Substituicao Dos Fatores Internos
Substituicao Dos Fatores Internos
Substituicao Dos Fatores Internos
FATORES INTERNOS
Elaboração
Produção
APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................................................................... 4
INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................................................................. 7
UNIDADE I
O MODELO WINNICOTTIANO E O FUTURO................................................................................................................................................................. 9
CAPÍTULO 1
OS DESAFIOS ATUAIS DA PSICANÁLISE.................................................................................................................................................... 9
CAPÍTULO 2
AS RESPOSTAS CONSERVADORAS E UMA RESPOSTA ASSIMILATIVA....................................................................................... 15
CAPÍTULO 3
UMA RESPOSTA POR MUDANÇA PARADIGMÁTICA............................................................................................................................ 24
UNIDADE II
O PARADIGMA WINNICOTTIANO DIANTE DOS DESAFIOS ATUAIS DA PSICANÁLISE......................................................................... 45
CAPÍTULO 1
DE FREUD A WINNICOTT: ASPECTOS DE UMA MUDANÇA PARADIGMÁTICA.......................................................................... 45
CAPÍTULO 2
AS EXPLORAÇÕES PSICANALÍTICAS......................................................................................................................................................... 54
CAPÍTULO 3
A RECONSTRUÇÃO DA PSICANÁLISE WINNICOTTIANA................................................................................................................... 67
UNIDADE III
A PSICANÁLISE COMO MÉTODO DE TRATAMENTO E COMO CIÊNCIA NATURAL PARA FREUD E PARA WINNICOTT.......... 72
CAPÍTULO 1
REFORMULAÇÕES DA PSICANÁLISE DE FREUD POR WINNICOTT.............................................................................................. 72
CAPÍTULO 2
A PSICANÁLISE TEM O DIREITO DE OCUPAR UM LUGAR NO ROL DAS PRÁTICAS CIENTÍFICAS.................................. 89
CAPÍTULO 3
O MÉTODO E A CIÊNCIA PSICANALÍTICA PARA WINNICOTT......................................................................................................... 101
UNIDADE IV
INTERPRETAÇÃO INVASIVA NA ABORDAGEM PSICANALÍTICA WINNICOTTIANA.............................................................................. 104
CAPÍTULO 1
CONHECIMENTOS MÚTUOS DO ANALISTA E DO ANALISANDO NO EVENTO DA INTERPRETAÇÃO E A
IMPORTÂNCIA DO BOM DESENVOLVIMENTO PARA UMA INTERPRETAÇÃO......................................................................... 104
CAPÍTULO 2
A IMPORTÂNCIA DE FREUD E WINNICOTT NA INTERPRETAÇÃO................................................................................................. 112
CAPÍTULO 3
A INTERPRETAÇÃO INVASIVA E O ELEMENTO CONFIABILIDADE DO ANALISTA ................................................................ 129
REFERÊNCIAS....................................................................................................................................................................................... 132
APRESENTAÇÃO
Caro aluno
Conselho Editorial
4
ORGANIZAÇÃO DO CADERNO
DE ESTUDOS E PESQUISA
A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto
antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para
o autor conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma
pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em
seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas
experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para
a construção de suas conclusões.
Atenção
Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam
para a síntese/conclusão do assunto abordado.
5
Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa
Saiba mais
Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/
conclusões sobre o assunto abordado.
Sintetizando
Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando
o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.
6
INTRODUÇÃO
Quando alguém se propõe a buscar rumos para se explicar o como, o porquê e o
para quê de qualquer situação na condição de ser humano, essa pessoa encontra
barreiras que podem se caracterizar em obstáculos difíceis de se transpor, como também
pode transformar esse obstáculos em desafios capazes de promover crescimento,
desenvolvimento para o progresso de qualquer instituição física, psíquica, científica,
profissional, pessoal etc.
Objetivos
» Apresentar a história de Freud e seus interesses e estudos pela Psicanálise
e pela histeria.
» Descrever os desafios atuais da Psicanálise.
» Explicar o conceito do Complexo de Édipo, e as ideias de Winnicott a
respeito da díade mãe-bebê.
» Exemplificar diferenças entre a teoria freudiana e a teoria winnicottiana.
7
O MODELO
WINNICOTTIANO E O UNIDADE I
FUTURO
CAPÍTULO 1
Os desafios atuais da Psicanálise
Em 06 de maio de 1856, nasceu Sigmund Freud, que, mais tarde, foi considerado o pai
da Psicanálise. Esse título atribuído a Freud deu-se em razão da sistematização feita
por ele ao criar e reunir teorias e métodos de tratamento para justificar a criação da
Psicanálise. Procurou evidenciar, por meio de pesquisas empíricas em que utilizou os
casos e as observações clínicas, os estudos teóricos, filosóficos e éticos para fundar os
elementos essenciais para a construção gradativa do método psicanalítico.
A teoria psicanalítica foi elaborada no século XIX a partir das observações e dos
atendimentos às pacientes histéricas e, com base e outros casos clínicos, produziu-se
vasto material que, organizado e sistematizado, contribuiu para o entendimento a
respeito da subjetividade e do sofrimento psíquico. A Psicanálise tem sido investigada e
praticada desde então pelos seguidores de Freud, que continuam a estudar e a aperfeiçoar
um conhecimento que mudou o entendimento e o conceito sobre a mente humana.
Segundo Cavalcante (2019), vários estudiosos tentaram, em suas pesquisas, esquematizar
a Psicanálise utilizando o inconsciente para o entendimento do funcionamento mental,
mas foi Freud quem se tornou o “pai da Psicanálise”, por ter lançado as bases teóricas
para a Psicologia do inconsciente. Mesmo que um contemporâneo de Freud, Pierre
Janet (1859-1947), tenha, também, “descoberto” o inconsciente, a organização e a
estruturação dos conceitos psicanalíticos foram elaboradas por Freud. Ele criou um
método estruturado na clínica, na qual adotava a escuta e as observações para tratamento
de suas pacientes.
Antes da criação da Psicanálise, Freud cursou Medicina e iniciou seus estudos em 1873,
concluindo-os em 1881. Seu interesse inicial dentro da Medicina foi a Neurologia
e a Fisiologia, mas, quando foi para Paris, em 1885, fazer estágio com Charcot na
Salpêtrière por ter conseguido uma bolsa de estudos, ele mudou seu interesse e aderiu
ao tratamento com a utilização da hipnose nos casos de histeria. De volta a Viena em
1886, trabalhou no Departamento de Neurologia, no instituto público para crianças,
9
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
e abriu seu consultório, onde exerceu sua profissão como especialista em doenças
nervosas. Prosseguiu seus estudos na área da hipnose durante os anos de 1887 e 1888.
Em 1889, ao tratar Emmy Von N., Freud utilizou o método catártico para atender
à solicitação dessa paciente de deixá-la falar. Então, percebeu que não necessitava
perguntar e obter respostas, mas que a fala dá vazão às queixas histéricas e funciona
com mais eficácia que a hipnose. Do intenso trabalho com as histéricas, escreveu o
artigo “Estudos sobre a histeria”, publicado em 1889. Trabalhou incansavelmente para
construir o método psicanalítico e utilizou o termo Psicanálise pela primeira vez em
1896 para descrevê-lo.
Na busca por atenuar o sofrimento de suas pacientes, que, na sua maioria, eram histéricas,
àquela época, os estudos se intensificavam para a compreensão desse transtorno, Freud
deixou a Neurologia, para a qual estava dedicando seus estudos, e passou a se interessar
pela Psicopatologia. Até então, ele não conseguia bons resultados no tratamento das
pacientes que manifestavam sinais e sintomas corporais e não podia comprovar alterações
biológicas, como os apertos na garganta, os desmaios, as paralisias, os aumentos dos
batimentos cardíacos, as sensações de falta de ar, os esquecimentos etc. Então, àquela
época, o estudioso intensificou seus estudos para a compreensão desse transtorno.
10
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I
angústia que as fazia sofrer. O método consistia em hipnotizar a paciente e, por sugestão,
ele ordenava que, quando a paciente acordasse, os sintomas desaparecessem.
Essa situação era comum na Viena em que Freud vivia e onde, como médico, percebeu
que as alterações de comportamento que indicavam estarem relacionadas às funções
neurológicas não tinham causas físico-orgânicas, e sim eram manifestações ligadas à
parte afetivo-emocional, como a histeria, cujo estudo deu início à Psicanálise. Freud
(1996, vol. I, p. 77) relata que:
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Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
Essa foi a trajetória de Freud entre os séculos XIX e XX, quando desenvolveu sua
teoria e a utilizou em sua prática clínica. Naquele cenário, a histeria favorecia o
desenvolvimento de seus saberes psicanalíticos.
O tema daquela época era a repressão sexual e a falta de valorização da mulher, mas hoje
se tem um outro campo de expressões que instiga o estudo cada vez mais aprofundado
da Psicanálise, não só com os postulados freudianos como também com os de outros
autores, que diversificaram seus conhecimentos para além dos escritos por Freud,
criando novas teorias ou ampliando aquelas que deram início à construção do método
psicanalítico, como Donald Winnicott, Melanie Klein, Carl Gustave Jung, Ana Freud
e outros pertencentes à contemporaneidade.
Fonte: https://www.jrmcoaching.com.br/blog/sigmund-freud-origem-historia-e-legado/.
12
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I
O ontem foi marcado pelas proibições sexuais e pelas demandas do prazer; o hoje, pela
liberdade de escolher a parceria sexual. Em qual campo prolifera a dor? Sem dúvida,
o sofrimento é do ser humano e é fruto de sua relação com o meio ambiente, com a
cultura e com suas próprias aquisições morais e psíquicas, ao longo de suas experiências.
“O sofrimento não possui uma manifestação única, pois depende de cada pessoa, da
cultura, do período histórico em que vive. [...] Aquilo que é sofrimento para um pode
ser prazer para outro” (CAVALHEIRO; TOLFO, pp. 242-243).
Mas, hoje, apesar de existir um método que atende a muitos desafios da contemporaneidade,
este passa ininterruptamente por ajustes como resultado das pesquisas, para dar conta
das angústias surgidas em razão de uma sociedade acelerada pela necessidade de
sobrevivência e pela competição, pela aquisição do melhor e pela sociedade do espetáculo,
pelas inconstâncias nas relações amorosas, pela emancipação da homossexualidade.
Como será aplicado o método psicanalítico ante tantos desafios? Iensen (2014), Rocha
(2008), Barreto (2017) e Leite (2000) respondem a esse questionamento postulando
que é necessário repensar a escuta clínica para atender às necessidades do momento,
ampliando os olhares para enxergar não só por um ângulo de visão, mas principalmente
por um olhar periférico, por este estar conectado ao olhar principal. A Psicanálise
se norteará por uma linha menos rígida e ortodoxa para atender à pluralidade dos
conteúdos que o paciente poderá apresentar no setting terapêutico, repensando sempre
a Psicanálise como um trabalho investigativo que se contrapõe às ideologias para que
seja possível refletir e criar para enriquecer o método com novas possibilidades e
abertura à transdisciplinaridade.
13
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
14
CAPÍTULO 2
As respostas conservadoras e uma
resposta assimilativa
Respostas conservadoras
Para entender o que seja uma resposta conservadora a respeito da teoria freudiana,
é necessário nos aprofundarmos nas pesquisas de Zeljko Loparic, que esclarece as
distinções entre a teoria winnicottiana e a teoria freudiana. Esse autor, no Brasil, é
quem escreve sobre a resposta conservadora, uma proposição que trata das defesas à
metapsicologia psicanalítica, que, segundo ele, é feita pelos seguidores de Freud e por
outros pesquisadores na área da Psicanálise.
Freud iniciou seu trabalho procurando resolver um enigma que desafiava a ciência
médica: mulheres que sofriam e que choravam, ansiando por serem compreendidas nas
suas angústias. A Neurologia não conseguia dar uma resposta que pudesse amenizar
as expressões de dor manifestadas por elas. O desafio era buscar possíveis caminhos a
serem trilhados, para responder às interrogações e encontrar solução para um problema
que a Neurologia não conseguia atender. Uma charada que instigava o raciocínio em
busca de resposta para “problemas dos nervos”, um quebra-cabeças de difícil resolução.
Essa premissa é corroborada por Loparic quando este afirma que:
[...] não é verdade que a psicanálise não tenha quebra-cabeças para resolver.
Com efeito, a psicanálise começou [...] pela formulação e solução, por Freud,
de quebra-cabeças específicos, resultado que foi considerado, pela comunidade
psicanalítica em geral, extraordinariamente frutífero para a pesquisa e a
prática psicanalíticas contemporâneas (LOPARIC, , 2001, pp. 7-58).
15
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
Barreto (2017), Castelo Branco et al. (2016) e Sarmento (2006) afirmam que a influência
da Psicanálise na clínica de abordagem psicanalítica, em teorias que se orientaram pela
Psicanálise, em produções socioculturais, na cultura, na educação, é muito grande. A
atuação dessa ciência é importante na clínica, para o entendimento e análise do que
incomoda, do indizível, das fantasias; nas produções socioculturais com as produções
audiovisuais, a mídia virtual, a influência dos megaeventos que viabilizam modificações
no contexto e relações sociais; da cultura para o entendimento das emoções no
meio familiar, dos comportamentos antissociais, o funcionamento das famílias na
contemporaneidade; por fim, na educação com a formação de professores que se
atentem para um olhar voltado para si mesmos, observando suas condições psíquicas
e os transtornos advindos da lida com os alunos, que não mais se “encolhem” em uma
carteira na sala da aula, mas que se dão o direito de expressar suas ideias, opiniões,
muitas vezes proveitosas, outras vezes inconsequentes, mas importantes para se lidar
com o momento. Ainda, como escreve Aquino (1996), em muitas escolas, os alunos
se comportam indisciplinadamente deixando à mostra a “falta de limites, bagunça,
tumulto, desrespeito às figuras de autoridade”.
16
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I
Fonte: https://www.professorideal.com/indisciplina/alunos-brasileiros-lideram-o-ranking-de-indisciplina-na-sala-de-aula/.
O que tem a Psicanálise a ver com tudo isso? Na clínica, seu valor é reconhecido,
divulgado em artigos científicos e propagado via cursos de especialização e formação, e
atinge um número maior de pessoas e, em suas missões, fica claro o compromisso com
a sociedade e o avanço nas pesquisas para o aperfeiçoamento do método psicanalítico.
Diante dessas premissas, aproveita-se a pergunta do Dr. Cláudio Eizirik: “Teria realmente
a psicanálise perdido sua relevância social? Os modelos explanatórios introduzidos por
Freud e desenvolvidos e aprofundados por seus seguidores já não nos servem mais?
[...] Teria o método de tratamento analítico perdido sua utilidade?”. A Psicanálise não
perdeu a utilidade, mas os seguidores de Freud percebem a necessidade de fazer as
mudanças que o momento exige, diante de um mundo globalizado, bem diferente dos
momentos do século XIX. Porém, o sofrimento continua sendo sofrimento, embora
tenha ocorrido a mudança de século. Barreto (2017, p. 83) diz que “A psicanálise não
busca responder aos problemas do conhecimento de forma comum. Questiona-os
interminavelmente. Não trabalha apenas com a água do leito de um rio, mas com a
‘des-água’, o desdito, o não dito, o interdito, o indizível”.
Ao criar a teoria psicanalítica, Freud não mediu esforços nas reformulações, por
isso voltava sempre que necessário à sua construção. Escreve Loparic (2008, p. 139)
que “O resultado final do conjunto dessas reformulações não foi o fortalecimento da
metapsicologia freudiana, mas antes o seu desmanche”. Uma assertiva do autor que,
segundo os dicionários da língua portuguesa, é o ato de desmanchar, e desmanchar quer
dizer desfazer, tornar nulo, eliminar. No entanto, a Psicanálise não foi “desmanchada”,
17
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
mas alguns dos seus conceitos foram reformulados e/ou sofreram acréscimos bastante
importantes e proveitosos para sua aplicação na clínica.
Com o sucesso das clínicas psicanalíticas, era de se esperar que o método adotado por
elas fosse questionado, porque o narcisismo não cede espaço para o reconhecimento do
“eu” que guarda no inconsciente os motivos de seu sofrimento e, por isso não é dono de
si, ou seja, de sua consciência, em sua própria casa. Quando os conteúdos reprimidos
se tornam conscientes, a pessoa em tratamento consegue lidar com o “desconhecido”
que se torna conhecido pela consciência e é possível, então, transformar o desprazer,
evidenciado pelos sintomas, em bem-estar psíquico após o fortalecimento do ego.
A seguir, uma leitura importante para melhor entender a recepção narcísica quando a
Psicanálise se instituía como paradigma freudiano. Assim escreveu Freud na Conferência
XVIII:
CONFERÊNCIA XVIII
18
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I
É por esse motivo que muitos não aceitam e rechaçam a Psicanálise como método
psicoterapêutico, visto que é difícil aceitar não ter controle sobre a própria consciência.
Freud (1996) escreveu sobre o golpe que desferiu e atingiu a humanidade quando ousou
lançar a teoria do inconsciente como a instância que predomina na mente humana,
afirmando que o “eu” não é senhor, nem mesmo em sua própria casa.
19
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
Resposta assimilativa
A resposta assimilativa é uma proposta de estudo do pesquisador Zeljko Loparic,
presidente do Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana (IBPW) e o material
sobre essa pesquisa é encontrado no artigo “O paradigma winnicottiano e o futuro
da psicanálise”, escrito por ele em 2008. Nesse artigo, Loparic cita alguns autores que
fazem oposição e críticas à teoria psicanalítica, como Antonio Imbasciati, que se opõe
ao conservadorismo intelectual e pretende chegar a uma teoria da mente diferente da
teoria de Freud. Loparic, ainda no artigo acima citado, escreve que Imbasciati concorda
com as críticas que o Cognitivismo faz à Psicanálise.
Essa resposta ao paradigma freudiano trata da aceitação da Psicanálise como parte das
ciências cognitivas, uma maneira alternativa de tratamento psicológico. Sua oposição à
Psicanálise não visa apenas agir contrariamente ao paradigma freudiano, mas traz um
novo conceito de tratamento para atender à uma sociedade que cada vez mais corre
contra o tempo, numa busca para solucionar rapidamente problemas construídos ao
longo da vida. Por esse motivo, as abordagens cognitivas estão se popularizando e
prometem dar conta das demandas dos sofrimentos humanos, que se alastram com os
tempos tecnológicos que, a cada dia, inovam em máquinas, em dispositivos eletrônicos,
em softwares sofisticados, em sites com variadas ofertas. Na área humana, são desafios
as novas identidades de gênero, a precocidade das crianças, que deixam os brinquedos
para investirem tempo nas telas, muitas vezes sem controle e supervisão, deixando
pais e mães sem saber como orientar seus filhos e filhas. Essas mudanças que fazem
parte da contemporaneidade requisitam teorias ecléticas, segundo os defensores das
terapias cognitivas.
20
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I
As práticas da teoria cognitiva tiveram início com seu criador, George Miller, que declarou
ser o funcionamento do ser humano semelhante ao de um processador de informação.
As ações pertencentes a uma pessoa são compatíveis com esse processador, por isso
se registra e age como se o acontecimento fosse real, no entanto, são representações
mentais e elas são controladas pela aprendizagem. Então, as possibilidades do cognoscere
estão organizadas em um conceito da informática que tem como objetivo, a partir da
obtenção de dados, a transformação destes para se obter um resultado.
21
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
foi rejeitada e por isso cedeu lugar às novas abordagens cognitivas. Já Loparic (2008)
propaga que Imbasciati tem interesse em propor outro modelo de explicação para os
processos mentais unindo Psicanálise e todas as outras ciências que tenham a mente
como objeto de estudo.
23
CAPÍTULO 3
Uma resposta por mudança
paradigmática
Por meio dessa escuta, Winnicott chegou à conclusão “[...] de que ‘é impossível falar
do indivíduo sem falar da mãe’ porque, usando os termos da fase madura da sua
teorização, a mãe ‘é um objeto subjetivo’” (LOPARIC, 2000, p. 41). A subjetividade
da mãe, percebida pelo bebê, exige um ambiente que facilite sua integração num
processo de amadurecimento de modo que ele “passe a ser objetivamente percebido
(WINNICOTT, 1963a/1983a). Nessa circunstância, Winnicott notou a necessidade
de promover um estudo aprofundado sobre a relação mãe-bebê para uma mudança
do paradigma psicanalítico que vigorava naquele momento.
Despertou, então, o interesse pela transição entre uma fase e a outra, no processo de
amadurecimento infantil. Entendeu que o desenvolvimento emocional se inicia nos
momentos que sucedem ao nascimento, com a necessidade de o bebê ser acolhido
para suportar a perda da proteção experienciada no útero materno para, depois de
inicialmente formar uma unidade com a mãe, ele se desenvolver para alcançar a
independência e formar uma unidade consigo, e não mais com a díade mãe-bebê. Sabe-
se que, pela necessidade de sobrevivência, o bebê respira e busca desesperadamente o
alimento para saciar sua fome; enquanto isso, ele se sente inseguro, e suas sensações
são de desamparo.
24
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I
Esse amadurecimento não acontece repentinamente, e isso pode ser atestado pelos
estudos da psicologia pré-natal, que traz pesquisas e informações importantes para a
compreensão do desenvolvimento intrauterino, revelando que, dentro do ventre, o
bebê reconhece o ambiente e as movimentações físicas e emocionais do corpo da mãe
e reage a esses acontecimentos registrando-os na memória sensorial. Esse fenômeno se
tornou possível com o advento dos recursos tecnológicos aplicados à área de saúde física
e mental, como o desenvolvimento de softwares e de equipamentos como monitores
fetais, ultrassom etc.
25
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
[...]
