Janaína Quintas Antunes
Janaína Quintas Antunes
Janaína Quintas Antunes
(PUC-SP)
SÃO PAULO
2017
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
(PUC-SP)
SÃO PAULO
2017
Banca Examinadora
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Aos meus professores e alunos.
Figura 14: Sam Arthur manuseando o livro “Worse things happen at sea”………………………….287
Figuras 16 e 17: “Wild animals of the north” livro educativo sem gênero relançado pela editora Flying
Eye para atingir o público infantil........................................................................................................289
Sumário
RESUMO ................................................................................................................................................7
ABSTRACT .............................................................................................................................................8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES..................................................................................................................9
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 13
CAPÍTULO 1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA CULTURA NOBROW: ORIGEM E CONCEITOS
................................................................................................................................................................ 18
1.1 O HÍBRIDO HIGHBROW-LOWBROW CAMINHANDO PARA O NOBROW ............................. 19
A nova diagramação da cultura .......................................................................................................... 24
1.2 CONTEXTUALIZAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS HISTÓRICAS DA CULTURA NOBROW ...... 26
1.2.1 A autoria ...................................................................................................................................... 32
1.2.2 O artista........................................................................................................................................ 35
1.2.3 A arte ............................................................................................................................................ 41
1.3 SOBRE CONCEITOS E TERMINOLOGIA................................................................................... 43
1.3.1 Conceitos Nobrow ........................................................................................................................ 45
1.3.2 Nobrow e a cena contemporânea da arte e da cultura ............................................................. 47
1.3.3 Nobrow como o “pós-pós-modernismo” ................................................................................... 47
1.4 CONCEITOS DE “CULTURA” ..................................................................................................... 49
1.5 A CONSTRUÇÃO DE NOVAS CULTURAS: CRIATIVIDADE ................................................. 53
1.5.1 Processos Criativos ...................................................................................................................... 54
1.5.1.1 (In)definições de linguagens, mídias e gêneros.......................................................................... 57
1.5.1.1.1 Apropriação ............................................................................................................................ 58
1.5.1.1.2 Isolamento ............................................................................................................................... 59
1.5.1.1.3 Diálogos e interação ............................................................................................................... 60
1.5.2 Classificar o inclassificável ........................................................................................................ 64
1.5.3 Ambiente: processos criativos e influência cultural no espaço físico e no ciberespaço ......... 67
CAPÍTULO 2. HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO DOS SÉCULOS XX E XXI: O CAMINHO
ATÉ A COMUNICAÇÃO NOBROW ................................................................................................ 70
2.1 VISÃO GERAL ............................................................................................................................... 70
2.1.1 Two-Step Flow ou teoria dos efeitos limitados ou do paradigma vigente ............................... 71
2.1.2 Escola de Frankfurt ................................................................................................................... 78
2.1.3 Enzensberger e a teoria da apropriação contracultural dos meios de comunicação ............ 81
2.1.4 Walter Benjamin e a reprodutibilidade técnica ....................................................................... 86
2.1.5 Um outro contraponto à indústria cultural: Jesús Martín-Barbero ...................................... 88
2.1.6 Teorias da comunicação e comunicação Nobrow...................................................................... 89
2.2 COMUNICAÇÃO, CULTURA E GLOBALIZAÇÃO .................................................................. 90
2.3 COMUNICAÇÃO NOBROW .......................................................................................................... 91
TIC......................................................................................................................................................... 91
CAPÍTULO 3. CARACTERIZAÇÕES DA CONTEMPORANEIDADE E SUAS RELAÇÕES
COM O NOBROW ............................................................................................................................... 94
3.1 CIBERCULTURA ........................................................................................................................... 94
3.1.1 Ciberespaço ................................................................................................................................. 99
3.1.2 Glocalidade ................................................................................................................................ 102
3.1.2.1 A condição glocal, o tempo real e o espaço ............................................................................. 108
Bunker glocal ....................................................................................................................................... 119
3.1.2.2 A imergência e superação do território físico .......................................................................... 124
3.1.2.3 Circulação, fluxo e influência cultural na cibercultura ............................................................ 127
3.1.2.4 Nobrow como consequência..................................................................................................... 129
3.1.3 Dromocracia .............................................................................................................................. 130
3.1.4 Simulacro ................................................................................................................................... 139
3.2 HIBRIDISMO, CIBERCULTURA E NOBROW .......................................................................... 149
3.2.1 Hibridismo: esclarecimentos e necessidade de nomeação de seus processos ...................... 158
3.2.2 Processos de hibridação: hibridação, mestiçagem, sincretismo e crioulização.................... 163
3.2.3 Descritivismo e categorização .................................................................................................. 170
3.2.3.1 Identidade ................................................................................................................................. 175
Representatividade e identidade na cibercultura ................................................................................. 187
3.2.4 Sincretismo e ubiquidade ......................................................................................................... 190
3.2.5 Inclassificalismo e além-hibridismo ......................................................................................... 202
3.3 INTERNACIONALIZAÇÃO ........................................................................................................ 204
3.3.1 Globalização ............................................................................................................................... 206
3.3.1.1 O efeito da globalização nas culturas locais: etnologia ............................................................ 214
3.3.1.2 O efeito da globalização na hibridação e na estraneidade: antropologia ................................. 218
3.3.2 Diferença e diversidade cultural: desorientação e identidade ............................................... 226
3.3.3 O fluxo cultural, a evolução do hibridismo e a desterritorialização ..................................... 237
CAPÍTULO 4. APURAÇÃO DA CULTURA NOBROW: ANÁLISE DE ARTISTAS E OBRAS
.............................................................................................................................................................. 243
4.1 VISÃO GERAL ............................................................................................................................. 243
4.1.1 (In)definição da arte e o papel da crítica ................................................................................ 244
4.1.1.1 Arte na sociedade dos mass media: a emancipação, a libertação e a crise na estética ............. 254
Consequências das novas mídias na arte ............................................................................................. 262
4.1.2 Morte e definição da arte .......................................................................................................... 265
Hiperestética ......................................................................................................................................... 269
4.1.3 Arte e aceleração ...................................................................................................................... 271
4.2 ANÁLISE DE OBRAS E ARTISTAS NOBROW ......................................................................... 272
4.2.1 Manu Maltez .............................................................................................................................. 273
4.2.2 Javier Gonzalez Vega ................................................................................................................ 277
4.2.3 The Nook – Syed Asad Ali ........................................................................................................ 280
4.2.4 Anish Kapoor ............................................................................................................................ 283
4.2.5 Editora Nobrow ......................................................................................................................... 285
CAPÍTULO 5. A INSUFICIÊNCIA DAS TEORIAS DE ÉPOCA CONTEMPORÂNEAS
DIANTE DAS TENDÊNCIAS NOBROW ........................................................................................ 290
5.1 TEORIAS DE ÉPOCA................................................................................................................... 294
5.1.1 Modernidade e pós-modernidade ............................................................................................ 312
5.1.2 Pós-modernidade ...................................................................................................................... 313
5.1.2.1 Outras visões acerca da pós-modernidade................................................................................ 338
5.1.2.2 Legitimação na pós-modernidade e além ................................................................................. 347
5.1.3 Hipermodernidade .................................................................................................................... 350
Cultura-mundo ..................................................................................................................................... 356
5.1.4 Modernidade líquida ................................................................................................................. 375
5.1.5 Supermodernidade .................................................................................................................... 382
5.2 A FALÊNCIA DA CRÍTICA NO ADVENTO DO NOBROW ..................................................... 402
5.2.1 A crise na estética ...................................................................................................................... 405
5.2.2 Politização e autonomia da arte na cibercultura .................................................................... 410
CONCLUSÃO .................................................................................................................................... 425
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 432
13
INTRODUÇÃO
Nobrow foi a expressão cunhada pelo jornalista John Seabrook (2001) e posteriormente
utilizada por Peter Swirski (2005) para caracterizar esta nova tendência da cultura: a tendência
de uma cultura independente de hierarquias sociais.
Essa mistura de tendências highbrow e lowbrow deu origem ao que seria chamado de
hibridismo – e não apenas a um de diversos fatos que seriam chamados de hibridismo –, e este
impulsionaria o surgimento da estética cultural denominada Nobrow ou, poderíamos dizer, uma
cultura sem categorização. Nobrow é a evolução do hibridismo vinda da interatividade típica
da cibercultura, caracterizada como uma cultura interativa digital em tempo real.
Objetos culturais inclassificáveis, em geral, são isolados – ainda que em bunkers glocais,
conforme veremos no decorrer desta Tese –, justamente por essa sua própria natureza, eles
acabam não conseguindo integrar-se a um único movimento. Esses objetos podem ter existido
há milênios, mas somente os surgidos na contemporaneidade se integram à cultura Nobrow, já
que essa se originou exclusivamente tendo em vista a vigência da cibercultura, o que torna a
estética Nobrow completamente típica deste milênio.
Por certo, os objetos culturais Nobrow não estão necessariamente vinculados ao digital
e ao interativo; eles não estão obrigatoriamente no ciberespaço. O Nobrow não necessariamente
passa pelo ciberespaço, entretanto, na condição glocal da sociedade contemporânea, ele tende
14
a passar pela rede virtual. Contudo, cada obra Nobrow foi influenciada pelos traços da
cibercultura, cada uma recebeu, por meio do ciberespaço, influências diretas ou indiretas de
outras obras e artistas do mundo inteiro.
Nobrow é a nova estética dominante deste século e, como tal, marca o novo período
histórico da cultura atual. Essa perspectiva será conjecturada por análises de objetos culturais,
e pela apuração dessa estética nas artes plásticas, na literatura, na performance e na música.
Dados esses fatores, o corpus desta pesquisa, tendo em vista o caráter representativo
que se pode atribuir a algumas obras de determinados artistas, constitui-se de cinco artistas –
de cinco países diferentes – e do conjunto de suas obras, incluindo um artista de origem
brasileira, para que assim seja proporcionada pequena amostra cuja análise representará a
confluência global de características do Nobrow. São eles: Manu Maltez (Brasil), Javier
Gonzalez Vega (Ilhas Canário), The Nook – Syed Asad Ali (Paquistão), Anish Kapoor (Índia)
e a Editora Nobrow (Reino Unido).
A sociedade e a cultura se encontram em nova fase, que não se encaixa mais dentro das
definições pós-modernistas. Nobrow é o nome dessa nova era da humanidade, é o “pós-pós-
modernismo”. Nobrow é um fenômeno mundial, consequência da falta de aplicabilidade das
antigas divisões da cultura em highbrow e lowbrow, bem como da defasagem de sentido e de
termos. Devemos compreender e aceitar o fato de que tanto essas definições da arte, como “pós-
modernista”, quanto a denominação de nosso Zeitgeist como “pós-modernidade” estão
ultrapassadas e não se aplicam mais à arte e à cultura. Tomamos a pós-modernidade como base
devido ao fato de esta ser a teoria de época mais largamente aceita academicamente; entretanto,
também serão tratadas outras teorias acreditadas como vigentes por linhas teóricas diversas,
como a modernidade, a hipermodernidade, a neomodernidade, a modernidade líquida e a
supermodernidade. Nobrow se colocaria como categoria substitutiva para pensar esse novo
tempo.
Em suma, como vários autores têm considerado a cultura pós-moderna como vigente
até hoje – ainda que o pós-moderno e outras teorias de época não consigam mais abranger certas
características da atualidade, como aquelas anteriormente abordadas –, esta Tese tem como
objetivo caracterizar e redefinir as estruturas da cultura atual como Nobrow, determinar sua
abrangência, fundamentando-a em detalhes e com grande consistência. Demonstraremos
também de que maneira e até que ponto a cultura Nobrow une internacionalmente diferentes
movimentos culturais e artistas isolados localmente, a sua abrangência – já que Nobrow diz
respeito ao isolamento local de artistas, os quais, contudo, estão unidos internacionalmente via
ciberespaço. Nobrow é a união de tudo na indeterminação; é a possibilidade de categorização
de obras que, na cultura contemporânea, são inclassificáveis; é aquilo que abrange obras e
movimentos inclassificáveis disseminados por todos os continentes por meio do ciberespaço.
16
Pinheiro, Rüdiger, Trivinho, Virilio e Zizek. No campo da arte, a pesquisa será baseada em
Levey e Lucie-Smith1.
A história da cultura do século XXI ainda não está sendo profundamente escrita e
caracterizada, e ela não deve continuar prosseguindo sem rumo.
1
As obras dos autores aqui mencionados encontram-se citadas ao longo desta Tese e podem ser encontradas no
tópico “Referências”.
18
CAPÍTULO 1.
CONTEXTUALIZAÇÃO DA CULTURA NOBROW: ORIGEM E
CONCEITOS
(LIPOVETSKY)
2
ČAPEK, Karel. War with the newts. Chicago: Northwestern University, 1996.
Seabrook (2001) declara que o início do Nobrow se deu em 2000, conforme também
atestado por esta pesquisa. Já Swirski (2005), discordando, declara ver tendências Nobrow nos
anos 60, fator este que o fará ser tomado tanto como ponto contrastante quanto como evidência
dos primórdios do Nobrow: o hibridismo na cibercultura que se desenvolvia justamente nessa
época.
Era recorrente achar que um indivíduo, ao ficar mais velho ou mais rico, iria aos poucos
abandonando seu gosto por rock para apreciar ópera, por exemplo. A partir das pesquisas de
opinião e da disseminação da informação em geral, foi possível descobrir a existência de
diferentes interesses dentro de uma mesma classe social ou faixa etária.
entretenimento barato e espetáculos comuns que constituíam a cultura de massa”. Cultura era
algo a que devíamos aspirar, ela era centrada em algo, havia uma perspectiva sobre sua
importância e sobre sua qualidade. Importava-se muito com o “legítimo” e com o “elitismo” na
cultura.
Essa busca pela cultura de elite moldou as artes da aristocracia, como as artes plásticas,
o balé, a literatura. Mas a divisão de uma mesma categoria em highbrow ou lowbrow veio aos
poucos, quando se começou a perceber que a aristocracia também desenvolvia um gosto, por
exemplo, pelo jazz; até que, aos poucos, ela também se abriu para o pop, e assim por diante. A
aristocracia começou a se interessar pelas estrelas de Hollywood, e não apenas pela família real
britânica. A própria natureza da cultura estava mudando. Poucos continuavam a se importar
com o melhor que havia sido produzido e pensado.
Kant defende que existem dois tipos de gosto, o gosto pelo agradável e o gosto pelo
belo, e defende a importância de distinguirmos os dois. De acordo com Kant (2009, p. 90), “o
homem de gosto não pode julgar adequadamente sem ter suas necessidades básicas satisfeitas.
Apenas quando os homens têm tudo o que desejam podemos diferenciar na multidão os que
têm gosto ou não”. Anteriormente, o gosto era baseado em privilégio. Não era nada
extraordinário o fato de os antigos juízes do gosto serem privilegiados, seria extraordinário se
não o fossem. Mas era o privilégio uma razão para suspeitar dos juízes do gosto? Nas raízes
latinas da palavra “cultura”, verifica-se o sentido de algo que é, deve ser, ou foi cultivado. Já
no alemão, kultur, cultura é a grande conquista artística, intelectual e/ou religiosa de uma
civilização. Verifiquemos o ponto de vista de Ortiz sobre cultura:
— Ausência de refinamento;
— Falta de sensibilidade estética apurada;
— Ignorância;
— Conservadorismo;
— Estupidez.
Aquele que sustenta um gosto, dado como uma realidade ainda não percebida
por aqueles que o contestam, atribui-se qualidades positivas e superiores:
percepção sofisticada, abertura ao novo, sensibilidade aguçada, formação
adequada, cultura etc. Ao outro, o que não compartilha os seus julgamentos,
atribui todas as qualidades negativas imagináveis. O senso comum percebe
nisso duas situações:
1) uma obra é boa quando satisfaz um público amplo;
2) uma obra é boa quando satisfaz um público restrito (críticos).
Ou seja, uma obra é boa quando funciona. Em outras palavras, uma obra é boa
quando alguém a vê como tal e a defende nalgum tipo de arena. Tudo isso é
óbvio. A questão relevante, porém, aparece no momento em que,
estabelecido o conflito de julgamentos, pretende-se “decidir”. Como fazer? A
decisão é sempre parcial, embora, consideradas as forças em confronto, haja
sempre uma imposição capaz de durar um certo tempo. Não é possível chegar
a um consenso. Se alguém não gosta de James Joyce, por uma das tantas
razões existentes, ninguém poderá objetivamente ver nisso um erro. (SILVA,
2009, p. 56).
Realmente, ninguém jamais pôde, pode ou poderá ver isso como um erro. Esse ponto
nas discussões de gosto não muda. Porém, com toda a mencionada reviravolta nos conceitos de
highbrow e lowbrow, e com toda a nova diagramação da cultura resultante (de acordo com o
detalhamento a seguir), tais formas de desqualificação e/ou qualidades positivas e superiores
atribuídas perdem completamente seus parâmetros.
O novo desafio surgido nos anos 90 do século XX foi a maneira como as instituições
culturais, como museus e bibliotecas, poderiam deixar entrar a nova cultura comercial do
mercado, fazendo com que seus espaços continuassem a atrair pessoas, sem diminuir a
autoridade moral da instituição, sem retirar desta sua designação de “juiz de gosto”
excelentemente qualificado. Tornou-se, assim, necessário distinguir, classificar em highbrow
ou lowbrow a cultura comercial que estava sendo consumida, ao invés da prévia distinção entre
cultura de elite e cultura comercial, quando a qualidade era o padrão de valor. A partir desse
momento, no entanto, a autenticidade se tornou o padrão, o status é conquistado por
preferências que atravessem as antigas delimitações hierárquicas. Lipovestky, ao falar da
cultura-mundo (aprofundada no subcapítulo 5.1.3.1), dá exemplos das adaptações das
instituições culturais:
Isso não se aplica somente aos artistas e às galerias de arte, mas também aos
museus, que passaram a ser geridos como empresas, atraindo ''em massa'' os
24
LOWBROW (embaixo)
25
A diagramação antiga da cultura hierárquica era restrita, apenas com pequenas fugas por
parte da aristocracia da cultura highbrow para aproveitar brevemente um pouco de lowbrow e
vice-versa. Mas essa diagramação era considerada necessária para proteger os “artistas de
verdade” (SEABROOK, 2001) dos perigos da comercialização da cultura, do mercado. Terry
Eagleton explana a diferenciação entre hierarquia e elitismo – expressões muitos confundidas
e consideradas conexas, confusão esta responsável pela crença desembasada na mencionada
necessidade:
Contudo, o mercado, esse novo chefe, era de certa maneira mais permissivo, pois, pela
primeira vez, o artista estava livre para escolher seus assuntos, ainda que, em relação a muitas
outras áreas, o mercado se mostrasse tirânico e imperdoável. O mercado não era educado nem
sensível aos altos padrões artísticos, dessa forma, alguns artistas foram bem-sucedidos em
agradar esse novo mestre, mas o fizeram comprometendo sua qualidade.
26
O sistema da arte, nesse seu estado contemporâneo, demonstra não ser mais aquele
sistema que prevaleceu até recentemente; ele é o produto de uma alteração de estrutura de tal
ordem que não é mais possível julgar nem as obras nem a produção delas de acordo com o
antigo sistema.
Assim se deu a sucessão para a cultura Nobrow e sua diagramação. Tornou-se necessária
uma distinção entre os “artistas de verdade” e todos os outros, assim como era necessária uma
distinção entre a “arte legítima” (SEABROOK, 2001) e a arte capitalista produzida em massa.
A noção de cultura evoluiu para Nobrow para satisfazer essa necessidade. Seabrook comenta
que:
Para Adorno e Horkheimer (1970), eliminava-se aquela cultura popular que tinha um
sujeito capaz de indignação traduzida em sua arte, na sua cultura popular. Traduzido nesta
estava, também, aquilo que seria a sua vida, sua cultura. A cultura de massa não teria um sujeito,
ela entrega pronto, ela industrializa a cultura popular e não aceita mais a originalidade dessa
cultura. Ela entregaria um outro tipo de cultura, uma cultura-produto. Os autores consideram
que tanto a cultura erudita quanto a cultura popular foram sabotadas em função de uma
linguagem medial chamada “cultura de massa” (de acordo com o aprofundamento feito no
capítulo 2), de modo tal que se perdeu a cultura erudita e também se perdeu a cultura popular.
O que granjeou o sucesso de tal linguagem medial hegemônica passa a ser chamado de “cultura
de massa”. Mas cultura de massas feita PELAS massas ou PARA as massas? A indústria
cultural não é senão a união de diversos ramos mediáticos que tratavam a cultura como
mercadoria.
Isso deixa claro que as massas, tais como aqui encaradas, são um fenômeno
cujo aparecimento se deve à ação concatenada de media autoritários, isto é,
que se relacionam com a sociedade por uma estreita via de mão única, não
prevendo espaço para elas senão como espectadoras perfiladas na periferia dos
centros massificantes de produção cultural, ainda que lhes sejam abertas
28
O artista continuou a lutar contra essa suposta “oposição de dimensões”, a favor de tal
“verdadeira conciliação”.
Segundo Adorno e Marcuse, não foi isso, porém, o que ocorreu na sociedade
tecnológica avançada. O que houve foi um rapto da arte por sedução
instrumental dessa sociedade, uma cooptação sutilizada da cultura (entendida
na acepção de produções do espírito) pela técnica, ao arrepio da liberdade e
da transcendência. A junção dos dois polos se realizou como se fosse algo
natural, espontâneo, livre de problemas. Justificou, com efeito, a mobilização
da categoria da crítica por parte dos teóricos de Frankfurt: nenhuma dissuasão
factual poderia prosperar porque se tratava, claramente, do que eles nomearam
como "falsa conciliação". Se a arte era, fundamentalmente, sublimação de
pulsões, como Marcuse a entendia, então a sociedade tecnológica avançada,
incorporando-a, instaurava não uma dessublimação normal, mas uma
dessublimação repressiva [...] visto que se fazia - como a expressão o indica -
de modo forçoso, por meio da coação técnica. Uma "conciliação verdadeira"
não se realizaria através desse processo. (TRIVINHO, 2001b, p. 155-156).
Independentemente dessa conciliação ter sido falsa à época da fala de Adorno, hoje, no
advento da cultura Nobrow, ela não é, justamente devido à mudança radical na diagramação da
cultura indicada anteriormente.
29
Durante a segunda metade do século XX, a cultura hierárquica começa a desabar. Por
um lado, tudo foi muito rápido, como aconteceu no momento em que Andy Warhol divulgou,
em 1962, seu quadro com a lata de sopa estampada3 e, por outro, foi muito lento e gradual, já
que a cultura hierárquica foi aos poucos sendo abandonada por seguidores highbrow, cuja
curiosidade foi sendo despertada em torno da variedade da cultura comercial que estava sendo
divulgada. Críticos, editores, curadores, todos se esforçaram muito para preservar a separação
entre cultura highbrow e lowbrow, mas acabaram sendo ultrapassados pela força da cultura pop.
Toda uma geração de “juízes” cuja autoridade estava em manter a distinção entre cultura
comercial e cultura de elite foi aos poucos sendo extinta, e uma nova geração de “marqueteiros”
surgiu em seu lugar, cuja autoridade era sua capacidade de empurrar certo conteúdo a certos
nichos. “São incorporados mais colecionadores, conservadores de museus tradicionais e
marchands. As mudanças na relação de consultados, que expressam as modificações na luta
pela consagração artística, geram outros critérios de seleção.” (CANCLINI, 2003, p. 57).
3
cf. LIPOVETSKY, 2011, p. 87-88. Esta citação encontra-se na página 35 desta Tese.
30
É claro que os vínculos do mundo da arte com o mundo econômico nada têm
de efetivamente novo. Contudo, entramos numa nova etapa. Agora, na cultura-
mundo, o conluio entre arte e dinheiro é total, chegando às raias do paroxismo.
Desde o século XIX, o universo moderno da cultura foi concebido em torno
da manifesta oposição entre a alta cultura e a cultura de massa, entre a cultura
''pura'' e a cultura comercial, entre arte e sistema de mercado. De um lado, uma
forma de cultura baseada na curta duração dos produtos, no marketing -
portanto, uma cultura regida pelas leis gerais da economia. De outro, a arte e
a literatura de vanguarda que obedecem a lógicas opostas, ou seja, a uma
espécie de processo antieconômico (valorização do sentido de abnegação,
desdém e ojeriza ao caráter comercial). Essa dicotomia radical desaparece a
olhos vistos em meio a uma autêntica profusão de redes financeiras, de
marketing e de comercialização generalizada. Na atualidade, a porção
''romântica'' da arte, isto é, aquilo que se afirmava como realidade autônoma e
antagônica em relação aos valores de ordem econômica, eclipsou-se. A bem
dizer, o universo da cultura cessou de ser um reduto isolado do mundo, um
mundo à parte, "um império incrustado num império''. Em vez disso, passou
a ser estruturado pelas próprias leis que regem o sistema midiático e
econômico dominante. (LIPOVETSKY; JUVIN, 2012, p. 15-16).
Tudo isso descreve uma pequena, mas muito importante, mudança, saindo do gosto
individual, indo em direção à autoridade do mercado. O processo em direção a tal mudança é
descrito por Trivinho:
Dessa maneira, quando chegamos aos anos 90, a noção de que a cultura highbrow
constituía algum tipo de realidade superior já estava praticamente descartada. O significado da
palavra cultura mudou: o que antes era algo ortodoxo, dominante e singular, se voltou para um
senso mais antropológico, um senso de cultura como práticas de um ou mais grupos.
Toda essa mudança no “processo” da cultura nos traz consequências também em outros
sentidos. O mercado também aumentou a possibilidade de os próprios artistas se autoapoiarem.
A tecnologia, a internet e o ciberespaço tornaram possível a diminuição da distância entre o
artista e sua audiência, seus possíveis consumidores. A lógica por trás da proteção contra a
cultura popular se perde ainda mais.
Segundo Seabrook (2001, p. 71), “quando alguém pudesse dizer confiantemente que o
mercado sufocou os artistas avant-garde (que, por definição, eram pessoas além da
compreensão popular), então poderia dar seu total apoio para artistas que não estariam dentro
do que estivesse em voga”. Mas quando a mídia se tornou tão abrangente que até mesmo esses
artistas avant-garde poderiam se tornar parte da cultura em voga, a situação mudou. Diante
desse novo cenário, Japiassu (2001, p. 8) declara que “seja ‘belo’ ou ‘feio’, o que apresenta a
mídia é recebido na passividade, na inércia e no conformismo, impedindo os indivíduos de
exercitarem seus pensamentos na abertura do imprevisto, às ideias novas, ao questionamento
das certezas estabelecidas e à necessidade de mudar seus modos de ser, pensar e agir”.
32
[...] A mudança política foi importante por determinar o declínio da última das
grandes utopias, ainda nascida no século XIX: o socialismo. Segue-se a
consequente descoberta de um imenso tesouro artístico mantido nos porões
das ditaduras por décadas. A vanguarda russa, a vanguarda tcheca, polonesa,
húngara, sérvia, romena, eslovena, etc. passaram a interessar ao Ocidente. Já
a tecnologia absorveu e incorporou numerosos procedimentos da vanguarda
histórica, a começar pela técnica da colagem (o “cut and paste”, o cortar e
colar) que hoje faz parte de qualquer sistema operacional de computador. Mais
ainda, novos gêneros híbridos como o videoclipe passaram a “antropofagizar”
todo o repertório da Modernidade, desde o cinema pioneiro de Georges Mèlies
até o Surrealismo, o Dadá, o Futurismo, a arte concreta, enfim, não há limites
nessa linguagem. Além disso, a facilidade da reprodução/transmissão de
dados em escala planetária e os recursos criativos dos programas engendraram
todas as condições para a multiplicação dos interesses em torno dos vários
fenômenos da arte moderna. (AGRA, 2004, p. 162).
1.2.1 A autoria
Mesmo nas redes, em seu atual estado da arte, a interatividade permite acessar
informações a distância em caminhos não lineares de hipertextos e ambientes
hipermídia; enviar mensagens que ficam disponíveis sem valores
hierárquicos; realizar ações colaborativas na rede; experimentar a
telepresença; visualizar espaços distantes; agir em espaços remotos; coexistir
em espaços reais e virtuais; circular em ambientes inteligentes através de
sistemas de agentes; interagir em ambientes que simulam vida e se auto-
organizam; pertencer a comunidades virtuais com interação e imergir em
ambientes virtuais de múltiplos usuários. (SANTAELLA, 2009, p. 108).
Diversos autores, entre eles os exemplos mais célebres, Roland Barthes (1972) e Michel
Foucault (2012), vêm professando que o Autor morreu. Webmasters que produzem hipertextos
casam textos e escritores em configurações (como o grande exemplo da Wikipedia) as quais
estes últimos jamais poderiam ter previsto e talvez nunca tivessem autorizado. Questões sobre
a autoria desses novos supertextos orbitam divisões culturais e categorias estéticas que se
tornaram ou estão a caminho de se tornar Nobrow.
Por outro lado, ao observar a indústria editorial, percebemos que os verdadeiros desafios
da autoria vêm dos novos direcionamentos e ferramentas utilizados pelas editoras, como
fábricas e fórmulas de ficção, romancizações de textos, publicação via mala direta ou
multimídia. São desafios à autoria, mas em relação à morte do livro em si, as estatísticas nos
34
mostram o contrário; talvez exatamente devido a essas novas ferramentas, o número de livros
publicados e vendidos apenas aumenta.
Não há uma relação direta entre quantidade e qualidade no mundo editorial, ao menos
não já estabelecida, e muito menos no mundo artístico. Porém, há uma crença geral de que,
antigamente, livros costumavam ser escritos porque os autores tinham algo a dizer e, hoje em
dia, eles são escritos para que o autor descubra se tem algo a dizer.
Ainda assim, a literatura, a arte e a música popular sempre foram, têm sido há anos e
continuam sendo alvo de constantes críticas e bombardeios de ansiedade social. Praticamente
toda a tradição crítica sempre foi contra essas, as quais, contudo, cresceram exatamente devido
ao fato de que grande parte do seu público receptor passou a ignorar os juízes do mercado e os
críticos, uma consequência da cultura Nobrow.
Vou defender agora a hipótese de que não há muito sentido estudar esses
processos "desconsiderados" sob o aspecto de culturas populares. É nesses
cenários que desmoronam todas as categorias e os pares de oposição
convencionais (subalterno/hegemônico, tradicional/moderno) usados para
falar do popular. Suas novas modalidades de organização da cultura, de
hibridação das tradições de classes, etnias e nações requerem outros
instrumentos conceituais. (CANCLINI, 2003, p. 283).
Nobrow é toda aquela arte desconsiderada por não se encaixar, e sua emergência traz o
desmoronamento de todas categorias e binarismos.
Mas independentemente dessas teorias, tudo mudou no cenário Nobrow. Talvez, nesse
novo cenário, a visão que melhor nos caberia sobre onde se encontra a autoria seja a de Eco,
que toma o ponto de vista não desta, mas do conteúdo, da forma e do significado em relação a
ela:
[...] As disputas sobre termos como conteúdo, matéria e forma são destituídas
de significado. Conteúdo da obra é a própria pessoa do criador, que, ao mesmo
tempo, se faz forma, pois constitui o organismo como estilo (que pode ser
reencontrado a cada leitura interpretante), modo com o qual uma pessoa
formou-se na obra e também modo com o qual e pelo qual a obra consiste.
Assim sendo, o próprio sujeito de uma obra não é outra coisa senão um dos
elementos nos quais a pessoa expressou-se fazendo forma. (ECO, 2016, p. 15,
grifo do autor).
