Pratica Da Psicoterapia Junguiana
Pratica Da Psicoterapia Junguiana
Pratica Da Psicoterapia Junguiana
JUNGUIANA
Elaboração
Produção
APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................................................................... 5
INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................................................................. 8
UNIDADE I
CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA........................................................................................................................................... 9
CAPÍTULO 1
A ESCOLA CLÁSSICA........................................................................................................................................................................................... 9
CAPÍTULO 2
A ESCOLA ARQUETÍPICA.................................................................................................................................................................................. 16
CAPÍTULO 3
A ESCOLA DESENVOLVIMENTISTA............................................................................................................................................................. 20
UNIDADE II
CONCEITOS BÁSICOS DA MATRIZ CONSTITUINTE DA ESTRUTURA PSÍQUICA JUNGUIANA............................................................ 31
CAPÍTULO 1
FUNDAMENTOS CONCEITUAIS ACERCA DOS CONCEITOS DE EGO (CONSCIÊNCIA), INCONSCIENTE PESSOAL,
CAPÍTULO 2
FUNDAMENTOS CONCEITUAIS ACERCA DOS CONCEITOS DE SOMBRA, ANIMA VERSUS ANIMUS E OS
COMPLEXOS.......................................................................................................................................................................................................... 45
CAPÍTULO 3
A ABORDAGEM JUNGUIANA DOS SONHOS NO PROCESSO ANALÍTICO................................................................................... 60
UNIDADE III
CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O PROCESSO ANALÍTICO........................................................................................................... 68
CAPÍTULO 1
O PROCESSO ANALÍTICO: ENCARANDO A SOMBRA.......................................................................................................................... 68
CAPÍTULO 2
O ENCONTRO ANALÍTICO: TRANSFERÊNCIA/CONTRATRANSFERÊNCIA, ANÁLISE DIDÁTICA E SUPERVISÃO..... 73
CAPÍTULO 3
OS HONORÁRIOS NO PROCESSO DE ANÁLISE E SUAS NUANCES COMPENSADORAS NO SETTING ANALÍTICO......... 83
UNIDADE IV
PRÁTICA DA PSICOTERAPIA JUNGUIANA – ANÁLISE CONSTRUTIVA DE CASOS CLÍNICOS............................................................. 90
CAPÍTULO 1
ANÁLISE DE CONSTRUÇÃO DE CASOS...................................................................................................................................................... 91
CAPÍTULO 2
FASES DO DESENVOLVIMENTO ANALÍTICO (CASO ANIMUS)........................................................................................................ 97
Sumário
CAPÍTULO 3
ANIMUS INCONSCIENTE: ESTUDO DE CASO CARLA......................................................................................................................... 102
REFERÊNCIAS........................................................................................................................................................................................ 112
4
APRESENTAÇÃO
Caro aluno
Conselho Editorial
5
ORGANIZAÇÃO DO CADERNO
DE ESTUDOS E PESQUISA
A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto
antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para
o autor conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma
pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em
seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas
experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para
a construção de suas conclusões.
Atenção
Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam
para a síntese/conclusão do assunto abordado.
6
Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa
Saiba mais
Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/
conclusões sobre o assunto abordado.
Sintetizando
Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando
o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.
7
INTRODUÇÃO
Objetivos
» Ter o conhecimento constitutivo da base da matriz que constitui o arcabouço
teórico da psicologia analítica: o inconsciente pessoal, inconsciente coletivo
e arquétipos.
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CONTEXTO HISTÓRICO
DA PSICOLOGIA UNIDADE I
ANALÍTICA
Esta unidade apresentará o contexto histórico da colaboração dos trabalhos de C.
G. Jung que implementou o desenvolvimento das escolas: clássica, arquetípica e
desenvolvimentista. Jung criou as suas teorias em um momento particular da história,
fazendo uma síntese de uma vasta gama de conteúdos psíquicos pelo filtro da sua
própria psicologia pessoal. Esta unidade tratará brevemente nos capítulos 1, 2 e 3 a
herança deixada pela psicologia analítica que até o presente momento corrobora com
a práxis de muitos analistas e psicoterapeutas de orientação junguiana.
CAPÍTULO 1
A escola clássica
Por que abrimos nosso capítulo com o estudo da “escola clássica”? De acordo com Hart
(2011), a experiência que o autor compartilha conosco corrobora com seu período de
residência no Instituto C. G. Jung, de Zurique, que começou em 1948. O autor ressalta
que praticamente todos os professores e analistas haviam estado, ou ainda estavam,
em análise com o próprio Jung, de maneira que as descobertas e reflexões do mestre
(Jung) chegavam até eles com uma autoridade convincente. Além disso, no método de
Jung, tal como uma atitude de respeito pelos residentes, existia uma grande afinidade
entre Jung e os analistas em processo de formação.
Por outro lado, em contraste com a escola desenvolvimentista, a escola clássica define
o desenvolvimento não tanto por anos de idade ou por estágios psicológicos, mas pela
conquista individual do self consciente que só cabe ao indivíduo realizar. Essa posição
9
Unidade I | CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA
ficará mais clara ao longo deste capítulo, assim como ficarão claras também posições e
indagações que decorrem da teoria e da prática clássica, por assim dizer, na sua forma
mais pura.
De acordo com Hart (2011), ser um analista junguiano clássico não significa exatamente
seguir e repetir a terminologia de Jung, mas adotar o método geral de análise que Jung
apresentou. Isso supõe, sobretudo, respeito por aquilo que é encontrado, respeito
pelo desconhecido, pelo inesperado, por aquilo que nunca se viu ou sentiu. Quando
Jung (1967 apud HART, 2011) preveniu a si mesmo, antes de começar a refletir sobre
o sonho de um paciente, dizendo: “não tenho nenhuma ideia do que esse sonho é”,
estava limpando a sua mente de pressupostos e postulados que pudessem solapar esse
respeito essencial ao paciente.
A atitude de respeito supõe que o inconsciente, de onde os sonhos vêm, deve ser levado
a sério, e que devemos deixá-lo emergir como é. Assim o sonho não é, como defendia
Freud (1900 apud HART, 2011), uma capa para o desejo reprimido que se disfarça
para encontrar uma forma de expressar-se; é a afirmação de um fato, da maneira que
as coisas são no domínio da psique. A sua tendência é fornecer ao consciente uma
foto do estado psicológico negligenciado ou descartado, por isso é uma ferramenta
valiosíssima para compreensão e diagnóstico.
A perspectiva de Jung sobre a religião e a atitude religiosa revela uma posição
similar de respeito. A religião é vista como uma consideração cuidadosa de potências
superiores e, portanto, como uma aceitação e um respeito por aquilo que é espiritual
e psicologicamente dominante na consciência individual. Isso significa, sobretudo,
as faculdades dentro do inconsciente, relevadas e vivenciadas por meio dos sonhos,
da imaginação, dos sentimentos ou da intuição. É esse mundo interior que precisa
ser observado e respeitado a fim de que o indivíduo chegue a um desenvolvimento
psicológico são e seguro.
A razão para essa ênfase no mundo interior é o fato de ele ser o caminho para alcançar
ou realcançar a verdadeira natureza do ser humano. Apesar de parecer que os seres
humanos são em potencial governados por forças externas – a começar pelos nossos pais,
cujo domínio sobre o nosso desenvolvimento é obviamente enorme -, os verdadeiros
dominadores da nossa vida psicológica são os centros de energia e as imagens que agem
em nós a partir de dentro e que se projetam sobre o mundo ao nosso redor (HART,
2011, p.158).
De acordo com Hart (2011), o que realmente ocorre dentro da psique primeiramente,
encontra-se de modo projetado, como se de fato estivesse “no exterior”. A projeção nos
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CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA | Unidade I
remete ao mundo, de modo tão convincente que é fácil pensar que somos totalmente
moldados por esse mundo. Jung (1967 apud HART, 2011) assevera que não começamos
nossa vida como uma tábula rasa, uma lousa vazia sobre a qual será escrito o que está
fora de nós. Em vez disso, o neonato surge desde o início como uma personalidade
distinta e única com seus próprios modos definidos de ir ao encontro da experiência
e responder a ela. Essa concepção é corroborada pela teoria junguiana dos tipos
psicológicos.
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Unidade I | CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA
Em sua explicação do processo de individuação, Jung (1967 apud HART, 2011) inicia
seu trabalho analítico com o paciente a partir do acolhimento do lado sombrio, ou
seja, na aceitação da sombra com seus conteúdos latentes aparentes no setting analítico.
Esse passo se dá como a base inicial na escola clássica. No entanto, o reconhecimento da
sombra deve ser um processo contínuo ao longo de toda vida. Isso não significa apenas
ajudar a garantir estabilidade e mesmo sanidade, mas, à medida que o trabalho avança,
elementos reprimidos ou renegados da sombra tendem a emergir cada vez mais, como
se fossem encorajados pela crescente atitude consciente de aceitação e honestidade.
É nas bases de uma relação saudável entre o ego e a sombra que as maiores profundezas
da psique podem ser exploradas com segurança. Embora na experiência típica a
sombra possua o mesmo sexo que a personalidade consciente, há um arquétipo
contrassexual em outro nível psíquico. Jung (1971 apud HART, 2011) chama esse
arquétipo contrassexual de anima (no homem) e animus (na mulher). Essas figuras
interiores têm uma vida e uma personalidade distinta própria, derivada, em parte,
do arquétipo do feminino ou do masculino e, em parte, da experiência de vida
individual com a mulher ou o homem, que começa respectivamente com a mãe e o
pai. Ambas habitam as profundezas do inconsciente e são uma compensação para
a atitude da consciência e uma maneira de contornar a sua experiência unilateral,
seja ela a de um homem ou a de uma mulher.
Essa descoberta pode, muitas vezes, ocorrer durante o processo analítico, durante
as sessões de análise, às vezes, quando se recorre ao recurso da ‘imaginação ativa’,
método este de vivenciar o próprio inconsciente enquanto acordado. O indivíduo
deliberadamente baixa o seu nível de consciência, quase sempre se concentrando em
uma cena de um sonho recente, até que o inconsciente produza espontaneamente uma
fantasia – que pode ou não estar relacionada com o sonho em questão. Diferente do
sonhar acordado, atividade muitas vezes ditada pelo consciente no desejo de realizar os
desejos, a imaginação ativa é caracterizada por sua natureza completamente autônoma.
O contato na imaginação ativa, com a anima ou com o animus, no caso da mulher, é
12
CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA | Unidade I
De acordo com Hart (2011), essas personalidades internas não só costumam ser
projetadas nos outros, sejam esses ‘outros’ reais ou imaginários, como também podem
conquistar o indivíduo consciente, em especial nos momentos de desgaste. Por exemplo,
um homem possuído ou dominado por sua anima pode tornar-se, por assim dizer,
uma ‘mulher inferior’, isto é, temperamental, ressentido e irracional. Diante de tais
elementos trazidos em narrativas desses homens, feridos, machucados, magoados, é
que observamos de forma espontânea uma forte atuação inconsciente da anima no
homem. Vale ressaltar que estamos apresentando conceitos gerais em dados contexto
clínicos, o que não se pode determinar que poderá surgir em todos os contextos clínicos
em processos distintos de análise.
Da mesma forma e modo, uma mulher que padece de uma possessão pelo animus
pode comportar-se como um ‘homem inferior’, isto é, pode tornar-se enérgica,
teimosa, demasiadamente objetiva e lógica. Parece que a típica opinião junguiana
é que, em relação, a anima negativa do homem é trazida à tona por uma erupção
prévia do animus negativo na mulher, ainda que geralmente o conflito seja causado
pelo segundo (animus).
Jung (1971 apud HART, 2011) considera essas figuras vitais, anima e animus, como
mediadoras do mundo inconsciente. É, portanto, crucial entrar em harmonia com elas.
Porque, apesar de a anima poder nos enfeitiçar, enganar e frustrar; é ela que conduz
o homem à vida no seu sentido mais verdadeiro: à sua vida emotiva e apaixonada, à
autodescoberta genuína e, por fim, à experiência do self, que é o ‘sentido’ em meio à
aparente falta de sentido da sua influência que nos parece, muitas vezes, caprichosa.
Como em todo trabalho de individuação, a chave é travar uma relação consciente com
essa vida dentro da psique; não se trata de estar simplesmente à sua mercê, mas de vê-la
e reconhecê-la por aquilo que é e dar-lhe o que é de direito. Precisamos observar a
necessidade de respeitar as forças que operam dentro de nós.
Para Jung (1971 apud HART, 2011), o conflito não só é inerente à estrutura psicológica
humana, mas essencial para o crescimento psicológico. Dadas as tendências e inclinações
opostas que já consideramos nos parágrafos anteriores, é obvio que a tarefa de se tornar
consciente significará suportar o conflito. Um exemplo simples, mas importantíssimo,
é aquilo que muitas vezes vivenciamos como o conflito entre cabeça e coração, ou
entre pensar e sentir. Cada um desses polos (anima e animus) opostos pode ser válido,
e o conflito, ainda assim, pode parecer insolúvel. Em tal situação, a maneira de
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Unidade I | CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA
Jung (1971 apud HART, 2011) considerava o trabalho dos alquimistas essencialmente
como uma imagem dos processos alquímicos que eles entendiam como materiais, ou
seja, como uma projeção desses processos internos na matéria. O vasilhame alquímico
tornar-se, pois, a estrutura psíquica interna que suporta a tensão entre os opostos
e vivencia a emergência de uma resolução inteiramente nova – isto é, simbólica –,
expressa na imagem de uma substância mais nobre e preciosa destilada do material
bruto caótico com que se começou o trabalho.
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CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA | Unidade I
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CAPÍTULO 2
A escola arquetípica
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CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA | Unidade I
autoconhecimento. Segundo Hillman (1983 apud ADAMS, 2011), tudo com o que os
indivíduos se deparam psiquicamente são imagens, isto é, fenômenos.
De acordo com Adams (2011), Hillman usa a expressão psicologia imaginal como
sinônimo de realidade, ele prefere o termo imaginal a imaginário, que tem a conotação
pejorativa de irreal. Segundo Hillman (1983 apud ADAMS, 2011), o imaginal é tão
real quanto ou até mais real que qualquer realidade externa. Tal atitude é idêntica à
que Jung estipulou para a prática da imaginação ativa, ou seja, a indução deliberada da
atividade imaginativa ao inconsciente. Ativar a imaginação, imaginar ativamente, requer
do indivíduo a consideração de imagens que emergem como se fossem autônomas e
com o mesmo status ontológico da realidade externa. De acordo com Adams (2011),
Hillman aplica esse método a todas as imagens, não apenas àquelas que surgem durante
a imaginação ativa. A psicologia imaginal é baseada no que Adams (2011) chama de
‘princípio da fantasia’.
O que podemos inferir desde contexto imaginal é que esta não é uma psicologia das
relações entre objetos. Adams (2011) e Hillman (1983) r explanam que as imagens
não são, de modo algum, redutíveis a objetos da realidade externa. A imaginação não
é algo secundário e derivativo, mas primário e constitutivo. Uma imagem não deriva
necessariamente de um objeto da realidade externa, se refere a ele ou corresponde
precisa ou exaustivamente a ele (ao objeto).
De fato, pode haver ou não um objeto. De acordo com Berry (1982 apud ADAMS,
2011), para a imaginação, qualquer questão acerca de um objeto referente é irrelevante.
O imaginal é bastante real à sua maneira, mas nunca porque corresponde a algo exterior.
