorrência, um ato falho etc. É “construção”, em
contrapartida, apresentar ao analisado uma peça de sua pré-história esquecida,
por exemplo, da seguinte maneira: “Você, até o seu ano x, considerou-se como
o único e irrestrito possuidor da sua mãe. Veio, então, o segundo filho e, com
ele, uma séria desilusão. A mãe abandonou você por um tempo e, depois,
nunca voltou a se lhe consagrar com exclusividade. Seus sentimentos em

67
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise

relação à mãe tornaram-se ambivalentes, o pai ganhou um novo significado


para você” etc. (FREUD, 1937/1986, p. 262-263).

O caso que vem a contemplar e a evidenciar os principais aspectos em relação à


“construção” na Psicanálise de Freud é a famosa análise do “homem dos lobos”. Muito
embora o caso seja extenso, descrevo-o aqui de forma sucinta para elucidar a reconstrução
que Freud empreende acerca da “visão da cena primária pelo bebê de um ano e meio,
a partir das suas deduções clínicas” (NETO, 2018).
Nesse caso clínico, a partir dos sintomas do paciente e da recordação de
um sonho de angústia, que ele teve em torno de quatro anos de idade, com
lobos em cima de uma árvore, e das associações que se seguiram – nas quais
aparecia um lobo de quem se tinha arrancado o rabo –, Freud reconstrói a
visão da cena primária do coito entre os pais, quando o paciente tinha um
ano e meio. Faz, então, ponderações sobre as marcas que essa visão havia
deixado no paciente e na repercussão dessas marcas tanto na formação dos
seus sintomas, quanto na produção do sonho de angústia com os lobos,
quando, aos 4 anos de idade, em plena fase edipiana, a ideia encoberta do lobo
sem rabo evocou-lhe o complexo de castração (FREUD, 1918, 1914/2010
apud NETO, 2018).

Os pormenores dessa construção precisam ser levados em consideração e explicados.


Em primeiro momento, Freud conjectura que o bebê estava dormindo no mesmo
quarto em que os pais, pois, naquele momento, estava com malária. A cena ocorrera
por volta das cinco horas da tarde, e este era o horário em que sucediam as modificações
de humor das suas depressões sintomáticas. O coito dos pais repetiu-se por três vezes.
Essa especificidade fora revelada pelo próprio paciente, apesar de que ele mesmo não
tenha se dado conta disso e o tenha projetado na interpretação de Freud. Em nota de
rodapé, Freud inclui que a agnição do ato sexual não intercorreu por causa da visão
do coito, quando a criança estava com um ano e meio de idade, mas sim, no período
de seu sonho, já com quatro anos. “Com um ano e meio ele recolheu impressões cuja
compreensão lhe foi possibilitada na época do sonho por seu desenvolvimento, sua
excitação sexual e sua pesquisa sexual” (FREUD, 1918 [1914]/2010, p. 53).

Por se tratar de uma análise bastante característica da obra freudiana, torna-se possível
contemplar que as reconstruções empregadas por Freud diziam respeito, a todo
momento, da “história sexual do paciente, seus acontecimentos traumáticos, seus
avatares, as marcas e fantasias dela decorrentes e seu papel na formação dos sintomas
mórbidos” (NETO, 2018). O complexo de Édipo aloca-se num espaço central no que
tange às teorizações psicopatológicas de Freud, e ainda, é possível declarar que as

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O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II

reconstruções freudianas, com frequência, fazem alusão aos acontecimentos relacionados


a complicações edipianas que não foram elaboradas.

Com a reconstrução winnicottiana, a Psicanálise alcança uma função diferente. As


proposições de Winnicott perpassam por estágios mais precoces, quando o bebê ainda
não possui sua sexualidade desenvolvida, “lançado que está, simplesmente, no esforço
de manter-se vivo, numa continuidade de ser sustentado por seu meio-ambiente”
(NETO, 2018), isto é, no que envolve os traços traumáticos que nem mesmo tiveram
um significado singular ou mesmo uma representação para que conseguissem ser
recalcadas e que se conservam “como fantasmas errantes, marginais à psique infantil,
dada a imaturidade do bebê quando elas aconteceram” (NETO, 2018).
Com Winnicott, obviamente, a ênfase muda consideravelmente, pois –
muito embora ele não desconsidere as complicações de uma má elaboração
do complexo de Édipo, presentes nas neuroses – a questão é muito mais
complexa do que isso, já que as neuroses definem apenas as patologias
daqueles que conseguiram atravessar a contento as fases de amadurecimento
mais críticas – aquelas que antecedem a constituição da pessoa total, de
um self integrado –, tendo sido capazes de se apropriar das suas experiências
eróticas e agressivo-destrutivas, formando uma sexualidade infantil (NETO,
2018).

Para Winnicott, o maior obstáculo está relacionado aos psicóticos, visto que eles
não conseguem existir verdadeiramente, “subsistindo apenas seja na casca de um
falso self cindido do restante da personalidade, seja num retraimento esquizoide,
quando não nos delírios e alucinações de uma esquizofrenia a céu aberto” (NETO,
2018). É, portanto, nessas circunstâncias que as reconstruções em análise vivenciam
outra situação.

Para explicitar claramente, Neto (2018) nos apresenta um caso clínico de Winnicott
que já foi descrito brevemente nesta unidade, que diz respeito a uma fantasia de
espancamento. O caso já foi descrito na seção “Psicogênese de Uma Fantasia de
Espancamento Datado de 11 de março de 1958”. Para Neto (2018), por meio dessa
análise, é possível demonstrar o quanto tal ferramenta é de vultuosa utilidade clínica e,
concomitantemente, é possível “demonstrar que ela somente pode se realizar apoiada
na dinâmica transferencial”.

Sabemos que esse caso se refere a uma paciente de Winnicott que permaneceu em
análise com ele por 10 anos e que foi acompanhada pela fantasia de espancamento, a
qual permaneceu constante ao longo de sua vivência.

69
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise

[...] durante esses dez anos, Winnicott explorou o campo transferencial em


toda a sua extensão e variedade e não encontrou nenhum elo significativo
que pudesse elucidar o sintoma da fantasia de espancamento no seu interior.
Sem dúvida nenhuma, a paciente demonstrava possuir uma fixação anal e
manipulava seus gases intestinais como uma especialista no assunto, mas
– isso posto – não havia nenhum outro elo significativo que elucidasse a
fantasia perversa (NETO, 2018)

A partir disto, Winnicott consegue fazer sua primeira construção, fundamentando-se


no material manifestado em uma das sessões, sustentando que “a ideia de espancamento
estava tomando o lugar de uma extrema desesperança de comunicar-se com a mãe
num nível anal” (WINNICOTT, 1958/1997, p. 46).

Ao reconstruir uma parte da história da paciente, o que ocorrera, de fato, era que a
paciente foi desmamada e abandonada aos dois meses de idade pela mãe e deixada sob
os cuidados de uma babá. A paciente tinha consciência disso. Por conseguinte, “deveria
ter havido, também, uma desesperança de a paciente poder comunicar-se com a mãe
num nível oral” (NETO, 2018). Contudo, segundo Winnicott, um bebê de dois meses
ainda não goza de suficiente organização para experimentar pesar ou desesperança.
Desse modo, posteriormente, quando a paciente atinge um nível de organização, o
nível anal, ela consegue dar sentido a essa desesperança. Sendo assim, “a fantasia de ser
espancada, como formação substituta, ainda era melhor do que a realidade de nenhum
contato com a mãe” (NETO, 2018).
Mas essa primeira construção de Winnicott somente adquiriria seu sentido
pleno, a partir da segunda, quando ele conclui – e comunica à paciente –
que a dinâmica sadomasoquista não pertencia à psique dela, mas sim a uma
fixação anal na psique de sua mãe. Ou seja, durante toda a vida, a paciente
mantivera um relacionamento direto com o inconsciente recalcado de sua
mãe, assumindo como sua uma dinâmica da psique materna (NETO, 20018).

Winnicott relata que, com o passar do tempo e conforme a paciente ia ficando mais
velha, houve, por parte da mãe, uma aproximação, e esta se tornou disponível, apesar
de que ela retornou como uma amiga de particularidade triste e sofredora.

Todavia, é importante evidenciar que a primeira construção feita por Winnicott não
somente obteria sentido amplo quando, diante da segunda construção, Winnicott
comunica à paciente “que a dinâmica sadomasoquista não pertencia à psique dela, mas
sim a uma fixação anal na psique de sua mãe” (NETO, 2018). Isto é, no decurso de sua
vida, a paciente permanecera em uma ligação direta com o inconsciente recalcado de
sua mãe, tomando para si uma dinâmica que pertencia à psique materna.

70
O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II

Winnicott foi capaz de distinguir, a partir das duas reconstruções, o que era da paciente
e o que era de sua mãe. Além disso, “fica evidente o estatuto de uma construção ou
reconstrução analítica” (NETO, 2018). Ademais, tal reconstrução operou-se por
exclusão, quer dizer, considerando que o masoquismo não era pertencente a psique
da paciente, o que foi possível observar e explorar a partir do campo transferencial
durante o transcorrer do tratamento de dez anos, trazendo à luz, assim, as características
sadomasoquistas da mãe, que foram relatadas pela paciente.
Tudo isso, associado à articulação entre a fantasia perversa e a desesperança
e carência de mãe da paciente, formava um conjunto de pistas clínicas
a serem articuladas numa conclusão lógica. Além disso, é provável que
outros elementos não descritos no artigo tenham entrado na produção da
reconstrução winnicottiana, já que as narrativas psicanalíticas – dado o tipo
de material inefável e fugidio com que lidam –, são sempre incompletas
(NETO, 2018).

De modo mais amplo, Neto (2018) nos traz um importante ponto a ser pensado e nos
mostra que o primórdio da construção ou reconstrução no que tange à análise acaba
por remontar à prática de Freud, o criador da Psicanálise, ainda que o complexo de
Édipo ocupe um lugar central em sua teoria. As reconstruções são realizadas com o
intuito de resgatar a história sexual dos pacientes, além dos eventos traumáticos que
envolvem a elaboração edipiana, suas representações de si mesmo, as marcas, cicatrizes
e fantasias que são daí decorrentes e, ainda, “seu papel na formação dos sintomas
mórbidos presentes” (NETO, 2018).

Como visto anteriormente, com Winnicott, a ferramenta psicanalítica passa a ganhar


uma função diferente e busca “abarcar períodos precoces, nos quais o bebê ainda não
tem uma sexualidade constituída pautado, simplesmente, no esforço de manter-se
vivo, numa continuidade de ser (going on being), sustentado por seu meio ambiente
(NETO, 2018).

Não obstante, mesmo que haja as diferenças entre as duas práticas pertinentes a cada
autor em questão, a construção conserva-se como uma ferramenta na clínica de vasta
utilidade, ou seja, a ferramenta é considerada substancial ao processo psicanalítico, no
qual opera na busca pela recuperação da história de vida do sujeito.

71
A PSICANÁLISE
COMO MÉTODO DE
TRATAMENTO E COMO
CIÊNCIA NATURAL UNIDADE III
PARA FREUD E PARA
WINNICOTT

CAPÍTULO 1
Reformulações da Psicanálise de Freud
por Winnicott

Psicanálise de Freud
Quando criou a Psicanálise, a proposta de Freud era desenvolver uma ciência do
inconsciente. Era o século XIX e as ciências despontavam, a Psicanálise era vista como
ciência compromissada com a “racionalidade científica, a linguagem da ciência e com
seus critérios metodológicos” (MIGUEL; VIDEIRA, 2011, p. 35). O que predominava
era a filosofia da ciência, que tem como método para guiar suas pesquisas o método
indutivo. Esse método é colocado em prática com a coleta de informações dos fenômenos
observados, e o material coletado é analisado a partir dos fatos importantes selecionados
pelo pesquisador para construir novos conhecimentos, novas teorias. No entanto,
fortalecia-se o método experimental, que passou a dominar o mundo da ciência como
um método válido para se fazer pesquisa e sistematizar ideias na construção de um
paradigma. Por isso, os escritos de Freud, resultado de suas observações e constatações
nos atendimentos clínicos, não foram bem aceitos como produção científica.

Embora seus estudos tenham sofrido restrições, Freud ousou e desenvolveu conceitos
importantes para a construção do método psicanalítico, como o de inconsciente, o
complexo de Édipo, a formação das instâncias da personalidade: isso, eu, supereu.
Esses conceitos formam a base da teoria freudiana, por esse motivo serão detalhados
para compreendermos as reformulações feitas por Winnicott na construção dos

72
A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III

conceitos que se alinham ou se distanciam dos conceitos de Freud. Em primeiro lugar,


é importante falar do inconsciente, que é a base da teoria psicanalítica.

O inconsciente não foi descoberto por Freud (GAY, 1989; LORENZER, 1984;
ROUDINESCO; PLON, 1998; ZIMERMAN, 2001), pois, antes, outros já o mencionaram.
Platão se referiu a ele como dois cavalos alados que se opunham em beleza e docilidade.
Sem controle, punham-se em direções contrárias. Kant (2001) refere-se ao inconsciente
como uma representação obscura que se diferencia da consciência pelo grau, e este
pode ser sempre alterado para menos ou para mais. O próprio Freud (1988/1917), no
artigo “Uma dificuldade no caminho da psicanálise”, reconhece que não foi o primeiro
a escrever sobre os processos mentais inconscientes e nomeia Schopenhauer como um
dos filósofos mais importantes que compõem a lista de precursores do inconsciente.
Schopenhauer (2005) reporta-se a ele como a vontade soberana sobre o intelecto. Ele
diz: “A vontade, considerada puramente em si mesma, é inconsciente; é uma simples
tendência, cega e irresistível [...]” (SCHOPENHAUER, 2005). A vontade, segundo
Schopenhauer, é irracional e cega e se manifesta por meio do corpo.

Muitos teóricos e filósofos tentaram esquematizar a Psicanálise, principalmente pela


ideia do inconsciente, contudo foi Freud o teórico quem estabeleceu as bases para essa
psicologia do inconsciente. Neste campo em que a Psicanálise foi criada, um estudioso,
Pierre Janet (1859-1947), contemporâneo de Freud, disputou com ele a “descoberta” do
inconsciente. No entanto, Freud foi quem empreendeu a sistematização e organização
dos conceitos psicanalíticos, qualificando um método científico calcado na escuta e
em observações.

O neurologista Freud se envereda, então, por caminhos cientificamente desconhecidos,


mobilizado pelas feridas psíquicas dos pacientes, antevendo possibilidades como
caminhos a serem percorridos, que poderiam auxiliar na descoberta do recurso capaz
de interferir nas vivências pessoais e sociais, aliviando suas aflições. Ele considerava os
conteúdos pessoais guardados no inconsciente. Mas o que é o inconsciente? Pergunta
o pesquisador interessado em receber uma resposta objetiva, sem preâmbulos.

Constata-se que pergunta semelhante foi elaborada quando Freud (1996/1915, p.


171) inicia sua construção do artigo “O inconsciente” (unbewusste): “Como devemos
chegar a um conhecimento do inconsciente?”. Ele mesmo responde: “Certamente, só
o conhecemos como algo consciente depois que ele sofreu transformação ou tradução
para algo consciente”. Sua resposta sugere a utilização de um método capaz de vencer
a resistência e que ele fez por meio da investigação criteriosa, da escuta atenta, da

73
Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott

laboriosa interpretação de sonhos. Um caminho bem sucedido, percorrido ao longo


dos anos.

Freud, ao elaborar os conceitos a respeito do inconsciente, marca um momento e


revoluciona a concepção de homem. O sujeito é determinado pelo inconsciente que
se funda como um sistema independente da consciência e não tem um lugar específico
no interior do aparelho psíquico (concepção tópica). É um repositório de conteúdos
recalcados e se expressa na consciência, por meio dos mecanismos de defesa do eu, tal
como a negação (importante para este trabalho), a repressão, os sintomas, os sonhos,
as parapraxias, o chiste.

Ao justificar o conceito de inconsciente, Freud (1996/1915) diz que ele se manifesta


em pessoas sadias e doentes de várias maneiras, como pelas parapraxias, pelos sonhos,
pelas ideias obsessivas, pelas ideias que assaltam a mente, pelos chistes, entre outros.
Freud não se restringiu ao estudo do inconsciente apenas para detectar transtornos na
clínica psicopatológica, mas desenvolveu estudos que pudessem explicar fenômenos
sociais e relações interpessoais, como em seus artigos: “O futuro de uma ilusão e o
mal-estar na civilização”, “Psicopatologia da vida cotidiana”, “Psicologia das massas” e
“Análise do eu e o Estranho”.

Alguns estudiosos definem o inconsciente como uma instância psíquica onde se abrigam
representações reprimidas. Para Jung (1980), o inconsciente se divide em inconsciente
pessoal e inconsciente coletivo. O primeiro armazena as experiências e vivências
individuais, reprimidas ou não. O segundo são as lembranças compartilhadas pelos
antepassados e o legado social transmitido ao longo das gerações. Para Lacan (1988, p.
22), o inconsciente é “estruturado em função do simbólico”, ou seja, o inconsciente é
estruturado como linguagem. Henry Ey (1969, p. 13) diz: “O que define o inconsciente
é que ele é desconhecido da consciência”. Já Winnicott não construiu uma teoria a
respeito do inconsciente, mas, ao longo de sua obra, fez referência a essa instância da
personalidade. Fulgencio (2010) esclarece que:
Winnicott diz que o inconsciente (Id) só pode existir depois que houver
um Eu (ego) que possa constituí-lo como reprimido, para ele nos estágios
mais precoces do desenvolvimento da criança, portanto, o funcionamento
do ego deve ser considerado um conceito inseparável daquele da existência
da criança como pessoa. Não há id antes do ego.

Assim, o inconsciente, como Freud teorizou, não existe na mente do bebê, porque o
bebê não se diferencia da mãe até a construção do não eu, não tem consciência da sua
existência e, por isso, não estruturou o ego. Como consequência, o bebê não armazena

74
A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III

conteúdos inconscientes, porque, sem ego, não faz interação individual com o meio.
Sem id/inconsciência, sem ego/consciência, não existe inconsciente reprimido. Para
auxiliar nesse entendimento, Fulgencio (2013, p. 150) escreve: “Winnicott (1987d/1994,
p. 94) afirma que a própria existência de um inconsciente, em termos mais gerais, só
tem sentido quando alguma consciência pode existir: ‘não sendo conscientes, os bebês
não podem ser inconscientes’”.

Outra ideia desenvolvida por Freud foi o complexo de Édipo, e, para o entendimento
do que representa essa teoria, é importante se falar de sexualidade. Utilizando uma
explicação básica, o termo significa qualidade do que é sexual, mas, ao contrário,
sexualidade não se encaixa em uma definição semântica por ter seu sentido carregado
de sentimentos e emoções já que são produções humanas envolvendo contexto,
cultura, conceitos e preconceitos. São atribuídos à sexualidade papéis sociais que não
necessariamente se encaixam nas escolhas que cada um faz e que deve ser interpretada
sem medo, vergonha ou culpa.

Apesar de a sexualidade estar ligada ao corpo, portanto é algo natural a ser vivenciado,
não se falava a respeito desse assunto quando se tratava de crianças, até o século XIX.
Quem rompeu essa barreira foi Sigmund Freud, que, além de tratar as mulheres
insatisfeitas com a sua sexualidade (porque não podiam sentir prazer, apenas procriar),
ousou escrever sobre a sexualidade infantil por entender a importância do corpo e dos
afetos na excitação sexual quando as energias psíquicas são mobilizadas para atender aos
desejos do ter e ser. Ter o objeto material e/ou afetivo, pois “é muito profunda a vinculação
entre os afetos e a sexualidade” (BEARZOTI, 1993, s/p). Porém, falar de vida sexual na
infância é difícil quando se entende erroneamente que a criança é assexuada, que não
sente prazer, ou que a sexualidade está presente na adolescência e na vida adulta, mas
não na infância, porque, nessa fase, o senso comum é que o requisito básico da infância
é a pureza, e sexo é considerado por muitos como algo sujo e pecaminoso.

De acordo com Freud, sabe-se que a criança passa pelas fases do desenvolvimento
psicossexual e que as zonas de erotização correspondem à boca, na fase oral; ao ânus,
na fase anal; e aos órgãos genitais, nas fases fálica e genital. Essas são regiões de grande
concentração de energia sexual, e a maneira de satisfazer ou reprimir essa energia
causa frustração, formando pontos de fixação que interferirão no desenvolvimento
psicológico saudável ou não do ser humano. A descoberta desses pontos de fixação deu-
se quando Freud ouviu as queixas de suas pacientes no sentido de que estavam presas
nos primeiros anos de vida e que não conseguiam elaborar os conteúdos reprimidos
guardados no inconsciente devido ao desprazer sentido.

75
Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott

É nesse contexto da repressão da fase fálica que se vivencia o complexo de Édipo. O


menino se apaixona pela mãe e coloca o pai no lugar de rival. Nessa fase, o menino
valoriza narcisicamente os órgãos genitais, como se o falo fosse um órgão do poder.
Freud (vol. XIX, p. 158) diz: “O que está presente, portanto, não é uma primazia dos
órgãos genitais, mas uma primazia do falo. [...] Com receio de perder esse poder
imaginário, sente-se inseguro e teme que algo possa acontecer a ele”. Cavalcante (2014,
p. 138) pontua que “A criança sente pelo sexo oposto uma paixão conflituosa e povoada
de temores.” A esse fenômeno dá-se o nome de angústia da castração.

Quando se avizinha a fase de latência, conforme Cavalcante (2014) e Viola e Vorcaro


(2013), o investimento libidinal muda sua direção para a aprendizagem, sublimando
a pulsão sexual, e esta encontra outra via de satisfação favorecendo, assim, o
desenvolvimento cognitivo e a consolidação dos valores morais. De acordo com Corrêa
e Pinheiro (2013, p. 66-67), “O tempo da latência é o tempo do esquecimento, tempo
que compreende o esquecimento do vivido no nível das pulsões sexuais dos primeiros
anos da infância [...]”. Com esse esquecimento, o investimento libidinal se dirige
para as aprendizagens e as relações sociais. É o fim da fase fálica e, por conseguinte, a
dissolução do complexo de Édipo.