1.2.2 O artista
Os artistas, que recebiam ordens de produtores, agora recebem ordens dos marqueteiros.
Essa proliferação de canais para divulgar a criatividade, de um número maior de canais de
televisão a cabo a portfólios online, deu uma nova vantagem para artistas, escritores e diretores
em suas brigas com os detentores de capital. Uma nova era de individualismo então veio e
trouxe uma grande explosão de produção cultural sem precedentes. Cada novo filme produzido
é capaz de atingir de maneira barata uma audiência de centenas de milhares.
barreiras para entrar na indústria cultural deixaram de existir, de maneira que o número de
pessoas entrando nessa indústria multiplicou. A tecnologia fez com que publicações ou
gravações em pequenas redes se tornassem muito mais baratas, não sendo mais necessário
utilizar uma editora ou uma gravadora, na medida em que se pode escrever e publicar seu livro
ou gravar um CD dentro de seu próprio quarto. Como há a possibilidade de mais pessoas
produzirem arte, mais pessoas o fazem, e assim o mercado fica inundado de produções. No
entanto, tal modelo de diversidade pode ter o efeito de provocar o vazio intelectual e reduzir a
vida no mundo à tagarelice.
Há muita produção, muita arte, muitos artistas, filmes, livros, bandas e assim por diante
na cultura Nobrow. Os artistas verdadeiros e importantes agora têm que competir com os artistas
“amadores-desocupados” (SEABROOK, 2001). Dessa maneira, o desafio não é mais criar arte,
mas sim achar um produtor, um distribuidor, que possa diferenciá-la de todo o resto. É claro
que se pode fazer um filme independente, mas o grande desafio é achar um distribuidor para
ele, quando este não se encaixa em nenhuma categoria. É claro também que os marqueteiros
refinam, cada vez mais, essas categorias, mas os antigos métodos de inspiração criativa não
mudaram, não melhoraram. É uma época mais favorável para a arte do que para os artistas, pois
a competição traz a melhora do produto, mas dificulta o reconhecimento do autor. Há um novo
esquecimento por parte dos artistas: colocar-se verdadeiramente em questão e autocriticar-se.
Assim, anteriormente, a arte feita para as massas e a arte feita para uma audiência culta
eram bem separadas e distintas uma da outra. Agora a cultura está dentro do “contexto de não
ter contexto”, a cultura Nobrow. Trivinho, ao mencionar Benjamin, dialoga e sinaliza toda uma
38
ideia sobre a representabilidade da arte e sobre como uma obra traduz seu ambiente social-
histórico:
No início dos anos 40 do século passado, Benjamin [...] demonstrou que a obra
de arte, ao ser tecnicamente reproduzida em série, resta despojada de sua aura,
isto é, do fator histórico que lhe garante a unicidade no espaço e no tempo e,
portanto, a autenticidade e autoridade como fundação original. […] importa
ressaltar […] que a arte, ao ser diretamente incorporada ao processo de
produção, despoja-se de seu caráter representacional. Esta expressão
conceitual não abrange uma função sociocultural que se esgota na lógica
operativa de um espelho: refletir fielmente o real-lema que foi o do realismo
na esfera da pintura, ancorado em técnicas perspectivísticas do espaço
formalizadas no Renascimento italiano; e que ainda é o da fotografia,
especificamente nos casos em que seus usos sociais (seja, por exemplo, no
âmbito do jornalismo ou do aparelho policial, seja no universo das práticas
familiares) se norteiam, no que tange à relação com a época e com a categoria
do controle, exclusivamente por objetivos de registro cotidiano, de
documentação, de geração de memória. A expressão conceitual em questão
implica, antes, uma função representativa em geral, na direção de um desvelar
algo sobre o real, de certa maneira e a partir de certa visão ou sensação de
mundo. Num afresco de tipo tradicional, por exemplo, as figurações
apresentadas mantêm com o real um certo distanciamento; ipsis literis, podem,
por isso, evocá-lo. Com a proposição de sua temática, com suas combinações
e tons cromáticos, com a perspectiva a partir da qual as figuras e/ou cenários
são aludidos, com sua relação com o espaço, com o tempo, com a(s) técnica(s),
com o suporte e suas limitações, enfim, com suas possibilidades e
constrangimentos, um quadro fala ou faz falar, obviamente, o real social-
histórico que o enreda e o constitui, ou contém, no mínimo, um conjunto de
indícios que levam a repensar esse real, ao mesmo tempo que, mais
prosaicamente, fornece inúmeras informações sobre as condições
psicoemocionais do artista durante o processo de criação e sobre os
procedimentos estéticos e a natureza dos materiais empregados para a
consecução da obra. (TRIVINHO, 2001a, p. 170-171).
Porém, novamente, com a cultura dentro do “contexto de não ter contexto”, a cultura
Nobrow, não é mais possível traçar ou identificar claramente tal “real social-histórico que o
enreda e o constitui” (TRIVINHO, 2001a, p. 171). Ou seja, na cultura dentro do “contexto de
não ter contexto”, isso se aplica não apenas ao “fazer” arte, mas também ao “analisar”, “criticar”
arte. Umberto Eco, nesse sentido, fala sobre a análise estética de obras através de duas
abordagens, porém sempre considerando-se seu contexto. A grande transcendência da questão
a seguir indicada por ele é o “contexto de não ter contexto” da cultura Nobrow:
Hoje, já nem podemos dizer qual seria tal “contexto original”. A primeira via
mencionada não se aplica à arte Nobrow, já que não é mais possível identificar a origem, o
“mundo” de determinada obra. A segunda via pode ser possível se se levar em consideração o
fenômeno Nobrow, a contemporaneidade do “contexto de não ter contexto”; do contrário, ela
se torna a mencionada “via de incompreensão”, que apenas agrava o “quadro sem referências”
mencionado e promove a perda de diversas obras devido ao crescente números de artistas e de
sua produção.
Entre esse grande número de artistas, o talento continua raro como antes, e como
marqueteiros estão sempre à procura de produções independentes para suprir a demanda por
conteúdo autêntico, muitos artistas que eram bem-sucedidos como independentes acabaram
caindo no mercado antes de estarem maduros o suficiente para isso. Acerca desse cenário,
Seabrook (2001, p. 79) pontua que “A arte independente vende, mas o preço pelo qual é vendida
é o preço da independência”. O antigo conceito do artista, aquele que tinha toda uma jornada
para se tornar o que era, desapareceu. Não se tem mais o direito de ingressar em uma jornada
no veloz mundo contemporâneo, ou você simplesmente é brilhante agora, ou está
simbolicamente morto para o mercado.
O processo corporativo começa a ditar o que sempre foi uma arte dirigida
individualmente. As corporações agora estão por trás de grandes produções, patrocinando a
Broadway, por exemplo; porém, não apenas patrocinando, também direcionando seu conteúdo
para desenvolver os seus interesses no público. Não estamos apenas introduzindo novos artistas
40
no mercado, não no sentido de descobrir um artista pelo o que é, pelo seu talento, mas sim
introduzindo um novo produto. A capacidade do artista de criar uma contestação interna e um
questionamento de suas próprias ideias foi perdida, como menciona Hilton Japiassu:
O Nobrow, contudo, também criou uma chance para os artistas que estão entre a
produção independente e a fama. Os artistas e autores que estão nesse meio-espaço – medianos,
bons, mas não brilhantes, consistentes, mas não espetaculares – puderam manter sua produção
graças à cultura Nobrow. Não apenas artistas medianos, mas muitos artistas geniais se perdem
por não serem reconhecidos pelo mercado, assim, as mencionadas “vozes abafadas” podem
voltar à tona. “Os artistas não devem dar expressão ao conteúdo da época. São eles que devem
outorgar conteúdo a essa época” (MORAIS, 1998, p. 23). E é com a convivência entre os artistas
que produzem sob os ditames do mercado e os artistas marginalizados cuja produção
inclassificável o mercado não consegue compreender ou reconhecer que se dá a era Nobrow,
que se outorga conteúdo a esta época.
1.2.3 A arte
A arte de fato ganha com uma produção maior, contudo, na cultura Nobrow, seria
possível a confecção de uma obra de tal peso como Fausto, de Goethe? O palco da cultura
Nobrow é este início do século XXI, um momento em que se valorizam produção e velocidade;
o contrário do que a arte requer: tempo, reflexão, tranquilidade e espaço.
Este é o novo regime da arte: enquanto atrai um vasto público, dá vida a muitas
atividades comerciais ligadas a elas, ocupa as páginas das revistas, consagra
estrelas, torna-se ela própria empresa e objeto de especulação. Levada pelo
mercado, torna-se arte-mundo, arte no mundo. Se isso a torna acessível a
todos, ao mesmo tempo contribui para confundir sua imagem, criando um
efeito complementar de desorientação. O que parecia, de fato, escapar à lógica
mercantil e constituía para muitos um último refúgio - o mundo puro, gratuito,
transcendente mesmo, da Beleza - alinha-se cada vez mais às leis gerais do
mundo mercantil, midiático e consumista. Daí as novas cruzadas lançadas para
restaurar a autonomia perdida da cultura, para protegê-la de seus desvios
42
Para “bancar o jogo da diferença”, ao qual a crítica não está acostumada, ela precisa se
libertar das amarras da homogeneização às quais está acostumada, para assim poder ajudar o
público geral a fazer o mesmo. Assim sendo, em resposta à nossa indagação inicial, no nosso
mundo contemporâneo, no qual há tanta informação sendo produzida e consumida, e com o
resultado vindo disso sendo a nossa necessidade de constantemente mudarmos do trivial para o
importante de um segundo para o outro, sem conseguirmos nos orientar em meio a tudo isso,
um texto como Fausto poderia até ser produzido, mas dificilmente alcançaria tamanho impacto.
Diferentemente das obras elevadas que continuam a comover os homens através dos
séculos, a cultura de massa cria produtos estritamente efêmeros, feitos para não durar, apenas
para o consumo e os lazeres instantâneos. Se a cultura é o que escapa ao desgaste do tempo
criando obras eternas, a cultura de massa não merece o nome de cultura: ela nada mais é que
uma das peças do universo mercantil, generalizando o transitório e o perecível, a facilidade e o
imediatismo consumistas. Incapaz de criar obras que resistam à prova do tempo, essa não
cultura é uma anticultura (cf. ARENDT, 1989).
Mesmo a cultura Nobrow escapando desses questionamentos em relação à cultura de
massa, infelizmente os efeitos resultantes são os mesmos: Fausto não alcançaria impacto, não
duraria, pereceria diante da imediatez consumista. Preocupantemente, uma cultura tão rica
43
quanto a Nobrow – com enorme potencial para “escapar ao desgaste do tempo criando obras
eternas” – pode acabar “Incapaz de criar obras que resistam à prova do tempo”, pode se tornar
uma “anticultura” simplesmente devido ao mencionado despreparo da crítica e,
consequentemente, do público em entender, compreender e internalizar o Nobrow.
Toda vez que a questão da representação e/ou da definição entra no campo da crítica da
ficção popular e da erudição, principalmente no espaço intermediário entre essas, “algo similar
a uma Hidra de sete cabeças nos é apresentado, formada por um grande caldeirão de posições,
oposições, suposições e presunções, reformuladas e reconfiguradas em suas versões críticas”,
como caracteriza Swirski (2005, p. 13). Essa enorme combinação resulta em um produto final,
em algo similar a uma enciclopédia ou, ainda melhor, a uma lista telefônica: uma interminável
descrição, uma listagem de nomes e atribuições.
É muito fácil nos perdermos em big data ou rodeados por livros e mais livros, em
bibliotecas inteiras de material sociológico, filosófico, crítico-literário e crítico-artístico sobre
a cultura e sua história. Ainda assim, se faz necessária uma tentativa de encontrar uma visão
panóptica a ser alcançada por uma abordagem ocasionalmente seletiva a certos teóricos
individualmente, isoladamente, e a certas variantes individuais isoladas da propagação de suas
teses, buscando chegar a um conceito, a uma definição, sem restringi-lo a uma única palavra e,
ao mesmo tempo, sem tornar este subcapítulo um mero dicionário de citações e definições.
Desse modo, por meio da análise de conceitos e de suas definições, buscaremos alcançar
perspectiva e clareza para discutirmos a repercussão dessa nova estética Nobrow. Em um
momento histórico de divisões disciplinares e, consequentemente, de visões limitadas, há uma
grande necessidade de colocarmos uma visão interdisciplinar, panorâmica. Em um papel de
críticos, buscaremos deixar “pré-conceitos” e “pré-definições” de lado, na busca do verdadeiro
julgamento. Uma síntese crítica não necessariamente implica redundância, apenas reforço,
44
assim como a releitura de um bom gancho literário não precisa implicar uma perda de tempo,
mas sim uma recaptura de insights anteriores.
Tudo isso se destina a sinalizar a nossa consciência para as dificuldades que cercam
essas distinções e definições e nossa necessidade de passar por cima dessa análise, em nome do
tamanho aceitável desta Tese e para evitar transformá-la em um dicionário, sendo que nosso
objetivo neste momento é analisar o conceito de Nobrow, e não o uso diário de todas as outras
terminologias. No final, devemos chegar à conclusão de que a questão da visão pessoal, do
gosto e do uso desses conceitos não será muito diferente entre cada pessoa e não influenciará a
utilização que cada indivíduo faz deles. Novamente, nosso objetivo é analisar a mudança da
diagramação da cultura anteriormente mencionada, e não o uso pessoal de definições, o qual é
distinto até mesmo por características da era Nobrow. Constituem-se ainda como nossos
propósitos contribuir para um debate sobre os padrões culturais atuais e futuros e proporcionar
uma compreensão maior da maneira como a cultura lowbrow e a cultura highbrow têm se
recombinado e evoluído em cultura Nobrow.
45
Por outro lado, Peter Swirski introduz uma nova ótica, contraditória à de Seabrook e à
desta Tese: “Em contradição com os estudiosos que, particularmente após o livro de John
Seabrook de 2000, identificaram a cultura Nobrow como contemporânea, meu argumento é que,
nas primeiras décadas do Século XX, a distinção popular-highbrow na literatura já havia
dissolvido em arte Nobrow” (SWIRSKI, 2005, p. 51). Swirski inicia assim seu argumento de
que a origem da cultura Nobrow, mesmo que ainda não denominada, se dá no início do século
XX, e não no início do século XXI, pois já se iniciava uma distinção dos conceitos na literatura.
Dentro desse seu ponto de vista, ele não considera a cibercultura como aspecto importante para
o Nobrow – sendo que essa é uma ótica singular e específica desta Tese – e tampouco diferencia
Nobrow de hibridismo, como o faz Seabrook e também as hipóteses desta pesquisa, em que
atestamos que o Nobrow é a evolução do hibridismo, um “além-híbrido” (conforme
desenvolvido no subcapítulo 3.2.5).
46
Ainda assim, tal visão de Swirski pode providenciar respaldo para a hipótese desta Tese
de que os primórdios do Nobrow estão juntos ao nascimento da cibercultura, mesmo que esses
só viessem a se originar no século XXI. Para Swirski (2005), dentro da cultura Nobrow e, assim
sendo, fora das fórmulas, o artista projeta um oxímoro Nobrow, um híbrido de alto modernismo
e arte popular. A recusa em se encaixar no molde (consciente ou inconscientemente) é
precisamente o que é tão interessante, até mesmo ao combinar a forma popular com conteúdos
sociofilosóficos e mesmo com paródias autodescontruídas. Dessa forma, podemos montar algo
demasiado literário para o mainstream e muito lowbrow para o literário e que ainda assim é
capaz de pagar um tributo intertextual para toda uma escola literária ou artística. Esse pode vir
a ser um grande modelo Nobrow, apenas necessitando, apenas em busca de um sinalizador
desse fato e desse conceito:
A conclusão a que o autor (2005, p. 12) chega é a seguinte: “Mediar para frente e para
trás entre o intelectual e o popular mostra que a única coisa estéril resultante são as categorias
socioestéticas que não podem acomodá-los”.
Esse é o grande desafio da arte e da cultura Nobrow: a sua própria essência “não
categorista”, inclassificável. Muitas vezes, esse grande avanço trazido do “cruzamento” entre
popular e erudito se perde, ou faz perder uma grande obra de arte ou de literatura, meramente
pela falta de uma categorização para poder defini-la, para poder vendê-la. Talvez o novo
conceito de Nobrow, a categorização de uma obra em “não categorizada”, ainda que sendo uma
antítese, ajude essas grandes obras a ganharem o espaço perdido por mísera falta de definição.
(MORAIS).
Em um tempo em que todos estão sem rumo e/ou não sabem por onde estão trilhando,
o artista não pode contar com os historiadores e críticos para definir a época atual, de maneira
que ele deve ser seu próprio definidor, deve ser um pesquisador que reflete sempre sobre seus
caminhos e suas obras. O artista dessa nossa nova era não pode ser um mero artesão, ele tem
que ser seu próprio historiador. Todo artista deve também ser um intelectual.
Ainda assim, mesmo com a necessidade do artista de levar sua obra independentemente
da ajuda de historiadores e críticos, observamos que, sim, estes últimos se fazem mais
necessários do que nunca, principalmente para que o público e o mercado possam acompanhar
o desenvolvimento tanto dos artistas quanto dos próprios críticos e historiadores.
Nobrow é mais democrático, inclusive, dentro da esfera dos consumidores. Vimos que
a tecnologia e a comunicação proporcionada pela internet tornaram possível a diminuição da
distância entre o artista e sua audiência, seus possíveis consumidores. Vimos também que o
artista é mais livre e que a arte sempre irá ganhar com uma produção maior. Assim sendo, como
mencionado anteriormente (subcapítulo 1.2.2), no público, há um efeito preocupante da cultura
Nobrow: ela pode torná-lo perdido ou, no mínimo, desnorteado devido à falta de definições e
guias, o que são características do Nobrow, ainda mais, se considerarmos uma produção tão
demasiada. Entretanto, esse é um efeito que é facilmente superado pelo trabalho de críticos e
historiadores que se faz extremamente necessário em uma situação como essa. E com um
público tão disposto, a arte Nobrow tende a crescer, espalhar-se e divulgar-se extremamente.
O século XXI se tornou a cultura Nobrow, que está altamente propagada, ainda que não
percebida. A arte e a cultura não estão sendo propriamente classificadas/nomeadas, não há
divulgação nem conhecimento do novo termo chamado Nobrow, não há consciência desse fato.
48
Essas teorias são insuficientes, cada uma delas não compreende totalmente nossa época
(conforme será demonstrado em mais detalhes no capítulo cinco desta Tese). Não é um atestado
da existência ou da não existência da pós-modernidade, por exemplo, ou confirmação de
estarmos ou não em tal ou outra época, mas é justamente a natureza do Nobrow: da mesma
maneira que ainda existe um artista de estilo surrealista em algum lugar do mundo hoje, também
existe um artista renascentista e outro Nobrow conjuntamente. Portanto, a questão atual é a
impossibilidade de uma nomeação única, da generalização de todo um movimento artístico ou
de toda humanidade em uma categoria. Por mais que isso possa ser afirmado em relação a
qualquer época anterior, ainda assim era possível se obter uma maioria. A era de tendências
Nobrow se constitui em individualismos, microgrupos e microculturas que jamais atingem
percentual quantitativo considerável. Sempre houve exceções à regra de cada tempo; mas uma
maioria, tendências únicas, já não são mais possíveis.
que é cultura em si, as práticas comunicativas, que são culturais. Cultura passa a ser tudo o que
nos envolve. Se tudo é cultura, se tudo é signo, tudo comunica. Na nossa contemporaneidade,
Nobrow é a teoria que faz a ligação entre os estudos culturais e as teorias comunicacionais.
Já Terry Eagleton introduz a ideia de cultura de T. S. Eliot: “O que ele entende por
cultura, [...] é antes de tudo, o que os antropólogos entendem: o modo de vida de um
determinado povo vivendo junto em um certo lugar" (EAGLETON, 2011, p. 159). Essa visão
de Eliot já está superada, haja vista que a cultura não necessariamente é denominada pela
geografia. “Em outras ocasiões, contudo, a cultura como um termo valorativo parece
predominante na sua mente” (EAGLETON, 2011, p. 160) referindo-se à fala de Eliot: "A
cultura pode mesmo ser descrita simplesmente como aquilo que faz a vida valer a pena ser
vivida" (ELIOT, 1949, p. 27). E continua: “ao passo que, flutuando entre esses dois
significados, está um sentido de cultura como todo o complexo das artes, usos e costumes,
religião e ideias de uma sociedade, o qual pode ser posto a serviço de qualquer uma das duas
definições. A cultura de uma sociedade, em certo ponto, é aquilo que faz dela uma sociedade”
(EAGLETON, 2011, p. 160), entretanto, contraditoriamente, Eliot registra em outro momento
que é possível prever um período "do qual é possível dizer que não terá nenhuma cultura"
(ELIOT, 1949, p. 19); não contradizendo a si mesmo, mas explorando deliberadamente a
ambiguidade da palavra, por exemplo, ao falar da "transmissão hereditária da cultura dentro de
uma cultura" (ELIOT, 1949, p. 32). Para ele, a cultura "nunca pode ser totalmente consciente -
existe nela sempre mais além daquilo de que estamos conscientes, e ela não pode ser planejada
porque é sempre o pano de fundo inconsciente do nosso planejamento” (ELIOT, 1949, p. 94),
“A cultura nunca pode ser trazida inteiramente para a consciência, e a cultura da qual estamos
totalmente conscientes nunca é a totalidade da cultura" (ELIOT, 1949, p. 107).
Já para Eagleton:
Para fazer jus à marca registrada de "pós-moderno", entretanto, algo mais era
necessário. O que se sentiu que foi alterado não foi apenas o conteúdo da
cultura, mas o seu status. Era a sua influência transformadora nos outros níveis
da sociedade que importava, não apenas o fato de que ela estava cada vez mais
presente. (EAGLETON, 2011, p. 177).
O que estava acontecendo no âmbito cultural em tal período, nas palavras de Fredric
Jameson, era:
Nesse ponto da discussão, Mattelart (2005) toca num ponto importante e fundamental
da cultura Nobrow: “identidades múltiplas, mas à luz da igualdade”. Nesse sentido, a cultura,
para Mattelart, como uma área de competência específica reivindicada pela Unesco, ganhou
maior densidade institucional no decurso dos anos noventa, com a promulgação de inúmeros
52
As instituições como família, igreja, escola, entre outras ocupam uma posição
importante ao apontar desde cedo para as crianças as diferenças que nos
caracterizam em todos os sentidos, sem contudo perder de vista as práticas
pedagógicas que se orientam pelos princípios da diversidade cultural de modo
a garantir a igualdade entre todos. Ninguém deve ser visto como inferior. A
visão multicultural passada para as novas gerações é que garantirá o
desenvolvimento o respeito as identidades plurais. O que se observa é que não
são apenas documentos que vão acabar com as representações sociais
construídas historicamente por séculos. Mas desde que sejam criadas, já
representam um grande passo na luta pela equidade, pois são resultado das
lutas que se travam para se chegar a paz. Educar para uma convivência plural
e diversa é condição primeira. Não é fácil conviver com as diferenças
culturais, mas é possível salientar a riqueza que a diversidade cultural pode
representar para um país. Aceitar as diferenças requer o reconhecimento de
que existem indivíduos e grupos distintos entre si, mas que não se anulam ou
se excluem em termos de direitos iguais e de oportunidades correlatas que
garantam a afirmação de suas identidades e da existência com dignidade
humana. A diversidade cultural pode ter um papel central no desenvolvimento
(GIORA, 2015, p. 32-33).
Precisamos, dessa forma, que todas as instituições passem essa visão multicultural a
cada nova geração e a todas anteriores, pois necessitamos voltar a compreender a diversidade,
53
Cada um de nós, como seres humanos, temos interiorizadas essas questões processuais,
que são absolutamente gerais. Mas as questões com as quais nos deparamos são justamente as
de desvendar qual a tendência, qual o projeto que está em jogo, qual é o contexto de produção,
qual a situação, o momento histórico, o diálogo que você estabelece etc. São nessas indagações
que nós vamos encontrando as singularidades, mas não é no sentido intelectual que teremos
essa separação. O sensível e o intelectual são fronteiras muito discutidas no campo de processo
de criação, todavia não são eles que nos ajudarão no campo da definição, da reflexão. Quando
colocamos essa amplitude do processo de criação como nosso interesse, já estamos
automaticamente trabalhando com várias fronteiras, com vários níveis de indefinição de
fronteiras. Podemos tomar diversos pontos de vista nessa discussão, entre eles, o ponto de vista
das mídias, das linguagens e dos gêneros.
Quanto ao ponto de vista das mídias e das linguagens, temos a interligação das mídias,
a indefinição, a inter-relação e a não definição. Tomemos como exemplo a publicidade digital
e o jornalismo digital, que já partem disso e já são eles próprios ampliações em si. Neles já não
existem as fronteiras, as passagens de um para o outro.
pela própria natureza das mídias digitais. Estamos falando de movimento e não de objetos
estáticos. As mídias não são a questão, e sim os diálogos estabelecidos.
Tudo isso é uma resposta processual para uma insatisfação diante da (in)definição do
gênero. Para não fecharmos esse campo, é muito melhor pensarmos em campos de
possibilidade, não em um versus o outro, em dicotomias. Estamos sempre fazendo
representações, de tal ou qual modo, sem ainda não termos nome. Contudo, podemos falar do
que é feito. Nesse sentido, segundo Morin (2011), na “contemporaneidade macro”, em que não
temos gêneros determinados, podemos muito mais pensar em “interações do que em
segmentações”.
57
A definição do que é a arte é sempre dada previamente pelo que ela foi outrora,
mas apenas é legitimada por aquilo em que se tornou, aberta ao que pretende
ser e àquilo em que poderá talvez tornar-se. [...] O ter-estado-em-devir da arte
remete o seu conceito para aquilo que ela não contém. [...] A arte só é
interpretável pela lei do seu movimento, não por invariantes. Determina-se na
relação com o que ela não é. (ADORNO, 1970, p. 13).
Dessa maneira, após análise sobre as indefinições das fronteiras de gênero, chegamos
ao Nobrow: temos que focar em como lemos esses novos processos, e não em defini-los. O que
nos cabe é entender seu modo de ação. Não necessariamente deve haver um projeto em comum
a cada época, a cada localidade e contemporaneidade. É necessário haver um novo crítico que
se abra para as possibilidades, ou senão ele simplesmente declarará o quanto um objeto não é
arte, o quanto este não é determinado tipo, gênero, arte ou cultura. O crítico se coloca em uma
posição normativa, extremamente fechada, decidindo o que entra ou não entra em determinada
classificação. Não é questão de qualidade, da velha discussão sobre o que é ou deixa de ser arte,
mas sim de se abrir para o que está acontecendo. Trata-se de conseguir sair das segmentações
das pré-definições, pois, caso contrário, as novas obras Nobrow inclassificáveis do século XXI
simplesmente não entrarão, não se encaixarão em definições e, assim, se perderão.
Não é suficiente falar de um aspecto independente dos outros, ou valorizar um mais que
o outro; eles estão interligados, são conceitos em rede.
58
1.5.1.1.1 Apropriação
1.5.1.1.2 Isolamento
Cecília Salles, em seu capítulo no livro Pontes móveis: modos de pensar a arte em suas
relações com a contemporaneidade, destaca o pensamento de Colapietro:
Nem mesmo aquilo que é tecido no âmbito das culturas urbanas não pode ser lido
isoladamente (muito menos considerando-se o ciberespaço). Ao discorrer sobre diferentes
culturas, Pinheiro (2004, p. 16) afirma que as cidades que “[...] abrigam no seu interior um
número maior e crescente de culturas tem de aumentar sua capacidade de tradução, acelerar a
imbricação entre códigos, textos, séries e sistemas, afinar a complexidade estrutural, a sintaxe
combinatória das intersemioses”.
60
Exatamente o poder da cultura Nobrow: por meio do ciberespaço, ela junta muito mais
elementos dispersos, e isso é a mencionada inovação do modo como os elementos foram
colocados juntos.
A partir do momento que nós deixamos de ser influenciados apenas pelo que veio
temporalmente anteriormente a nós, bem como pelo ambiente, pelo nosso local, novos
processos criativos surgem. De uma maneira ou de outra, sempre fomos influenciados por
épocas muito anteriores às nossas e por outros locais, mas não de maneira direta. O que a
cibercultura veio transformar foi o modo como essas interações acontecem. A “cibercultura
equivale a um capital social de sobrevivência cultural na fase globalitária do capitalismo”
(TRIVINHO, 2012, p.75). A partir dela, pudemos ser diretamente influenciados por obras,
artistas e movimentos de todas as épocas e todos os lugares sem sairmos de nosso isolamento
físico local. O Nobrow se tornou uma tendência no século XXI justamente por causa do sujeito
“isolado” localmente. Por mais isolado fisicamente que ele esteja, seja trancado em um quarto,
seja sozinho em uma ilha, ele ainda assim está em rede, especialmente considerando-se o
ciberespaço. Ele se apropria do mundo, sua materialidade se dá na localidade do sujeito isolado.
O si mesmo é pouco, mas não está isolado; é tomado numa textura de relações
mais complexa e mais móvel do que nunca. Está sempre, seja jovem ou velho,
homem ou mulher, rico ou pobre, colocado sobre os ''nós'' dos circuitos de
comunicação, por ínfimos que sejam. É preferível dizer: colocado nas
posições pelas quais passam mensagens de natureza diversa. E ele não está
nunca, mesmo o mais desfavorecido, privado de poder sobre estas mensagens
que o atravessam posicionando-o, seja na posição de remetente, destinatário
ou referente. Pois seu deslocamento em relação a estes efeitos de jogos de
linguagem (compreende-se que é deles que se trata) é tolerável pelo menos
dentro de certos limites (e mesmo estes são instáveis) e ainda suscitado pelas
regulagens, sobretudo pelos reajustamentos através dos quais o sistema é
afetado a fim de melhorar suas performances. Convém mesmo dizer que o
sistema pode e deve encorajar estes deslocamentos, na medida em que luta
contra sua própria entropia e que uma novidade correspondente a um ''lance''
não esperado e ao deslocamento correlato de tal parceiro ou de tal grupo de
parceiros que nele se encontra implicado, pode fornecer ao sistema este
suplemento de desempenho que ele não cessa de requisitar e de consumir.
(LYOTARD, 2002, p. 28-29).
62
Como natureza das interações da cultura, Morin (1992) sinaliza justamente a ideia de
ações recíprocas; menciona que a interatividade modifica a natureza ou o comportamento dos
elementos envolvidos, no momento que um age sobre o outro, gerando algum tipo de
modificação. Para ele, a interação cultural é condição de encontro, agitação, turbulências; e ela
torna as inter-relações, associações, combinações, comunicações em certas condições que dão
origem a fenômenos de organização.
Não podemos definir o coletivo, temos que entender de que coletivo estamos falando.
Também não conseguimos dizer se um coletivo (simplesmente algo que não é individual) é ou
não é um real coletivo (um grupo com características únicas). Dentro do nosso mundo
interconectado da cibercultura, ninguém está isolado, estamos unidos pelo ciberespaço, porém,
isolados em nossos bunkers glocais (de acordo com a definição a ser explanada no subcapítulo
3.1.2.1).
Mesmo um autor ou artista que sai de um local completamente isolado, sem tecnologia
ou conexão com o ciberespaço, a partir do momento que, por um lado, ele publica; por outro
lado ele é influenciado/dialoga com algo ou alguém, pois ele deixa de estar isolado, ele está em
rede. Se um escritor, por exemplo, define que está fazendo romance e não conto, ele já tem uma
história, tem todas essas camadas de diálogos implícitas. Além de tudo, se ele desejar se tornar
público (não necessariamente para ter sua obra comercializada, para entrar no mercado), ele
terá que dialogar com algum tipo de edição (até mesmo se tomar a decisão de editar a si mesmo).