Para os psicólogos que abarcam essa abordagem imaginal, a discrepância entre imagem
e objeto é um fato que simplesmente não pode ser eliminado da existência humana.
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Unidade I | CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA
Jung (2013) defende uma posição parecida quando trata das imagens psíquicas, ou
imagos, e daquilo que chama de interpretação em nível subjetivo. Ontologicamente,
afirma que a imagem psíquica de um objeto nunca é exatamente igual ao objeto.
Epistemologicamente, argumenta que os fatores subjetivos condicionam a imagem e
tornam difícil o conhecimento correto do objeto. Por conseguinte, diz que é essencial
que a imago não seja presumida como idêntica ao objeto. Em vez disso, é sempre
recomendável considerá-la uma imagem da relação subjetiva com o objeto. Segundo ele,
o objeto serve apenas como um veículo conveniente para transmitir fatores subjetivos.
A crítica de Hillman (1989 apud ADAMS, 2011) a respeito do mito de Édipo na teoria
e na prática psicanalítica tradicional é muito mais radical que a de Kohut. Segundo
Adams (2011), o problema é que o mito de Édipo foi o mito único e exclusivo ou, pelo
menos, o mais importante a ser usado pelos analistas nas suas interpretações por um
longo período de tempo (exemplo, a partir do início século XX). Infere-se que o mito
demonstra que a cegueira (psíquica em nível de neuroses) resulta da busca literal da
introspecção.
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CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA | Unidade I
A psicologia imaginal é uma psicologia da alma, em vez de ser uma psicologia do Ego.
Na psicologia imaginal, o termo alma possui uma série de conotações bastante específicas,
sendo as mais importantes, talvez, de vulnerabilidade, melancolia e profundidade.
A construção da alma no mundo pressupõe um aprofundamento da experiência, em
que o ego que desce às profundezas do inconsciente apenas para individuar-se com
relação ao self e então retornar à superfície, consciente.
Conclui-se a partir dos aportes apresentados neste capítulo que a psicologia arquetípica
existe há menos de meio século, mas já prestou grandes serviços de forma analítica a
muitas pessoas que procuraram por analistas dessa escola. Ofereceu uma perspectiva
crítica e revisionista da análise junguiana clássica. Talvez a contribuição mais significativa
da psicologia arquetípica seja a ênfase na imaginação, tanto do ponto de vista cultural
quanto clínico. Neste sentido, a psicologia arquetípica revisou a própria noção do
conceito de imagem da análise junguiana tradicional.
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CAPÍTULO 3
A escola desenvolvimentista
A psicologia analítica elaborada por Jung (2013) e seus seguidores imediatos não se
detinha nos aspectos psicológicos profundos do desenvolvimento do ciclo inicial do
recém-nascido e da criança. Tampouco dava muita atenção à utilidade de compreender
as variedades do relacionamento que podem ocorrer no consultório entre paciente e
analista.
Embora Jung não tenha dirigido suas pesquisas ao entendimento detalhado dos estados
mentais infantis, um exame do modelo junguiano da psique demonstra que esta não é
uma representação justa de suas investigações nos fundamentos da atividade mental.
Jung (2013), em geral, não achava que a criança tem uma identidade separada do
inconsciente de seus pais. Além disso, ele não estava especialmente interessado em
estudar as manifestações das primeiras experiências na transferência do paciente para o
analista. Ele considerava estas um assunto adequado à abordagem redutiva da psicanálise,
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CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA | Unidade I
Conforme explana Solomon (2011), era quase como se, como os papas antigos diante
do mundo de então, Freud e Jung houvessem dividido o mapa da psique humana:
Freud e seus seguidores concentraram-se em suas profundezas, na exploração das
primeiras fases de desenvolvimento do início da infância, enquanto Jung e seus
seguidores concentraram-se em suas alturas, no funcionamento dos estados mentais
mais maduros, incluindo os estados criativos e artísticos responsáveis pela invenção
dos melhores objetivos culturais, espirituais e científicos da humanidade, estados que
Jung estudou como aspectos e atividades do si-mesmo.
Ressalta-se que essa divisão teórica da psique em alturas e profundezas poderia ser
compreendida como decorrente das diferentes atitudes filosóficas que informavam as
abordagens de Freud e Jung da psique. A psicanálise de Freud baseava-se no método
redutivo que procurava fornecer uma descrição detalhada do desenvolvimento
da personalidade desde suas origens mais remotas na infância do indivíduo.
A compreensão psicanalítica do desenvolvimento inicial baseava-se na ideia de que
uma reconstrução da psique era possível pela decodificação cuidadosa dos conteúdos
manifestos do funcionamento psicológico, reconstituindo o conteúdo oculto ou latente.
(SOLOMON, 2011).
21
Unidade I | CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA
Além disso, o significado de tais sintomas era acessível à consciência por meio
do método analítico de interpretação, associação e amplificação. A abordagem
de Jung incluía um entendimento da contribuição das primeiras experiências no
desenvolvimento da personalidade, com base no acúmulo histórico das experiências
conscientes e inconscientes, e na interação desta história pessoal com os conteúdos
arquetípicos do inconsciente coletivo. Ele estava interessado nos processos de
integração e síntese desses aspectos, por meio dos recursos inatos do indivíduo de
atividade criativa e simbólica. Foi especialmente o estudo dessas capacidades que
levou Jung a explorar os processos que estão associados com o desenvolvimento
mental inicial (JUNG, 2013).
Jung (2013) via que os arquétipos se expressavam por meio de certas imagens e símbolos
universais. Ele achava que essas estruturas profundas, estabelecidas ao longo dos tempos
e presentes em cada indivíduo desde o nascimento, estavam diretamente relacionadas e
influenciavam as criações artísticas e culturais humanas mais desenvolvidas, sofisticadas
e evoluídas. Ao mesmo tempo, ele pensava nessas estruturas profundas como a fonte
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CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA | Unidade I
Jung (2013) selecionou as informações para sua investigação clínica central por meio
de seu principal grupo de pacientes, ou seja, pacientes adultos com doenças mentais
graves, incluindo pacientes em estados psicóticos, e de sua própria autoanálise.
Jung concentrou sua atenção em pacientes cujos sintomas e patologias originavam-se
dos níveis mais primitivos de funcionamento do sistema psique-soma combinado.
A análise de suas comunicações perturbadas comparava-se a uma investigação dos
primeiros transtornos da experiência, sentimento, pensamento e relacionamento.
Solomon (2011) ressalta que particularmente por meio de seu trabalho com pacientes
psiquiátricos mentalmente doentes, bem como de sua própria autoanálise dramática e
perturbadora, Jung estudou as fontes e raízes da personalidade por meio das diversas
psicopatologias, expressadas pelas imagens arquetípicas do inconsciente coletivo.
Essas primeiras perturbações são atualmente vistas como patologias do si-mesmo,
pertencendo ao núcleo da personalidade, situadas evolutivamente mais cedo do que os
transtornos neuróticos que Freud analisou quando deu início à investigação psicanalítica.
Assevera-se que, entre alguns clínicos e teóricos junguianos, surgiu cada vez mais
o reconhecimento de que os tratamentos de pacientes adultos e de crianças eram
prejudicados pela falta de uma tradição de compreensão e análise íntima da estrutura
e dinâmica dos estados mentais infantis e de como estes poderiam manifestar-se na
transferência e contratransferência. Havia uma inquietação pelo receio de que a ênfase
junguiana nos estados mentais mais desenvolvidos, diferenciados, criativos e simbólicos
evitava a exploração do material primitivo mais difícil que poderia emergir naqueles
estados de regressão confrontados tão amiúde no consultório. (SOLOMON, 2011).
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Unidade I | CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA
Contudo a principal bifurcação teórica gira em torno de se o bebê ou a criança são levados
a gratificar impulsos instintivos básicos mentalmente representados por personificações
de partes corporais, ou se o bebê ou criança são essencialmente motivados a ir em busca
do outro, um(a) cuidador(a) no primeiro caso, para ter com ele(a) um relacionamento
a fim de satisfazerem suas necessidades básicas, inclusive a necessidade de ter contato
humano e comunicação para aprender e crescer, bem como serem protegidos e nutridos.
Klein (1986 apud SOLOMON, 2011) achava que o bebê era propenso a atribuir ao
outro motivações que, na verdade, eram experimentadas internamente pelo bebê, como
expressões de impulsos instintuais. A questão de se a experiência do objeto deveria ser
vista como aquela com uma pessoa real na situação real com o(a) cuidador(a), ou se
deveria ser vista unicamente como uma representação interna do próprio repertório
instintual do bebê, tornou-se foco de debates e controvérsias teóricas acaloradas.
De acordo com Solomon (2011), houve um grande interesse por analistas que trabalhavam
com crianças em lerem com atenção as contribuições psicanalíticas inovadoras.
Eles iniciaram pesquisas que procuravam elaborar uma teoria coerente do desenvolvimento
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CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA | Unidade I
Jung (2013), em seu trabalho com adultos psicóticos, e Klein (1990), em seu trabalho
com a criança pré-edipiana, investigaram essencialmente a área da psique que ainda
não havia chegado às etapas edipianas posteriores de desenvolvimento da primeira
infância, nas quais tanto os aspectos bons (protetor, favorável ou estimulante) quanto
ruins (frustrante, agressivo ou limitado) da mesma pessoa podem ser simultaneamente
mantidos na mente do bebê. Para indicar a conquista gradual da capacidade de relacionar-
se com o(a) cuidador(a), tanto em seus aspectos bons quanto ruins, a linguagem de
Jung usava termos como “integração e síntese dos opostos”.
A linguagem kleiniana criou o termo “objeto total” para expressar essa capacidade
de manter simultaneamente na mente tanto experiências positivas quanto negativas
e de ter conhecimento de sentimentos ambivalentes em relação ao(à) cuidador(a).
De acordo com Solomon (2011), tanto para Jung quanto para Klein, essa capacidade
não poderia estar invariavelmente disponível, e o indivíduo sempre vacilaria entre
maior ou menor capacidade nessas áreas.
Não importando a linguagem escolhida, tanto Jung quanto Klein sugeriram a existência
de estruturas mentais inatas profundas que se ligavam diretamente às primeiras
experiências biológicas e instintuais do bebê e lhes serviam de veículos, expressadas em
termos de figuras arquetípicas (Jung) ou partes de objetos (Klein). Ambos compreendiam
25
Unidade I | CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA
que as experiências que surgem por meio dessas estruturas inatas profundas são
mediadas pelas experiências reais do ambiente real, pela qualidade do cuidado e da
criação disponibilizados pelas(os) cuidadoras(es) do ambiente. O atrativo particular
de Klein, principalmente para os junguianos londrinos que desejavam incorporar a
análise de material infantil em sua prática clínica, era a sólida fundação no trabalho
com crianças que ela aplicou ao entendimento da atividade dos estados mentais iniciais
nas experiências de pacientes adultos (SOLOMON, 2011).
Klein (1990) havia dado uma contribuição crítica à psicanálise por meio do desenvolvimento
de sua técnica lúdica, uma adaptação e aplicação da técnica psicanalítica tradicional ao
tratamento de crianças muito jovens. Tendo maior liberdade para desenvolver suas
ideias dentro do contexto psicanalítico de Londres do que quando estava em Viena ou
Berlim, Klein (1990) desenvolveu métodos de análise de crianças observando-as brincar,
o que lhe permitiu contribuir substancialmente para o entendimento psicanalítico dos
estados infantis iniciais da mente.
A partir de seu trabalho analítico com crianças, ela inferiu estados e processos
mediante os quais o bebê e a criança organizavam suas percepções e experiências,
tanto mentais quanto físicas, em termos de impulsos motivados envolvendo áreas
ou partes corporais localizadas internamente ou no(a) cuidador(a) (geralmente, a
princípio, a mãe).
Klein (1990) achava que o objetivo dessa organização mental inicial era proteger o
Si-mesmo emergente dos perigos criados pelos estados emocionais excessivos, tais
como raiva, ódio, ansiedade e outras formas de desintegração mental. Posteriormente,
Klein pensava que esses estados intensamente negativos seriam dirigidos de volta ao
Si-mesmo se as(os) cuidadoras(es) fossem incapazes ou inadequados para responder
a eles. Klein considerava esses impulsos destrutivos voltados contra o si-mesmo
expressões de um instinto de morte inato.
26
CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA | Unidade I
Cabe ressaltar aqui que Klein (1990) entendia que, a fim de organizar estas impressões
mentais e físicas tão poderosas que poderiam ameaçar danificar ou destruir o senso de
si-mesmo, o bebê normalmente procuraria estabelecer sozinho uma organização mental
rudimentar, principalmente quando de modo geral não recebia cuidado adequado.
Os processos pelos quais essa organização ocorria incluíam atividades mentais tais
como cisão, idealização e identificação.
De acordo com Solomon (2011), a ênfase de Klein nos afetos experimentados em relação
às funções importantes das(os) cuidadoras(es), ou objetos, em relação ao si-mesmo
fez com que ela fosse considerada a fundadora da escola britânica de relações objetais.
Assim como a teoria de Jung entendia as imagens arquetípicas como figuras personificadas
inatas à psique, dando representação mental a experiências instintuais carregadas
de afeto, também Klein (1990) pensava a representação interna de cuidadoras(es)
importante, ou partes de seus corpos como, por exemplo, o seio, como a fonte dos
afetos.
Diante dos estudos acompanhados por Klein (1990),ela achava que as experiências das
crianças das(os) reais cuidadoras(es) eram secundárias às concepções e experiências
inatas que a criança tinha em relação àquele aspecto do(a) cuidador(a) com o qual a
27
Unidade I | CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA
Jung (2013) não havia estudado em profundidade o conteúdo infantil nas relações entre
paciente e analista. Muitos junguianos londrinos consideraram a abordagem clínica de
Winnicott do relacionamento complexo e sensível entre bebê e mãe, e entre paciente
e analista, particularmente compatível com sua própria prática analítica. A visão de
Winnicott (1964 apud SOLOMON, 2011) de um si-mesmo que se desenvolve em
relação a outro encontrou repercussões na concepção junguiana há muito existente de
que o desenvolvimento do si-mesmo e outros potenciais arquetípicos eram mediados
pela interação com fatores ambientais, inclusive as(os) outras(os) cuidadoras(es)
importantes, bem como com a(o) analista.
28
CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA | Unidade I
29
Unidade I | CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA
30
CONCEITOS
BÁSICOS DA MATRIZ
CONSTITUINTE DA UNIDADE II
ESTRUTURA PSÍQUICA
JUNGUIANA
Nesta unidade, apresentaremos um estudo sistemático acerca da base da matriz
constituinte da estrutura psíquica junguiana e aspectos que corroboram com a teoria
e prática da psicologia analítica. De um lado, uma apresentação teórica e vitalmente
necessária diante do fato de que muitas(os) analistas em formação, ou já formadas(os),
interessadas(os) enfrentam grandes dificuldades em apreciar o significado da contribuição
de Jung para o pensamento moderno. De outro lado, uma apresentação adequadamente
lógica e sistemática e quase impossível devido à natureza do assunto. A psique não
opera de acordo com as linhas da· nossa racionalidade costumeira,entretanto esse
paradoxo talvez seja apropriado, já que um dos grandes temas de Jung é o paradoxo
e sua reconciliação.