Ainda, outro conceito importante é o das instâncias da personalidade, que Freud


elabora a partir dos atendimentos clínicos ao perceber que o eu obedece a determinadas
forças invisíveis e não se manifesta de maneira clara e objetiva, deixando entender que
está sendo observado, censurado, controlado e criticado. Então, surge sua teoria da
organização do aparelho psíquico, que se compõe das seguintes instâncias: isso, eu e
supereu; essa é uma representação que não invalida o primeiro modelo tópico em que
o consciente, o pré-consciente e o inconsciente dinamizam os conteúdos armazenados,
mas não estáticos, porque estão em contínuo movimento conflituoso entre os sistemas
(CHEMAMA, 1996; KAUFFMAM, 1996; E LAPLANCHE; PONTALIS, 2001). A
construção do conceito de supereu permeia a obra freudiana em vários momentos, como
no livro a “Interpretação dos sonhos” (1900), quando Freud fala da força repressiva que
impõe a necessidade de modificar simbolicamente os conteúdos oníricos; em “Totem e
tabu” (1996/1913), Freud refere-se à censura com sentimento de culpa pela morte do
pai totêmico e a identificação da criança com a lei representada pelo pai. Mais adiante,
no artigo “Luto e melancolia” (1915), a cobrança de um supereu punitivo se faz pelos
sentimentos de culpa e somente com a escrita do artigo “Isso, Eu e Supereu” é que
Freud (1996/1923) elabora com maiores detalhes as funções relativas às cobranças
morais do supereu.

76
A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III

De acordo com o sistema hipotético das instâncias da personalidade, a 2ª tópica ficou


conhecida na Psicanálise quando Freud publicou, em 1923, a obra “Eu e o Isso”. Nessa
segunda tópica, o inconsciente tem a função de qualificar as instâncias isso, eu e
supereu, e este tem o poder de dominar o eu por ser a autoridade moral que interfere
nos pensamentos, atitudes e ações do ser humano, conforme a figura 9:

Figura 9. Teoria freudiana da personalidade, segunda tópica.

Fonte: https://docplayer.com.br/156660286-Kls-psicologia-aplicada-ao-direito.html.

A formação do supereu (Überich) se dá em decorrência do complexo de Édipo, isto é,


é um herdeiro do processo de identificação com a lei, por medo da castração. Quando
a criança se aproximando da idade de sete anos, dá-se, então, a dissolução do complexo
de Édipo, pois a ameaça da castração é substituída pela armazenagem desses valores
morais. Os fundamentos éticos que se adquire ao longo do desenvolvimento, mais
especificamente na primeira infância, são consolidados quando a criança entra no
período que corresponde aos interesses pela aprendizagem e deixa em segundo plano
os desejos sexuais infantis. A criança aprende, então, nesse intervalo entre a fase fálica
e a genital o valor da renúncia, pois ela abdica dos impulsos sexuais e sua energia
libidinal é investida em outro objeto fora do seu corpo, a aprendizagem.

Segundo Cavalcante (2014, p. 140): “A fase do Édipo é carregada de tensões, principalmente


para o menino, que tem algo a perder; o pênis; mais que para a menina, pois ela, ao
invés de perder, precisa ganhar, ou seja, é preciso que o pênis cresça”. Isso se constitui
em uma ameaça ao eu narcísico, como qualquer outra diferença pode sinalizar perigo
de ataque à sua integridade. Essa disputa exclui a alteridade, que se inscreve a partir do

77
Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott

momento em que se reconhece o outro e este é considera sem preconceito, convivendo


pacificamente com a diferença.

Freud (1996/1930, p.127) esclarece que:


A tensão entre o severo superego e o ego, que a ele se acha sujeito, é por
nós chamada de sentimento de culpa; expressa-se como uma necessidade
de punição. A civilização, portanto, consegue dominar o perigoso desejo
de agressão do indivíduo, enfraquecendo-o, desarmando-o e estabelecendo
no seu interior um agente para cuidar dele, como uma guarnição numa
cidade conquistada.

Na construção do conceito de supereu, instância que se confunde com o ideal do eu


em várias passagens da sua teoria, Freud faz uma importante descoberta ao acrescentar
à teoria dos instintos a consciência e o sentimento de culpa. Nesse sentido, Freud
(1996/1923, p. 47) expressa o seguinte:
[...] quanto mais poderoso o complexo de Édipo e mais rapidamente sucumbir
à repressão (sob a influência da autoridade do ensino religioso, da educação
escolar e da leitura), mais severa será posteriormente a dominação do
superego sobre o ego, sob a forma de consciência (conscience) ou, talvez, de
um sentimento inconsciente de culpa.

O supereu é o resultado da resolução dos conflitos edipianos e dos valores parentais,


sociais, religiosos e culturais introjetados ao longo do desenvolvimento, desde o
nascimento até a entrada na fase de latência. O valor do tabu do incesto iniciado com
o medo da castração continua em consideração às regras que organizam a sociedade e
valoriza a ética em seus vários contextos, principalmente a ética que regula o equilíbrio
mental, físico e psicológico. Esse é, portanto, o princípio da moralidade que pertence
ao supereu e que tem sua funcionalidade implicada com a fantasia amorosa. Foi
regulamentado pelas relações com as figuras parentais na primeira sociedade, a família,
e dessa convivência foram definidas, então, as normas de convivência com o outro.

Para Winnicott o complexo de Édipo não tem representatividade nas suas considerações,
porque a mãe para o bebê tanto menino como menina é o objeto de amor mais importante
e representa cuidado, segurança, apoio para o seu crescimento e desenvolvimento.
Mãe-bebê formam uma unidade, não se diferenciando um do outro. Essa condição
permite ao bebê desenvolver e buscar sua individualização para dar continuidade, com
autonomia à sua vida como não eu. De acordo com Winnicott (1988, p. 67):
Acredito que alguma coisa se perde quando o termo “complexo de Édipo”
é aplicado às etapas anteriores, em que só estão envolvidas duas pessoas,

78
A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III

e a terceira pessoa ou o objeto parcial está internalizado, é um fenômeno


da realidade interna. Não posso ver nenhum valor na utilização do termo
“complexo de Édipo” quando um ou mais de um dos três que formam o
triângulo é um objeto parcial. No complexo de Édipo, ao menos do meu
ponto de vista, cada um dos componentes do triângulo é uma pessoa total,
não apenas para o observador, mas especialmente para a própria criança.

Assim, Winnicott defende a ideia da díade, a criança no colo da mãe que, para se
diferenciar dela e desenvolver suas competências, habilidades, conceitos morais etc.,
não necessita entrar no conflito do complexo de Édipo para depois resolvê-lo. Uma mãe
suficientemente boa contribui sobremaneira para a construção de um self verdadeiro
com a introjeção dos valores sociais, religiosos e culturais. Segundo Winnicott (1983,
p. 137), “[...] O equivalente ao self verdadeiro no desenvolvimento normal é aquele
que se pode desenvolver na criança no sentido das boas maneiras sociais, algo que
é adaptável”. A adaptação sugere que o bebê tenha recebido o necessário para sua
adaptação no mundo quando formava uma unidade com a mãe ou com alguém que
toma para si os cuidados da criança e, depois, quando se individualiza, tornando-se
um indivíduo e consegue se adaptar ao mundo fora de si e não se deixa abater pelas
frustrações e obstáculos impostos pelas relações mais amplas e pela necessidade de
viver, por si, no meio que o cerca.

Psicanálise de Winnicott
A Psicanálise winnicottiana se espelhou e se contrapôs à Psicanálise freudiana em alguns
conceitos, pois, para escrever a sua teoria, Winnicott percebeu que os atendimentos
clínicos se constituíam em laboratório para desenvolver seus próprios conceitos.
Loparic (2006) afirma que Winnicott observou na clínica que os distúrbios psíquicos
tinham origem na fase do desenvolvimento infantil, relacionados às experiências e
vivências da díade mãe-bebê e que isso não se encaixava na teoria da tríade pai-mãe-
bebê do complexo de Édipo nem nas fixações das fases psicossexuais. Loparic (2000,
p. 33) escreve que “O paradigma edípico não estava inteiramente errado, na verdade
ele era constantemente confirmado, mas se mostrava insuficiente: mais precisamente,
não conseguia fazer tudo o que Freud esperava que ele fizesse”.

É evidente que Winnicott foi influenciado pela Psicanálise já teorizada por Freud, porque
partiu de uma releitura para concordar ou discordar de algo. Criou, então, conceitos
reformulados a partir de uma teorização. Como ele mesmo diz: “O que ocorre é que
eu junto isto e aquilo, aqui e ali, volto-me para a experiência clínica, formo minhas
próprias teorias e então, em último lugar, passo a ter interesse em descobrir de onde

79
Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott

roubei o que” (2000, p. 218). O próprio Winnicott reconhece que releu as obras de
Freud e de Melanie Klein, fez análise e o ponto de partida foi o seu conhecimento
da teoria psicanalítica para encontrar o seu paradigma da relação da díade mãe-bebê.

Esse paradigma considera que a mãe tem para com seu bebê uma dedicação distinta
de outras dedicações triviais, pois é capaz de identificar as necessidades por mínimas
que sejam de modo a atendê-las para que ele se desenvolva e cresça saudável física e
psicologicamente, adquirindo condições que promovam sua adaptação para lidar com
o meio adequadamente. A mãe não apenas atende às necessidades do seu bebê como
também o frustra em alguns momentos, e essa desilusão auxilia na construção da
resistência à frustração e o ajuda na percepção de que nem sempre é possível receber
tudo que reivindica.

Segundo Winnicott (1993; 1983), o bebê não existe sem alguém que cuide dele, e a
cuidadora que se destaca na vida da criança é a mãe. Ela se preocupa com a integridade
do bebê, auxiliando-o na sua dependência e vulnerabilidade, acolhendo-o com sua
sensibilidade para entender do que o bebê necessita para se desenvolver, sendo devotada
aos cuidados com o recém-nascido, vinculando-se a ele afetivamente. Winnicott (1999)
diz que o ambiente em que o bebê chega ao nascer, quando facilitado pela gentileza,
pela amabilidade e pela confiabilidade, constitui-se num ambiente com “características
suficientemente boas”, juntamente com as características hereditárias, que poderão
produzir bons resultados no desenvolvimento da criança.

Figura 10. O bebê no colo da mãe.

Fonte: https://br.depositphotos.com/vector-images/mulher-parto.html.

80
A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III

A construção da subjetividade da criança começa com a sensação de estar sendo segurada


com amor, confiante de que será acalentada quando seu choro for decodificado e de
que seus sentimentos serão traduzidos em palavras. Essa mediação é fundamental para
as trocas afetivas e para o desenvolvimento da linguagem da criança. O tom de voz da
mãe e os afagos dela proporcionam conforto psíquico para o bebê.

Ao nascer, o bebê não tem organização psíquica e tem a sensação de estar desintegrado,
por isso, precisa ser sustentado física e psiquicamente para que o acolhimento e a
proteção deem a ele condições de se integrar no colo da mãe ou cuidadora. Forma com
a mãe uma unidade psíquica, portanto ele existe por inteiro no colo dela.

Essas são condições essenciais para a existência do recém-nascido, seu desenvolvimento,


suas aquisições, seu bem-estar, suas aprendizagens na família ou em outro meio social.
Como o bebê foi colocado no berço, como foi atendido, quanto tempo demorou para
ser acalentado, alimentado, higienizado são condições favoráveis ou desfavoráveis para
aquisição de competências, habilidades, conhecimentos intelectuais. Se esses cuidados
foram apropriados, foram suficientemente bons para a eficiência no desenvolvimento
da pessoa.

Mãe suficientemente boa


Com essas observações, Winnicott criou a teoria da mãe suficientemente boa. Essa
mãe não é a mãe que Freud teorizou como objeto do desejo da criança no complexo
de Édipo, mas a que acolhe seu bebê e o abriga no seu colo, entendendo que o ser que
nasceu do seu ventre é vulnerável e dependente, e, por isso, necessita de ser amado e
amparado. A mãe está exageradamente sensibilizada, como diz Winnicott (2000), e
essa sensibilidade merece ter um nome, o que ele denominou “Preocupação Materna
Primária”. Esse enternecimento ajuda ativamente na construção da mente do bebê,
pois oferece um ambiente seguro para que ele exista e se desenvolva.

Para que a mãe seja suficientemente boa, sua primeira preocupação é saber das
necessidades que o bebê precisa ter atendidas para sobreviver, utilizando uma linguagem
não verbal, uma linguagem silenciosa. Mesmo sem saberem que um não existe sem o
outro, a mãe e o bebê conseguem manter uma comunicação eficiente (WINNICOTT,
2000). A mãe, então, dispensa os cuidados protegendo o bebê e atendendo às suas
necessidades básicas. O colo da mãe, em primeiro lugar, dá a certeza ao bebê de que ele
existe, não como uma pessoa individualizada, ainda, mas como um ser fundido à mãe,

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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott

que se desenvolverá de maneira saudável “[...] se houver um suporte do ego materno


para fazê-lo forte; do contrário, ele é fraco” (WINNICOTT, 1999, p. 50).

Holding
O termo significa “segurar”, “sustentar”, “abraçar”, o que sugere um acolhimento nos
braços apoiado no colo. Esse é o início do alicerce que servirá de base para a confiança
que a criança desenvolve pela mãe, cuidadora ou cuidador. Sentir-se sustentada,
amparada e acolhida por alguém que pega com firmeza e carinho seu corpo dará a
ela a sensação de integração e continuidade de existir pela presença da cuidadora/
cuidador. A devoção materna que se faz sentir confiável, prestativa e presente favorece
o desenvolvimento da personalidade de forma integrada e não fragmentada, garantido
um bom desempenho na construção da personalidade do bebê. Este poderá, então,
sentir-se uma unidade independente da mãe. “Chega então um período em que a
criança se torna uma unidade, torna-se capaz de sentir: EU SOU, tem um interior, é
capaz de cavalgar suas tempestades instintuais e também é capaz de conter as pressões
e os estresses gerados na realidade psíquica interna (WINNICOTT, 1999, p. 61).

Figura 11. Holding.

Fonte: https://www.pngwing.com/pt/search?q=m%C3%A3e+e+filho.

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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III

Então, conforme Winnicott (1983; 1999), o bebê nasce e tem uma dependência absoluta
para sobreviver por alguém que possa lhe dispensar cuidados. Aos poucos vai tornando-
se independente, mas, antes, existe uma dupla dependência na díade mãe-bebê, além
da dupla dependência física e emocional. Esse processo de aquisição da independência
não se faz de um salto, mas com recorrentes retornos à dependência. Winnicott diz
que primeiro a dependência é absoluta. O lactente necessita que a mãe tenha condições
de atender às suas várias necessidades acolhendo-o em seus braços, falando com ele e
olhando nos seus olhos. Em um segundo momento, na dependência relativa, o bebê
foi armazenando as memórias dos cuidados da maternagem e experiências vividas
no ambiente em que acumula confiança e medos e consegue começar a dispensar os
cuidados intensos da mãe. Por último, seu desenvolvimento o leva à independência
e, num processo contínuo de autonomia, ele consegue desenvolver movimentos cada
vez mais individualizados, gerir sua própria vida, utilizando meios que garantam sua
sobrevivência. Torna-se, portanto uma pessoa capaz de se relacionar com outras
pessoas, mantendo a interdependência necessária ao convívio em sociedade.

Dessa forma, a teoria winnicottiana defende o princípio de que uma pessoa começa
o seu relacionamento com a mãe, consigo e com a família e depois amplia seu meio
social para as relações pessoais em uma sociedade que extrapola as paredes do lar. É a
unidade pessoal que interage com o meio, por esse motivo Loparic (2000, p. 44) diz
que “Em oposição a Freud, Winnicott não definiu os relacionamentos externos como
sexuais, nem como sociais ou mesmo psicológicos, mas em termos ‘pessoais’, com
base em formas especiais de mutualidade e intimidade entre mães e seus bebês”. Nessa
interação pessoal com a mãe, a criança desenvolve autoconfiança e independência para
interagir como indivíduo em outros meios sociais mais amplos.

A clínica winnicottiana
Foram muitos casos analisados por Winnicott e, por meio desses atendimentos, foi
possível ele identificar muitas crianças e adultos com transtornos mentais, dentre
eles os que sofrem com o transtorno borderline e os esquizoides. Esses casos deram
subsídios para a construção da teoria de que a deficiência do holding era responsável
pelo desenvolvimento das psicoses.

A origem das psicoses está nos momentos anteriores à fase da independência da criança,
ou seja, antes que ela se torne um ser total, consciente de si e percebendo a existência
de alguém fora de si mesma. Para que seja possível realizar intervenções analíticas, é

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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott

necessário que o analista “[...] seja capaz de suportar a regressão real à dependência
[...]” (WINNICOTT, 1988, p. 79).

Por isso, ao tratar esses pacientes, ele observou que a figura do analista representa a
mãe, e, por isso, o analista deve ser capaz de compreender esse paciente regredido que
o interpreta como aquele que deve acolhê-lo, permitindo que ele faça uma regressão
ao estágio de dependência e deixe eclodir sensações ou lembranças importantes para
refazer experiências e elaborar suas mudanças psíquicas.

No período de dependência absoluta, se a criança não se sentiu segura, acolhida,


amparada, sustentada pela cuidadora/mãe, ela sofreu as falhas de um ambiente deficiente
para as suas necessidades e entrou em colapso. Então, a saúde mental está relacionada
aos cuidados maternos, ou seja, ao holding materno. Nesse sentido, o caso de Margareth
Little é importante para ilustrar a clínica winnicottiana em relação aos transtornos
mentais.

Little era uma paciente esquizoide, e Winnicott não conseguiu, de pronto, identificar
seu transtorno mental, ou seja, ele não percebeu de pronto um sinal típico de um
paciente esquizoide, o comportamento de esquiva. Tal comportamento se apresentou no
consultório, com Winnicott. No entanto, na primeira sessão, esse sinal foi desconsiderado
e o profissional, acreditando tratar-se de uma paciente neurótica, disse, fazendo uma
interpretação: “Eu não sei, mas tenho o sentimento de que você está me trancando
pra fora por alguma razão”. Inconformada por receber essa interpretação, que não lhe
fazia sentido, algumas sessões depois, Little quebrou um vaso de flores e as pisoteou
(NETO, 2008 p. 110).

A análise prosseguiu, e Winnicott aplicou sua técnica do holding, ofertando sensações


de segurança a Little. Ela relata em seu livro “Ansiedades psicóticas e prevenção” (1992),
no capítulo “Psicoterapia com D.W.W.”, que, em um de seus acessos de pânico, segurou
as mãos de Winnicott e as apertou, soltando-as depois que se sentiu mais calma e
confiante. Ao passar a crise, Winnicott disse que ela estava revivendo o momento do
nascimento e segurava a cabeça da paciente dizendo que, ao nascer, a criança sente a
cabeça pesada. Essa fala fez sentido para Little porque dizia respeito ao nascimento
de um relacionamento. É um momento em que a angústia se intensifica e o analista
sustenta sua regressão a uma fase primitiva de total dependência. Então, quando fez a
interpretação do caso de Little, ele compreendeu que o passado, apesar de repercutir
no presente em forma de sintoma, já passou. É possível, portanto experimentar os

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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III

sentimentos do passado, no presente, pelo acolhimento do ambiente e do analista – o


holding.

Na clínica winnicottiana, o holding é importante para adultos e crianças que necessitam


fazer uma regressão aos estados de dependência para encontrarem o ponto em
que o ambiente não lhes foi favorável ao desenvolvimento, ao amadurecimento, à
formação de uma personalidade saudável. Segundo Winnicott, uma regressão não
visa necessariamente chegar a um ponto de fixação no desenvolvimento psicossexual.
Esses pontos de fixação são importantes para o desenvolvimento e para o crescimento,
mas não determinam a formação de estruturas psicóticas.

Para entender ainda melhor essa ideia, é importante introduzir os conceitos de holding,
de self verdadeiro e de self falso. Podemos chamar de holding a disposição que uma
mãe tem de amparar as crianças nas suas necessidades. Tendo isso em vista, quando
o holding não é adequado, o self verdadeiro não consegue se desenvolver.

Dessa forma, quando o auxílio materno falha, o falso self surge como uma forma
de defesa do self verdadeiro. Pode-se afirmar que ele se constitui uma forma de
adaptação da criança. Além disso, entende-se que o desenvolvimento desse falso
self está vinculado às tendências antissociais e aos transtornos mentais.

Objeto transicional
O bebê tem com a mãe uma ligação muito forte e, quando se separa dela, entra em
sofrimento psíquico, por isso utiliza um objeto inanimado para suportar essa falta.
Winnicott (1975) esclarece que o objeto transicional não é o primeiro objeto da relação
do bebê com o meio ambiente, mas o primeiro objeto reconhecido como não eu. O
objeto transicional é escolhido livremente pelo bebê, ou seja, não é escolhido por outra
pessoa. É um objeto eleito pela preferência e grau de importância que o objeto tem já
que esse objeto substituirá a mãe ou cuidadora na ocasião de sua falta. No momento
da escolha do objeto transicional, o bebê encontra-se mais maduro, por isso, ele tem
uma noção maior a respeito do mundo externo que o cerca.

Ao escrever a respeito de objetos transicionais, Winnicott (1975) o fez demarcando


as experiências do bebê, situadas entre a sucção do polegar e o brinquedo, entre a
fase oral, em que, segundo Freud, a libido está concentrada na boca e a relação com
o objeto é mais consciente. A satisfação oral é a base para o entendimento do objeto
transicional, pois, ao nascer, um dos primeiros desejos do bebê é saciar a fome, e esse
fenômeno está intimamente relacionado ao seio da mãe ou à mamadeira. Então, a

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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott

oralidade da criança tem um sentido mais amplo do que o sentido sexual abordado
por Freud. O amparo, os cuidados e um bom aleitamento promovem o crescimento
e o desenvolvimento da criança e criam possibilidades para o reconhecimento dela
como um ser independente da mãe.