1 Tradução livre feita pela autora: “Respostas comportamentais fetais à voz materna e ao toque”.
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O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I
Nagy concluiu que os fetos selecionam as respostas dadas aos estímulos externos,
portanto eles interferem nas suas respostas e o amadurecimento do feto provoca
mudanças no seu meio ambiente. Ainda, acredita que as respostas dadas em consequência
aos estímulos da voz materna e do toque na mãe no abdômen podem ter, por parte
do bebê, a intenção de comunicar-se com o meio externo.
“No dia 19 de agosto de 1999, Samuel Alexander Armas ficou famoso mundialmente
por protagonizar uma curiosa imagem. Sua pequenina mão de bebê aparece fora
do útero de sua mãe segurando o dedo de um cirurgião. Ainda dentro da barriga
de sua mãe, Samuel foi diagnosticado com espinha bífida, um problema congênito
acarretado pela malformação da coluna espinhal e da coluna vertebral. A foto, tirada
pelo fotógrafo Michael Clancy, foi publicada pelo jornal USA Today e ganhou o
apelido de “Mão da Esperança”, repercutindo mundialmente. Atualmente Samuel tem
17 anos e mora em Douglas County, no estado da Georgia, nos Estados Unidos. Ele
usa aparelhos nas pernas e cadeira de rodas para auxiliá-lo com a locomoção, mas tem
a vida de um adolescente comum”.
2 Tradução livre feita pela autora ao texto original: “Results showed that fetuses displayed more arm, head, and mouth movements when the
mother touched her abdomen and decreased their arm and head movements to maternal voice. Fetuses in the 3rd trimester showed increased
regulatory (yawning), resting (arms crossed) and self-touch (hands touching the body) responses to the stimuli when compared to fetuses in the
2nd trimester”.
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Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
Fonte: https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2019/10/28/ao-abrir-barriga-em-cesarea-bebe-segura-dedo-de-medica-e-
emociona-equipe-e-familia-momento-raro-e-lindo.ghtml.
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O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I
Fonte: https://www.coladaweb.com/biologia/desenvolvimento/placenta-e-cordao-umbilical.
O feto absorve essas substâncias pela corrente sanguínea, e a transmissão dos nutrientes
entre o feto e a mãe é feita pelo cordão umbilical. Da mesma forma que os nutrientes
são incorporados pelo bebê, as sensações, perturbações e o descontrole da mãe são
transmitidos ao bebê pelas alterações emocionais, por isso Pert (1997) defende que
existe uma assinatura bioquímica em cada emoção. Essas transmissões alteram o estado
emocional do bebê, e sabe-se que o equilíbrio emocional é básico, essencial para o
bem-estar biopsicossocial do ser humano. Segundo Wilheim (1997), as emoções da
mãe não são neutras para o bebê, pois essas emoções são acompanhadas por alterações
bioquímicas. Essas alterações se fazem porque células nervosas produzem quantidades
maiores de substâncias neuro-hormonais que são lançadas na corrente sanguínea e
transmitidas ao feto pelo cordão umbilical.
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Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
Fonte: https://www.virgulistas.com.br/isso-e-o-que-acontece-com-um-bebe-quando-mae-chora-na-gravidez/.
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O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I
mas perceber em suas sensações, uma mãe capaz de decodificar suas necessidades físicas
e psíquicas, como também dar sentido às decodificações de sua fala pré-verbal e em
seguida ser atendido em suas solicitações para, assim, formar com ela uma unidade
psíquica.
Por isso, as mudanças que se fizeram necessárias na clínica winnicottiana foram o estudo
da díade mãe-bebê, não o paradigma da tríade pai-mãe-criança com base no mito de
Édipo. Sabe-se que a criança, segundo Freud, passa pelas fases do desenvolvimento
psicossexual e que as zonas de erotização correspondem à boca, na fase oral; ao ânus,
na fase anal; e aos órgãos genitais, nas fases fálica e genital. Essas são regiões de grande
concentração de energia sexual, e a maneira de satisfazer ou reprimir essa energia causa
frustração, formando pontos de fixação que interferirão no desenvolvimento psicológico
saudável ou não do ser humano. A descoberta desses pontos de fixação deu-se quando
Freud ouviu as queixas de suas pacientes que estavam presas nos primeiros anos de
vida e não conseguiam elaborar os conteúdos reprimidos guardados no inconsciente
devido ao desprazer sentido.
Essa é a base da teoria winnicottiana, que serve como guia para aplicação na clínica com
crianças e pessoas adultas. Por isso, é muito importante conhecer um pouco sobre esse
teórico, já que se está estudando a teoria desenvolvida por ele. Alguns dados sobre ele
31
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
Mas, antes de abrir seu consultório estava empenhado em obter formação em Psicanálise,
porque encontrou sintonia entre suas ideias e as ideias de Freud relatadas por Oskar
Pfister em seu livro The Psychoanalytic Method, editado em 1917. Então iniciou sua
análise pessoal com James Strachey em 1923, encaminhado por Ernest Jones. Em
1927, iniciou sua formação como analista na Sociedade Britânica de Psicanálise,
concluindo-a em 1934 e, em 1935, formou-se analista de crianças. Por algum tempo,
foi o único pediatra com formação em Psicanálise, destacando-se dos demais médicos
no tratamento de crianças com transtornos mentais.
32
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I
A criança nasce indefesa e sem organização para coordenar seu mundo interno e perceber
o mundo que a cerca. Ao nascer, o bebê humano é incompetente para sobreviver sem
ajuda de alguém que possa cuidar dele, por isso, depende de cuidados, não só físicos,
mas também, afetivos, para o seu desenvolvimento. Levando em consideração a
fragilidade físico-orgânica e a imaturidade do cérebro, ainda não desenvolvido para os
raciocínios e o conhecimento intelectual que garantem o entendimento das próprias
ações e as ações do outro, o bebê recém-nascido está completamente subordinado à
responsabilidade e ao zelo de outra pessoa. Segundo Winnicott (1983, pp. 45-46),
“Neste estado o lactente não tem meios de perceber o cuidado materno [...]. Não pode
assumir controle sobre o que é bem ou mal feito, mas apenas está em posição de se
beneficiar ou de sofrer distúrbios”.
Nesse sentido, é importante saber porque o bebê tem uma infância longa e fica tão
explícita sua dependência de outra pessoa para sobreviver. Rodrigues (2014) escreve,
em sua coluna “Porque é que temos uma infância tão longa?” e, então, copia António
Piedade explicando que os seres humanos são os mamíferos que demoram a andar e a
conseguir sua independência adulta. Para o amadurecimento, eles necessitam de muitos
anos de aprendizado, o que corresponde a três ou quatro vezes mais anos do que as
espécies que são mais semelhantes aos seres humanos. Cita como exemplo os primatas,
que são mais inteligentes que outras espécies. A reprodução desses “parentes” próximos
do ser humano se dá aos quatro anos de idade, enquanto, nessa mesma idade, a espécie
humana se encontra em quase total dependência de outrem para sua sobrevivência.
33
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
Nessa fase do crescimento infantil, o cérebro queima 66% da energia que todo o
organismo consome em repouso! Com a glicose a ser prioritariamente consumida
pelo cérebro, o resto do organismo só pode desenvolver-se a um ritmo muito mais
lento do que o verificado nos outros primatas. [...]
RODRIGUES, H. Porque é que temos uma infância tão longa. Disponível em: https://www.
sulinformacao.pt/2014/09/porque-e-que-temos-uma-infancia-tao-longa/. Acesso em: 16 de junho de
2021.
Fonte: https://olharanimal.org/bezerros-recem-nascidos-sao-abandonados-as-margens-de-rodovia-em-mg/.
Fonte: https://www.almanaquedospais.com.br/desenvolvimento-do-bebe-de-3-meses/.
34
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I
Essa estreita relação do par mãe-bebê forma uma unidade psíquica, condição primordial
para o seu desenvolvimento emocional e o consequente desenvolvimento físico e
psíquico. Não é possível, portanto, pensar um sem reconhecer o outro. Inicialmente,
o bebê não se distingue da mãe, apenas mais tarde é que ele consegue se identificar
como um ser separado dela, então, para a criança, a mãe vai assumindo a condição de
objeto externo e não mais se mantém a vida em comum praticada entre a díade.
Mãe e bebê, uma unidade psíquica – inicialmente, o bebê não está integrado
psiquicamente de modo a formar uma unidade em si mesmo. Ele precisa dos cuidados
do ambiente, representado pela maternagem, para que consiga desenvolver sua própria
integridade psíquica, separando-se do “eu” de sua cuidadora. Loparic (2006, p. 32)
relata que “O novo exemplar proposto por Winnicott é o bebê no colo da mãe, que
precisa crescer, isto é, constituir uma base para continuar existindo e integrar-se numa
unidade”.
Com os zelos dispensados, o bebê encontra segurança para ser ele mesmo, percebendo
que seu “eu” está integrado no seu corpo. A psicose, segundo Winnicott, é resultado
da falta de alguém que juntasse os pedaços do “eu” desintegrado do bebê quando este
nasce, para que ele mesmo, com os cuidados do banho, dos braços que o acolhem,
com o corpo aquecido, com sua identidade sendo evidenciada pelo chamamento do
seu nome, tenha instrumentos afetivos para se personalizar (WINNICOTT, 2000).
Segundo as ideias desse teórico, se o desenvolvimento da criança acontece sem o
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Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
acolhimento das suas necessidades básicas, e se essas necessidades não são supridas,
ela cresce com falhas na formação da personalidade. O ambiente familiar deve estar
preparado para auxiliar na evolução da criança.
Mãe suficientemente boa – o bebê depende dos cuidados de alguém que se ocupe das
suas necessidades para que possa alcançar a sua integridade como ser capaz de construir
seu ambiente pessoal e com ele desenvolver-se com a ajuda, e não dependência, de
outrem. A saída do não ser para o ser se caracteriza por um bom processo de maturação.
À medida que o bebê se desenvolve, ele registra nas suas sensações a segurança, a
confiança, o respeito e o acolhimento. As falhas no atendimento são condições essenciais
para o bebê construir-se como pessoa.
[...] em geral os bebês realmente se encontram em condições bastante
favoráveis quando estão num estado de dependência absoluta; há, entretanto,
bebês com os quais isto não acontece. Estou dizendo que estes bebês que não
recebem este tipo de cuidados suficientemente bons não conseguem se realizar,
nem mesmo como bebês. Os genes não são suficientes (WINNICOTT, 1999
pp. 83/84).
À proporção que o bebê cresce e desenvolve sua constituição física, afetiva, cognitiva e
social, ele vai adquirindo uma linguagem que o coloca em comunicação com o mundo, e
não apenas com sua mãe. Isso é possível porque o bebê confia no ambiente que o cerca
a partir dos cuidados que sua mãe dispensa a ele. Passa, assim, de uma dependência
quase absoluta para uma relativa autonomia. O amadurecimento biopsicossocial permite
o desenvolvimento de ações mais complexas, porque sua confiança foi desenvolvida
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O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I
A confiabilidade ou a falta dela se inicia com o toque das mãos. Os atos de segurar, dar
o banho e trocar as fraldas definirão para o bebê se ele pode confiar ou ter medo de cair
e se posicionar apavorado, como no reflexo de Moro. Segurar a criança com cuidado
contribui para o seu processo de maturação. O amadurecimento saudável implica
na percepção de que ele pode acreditar no acolhimento, acreditar que será atendido
nas suas necessidades, acreditar que, mesmo que demore um pouco, o auxílio chega,
acreditar que alguém protege. Então, o mundo e as pessoas são considerados confiáveis.
Fonte: https://www.sanarmed.com/reflexo-de-moro-e-outros-reflexos-primitivos-do-recem-nascido-colunistas.
As mãos, então, representam uma forma de se comunicar com o bebê. Elas dizem com
firmeza que ele não vai cair, elas dizem com carinho que ele é bem-vindo, elas dizem que
ele será protegido e aquecido, mas também podem dizer que seu mundo será carregado
de frustrações, perdas e abandono. Winnicott (1999) diz que segurar a estrutura física
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Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
» proteção;
» cuidado;
» confiabilidade;
Quando a mãe consegue se identificar com seu bebê, sem o sacrifício de uma renúncia
doída que a leve ao sentimento desagradável de ser mãe, sem sentir-se explorada pela
criança, sem experimentar sentimentos de rejeição que a façam menosprezar o ser ao
qual deu à luz, ela estabelece com ele o acolhimento que Winnicott denominou holding,
que significa fornecer ao bebê o apoio de que ele necessita para continuar a vida fora
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O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I
do útero. O holding fornece o apoio entendido pelo bebê como proteção, cuidado,
confiança na fase em que se sente completamente desprotegido pela sua incapacidade
física e psíquica de sobreviver por si só, portanto, no momento em que sua dependência
é absoluta. A dependência física significa sentir-se amparado pelas mãos de quem cuida,
principalmente pelas mãos da mãe, com as quais tem muita familiaridade.
Reflexo de Moro
O reflexo de Moro foi descrito por Ernst Moro (1874-1951), médico e pediatra austríaco,
que descobriu reações do bebê durante os três primeiros meses de vida. Avaliaram-se
respostas involuntárias, como a abertura dos braços e das mãos quando alguém afrouxa
o braço que está segurando o bebê e a mão que está apoiando sua cabeça, deixando-a
cair por uns dois centímetros, sem retirar as mãos, criando um pequeno vácuo. Esse
movimento provoca um susto na criança, que expressa receio de cair. Após estirar
os braços e espalmar as mãos, o bebê encolhe os braços rumo ao corpo, relaxando,
e dá demonstração de estar seguro. Esse reflexo é primitivo e, por isso, não perdura
por mais de cinco meses. Se, porventura, essas reações ultrapassarem os cinco meses,
torna-se necessário realizar uma avaliação neurológica na criança.
Winnicott (1983) faz considerações importantes a respeito da origem da psicose e diz que
esse transtorno não está relacionado ao complexo de Édipo. Segundo ele, Freud situou
a má resolução das etapas do desenvolvimento psicossexual em pontos de fixação. Esses
pontos são geradores de muita ansiedade e, sendo a ansiedade intolerável, o indivíduo
desenvolve defesas para se proteger de manifestações perigosas ao ego. A regressão
a pontos de fixação é desencadeadora de enfermidades psíquicas. Já para Winnicott,
a origem das psicoses não está associada à ansiedade em decorrência do complexo de
Édipo e à regressão ao ponto de fixação da fase fálica, e sim ao desenvolvimento da
criança e ao ambiente onde sua personalidade é formada.
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Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
Um ambiente que não foi suficientemente bom para auxiliar o bebê na sua independência
e integração do ego é responsável pelo desencadeamento de transtornos mentais,
sendo a psicose um dos principais temas estudados por Winnicott. Ele escreve no
livro “O ambiente e os processos de Maturação” (1983, p. 231): “Psicose é uma doença
de deficiência do ambiente”.
Ao ser colocada em posição supina, a cabeça da criança é suspensa com suporte
pelo examinador, levantando também o corpo da criança minimamente.
Num movimento súbito, o examinador solta a criança, simulando uma
queda e presenciando o reflexo de Moro em condições normais, mas logo
em seguida já sustenta a cabeça da criança novamente.
Psicose
No decorrer na obra de Winnicott, este aborda inúmeras vezes acerca do estado
psíquico da psicose. O autor muito contribuiu para a elucidação desse tema e, no
decorrer de seus escritos a respeito das fases do desenvolvimento inicial individual,
esse estudo muito se fez presente e desempenhou um papel muito importante em toda
a obra winnicottiana.
Quando apontamos para a “falha ambiental” descrita pelo autor, é importante que se
note que essa falha opera no sentido de impedir que o indivíduo caminhe em direção à
maturidade, ou, melhor dizendo, que a conquista de seu desenvolvimento pessoal não
venha a acontecer da forma esperada. É necessário que o indivíduo tenha um ambiente
suficientemente bom, dito como facilitador, para que haja a tendência inata de ele ir
em direção à integração; quando não há esse ambiente, essa integração é interrompida.
Sobre isso, Winnicott aponta que o distúrbio esquizofrênico surge como o “negativo”
do processo, que pode, em algum momento, ser pormenarizado como “positivo” no
processo no que tange à maturação da vivência infantil em seus primeiros anos de vida
(WINNICOTT, 1965vi, p. 15). É possível perceber que, no sentido da maturação, o
que é comprometido é o caminho diante da falha do ambiente:
Nesse sentido, a falha da provisão elementar básica inicial perturba os
processos de maturação, ou evita que eles contribuam para o crescimento
emocional da criança, e é esta falha do processo de maturação, integração, etc.
que constitui o estado de doença quechamamos de psicótico (WINNICOTT,
1963a, p. 232).
Com base em toda a obra de Winnicott, é possível notar que este coloca em evidência e
trata com muita importância os primeiros meses e primeiros anos de vida do indivíduo.
O autor relaciona os primeiros meses de vida como um período de dependência
41
Unidade I | O modelo Winnicottiano e o futuro
absoluta, ou seja, o bebê necessita de outro alguém para sanar suas necessidades básicas,
e é nesse período que surgem as afecções psicóticas, que são as falhas do ambiente as
quais impactam a vida desse bebê. Winnicott complementa sua análise dizendo que
é nesse ponto, entre essas suas questões descritas anteriormente, que a psicose se
desenvolve, e é esse ponto, também, que marca o momento em que o autor se afasta
da Psicanálise de Freud, destacando, assim, as questões que envolvem a relação de
dependência com o ambiente, das relações objetais e daquilo que se refere à teoria da
sexualidade. Sobre o início de sua teoria a respeito da psicose, Winnicott nos diz que:
“Ver-se-á que na tentativa de datar o início da psicose eu estou, portanto, me referindo
ao grau de dependência do indivíduo e não à vida instintiva pré-genital do indivíduo,
nem ao estágio da primazia da zona erótica do lactente” (WINNICOTT, 1965h, p.
124). É possível perceber, também, que é no período da “dependência absoluta” que
o ambiente precisa se adequar às necessidades do bebê, pois, caso isso não ocorra, há
a possibilidade de que a organização da psicose aconteça. Winnicott aborda sobre os
graus de dependência e diz:
Podemos considerar os graus de dependência em uma série: a) Dependência
extrema. Aí as condições precisam ser suficientemente boas, senão o lactente
não pode iniciar seu desenvolvimento inato. Falha ambiental: deficiência
mental não orgânica; esquizofrenia dainfância; predisposição a doença mental
hospitalizável mais tarde (WINNICOTT, 1965vc, p. 64).
De modo mais amplo, é possível afirmar que Winnicott considera que a psicose
se estrutura como uma forma de o indivíduo se defender de ansiedades, angústias
e necessidades não sanadas. Em outras palavras, foi a forma como o eu conseguiu
se proteger da falta. A partir dessa falta, ocorre, portanto, uma desintegração, uma
desconexão do corpo, e isso faz com que o eu se perca de si mesmo. Winnicott diz:
“Pode-se reconhecer que essas são especificamente a essência das ansiedades psicóticas,
e pertencem, clinicamente, à esquizofrenia ou ao aparecimento de um elemento esquizoide
oculto em uma personalidade não psicótica nos demais aspectos” (WINNICOTT,
1965N, p. 57). O holding e o ambiente se entrelaçam na obra de Winnicott e, para
ele, no início da vida infantil, no momento em que o eu infantil está em formação,
este depende de forma direta do apoio do ego materno (ambiente) ou, também, do
holding, para que assim consiga amadurecer. Quando ocorre falha ou insuficiência
destes, o resultado acarretado será o desenvolvimento da psicose. Winnicott pontua
que: “As consequências de um apoio defeituoso ao ego por parte da mãe podem ser
tremendamente devastadoras [...]” (WINNICOTT, 1965n, p. 57). O autor diz ainda que:
42
O modelo Winnicottiano e o futuro | Unidade I
Dentre todas as contribuições feitas por Winnicott em sua obra (que são inúmeras,
por sinal), foi ele, como já vimos, o responsável por trazer grandes construções acerca
da psicose e da etiologia dessa condição. Além disso, o autor se ocupou em falar a
respeito das formas de manifestação desse estado psíquico e contemplou-a de maneira
detalhada. Ao citar a esquizofrenia infantil ou autismo, Winnicott direcionou-se muito
mais rumo à etiologia psicológica do que frente à etiologia neurológica, ou seja, ele
considerou, em primeiro plano, a psique humana:
Este conhecido grupo clínico contém doenças secundárias a lesão ou
deficiência física do cérebro e inclui também algum grau de cada tipo de
falha nos pormenores da maturação inicial. Em boa proporção desses casos
não há evidência de doença ou defeito neurológico (WINNICOTT, 1965n,
p. 57).
em que o sujeito está inserido. A falha no ambiente está ligada de forma ampla ao
elemento esquizoide:
Estes graus e tipos de defeitos da personalidade podem se relacionar, na
investigação de casos individuais, com vários tipos e graus de falhas em
cuidado, manejo e apresentação de objeto no estágio inicial. Isto não significa
negar a existência de fatores hereditários, mas antes complementá-los em
certos aspectos importantes (WINNICOTT, 1965N, p. 58).
» personalização;
Tendo estas como pontos primordiais, Winnicott (1965) afirma que é possível que
ocorram falhas que podem compilar no desenvolvimento da psicose, quer dizer, há
uma falha na integração/holding, que está relacionada o cuidado do indivíduo; falha na
personalização, que está relacionada ao manejo; e falha na relação com o objeto, está
relacionada à apresentação de objeto (BUSNARDO, 2012).
44
O PARADIGMA
WINNICOTTIANO
DIANTE DOS UNIDADE II
DESAFIOS ATUAIS DA
PSICANÁLISE
CAPÍTULO 1
De Freud a Winnicott: aspectos de uma
mudança paradigmática
De acordo com Rocha (2008), ainda que nos deparemos com aqueles que controvertem
a metapsicologia freudiana no seu estatuto de ciência, muitos não se mostram
indiferentes à descoberta do inconsciente e à sua representatividade no enredo da
cultura contemporânea.