São decisões tomadas pelo artista/autor que nos levam a afastar essa ideia de isolamento. Mas
de que modo se dão essas interações, qual o processo de produção?
poderoso e isolado. Mas hoje, principalmente, todo sujeito é comunidade, é um sujeito em rede,
o que não elimina o sujeito individual, não elimina sua individualidade. Ele existe e também
tem, em meio a essas conexões, o seu espaço de manifestação da subjetividade. Precisamos sair
dessa dicotomia e pensar nessa complexidade, bem como no fato de ambos existirem, serem.
Dessa maneira, conseguimos avançar epistemologicamente nessa discussão.
Novamente reiteramos que a ideia não é classificar porque estaríamos indo contra a
própria questão. O problema, pois, da definição é justamente que ela fecha, restringe. É
necessária uma perspectiva crítica de abrir-se para o que está acontecendo. Não é o “classificar”,
e sim o “mapear”. A arte e a crítica não devem ser classificatórias, mas devemos refletir sobre
como pensar essas obras para podermos falar delas. Geram-se tendências e não fechamento.
Devemos aprender a analisar o sistema da arte de acordo com essa nova tendência atual,
ou com essa nova falta de estrutura; pois isso se faz impossível se nos basearmos em parâmetros
que já não se aplicam mais, fato este que está sendo observado pela falha dos críticos e
historiadores atuais em fazê-lo. Conforme mencionado previamente na introdução, eles não
estão preparados para lidar com a indefinição de fronteiras que nos traz muito mais
possibilidades que a restrição de categorias.
Mesmo tendo sido amplificada no século XXI, essa questão esteve presente desde
sempre. Podemos mencionar, nesse aspecto, as cartas de Van Gogh, nas quais são mencionados
diversos artistas, o que mostra a grande cadeia de arte na qual ele estava inserido. Por meio
desses documentos epistolares, sabemos que o pintor dialogava com seus contemporâneos e
declara não querer ser chamado de impressionista, explicando que estava fazendo algo diferente
(afirmação típica do diálogo com contemporâneos). A análise dessas cartas é um estudo que
pode focar justamente o diálogo da arte de Van Gogh com todas as artes, assim como pode
focar o seu diálogo com linguagens, ou mesmo com teorias do conhecimento, entre outros, já
que a arte não se comunica somente com a arte.
Muito mais do que hoje em dia, havia as funções dos manifestos artísticos: condições
que eram impostas a um projeto, e com base nelas alguma figura de autoridade definia se o
66
artista se encaixava ou não dentro do manifesto. Havia, por outro lado, muitos artistas – como
Frida Kahlo, que não queria ser enquadrada como surrealista – que acabavam sendo rotulados
como algo que não concordavam.
Uma artista quer ser lido, assistido, aceito; isso é o fundo de aceitação do classificalismo,
é o contrário do artista de gaveta. E por que ele é de gaveta? Porque renuncia ao público. É
necessário envolver a identificação para pertencer, para aderir; sem, contudo, questionar (cf.
SALLES, 2006).
Outro local a ser debatido é a memória, em outras palavras, o modo como cada um
guarda o que percebeu. São os espaços para falarmos desse sujeito imerso nas redes. Estamos
falando desse sujeito imerso nas redes, que nasceu em determinado lugar, foi educado por
determinados pais, cresceu em determinada vizinhança; tudo isso encontra o espaço desse
sujeito e, ao constituir esse espaço, estamos constituindo o sujeito. Quando falamos que ele é
situado no tempo e no espaço, queremos dizer justamente que ele tem essa origem, a qual deixa
uma marca, mesmo que seja para sair de um algo para outro algo. A relação e a diferenciação
entre esse fato e a condição atemporal e ageográfica da cultura Nobrow serão discutidas no
subcapítulo subsequente 1.5.3.
Existe também a questão dos recursos e dos procedimentos atuais: são mais espaços nos
quais flagramos a manifestação da subjetividade. O interessante a ser analisado é como esse
sujeito gerencia todos esses fatores na contemporaneidade. É como pensar esse sujeito, não
saindo da dicotomia, mas abrindo espaço para pensar nele, não isolado, mas sim considerando
escolhas, critérios e todas as marcas com as quais se edita o mundo (cf. SALLES, 2006).
67
Há épocas que lidam melhor com a individualidade, com as marcas pessoais e suas
relações com o coletivo, outras, nem tanto. O Nobrow é o período cultural mais livremente
criativo, já que a sua ausência de categorização faz com que ele não esteja delimitado pelos
padrões acadêmicos.
Os novos produtos culturais e toda a nova cultura utilizam o ciberespaço como meio
para a internacionalização de culturas e sintetizam o produto criativo da confluência planetária
de características culturais. Trata-se de um fenômeno de articulação cultural simultaneamente
local e global, assim profundamente mergulhado no conceito tipicamente cibercultural de
glocalidade:
CAPÍTULO 2.
HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO DOS SÉCULOS XX E XXI: O
CAMINHO ATÉ A COMUNICAÇÃO NOBROW
Diversos teóricos e suas teorias serão citados, entretanto, especial peso será dado
àqueles cujas teses já exemplificaram fatores favoráveis à comprovação de aspectos da
comunicação Nobrow. Adorno, por exemplo, será base importante com sua teoria da indústria
cultural, com sua teoria estética, com a relação que o autor estabelece entre ambas e com a
relação que será traçada entre pontos anteriores e o Nobrow, cujo respaldo é dado por todas
essas teorias.
Os primórdios das teorias da comunicação podem datar dos anos 10/20 com a teoria do
Social Engineering, entre outras, mas o seu grande começo se deu com a Análise de Conteúdo
de Harold Lasswell (1927). A Teoria da Agulha Hipodérmica (ou Teoria da Bala, Teoria dos
Efeitos Ilimitados) surge na década de 30 como a primeira grande teoria da primeira fase da
teoria da comunicação, como base para se compreender a estruturação comunicacional da
sociedade de massa, bem como para se chegar a resultados que depois evidentemente foram
descartados, pois, logo na sequência, na década seguinte, Lazarsfeld e Katz (2006) proporiam
a Teoria dos Efeitos Limitados justamente em contraponto à teoria anterior.
O próprio nome dessa primeira teoria reflete seu conteúdo: a agulha hipodérmica entra
direto na veia, e o que entra na veia permanece para sempre no corpo; o discurso que entra nas
emoções das pessoas provoca um efeito direto e prolongado; a ampola faz as vezes dos meios
71
de comunicação. É a primeira teoria, de onde tudo surgiu. Não se pensava no feedback (criado
pela Cibernética), ainda estamos em uma etapa prévia, em que se via uma rota direcionada, sem
volta (a metáfora da bala). Nos anos 30, com Lasswell, o fundamental era o comportamento de
massas de forma dispersiva não comunicacional (a cibernética, nos anos 40, organizará o
feedback – interessada em saber como se daria a reprodução do sistema). A teoria de Lasswell
ainda não era uma teoria científica, tanto que ela não foi muito bem recebida, pois considerava-
se que ela era funcionalista demais, que a realidade não haveria de funcionar dessa maneira tão
mecânica. No entanto, ela foi um ponto de partida muito importante para a teoria da
comunicação, sendo um primeiro passo para as teorias posteriores que só a complexizaram até
chegar às teorias que focavam mais o contexto. Ela foi o embrião do esquema científico da
comunicação.
Mas justamente pouco depois dos anos 40, Lazarsfeld e Katz declararam que os efeitos
não são ilimitados, pelo contrário, eles eram muito efêmeros e não poderiam ser atribuídos ao
emissor, e sim às pessoas de um grupo que tinham função mais proeminente no campo social.
Essa teoria (dos efeitos limitados) teria uma influência de pelo menos 20 anos, para além da
escola de Frankfurt no final dos anos 40, quando Adorno e Horkheimer lançaram Dialética do
Iluminismo (1970) e propuseram a ideia de indústria cultural, que depois foi combatida pela
proposta de Indústria da Consciência de Enzensberger (1979). Enzensberger foi totalmente
contra as teses da Escola de Frankfurt, em especial, quando traz uma possibilidade mais otimista
para as visões apontadas pelos princípios da indústria cultural. Ainda assim, não
necessariamente em harmonia, essas duas teorias nos mostram sementes da comunicação
Nobrow que nasceria no início do século XXI, conforme veremos a seguir.
Two-Step Flow é uma teoria que afirma que a mudança em grupos é promovida por
indivíduos chamados de líderes de opinião. Esses indivíduos são a porta de entrada para
mudanças que influenciam os seus grupos.
Essa teoria surgiu como evolução e como contraponto à teoria da Agulha Hipodérmica,
que dizia que nós somos indivíduos passivos diretamente influenciados por tudo o que sai na
mídia; ela é superpoderosa, e o público não tem como escapar da sua influência. Já a teoria do
Two-Step Flow coloca as pessoas no meio desse processo comunicacional – um dos primeiros
sinais do Nobrow (características delineadas no capítulo 1 e a seguir). Os resultados das
primeiras pesquisas da teoria do Two-Step Flow indicaram que o efeito causado nas pessoas
pelos mass media era menor que o causado por influências pessoais, e assim houve o
delineamento e o surgimento da teoria do Two-Step Flow, conforme publicado no People’s
Choice (1948).
Em todos os campos em que a pesquisa foi realizada (eleições, cinema, moda etc.), a
maior parte das pessoas disse que o fator fundamental para uma decisão não havia sido uma
propaganda ou algo similar vindo da mídia de massas, e sim a influência de outra pessoa.
Pessoas naturalmente tendem a refletir a opinião de seus associados – primeiramente porque
tendemos a nos associar com pessoas de ideias similares às nossas, e não somente, pois nossos
grupos pessoais passam a servir como uma rede, um network de comunicação pelo qual
recebemos informações já filtradas e interpretadas de maneira similar por todos do grupo. O
grupo (classificado por Lazarsfeld como “Pequeno Grupo” ou “Grupo Primário”) é uma aliança
extremamente relevante. Indivíduos que interagem influenciam uns aos outros, e um novo
indivíduo que entra no grupo tende a adotar os hábitos e as opiniões deste. Há várias pesquisas
que apontam as razões principais desse fenômeno: os benefícios da conformidade (amizade,
aceitação), a realidade social (o que é tido como “verdade” dentro do grupo), a interação como
princípio de convergência (indivíduos que interagem dentro de um grupo frente a um problema
desenvolverão solução, regra, atitude e/ou opinião para todo o grupo; simultaneamente eles
criam uma forma compartilhada de olhar o mundo), a atração por valores compartilhados
(dividir experiências, possuir padrões compartilhados de pensamento e ação, de julgamento, de
opinião e de comportamento).
Assim sendo, o estudo dos pequenos grupos (ou grupos primários) de pessoas aos quais
um indivíduo está ligado é um passo-chave para entender opiniões e ações individuais. Focar
no grupo é a melhor maneira de atingir mudanças em indivíduos. Opiniões e atitudes são
mantidas e geradas em conjunção com outros.
74
Dessa maneira, como uma mudança adentra um grupo? A porta de entrada dessas
mudanças é o líder de opinião. Líderes de opinião têm mais interesse em determinados assuntos
e são mais abertos para sugestões de fora do grupo, assim como também são mais influentes na
implementação da ideia da mudança. São, portanto, facilitadores da mudança. Eles têm mais
contato com revistas, jornais, livros, rádio, além de exercerem grande influência sobre os outros,
mas não são necessariamente vistos desse modo. Eles se encontram em diversos níveis sociais
e econômicos e podem ser identificados em qualquer grupo. Servem, ainda, como transmissores
e reforçadores de ideias e estão mais abertos diretamente às informações e influências da mídia,
sem interferências, sem a necessidade do reforço vindo de influências pessoais.
Agora vamos adentrar mais a questão de quem são esses líderes de opinião e como eles
se comunicam dentro do grupo.
indivíduo. E há os contatos do dia a dia, as pessoas com que mais se conversa sobre o que vimos
na mídia, mas que não necessariamente têm influência.
Há três dimensões relevantes que podem servir como categorizações nas quais o fluxo
de influência interpessoal pode ser assim descrito: o ciclo da vida (idade, estado civil), o status
social e econômico (posição, classe) e a sociabilidade (habilidade social e extensão dos contatos
sociais). Vamos esclarecer essas dimensões tomando os exemplos das áreas da pesquisa:
- Ciclo de vida: esposas de famílias grandes (influência horizontal e vertical - das mais
velhas para as mais novas).
- Sociabilidade: alta.
Moda:
- Ciclo de vida: garotas jovens (influência horizontal e vertical - das mais novas para as
mais velhas).
- Status social ou econômico: status alto, influência vertical - do status mais alto para o
mais baixo - mas também horizontal, pois há líderes em todas as classes, contudo, é menor a
liderança quanto mais baixa for a classe.
- Status social ou econômico: status alto, influência vertical - do status mais alto para o
mais baixo. Exercem maior influência não apenas os mais ricos, como também os mais
inteligentes.
- Ciclo de vida.
A imagem tradicional da persuasão de massa deve abrir espaço para as "pessoas" como
um fator interveniente entre o estímulo da mídia e a mudança de opiniões e ações. O Two-Step
Flow significa mais que o simples fato de que as relações interpessoais intervêm no processo
78
de persuasão de massas. Essa teoria situa a mídia em um contexto social e coloca a sociedade
no meio do processo de transmissão e recepção; ela viu na sociedade em si um meio de
comunicação, sendo a teoria primordial para estudar o momento em que a comunicação em si
se tornou a própria cultura, a própria sociedade: a era Nobrow.
Nos anos 40, mesmo já vivendo nos Estados Unidos, Adorno e Horkheimer mantinham
suas raízes europeias; ao escreverem e publicarem Dialética do Iluminismo e nele sua teoria
sobre a indústria cultural, em 1947, eles se colocaram contra o empirismo e o funcionalismo na
sociologia norte-americana, que para eles eram tendências muito conservadoras e reacionárias.
Esse texto foi uma resposta contra essas tendências, em que os referidos autores se colocaram
sobretudo contra Lasswell e Lazarsfeld.
obscurantismos e misticismos. É o pensar que faz progresso, que traz melhora à vida humana.
O pensamento iluminista sempre teve como objetivo trazer independência ao homem e o fazer
senhor de sua razão, um indivíduo em si; mas nesse caminho, ao mesmo tempo em que ele se
tornou autossuficiente, ele também caiu em uma nova mitologia do culto à razão. O mesmo
espírito que fez o homem querer dominar a razão, dominar o mundo, também o fez querer
dominar os outros. Ao se tornar um indivíduo, nessa matematização do mundo, ele se torna
novamente igual a todos os outros, se torna massa.
Para Adorno e Horkheimer (2002), a razão que havia sido criada para iluminar os seres
humanos (e partir do iluminismo francês, para libertar o ser humano) se transformou em
mecanismo de dominação e manutenção das estruturas econômicas vigentes. Transformada em
mercadoria, a cultura no fundo não se diferenciava mais dos outros objetos tornados mercantis.
O que antes deveria libertar os seres humanos – a razão – foi apropriada pela indústria cultural,
que a utilizou para manter a consciência das pessoas dentro da lógica capitalista, da qual elas
não poderiam mais se libertar; assim, apenas lhes restando o consumo, colaborando para a
reprodução social histórica dessa mesma lógica.
Essa caricatura do estilo, contudo, diz alguma coisa sobre o estilo autêntico
do passado. O conceito de estilo autêntico se desmascara, na indústria cultural,
como o equivalente estético da dominação. A ideia do estilo como coerência
puramente estética é uma fantasia retrospectiva dos românticos. Na unidade
do estilo, [...] manifesta-se a estrutura cada vez diferente do poder social em
que o universal restava enclausurado, e não a obscura experiência dos
dominados. (ADORNO, 2002, p.13).
81
Enzensberger é um grande poeta e tradutor que fugiu de seu escopo para escrever
Elementos para uma Teoria dos Meios de Comunicação (1979), justamente por acreditar na
eficiência política da literatura e para confrontar a ideia da indústria cultural, e também para
apresentar um contraponto a esta, já que ela ia contra todas suas crenças. Originalmente
publicado no Kursbuch, em 1970, o livro é uma tomada de posição e uma tentativa de
compreender as possibilidades dos meios de comunicação. Possibilidades essas que
culminaram na era Nobrow presente.
Até aquele momento não existia uma teoria marxista dos meios de comunicação. Não
se permitia qualquer influência recíproca entre emissor e receptor; do ponto de vista técnico,
reduziam o feedback ao nível mínimo possível; só que esse estado de coisas não pode se
justificar do ponto de vista técnico, muito pelo contrário, pois a técnica eletrônica não conhece
contradição essencial entre emissor e receptor, e um exemplo básico disso é que qualquer rádio
transistorizado também é, pela natureza de sua construção, uma emissora em potencial.
Propositalmente evitavam-se avanços tecnológicos que aumentassem a possibilidade de
feedback, visto que a transformação de um mero meio de distribuição em um meio de
comunicação não oferecia qualquer problema de natureza técnica. Essa transformação era
evitada conscientemente, justificada pelas boas razões de uma má política (cf.
ENZENSBERGER, 1979).
83
A diferenciação técnica entre emissor e receptor reflete a divisão social do trabalho entre
produtores e consumidores, divisão esta que adquire uma significação política especial no
campo da indústria da consciência. Em última análise, ela está baseada na contradição essencial
entre as classes dominantes e as dominadas, entre o capital e a burocracia monopolista, de um
lado, e as massas dependentes, de outro.
A tese da manipulação serve como álibi para o isolamento e para a tolerância repressiva.
A esquerda considera os meios “sujos” e evita usá-los. Enzensberger (1979) propõe que largue
seus receios e os use, que traga uma “limpeza” em seu uso. Enquanto isso, o capitalismo tira
proveito da hostilidade da esquerda para com os meios de comunicação. Contudo, há que se
reconhecer que, por outro lado, se opondo ao receio de alguns, outros esquerdistas das
metrópoles têm grande fascínio e observam as potencialidades da indústria da consciência.
um ato político. Ele crê que toda utilização dos meios pressupõe manipulação (Adorno). Por
conseguinte, a questão não é se os meios são manipulados ou não, mas quem manipula os meios.
Toda essa consideração foi feita a partir dos media da época, ainda sem considerarem-
se todas as consequências nesse sentido, que seriam trazidas com a introdução do ciberespaço.
Com ele, as estruturas capitalistas de propriedade foram definitivamente eliminadas no
processo comunicativo da cultura mundial, todos habitantes do planeta passaram a fazer parte
do fluxo cultural e comunicacional – consciente ou inconscientemente, ativa ou passivamente,
voluntária ou involuntariamente – de forma igualitária. Foi esse envolvimento de todos, ainda
que isolados territorialmente em seus bunkers glocais (de acordo com a explicação do
subcapítulo 3.1.2.1), o fator determinante para o surgimento do Nobrow.
Os meios eletrônicos não devem seu irresistível poder a nenhum artifício ardiloso, mas
à força elementar de profundas necessidades sociais. Os interesses das massas eram um campo
bastante desconhecido, devido ao fato de que ninguém se interessava por eles. Eram
historicamente novos.
necessidades destas são falsas, convertem-se em cúmplices de um sistema que caberia a eles
combater. A participação das massas nos meios as libertará. “Participar de tudo” é o lema de
maior êxito alcançado pela indústria da consciência. Revolução cultural (cf.
ENZENSBERGER, 1979).
Enquanto a iniciativa se dever à revolução cultural, a fantasia social das massas chegará
a superar os atrasos tecnológicos e a transformar de tal modo os velhos meios que acabará por
romper-lhes as estruturas. As massas contidas abrigam imensas energias políticas e culturais e
sabem aproveitar todas as oportunidades dos novos meios de comunicação no momento de sua
liberação.
Desse modo, voltamos às críticas feitas por Enzensberger (1979) aos marxistas, que não
teriam compreendido a indústria da consciência. Para o referido autor, a noção de “indústria
cultural” e de kultur resulta de uma enorme “ilusão ótica” dos críticos da cultura, porque não
se trata de uma indústria que produz cultura, nem sequer de uma indústria que produz qualquer
coisa. Produzir não é o que lhe interessa, mas sim a mediação derivada do produto, fazendo-o
passar por aquilo que ele não é. Se a palavra “indústria” encontra em tal expressão o seu lugar,
é para sugerir que é a consciência que é induzida, instilada, mediada e reproduzida – mas não
produzida – industrialmente. Segundo essa concepção, chamar-lhe “indústria cultural” só serve
para esconder e fazer parecer inócuas as consequências verdadeiramente “culturais” do
funcionamento da indústria da consciência.
Com novos valores, temos uma nova estética. A revolução das condições de produção
na esfera da superestrutura inutilizou a estética tradicional. As teorias do conhecimento nas
quais essa se baseava tornaram-se antiquadas.
86
Nos meios eletrônicos, aparece uma relação sujeito-objeto radicalmente modificada, que
se subtrai aos velhos conceitos críticos. Na construção de uma estética adequada à nova
situação, adequada ao Nobrow, é preciso partir dos trabalhos do único teórico marxista, o qual
se deu conta das possibilidades emancipadoras dos novos meios de comunicação: Walter
Benjamin, em quem, conforme mencionado anteriormente, Enzensberger se apoiou.
Benjamin (1985) indica que, de um modo generalizado, podemos dizer que as técnicas
de reprodução desvinculam o reproduzido da esfera da tradição. Pela primeira vez na história,
a possibilidade técnica de reprodução da obra de arte emancipa-a de sua existência parasitária
como ritual. A obra de arte reproduzida é, cada vez mais, a reprodução de uma obra
CONCEBIDA em vista de sua reprodução. Sua fundamentação no ritual é substituída pela
fundamentação política. Dessa forma, a obra de arte adquire o peso de PODER SER
EXPOSTA, o que confere a ela novas funções.
Aquilo que era chamado de arte foi superado, no sentido estritamente hegeliano, pelos
meios de comunicação. Para a teoria estética, isso significa a necessidade de uma mudança
radical de perspectiva: em lugar de considerarmos a produção dos novos meios do ponto de
vista de modos de produção já antiquados, devemos analisar o produzido com os tradicionais
meios artísticos a partir do enfoque das atuais condições da produção (posição defendida e
detalhada dentro do contexto Nobrow no subcapítulo 5.2).
tempo, as engrenagens econômicas e sociais que sustentam essa estrutura possam manter-se da
mesma forma. Nessa perspectiva, a estrutura dinâmica da sociedade, no que é mais relevante,
mantém-se a mesma. Assim Martin-Barbero (2009) percebeu que o fundamental não era quem
falava, não eram as instituições que se responsabilizavam por essa fala: não era “o que” ou
“quem”, mas sim o conjunto de mediações. É necessário considerarem-se o emissor e o
receptor, mas sob o prisma das mediações, as quais não eram as dos produtos culturais nem as
dos meios comunicacionais, pois, na verdade, essas mediações seriam um elemento múltiplo
na teoria de Barbero: são mediações por todas instituições sociais, por todos discursos, por todas
estruturas dinâmicas da vida – a família, a massa presidida pelo popular, o mercado, a escola,
as instituições de modo geral etc. Nesse ponto ele encontra, também, como UMA das
mediações, a indústria cultural (ela não é A mediação como colocam Adorno e Horkheimer).
Logo nesse breve início das teorias da comunicação, tão recentes, já se discutiram desde
os modos e esquemas de transmissão até o propósito dos meios de comunicação.
Independentemente do momento em que essas teorias foram conceitualizadas, a maioria
continua extremamente pertinente. Mesmo as teorias já refutadas servem como base para as
conseguintes e, assim sendo, continuam atuais embora não aplicáveis. A teoria da comunicação
ainda é extremamente nova e, na nossa sociedade da informação hipermidiática contemporânea,
é difícil dizer que apenas uma teoria se aplica – muito pelo contrário, a teoria contemporânea
da comunicação e cultura Nobrow contém em seu cerne diversos elementos dessas teorias.
Nossa contemporaneidade é complexa demais para ser definida – é Nobrow – e devemos ter o
discernimento necessário para nos adequarmos e saber avaliar diferentes situações em
diferentes teorias (conforme discussão no subcapítulo 5.2). Hoje, mais do que nunca, não existe
uma teoria universal e conhecer os primórdios da história da comunicação é essencial,
principalmente para compreendermos adequadamente o Nobrow.
(MATTELART).
Desse modo, a partir dos anos 70, passa a ser necessário considerarmos sempre a relação
da comunicação com a cultura, do fluxo comunicacional com o fluxo cultural:
TIC
Tais novas normas de ação comunicacional são simplesmente novas formas, novos
métodos comunicacionais. Através do ciberespaço se dá a comunicação Nobrow, na qual a
glocalidade reina e o fluxo informacional e cultural é completamente disseminado
mundialmente, fora de uma ordem lógica de espaço e tempo. “Ninguém duvida de agora em
diante que o contexto espaço-temporal das atividades infocomunicacionais tenha passado por
mutações profundas há pelo menos duas décadas.” (MIÈGE, 2009, p. 197).
CAPÍTULO 3.
CARACTERIZAÇÕES DA CONTEMPORANEIDADE E SUAS
RELAÇÕES COM O NOBROW
3.1 CIBERCULTURA
Rüdiger faz também uma contextualização da origem histórica e dos diferentes usos do
termo “cibercultura” ao longo do tempo:
A respeito de tal desafio, a própria Alicia Hilton esclarece que “A humanidade está
agora diante do desafio de ter de escolher entre a educação emancipatória e o lazer criativo, de
um lado, e a adaptação mecânica e a idiotia apática, de outro” (1964, p. 143)
Rüdiger agora introduz a visão de Norbert Wiener e da sua teoria, a cibernética:
Trivinho sinaliza a cibercultura como mais do que tudo isso, contextualizando-a como
sendo toda nossa contemporaneidade:
A mesma confusão ocorre com a cultura Nobrow, que deve, igualmente, ser encarada
em sua real amplitude universal, e não apenas em seus processos.
Igualmente moldada, em sua essência, está a cultura Nobrow, que, como já abordado
anteriormente, não está necessariamente ligada, não se reduz “ao que se desenrola apenas na
interioridade do cyberspace, estando, antes, aquém e além também dessa rede” (TRIVINHO,
2007, p. 101).
Da mesma maneira como ocorre com a maioria dos novos conceitos: dificilmente
atingem consenso – nunca atingiram – e, na contemporaneidade não categorizável do Nobrow,
o consenso se torna praticamente impossível. Tal aspecto não significa que não devamos buscar
a compreensão semântica de fenômenos contemporâneos, ainda mais no caso de conceitos tão
abrangentes quanto “cibercultura” e/ou “Nobrow”. Assim sendo, adentremo-nos na ideia de
cibercultura:
Finalmente,
Explicitando a questão:
Do mesmo modo, sendo a cultura Nobrow nata no advento da cibercultura e por causa
da cibercultura, e sendo a comunicação Nobrow nata da comunicação eletrônica predominante,
Nobrow também “equivale, em bloco, ao arranjamento atualmente predominante da civilização
mediática” (TRIVINHO, 2001b, p. 61). Ainda em relação à cibercultura, Trivinho continua:
Sua acepção como categoria de época não deve ser apreendida de outro modo:
estágio mais avançado da dromocracia mediática consolidada ao longo do
século XX, doravante abrangendo os próprios media de massa, a cibercultura
98
continue vigente e que nem todos tenham acesso ao ciberespaço) através da glocalização lato
sensu (de acordo com a explicação do subcapítulo 3.1.2).
3.1.1 Ciberespaço
Ainda que quase vinte anos passados do momento histórico da argumentação acima, o
ciberespaço continua imprevisível, mesmo que já tenhamos presenciado sua potencialidade –
que tenhamos visto ele nos trazer toda a sociedade Nobrow –, suas possibilidades futuras ainda
são imprevisíveis. “[...] o cyberspace, por sua imanência com o fenômeno comunicacional, tem
obviamente um relevo todo próprio. Em muitos aspectos, ele chega a sobredeterminar o
desenvolvimento das demais tecnoutopias” (TRIVINHO, 2001b, p. 77).
100
Não somente as possibilidades do ciberespaço são infinitas, como ele também gera
potencialidade a outros, como no caso da cultura Nobrow.
Pela sua forma autônoma surgiu toda a cultura Nobrow, impossível de existir sem o
ciberespaço, por cujas infovias disseminou toda a cultura mundial e fez nascer o
inclassificalismo.
101
Foi através dessa rearticulação e de seu progresso para sua disseminação a toda
sociedade que surge o Nobrow. Se “sem o cyberspace, a situação cultural de fim de século já
convidava a uma profunda revisão de [...], com o cyberspace essa tarefa se torna uma obrigação
tanto premente quanto sujeita a toda radicalidade” (TRIVINHO, 1998, p. 116) e, posteriormente
a isso, com o Nobrow, essa tarefa se torna essencial, a ponto de termos chegado a este momento
histórico em que todos estão perdidos sem compreender o que está se passando por puro apego
a tais conceitos e esquemas teóricos, dos quais, com o Nobrow, é impossível não abrir mão.
Não temos que esquecer de todo o caminho da empiria até o presente, temos sim que
nos fazer valer de determinados conceitos, mas não podemos aprisioná-los em suas próprias
definições. Mesmo os conceitos empíricos têm que ser abertos, fluídos, adaptáveis para que
possam ser utilizados no Nobrow, como é o caso dos exemplos (descritos ao longo capítulo 3)
colocados na citação acima: eles são extremamente pertinentes, contanto que não nos
apeguemos ao seu significado original e fechado, ao contrário, devemos abri-los, libertá-los de
tais amarras para que possam continuar servindo à empiria.
Nesse sentido, Virilio fala em como “pilotar o ciberespaço”:
O autor pontua ainda como o “novo homem-máquina” rompe modos de percepção por
causa da existência ciberespacial:
3.1.2 Glocalidade
Glocal é o sítio no qual estamos quando não nos encontramos nem no local nem no
global. Quando, por exemplo, visitamos um museu virtual, não estamos literalmente na cidade,
na localização desse museu, porém também não nos encontramos na cidade onde nosso corpo
físico se encontra, já que não estamos vivenciando o ambiente dessa localidade, mas sim o
ambiente glocal da localização do museu que nos recebe pelo virtual, aquele que se apresenta
por meios virtuais que foi teletransportado pela tecnologia.
Glocal é uma palavra que deriva da junção entre o “global”, da rede, e o “local”, onde
o corpo está e a consciência atua. Glocalização é a derivação prolongada, derivação extensa,
derivação mundializada do fenômeno glocal. Nos encontramos no universo dos media e redes
híbridos, típicos de uma vida humana na era da mediatização, da massificação, da
informatização generalizada. Nesta era, o público já não é só mais público, ele está também
relacionado ao privado; a vida privada, por sua vez, não mais se isola, não se faz isolada, ela se
entranha com tudo o que é público, e tudo o que era considerado na modernidade como pares,
como polos claramente ou, ao menos, relativamente definidos (como o local e o global, o
próximo e o distante, o masculino e o feminino, o imaginário e o real, a realidade e a ficção, o
103
racional e a fantasia, entre outros), passam a se misturar, não sendo mais possível determinar
exatamente a categorização de algo (cf. TRIVINHO, 2012).
[…] talvez tenha sido Paul Virilio (1995) quem preliminar e paradoxalmente
[…] mais bem sinalizou, para a teoria, a sociologia e a filosofia da
comunicação, a dimensão preocupante da condição glocal, no interesse de
uma ensaística tensional, ao mencionar o termo glocal num contexto de
discussão sobre o significado periclitante da velocidade tecnológica (do tempo
real) trazido pelo cyberspace – consequências da ordem de um eventual
acidente generalizado, por irradiação informacional iminente, provocado por
dolo ou ao acaso, no arco sempre sombrio de uma militarização socialmente
velada, de que grande parte da obra do pensador francês é a memória
sistemática mais fecunda e esclarecedora. (TRIVINHO, 2012, p. 54).