Figura 12. Objeto transicional.

Fonte: https://www.slideshare.net/AlinaSirbu8/objetos-transicionales.

Ao adotar esse comportamento, o bebê sente-me mais confortável e consegue lidar


melhor com a ansiedade, a frustração e a sensação de perda. Por esses motivos, é
importante que os pais compreendam a relevância do objeto transicional, que pode
ser um cobertor, um brinquedo ou qualquer outro objeto inanimado que faça com
que a criança se sinta segura. Como o objeto transicional substitui a mãe ou o seio, na
sua ausência, é necessário que a mãe tenha sido introjetada pelo bebê, então, ela estará
sempre presente. Se ela tiver sido internalizada, mas sua ausência for excessivamente
prolongada, o bebê esquece a figura materna e o objeto transicional deixa de ser a
simbolização da mãe, portanto não terá a funcionalidade para a qual foi escolhido
(WINNICOTT, 1975).

A funcionalidade do objeto escolhido para elaborar a ausência da mãe nos remete


ao brinquedo que um dos netos de Freud utilizava quando a mãe saía por pequenos
períodos de tempo. Freud (1976, volume XVIII) descreve seu neto como sendo uma
criança que não perturbava os pais à noite, era obediente, era muito ligado à mãe, que
o tomava aos seus cuidados sozinha. Para suas brincadeiras, pegava objetos e os atirava
debaixo da cama, e resgatá-los depois era trabalhoso. Um carretel amarrado a um cordão
foi eleito para o jogo de atirar e puxar. Durante a brincadeira, o menino pronunciava

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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III

arrastadamente um “o-o-o-ó” com interesse e satisfação. Essa expressão parecia


corresponder à palavra alemã “fort” e, em seguida, vinha a palavra “da”, pronunciada
enquanto puxava o carretel, recebendo-o com alegria. Era uma brincadeira de jogar
o carretel para longe, para debaixo da cama e depois puxá-lo. O carretel desaparecia e
aparecia. Ia embora e voltava. “Fort-da”, “fort-da”, “fort-da”: essa era a representação da
mãe que se ausentava e depois retornava, sendo recebida com prazer. Essa brincadeira
auxiliava a criança na simbolização da ausência materna e então, ela conseguia suportar
a falta. Na transição entre frustração e prazer, criam-se condições para suportar a
angústia das experiências vividas fora da segurança dos braços e apoio materno.

Portanto, esses objetos afetivos servem para dar sensação de segurança na hora
do sono, para acalmar a angústia nos momentos em que se acredita ter perdido a
mãe, são mediadores entre as experiências do desamparo, um apoiador do “eu” nas
experimentações do mundo exterior do não eu, por isso, são importantes para a
construção emocional, afetiva e criativa da criança, que, ao enfrentar as ansiedades do
eu, transitam entre o medo de estar só no processo de amadurecimento e a coragem
de ultrapassar os obstáculos do encontro com o não eu.

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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott

CAPÍTULO 2
A Psicanálise tem o direito de ocupar
um lugar no rol das práticas científicas

A Psicanálise é um método desenvolvido por Sigmund Freud (1856-1939) e tem


como objetivo a investigação dos processos mentais inconscientes. O inconsciente
como tendência de uma Psicanálise que abrange indivíduo, cultura e sociedade é parte
fundamental no estudo da interação humana. O reconhecimento do inconsciente foi
um golpe na vaidade do indivíduo, e Freud (1976/1917, p. 336) faz referência a ele
dizendo que “O Eu não é senhor nem mesmo em sua própria casa, devendo, porém,
contentar-se com escassas informações acerca do que acontece inconscientemente em
sua mente”. Em outras palavras, o indivíduo tem dificuldade em reconhecer o que foi
recalcado, e essas dificuldades são “iludidas” pelos sentimentos de convivência, que
deixam escapar as pulsões, isto é, impulsos inconscientes que acessam a consciência
sem que seja possível exercer controle sobre eles.

Sobre isso, Fulgencio (2010) nos diz que:


Para Freud, a psicanálise como ciência é um método de tratamento (FREUD,
1913, p. 99; FREUD, 1923a, p. 183). O método consiste, grosso modo, em trazer
para a consciência do paciente conteúdos inconscientes que estariam na origem
de suas perturbações neuróticas. Isso deve ser feito numa situação específica
que regula a relação médico-paciente, por meio da técnica da associação livre
e da interpretação do que o paciente apresentava ao analista, bem como
da compreensão da relação afetiva (relação denominada transferencial)
que surgia como um fato no decorrer deste tratamento, relação esta que
passava a fazer parte da dinâmica neurótica do paciente. Com isso, Freud
considerava ser possível que o próprio paciente encontrasse as explicações
para os seus sofrimentos, estabelecendo a série, sem lacunas, da rede de suas
determinações psíquicas e, desta forma, ter a possibilidade de modificá-las.

No inconsciente, estão armazenados conteúdos recalcados – elementos dolorosos para


a consciência –, e estes são mantidos no esquecimento. O fato de não serem lembrados
não significa que estejam inertes. Os conteúdos do inconsciente são compostos por
experiências, vivências, introjeção de valores éticos, morais e culturais. Estão em
constante movimento e, por conseguinte, em atividade conflituosa. Desejam manifestar-
se na consciência, mas recebem a censura do supereu – instância responsável pela
filtragem de conteúdos que se exteriorizam na consciência pela ação do eu.

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Observador e cauteloso, Freud interessou-se pelo método no sentido de investigá-lo
cientificamente e o fez sistematicamente em 1889. Foi influenciado por J.F Herbart
(1776-1841), cujas ideias eram muito conhecidas na Alemanha.

Pelas observações realizadas, pelas pesquisas empreendidas por Freud, considera-se que
a Psicanálise tenha sido construída como ciência, pois fazer ciência é criar conceitos,
refazê-los, questionar o que foi escrito, formular hipóteses para novas articulações.
Pesquisam-se as evidências na clínica, quando é o caso, cientificamente. Isso quer dizer
que a Psicanálise não é de cunho ideológico, nem baseada no senso comum. Procura-
se solucionar um problema, analisando os fenômenos pertinentes às questões para as
quais se procura as respostas e, quando estas são encontradas, geram novas dúvidas.
Freud considera que a grande contribuição da psicanálise foi ter tornado
possível um conhecimento científico da vida psíquica (FREUD, 1933, p.
243, Lição 35). É disto que se orgulha ao afirmar que a grande contribuição
da psicanálise à ciência foi a de ter tornado possível que o espírito e a
alma pudessem ser tomados como “objetos da pesquisa científica, exatamente
da mesma maneira que não importa qual coisa estrangeira ao homem”
(FREUD, 1933, p. 243, Lição 35). Para Freud, a psicanálise tem o direito
de ocupar um lugar no rol das práticas científicas, da mesma maneira que
a física, considerando, neste sentido, que a psicanálise não é outra coisa do
que uma ciência natural. Seu objetivo de estabelecer a psicanálise no grupo
das ciências naturais não era apenas um desejo de reconhecimento pessoal,
mas uma condição para sua construção (FULGÊNCIO, 2010).

Freud tornou possível o entendimento científico da vida mental e a possibilidade de


tratamento com o método criado por ele. Também revelou ao mundo a sexualidade
infantil − até então, o que se conhecia era o conceito de uma criança inocente, pura
e assexuada. Então, Freud, com o conceito de inconsciente e a sexualidade infantil,
desconsiderada pela ciência, cria condições para as investigações científicas a respeito
da vida psíquica do indivíduo. Freud (1996, p. 221) escreve:
Também deparamos, porém, com outro achado puramente empírico, na
descoberta de que as experiências e conflitos dos primeiros anos da infância
representam uma parte insuspeitadamente importante no desenvolvimento
do indivíduo e deixam atrás de si disposições indeléveis que se abatem sobre
o período da maturidade. Isso nos trouxe à revelação de algo que até então
fora fundamentalmente negligenciado pela ciência − a sexualidade infantil,
que, da mais tenra idade em diante, se manifesta tanto em reações físicas
quanto em atitudes mentais.

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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott

Figura 13. Sexualidade infantil.

Fonte: https://www.maedegurieguria.com.br/2016/08/sexualidade-infantil-como-lidar-com.html.

Figura 14. Sexualidade infantil.

Fonte: https://educador.brasilescola.uol.com.br/sugestoes-pais-professores/como-falar-as-criancas-sobre-sexualidade.htm.

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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III

Figura 15. Expressão da sexualidade.

Fonte: https://pt.slideshare.net/LeonardaMacedo/expresso-da-sexualidade-infantil-27137840.

Muito teria se perdido se as pesquisas de Freud a respeito da sexualidade, que começa na


infância, não tivessem acontecido. É óbvio que a sexualidade nasce com o ser humano,
porque ela não tem uma data definida para acontecer, como se fosse possível dormir
assexuado(a) e acordar com a sexualidade pulsando no corpo e na mente. Não é possível
conceber a ideia de que os hormônios começam a se reproduzir na adolescência, porque
eles são muito importantes para o desenvolvimento desde a concepção. Eles atuam no
crescimento, no desenvolvimento do cérebro, na diferenciação e maturação sexual.
Eles agem no processo de amadurecimento do corpo de maneira lenta e gradativa.
“Durante a adolescência, embora os hormônios desempenhem papéis individuais, a
interação entre os hormônios gônadas e adrenais com o hormônio de crescimento
torna-se essencial para o estirão de crescimento normal e para a maturação sexual”
(COUTINHO, 2021, s/p).

Nos dias atuais, a sexualidade está sendo discutida nos meios educacionais, familiares,
sociais, mas ainda se encontram posicionamentos condenatórios, críticas ácidas quanto
ao destino que cada um estabelece a respeito de como será conquistado o prazer, seja
no encontro dos corpos, seja nos estudos, no trabalho, numa conversa, numa relação
sexual etc. Cada um destina sua libido para onde lhe melhor aprouver. Em relação a
esse conteúdo, Freud e afirmou que “[...] a sexualidade em cada ser humano, devido
à singularidade da história de cada um, terá um destino particular: não há uma única
maneira que se proponha certa e universal para as manifestações da sexualidade”
(FREUD, 1976, p. 197).

Percebe-se que muito se fala sobre Psicanálise e os pontos de vista sobre esse tema
divergem e se aproximam. Tanto que, em todas as épocas, encontram-se para os
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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott

escritos freudianos autores e/ou teóricos que se espelham em sua teoria para criarem
novas perspectivas, como aconteceu com Winnicott, que se espelhou no método
de tratamento de Freud para criar sua clínica com princípios que atentam para os
processos de maturação desenvolvidos a partir do acolhimento materno ou de alguém
que exerça essa função. A organização psíquica da criança se desenvolve da dependência
à independência e constrói sua identidade a partir de sua individualidade.

Para explicitar esse tema de maneira mais prática e clara, utilizaremos um artigo escrito
por Fulgêncio (2010), em que o autor descreve os principais aspectos do fundamento
da Psicanálise de Freud. Deste modo, é possível que se abranjam os fundamentos da
sua ciência, o sentido e a “importância que ele dá à noção de inconsciente dinâmico, de
sexualidade, ao complexo de Édipo, aos fatos clínicos da transferência e da resistência”
(FULGÊNCIO, 2010).

A seguir, observe os quadros 1 e 2. No primeiro, será possível contemplar os fundamentos


da Psicanálise freudiana. No segundo, será possível observar as reformulações feitas
por Winnicott à Psicanálise de Freud.

A Psicanálise de Freud e seus principais fundamentos

Quadro 1. Fundamentos da Psicanálise freudiana.

a) O inconsciente dinâmico
A consideração de que a vida mental é composta por processos psíquicos conscientes e inconscientes, e que são estes
últimos que caracterizam, verdadeiramente, o que é o psíquico (FREUD, 1900, p. 666), corresponde à “pressuposição
fundamental da psicanálise” (FREUD, 1923b, p. 258), sendo o seu primeiro xibolete (p. 258).
Freud (1912) considerará três sentidos específicos para o termo inconsciente: o descritivo, o dinâmico e o sistemático.
O inconsciente, em termos descritivos, diz respeito ao reconhecimento de processos psíquicos, tais como observáveis
na análise dos atos falhos. O dinâmico, numa acepção complementar a esta primeira, diz respeito ao inconsciente como
um conjunto de elementos da vida mental que se determinam entre si, considerados numa trajetória de vida, e que estão
na gênese dos atos falhos, dos sonhos e dos sintomas. E, por fim, Freud se refere ao inconsciente sistêmico como sendo
uma parte ou instância do aparelho psíquico. Neste caso, apesar de Freud referir-se ao inconsciente como uma coisa,
um substantivo, não estamos mais no campo daquilo que pode ser observado factualmente, dado que este inconsciente
sistêmico é, para ele, tão somente uma ficção teórica (FREUD, 1900, p. 659) utilizada para fins didáticos, e não um
conceito que possa ter um referente empírico que lhes corresponda adequadamente. É neste último sentido que esse
tipo de inconsciente pode ser dito propriamente um inconsciente metapsicológico, ou seja, que está para além do que é
possível acessar pela observação clínica, pela sua psicologia dos fatos clínicos.
Seja lá qual for o sentido considerado, o conteúdo do inconsciente para Freud corresponde a algo análogo ao que existe
nas entidades mentais conscientes (representações, impulsos e desejos), mas que não são conscientes em função da
sua repressão (cf. FREUD, 1915a; 1915b). Esta repressão (Verdrängung), por sua vez, é um mecanismo básico de defesa
contra a angústia, que tem, grosso modo, o ego como seu agente.4 Seria este tipo de ação que estaria na base, pois, da
constituição deste inconsciente. A consideração de uma repressão originária não muda a caracterização dos conteúdos
deste inconsciente, ainda que possa existir uma dúvida quanto ao agente que torna tais conteúdos inconscientes.

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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III

Quadro 1. Fundamentos da Psicanálise freudiana.

A questão de saber a partir de quando ou como surge o ego como agente da repressão não é, em Freud, totalmente clara
ou explícita, mas tem em duas ou três grandes formulações suas referências básicas, a saber: 1. em 1914, no texto sobre o
narcisismo, quando ele afirma que “algo tem de ser acrescentado ao autoerotismo, uma nova ação psíquica, para que se
constitua o narcisismo” (FREUD, 1914a, p. 221); 2. em 1923, no texto “O ego e o Id”, Freud considera que o eu advém do id, por
um processo de diferenciação, por exemplo, quando diz que “um indivíduo é, portanto, para nós, um isso (id) psíquico, não
conhecido e inconsciente, sobre ele se encontra colocado na sua superfície o eu (ego), desenvolvido a partir do sistema-Pcs
como um núcleo” (FREUD, 1923b, p. 261), e continua, mais à frente, “É fácil de perceber que o eu (ego) é a parte modificada
do isso (id) sob a influência direta do mundo exterior por intermédio do Pc-Cs, de certa maneira é uma continuação da
diferenciação de superfície” (p. 269); e 3., ainda, neste mesmo texto, ele expressa sinteticamente sua posição afirmando que
o eu surge dessa diferenciação, marcando um limite entre um dentro e um fora, limite que, em última instância, é identificável
com os limites que o corpo dá marcando um dentro e um fora, ao dizer que “o eu (ego) é antes de tudo um eu corporal, não
é somente um ser de superfície, mas ele mesmo a projeção de uma superfície [nota de Freud: quer dizer: o eu é finalmente
derivado das sensações corporais, principalmente aquelas que têm sua fonte na superfície do corpo. Ele pode, assim, ser
considerado como uma projeção mental da superfície do corpo, mais ainda, como já vimos antes, ele representa a superfície do
aparelho mental]” (p. 270).
b) A sexualidade
A noção freudiana de sexualidade colocou em evidência o significado etiológico desta na constituição da vida psíquica do
homem. À procura de um critério para definição clara do que é a sexualidade, Freud a considerou como sendo uma expressão
psíquica das excitações corporais, cuja finalidade última é a sua descarga, ainda que ele reconheça “não estar ainda em posse
de um sinal universalmente reconhecido que permita afirmar com certeza a natureza sexual de um processo” (FREUD, 1916-17,
p. 331). Ainda que exista uma grande complexidade na obra de Freud para determinar exatamente como e quando as excitações
corporais passam a ter um sentido propriamente sexual para os indivíduos, pode-se afirmar que, para Freud, é na sexualidade e
na repressão desta que repousa a gênese do indivíduo e da cultura.
Certamente a compreensão psicanalítica do conceito de sexualidade está associada à ideia, que Freud apreende de Theodor
Fechner, de que o ser humano é movido pelo princípio do prazer (FREUD, 1920, p. 278). Em 1911, Freud já tinha afirmado que “[o
princípio do prazer designa] a tendência mestra [die oberste Tendez = literalmente, a tendência superior] à qual os processos
primários obedecem” (FREUD, 1911, p. 14).
A introdução, por Freud, na sua segunda teoria do aparelho psíquico, das ideias de Pulsão de Vida e de Morte (reconhecendo
um princípio de funcionamento do aparelho psíquico para além do princípio do prazer) não elimina o princípio do prazer, mas tão
somente o coloca como subordinado a este impulso mais amplo que caracterizaria a pulsão de morte (a tendência a buscar o
maior nível de estabilidade e o menor nível energético do aparelho) (cf. FREUD, 1920, p. 279).
Ao considerar a sexualidade como definível pelas excitações corporais em geral, Freud acabará creditando aos instintos e a
estes dois princípios (o do prazer e o que corresponde à Pulsão de Morte) os dois aspectos gerais motores e reguladores, em
última instância, do funcionamento do aparelho psíquico.
c) O complexo de Édipo
O complexo de Édipo será, para Freud, a referência maior que distinguirá os que podem se dizer psicanalistas dos que não
podem fazê-lo. Em 1920, numa nota de pé de página dos “Três ensaios sobre a sexualidade”, ele o reconhece como sendo “o
xibolete que distingue os partidários da psicanálise de seus adversários” (FREUD, 1905a, p. 170, nota 3, acrescentada em 1920).
Loparic (1997) comenta a centralidade do complexo de Édipo para a Psicanálise de Freud:
Em primeiro lugar, ele [o complexo de Édipo] é o fenômeno principal da vida sexual, por isso elemento essencial da explicação
da vida sexual. Toda a teoria da função sexual é concebida como preparação ou como decorrência da situação edípica. Em
segundo lugar, a estrutura do sujeito é concebida em termos de antecedentes ou de derivações do complexo. Em terceiro lugar,
o complexo de Édipo é o complexo nuclear das neuroses e, de modo geral, das doenças psíquicas. Em quarto lugar, o complexo
de Édipo está na origem da ordem cultural, isto é, da religião, da moral, da sociabilidade, da historicidade, da ordem humana em
geral (p. 377)

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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott

d) Os fatos da transferência e da resistência


Freud considerou que, ao realizar o tratamento psicanalítico de pacientes neuróticos, ocorrem, como fatos gerados
e caracterizados pela própria situação de tratamento, dois fenômenos que, para ele, também servem como pontos
de partida para caracterizar o trabalho do psicanalista diferenciando-o de outros tipos de psicologia clínica:
a transferência e a resistência (FREUD, 1914b, p. 27-28).
A transferência é pensada, por Freud, no quadro da situação de tratamento, como um modo de relação psicoafetiva do
neurótico em relação ao analista. Diz Freud:
Que são as transferências? São reimpressões, cópias das moções e dos fantasmas (fantasias) que devem ser
despertados e tornados conscientes à medida dos progressos da análise; o que é característico da sua espécie é a
substituição pela pessoa do médico de uma pessoa anteriormente conhecida. Noutros termos: toda uma série de
experiências psíquicas vividas anteriormente retornam à vida, não como alguma coisa do passado, mas como uma
relação atual com a pessoa do médico (FREUD, 1905, pp. 279-280)5.
É aqui fundamental reconhecer que Freud está se referindo aos que podem realizar este tipo de ação psíquica, os
neuróticos, e não aos psicóticos, cuja possibilidade de transferência é recusada por Freud.
Por sua vez, a resistência, fato que ocorre junto com a transferência quando, no tratamento psicanalítico, procura-se
“levar os sintomas mórbidos de uma neurose às fontes de onde eles derivam, naquilo que foi vivido [na história de sua
vida do paciente]” (FREUD, 1914b, pp. 27-28), que corresponde a um fenômeno de defesa inconsciente do paciente em
relação à proximidade ou acesso aos conteúdos inconscientes reprimidos, dado que foram retirados da consciência
pelo incômodo ou dor que causavam. Trata-se, pois, da resistência contra o acesso às representações reprimidas.
e) A realidade psíquica
O desenvolvimento do método psicanalítico também levou Freud a considerar que existia uma realidade no interior de
seus pacientes que se sobrepunha à realidade objetiva. O conhecido abandono que Freud fez da sua teoria da sedução
levou-o a supor realidade interior, psíquica, que tem mais valor do que a realidade objetivamente dada. Esta realidade,
diz Freud, “é uma forma de existência especial que não deve ser confundida com a realidade material” (FREUD, 1900,
p. 675). Como comentam Laplanche e Pontalis (1986), ela diz respeito aos desejos inconscientes e aos fantasmas a
eles associados, que se sobrepõem, modificam ou substituem a realidade exterior (p. 549).
Deve-se notar que, para substituir ou mesmo não levar em conta a realidade exterior, é necessário que esta seja
reconhecida como tal, ainda que reconhecida como sem interesse em mantê-la enquanto tal no interior do indivíduo.
Isto estabelece uma precondição, o reconhecimento da realidade externa, como estando na base da formulação do
conceito freudiano de realidade psíquica.

Fonte: Fulgencio, 2010.