31
CAPÍTULO 1
Fundamentos conceituais acerca
dos conceitos de ego (consciência),
inconsciente pessoal, inconsciente
coletivo e arquétipos
Ego
consciência
Inconsciente
pessoal
Inconsciente coletivo
Ego (Consciência)
Iniciamos nossos estudos acerca das bases constituintes da psicologia analítica ou
profunda, desenvolvida por C. G. Jung, o qual, embora estivesse mais interessado
em descobrir o que havia por baixo da consciência, nas regiões interiores da psique,
assumiu também a tarefa de descrever e explicar a consciência humana. Ele desejava
criar um mapa completo da psique, de modo que isso foi inevitável: a consciência do
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Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
ego é uma característica primordial do território que ele estava explorando. Segundo
Stein (2006), Jung não pode realmente ser qualificado como um psicólogo do ego,
mas, de fato, atribuiu um valor social ao ego, ofereceu uma descrição das funções do
ego e reconheceu a importância crítica de maior consciência para o futuro da vida
humana e para a cultura.
Cabe ressaltar que, além disso, Jung (2015) tinha uma noção perfeita de que a consciência
do ego é, per se, a condição prévia para a investigação psicológica. É a ferramenta.
O nosso conhecimento como seres humanos sobre qualquer coisa é condicionado
pelas capacidades e limitações da nossa consciência, portanto estudar a consciência é
dirigir a atenção para o instrumento que se está usando para a investigação e exploração
psicológicas.
De acordo com Stein (2006), Jung escreveu muito sobre consciência do ego em
grande parte de suas obras publicadas. Nestes próximos parágrafos, serão examinados
inicialmente o primeiro capítulo, intitulado “O Eu”, de um de seus últimos livros, “Aion
– Estudos Sobre o Simbolismo do Si-mesmo”, assim como alguns textos e passagens
afins. “Aion” pode ser lido em muitos níveis diferentes de aprofundamento da teoria
junguiana (JUNG, 2013). É uma obra dos últimos anos de Jung e reflete seu profundo
envolvimento com a história intelectual e religiosa ocidental e seu futuro, bem como
os seus mais detalhados pensamentos acerca do arquétipo do Si-mesmo. Os primeiros
quatro capítulos foram adicionados ao livro mais tarde, a fim de dotar o novo leitor
com uma introdução a sua teoria psicológica geral e oferecer um ponto de entrada no
vocabulário da psicologia analítica.
Jung (2013) define o “ego” nos seguintes termos: “entendemos por ego aquele fator
complexo com o qual todos os conteúdos conscientes se relacionam. É este fator que
constitui, por assim dizer, o centro do campo da consciência, [...], o ego é o sujeito
os atos pessoais de consciência”. A consciência é um campo e aquilo que ele chama
aqui de personalidade empírica é a nossa personalidade tal como a conhecemos e a
vivenciamos diretamente. O ego, como sujeito de todos os atos pessoais de consciência,
ocupa o centro desse campo. O termo ego se refere à experiência que a pessoa tem de
si mesma como um centro de vontade, desejo, reflexão e ação. Essa definição do ego
como centro da consciência se mantém constante do começo ao fim dos escritos de Jung.
Jung (2013, p. 13) dá prosseguimento a esse texto com um comentário sobre a função
do ego dentro da psique: “a relação de qualquer conteúdo psíquico com o ego funciona
como critério para se este último é consciente, pois não há conteúdo consciente que
não se tenha apresentado antes ao sujeito”. O ego é um “sujeito” a quem os conteúdos
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Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
psíquicos são apresentados. É como um espelho. Além disso, a ligação com o ego é
a condição necessária para tornar qualquer coisa consciente – um sentimento, um
pensamento, uma percepção ou fantasia. O ego é uma espécie de espelho no qual a
psique pode se vê a si mesma e se tornar consciente. Quando um conteúdo psíquico
só é vago, ou marginalmente consciente, é porque não foi ainda captado e mantido
em seu lugar na superfície refletora do ego.
Observa-se que em seus escritos, Jung (2013) se refere frequentemente ao ego como
um “complexo”. Na passagem do “Aion”, ele o chama, entretanto, simplesmente de um
conteúdo específico da consciência, afirmando que a consciência é uma categoria mais
ampla do que o ego e contém mais do que somente o ego. O que é então a consciência,
esse campo onde o ego está localizado e cujo centro é por este último ocupado e definido?
A consciência é muito simplesmente o estado de conhecimento e entendimento de
eventos externos e internos. É o estar desperto e atento, observando e registrando o
que ocorre no mundo, em torno e dentro de cada um de nós.
De acordo com Stein (2006), o ego focaliza a consciência humana e confere a nossa
conduta consciente sua determinação e direção. Porque temos um ego, possuímos a
liberdade para fazer escolhas que desafiam os nossos instintos de autopreservação,
34
Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
Nos escritos das obras clássicas de Jung (2013), fica claro quando ele assevera o ego
sendo uma forma no centro crítico da consciência e, de fato, determina em grande
medida que conteúdos permanecem no domínio da consciência e quais se retiram,
pouco a pouco, para o inconsciente. O ego é responsável pela retenção de conteúdos
na consciência e também pode eliminar conteúdos, deixando de refleti-los, ou seja, o
ego pode reprimir conteúdos que não lhe agradam ou que considera intoleravelmente
penosos ou incompatíveis com outros conteúdos. Também pode recuperar conteúdos
da armazenagem no inconsciente (banco de memória) desde que não sejam bloqueados
por mecanismos de defesa, como a repressão, os quais mantêm os conflitos intoleráveis
fora de alcance e tenham uma ligação associativa suficientemente forte com o ego, isto
é, foram apreendidos com suficiente solidez.
Na sua obra “Aion”, Jung (2013) assevera que o ego se assenta em duas bases: uma
somática (corpórea) e uma psíquica. Cada uma dessas bases é constituída de múltiplas
camadas e existe parcialmente na consciência, mas, sobretudo, no inconsciente. Dizer
que o ego se assenta em ambas é dizer que as raízes do ego mergulham no inconsciente.
Em sua estrutura superior, o ego é racional, cognitivo e orientado para a realidade, mas
em suas camadas mais profundas e escondidas está sujeito ao fluxo da emoção, fantasia
e conflito, e às intrusões dos níveis físico e psíquico do inconsciente. O ego pode,
portanto, ser facilmente perturbado por problemas somáticos e por conflitos psíquicos.
Jung (2015) acentua que, além do material reprimido, o inconsciente contém todos
aqueles componentes psíquicos subliminais, inclusive as percepções subliminais
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Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
dos sentidos. Além disso, tanto por uma farta experiência como por razões teóricas,
o inconsciente também inclui componentes que ainda não alcançaram o limiar
da consciência. Constituem, assim, as sementes de futuros conteúdos que virão à
consciência. Por meio dessa psicodinâmica, é possível verificar, no contexto clínico,
que há razões para supor que o inconsciente jamais se encontra em repouso pleno, no
sentido de permanecer inativo, mas será sempre empenhado em agrupar e reagrupar
seus conteúdos. Só em casos patológicos, tal atividade pode tornar-se completamente
autônoma; de um modo normal, ela é coordenada com a consciência, numa relação
compensadora.
O inconsciente pessoal
Há uma camada mais ou menos superficial do inconsciente que podemos entender,
neste primeiro momento, enquanto inconsciente pessoal. Este repousa, porém, sobre
uma camada mais profunda, que já não tem origem em experiências ou aquisições
pessoais, sendo inata. Os conteúdos dos inconscientes são de natureza pessoal quando
podemos reconhecer em nosso passado seus efeitos, sua manifestação parcial ou, ainda,
sua origem específica. Os conteúdos do inconsciente pessoal são principalmente os
complexos de tonalidade emocional, que constituem a intimidade pessoal da vida
anímica.
Jung (2013) chamou o inconsciente e os objetos com os quais primeiro nos deparamos
quando nos aventuramos nesse espaço de complexos. O inconsciente é povoado
por complexos. Foi esse o território que Jung explorou inicialmente em sua carreira
psiquiátrica. Depois Jung deu-lhe o nome de inconsciente pessoal e começou a mapear
essa área da psique mesmo antes de examinar minuciosamente o complexo do ego ou
a natureza do inconsciente.
Segundo Jung (2015), os conteúdos são pessoais, na medida em que forem adquiridos
durante a existência do indivíduo. A experiência nos revela que isto só é possível
numa proporção muito limitada. No contexto clínico, no setting analítico, de forma
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Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
Vale ressaltar que tal processo, no entanto, como se verifica usualmente em nossas
sessões de análise, não exerce qualquer influência sobre o inconsciente; este continua a
produzir tranquilamente sonhos e fantasias, os quais, segundo a teoria original de Freud,
deveriam ser motivados por repressões de ordem pessoal. Em tais casos, se prosseguirmos
sistematicamente nossas observações, sem preconceitos, nós nos depararemos com um
material que, embora semelhante aos conteúdos pessoais anteriores, em seu aspecto
formal, parece conter indícios de algo que ultrapassa a esfera meramente pessoal.
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Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
O inconsciente coletivo
O inconsciente coletivo é um constructo. É entendido como um fundamento genérico,
biológico e psíquico, de natureza transpessoal, existente em todo ser humano. Por essa
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Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
De acordo com Kast (2019), o inconsciente coletivo pode ser acessado com base
em imagens arquetípicas. Arquétipos são entendidos como efeitos do inconsciente
coletivo, como padrões fundamentais da vida que atuam em todo indivíduo e por
ele são sonhados, descritos e moldados; são a pré-condição da história da civilização.
Destarte, todos os seres humanos têm emoções comparáveis que não precisam ser
evocadas de maneira consciente, elas surgem de maneira inconsciente em situações
determinadas e significativas do ponto de vista existencial: luto na separação ou perda;
alegria quando algo sai melhor do que o esperado; irritação quando alguém invade
nossos limites; sentimentos depressivos quando o sentido da vida se perde etc.
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Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
De acordo com Jung (2014), é um engano acreditar que o inconsciente é inofensivo e pode
ser utilizado como objeto de jogos sociais. Não é em toda e qualquer circunstância que o
inconsciente se mostra perigoso, não resta dúvida, mas cada vez que se manifesta uma
possível neurose, é nesse momento que é preciso avaliar, pois há nesse momento da análise
um sinal de que existe no inconsciente um acúmulo especial de energia, uma espécie de
carga, que pode explodir. Sendo assim, qualquer tipo de cuidado no manejo clínico é pouco.
Podemos asseverar que ao iniciarmos uma análise de sonhos, ou seja, uma amplificação
dos sonhos no manejo clínico, não temos nenhuma certeza ou garantia de que tipo de
complexos estaremos acionando no mundo interior de nossas(os) pacientes. Algo de
invisível, de interior, pode ser acionado; algo que mais tarde, provavelmente, virá à tona,
de uma forma ou de outra, mas que talvez também nunca se manifeste. Podemos citar,
por exemplo, na perfuração de um poço artesiano, quando será possível corrermos o risco
de topar com rochas, entre outros elementos sensíveis de um possível solo contaminado
com algum tipo de química. Não há garantias e nenhuma segurança absoluta sobre o
solo que está sendo explorado com tanta profundidade num primeiro momento.
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Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
Arquétipos
De acordo com Jung (2014), o conceito de arquétipo, que constitui um correlato
indispensável da ideia do inconsciente coletivo, indica a existência de determinadas
formas na psique presentes em todo tempo e todo lugar. À diferença da natureza
pessoal da psique consciente, existe um segundo sistema psíquico, de caráter coletivo,
não pessoal, ao lado do nosso consciente, que, por sua vez, é de natureza inteiramente
psíquica e que – mesmo quando lhe acrescentem como apêndice o inconsciente pessoal,
ou seja, o conceito de arquétipo nada mais é do que uma expressão já existente na
Antiguidade, sinônimo de “ideia” no sentido platônico.
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Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
De acordo com Kast (2019), o arquétipo é uma espécie de disposição para reproduzir
sempre as mesmas representações míticas ou outras semelhantes. Os arquétipos, ao
que parece, não são apenas impressões de experiências típicas repetitivas, mas, ao
mesmo tempo, também se comportam empiricamente como forças ou tendências à
repetição das mesmas experiências. Aliás, sempre que um arquétipo aparece no sonho,
na fantasia ou na vida, ele traz uma influência especial ou uma força, em virtude da
qual ele causa um efeito numinoso, fascinante ou que impede à ação.
Conforme explicita em sua obra, Jung (2015) salienta que, o significado do termo
arquétipo fica sem dúvida mais claro quando se relaciona com o mito, o ensinamento
esotérico e o conto de fada. O assunto se complica, porém, se tentarmos fundamentá-lo
psicologicamente. Até hoje estudiosos da mitologia contentavam-se em recorrer a
ideias solares, lunares, meteorológicas, vegetais etc. O fato de que os mitos são, antes
de tudo, manifestações da essência da alma que foram negadas de modo absoluto até os
nossos dias atuais. O homem primitivo não se interessava pelas explicações objetivas
e óbvias, mas, por outro lado, teve uma necessidade imperativa, ou melhor, a sua
alma inconsciente era impelida irresistivelmente a assimilar toda experiência externa
sensorial a acontecimentos anímicos.
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Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
a indagação: será que basta constatar a existência atuante dos arquétipos, abandonando
o resto (aspectos relacionados ao desenvolvimento do sujeito) à própria sorte?
Segundo Jung (2014), há tantos arquétipos quantas situações típicas na vida. Intermináveis
repetições imprimiram essas experiências na constituição psíquica, não sob a forma de
imagens preenchidas de um conteúdo, mais precisamente em “formas sem conteúdo”,
representando a mera possibilidade de um determinado tipo de percepção e ação.
Quando algo ocorre na vida que corresponde a um arquétipo, este é ativado e surge
uma compulsão que se impõe ao modo de uma reação instintiva contra toda a razão
e vontade, ou produz um conflito de dimensões eventualmente patológicas, isto é,
uma neurose.
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Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
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CAPÍTULO 2
Fundamentos conceituais acerca dos
conceitos de sombra, anima versus
animus e os complexos
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Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
Vale ressaltar que a sombra age como um sistema imunológico psíquico, definindo o
que é eu e o que é não eu, ou seja, pessoas diferentes, em diferentes famílias e culturas,
consideram de modos diversos aquilo que pertence ao ego e aquilo que pertence à
sombra. Por exemplo, alguns permitem a expressão da raiva ou da agressividade;
a maioria, não. Alguns permitem a sexualidade, a vulnerabilidade ou as emoções
fortes; muitos, não. Alguns permitem a ambição financeira, a expressão artística ou o
desenvolvimento intelectual; outros, não.
De acordo com Jung (2013), a sombra constitui um problema de ordem moral que desafia
a personalidade do “eu” como um todo, pois ninguém é capaz de tomar consciência
dessa realidade sem dispensar energias morais. Mas, nessa tomada de consciência da
sombra, trata-se de reconhecer os aspectos obscuros da personalidade tais como existem
na realidade. Esse ato é a base indispensável para qualquer tipo de autoconhecimento
e, por isso, em geral, ele se defronta com considerável resistência. Enquanto, por um
lado, o autoconhecimento é um expediente terapêutico; por outro, implica, muitas
vezes, um trabalho árduo que pode se estender por um largo espaço de tempo.
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Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
Efetivando uma análise mais profunda em casos apresentados por analistas em formação,
durante suas sessões de análise, é perceptível que, com compreensão e boa vontade, a
sombra pode ser integrada de algum modo à personalidade, enquanto certos traços,
por meio de nossa experiência clínica, sabe-se, opõem obstinada resistência ao controle
moral, escapando, portanto, a qualquer influência. De modo geral, essas resistências
ligam-se a projeções que não podem ser reconhecidas como tais e cujo conhecimento
implica um esforço moral que ultrapassa os limites do indivíduo.