No que se refere ao termo glocal, ao ser levado para o campo social e cultural, novos
pensadores conduzem a ideia de glocalidade. Trivinho, nesse sentido, fala de Canevacci:
A cultura, que se mostra apoiada nos subsídios que o ambiente dispõe, com a natural
dependência dos recursos existentes, superou o limite da materialidade com o ciberespaço e
hoje se expressa por meio de extensões da realidade e da expansão de novas capacidades
humanas auxiliadas por memórias artificiais e inúmeros sistemas da informação,
consequentemente, o modelo de pensamento sofreu inovações transcendendo o espaço
geográfico e o tempo cronológico.
A sociedade hipermidiática que caracteriza a civilização na qual estamos ainda tem uma
consciência precária do fato de que está em contexto glocal, o qual pode ser definido como um
espectro empírico estruturado pela vida contemporânea vivida imersa em tempo real, que diz
respeito a uma caracterização mais integral da nossa existência humana, da nossa condição
108
histórica atual. A condição glocal é justamente aquela de um planeta territorialmente dado, mas
mundializado, portanto apequenado pelas redes de comunicação. O glocal atualiza a
singularidade na dimensão global da universalidade.
Assim, quando se passa a falar em “tecnologias do tempo real”, foram os próprios meios
como o telefone e a televisão que se passaram a usar do termo para descrever o “quase como se
não houvesse mediação”. Essas tecnologias consideradas do tempo real são assim consideradas
para lograr, dar a entender e, até mesmo, nos enganar do fato de que o tempo real ainda existe,
como se a interação presencial não tivesse sofrido nenhuma modificação, como se o device que
se colocou entre os dois não tivesse operado nenhuma modificação. A máquina tende a se
obliterar, o discurso sobre as máquinas tende a obliterá-las. Esclarecendo: as tecnologias do
tempo real – através do uso dessa expressão – dão a entender que elas não mediam, quase como
se não existissem, pois, para todos os efeitos, chamadas de tecnologias do tempo real, elas
implantam um modo de comunicação tão instantâneo quanto o real. As tecnologias do tempo
real simulam ter o tempo real. As tecnologias capitalizam e industrializam a experiência do
tempo real, a simulação separa corpos e os une na rede, a comunicação aparta e une nas redes,
quase como se não houvesse a separação. Porém, na realidade, elas são tecnologias do tempo
fabricado, do tempo-mercadoria, do tempo tecnologizado, do tempo instantâneo (cf.
TRIVINHO, 2007). Essas tecnologias erroneamente chamadas de tecnologias do tempo real
dão as cartas da nossa cultura, elas pretendem fazer-nos crer que estamos no mesmo ambiente
de tempo real, presencial, natural, quase como se nós estivéssemos em uma realidade anterior
ao aparecimento dessas tecnologias. Nesse contexto, tempo real é um “tempo tecnologicamente
forjado que simula o tempo ordinário da vida prática e que articula instantânea e
simultaneamente contextos sociais diferentes e pulverizados no território geográfico”
(TRIVINHO, 2012, p. 110).
[...] o tempo presente não pode mais ser corretamente descrito como o
CONTINUUM DE ATUALIZAÇÃO das tendências pesadas da História, e
sim como o advento discreto de um tempo real que não seria ele mesmo mais
do que a consequência de uma espécie de estatística geral da evolução
histórica, nossa realidade presente não sendo mais do que um efeito do real
ou, mais exatamente, de uma ilusão de síntese! (VIRILIO, 1996, p. 130).
Esse exponencial novo (tempo real), que tanto nos parece “natural”, faz com que mal
percebamos o quanto a maior capacidade da visibilidade mediática nos traz mais influências
culturais do que nunca, sem que, ao menos, tenhamos consciência desse fato. A mencionada
percepção da experiência de tal tempo anda de mãos dadas com a percepção do enorme
conteúdo mediático e cultural que nos chega passivamente. Isso demonstra o quanto a cultura
Nobrow é idiossincrática, fundamental e conceitualmente da era cibercultural.
Não apenas a cultura Nobrow foi resultado da comunicação Nobrow como temos que
considerar que, na realidade, uma jamais existiria ou existiu sem a outra.
A comunicação em tempo real, com sua contribuição pantópica para adesão de cada
indivíduo ao seu contexto glocal, também teve uma contribuição pantópica para o surgimento
dessa nova cultura de influências culturais completamente internacionalizadas e disseminadas
e, concomitantemente, desse novo modo comunicacional Nobrow, em que todos estão sempre
comunicando e influenciando culturalmente todos os outros indivíduos do planeta – uma
“hipercomunicação”.
Retomando o anteriormente mencionado, esse tempo real não é nem o fuso horário
local, nem o tempo global, que é uma abstração. No fundo, é o tempo glocal – o tempo da luz,
tempo da instantaneidade.
O interesse em jogo [...] não recai tanto sobre o que é existir em tempo real
[...], mas sobre o que significa, propriamente, do ponto de vista do social-
histórico, o fato de existir uma existência mesma em tempo real, como
processo comunicacional genérico ou fato social total da civilização mediática
avançada. (TRIVINHO, 2012, p. 73).
114
Passa a prevalecer esse reduto que se torna um “mundo” para a percepção, substituindo
o “mundo” planeta Terra. Como o espaço é ressignificado, tendo em vista o reencantamento
proporcionado pela glocalização, o tempo também se ressignifica.
Isso proporciona, por conta da existência de uma parafernália tecnológica espalhada por
todo o planeta, a possibilidade de se constatar a existência invisível de um poder
comunicacional vigente que é da ordem de uma realidade já efetivada com a qual temos que
115
Esclarecendo a diferença entre o glocal stricto sensu e o glocal lato sensu, Trivinho nos
explica que:
Tanto o glocal lato sensu quanto o próprio advento da cibercultura em si não dependem
da passagem pelo ciberespaço ou do acesso a este, dependem apenas da existência deste último.
117
[…] por mais forte que seja a imagem do bunker quando transposta para o
entendimento da dimensão civil [...] do social-histórico, trata-se de uma
metáfora cognitiva inegavelmente adequada e expressivamente ilustrativa em
razão da própria natureza das tendências sociotecnológicas e mediáticas do
atual processo civilizatório. (TRIVINHO, 2012, p. 148).
Ou, em outras palavras, nossos infinitos gadgets que nos separam do ambiente físico
em que nosso corpo se encontra. “A hibridação comunicacional entre global e local sob a égide
das tecnologias do tempo real culmina na instauração partout da cultura da bunkerização
glocalizada” (TRIVINHO, 2012, p. 25-26). Estamos isolados territorialmente, mas unidos ao
mundo todo pelo ciberespaço. Sendo assim, um indivíduo pode se isolar da tecnologia, mas
jamais pode fugir do processo irreversível da glocalidade.
Não é tipo outro de sociedade ou civilização, mas sim aquela sociedade que auferiu a
sua própria evolução e o faz todo dia com base nas tecnologias de comunicação. Trata-se de
uma tecnologia que acabou por ter uma preponderância absoluta na vida social aberta, trazendo
novos enfoques a esta como, por exemplo, a visibilidade mediática (detalhada anteriormente
neste subcapítulo). Não importa o ramo profissional em que se atue, ninguém deixará de utilizar
as máquinas glocalizatórias que estruturam a vida humana conforme ela se põe nesse processo
civilizatório. Tecnologias de comunicação podem variar em aparelhagem, elas podem evoluir
em qualquer sentido, mas não é o tipo de máquina que importa, o que importa é que o fenômeno
glocal é o fundamental.
O que está em jogo é a fonte do processo glocal, que é a união irreversível e inexorável
entre o global da rede e um contexto glocal, que é aquele onde a consciência atua e o corpo
radica.
[...] o imaginário dos contextos glocais, cega para toda empiria processual
restante e, com ela, para o fundamental, em cujo limite de sutileza se encontra,
em outros termos, o já sinalizado (e óbvio), a saber: a visibilidade mediática,
de par com a condição glocal e com todos os fatores vinculados a ambos, está
implicada na reprodução social-histórica não somente do processo
civilizatório em curso, senão ainda das formas coletivas, grupais e individuais
(para todos os efeitos, autônomas e livres) de subjetividade, de apropriação
tecnológica e de atuação compatíveis com as necessidades da mencionada
reprodução. (TRIVINHO, 2012, p. 30).
119
Essa união entre o global que circula e o local em que o corpo está (ou local em que ele
atua) é o fundamento comunicacional do processo civilizatório corrente. Esse processo pode ter
várias roupagens (que por enquanto são smartphones, tablets, computadores), mas elas não têm
a menor importância, pois o glocal não reside nelas. A questão do glocal é mais de um aspecto
de calibração e menos de empirismo do que podemos comprovar materialmente. Isso é o que
sustenta a união inextricável entre o global da rede e aquilo que circula instantaneamente pela
comunicação de massa interativa ou híbrida; é o que sustenta a dinâmica e a consistência
comunicacional planetária que acontecem no plano físico em que atuamos e que passam por
milhões de outros lugares no planeta, ao mesmo tempo em que tornam invisível a realidade em
que nos encontramos e nos colocam em uma condição glocal. Nessa condição glocal da vida
humana, em contexto marcado pela comunicação, nós teremos a reprogramação do tempo e do
espaço.
A visibilidade mediática e a existência em tempo real, por sua vez, de par com
sua base glocalizada sine qua non, constituem marca a ferro e fogo, sem o
custo cruento do peso e sem indícios ígneos, de uma condição transpolítica
irreversível, inexorável e inelidível, uma tendência epocal inescapável,
aparentemente intransitiva e – assim se apresenta – insuperável, por não
anunciar, no horizonte mediato (que dirá a longo prazo), nem fase de
crepúsculo, nem data de fenecimento. Todos esses ingredientes, quando
apreendidos em sua fenomenologia conjuntizada, respondem por uma
violência sutil peculiar, a de uma autopoiesis sociomediática totalizante e
avalassadora, com a qual os viventes não têm outra fortuna senão lidar de
algum modo. (TRIVINHO, 2012, p. 20).
Bunker Glocal
Assim introduzimos através da visão de Trivinho esta reflexão sobre o bunker glocal
sob a ótica da “abertura” e do “refechamento”:
O bunker glocal nos dá acesso a todo conteúdo cultural do mundo, a todo Big Data,
através do ciberespaço, porém, consequentemente, quanto mais tempo passamos fruindo tal
conteúdo cultural imaterial, menos tempo fruímos o material-espacial.
Enfatizemos mais uma vez: tudo é uma escolha de equilíbrio entre dois tipos diferentes
(material e imaterial) de liberdade e de clausura.
[...] as flexões anteriores sobre a matéria – note-se, por fim – trazem no bojo
um aspecto relevante que, malgrado a sua condição supostamente “superada”
ou “extemporânea”, não pode ser olvidado. A “abertura total” pressupõe, ao
mesmo tempo, evidentemente, enquadramento imaginário, ao modo de uma
indexação integral da subjetividade, a começar pelo já sabido constrangimento
modelar e necessário desta última: para operar ou se situar no vivido, ela só
pode fazê-lo se – e somente se – através da tela e de sua respectiva agenda,
através do software e de sua permissão e limites (por mais voláteis que sejam).
(TRIVINHO, 2008, p. 29).
Nessa perspectiva sem horizonte na qual a via de acesso à cidade deixa de ser
uma porta ou um arco do triunfo para transformar-se em um sistema de
audiência eletrônica [...], a ruptura de continuidade não se dá tanto no espaço
ou no limite de um setor urbano, mas principalmente na duração [...] e de
ocultações sucessivas ou simultâneas que organizam e desorganizam o meio
urbano ao ponto de provocar o declínio irreversível dos locais. [...] Se a
metrópole possui ainda uma localização, uma posição geográfica, esta não se
confunde mais com a antiga ruptura cidade/campo e tampouco com a oposição
centro/periferia. A localização e a axialidade do dispositivo urbano já
perderam há muito sua evidência. Não somente o subúrbio operou a
dissolução que conhecemos, mas a oposição “intramuros”, “extramuros”
dissipou-se com [...] o desenvolvimento dos meios de comunicação [...]. A
Interface da tela [...] passa a existir enquanto “distância”, profundidade de
campo de uma representação nova, de uma visibilidade sem face a face, na
qual desaparece e se apaga a antiga confrontação de ruas e avenidas: o que se
apaga aqui é a diferença de posição. [...] A partir de então ninguém pode se
considerar separado por obstáculo físico ou por grandes “distâncias de
tempo”. (VIRILIO, 2014, p. 8-10).
Ainda que essa concepção de Virilio seja idiossincrática e o espaço não necessariamente
seja abolido, este é, no mínimo, ressignificado. O planeta pode não ser morto, mas ao menos é
suspenso, imerso, ou ganha toda uma nova dimensão espaço-temporal. Afinal, anteriormente
se fazia necessário galgar o espaço, vencer o território para ir de um ponto até outro; hoje temos
a possibilidade de fazê-lo alternadamente por meio da comunicação em tempo real. O que era
o pressuposto da vida civilizatória presencial baseada na geografia passa a se fazer através da
mediação da tecnologia em tempo real. O planeta físico se torna desnecessário. O espaço pode
não se perder, mas ele se refunda com a glocalidade.
Virilio (2014, p. 11) também diz que “o tempo real é a velhice do planeta”, fazendo
referência a uma morte deste se aproximando. Ele fala que o planeta está em risco por causa da
comunicação em tempo real. As cidades ficam à mercê da ausência de poder do estado local.
As coisas próximas a nós, extensas de nossos territórios físicos, vão sendo abandonadas
conforme a possibilidade do poder em campo eletromagnético aumenta (de acordo com o
detalhamento feito no subcapítulo 3.3.1). Tal fato implica uma atuação maior nesse campo
eletromagnético, maior no ciberespaço, do que nas cidades.
126
Há que se admitir que a comunicação em tempo real não é inócua, pois, como fenômeno,
ela altera e reconfigura o espaço e o tempo – não simplesmente conforme citação acima, “o fim
do tempo como narrativa da duração que situava e classificava historicamente a vida”
(FERRARA, 2009, p. 75), mas a sua transcendência. Essa comunicação tem um papel nessa
“suspensão” da geografia. Esse novo paradigma epistemológico mencionado deve ser
enfrentado através de uma reconfiguração também da epistème (de acordo com o discutido no
subcapítulo 5.2). O glocal é uma nova espacialização e uma nova temporalidade. O processo
de glocalização significa repercussão e/ou desenvolvimento cultural – sobre as quais “apesar
de sua fragilidade” e da falta de capacidade da crítica, “tem sido possível entender sua
gênese, sua arqueologia e tecer o prognóstico de seu desenvolvimento” (FERRARA,
2009, p. 75), como esta Tese busca fazer –, uma crioulização, uma miscigenação no campo
cultural, uma hibridação que convida a um entendimento mais agudo sobre as consequências
comparativas entre experiências vividas presencialmente ou em tempo real.
Essa “realidade que surge desconexa”, que é em si o Nobrow, sempre será desconexa,
sempre será inclassificável, pois seguimos parâmetros cartesianos de classificação e de tempo.
Ainda que – como urgentemente necessitamos – superemos esses padrões, essa desconexão e
esse inclassificalismo sempre assim o serão, já que, com a aceleração, jamais conseguiremos
criar a tempo novos parâmetros que os possam explicar.
Temos que preparar nossa epistemologia para apreendê-los em sua indefinição, temos
que “[...] desistir do tempo como parâmetro ordenador do espaço vivido e [...] admitir que é
possível viver, em aceleração e intensidade contínuas, todos os tempos e espaços” (FERRARA,
2009, p. 75), para compreender esta era de fluxos culturais atemporais e ageográficos
proporcionada pela cibercultura, bem como para compreender o Nobrow e a própria
cibercultura, profundamente, realmente, ao invés de simplesmente fixá-la “sob a égide do
tempo”, em um momento histórico no qual a temporalidade não é mais possível. Nas palavras
de Virilio (1996, p. 59), “Na falta de uma necessária cultura da desinformação, deveríamos ao
menos seguir o conselho do estoico da antiguidade que recomendava ao amigo não referir tudo
aos olhos e o alertava contra o olhar excessivamente intenso”.
3.1.3 Dromocracia
Iniciamos este subcapítulo com essa consideração: a era da velocidade, esse “governo
da velocidade” chamado de dromocracia (VIRILIO, 1986) nos trouxe tal mudança na nossa
percepção de tempo e espaço (conforme também tratado nos subcapítulos anteriores) e
inaugurou essa nova história que instalou tal imposição, tal percepção.
A velocidade organiza nossa vida desde sempre, sobretudo depois da II Guerra Mundial,
quando houve uma aceleração dessa velocidade, de tal forma que hoje vivemos na dromocracia
cibercultural.
Da mesma forma que o conceito de “dromocracia” surge de uma mobilização “em favor
da dissonância e, melhor ainda, do interesse de confronto em relação às formas e tendências do
existente” (TRIVINHO, 2007, p. 46), também o faz, consequentemente, um de seus
subprodutos, o Nobrow, que não busca, ao atribuir nomeação a fenômenos da
contemporaneidade, a uniformização e homogeneização desses, mas busca, sim, favorecer e
ver florescer a dissonância. Sendo assim, Nobrow também “não se trata, portanto, de prisma
descritivo-constatatório ou nomológico-classificatório” (TRIVINHO, 2007, p. 46).
Isso se dá também porque vivemos na civilização mediática em tempo real, em que o
valor comunicacional e a velocidade estão intrinsicamente ligados, de maneira que é impossível
estabelecer conceitos homogêneos numa era de tal velocidade de transformações.
[...] não é possível abordar os media e redes digitais sem levar em conta sua
ligação com a velocidade tecnológica e com o que social e culturalmente lhe
diz respeito, também não é possível abordar o fenômeno da dromocracia sem,
ao mesmo tempo, considerar a cibercultura, a relação inversa, no caso, sendo
igualmente verdadeira. (TRIVINHO, 2007, p. 71).
Quando trazemos para nosso tempo livre os equipamentos antes utilizados para otimizar
o trabalho, ressignificando tais equipamentos, temos consequente aceleração da nossa vida,
alterando as suas bases sociais e culturais.
A identidade se fragmenta e deixa, a partir daí, de ser identitária, ou seja, já não pode
mais ser reconhecida, nomeada.
Precisamos não só nos reciclar, mas nos antecipar às novas tendências, para poder
acompanhar a aceleração. A significação da dromoaptidão “compreende não somente a
manutenção das taxas de velocidade conquistadas, mas também a permanente otimização
destas” (TRIVINHO, 2007, p. 97).
A dromoaptidão cibercultural, fazendo-se pelo contexto glocal, não é senão aquilo que
possibilita o fazer-se visível ao outro, possibilita o ser e estar no mundo. A dromoaptidão, na
articulação com o glocal e com a visibilidade mediática, apanha no todo o processo civilizatório
atual fundado em meios digitais interativos e nos meios de massa. Isso significa que o ser veloz
em tempo instantâneo para agir no mundo, a dromoaptidão, é um hábito culturalmente
conservador.
A elite cibercultural dromoapta opera quase inteiramente em filão virtual do tempo real
e já nem toca o solo próprio das zonas urbanas cuja parte inferior é povoada por um proletariado,
camada social dromoinapta, que são seres que vivem a miséria informática socialmente
produzida e se distribuem pelo território geográfico que ainda se serve dos pés como vetor de
deslocamento.
Enquanto isso, o Nobrow, ainda que não isento e embebido no advento violento da
cibercultura e da dromocracia, coloca-se como componente social democrático no meio dessa
violência. Nobrow é a súmula da apropriação contracultural dos meios por todos (de acordo
com o previsto – ou desejado – por Enzensberger, segundo detalhamento no subcapítulo 2.1.3),
é a ferramenta das massas, mesmo dos dromoinaptos.
3.1.4 Simulacro
“Da mesma forma que é impossível redescobrir o nível absoluto do real, também é
impossível realizar uma ilusão, pois é impossível simular algo, estabelecer uma situação de
simulação sem que ela se misture com elementos reais” (BAUDRILLARD, 1994, p. 19). É
impossível isolar tanto o processo do real quanto o da simulação.
“A única arma do poder contra os mecanismos de simulação é reinjetar realidades
referenciais em todos os cantos, e para nos convencer da realidade do social da economia e da
produção, se usa o discurso da crise do desejo” (BAUDRILLARD, 1994, p. 22). Ao longo da
sua história, o capital se alimentou da desestruturação de todo o referencial, contendo as
distinções entre o verdadeiro e o falso, entre o bem e o mal, com o objetivo de estabelecer uma
lei radical de equivalências e trocas. O capital foi o primeiro a liquidar, num extermínio de todo
valor de uso e de toda equivalência do real, o princípio da realidade, e hoje essa mesma lógica
se radicaliza contra ele. Ou seja, esse processo teve início a partir do capital e – conforme
colocado – hoje se volta contra ele (BAUDRILLARD, 1994).
Aqui também, nada será deixado à sorte. Além disso essa é a essência da
socialização, que começou séculos atrás, mas que agora entrou em sua fase
acelerada, em direção a um limite que se acreditava seria explosivo
(revolução), mas que neste momento é traduzido por um processo inverso,
implosivo, irreversível: a dissuasão generalizada da sorte, do acidente, da
transversalidade, da finalidade, da contradição, ruptura ou complexidade em
uma socialidade iluminada pela norma, fadada às transparências descritivas
de mecanismos de informação. (BAUDRILLARD, 1994, p. 34-35, grifo do
autor).
Assim surgiu uma massa que é foco da violência implosiva. Toda massa é violenta e
foco da inércia, mas essa nova massa é foco de um tipo de violência completamente novo em
oposição à violência explosiva, a violência da subversão e da destruição, resposta dialética e
enérgica a um modo de produção, capaz de traçar os caminhos sociais e que leva à saturação de
todo campo social – uma violência característica dos tempos modernos. Já a violência
implosiva, característica dos tempos pós-modernos, é uma violência de reversão, resposta a um
universo de redes e fluxos, resultado da saturação de um sistema, e não de sua extensão ou
144
As mediações foram implodidas, elas não acontecem mais em favor de uma realidade
sígnica que se transformou em uma pasta única em que os contraditórios fazem parte de um
jogo tal que é o da reprodução dessa realidade sígnica e, nela, nós estaríamos propensos a
procurar o que perdemos, então, se o real foi substituído pelo simulacro, o real aparece em
nosso horizonte de procura.
Essa realidade da implosão dos conteúdos, da absorção do sentido, da evanescência do
medium, da implosão do social nas massas estabelecida por Baudrillard (1994) pode parecer
uma realidade catastrófica da comunicação, mas, segundo o autor, ela só nos parece catastrófica
por vivermos no idealismo da comunicação pelo sentido.
Há três categorias de simulacros: os simulacros naturais, baseados na imagem, na
imitação e no fingimento, que são harmoniosos, otimistas e buscam a restituição ideal de uma
natureza, são o local onde o imaginário é utopia; os simulacros positivos, baseados na energia,
na força e na sua materialização pela máquina em todo sistema de produção, onde o imaginário
estaria na categoria de ficção científica; e os simulacros de simulação, baseados na informação,
no modelo, no jogo cibernético, com operacionalidade total, hiper-realidade objetiva de
controle total.
Estamos na lógica da simulação, que não tem mais nada a ver com a lógica
dos fatos e da razão. A simulação é caracterizada pela precessão do modelo,
de todos os modelos baseados no mais mero dos fatos – os modelos vêm
primeiro, depois sua circulação. [...] Fatos não mais têm uma trajetória
específica, eles nascem no cruzamento de modelos, um único fato pode ser
engendrado por todos modelos de uma só vez. Esta antecipação, esta
precessão, este curto-circuito, esta confusão do fato com seu modelo [...] é o
que permite, a cada vez, todas interpretações possíveis, mesmo as mais
contraditórias – todas verdadeiras, no senso de que sua verdade são para
trocarem-se, na imagem dos modelos dos quais elas derivam, em um ciclo
generalizado. (BAUDRILLARD, 1994, p. 17, grifo do autor).
O simulacro que produz a simulação é extremamente diferente dos outros, ele substitui
o real, ele não tem mais equivalência com o real, ele não é um signo que representa, que equivale
representativamente a um signo do real. A implosão da equivalência se daria quando o signo
tornado simulacro já não equivale mais àquilo a que se refere, ele assume ser o próprio referente,
ele passa a ser a própria referência, o próprio real. A narrativa passa a ser o real.
Baudrillard (2003) propõe uma teoria não moral, baseada no “para além dos contrários”:
direita e esquerda, local e global, público e privado, masculino e feminino, próximo e distante
147
etc. Esses paradigmas polares que entram em jogo para justificar o conflito e a vitória de um
sobre o outro simplesmente já não são mais. A questão não é mais essa, os polos perdem seus
inimigos.
A polaridade inevitavelmente traz conflito. Evoluir para além da polaridade seria o
caminho para uma convivência pacífica. A era Nobrow é o momento perfeito para finalmente
aceitarmos e assumirmos o fim de toda forma de categorização e, assim sendo, transcender
também as polaridades.
O autor mencionado estava um passo além, ou talvez aquém, do sistema que descrevia,
pois ele escrevia de dentro, mas não se envolvia com nenhum dos elementos em jogo. Ele
chamou para si uma teoria não envolvente que encaixasse o sujeito de dentro do sistema para
tentar apreender o sistema de dentro e implodi-lo pelo mencionado curto-circuito dos signos
explicativos da teoria. Ele (BAUDRILLARD, 1994) negava a classificação de pós-
estruturalista como todo pós-modernista, embora sempre colocasse o “pós-moderno” entre
aspas, ainda que tenha dito que ficaria feliz se fosse queimado junto com seus livros como autor
“pós-modernista” (maiores considerações a respeito são feitas no subcapítulo 5.1). Assim
sendo, ele foi um dos autores que mais contribuiu para a teoria do mundo pós-moderno.
Segundo Baudrillard (1994), nós vivemos em uma condição que é a do simulacro como
imagens, palavras, informações, textos, narrativas etc., com a qual temos que lidar, da qual não
podemos escapar. Não temos mais como distinguir aquilo que nos chega de um real que seria
um equivalente, que seria algo externo a esse mundo.
148
diversas tendências juntas em um único trabalho, e enquanto elas podem ou não estar ligadas à
cibercultura, as obras de arte Nobrow são únicas, suas origens e influências podem ser várias,
mas é impossível reconhecê-las ou traçá-las, o que torna os bens culturais Nobrow impossíveis
de serem nomeados.
Diante de todas essas terminologias citadas acima (aprofundaremo-nos mais sobre cada
uma delas ao longo deste subcapítulo 3.2), devemos fazer uma ressalva de extrema importância:
Nobrow não é mais uma nova nomenclatura para descrever a mesma coisa com pequenas
especificações (ainda que, em momento algum, qualquer das terminologias esteja sendo
contestada quanto ao seu mérito – cada uma delas tem sua especificidade de grande importância
para a história humana, social e cultural), Nobrow é a transcendência das terminologias, é a
evolução delas, é o momento histórico-cultural no qual elas já não mais cabem.
151
Tal “mistura irreversível entre economia política e cultura hegemônica, entre fatores
estratégicos de desenvolvimento material e fatores mediáticos de produção simbólica e
imaginária” (TRIVINHO, 2012, p. 37-38), justamente nos levou “na direção da formação de
um processo imaterializado e financeirizado de circulação e de consumo de bens e serviços”
(TRIVINHO, 2012, p. 38) que deu origem a todos parâmetros da cultura Nobrow e a ela mesma,
152
O híbrido, tal como se autopõe – digamos, em sua ecceidade, para evocar uma
terminologia escolástica pouco utilizada fora da filosofia –, compreende já
toda outra realidade, não mais ou somente a adição dos elementos
contabilizados em sua constituição. O híbrido é um objeto (concreto, abstrato
ou misto) de grandeza reescalonada e sintetizada, depurada em identidade e
em autonomia, assim totalizadas e específicas, e que, sem perda essencial de
seu aspecto estruturalmente mestiçado e matizado, não se reduz aos seus
constituintes, pondo-se, antes, no mundo, com e para além deles. Não por
outro motivo, o híbrido e seu processo social generativo, a hibridação, contêm,
em seu bojo ôntico, um desafio mudo: exigem epistème própria, categorias
epistêmicas que melhor lhe debrucem olhos, que cheguem, por estratégia
adequada de abordagem e mobilização selecionada de linguagem (no plano
quer do significante, quer do significado), o mais possível próximo de sua
natureza (isto é, do conjunto de suas propriedades e propensões, que lhe
explicam o modo de ser fenomênico, não de sua essência, inatingível a priori).
(TRIVINHO, 2012, p. 38).
155
Trivinho (2012, p. 38) já coloca o híbrido como “não mais ou somente a adição dos
elementos contabilizados em sua constituição”, e Barbara Kirshenblatt-Gimblett também
menciona semelhantemente, ao falar de performance que esta “ é mais do que uma soma de
suas inclusões” (SCHECHNER, 2006, p. 3), justamente quando se apresenta a ela a questão de
a performance ser uma arte hibrida: para ela, a performance não é uma arte híbrida, ela superou
tal conceito e se tornou um tipo de arte nova, nomeada exatamente de “performance”. O caso
da performance é um dentre muitos, ainda que a área da performance tenha sido bem-sucedida
em conseguir nomear-se e colocar-se como categoria (por mais que ainda enfrentem,
frequentemente, com esmero, todos que não a consideram “nova categoria de arte”, mas sim
“mera mistura de outras categorias”), existem muitas novas formas e obras de arte que
encontram-se perdidas pelo mundo por não conseguirem nomear-se, categorizar-se e/ou superar
o conceito de “mistura”. Tal relação à soma é utilizada por vários teóricos do hibridismo, do
sincretismo, da mestiçagem, da crioulização etc., exatamente por tal confusão de conceitos. É
devido a esses fatos que propomos a ideia de “além-hibridismo” como a superação de tal soma
que faz nascer uma modalidade completamente nova da qual não se pode reverter os
componentes de uma equação para descobrir sua origem – ela não é mais traçável –, todos esses
novos produtos são verdadeiramente novos, originais, mais do que mera mistura. Mas
adiantamo-nos: teorizaremos e aprofundaremos a questão do “além-híbrido”, diferenciando-o
do híbrido e contextualizando-o no subcapítulo 3.2.5. Retomemos a relação do híbrido com o
Nobrow.
Trivinho, em relação ao híbrido, registra ainda que “no âmbito da terminologia, essa
postura intelectiva, contraída em fidelidade à demanda do próprio objeto, cobra, muitas vezes,
a necessidade de criação e combinação de neologismos” (TRIVINHO, 2012, p. 38). Ainda que
Nobrow signifique justamente a superação das categorizações, a mesma demanda mencionada
existente analogamente ao híbrido existe para o Nobrow. Nomeando o inominável como
Nobrow, podemos superar o impasse do argumento da indispensabilidade apriorística da
categorização para somente a posteriori ser possível um estudo epistemológico, social ou
histórico de um fenômeno que é profundamente enraizado na comunidade científico-
acadêmica.
Se o híbrido já exigia “epistème própria, categorias epistêmicas que melhor lhe
debrucem olhos” (TRIVINHO, 2012, p. 38), o Nobrow exige tal epistème ainda mais e
transcende a necessidade de categorias epistêmicas chegando à necessidade de superação da
categorização, de superação de toda cultura cartesiana que jamais conseguirá apreendê-lo.