De Freud por Winnicott: a Psicanálise e suas


reformulações
Trata-se de um momento importante, visto que o que foi, anteriormente, proposto
por Freud em termos de sentidos, valores e noções ganha um novo olhar: o olhar de
Winnicott. A partir do quadro 2, será possível contemplar as diferenças entre os dois
autores: as transformações, as críticas, as oposições, os novos paradigmas propostos.

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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III

Quadro 2. As reformulações feitas por Winnicott à Psicanálise de Freud: as transformações, as críticas, as oposições, os
novos paradigmas propostos.

a) Expansões do conceito de inconsciente dinâmico


Loparic (2001a), no campo da filosofia e epistemologia da psicanálise, comenta o tipo de crítica que Heidegger fez à noção
freudiana de inconsciente: “Ele [Heidegger] deixa claro ter avistado, aquém da psicologia clínica e da metapsicologia do criador
da psicanálise, um não consciente originário, essencialmente diferente do consciente psíquico, que é um fenômeno derivado”
(p. 129). Neste artigo ele não só analisa que tipo de inconsciente seria este, não passível de ser redutível a “atos psíquicos”,
mas relativo a “modos de perfazimento do elemento central da estrutura ontológica do ser humano, do ser no mundo” (p. 131);
como também afirma que, em Winnicott, teríamos um desenvolvimento conceitual do que seria este tipo de inconsciente não
freudiano: “Em Winnicott, o não consciente originário não é concebido como o reprimido (o que aconteceu, mas não devia) e sim
como o não acontecido (o que não aconteceu, mas precisava)” (p. 137).
Em 2006, Loparic voltará a este tema, afirmando: “Nestes casos [pacientes psicóticos], o inconsciente é algo não mental e
mesmo não psíquico: a dissociação e a cisão não dizem respeito à não aceitabilidade de estados mentais pela consciência
ou pelo intelecto, quer teórico, quer prático, mas à não integração ou, ainda, à desintegração pessoal e/ou psicossomática”
(LOPARIC, 2006, p. 41). Ao comentar esta perspectiva, mostrando que há, em Winnicott, uma mudança de linguagem que
significa, ao mesmo tempo, uma mudança nos próprios referentes das palavras utilizadas, Loparic dirá que este outro tipo de
inconsciente, não acontecido, diz respeito a falhas concebidas “seja como uma parada do amadurecimento seja como uma
perda de aquisições já realizadas” (p. 41).
É esta perspectiva de compreensão da noção de inconsciente que quero colocar em evidência. Ao comentar que tipo de
inconsciente é este ao qual Freud se refere, Winnicott diz que é o que se encontra claramente reconhecível na neurose, ou seja,
naquelas pessoas que funcionam em termos de pessoas inteiras e cujas dificuldades dizem respeito aos seus relacionamentos
interpessoais. Nestes casos, diz Winnicott:
[...] o paciente existe como pessoa, é uma pessoa total, que reconhece objetos como
totais; acha-se bem-alojado em seu próprio corpo e a capacidade de relacionamentos
objetais está bem-estabelecida. Desde este ponto de vista, o paciente encontra-se em
dificuldades, e estas surgem dos conflitos que resultam da experiência de relacionamentos
objetais. Naturalmente, os conflitos mais graves aparecem em conexão com a vida
instintual, isto é, as variadas excitações com acompanhamentos corporais que têm como
fonte a capacidade que o corpo possui de ficar excitado – de modo geral e localizado
(WINNICOTT, 1955d, p. 53).

Para todo ser humano que chegou a ter um eu estabelecido como uma unidade, nestes termos acima descritos, pode, então, ser
posto em andamento um tipo de mecanismo de defesa denominado repressão, constituindo, assim, um inconsciente reprimido:
Esta é a razão pela qual a psicanálise, em sua forma clássica, é um tratamento que lida
com pacientes que têm o ego sadio até o ponto em que lidam com a ambivalência por
meio da repressão e sem um rompimento da estrutura do ego, e o trabalho principal da
análise do paciente com sintomas psiconeuróticos consiste em trazer à consciência o
inconsciente reprimido. Isto é feito mediante a interpretação, dia a dia, do relacionamento
do paciente com o analista, à medida que este relacionamento gradativamente evolui, e,
ao evoluir revela o padrão da própria história do paciente no nível do complexo edipiano
e na idade de 2-3-4 anos (WINNICOTT, 1989vl, p. 57)

No entanto, onde não há um Eu6 assim estabelecido, ou seja, quando não estamos no campo da neurose, também não estamos
no campo deste inconsciente reprimido. Winnicott diz, neste sentido: “Não é possível a uma personalidade cindida ter um
inconsciente, por não haver lugar para ele ficar” (WINNICOTT, 1964h, p. 369); ainda que muita coisa tenha acontecido na
vida da pessoa e isto não esteja propriamente acessível à sua consciência. Winnicott, afirma, então, o tipo de dinâmica em
jogo nestes casos: “onde jaz a esquizofrenia, o analista ou quem quer que esteja tratando o paciente ou administrando o caso
encontra-se envolvido na elucidação de uma cisão na pessoa do paciente, o extremo de uma dissociação. A cisão toma o lugar
do inconsciente reprimido do psiconeurótico” (WINNICOTT, 1986c, p. 152).

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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott

No processo de amadurecimento, antes que um eu, enquanto uma identidade unitária, tenha sido conquistado, um euque possa,
então, agir defendendo-se das angústias que surgem nos relacionamentos interpessoais, há um longo período no qual aquilo
que é vivido não está ainda integrado e colocado em referência a esta unidade. Tudo o que é vivido neste período certamente faz
parte da pessoa, certamente não está acessível à consciência, e certamente não constitui o inconsciente reprimido, mas outro
tipo de inconsciente.
Winnicott diz isto de outra maneira mais conceitual, afirmando que o inconsciente (aqui, o id) só pode existir depois que houver
um eu (ego) que possa constituí-lo como reprimido:
Nos estágios mais precoces do desenvolvimento da criança, portanto, o funcionamento
do ego deve ser considerado um conceito inseparável daquele da

existência da criança como pessoa. Qualquer vida instintiva que possa existir à
parte do funcionamento do ego pode ser ignorada, porque a criança não é ainda
uma entidade viva que tenha experiências. Não há id antes do ego (WINNICOTT,
1965n, p. 55, destaques nossos).

É forçoso, pois, admitir que, para Winnicott, há, ao menos, dois tipos de inconsciente: um, no qual há uma pessoa
integrada, e outro que diz respeito àquilo que ocorre quando não há esta integração. Ao primeiro ele se refere como sendo
o inconsciente reprimido e ao segundo como um inconsciente que diz respeito ao que ocorre numa fase em que não há,
ainda, para o bebê, nenhuma exterioridade possível, em função da sua imaturidade (não integração). Tratar-se-ia, agora,
de procurar analisar que tipo de inconsciente é este, seja no caso do amadurecimento saudável seja nos casos em que
temos desenvolvimentos de patologias associadas a estes tipos de inconsciente. No entanto, o objetivo deste artigo
é apenas marcar esta disparidade entre Freud e Winnicott na compreensão do conceito de inconsciente, deixando o
aprofundamento desta análise para outro artigo.
b) Redefinição do valor e da importância da sexualidade
O reconhecimento de que Winnicott considerou existirem problemas e dinâmicas que não são nem podem ser redutíveis
à sexualidade tem sido comentado por diversos autores. Adam Phillips (1988/2007), por exemplo, fez observações
esparsas nesta direção, comentando que a criatividade do self seria um tipo de “libertação do excitamento físico” (p. 111),
ou ainda, que “a criatividade-primária é pré-sexual” (p. 150); Dias (2003), analisando o amadurecimento como não sendo
redutível ao amadurecimento sexual, afirmou que:
O amadurecimento não diz respeito a funções isoladas mas exatamente à integração
gradual da instintualidade e o desenvolvimento da sexualidade, não é nesse domínio
que o indivíduo se constitui. Existem pessoas que, tendo tido seu amadurecimento
interrompido em fases primitivas, jamais alcançam maturidade suficiente para
padecer dos problemas inerentes à situação edípica. Pela teoria winnicottiana
do amadurecimento, é preciso haver antes um indivíduo para que algo como a
sexualidade humana possa acontecer (pp. 301-302)

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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III

Loparic (2007), por sua vez, procurou mostrar que a sexualidade, para Winnicott, corresponde a uma conquista do
processo de amadurecimento, tendo sua origem em duas raízes distintas: a instintual, na qual os instintos são entendidos
como impulsos biológicos, e a relacional, na qual o que está em jogo são as relações inter-humanas ocorrendo à parte dos
impulsos instintuais. Mais ainda, que tanto a raiz instintual quanto a relacional “são fincadas no chão comum do processo
de amadurecimento e que todos os conflitos do tipo sexual são relacionados ao conflito mais profundo entre o ser e o
fazer, concebidos como problema universal dos seres humanos, inerente nesse processo” (pp. 311-312).
Se, por um lado, Winnicott reconhece a importância da descoberta freudiana da sexualidade infantil, como “um fato
central, infinitamente elaborado e modificado, mas irrefutável” (WINNICOTT, 1947a, p. 167), por outro, ele não considerará
que isto é suficiente (id.). Certamente o corpo está presente desde o início, mas isto não significa que a sexualidade
esteja presente desde o início. Para compreender esta diferença entre os instintos e a sexualidade, é necessário fazer
uma distinção entre a existência dos instintos como um fato presente desde o início do processo de amadurecimento, e a
sexualidade como sendo uma maneira específica de vivenciar a instintualidade, quando a instintualidade, num momento
mais tardio do processo de amadurecimento, está integrada num eu.
Nos casos em que tal integração não ocorreu, ou ainda não ocorreu, os instintos são vividos como vindos do exterior, como
algo que arrasta, empurra ou assola a pessoa. Faz parte do processo de amadurecimento saudável a experiência de viver
os instintos como exteriores ao si mesmo e, só mais tarde, como uma conquista deste processo, vivê-los como integrados
ao self:
Deve-se ressaltar que ao me referir a satisfazer as necessidades do lactente não estou me referindo à satisfação de
instintos. Na área que estou examinando os instintos não estão ainda claramente definidos como internos ao lactente. Os
instintos podem ser tão externos como o troar de um trovão ou uma pancada. O ego do lactente está criando força e, como
consequência, está a caminho de um estado em que as exigências do id [exigências da vida instintual] serão sentidas
como parte do self, não como ambientais (WINNICOTT, 1965n, p. 129; o que está entre colchetes é comentário nosso).
Para Winnicott, a vida instintual não é sinônimo de vida sexual; para ele a possibilidade de estabelecer relações de
objetos de tipo sexual necessita, na verdade, de conjunto extenso de integrações:
A sexualidade humana adulta é resultado de um processo de amadurecimento que
parte de duas raízes em si mesmas não sexuais: excitações corpóreas de todos os
tipos e relações inter-humanas. As aquisições principais realizadas ao longo desse
processo são duas: 1) o desenvolvimento da vida instintual, que consiste

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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott

na elaboração imaginativa de todos os instintos – impulsos de natureza biológica


–, integração desses instintos no si mesmo e nas relações interpessoais, duais,
triangulares ou múltiplas, terminando por estabelecer a sexualidade como o tipo
instintual dominante na fase adulta e 2) o desenvolvimento de características
sexuais não fundadas biologicamente, decorrentes de interrelacionamentos de
diferentes tipos (LOPARIC, 2005, pp. 315-316).

Nesta perspectiva que coloca a sexualidade como uma conquista, teremos também uma mudança na concepção sobre
o fator dinâmico que impulsiona a existência humana. Para Freud, com sua noção de sexualidade como fundamento da
existência humana, é ao princípio do prazer que deveríamos creditar um dos impulsos básicos do existir humano e do
funcionamento do aparelho psíquico. Considerando, agora, a proposta de Winnicott, a afirmação de que o existir humano
é regulado pelo princípio do prazer parece ser questionável.
c) Destituição do princípio do prazer como um princípio básico do funcionamento psíquico
Winnicott aponta para a existência de outros aspectos determinantes no processo de amadurecimento afetivo do ser
humano que não os ligados às excitações corporais e ao princípio do prazer. Ele faz mesmo uma crítica à hegemonia
do princípio do prazer (e seu correlato princípio da realidade) como os determinantes da vida psíquica, afirmando
que a hipótese freudiana de que o ser humano é movido, desde o início, exclusiva mente pelas excitações erógenas
que procuram descarga, nada mais é do que um mito. Diz Winnicott (1968a): “é necessário enxergar através do ‘mito
psicanalítico’ (agora felizmente desaparecendo) de que o período inicial da infância é uma questão de satisfações
relativas à erotogeneidade oral” (pp. 195-196). Nesta mesma perspectiva, ele afirma:
Nos primórdios da psicanálise a adaptação [do ambiente ao bebê ou à criança] só
significava uma coisa, satisfazer as necessidades instintuais da criança. Muitos
erros de interpretação se originaram da lentidão de alguns em entender que as
necessidades de um lactente não estão confinadas às tensões instintivas, não
importa quão importantes possam ser (WINNICOTT, 1965c, p. 82).

De uma maneira mais contundente ainda, não reduzindo a natureza humana a seus impulsos instintuais, ele afirma: “a
psicanálise iria aprender que muita coisa acontece nos bebês que se acha associada com a necessidade, e separada do
desejo e dos representantes (pré-genitais) do id a clamarem por satisfação” (WINNICOTT, 1989xa, p. 242).
Winnicott (1988) introduz, descobrindo aspectos não considerados por Freud, a consideração de que é a necessidade
de ser que fornece um fundamento e motor para a natureza humana (p. 148) (cf. tb. em Winnicott, 1987e, p. 9), uma
necessidade que não é redutível ao princípio do prazer, nem diz respeito às pressões instituais ou ao desejo, são
necessidades de outra ordem. Diz Winnicott: “a psicanálise iria aprender que muita coisa acontece nos bebês que se acha
associada com a necessidade, e separada do desejo e dos representantes (pré-genitais) do id7 a clamarem por satisfação”
(WINNICOTT, 1989xa, p. 142).
d) Reformulação do lugar do complexo de Édipo
A afirmação de que a psicanálise de Winnicott não tem no complexo de Édipo seu problema de referência tem sido
apontada em diversos trabalhos (cf., por exemplo, em Abram, 2008; Dias, 2003; Loparic, 1997b; Phillips, 1988). Não se
trata de desconsiderar a sexualidade e o complexo de Édipo, mas de dar a eles outro lugar e valor, considerando-os como
uma aquisição mais tardia do processo de amadurecimento, para a qual muitas aquisições anteriores devem ter sido
feitas. Ele reconhece, no entanto, que esta é uma das partes fundamentais e necessárias a uma psicologia científica da
infância:
[...] [o complexo de Édipo] permanece ainda hoje como um fato central, infinitamente
elaborado e modificado, mas irrefutável. A psicologia que fosse elaborada na
omissão desse tema central estaria condenada ao fracasso e, portanto, não há como
evitar a nossa gratidão a Freud por seguir avante e proclamar o que repetidamente
averiguara, suportando o choque da reação pública (WINNICOTT, 1947a, p. 167-168)

. A localização cronológica da situação edípica, colocada tanto por Freud quanto por Winnicott, entre os dois e cinco anos
(cf. WINNICOTT, 1947a, p. 167), tem uma importância fundamental, pois, reconhecida esta afirmação, pergunta-se: e
antes deste período, o que ocorre com a criança e com o bebê? Muitas tentativas foram feitas, na história da psicanálise,
no sentido de enxergar um Édipo precoce ou mesmo um Édipo estrutural (estrutura simbólica) presentes antes do período
edípico propriamente dito. Winnicott se oporá a estas tentativas. Ele comenta que a tentativa de compreender tudo o que
ocorria na vida psíquica como um tipo de expressão do complexo de Édipo, ou tendo como dinâmica o que ocorria na fase
edípica, era algo inadequado (WINNICOTT, 1965va, p. 157; WINNICOTT, 1988; p. 67; WINNICOTT, 1958g, p. 32).

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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III

Era difícil, para ele, considerar, por exemplo, que um recém-nascido pudesse fazer todas as distinções que compõem o
cenário edípico e, mais ainda, que adoecesse por causa dos conflitos e angústias advindos de relacionamentos deste tipo
(WINNICOTT, 1965va, p. 157).
Neste sentido, ao criticar diretamente Melanie Klein, Winnicott reafirma sua posição em considerar a fase do complexo
de Édipo como algo que diz respeito aos relacionamentos que ocorrem entre pessoas inteiras, julgando como algo sem
utilidade pensar o Édipo em termos de objetos parciais. Diz Winnicott (1988):
Se vemos a saúde como ausência de doença neurótica (descontada a hipótese
da doença psicótica), então a saúde se estabelece na organização do primeiro
relacionamento triangular onde a criança é impulsionada pelos instintos de natureza
genital recém-surgidos, característicos do período entre os 2 e os 5 anos. É desta
forma que, pessoalmente, interpreto o complexo de Édipo freudiano para os meninos
e o que quer que lhe corresponda nas meninas (Édipo invertido, complexo de Electra
etc.). Acredito que alguma coisa se perde quando o termo “complexo de Édipo”
é aplicado às etapas anteriores, em que só estão envolvidas duas pessoas, e a
terceira pessoa ou o objeto parcial está internalizado, é um fenômeno da realidade
interna. Não posso ver nenhum valor na utilização do termo “complexo de Édipo”
quando um ou mais de um dos três que formam o triângulo é um objeto parcial. No
complexo de Édipo, ao menos do meu ponto de vista, cada um dos componentes do
triângulo é uma pessoa total, não apenas para o observador, mas especialmente
para a própria criança (p. 67).

Winnicott comenta o fato de que muitas pessoas jamais chegam ao Édipo, que se mantêm a vida inteira num modo de
funcionamento que nada tem a ver com o Édipo (cf., p. ex., Winnicott, 1989xa, p. 187). Referindo-se, então, à psicanálise
tradicional e afirmando sua perspectiva de descentramento e relocalização do complexo de Édipo, ele escreve:
A fim de progredirem rumo a uma teoria mais eficiente da psicose, os analistas
devem abandonar inteiramente a ideia de que a esquizofrenia e a paranoia
surgem por regressão do complexo de Édipo. A etiologia desses distúrbios nos
leva inevitavelmente a estágios que precedem o relacionamento de três corpos
(WINNICOTT, 1989xa, p. 191).

É neste sentido que Winnicott apontou tanto para a importância como para a insuficiência da descoberta freudiana: “Se
o fato central do complexo de Édipo for aceito, é imediatamente possível e desejável examinar os aspectos em que o
conceito é inadequado ou impreciso como diretriz para a Psicologia Infantil” (WINNICOTT, 1947a, p. 168). Mais ainda, ele
diz que muitos enganos poderiam ter sido evitados se o que Freud disse sobre o complexo de Édipo tivesse sido tomado
muito mais como uma “compreensão intuitiva de um artista em relação ao conjunto da sexualidade infantil ou Psicologia”
(p. 148) do que a explicação detalhada e madura da vida infantil.
e) Ampliação da noção de transferência e de resistência
Ao dizer quais são os objetivos do tratamento psicanalítico, Winnicott dirá que sempre trabalha tendo em mente o que
seria o funcionamento de uma análise padrão, referindo-se então ao fato de que, no início de um tratamento, ele sempre
se adapta às necessidades do paciente; até mesmo nos casos em que o paciente não necessita propriamente de análise.
Procurando esclarecer o que ele entende por análise padrão, ele escreve: “Isto significa para mim me comunicar com o
paciente da posição em que a neurose (ou psicose) de transferência me coloca” (WINNICOTT, 1965d, p. 152).
Noutro momento de sua obra, ele especificará que há três tipos de pacientes que chegam aos consultórios, apontando,
pois, para três tipos de relações transferenciais: os que “funcionam em termos de pessoa inteira, cujas dificuldades
localizam-se no reino dos relacionamentos interpessoais” (WINNICOTT, 1955d, p. 375), para estes a técnica de
tratamento é a que Freud propôs; os que “a personalidade recém-começou a integrar-se e a tornar-se algo com o qual
se pode contar” (p. 375), para os quais a técnica deve ser um pouco modificada, pois requerem um tipo de tratamento no
qual o paciente precisará experimentar modos de relação com o analista que colocarão como questão a sobrevivência
do tratamento, ou melhor, como diz Winnicott (1955d), a “sobrevivência do analista como fator dinâmico” (p. 375); e,
terceiro caso, os pacientes “cuja análise deverá lidar com os estágios iniciais do desenvolvimento emocional, remota e
imediatamente anteriores ao estabelecimento da personalidade como uma entidade, e anteriores à aquisição do status de
unidade em termos de espaço-tempo” (p. 375), para os quais a técnica ou o método de tratamento difere dos da análise-
padrão, cabendo ao analista se portar tal qual deveria ter sido feito pela mãe-ambiente nas fases mais primitivas