Rocha (2008) diz que, “tendo fracassado como ciência, a psicanálise teria se tornado objeto
de ‘crença’ e, como tal, pode facilmente tornar-se também um objeto de ‘descrença’”.
45
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise
46
O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II
ela pretende salvaguardar o lugar que conquistou no campo das ciências humanas?”
(ROCHA, 2008).
O primeiro desafio a que Rocha (2008) se refere está ligado à situação socioeconômica.
Os grandes desafios são aqueles que surgem da própria situação socioeconômica
desse amanhã, que, ao que tudo indica, será muito mais ainda marcado pela
globalização da economia e da política, que, salvo melhor juízo, parece
favorecer os mais privilegiados e castigar os menos abastados. [...] A
psicanálise assumir-se-á definitivamente como uma experiência terapêutica
da elite, privilégio de alguns felizardos da sorte ou das injustiças sociais
(ROCHA, 2008, p. 114)
Nesse sentido, trazemos à luz conflitos internos que se relacionam ao “vazio interior,
ao choque das identidades e ao fascínio das palavras ocas” (ROCHA, 2008). O mundo
encontra-se, há algum tempo, num campo de vivência objetificada, em que o sujeito
vive em função da busca por mais prazer e menos sofrimento, direcionando aos objetos
a chance de constituir a si mesmo enquanto sujeito.
A Psicanálise precisará confrontar-se com algumas realidades atuais para escapar dos
problemas do amanhã. Rocha (2008) chama atenção para questões que precisarão ser
repensadas para além do tempo e da teoria.
[...] outro grande desafio para a psicanálise de amanhã: Como se comportará
a psicanálise diante das grandes questões que atingem a sexualidade como
a epidemia da Aids, a emancipação da homossexualidade, as mudanças na
família e nas imagens paterna e materna e as drogas? [...] E o que deve ela
fazer para poder assumir tais desafios? Repensando a teoria e alargando a
escuta clínica (DA POAIN, 1999, pp.28-29). [...] Não dissociar o inconsciente
do imaginário social, no qual ele se nutre e se forma. Repensar a questão
dos ideias. Olhar a psicanálise como uma forma de saber “em mutação” e
não como um saber sistematizado e estabelecido (pp.114-115).
47
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise
À vista disso, a Psicanálise precisará encorajar-se para laborar não apenas o que a
teoria transmite sobre “as novas patologias da contemporaneidade, mas, também, de
perguntar o que estas patologias têm a dizer à psicanálise” (ROCHA, 2008). Nesse
sentido, será possível, de maneira sensível e contemporânea, repensar a teoria e ampliar
a escuta. Cada sujeito possui seu próprio universo, sua subjetividade inconsciente, e a
amplitude da escuta precisa ter como base o método principal da teoria psicanalítica: a
associação livre de palavras frente ao analista, pois é por meio dela que é possível acessar
esse universo particular e transformar “as repetições das vivências transferenciais na
produção de uma nova maneira de ser” (ROCHA, 2008). Os desafios se apresentam a
cada transformação do mundo, da sociedade e da cultura. Faz-se necessário que estes
sejam enfrentados e vencidos para que o futuro da Psicanálise possa “vir a ser”.
Associação livre
Trata-se da regra fundamental da Psicanálise e esta fez um percurso que atravessou da
hipnose até chegar ao que é a associação livre. Rocha (2008) aponta de forma clara que
a associação livre consiste no momento em que o indivíduo se encontra em análise e
verbaliza o que lhe ocorre na mente, sem se preocupar com as exigências de censura,
sejam elas pertencentes à sua consciência moral ou social; é falar sem fazer escolhas
conscientes daquilo que se quer dizer, abandonando os caminhos e construções lógicas
formais do pensamento, deixando que sua fala circule livremente. Para Rocha (2008),
“esse método analítico libera os pensamentos de suas intenções conscientes e os faz
gravitar em torno de pontos de atração que são inconscientes” (ROCHA, 2008).
Precisamente para que o imaginário do cliente pudesse com mais facilidade
soltar as suas asas, produzindo um modo de pensar e de falar mais livres,
Freud criou o espaço da análise e, nele, optou pelo divã do paciente e pela
poltrona do analista. Evitando o face a face no diálogo terapêutico, ele quis
deixar livre o espaço da análise para que a linguagem do inconsciente mais
facilmente pudesse manifestar-se e as associações livres mais facilmente
pudessem ser feitas (ROCHA, 2008, p. 107)
48
O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II
49
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise
De modo mais específico, as mudanças nos paradigmas acontecem para que ocorram as
ditas “revoluções científicas”. Os novos entram em cena e são tidos como promissores,
visto que estão aptos a solucionar tanto as questões problemáticas principais que já
foram resolvidas quanto os desequilíbrios e anomalias, já que podem aumentar o alcance
de resolução de questões problemáticas da ciência. Estes atuarão como substitutos dos
paradigmas antigos que se encontram em crise (LOPARIC, 2006).
O paradigma freudiano
Em breves palavras e com base no que Loparic (2006) nos apresenta, pode-se dizer
que o arquétipo fundamental da teoria criada pelo estudo vanguardista de Freud vem
a ser o ele chamou de complexo de Édipo. É nessa fase infantil em que a criança vive,
na cama dos pais, envolvida de forma profunda com seus conflitos internos geradores
de neuroses, que se relacionam, ainda, com a condução das relações triangulares e
pulsões sexuais.
Não sendo surpresa, sabe-se que o marco e o ponto central de Freud é a teoria da
sexualidade, que foi incessantemente criticada e rechaçada à época. Freud explica a
ontologia do ser na parte metapsicológica da teoria, que apresenta a sustentação de um
aparelho psíquico individual que se conduz por meio das pulsões libidinais e distintas
energias psíquicas que se estabelecem em causa-efeito. No tocante à metodologia
freudiana, esta é pautada na interpretação e manejo do material transferencial, que
consiste nas repetições das configurações vinculares do sujeito em sua vivência, bem
como em questões envoltas pelo atravessamento do complexo de Édipo. Loparic (2006)
diz que “os valores epistemológicos básicos são os das ciências naturais, incluindo
explicações causais, e o valor prático principal é a eliminação do sofrimento decorrente
dos conflitos internos pulsionais, do tipo libidinal” (LOPARIC, 2006).
O paradigma winnicottiano
A Psicanálise atravessou diversas reformulações, inclusive feitas pelo próprio Freud.
Tais reformulações foram feitas, em sua maioria, frente aos acontecimentos que surgiam
durante os atendimentos de Freud. Nas investigações de Winnicott, o paradigma
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O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II
freudiano entra em crise, dando assim, espaço para o caminho rumo a um novo
paradigma. Das motivações que levaram Winnicott a ir mais além, há de se considerar
a principal crise no acúmulo de obstáculos clínicos, dentre eles “as manifestações da
tendência antissocial e da psicose infantil”, que não eram teoricamente compreendidas
e nem clinicamente tratadas a partir do olhar paradigmático freudiano e sua formulação
do complexo de Édipo. Para Winnicott, muito embora estas não atendessem a essas
demandas clínicas, não deveriam ser excluídas do âmbito de aplicação da Psicanálise.
Com base em seus estudos sobre a etiologia e a classificação dos distúrbios
e a etiologia destes, Winnicott ampliou e modificou substancialmente o
conceito de clínica psicanalítica, descrevendo três variedades básicas de
“psicoterapia”: a das psicoses, a das depressões reativas e das neuroses e a
da tendência antissocial (WINNICOTT, 1987, cap. 27, p. 146).
51
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise
sua codificação, e não sobre a metapsicologia. Em verdade, o que ocorreu foi que
Winnicott deparou-se com uma série de anomalias em que o paradigma freudiano,
o exemplar de Édipo e a teoria da sexualidade não eram capazes de compreender e a
problemática resistia nas clínicas.
Visto que Winnicott vislumbrava aspectos para os quais a Psicanálise de Freud não
alcançava resolução, faz-se necessário pensar, portanto, acerca das possíveis modificações
para assegurar que a Psicanálise se desenvolva nos campos em que ele percebe deficiência.
Para começar, Loparic (2008) fala sobre a necessidade de afastar-se do paradigma
edípico, que se baseia na estruturação do complexo de Édipo e na teoria da sexualidade,
elaborada como sendo a “teoria-guia” da Psicanálise.
Winnicott propõe que o bebê no colo da mãe precisa crescer, isto é, constituir uma base
para continuar existindo e integrar-se numa unidade. Algo importante a se considerar
é a “generalização-guia”, que consiste numa “teoria do amadurecimento pessoal”, cuja
“teoria da sexualidade” é apenas de um fragmento. Sobre isso, Loparic (2008) nos diz
que: “se supusermos que a mudança winnicottiana do paradigma freudiano aconteceu,
como diria Kuhn, de forma análoga a um Gestalt switch, ela não podia limitar-se a pontos
isolados, devendo abranger todo o campo teórico da psicanálise” (LOPARIC, 2008).
Não se pode negar que Winnicott, de fato, rompendo com a Psicanálise freudiana,
conseguiu introduzir um modelo considerado novo em relação ao objeto de estudo
psicanalítico que se encontra alinhado ao conceito da integração, considerando,
principalmente, as relações interpessoais, as coisas e as questões psicossomáticas. O
seu método se encarrega de salvaguardar a função de externar, por intermédio da
fala, o conteúdo transferencial. Desse modo, admitem-se apenas as interpretações
que são baseadas na sua teoria do amadurecimento, sem recorrer à metapsicologia
freudiana. Além disso, inclui o manejo da regressão à dependência e do acting-out dos
antissociais. A intenção principal é a supressão de defesas erguidas que operam no
sentido de paralisar o amadurecimento e, ainda, a facilitação para que possa acontecer
o que se espera, mas que ainda não veio a acontecer; tal como que se associe ao que
continuou ou se fez dissociado e cindido. Os conflitos no paradigma winnicottiano
que causam sofrimento ao sujeito, sejam eles internos ou externos, deixam de ocupar
um lugar fundamental, ficando, assim, em segundo plano, reconhecido como parte
sadia de vida (LOPARIC, 2008).
52
O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II
Visto isso, há de se considerar, de acordo com Loparic (2008), que “existe uma tendência
geral voltada para o crescimento físico, e uma tendência ao desenvolvimento na parte
psíquica da parceria psicossomática”. Por conseguinte, no que tange às esferas física e
psíquica, as tendências hereditárias, que estão juntas à psique, inserem as tendências
que carregam à integração ou ao alcance da totalidade. A sustentação das teorias acerca
do desenvolvimento da personalidade vem a ser, de certo modo, a linha da vida e sua
continuidade que possui seu princípio antes no nascimento do bebê (1987a, pp. 89–90;
tr. p. 79).
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CAPÍTULO 2
As explorações psicanalíticas
O autor considera que o brinquedo, quando na análise dos adultos, se difere da fantasia
e do sonho. Nesse sentido, sua intenção é demonstrar como o brincar pode operar
em uma análise com adultos. É por intermédio desse brincar que, no momento em
que o adulto se silencia, o analista consegue fazer as interpretações durante a fase de
manipulação do brinquedo.
Em uma análise, um dos supervisionados por Winnicott trouxe um caso que chamou
a atenção no que diz respeito à lógica do brincar para adultos. O paciente em questão
relatou ter encontrado um “atalho para a análise” e, ao discorrer a respeito disso,
contou que passara pelo playgroud das crianças. Esse sujeito percebera a importância
e o valor do brinquedo. Como era um paciente que já tivera episódios de violência,
Winnicott chama a atenção para o fato de quão importante é que situações em que
surja o “senso de humor” não venham a ser negligenciadas, pois esse sujeito deposita
esperança de chegar ao final de sua análise sem que haja momentos em que o “manejo
controlador” se torne necessário, e tudo isso a partir de um ambiente propício e que
demonstre leveza (ao invés de controle) para que o sujeito se torne capaz de brincar.
54
O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II
café, e, ainda, um sonho que poderia ter lhe ocorrido de ter um café servido por ele,
Winnicott considerou essa situação como uma questão de brinquedo.
Acerca de outro caso clínico, Winnicott relata sobre um paciente que tinha certa
dificuldade com o brincar. Esse homem buscara a análise devido à sua incapacidade
de manter amizades. Em uma das sessões, o paciente fez uma observação: “Estive
pretendendo dizer-lhe que gosto de entrar e sair, porque isso é um brinquedo, com
toda essa história a respeito de uma rotina e evitar ver os outros pacientes, e assim por
diante”. Tal observação chamou a atenção de Winnicott e atingiu um ponto importante
da análise desse sujeito.
Para que esse homem pudesse fazer essa observação, havia a razão de que, nas
sessões anteriores, tratáramos do brincar e, em sua análise, havia chegado a
hora de que eu o fizesse ver que, em vez de brincar, ele estava se masturbando
com regularidade, e que o fantasiar se achava trancado na masturbação
(WINNICOTT, p. 25).
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Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise
que existe uma experiência partilhada, ainda que sobre uma área limitada
do fantasiar total (Winnicott, p. 25)
Ou seja, para Winnicott, o brincar na análise com o adulto desempenha um papel muito
importante e que há muito a ser considerado e visto mesmo que as fantasias ainda se
mantenham ocultas, sem a possibilidade de serem compartilhadas em sua totalidade.
Quando o sujeito passa a saber de sua confusão como defesa, isso o ajuda na “aceitação
da utilidade das obsessões, as quais, contudo, não são por isso curadas”. Existe um
relacionamento entre a depressão e a obsessão, e Winnicott as descreve da seguinte
maneira:
[...] (a) pessoas deprimidas e obcecadas não toleram umas às outras; (b)
determinado paciente movimenta-se para lá e para cá, da depressão para a
obsessão. De modo geral, o paciente sente-se mais real no estado deprimido,
mas as obsessões passageiras podem proporcionar um alívio temporário
quanto ao humor (WINNICOTT, p. 26).
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O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II
Existem questões que se manifestam acerca do que pode tornar um sujeito “deprimido
capaz de ficar obsessivo”, e ocasionalmente, “do que faz um sujeito obsessivo tornar-se
temporariamente deprimido”, ao mesmo tempo em que alguns pacientes se preservam
em outra categoria diagnóstica. De acordo com Winnicott, “esta questão enfatiza o
fato de que a depressão, como estado clínico, não é a posição depressiva”. Desse modo,
essa passagem descrito logo anteriormente e o fracasso do paciente em alcançá-la
encontram-se subjacentes, análogo aos estados de depressão e de obsessão.
No que diz respeito às primeiras realizações na posição depressiva, Winnicott traz para
a discussão questões relacionadas ao “acúmulo de lembranças de boa maternagem”
(p. 27). Quanto ao caso do obsessivo, ao invés desse tipo de lembrança, ocorre uma
acumulação de lembranças relacionadas ao “treinamento, ensino, implantações de
moralidade”. É possível perceber que há uma constate quando se faz a comparação dos
dois cenários de maternagem inicial. A comparação desses dois estados parecem-me
conduzir a um contraste entre dois tipos de maternagem inicial.
Acerca da confusão como defesa, Winnicott chama a atenção para uma questão
importante:
A confusão como defesa organizada deve ser analisada desde que se queira
que o paciente chegue àquilo que se encontra sempre no centro do indivíduo,
um caos primário, a partir do qual se organizam amostras de autoexpressão
individual (WINNICOTT, p. 27).
57
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise
Nesse sentido, Winnicott nos diz que, na clínica, quando se é possível propiciar o alívio
em relação à “dissipação da confusão da defesa organizada”, o sujeito se capacita para
que possa chegar ao “caos primário” erigido no cerne. Só é possível alcançar isso em
meio a um ambiente que “seja do tipo especial, por mim denominado preocupação
materna primária, isto é, quando a mãe (analista) que sustenta está identificada em alto
grau com o bebê sustentado” (p. 27). Quando esse ponto da análise é atingido, o sujeito
necessita de um sustento e amparo simbólico por parte do analista. Para Winnicott,
caso haja o fracasso nesse ponto da análise, poderá esta acarretar uma “queda para
sempre do self não integrado e o afeto que corresponde a isto é uma ansiedade de
intensidade psicótica”.
Acerca dos “produtos dos brinquedos”, é possível perceber que, junto ao elemento
essencial, que é o prazer, o brinquedo pode propiciar para a criança o desenvolvimento
de práticas ligadas a:
1. “manipulação de objetos”;
58
O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II
Por meio do brinquedo, a criança consegue lidar de forma criativa com a realidade
do mundo externo. A partir disso, é possível que ela produza um “viver criativo
que a conduz a uma capacidade de sentir-se real e sentir que a vida pode ser usada
e enriquecida” (p. 50). Quando a criança não tem acesso ao brinquedo, ela se torna
incapaz de ver o mundo de forma criativa e, como efeito disso, “é arrojada de volta a
submissão e a um senso de futilidade ou a exploração de satisfações instintuais diretas”
(p. 50). No que tange à administração da agressão e da destrutividade, o brinquedo
possui uma incumbência vital, visto que “quando a criança tem a capacidade de fruir
a manipulação de símbolos”. Ou seja, durante o brincar, ela pode destruir e restaurar;
ferir e reparar; sujar e limpar; matar e trazer à vida. Além disso, com a “conquista
adicional da ambivalência, em lugar da cisão do objeto (e do self) em bom e mau” (p. 50).
59
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise
A “relação com a masturbação” também tem suas ligações com o brincar. Winnicott
diz que, ao chegar a essa fase etária, pode existir uma linha tênue entre “a masturbação
física com fantasia inconsciente e a atuação compulsiva da fantasia masturbatória” como
fragmento de um investimento, em sua grande parte inconsciente, de confrontar o
conflito e a culpa a respeito da masturbação real.
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O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II
fase anal” (WINNICOTT, p. 38). Winniccot chama a atenção para a forma como essas
fantasias devem ser vistas e salienta que, mesmo que existam denominadores comuns,
é preciso analisá-las de forma a considerar caso a caso.
Para falar desse assunto, o autor descreve uma “história de uma fantasia de espancamento
que persistiu através de toda uma longa análise e da qual a elucidação só chegou ao
final desta” (WINNICOTT, p. 38).
A paciente se mostrava inquieta diante de uma ideia pervertida e chegou a dizer para
Winnicott que sua análise não seria bem-sucedida se isso não fosse esclarecido. A ideia
que lhe ocorria com frequência em sua vida funcionava como uma “válvula sexual de
escape”. Em verdade, tratava-se de detalhe importante, quando foi revelado que na
fantasia em si, não havia sofrimento.
Tinha havido um acontecimento inicial da infância que resultou nesta fantasia
estabelecida. Desde o início da análise, sabia-se que, em certo estágio do
desenvolvimento, à época em que a paciente contava aproximadamente cinco
anos de idade, a surra fora aplicada por uma certa Sra. Stickland e era óbvio
que a vara [stick] que a mulher possuía era importante (WINNICOTT, p. 38).
Para a paciente, a situação era encarada como sendo de importância primordial e não
se trava apenas de uma ideia. Das lembranças que ocorriam durante as sessões, uma
delas era da mãe da paciente, que retirava uma vara de dentro do guarda-roupas; outra
cena que lhe ocorria à memória era sobre seu pai e a ideia de que este a havia surrado
num momento de excitação sexual. Contudo, com o decorrer das sessões, foi possível
perceber, na verdade, que tudo se tratava de um equívoco, e uma fantasia encobridora
que se colocou por trás do emaranhado. Em determinado momento, Winnicott e a
paciente perceberam e concordaram que não ocorrera a cena real de espancamento.
A paciente esteve em análise por longo período − com Winnicott, por exemplo, ela
permaneceu por cerca de 10 anos. Com base nos relatos, sabe-se que ela passou por
regressões profundas e, em certos momentos, era necessário que ele a visitasse. No
percurso da análise, Winnicott percebeu como era doloroso para a paciente e para
ele passar pela tensão do tratamento que, inevitavelmente, era penoso para ambos.
61
Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise
visto que seu contato sexual com homens tornara-se sem sentido. A paciente também
não manifestara experiências homossexuais, apesar de que teria atraído pessoas com
quem pudesse ter tido experiências com essa relação. Para Winnicott, “a ausência de
experiências homossexuais fazia parte de sua extrema desesperança no relacionamento
com a mãe, a mesma que aparece também na fantasia de espancamento”.
Caminhando para o fim da análise e em busca de resoluções, foi possível, por meio da
análise do material, que exigiu interpretação, perceber que:
[...] a ideia do espancamento estava suplantando uma extrema desesperança
a respeito de comunicar-se com a mãe em nível anal. Toda sua vida a
paciente manipulara a sua flatulência e havia em verdade desenvolvido
uma técnica de especialista a este respeito, mas, tudo foi em vão e houve
um período de depressão profunda associada com o pleno reconhecimento
da absoluta desesperança que ela tivera, em bebê, com referência a qualquer
comunicação com a mãe por esta maneira. Isto seguiu-se, naturalmente, a
uma desesperança mais profunda a respeito de comunicar-se em nível oral,
mas o fracasso aqui ia tão fundo e envolvia processos tão primitivos que o ego
da paciente não se achava suficientemente organizado para ela experienciar
pesar ou desesperança. Ela podia apenas sentir que sua boca e seu apetite
haviam-se ido com a mãe que a desmamara e abandonara com a idade de
dois meses a uma babá. A paciente sentia que a fantasia de espancamento
se achava relacionada a uma fixação (WINNICOTT, p. 39).
Ou seja, a questão ganhou um novo sentido e chegou luz ao que se manteve escondido
na inconsciência, envolto pelas “lembranças encobridoras”. Tornou-se possível pensar,
62
O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II
quiçá, “talvez possível vincular o detalhe de nunca ter havido qualquer sensação de ficar
machucada com o fato de que o masoquismo e a fixação da mãe é que eram operativos”.