156
Tais contextos, processos e objetos, que têm sido obliterados, invisíveis ou sutis
(TRIVINHO, 2012) por muito mais tempo do que deveriam ter sido – do que seria aceitável
considerar –, já chegaram a tal disseminação universal que torna incredível continuarem sendo
ignorados ou apenas brevemente mencionados, o que diminui sua importância, por serem
157
descritos de maneira incompleta pela teoria. Para superar tal desafio, colocamos o Nobrow,
exatamente porque os “recursos simbólicos e linguísticos disponíveis” não são suficientes para
explicar o que está ocorrendo, e precisamos superar a necessidade de criar novos, pois jamais
conseguiremos fazê-lo na velocidade acelerada de mudanças contemporâneas: no momento em
que finalmente conseguirmos criar algum recurso capaz de compreender qualquer contexto,
processo ou objeto recentemente surgido em nossa contemporaneidade, ele já vai ter se
modificado de tal maneira – ou até mesmo já terá deixado de existir - que tal recurso já não
mais será aplicável.
Nunca é demais evocar (e enfatizar), que o híbrido só pode ser bem apreendido
se por categorias – ao menos as da viga principal – comprometidas, já na
seleção, laboração e polimento dos significantes, com a intencionalidade
cognitiva de “encarná-lo” estruturalmente (isto é, em bloco único e
internamente múltiplo) no horizonte do conceito, mediante tradução de sua
socialis natura no mundo dos signos verbais organizados e de seu código de
valores, pendor que obviamente refrata preocupações consentâneas ao longo
do trabalho de assentamento semântico do quadro terminológico.
(TRIVINHO, 2012, p. 41).
Trivinho sinaliza, sobre sua abordagem em seu próprio livro, um aspecto a ser
considerado na sociedade Nobrow contemporânea:
Sem tal “burla da polícia da fronteira” não haverá a inovação intelectual necessária para
a apreensão do Nobrow. “A globalização cultural envolve hibridização. Por mais que reajamos
a ela, não conseguimos nos livrar da tendência global para a mistura e a hibridização.”
(BURKE, 2013, p. 14). Se não admitirmos que não somos mais culturas puras, isoladas por
fronteiras bem delimitas e definidas, a cultura Nobrow continuará sem compreensão e sem
visibilidade. A crítica e a teoria continuarão fingindo que estão alcançando tal compreensão.
Assim sendo, hoje, depois de longos processos de hibridização dos três tipos, exemplos
de hibridismo cultural tomaram o mundo, se disseminaram por todo o mundo.
Ainda que tenhamos que utilizá-los apropriadamente, o grande número de termos indica
justamente uma imprecisão no seu uso e uma tentativa não bem-sucedida de descrever a
realidade.
cujo fluxo de influências culturais é traçável, lógico, temporal e territorial, enquanto que, no
“além-hibridismo”, essas influências não são rastreáveis, são totais, atemporais e ageográficas.
Faz parte do trabalho da crítica dar conta disso e dar visibilidade a esse fenômeno.
Concordamos que essas são as quatro hipóteses cabíveis, mas acreditamos que apenas
duas delas estejam ocorrendo na contemporaneidade – o que não significa que as outras duas
possibilidades não venham a acontecer. O Nobrow é o resultado da segunda e da quarta
hipóteses apontadas. A primeira e a terceira foram refutadas no advento da cultura Nobrow,
conforme discutido ao longo do subcapítulo 3.3.
Não descartamos nenhum desses insights. Todos eles foram considerados ao longo desta
Tese.
163
São diversos teóricos dando sentidos diferentes à hibridação e, como apontado por
Canclini, a década final do século XX foi o momento em que mais se estendeu a análise da
hibridação, quando justamente se começam a perceber as mudanças que vinham, quando se
passa a perceber que a hibridação preparava-se para tomar outra forma no início do século XXI:
a “além-hibridação”. Canclini (2003, p. XVIII) afirma que “[...] a hibridação não é sinônimo de
fusão sem contradições, mas, sim, que pode ajudar a dar conta de formas particulares de conflito
geradas na interculturalidade”.
A vantagem é que esse conceito acarreta muitas coisas em um mesmo leque, mas é
necessário deixar seu escopo bem claro.
De tal modo, cabem todos esses na definição de “processos socioculturais nos quais
estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas
estruturas, objetos e práticas” (CANCLINI, 2003, p. XIX)?
Como temos colocado ao longo de toda esta Tese, no caso da unificação de experiências,
objetos, produtos, dispositivos, culturas e sociedades em um só termo – no caso defendido por
esta Tese, o Nobrow –, a grande utilidade apresentada em questão é a de unir todos esses que
estavam isolados e não categorizados, não situados em qualquer lugar na história e/ou na
sociedade, não reconhecidos pela teoria e pela crítica. O termo “Nobrow” é a união de tudo na
indeterminação; é a possibilidade de categorização de obras que na cultura contemporânea são
inclassificáveis. Cabe aos teóricos do hibridismo a discussão se a mesma utilidade proposta
para o Nobrow também é utilidade para o híbrido, independentemente da semântica que acarreta
fertibilidade ou infertilidade mencionada.
De todo modo, não há por quê ficar cativo da dinâmica biológica da qual toma
um conceito. As ciências sociais importaram muitas noções de outras
165
disciplinas, que não foram invalidadas por suas condições de uso na ciência
de origem. Conceitos biológicos como o de reprodução foram reelaborados
para falar de reprodução social, econômica e cultural: o debate efetuado desde
Marx até nossos dias se estabelece em relação com a consistência teórica e o
poder explicativo desse termo, não por uma dependência fatal do sentido que
lhe atribuiu outra ciência. (CANCLINI, 2003, p. XXI).
[...] a migração desses termos de uma disciplina para outra, [...] nas operações
epistemológicas que situem sua fecundidade explicativa e seus limites no
interior dos discursos culturais: permitem ou não entender melhor algo que
permanecia inexplicado? (CANCLINI, 2003, p. XXI).
diferentemente do que acontece com o “além-híbrido”, com o Nobrow, no qual não é possível
reconhecer os componentes culturais que levaram ao seu surgimento.
Dessa forma, Canclini estabelece e esclarece sua preferência pela utilização do termo
“hibridação”.
Não há a necessidade de que outros termos percam espaço ou mesmo significado, não
há, da mesma forma, necessidade de deixarmos de utilizá-los ao utilizarmos o termo
“hibridação” e, há ainda menos necessidade de tal, considerando-se o advento do Nobrow e o
termo “além-híbrido” consequente deste, já que o Nobrow é o reino da simultaneidade de
tendências.
O que é a arte não é apenas uma questão estética: é necessário levar em conta
como essa questão vai sendo respondida na intersecção do que fazem os
jornalistas e os críticos, os historiadores e os museógrafos, os marchands, os
colecionadores e os especuladores. Da mesma forma, o popular não se define
por uma essência a priori, mas pelas estratégias instáveis, diversas, com que
os próprios setores subalternos constroem suas posições, e também pelo modo
como o folclorista e o antropólogo levam à cena a cultura popular para o
museu ou para a academia, os sociólogos e os políticos para os partidos, os
comunicólogos para a mídia. (CANCLINI, 2003, p. 23).
Não somente não é factível, como continua cegamente não abolida (não que sua
abolição total seja a solução). Continuamos cegamente enterrados em suas amarras em vez de
nos adaptarmos e buscarmos novas soluções metodológicas.
Não obstante, descrever nossa realidade contemporânea indescritível não traz controle
sobre dado algum, não lhe isenta, não lhe abona, apenas condena o descritivismo ao fracasso,
ainda que continue havendo uma fé cega inabalável (compatível apenas com a religião,
incompatível com a ciência, diga-se de passagem) de que os resultados alcançados por esse
sejam sempre o melhor e mais correto, e ele continue sendo amplamente disseminado na
172
comunidade científica. Essa fé cega nele impede a cientificidade de tal comunidade científica,
levando-a à perseguição de dogmas inabaláveis e impedindo o desenvolvimento científico, que
só terá lugar quando superarmos tal fé e percebermos que não é possível compreender a
civilização mediática atual dessa maneira. Não é papel da ciência meramente discorrer o óbvio
nesse descritivismo alucinado sem finalidade alguma, é papel da ciência buscar compreender o
mundo. A ciência precisa de argumentação, da tensão, da contradição. Os resultados alcançados
pela atual ciência dogmática da obviedade são apenas mencionados espelhamento e reflexo,
fotograma. Todavia, nem mesmo esses sobreviverão em uma sociedade tão acelerada que se
modifica mais rapidamente do que se pode “fotografá-la”, sua fotografia jamais será compatível
com a realidade. O mencionado “procedimento metodológico que compreende uma visão de
mundo que se funda e se exercita num locus de fala particular” (TRIVINHO, 2007, p. 30),
jamais poderá ser correto em uma sociedade ageográfica, que venceu o território físico.
Trivinho completa:
Como as pessoas que utilizam um conceito, em geral, não têm conhecimento de sua
origem e significado, dificilmente é possível que o utilizem “enquanto esta cristalização de
experiências passadas e situações retiver um valor existencial” (ELIAS, 1990, p. 26) – elas o
utilizarão por hábito, na maior parte das vezes jamais questionando o porquê de tal nomeação,
nem mesmo perguntando-se qual o significado para si mesmas, ainda que desconsiderando
completamente a origem.
Assim, conforme posto, a grande tendência é que a maioria dos conceitos “hiberne” por
muito mais tempo do que seriam aplicáveis à realidade ao invés de irem “se desfazendo,
morrendo”.
3.2.3.1 Identidade
Nessa perspectiva, a crise de identidade apontada por Hall acomete tanto o indivíduo
quanto a sociedade como um todo, pois, para esta última, também já não existe mais “lugar do
mundo social”, ela sofre “descentração”.
Hall aborda três diferentes conceitos de identidade para esclarecermos a sua crise
contemporânea:
Esse primeiro sujeito, único, definitivamente já foi atestado como superado, como não
mais existente.
Argumenta-se, entretanto, que são exatamente essas coisas que agora estão
"mudando". O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade
177
Esse processo realmente produziu o “sujeito pós-moderno”, porém, assim como a pós-
modernidade em si, esse sujeito também está sendo transcendido. A identidade do sujeito pós-
moderno é móvel, enquanto a identidade do novo sujeito Nobrow simplesmente não existe: ele
vive uma existência não identificável, ele transcende o conceito de identidade.
As sociedades modernas são, portanto, por definição, sociedades de mudança constante,
rápida e permanente. Essa é a principal distinção entre as sociedades “tradicionais” e as
“modernas” (HALL, 2015, p. 12). Anthony Giddens argumenta que “nas sociedades
tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a
experiência de gerações”, e completa: “A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço,
inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e
futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes” (GIDDENS,
1990, p. 37-38).
Para Hall (2015) e Giddens (1990), a modernidade, em contraste, “não é definida apenas
como a experiência de convivência com a mudança rápida, abrangente e contínua, mas é uma
forma altamente reflexiva de vida” (HALL, 2015, p.13), na qual “as práticas sociais são
constantemente examinadas e reformadas à luz das informações recebidas sobre aquelas
178
próprias práticas, alterando, assim, constitutivamente, seu caráter” (GIDDENS, 1990, p. 37-
38).
Giddens discorre sobre o ritmo e o alcance da mudança – “à medida que áreas diferentes
do globo são postas em interconexão umas com as outras, ondas de transformação social
atingem virtualmente toda a superfície da Terra” (GIDDENS, 1990, p. 6) – e sobre a natureza
das instituições modernas:
Tanto a indefinição quanto a descontinuidade são fatores importantes que nos trouxeram
até onde estamos hoje.
O desafio agora é buscar um sistema que leve em conta que já não é mais possível
estabelecer o fluxo espaço-temporal de qualquer produto ou bem cultural, de qualquer indivíduo
como produtor de cultura.
Não apenas ocultas – de uma maneira em que se entende poder desocultar –, tais relações
já não são mais rastreáveis.
O que está sendo criado é um novo espaço cultural eletrônico, uma geografia
"sem lugar" da imagem e da simulação. [...] Essa nova arena global da cultura
é um mundo de comunicação instantânea e superficial em que os horizontes
de espaço-tempo foram comprimidos e desmoronaram. [...] A globalização é
a compressão dos horizontes espaço-tempo e a criação de um mundo de
instantaneidade e superficialidade. O espaço global é um espaço de fluxos, um
espaço eletrônico, um espaço descentrado, um espaço no qual as fronteiras e
limites tornaram-se permeáveis. Neste cenário global, o econômico e o
cultural estão em contato intenso e imediato um com o outro – com cada
"outro" (um "outro" que não está mais simplesmente "lá fora", mas também
no interior). (ROBINS, 1991, p. 28).
É a glocalidade.
Tenho argumentado que esta é a força que está moldando nossos tempos.
Muitos comentaristas, no entanto, sugerem que algo muito diferente está
acontecendo: que as novas geografias são, de fato, sobre o renascimento da
localidade e da região. Tem havido um grande aumento de interesse em
economias e estratégias econômicas locais. O argumento a favor das
economias locais ou regionais como unidades fundamentais da produção foi
levantado pela tese da "especialização flexível" [...]. Essa perspectiva reforça
a importância central e prefigurativa de complexos de produção localizada.
Sugere-se, então, que as infraestruturas e as instituições locais são cruciais
para o seu sucesso: relações de confiança baseadas em contatos feitos
pessoalmente, uma "comunidade produtiva" historicamente enraizada em um
182
Cruciais ou não, o que importa é que a glocalização e a globalização trazem para essas
infraestruturas e instituições locais o potencial de se tornarem cruciais.
Enquanto a globalização pode ser a força dominante dos nossos tempos, isso
não significa que o localismo é sem significado. Se tenho enfatizado processos
de deslocalização, associados principalmente ao desenvolvimento de novas
redes de informação e comunicação, isso não deve ser visto como uma
tendência absoluta. A particularidade do lugar e da cultura nunca pode ser
desconsiderada, nunca pode ser absolutamente transcendida. A globalização
também é associada, de fato, a novas dinâmicas de relocalização. Trata-se da
realização de um novo nexo global-local, novas e complexas relações entre o
espaço global e o espaço local. A globalização é como montar um quebra-
cabeça: é uma questão de inserir uma multiplicidade de localidades no quadro
geral de um novo sistema global. (ROBINS, 1991, p. 36).
A tensão agora é a superação do conceito de identidade, o que não significa que uma
pessoa, um povo, uma nação ou uma cultura não possuam suas determinadas características
próprias e essenciais, isso apenas significa que estas não podem mais ser nomeadas.
local". Este "local" não deve, naturalmente, ser confundido com velhas
identidades, firmemente enraizadas em localidades bem delimitadas. Em vez
disso, ele atua no interior da lógica da globalização. Entretanto, parece
improvável que a globalização vá simplesmente destruir as identidades
nacionais. É mais provável que ela vá produzir, simultaneamente, novas
identificações "globais" e novas identificações "locais". (HALL, 2015, p. 45).
[...] eu quero fazer um simples ponto aqui sobre o que se poderia chamar de
geometria do poder, a geometria do poder da compressão espaço-tempo.
Diferentes indivíduos e grupos sociais passam a ocupar posições distintas em
relação a esses fluxos e interconexões. Este ponto não diz respeito apenas a
questão de quem se move ou não, apesar deste ser um elemento importante;
diz respeito ao poder em relação aos fluxos e movimentos. Diferentes grupos
sociais têm relações distintas com esta mobilidade, de qualquer maneira,
diferenciada: algumas pessoas "comandam" mais do que outras, algumas
iniciam fluxos e movimentos, outras não; algumas sofrem seus impactos mais
que outras, algumas são efetivamente aprisionadas. (MASSEY, 1991, p. 25).
De certa forma, ao final desse espectro, estão aqueles que estão fazendo
ambas, a movimentação e a comunicação, e os que estão, de alguma forma,
em uma posição de controle em relação a ele – os jet-setters, os que enviam e
recebem faxes e emails, fazem conferencias internacionais por telefone,
distribuem os filmes, controlam as notícias, organizam os investimentos e as
operações em moedas internacionais. Estes são os grupos que estão realmente,
de certo modo, responsáveis pela compressão do espaço-tempo, que podem
realmente usá-la e tirar proveito dela, e cujo poder e influência muito
definitivamente aumenta. Em suas margens mais prosaicas, esse grupo
provavelmente inclui um bom número de acadêmicos e jornalistas ocidentais
– aqueles, em outras palavras, que escrevem mais sobre isso. Mas também há
grupos que estão fazendo movimentos físicos, mas que não estão "no
comando" do processo da mesma forma que outros. Os refugiados de El
Salvador ou da Guatemala e os trabalhadores migrantes não documentados de
Michoacán, no México, lotando Tijuana para fazer uma travessia talvez fatal
de um lado para o outro da fronteira dos EUA em busca de uma chance para
uma nova vida. Aqui a experiência do movimento, e de fato de uma
pluralidade confusa de culturas, é muito diferente. [...] Ou – um último
exemplo para ilustrar um tipo diferente de complexidade – existem pessoas
184
que vivem nas favelas do Rio, que conhecem o futebol internacional como as
palmas de suas mãos, que criaram alguns de seus jogadores, que contribuíram
fortemente para a música internacional, que nos deram o samba e a lambada
dançados em Paris e Londres, e que nunca, ou quase nunca, foram ao centro
do Rio de Janeiro. Em um nível, houve grandes contribuintes ao que
chamamos de compressão espaço-tempo, e em outro existem os que são
aprisionados por ela. Isto é, em outras palavras, uma diferenciação social
altamente complexa. Existem diferenças no grau de movimento e de
comunicação, mas também no grau de controle e de iniciação. As maneiras
pelas quais as pessoas são colocadas dentro da "compressão espaço-tempo"
são altamente complicadas e extremamente variadas. (MASSEY, 1991, p. 25-
26).
Esses jet-setters são os chamados “líderes de opinião” na teoria do Two-step flow, e eles
têm grande importância no fluxo cultural (de acordo com a explicação no subcapítulo 2.1.1).
Ainda que alguns tenham mais condições – conforme indicado anteriormente, hierárquicas –
de fazerem tal papel de jet-setter, todos têm o potencial, maior ou menor, de o serem.
Lipovetsky, nesse sentido, nos oferece dados que nos demonstram uma maior
concentração da “geometria do poder” nas mãos do Ocidente:
mencionamos que a grande resposta, o que devemos buscar, não é nem o McMundo, nem a
Jihad) –, todos agora têm o mencionado potencial de influência, mesmo que ainda em nível
desequilibrado, agora, todos possuem tal potencial.
O ritmo é diferente, porém, ainda que o potencial de distribuição não seja igualitário, o
potencial de acesso o é: Cada indivíduo que entra no ciberespaço pode acessar qualquer
conteúdo, tendo assim acesso a todas as culturas, mesmo aqueles que o têm apenas
indiretamente, como é o caso do glocal lato sensu.
O grande ponto a ser considerado nesse sentido dentro desta Tese é que no Nobrow,
essas tendências de época mencionadas convivem juntas.
É indubitável que as grandes marcas são vendidas pelos quatro cantos da Terra
e que as multinacionais da cultura inundam o mercado mundial com os seus
produtos. Contudo, não é menos verdade que, paralelamente a esse processo
de uniformização, está em curso uma lógica de diversificação e de
heterogeneidade, que pode ser observada tanto nas formas de produção quanto
nos consumidores e nas atitudes individuais. Sem dúvida, nunca se
produziram e se difundiram tantas músicas, filmes, livros, imagens, estilos de
187
A grande questão é que não existe mais “pesquisador externo”: na ubiquidade da cultura
Nobrow, todos os indivíduos estão envolvidos em todos os contextos culturais do mundo, direta
ou indiretamente.
Junto, ao lado e, às vezes, contra tal poder discursivo se coloca cada vez com
mais força expressiva e conceitual a auto-representação, ou seja, os modos
também plurais através dos quais os que foram considerados por muito tempo
apenas objetos de estudo – uma paisagem de fundo – revelam-se sujeitos que
interpretam em primeiro lugar a si mesmos e depois também a cultura do
antropólogo. Estas modalidades interpretativas não são mais relegadas à
esfera investida a eles por Geertz, institucionalizadas em procedimentos
dicotômicos e hierárquicos: estas agora perturbam as fronteiras da linguagem
digital que está caminhando para uma inovadora webetnografia. Por exemplo,
o método de pesquisa na web como fieldwork não pode ser aplicado com as
mesmas modalidades lógicas e compositivas dos contextos tradicionais. [...]
Em suma, tecnologias digitais, subjetividades “nativas”, posicionamentos
críticos que trituram o “nós” compacto do Ocidente, cruzam-se e desafiam o
monopólio obsoleto acadêmico ou jornalístico como único “enquadramento”
legitimado a representar o outro. (CANEVACCI, 2016, p. 12-13).
O que temos que fazer é superar exatamente a questão da representação, que não é
condizente com a contemporaneidade cibercultural e Nobrow.
Conforme já adiantado nas discussões ao longo do capítulo 2 desta Tese, é desse mix
que nasce o Nobrow: desse fluxo, da possibilidade de alcance, de consumo virtual de toda a
cultura do mundo.
E esse trânsito dissolve os laços com as classes sociais que Benjamin ainda
identificava com certeza: burguês-aristocrática no primeiro caso; operária-
proletária no segundo. Aquela força estética que se coagulava no conceito de
aura – a desfrutabilidade da obra de arte em um tempo e em determinado
contexto (o hic et nunc) – agora se enxerta entre as inovações digitais
praticáveis na experiência de todo teenager glocal. O digital é auraticamente
reproduzível. Esse potencial mix inovador – aurático-reproduzível – é um
indicador decisivo para entender o que está mudando nas artes
contemporâneas. É um salto paradigmático claro e expressivo com relação ao
passado. De fato, a relação sociológica entre consumo e mídias analógicas
dividia dicotomicamente os sujeitos sociais entre quem produzia e quem
consumia: no primeiro caso, o trabalhador portador de política ou o artista
isentado do trabalho; no segundo, o consumer submetido em uma passividade
induzida pelo nivelamento homologante, pela indiferença dos significados.
(CANEVACCI, 2016, p. 17).
Segue-se disso uma crescente alteração que vai dos mass media clássicos aos
post-media contemporâneos, elevando o canto fúnebre para o primeiro: os
mass media estão morrendo porque o referente não é mais o conceito
sociológico de massa, mas sim o conceito comunicacional de multivíduo; e a
190
Tais fluidez e mutabilidade vão além: fazem-nos transcender até mesmo o conceito de
identidade.
Assim sendo, para evitar tal tarefa “inútil e frustrante”, é necessário que a crítica abrace
essa “metodologia vagante” (CANEVACCI, 2013, p. 12), abrace o indefinido, tanto em seus
objetos quanto em sua metodologia.
Canevacci coloca aqui o papel do etnógrafo, a necessidade deste de ‘vagar”, mas essa
analogia serve para todos os antropólogos, sociólogos, todos os críticos e teóricos da nossa
contemporaneidade, conforme indicamos, e discutimos mais profundamente, no subcapítulo
5.2.
Desse modo, toda a recusa da crítica, dos etnógrafos e demais teóricos em abraçar o
indeterminado, consequentemente, os impede de analisar o sincretismo. O mesmo se aplica ao
Nobrow, que é o ápice da indeterminação e a evolução do sincretismo.
Essa relação feita por Canevacci ao colocar o artista como etnógrafo é análoga àquela
feita no subcapítulo 1.3.2, quando indicamos que na contemporaneidade Nobrow o artista
também deve ser crítico.
192
Podemos traçar um paralelo direto do fenômeno que ele está descrevendo ao falar em
“tendência para além dos clássicos sincretismos” para definir o termo “SincrétiKa” com a
definição em “Além-hibridismo”, feita nesta Tese para descrever a evolução do hibridismo. São
apenas diferentes nomeações para um mesmo fenômeno, com pequenas diferenças
perspectivas, em uma contemporaneidade cujos fenômenos são, na realidade, inomináveis (e a
justificativa para tal antítese consta no subcapítulo 3.2.3) – como os diversos outros termos
mencionados na citação citada, que são demonstrações das tentativas de nomeação de um
mesmo fenômeno inclassificável (Nobrow) em suas diferentes manifestações. “O sincretismo
investe, dissolve e remodela”.
193
A antropologia – por mais que consiga um pouco mais que as outras áreas analisar a
contemporaneidade Nobrow – tem ainda muito a aprender para poder apreender o sincretismo
e o Nobrow e também deve deixar de pensar em modelações e remodelações, e sim abraçar a
incapacidade desses (e, inclusive, de si mesma – no advento do Nobrow) de “se regular” ou de
“ser regulada”. “O desafio taxonômico de ordenar as cores e os indivíduos me pareceu, além
de impossível, inútil, mas sedutor.” (CANEVACCI, 2013, p. 36).
A discussão sobre aculturação, ainda que não sob esse nome, foi dada profundamente
no subcapítulo 3.3.1.
A cultura sempre foi um objeto de estudo muito difícil de ser analisado por meio de
modelos culturais, e, hoje, essa dificuldade toma todo um novo parâmetro no advento da cultura
Nobrow, na qual tais modelos se tornam impossíveis de serem aplicadas, e não somente são
“homologantes e entrópicos” para a cultura como para si mesmos (e para a etnografia, para a
antropologia, para a crítica e para a teoria em geral).
Como tal “processo de mudança e continuidade” deixou de ser apenas mais um dos
vários processos existentes e se tornou a cultura em si, sua compreensão se torna ainda mais
imprescindível.
O mix dos traços culturais compatíveis com a própria cultura atesta a escolha
de uma crise das aculturações violentas e predatórias. O contato cultural pode
ser caracterizado pela reinterpretação ativa, pela recombinação deslocante,
pela revitalização móvel. O sincretismo não é um ecletismo sem conceito ou
um pragmatismo sem escrúpulos, aceito por filósofos puristas ou antropólogos
incontaminados. Ao contrário, o sincretismo se apaixona pelas coisas triviais,
secundárias, alheias: inclui tanto o replacement como o displacement, e até o
reacting. No primeiro caso, se substitui uma parcialidade familiar por outra
estranha; no segundo, se obtém a desorientação do sujeito, o deslocamento da
sua ordem espacial e temporal "normal". O objeto sincrético, no fim, resultará
perturbador na mistura entre familiar e estrangeiro, no qual a etnografia insere
o seu âmbito específico de pesquisa. No terceiro, um traço cultural, artístico
ou performático é "re-agido" (ou reenacting), transita do velho para o novo,
reatualiza o velho ou o clássico e até o recente, transfigurando-se em presente
sincrético. (CANEVACCI, 2013, p. 41-42).
Canevacci coloca aqui uma questão da qual diversos teóricos discordam: “O sincretismo
é glocal” (CANEVACCI, 2013, p. 46). Há uma tendência da teoria contemporânea em
continuar apegando-se aos fluxos culturais territoriais e temporais (conforme discutido ao longo
de todo subcapítulo 3.3.1). Na discussão entre os diversos termos para mistura cultural
(sincretismo, hibridismo, mestiçagem etc.), talvez os teóricos de cada uma desses acreditem em
uma hipótese diferente – Canevacci diz que o sincretismo é glocal, já os teóricos do hibridismo,
por exemplo, costumam se apegar mais ao territorialismo (de acordo com o visto no subcapítulo
3.2.1), dentre outros exemplos que serão abordados mais profundamente nos subcapítulos
respectivos a cada um desses termos –, mas nosso objetivo ao longo desta Tese não é refutar
esse dado em relação a cada um desses conceitos, mas sim analisar como um desses conceitos
e, aí sim, atestar que a glocalidade é condição sine qua non da cultura Nobrow.
Grande parte desse argumento também se aplica ao Nobrow, que é liberto das
classificações racionais. “A liberação é sincrética. Afirma e pratica a irreversível multiplicidade
dos valores culturais enquanto não-idênticos; e por isso o não-idêntico deve ser compartilhado:
197
Essa liberdade, essa libertação de amarras, é o que faz a criatividade fluir e produzir
produtos culturais e toda uma nova cultura – Nobrow – anteriormente inimaginável, impossível
de ser dentro de padrões pré-estabelecidos. “As relações possíveis entre liberdade como valor
e liberação enquanto processo transculturador configuram panoramas inéditos além da
aculturação tradicional” (CANEVACCI, 2013, p. 54, grifo do autor).
Toda essa constatação é ainda mais pertinente dentro dos parâmetros da cultura Nobrow,
cuja “verdade” jamais será alcançada em tentativas de “cercar e delimitar” uma cultura que é
ubíqua e indefinível.
há mais como ela continuar com tal procedimento, já que ela vem obliterando a si própria ao
fazê-lo (conforme descrito no subcapítulo 5.2).
colocamos em espaços meticulosamente pensados para uma certa ordem. Nossos corpos, até
mesmo de acordo com a lei de Newton, não ocupam o mesmo espaço, não se mesclam. Essa
ideia de espaço pessoal foi transformada em conceito de cidadania, como elemento matricial
para a humanidade: “meu espaço acaba onde começa o seu”. Tudo isso é forma, lógica, ordem,
definição. É a forma que cria a civilização, tudo isso é ordenação. Porém a realidade não é tão
quadrada. Esse modelo foi muito reforçado pelo pensamento cartesiano; ainda que encontremos
muita lógica e ordem na natureza, fazemos questão de ignorar toda a simbiose nesta, de nos
focar na nossa superioridade em relação a esta. Por mais que tudo e todos procurem uma
logicidade, por mais que o ser humano seja mais compatível com a forma do que com a
desforma – independentemente dos motivos –, nem a natureza assim o é, nem mais o mundo
contemporâneo fabricado pelos humanos. Tentamos desesperadamente dar ordem e lógica ao
mundo, mas a velocidade que nós mesmo impusemos a este fez-nos perder a capacidade de
fazê-lo.
Ao longo desta Tese vários novos conceitos vão sendo abordados, explicados e
discutidos para ilustrar esta era Nobrow em que vivemos na qual não é mais possível buscar
mencionadas ordem e lógica. Entre eles, destacamos a importância de “inclassificalismo” e
“além-hibridismo”.
Depois do surgimento da cibercultura, ao juntar-se com o hibridismo cultural, ela o
potencializa, até fazer surgir – por volta de 2000, o além-híbridismo, o inclassificalismo e o
Nobrow. Já vimos no decorrer de diversos capítulos e subcapítulos anteriores como a influência
global atemporal e ageográfica trouxe novos bens culturais que estimularam a evolução do
conceito de hibridismo para um “além-hibridismo” e para o Nobrow, e os tornaram bens
inclassificáveis devido à interatividade típica da cibercultura.
Contudo, devemos esclarecer e diferenciar os termos – ainda que tal diferenciação já
tenha sido feita em outros subcapítulos, um novo esclarecimento retomando resumidamente a
devida semântica é pertinente –: Nobrow é o nome do fenômeno glocal, situado na era da
cibercultura, que utiliza o ciberespaço como meio para a internacionalização da cultura. Os
produtos culturais resultantes deste fenômeno são inclassificáveis e “além-híbridos”.
Clarificando: Nobrow é o “Além-Híbrido”, Nobrow é o inclassificável, porém somente
o é ao se considerar sua relação com o ciberespaço: esses dois termos não estabelecem ligação
clara com esse medium e com a cibercultura. Podemos dizer que obras inclassificáveis sempre
existiram, mas somente as surgidas no advento da cibercultura são consideradas Nobrow, e
somente na contemporaneidade elas se tornaram maioria, fazendo surgir assim a era do
inclassificalismo. Já os produtos culturais “além-híbridos” são aqueles que superaram o
204
hibridismo territorial e temporal, sendo mais do que mera soma de influências em sequência
lógica, sendo completamente novos, inclassificáveis, atemporais e ageográficos.