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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott

do amadurecimento, sustentando a situação no tempo, o que implica em dar as condições de setting analítico que
possibilitem ao paciente viver uma situação de dependência e tudo que envolve uma dependência referida aos estágios
mais primitivos do desenvolvimento emocional. Certamente, neste último caso, seria aqui necessário especificar o que
Winnicott estaria propondo, mas aqui também trata-se de apenas indicar a diferença e não de caracterizar no detalhe o
que Winnicott está propondo.
Neste cenário, a noção de resistência também é modificada, uma vez que não se trata mais apenas da reação do
paciente procurando evitar que o inconsciente reprimido venha à tona, mas da busca pelas condições ambientais para
que determinadas situações traumáticas, a rigor, as que interromperam o processo de amadurecimento (cf. WINNICOTT,
1989d), possam ser experienciadas. Estas situações traumáticas não correspondem exatamente a conflitos reprimidos,
mas sim a uma situação de fracasso na relação de dependência (cf. WINNICOTT, 1989d, p. 113). Neste caso o que ocorre
não é uma repressão, mas outro tipo de defesa, no qual a pessoa congela a situação esperando que, no futuro, ela possa
encontrar uma situação ambiental que forneça as condições para que aquela situação traumática possa ser retomada
de tal modo a não aniquilar a pessoa, ou seja, noutras condições de dependência e confiabilidade ambiental. É a isto que
Winnicott se refere quando diz que, em certos casos, o paciente viveu determinadas coisas que não pôde experienciar
(cf. WINNICOTT, 1974). Se há resistência, nestes casos, é a resistência em retornar a uma situação de dependência
ambiental, uma resistência que não pode ser creditada apenas às capacidades internas do paciente, mas depende, em
grande escala, daquilo que o analista-ambiente pode oferecer no contexto do tratamento.
f) Aprofundamento na concepção de realidade psíquica
Em Winnicott é necessário considerar três tipos ou níveis de realidade: a subjetiva, a transicional e a objetivamente
dada (cf. LOPARIC, 1995). Para Winnicott, no início, quando o ambiente (a mãe) se adapta de forma adequada, numa
comunicação com o bebê que faz com que ela (ou quem faz as vezes dela) atenda às necessidades do bebê, então, do
ponto de vista do bebê o mundo aparece e desaparece em função da sua necessidade, ou melhor, é ele quem cria o mundo
que, na verdade, está sendo colocado à disposição pela mãe-ambiente. Não havendo, para o bebê, espaço para uma
realidade não self (WINNICOTT, 1988, Parte IV, cap. 5), tudo com o que o bebê se relaciona, quando ocorre este tipo de
adaptação do ambiente corresponde a ele mesmo; é neste sentido que Winnicott diz: “Psicologicamente, o bebê recebe de
um seio que faz parte dele” (WINNICOTT, 1955c, p. 27). É a compreensão deste período muito primitivo que fará com que
Winnicott crie a noção de objeto subjetivo, o que implica em dizer que, no início, não existe realidade nem externa nem
interna, apenas uma realidade subjetiva.
Em seguida, como parte deste processo de amadurecimento, que não cabe aqui detalhar, haverá um período de transição,
no qual o bebê ou a criança elege objetos que, paradoxalmente, são uma criação sua e algo que ele encontra no mundo
(tendo uma materialidade que o objeto subjetivo não tinha). Winnicott dirá que este tipo de objeto corresponde à
primeira posse da criança, que eles não estão nem dentro nem fora, mas ocupam um espaço no qual estão, ao mesmo
tempo, dentro e fora, unindo e separando o dentro e o fora. Winnicott denominou estes objetos e estes fenômenos como
transicionais. Eles dizem, pois, respeito a outra realidade que, por sua vez, ainda não é nem a realidade interna, nem
externa, nem a subjetiva, mas um outro tipo de realidade, a transicional.
Será o uso destes objetos, bem como uma série de outros acontecimentos, que caracterizará o processo de
amadurecimento que criará as condições para que a realidade externa seja, enfim, reconhecida como tal, ao mesmo
tempo em que, num mesmo golpe, também seja possível existir uma realidade interna diferenciada da externa.
Se, em Freud, temos a noção de realidade psíquica, construída por relação e constatação da realidade externa como
tal, temos que reconhecer que, em Winnicott, estamos ante a outros conceitos de realidade: a subjetiva, a transicional
e, só com o amadurecimento, a realidade externa e a interna que, por sua vez, não chegam propriamente a ocupar todo
o cenário, dado que o ser humano circularia, na sua existência cotidiana, por estes tipos de realidade. Aqui também não
se trata de detalhar como são constituídas e quais as características destas realidades, mas tão somente pontuar sua
existência diferenciando a posição de Winnicott da de Freud.
g) Novidades, sem paralelos em Freud
Há, em Winnicott, uma série de proposições que não têm paralelo em Freud, tais como: a necessidade de ser, a tendência
inata à integração, a solidão essencial, o verdadeiro e falso si mesmo, o elemento feminino puro (relacionado ao SER)
e o masculino puro (relacionado ao FAZER), a noção de elaboração imaginativa, o alojamento da psique no corpo, a sua
concepção de que a mente é um tipo de especialização da psique, a área de ilusão, a noção de objeto subjetivo, a maneira
como ele concebe a importância do ambiente, os objetos e fenômenos transicionais, a noção de espaço potencial, a
concepção de mãe-ambiente e mãe-objeto, a afirmação de que a gênese da psicose está numa falha do ambiente, a teoria
da deprivação e da atitude anti-social, a regressão à dependência, a fase do uso do objeto etc.

Tudo isto nos leva para outro universo linguístico e semântico e, mais ainda, novos fenômenos e novos fatos passam a
existir neste paradigma. É neste sentido que é possível afirmar que há em Winnicott uma teoria do amadurecimento
pessoal que engloba e redescreve a teoria do desenvolvimento da sexualidade de Freud, constituindo um novo paradigma
para a psicanálise (cf. em Fulgêncio, 2007a, uma análise sobre o uso da noção de paradigma na história da psicanálise).
100 Fonte: Fulgencio, 2010.
CAPÍTULO 3
O método e a ciência psicanalítica para
Winnicott

Em sua clínica, Winnicott tomou como um de seus métodos a atividade do brincar.


Ao escrever a respeito da metodologia de Winnicott, Fulgêncio (2008) nos diz que
o método institui um modo considerado como natural [universal] no que tange à
natureza humana, mesmo que existam sujeitos que estejam demasiadamente doentes
e não consigam alcançar a capacidade do brincar, e necessitam, por assim dizer, de
tratamento (WINNICOTT, 1968i, p. 63). Para Winnicott, o brincar se caracteriza da
seguinte maneira:
[...] o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos
relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação na
psicoterapia; finalmente, a psicanálise foi desenvolvida como forma altamente
especializada do brincar, a serviço da comunicação consigo mesmo e com
os outros (WINNICOTT, 1968i, p. 63).

É claro que Winnicott possui ciência de que seu modo de contemplar o brincar não
se trata somente como uma forma de expressar (sublimar) as pressões instintuais
(WINNICOTT, 1968i, p. 60). Quer dizer, o autor busca “chamar a atenção para uma
outra dimensão: não a que se ocupa com a análise dos conteúdos da brincadeira,
mas, aquela que se ocupa com o próprio fato ou a possibilidade de fazer essa ação”
(FULGENCIO, 2008).

Winnicott (1968) entende o brincar como um aspecto universal da natureza humana,


mesmo que, inevitavelmente, alguns indivíduos não estejam diante dessa possibilidade.
“O brincar é, em si mesmo, psicoterápico” (1968i, p. 74), não precisamente pelos
“elementos simbólicos” que difunde ou expressa, mas pelo que é capaz de realizar: “É
no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança ou o adulto fruem da sua liberdade
de criação” (1971r, p. 79).
Winnicott apresenta sua compreensão do brincar como um desenvolvimento
do que ocorre nos fenômenos transicionais (WINNICOTT, 1971r, p. 79).
Para ele, o período da transicionalidade pode ser considerado como o
momento em que a criança começa a se separar da mãe – separação que já
vem se fazendo com o processo do desmame –, a poder substituir a mãe
por alguma outra coisa. No entanto, há condições para que isso ocorra: nas
fases anteriores a esse momento, foi necessário que o ambiente tenha se

101
Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott

adaptado às necessidades do bebê, de maneira tal que este tenha adquirido


uma confiança em si mesmo e no mundo (FULGENCIO, 2008).

A entrada dos objetos transicionais cumpre um papel importante, ele é o símbolo da


mãe, quer dizer, o objeto vem para guardar a “relação de familiaridade que o bebê tem
com a mãe, fazendo as vezes da mãe, desde que ela permaneça sendo, efetivamente,
uma presença para a criança” (FULGENCIO, 2008). Tal presença diz respeito tanto a
uma presença física quanto a uma presença afetiva.
No entanto, se a mãe desaparece por um tempo maior do que o suportável,
mais longo do que aquele em que o bebê consegue mantê-la viva ou presente,
então a importância do objeto transicional é deflacionada, até que este
deixa de ser a mãe criada/encontrada/materializada num objeto e passa a
ser algo externo e sem valor para a criança. Ou então, em sentido oposto,
mas patológico, numa tentativa de negar a morte da mãe, esse objeto é
transformado num objeto fetiche, ou num objeto que visa substituir está
mãe que não está mais lá (do ponto de vista do bebê, a mãe morreu); o
objeto é supervalorizado como sendo a mãe, na tentativa de reencontrar a
mãe desaparecida (FULGENCIO, 2008).

Em suma, não é o objeto que importa, mas sim, o modo como a relação entre objeto-
criança se forma e se relaciona com o mundo. Deste modo, há uma passagem de “um
estado em que não há distinção entre ela e o mundo para um estado em que ela se
relaciona com um mundo que já não é meramente uma projeção dela” (FULGENCIO,
2008). “Não é o objeto, naturalmente, que é transicional. Ele representa a transição
do bebê de um estado em que este está fundido com a mãe para um estado em que
está em relação com ela como algo externo e separado” (WINNICOTT, 1953c, p. 30).

Fulgencio (2008) afirma que é nessa ocasião que emerge a “capacidade do brincar”.
Para Winnicott, trata-se de uma forma em que o ser humano encontra-se consigo
mesmo: “É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto,
pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo
que o indivíduo descobre o eu (self)” (WINNICOTT, 1971r, p. 80). Não obstante, tal
capacidade “não é uma conquista definitiva, mas sempre instável sempre dependente
das condições pessoais e ambientais” (FULGENCIO, 2008).

No que tange a ciência psicanalítica de Winnicott, e ainda sob o respaldo de Fulgencio


(2018), é possível que se ressalte que Winnicott lança a Psicanálise “num quadro
epistemológico muito mais próximo ao que esperava a fenomenologia e a analítica
existencial, para a constituição de uma psicologia científica, do que propusera Freud
com a criação da psicanálise como uma ciência da natureza”.

102
A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III

Acerca da natureza humana, Winnicott diz: “Minha tarefa é o estudo da natureza


humana” (1988/1990, p. 21), “Qual é o estado do indivíduo humano quando o ser
emerge do interior do não ser? Onde fica a base da natureza humana em termos do
desenvolvimento individual? Qual é o estado fundamental ao qual todo ser humano,
não importa sua idade ou experiências pessoais, teria que retornar se desejasse começar
tudo de novo?” (1988/1990, p. 153); “A vida de uma pessoa consiste num intervalo entre
dois estados de não-estar-vivo. O primeiro dos dois a partir do qual emerge o estar-
vivo, dá colorido às ideias que as pessoas costumam ter sobre o segundo” (1988/1990,
p. 154) (FULGENCIO, 2018).
Para Freud, a grande contribuição da psicanálise para a ciência foi ter colocado
a vida da alma para ser compreendida como qualquer outro objeto estrangeiro
ao homem, ou seja, como um objeto natural (1933/2001c, Lição 35). É nessa
direção que ele considera a vida da alma como se esta fosse um aparelho
psíquico. Para Winnicott, no entanto, temos outra ontologia: o ser humano
é constituído e impulsionado pela necessidade de ser e continuar sendo. É no
quadro dessa nova ontologia, recusando pensar o homem tal como se fosse
uma máquina, reconhecendo determinações causais propriamente humanas
(e não redutíveis ou análogas às determinações causais próprias dos sistemas
naturais), que Winnicott considera a psicanálise como uma ciência objetiva
da natureza humana, levando a psicanálise para um quadro epistemológico
diferente daquele utilizado por Freud (FULGENCIO, 2018).

Por fim, é possível observar as diferenças entre os dois teóricos e a forma como estes
constituíram a Psicanálise e enxergam o sujeito.

103
INTERPRETAÇÃO
INVASIVA NA
ABORDAGEM UNIDADE IV
PSICANALÍTICA
WINNICOTTIANA

CAPÍTULO 1
Conhecimentos mútuos do analista e do
analisando no evento da interpretação e
a importância do bom desenvolvimento
para uma interpretação

Para explicitar essa relação, Bertonzzin e Abrantes (2015) apresentam, por meio dos
estudos feitos por Ferenczi sobre os papéis desempenhados por analista-analisando: “Ao
analista cabe apenas explicitar as dificuldades que advirão no tratamento empreendido,
o analisando deve aceitá-los completamente, pois disto depende o sucesso deste”.

De acordo com os autores, não existe nada mais deletério em uma análise do que
uma atitude autoritária, ou seja, as interpretações devem possuir natureza “de uma
proposição do que de uma asserção indiscutível, e isso não só para não irritar o paciente,
mas, também, porque podemos efetivamente estar enganados” (BERTONZZIN;
ABRANTES, 2015).

É possível observar com clareza que o que se propõe a dizer não é a respeito de
uma posição do analista que o coloque num lugar mais do que modesto, pois ele
tem todo o direito de expectar que a interpretação em que se apoiou na experiência
venha a se confirmar em algum momento. Vale dizer que, em boa parte dos casos, o
analisando cede ao se dar conta do acúmulo de evidências. Todavia, “é preciso aguardar
pacientemente que o analisando tome a decisão; toda impaciência por parte do médico
custa ao analisando tempo e dinheiro, e ao médico uma quantidade de trabalho que
teria perfeitamente podido evitar” (BERTONZZIN; ABRANTES, 2015).

104
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV

Ferenczi cita uma frase de um paciente que diz: “elasticidade da técnica analítica”, frase
essa que foi aceita pelo autor.
É necessário, como uma tira elástica, ceder às tendências do paciente, mas
sem abandonar a tração na direção de suas próprias opiniões, enquanto a falta
de consistência de uma ou de outra dessas posições não estiver plenamente
provada. A única pretensão alimentada pela análise é a da confiança na
franqueza e na sinceridade do médico, não lhe fazendo mal algum o franco
reconhecimento de um erro (FERENCZI, 1928/2011, pp. 36-37).

Por fim, Bertonzzin e Abrantes (2015) expressam que “o analista deve abandonar seu
saber e “sentir com” o paciente, mas na realidade tudo isto diz mais do modo como
transmitir o saber adquirido, “adivinhado”, do que sobre seu conteúdo: trata-se, enfim,
de não enfrentar o paciente, “de aliar-se a ele em vez de combatê-lo”. Pode-se observar
uma recém-adquirida relação de “poder” aqui, deixando para trás aquela de “ensino
ou de confrontação”, trazendo à luz uma perspectiva de aliança construída pelo par
analista-analisando, “na direção das opiniões do analista até que estas se provem erradas”.
[...] o principal é manter a confiança do paciente de que seu analista é alguém
sincero e modesto, uma pessoa a quem só interessa a verdade a respeito
de seu paciente, alguém “acima de qualquer suspeita”, que possa cativar e
inspirar confiança (BERTONZZIN; ABRANTES, 2015).

Novamente deparamo-nos com a interpretação em meio a esse vínculo terapêutico


entre os pares analista-analisando, e vale lembrar que, como já abordado nesta apostila,
Laplanche e Pontalis (1981) definem o termo “interpretação” em duas direções que
se diferem: a primeira está ligada à noção de sentido, “fazer emergir (ou liberar,
desembaraçar) pela investigação analítica o sentido latente na fala e nas condutas
de um sujeito”. Já a segunda direção aponta rumo àquilo que o analista comunica ao
analisando e faz com que este obtenha acesso ao sentido latente, ou seja, ao conteúdo
que estava reprimido. “Esta última direção parte de um ponto de vista centrado na
prática clínica do analista, durante a sessão. Penso que seria interessante aprofundar a
questão da interpretação levando em conta esses dois eixos de reflexão” (NETO, 2007).
A interpretação surge da relação íntima que se estabelece para o analista entre
o que diz o paciente e a apreensão de sua contratransferência. Além disso,
essa interpretação deve levar em conta, a meu ver, a globalidade daquilo
que o analista compreende quando se pergunta: “Por que ele me diz isso,
nesse momento e para mim? (NETO, 2007).

Por fim, para explicitar isso, Neto (2007) cita Diatkine (1994) e diz que “só é
possível ao analista responder pelo seu próprio jogo associativo, pois, ele dispõe de

105
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana

uma representação global daquilo que se passa com seu analisando” (DIATKINE,
1994 apud CANELAS NETO, 2007), neste sentido, interpretação que atua como
“trama a suas reações contratransferências, materiais de base de suas cadeias
associativas” (CANELAS NETO, 2007). Ou seja, na relação analista-analisando,
com base no vínculo transferencial e contratransferencial, torna-se possível que as
interpretações sejam feitas e, deste modo, o analisando pode vislumbrar o conteúdo
reprimido que fora, com o manejo do analista, trazido à luz da consciência. Sem
desconsiderar, é claro, a história do analisado que fora verbalizada por ele e que
operou de forma veemente para que o analista pudesse fazer as construções e
verbalizá-las ao paciente.

É possível contemplar, ainda, algo importante e que deve ser diferenciado na Psicanálise:
“pensamento clínico”, termo esse que foi aludido por André Green (2002). O autor
salvaguarda a convicção de que não existe apenas uma teoria da clínica, mas sim um
pensamento clínico, quer dizer, “um modo original e específico de racionalidade
proveniente da experiência prática” (GREEN, 2002, p. 11 apud CANELAS NETO,
2007). Portanto, isso significa que se trata de uma “disposição singular do psiquismo
do analista que incluiria o trabalho de pensamento operando dentro da relação do
encontro com o analisando” (CANELAS NETO, 2007). Deste modo, faz-se necessário
perceber que a clínica não deve direcionar seu olhar apenas ao sujeito que se encontra
em sofrimento, e sim além disso, a clínica deve direcionar-se para aqueles que se
incumbem de escutar tal sofrimento, visto que há uma sensibilidade particular por
parte do analista.
Dessa maneira introduzimos como centrais as questões da transferência e
da contratransferência e o papel das trocas entre o analisando e o analista. O
“pensamento clínico” depende das características do campo no qual o analista
deve trabalhar. Green mostra o paralelo entre o “enquadre” psicanalítico e
o modelo do sonho, aquele criando uma situação analógica com o sonho.
Essa situação seria a forma ideal para o trabalho do pensamento clínico.
Mas Green lembra que atualmente é frequente que o analista tenha de fazer
modificações nesse modelo” (CANELAS NETO, 2007).

Para explicitar acerca do “enquadre”, Green (2002) divide o termo em duas partes:

» “matriz ativa”, que se constitui pela associação livre do sujeito, pela


escuta/atenção flutuante e pela neutralidade do analista. É importante
ressaltar que essa primeira parte representa o “coração da ação analítica”.

106
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV

» “fração variável”, que se forma por meio das questões variáveis e convencionais
que ocorrem no enquadre, tais como: o analista sentar-se atrás ou frente a
frente com o paciente, questões sobre pagamentos, quantidades de sessões,
duração delas, questões que envolvem faltas, desmarcações e remarcações,
entre outras convenções pertinentes.

Assim sendo, o pensamento clínico é resultado “de um trabalho mútuo de observação


e de auto-observação dos processos mentais utilizando o canal da palavra” (CANELAS
NETO, 2007). Green (2002) diz que “a psicanálise transforma o aparelho psíquico em
aparelho de linguagem”. No movimento analítico, acontece “um retorno a si, por meio
de um desvio pelo outro”.
O trabalho de pensamento clínico coloca em relação, por meio da linguagem,
duas formas que essa última mantém com o psiquismo. Uma primeira que
é constituída pelas relações entre pensamento consciente e pensamento
pré-consciente, ambos indissociáveis da linguagem. E uma segunda forma,
que buscaria estabelecer relações entre pensamento consciente e pré-
consciente de um lado e de acordo com Green, “as conjecturas sobre o
pensamento inconsciente, o qual não tem a mesma relação de dependência
às representações de palavra, mas se apoia nas representações de coisa”
(CANELAS NETO, 2007).

Para Canelas Neto (2007), com base nas proposições de Green, a ideia de “pensamento
clínico” é evidenciada por meio dos “diferentes processos de relação entre os diversos
regimes de funcionamento das instâncias psíquicas”. Green encontrava-se com o
pensamento acerca do assunto já desenvolvido e trazia à luz essa concepção “com o nome
de processos terciários, os quais se caracterizam essencialmente pelo estabelecimento
de ligações, num vai e vem permanente entre os dados do processo primário e os do
processo secundário” (CANELAS NETO, 2007).

A associação livre cumpre, como já se sabe, um papel fundamental na clínica psicanalítica


e é importante destacar que, para que o pensamento clínico possa acontecer, é necessário
que haja uma confiança na associação livre, “a qual necessita que haja o que Bion chamou,
emprestando o termo de Keats, de ‘capacidade negativa’” (CANELAS NETO, 2007).
Referindo-se, deste modo, a uma “tolerância necessária ao negativo” e principalmente,
ao “não saber”. À vista disso, é substancial que o analista esteja atento às ameaças e riscos
para o processo analítico ocasionados pelo “estabelecimento de pensamentos que seria
como uma tradução simultânea interpretativa do que o paciente fala ou faz”. Canelas
Neto (2007) faz um importante apontamento e chama atenção para a importância no
conceito de “perlaboração”, que atua “como atividade que retarda essa tendência a uma

107
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana

precipitação interpretativa. A análise passa pela colocação em palavras e percorre seu


caminho por uma via lenta”.

Considerando os pontos abordados por Canelas Neto e Green, é possível articular


“que é desejável que a interpretação surja como uma emergência da latência onde ela
se mantinha” (CANELA NETO, 2007). Tal latência, em que estava a interpretação,
aproxima-se da noção de “vazio como vacuidade”. Canelas Neto (2007) trata essa
vacuidade como um vazio que “é potencialmente habitado por sentidos que estão a
ponto de serem colocados em forma”. Já Green aponta “sobre esse movimento, em
positivação do negativo ou colocação em forma da virtualidade”.
Dentro desse movimento [de positivação do negativo], o pensamento
não articulado do inconsciente, ao se enunciar, se articula e, por esse fato,
se limita. Limitando-se, ele se torna apreensível; ele talvez tenha perdido
uma parte de seu dinamismo, mas adquiriu uma precisão que o tornou
comunicável e manipulável pelo pensamento, em suma, ele acedeu a um
estatuto de linguagem (GREEN, 2002, p. 31).