De acordo com Kast (2019), o conceito de sombra parte do princípio de que nós, seres
humanos, gostamos de nos apresentar um pouco mais belos do que somos, de que,
em nossa apresentação de nós mesmos, queremos satisfazer nosso próprio ideal, mas
também aquele de nossos semelhantes. Isso significa que sempre temos aspectos que
não mostramos e que nós próprias(os) não queremos perceber. Todos aqueles aspectos
que não conseguimos aceitar em nós mesmas(os) porque não correspondem ao nosso
ideal de nós são chamados de partes da sombra.
Por exemplo, não se pode simplesmente dizer, ou buscar explicar em contextos isolados,
que a sombra não é determinada pelo conteúdo; não se pode, por exemplo, dizer que
ser invejoso é sempre um aspecto da sombra, embora muitos de nós possa parecer
assim, pois, para nós, não sentir inveja é um valor que queremos pôr em prática em
nossa vida. Mas também pode acontecer de a inveja ser um valor para alguém que a
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Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
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Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
oculto, a sombra é, por natureza, difícil de ser apreendida. Ela é perigosa, desordenada
e eternamente oculta, como se a luz da consciência pudesse roubar-lhe a vida. Por essa
razão, em geral, vemos a sombra indiretamente, nos traços e ações desagradáveis das
outras pessoas, lá fora, onde é mais seguro observá-las.
Ressalta-se que quando reagimos de modo intenso a uma qualidade qualquer, por
exemplo, preguiça, estupidez, sensualidade, espiritualidade etc. de uma pessoa ou
grupo – e nos enchemos de grande aversão ou admiração –, essa reação talvez seja
a nossa sombra se revelando. Nós nos projetamos ao atribuir essa qualidade à outra
pessoa num esforço inconsciente de bani-la de nós mesmos, de evitar vê-la dentro
de nós. Cabe pontuar aqui que a sombra pessoal contém, portanto, todos os tipos de
potencialidades não desenvolvidas e não expressas. Ela é aquela parte do inconsciente
que complementa o ego e representa as características que a personalidade consciente
se recusa a admitir e, portanto, negligencia, esquece e enterra até redescobri-las em
confrontos desagradáveis com os outros.
De acordo com Zweig (1994), não podemos fitá-la diretamente, a sombra surge na vida
diária. Por exemplo, nós a encontramos em tiradas humorísticas (tais como piadas sujas
ou brincadeiras tolas) que expressam nossas emoções ocultas, inferiores ou temidas.
Analisando de perto aquilo que achamos engraçado (como alguém escorregando
numa casca de banana ou se referindo a uma parte “proibida” do corpo), descobrimos
que nossa sombra está ativa. É possível que as pessoas destituídas de senso de humor
tenham uma sombra muito reprimida.
Em geral, é a sombra que ri das piadas. Segundo Zweig (1994), a depressão também
pode representar uma confrontação paralisante com o lado escuro, um equivalente
moderno da “noite escura da alma” do místico. Nossa exigência interior para que
desçamos ao mundo subterrâneo pode ser suplantada por considerações de ordem
externa (como a necessidade de trabalhar por longas horas), pela interferência dos
outros ou por drogas antidepressivas que amortecem a nossa sensação de desespero.
Nesse caso, deixamos de apreender o propósito da nossa melancolia.
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Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
Conforme assevera Zweig (1994), a sombra coletiva – a maldade humana – nos encara
de praticamente todas as partes: ela salta das manchetes dos jornais; vagueia pelas nossas
ruas e, sem lar, dorme no vão das portas; entoca-se nas chamativas sex shops das nossas
cidades; desvia o dinheiro do sistema de financiamento habitacional; corrompe os
políticos famintos de poder e perverte o sistema judiciário; conduz exércitos invasores
pelas densas florestas e áridos desertos; vende armamentos a líderes ensandecidos e
repassa os lucros a insurgentes reacionários; por canos ocultos, despeja a poluição em
nossos rios e oceanos; com invisíveis pesticidas, envenena o nosso alimento.
Faz-se necessário olharmos no contexto atual que vivenciamos alguns aspectos políticos
e culturais, pois enquanto a maioria das pessoas e grupos vive o lado socialmente
aceitável da vida, outras parecem viver as porções socialmente rejeitadas pela vida.
Quando essas últimas tornam-se objeto de projeções grupais negativas, a sombra coletiva
toma a forma de racismo, de busca de “bode expiatório” ou de criação do “inimigo”.
Um exemplo clássico que podemos elencar aqui é que para os americanos anticomunistas,
a antiga U.R.S.S. (hoje República da Rússia) era o Império do Mal. Para os muçulmanos,
os Estados Unidos da América são o Grande Satã. Para os nazistas, os judeus são
vermes bolcheviques. Para o monge asceta cristão, as bruxas têm parte com o diabo.
Para os sul-africanos defensores do apartheid e os americanos da Ku Klux Klan, os
negros são subumanos e não merecem ter os direitos e privilégios dos brancos. E o que
nós podemos inferir com tais contextos já experenciados em movimentos históricos
anteriores? Percebe-se que a experiência repassada hoje, em pleno século XXI, é a
mesma ou muito próxima de uma formulação de ódio e incompreensão com o “outro”,
não há lugar nem tempo para acolher o “diferente”.
Podemos conhecer esses aspectos apresentados no parágrafo acima, e nesse caso, eles
são desagradáveis, incômodos, constrangedores para nós (seres humanos); tentamos
controlá-los e reprimi-los. Em geral, rejeitamos a sombra, projetando-a em nossos
semelhantes. Eles são insensíveis, esbanjadores e invejosos – nós, não, nunca, de forma
alguma! Projetamos nossos lados sombrios na(o) parceira(o), de repente, já não sabemos
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Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
Assim como a sociedade, cada família também constrói seus próprios tabus, suas áreas
proibidas, ou seja, a sombra familiar contém tudo o que é rejeitado pela percepção
consciente de uma família, aqueles sentimentos e ações considerados demasiado
ameaçadores à sua autoimagem. Numa honrada e conservadora família cristã, a ameaça
talvez seja embriagar-se ou desposar alguém de outra religião; numa família liberal
e ateia, talvez seja a opção pelos relacionamentos homossexuais. Na nossa sociedade,
espancamento da esposa e abuso dos filhos costumavam ficar ocultos na sombra
familiar, mas hoje emergem em proporções epidêmicas, à luz do dia.
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Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
Os arquétipos anima e animus, bem como sua ligação como par, são importantes
elementos estruturais da psique. De acordo com Kast (2019), o conceito de anima e
animus, que ao longo dos anos foi discutido e alterado diversas vezes, acabou por se
popularizar, pois esclarece, por exemplo, por que nos apaixonamos. Não é raro que as
pessoas fiquem fascinadas por outras, mesmo que não haja uma relação satisfatória entre
elas. A razão disso é que projetamos no outro a anima, o animus ou o par anima – animus.
Nesse sentido, fica claro, sobretudo, como atua a projeção de imagens arquetípicas.
De acordo com Jung (2013), o fator determinante das projeções é a anima, isto é, o
inconsciente representando pela anima. Onde quer que se manifeste, nos sonhos,
nas relações objetais e fantasias, ela aparece personificada, ou seja, mostrando deste
modo que o fator subjacente a ela possui todas as qualidades características de um
ser feminino. Ressalta-se que não se trata de uma invenção da consciência; é uma
produção espontânea do inconsciente. Também não se trata de uma figura substitutiva
da mãe. Pelo contrário: temos a impressão de que as qualidades numinosas que tornam
a imagem materna tão poderosa originam-se do arquétipo coletivo de anima que se
integra de novo em cada criança do sexo masculino.
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Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
O conceito relacionado a anima esclarece também por que nos perdemos se – como
receptores de uma projeção da anima, por exemplo –, de repente, nos comportamos de
acordo com essa projeção e nos abandonamos. Por exemplo, uma mulher inteligente e
independente fica fascinada por um homem e se comporta como uma ouvinte admirada,
sem opinião própria. E isso, segundo a teoria, porque o homem projeta nela sua anima,
que deve ser justamente a de uma figura admirada. Isso significa que a mulher reage
em ressonância com uma imagem interna, ativada no homem nesse período.
Vale ressaltar aqui que, do ponto de vista biológico, está fora de questão o fato de que
também temos em nós aspectos do sexo oposto. Porém, com essa redução corrente,
não se analisa o conceito de anima/animus de maneira adequada, pois ambos são
designados por Jung (2013) como imagens arquetípicas, ou seja, figuras oníricas,
presentes na imaginação, quer se trate de homem, quer de mulher, e precisam estar
ligados a uma elevada emocionalidade, sentirem-se significativos para poderem ser
qualificados de anima ou animus.
Quando Jung (2013) fala de anima ou animus em termos de conteúdo – por exemplo,
que a anima personifica o eros, e o animus, o logos –, isso pode levar facilmente a
conclusões específicas de gênero se não separarmos com precisão essas imagens
internas dos aspectos conscientes da personalidade. Nesse caso, as mulheres passariam
a corresponder ao princípio do eros; e os homens, ao princípio do logos. No entanto,
ambos precisariam dos dois, eros e logos. Essas também são as maiores alterações nesse
conceito que precisamos realizar hoje, as quais, nas obras escritas por Jung, não há
nenhuma ocasião específica em que ele mencione os arquétipos de gênero. Pode-se
supor que tanto a anima quanto o animus aparecem em ambos os sexos, muitas vezes
até como casal.
Vale pontuar neste momento que anima e animus são imagens arquetípicas que
regulam o relacionamento no sentido mais amplo: relação com um outro, relações
amorosas, eróticas e sexuais, mas também a relação com o mundo interno desconhecido.
Poderíamos designá-los como arquétipos do relacionamento e da união. Do ponto de
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Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
Vamos apresentar uma vinheta que facilitará o entendimento na abertura desse tópico.
Um rapaz procurou ajuda, auxílio psicoterápico por causa de dificuldades generalizadas
em relação às pessoas, ou melhor, a qualquer pessoa que desafiasse sua necessidade
compulsiva de dominar qualquer situação, especialmente, e claro, seus superiores
no trabalho. Sua ânsia de liderar e de dominar os outros funcionava relativamente
bem até que ele sentisse que sua liderança estava de algum modo sendo questionada.
Ele interpretava até mesmo a tentativa de alguém para conhecê-lo melhor como uma
ameaça a sua autoridade. Qualquer pessoa que tivesse uma aparência de autoridade
sobre ele parecia imediatamente insultá-Io, portanto ele constantemente achava
necessário mudar de emprego. Não havia sido capaz de terminar a faculdade porque
era intolerante com a disciplina exigida. Ele claramente tinha um problema em relação
à autoridade e à disciplina, e reagia violentamente a elas, no entanto tinha potencial
para tornar-se um excelente líder. Era muito sensível aos sentimentos e às necessidades
dos outros – apesar de que, a esta altura, sua sensibilidade trabalhava contra ele, já que
o tornava mais apto a retrair-se. A autoridade fascinava-o e repugnava-o ao mesmo
tempo; ele não conseguia nem aceitá-Ia nem exercê-Ia adequadamente. Em linguagem
psicológica simples, esse rapaz tinha um complexo de autoridade. Ele sempre estava
preso à autoridade. O rapaz ia direto a ela, ele a combatia e a desafiava, mas sempre se
sentia impelido a exercê-Ia. Era incapaz de enquadrar-se em qualquer situação comum
na qual o exercício da autoridade fosse apropriado, e mais ainda de encarar um desafio
real que o exigisse.
De acordo com Whitmont (1969), nesse tipo de situação, é como se uma personalidade
autoritária e dividida estivesse dirigindo e ridicularizando o indivíduo em questão,
levando-o a encontrar o problema da autoridade em toda parte, independentemente
de seu melhor juízo – ou seu “pior” juízo – e o que é mais importante, ele não sabia
que estava sendo dirigido. Qualquer coisa associada, mesmo que remotamente, com a
autoridade, sobretudo com a autoridade paterna, punha essa força em movimento e o
fazia de um modo bastante destrutivo porque, quer ele a encontrasse em outras pessoas,
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Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
quer ele próprio a exercesse, era certo que problemas surgiriam. Ele hostilizava as
pessoas ou era hostilizado por elas, e invariavelmente punha a culpa nos outros. Parecia
que sempre era a outra pessoa que não reconhecia o seu efeito benéfico, e era sempre
a outra pessoa que o isolava ou queria derrubá-Io, ou o desafiava ou o antagonizava.
Em linguagem psicológica, diríamos que esse indivíduo era idêntico ao seu impulso
autoritário. Era compulsivo em relação a ele, e projetava-o nos outros. Esta e a essência
de um complexo destruidor. E um conjunto autônomo de impulsos agrupados em
torno de certos tipos de ideias e emoções carregadas de energia; é expresso em
identidade, compulsão e primitividade, inflação e projeção, enquanto ele se
mantiver inconsciente. Um estado de identidade e uma ausência de diferenciação.
Em tal estado, o indivíduo não consegue se separar dos elementos impulsionadores,
visto que não é lhe e dada uma escolha consciente entre as motivações do ego e os
elementos impulsionadores.
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Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
Jung (2013) usa o termo, não é uma manobra defensiva deliberada, mas um estado
original que não oferece escolha, e é o caminho pelo qual o complexo inconsciente tenta
chegar ao nosso consciente. Isso tem a ver com o fato de que a orientação primária
fundamental e a diferenciação psicológica são conseguidas por meio das percepções
sensoriais, originadas a partir do mundo exterior.
Cabe ressaltar aqui que os complexos não são necessariamente apenas negativos; eles
causam atração assim como repulsão. Estamos envolvidos com uma projeção positiva
quando aquilo que nos irrita nos atrai, nos fascina, desperta nossa admiração, quando
nos apaixonamos por urna pessoa ou ideia. Toda vez que isso ocorre, encontramos um
potencial positivo nosso, ao qual somos idênticos (isto é, indiferenciados e inconscientes
dele), mesmo que esse potencial positivo esteja coberto por uma roupagem obviamente
negativa. Por exemplo, podemos ser atraídos por uma qualidade que, a um contato mais
próximo, verificamos ser totalmente destrutiva; no entanto, já que não conseguimos
desenvolver essa qualidade em nós mesmos, e já que ela está destinada a ser uma
capacidade vital e criativa quando utilizada construtivamente, ela nos atrairá mesmo
nessa forma inadequada, enquanto não tivermos consciência dela.
Os seres humanos são impelidos por forças psíquicas, motivados por pensamentos
que não se baseiam em processos racionais, e sujeitos a imagens e influências para
além daquelas que podem ser medidas no meio ambiente observável, ou seja, somos
criaturas impulsionadas por emoções e imagens, tanto quanto ponderamos, e sentimos
provavelmente muito mais do que pensamos. No mínimo, uma grande parcela de
pensamento é colorida e modelada por emoções, e a maioria dos nossos cálculos
racionais está sujeita às nossas paixões e medos. Foi o propósito de entender esse lado
menos racional da natureza humana que levou Jung (2013) a adotar as ferramentas
do método científico e a dedicar sua vida à investigação do que dá forma e motiva a
emoção, a fantasia e o comportamento humano.
57
Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
Pode-se verificar, por meio das vivencias pessoais, que todos nós sabemos o que significa
estar constelado. Isto ocorre num espectro que vai desde estar levemente ansioso
até ficar perdidamente angustiado e, transpondo todos os limites, cair na loucura.