Um ponto importante a que Winnicott chama a atenção é para o fato de que a construção
do processo se dá com o tempo e as mudanças só poderiam ocorrer neste caso quando
a fixação na mãe aparecesse nas sessões de análise. Em outros termos, a “interpretação
da fixação anal e do sadismo reprimido da mãe” só pôde ser realizada ao final da
análise, baseando-se tal opinião no que diz respeito ao material fornecido na análise,
que permitiu que as interpretações pudessem ser feitas.
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Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise
Ao tocar nesse assunto, Winnicott traz para a discussão um termo utilizado por
Sechehaye: “realização simbólica”. Em seu sentido amplo, essa expressão carrega o
significado de “tornar real o símbolo, apenas que, desde nosso ponto de vista, que
trata da primeiríssima infância, estamos pensando em tornar real a alucinação” (p.
44). A valer, inicia-se, assim, a capacidade que o bebê constitui em si de utilizar-se dos
símbolos, no qual o desenvolvimento é constante e o objeto transicional passa a ser o
primeiro símbolo. Nesse ponto, o símbolo é, concomitantemente, “tanto a alucinação
quanto uma parte objetivamente percebida da realidade externa” (p. 44). Desse modo,
fica claro que Winnicott retrata a vida de um bebê que significa, também, a relação do
meio ambiente, por entre a mãe ou por aquele que a substituirá na função para com
o bebê. Fala-se, portanto, acerca de um par que cuida”.
Esta maneira de enunciar o significado do objeto transicional torna necessário
que empreguemos a palavra ilusão. A mãe está capacitando o bebê a ter a
ilusão de que objetos da realidade externa podem ser reais para ele, isto
é, que eles podem ser alucinações, uma vez que são apenas estas que são
sentidas como reais. Se se quer que um objeto externo pareça real, então o
relacionamento com ele tem de ser o relacionamento que se tem com uma
alucinação (WINNICOTT, p. 45).
Em outros termos, é concebível dizer que um objeto externo não tem existência para nós,
afora na medida em que o alucinamos, contudo, mantendo-nos como sãos, é necessário
que tomemos o cuidado de não alucinar, exceto quando sabemos o que devemos ver.
Neste sentido, é possível que alguns equívocos sejam cometidos, principalmente se o
sujeito estiver em situação de cansaço ou penumbra.
De acordo com Winnicott, “o bebê com um objeto transicional acha-se a todo o tempo
neste estado em que lhe é permitido ficar e, embora seja louco, não o chamamos de
loucura” (p. 45). Caso o bebê conseguisse exprimir em palavras, sua fala viria com a
seguinte reivindicação: “Este objeto faz parte da realidade externa e eu o criei”. A partir
disto, é possível que se chegue a um significado muito importante no tange ao mundo
do bebê: a onipotência. Esta aparece na primeira infância e, quando nos deparamos
com ela, não se pode mencionar apenas a “onipotência de pensamento”. Em verdade,
o bebê crê em uma onipotência que acaba se ampliando em direção a certos objetos
e, eventualmente, incorpora a mãe e até outras pessoas no meio ambiente imediato.
Uma das transições é do controle onipotente dos objetos externos para o
abandono do controle e, finalmente, para o reconhecimento de que existem
fenômenos que se acham fora de nosso próprio controle pessoal. O objeto
transicional que faz parte tanto do bebê quanto da mãe adquire uma nova
condição a que damos o nome de posse (WINNICOTT, p. 45).
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O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II
Para exemplificar outros casos, Winnicott traz à luz algumas possíveis situações:
[...] o uso do polegar ou dos dedos, que pode persistir, e pode haver ou não
o acariciar afetuoso de alguma parte do rosto ou de alguma parte da mãe,
ou, ainda, de um objeto, tudo a ocorrer ao mesmo tempo. Em alguns casos,
o acariciamento continua e perde-se de vista o sugar do polegar ou dedo.
Então, com frequência acontece que um bebê que não utilizou a mão ou o
polegar para gratificação autoerótica, apesar disso, pode usar um objeto de
um ou outro tipo. Quando um objeto é empregado, geralmente se descobre
uma ampliação do interesse, de maneira que, em breve, outros objetos se
tornam importantes (WINNICOTT, p. 46).
Seja por essa motivação ou por outra, as meninas possuem a tendência a agarrar-se
a objetos macios, até utilizarem bonecas, e os meninos possuem a tendência a ir em
busca de agarrar-se a objetos duros.
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Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise
A segunda abordagem a respeito da qual Winnicott versa diz que, a rigor, “o objeto
transicional e os fenômenos transicionais encontram-se na própria base do simbolismo”
(p. 47), portanto, pode-se, com razão, reivindicar que os fenômenos designam a
origem, seja na vida do bebê ou da criança. Trata-se “de uma espécie de terceira área
da existência, uma terceira área que tem sido difícil de encaixar na teoria psicanalítica”
(p. 47), que precisou ser construída pouco a pouco. Essa terceira área seria capaz de
evidenciar ser a vida cultural do sujeito. No que diz respeito às três áreas de existência,
Winnicott as revela como sendo:
» realidade externa;
Para além das três áreas que Winnicott diferencia, ele também faz uma diferenciação
entre o “objeto transicional”, teoria elaborada por ele, e a teoria de Klein sobre o “objeto
interno”. Para ele, o objeto interno é uma questão que envolve a realidade interna,
que se torna gradativamente complexa a cada etapa vivenciada pelo bebê. Já o “objeto
transicional é um pouco um cobertor, mas, para o bebê, é um representante tanto do
seio da mãe quanto do seio internalizado dela” (p. 48).
66
CAPÍTULO 3
A reconstrução da psicanálise
winnicottiana
Para falar a respeito da “construção”, que vem a ser a modalidade do trabalho analítico
em Freud, Laplanche e Pontalis apresentam que “construção” é um “Termo proposto
por Freud para designar uma elaboração do analista mais extensiva e mais distante
do material que a interpretação, e essencialmente destinada a reconstituir nos seus
aspectos simultaneamente reais e fantásticos uma parte da história infantil do sujeito”
(LAPLANCHE, 1967, p. 97).
No mesmo artigo de Freud citado acima, ele busca, então, diferenciar construção ou
reconstrução daquilo que frequentemente intitulamos como interpretação.
“Interpretação” se refere àquilo que se empreende com um elemento
singular do material: uma ocorrência, um ato falho etc. É “construção”, em
contrapartida, apresentar ao analisado uma peça de sua pré-história esquecida,
por exemplo, da seguinte maneira: “Você, até o seu ano x, considerou-se como
o único e irrestrito possuidor da sua mãe. Veio, então, o segundo filho e, com
ele, uma séria desilusão. A mãe abandonou você por um tempo e, depois,
nunca voltou a se lhe consagrar com exclusividade. Seus sentimentos em
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Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise
Por se tratar de uma análise bastante característica da obra freudiana, torna-se possível
contemplar que as reconstruções empregadas por Freud diziam respeito, a todo
momento, da “história sexual do paciente, seus acontecimentos traumáticos, seus
avatares, as marcas e fantasias dela decorrentes e seu papel na formação dos sintomas
mórbidos” (NETO, 2018). O complexo de Édipo aloca-se num espaço central no que
tange às teorizações psicopatológicas de Freud, e ainda, é possível declarar que as
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O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II
Para Winnicott, o maior obstáculo está relacionado aos psicóticos, visto que eles
não conseguem existir verdadeiramente, “subsistindo apenas seja na casca de um
falso self cindido do restante da personalidade, seja num retraimento esquizoide,
quando não nos delírios e alucinações de uma esquizofrenia a céu aberto” (NETO,
2018). É, portanto, nessas circunstâncias que as reconstruções em análise vivenciam
outra situação.
Para explicitar claramente, Neto (2018) nos apresenta um caso clínico de Winnicott
que já foi descrito brevemente nesta unidade, que diz respeito a uma fantasia de
espancamento. O caso já foi descrito na seção “Psicogênese de Uma Fantasia de
Espancamento Datado de 11 de março de 1958”. Para Neto (2018), por meio dessa
análise, é possível demonstrar o quanto tal ferramenta é de vultuosa utilidade clínica e,
concomitantemente, é possível “demonstrar que ela somente pode se realizar apoiada
na dinâmica transferencial”.
Sabemos que esse caso se refere a uma paciente de Winnicott que permaneceu em
análise com ele por 10 anos e que foi acompanhada pela fantasia de espancamento, a
qual permaneceu constante ao longo de sua vivência.
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Unidade II | O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise
Ao reconstruir uma parte da história da paciente, o que ocorrera, de fato, era que a
paciente foi desmamada e abandonada aos dois meses de idade pela mãe e deixada sob
os cuidados de uma babá. A paciente tinha consciência disso. Por conseguinte, “deveria
ter havido, também, uma desesperança de a paciente poder comunicar-se com a mãe
num nível oral” (NETO, 2018). Contudo, segundo Winnicott, um bebê de dois meses
ainda não goza de suficiente organização para experimentar pesar ou desesperança.
Desse modo, posteriormente, quando a paciente atinge um nível de organização, o
nível anal, ela consegue dar sentido a essa desesperança. Sendo assim, “a fantasia de ser
espancada, como formação substituta, ainda era melhor do que a realidade de nenhum
contato com a mãe” (NETO, 2018).
Mas essa primeira construção de Winnicott somente adquiriria seu sentido
pleno, a partir da segunda, quando ele conclui – e comunica à paciente –
que a dinâmica sadomasoquista não pertencia à psique dela, mas sim a uma
fixação anal na psique de sua mãe. Ou seja, durante toda a vida, a paciente
mantivera um relacionamento direto com o inconsciente recalcado de sua
mãe, assumindo como sua uma dinâmica da psique materna (NETO, 20018).
Winnicott relata que, com o passar do tempo e conforme a paciente ia ficando mais
velha, houve, por parte da mãe, uma aproximação, e esta se tornou disponível, apesar
de que ela retornou como uma amiga de particularidade triste e sofredora.
Todavia, é importante evidenciar que a primeira construção feita por Winnicott não
somente obteria sentido amplo quando, diante da segunda construção, Winnicott
comunica à paciente “que a dinâmica sadomasoquista não pertencia à psique dela, mas
sim a uma fixação anal na psique de sua mãe” (NETO, 2018). Isto é, no decurso de sua
vida, a paciente permanecera em uma ligação direta com o inconsciente recalcado de
sua mãe, tomando para si uma dinâmica que pertencia à psique materna.
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O paradigma Winnicottiano diante dos desafios atuais da Psicanálise | Unidade II
Winnicott foi capaz de distinguir, a partir das duas reconstruções, o que era da paciente
e o que era de sua mãe. Além disso, “fica evidente o estatuto de uma construção ou
reconstrução analítica” (NETO, 2018). Ademais, tal reconstrução operou-se por
exclusão, quer dizer, considerando que o masoquismo não era pertencente a psique
da paciente, o que foi possível observar e explorar a partir do campo transferencial
durante o transcorrer do tratamento de dez anos, trazendo à luz, assim, as características
sadomasoquistas da mãe, que foram relatadas pela paciente.
Tudo isso, associado à articulação entre a fantasia perversa e a desesperança
e carência de mãe da paciente, formava um conjunto de pistas clínicas
a serem articuladas numa conclusão lógica. Além disso, é provável que
outros elementos não descritos no artigo tenham entrado na produção da
reconstrução winnicottiana, já que as narrativas psicanalíticas – dado o tipo
de material inefável e fugidio com que lidam –, são sempre incompletas
(NETO, 2018).
De modo mais amplo, Neto (2018) nos traz um importante ponto a ser pensado e nos
mostra que o primórdio da construção ou reconstrução no que tange à análise acaba
por remontar à prática de Freud, o criador da Psicanálise, ainda que o complexo de
Édipo ocupe um lugar central em sua teoria. As reconstruções são realizadas com o
intuito de resgatar a história sexual dos pacientes, além dos eventos traumáticos que
envolvem a elaboração edipiana, suas representações de si mesmo, as marcas, cicatrizes
e fantasias que são daí decorrentes e, ainda, “seu papel na formação dos sintomas
mórbidos presentes” (NETO, 2018).
Não obstante, mesmo que haja as diferenças entre as duas práticas pertinentes a cada
autor em questão, a construção conserva-se como uma ferramenta na clínica de vasta
utilidade, ou seja, a ferramenta é considerada substancial ao processo psicanalítico, no
qual opera na busca pela recuperação da história de vida do sujeito.
71
A PSICANÁLISE
COMO MÉTODO DE
TRATAMENTO E COMO
CIÊNCIA NATURAL UNIDADE III
PARA FREUD E PARA
WINNICOTT
CAPÍTULO 1
Reformulações da Psicanálise de Freud
por Winnicott
Psicanálise de Freud
Quando criou a Psicanálise, a proposta de Freud era desenvolver uma ciência do
inconsciente. Era o século XIX e as ciências despontavam, a Psicanálise era vista como
ciência compromissada com a “racionalidade científica, a linguagem da ciência e com
seus critérios metodológicos” (MIGUEL; VIDEIRA, 2011, p. 35). O que predominava
era a filosofia da ciência, que tem como método para guiar suas pesquisas o método
indutivo. Esse método é colocado em prática com a coleta de informações dos fenômenos
observados, e o material coletado é analisado a partir dos fatos importantes selecionados
pelo pesquisador para construir novos conhecimentos, novas teorias. No entanto,
fortalecia-se o método experimental, que passou a dominar o mundo da ciência como
um método válido para se fazer pesquisa e sistematizar ideias na construção de um
paradigma. Por isso, os escritos de Freud, resultado de suas observações e constatações
nos atendimentos clínicos, não foram bem aceitos como produção científica.
Embora seus estudos tenham sofrido restrições, Freud ousou e desenvolveu conceitos
importantes para a construção do método psicanalítico, como o de inconsciente, o
complexo de Édipo, a formação das instâncias da personalidade: isso, eu, supereu.
Esses conceitos formam a base da teoria freudiana, por esse motivo serão detalhados
para compreendermos as reformulações feitas por Winnicott na construção dos
72
A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III
O inconsciente não foi descoberto por Freud (GAY, 1989; LORENZER, 1984;
ROUDINESCO; PLON, 1998; ZIMERMAN, 2001), pois, antes, outros já o mencionaram.
Platão se referiu a ele como dois cavalos alados que se opunham em beleza e docilidade.
Sem controle, punham-se em direções contrárias. Kant (2001) refere-se ao inconsciente
como uma representação obscura que se diferencia da consciência pelo grau, e este
pode ser sempre alterado para menos ou para mais. O próprio Freud (1988/1917), no
artigo “Uma dificuldade no caminho da psicanálise”, reconhece que não foi o primeiro
a escrever sobre os processos mentais inconscientes e nomeia Schopenhauer como um
dos filósofos mais importantes que compõem a lista de precursores do inconsciente.
Schopenhauer (2005) reporta-se a ele como a vontade soberana sobre o intelecto. Ele
diz: “A vontade, considerada puramente em si mesma, é inconsciente; é uma simples
tendência, cega e irresistível [...]” (SCHOPENHAUER, 2005). A vontade, segundo
Schopenhauer, é irracional e cega e se manifesta por meio do corpo.
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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott
Alguns estudiosos definem o inconsciente como uma instância psíquica onde se abrigam
representações reprimidas. Para Jung (1980), o inconsciente se divide em inconsciente
pessoal e inconsciente coletivo. O primeiro armazena as experiências e vivências
individuais, reprimidas ou não. O segundo são as lembranças compartilhadas pelos
antepassados e o legado social transmitido ao longo das gerações. Para Lacan (1988, p.
22), o inconsciente é “estruturado em função do simbólico”, ou seja, o inconsciente é
estruturado como linguagem. Henry Ey (1969, p. 13) diz: “O que define o inconsciente
é que ele é desconhecido da consciência”. Já Winnicott não construiu uma teoria a
respeito do inconsciente, mas, ao longo de sua obra, fez referência a essa instância da
personalidade. Fulgencio (2010) esclarece que:
Winnicott diz que o inconsciente (Id) só pode existir depois que houver
um Eu (ego) que possa constituí-lo como reprimido, para ele nos estágios
mais precoces do desenvolvimento da criança, portanto, o funcionamento
do ego deve ser considerado um conceito inseparável daquele da existência
da criança como pessoa. Não há id antes do ego.
Assim, o inconsciente, como Freud teorizou, não existe na mente do bebê, porque o
bebê não se diferencia da mãe até a construção do não eu, não tem consciência da sua
existência e, por isso, não estruturou o ego. Como consequência, o bebê não armazena
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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III
conteúdos inconscientes, porque, sem ego, não faz interação individual com o meio.
Sem id/inconsciência, sem ego/consciência, não existe inconsciente reprimido. Para
auxiliar nesse entendimento, Fulgencio (2013, p. 150) escreve: “Winnicott (1987d/1994,
p. 94) afirma que a própria existência de um inconsciente, em termos mais gerais, só
tem sentido quando alguma consciência pode existir: ‘não sendo conscientes, os bebês
não podem ser inconscientes’”.
Outra ideia desenvolvida por Freud foi o complexo de Édipo, e, para o entendimento
do que representa essa teoria, é importante se falar de sexualidade. Utilizando uma
explicação básica, o termo significa qualidade do que é sexual, mas, ao contrário,
sexualidade não se encaixa em uma definição semântica por ter seu sentido carregado
de sentimentos e emoções já que são produções humanas envolvendo contexto,
cultura, conceitos e preconceitos. São atribuídos à sexualidade papéis sociais que não
necessariamente se encaixam nas escolhas que cada um faz e que deve ser interpretada
sem medo, vergonha ou culpa.
Apesar de a sexualidade estar ligada ao corpo, portanto é algo natural a ser vivenciado,
não se falava a respeito desse assunto quando se tratava de crianças, até o século XIX.
Quem rompeu essa barreira foi Sigmund Freud, que, além de tratar as mulheres
insatisfeitas com a sua sexualidade (porque não podiam sentir prazer, apenas procriar),
ousou escrever sobre a sexualidade infantil por entender a importância do corpo e dos
afetos na excitação sexual quando as energias psíquicas são mobilizadas para atender aos
desejos do ter e ser. Ter o objeto material e/ou afetivo, pois “é muito profunda a vinculação
entre os afetos e a sexualidade” (BEARZOTI, 1993, s/p). Porém, falar de vida sexual na
infância é difícil quando se entende erroneamente que a criança é assexuada, que não
sente prazer, ou que a sexualidade está presente na adolescência e na vida adulta, mas
não na infância, porque, nessa fase, o senso comum é que o requisito básico da infância
é a pureza, e sexo é considerado por muitos como algo sujo e pecaminoso.
De acordo com Freud, sabe-se que a criança passa pelas fases do desenvolvimento
psicossexual e que as zonas de erotização correspondem à boca, na fase oral; ao ânus,
na fase anal; e aos órgãos genitais, nas fases fálica e genital. Essas são regiões de grande
concentração de energia sexual, e a maneira de satisfazer ou reprimir essa energia
causa frustração, formando pontos de fixação que interferirão no desenvolvimento
psicológico saudável ou não do ser humano. A descoberta desses pontos de fixação deu-
se quando Freud ouviu as queixas de suas pacientes no sentido de que estavam presas
nos primeiros anos de vida e que não conseguiam elaborar os conteúdos reprimidos
guardados no inconsciente devido ao desprazer sentido.
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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott
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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III
Fonte: https://docplayer.com.br/156660286-Kls-psicologia-aplicada-ao-direito.html.
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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott
Para Winnicott o complexo de Édipo não tem representatividade nas suas considerações,
porque a mãe para o bebê tanto menino como menina é o objeto de amor mais importante
e representa cuidado, segurança, apoio para o seu crescimento e desenvolvimento.
Mãe-bebê formam uma unidade, não se diferenciando um do outro. Essa condição
permite ao bebê desenvolver e buscar sua individualização para dar continuidade, com
autonomia à sua vida como não eu. De acordo com Winnicott (1988, p. 67):
Acredito que alguma coisa se perde quando o termo “complexo de Édipo”
é aplicado às etapas anteriores, em que só estão envolvidas duas pessoas,
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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III
Assim, Winnicott defende a ideia da díade, a criança no colo da mãe que, para se
diferenciar dela e desenvolver suas competências, habilidades, conceitos morais etc.,
não necessita entrar no conflito do complexo de Édipo para depois resolvê-lo. Uma mãe
suficientemente boa contribui sobremaneira para a construção de um self verdadeiro
com a introjeção dos valores sociais, religiosos e culturais. Segundo Winnicott (1983,
p. 137), “[...] O equivalente ao self verdadeiro no desenvolvimento normal é aquele
que se pode desenvolver na criança no sentido das boas maneiras sociais, algo que
é adaptável”. A adaptação sugere que o bebê tenha recebido o necessário para sua
adaptação no mundo quando formava uma unidade com a mãe ou com alguém que
toma para si os cuidados da criança e, depois, quando se individualiza, tornando-se
um indivíduo e consegue se adaptar ao mundo fora de si e não se deixa abater pelas
frustrações e obstáculos impostos pelas relações mais amplas e pela necessidade de
viver, por si, no meio que o cerca.
Psicanálise de Winnicott
A Psicanálise winnicottiana se espelhou e se contrapôs à Psicanálise freudiana em alguns
conceitos, pois, para escrever a sua teoria, Winnicott percebeu que os atendimentos
clínicos se constituíam em laboratório para desenvolver seus próprios conceitos.
Loparic (2006) afirma que Winnicott observou na clínica que os distúrbios psíquicos
tinham origem na fase do desenvolvimento infantil, relacionados às experiências e
vivências da díade mãe-bebê e que isso não se encaixava na teoria da tríade pai-mãe-
bebê do complexo de Édipo nem nas fixações das fases psicossexuais. Loparic (2000,
p. 33) escreve que “O paradigma edípico não estava inteiramente errado, na verdade
ele era constantemente confirmado, mas se mostrava insuficiente: mais precisamente,
não conseguia fazer tudo o que Freud esperava que ele fizesse”.