Sabe-se que a escuta do analista se relaciona com suas noções acerca do âmago do
inconsciente ou do id, bem como com suas concepções teóricas e metapsicológicas.
Para Canelas Neto (2007), “não há escuta neutra e despojada de influência teórica”. Em
contrapartida, deve-se rememorar que existe um hiato entre “teoria e prática clínica”
que é “impossível de preencher e que deve ser mantido assim”. No mais, a teoria nunca
deverá se justapor completamente à clínica, tampouco encobrir a amplificação de seu
campo, da mesma maneira que não deverá a clínica ser operada sem as construções
teóricas. Canelas Neto (2007) nos diz que “é essa incerteza e esse hiato entre teoria e
clínica que permitem o pensamento clínico”.
A disposição particular da escuta do analista e a possibilidade de o pensamento
clínico se desenrolar na análise levam a uma abordagem indireta do psiquismo,
o qual dá somente sinais para o analista. Em sua escuta, dentro de uma reserva
de silêncio, o analista abre seu inconsciente às ressonâncias do inconsciente
do analisando. Mas essa comunicação “direta”, em vaso comunicante, só
pode se tornar pensamento (pensamento clínico) se houver um terceiro
que escuta o que os dois outros se dizem e entendem entre eles (CANELAS
NETO, 2007).

Faz-se necessário que se conserve no decorrer da análise “a tensão entre esses dois
polos”:

» o da ressonância entre os dois inconscientes;

108
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV

» do pensamento clínico.

O primeiro provoca o analista direcionando-o para que este “entre” no dito “terreno
de jogo da transferência”. É nesse ponto que há uma “suspensão da realidade, como
no teatro”. Foi Winnicott quem se colocou mais próximo do pensamento elaborado
por Freud por intermédio de sua “concepção do brincar e do espaço transicional”
(CANELAS NETO, 2007)

No que tange à noção de pensamento clínico, Canelas Neto (2007) observa que há a
inclusão de um terceiro. Esse terceiro, de um modo particular, permite que o analista saia
de uma relação mal delimitada ou que tenha caráter simbiótico para com o analisando,
e, assim, este pode incorporar alocuções que venham a ter valor interpretativo. Esse
terceiro opera por meio de movimentos discretos, por exemplo, quando o analista
aponta sinais do que escuta e apreende. Desse modo, o analista faz os apontamentos
até que o paciente obtenha uma compreensão e percepção de suas repetições, e assim,
ele traz à luz novos âmbitos de significações que recobriram o que fora vivenciado por
ele na experiência analítica. O analista, em outros momentos, consegue estabelecer
conexões entremeio a duas sequências diferentes da fala manifesta do analisando, o
que, indubitavelmente, poderá propiciar o emergir para novas percepções.

Existem condições idealmente esperadas para que o analista faça uma interpretação e
elas têm ser explicitadas de modo claro. Primeiramente e sem surpresas, é inegável que a
interpretação não deve ser considerada uma verdade absoluta acerca do inconsciente; a
interpretação pode e deverá ser revista a cada vez que algo no aspecto do funcionamento
psíquico do analisando seja trazido à luz.

Em algumas ocasiões da análise, o paciente traz algum aspecto de seu discurso que se
repete em diferentes momentos da sessão e, nesse instante, é possível que o analista use
da fala do analisando para “criar uma nova maneira de arranjar esses elementos da fala
do analisando” (CANELAS NETO, 2007). Tal rearranjo é capaz de criar e mobilizar
o mundo interno do paciente, seja pela via da denegação, pela via do repúdio ou de
aceitação. Amiúde, essas intervenções, de acordo com Canelas Neto (2007) recaem
“sobre o pré-consciente e tem como efeito desencadear novas associações que estavam
potencialmente presentes na fala do paciente”.

Canelas Neto (2007) diz que, levando em conta a elaboração secundária do sonho como
uma primeira tentativa de interpretação do sonho, diz Freud: “Certos sonhos sofreram
uma profunda elaboração realizada por uma função psíquica análoga ao pensamento

109
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana

em vigília; eles parecem ter um sentido, mas esse sentido é o que há de mais afastado
da significação do sonho...” (FREUD, 1900).

Há um tipo significação veiculada pela interpretação, e, para explicitar melhor isso,


Diatkine (1994) evidencia um dos objetos da interpretação que vem a ser a junção
dos diferentes estádios da libido e, principalmente, sobre o papel da genitalidade e a
bissexualidade no que tange à integração a pré-genitalidade, ou seja, assim que um
sujeito entra em análise, sua identidade “repousa na integração dentro do sistema
genital da oralidade e da analidade, as quais só se exprimem em referência aos termos
narcísicos fálicos”.

Canelas Neto (2007) aponta, com base em Diatkine, que a pré-genitalidade “supõe
em geral uma relação de possessão total e de insuportável aniquilamento do outro,
enquanto a genitalidade se liga à constância do desejo e à conservação do objeto”. Desse
modo, é possível considerar que a articulação entre essas formas de funcionamento
psíquico é objeto da interpretação psicanalítica.

Canelas Neto (2007) evidencia, ainda, que:


A situação analítica, com seu convite ao paciente para não criticar seus
próprios pensamentos, leva-o a reencontrar uma descontinuidade, que
podemos relacionar à descontinuidade psíquica do bebê que passa, no primeiro
ano de vida, de uma descontinuidade de estados psíquicos (agradáveis ou
desagradáveis) a uma continuidade trazida na tensão psíquica em direção do
objeto. O trabalho do analista com suas aproximações e associações permite
ao paciente vislumbrar uma nova trama de sua continuidade (CANELAS
NETO, 2007).

É certo que existe o momento certo para que o analista faça uma interpretação.
Canelas Neto chama esse momento de timing. É necessário que o psicanalista busque o
momento oportuno para verbalizar a interpretação, evitando chegar a interpretações
apressadas ou imediatas. Prudência e cuidado são palavras que devem ser consideradas
nesse momento do processo.

Canelas Neto (2007) aponta dois tipos de efeitos na hora da interpretação:

» “pelo fato de mostrar ao paciente, se for pertinente, que um outro sistema,


diferente daquele que ele conhece, pode organizar sua atividade mental”;

110
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV

» “[...] é que o paciente possa descobrir em seguida novas ligações, isto


é, as palavras do analista possam se articular de forma mediata com as
representações de palavra e de coisa do analisando”.

Em uma construção feita por Canelas Neto citando Diatkine, ele nos diz que os
apontamentos do analista constituem elementos importantes na análise e é possível
considerar, por vezes, que a “interpretação ideal só se fará quando os processos
inconscientes já tiverem perdido sua imperiosa necessidade”. Como engendrou Diatkine
(1994), “a conclusão desse trabalho a dois que é a perlaboração, muito mais do que o
veículo de uma verdade que acabaria por ser convincente”.

O texto “Construções em análise”, escrito por Freud em 1937, diz: “A interpretação


define uma maneira de tratar um elemento singular do material, tal como uma associação
ou um lapso. Mas é uma construção que fazemos quando expomos ao sujeito um
fragmento de sua pré-história [...]” (FREUD, 1937/1985, p. 273).

Canelas Neto (2007) aponta que não se deve “colocar em oposição os


termos interpretação e construção, pois ambos são o produto de um trabalho
interpretativo”.
[...] a interpretação está do lado do esclarecimento do funcionamento da
psique e que a construção estaria do lado do deciframento de sua estrutura. A
construção questiona uma mise en scène da fantasia que é efeito da estrutura do
desejo inconsciente e caracteriza a história libidinal do sujeito. A interpretação
do elemento singular coloca à luz do dia a singularidade de uma escolha que
nos remete a uma história que não tem mais nada de universal (AULAGNIER,
1986, p. 88 apud CANELAS NETO, 2007, s.p.).

Ao citar Aulagnier (1986), Canelas Neto aponta a existência de “uma permanente


inter-relação entre interpretação e construção na análise”, ou seja, a construção feita
concede ao sujeito a possibilidade de interpretar alguns elementos de sua vivência atual
como repetição de algo que fora, então, vivenciado no passado. Presente e passado se
transpassam e se repetem. “A interpretação é o que vai lhe permitir remodelar segundo
uma nova arquitetura uma parte das construções com as quais ele conta para si mesmo
a história de sua infância” (AULAGNIER, 1986, p. 88).

111
CAPÍTULO 2
A importância de Freud e Winnicott na
interpretação

A interpretação para Freud


Laplanche e Pontalis apontam, no Vocabulário da Psicanálise, dois caminhos para
designar o termo “interpretação”:
Destaque, pela investigação analítica, do sentido latente nas palavras e nos
comportamentos de um sujeito. A interpretação traz à luz as modalidades do
conflito defensivo e, em última análise, tem em vista o desejo que se formula
em qualquer produção do inconsciente. b) No tratamento, comunicação
feita ao sujeito, visando dar-lhe acesso a esse sentido latente, segundo as
regras determinadas pela direção e evolução do tratamento (LAPLANCHE,
1967, p. 245).

Além disso, uma nota complementa a definição explicitando que: “A interpretação está
no centro da doutrina e da técnica freudianas. Poderíamos caracterizar a psicanálise
pela interpretação, isto é, pela evidenciação do sentido latente de um material”
(LAPLANCHE, 1967, p. 245). Ou seja, a interpretação é entendida como o âmago
da Psicanálise freudiana, que, de todo modo, tem como objetivo empreender uma
comunicação ao sujeito que manifeste o conflito defensivo e o desejo que está recalcado
e é formado em uma produção do inconsciente.

Freud considera que o sujeito é possuidor de uma psique, isto é, um local onde estão
alocadas as representações. Sipahi (2006) diz que, “na consciência ou no pré-consciente,
essas representações organizam-se em cadeias de atos psíquicos conectadas em relações
temporais e causais”. Quando há, por algum motivo, a ocorrência de conflitos psíquicos
ligados à censura interna, tais cadeias são descontinuadas, ou seja, elas acabam sendo
interrompidas e os conteúdos dirigem-se direto para a inconsciência do recalcado, visto
que há uma ruptura na ligação entre “as representações por imagens e por palavras,
ocasionando lacunas nas cadeias de atos psíquicos” (SIPAHI, 2006). Visto isso, é
possível afirmar que a interpretação busca operar num trabalho de recuperação para
com a ligação das representações e trazer a luzo material que fora, então, recalcado à
consciência, podendo, assim, traduzir as imagens em palavras. Neste ponto, fica clara
a acepção da interpretação, que, em seu sentido amplo, opera para que o conteúdo
recalcado e que se torna enigmático venha a ser desvelado.

112
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV

É como se o distúrbio psíquico fosse um enigma a ser solucionado mediante


a recuperação dos sentidos dos sintomas. A interpretação, nesse caso, é o
trabalho de resolver o enigma. A palavra dá sentido às imagens enigmáticas,
solucionando os mistérios do analisando e curando-o de seus sofrimentos. A
verdade revelada pela solução do enigma constitui a biografia do analisando,
a qual pode ter caráter real ou fictício (fantasia), permitindo sua continuidade
em melhor uso das forças libidinais, liberadas pela cura analítica (LOPARIC,
1999c, p. 352).

O que precisa, ainda, ser ressaltado relaciona-se com o que Freud dizia: o inconsciente
recalcado é verbalizável, ou seja, a interpretação constitui verbalização dos conteúdos
inconscientes. Portanto, é partindo desse pressuposto que a principal (e, diga-se de
passagem) fundamental regra da psicanalítica é “diga tudo que lhe vem à mente”, pois
se conjectura “que o inconsciente é dizível e isso significa, nesse caso, verbalizável”
(LOPARIC, 1999c, p. 341). Em vista disso, é importante que se fale acerca da “substituição
do hipnotismo pela regra da associação livre, pois a interpretação carrega consigo o
caráter catártico da hipnose, isto é, a liberação dos afetos” (SIPAHI, 2006).
É também importante observar o que se torna, na teoria freudiana, objeto
da interpretação. De início a interpretação visa revelar um acontecimento
traumático esquecido. Posteriormente, com o desenvolvimento da teoria,
passa a buscar revelar um desejo recalcado, como também a resistência, a
qual é resultante das mesmas forças que atuaram no recalcamento. Assim,
a tarefa da interpretação é tanto a revelação do desejo recalcado como a
revelação da resistência (SIPAHI, 2006).

Freud considerava a interpretação em si uma arte, visto que o analista se utiliza de seu
próprio inconsciente e de sua habilidade para trazer à luz os conflitos inconscientes
do sujeito e assim, ele pode os trazer à luz (FREUD, 1910, p. 95). É necessário que
se ressalte a necessidade de que tal comunicação seja feita de forma cuidadosa, pois é
por meio dela que o analista busca combater as resistências do paciente, ao invés de
operar para deixá-las ainda mais fortes. Para que isso não ocorra, Freud propõe que o
analista observe duas condições, “sem as quais a comunicação não deve ser realizada”
(SIPAHI, 2006). A primeira diz respeito à preparação do paciente para que este tenha se
aproximado suficientemente do conteúdo que fora reprimido. A segunda diz respeito à
transferência, ou seja, à ligação do analista-analisando, de modo que tal relação afetiva
impeça uma possível fuga: “Somente a estrita observância destas duas condições torna
possível descobrir e dominar as resistências que conduziram à repressão e à ignorância”
(FREUD, 1910, p. 212).

113
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana

A interpretação para Winnicott


Quando Winnicott escreveu um texto sobre interpretação, datado de 1989, ele buscou
apresentar sua maneira de compreender esse tema. É possível constatar que “desenvolve,
de modo pessoal, os diferentes aspectos da interpretação, entre eles a necessidade de
sintonia com a localização do paciente em seu processo de desenvolvimento emocional”
(SIPAHI, 2006). Além disso, é possível vislumbrar que, em seu ponto de vista acerca da
interpretação, os aspectos centrais são análogos ao que diz Freud sobre interpretação.
As semelhanças são: a) a verbalização do analista que reconheceu má
comunicação feita pelo sujeito: “O propósito da interpretação deve incluir
um sentimento de que o analista tem de que foi feita uma comunicação que
precisa ser reconhecida” (1989o, p.164); b) a construção de um insight: [...]
as interpretações fazem parte de uma construção de insight (1989o, p.165).

A partir disto, é possível agora compreender que tais aspectos apontam para o que
vem a definir a interpretação para Winnicott. Isto é, “a verbalização (pelo analista)
de uma comunicação do paciente, proporcionando um insight” (SIPAHI, 2006). Sendo
assim, pode-se dizer que essa definição compreende as modificações do instrumento
baseadas nas alterações que Winnicott implementa na Psicanálise.

Winnicott demonstra, a partir de comentários significativos, que os aspectos postulados


por ele diferem-se da interpretação freudiana. Primeiramente, o autor compreende
que, por vezes, o conteúdo que fora interpretado possui relação com as experiências
primitivas da vida do sujeito. Assim, a interpretação opera no sentido de concatenar
fragmentos da realidade psíquica do sujeito a acontecimentos vivenciados anteriormente,
ou seja, “a interpretação relaciona o fenômeno específico da transferência a uma
parcela da realidade psíquica do paciente, e isso significa em alguns casos relacioná-la
ao mesmo tempo a uma parcela da vida passada do paciente” (1960a, p. 146).

Winnicott também compreende que a interpretação representa o que foi comunicado


pelo sujeito. Tal comunicação advém uma parte do paciente e, quando verbalizada
pelo analista, é capaz de alcançar a totalidade da sua personalidade, viabilizando, assim,
a integração do conteúdo que fora revelado. A vista disso, “o insight é construído na
relação paciente/analista, e não apenas pelo analista, mesmo que sua participação
seja imperativa para devolver a comunicação ao paciente, de modo que este possa
utilizá-la” (SIPAHI, 2006). Winnicott discorre:
O princípio que estou enunciando neste momento é que o analista reflete
de volta o que o paciente comunicou. [...]. Se este princípio muito simples
é enunciado, ele imediatamente precisa de elaboração, e sugiro que precisa

114
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV

de elaboração do seguinte tipo: na área limitada de transferência de hoje,


o paciente tem um conhecimento exato de um detalhe ou de um conjunto
de detalhes. É como se houvesse uma dissociação pertencente ao lugar a
que a análise chegou hoje. É útil lembrar que, desta maneira limitada ou
posição limitada, o paciente e pode estar dando ao analista uma amostra da
verdade, isto é, de algo que é absolutamente verdadeiro para o paciente, e
que, quando o analista o devolve, a interpretação é recebida pelo paciente
que já emergiu, até certo ponto, desta área limitada ou condição dissociada.
Em outras palavras, a interpretação pode ser mesmo dada à pessoa total,
enquanto que o material para a interpretação derivou apenas de uma parte
da pessoa total. Como pessoa total, o paciente não teria sido capaz de ter
fornecido o material para a interpretação (WINNICOTT,1989o, p.164).

Sipahi (2006) nos diz que a citação acima aponta em direção ao que a interpretação
possibilita, que dizer, numa percepção que, por vezes, o analisando não possui recursos
para construir por si só, necessitando do analista para acessar o não sabido. Em diversos
momentos, é necessário que a interpretação seja verbalizada para o analisando, pois este
“precisa de algo a mais do que precisar de algo mais do que tem em si para perceber”
(WINNICOTT, 1989, p. 68). De todo modo, é importante haver clareza no sentido de
que o sujeito em análise sabe sobre o que se passa dentro de si e caberá, portanto, ao
analista trazer a consciência e ajudar o sujeito a se sentir capaz de aceitar sua condição.
Winnicott (1969) diz que “o princípio é que é o paciente, e somente ele, quem tem as
respostas. Nós podemos ou não capacitá-lo a abranger o que é conhecido ou tornar-se
ciente disso com aceitação”.

De acordo com Sipahi (2006) Winnicott expõe “a possibilidade de liberação emocional


como resultado da interpretação que permite acessar novos elementos, sendo relacionada
a uma melhora clínica”. Ao descrever sobre um caso clínico, ele relata: “Aconteceu que,
neste caso, a paciente conseguiu utilizar esta interpretação, e produziu dois exemplos
[...]. Desta maneira, a paciente obteve liberação emocional e houve uma acentuada
mudança clínica para melhor” (1989o, p. 166).

Existe outro ponto a ser salientado, e este se refere, de acordo com Sipahi (2006),
à interpretação, visto que ela tem como objetivo propiciar “a integração do que foi
percebido ao conjunto da personalidade, ampliando, dessa forma, a própria personalidade
e a possibilidade de uso de seus diversos elementos”. Para Winnicott, “é esta integração do
ego que me interessa e satisfaz particularmente (embora não deva ser para me satisfazer
que ocorra)”. Para o autor, é satisfatório fitar a capacidade crescente do analisando,
visto que ele consegue, então, agrupar “tudo dentro da área de sua onipotência pessoal,
incluindo até verdadeiros traumas” (WINNICOTT, 1965d, p.154).

115
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana

Sipahi (2006) aponta que Winnicott traz questões acerca do “conhecimento teórico e
técnico que o analista precisa ter”, pois é por meio desses conhecimentos que o analista
consegue reconhecer e atender “às necessidades relacionadas aos aspectos profundos ou
centrais da personalidade do paciente, quando este se torna capaz de trazer questões que
vão possibilitar interpretações mutativas”. Ou seja, Winnicott aponta diretamente em
direção à importância da “experiência e o treino do analista que inclui o conhecimento
do desenvolvimento emocional, a fim de permitir transformações no paciente”. A
respeito disso, cito Winnicott:
Embora seja o paciente que está todo o tempo ensinando o analista, este
último tem de ser capaz de saber, teoricamente, a respeito dos assuntos que
interessam aos aspectos mais profundos ou centrais da personalidade, para que
não fracasse em reconhecer e a atender novas exigências à sua compreensão
e técnica quando, finalmente, o paciente torna-se capaz de trazer questões
profundamente enterradas para a interpretação mutativa (1971va, p. 134).

Interpretação como holding


Sipahi (2006) relata que “Winnicott propõe que algumas intervenções são importantes
não pelo conteúdo trazido à consciência, mas pela atitude do terapeuta”. Tais intervenções
são chamadas de interpretação como holding. Estas compreendem sua fundamental
importância pautada em “encontrar no terapeuta um ambiente favorável ao acolhimento
das ansiedades vividas, à integração dos elementos trazidos à consciência, à sustentação
do verdadeiro self e ao desenvolvimento emocional”.

Para explicitar melhor o que foi dito acima, cito Winnicott em seu texto de 1968:
Um analista está trabalhando, e o paciente está verbalizando, e o analista
interpretando. Não é bem uma questão de interpretação verbal. O analista
sente que no material que lhe é apresentado pelo paciente há uma tendência
que pede verbalização. Muita coisa depende da maneira como o analista
usa palavras, e, portanto, da atitude que se oculta por trás da interpretação
(1968d, p. 85).

Das inúmeras maneiras que se pode citar a interpretação como holding, Sipahi (2006)
diz que uma delas está relacionada “à interpretação que sinaliza ao paciente que a
compreensão do analista é limitada, o que acontece quando a interpretação é errônea
ou não vai ao centro da questão”. Winnicott pontua: “eu retenho certa qualidade
externa, por não acertar sempre no alvo ou mesmo estar errado” (1965d, p. 153). À
vista disso, o paciente percebe que o analista não consegue alcançar a compreensão
da totalidade, e assim, começa a se salvaguardar de um “sentimento persecutório que

116
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV

poderia surgir se imaginasse o analista com uma compreensão total a seu respeito”.
Ademais, diante das limitações do analista, o sujeito é capaz de aprimorar a expressão
do que foi experiência e pode, também, chegar por si mesmo ao insight. Pensando
por essa via, o analista opera na direção de devolver o sujeito capaz de compreender
e aceitar o que identifica em si (SIPAHI, 2006).
Acho que interpreto principalmente para deixar o paciente conhecer os
limites da minha interpretação. O princípio é que é o paciente, e somente
ele quem tem as respostas. Nós podemos ou não capacitá-lo a abranger o
que é conhecido ou tornar-se ciente disso com aceitação (WINNICOTT,
1969, p. 171-172).