“inclassificalismo” e “além-hibridismo” são fenômenos que surgiram no advento do Nobrow,
que surgiram por causa da cibercultura, que demonstram aspectos da era Nobrow, entretanto,
possuem semânticas independentes dessa.
Nobrow é a articulação social no ciberespaço através da qual a estética dessa cultura
inclassificável além-híbrida e seus bens culturais são internacionalmente estabelecidos. Nobrow
é o inclassificável e o “além-híbrido” na era cibercultural.
O inclassificalismo e o “além-hibridismo” surgem, e precisamos aprender a lidar com
eles, ao invés de tentar conferir-lhes um sentido cartesiano que jamais será capaz de explicá-los
e que jamais conseguiremos desenvolver a tempo.
3.3 INTERNACIONALIZAÇÃO
Muito se fala em uma cultura internacional, mundial, planetária. Porém, uma análise
desse conceito de “planetário” é necessária para os devidos esclarecimentos. Onde se situa o
planetário? Ele está na tendência majoritária mundialmente realizada a partir dos países
economicamente desenvolvidos e daqueles que seguem o modelo desses países. O “planetário”
diz respeito a uma tendência que se totaliza, que é irretorquível, que é pressionadora e que faz
os outros países virem a reboque. Isso é o que dá a consonância de uma tendência planetária:
não necessariamente o alcance de uma maioria ou de uma unanimidade do total do pouco mais
de duzentos países registrados na ONU, mas, sim, por exemplo, de apenas oito – os
componentes do G8 –, não pela sua extensão, mas pelo seu grau de influência mundial.
Esse é o significado corrente de “planetarizado”: uma tendência que faz com que os
chamados “outros”, queiram ou não, tenham que vir na mesma tendência, porque senão serão
exclusos (e, por essa exclusão, sofreriam morte, física ou simbólica), de maneira que, para que
isso não ocorra, os “outros” países seguem a “política da boa-vizinhança”. Ferrara, ao invés de
“planetarizado”, fala em “globalismo”:
quando fazemos um balanço de todos os processos planetários, temos a obrigação de não mais
continuar na mesma estrada e imaginar um começo, mas a questão é saber como.”
(BAUDRILLARD; MORIN, 2004, p. 77).
Questão essa da tendência majoritária, ainda que não totalitária, indicando
planetarização territorial. Tudo encontra-se internacionalizado, mas isso não significa que se
encontre homogeneizado.
3.3.1 Globalização
A menos que se concorde com a hipótese extremada feita em 1983 pelo diretor
da revista Business Harvard Review, Theodor Levitt, de uma “padronização
208
McMundo ou Jihad? - Este dilema foi invadindo cada vez mais as reflexões
sobre o futuro da cultura no planeta, sob o impulso dos universais simbólicos
do consumo de massa e das redes de tempo real. Alguns acreditam ser
inevitável a instauração de um McMundo, sendo a monocultura o resultado
lógico do livre comércio e da formação dos grandes blocos econômicos. Os
antípodas desta representação coletiva pensam que a homogeneização nem
está em pauta de discussão num mundo dilacerado por desníveis sociais e
econômicos e pelos espasmos nacionalistas. Para estes, o Jihad seria um
reflexo mais autêntico do estado atual do planeta. Até que ponto estas imagens
divididas entre dois extremos explicam a complexidade do futuro da cultura,
das culturas? Como situar esta fase histórica da evolução de nossas sociedades
sem cair nas facilidades e armadilhas de palavras sem sentido, declinações
sucessivas das noções de homogeneização, de padronização e de
210
Mais exemplos, mais provas de que globalização não significa a morte dessas culturas,
muito pelo contrário, traz um grande potencial de mundialização para essas.
Marc Augé fala das “novas formas de simbolização atuantes em escala planetária”:
Sozinho, mas semelhante aos outros, o usuário do não lugar está com este (ou
com os poderes que o governam) em relação contratual. A existência deste
contrato lhe é lembrada na oportunidade (o modo de uso do não-lugar é um
dos elementos do contrato): a passagem que ele comprou, o cartão que deverá
214
Retornamos aqui à discussão sobre a suposta extinção das culturas locais – ou, segundo
Warnier, erosão rápida e irreversível destas –, devido à grande aceitação e disseminação dessa
hipótese, não verdadeira no advento do Nobrow, conforme demonstraremos aqui. Ao mesmo
tempo, iniciamos a discussão sobre o papel dos etnólogos na apreensão da cultura Nobrow (em
par com a discussão no subcapítulo 5.1.5, complementada pela discussão sobre o papel dos
antropólogos no subcapítulo 3.3.1.2. E todas essas discussões somam-se como preâmbulo para
a discussão geral sobre o papel da crítica no subcapítulo 5.2).
Jean-Pierre Warnier, que em vários sentidos tem posição contrária à desta Tese, acredita
que a globalização da cultura seja apenas da cultura de massa, da cultura de países
desenvolvidos – jamais da cultura local. “Língua e cultura estão no coração dos fenômenos de
identidade. A noção de identidade encontra um sucesso crescente no campo das ciências sociais
desde a década de 1970.” (WARNIER, 2003, p. 16). O autor continua:
Contudo, a globalização dos fluxos culturais traz um novo produto inédito: o “além-
hibridismo” (de acordo com o subcapítulo 3.2.5).
Todavia, esse tipo de estudo não é mais plausível nem localmente, pois nada mais se
passa apenas de maneira local, o mundo todo está em contexto glocal, direta ou indiretamente.
Ambas as constatações dos etnólogos mencionadas acontecem apenas por falta de capacidade
de apreensão do Nobrow por parte deles mesmos, de toda a crítica e de toda a sociedade (de
acordo com o subcapítulo 5.2). As culturas locais, no advento do Nobrow, têm grande potencial
216
de disseminação e visibilidade mundial, é apenas preciso que essa capacitação de teóricos seja
feita para tal.
Warnier, grande crítico de Baudrillard, crítico da visão globalizada do etnólogo,
defensor da visão do localizado (com a qual, conforme discorremos acima, não concordamos,
pois essa separação não existe mais devido ao glocal lato sensu), diz que:
2003, p. 149). Quanto a essa citação, concordamos com Warnier. A nossa discordância está
apenas no método para atingir tal objeto.
Após nossa análise do papel do etnólogo na apreensão da cultura Nobrow por meio de
um ponto de vista teórico discordante em relação ao desta Tese, iniciaremos assim nossa
análise, agora do ponto de vista do papel do antropólogo na apreensão do Nobrow a partir da
visão de Canclini, concordante com a desta Tese.
que é o social, não apenas das pessoas comuns como também dos cientistas.
Não basta tentar entender o "contexto social" quando os cidadãos decidem em
quem votar ou os consumidores escolhem se diferenciar lendo livros ou
exibindo dispositivos eletrônicos. Nós tomamos essas decisões participando
de interações sociais que não são exteriores aos indivíduos, como são
imaginados os "contextos". Operamos como atores em rede que colocam em
dúvida constantemente como se associar, e para quê, com outros atores, com
instituições e com os movimentos que as questionam. Naturalmente, examinar
a cada momento os pressupostos do senso comum não é tarefa exclusiva dos
filósofos e cientistas sociais, ou seja, nós que suspeitamos da simples
acumulação de dados – dos que leem ou não, dos que votam ou preferem se
manifestar nas ruas. Também cumprem essa tarefa crítica os movimentos
sociais, e por isso os pesquisadores estão prestando tanta atenção neles e nas
estruturas, que cada vez duram menos. Em um mundo que se transforma com
mais velocidade do que quando apareceu a imprensa, o cinema ou a televisão,
é inaproveitável a ideia do cientista como um taquígrafo que anota se as leis
imaginadas "do social" são cumpridas ou transgredidas. Quando as maiorias
não atuam conforme as leis, mas adaptando-se a relações informais que
prevalecem na política, [...] quando o sobrenome que melhor qualifica a
democracia é canalha, quando não muda fisicamente o mapa dos poderosos,
mas as interações próximas e distantes de multidões, e todos nos sentimos
mais ou menos estrangeiros, a tarefa do pensamento social – em vez de
descobrir regularidades de longa duração – é "orquestrar contrastes" (Clifford
Geertz). Captar a ordem das pessoas e das coisas requer, mais do que nunca,
estar atento à sua arbitrariedade. A sociedade é um labirinto de estratégias.
(CANCLINI, 2016, p. 17-18).
Não somente nos encontramos em tal transição incerta como também devemos nos
preparar para a possibilidade da incerteza não ser apenas transitória, mas sim ter vindo para
ficar e, assim, nos preparar para trabalhar em seu advento. A velocidade só dá mais força à
incerteza, de forma que realmente devemos – “em vez de descobrir regularidades de longa
duração – é orquestrar contrastes”.
É incômodo aceitar que aquilo que acreditávamos saber já não tem capacidade
explicativa. Se quase tudo se tornou versátil, flexível, é preciso se incumbir
da incerteza. E nos aferramos a noções de sociedade, etnia, nação ou classe,
que em outras temporadas serviram para encontrar ordem nos
comportamentos. Ou para impô-los. (CANCLINI, 2016, p. 18).
Ambos estão fazendo tais avanços retrocederem. Tal abordagem pode ter sido
justificada anteriormente, mas juntamente com a superação da pós-modernidade, também vai
sendo superada, pois, no Nobrow, todas as culturas vivem em simultaneidade heterogênea, e é
a partir disso que se deve trabalhar na contemporaneidade.
Tem de ser possível, pois, no Nobrow, com a glocalização, mesmo culturas isoladas
localmente estão sob influência da internet. De tal modo, não há mais como ser “indiferente às
indústrias da comunicação e à globalização” (CANCLINI, 2016, p. 43-44).
A noção de hibridação foi estendida mais do que deveria ser: ela é, sim, extremamente
ampla, porém, já há noções de “além-hibridismo” que ainda são consideradas como
“hibridismo”.
Tudo se entrelaça e se funde. Era realmente mais fácil definir objetos com as
mencionadas demarcações, mas, infelizmente, isso não funciona mais na contemporaneidade
Nobrow, já não temos tais demarcações e já nem mais conseguimos definir coisa alguma. Não
existe mais totalidade, apenas simultaneidade e coexistência. Todos “fazemos experiências
fronteiriças permanecendo em nosso lugar natal” (CANCLINI, 2016, p. 50) por meio de nossos
contextos glocais – todo local do mundo se tornou uma zona de intercâmbio, querendo ou não.
Devemos utilizar os termos de hibridação em suas semânticas adequadas, para descrevê-las,
porém, devemos ter a consciência da existência da “além-hibridação” e também utilizar este
conceito adequadamente. “Aí é onde se reúnem a estética e a política, ao dar visibilidade ao que
está escondido. Reconfiguram a divisão do sensível e tornam evidente o dissenso.”
(CANCLINI, 2016, p. 52).
As barreiras caíram, e pertencemos, sim, a uma comunidade mundial, o que não quer
dizer que as culturas locais foram apagadas, muito pelo contrário, todas convivem
harmoniosamente no advento do Nobrow.
Assim como tomamos a pós-modernidade como vencida, também são essas suas noções
características. A noção de “estraneidade” não existe mais, tudo está unido e “além-
hibridizado”, não se pode mais traçar as diferenças, estabelecer identidades. Hoje, todos
sentem-se, sim, estrangeiros em sua própria sociedade, mas, no advento do Nobrow, o sentem
por não haver mais nenhuma sociedade que possa abranger suas individualidades únicas.
A evolução do territorialismo.
díspares, querendo provar qual delas tem maior capacidade explicativa. Por
sua parte, os artistas lidam com conceitos e organizam intelectualmente suas
representações do real; transformam suas instituições em linguagem,
comunicam-nas e contrastam-nas com experiências sociais. Existe um
problema compartilhado pela epistemologia e pela estética: como se
interseccionam o movimento pelo qual a linguagem ganha dinamismo e
significação graças às metáforas com o movimento que busca precisar e fixar
o sentido em conceitos. (CANCLINI, 2016, p. 65-66).
Ou seja, ambas precisam superar os conceitos. Nem mesmo as ciências duras têm
conseguido lidar com sua pesquisa por meio de conceitos unívocos.
Não há mais nenhum recurso identificatório cabível, temos que desenvolver recursos
que não dependem de conceitos fechados, de nomeações. “[...] a sistematização de dados não é
sinônimo de uniformização. Os vastos arquivos globais interconectam diferenças sociais e
culturais; não conseguem dissolvê-las.” (CANCLINI, 2016, p. 70). Não há nenhuma
necessidade de buscar uniformização nomeando um qualquer algo que seja.
Dessa maneira surgiu a arte e a cultura Nobrow. Agora, para reconhecer e dar
visibilidade a essa cultura, cabe à crítica agir da mesma maneira: deixar “emergir a incerteza e
o estranhamento” também em sua própria metodologia.
Articulação essa que ganhou todo um novo potencial ao sair de uma ordem lógica
temporal e territorial com a introdução do ciberespaço.
Justamente porque o tempo deixou de ser linear. As novas conexões internacionais não
são mais apenas daquilo que tem contato presencial, territorial. Glocalizadas, são infinitas e
ilógicas.
O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com "o novo" que não
seja parte do continuum de passado e presente. Ele cria uma ideia do novo
como ato insurgente de tradução cultural. Essa arte não apenas retoma o
passado como causa social ou precedente estético; ela renova o passado,
refigurando-o como um "entre-lugar" contingente, que inova e interrompe a
atuação do presente. O "passado-presente" torna-se parte da necessidade, e
não da nostalgia, de viver. (BHABHA, 2013, p. 29).
A arte Nobrow fez surgir e nos mostrou o que era a nossa nova sociedade Nobrow. “O
que exige maior discussão é se as ‘novas’ linguagens da crítica teórica (semiótica, pós-
estruturalista, desconstrucionista e as demais) simplesmente refletem [...] divisões geopolíticas
e suas esferas de influência.” (BHABHA, 2013, p. 49). Não apenas essas novas linguagens, mas
todas existentes devem se reavaliar e se reinventar além dessas divisões e esferas.
Por isso, não é mais possível categorizar nenhuma cultura. E já não é mais possível
tomar “o hibridismo cultural e histórico do mundo pós-colonial como lugar paradigmático de
partida”, pois ele também já foi superado neste novo cenário atemporal e ageográfico, já
agregou o “além”. O “além-hibridismo” (de acordo com o subcapítulo 3.2.5) surge para atuar
nesse novo cenário que o hibridismo não tem bases para tal.
230
Por meio do conceito de diferença cultural quero chamar a atenção para o solo
comum e o território perdido dos debates críticos contemporâneos. Isso
porque todos eles reconhecem que o problema da interação cultural só emerge
nas fronteiras significatórias das culturas, onde significados e valores são
(mal) lidos ou signos são apropriados de maneira equivocada. A cultura só
emerge como um problema, ou uma problemática, no ponto em que há uma
perda de significado na contestação e articulação da vida cotidiana entre
classes, gêneros, raças, nações. Todavia, a realidade do limite ou texto-limite
da cultura é raramente teorizada fora das bem intencionadas polêmicas
moralistas contra o preconceito e o estereótipo ou da asserção generalizadora
do racismo individual ou institucional – isso descreve o efeito e não a estrutura
do problema. A necessidade de pensar o limite da cultura como um problema
da enunciação da diferença cultural é rejeitada. (BHABHA, 2013, p. 69-70).
Mais uma vez, devemos entender que as fronteiras, de qualquer tipo, não existem mais.
A cultura não tem mais limites territoriais e temporais, mas essa realidade é ignorada justamente
porque “a necessidade de pensar o limite da cultura como um problema da enunciação da
diferença cultural é rejeitada” (BHABHA, 2013, p. 70).
Não importa o quanto a crítica ou a academia tentem, não há como reverter o fato de
que não existe mais supremacia cultural. As referências se perdem em uma cultura sem ordem
territorial e temporal lógica, levando esse sistema identificatório à ruína.
Que não pode, que não tem mais como ser negado.
Precisamos ter consciência das características da época em que estamos para escolher
as ferramentas adequadas para analisá-la.
Os signos e os significados de uma mesma coisa mudam conforme seu uso e seu local.
Na era da aceleração, da produção em excesso de signos, eles já perdem completamente seus
referenciais.
Ou aceitar que não há mais como fazer qualquer distinção. Há diferença cultural e há
toda uma percepção e fruição desta que não necessitam de categorias racionalizadoras para
acontecer. Vencer o discurso da “nação”, dos “povos” ou da tradição “popular” autêntica só faz
as culturas crescerem e tornarem-se mais ricas.
A resposta para tais questionamentos à qual esta Tese chega é afirmativa: precisamos
repensar o uso de todo e qualquer termo.
A questão da qual é necessário tomarmos consciência é que já não existe mais posições,
não há mais centro, não há mais marginalidade. Reiterando: a cultura Nobrow é ageográfica.
Esse é o nosso ponto de partida: “Toda cultura é, antes de tudo, híbrida” (LEMOS, 2009,
p. 38). Tentar achar uma primeira cultura, originária, pura, é apenas empreendimento insano e
fútil. O hibridismo é a cultura em si. Atualmente, com “a velocidade e o alcance global”
(LEMOS, 2009, p. 38), o que ocorre é uma evolução, uma transcendência do hibridismo.
Ou seja, o fluxo cultural em suas novas modulações no ciberespaço, por meio das novas
tecnologias digitais e interativas.
Foram essas novas tecnologias que proporcionaram, direta ou indiretamente (glocal lato
sensu ou glocal stricto sensu, conforme subcapítulo 3.1.2) esse novo alcance, tanto para se
consumir quanto para se produzir cultura. Elas proporcionaram disseminação global para o
fluxo cultural.
Esses são os três princípios básicos para uma compreensão das recombinações
em jogo na cultura contemporânea: emissão, conexão, reconfiguração –
recombinações que vêm da liberação da emissão, do princípio de conexão.
Trata-se de uma reconfiguração cultural, artística, imaginária, subjetiva,
produtiva, econômica, jurídica, em marcha. A compreensão desses princípios
vai permitir entender o que chamaremos de território digital informacional e
os impactos socioculturais das atuais tecnologias móveis de comunicação e
informação. (LEMOS, 2009, p. 41-42).
Foi por meio dessas reconfigurações que Nobrow tomou o mundo, deixando de ser
apenas Arte Nobrow, Cultura Nobrow, Comunicação Nobrow, Sociedade Nobrow, para tornar-
se a própria época em que vivemos: a Era Nobrow.
Hoje, o território digital cria uma zona dentro de outros territórios onde é
possível acessar, produzir e distribuir informação, de maneira autônoma,
estabelecendo redes colaborativas e processos comunicativos mais
complexos. Assim, qualquer indivíduo pode fazer fotos ou um vídeo pelo
242
Não apenas a cultura brasileira, cada indivíduo do mundo deve fazê-lo, mas só o
conseguirá por meio do auxílio de uma epistème preparada para lidar com o Nobrow (de acordo
com o subcapítulo 5.2). A emergência mencionada de novas formas sociais e comunicacionais,
não apenas no espaço urbano, mas no mundo inteiro (mediante o glocal lato sensu e stricto
sensu, conforme visto no subcapítulo 3.1.2), as diversas reconfigurações permitidas, todas essas
são o Nobrow: a Sociedade Nobrow, a Comunicação Nobrow, a Cultura Nobrow etc.
243
CAPÍTULO 4.
APURAÇÃO DA CULTURA NOBROW: ANÁLISE DE ARTISTAS E
OBRAS
Em suma, de tudo o que foi tratado nesta Tese, Nobrow é multilateral, multidimensional
e completamente multiaspectal. Nobrow é a confluência global de características culturais. O
termo Nobrow faz alusão a obras de arte dificilmente classificáveis e/ou que não se encaixam
em nenhuma categoria, em nenhum padrão, em nenhuma regra. Ele é o presente cultural que
escapa a categorizações, é o inclassificável hoje. Nobrow é a união de tudo na indeterminação,
244
Embora tenhamos demarcado que a cultura Nobrow surge em 2000 com sua nomeação
por John Seabrook (de acordo com o capítulo 1), obviamente, seu surgimento, também
explicitado anteriormente, não se deu de um segundo para o outro. Trivinho já observou o início
dessa tendência em 1998, quando sinaliza o termo “horizonte negativo da arte”:
devido ao fato de a história não estar sendo escrita, não estar sendo observada por causa da
invisibilidade de seus objetos.
A questão é que tal saturação causou sua “indistinção em relação ao conjunto”, contudo,
posteriormente a essa argumentação feita por Trivinho, em 1998, o “conjunto” também passou
por esse processo no século XXI, de maneira que hoje, a arte não está mais “indistinta” do
conjunto, ambos estão “indistintos” de tudo, e tudo está “indistinto”. Todo o mundo abraçou a
“indistimbilidade” do Nobrow.
O que precisamos é “calibrar” nossa sensibilidade e nosso olhar para ver (para dar
visibilidade) o que não conseguimos definir. Precisamos nos atentar profundamente a essa
diferença semântica: não é porque não conseguimos definir que não conseguimos enxergar. A
sensibilidade atual de nosso olhar não está preparada para traduzir o que nosso olho “vê”, de
modo a passar a “enxergá-lo” e, verdadeiramente, “olhá-lo”.
Tal argumento definitivamente não supre tal carência, nem jamais a suprirá em uma
sociedade que também já superou o conceito de autoria, de originalidade (conforme citado ao
longo do capítulo 1).
O universo estético, inflado por uma espécie de arte por demais sinérgica,
inviabiliza, paradoxalmente, a própria arte, pela deportação de sua
genuinidade. Quanto mais a arte se põe em nome de sua integração ao todo,
mais ela se exila de si própria, despachando-se para o nada. Em outros termos,
a mesma estética que realiza, por um caminho, a arte é aquela que, por outro,
relativiza as suas possibilidades políticas e culturais (embora nunca tarde a
afirmar suas possibilidades econômicas, promitente córrego de morte), através
do bloqueio ou minoração de sua melhor pulsação, via profusão descomunal
de produtos artísticos. De outro ângulo ainda num enfoque mais detido –, o
modelo de arte que, ao longo do tempo, de braços dados com o valor de troca,
granjeou predominância rechaça, por abraço aberto e doce deglutição que a
tudo anulam, a arte autônoma e heteróclita. (TRIVINHO, 2001a, p. 180).
Esse fenômeno descrito acima, iniciou-se no universo estético e agravou a questão para
a arte ao tomar toda a sociedade e cada uma de suas áreas – não só anulam a arte, mas a cada
uma dessas áreas.
Dessa forma, é necessário não apenas redefinir tais bases, mas “indefini-las”. Para
analisar a contemporaneidade das indefinições que é o Nobrow, a crítica tem que libertar-se de
quaisquer bases.
Nunca como hoje, no delírio da nebulosidade estética, foi tão premente, por
exemplo, (re)fundar a arte da arte. [...] O que – não há razão para confundir-
se – pouca relação tem com a motivação autista da arte pela arte (muito menos
com as "façanhas artísticas da própria arte"). Trata-se, antes, de uma arte
fadada a tornar-se objeto de si mesma mas em direção muito diversa, a daquela
em que o polo cognoscitivo, mantendo-se aberto ao mundo, lança
estrategicamente uma reflexão contínua sobre si próprio, entrega-se a um
inteiro (re)pensar-se; em suma, de uma arte continuamente autorreflexiva
(para além da própria estética, inclusive), alerta ao jogo (mediático e não-
mediático) do contexto.[...] Mais que outrora, a arte carece não de uma
qualquer metalinguagem, mas de uma sua própria, forjada por ela mesma, a
fim de reelaborar a autoconsciência tanto da natureza processual prática de
seu mister e de sua inserção na dinâmica cultural, quanto, principalmente, do
seu movimento social-histórico. (TRIVINHO, 2001a, p. 182).
Seja como for [...], é isto o que, em boa medida, tem-se testemunhado nas
últimas três décadas, no âmbito da empiricidade dos próprios processos.
Porque a arte, de par com a vida – com a qual construiu sua história de mímese
–, tem fome de vida, ânsia por reprodução e perpetuidade distintivas (por mais
que pressuponha ou exiba a morte a todo instante, via iconografia, sonoridade
e textualidade prolíficas), ela, como requintada herdeira de Fênix, busca, por
meio de suas vertentes contemporâneas (sobretudo mais heterodoxas), sem
tantas ilusões quanto ao desejo teleológico-vanguardista, içar respostas
reativas ao existente, através da elaboração de deslocamentos socioculturais e
transpolíticos contínuos, a fim de burlar o que lhe neutraliza a partir das
entranhas. (TRIVINHO, 2001a, p. 182).
Notamos, nessa perspectiva, que já não se separa mais os papéis de “público” e “autor”,
da mesma maneira que nenhuma categoria da vida consegue continuar presa dentro de suas
definições, de suas amarras.
Não obstante, a lógica dos deslocamentos apontada, por não se assentar num
eixo comum e por apontar simultaneamente para diversas direções – fato que,
aliás, não é somente positivo, como também sedutor –, oferece um
ensinamento ainda mais fundamental. A teoria estética e social que sempre
vinculou à arte, de forma imanente, um projeto ou desejo teleológico
apriorístico restou significativamente arruinada. Ao contrário do que, no caso,
estampam enganosamente as aparências, a arte, abalada em seu vir-a-ser na
era da saturação estética, fonte dissimulada e despercebida da vertigem de seus
rumos, não é mais depositária de nenhuma esperança fundamentalmente crível
e creditória. (TRIVINHO, 2001a, p. 188).
De acordo com o citado acima, a teoria estética já se encontrava arruinada por volta da
escritura do texto, em 1998 (edição de 2001). Com a ascensão da cultura Nobrow no século
XXI, mais do que arruinada, a teoria estética tornou completamente obliterada. E é esse o
grande motivo de a arte não ser mais “depositária de nenhuma esperança fundamentalmente
crível e creditória” (TRIVINHO, 2001a, p. 188): a arte está presente com produção maior do
que nunca, porém completamente obliterada pela falta de visibilidade e compreensão acerca
dela.
Nessa argumentação final de seu texto de 1998, Trivinho aborda uma das grandes
questões que temos que pautar nesta era Nobrow, cujo nascimento e desenvolvimento
proporcionou, justamente, a morte das fronteiras que separavam a arte de todas as outras áreas
e de seu contexto social-histórico.
252
Exatamente o estado da crítica hoje: atrofiada, por não ter neste momento tal renovação
epistemológica; uma crítica que já não consegue se mover e se manifestar em relação a nada do
que acontece em nossa contemporaneidade. Em seu papel de “mais-mediação” na elaboração
teórica, atrofiada, ela se oblitera e deixa a epistème manca, incapacitada de compreender a
sociedade atual (nos aprofundaremos na condição da crítica no quadro contemporâneo no
subcapítulo 5.2).
É o que sói acontecer hoje em dia. Quase toda a produção teórica sobre a
lógica da sociedade organizada pela cibercultura e pelo cyberspace, tendo
suspendido por demais a categoria da crítica, já não tem como parâmetro
precípuo nenhuma produção de tensão com o universo tecnológico e virtual
vigente. Na pior das hipóteses, camuflam-se até as tensões concretamente em
jogo. Em geral, quer-se mais seguir o fluxo, tomá-lo, fazer parte dele, a
pretexto de alguma produção teórica genuína. Nos casos de adesão
involuntária à forma do existente, o resultado é idêntico: esclerose múltipla do
pensamento. (TRIVINHO, 2001b, p. 17).
Todavia, não faz sentido tentar seguir um fluxo não mais vigente e, muito menos que
isso, ele jamais trará uma produção teórica genuína.
253
Esse fenômeno pontuado por Trivinho não apenas afetará a “capacidade de fundação de
uma epistemológica de contestação”, não apenas defasará a reflexão teórica, como a conduzirá
para sua morte, ou ainda pior, para a existência, para o desenvolvimento (se assim se pudesse
chamar) de uma epistème acéfala que apenas julgará seu mundo de maneira errônea. Nas
palavras de Trivinho, fazendo-se alusão a Alain Caillè (1997) quanto este último abordou a
amnésia cultural em relação ao vetor político no labor teórico conceitual em Humanidades, “os
[...] excursos anteriores perfazem bem uma imagem cadente: demissão intelectual na aurora da
cibercultural” (TRIVINHO, 2001b, p. 19) – não só os anteriores como os que serão levantados
a seguir.
Trivinho define “pulsão crítica” como:
Essas práticas, isto é, esse “alinhamento à forma e aos fluxos do existente” (TRIVINHO,
2001b, p. 18) já chegou em sua saturação, não há mais como “arrastar” tais práticas. O que
254
Trivinho chama aqui de “mal-estar”, brevemente, evoluirá, e já se encontra muito próximo, para
a morte total da teoria, da reflexão teórica. Tal domesticação bate de frente com as tendências
Nobrow da sociedade contemporânea e jamais poderá explicá-la. O que se pode prever são três
cenários violentos de obliteração devido a tal falta de flexibilidade: a morte da cultura Nobrow
por falta de compreensão e visibilidade dessa; a morte da crítica, por não mais conseguir refletir
teoricamente sobre a contemporaneidade, que necessita de “propensões contestatórias não-
domesticadas”); ou, ainda pior, a morte de ambas.
“Numa locução peremptória, o mal-estar atual da teoria é, todo ele, em síntese – não
seria esquemático dizê-lo –, derivado do expurgo da crítica como instrumento de trabalho e de
vida, consequência direta da denegação naive da categoria do político”. (TRIVINHO, 2001b,
p. 19). Expurgo esse que, como mencionado acima, causará alguma morte, seja qual for, se não
se voltar para a politização.
4.1.1.1 Arte na sociedade dos mass media: a emancipação, a libertação e a crise na estética
Consideremos tal posição de Vattimo, que se coloca a favor da utilização do termo “pós-
modernidade” – ainda que em um texto de 1992, antes do advento do Nobrow –, enquanto nossa
posição seria justamente “declará-lo mais uma vez um conceito «ultrapassado»” (VATTIMO,
1992, p. 7); pois concordamos com sua argumentação em relação ao que ele chama de
“sociedade dos mass media” – mesmo que ele utilize tal argumentação a favor do termo “pós-
modernidade” e nós a utilizemos a favor do termo “Nobrow”.
A tese que pretendo propor é que na sociedade dos media, em vez de um ideal
de emancipação modelado pela autoconsciência completamente definida,
conforme o perfeito conhecimento de quem sabe como estão as coisas (seja
ele o Espírito Absoluto de Hegel ou o homem não mais escravo da ideologia
como o pensa Marx), abre caminho a um ideal de emancipação que tem antes
na sua base a oscilação, a pluralidade e, por fim, o desgaste do próprio
«princípio de realidade». (VATTIMO, 1992, p. 13).
E uma liberdade problemática, não só porque este efeito dos media não é
garantido, é apenas uma possibilidade a reconhecer e a cultivar (os media
podem também ser, sempre, a voz do <<Grande Irmão>>; ou da banalidade
estereotipada, do vazio de significado ...); mas também porque nós mesmos
não sabemos ainda muito bem que aspecto tem – custa-nos a conceber esta
oscilação como liberdade: a nostalgia dos horizontes fechados, ameaçadores
e tranquilizadores ao mesmo tempo continua ainda radicada em nós, como
indivíduos e como sociedade. Filósofos niilistas como Nietzsche e Heidegger
(mas também pragmatistas como Dewey ou Wittgenstein), ao mostrarem que
o ser não coincide necessariamente com aquilo que é estável, fixo,
permanente, mas tem antes a ver com o acontecimento, o consenso, o diálogo,
a interpretação, esforçam-se por nos tornar capazes de alcançar esta
experiência de oscilação do mundo pós-moderno como chance de um novo
modo de ser (talvez: finalmente) humanos. (VATTIMO, 1992, p. 16-17).