É evidente que Winnicott foi influenciado pela Psicanálise já teorizada por Freud, porque
partiu de uma releitura para concordar ou discordar de algo. Criou, então, conceitos
reformulados a partir de uma teorização. Como ele mesmo diz: “O que ocorre é que
eu junto isto e aquilo, aqui e ali, volto-me para a experiência clínica, formo minhas
próprias teorias e então, em último lugar, passo a ter interesse em descobrir de onde
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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott
roubei o que” (2000, p. 218). O próprio Winnicott reconhece que releu as obras de
Freud e de Melanie Klein, fez análise e o ponto de partida foi o seu conhecimento
da teoria psicanalítica para encontrar o seu paradigma da relação da díade mãe-bebê.
Esse paradigma considera que a mãe tem para com seu bebê uma dedicação distinta
de outras dedicações triviais, pois é capaz de identificar as necessidades por mínimas
que sejam de modo a atendê-las para que ele se desenvolva e cresça saudável física e
psicologicamente, adquirindo condições que promovam sua adaptação para lidar com
o meio adequadamente. A mãe não apenas atende às necessidades do seu bebê como
também o frustra em alguns momentos, e essa desilusão auxilia na construção da
resistência à frustração e o ajuda na percepção de que nem sempre é possível receber
tudo que reivindica.
Segundo Winnicott (1993; 1983), o bebê não existe sem alguém que cuide dele, e a
cuidadora que se destaca na vida da criança é a mãe. Ela se preocupa com a integridade
do bebê, auxiliando-o na sua dependência e vulnerabilidade, acolhendo-o com sua
sensibilidade para entender do que o bebê necessita para se desenvolver, sendo devotada
aos cuidados com o recém-nascido, vinculando-se a ele afetivamente. Winnicott (1999)
diz que o ambiente em que o bebê chega ao nascer, quando facilitado pela gentileza,
pela amabilidade e pela confiabilidade, constitui-se num ambiente com “características
suficientemente boas”, juntamente com as características hereditárias, que poderão
produzir bons resultados no desenvolvimento da criança.
Fonte: https://br.depositphotos.com/vector-images/mulher-parto.html.
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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III
Ao nascer, o bebê não tem organização psíquica e tem a sensação de estar desintegrado,
por isso, precisa ser sustentado física e psiquicamente para que o acolhimento e a
proteção deem a ele condições de se integrar no colo da mãe ou cuidadora. Forma com
a mãe uma unidade psíquica, portanto ele existe por inteiro no colo dela.
Para que a mãe seja suficientemente boa, sua primeira preocupação é saber das
necessidades que o bebê precisa ter atendidas para sobreviver, utilizando uma linguagem
não verbal, uma linguagem silenciosa. Mesmo sem saberem que um não existe sem o
outro, a mãe e o bebê conseguem manter uma comunicação eficiente (WINNICOTT,
2000). A mãe, então, dispensa os cuidados protegendo o bebê e atendendo às suas
necessidades básicas. O colo da mãe, em primeiro lugar, dá a certeza ao bebê de que ele
existe, não como uma pessoa individualizada, ainda, mas como um ser fundido à mãe,
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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott
Holding
O termo significa “segurar”, “sustentar”, “abraçar”, o que sugere um acolhimento nos
braços apoiado no colo. Esse é o início do alicerce que servirá de base para a confiança
que a criança desenvolve pela mãe, cuidadora ou cuidador. Sentir-se sustentada,
amparada e acolhida por alguém que pega com firmeza e carinho seu corpo dará a
ela a sensação de integração e continuidade de existir pela presença da cuidadora/
cuidador. A devoção materna que se faz sentir confiável, prestativa e presente favorece
o desenvolvimento da personalidade de forma integrada e não fragmentada, garantido
um bom desempenho na construção da personalidade do bebê. Este poderá, então,
sentir-se uma unidade independente da mãe. “Chega então um período em que a
criança se torna uma unidade, torna-se capaz de sentir: EU SOU, tem um interior, é
capaz de cavalgar suas tempestades instintuais e também é capaz de conter as pressões
e os estresses gerados na realidade psíquica interna (WINNICOTT, 1999, p. 61).
Fonte: https://www.pngwing.com/pt/search?q=m%C3%A3e+e+filho.
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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III
Então, conforme Winnicott (1983; 1999), o bebê nasce e tem uma dependência absoluta
para sobreviver por alguém que possa lhe dispensar cuidados. Aos poucos vai tornando-
se independente, mas, antes, existe uma dupla dependência na díade mãe-bebê, além
da dupla dependência física e emocional. Esse processo de aquisição da independência
não se faz de um salto, mas com recorrentes retornos à dependência. Winnicott diz
que primeiro a dependência é absoluta. O lactente necessita que a mãe tenha condições
de atender às suas várias necessidades acolhendo-o em seus braços, falando com ele e
olhando nos seus olhos. Em um segundo momento, na dependência relativa, o bebê
foi armazenando as memórias dos cuidados da maternagem e experiências vividas
no ambiente em que acumula confiança e medos e consegue começar a dispensar os
cuidados intensos da mãe. Por último, seu desenvolvimento o leva à independência
e, num processo contínuo de autonomia, ele consegue desenvolver movimentos cada
vez mais individualizados, gerir sua própria vida, utilizando meios que garantam sua
sobrevivência. Torna-se, portanto uma pessoa capaz de se relacionar com outras
pessoas, mantendo a interdependência necessária ao convívio em sociedade.
Dessa forma, a teoria winnicottiana defende o princípio de que uma pessoa começa
o seu relacionamento com a mãe, consigo e com a família e depois amplia seu meio
social para as relações pessoais em uma sociedade que extrapola as paredes do lar. É a
unidade pessoal que interage com o meio, por esse motivo Loparic (2000, p. 44) diz
que “Em oposição a Freud, Winnicott não definiu os relacionamentos externos como
sexuais, nem como sociais ou mesmo psicológicos, mas em termos ‘pessoais’, com
base em formas especiais de mutualidade e intimidade entre mães e seus bebês”. Nessa
interação pessoal com a mãe, a criança desenvolve autoconfiança e independência para
interagir como indivíduo em outros meios sociais mais amplos.
A clínica winnicottiana
Foram muitos casos analisados por Winnicott e, por meio desses atendimentos, foi
possível ele identificar muitas crianças e adultos com transtornos mentais, dentre
eles os que sofrem com o transtorno borderline e os esquizoides. Esses casos deram
subsídios para a construção da teoria de que a deficiência do holding era responsável
pelo desenvolvimento das psicoses.
A origem das psicoses está nos momentos anteriores à fase da independência da criança,
ou seja, antes que ela se torne um ser total, consciente de si e percebendo a existência
de alguém fora de si mesma. Para que seja possível realizar intervenções analíticas, é
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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott
necessário que o analista “[...] seja capaz de suportar a regressão real à dependência
[...]” (WINNICOTT, 1988, p. 79).
Por isso, ao tratar esses pacientes, ele observou que a figura do analista representa a
mãe, e, por isso, o analista deve ser capaz de compreender esse paciente regredido que
o interpreta como aquele que deve acolhê-lo, permitindo que ele faça uma regressão
ao estágio de dependência e deixe eclodir sensações ou lembranças importantes para
refazer experiências e elaborar suas mudanças psíquicas.
Little era uma paciente esquizoide, e Winnicott não conseguiu, de pronto, identificar
seu transtorno mental, ou seja, ele não percebeu de pronto um sinal típico de um
paciente esquizoide, o comportamento de esquiva. Tal comportamento se apresentou no
consultório, com Winnicott. No entanto, na primeira sessão, esse sinal foi desconsiderado
e o profissional, acreditando tratar-se de uma paciente neurótica, disse, fazendo uma
interpretação: “Eu não sei, mas tenho o sentimento de que você está me trancando
pra fora por alguma razão”. Inconformada por receber essa interpretação, que não lhe
fazia sentido, algumas sessões depois, Little quebrou um vaso de flores e as pisoteou
(NETO, 2008 p. 110).
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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III
Para entender ainda melhor essa ideia, é importante introduzir os conceitos de holding,
de self verdadeiro e de self falso. Podemos chamar de holding a disposição que uma
mãe tem de amparar as crianças nas suas necessidades. Tendo isso em vista, quando
o holding não é adequado, o self verdadeiro não consegue se desenvolver.
Dessa forma, quando o auxílio materno falha, o falso self surge como uma forma
de defesa do self verdadeiro. Pode-se afirmar que ele se constitui uma forma de
adaptação da criança. Além disso, entende-se que o desenvolvimento desse falso
self está vinculado às tendências antissociais e aos transtornos mentais.
Objeto transicional
O bebê tem com a mãe uma ligação muito forte e, quando se separa dela, entra em
sofrimento psíquico, por isso utiliza um objeto inanimado para suportar essa falta.
Winnicott (1975) esclarece que o objeto transicional não é o primeiro objeto da relação
do bebê com o meio ambiente, mas o primeiro objeto reconhecido como não eu. O
objeto transicional é escolhido livremente pelo bebê, ou seja, não é escolhido por outra
pessoa. É um objeto eleito pela preferência e grau de importância que o objeto tem já
que esse objeto substituirá a mãe ou cuidadora na ocasião de sua falta. No momento
da escolha do objeto transicional, o bebê encontra-se mais maduro, por isso, ele tem
uma noção maior a respeito do mundo externo que o cerca.
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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott
oralidade da criança tem um sentido mais amplo do que o sentido sexual abordado
por Freud. O amparo, os cuidados e um bom aleitamento promovem o crescimento
e o desenvolvimento da criança e criam possibilidades para o reconhecimento dela
como um ser independente da mãe.
Fonte: https://www.slideshare.net/AlinaSirbu8/objetos-transicionales.
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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III
Portanto, esses objetos afetivos servem para dar sensação de segurança na hora
do sono, para acalmar a angústia nos momentos em que se acredita ter perdido a
mãe, são mediadores entre as experiências do desamparo, um apoiador do “eu” nas
experimentações do mundo exterior do não eu, por isso, são importantes para a
construção emocional, afetiva e criativa da criança, que, ao enfrentar as ansiedades do
eu, transitam entre o medo de estar só no processo de amadurecimento e a coragem
de ultrapassar os obstáculos do encontro com o não eu.
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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott
CAPÍTULO 2
A Psicanálise tem o direito de ocupar
um lugar no rol das práticas científicas
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Observador e cauteloso, Freud interessou-se pelo método no sentido de investigá-lo
cientificamente e o fez sistematicamente em 1889. Foi influenciado por J.F Herbart
(1776-1841), cujas ideias eram muito conhecidas na Alemanha.
Pelas observações realizadas, pelas pesquisas empreendidas por Freud, considera-se que
a Psicanálise tenha sido construída como ciência, pois fazer ciência é criar conceitos,
refazê-los, questionar o que foi escrito, formular hipóteses para novas articulações.
Pesquisam-se as evidências na clínica, quando é o caso, cientificamente. Isso quer dizer
que a Psicanálise não é de cunho ideológico, nem baseada no senso comum. Procura-
se solucionar um problema, analisando os fenômenos pertinentes às questões para as
quais se procura as respostas e, quando estas são encontradas, geram novas dúvidas.
Freud considera que a grande contribuição da psicanálise foi ter tornado
possível um conhecimento científico da vida psíquica (FREUD, 1933, p.
243, Lição 35). É disto que se orgulha ao afirmar que a grande contribuição
da psicanálise à ciência foi a de ter tornado possível que o espírito e a
alma pudessem ser tomados como “objetos da pesquisa científica, exatamente
da mesma maneira que não importa qual coisa estrangeira ao homem”
(FREUD, 1933, p. 243, Lição 35). Para Freud, a psicanálise tem o direito
de ocupar um lugar no rol das práticas científicas, da mesma maneira que
a física, considerando, neste sentido, que a psicanálise não é outra coisa do
que uma ciência natural. Seu objetivo de estabelecer a psicanálise no grupo
das ciências naturais não era apenas um desejo de reconhecimento pessoal,
mas uma condição para sua construção (FULGÊNCIO, 2010).
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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott
Fonte: https://www.maedegurieguria.com.br/2016/08/sexualidade-infantil-como-lidar-com.html.
Fonte: https://educador.brasilescola.uol.com.br/sugestoes-pais-professores/como-falar-as-criancas-sobre-sexualidade.htm.
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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III
Fonte: https://pt.slideshare.net/LeonardaMacedo/expresso-da-sexualidade-infantil-27137840.
Nos dias atuais, a sexualidade está sendo discutida nos meios educacionais, familiares,
sociais, mas ainda se encontram posicionamentos condenatórios, críticas ácidas quanto
ao destino que cada um estabelece a respeito de como será conquistado o prazer, seja
no encontro dos corpos, seja nos estudos, no trabalho, numa conversa, numa relação
sexual etc. Cada um destina sua libido para onde lhe melhor aprouver. Em relação a
esse conteúdo, Freud e afirmou que “[...] a sexualidade em cada ser humano, devido
à singularidade da história de cada um, terá um destino particular: não há uma única
maneira que se proponha certa e universal para as manifestações da sexualidade”
(FREUD, 1976, p. 197).
Percebe-se que muito se fala sobre Psicanálise e os pontos de vista sobre esse tema
divergem e se aproximam. Tanto que, em todas as épocas, encontram-se para os
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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott
escritos freudianos autores e/ou teóricos que se espelham em sua teoria para criarem
novas perspectivas, como aconteceu com Winnicott, que se espelhou no método
de tratamento de Freud para criar sua clínica com princípios que atentam para os
processos de maturação desenvolvidos a partir do acolhimento materno ou de alguém
que exerça essa função. A organização psíquica da criança se desenvolve da dependência
à independência e constrói sua identidade a partir de sua individualidade.
Para explicitar esse tema de maneira mais prática e clara, utilizaremos um artigo escrito
por Fulgêncio (2010), em que o autor descreve os principais aspectos do fundamento
da Psicanálise de Freud. Deste modo, é possível que se abranjam os fundamentos da
sua ciência, o sentido e a “importância que ele dá à noção de inconsciente dinâmico, de
sexualidade, ao complexo de Édipo, aos fatos clínicos da transferência e da resistência”
(FULGÊNCIO, 2010).
a) O inconsciente dinâmico
A consideração de que a vida mental é composta por processos psíquicos conscientes e inconscientes, e que são estes
últimos que caracterizam, verdadeiramente, o que é o psíquico (FREUD, 1900, p. 666), corresponde à “pressuposição
fundamental da psicanálise” (FREUD, 1923b, p. 258), sendo o seu primeiro xibolete (p. 258).
Freud (1912) considerará três sentidos específicos para o termo inconsciente: o descritivo, o dinâmico e o sistemático.
O inconsciente, em termos descritivos, diz respeito ao reconhecimento de processos psíquicos, tais como observáveis
na análise dos atos falhos. O dinâmico, numa acepção complementar a esta primeira, diz respeito ao inconsciente como
um conjunto de elementos da vida mental que se determinam entre si, considerados numa trajetória de vida, e que estão
na gênese dos atos falhos, dos sonhos e dos sintomas. E, por fim, Freud se refere ao inconsciente sistêmico como sendo
uma parte ou instância do aparelho psíquico. Neste caso, apesar de Freud referir-se ao inconsciente como uma coisa,
um substantivo, não estamos mais no campo daquilo que pode ser observado factualmente, dado que este inconsciente
sistêmico é, para ele, tão somente uma ficção teórica (FREUD, 1900, p. 659) utilizada para fins didáticos, e não um
conceito que possa ter um referente empírico que lhes corresponda adequadamente. É neste último sentido que esse
tipo de inconsciente pode ser dito propriamente um inconsciente metapsicológico, ou seja, que está para além do que é
possível acessar pela observação clínica, pela sua psicologia dos fatos clínicos.
Seja lá qual for o sentido considerado, o conteúdo do inconsciente para Freud corresponde a algo análogo ao que existe
nas entidades mentais conscientes (representações, impulsos e desejos), mas que não são conscientes em função da
sua repressão (cf. FREUD, 1915a; 1915b). Esta repressão (Verdrängung), por sua vez, é um mecanismo básico de defesa
contra a angústia, que tem, grosso modo, o ego como seu agente.4 Seria este tipo de ação que estaria na base, pois, da
constituição deste inconsciente. A consideração de uma repressão originária não muda a caracterização dos conteúdos
deste inconsciente, ainda que possa existir uma dúvida quanto ao agente que torna tais conteúdos inconscientes.
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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III
A questão de saber a partir de quando ou como surge o ego como agente da repressão não é, em Freud, totalmente clara
ou explícita, mas tem em duas ou três grandes formulações suas referências básicas, a saber: 1. em 1914, no texto sobre o
narcisismo, quando ele afirma que “algo tem de ser acrescentado ao autoerotismo, uma nova ação psíquica, para que se
constitua o narcisismo” (FREUD, 1914a, p. 221); 2. em 1923, no texto “O ego e o Id”, Freud considera que o eu advém do id, por
um processo de diferenciação, por exemplo, quando diz que “um indivíduo é, portanto, para nós, um isso (id) psíquico, não
conhecido e inconsciente, sobre ele se encontra colocado na sua superfície o eu (ego), desenvolvido a partir do sistema-Pcs
como um núcleo” (FREUD, 1923b, p. 261), e continua, mais à frente, “É fácil de perceber que o eu (ego) é a parte modificada
do isso (id) sob a influência direta do mundo exterior por intermédio do Pc-Cs, de certa maneira é uma continuação da
diferenciação de superfície” (p. 269); e 3., ainda, neste mesmo texto, ele expressa sinteticamente sua posição afirmando que
o eu surge dessa diferenciação, marcando um limite entre um dentro e um fora, limite que, em última instância, é identificável
com os limites que o corpo dá marcando um dentro e um fora, ao dizer que “o eu (ego) é antes de tudo um eu corporal, não
é somente um ser de superfície, mas ele mesmo a projeção de uma superfície [nota de Freud: quer dizer: o eu é finalmente
derivado das sensações corporais, principalmente aquelas que têm sua fonte na superfície do corpo. Ele pode, assim, ser
considerado como uma projeção mental da superfície do corpo, mais ainda, como já vimos antes, ele representa a superfície do
aparelho mental]” (p. 270).
b) A sexualidade
A noção freudiana de sexualidade colocou em evidência o significado etiológico desta na constituição da vida psíquica do
homem. À procura de um critério para definição clara do que é a sexualidade, Freud a considerou como sendo uma expressão
psíquica das excitações corporais, cuja finalidade última é a sua descarga, ainda que ele reconheça “não estar ainda em posse
de um sinal universalmente reconhecido que permita afirmar com certeza a natureza sexual de um processo” (FREUD, 1916-17,
p. 331). Ainda que exista uma grande complexidade na obra de Freud para determinar exatamente como e quando as excitações
corporais passam a ter um sentido propriamente sexual para os indivíduos, pode-se afirmar que, para Freud, é na sexualidade e
na repressão desta que repousa a gênese do indivíduo e da cultura.
Certamente a compreensão psicanalítica do conceito de sexualidade está associada à ideia, que Freud apreende de Theodor
Fechner, de que o ser humano é movido pelo princípio do prazer (FREUD, 1920, p. 278). Em 1911, Freud já tinha afirmado que “[o
princípio do prazer designa] a tendência mestra [die oberste Tendez = literalmente, a tendência superior] à qual os processos
primários obedecem” (FREUD, 1911, p. 14).
A introdução, por Freud, na sua segunda teoria do aparelho psíquico, das ideias de Pulsão de Vida e de Morte (reconhecendo
um princípio de funcionamento do aparelho psíquico para além do princípio do prazer) não elimina o princípio do prazer, mas tão
somente o coloca como subordinado a este impulso mais amplo que caracterizaria a pulsão de morte (a tendência a buscar o
maior nível de estabilidade e o menor nível energético do aparelho) (cf. FREUD, 1920, p. 279).
Ao considerar a sexualidade como definível pelas excitações corporais em geral, Freud acabará creditando aos instintos e a
estes dois princípios (o do prazer e o que corresponde à Pulsão de Morte) os dois aspectos gerais motores e reguladores, em
última instância, do funcionamento do aparelho psíquico.
c) O complexo de Édipo
O complexo de Édipo será, para Freud, a referência maior que distinguirá os que podem se dizer psicanalistas dos que não
podem fazê-lo. Em 1920, numa nota de pé de página dos “Três ensaios sobre a sexualidade”, ele o reconhece como sendo “o
xibolete que distingue os partidários da psicanálise de seus adversários” (FREUD, 1905a, p. 170, nota 3, acrescentada em 1920).
Loparic (1997) comenta a centralidade do complexo de Édipo para a Psicanálise de Freud:
Em primeiro lugar, ele [o complexo de Édipo] é o fenômeno principal da vida sexual, por isso elemento essencial da explicação
da vida sexual. Toda a teoria da função sexual é concebida como preparação ou como decorrência da situação edípica. Em
segundo lugar, a estrutura do sujeito é concebida em termos de antecedentes ou de derivações do complexo. Em terceiro lugar,
o complexo de Édipo é o complexo nuclear das neuroses e, de modo geral, das doenças psíquicas. Em quarto lugar, o complexo
de Édipo está na origem da ordem cultural, isto é, da religião, da moral, da sociabilidade, da historicidade, da ordem humana em
geral (p. 377)
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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott
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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III
Quadro 2. As reformulações feitas por Winnicott à Psicanálise de Freud: as transformações, as críticas, as oposições, os
novos paradigmas propostos.