Concomitantemente, de acordo com Sipahi (2006), em uma situação diferente,


“torna-se importante não perder de vista que uma interpretação no momento oportuno
é fundamental para que o paciente sinta que deseja ser compreendido pelo analista”.
Nesses casos, é mais favorável que o analista faça “uma interpretação errônea do
que não interpretar”. Em outras palavras, nesse ponto, o que está em xeque não é a
efetividade da interpretação, mas sim a criação de um ambiente em que o analisando
possa se sentir “sustentado por um analista que procura compreender e acolher”
(SIPAHI, 2006). Sobre o assunto, Winnicott diz:
O fato de o paciente haver produzido o material especificamente para
interpretação concede ao terapeuta a confiança de que a interpretação é
necessária e que é mais perigoso não interpretar do que interpretar. O
perigo é que o paciente sinta-se confirmado na crença de que ninguém quer
entender. [...] Uma menina de dez anos me disse: ‘Não importa que algumas
das coisas que o senhor diz estejam erradas, porque eu sei quais são as certas
e quais as erradas (WINNICOTT, 1968, p. 248).

Winnicott complementa dizendo ainda:


O que importa ao paciente não é a acuidade da interpretação, mas sim o
desejo do analista de auxiliar, a capacidade do analista de se identificar com
o paciente e assim acreditar no que é necessário e satisfazer as necessidades
logo que estas sejam indicadas verbalmente ou em linguagem não verbal
ou pré-verbal (WINNICOTT, 1958, p. 112).

No que se refere à interpretação como holding, é importante que se considere um ponto


bastante relevante, já que esta necessita do cuidado para não sobrepesar o analisando
com excesso de interpretações. É primordial que o analista cuide e atente-se para
que o analisando lide com uma questão por vez. Nesse contexto, é fundamental que
o analista priorize a fala do paciente, observando o que foi verbalizado por ele, ao

117
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana

invés de interpretar apressadamente todo o conteúdo externado por este. Sobre isso,
Winnicott diz:
Um dos princípios mais importantes da técnica psicanalítica é o deque o
contexto é fornecido a fim de que o paciente possa lidar com uma coisa de
cada vez. Nada é mais importante em nosso trabalho do que a tentativa de
perceber qual é a coisa específica que o paciente traz para ser interpretada
ou revivida a cada sessão. Um bom analista limita suas interpretações e
seus atos ao elemento exato trazido pelo paciente. Não é boa a prática de
interpretar tudo aquilo que se acredita haver compreendido, agindo a partir
das próprias necessidades, e desse modo jogar fora a tentativa do paciente
de sair-se bem, lidando com uma coisa de cada vez (WINNICOTT, 1958,
p. 275).

De acordo com Sipahi (2006), “o que caracteriza uma interpretação como holding é o
fato de esta criar um ambiente suficientemente bom que colabora para que o analisando
possa abandonar as organizações defensivas e se experimentar como si próprio”. O autor
aponta que, embora não se trate precisamente de uma interpretação, visto que esta não
promove insight, ela fica, de todo modo, estritamente vinculada ao ato interpretativo
do analista. Sipahi (2006) completa dizendo que, “nesse modo de intervenção, a atitude
do analista conta mais que a acuidade da interpretação, pois inaugura a cada vez o
ambiente protegido”. A partir dessa atitude, o analisando conseguirá experienciar um
ambiente seguro e confiável, promovido e sustentado pelo analista, que se coloca à
disposição para escutar e conhecer suas necessidades, temores, amores, desejo e tudo
o que forma a história do sujeito. Com base nos apontamentos feitos pelo analista, o
analisando poderá chegar a “uma compreensão de que naquele ambiente ele estará
seguro e resguardado do que o amedronta, percebido em suas necessidades e a espera
do que há demais pessoal: seu verdadeiro self” (SIPAHI, 2006).

Não interpretação
Winnicott aborda, também, sobre a não interpretação como sendo um dos aspectos
da interpretação. Parece confuso, mas a questão é que, em alguns momentos, o autor
atenta-se para a relevância de o analista se calar para que o analisando consiga alcançar
por si mesmo aos preciosos insights em sua análise. “Tal atitude evita a possibilidade do
paciente se submeter ao terapeuta e promove um contexto no qual pode ser criativo,
expressando-se através de seu verdadeiro self” (SIPAHI, 2006).

O trabalho de Winnicott está sempre pautado em sua teoria do amadurecimento


emocional e à sua classificação de distúrbios, e é claro que com a interpretação não poderia

118
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV

ser diferente. Isto é, ao que se entende acerca das questões levadas pelo analisando, ele
abrange “a compreensão de seu desenvolvimento emocional e do tipo de distúrbio que
apresenta”. Deste modo, ao fazer uma interpretação, o analista responde às necessidades
do sujeito que se referem a esses motivos. Sipahi (2006) diz que, “quando estes não são
reconhecidos, corre-se o risco da interpretação não ser assimilada e ser experimentada
como uma nova intrusão do ambiente, provocando novo trauma”. É nesse ponto que
Winnicott chama a atenção para “o perigo de interpretar sem atentar ao distúrbio e
à condição maturacional do paciente” (SIPAHI, 2006).

Por fim, é importante dizer que a interpretação na teoria winnicottiana difere-se


significativamente do que é a interpretação freudiana. Sipahi nos diz que:
Isso se deve à mudança de paradigma realizada por Winnicott, que vai alterar
toda a estrutura interna da teoria psicanalítica, bem como seu problema
central e sua teoria guia. Mesmo assim, a definição de interpretação em
Winnicott mantém semelhança em seus aspectos centrais à interpretação
tradicional: a verbalização (pelo analista) de uma comunicação do paciente,
proporcionando insight (SIPAHI, 2006).

A interpretação winnicottiana relaciona-se “à localização dos pacientes no


desenvolvimento emocional e aos distúrbios apresentados” (SIPAHI, 2006). Assim
sendo, ela não se limita tão somente às manifestações dos conflitos internos que
resultaram dos desejos de ordem sexual e suas proibições. Carece, ainda, que ela cuide,
também, “das intrusões e seus efeitos, e colaborar na disposição de um ambiente
suficientemente bom aos pacientes, que permita integrar seus diversos elementos e
abandonar as organizações defensivas” (SIPAHI, 2006).

Além disso, na teoria de Winnicott, a interpretação leva em consideração os seguintes


sentidos:

» solução de enigmas (não apenas de tipo freudiano);

» cuidado.

Ou seja, a interpretação winnicottiana traz um sentido amplificado em relação à


Psicanálise de Freud.

119
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana

Interpretação e sua relação com a Teoria do


Desenvolvimento Emocional
Quando trazemos à luz o trabalho da análise, com base em Winnicott, esta está
constantemente ligada à sua teoria do amadurecimento emocional e à classificação de
distúrbios. Não há distinção quando se trata da interpretação. Em outras palavras,
Sipahi (2006) aponta que “a compreensão das questões trazidas pelo paciente abarca a
compreensão de seu desenvolvimento emocional e do tipo de distúrbio que apresenta”.
Deste modo, quando o analista faz uma interpretação, ele consegue operar no sentido
de “atender às necessidades do paciente referi esses fatores”.
Quando estes não são reconhecidos, corre-se o risco da interpretação não
ser assimilada e ser experimentada como uma nova intrusão do ambiente,
provocando novo trauma. Dessa forma, Winnicott alerta para o perigo de
interpretar sem atentar ao distúrbio e à condição maturacional do paciente
(SIPAHI, 2006).

Interpretação nas psiconeuroses


Para explicitar essa questão, Sipahi comenta que, para Winnicott, as psiconeuroses,
ou, melhor dizendo, as neuroses e depressões reativas apontam em direção à relação
da repressão dos conflitos engendrados durante as dificuldades da vivência instintual
do sujeito, “seja no quadro das relações triangulares (neuroses), seja nos problemas da
integração dos impulsos instintivos amor/ódio na relação dual bebê/mãe (depressões
reativas)” (SIPAHI, 2006).

Quando falamos em sujeitos neuróticos, é importante que tenhamos em vista que


estes gozaram de “um bom início de vida do ponto de vista do desenvolvimento
emocional” (SIPAHI, 2006). As questões problemáticas que envolvem o neurótico
relacionam-se diretamente com os conflitos intrapsíquicos do sujeito, isto é, elas se
alicerçam a partir de uma posição triangular, que tem como decorrência a formação
de conteúdos recalcados. Nesse sentido, de acordo com Sipahi (2006), para o sujeito
neurótico, “a interpretação de caráter tradicional que revela os conflitos e acessa os
conteúdos reprimidos à consciência funciona muito bem”. Em seu texto de 1963,
Winnicott propõe que os neuróticos, quando estão em análise, carecem de um manejo
baseado na técnica clássica, ou seja, a partir da interpretação da ambivalência na
transferência. De forma mais específica, Winnicott (1965) diz que “a psicanálise clássica
pode ser realizada em casos neuróticos bem escolhidos simplesmente pela interpretação
da ambivalência, à medida que esta vem à tona na neurose da transferência”.

120
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV

No que tange aos sujeitos deprimidos, Sipahi aponta, com base em Winnicott, “que
o trabalho deve levar em conta o estudo do ódio e da agressão em uma apreciação do
mundo interno pessoal e seu intercâmbio com a realidade externa (compartilhada),
considerando ainda os mecanismos de introjeção e projeção”.
Verifica-se que os fatores internos benignos e persecutórios dependem, na
sua origem, das experiências instintivas e de seus aspectos satisfatórios e
não satisfatórios. Aqui, estamos em um momento em que tais fenômenos
acontecem dentro da configuração de uma relação dual bebê/mãe e ainda não
há a triangulação edípica. Entretanto, as principais organizações defensivas
desse momento são a repressão e a inibição do ódio e da agressividade
que impede, em algum grau, a conquista da integração dos instintos à
personalidade (SIPAHI, 2006).

Para explicitar de maneira mais prática e clara o que foi abordado acima, Winnicott
descreve brevemente um atendimento feito a uma menina com sintomas de depressão
e, a partir desse caso clínico, poderemos observar um exemplo de interpretação ligada
aos sujeitos psiconeuróticos. Winnicott (1964) considera este “um caso simples de
depressão aliada à psiconeurose”. A analisanda dispunha de um desenvolvimento
emocional em que foi possível alcançar a condição para formar relações interpessoais
triangulares, o que poderá ser visto em uma cena edipiana clássica, “mas que sua
problemática tem como principais características a repressão aliada à inibição de
instintos e à modificação do humor, situando sua origem no estágio do concernimento
e confirmando o diagnóstico de depressão” (SIPAHI, 2006).
A seguir, observe os quadros 3 e 4. O quadro 3 traz o quadro clínico descrito por
Winnicott, e o quadro 4, a contemplação feita por Sipahi.
Quadro 3. Quadro clínico descrito por Winnicott.

Caso Clínico – Um caso simples de depressão aliada à psiconeurose


Uma garota de quatorze anos foi trazida ao Hospital Infantil Paddington Green por causa de uma depressão séria o suficiente
para fazer com que seu desempenho escolar se deteriorasse. Numa entrevista psicoterapêutica (uma hora), a garota descreveu
um pesadelo no qual sua mãe havia sido atropelada por um carro. O chofer do carro tinha um boné, como o de seu pai.
Interpretei para ela que seu intenso amor pelo pai explicava a ideia da morte da mãe, enquanto ao mesmo tempo havia uma
relação sexual representada em termos violentos. A garota viu que a razão para o pesadelo era a tensão sexual e o amor.
Aceitou o fato de seu ódio em relação à mãe, a quem era muito dedicada. Seu humor mudou. Foi para casa livre da depressão e
tornou-se capaz de apreciar novamente a escola. A melhora perdurou.
Esse é o tipo mais simples. Quando se sonha e se recorda um sonho, relatando-o de modo apropriado, isso por si só já é uma
indicação que o sonhador é capaz de enfrentar as tensões internas envolvidas no sonho. O sonho também indica força do ego, e,
além disso, o conteúdo do sonho deu uma amostra da dinâmica da realidade psíquica interna, pessoal, da garota.
Aqui se poderia falar de ódio reprimido e de desejo de morte na posição heterossexual, conduzindo a uma inibição dos impulsos
instintuais. O que é característico, no entanto, seria omitido nesta linguagem, ou seja, o humor, a sensação de falta de vida na
moça. Se ela ficasse viva, sua mãe sairia ferida. Trata-se de um sentimento de culpa operando preventivamente (WINNICOTT,
1964e, p. 63).
Fonte: Winnicott, 1999.

121
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana

Agora, relato no quadro a seguir a correlação feita por Sipahi do caso clínico junto
aos escritos de Winnicott:

Quadro 4. A análise feita por Sipahi: contemplando as interpretações.

Análise feita por Sipahi (2006) através dos escritos de Winnicott:


Nesse caso, Winnicott observa que a principal questão estava relacionada ao impulso agressivo dirigido à mãe, fazendo
surgir uma preocupação com sua sobrevivência: “Se ela ficasse viva, sua mãe sairia ferida” (1964e, p. 63). Provavelmente essa
preocupação tem origem à época da relação dual bebê/mãe no estágio do concernimento, onde a menina teria experimentado
certa dificuldade da mãe em tolerar seus impulsos agressivos.
Assim, a interpretação A − “Interpretei para ela que seu intenso amor pelo pai explicava a ideia da morte da mãe, enquanto
ao mesmo tempo havia uma relação sexual representada em termos violentos” (1964e, p. 63) − possibilita à menina entrar em
contato com o ódio dirigido à mãe, entendendo ser consequência do amor dirigido ao pai. Essa referência do ódio vinculado ao
amor torna o impulso agressivo tolerável para a menina, de modo que possa integrá-lo em si. Dessa forma, alcança a melhora
clínica que modifica seu humor: “Foi para casa livre da depressão e tornou-se capaz de apreciar novamente a escola” (1964e, p.
63).
Esse exemplo permite observar o que está em jogo na interpretação relacionada às psiconeuroses. Consideramos que há dois
pontos importantes: (1) A compreensão do conflito. Ou seja, a compreensão do problema encontrado na situação triangular
das neuroses ou na situação dual das depressões reativas. No caso relatado, o problema consistia na dificuldade de a menina
tolerar o impulso agressivo dirigido à mãe. (2) O cuidado do problema ou a resolução do conflito. Naturalmente, em alguns
casos, a simples compreensão do conflito é suficiente para sua resolução. Entretanto, em outros, o analista deve agir de forma
a facilitar a solução do conflito. Mais uma vez, voltando ao caso, o que permitia à menina tolerar o impulso agressivo dirigido
à mãe foi a percepção de que esse impulso estava vinculado ao amor dirigido ao pai. Desse modo, podemos observar como a
interpretação realizada por Winnicott traz em si os dois pontos destacados acima: a compreensão do conflito e sua solução, ou
seja, a dificuldade de tolerar o impulso agressivo e a modificação do quadro pela compreensão do ódio vinculado ao amor.
Como se pode apreender desse exemplo clínico, a interpretação winnicottiana não se altera em relação à interpretação clássica
para os casos de psiconeuroses. Winnicott entende que deve interpretar o conteúdo recalcado, resultante dos conflitos com
origem na relação triangular nas neuroses ou na relação dual bebê/mãe nas depressões reativas. Tal interpretação mantém
o mesmo sentido da interpretação freudiana de resolução de enigmas: o analista decifra o conflito e traz à luz o material
reprimido, permitindo assim a melhora clínica do paciente. Além disso, a intervenção realizada por Winnicott atende aos
requisitos do que vem a ser para ele uma interpretação. Ou seja, o surgimento de um insight pela verbalização do analista de
uma comunicação do paciente.
Fonte: Sipahi, 2006.

Interpretação nas psicoses


Diferentemente dos neuróticos, que possuem um bom início de vida do ponto de vista
do desenvolvimento emocional, os psicóticos são sujeitos que possuem dificuldades
relacionadas à vida primitiva, isto é, não c o n s e g u e m alcançar a integração em um
eu ou n ã o alcançam uma integração suficiente. Além da diferença apontada acima,
há outra questão que diz respeito ao surgimento das questões problemáticas que datam
do “período pré-objetal, pré-representacional e pré-simbólico”, em outras palavras,
trata-se de um período em que a relação objetal ainda não existe e, por conseguinte,
“conflitos interpessoais, nos quais não há representação e simbolização e, por isso,
mundo interno ou inconsciente”. Ademais, neste período em questão, a verbalização
não atinge ao que se espera, por se tratar de uma “conquista posterior à origem dos
problemas, de modo que restringe a interpretação” (SIPAHI, 2006).
122
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV

Desse modo, o manejo do analista nas psicoses se direciona, sobretudo, ao holding:


No terceiro grupo [psicóticos] incluo todos aqueles pacientes cuja análise
deverá lidar com os estágios iniciais do desenvolvimento emocional, remota
e imediatamente anteriores ao estabelecimento da personalidade como
uma entidade, e anteriores à aquisição do status de unidade em termos de
espaço-tempo. A estrutura pessoal não está ainda solidamente integrada. A
respeito desse terceiro grupo, a ênfase recai mais frequentemente sobre o
manejo, e por vezes passam-se longos períodos em que o trabalho analítico
normal deve ser deixado de lado, o manejo ocupando a totalidade do espaço
(WINNICOTT, 1955, p. 375).

Não obstante, Winnicott dá seguimento à interpretação junto aos sujeitos psicóticos.


Contudo, e com base em Sipahi (2006), “o que é possível observar nessa interpretação
não está relacionado às proibições de desejos, e sim aos conflitos surgidos a partir das
intrusões e privações vividas pelos pacientes”. Sendo assim, para fins de esclarecimento,
Winnicott aponta que a interpretação feita, por vezes, ganha a forma ao ser pronunciada
e que, por conseguinte, é capaz de reconhecer o que foi experienciado durante
as sessões. Winnicott (1971) explica:
Nessa parte específica do trabalho do terapeuta, as interpretações têm mais
a natureza de uma verbalização de experiências no presente imediato da
experiência da consulta; e o conceito de interpretação como verbalização
do consciente nascente não se aplica exatamente aqui (WINNICOTT, 1971,
pp.163-164).

Portanto, é possível afirmar que essa não é a única maneira possível. De acordo com
Sipahi, “as interpretações relacionadas às psicoses devem atender ao fato de que tais
pacientes experimentaram uma intrusão ou um padrão de intrusões que resultou
na interrupção da sua continuidade de ser e impossibilitou o atendimento às suas
necessidades maturacionais”.

Deste modo, o atendimento deve voltar-se em direção ao cuidado com as possíveis


“consequências dessas intrusões” e, ainda, buscar atender às necessidades dos analisandos,
propiciando uma sustentação efetiva, consentindo para reaquistar o processo de
amadurecimento. A partir desse pressuposto, observa-se que as interpretações precisam
operar num sentido para reconhecer as consequências desses movimentos intrusivos,
o ambiente inicial não sustentado e suas características e, ainda, as necessidades que
envolvem esse sujeito a partir de uma comunicação que se atrela a um relacionamento
ambiental junto ao analista, “no qual o paciente pode contar com as condições necessárias
para abandonar as organizações defensivas, integrar a personalidade cindida ou os

123
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana

elementos dissociado se recuperar o processo de desenvolvimento emocional” (SIPAHI,


2006).

Será possível observar, a partir do caso clínico descrito a seguir por Winnicott como
ocorre esse atendimento.

A seguir, observe os quadros 5 e 6. O quadro 5 traz o quadro clínico descrito por


Winnicott, e o quadro 6, a contemplação feita por Sipahi.

Quadro 5. Caso clínico F.M.

Caso Clínico F.M.


Proponho iniciar por um exemplo clínico, referente ao tratamento de um homem de meia idade, casado, com família, e
bem sucedido em uma das profissões liberais. A análise progrediu ao longo das linhas clássicas. O homem havia tido uma
longa análise e não sou, de maneira alguma, seu primeiro psicoterapeuta. Um grande trabalho já foi feito por ele e por
cada um de nós, terapeutas e analistas, por nossa vez, e muita mudança foi ocasionada em sua personalidade. Mas ainda
existe algo que ele afirma tornar-se impossível parar. Sabe que o que veio buscar não foi atingido. Se tenta realizar as
perdas, o sacrifício ser grande demais.
Na fase atual desta análise, chegou-se a algo que é novo para mim e tem a ver com a maneira pela qual estou lidando com
o elemento não masculino em sua personalidade.
Certa sexta-feira o paciente veio à análise e fez seu relatório de maneira muito semelhante ao atual. O que me
impressionou nesse dia foi que o paciente estava falando a respeito da inveja do pênis. Utilizo este termo de modo
pensado e tenho de admitir o fato de que ele era apropriado aqui, em vista do material e da apresentação deste.
Obviamente a expressão “inveja do pênis” não é costumeiramente aplicada na descrição de um homem.
A mudança pertinente a esta fase específica aparece na maneira pela qual manejei isso. Nesta ocasião particular, disse-
lhe: − Estou escutando uma garota. Sei perfeitamente que você é homem, mas estou escutando uma garota e falando com
uma. Estou-lhe dizendo: Você está falando sobre inveja do pênis.
Quero enfatizar que isto nada tem a ver com homossexualidade.
(Foi-me apontado que minha interpretação, em cada uma das suas duas partes, poderia ser imaginada com a relacionada
ao brincar e, até onde possível, afastada da interpretação autoritária que é vizinha da doutrinação).
Ficou-me claro pelo efeito profundo que causou a interpretação, que minha observação fora de alguma maneira
adequada e, em verdade, eu não estaria relatando este incidente neste contexto se não fosse pelo fato de que o trabalho
iniciado nessa sexta-feira na realidade resultou em um círculo vicioso. Eu me acostumara a uma rotina de bom trabalho,
boas interpretações, bons resultados imediatos e, depois, à destruição e à desilusão que se seguiam a cada vez, por
causa do reconhecimento gradual, pelo paciente, de que algo fundamental permanecera imutado; havia este fator
desconhecido que mantivera este homem trabalhando em sua própria análise por um quarto de século. Viria o seu
trabalho comigo ter o mesmo destino que o realizado com os outros terapeutas?
Nesta ocasião, houve um efeito imediato, sob a forma de aceitação intelectual e alívio, e, depois, efeitos mais remotos.
Após uma pausa, o paciente disse: “Se eu fosse falar a alguém a respeito dessa garota, seria chamado de louco”.
A questão poderia ter sido deixada repousar aí, mas fico contente, em vista dos acontecimentos subsequentes, por ter
ido em frente. Foi minha observação seguinte que me surpreendeu e fechou a questão. Eu disse: “Não é que você tenha
contado isto a alguém; sou eu que vejo uma garota e escuto-a falar, quando, na realidade, há um homem no meu divã. O
louco sou eu”.
Não tive de elaborar este ponto, porque ele deu no alvo. O paciente disse que agora se sentia são em um meio ambiente
louco. Em outras palavras, fora agora liberado de um dilema. Como disse subsequentemente: “Eu mesmo nunca poderia
dizer (sabendo ser homem): sou uma garota. Não sou louco assim. Mas você o disse, e falou para ambas as partes de mim”.
A loucura que era minha capacitou-o a ver-se como uma garota desde a minha posição. Ele próprio sabe que é homem e
nunca duvida sê-lo.