Quando um complexo está constelado, a pessoa é ameaçada com a perda de controle
sobre suas emoções e, em certa medida, também sobre o seu comportamento. Ela reage
irracionalmente e, com frequência, lamenta-o, arrepende-se ou pensa melhor sobre
o que fazer na próxima oportunidade. Por exemplo, quando constelada, é como se a
pessoa estivesse em poder de um demônio, uma força muito superior à sua vontade.
Isso gera um sentimento de impotência.
Em outras palavras, pode-se inferir que, quando uma pessoa mente ou tenta esconder
as provas de uma reação saturada de complexo, o ego pode ser capaz de engolir alguns
dos indicadores, mas ser-lhe-á muito mais difícil suprimir reações fisiológicas mais
sutis. Os egos da maioria das pessoas serão normalmente capazes de neutralizar em certa
medida os efeitos de complexos. Essa capacidade serve aos interesses da adaptação e até
da sobrevivência. Isso é semelhante à capacidade para dissociar, ou seja, se uma pessoa
não fosse capaz de fazer isso (dissociar), o ego tornar-se-ia disfuncional justamente no
momento de maior perigo, quando manter a cabeça fria é o mais urgentemente necessário.
Vale ressaltar aqui a ótica clínica de que os psicoterapeutas têm que ser capazes de colocar
em segundo plano suas próprias emoções e conflitos pessoais quando estão atendendo
58
Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
a suas(seus) pacientes. Para que sua presença seja eficaz em face de um(a) paciente cuja
vida está em total desordem, o terapeuta deve manter-se calmo e frio, ainda que seja
um momento de caos na sua própria vida. Tal manejo requer a habilidade para anular
os efeitos de complexos sobre a consciência do ego em, pelo menos, um certo grau.
E como podemos a partir de agora entender de como são formados os complexos?
Segundo Stein (2006), os complexos são formados por imagens e muitas vezes
construções traumáticas. No entanto, cabe ressaltar que essa questão deve ser situada
num contexto social mais amplo. Alguns estudos de Jung (2013) sobre associação de
palavras abordaram a questão das influências da família sobre a formação do conteúdo
inconsciente em crianças, ou seja, por meio do experimento de associação verbal, ele
apurou fortes indícios de padrões de uma impressionante semelhança na formação
de complexos entre membros da família – entre mães e filhas, pais e filhos, e mães e
filhos, por exemplo. Dessas combinações, as mais próximas eram mães e filhas. Suas
respostas às palavras-estímulos revelaram ansiedades e conflitos quase idênticos.
Assista à indicação do filme para ter uma compreensão mais ampla a respeito
do experimento de associação verbal de palavras, o qual auxiliava Jung a ter uma
visão mais amplificada acerca dos complexos acessados durante os processos
de análise.
59
CAPÍTULO 3
A abordagem junguiana dos sonhos
no processo analítico
A teoria proposta por Jung (2013) sobre amplificação dos sonhos tem sido estudada,
criticada e ampliada no decorrer do tempo. As descobertas, assim como os conceitos
por ele desenvolvidos, continuam vivos e férteis. Eles são continuamente atualizados
por meio de pesquisas empíricas, de estudos teóricos e da prática clínica. A abordagem
junguiana persiste como referência para os estudos interdisciplinares, além de ser
promotora de espaço para debates socioculturais.
Este capítulo tem a intenção de preencher essa lacuna (técnica de análise, interpretação
e amplificação dos sonhos) para os psicoterapeutas e, também, para o crescente número
de pessoas que estão interessados nos seus sonhos. Entre essas pessoas interessadas,
60
Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
Jung (2013) desenvolveu a sua teoria de interpretação dos sonhos ao longo da sua
vida. Ele estava constantemente testando, modificando, elaborando e ilustrando-a, de
modo que declarações relevantes são encontradas praticamente em todos os volumes
das suas obras completas, em outras publicações, paralelas a esses acervos de escritos
conhecidos como obras completas, e em textos impressos privadamente (palestras
e seminários em universidades a sua época na Europa). Ele nunca se sentiu levado a
organizar formalmente o seu acervo de conceitos porque nunca considerou as suas
formulações como finais.
De acordo com Jung (2013 apud MATTOON, 2014), os sonhos às vezes têm um
efeito salutar, mesmo quando não são interpretados. O benefício dos sonhos não
interpretados é geralmente fraco e transitório; se a mensagem contida em um sonho
não for levada à consciência, ela “esmorece e volta ao caos [...] mas depois recomeça”,
ou seja, ela se repete em sonhos subsequentes até o sonhador “prestar atenção” nela.
Na psicoterapia, por exemplo, um tipo um tanto mais comum de sonho que carrega
um significado de vida ou morte é aquele que revela as ideias suicidas de um paciente
que foram ocultadas do terapeuta. Essa revelação pode ajudar a orientar a conduta da
terapia.
Conforme explana Mattoon (2014), os sonhos, como esses que revelam ideias suicidas, e
outros que conduzem informações menos dramáticas, que podem ser conscientemente
omitidas pela(o) paciente, demonstram que são fontes de informações específicas para
o terapeuta. Os sonhos propiciam o acesso aos diversos níveis da psique e à natureza,
e causas de problemas individuais.
61
Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
Segundo Mattoon (2014), uma pessoa que sofre de neurose ou de um complexo grave
vive excessivamente em um dos lados da personalidade. Jung (2015) recomendou
que uma pessoa assim deve procurar reconhecer essa unilateralidade e as atitudes
impraticáveis que resultam dela. Aprender a entender os próprios sonhos possibilita
que a pessoa enriqueça a mente consciente. Embora o conteúdo adicionado à
consciência possa ser desagradável, ele conduz, geralmente, a um autoconhecimento
mais profundo e a uma maior estabilidade mental. Ao formar uma conexão integral
entre o consciente e o inconsciente, a pessoa pode alcançar um horizonte mental
mais amplo, uma nova orientação com relação à vida e o ordenamento de um mundo
que estava muito confuso.
Segundo Hall (2007), existem três maneiras possíveis de se ver o sonho como atividade
compensatória, sendo todas importantes para a compreensão do clínico. Em primeiro
lugar, o sonho pode compensar distorções temporárias na estrutura do ego, dirigindo
o indivíduo a um entendimento mais abrangente das atitudes e ações. Por exemplo,
alguém que está furioso com um amigo, mas descobre que a fúria se dissipa com rapidez,
poderá sonhar que investe furiosamente contra o amigo. O sonho recordado devolve
para nova atenção uma quantidade de fúria que havia sido reprimida, talvez por razões
neuróticas. Também pode ser importante para o indivíduo que sonha perceber que
complexo foi constelado (ativado) na situação.
62
Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
Um exemplo desse segundo tipo de compensação é o sonho de uma pessoa que estava
muito bem adaptada socialmente, nas áreas da vida comunitária, familiar e de trabalho.
Ela sonhou que uma voz impressionante dizia: “Não estás levando a tua verdadeira
vida!”. A força dessa declaração, que a despertou em sobressalto, durou por muitos
anos e influenciou um movimento na direção de horizontes que não estavam claros
na época do sonho (HALL, 2007).
Essas duas formas de compensação – o sonho como “mensagem” para o ego e como
autorrepresentação da psique – contêm a ideia junguiana clássica da função compensatória
dos sonhos, substancialmente diferente da tradicional concepção freudiana, que via os
sonhos como descarga de tensão psíquica e realização de desejos ou como protetores
do sono. Agora veremos que há um terceiro processo mais misterioso e sutil, pelo qual
os sonhos são compensatórios. O núcleo arquetípico do ego constitui a base duradoura
do ‘eu’, mas pode ser identificado com muitas personas ou identidades do ego. O sonho
pode ser visto como uma tentativa para alterar diretamente a estrutura de complexos
sobre os quais o ego arquetípico se apoia para a identidade em níveis mais conscientes.
Embora Jung (2013) considerasse a interpretação dos sonhos essencial para a psicoterapia,
ele também a julgava um aprendizado valioso para pessoas que não faziam psicoterapia.
Para essas pessoas, a expansão da consciência resultante da incorporação de conteúdos
inconscientes por meio da análise dos sonhos intensifica o desenvolvimento da sua
personalidade.
63
Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
Além disso, muitos psicoterapeutas copiaram Jung ao considerar mais útil extrair dos
sonhos de pacientes comentários sobre o significado dos complexos do que meramente
se concentrar, como Freud, no que são os complexos. Além disso, quando os sonhos são
interpretados como construtivos e também como causais, como na teoria junguiana,
o(a) sonhador(a) pode ser ajudado(a) a enxergar possibilidades para o crescimento em
vez de apenas examinar o passado, de onde vieram os problemas.
Conforme explicita Mattoon (2014), a linguagem dos sonhos, de acordo com Jung
(2013), é pelo menos tão complexa e variada quanto a linguagem da consciência.
A linguagem dos sonhos é formada, em grande medida, por imagens não verbais
que variam mais acentuadamente em complexidade e nitidez do que experiências
correspondentes do estado desperto.Em um nível relativamente simples, a linguagem
dos sonhos é frequentemente figurativa, ou seja, semelhante a figuras de linguagem.
Por exemplo, nas conversas do dia a dia, podemos caracterizar uma pessoa como uma
“cobra”, “porca” ou “fofa”, querendo dizer que ela é traiçoeira, desleixada ou delicada.
Frequentemente surge a questão de se alguns sonhos são típicos, ou se, pelo menos,
alguns temas são típicos. (Um tema é uma imagem ou ideia repetida; por conseguinte,
64
Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
um sonho pode ter vários temas.) Grupos idênticos ou até mesmo pares de sonhos
são raros. No entanto, uma determinada imagem pode se repetir frequentemente nos
sonhos de uma pessoa, e alguma semelhança pode ser encontrada entre os temas dos
sonhos de uma pessoa e/ou de outras. Exemplos são temas de cair, voar, ser ameaçado
por animais perigosos e correr muito, mas não chegar a lugar nenhum. (MATTOON,
2014).
Embora Jung (2015, p. 56) afirmasse que “o sonho não segue leis claramente determinadas
ou modos regulares de comportamento”, ele reconhecia que existem mecanismos que
ajudam a formar a linguagem dos sonhos. Entretanto, ele atribuía uma ênfase muito
menor a eles do que à teoria freudiana, que encarava os mecanismos como essenciais
para o trabalho com o sonho por meio do qual o conteúdo latente do sonho é traduzido
para o sonho manifesto.
Vale pontuar aqui que muitos sonhos não são compreensíveis para a pessoa que
está tentando interpretá-los. Jung (2013) argumentou que o problema é semelhante
ao de qualquer cientista envolvido com a investigação de fenômenos naturais: ele
precisa partir do princípio de que o fenômeno que está sendo investigado encerra
significado antes que possa tentar compreender os fatos. Essa suposição tem como
respaldo a experiência clínica. Ao analisar dezenas de milhares de sonhos, Jung (2013)
constatou que alguma mensagem pode ser colhida praticamente de todos os sonhos,
e frequentemente, a mensagem é mais significativa do que uma avaliação superficial
poderia prever.
De acordo com aporte teórico apresentado por Mattoon (2014), um sonho que
inicialmente parece tolo, absurdo ou apenas ininteligível conduz, às vezes, a importantes
revelações a respeito do sonhador. Além da experiência clínica, outros respaldos
podem ser citados para a ideia de que os sonhos encerram significado. Um deles é a
presença de temas repetidos em uma série de sonhos de um(a) sonhador(a); a repetição
dá a impressão de que os temas, sejam eles compostos de imagens conhecidas ou
desconhecidas, estão exigindo atenção para algo específico na vida do sonhador.
Segundo Hall (2007), no curso atual da análise junguiana, os sonhos são frequentemente
usados como ponto de referência para a interação no processo analítico. Analista e
analisanda(o) são aliados na tentativa de compreender a mensagem do sonho em
relação ao ego da(o) analisanda(o). Por vezes, os sonhos indicam que a atenção deve ser
dirigida para a transferência-contratransferência, a constelação típica da interação na
situação analítica. Como não existe uma posição privilegiada da qual se possa conhecer
a verdade da psique de uma outra pessoa, analista e analisanda(o) estão empenhados
65
Unidade II | Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana
num empreendimento exploratório que envolve uma confiança básica entre eles. Se
um sonho se concentra nessa relação, ela deverá ser examinada analiticamente ao
longo do processo.
Vale ressaltar que, na clínica junguiana, a amplificação dos sonhos é uma ferramenta
de fundamental importância, pois cabe mensurar o construto a fim de não pensar
que o sonho nunca se esgotará, ou seja, na melhor das hipóteses, pode-se encontrar
um significado útil e coerente para o sonho, mas até mesmo tal significado pode ser
alterado à luz dos sonhos subsequentes que podem surgir ao longo do desenvolvimento
do processo analítico.
Com relação ao uso não interpretativo dos sonhos, Hall (2007) explicita que as
personificações em sonhos, incluindo imagens de cenas e objetos inanimados, refletem
a estrutura de complexos psicológicos no inconsciente pessoal, que se assentam todos
em núcleos arquetípicos na psique objetiva e estão submetidos à força centralizadora
e individuante do si-mesmo ou do arquétipo central. Esses complexos objetivados e
simbolicamente representados em sonho, incluindo a constelação particular do ego
onírico, refletem a atividade autônoma do si-mesmo em relação ao ego, tanto o ego
vígil quanto o ego onírico. Por conseguinte, é possível discernir, mesmo tenuemente,
o que o si-mesmo está fazendo com os complexos que englobam o ego e outros
conteúdos da psique.
66
Conceitos básicos da matriz constituinte da estrutura psíquica junguiana | Unidade II
Pode-se observar que, quando os complexos são representados, em suas distintas imagens
e configurações subjetivas, a energia psíquica adicional focaliza neles o resultado mais
provável: um recrudescimento da percepção consciente. Quando um(a) clínico(a) mais
experiente, que adquiriu proficiência no uso da interpretação dos sonhos, estes podem
servir como fator adicional na avaliação diagnóstica e prognóstica, e sutil indicador
quanto à oportunidade de instituir ou alterar medicação, considerar hospitalização e
variar a frequência das sessões psicoterapêuticas. Cabendo ressaltar que tais observações
se tornam mais evidentes quando observadas e acompanhadas em casos de pacientes
em estados neuróticos.
Mattoon (2014) assevera que a busca de significado nos sonhos está radicada, sem dúvida,
no assombro dos seres humanos com o funcionamento da mente. A mente continua a
funcionar de alguma forma durante o sonho, como é evidenciado pela constatação de
que, quando as pessoas que estão dormindo são acordadas, seja durante o sono REM
ou no NREM, elas quase sempre relatam que alguma coisa estava acontecendo na sua
mente. Com o nosso conhecimento atual limitado da mente e do seu funcionamento,
certamente é prematuro descartar suas atividades durante o sono como desprovidas
de significado. Mais exatamente, a probabilidade de conhecermos melhor a mente por
meio do estudo dos sonhos e do ato de sonhar parece muito elevada. E finalizamos
o capítulo apresentando os possíveis caminhos para um manejo clínico de análise
dos sonhos em conformidade com os elementos apresentados no setting analítico e
o acolhimento permitido da(o) analista na terapêutica de suas(seus) analisandas(os).