Para todo ser humano que chegou a ter um eu estabelecido como uma unidade, nestes termos acima descritos, pode, então, ser
posto em andamento um tipo de mecanismo de defesa denominado repressão, constituindo, assim, um inconsciente reprimido:
Esta é a razão pela qual a psicanálise, em sua forma clássica, é um tratamento que lida
com pacientes que têm o ego sadio até o ponto em que lidam com a ambivalência por
meio da repressão e sem um rompimento da estrutura do ego, e o trabalho principal da
análise do paciente com sintomas psiconeuróticos consiste em trazer à consciência o
inconsciente reprimido. Isto é feito mediante a interpretação, dia a dia, do relacionamento
do paciente com o analista, à medida que este relacionamento gradativamente evolui, e,
ao evoluir revela o padrão da própria história do paciente no nível do complexo edipiano
e na idade de 2-3-4 anos (WINNICOTT, 1989vl, p. 57)
No entanto, onde não há um Eu6 assim estabelecido, ou seja, quando não estamos no campo da neurose, também não estamos
no campo deste inconsciente reprimido. Winnicott diz, neste sentido: “Não é possível a uma personalidade cindida ter um
inconsciente, por não haver lugar para ele ficar” (WINNICOTT, 1964h, p. 369); ainda que muita coisa tenha acontecido na
vida da pessoa e isto não esteja propriamente acessível à sua consciência. Winnicott, afirma, então, o tipo de dinâmica em
jogo nestes casos: “onde jaz a esquizofrenia, o analista ou quem quer que esteja tratando o paciente ou administrando o caso
encontra-se envolvido na elucidação de uma cisão na pessoa do paciente, o extremo de uma dissociação. A cisão toma o lugar
do inconsciente reprimido do psiconeurótico” (WINNICOTT, 1986c, p. 152).
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Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott
No processo de amadurecimento, antes que um eu, enquanto uma identidade unitária, tenha sido conquistado, um euque possa,
então, agir defendendo-se das angústias que surgem nos relacionamentos interpessoais, há um longo período no qual aquilo
que é vivido não está ainda integrado e colocado em referência a esta unidade. Tudo o que é vivido neste período certamente faz
parte da pessoa, certamente não está acessível à consciência, e certamente não constitui o inconsciente reprimido, mas outro
tipo de inconsciente.
Winnicott diz isto de outra maneira mais conceitual, afirmando que o inconsciente (aqui, o id) só pode existir depois que houver
um eu (ego) que possa constituí-lo como reprimido:
Nos estágios mais precoces do desenvolvimento da criança, portanto, o funcionamento
do ego deve ser considerado um conceito inseparável daquele da
existência da criança como pessoa. Qualquer vida instintiva que possa existir à
parte do funcionamento do ego pode ser ignorada, porque a criança não é ainda
uma entidade viva que tenha experiências. Não há id antes do ego (WINNICOTT,
1965n, p. 55, destaques nossos).
É forçoso, pois, admitir que, para Winnicott, há, ao menos, dois tipos de inconsciente: um, no qual há uma pessoa
integrada, e outro que diz respeito àquilo que ocorre quando não há esta integração. Ao primeiro ele se refere como sendo
o inconsciente reprimido e ao segundo como um inconsciente que diz respeito ao que ocorre numa fase em que não há,
ainda, para o bebê, nenhuma exterioridade possível, em função da sua imaturidade (não integração). Tratar-se-ia, agora,
de procurar analisar que tipo de inconsciente é este, seja no caso do amadurecimento saudável seja nos casos em que
temos desenvolvimentos de patologias associadas a estes tipos de inconsciente. No entanto, o objetivo deste artigo
é apenas marcar esta disparidade entre Freud e Winnicott na compreensão do conceito de inconsciente, deixando o
aprofundamento desta análise para outro artigo.
b) Redefinição do valor e da importância da sexualidade
O reconhecimento de que Winnicott considerou existirem problemas e dinâmicas que não são nem podem ser redutíveis
à sexualidade tem sido comentado por diversos autores. Adam Phillips (1988/2007), por exemplo, fez observações
esparsas nesta direção, comentando que a criatividade do self seria um tipo de “libertação do excitamento físico” (p. 111),
ou ainda, que “a criatividade-primária é pré-sexual” (p. 150); Dias (2003), analisando o amadurecimento como não sendo
redutível ao amadurecimento sexual, afirmou que:
O amadurecimento não diz respeito a funções isoladas mas exatamente à integração
gradual da instintualidade e o desenvolvimento da sexualidade, não é nesse domínio
que o indivíduo se constitui. Existem pessoas que, tendo tido seu amadurecimento
interrompido em fases primitivas, jamais alcançam maturidade suficiente para
padecer dos problemas inerentes à situação edípica. Pela teoria winnicottiana
do amadurecimento, é preciso haver antes um indivíduo para que algo como a
sexualidade humana possa acontecer (pp. 301-302)
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A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III
Loparic (2007), por sua vez, procurou mostrar que a sexualidade, para Winnicott, corresponde a uma conquista do
processo de amadurecimento, tendo sua origem em duas raízes distintas: a instintual, na qual os instintos são entendidos
como impulsos biológicos, e a relacional, na qual o que está em jogo são as relações inter-humanas ocorrendo à parte dos
impulsos instintuais. Mais ainda, que tanto a raiz instintual quanto a relacional “são fincadas no chão comum do processo
de amadurecimento e que todos os conflitos do tipo sexual são relacionados ao conflito mais profundo entre o ser e o
fazer, concebidos como problema universal dos seres humanos, inerente nesse processo” (pp. 311-312).
Se, por um lado, Winnicott reconhece a importância da descoberta freudiana da sexualidade infantil, como “um fato
central, infinitamente elaborado e modificado, mas irrefutável” (WINNICOTT, 1947a, p. 167), por outro, ele não considerará
que isto é suficiente (id.). Certamente o corpo está presente desde o início, mas isto não significa que a sexualidade
esteja presente desde o início. Para compreender esta diferença entre os instintos e a sexualidade, é necessário fazer
uma distinção entre a existência dos instintos como um fato presente desde o início do processo de amadurecimento, e a
sexualidade como sendo uma maneira específica de vivenciar a instintualidade, quando a instintualidade, num momento
mais tardio do processo de amadurecimento, está integrada num eu.
Nos casos em que tal integração não ocorreu, ou ainda não ocorreu, os instintos são vividos como vindos do exterior, como
algo que arrasta, empurra ou assola a pessoa. Faz parte do processo de amadurecimento saudável a experiência de viver
os instintos como exteriores ao si mesmo e, só mais tarde, como uma conquista deste processo, vivê-los como integrados
ao self:
Deve-se ressaltar que ao me referir a satisfazer as necessidades do lactente não estou me referindo à satisfação de
instintos. Na área que estou examinando os instintos não estão ainda claramente definidos como internos ao lactente. Os
instintos podem ser tão externos como o troar de um trovão ou uma pancada. O ego do lactente está criando força e, como
consequência, está a caminho de um estado em que as exigências do id [exigências da vida instintual] serão sentidas
como parte do self, não como ambientais (WINNICOTT, 1965n, p. 129; o que está entre colchetes é comentário nosso).
Para Winnicott, a vida instintual não é sinônimo de vida sexual; para ele a possibilidade de estabelecer relações de
objetos de tipo sexual necessita, na verdade, de conjunto extenso de integrações:
A sexualidade humana adulta é resultado de um processo de amadurecimento que
parte de duas raízes em si mesmas não sexuais: excitações corpóreas de todos os
tipos e relações inter-humanas. As aquisições principais realizadas ao longo desse
processo são duas: 1) o desenvolvimento da vida instintual, que consiste
97
Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott
Nesta perspectiva que coloca a sexualidade como uma conquista, teremos também uma mudança na concepção sobre
o fator dinâmico que impulsiona a existência humana. Para Freud, com sua noção de sexualidade como fundamento da
existência humana, é ao princípio do prazer que deveríamos creditar um dos impulsos básicos do existir humano e do
funcionamento do aparelho psíquico. Considerando, agora, a proposta de Winnicott, a afirmação de que o existir humano
é regulado pelo princípio do prazer parece ser questionável.
c) Destituição do princípio do prazer como um princípio básico do funcionamento psíquico
Winnicott aponta para a existência de outros aspectos determinantes no processo de amadurecimento afetivo do ser
humano que não os ligados às excitações corporais e ao princípio do prazer. Ele faz mesmo uma crítica à hegemonia
do princípio do prazer (e seu correlato princípio da realidade) como os determinantes da vida psíquica, afirmando
que a hipótese freudiana de que o ser humano é movido, desde o início, exclusiva mente pelas excitações erógenas
que procuram descarga, nada mais é do que um mito. Diz Winnicott (1968a): “é necessário enxergar através do ‘mito
psicanalítico’ (agora felizmente desaparecendo) de que o período inicial da infância é uma questão de satisfações
relativas à erotogeneidade oral” (pp. 195-196). Nesta mesma perspectiva, ele afirma:
Nos primórdios da psicanálise a adaptação [do ambiente ao bebê ou à criança] só
significava uma coisa, satisfazer as necessidades instintuais da criança. Muitos
erros de interpretação se originaram da lentidão de alguns em entender que as
necessidades de um lactente não estão confinadas às tensões instintivas, não
importa quão importantes possam ser (WINNICOTT, 1965c, p. 82).
De uma maneira mais contundente ainda, não reduzindo a natureza humana a seus impulsos instintuais, ele afirma: “a
psicanálise iria aprender que muita coisa acontece nos bebês que se acha associada com a necessidade, e separada do
desejo e dos representantes (pré-genitais) do id a clamarem por satisfação” (WINNICOTT, 1989xa, p. 242).
Winnicott (1988) introduz, descobrindo aspectos não considerados por Freud, a consideração de que é a necessidade
de ser que fornece um fundamento e motor para a natureza humana (p. 148) (cf. tb. em Winnicott, 1987e, p. 9), uma
necessidade que não é redutível ao princípio do prazer, nem diz respeito às pressões instituais ou ao desejo, são
necessidades de outra ordem. Diz Winnicott: “a psicanálise iria aprender que muita coisa acontece nos bebês que se acha
associada com a necessidade, e separada do desejo e dos representantes (pré-genitais) do id7 a clamarem por satisfação”
(WINNICOTT, 1989xa, p. 142).
d) Reformulação do lugar do complexo de Édipo
A afirmação de que a psicanálise de Winnicott não tem no complexo de Édipo seu problema de referência tem sido
apontada em diversos trabalhos (cf., por exemplo, em Abram, 2008; Dias, 2003; Loparic, 1997b; Phillips, 1988). Não se
trata de desconsiderar a sexualidade e o complexo de Édipo, mas de dar a eles outro lugar e valor, considerando-os como
uma aquisição mais tardia do processo de amadurecimento, para a qual muitas aquisições anteriores devem ter sido
feitas. Ele reconhece, no entanto, que esta é uma das partes fundamentais e necessárias a uma psicologia científica da
infância:
[...] [o complexo de Édipo] permanece ainda hoje como um fato central, infinitamente
elaborado e modificado, mas irrefutável. A psicologia que fosse elaborada na
omissão desse tema central estaria condenada ao fracasso e, portanto, não há como
evitar a nossa gratidão a Freud por seguir avante e proclamar o que repetidamente
averiguara, suportando o choque da reação pública (WINNICOTT, 1947a, p. 167-168)
. A localização cronológica da situação edípica, colocada tanto por Freud quanto por Winnicott, entre os dois e cinco anos
(cf. WINNICOTT, 1947a, p. 167), tem uma importância fundamental, pois, reconhecida esta afirmação, pergunta-se: e
antes deste período, o que ocorre com a criança e com o bebê? Muitas tentativas foram feitas, na história da psicanálise,
no sentido de enxergar um Édipo precoce ou mesmo um Édipo estrutural (estrutura simbólica) presentes antes do período
edípico propriamente dito. Winnicott se oporá a estas tentativas. Ele comenta que a tentativa de compreender tudo o que
ocorria na vida psíquica como um tipo de expressão do complexo de Édipo, ou tendo como dinâmica o que ocorria na fase
edípica, era algo inadequado (WINNICOTT, 1965va, p. 157; WINNICOTT, 1988; p. 67; WINNICOTT, 1958g, p. 32).
98
A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III
Era difícil, para ele, considerar, por exemplo, que um recém-nascido pudesse fazer todas as distinções que compõem o
cenário edípico e, mais ainda, que adoecesse por causa dos conflitos e angústias advindos de relacionamentos deste tipo
(WINNICOTT, 1965va, p. 157).
Neste sentido, ao criticar diretamente Melanie Klein, Winnicott reafirma sua posição em considerar a fase do complexo
de Édipo como algo que diz respeito aos relacionamentos que ocorrem entre pessoas inteiras, julgando como algo sem
utilidade pensar o Édipo em termos de objetos parciais. Diz Winnicott (1988):
Se vemos a saúde como ausência de doença neurótica (descontada a hipótese
da doença psicótica), então a saúde se estabelece na organização do primeiro
relacionamento triangular onde a criança é impulsionada pelos instintos de natureza
genital recém-surgidos, característicos do período entre os 2 e os 5 anos. É desta
forma que, pessoalmente, interpreto o complexo de Édipo freudiano para os meninos
e o que quer que lhe corresponda nas meninas (Édipo invertido, complexo de Electra
etc.). Acredito que alguma coisa se perde quando o termo “complexo de Édipo”
é aplicado às etapas anteriores, em que só estão envolvidas duas pessoas, e a
terceira pessoa ou o objeto parcial está internalizado, é um fenômeno da realidade
interna. Não posso ver nenhum valor na utilização do termo “complexo de Édipo”
quando um ou mais de um dos três que formam o triângulo é um objeto parcial. No
complexo de Édipo, ao menos do meu ponto de vista, cada um dos componentes do
triângulo é uma pessoa total, não apenas para o observador, mas especialmente
para a própria criança (p. 67).
Winnicott comenta o fato de que muitas pessoas jamais chegam ao Édipo, que se mantêm a vida inteira num modo de
funcionamento que nada tem a ver com o Édipo (cf., p. ex., Winnicott, 1989xa, p. 187). Referindo-se, então, à psicanálise
tradicional e afirmando sua perspectiva de descentramento e relocalização do complexo de Édipo, ele escreve:
A fim de progredirem rumo a uma teoria mais eficiente da psicose, os analistas
devem abandonar inteiramente a ideia de que a esquizofrenia e a paranoia
surgem por regressão do complexo de Édipo. A etiologia desses distúrbios nos
leva inevitavelmente a estágios que precedem o relacionamento de três corpos
(WINNICOTT, 1989xa, p. 191).
É neste sentido que Winnicott apontou tanto para a importância como para a insuficiência da descoberta freudiana: “Se
o fato central do complexo de Édipo for aceito, é imediatamente possível e desejável examinar os aspectos em que o
conceito é inadequado ou impreciso como diretriz para a Psicologia Infantil” (WINNICOTT, 1947a, p. 168). Mais ainda, ele
diz que muitos enganos poderiam ter sido evitados se o que Freud disse sobre o complexo de Édipo tivesse sido tomado
muito mais como uma “compreensão intuitiva de um artista em relação ao conjunto da sexualidade infantil ou Psicologia”
(p. 148) do que a explicação detalhada e madura da vida infantil.
e) Ampliação da noção de transferência e de resistência
Ao dizer quais são os objetivos do tratamento psicanalítico, Winnicott dirá que sempre trabalha tendo em mente o que
seria o funcionamento de uma análise padrão, referindo-se então ao fato de que, no início de um tratamento, ele sempre
se adapta às necessidades do paciente; até mesmo nos casos em que o paciente não necessita propriamente de análise.
Procurando esclarecer o que ele entende por análise padrão, ele escreve: “Isto significa para mim me comunicar com o
paciente da posição em que a neurose (ou psicose) de transferência me coloca” (WINNICOTT, 1965d, p. 152).
Noutro momento de sua obra, ele especificará que há três tipos de pacientes que chegam aos consultórios, apontando,
pois, para três tipos de relações transferenciais: os que “funcionam em termos de pessoa inteira, cujas dificuldades
localizam-se no reino dos relacionamentos interpessoais” (WINNICOTT, 1955d, p. 375), para estes a técnica de
tratamento é a que Freud propôs; os que “a personalidade recém-começou a integrar-se e a tornar-se algo com o qual
se pode contar” (p. 375), para os quais a técnica deve ser um pouco modificada, pois requerem um tipo de tratamento no
qual o paciente precisará experimentar modos de relação com o analista que colocarão como questão a sobrevivência
do tratamento, ou melhor, como diz Winnicott (1955d), a “sobrevivência do analista como fator dinâmico” (p. 375); e,
terceiro caso, os pacientes “cuja análise deverá lidar com os estágios iniciais do desenvolvimento emocional, remota e
imediatamente anteriores ao estabelecimento da personalidade como uma entidade, e anteriores à aquisição do status de
unidade em termos de espaço-tempo” (p. 375), para os quais a técnica ou o método de tratamento difere dos da análise-
padrão, cabendo ao analista se portar tal qual deveria ter sido feito pela mãe-ambiente nas fases mais primitivas
99
Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott
do amadurecimento, sustentando a situação no tempo, o que implica em dar as condições de setting analítico que
possibilitem ao paciente viver uma situação de dependência e tudo que envolve uma dependência referida aos estágios
mais primitivos do desenvolvimento emocional. Certamente, neste último caso, seria aqui necessário especificar o que
Winnicott estaria propondo, mas aqui também trata-se de apenas indicar a diferença e não de caracterizar no detalhe o
que Winnicott está propondo.
Neste cenário, a noção de resistência também é modificada, uma vez que não se trata mais apenas da reação do
paciente procurando evitar que o inconsciente reprimido venha à tona, mas da busca pelas condições ambientais para
que determinadas situações traumáticas, a rigor, as que interromperam o processo de amadurecimento (cf. WINNICOTT,
1989d), possam ser experienciadas. Estas situações traumáticas não correspondem exatamente a conflitos reprimidos,
mas sim a uma situação de fracasso na relação de dependência (cf. WINNICOTT, 1989d, p. 113). Neste caso o que ocorre
não é uma repressão, mas outro tipo de defesa, no qual a pessoa congela a situação esperando que, no futuro, ela possa
encontrar uma situação ambiental que forneça as condições para que aquela situação traumática possa ser retomada
de tal modo a não aniquilar a pessoa, ou seja, noutras condições de dependência e confiabilidade ambiental. É a isto que
Winnicott se refere quando diz que, em certos casos, o paciente viveu determinadas coisas que não pôde experienciar
(cf. WINNICOTT, 1974). Se há resistência, nestes casos, é a resistência em retornar a uma situação de dependência
ambiental, uma resistência que não pode ser creditada apenas às capacidades internas do paciente, mas depende, em
grande escala, daquilo que o analista-ambiente pode oferecer no contexto do tratamento.
f) Aprofundamento na concepção de realidade psíquica
Em Winnicott é necessário considerar três tipos ou níveis de realidade: a subjetiva, a transicional e a objetivamente
dada (cf. LOPARIC, 1995). Para Winnicott, no início, quando o ambiente (a mãe) se adapta de forma adequada, numa
comunicação com o bebê que faz com que ela (ou quem faz as vezes dela) atenda às necessidades do bebê, então, do
ponto de vista do bebê o mundo aparece e desaparece em função da sua necessidade, ou melhor, é ele quem cria o mundo
que, na verdade, está sendo colocado à disposição pela mãe-ambiente. Não havendo, para o bebê, espaço para uma
realidade não self (WINNICOTT, 1988, Parte IV, cap. 5), tudo com o que o bebê se relaciona, quando ocorre este tipo de
adaptação do ambiente corresponde a ele mesmo; é neste sentido que Winnicott diz: “Psicologicamente, o bebê recebe de
um seio que faz parte dele” (WINNICOTT, 1955c, p. 27). É a compreensão deste período muito primitivo que fará com que
Winnicott crie a noção de objeto subjetivo, o que implica em dizer que, no início, não existe realidade nem externa nem
interna, apenas uma realidade subjetiva.
Em seguida, como parte deste processo de amadurecimento, que não cabe aqui detalhar, haverá um período de transição,
no qual o bebê ou a criança elege objetos que, paradoxalmente, são uma criação sua e algo que ele encontra no mundo
(tendo uma materialidade que o objeto subjetivo não tinha). Winnicott dirá que este tipo de objeto corresponde à
primeira posse da criança, que eles não estão nem dentro nem fora, mas ocupam um espaço no qual estão, ao mesmo
tempo, dentro e fora, unindo e separando o dentro e o fora. Winnicott denominou estes objetos e estes fenômenos como
transicionais. Eles dizem, pois, respeito a outra realidade que, por sua vez, ainda não é nem a realidade interna, nem
externa, nem a subjetiva, mas um outro tipo de realidade, a transicional.
Será o uso destes objetos, bem como uma série de outros acontecimentos, que caracterizará o processo de
amadurecimento que criará as condições para que a realidade externa seja, enfim, reconhecida como tal, ao mesmo
tempo em que, num mesmo golpe, também seja possível existir uma realidade interna diferenciada da externa.
Se, em Freud, temos a noção de realidade psíquica, construída por relação e constatação da realidade externa como
tal, temos que reconhecer que, em Winnicott, estamos ante a outros conceitos de realidade: a subjetiva, a transicional
e, só com o amadurecimento, a realidade externa e a interna que, por sua vez, não chegam propriamente a ocupar todo
o cenário, dado que o ser humano circularia, na sua existência cotidiana, por estes tipos de realidade. Aqui também não
se trata de detalhar como são constituídas e quais as características destas realidades, mas tão somente pontuar sua
existência diferenciando a posição de Winnicott da de Freud.
g) Novidades, sem paralelos em Freud
Há, em Winnicott, uma série de proposições que não têm paralelo em Freud, tais como: a necessidade de ser, a tendência
inata à integração, a solidão essencial, o verdadeiro e falso si mesmo, o elemento feminino puro (relacionado ao SER)
e o masculino puro (relacionado ao FAZER), a noção de elaboração imaginativa, o alojamento da psique no corpo, a sua
concepção de que a mente é um tipo de especialização da psique, a área de ilusão, a noção de objeto subjetivo, a maneira
como ele concebe a importância do ambiente, os objetos e fenômenos transicionais, a noção de espaço potencial, a
concepção de mãe-ambiente e mãe-objeto, a afirmação de que a gênese da psicose está numa falha do ambiente, a teoria
da deprivação e da atitude anti-social, a regressão à dependência, a fase do uso do objeto etc.