124
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV

É evidente o que estava acontecendo aqui? De minha parte, precisei passar por uma profunda experiência pessoal para
chegar à compreensão que sinto agora haver atingido.
Este estado complexo de coisas possui uma realidade especial para este homem porque ele e eu fomos impulsionados
à conclusão (embora incapazes de prová-la) de que sua mãe (que não vive mais) viu um bebê menina quando o viu bebê,
antes de vir a pensar nele como menino. Em outras palavras, este homem teve de se ajustar à ideia dela que seu bebê
seria e era uma menina. (Fora o segundo filho, e o primeiro também fora menino). Temos boas provas, provindas da
análise, de que no manejo inicial, a mãe o segurava e dele tratava por todos os tipos de maneiras físicas como se não
conseguisse percebê-lo como masculino. Com base neste padrão, ele dispôs posteriormente as suas defesas, mas era
a “loucura” da mãe que via uma menina onde existia um menino, e isto fora trazido diretamente para o presente por eu
haver dito: “O louco sou eu”. Nessa sexta-feira ele foi embora profundamente comovido e sentido que está fora a primeira
mudança significativa em análise em longo tempo (embora, como já disse, tivesse havido um progresso contínuo no
sentido de um bom trabalho sendo feito) [...]” (pp. 134-136).

Fonte: Winnicott, 2005.

Agora, relato, no quadro a seguir, a correlação feita por Sipahi do caso clínico junto
aos escritos de Winnicott:

Quadro 6. Correlação feita por Sipahi.

A interpretação B:
Nesta ocasião particular, disse-lhe: − Estou escutando uma garota. Sei perfeitamente que você é homem, mas estou escutando
uma garota e falando com uma. Estou-lhe dizendo: você está falando sobre inveja do pênis (1971va, pp.134-136).
E a interpretação C:
“Não é que você tenha contado isto a alguém; sou eu que vejo uma garota e escuto-a falar, quando, na realidade, há um homem
no meu divã. O louco sou eu” (1971va,p.134-136).
Mostram-nos vários aspectos da interpretação winnicottiana voltada aos pacientes psicóticos. Em primeiro lugar, com a
interpretação B, Winnicott faz uma descrição do que percebe no paciente: um homem com um comportamento feminino. Essa
descrição feita com o cuidado de preservar sua condição masculina − “Sei perfeitamente que você é homem” (1971va, p.134-
136) − permite ao paciente entrar em contato com a estranheza do elemento feminino em si, fazendo entender que tal elemento
não teve oportunidade anterior para ser considerado: “o paciente disse: ‘Se eu fosse falar a alguém a respeito dessa garota,
seria chamado de louco’” (1971va, pp. 134-136).
Com a interpretação C, Winnicott novamente preserva a condição masculina do paciente e assume perante ele a
responsabilidade pela presença do elemento feminino: “Sou eu que vejo uma garota e escuto-a falar, quando, na realidade, há
um homem no meu divã. O louco sou eu” (1971va, pp. 134-136). Ao fazer isso, muitas coisas acontecem. Por exemplo, Winnicott
permite que o paciente se observe na relação com o ambiente, de modo que a percepção do paciente antes voltada a si próprio
se direciona para o relacionamento ambiental: ele no ambiente.
Além disso, Winnicott assume uma posição ambiental que repete, para o paciente, o ambiente vivido no início da vida e
relativo à origem de seu problema, ou seja, um ambiente inicial que vê um indivíduo masculino como um indivíduo feminino:
“ele e eu fomos impulsionados à conclusão (embora incapazes de prová-la) de que sua mãe (que não vive mais) viu um bebê
menina quando o viu bebê, antes de vir a pensar nele como menino” (1971va, p. 134-136). Ao mesmo tempo, ao assumir a
responsabilidade pela loucura do ambiente, Winnicott acolhe a ansiedade do paciente com relação ao elemento feminino.
Assim, o paciente revive a condição ambiental relacionada à origem de seu problema, ao mesmo tempo em que é sustentado
por Winnicott, na dedicação à compreensão de seu distúrbio, na preservação de seu verdadeiro self (sua masculinidade) e no
acolhimento da ansiedade experimentada.
Podemos observar que Winnicott proporciona ao paciente uma dupla experiência. De um lado, assume um posicionamento
que retoma o ambiente inicial desfavorável relacionado à origem do problema. Do outro, assume um posicionamento que
fornece um ambiente sustentador. Diante dessa dupla ambiência (má e boa) o paciente pode reviver a situação traumática de
modo a suportá-la e contê-la em si, e com isso abandonar a organização defensiva (uma dissociação), integrando o elemento
dissociado. Ao mesmo tempo, chega à compreensão de seu problema, percebendo sua origem em um ambiente louco,
liberando-o assim de um dilema: “O paciente disse que agora se sentia são em um meio ambiente louco. Em outras palavras,
fora agora liberado de um dilema” (1971va, pp. 134-136).

125
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana

Ao se posicionar com o um ambiente favorável, Winnicott oferece ao paciente um ambiente semelhante ao que teria sido
necessário à época da situação traumática. Ou seja, o paciente foi privado de um ambiente que o compreendesse e o cuidasse
como homem, impedindo um desenvolvimento emocional saudável. Portanto, ao confirmar sua masculinidade e relacionar o
elemento feminino à loucura do ambiente, Winnicott atende à necessidade maturacional da qual o paciente havia sido privado,
que permanecia congelada na doença. Podemos dizer que, dessa forma, Winnicott chega a um dos pontos mais importantes
do trabalho na análise com pacientes psicóticos: atender às necessidades maturacionais que permaneceram não atendidas ao
longo do tempo, com o resultado das intrusões e privações traumáticas.
Assim, o somatório desses fatores permite ao paciente uma melhora importante e a sensação de uma mudança significativa na
análise: “Nessa sexta-feira ele foi embora profundamente comovido e sentindo que esta fora a primeira mudança significativa
em análise em longo tempo” (1971va, pp.134-136).
Podemos destacar, nesse exemplo, os principais aspectos da interpretação relacionada aos distúrbios psicóticos: (1) A
compreensão da origem do distúrbio. No caso descrito acima, essa origem está ligada ao fato de o ambiente inicial haver
cuidado do paciente com o um bebê feminino e não como um bebê masculino. (2) O estabelecimento de um ambiente analítico
que retoma ou faz referência direta à situação ambiental traumática original e, ao mesmo tempo, sustenta o paciente para
tolerar o trauma em si. Esse enquadre também permite que o paciente observe a situação traumática original do ponto de vista
da relação ambiental: ele no ambiente. Assim, no caso relatado, o paciente revive a situação de um ambiente que o vê como uma
menina de uma maneira em que pode tolerar o trauma, porque o ambiente se responsabiliza pela inadequação do fato. Além
disso, ao observar a situação traumática de um novo ponto de vista, no qual se vê em um ambiente inadequado, compreende
que a estranheza do elemento feminino não nasceu em si. (3) A sinalização, pela interpretação, da oferta de um ambiente
empenhado em atender às necessidades maturacionais do paciente, mantidas ao longo do tempo por conta das intrusões e
das privações traumáticas. Desse modo, no caso dado, Winnicott não apenas confirma a masculinidade do paciente como dá
oportunidade para o elemento feminino. Atende dessa forma às necessidades do paciente com relação à masculinidade e ao
elemento feminino: “‘Eu mesmo nunca poderia dizer (sabendo ser homem): sou uma garota. Não sou louco assim. Mas você o
disse, e falou para ambas as partes de mim’” (1971va, pp.134-136).
Verificamos ainda que ambas as interpretações realizadas por Winnicott, no caso apresentado, vão ao encontro de sua
concepção de interpretação: a verbalização de uma comunicação do paciente, propiciando insight.”
Fonte: Sipahi, 2006.

Interpretação na tendência antissocial


De acordo com Sipahi (2006), a tendência antissocial relaciona-se aos sujeitos que
“alcançaram a integração em um e ou uma integração incompleta e que sofrer de privação,
ou seja, a perda repentina do ambiente sustentador”. Estes possuem comportamentos
antissociais que demandam “a responsabilidade do ambiente na deprivação, e contam
com a esperança de recuperar a sustentação e a confiabilidade ambientais perdidas”.
O atendimento aos casos da tendência antissocial é principalmente um
trabalho de administração. Isso significa prover um ambiente suficientemente
bom contínuo, a fim de que os pacientes possam recuperar a confiabilidade
ambiental. Também deve avaliar as deprivações sofridas, como ambiente
assumindo a responsabilidade por suas falhas, para que os pacientes possam
tolerar os traumas e, a partir do reestabelecimento do ambiente favorável,
recuperar o desenvolvimento emocional (SIPAHI, 2006).

Nesse tipo de caso, é importante que nos atentemos à forma de fazer a interpretação.
Para observar de forma ampla e clara, Winnicott descreve de um caso clínico em que
ele auxilia uma família em que é identificado no filho a tendência antissocial. Vale

126
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV

ressaltar que o caso escolhido em questão vislumbra uma possível maneira de viabilizar
a análise da pacientes que apresentam a tendência antissocial “pela administração do
ambiente sem intervenção direta do terapeuta” (SIPAHI, 2006).
Logicamente, para que isso aconteça, é necessário que o ambiente se convença
da sua responsabilidade, tanto em relação às falhas cometidas quanto em
relação ao cuidado do indivíduo em questão. Nesse caso específico, a mãe
assumiu a responsabilidade sob orientação de Winnicott, sendo dela as
intervenções ou “interpretações” realizadas (SIPAHI, 2006).

A seguir, observe os quadros 7 e 8. O quadro 7 traz o quadro clínico descrito por


Winnicott, e o quadro 8, a contemplação feita por Sipahi.

Quadro 7. Caso clínico − auxílio a uma família com um filho com tendência antissocial.

Caso Clínico – Winnicott – Auxílio a uma família com um filho com tendência antissocial
Fui solicitado por uma amiga a examinar o caso de seu filho, primogênito de uma família de quatro. Ela não podia trazer-me
John abertamente por causa do marido, que faz objeção à psicologia por motivos religiosos. Tudo o que ela pôde fazer foi
ter uma conversa comigo sobre a compulsão do menino para roubar, o que estava se tornando um problema muito sério; ele
roubava em grande escala, em lojas e em casa. Por razões práticas, a única coisa possível foi combinarmos um almoço rápido
num restaurante, durante o qual ela me contou o problema e pediu meu conselho. Eu só tinha aquele momento e aquele lugar
para fazer alguma coisa. Portanto, expliquei-lhe o significado do roubo e sugeri que ela encontrasse um bom momento em suas
relações com o menino e lhe desse uma interpretação. Ao que parecia, John e a mãe tinham alguns momentos de boas relações
mútuas todas as noites, depois que ele ia para a cama; então, geralmente, ele gostava de contemplar e falar sobre as estrelas e
a lua. Esse momento poderia ser usado.
Sugeri: “Porque não dizer a John que você sabe que, quando ele rouba, ele não está querendo as coisas que rouba, mas procura
algo a que tem direito: está protestando contra a mãe e o pai porque se sente privado do amor de ambos?”. Recomendei-lhe que
usasse uma linguagem que o menino pudesse entender. Devo dizer que eu conhecia suficientemente essa família, em que os
pais são músicos, para perceber como esse menino, em certa medida, sofria a privação, embora tivesse um bom lar.
Algum tempo depois recebi dessa amiga uma carta dizendo-me que fizera o que eu havia sugerido. “Disse-lhe que o que ele
realmente queria quando roubava dinheiro, alimentos e outras coisas, era sua mãe; devo dizer que realmente não esperava
que ele entendesse isso, mas parece que entendeu. Perguntei-lhe se achava que não o amávamos por ele às vezes ser tão
travesso, e ele respondeu sem pestanejar que achava que não o amávamos muito. Pobre criança! Eu me senti tão mal, nem lhe
posso explicar. Então eu lhe disse para nunca, nunca mais duvidar e disse-lhe que, se alguma vez ele sentisse dúvida me fizesse
lembrar de dizer outra vez. Mas é claro que não precisarei ser lembrada por muito tempo, foi um choque tão grande. Parece
que todos nós precisamos desses choques. Assim, estou sendo muito mais demonstrativa, para tentar evitar que ele volte a ter
dúvidas. E até agora não houve mais nenhum roubo”.
A mãe conversava com a professora de John, explicando-lhe que o menino necessitava de amor e compreensão, e obtivera a
compreensão dela, embora o menino desse muito trabalho na escola.
Agora, depois de oito meses, é possível informar que não houve recaída no roubo, e as relações entre o menino e a família
melhoraram muito [...] Winnicott, 1958, pp.136-137.
Fonte: “A tendencia anti-social” –Winnicott, 1958.

Agora, relato, no quadro a seguir, a correlação feita por Sipahi do caso clínico junto
aos escritos de Winnicott:

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Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana

Quadro 8. Correlação acerca do caso clínico elaborada por Sipahi.

Um primeiro ponto a ser observado aqui é o fato de Winnicott se certificar das condições necessárias para orientar o caso,
investigando se havia, entre mãe e filho, um relacionamento capaz de responder às necessidades do filho nessa situação.
Conclui que sim, ao saber que ambos experimentavam um momento juntos todas as noites: “Ao que parecia, John e a mãe
tinham alguns momentos de boas relações mútuas todas as noites, depois que ele ia para a cama [...]. Esse momento poderia
ser usado” (1958c, p. 136-137).
Dessa forma, as passagens demonstram a interpretação D:
“Disse-lhe que o que ele realmente queria quando roubava dinheiro, alimentos e outras coisas, era sua mãe” (1958c,p.136-137).
E interpretação E:
“Perguntei-lhe se achava que não o amávamos por ele às vezes ser tão travesso” (1958c, p. 136-137).
Mostram-nos importantes aspectos das interpretações relativas aos casos de tendência antissocial. De início, a interpretação
D traduz o significado dos comportamentos de John, compreendendo que seus furtos tinham a intenção de recuperar o amor
materno, associando seu comportamento à deprivação vivida: “Disse-lhe que o que ele realmente queria quando roubava
dinheiro, alimentos e outras coisas, era sua mãe” (1958c, p. 136-137). A interpretação E, por sua vez, novamente, remete à
deprivação, apresentando seu resultado: falta ou diminuição do amor parental − “Perguntei-lhe se achava que não o amávamos
por ele às vezes ser tão travesso” (1958c, p. 136-137). Essa intervenção possibilita a John expressar o sentimento traumático que
tinha com relação ao amor dos pais, dizendo achar que eles não o amavam muito” (pp. 136-137).
Fonte: Sipahi, 2006.

128
CAPÍTULO 3
A interpretação invasiva e o elemento
confiabilidade do analista

A interpretação invasiva
Para abordar essa temática, Serralha (2012) aponta que Winnicott a surpreendeu com
um apontamento de um de seus analisandos acerca dessa questão. É importante que
nos lembremos de que interpretações, sobretudo aquelas que pertencem ao campo
do não verbalizado, podem ser sentidas pelo analisando de maneira invasiva. Para
exemplificar, Winnicott relata sobre algo que lhe fez sentido: “a menos que ele [o
analisando] houvesse verbalizado sua comunicação, não cabia a mim [Winnicott] fazer
comentários” (WINNICOTT, 1994a, p. 163). Tal sentimento emerge no analisando
quando o analista se aproxima de forma profunda da “comunicação com o núcleo central
quieto e silencioso da organização do ego do paciente” (WINNICOTT, 1990a, p. 172),
ou seja, diz-se de algo que é “permanentemente desconhecido, na realidade, nunca
encontrado” (p. 170). Quando a aproximação a partir de uma interpretação invasiva
ocorre, o analista transforma-se numa figura perigosa. Deste modo, o analisando para
de associar livremente e direciona sua energia para calar-se, defender-se e esconder-
se. Quando Winnicott veio a interpretar o movimento dos dedos da mão do paciente
sobre o próprio peito e ele disse: “Se você começar a interpretar esse tipo de coisas vou
ter de transferir esse tipo de atividade para outra que não apareça” (WINNICOTT,
1994a, p. 163 apud SERRALHA, 2012).

O desalinho do analista para com o analisando pode propiciar uma interpretação


invasiva. Freud, em 1910, comentou sobre um erro de um analista principiante e ainda
inexperiente na prática da interpretação, visto que, no primeiro encontro, interpretou o
conteúdo reprimido de sua paciente. De acordo com Freud, “a intervenção psicanalítica
[...] requer de maneira absoluta um período bastante longo de contato com o paciente”
(FREUD, 1972a, p. 211).
No trabalho de um analista suficientemente bom, o que é observável é a
capacidade deste de evitar que o grau de invasão da interpretação seja alto
demais, ou, pelo menos, se isso se tornar impossível, de reparar os danos que
tal invasão possa provocar. Além disso, para Winnicott, em determinados
casos, não interpretar pode trazer mais prejuízos ao analisando do que

129
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana

interpretar, já que deixar de interpretar pode levá-lo a crer que ninguém o


compreende (SERRALHA, 2012).

Muito embora esse equívoco comentado por Freud tenha ocorrido com um analista
em seu início de carreira, é importante que se ressalte que a interpretação invasiva
“pode estar presente em toda e qualquer análise, e em qualquer fase desta, mesmo no
trabalho de analistas experientes, em razão da facilidade própria à natureza humana”
(SERRALHA, 2012).

O elemento confiabilidade do analista


Segundo Winnicott (1975a), o elemento fundamental que possibilita uma boa análise
é o grau de confiança na fidedignidade do analista. Serralha (2012) diz que é possível
notar que, “se for um analista fidedigno, o que vier deste será sentido/entendido como
interesse de compreender e ajudar, e não de se apossar, submeter ou aniquilar”. É
possível afirmar que, com base nesse sentimento/entendimento, “a confiança pode se
desenvolver naturalmente”. Para explicitar o trabalho de interpretação de um analista,
que, após interpretar um conteúdo, não teve a oportunidade de dar continuidade ao
tratamento, Winnicott mencionou a seguinte situação:
Ele fez a interpretação, portanto, correndo por isso o risco de estragar o
trabalho que já havia sido feito, mas também abrindo a possibilidade de
que a paciente pudesse ir mais além imediatamente. Esta é uma questão de
julgamento e o analista sentiu aqui que o grau de confiança era tal que ele
podia prosseguir e até mesmo cometer um erro (WINNICOTT, 1994a, p.
166).

Tal julgamento possui como base um processo de identificação. Ou seja, Winnicott


(1975a) demonstrava no setting que a relação do analista para com o analisando dispunha
de particularidades presentes numa relação satisfatória do sujeito com o seu ambiente
primevo, que era constituído por quem exercia as funções parentais. De acordo com
Serralha (2012), em meio a essas particularidades, destacam-se:
[...] principalmente, a sustentação (holding), em que o ambiente, ao exercer
o papel materno, se identifica com o seu bebê, conhece-o e o atende em
suas necessidades, e também o manejo (management), em que situações da
realidade externa são administradas para permitir a continuidade de ser do
bebê, que, com o passar do tempo, vai de uma condição de dependência à
autonomia (SERRALHA, 2012)

Portanto, é possível afirmar que o ambiente confiável é um “facilitador, materno e


terapêutico” (DIAS, 1999, p. 283). Winnicott faz uma analogia mãe-analista em que diz:
130
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV

[...] na experiência que o bebê tem da vida, na realidade em relação à mãe


ou figura materna, se desenvolve geralmente certo grau de confiança na
fidedignidade da mãe, ou (em outra linguagem, própria da psicoterapia),
o paciente começa a sentir que o interesse do terapeuta não se origina da
necessidade de um dependente, mas de uma capacidade, nesse terapeuta,
de se identificar com o paciente, a partir de um sentimento do tipo ‘se eu
estivesse em seu lugar’ (WINNICOTT, 1975a, p. 150).

Quando há a falta dessa capacidade em questão, instaura-se a “não confiabilidade do


analista”, quer dizer, esse é um motivo que pode operar no sentido de fazer com que
uma interpretação seja sentida de maneira invasiva, pois pode parecer estranha visto que
há ainda a falta de identificação. Todavia, Serralha (2012) aponta que outros elementos
também precisam ser lembrados, já que corroboram para que esse sentimento venha
a emergir, e “esses elementos encontram-se sempre inter-relacionados, podendo ser
identificados, mas não pressupostos como tendo uma influência absoluta ou isolada”
(SERRALHA, 2012).

131
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