67
CONSIDERAÇÕES
CONCEITUAIS
SOBRE O PROCESSO UNIDADE III
ANALÍTICO
Nesta unidade, abordaremos alguns aspectos correlacionados ao processo analítico à
luz da psicologia analítica de Jung, conhecida também como psicoterapia junguiana
nas bases de construção inicial, que no presente contexto contemporâneo ganha
uma nova amplificação conhecida como “psicanálise junguiana”. Os psicanalistas
junguianos são ativos hoje em todos os países da Europa Ocidental e agora também em
muitos países do Leste Europeu, bem como na Austrália, Ásia, África e no continente
americano. No presente momento, eles desempenham um papel significativo nas
profissões de saúde mental mundo afora e cada vez mais ensinam em instituições
acadêmicas. Além do mais, junguianos têm demonstrado extensa consideração pelos
desenvolvimentos modernos em outras escolas psicanalíticas e pesquisa cientifica
de ponta.
CAPÍTULO 1
O processo analítico:
encarando a sombra
O processo analítico na abordagem junguiana por muito tempo ficou distante dos
manejos clínicos psicoterapêuticos aplicados nas escolas-clínicas do Brasil de modo
geral, em especial nas universidades do centro-sul e norte do país, cabendo ressaltar
que alguns centros de estudos na região de São Paulo possuem em seu eixo ementário
dos programas de graduação em Psicologia um arcabouço teórico-prático à luz da
psicologia junguiana.
68
Considerações conceituais sobre o processo analítico | Unidade III
Cabe ressaltar que a visão de Jung (2013) da psique é que ela não é fundamentalmente
defeituosa e patológica, ou seja, destinada a representar uma história invariavelmente
trágica, mas sim orientada rumo ao desenvolvimento ao longo da vida que pode ou
não ser apenas parcial ou relativamente realizado por completo. Ressaltando ainda
que, de modo algum, isso significa que a psicopatologia seja ignorada. A patologia
sem dúvida corrompe e interrompe os processos de individuação em todos os
estágios da vida, mas a psique procura superar sua enfermidade de vários modos, e
este si-mesmo em individuação é o que a psicanálise junguiana busca, é com ele que
ela se alia e o usa para fomentar e encorajar os processos de mudança e crescimento
na consciência.
69
Unidade III | Considerações conceituais sobre o processo analítico
70
Considerações conceituais sobre o processo analítico | Unidade III
Murray Stein (2019) assevera de forma explicita e articulada que a(o) psicanalista
junguiana(o) é treinada(o) (dentro do seu processo de formação, análise individual e
supervisionada) a olhar para cada analisanda(o) como um indivíduo com uma história
única e desafios muito específicos, ou seja, o resultado da análise é diferente em
cada caso, e o tratamento (manejo clínico analítico) deve ser adaptado ao indivíduo.
Um manejo clínico vivenciado com um(a) paciente em situação de ansiedade, não
servirá para outra(o) paciente que esteja passando por um quadro de ansiedade, ou
seja, um modelo de manejo não serve para todos!
Vale explanar que a noção de sombra para Jung (2013) traz uma importante contribuição
à teoria e prática da psicologia profunda e da psicanálise, pois o modo como a sombra
tem sido compreendida tem se desenvolvido naturalmente no contexto da orientação
de cada autor dentro do campo analítico, às vezes enfatizando seu lugar e significado
clássico, desenvolvimentista e/ou arquetípico dentro de uma concepção global da vida
psíquica e da análise. A importância dessa etapa inicial é ter a compreensão e o um
olhar para a sombra como um fenômeno psicológico vivo que continua a ter muito a
nos ensinar sobre a psique.
Conforme afirma Stein (2019), encarar a sombra é um dos mais importantes objetivos
da psicanálise junguiana, pois implica, dentro do cenário investigativo, que a(o) analista
terá como metas e objetivos da análise junguiana dar conta do inconsciente. Encarar a
sombra é um aspecto-chave deste trabalho global. O autor nota que dar conta da sombra
significa colocar em questões de autoilusões mais caras a que a(o) paciente se agarra,
e que têm sido usadas para sustentar a autoestima e manter um senso de identidade
pessoal. Vale ressaltar que encarar a sombra e confrontar nossas ilusões são momentos
compreensivelmente dolorosos na análise.
71
Unidade III | Considerações conceituais sobre o processo analítico
Pode-se inferir que, de forma geral e mais ampla, a definição do conceito de sombra
seria como referir-se à escuridão do inconsciente, ao que é rejeitado pela consciência,
conteúdos positivos e negativos, bem como o que não se tornou ainda, ou talvez
nunca se torne, consciente. Voltar-se para a escuridão significa por assim dizer que é
encarar as partes inaceitáveis, indesejáveis ou subdesenvolvidas de nós mesmos, por
exemplo, o aleijado, o cego, o cruel, o feio, o inferior, o pervertido, o inflacionado e
por vezes vil, bem como descobrir os potenciais de desenvolvimento dos quais estamos
inconscientes.
Na sua asseveração, Jung (2013) explicita que nossa tentativa de nos encaixar em
nossas famílias e nos valores históricos e culturais resultam no desenvolvimento, pela
personalidade, do que ele chamou de uma persona, uma máscara por meio da qual a
adaptação é facilitada, mas que é uma estrutura necessária de relacionamento. Em nome
da adaptação, aqueles aspectos da personalidade mais ampla julgados inaceitáveis são
frequentemente negados, reprimidos e cindidos da personalidade em desenvolvimento.
Como consequência, eles podem se torturados, feridos, mutilados e podem recuar
para a escuridão onde, por fim, podem ser mortos e enterrados. Outros potenciais do
si-mesmo que nunca foram conscientes podem, do mesmo modo, sofrer resistência e
jamais enfrentarem um relacionamento consciente com a personalidade.
72
CAPÍTULO 2
O encontro analítico:
transferência/contratransferência,
análise didática e supervisão
Observe a Figura 2 para começarmos a ter uma compreensão mais precisa acerca do
conjunto de ações necessárias no processo de formação da(o) analista:
Formação teórica
Supervisão Análise
técnica/didática individual
Temos um tripé com bases sólidas no processo de formação de um(a) analista, pois
a formação teórica ao longo dos estudos reforça o arcabouço e aportes teóricos
que subsidiarão o teor referencial que a(o) analista terá como suporte, no entanto,
esse construto se dá de forma concomitante com o início de sua análise individual
e, posteriormente, a supervisão com analista didata responsável pela supervisão
dos acompanhamentos e discussões de casos clínicos trazidos ao setting analítico.
A importância de ter uma formação pautada nesse tripé analítico se deve a possíveis
diagnósticos, assim como as interpretações e avaliações do material da(o) paciente são
baseadas nos sentimentos percepções da(o) analista.
A percepção de Jung (2015) com relação ao problema de a(o) analista não se encontrar
em processo de análise foi uma das principais razões que o levaram a exigir que a(o)
analista fizesse uma análise completa. De acordo com Jacoby (2015), teoricamente,
a análise didática reduz os riscos de projeções infundadas por parte da(o) analista,
porque, por meio dela, ela(e) se torna mais consciente do que se passa com ela(e).
Uma maior consciência de seus complexos, suas fraquezas, seus princípios de avaliação
73
Unidade III | Considerações conceituais sobre o processo analítico
e seu ponto de vista pessoal tem importância vital para esse trabalho, pois pode haver
resultados desastrosos caso ela(e) os projete na(o) paciente. Observe a Figura 3 para
termos uma compreensão dos movimentos que ocorrem num processo de análise na
psicoterapia de orientação junguiana.
Analista Paciente
Pode-se observar nos consultórios clínicos que, algumas(ns) pacientes, por exemplo,
dizem-nos frequentemente algo do tipo: “sei exatamente o que você pensa agora, posso
senti-lo – você pensa que eu não presto, sou um lixo de pessoa por pensar isso [...]”.
Esse tipo de autocrítica é um problema básico para essas(es) pacientes. Elas(es) não
74
Considerações conceituais sobre o processo analítico | Unidade III
estão cientes de que esses julgamentos ocorrem dentro delas(es), e que a autocrítica
negativa é projetada no mundo exterior e, é claro, na(o) analista, conforme a interação
entre analista-paciente, situando os elementos advindos do inconsciente (projeções).
Ressalta-se que as(os) pacientes muitas vezes creem que a(o) analista tem certamente
maus pensamentos em relação a elas(es), embora não possa admiti-lo – o tratamento
requer muitos truques psicológicos e outras coisas afins.
Vale ressaltar que sempre haverá pontos cegos e áreas inconscientes enquanto vivermos,
e daí a contratransferência, a inevitável projeção eventual dos conteúdos inconscientes
da(o) analista na(o) paciente! Frequentemente os comentários da(o) paciente, ou seu
comportamento, tocarão num ponto fraco ou sensível da(o) analista; por vezes, o
paciente compartilha do mesmo complexo central que o analista, porém, com algum
esforço e honestidade, elas(es) ainda poderão trabalhar bem juntos para benefício de
ambos. Talvez a qualidade mais importante que o analista possa ter é sua prontidão
para questionar seu ponto de vista, suas reações, sentimentos, emoções e pensamentos
repetidamente em novas situações, sem perder a espontaneidade.
Se o paciente sonha com o analista, deve-se considerar que o sonho possa refletir não
somente as projeções da(o) paciente em relação à(ao) analista, como também, por
vezes, a atitude verdadeira da(o) analista na situação analítica. Um sonho criticando o
analista deve ser levado a sério no sentido em que o analista deve se perguntar se essa
crítica está dizendo algo sobre sua própria atitude e seus pontos cegos.
Pôde-se inferir, a partir de suas associações, que ficou claro que esse perseguidor
assassino representava uma atitude que havia vivenciado com sua mãe e se tornou
destrutivamente eficaz e poderosa dentro dela mesma. De acordo com essa descrição,
sua mãe era uma mulher dominadora e uma religiosa fervorosa do catolicismo, tentara
desde cedo transmitir aos filhos que uma vida correta significava rezar e cumprir
as obrigações. Ela sofria de uma condição cardíaca de origem nervosa e usava essa
condição como fonte de poder. Caso seus filhos ou seu marido resistissem, ela adoecia
e sentimentos de culpa se constelavam neles.
Jürg Willi (1960 apud JACOBY, 2015), psicanalista suíço, diz que a criança de uma mãe
que sofre de um distúrbio narcísico tem de viver desde cedo com o seguinte paradoxo:
eu sou eu mesmo apenas se cumpro as expectativas que minha mãe tem de mim. Se caso
contrário, sou como eu sinto, então não sou eu mesmo. Continuando com a análise do
caso, o sentimento inconsciente da paciente de que não tinha direito de viver sua vida
76
Considerações conceituais sobre o processo analítico | Unidade III
de acordo com sua própria natureza fora expresso em seu sonho inicial por meio do
corte nas artérias. Nos termos do modelo junguiano, o velho representaria o animus
negativo da mãe, agora internalizado.
A paciente foi ao médico, com esse problema, presumivelmente uma reação saudável
a sua incapacidade de ajudar a si mesma. Após a primeira sessão, parecia que ela
achava que o analista havia tratado sua “ferida” de maneira adequada. Logo se
desenvolveu uma transferência muito intensa e complexa, caracterizada por um
incidente particularmente importante: um dia ela trouxe um sonho no qual o analista
havia dado a ela o livro de Jung sobre a criança divina. Depois que ela narrou o sonho,
o analista foi até sua estante e deu o livro para ela ler. Foi uma reação espontânea
do analista, um impulso ao qual o analista cedeu e que pareceu certo no momento.
Certamente essa reação pode ser questionada em sessões de supervisão pela(o)
analista didata.
Pode-se inferir que algumas(ns) analistas poderiam ter preterido adentrar suas fantasias
relacionada à criança divina. O analista escolheu espontaneamente a concretização
– a atuação, por assim dizer – da fantasia do sonho. O analista ficou imaginando,
naturalmente, como a paciente iria reagir àquilo e pensou que haveria tempo de entrar
em suas fantasias na sessão seguinte.
77
Unidade III | Considerações conceituais sobre o processo analítico
Cabe ressaltar também aqui que, no final das contas, a paciente realmente havia
sonhado que o analista havia lhe dado o livro, e ele também queria conversar com ela
sobre isso. Visto no contexto de seu sonho, tudo parecia diferente de novo. A paciente
admitiu, a princípio, que ficara muito satisfeita quando o analista lhe deu o livro.
Aquilo significara que ele estava levando seus sonhos muito a sério, como se fossem
uma parte importante dela mesma. A paciente também vivenciou a crença do analista
de que ela seria capaz de ler o tal livro como uma grande afirmação. Desde o início da
infância, a paciente tivera fantasiais sobre um homem letrado, com experiência de vida
e com um entendimento total de seus tumultos interiores. Ela disse que quando veio
à primeira sessão de análise, ela soube que o analista era o homem de suas fantasias.
78
Considerações conceituais sobre o processo analítico | Unidade III
ou ridicularizasse caso ela se expusesse, que o analista esperava que ela fosse razoável
– assim como a sua mãe pensava.
Cabe pontuar aqui que, por trás da fachada da timidez, inibição e aparente falta de contato,
a psique da paciente estava intensamente viva e ela estava cheia de perguntas sobre
o significado da vida. A conexão dela com esse seu lado essencial era constantemente
interrompida pela voz do animus destrutivo que dizia a ela que era ridículo tomar a
sério tais ideias irreais. No entanto, o homem sábio, com sua experiência de vida,
compreendeu tudo aquilo que era de importância vital para sua alma. Tal fantasia era
decisiva, pois a ajudava a crer em seus valores internos e permitir suas manifestações.
Conforme explicita Jacoby (2015), qualquer analista junguiano sabe que não é seu
trabalho curar. A ajuda só pode vir pela transformação da atitude do paciente, do
encontro de uma relação acertada com seu inconsciente. Uma vez que o analista é
tomado inconscientemente pelo arquétipo do curador, esse conhecimento pode ser
usado de forma exageradamente zelosa e prematura. A necessidade emocional de
ajudar quer um escape.
79
Unidade III | Considerações conceituais sobre o processo analítico
vezes, também na de seu pai, Apolo, que está associado às musas, à criatividade espiritual
e artística, ao oráculo; no entanto, ele é também o atirador de flechas. Suas flechas
podem curar, mas elas também podem ferir ou matar. Depois dessa reflexão, cabe
mensurar que o excesso de atividade do analista, quando ele é tomado pelo arquétipo
do curador, pode nos lembrar, por vezes, as flechas de Apolo.
Ele tem que atirar interpretações, sugestões e conselhos na direção da(o) paciente para
preencher sua própria necessidade de ajudar e curar. No entanto, o resultado não pode
ser previsto. Para a(o) paciente, pode parecer que seu pedido de ajuda é recebido por
demandas da(o) analista – ela(e) deveria fazer isto e aquilo para se sentir melhor. Porém
essas flechadas em sua ferida podem resolver a questão. A energia do arquétipo do curador
pode induzi-la(o) a satisfazer essas demandas; ela(e) poderá sentir alguns resultados
iniciais, pode começar um processo frutífero. As demandas poderão, no entanto, tocar
em um difícil complexo paterno inconsciente. Então a(o) paciente sente apenas sua
inabilidade em satisfazer as demandas e conselhos da(o) analista. Isto pode colocá-la(o) em
desespero consigo mesma(o) ou levar a uma grande resistência em relação à(ao) analista.