257
Essa nostalgia continua radicada também, e principalmente, na crítica (de acordo com o
subcapítulo 5.2), que se nega a aceitar que a era dos horizontes fechados se foi e insiste em
continuar trabalhando com eles, mesmo que isso faça com que não consiga realizar seu trabalho
– é necessário responder ao grande esforço mencionado e se tornar capaz de alcançar essa
experiência. O ser humano e sua cultura realmente sempre foram indefiníveis, e essa indefinição
hoje alcançou novo patamar; hoje, no advento do Nobrow, podemos finalmente ser humanos.
Poucos anos depois desse texto de Vattimo, foi exatamente isso o que ocorreu: a arte
Nobrow se tornou a cultura Nobrow, que se tornou a sociedade Nobrow, que finalmente se
tornou a era Nobrow.
Vattimo está certo em sua análise de Benjamin (também conforme discussão nossa no
subcapítulo 2.1.4): ela vai muito mais além daquilo pelo qual foi apreendida. Hoje, com a arte
Nobrow, sabemos realmente os impactos que os meios têm na produção da cultura: toda a
sociedade se modificou devido ao que inicialmente era apenas uma arte influenciada
258
Com certeza, há danos para a compreensão e para a fruição – ambas requerem tempo –
de uma obra pela rápida transmissão e multiplicação de signos, porém, há também benefícios.
Há toda uma discussão a respeito da falta de qualidade das obras no advento do Nobrow
no subcapítulo 1.2.3, mas o que esta Tese busca demonstrar, enquanto também explicita suas
deficiências, é que o Nobrow contribui muito para a produção da arte justamente pela liberdade
propiciada. Talvez seja a primeira era artística na qual a arte é realmente livre, sem amarras do
mercado, das tendências, da época, do território; e isso só pode ser benéfico. É a libertação da
arte de todas as suas amarras.
moda, não possuem a radicalidade que parece necessária à obra de arte, antes
se apresentando como jogos superficiais. Com efeito, a todos os conteúdos
que divulgam, os mass media conferem um peculiar carácter de precaridade e
superficialidade; este choca duramente contra os preconceitos de uma estética
sempre inspirada, mais ou menos explicitamente, no ideal da obra de arte
como «monumentum aere perennius», e da experiência estética como
experiência que envolve profunda e autenticamente o sujeito, criador ou
espectador. Estabilidade e perenidade da obra, profundidade e autenticidade
da experiência produtiva fruidora são certamente coisas que já não podemos
esperar na experiência estética da modernidade avançada, dominada pela
potência (e impotência) dos media. Contra a nostalgia pela eternidade (da
obra) e pela autenticidade (da experiência), é preciso reconhecer claramente
que o shock é tudo aquilo que resta da criatividade da arte na época da
comunicação generalizada. (VATTIMO, 1992, p. 62-63).
Não, definitivamente “os conceitos de que dispomos para falar de arte” não são
adequados “para pensar a experiência estética como desenraizamento, oscilação, perda de
fundamento, shock” (VATTIMO, 1992, p. 62-63). É o que estamos enfaticamente propondo
como primordial ao longo de toda esta Tese: temos que nos libertar desses conceitos antiquados
que jamais conseguirão apreender a arte livre e indefinível do Nobrow, os quais impedem a
compreensão da cultura contemporânea. A teoria estética não tem feito justiça à coisa alguma,
pois tudo o que está fazendo é disfarçar o fato de que não consegue realizar trabalhos que
consigam compreender o que ocorre hoje. O que é inconciliável com a arte contemporânea é
essa atitude.
Não é exagerado dizer que nem a estética teórica, nem a crítica parecem hoje
preparadas para se orientarem selectivamente no mundo do estético
tardomoderno juxta propria principia, isto é, fora da continuada referência,
irremediavelmente ideológica, à estrutura do objecto. Poder-se-á discutir se e
até que ponto esta insuficiência da estética e da crítica se dá realmente. Mas
se, como me parece, ela é um facto, depende provavelmente também do
reconhecimento falhado da segunda «implicação» da passagem da utopia à
heterotopia como característica da experiência estética; isto é, das
consequências que se situam a nível ontológico. Daqui resulta a extraordinária
importância da «ontologia» de Heidegger para o nosso pensamento: só ela
parece capaz de nos abrir autenticamente à experiência da modernidade
avançada sem uma permanente, subentendida, referência a cânones e
princípios metafísicos. Isso é visível, no caso da estética, precisamente na
substancial incapacidade que esta revela em considerar como chance final, e
não apenas como perversão de valores e essências autênticas, a experiência
estética da cultura de massas. O esforço realizado por Benjamin com o ensaio
sobre A Obra de Arte na Época da sua Reprodutibilidade Técnica era dirigido
neste sentido, mas estava provavelmente demasiado ligado a uma concepção
dialéctica da realidade para ter êxito. Heidegger, pelo contrário, ao criticar a
identificação metafísica do ser com o objecto, com a estabilidade estrutural do
«dado», deslegitima de modo radical a nostalgia pela forma clássica, pela
avaliação baseada na estrutura. Só se o ser não tiver de ser pensado como
fundamento e estabilidade de estruturas eternas, mas pelo contrário, se se der
como acontecimento, com todas as implicações que isso comporta – antes de
mais um enfraquecimento de base, devido ao qual, como diz também
Heidegger, o ser não é, mas acontece –, só nestas condições a experiência
estética como heterotopia, multiplicação do ornamento, «fundamento» do
mundo quer no sentido da sua colocação num fundo, quer no sentido de uma
sua geral desautorização, adquire um significado e pode vir a ser o tema de
uma reflexão teórica radical. Sem esta referência ontológica, procurar ler
como uma vocação e um «destino» as transformações da experiência estética
das últimas duas décadas (como as das épocas anteriores, aliás) parece apenas
um coquetismo historicista, uma cedência à moda, a fraqueza de quem quer a
todo o custo andar a par dos tempos que, como se sabe, só andam e revelam
uma direcção quando lidos, interpretados. (VATTIMO, 1992, p. 77-78).
[...] sabemos que arte é um processo em permanente mutação. Era uma coisa
para os arquitetos egípcios, outra para os calígrafos chineses, uma terceira para
os pintores bizantinos, outra ainda para os músicos barrocos ou os cineastas
russos do período revolucionário. Nesse sentido, não é preciso muito esforço
para perceber que o mundo das mídias, com sua ruidosa irrupção no século
XX, tem afetado substancialmente o conceito e a prática da arte,
transformando a criação artística no interior da sociedade midiática numa
discussão bastante complexa. Basta considerar o fato de que, em meios
despontados no século XX, como o cinema por exemplo, os produtos da
criação artística e da produção midiática não são mais tão facilmente
distinguidos com clareza. Ainda hoje, em certos meios intelectuais, há uma
controvérsia sobre se o cinema seria uma arte ou um meio de comunicação de
massa. Ora, ele é as duas coisas ao mesmo tempo, se não for ainda outras mais.
Já houve um tempo em que se podia distinguir com total clareza entre uma
cultura elevada, densa, secular e sublimada e, de outro lado, uma subcultura
dita "de massa': banalizada, efêmera e rebaixada ao nível da compreensão e
da sensibilidade do mais rude dos mortais. Se em tempos heróicos, como
aqueles da Escola de Frankfurt por exemplo, a distinção entre um bom e um
263
Ao se colocar o papel que um novo medium como o ciberespaço tem em voga, surge
toda a nova cultura Nobrow. Nessa perspectiva, toda a relação entre os meios de massa e suas
consequências na arte e na cultura são tratadas ao longo desta Tese, justamente por Nobrow ser
uma dessas consequências (em especial no subcapítulo 4.1.1.1). O “mundo das mídias” fez
muito mais do que “afetar substancialmente o conceito da arte”, ele transcendeu todo tipo de
conceitualização. Por isso, nada é “distinguido com clareza” hoje, não há conceitos que o
conseguiriam fazer. Nesta contemporaneidade em que “o universo da cultura se mostra muito
mais híbrido e turbulento do que o foi em qualquer outro momento” (MACHADO, 2007, p. 23-
24), a pós-modernidade não sobrevive à sua ressaca e dá lugar ao Nobrow, e o hibridismo
transcende em direção ao “além-hibridismo”.
Talvez a dificuldade exista apenas para aqueles que encaram essa questão a
partir do prisma das artes tradicionais e para os teóricos que se colocam
também nessa perspectiva. Quem faz arte hoje, com os meios de hoje, está
obrigatoriamente enfrentando a todo momento a questão da mídia e do seu
contexto, com seus constrangimentos de ordem institucional e econômica,
com seus imperativos de dispersão e anonimato, bem como com seus atributos
de alcance e influência. (MACHADO, 2007, p. 29).
Extremamente ingênuo o discurso, pois não percebe não ser mais possível, não ser mais
aplicável na arte Nobrow.
Façamos agora uma pausa e voltemos à nossa figura dos círculos tangentes.
Na verdade, a metáfora está imperfeita, pois ela pode nos dar a falsa impressão
de que o mundo da cultura e dos meios é estático e pode, portanto, ser
demarcado. Nada mais inexato. No interior de cada meio, há conflito, embate,
surgimento de novas tendências e movimentos antagônicos. O repertório de
obras produzidas em cada círculo se expande em progressão geométrica, e
algumas delas, mais revolucionárias, redirecionam o rumo do pensamento e
da prática. Isso quer dizer que tanto os círculos como os seus "núcleos duros"
vivem um movimento permanente de expansão e, nesse movimento, as suas
zonas de interseção com outros círculos também se ampliam. Chega um
momento em que a ampliação dos círculos atinge tal magnitude que há
interseção não apenas nas bordas, mas também nos seus "núcleos duros". Ora,
esse é justamente o ponto de ruptura: no momento em que o centro mais denso
do círculo, identificador de sua especificidade, começa a se confundir com os
outros, chegamos a um novo patamar da história dos meios: o momento da
convergência dos meios, que se sobrepõe à antiga divergência. Ao purismo e,
às vezes, até mesmo ao fundamentalismo ortodoxo das abordagens
divergentes e separatistas, tendemos hoje a preferir os casos mais prósperos e
inovadores de hibridização, de fusão das estruturas discretas. (MACHADO,
2007, p. 64-65).
Não há mais como fazer qualquer tipo de demarcação. Precisamos superar essa
necessidade inútil da teoria e da crítica em fazê-lo. Os círculos já venceram sua ampliação e já
deixaram de ter bordas, já não há interseção, há uma unidade de heterogeneidades. E quando
há tal “ruptura do centro identificador”, não há mais como fazer qualquer identificação, de
qualquer coisa.
265
Em um momento em que todos estão perdidos em como definir a arte, muitos professam
que a arte morreu justamente devido a isso.
Esse problema mencionado por Eco, que poucos percebem ser da concepção da arte é o
gérmen da arte Nobrow. Falar em “morte da arte”, em um momento de sua produção mais alta,
é exatamente a incompreensão da evolução dos conceitos, das definições, para o Nobrow. Pura
incompreensão deste momento histórico.
Não são.
[...] é impossível imobilizar a natureza da arte numa definição teórica tal como
é proposta em muitas estéticas filosóficas do tipo “arte é Beleza”, “arte é
Forma”, “arte é Comunicação” e assim por diante. Estas definições são sempre
históricas, ligadas a um universo de valores culturais em relação ao qual a
experiência artística sucessiva aparece fatalmente como “a morte” de tudo que
havia sido definido e celebrado. (ECO, 2016, p. 129).
Sempre foi impossível fazer tal imobilização e, hoje, esse fato, mais do que nunca, é
verdadeiro, já que não temos mais uma referência histórica ou um universo específico de
valores culturais, nós temos todo o universo como nosso universo de valores culturais.
Essa mutabilidade nunca colocada em dúvida tem que ser ainda mais respeitada e
compreendida na contemporaneidade da aceleração na qual nada permanece igual por mais de
alguns segundos. A velocidade da mutabilidade se exponenciou de maneira que, se tais
fórmulas únicas nunca foram ideais perante a complexidade da experiência artística, hoje elas
são completamente inúteis e obsoletas.
Para Dino Formaggio (1983), o momento da definição categorial deve ser superado
instaurando-se uma “passagem do plano das determinações conceituais para o plano ideal
exaurido de uma dialética da razão” para evitar os riscos que pendem sobre qualquer definição
geral da arte, de ter que corrigir-se e ampliar-se continuamente para evitar o perigo de “um
fechamento nessa ou naquela poética historicamente pragmatizante que as definições
ontológicas carregam necessariamente consigo”. Formaggio propõe que se abandone “o plano
do intelecto definitório [...] passando resolutamente para o plano da razão dialética e de sua
aberta idealidade” (FORMAGGIO, 1983, p. 137-138).
Mesmo tomando como base uma referência mais antiga, kantiana, Formaggio consegue
traçar um horizonte analítico que possa, em sua aberta idealidade, compreender os fenômenos
artísticos e culturais da nossa contemporaneidade.
Canevacci propõe a alternativa da “excedência”:
[...] a ideia da arte, proposta pelas poéticas modernas como única e absoluta,
está amadurecendo em nossos dias uma crise secular, tanto que é possível falar
legitimamente de “morte da arte” e do advento de novas formas que esperam
por uma adequada descrição filosófica. (FORMAGGIO, 1983, p. 138).
Esse é o caso da arte Nobrow, que talvez, sendo descrita como inclassificável, possa
finalmente vir a ser considerada, ao invés de ficar eternamente esperando por um encaixe
267
impossível em alguma categoria. Realmente, o conceito de arte como algo único e absoluto
jamais seria aplicável hoje em dia, então, aí sim, desse ponto de vista, podemos dizer que essa
ideia de arte morreu. Umberto Eco comenta essa postura de Formaggio:
Considerar a “morte da arte” como superação de tais estéticas definitórias seria muito
mais adequado do que a consideração dos que propõem tal morte como fim da produção de
qualidade. Essa primeira morte mencionada, a da superação, é de extrema importância e
benefício para a compreensão e para a prosperidade da cultura Nobrow, é uma perspectiva
admissível.
Contudo, uma definição geral da arte sabe que é indispensável: é um gesto que
deve ser feito, um dever que deve ser cumprido para tentar criar um ponto de
referência para aqueles discursos que são propositalmente históricos, parciais,
limitados, orientados para os fins de uma escolha (crítica ou operativa). E
mais: no momento em que se fala de arte, nem que seja para negar a
possibilidade de defini-la conceitualmente, não podemos escapar da exigência
da definição. (ECO, 2016, p. 144).
Se superarmos o sentido de “definição” como algo que “dá fim”, que engessa, que
imobiliza, e aprendermos a utilizá-la como algo abrangente e temporário, ainda que isso vá
contra sua própria natureza, poderemos compreender melhor os fenômenos de nossa sociedade.
Definições sempre causarão pelo menos algum tipo de restrição, porém, se as readequarmos e
as colocarmos a serviço de tais fenômenos, como ao definir e nomear o inclassificável,
poderemos buscar uma compreensão mais profunda destes. “Tornou-se manifesto que tudo o
que diz respeito à arte deixou de ser evidente, tanto em si mesma como na sua relação ao todo,
e até mesmo o seu direito à existência” (ADORNO, 1970, p. 11).
Hiperestética
Stefano, assim como Eco (ver o subcapítulo 4.1.2 desta Tese), também menciona Dino
Formaggio. Ela também fala em “práticas não imediatamente reconhecíveis” e de “obras
dificilmente classificáveis”:
Ela mesma reconhece o termo “arte contemporânea” como pobre, como mera indicação
cronológica que não descreve a realidade.
271
Nós já sabemos que tais “demandas normais” jamais conseguirão ser atendidas no atual
cenário artístico Nobrow, já que este nunca resultar-se-á identificável e, por mais que possa
exibir propriedades estéticas, jamais será possível determinar todas com exatidão, já que
Nobrow superou o conceito de hibridismo.
por causa de nossa falta de capacidade de apreender e de fruir a arte acelerada no mundo
acelerado, cabe a nós lhe dar visibilidade.
Neste subcapítulo, traremos exemplos práticos de arte Nobrow para que todas as
constatações feitas teoricamente possam ser visualizadas na realidade e demonstradas na
273
prática, comprovando sua existência. Nele, referenciar-se-á a definição das obras Nobrow na
sua análise.
Os cinco exemplos que serão aqui expostos e que constituem o corpus desta pesquisa
vêm de pontos completamente diferentes do globo, justamente para demonstrar a disseminação
do Nobrow. São conjuntos e obras de arte variadas, de diversas mídias, que foram escolhidos
não apenas por esses motivos, mas pelo seu caráter representativo – que se pode dar a algumas
obras de determinados artistas –, cuja análise nos propiciará uma amostra das características da
arte Nobrow.
“Manu Maltez é um artista diverso. Trabalha no espaço onde música, a imagem e o texto
se encontram. Paulistano, graduado em música, é contrabaixista, compositor e intérprete, além
de artista plástico e escritor”. Essa primeira tentativa de definição de Manu Maltez – feita por
ele mesmo em 2016 – já demonstra que ele é um artista Nobrow: “diverso”, trabalha no espaço
onde vários meios se encontram. São palavras que denunciam o não categorizável, demonstram
a dificuldade que o próprio artista tem em descrever a si mesmo (mesmo sendo também um
escritor). O que é “diverso”? Estaria essa definição se atendo ao lado multidimensional do
Nobrow? E estaria se referindo à área de atividade de Manu Maltez, aos meios utilizados por
ele, às suas obras, ou a todos os itens anteriores?
música e barulho, ou som e silêncio, Cage é mencionado. Qualquer obra, de qualquer artista
que tiver qualquer momento em que o silêncio seja utilizado, será dita como influenciada por
John Cage. E o que exatamente seria “refazer a figura renascentista” (outra afirmação muito
genérica que se tornou clichê da crítica)? Seria buscar a forma perfeita? Mas os exemplos das
influências de Paul Klee e John Cage não demonstram que Manu Maltez busca desconstrução?
Deformação? Sim e sim. Podemos observar na obra de Manu Maltez tanto forma quanto
desforma, tanto construção quanto desconstrução – antagonismos que só conseguem estar
presentes simultaneamente em uma mesma obra no advento do Nobrow.
Por que esses exemplos de afirmações – entre outras – se tornaram clichês da crítica?
Porque a crítica os repete insistentemente tentando atribuir a esses algum valor para que passem
a fazer sentido – ou voltem a fazer sentido –, já que a crítica não consegue apreender qualquer
sentido da arte Nobrow. Foi o melhor que o crítico pôde fazer desconhecendo o conceito de
Nobrow, pois Manu Maltez é um artista Nobrow, ou seja, inclassificável e de influências
irreconhecíveis.
A questão é que esses exemplos podem realmente ter sidos influências na obra de Manu
Maltez, inclusive indicadas por ele mesmo (todo artista sabe, conscientemente, de algumas
influências em sua obra, porém, desconhece diversas outras), mas são indicações minoritárias
do grande leque de suas influências. Cada crítico e cada espectador irá reconhecer um traço na
obra que nenhum outro antes reconheceu. Há diversos traços reconhecíveis em obras Nobrow,
a questão é que há diversos outros irreconhecíveis, resultados das infinitas influências
atemporais e ageográficas que não nos permitem apontar uma tendência territorial ou temporal
(“esta obra possui traços da arte vietnamita”, “aparenta características da arte do século XVII”),
pois não reconhecemos nem temos nomes para a prole da, por exemplo, arte vietnamita com as
artes argentina e marroquina – nem é possível reconhecer traços desses “país biológicos”,
resultado da evolução do hibridismo (no qual era possível reconhecer características desses
“pais” nos filhos híbridos) – pois, para o além-hibridismo, não é possível determinar os “pais”.
O fato de Manu Maltez passear por quase todas as áreas da arte (música, artes plásticas,
teatro, performance, cinema, literatura) não o torna um artista Nobrow, apenas um artista mais
completo. Porém, o fato dele experimentar com as fronteiras entre cada uma dessas áreas,
criando uma dificuldade para determinar a categorização de cada um de seus trabalhos, isso sim
o faz Nobrow.
275
Já em “O corvo”, livro de Maltez que virou espetáculo, Manu faz uma interpretação das
palavras de Edgar Allan Poe – em seu poema de mesmo nome – apenas com suas ilustrações e
performance. O livro é feito puramente de gravuras que buscam representar as palavras de Poe
de acordo com a interpretação de Maltez. Esse livro se transformou no espetáculo “Samba
Corvo”, no qual Maltez alarga seu escopo de possibilidade de interpretações para além das
gravuras, envolvendo escultura, música e performance, tentando traduzir sua interpretação de
Edgar Allan Poe em todas essas linguagens e – não em sua mistura (não é uma obra híbrida) –
na transcendência da união de todas essas (caracterizando esse processo como além-híbrido e,
consequentemente, Nobrow). O elenco do espetáculo é formado por uma banda de músicos
(que inclui um tocador de ventilador), uma escultura de corvo com três metros de altura e sete
de comprimento e uma atriz (Naruna Costa). Na apresentação, os próprios músicos montam a
escultura ao vivo, ao mesmo tempo em que vão "montando" a música, que consiste num samba
de três partes. Em sintonia com a música, a atriz Naruna Costa contracena com a escultura,
pregando peças íntimas em suas "asas-varais". Nem mesmo com a adição da palavra “samba”
no título do espetáculo, é possível dizer que o gênero musical seja samba, não há gênero
existente no qual caiba a música desse espetáculo, e mais do que isso, a “música desse
espetáculo” não é separável “do espetáculo”, não é meramente uma trilha sonora.
Manu Maltez é um artista livremente criativo, que trabalha para além de gêneros, áreas,
meios. Suas influências são demasiadas para podermos identificar todas. Ele é um artista
plenamente multidimensional, de simultaneidade de métodos e tendências que floresce na
indeterminação. Um artista Nobrow.
Javier Gonzalez Vega, originário das Ilhas Canário, já evita atribuir a si mesmo qualquer
definição e abertamente se declara contra elas – o que imediatamente já o sinaliza como artista
desta era Nobrow de inclassificalismos. Ele se coloca simplesmente como “criativo e ser
humano”.
Descrever seu escopo de atividades é tarefa hercúlea (mais um sinal de sua adequação
aos parâmetros Nobrow), sendo mais fácil o exemplificarmos com suas obras.
Javier faz o design de diversos posters, sempre questionando alguma questão tomada
como verdade universal (o que por si só já demonstra sua predisposição para a “filosofia
Nobrow”), e o primeiro exemplo que abordaremos (figura 5), já é um questionamento e uma
sátira sobre o que está acontecendo com a arte contemporânea: é Vega percebendo a existência
e os sinais do Nobrow sem saber dessa teoria.
Nesse pôster, Javier faz justamente uma sátira com a maneira aleatória que a crítica e os
próprios artistas descrevem suas obras, propondo um jogo de dados. Ele não apenas mostra
estar consciente do fenômeno Nobrow (ainda que não consciente desse nome), como também
demonstra a tendência Nobrow pela qual a maioria dos artistas passam: não conseguir
classificar suas obras – e realmente, jamais conseguirão fazê-lo propriamente na era Nobrow.
278
Indo além desse pôster, Javier também desenvolveu uma obra em formato de “livro-
sátira” (figura 6), sobre o assunto ao qual chamou de “Reglamento oficial del arte”, com
diversas outras colocações acerca da situação da arte atual, criticando através da sátira as regras
estéticas que rotulam e “confinam” a criatividade. Mais uma vez, delineando a arte Nobrow
através da produção de uma obra Nobrow: indefinida, de nenhum gênero, de nenhuma área
específica das artes, livre e além-híbrida. Essa obra também é um grande exemplo das
dificuldades que um artista Nobrow enfrenta: onde e como essa obra poderia ser vendida ou
exposta? Em uma livraria – talvez na sessão de gravuras? Ou em uma galeria – pendurado na
parede? Ela não consegue chegar ao público por não se encaixar nas definições preestabelecidas
de gênero e de estrutura.
característica do Twitter (que resultou em uma linguagem completamente nova, não meramente
mistura dos seus componentes, não híbrida). Essa linguagem além-híbrida completamente nova
que foi criada só pode ser chamada de Nobrow.
Outra obra na qual ele questiona novamente os conceitos de arte chama-se “Arte para
hermanar” ou “Art to Twin”, uma obra que ele considera não ter um autor (não ser o autor), por
considerar que ela está sendo feita no momento, pelos espectadores. Através de monitores, de
câmeras e de conexão em tempo real, o espectador, observando uma obra de arte em um museu
de Paris, se torna a obra de arte que um espectador em um museu em Madri vê, e vice-versa.
São exibições audiovisuais simultâneas e recíprocas nas quais duas ou mais instituições
culturais de diferentes localidades designam uma “sala gêmea”, que transmitirá para as outras
e receberá os recursos audiovisuais das outras. Essa obra é uma experiência artística espontânea
e interativa. Vega indica como um dos seus objetivos, ao realizar essa obra, o desenvolvimento
da percepção dos espectadores de si mesmos e, principalmente, a quebra da barreira entre arte
e vida. Mais uma vez, Javier contesta as definições que confinam a arte e a produção de cultura
em geral, ele nos dá a dica que a arte Nobrow quebrou as barreiras divisórias e adentrou-se na
sociedade como um todo.
280
Em todas as suas obras, Javier Gonzalez Vega faz questão de defender e levantar a
questão da indeterminação característica do Nobrow – ele é um dos artistas mais conscientes da
condição Nobrow do mundo, ainda que não ciente dessa “nomeação do inominável”. Suas obras
são altamente fora de qualquer gênero, padrão ou regra, são claramente além-híbridas e
exploram multidimensões e multiaspectos.
Syed Asad Ali é um escritor paquistanês de poemas, short stories e flash fiction. Dentre
seus trabalhos, além de diversos livros publicados, estão scripts para filmes e pinturas, as quais
ele chama de “pensamentos em cor” – ele jamais usa as denominações “livro” ou “pintura”.
Ele descreve seu trabalho como “abrir janelas para uma dimensão maior à qual nós
verdadeiramente pertencemos”. Essas denominações e essa sua maneira de descrever seu
trabalho já demonstram que Asad Ali é um artista livremente criativo que busca livrar-se de
gêneros e categorizações para não delimitar seu trabalho. Ele busca a indeterminação
característica do Nobrow, inclusive ao chamar a si mesmo “The nook”.
Asad Ali gosta de trabalhar dissolvendo, desafiando a fronteira entre imagem e palavra.
Ele tanto cria poemas e histórias para imagens com as quais ele se defronta (em geral, imagens
281
que não são de sua autoria) quanto cria imagens para ideias, palavras ou frases (os mencionados
“pensamentos em cor”). Tanto essa multidimensionalidade quanto a sua busca por algo que
transcenda o mero hibridismo entre palavra e imagem mostram sua essência Nobrow.
Os seus trabalhos mais exemplares são aqueles nos quais ele busca criar um poema ou
uma short story para uma imagem. Seus primeiros livros foram escritos em urdu e foram
vendidos para um grande público não falante dessa língua, justamente porque admiravam
simplesmente a estética da escrita urdu combinada com as imagens, mesmo sem compreender
a história criada. Esse é um grande sinal da transcendência de fronteiras Nobrow. Apenas
posteriormente ele publica seu primeiro livro em inglês, “To paint a dream”.
Por outro lado, críticos já o descreveram como “fluído” – uma palavra muito utilizada
para traduzir a realidade Nobrow que eles ainda não compreendem, mas já veem os sinais. Os
críticos chegaram a dizer, como se este fosse um ponto negativo, que seu trabalho “deixa a
desejar na definição de limites, de fronteiras”, que seu trabalho está em um domínio “quase
surrealista”. Em primeiro lugar, essas descrições demonstram tanto que o trabalho de Asad Ali
é Nobrow quanto demonstram a dificuldade da crítica em descrever o indefinível. Em segundo
lugar, tratar essas inovações como algo negativo apenas mostra o quanto a crítica está
despreparada e se apegando desesperadamente às antigas categorias que não mais descrevem a
realidade Nobrow (conforme veremos mais profundamente no subcapítulo 5.2).
283
Anish Kapoor nasceu na Índia, em família Judia. Se tornou budista e mudou-se para o
Reino Unido. Descrever suas obras já é um empreendimento trabalhoso e difícil: Esculturas?
Construções? Instalações? Kapoor é um artista ou um engenheiro? Ele é Nobrow, é indefinível.
Ele se utiliza das mais altas tecnologias da engenharia e da arquitetura do século XXI
para estimular e desafiar o sentido de seus espectadores, que quase nunca sabem dizer o que
estão olhando, têm dificuldade em descrever e jamais conseguem nomear. Suas técnicas foram
descritas por críticos como “delirantes e audaciosas”, suas obras, como “esculturas públicas que
são tanto aventuras em forma como feitas de engenharia”, e ele, como “mágico da arte moderna
que retrata o mundo da física contemporânea”. Mais uma vez, uma tentativa honrosa de
descrever o indefinível através do vocabulário ultrapassado que a crítica tem em mãos. O site
da Lisson Gallery fala que, em sua obra, “Há ressonâncias com mitologias do mundo antigo –
indiano, egípcio, grego e romano – e com os tempos modernos, onde os acontecimentos do
século XX se tornam grandes”, praticamente englobando em sua esfera de influências o globo.
Uma frase extremamente genérica, mas pertinente à arte internacionalizada Nobrow, em que
todos os artistas do mundo são influenciados por todas as artes e todos os artistas do mundo.
Suas influências são impossíveis de serem traçadas. Kapoor fala de uma das suas
influências, da qual ele tem consciência: William Turner. Kapoor sabe que foi profundamente
inspirado por ele, porém, dificilmente algum crítico conseguiria enxergar influências de Turner
em sua obra, primeiramente, por causa do meio e, posteriormente, justamente porque Kapoor
resolveu, inspirado por Turner, seguir seu caminho contrário: Turner acreditava que a cor
deveria sempre ser vista em relação ao branco, que a luz deveria seguir em direção a ela mesma.
Kapoor buscou, em todas as suas obras, ir do vermelho ao preto, pois o vermelho assim recua
da escuridão, de maneira que o azul se torna escuro – um mistério que fascina Kapoor, inspirado
por Turner, impossível de ser rastreado, Nobrow.
Em sua obra “Descension”, Kapoor cria um redemoinho descendente de água negra com
aparência de buraco sem fundo, já instalado em diversos locais, em diversos países, e seu
objetivo é a desestabilização do mundo físico. Os visitantes são convidados a desafiar seus
sentidos observando a obra de perto. Nessa obra, Kapoor não somente desafia as fronteiras dos
meios, das áreas da arte e do saber em geral – além-hibridizando arte, engenharia, física, entre
outros – como também desafia as fronteiras da percepção humana. O Diretor de Fundos para a
Arte, Nicholas Baume, descreveu que Kapoor “cria um objeto ativo que ressoa com mudanças
em nossa compreensão e experiência do mundo. Desta forma, o Kapoor está interessado no que
284
não sabemos, e não no que fazemos, compreendendo que o limite da percepção é também o
limiar da imaginação humana.”
Essa é uma excelente descrição que aponta os sinais Nobrow dessa obra: desafio às
fronteiras e delimitações, articulação de saberes, meios e sentidos, a indeterminação, o
desconhecido, o não categorizável, o inominável.
A obra “ArcelorMittal Orbit”, muito referida apenas como “Orbit”, feita em parceria
com Cecil Balmond, é uma obra multiaspectal, uma escultura/torre de observação/escorregador
de quase cento e quinze metros de altura localizada em Stratford, Londres. O escorregador
fechado possui seções transparentes para que seus visitantes tenham vistas diferentes em
momento de movimento, transitando entre percepções espaço-temporais sem visão e com visão.