Tudo isto nos leva para outro universo linguístico e semântico e, mais ainda, novos fenômenos e novos fatos passam a
existir neste paradigma. É neste sentido que é possível afirmar que há em Winnicott uma teoria do amadurecimento
pessoal que engloba e redescreve a teoria do desenvolvimento da sexualidade de Freud, constituindo um novo paradigma
para a psicanálise (cf. em Fulgêncio, 2007a, uma análise sobre o uso da noção de paradigma na história da psicanálise).
100 Fonte: Fulgencio, 2010.
CAPÍTULO 3
O método e a ciência psicanalítica para
Winnicott
É claro que Winnicott possui ciência de que seu modo de contemplar o brincar não
se trata somente como uma forma de expressar (sublimar) as pressões instintuais
(WINNICOTT, 1968i, p. 60). Quer dizer, o autor busca “chamar a atenção para uma
outra dimensão: não a que se ocupa com a análise dos conteúdos da brincadeira,
mas, aquela que se ocupa com o próprio fato ou a possibilidade de fazer essa ação”
(FULGENCIO, 2008).
101
Unidade III | A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott
Em suma, não é o objeto que importa, mas sim, o modo como a relação entre objeto-
criança se forma e se relaciona com o mundo. Deste modo, há uma passagem de “um
estado em que não há distinção entre ela e o mundo para um estado em que ela se
relaciona com um mundo que já não é meramente uma projeção dela” (FULGENCIO,
2008). “Não é o objeto, naturalmente, que é transicional. Ele representa a transição
do bebê de um estado em que este está fundido com a mãe para um estado em que
está em relação com ela como algo externo e separado” (WINNICOTT, 1953c, p. 30).
Fulgencio (2008) afirma que é nessa ocasião que emerge a “capacidade do brincar”.
Para Winnicott, trata-se de uma forma em que o ser humano encontra-se consigo
mesmo: “É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto,
pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo
que o indivíduo descobre o eu (self)” (WINNICOTT, 1971r, p. 80). Não obstante, tal
capacidade “não é uma conquista definitiva, mas sempre instável sempre dependente
das condições pessoais e ambientais” (FULGENCIO, 2008).
102
A Psicanálise como método de tratamento e como ciência natural para Freud e para Winnicott | Unidade III
Por fim, é possível observar as diferenças entre os dois teóricos e a forma como estes
constituíram a Psicanálise e enxergam o sujeito.
103
INTERPRETAÇÃO
INVASIVA NA
ABORDAGEM UNIDADE IV
PSICANALÍTICA
WINNICOTTIANA
CAPÍTULO 1
Conhecimentos mútuos do analista e do
analisando no evento da interpretação e
a importância do bom desenvolvimento
para uma interpretação
Para explicitar essa relação, Bertonzzin e Abrantes (2015) apresentam, por meio dos
estudos feitos por Ferenczi sobre os papéis desempenhados por analista-analisando: “Ao
analista cabe apenas explicitar as dificuldades que advirão no tratamento empreendido,
o analisando deve aceitá-los completamente, pois disto depende o sucesso deste”.
De acordo com os autores, não existe nada mais deletério em uma análise do que
uma atitude autoritária, ou seja, as interpretações devem possuir natureza “de uma
proposição do que de uma asserção indiscutível, e isso não só para não irritar o paciente,
mas, também, porque podemos efetivamente estar enganados” (BERTONZZIN;
ABRANTES, 2015).
É possível observar com clareza que o que se propõe a dizer não é a respeito de
uma posição do analista que o coloque num lugar mais do que modesto, pois ele
tem todo o direito de expectar que a interpretação em que se apoiou na experiência
venha a se confirmar em algum momento. Vale dizer que, em boa parte dos casos, o
analisando cede ao se dar conta do acúmulo de evidências. Todavia, “é preciso aguardar
pacientemente que o analisando tome a decisão; toda impaciência por parte do médico
custa ao analisando tempo e dinheiro, e ao médico uma quantidade de trabalho que
teria perfeitamente podido evitar” (BERTONZZIN; ABRANTES, 2015).
104
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV
Ferenczi cita uma frase de um paciente que diz: “elasticidade da técnica analítica”, frase
essa que foi aceita pelo autor.
É necessário, como uma tira elástica, ceder às tendências do paciente, mas
sem abandonar a tração na direção de suas próprias opiniões, enquanto a falta
de consistência de uma ou de outra dessas posições não estiver plenamente
provada. A única pretensão alimentada pela análise é a da confiança na
franqueza e na sinceridade do médico, não lhe fazendo mal algum o franco
reconhecimento de um erro (FERENCZI, 1928/2011, pp. 36-37).
Por fim, Bertonzzin e Abrantes (2015) expressam que “o analista deve abandonar seu
saber e “sentir com” o paciente, mas na realidade tudo isto diz mais do modo como
transmitir o saber adquirido, “adivinhado”, do que sobre seu conteúdo: trata-se, enfim,
de não enfrentar o paciente, “de aliar-se a ele em vez de combatê-lo”. Pode-se observar
uma recém-adquirida relação de “poder” aqui, deixando para trás aquela de “ensino
ou de confrontação”, trazendo à luz uma perspectiva de aliança construída pelo par
analista-analisando, “na direção das opiniões do analista até que estas se provem erradas”.
[...] o principal é manter a confiança do paciente de que seu analista é alguém
sincero e modesto, uma pessoa a quem só interessa a verdade a respeito
de seu paciente, alguém “acima de qualquer suspeita”, que possa cativar e
inspirar confiança (BERTONZZIN; ABRANTES, 2015).
Por fim, para explicitar isso, Neto (2007) cita Diatkine (1994) e diz que “só é
possível ao analista responder pelo seu próprio jogo associativo, pois, ele dispõe de
105
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana
uma representação global daquilo que se passa com seu analisando” (DIATKINE,
1994 apud CANELAS NETO, 2007), neste sentido, interpretação que atua como
“trama a suas reações contratransferências, materiais de base de suas cadeias
associativas” (CANELAS NETO, 2007). Ou seja, na relação analista-analisando,
com base no vínculo transferencial e contratransferencial, torna-se possível que as
interpretações sejam feitas e, deste modo, o analisando pode vislumbrar o conteúdo
reprimido que fora, com o manejo do analista, trazido à luz da consciência. Sem
desconsiderar, é claro, a história do analisado que fora verbalizada por ele e que
operou de forma veemente para que o analista pudesse fazer as construções e
verbalizá-las ao paciente.
É possível contemplar, ainda, algo importante e que deve ser diferenciado na Psicanálise:
“pensamento clínico”, termo esse que foi aludido por André Green (2002). O autor
salvaguarda a convicção de que não existe apenas uma teoria da clínica, mas sim um
pensamento clínico, quer dizer, “um modo original e específico de racionalidade
proveniente da experiência prática” (GREEN, 2002, p. 11 apud CANELAS NETO,
2007). Portanto, isso significa que se trata de uma “disposição singular do psiquismo
do analista que incluiria o trabalho de pensamento operando dentro da relação do
encontro com o analisando” (CANELAS NETO, 2007). Deste modo, faz-se necessário
perceber que a clínica não deve direcionar seu olhar apenas ao sujeito que se encontra
em sofrimento, e sim além disso, a clínica deve direcionar-se para aqueles que se
incumbem de escutar tal sofrimento, visto que há uma sensibilidade particular por
parte do analista.
Dessa maneira introduzimos como centrais as questões da transferência e
da contratransferência e o papel das trocas entre o analisando e o analista. O
“pensamento clínico” depende das características do campo no qual o analista
deve trabalhar. Green mostra o paralelo entre o “enquadre” psicanalítico e
o modelo do sonho, aquele criando uma situação analógica com o sonho.
Essa situação seria a forma ideal para o trabalho do pensamento clínico.
Mas Green lembra que atualmente é frequente que o analista tenha de fazer
modificações nesse modelo” (CANELAS NETO, 2007).
Para explicitar acerca do “enquadre”, Green (2002) divide o termo em duas partes:
106
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV
» “fração variável”, que se forma por meio das questões variáveis e convencionais
que ocorrem no enquadre, tais como: o analista sentar-se atrás ou frente a
frente com o paciente, questões sobre pagamentos, quantidades de sessões,
duração delas, questões que envolvem faltas, desmarcações e remarcações,
entre outras convenções pertinentes.
Para Canelas Neto (2007), com base nas proposições de Green, a ideia de “pensamento
clínico” é evidenciada por meio dos “diferentes processos de relação entre os diversos
regimes de funcionamento das instâncias psíquicas”. Green encontrava-se com o
pensamento acerca do assunto já desenvolvido e trazia à luz essa concepção “com o nome
de processos terciários, os quais se caracterizam essencialmente pelo estabelecimento
de ligações, num vai e vem permanente entre os dados do processo primário e os do
processo secundário” (CANELAS NETO, 2007).
107
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana
Sabe-se que a escuta do analista se relaciona com suas noções acerca do âmago do
inconsciente ou do id, bem como com suas concepções teóricas e metapsicológicas.
Para Canelas Neto (2007), “não há escuta neutra e despojada de influência teórica”. Em
contrapartida, deve-se rememorar que existe um hiato entre “teoria e prática clínica”
que é “impossível de preencher e que deve ser mantido assim”. No mais, a teoria nunca
deverá se justapor completamente à clínica, tampouco encobrir a amplificação de seu
campo, da mesma maneira que não deverá a clínica ser operada sem as construções
teóricas. Canelas Neto (2007) nos diz que “é essa incerteza e esse hiato entre teoria e
clínica que permitem o pensamento clínico”.
A disposição particular da escuta do analista e a possibilidade de o pensamento
clínico se desenrolar na análise levam a uma abordagem indireta do psiquismo,
o qual dá somente sinais para o analista. Em sua escuta, dentro de uma reserva
de silêncio, o analista abre seu inconsciente às ressonâncias do inconsciente
do analisando. Mas essa comunicação “direta”, em vaso comunicante, só
pode se tornar pensamento (pensamento clínico) se houver um terceiro
que escuta o que os dois outros se dizem e entendem entre eles (CANELAS
NETO, 2007).
Faz-se necessário que se conserve no decorrer da análise “a tensão entre esses dois
polos”:
108
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV
» do pensamento clínico.
O primeiro provoca o analista direcionando-o para que este “entre” no dito “terreno
de jogo da transferência”. É nesse ponto que há uma “suspensão da realidade, como
no teatro”. Foi Winnicott quem se colocou mais próximo do pensamento elaborado
por Freud por intermédio de sua “concepção do brincar e do espaço transicional”
(CANELAS NETO, 2007)
No que tange à noção de pensamento clínico, Canelas Neto (2007) observa que há a
inclusão de um terceiro. Esse terceiro, de um modo particular, permite que o analista saia
de uma relação mal delimitada ou que tenha caráter simbiótico para com o analisando,
e, assim, este pode incorporar alocuções que venham a ter valor interpretativo. Esse
terceiro opera por meio de movimentos discretos, por exemplo, quando o analista
aponta sinais do que escuta e apreende. Desse modo, o analista faz os apontamentos
até que o paciente obtenha uma compreensão e percepção de suas repetições, e assim,
ele traz à luz novos âmbitos de significações que recobriram o que fora vivenciado por
ele na experiência analítica. O analista, em outros momentos, consegue estabelecer
conexões entremeio a duas sequências diferentes da fala manifesta do analisando, o
que, indubitavelmente, poderá propiciar o emergir para novas percepções.
Existem condições idealmente esperadas para que o analista faça uma interpretação e
elas têm ser explicitadas de modo claro. Primeiramente e sem surpresas, é inegável que a
interpretação não deve ser considerada uma verdade absoluta acerca do inconsciente; a
interpretação pode e deverá ser revista a cada vez que algo no aspecto do funcionamento
psíquico do analisando seja trazido à luz.
Em algumas ocasiões da análise, o paciente traz algum aspecto de seu discurso que se
repete em diferentes momentos da sessão e, nesse instante, é possível que o analista use
da fala do analisando para “criar uma nova maneira de arranjar esses elementos da fala
do analisando” (CANELAS NETO, 2007). Tal rearranjo é capaz de criar e mobilizar
o mundo interno do paciente, seja pela via da denegação, pela via do repúdio ou de
aceitação. Amiúde, essas intervenções, de acordo com Canelas Neto (2007) recaem
“sobre o pré-consciente e tem como efeito desencadear novas associações que estavam
potencialmente presentes na fala do paciente”.
Canelas Neto (2007) diz que, levando em conta a elaboração secundária do sonho como
uma primeira tentativa de interpretação do sonho, diz Freud: “Certos sonhos sofreram
uma profunda elaboração realizada por uma função psíquica análoga ao pensamento
109
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana
em vigília; eles parecem ter um sentido, mas esse sentido é o que há de mais afastado
da significação do sonho...” (FREUD, 1900).
Canelas Neto (2007) aponta, com base em Diatkine, que a pré-genitalidade “supõe
em geral uma relação de possessão total e de insuportável aniquilamento do outro,
enquanto a genitalidade se liga à constância do desejo e à conservação do objeto”. Desse
modo, é possível considerar que a articulação entre essas formas de funcionamento
psíquico é objeto da interpretação psicanalítica.
É certo que existe o momento certo para que o analista faça uma interpretação.
Canelas Neto chama esse momento de timing. É necessário que o psicanalista busque o
momento oportuno para verbalizar a interpretação, evitando chegar a interpretações
apressadas ou imediatas. Prudência e cuidado são palavras que devem ser consideradas
nesse momento do processo.
110
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV
Em uma construção feita por Canelas Neto citando Diatkine, ele nos diz que os
apontamentos do analista constituem elementos importantes na análise e é possível
considerar, por vezes, que a “interpretação ideal só se fará quando os processos
inconscientes já tiverem perdido sua imperiosa necessidade”. Como engendrou Diatkine
(1994), “a conclusão desse trabalho a dois que é a perlaboração, muito mais do que o
veículo de uma verdade que acabaria por ser convincente”.
111
CAPÍTULO 2
A importância de Freud e Winnicott na
interpretação
Além disso, uma nota complementa a definição explicitando que: “A interpretação está
no centro da doutrina e da técnica freudianas. Poderíamos caracterizar a psicanálise
pela interpretação, isto é, pela evidenciação do sentido latente de um material”
(LAPLANCHE, 1967, p. 245). Ou seja, a interpretação é entendida como o âmago
da Psicanálise freudiana, que, de todo modo, tem como objetivo empreender uma
comunicação ao sujeito que manifeste o conflito defensivo e o desejo que está recalcado
e é formado em uma produção do inconsciente.
Freud considera que o sujeito é possuidor de uma psique, isto é, um local onde estão
alocadas as representações. Sipahi (2006) diz que, “na consciência ou no pré-consciente,
essas representações organizam-se em cadeias de atos psíquicos conectadas em relações
temporais e causais”. Quando há, por algum motivo, a ocorrência de conflitos psíquicos
ligados à censura interna, tais cadeias são descontinuadas, ou seja, elas acabam sendo
interrompidas e os conteúdos dirigem-se direto para a inconsciência do recalcado, visto
que há uma ruptura na ligação entre “as representações por imagens e por palavras,
ocasionando lacunas nas cadeias de atos psíquicos” (SIPAHI, 2006). Visto isso, é
possível afirmar que a interpretação busca operar num trabalho de recuperação para
com a ligação das representações e trazer a luzo material que fora, então, recalcado à
consciência, podendo, assim, traduzir as imagens em palavras. Neste ponto, fica clara
a acepção da interpretação, que, em seu sentido amplo, opera para que o conteúdo
recalcado e que se torna enigmático venha a ser desvelado.
112
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV
O que precisa, ainda, ser ressaltado relaciona-se com o que Freud dizia: o inconsciente
recalcado é verbalizável, ou seja, a interpretação constitui verbalização dos conteúdos
inconscientes. Portanto, é partindo desse pressuposto que a principal (e, diga-se de
passagem) fundamental regra da psicanalítica é “diga tudo que lhe vem à mente”, pois
se conjectura “que o inconsciente é dizível e isso significa, nesse caso, verbalizável”
(LOPARIC, 1999c, p. 341). Em vista disso, é importante que se fale acerca da “substituição
do hipnotismo pela regra da associação livre, pois a interpretação carrega consigo o
caráter catártico da hipnose, isto é, a liberação dos afetos” (SIPAHI, 2006).
É também importante observar o que se torna, na teoria freudiana, objeto
da interpretação. De início a interpretação visa revelar um acontecimento
traumático esquecido. Posteriormente, com o desenvolvimento da teoria,
passa a buscar revelar um desejo recalcado, como também a resistência, a
qual é resultante das mesmas forças que atuaram no recalcamento. Assim,
a tarefa da interpretação é tanto a revelação do desejo recalcado como a
revelação da resistência (SIPAHI, 2006).
Freud considerava a interpretação em si uma arte, visto que o analista se utiliza de seu
próprio inconsciente e de sua habilidade para trazer à luz os conflitos inconscientes
do sujeito e assim, ele pode os trazer à luz (FREUD, 1910, p. 95). É necessário que
se ressalte a necessidade de que tal comunicação seja feita de forma cuidadosa, pois é
por meio dela que o analista busca combater as resistências do paciente, ao invés de
operar para deixá-las ainda mais fortes. Para que isso não ocorra, Freud propõe que o
analista observe duas condições, “sem as quais a comunicação não deve ser realizada”
(SIPAHI, 2006). A primeira diz respeito à preparação do paciente para que este tenha se
aproximado suficientemente do conteúdo que fora reprimido. A segunda diz respeito à
transferência, ou seja, à ligação do analista-analisando, de modo que tal relação afetiva
impeça uma possível fuga: “Somente a estrita observância destas duas condições torna
possível descobrir e dominar as resistências que conduziram à repressão e à ignorância”
(FREUD, 1910, p. 212).
113
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana
A partir disto, é possível agora compreender que tais aspectos apontam para o que
vem a definir a interpretação para Winnicott. Isto é, “a verbalização (pelo analista)
de uma comunicação do paciente, proporcionando um insight” (SIPAHI, 2006). Sendo
assim, pode-se dizer que essa definição compreende as modificações do instrumento
baseadas nas alterações que Winnicott implementa na Psicanálise.
114
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV
Sipahi (2006) nos diz que a citação acima aponta em direção ao que a interpretação
possibilita, que dizer, numa percepção que, por vezes, o analisando não possui recursos
para construir por si só, necessitando do analista para acessar o não sabido. Em diversos
momentos, é necessário que a interpretação seja verbalizada para o analisando, pois este
“precisa de algo a mais do que precisar de algo mais do que tem em si para perceber”
(WINNICOTT, 1989, p. 68). De todo modo, é importante haver clareza no sentido de
que o sujeito em análise sabe sobre o que se passa dentro de si e caberá, portanto, ao
analista trazer a consciência e ajudar o sujeito a se sentir capaz de aceitar sua condição.
Winnicott (1969) diz que “o princípio é que é o paciente, e somente ele, quem tem as
respostas. Nós podemos ou não capacitá-lo a abranger o que é conhecido ou tornar-se
ciente disso com aceitação”.
Existe outro ponto a ser salientado, e este se refere, de acordo com Sipahi (2006),
à interpretação, visto que ela tem como objetivo propiciar “a integração do que foi
percebido ao conjunto da personalidade, ampliando, dessa forma, a própria personalidade
e a possibilidade de uso de seus diversos elementos”. Para Winnicott, “é esta integração do
ego que me interessa e satisfaz particularmente (embora não deva ser para me satisfazer
que ocorra)”. Para o autor, é satisfatório fitar a capacidade crescente do analisando,
visto que ele consegue, então, agrupar “tudo dentro da área de sua onipotência pessoal,
incluindo até verdadeiros traumas” (WINNICOTT, 1965d, p.154).
115
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana
Sipahi (2006) aponta que Winnicott traz questões acerca do “conhecimento teórico e
técnico que o analista precisa ter”, pois é por meio desses conhecimentos que o analista
consegue reconhecer e atender “às necessidades relacionadas aos aspectos profundos ou
centrais da personalidade do paciente, quando este se torna capaz de trazer questões que
vão possibilitar interpretações mutativas”. Ou seja, Winnicott aponta diretamente em
direção à importância da “experiência e o treino do analista que inclui o conhecimento
do desenvolvimento emocional, a fim de permitir transformações no paciente”. A
respeito disso, cito Winnicott:
Embora seja o paciente que está todo o tempo ensinando o analista, este
último tem de ser capaz de saber, teoricamente, a respeito dos assuntos que
interessam aos aspectos mais profundos ou centrais da personalidade, para que
não fracasse em reconhecer e a atender novas exigências à sua compreensão
e técnica quando, finalmente, o paciente torna-se capaz de trazer questões
profundamente enterradas para a interpretação mutativa (1971va, p. 134).
Para explicitar melhor o que foi dito acima, cito Winnicott em seu texto de 1968:
Um analista está trabalhando, e o paciente está verbalizando, e o analista
interpretando. Não é bem uma questão de interpretação verbal. O analista
sente que no material que lhe é apresentado pelo paciente há uma tendência
que pede verbalização. Muita coisa depende da maneira como o analista
usa palavras, e, portanto, da atitude que se oculta por trás da interpretação
(1968d, p. 85).