80
Considerações conceituais sobre o processo analítico | Unidade III
Uma análise didática é o coração e a alma da formação analítica, pois uma análise
suficientemente boa é essencial para o futuro analista descobrir uma identidade pessoal
e modo de trabalho analítico únicos, um relacionamento saudável e realista com a
comunidade junguiana de analistas, e um compromisso permanente de autoexame
e de consulta ao enfrentar os muitos desafios de uma prática analítica. Jung (2015)
foi o primeiro a reconhecer a necessidade de uma análise didática, embora haja uma
escassez de artigos analíticos sobre este tema, sem dúvida pode ser delicado escrever
sobre o trabalho analítico na mesma e pequena comunidade analítica, mesmo com a
permissão sendo garantida.
81
Unidade III | Considerações conceituais sobre o processo analítico
82
CAPÍTULO 3
os honorários no processo de análise
e suas nuances compensadoras
no setting analítico
Vamos refletir um pouco mais!Por exemplo, a(o) analista pode se sentir livre o suficiente
para permitir frustrações inevitáveis ou arriscar assumir uma linha dura, se necessário.
A própria ansiedade subjacente de que a(o) paciente não retornará pode inibir a sua
liberdade de relacionar-se com o analisando conforme a situação exija. Ele pode tentar
ser agradável ou compreensivo demais. E pode também tentar construir, o mais
rápido possível, e por vezes de maneira forçada, uma relação de transferência positiva
no intuito de sentir-se mais seguro quanto à continuidade da(o) paciente na análise.
Caso isso aconteça, a(o) analista estaria clinicando, em grande parte, em proveito
próprio. Diversos temores podem surgir dessa situação, como o medo de que a(o)
paciente fique decepcionada(o) caso não compreenda bem seus sonhos ou não tenha
insight brilhante a cada sessão. A(O) paciente poderá, desta forma, se tornar também
um objeto do próprio medo da(o) analista.
Conforme assevera Jacoby (2015), a fonte dessa ansiedade não é sempre reconhecida
suficientemente bem, ou seja, todo o comportamento de uma pessoa pode ser racionalizado
ao se dizer que é extremamente importante para a(o) paciente permanecer na análise
e, consequentemente, deve-se fazer todo o possível para mantê-la(o) ali. Pode até ser
este o caso, porém a necessidade legítima do analista de sobreviver financeiramente
deve estar consciente para que possa distinguir o que é o quê. Também é importante
estar completamente ciente da possível necessidade de vivenciar a própria identidade
por meio da análise de pacientes.
83
Unidade III | Considerações conceituais sobre o processo analítico
É importante frisar aqui que, naturalmente, não se trata de uma situação muito
proveitosa quando a(o) analista depende de apenas alguns poucos pacientes para se
sustentar, ou seja, na ausência de recursos privados, seria aconselhável ter um emprego
de meio período também para que se sinta mais seguro financeiramente. Caso isso não
seja possível, deve-se estar o mais consciente possível sobre os perigos da situação,
sofrendo os riscos e consequências de ser pobre por algum tempo, mas manter-se fiel
às necessidades da análise.
É um fato da realidade a(o) analista precisar dos honorários das sessões de análise para
se sustentar. Admitir honestamente para si mesma(o) é importante. No entanto, em
geral, não é favorável à terapia que a(o) paciente saiba que o analista depende dele
financeiramente, uma vez que esse conhecimento pode ser usado inconscientemente
para manipulações de poder. A(O) analista deve ter uma posição que seja o mais
independente possível para poder construir uma relação com a(o) analisanda(o) que
seja válida do ponto de vista terapêutico. Desde o início, ela(e) tem que acreditar que
as(o)s pacientes virão e permanecerão se ele trabalhar bem e com honestidade, de
acordo com a verdade interior de cada situação analítica.
Observa-se, de modo geral, que a(o) analista iniciante geralmente aceitará qualquer
um que apareça, pois ainda não pode escolher quem será adequado para análise em
geral, e, em particular, para trabalhar com ele. Deixando de lado suas necessidades
financeiras e a ansiedade para obter pacientes, isso pode ter a ver também com sua falta
de experiência, todavia, normalmente, a experiência só pode ser ganha por conclusões
dolorosas de que a análise não é para todas as pessoas, e que ela(e) mesma(o) poderá
não ser um(a) bom(boa) analista para todos. Esse tipo de experiência provavelmente
não pode ser evitado, mesmo quando não é sempre em benefício da(o) paciente.
Segundo Jacoby (2015), todo esse assunto de honorários é uma questão efetivamente
delicada e consteladora de complexos para muitos analistas. Alguns creem que é uma
parte importante da terapia, outros duvidam disto. Jung nada teve a dizer sobre o
assunto, mas Freud (1924 apud JACOBY, 2015) acreditava ser essencial que a(o)
paciente pagasse os honorários. Hoje podemos observar que, diante do cenário de
pandemia, muitos institutos tradicionais de análise ofereceram e ainda estão oferecendo
atendimentos analíticos online gratuitos!
84
Considerações conceituais sobre o processo analítico | Unidade III
Vale ressaltar que a crença de que é importante para a(o) paciente pagar honorários
pode ser uma racionalização para o fato de que a(o) analista precisa dos honorários
da(o) paciente. Essa necessidade pode levantar alguns sentimentos de culpa – afinal
de contas, que tipo de relação eu/você (paciente/analista) é esta, se uma das partes
quer ser remunerada por ela? Entretanto, a(o) analista também tem que viver, ter o
seu ganha-pão de cada dia, assim como os demais prestadores de serviços na área de
saúde. Vale ressaltar também que a formação da(o) analista foi custosa e ela(e) pode
ter acumulado dívidas; ela(e) pode ter uma casa, um financiamento imobiliário, uma
família para sustentar, além de precisa suprir suas necessidades básicas de alimentação
e segurança.
A questão do valor dos honorários a serem cobrados pode ser por si só uma questão
para uma busca interior. Qual é o valor adequado? O que é apropriado? Um analista
cobra aquilo que o mercado pode suportar; outro, aquilo que ele acredita que seja o
valor de sua própria energia; um terceiro, aquilo que o paciente pode pagar. Há analistas
que dizem simplesmente que suas energias para a análise não são consteladas se eles
não recebem um valor substancial como honorário.
É importante pontuar aqui, que neste caso, no entanto, poderão ser interpretadas
como fenômenos de transferência distintos da realidade externa. O dinheiro pode
simbolizar muitas coisas, mas é, acima de tudo, um fator das nossas vidas diárias.
Se um paciente não paga ou paga muito pouco, ele realmente se sente mais dependente
do seu analista e vivencia a si mesmo numa situação relacional de infância.
85
Unidade III | Considerações conceituais sobre o processo analítico
estou interessada(o) em seu dinheiro, mais sim nele como ser humano”. Observa-se
que essas são reações de contratransferência, que muitas vezes têm pouco a ver com
a realidade da(o) paciente.
Vamos refletir, agora, sobre o dinheiro como símbolo de valor na análise? Se um(a)
analista cobra muito pouco, a(o) paciente pode ter a sensação de que sua análise
tem pouco valor, ou que há algo de errado com o status da(o) analista. Conforme
foi mensurado anteriormente, a(o) paciente poderá ter um sentimento de gratidão
por tal generosidade, mas também terá ressentimento de ter que sentir gratidão.
Esse ressentimento pode ser defendido com o pensamento de: “a análise não vale
muito – que uso poderá ter?”. Dinheiro como símbolo de valor também pode ter um
impacto na(o) analista. Ela(e) pode se perguntar: “será que as horas que eu dedico
valem o dinheiro que a(o) paciente tem que pagar? Qual é meu valor como analista?”.
O assunto dos honorários tem, frequentemente, algo a ver com autoavaliação consciente
ou inconsciente do analista, ou seja, no início, as(os) analistas se sentem tipicamente
mais inseguras(os) e têm, portanto, uma tendência a cobrar muito pouco. Por vezes,
entretanto, também podem cobrar demais como uma supercompensação por sua
insegurança. Porém, é fato, também, que pacientes que pagam honorários altos são
muitas vezes vivenciados pela(o) analista como uma ameaça maior do que aqueles
que pagam menos. De alguma maneira, ela(e) pode imaginar que as(os) pacientes que
pagam mais têm uma expectativa muito maior dele.
Um ponto importante a ser ressaltado é que o ideal de ego ou analista ideal interior
o ameaça com o medo de ser inadequada(o) e não valer todo aquele dinheiro; e esse
medo interior pode ser projetado na(o) paciente ou pode ocorrer contratransferência.
É muitas vezes verdade que pessoas ricas, que podem pagar honorários altos, esperam
tudo que o dinheiro pode comprar de melhor e podem, certamente, transferir essas
expectativas para a(o) analista juntamente com seu direito à crítica. Aqui, no entanto, é
exatamente o lugar para a(o) analista intervir, mostrando que saúde psíquica não pode
ser comprada com tanta facilidade, e que a realidade da psique tem valores diferentes,
em vez de cair na armadilha inconscientemente. Na verdade, ele provavelmente terá
que tomar essa linha de todo modo, mesmo que seja apenas como autodefesa.
Conforme aponta Jacoby (2015), não é preciso dizer que os honorários têm que ser
flexíveis para acomodarem a verdadeira situação da(o) paciente. Cabe aqui ressaltar
que é importante ter um preço padrão de acordo com costumes gerais e com a própria
autoavaliação, o próprio padrão como analista. A partir daí se pode adaptar o padrão para
necessidades individuais. Como exemplo, normalmente eu digo às(aos)minhas(meus)
86
Considerações conceituais sobre o processo analítico | Unidade III
pacientes meu valor padrão nas entrevistas iniciais, e caso eles possam pagá-los,
partimos para o contrato da aliança terapêutica, e sendo assim, eu lhes digo em que
bases legais eu os aceitarei para o processo de análise, assim como em quais bases eu
não posso aceitá-los.
Vale ressaltar aqui que, para pessoas compulsivas, já é uma conquista se ele conseguir
superar sua culpa por não pagar as contas imediatamente. Ele pagou a conta por ordem
de pagamento mais de um mês depois e, passando mais algum tempo, telefonou para
marcar mais sessões. Na terceira sessão, ele finalmente pode falar de sua raiva em
relação a mim por eu ter aumentado o preço da sessão; ele precisou de todo esse tempo
para reunir coragem. Então, ele foi capaz de extravasar mais agressão, dizendo que ele
não se incomodava em pagar um valor mais alto se as coisas estivessem se movendo
– isto é, se eu fosse um melhor analista. Isso foi, efetivamente, uma grande conquista.
Agora sim, eu poderia discutir com ele, por que eu acreditava que ele se beneficiaria
mais da análise com uma analista mulher. Eu o recomendei e ele realmente teve a
coragem de telefonar e ir vê-la.
Por haver uma outra necessidade da(o) analista, ela(e), às vezes, deseja inconscientemente
que a(o) paciente a satisfaça. Trata-se da necessidade de obter sucesso terapêutico, isto
é, uma melhora substancial na saúde psíquica da(o) paciente. Em geral, os analistas
podem temer por sua reputação se tratam pessoas sem obter sucesso. Dessa maneira,
a(o) paciente torna-se um objeto para o aprimoramento da reputação do analista.
Cabe ressaltar um ponto importante: não existe nada contra o sucesso terapêutico
– afinal de contas, a(o) paciente quer melhorar e, normalmente, a(o) analista deseja
87
Unidade III | Considerações conceituais sobre o processo analítico
a mesma coisa para sua(seu) paciente, de maneira legitima. A melhora por meio da
análise é uma satisfação legítima para ambas as partes e é, certamente, o alvo da análise
como uma forma de psicoterapia. Em outras palavras, se um(a) analista se dá conta
de ressentimento em relação a um(a) paciente que não parece estar melhorando,
é importante refletir sobre esses sentimentos como sinais de contratransferência.
Sua própria necessidade frustrada de provar-se como um analista bem-sucedida(o) ou
seus próprios sentimentos de culpa podem estar envolvidos.
Outro ponto a refletir diz respeito ao potencial de ressentimento da(o) analista caso
ela(e) descubra que a(o) paciente não lhe revela tudo. Ela(e) pode contar coisas para
outras pessoas e não para sua(seu) analista, que então se sente magoada(o) por essa
aparente falta de confiança; a necessidade da(o) analista de ser totalmente digna(o)
de confiança é frustrada pela(o) paciente. Ela(e) poderá, então, repreender a(o)
paciente em vez de encarar o fato como um sintoma de transferência a ser analisado.
Algumas palavras podem ser ditas a respeito da curiosidade da(o) analista. Faz parte
da natureza do seu trabalho cotidiano ouvir detalhes sobre intimidades do paciente,
sua vida sexual e envolvimento com outras pessoas que a(o) analista pode conhecer,
inteirar-se de muitas coisas sobre pessoas que de outro modo ele não ficaria sabendo.
Assim sendo, ele pode usar suas(seus) pacientes para receber notícias íntimas do mundo.
Ressalta-se que essa forma de terapia pode ser efetivamente uma recompensa de seu
trabalho, afinal, quem não é curioso? O perigo seria usar o tempo da(o) paciente para
obter informações que não sejam efetivamente pertinentes à análise. Isto, porém,
88
Considerações conceituais sobre o processo analítico | Unidade III
De acordo com Jacoby (2015), outro perigo contratransferencial pode ser a necessidade
não reconhecida da(o) analista de viver, por intermédio das(os) pacientes, aqueles lados
da vida que ela(e) mesma(o) não vive ou não pode viver. As(Os) pacientes podem ser
uma fonte de informação e de relacionamento, podem trazer cor à vida, dor e sofrimento
para a vida da(o) analista, fazendo com que se sinta importante, útil e viva(o). Para o
analista, isso pode se tornar um substituto para viver sua própria vida. Certamente,
as(os) analisandas(os) pertencem à vida de um(a) analista.
É importante observar que para podermos concluir este capítulo, tendo em vista um
trabalho extremamente complexo e sutil que um(a) analista tem de fazer, nunca se pode
enfatizar o suficiente a importância de se manter honestamente em contato consigo
mesma(o). Isso implica também que o analista deve levar uma vida tão completa quanto
gratificante para sua personalidade como um todo, ou seja, buscar de forma ativa
outros hobbies, fazer trabalho científico ou artístico que a(o) interesse, se relacionar
com amigos e com a natureza, ter uma vida sexual satisfatória, tirar férias e, no geral,
se divertir – tudo isso pode tirar tempo e energia do trabalho com pacientes, mas, no
longo prazo, contribuirá para sua eficiência como analista. Afinal de contas, se não se
sabe viver, como se poderá ajudar constelar esse conhecimento com as(os)suas(seus)
pacientes? Em relação a este tópico, finalizamos nossa unidade de estudos.
89
PRÁTICA DA
PSICOTERAPIA
JUNGUIANA – ANÁLISE UNIDADE IV
CONSTRUTIVA DE
CASOS CLÍNICOS
Nesta unidade, observaremos a análise de alguns casos clínicos que foram supervisionados,
apresentando as fases da psicoterapia junguiana da obra de Jung (vol. 16/1), com aplicação
prática a ser observada no manejo clínico com pacientes. Os nomes apresentados durante
a leitura dos casos são fictícios no intuito de preservar a identidade das(os) pacientes
atendidas(os) conforme normativa ética de psicoterapia. Alguns processos diante ao
cenário da COVID-19, com os devidos protocolos relativos ao sigilo e à proteção de
informações dos atendimentos clínicos em psicoterapia, foram realizados via plataformas
digitais online. Os casos apresentados mantiveram a narrativa das(os) pacientes de
acordo com o relatado pelas(os) psicoterapeutas responsáveis pelo atendimento,
sendo assim, não serão realizados cortes ou correções, cada análise de caso foi uma
construção supervisionada pelo analista responsável técnico, efetivando o relato dos
devidos protocolos legais.