Das inúmeras maneiras que se pode citar a interpretação como holding, Sipahi (2006)
diz que uma delas está relacionada “à interpretação que sinaliza ao paciente que a
compreensão do analista é limitada, o que acontece quando a interpretação é errônea
ou não vai ao centro da questão”. Winnicott pontua: “eu retenho certa qualidade
externa, por não acertar sempre no alvo ou mesmo estar errado” (1965d, p. 153). À
vista disso, o paciente percebe que o analista não consegue alcançar a compreensão
da totalidade, e assim, começa a se salvaguardar de um “sentimento persecutório que
116
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV
poderia surgir se imaginasse o analista com uma compreensão total a seu respeito”.
Ademais, diante das limitações do analista, o sujeito é capaz de aprimorar a expressão
do que foi experiência e pode, também, chegar por si mesmo ao insight. Pensando
por essa via, o analista opera na direção de devolver o sujeito capaz de compreender
e aceitar o que identifica em si (SIPAHI, 2006).
Acho que interpreto principalmente para deixar o paciente conhecer os
limites da minha interpretação. O princípio é que é o paciente, e somente
ele quem tem as respostas. Nós podemos ou não capacitá-lo a abranger o
que é conhecido ou tornar-se ciente disso com aceitação (WINNICOTT,
1969, p. 171-172).
117
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana
invés de interpretar apressadamente todo o conteúdo externado por este. Sobre isso,
Winnicott diz:
Um dos princípios mais importantes da técnica psicanalítica é o deque o
contexto é fornecido a fim de que o paciente possa lidar com uma coisa de
cada vez. Nada é mais importante em nosso trabalho do que a tentativa de
perceber qual é a coisa específica que o paciente traz para ser interpretada
ou revivida a cada sessão. Um bom analista limita suas interpretações e
seus atos ao elemento exato trazido pelo paciente. Não é boa a prática de
interpretar tudo aquilo que se acredita haver compreendido, agindo a partir
das próprias necessidades, e desse modo jogar fora a tentativa do paciente
de sair-se bem, lidando com uma coisa de cada vez (WINNICOTT, 1958,
p. 275).
De acordo com Sipahi (2006), “o que caracteriza uma interpretação como holding é o
fato de esta criar um ambiente suficientemente bom que colabora para que o analisando
possa abandonar as organizações defensivas e se experimentar como si próprio”. O autor
aponta que, embora não se trate precisamente de uma interpretação, visto que esta não
promove insight, ela fica, de todo modo, estritamente vinculada ao ato interpretativo
do analista. Sipahi (2006) completa dizendo que, “nesse modo de intervenção, a atitude
do analista conta mais que a acuidade da interpretação, pois inaugura a cada vez o
ambiente protegido”. A partir dessa atitude, o analisando conseguirá experienciar um
ambiente seguro e confiável, promovido e sustentado pelo analista, que se coloca à
disposição para escutar e conhecer suas necessidades, temores, amores, desejo e tudo
o que forma a história do sujeito. Com base nos apontamentos feitos pelo analista, o
analisando poderá chegar a “uma compreensão de que naquele ambiente ele estará
seguro e resguardado do que o amedronta, percebido em suas necessidades e a espera
do que há demais pessoal: seu verdadeiro self” (SIPAHI, 2006).
Não interpretação
Winnicott aborda, também, sobre a não interpretação como sendo um dos aspectos
da interpretação. Parece confuso, mas a questão é que, em alguns momentos, o autor
atenta-se para a relevância de o analista se calar para que o analisando consiga alcançar
por si mesmo aos preciosos insights em sua análise. “Tal atitude evita a possibilidade do
paciente se submeter ao terapeuta e promove um contexto no qual pode ser criativo,
expressando-se através de seu verdadeiro self” (SIPAHI, 2006).
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Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV
ser diferente. Isto é, ao que se entende acerca das questões levadas pelo analisando, ele
abrange “a compreensão de seu desenvolvimento emocional e do tipo de distúrbio que
apresenta”. Deste modo, ao fazer uma interpretação, o analista responde às necessidades
do sujeito que se referem a esses motivos. Sipahi (2006) diz que, “quando estes não são
reconhecidos, corre-se o risco da interpretação não ser assimilada e ser experimentada
como uma nova intrusão do ambiente, provocando novo trauma”. É nesse ponto que
Winnicott chama a atenção para “o perigo de interpretar sem atentar ao distúrbio e
à condição maturacional do paciente” (SIPAHI, 2006).
» cuidado.
119
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana
120
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV
No que tange aos sujeitos deprimidos, Sipahi aponta, com base em Winnicott, “que
o trabalho deve levar em conta o estudo do ódio e da agressão em uma apreciação do
mundo interno pessoal e seu intercâmbio com a realidade externa (compartilhada),
considerando ainda os mecanismos de introjeção e projeção”.
Verifica-se que os fatores internos benignos e persecutórios dependem, na
sua origem, das experiências instintivas e de seus aspectos satisfatórios e
não satisfatórios. Aqui, estamos em um momento em que tais fenômenos
acontecem dentro da configuração de uma relação dual bebê/mãe e ainda não
há a triangulação edípica. Entretanto, as principais organizações defensivas
desse momento são a repressão e a inibição do ódio e da agressividade
que impede, em algum grau, a conquista da integração dos instintos à
personalidade (SIPAHI, 2006).
Para explicitar de maneira mais prática e clara o que foi abordado acima, Winnicott
descreve brevemente um atendimento feito a uma menina com sintomas de depressão
e, a partir desse caso clínico, poderemos observar um exemplo de interpretação ligada
aos sujeitos psiconeuróticos. Winnicott (1964) considera este “um caso simples de
depressão aliada à psiconeurose”. A analisanda dispunha de um desenvolvimento
emocional em que foi possível alcançar a condição para formar relações interpessoais
triangulares, o que poderá ser visto em uma cena edipiana clássica, “mas que sua
problemática tem como principais características a repressão aliada à inibição de
instintos e à modificação do humor, situando sua origem no estágio do concernimento
e confirmando o diagnóstico de depressão” (SIPAHI, 2006).
A seguir, observe os quadros 3 e 4. O quadro 3 traz o quadro clínico descrito por
Winnicott, e o quadro 4, a contemplação feita por Sipahi.
Quadro 3. Quadro clínico descrito por Winnicott.
121
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana
Agora, relato no quadro a seguir a correlação feita por Sipahi do caso clínico junto
aos escritos de Winnicott:
Portanto, é possível afirmar que essa não é a única maneira possível. De acordo com
Sipahi, “as interpretações relacionadas às psicoses devem atender ao fato de que tais
pacientes experimentaram uma intrusão ou um padrão de intrusões que resultou
na interrupção da sua continuidade de ser e impossibilitou o atendimento às suas
necessidades maturacionais”.
123
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana
Será possível observar, a partir do caso clínico descrito a seguir por Winnicott como
ocorre esse atendimento.
124
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV
É evidente o que estava acontecendo aqui? De minha parte, precisei passar por uma profunda experiência pessoal para
chegar à compreensão que sinto agora haver atingido.
Este estado complexo de coisas possui uma realidade especial para este homem porque ele e eu fomos impulsionados
à conclusão (embora incapazes de prová-la) de que sua mãe (que não vive mais) viu um bebê menina quando o viu bebê,
antes de vir a pensar nele como menino. Em outras palavras, este homem teve de se ajustar à ideia dela que seu bebê
seria e era uma menina. (Fora o segundo filho, e o primeiro também fora menino). Temos boas provas, provindas da
análise, de que no manejo inicial, a mãe o segurava e dele tratava por todos os tipos de maneiras físicas como se não
conseguisse percebê-lo como masculino. Com base neste padrão, ele dispôs posteriormente as suas defesas, mas era
a “loucura” da mãe que via uma menina onde existia um menino, e isto fora trazido diretamente para o presente por eu
haver dito: “O louco sou eu”. Nessa sexta-feira ele foi embora profundamente comovido e sentido que está fora a primeira
mudança significativa em análise em longo tempo (embora, como já disse, tivesse havido um progresso contínuo no
sentido de um bom trabalho sendo feito) [...]” (pp. 134-136).
Agora, relato, no quadro a seguir, a correlação feita por Sipahi do caso clínico junto
aos escritos de Winnicott:
A interpretação B:
Nesta ocasião particular, disse-lhe: − Estou escutando uma garota. Sei perfeitamente que você é homem, mas estou escutando
uma garota e falando com uma. Estou-lhe dizendo: você está falando sobre inveja do pênis (1971va, pp.134-136).
E a interpretação C:
“Não é que você tenha contado isto a alguém; sou eu que vejo uma garota e escuto-a falar, quando, na realidade, há um homem
no meu divã. O louco sou eu” (1971va,p.134-136).
Mostram-nos vários aspectos da interpretação winnicottiana voltada aos pacientes psicóticos. Em primeiro lugar, com a
interpretação B, Winnicott faz uma descrição do que percebe no paciente: um homem com um comportamento feminino. Essa
descrição feita com o cuidado de preservar sua condição masculina − “Sei perfeitamente que você é homem” (1971va, p.134-
136) − permite ao paciente entrar em contato com a estranheza do elemento feminino em si, fazendo entender que tal elemento
não teve oportunidade anterior para ser considerado: “o paciente disse: ‘Se eu fosse falar a alguém a respeito dessa garota,
seria chamado de louco’” (1971va, pp. 134-136).
Com a interpretação C, Winnicott novamente preserva a condição masculina do paciente e assume perante ele a
responsabilidade pela presença do elemento feminino: “Sou eu que vejo uma garota e escuto-a falar, quando, na realidade, há
um homem no meu divã. O louco sou eu” (1971va, pp. 134-136). Ao fazer isso, muitas coisas acontecem. Por exemplo, Winnicott
permite que o paciente se observe na relação com o ambiente, de modo que a percepção do paciente antes voltada a si próprio
se direciona para o relacionamento ambiental: ele no ambiente.
Além disso, Winnicott assume uma posição ambiental que repete, para o paciente, o ambiente vivido no início da vida e
relativo à origem de seu problema, ou seja, um ambiente inicial que vê um indivíduo masculino como um indivíduo feminino:
“ele e eu fomos impulsionados à conclusão (embora incapazes de prová-la) de que sua mãe (que não vive mais) viu um bebê
menina quando o viu bebê, antes de vir a pensar nele como menino” (1971va, p. 134-136). Ao mesmo tempo, ao assumir a
responsabilidade pela loucura do ambiente, Winnicott acolhe a ansiedade do paciente com relação ao elemento feminino.
Assim, o paciente revive a condição ambiental relacionada à origem de seu problema, ao mesmo tempo em que é sustentado
por Winnicott, na dedicação à compreensão de seu distúrbio, na preservação de seu verdadeiro self (sua masculinidade) e no
acolhimento da ansiedade experimentada.
Podemos observar que Winnicott proporciona ao paciente uma dupla experiência. De um lado, assume um posicionamento
que retoma o ambiente inicial desfavorável relacionado à origem do problema. Do outro, assume um posicionamento que
fornece um ambiente sustentador. Diante dessa dupla ambiência (má e boa) o paciente pode reviver a situação traumática de
modo a suportá-la e contê-la em si, e com isso abandonar a organização defensiva (uma dissociação), integrando o elemento
dissociado. Ao mesmo tempo, chega à compreensão de seu problema, percebendo sua origem em um ambiente louco,
liberando-o assim de um dilema: “O paciente disse que agora se sentia são em um meio ambiente louco. Em outras palavras,
fora agora liberado de um dilema” (1971va, pp. 134-136).
125
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana
Ao se posicionar com o um ambiente favorável, Winnicott oferece ao paciente um ambiente semelhante ao que teria sido
necessário à época da situação traumática. Ou seja, o paciente foi privado de um ambiente que o compreendesse e o cuidasse
como homem, impedindo um desenvolvimento emocional saudável. Portanto, ao confirmar sua masculinidade e relacionar o
elemento feminino à loucura do ambiente, Winnicott atende à necessidade maturacional da qual o paciente havia sido privado,
que permanecia congelada na doença. Podemos dizer que, dessa forma, Winnicott chega a um dos pontos mais importantes
do trabalho na análise com pacientes psicóticos: atender às necessidades maturacionais que permaneceram não atendidas ao
longo do tempo, com o resultado das intrusões e privações traumáticas.
Assim, o somatório desses fatores permite ao paciente uma melhora importante e a sensação de uma mudança significativa na
análise: “Nessa sexta-feira ele foi embora profundamente comovido e sentindo que esta fora a primeira mudança significativa
em análise em longo tempo” (1971va, pp.134-136).
Podemos destacar, nesse exemplo, os principais aspectos da interpretação relacionada aos distúrbios psicóticos: (1) A
compreensão da origem do distúrbio. No caso descrito acima, essa origem está ligada ao fato de o ambiente inicial haver
cuidado do paciente com o um bebê feminino e não como um bebê masculino. (2) O estabelecimento de um ambiente analítico
que retoma ou faz referência direta à situação ambiental traumática original e, ao mesmo tempo, sustenta o paciente para
tolerar o trauma em si. Esse enquadre também permite que o paciente observe a situação traumática original do ponto de vista
da relação ambiental: ele no ambiente. Assim, no caso relatado, o paciente revive a situação de um ambiente que o vê como uma
menina de uma maneira em que pode tolerar o trauma, porque o ambiente se responsabiliza pela inadequação do fato. Além
disso, ao observar a situação traumática de um novo ponto de vista, no qual se vê em um ambiente inadequado, compreende
que a estranheza do elemento feminino não nasceu em si. (3) A sinalização, pela interpretação, da oferta de um ambiente
empenhado em atender às necessidades maturacionais do paciente, mantidas ao longo do tempo por conta das intrusões e
das privações traumáticas. Desse modo, no caso dado, Winnicott não apenas confirma a masculinidade do paciente como dá
oportunidade para o elemento feminino. Atende dessa forma às necessidades do paciente com relação à masculinidade e ao
elemento feminino: “‘Eu mesmo nunca poderia dizer (sabendo ser homem): sou uma garota. Não sou louco assim. Mas você o
disse, e falou para ambas as partes de mim’” (1971va, pp.134-136).
Verificamos ainda que ambas as interpretações realizadas por Winnicott, no caso apresentado, vão ao encontro de sua
concepção de interpretação: a verbalização de uma comunicação do paciente, propiciando insight.”
Fonte: Sipahi, 2006.
Nesse tipo de caso, é importante que nos atentemos à forma de fazer a interpretação.
Para observar de forma ampla e clara, Winnicott descreve de um caso clínico em que
ele auxilia uma família em que é identificado no filho a tendência antissocial. Vale
126
Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana | Unidade IV
ressaltar que o caso escolhido em questão vislumbra uma possível maneira de viabilizar
a análise da pacientes que apresentam a tendência antissocial “pela administração do
ambiente sem intervenção direta do terapeuta” (SIPAHI, 2006).
Logicamente, para que isso aconteça, é necessário que o ambiente se convença
da sua responsabilidade, tanto em relação às falhas cometidas quanto em
relação ao cuidado do indivíduo em questão. Nesse caso específico, a mãe
assumiu a responsabilidade sob orientação de Winnicott, sendo dela as
intervenções ou “interpretações” realizadas (SIPAHI, 2006).
Quadro 7. Caso clínico − auxílio a uma família com um filho com tendência antissocial.
Caso Clínico – Winnicott – Auxílio a uma família com um filho com tendência antissocial
Fui solicitado por uma amiga a examinar o caso de seu filho, primogênito de uma família de quatro. Ela não podia trazer-me
John abertamente por causa do marido, que faz objeção à psicologia por motivos religiosos. Tudo o que ela pôde fazer foi
ter uma conversa comigo sobre a compulsão do menino para roubar, o que estava se tornando um problema muito sério; ele
roubava em grande escala, em lojas e em casa. Por razões práticas, a única coisa possível foi combinarmos um almoço rápido
num restaurante, durante o qual ela me contou o problema e pediu meu conselho. Eu só tinha aquele momento e aquele lugar
para fazer alguma coisa. Portanto, expliquei-lhe o significado do roubo e sugeri que ela encontrasse um bom momento em suas
relações com o menino e lhe desse uma interpretação. Ao que parecia, John e a mãe tinham alguns momentos de boas relações
mútuas todas as noites, depois que ele ia para a cama; então, geralmente, ele gostava de contemplar e falar sobre as estrelas e
a lua. Esse momento poderia ser usado.
Sugeri: “Porque não dizer a John que você sabe que, quando ele rouba, ele não está querendo as coisas que rouba, mas procura
algo a que tem direito: está protestando contra a mãe e o pai porque se sente privado do amor de ambos?”. Recomendei-lhe que
usasse uma linguagem que o menino pudesse entender. Devo dizer que eu conhecia suficientemente essa família, em que os
pais são músicos, para perceber como esse menino, em certa medida, sofria a privação, embora tivesse um bom lar.
Algum tempo depois recebi dessa amiga uma carta dizendo-me que fizera o que eu havia sugerido. “Disse-lhe que o que ele
realmente queria quando roubava dinheiro, alimentos e outras coisas, era sua mãe; devo dizer que realmente não esperava
que ele entendesse isso, mas parece que entendeu. Perguntei-lhe se achava que não o amávamos por ele às vezes ser tão
travesso, e ele respondeu sem pestanejar que achava que não o amávamos muito. Pobre criança! Eu me senti tão mal, nem lhe
posso explicar. Então eu lhe disse para nunca, nunca mais duvidar e disse-lhe que, se alguma vez ele sentisse dúvida me fizesse
lembrar de dizer outra vez. Mas é claro que não precisarei ser lembrada por muito tempo, foi um choque tão grande. Parece
que todos nós precisamos desses choques. Assim, estou sendo muito mais demonstrativa, para tentar evitar que ele volte a ter
dúvidas. E até agora não houve mais nenhum roubo”.
A mãe conversava com a professora de John, explicando-lhe que o menino necessitava de amor e compreensão, e obtivera a
compreensão dela, embora o menino desse muito trabalho na escola.
Agora, depois de oito meses, é possível informar que não houve recaída no roubo, e as relações entre o menino e a família
melhoraram muito [...] Winnicott, 1958, pp.136-137.
Fonte: “A tendencia anti-social” –Winnicott, 1958.
Agora, relato, no quadro a seguir, a correlação feita por Sipahi do caso clínico junto
aos escritos de Winnicott:
127
Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana
Um primeiro ponto a ser observado aqui é o fato de Winnicott se certificar das condições necessárias para orientar o caso,
investigando se havia, entre mãe e filho, um relacionamento capaz de responder às necessidades do filho nessa situação.
Conclui que sim, ao saber que ambos experimentavam um momento juntos todas as noites: “Ao que parecia, John e a mãe
tinham alguns momentos de boas relações mútuas todas as noites, depois que ele ia para a cama [...]. Esse momento poderia
ser usado” (1958c, p. 136-137).
Dessa forma, as passagens demonstram a interpretação D:
“Disse-lhe que o que ele realmente queria quando roubava dinheiro, alimentos e outras coisas, era sua mãe” (1958c,p.136-137).
E interpretação E:
“Perguntei-lhe se achava que não o amávamos por ele às vezes ser tão travesso” (1958c, p. 136-137).
Mostram-nos importantes aspectos das interpretações relativas aos casos de tendência antissocial. De início, a interpretação
D traduz o significado dos comportamentos de John, compreendendo que seus furtos tinham a intenção de recuperar o amor
materno, associando seu comportamento à deprivação vivida: “Disse-lhe que o que ele realmente queria quando roubava
dinheiro, alimentos e outras coisas, era sua mãe” (1958c, p. 136-137). A interpretação E, por sua vez, novamente, remete à
deprivação, apresentando seu resultado: falta ou diminuição do amor parental − “Perguntei-lhe se achava que não o amávamos
por ele às vezes ser tão travesso” (1958c, p. 136-137). Essa intervenção possibilita a John expressar o sentimento traumático que
tinha com relação ao amor dos pais, dizendo achar que eles não o amavam muito” (pp. 136-137).
Fonte: Sipahi, 2006.
128
CAPÍTULO 3
A interpretação invasiva e o elemento
confiabilidade do analista
A interpretação invasiva
Para abordar essa temática, Serralha (2012) aponta que Winnicott a surpreendeu com
um apontamento de um de seus analisandos acerca dessa questão. É importante que
nos lembremos de que interpretações, sobretudo aquelas que pertencem ao campo
do não verbalizado, podem ser sentidas pelo analisando de maneira invasiva. Para
exemplificar, Winnicott relata sobre algo que lhe fez sentido: “a menos que ele [o
analisando] houvesse verbalizado sua comunicação, não cabia a mim [Winnicott] fazer
comentários” (WINNICOTT, 1994a, p. 163). Tal sentimento emerge no analisando
quando o analista se aproxima de forma profunda da “comunicação com o núcleo central
quieto e silencioso da organização do ego do paciente” (WINNICOTT, 1990a, p. 172),
ou seja, diz-se de algo que é “permanentemente desconhecido, na realidade, nunca
encontrado” (p. 170). Quando a aproximação a partir de uma interpretação invasiva
ocorre, o analista transforma-se numa figura perigosa. Deste modo, o analisando para
de associar livremente e direciona sua energia para calar-se, defender-se e esconder-
se. Quando Winnicott veio a interpretar o movimento dos dedos da mão do paciente
sobre o próprio peito e ele disse: “Se você começar a interpretar esse tipo de coisas vou
ter de transferir esse tipo de atividade para outra que não apareça” (WINNICOTT,
1994a, p. 163 apud SERRALHA, 2012).
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Unidade IV | Interpretação invasiva na abordagem Psicanalítica Winnicottiana
Muito embora esse equívoco comentado por Freud tenha ocorrido com um analista
em seu início de carreira, é importante que se ressalte que a interpretação invasiva
“pode estar presente em toda e qualquer análise, e em qualquer fase desta, mesmo no
trabalho de analistas experientes, em razão da facilidade própria à natureza humana”
(SERRALHA, 2012).
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