90
CAPÍTULO 1
Análise de construção de casos
Considerações clínicas
Carla, 32 anos, casada há sete anos, não tem filhos, ocupa o cargo de técnico administrativo
em seu trabalho e cursa Psicologia. Os pais são casados e tiveram três filhos. Convive
quinzenalmente com a enteada (menor de idade), já com o enteado (maior de idade)
os encontros são esporádicos. Procurou atendimento terapêutico em virtude de
fortes sintomas de ansiedade e de angústia; por apresentar conflitos na relação com
a mãe, a favor da compreensão acerca do contexto marido e ex-esposa, por causa do
descontentamento e da frustração com a função que exerce no trabalho e pela busca
em descobrir o real sentido e propósito de sua existência. Descreveu a ansiedade e a
angústia como “fora do comum”, trazendo à tona questões pessoais perturbadoras e que
causam sofrimentos psíquicos, com os seguintes subsequentes desdobramentos físicos:
boca seca, choro excessivo, desespero (o que vai fazer da vida), dores no peito, sensação
de que tudo faz mal, insônia, pressão baixa, não sente vontade em realizar atividades,
e sim, o desejo de não fazer nada. Não saía de casa havia uma semana. Informou que
se submeteu a acompanhamento psicoterapêutico, junto a uma profissional com
formação em Psicanálise, acumulando sete meses de tratamento. Não procurou ajuda
psiquiátrica – afirmou não descartar essa possibilidade. Na época que procurou auxílio
de um psicólogo sentia angústia, choro corriqueiro, desespero, peito apertado, tendo
como ponto central a incompreensão de quem ela realmente é.
Demanda da paciente
» Abandono paterno (inconsciente).
» Baixa autoestima.
» Depressão.
» Ansiedade.
» Sente que precisa ser validada no trabalho mesmo sabendo que fez bem feito.
Aporte teórico
1. Confissão.
2. Esclarecimento.
3. Educação.
4. Transformação.
92
Prática da psicoterapia junguiana – análise construtiva de casos clínicos | Unidade IV
Depois de ter visto uma proposta de modelo de análise de caso realizada dentro das
fases da psicoterapia junguiana, observe um caso abaixo e busque efetivar os aportes
teóricos de acordo com o modelo apresentado no caso Carla.
Aponte: a demanda do paciente, e como você poderia efetivar um manejo inicial de
atendimento psicoterapêutico a partir dos dados apresentados na queixa inicial de
acordo com as fases: confissão, elucidação, psicoeducação e transformação.
Caso Animus
Considerações clínicas
Animus., 28 anos, solteiro, advogado, namora uma advogada. Convive com a mãe e
dois irmãos – ocupa a condição de primogênito no sistema familiar. Apresentou como
queixa inicial forte ansiedade – acentuada em virtude da ausência de demanda de
trabalho, originada pelo atual contexto pandêmico. Em seguida, relatou dificuldades
em se relacionar com o pai e no contexto amoroso, e dilemas angustiantes com
relação à profissão. Foi diagnosticado com transtorno de ansiedade generalizada
(TAG) e síndrome do pânico, fez uso do medicamento Espran – interrompeu o uso
do psicofármaco por temer dependência e efeitos indesejáveis (diminuição do desejo
sexual e aumento da sensação de fome). A medicação foi prescrita paralela à indicação
de psicoterapia – processo familiar ao analisando. Animus também passou por cuidados
de um neurologista. Informou que a ansiedade é uma “velha conhecida”, e que foi
acometido por uma grave crise no mesmo ano que concluiu o curso de bacharel em direito,
em 2017, com registro de desmaio. O analisando trouxe à memória que próximo ao
término da graduação, os tremores no corpo eram assustadores. A ocorrência da ansiedade
se intensificava quando estava na faculdade, mas obtinha melhoras ao retornar para
casa – período em que houve o único registro de desmaio. Hoje os sintomas recorrentes
da ansiedade são: dores de cabeça e de barriga, sensação de tremor em várias partes do
corpo, rói unhas compulsivamente, perna trêmula, tosse sem cessar. Atualmente, busca
controlar a ansiedade com a assertiva de que é psicológico, que vai passar; se esforça
para esquecer, muda os pensamentos, busca controlar a tosse, se empenha em concluir
tarefas que precisam ser executadas mesmo diante dos sintomas. Procura não dar muito
“crédito” à ansiedade, esquivando-se de abalos emocionais, pois é advogado. Por conta
da ansiedade, quase foi reprovado na faculdade, mas, hoje, na condição de advogado,
afirma não se deixar intimidar pelo TAG e pela síndrome do pânico.
Família – classificou a relação com a mãe de normal, busca estar ao lado dela sempre
em todas as situações. Descreveu a relação com os irmãos também de normal, pois
93
Unidade IV | Prática da psicoterapia junguiana – análise construtiva de casos clínicos
94
Prática da psicoterapia junguiana – análise construtiva de casos clínicos | Unidade IV
sabe responder. Aceita o trabalho que surge porque tem que se manter. É bom no
que faz, resolve o problema, mas essa conduta apresenta foco no dinheiro que lhe é
pago. Enfatizou que se sente angustiado por não saber dar respostas para a namorada,
tampouco para ele mesmo acerca da profissão. A indecisão vem desde muito tempo,
precisamente desde a escolha do curso de graduação (direito). Recordou-se que a
seleção do curso se deu via desejo e pressão da família.
O quarto – discutiu com a mãe, pois ela não aceita a permanência prolongada dele
no quarto, alegando que ele está com depressão. Ela o chama de vagabundo, pois ele
não trabalha, classificando-o como preguiçoso. Esse contexto o aborrece, pois não se
considera depressivo e nem vagabundo, todavia foi bastante enfático ao afirmar que
deseja ficar no quarto. Expressou mais de uma vez que não considera o fato de estar
no quarto sinônimo de depressão, explica que não há outra coisa para fazer no atual
contexto de pandemia. Descreveu o que faz no quarto: participa das reuniões online
da OAB, realiza atendimentos aos clientes (via telefone, videoconferência) e elabora
processos judiciais eletrônicos. Disse que é normal a execução dessas tarefas no quarto.
Narrou que, anterior ao contexto pandêmico, saía e se divertia com a namorada, ambos
gostavam bastante de cinema. Mas o seu desejo é permanecer no quarto. No atual
cenário (quarentena), a namorada passa o fim de semana em sua casa, tendo como
lugar preferido o quarto.
Amigos – classificou a relação com os amigos como boa, pois sempre encontra apoio
neles quando precisa. Gosta de estar na companhia deles para sair (barzinho) ou visitá-
los. Em virtude da quarentena, houve pausa nos encontros com os amigos, mas sabe
que pode contar com eles, e vice-versa. Quando resolveu procurar o psiquiatra, estava
estudando e precisando de dinheiro para a psicoterapia, os amigos se prontificaram
em ajudá-lo financeiramente. Classifica-se como sortudo por possuir bons amigos.
Dinheiro – declarou que não há como viver sem dinheiro, que fica chateado quando
deseja fazer alguma coisa, como, por exemplo, viajar, e não pode por falta de dinheiro.
Considera a profissão de autônomo difícil, relembrou do contexto de serviço público
em que tudo é mais fácil, o salário está na conta todos os meses – ao contrário do
ofício da advocacia, pois o salário varia consideravelmente em todos os aspectos.
A namorada se prontificou em ajudá-lo financeiramente, caso ele opte por se preparar
para concurso. É péssimo em administrar e guardar dinheiro, se ganha R$10.000,00
gasta tudo muito rápido, não sabendo como resolver os problemas financeiros do
próximo mês. O irmão do meio está administrando o dinheiro dele, evitando gastar
com o que é supérfluo. Não consegue distinguir o que é preciso (necessário) com o
que não é na hora de gastar, se está com vontade de gastar, vai e gasta.
95
Unidade IV | Prática da psicoterapia junguiana – análise construtiva de casos clínicos
Demanda do paciente
1. Confissão.
2. Elucidação (esclarecimento).
3. Psicoeducação (educação).
4. Transformação.
96
CAPÍTULO 2
Fases do desenvolvimento analítico
(caso Animus)
Os conteúdos psíquicos expostos nas cinco sessões iniciais foram compreendidos com
base na fase confissão do processo de desenvolvimento analítico proposto por Jung,
mediante uso das ferramentas associação livre e atenção flutuante e dos seguintes
elementos teóricos junguianos: consciente, ego, inconsciente pessoal e complexos.
Com exceção da entrevista, na periodicidade das sessões em questão, Animus impôs
limitações acerca da sua visibilidade física, com exposição somente do nariz, dos olhos,
da testa e do cabelo. Sublinhamos que o analisando apresentava-se ao setting analítico
deitado em sua cama, com o cabelo bastante desgrenhado, bocejando e, quase sempre,
declarando cansaço. Passava boa parte da madrugada em claro, buscando compensar
a insônia com filmes ou jogando videogame. Conseguia dormir apenas na manhã do
outro dia e, muitas vezes, acordava restando poucos minutos para iniciar a sessão de
análise.
97
Unidade IV | Prática da psicoterapia junguiana – análise construtiva de casos clínicos
99
Unidade IV | Prática da psicoterapia junguiana – análise construtiva de casos clínicos
100
Prática da psicoterapia junguiana – análise construtiva de casos clínicos | Unidade IV
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CAPÍTULO 3
Animus inconsciente:
estudo de caso Carla
De acordo com Stein (2006, p. 25), “ao conteúdo inconsciente responsável pelas
perturbações da consciência deu Jung o nome de complexos”.
Jung (2015, p. 98) declarou que o inconsciente coletivo é comum a todos, “[...] pode
distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência
à experiência pessoal, não sendo, portanto, uma aquisição pessoal, ... é constituído
essencialmente de arquétipos”. A título de explanação, “[...] o conceito de arquétipo,
que constitui o correlato indispensável da ideia do inconsciente coletivo”.
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Prática da psicoterapia junguiana – análise construtiva de casos clínicos | Unidade IV
Entrevista inicial
Carla, 32 anos, casada há sete anos, não tem filhos, ocupa o cargo de técnico
administrativo em seu trabalho e cursa Psicologia. Os pais são casados e tiveram três filhos.
Convive quinzenalmente com a enteada (menor de idade), já com o enteado (maior
de idade) os encontros são esporádicos. Procurou atendimento terapêutico em virtude
de fortes sintomas de ansiedade e de angústia; por apresentar conflitos na relação com
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Unidade IV | Prática da psicoterapia junguiana – análise construtiva de casos clínicos
Se a mãe liga e pergunta se ela está bem, tal abordagem soa como mentira, sente muito
forte isso, pois a mãe sempre fala coisas pesadas para magoá-la. Conseguiu identificar
na psicoterapia que uma é o reflexo da outra, por exemplo, quando precisa da mãe
e não consegue a atenção materna, adota a mesma postura quando a mãe precisa de
sua atenção; “vira e mexe” as duas discutem. Decidiu se afastar da mãe como forma
de impor limites, mas sofre muito com isso. Às vezes, deseja falar ou visitar a mãe,
porém resolve não ir ao encontro dela – esse contexto a faz sofrer. Considera o pai
omisso, passivo, sem voz ativa, de comando, de controle em casa, mas consegue ter
diálogo saudável com ele.
104
Prática da psicoterapia junguiana – análise construtiva de casos clínicos | Unidade IV
O trabalho – encontra-se descontente com a função que ocupa e o trabalho que realiza,
se considera totalmente desnecessária no que faz, mas não pode deixar de trabalhar.
Possui várias ideias e projetos, mas não consegue colocá-los em prática, sente-se
paralisada, ao invés de se posicionar e abraçar as intenções que surgem. Descreve esse
cenário como padrão. Enfatizou que a procrastinação é um grande problema em sua
vida. Declarou apresentar dificuldades em finalizar tarefas, projetos. Sentar-se para
trabalhar é sinônimo de agonia, de sentimento ruim. Essa realidade vem se intensificando
pelo fato de que precisa trabalhar, mesmo sentindo algo ruim.
Carla, esposo e ex-cônjuge dele – relatou que se depara sempre com muitos problemas
entre o marido e a ex-cônjuge dele. Definiu a relação com os enteados como boa,
acumula sentimento de mágoa pela ex-esposa do marido – embora não tenha tido um
problema direto com ela. Tentou mudar esse sentimento, mas ainda não conseguiu
gestar a situação. Fez declarações positivas com relação ao esposo, pois o considera um
excelente marido e pai. Diz que pega as dores das pessoas para si, mas considera ter
obtido evolução nesse contexto. Faz indagações a si mesmo sobre o quanto acha legal
ou não quando a ex-cônjuge do marido deixa transparecer nas redes sociais que possui
uma vida perfeita, bem como por meio do que os filhos falam dela. Informou que se
acostumou “mais ou menos” com essa realidade, se esforçando saber menos sobre a
vida da ex-cônjuge do marido. Reforçou que é a mesma coisa de todos viverem mal,
e ela viver sempre bem. Mas, ao mesmo tempo, informou que hoje consegue separar
um pouco as coisas.
Espiritualidade – professou por muito tempo a fé católica, é simpatizante da doutrina
espírita e de cultos evangélicos.
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Unidade IV | Prática da psicoterapia junguiana – análise construtiva de casos clínicos
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Prática da psicoterapia junguiana – análise construtiva de casos clínicos | Unidade IV
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Unidade IV | Prática da psicoterapia junguiana – análise construtiva de casos clínicos
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Prática da psicoterapia junguiana – análise construtiva de casos clínicos | Unidade IV
Considerações finais
A teoria e a prática da psicologia analítica fomentam o encontro da(o) analista com
a(o) analisanda(o), entre duas faces e uma moeda. As faces são almas com gêneses
diferentes e funções dispares no setting analítico junguiano; a moeda, os complexos.
Dessa forma, se configurou a psicologia analítica clínica nas primeiras vivências com
a prática.
Ao mesmo tempo, quão vital é para a(o) analista (re)conhecer seus dramas e mazelas
pessoais, suas feridas psíquicas, os complexos que se eternizaram em sua alma, cônscia(o)
de que os referidos podem surgir no cenário analítico mediante a exposição e a conexão
com os complexos da(o) analisanda(o). Igualmente, ao deparar-se projetivamente
com a sombra, a persona e as personalidades subjetivas anima e animus que, por sua
vez, compõem o elenco atuante do palco psíquico da(o) analisanda(o). A análise é
constituída por uma relação bilateral de inconscientes entre analista e analisanda(o).
Onde há vida, a psicologia analítica deve estar. A proposta de Jung possui caráter
transcendente, essência universal, pois a clínica junguiana também é a clínica da escuta
das cidades marcadas por relações sociais que constituem o sujeito que se apresenta
na transferência. A psicologia analítica contém sentido e meta que se propõem a
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Unidade IV | Prática da psicoterapia junguiana – análise construtiva de casos clínicos
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PARA (NÃO) FINALIZAR
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REFERÊNCIAS
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Referências
WHITMONT, E. C. A busca do símbolo: conceitos básicos de psicologia analítica. São Paulo: Ed.
Cultrix, 1969.
ZWEIG, C. Ao encontro da Sombra. O potencial oculto do lado escuro da natureza humana. São
Paulo, SP: Cultrix, 1994.
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