Há ainda a possibilidade de descer a torre via rapel. Somente a dificuldade de definir o que essa
obra é já a coloca dentro dos parâmetros Nobrow. Seu objetivo de quebrar parâmetros
perceptivos, seu além-hibridismo de meios, gêneros, percepções e experiências, a articulação e
a confluência de características não rastreáveis, sua indeterminação como um todo demonstram
mais uma vez seu enquadramento dentro do Nobrow.
O último item desta lista do nosso corpus é o primeiro e único grupo a chamar a si
próprio de Nobrow. Em 2008, nasce em Londres a editora Nobrow, cujo objetivo é dar espaço
a autores considerados geniais e inovadores, mas que jamais haviam sido publicados por não
se encaixarem nos critérios e padrões de nenhuma editora, sendo assim parte importante do
corpus desta Tese. Seus cofundadores, Sam Arthur e Alex Spiro buscam sempre “designs
grandiosos, arte e narrativas inovadoras4, valores de produção voluptuosos e consciência
ambiental” – em suas próprias palavras, o que já demonstra seus enquadramentos nos
parâmetros Nobrow. Obviamente, o sinal maior desses enquadramentos foi a própria nomeação
da editora como “Nobrow”, justamente porque Alex Spiro já havia lido o livro de Seabrook e
viu-se refletido nele, acreditando assim ter achado o nome mais conveniente para sua editora,
que buscava exatamente dar espaço para aqueles que não conseguiam adequar-se às categorias
existentes. Sam Arthur coloca que ele até pode acabar seguindo seus gostos na curadoria de
livros (como ele mesmo caracteriza seu trabalho), mas o faz inconscientemente. Ele declara
claramente que não sabe dizer quais são suas influências e que não sabe definir o estilo de suas
obras – o motivo exato de Alex Spiro sugerir nomear a editora como Nobrow.
Essa editora é o único exemplo de artista, obra ou movimento que tem conhecimento do
que é o Nobrow. Assim sendo, é extremamente representativa quanto aos benefícios que o
4
Em inglês, groundbreaking, mais uma sinalização da predisposição à quebra de paradigmas, valores, categorias
típicas da arte Nobrow.
286
conhecimento do fenômeno pode trazer à arte, bem como no que se refere ao quanto ter
consciência da situação da contemporaneidade os ajuda a trazer à tona uma produção ainda
mais livre e criativa. Após a fundação da editora, diversos autores que não encontravam espaço
para seus trabalhos conseguiram disseminá-los por todo o mundo, ganhar um público fiel e
ganhar diversos prêmios pelo caminho. Além de um grande gap no mercado ter sido preenchido
por eles.
Fundar uma editora durante a grande crise financeira de 2008 e durante a suposta morte
da literatura impressa foi uma decisão baseada na crença dos dois cofundadores de que, se algo
é impresso, se um livro deixa de ser apenas um arquivo virtual para se tornar um objeto
concreto, ele tem que ser mais que um livro, mas sim uma obra de arte que tem um propósito
para ser tocada, tateada, cheirada.
Em suas próprias palavras: “nós nos esforçamos tanto para trazer novos e jovens talentos
para audiências mais amplas, bem como para lembrar o mundo dos grandes talentos que vêm
produzindo trabalhos impressionantes por muitos anos.” Fala em: “trazer novas histórias à vida,
bem como reviver outras desgastadas para novas gerações de pessoas”. E ao falar de seus
métodos, registra que: “temos brincado com conceitos, narrativas, gêneros, formatos, métodos
de impressão, processos de produção e design de formas que passaram a redefinir os padrões
de qualidade na publicação visual em todo o mundo”. Eles não só têm consciência do que é o
Nobrow, como o vivem plenamente: dão espaço para o inclassificável; brincam com e quebrar
as barreiras multidimensionais de conceitos, narrativas, gêneros, formatos etc. e redefinem
padrões.
Entre seus livros – todos produzidos com a prerrogativa de sempre inovar tanto a questão
do storytelling (e sempre com narrativas de qualidade) quanto a questão das gravuras e,
principalmente, trazer uma transcendência no além-hibridismo destas – há desde graphic novels
até livros de ilustrações, livros-jogos e diversos outros formatos indefiníveis que mal cabem na
287
definição de “livro”; com temas que abrangem desde neurociência, embarcações navais (figura
14), até mitologia.
Figura 14: Sam Arthur manuseando o livro “Worse things happen at sea”
Além do espaço para publicarem seus próprios trabalhos, a editora também organiza
anualmente uma revista temática – chamada Nobrow – de tema único, proposto a quarenta e
cinco artistas, dando uma plataforma para eles mostrarem seu trabalho próprio ao redor do tema,
apenas delimitado pela paleta de cores proposta. Muitos livros individuais da editora surgiram
da inspiração dessas revistas, da transcendência do tema. Eles acreditam que uma obra com
quarenta e cinco autores redefine o conceito de autoria e cria uma obra que tem vida própria,
que não foi desenhada pelos “autores”. Esses “autores” são sempre um grupo misto de novatos
e veteranos – porém sempre de talento genial –, preferencialmente de quarenta e cinco
nacionalidades diferentes, o que cria um produto verdadeiramente multicultural, além-híbrido.
Mesmo a revista sendo a soma de quarenta e cinco trabalhos – um hibridismo –, o storytelling
resultante transcende essa soma e se torna um produto além-híbrido e inclassificável. Tomemos
como exemplo a revista número nove, chamada “Nobrow 9: It’s Oh So Quiet” cujo tema foi o
silêncio: qual é o conceito de silêncio e até onde ele pode ser alargado? Como o silêncio é
288
expressado? Ele pode ser visual? A resposta – não determinável – foi a revista em si. A
descrição na própria revista indica que: “O silêncio, com sua implicação de quietude e absoluta
pureza, torna-se uma impossibilidade. Então, como um artista aborda esse tema? Criadores de
renome mundial voltam sua mão para unificar os sentidos neste showcase exclusivo,
internacional, em quatro cores únicas”. A revista não apenas é além-híbrida em seu formato e
em seu storytelling, mas também na proposta de desafiar a definição dos sentidos, a
experimentação desses.
Muitos de seus livros, voltados para adultos, começaram a atrair um público infantil –
naturalmente chamariam a atenção de crianças, com livros que inovam grandemente o formato
e a narrativa tradicional –, o que era excelente e não tinha problema algum (não necessariamente
havia nenhum conteúdo impertinente). Porém, ainda assim, eles não conseguiam vender esses
livros para o público infantil simplesmente porque os livros não eram classificados como
infantis. As livrarias não sabiam em que seção dispor os livros, e os pais não se sentiam
confortáveis comprando livros sem classificação de infantis. Essa é uma consequência esperada
de obras Nobrow, pois elas são inclassificáveis, não categorizáveis, e o mercado (e a crítica)
ainda não está preparado para lidar com elas. Obviamente, conforme temos discutido ao longo
desta Tese, tanto o mercado quanto a crítica precisam se adaptar, para assim, consequentemente,
289
o público também aprender a lidar com a arte Nobrow. Contudo, estando esse cenário ainda
longe de ser atingido, Sam Arthur e Alex Spiro tiveram que ser criativos mais uma vez:
fundaram uma editora parceira da editora Nobrow chamada “Flying Eye Books”, que nada mais
é do que a própria editora Nobrow, revestida da categorização de “editora infantil” para poder
lançar os mesmo livros “para adultos” que lança pelo selo Nobrow. Os livros são
inclassificáveis, inclusive quanto ao público: adulto ou infantil. De acordo com o sinalizado por
Sam Arthur: “foi uma reação, uma estratégia necessária para podermos prosperar
financeiramente, para podermos direcionar o marketing e para atingir um público mais amplo”,
e explica a questão do público: “nosso público mais preparado para lidar com nossos produtos,
como estudantes de arte, já estava esgotado [...]. Agora nossos livros estão disponibilizados na
seção infantil das livrarias simplesmente pelo estabelecimento do selo Flying Eye”.
Figuras 16 e 17: “Wild animals of the north” livro educativo sem gênero relançado pela editora
Flying Eye para atingir o público infantil
CAPÍTULO 5.
A INSUFICIÊNCIA DAS TEORIAS DE ÉPOCA CONTEMPORÂNEAS
DIANTE DAS TENDÊNCIAS NOBROW
Tratararemos aqui das teorias de época. Devido ao objetivo de desafiar tais teorias frente
às tendências Nobrow, este é o maior bloco temático, afinal, faz-se necessário para tal objetivo
abranger o maior número de teses e pontos de vista sobre o assunto para uma comparação bem
fundamentada de diversos pontos contrários e favoráveis entre si. Essa comparação será tomada
como fundamento, por um lado, discernindo também durante todo o percurso os pontos em
comum de cada teoria com o Nobrow, lhe dando suporte e delineando os seus caminhos,
abordando os primeiros rastros de menção do que seria o Nobrow nelas e, por outro lado,
desatestando também os pontos discordantes.
A partir dos anos 50/60, período pós II Guerra Mundial, com a influência do
estruturalismo (cf. LÉVI-STRAUSS, 2012), o que nós temos é um esboroamento, uma
implosão de tudo. Tudo o que vem depois desse momento pós-guerra é ou uma aceleração de
tudo o que era anterior, ou uma dissolução complicada de tudo aquilo que era organizado
anteriormente. Não raro, o que se acelera contribui para a dissolução do que lhe era anterior.
Então, os valores que existiam foram acelerados e dissolvidos, superados e transformados em
outros. Os paradigmas que então reinavam praticamente foram prejudicados. A crise de
paradigmas (que é uma das origens do Nobrow) se instala a partir da segunda guerra mundial,
sobretudo, a partir dos anos 70: “Em que sociedade estamos?”, “Como nomear esse tipo de
condição histórica?”.
Uma sensação de que a sociedade tem uma outra conformação e uma sensação de que
a teoria, a academia, estavam deixando muito a desejar e tinham muito a dever na potência de
291
captação de compreensão sobre o que se passava emerge. Isso fica claro a partir dos anos 80
com o debate sobre o pós-moderno.
Os indicadores teóricos da pós-modernidade começam a aparecer praticamente a partir
dos anos 60/70 (ainda que muitos atestem o início da pós-modernidade nos anos 40/50, a sua
teorização só começou nos anos 60/70), muito por se considerar que as teorias matriciais
anteriores não davam mais conta de entender o que se passava e para lastrear e fundamentar as
visões e práticas de mundo.
A cultura emergente, chamada cultura mediática, de massa, precisava ser entendida
porque agora ela era a sociedade em si. O funcionamento social e a economia começavam a
depender cada vez mais do enraizamento dessa cultura, porque essa cultura era consumo de
produtos culturais, consumo de publicidade e assim por diante. Só que essas teorias
mencionadas não conseguiam mais dar conta do entendimento desse funcionamento da
sociedade (cf. TRIVINHO, 2001b).
Começa a aparecer, então, uma insatisfação generalizada a respeito das matrizes que
deveriam fundamentar melhor as teorias acadêmicas. Todas essas teorias que se baseavam na
potência de um sujeito para mudar o mundo, de alguma forma, foram consideradas modernistas;
já as teorias que aboliam a importância do sujeito (e o estruturalismo, por mais baseado em
categorizações e em “ismos” que fosse, já fazia isso, pois o mais importante eram as
macroestruturas para as quais colaboram os sujeitos sem a possibilidade deles mesmos
transformarem essas estruturas, já que esses são mais governados por elas do que interagentes
nelas e em relação a elas, são mais seguidores, são mais alinhados do que propriamente na
dianteira dessas estruturas. O estruturalismo já abolia a participação revolucionária do sujeito)
foram consideradas pós-modernas. O pós-modernismo, como matriz de todas as visões de
mundo sequenciais, vai se embeber de alguma forma em Nietzsche para advogar a existência
de um sujeito – contudo, um sujeito sem potência de transformação. Assim sendo, o sujeito é
afirmado, porém, ao mesmo tempo, abolido na sua capacidade de dialetização com o contexto
social em nome de uma superação, em nome de uma utopia. O pós-moderno abole todas as
utopias.
Nos anos 70/80, a ideia de pós-moderno aparece na filosofia, em especial na Europa, e
surge como pós-estruturalismo a partir dos anos 80. O pós-modernismo se espalha para a arte,
para a arquitetura, para o design, para o consumo etc. e, evidentemente, marca presença nas
universidades, na pesquisa.
A partir desse momento (anos 80), tudo se pulveriza, tudo se dissolve um pouco mais.
Já não estamos mais na crise de paradigmas, mas sim na própria crise do paradigma como
292
próprio paradigma, como algo permanente, dificultando muito uma sistematização. Não se sabe
mais onde estamos (cf. TRIVINHO, 2001b).
Hoje, tudo funciona em relação ao interesse dos grupos nas suas práticas. Existem
grupos que chamam nosso mundo contemporâneo de cibercultura, enquanto existem outros que
creem que o melhor termo ainda seja pós-industrialismo (cf. DANIEL BELL, 1996), mas os
anteriormente mencionados teóricos da cibercultura creem que esse termo já esteja
ultrapassado. Ainda há outros que chamam nossa sociedade de turbocapitalismo. Todos são
válidos se há criticidade, se criam condições de uma visão de mundo não ingênua,
independentemente do grau de sua influência. Porém, não há como acompanhar nem dizer que
um ou outro está certo ou errado. De acordo com o ponto de vista de cada um, a veracidade de
cada teoria pode ser maior ou menor, mas o grande ponto característico do Nobrow é que jamais
conseguiremos alcançar a velocidade das mudanças para criarmos uma teoria homogênea ou
para nomearmos nossa época.
modo que o “ismo” tem sempre que ser considerado sob reserva porque o “ismo” é um sistema
ideológico que camufla condições de origem e de poder.
Se, por um lado, não temos mais o “ismo”, por outro, temos um problema: o fato de
estarmos em uma situação presenteísta – em que o presente é o único tempo, em que o futuro
não vigora mais. Antes vigoravam as finalidades, e assim, supostamente, sabíamos pelo que
lutar, o tempo nos traria a utopia. Os “ismos” se foram, mas com isso veio o grande problema
de vivermos em uma civilização que não tem meta, não tem projeto, sendo, dessa forma,
perdida. Ao menos, assim o era durante a pós-modernidade, atualmente, na contemporaneidade
Nobrow, já vemos outras tendências.
Conforme o autor mesmo sinaliza, tal denotação de períodos pode parecer um pouco
“forçosa e esquemática”, mas jamais teremos uma unanimidade em relação a tais períodos, e
muitos consideram esses três fenômenos como não sendo de uma mesma categoria, podendo
ter acontecido, inclusive, concomitantemente. Veremos mais hipóteses e comedimentos ao
longo deste capítulo.
arte, literatura, design, media, filosofia, política, etc.), pelo que o conceito de
pós-modernidade vê-se então substituído pelo de pós-modernismo.
(TRIVINHO, 2001b, p. 42-43, grifo do autor).
É claro que, dentre os três enfoques mencionados, não se pode simplesmente considerar
um independentemente dos outros. As correntes de pensamento refletem a história e a cultura,
e vice-versa – tanto ao analisarmos a pós-modernidade quanto ao analisarmos o Nobrow. Assim
como descrito acima em relação à pós-modernidade, o Nobrow também é “identitário à lógica
dos entrelaçamentos e amálgamas”, também “nutre-se de todos esses fatores a um só tempo”
(TRIVINHO, 2001b, p. 43), ainda que tenhamos comentado que não necessariamente
questionaremos a noção de pós-modernidade como pertinente à contemporaneidade em todos
os aspectos, eles estão sim interligados; a questão é que a cultura Nobrow pode ser tão nova
297
que ainda não adentrou-se em todos os referidos aspectos, mas irremediavelmente o fará,
irremediavelmente se imporá a todos eles sob os parâmetros pós-modernistas. Da mesma
maneira que não é possível “fixar com datas” a pós-modernidade (ainda que muitos tenham
teorias nesse sentido, conforme veremos adiante), também não é possível fazê-lo com o
Nobrow, que foi aos poucos – e não de maneira totalitária, não tomando por completo (pelo
menos não até o momento e ele não dê indicações de fazê-lo no futuro) – adentrando-se a
história, a cultura e o esprit du temps contemporâneos (ainda que aqui, também, esta Tese sugira
que se estabeleça o ano 2000 – ano que o termo Nobrow foi cunhado – como parâmetro).
Não constitui fortuita coincidência que todos esses vetores estejam ligados,
direta ou indiretamente, ao desenvolvimento social do fenômeno
comunicacional infoeletrônico. A decadência da modernidade coincide, de
fato, com o início da saturação da comunicação no pós-guerra imediato.
(TRIVINHO, 2001b, p. 45, grifo do autor).
O mesmo ocorreu (ou continuou ocorrendo) com o Nobrow: assim como a pós-
modernidade, ele também se otimizou pelo “fio condutor da comunicação”; como a pós-
modernidade, o Nobrow também “é a fluída forma da cultura levada a cabo pela era do excesso
300
Faz-se necessário esclarecimento de que a mesma relação de ruptura não ocorre entre o
Nobrow e a pós-modernidade (apenas ocorre a relação de continuidade – continuidade suave e
regular, de maneira nenhuma radical). A relação entre esses dois últimos é de continuidade, de
transcendência, mas não de ruptura: o pós-moderno vive, harmonicamente, dentro do Nobrow.
Nobrow é o tempo da transcendência não violenta, uma transcendência que não supera seus
primórdios, não os mata, mas sim os incorpora em sua própria essência e em sua própria
existência. Nesse sentido, sim, há semelhança entre a relação da modernidade com a pós-
modernidade e da pós-modernidade com o Nobrow: ambas as relações “patenteiam o peso e o
estatuto da velocidade e do excesso” (TRIVINHO, 2001b, p.51) em suas transições, cada qual
no nível característico de seus momentos históricos. Ambas são relações de continuidade, com
301
Ou seja, não havia mais motivos para se acreditar em coisa alguma. Toda fonte de
esperança, de todos os lados possíveis, como as mencionadas acima, se mostrou pura ilusão,
mais do que isso, se mostrou como ferramentas de seus opostos.
Conforme mencionado há pouco, apontar uma exata data, um exato momento para o
início de uma determinada época é uma tarefa árdua e inexata, porém, faz-se necessário relatar
aqui a grande tendência majoritária da teoria em apontar Hiroshima e Nagasaki, o momento em
que a primeira bomba cai, como o minuto em que se inicia a pós-modernidade, como o
momento em que – depois de anos de deterioração dos ideais da modernidade com ambas as
guerras mundiais – toda a esperança da humanidade morre. Esse foi o momento de demasiada
intensidade, a gota d’água, que fez a deterioração gradual da modernidade, que ocorria
anteriormente, finalizar-se em apenas um segundo.
Na pós-modernidade, simplesmente não havia saída, não havia outra resposta possível
senão o descompromisso e a indiferença. Nada podia ser feito, não havia por que algo ser feito.
Agora, no século XXI, já observamos uma nova politização da contemporaneidade, ainda não
teleológica, ainda imatura, mas existente e, assim sendo, prova irrefutável da volta da crença
no futuro.
De par com o processo reversivo que, após longo período secular, evidenciou
a falácia da concatenação categorial do projeto da modernidade [razão,
ciência, técnica, riqueza, avanço histórico, direitos civis (vida livre, igualdade
e emancipação), solidariedade], a visão e a sensibilidade pós-modernas de
mundo [...] reenviam todas as verdades objetivadas circulantes, próprias da
interpretação tradicional e moderna, ao seu grau simbólico inicial; convertem-
nas, mais radicalmente, em mera narrativa fabular um dia criada, instituída e
disseminada. Dessa maneira, elas patenteiam a farsa e denunciam a ilusão aí
pressupostas. (TRIVINHO, 2001b, p. 51).
O amplo processo reversivo do que até pouco tempo – antes da queda do muro
de Berlim, no final dos anos 80 – se concebia distintivamente como Ocidente
teve um profundo impacto na teoria social. Pega-a, sobretudo,
epistemologicamente despreparada para absorver a contento o teor da mutação
tecnológica em curso. Aturdida, ela passa, então, a forjar – sem que sobre os
resultados dessa tarefa recaia nenhuma unanimidade – várias expressões
conceituais (algumas delas comutáveis) para nomear a forma social marcada
pelas características prenunciadas: “sociedade pós-industrial”, “capitalismo
tardio”, “sociedade tecnológica avançada”, “sociedade informática”,
“sociedade da informação”, “sociedade da comunicação”, “sociedade
mediática”, “sociedade digital”, “sociedade pós-capitalista”,
“neomodernidade”, “sociedade pós-moderna”, e assim por diante.
(TRIVINHO, 2001b, p. 57).
A epistemologia, até hoje, ainda não se tornou apta para compreender nem a pós-
modernidade – na qual ainda havia uma pequena possibilidade de categorização, mesmo
considerando-se a fragmentação característica da época – e muito menos a realidade Nobrow
contemporânea, cuja característica de inclassificabilidade jamais poderá ser apreendida por tal
epistemologia que se prende a parâmetros não mais aplicáveis (conforme discutido no
subcapítulo 5.2). Verifiquemos um aprofundamento de Trivinho das disparidades teóricas
previamente mencionadas:
Tal utopia, em seus dois afluentes básicos, vai gradualmente se vendo realizada no
Nobrow devido ao ciberespaço:
“Com efeito, somente no último quartel do século XX, e mais precisamente nos anos
90, com a abertura (via WWW) do cyberspace a toda sorte de iniciativas civis, é que esse
imaginário técnico iniciou historicamente o seu processo de larga concretização” (TRIVINHO,
2001b, p. 74). Ou seja, tal imaginário iniciou o seu processo de larga concretização
transformando-se e fundando-se na comunicação e na cultura Nobrow.
Atentemo-nos mais uma vez para a data da citação acima: 2001. Estamos bem no
começo, no nascimento do Nobrow, exatamente o que é descrito por Trivinho acima: a fase
high tech da comunicação, logo após todo o desenvolvimento comunicacional resultante do
momento (anos 90) em que o público geral passa a ter acesso ao ciberespaço, promove a
transformação de certos vetores e o fim de outros, (conforme discutido no subcapítulo 3.1.1) os
da pós-modernidade; o surgimento de vetores completamente novos característicos apenas e
totalmente da cultura Nobrow e, segundo a citação acima, “uma retomada de certos traços da
tradição e da modernidade”, contudo, com o “detalhe diferencial [...] de realizá-lo em novas
bases, numa situação histórica inteiramente diferente da das configurações socioculturais”
(TRIVINHO, 2001b, p. 75) anteriores, também transformam-se em vetores, agora, do Nobrow,
transformam-se tanto em causas do surgimento como em características da cultura Nobrow
(cujo predicado essencial é ser integradora de várias épocas em uma só).
Nesse sentido, Sfez registra:
A pós-modernidade, hoje, onde está? Nós buscamos em vão nos anos que
vêm, e desde agora. Tanto ela nos parece esvaziada por discursos que
reatribuem sentido, que refundam, enraizados na ciência, nas biotecnologias,
nas ecologias, em suma, em todas as tecnologias do corpo – do corpo do
indivíduo e do corpo do planeta. (SFEZ, 1996, p. 22).
Não importa no que se baseiam tais discursos, pois todas essas áreas mencionadas não
se encontram preparadas para compreender a contemporaneidade Nobrow, e o primeiro motivo
para isso é justamente a busca por reatribuir sentido a uma pós-modernidade não mais aplicável,
não mais vigente. Trivinho esclarece a posição de Sfez em seu livro citado acima:
A primeira edição francesa do livro data de 1995. Sfez incorre apenas no lapso
de considerar que tudo o que diz respeito ao cyberspace se enquadra ainda, in
totum, na pós-modernidade [...], quando, na realidade, o desdobramento
mundial dessa rede nos anos 90 já faz parte, como neoutopia, do próprio
quadro de reorganização sociotecnológica do sentido que ele, Sfez, aborda em
seu livro. (TRIVINHO, 2001b, p. 75).
Esse foi exatamente o ponto temporal do surgimento do Nobrow: quase nada do que diz
respeito ao ciberespaço ainda se enquadra na pós-modernidade, sendo que foi exatamente a
disseminação do ciberespaço entre a população mundial nos anos 90 que transformou, matou e
fez nascer vetores (de acordo com o detalhamento acima) que demonstram o fim da vigência
da pós-modernidade e o início da vigência do Nobrow, vetores que fazem parte da mencionada
“reorganização sociotecnológica” que os modificou.
308
Tal hipermodernidade faz parte dos sintomas do surgimento do Nobrow, de acordo com
o discutido no subcapítulo 5.1.3.
O que antes era uma “contínua e rápida oscilação de referenciais” (TRIVINHO, 2001b,
p. 23), à qual a crítica perdeu décadas perseguindo sem sucesso, com a aceleração típica da
civilização mediática, se tornou um mar de indefinições que não são vagorosas o suficiente
(pelo contrário, são de velocidade infinitamente rápida) para sequer chegarem a tornarem-se
“referenciais”, e ainda assim, a crítica continua a persegui-los, sem perceber que jamais irá
alcançá-los. O único caminho, diante do qual a crítica parece continuar cega ou ao menos
310
hesitante, é deixar de persegui-los e aprender a trabalhar sem eles. Se a crítica ainda não
metabolizou as “desconstruções, fragmentações, flutuações, relativismos, aporias”
(TRIVINHO, 2001b, p. 23) dos anos 80 e 90, muito menos os logrou com o surgimento do
Nobrow no século XXI. O Nobrow foi justamente resultado desses fatores.
Consideradas tais razões de contexto, não é, pois, por desídia, muito menos
por acaso, que a crítica, quando confrontada com questões pertinentes ao
universo infotecnológico e virtual vigente, com todos os atributos de
eficiência e funcionalidade deste, padeça de uma hesitação surpreendente –
disto que até se poderia denominar uma “labirintite teórica” – e, na pior das
consequências, de uma intensa crise de autoanulação. (TRIVINHO, 2001b, p.
23).
Essa hesitação, essa cegueira por parte da crítica, a leva para a autoanulação ou, como
dito anteriormente, à sua morte, que, sendo em grande parte autoinfligida, é, por definição, seu
suicídio.
Entre a morte da crítica por suicídio (pela sua recusa em libertar-se de parâmetros não
mais vigentes) e sua morte em que é “compulsoriamente conduzida” (por sua incompetência
em enxergar a nova realidade à qual deve se adaptar), ambas serão causadas pela falta da
“suspeita em relação a qualquer dado do mundo” (TRIVINHO, 2001b, p. 24) por parte da
crítica, que lhe deveria ser inata.
Se a crítica “sempre implicará alguma ruptura com aquilo sobre o que se projeta”
(TRIVINHO, 2001b, p. 24), sua negação em romper com qualquer elemento que seja, esse seu
comportamento de agarrar-se a modelos anteriores, vai contra sua própria essência.
Conforme dito anteriormente, a extinção, a morte da crítica, pode acontecer por suicídio,
ao negar-se sua própria essência de resistência e de ruptura.
Com efeito, quando poucos ouvidos dão a devida atenção até mesmo à
necessidade de uma categoria renovada da crítica, isso não conforma apenas
a situação indicial do quanto a teoria se encontra docilizada pelo contínuo
desfrute do ópio mercantil; é porque, mais profundamente, uma destruição
invisível talvez já tenha de fato cumprido seu papel, de maneira que pouca (ou
já nenhuma) esperança se pode acalentar no sentido indicado. Que o real não
seja otimizado pela radicalização proposital de uma hipótese sombria,
dependerá exclusivamente daqueles a quem a história presente faz repousar os
rumos teóricos da Universidade em todas as partes do mundo. (TRIVINHO,
2001b, p. 24-25).
Não dar ouvidos à necessidade mencionada por Trivinho prejudica tanto quem o faz,
como toda a sociedade e toda a empiria. A sociedade deixará de ser compreendida tal como é,
e a empiria se tornará inútil se não for boa tradução, compreensão e análise da sociedade. Agora,
o indivíduo que nega seus ouvidos, mergulha em um trabalho exaustivo que jamais será
frutífero.
Na grande falha da crítica em lograr tal melhor modulação, essa categoria praticamente
não existe – e não existirá tal categoria até o momento que a crítica aprender a lidar com a
312
própria falta de categorias, com o não categorismo. Iremos nos aprofundar na questão da
falência da crítica no subcapítulo 5.2.
Adotamos com certa flexibilidade a distinção feita por vários autores, desde
Jürgen Habermas até Marshall Berman, entre a modernidade como etapa
histórica, a modernização como um processo sócio-econômico que vai
construindo a modernidade, e os modernismos, ou seja, os projetos culturais
que renovam as práticas simbólicas com um sentido experimental ou crítico.
(CANCLINI, 2003, p. 23).
Consideraremos, ao longo de todo subcapítulo 5.1, todas essas teorias de época com a
mencionada e necessária flexibilidade. “A escassez de estudos empíricos sobre o lugar da
cultura nos processos chamados pós-modernos levou a reincidir em distorções do pensamento
pré-moderno: construir categorias ideais sem comprovação factual.” (CANCLINI, 2003, p. 24).
Tal construção de “categorias ideais sem comprovação factual” é um sintoma além dos
processos pós-modernos e um sintoma da sua evolução em direção ao Nobrow, à
contemporaneidade não categorizável.
5.1.2 Pós-modernidade
Iniciamos este subcapítulo com essa questão primordial sobre termos para colocarmos
o Nobrow como sucessor do pós-modernismo: “Há, todavia, certo consenso no entendimento
que contemporaneamente se tem deles” (SANTAELLA, 2009, p. 105). Ou seja, ainda há traços
do pós-moderno hoje, e essa é uma das características primordiais do Nobrow: diversas
tendências convivendo juntas. O pós-moderno ainda vive, contudo, já se tornou insuficiente
para explicar a complexidade da contemporaneidade que foge a definições tão categóricas. Não
há como buscarmos “uma metateoria por meio da qual todas as coisas podem ser unidas ou
representadas” (SANTAELLA, 2009, p. 106):
Simplesmente não há mais como representar ou unir todas as coisas em uma só teoria,
em um só nome. Para continuarmos compreendendo nossa contemporaneidade, precisamos
seguir a instrução indicada por Foucault, principalmente em relação à diferença e à identidade:
já não há mais como haver identidade na contemporaneidade, e, se tentarmos forçá-la,
acabaremos apagando as diferenças, tão ricas da cultura Nobrow.
Dessa forma, reitera-se a ideia de que não é mais possível ter-se um estilo único
constitutivo de uma época. A nova era Nobrow é atemporal e ageográfica.
Sigamos nossa discussão através da análise de Krishan Kumar – lembrando que todo
seu texto citado aqui foi escrito no fim do século XX, antes do advento do Nobrow, de maneira
que o que ele descreve ainda é o pós-moderno, porém, ele já está testemunhando diversos
fatores que estariam em pouco tempo culminando no nascimento do Nobrow –, que a inicia
justamente falando do “rótulo”:
Compreendemos assim que há rótulos que têm seus méritos e outros que não têm
nenhum, eles podem representar bem ou não representar nem de perto um objeto ou uma
realidade, ou o pior: podem distorcer a realidade, “adquirir vida própria” e prejudicar a
compreensão. Hoje, no advento do Nobrow, essas três possibilidades se reduzem a apenas duas:
não há mais como um rótulo representar bem algo, pois mesmo no curto espaço de tempo que
levamos para atribuir um rótulo a algo, este algo já se modificou – característica de nossa
contemporaneidade de aceleração –, de tal modo que já não mais representa aquilo a que foi
atribuído. Assim, fazemos uso das palavras de Lyotard (2002, p. 82): “Declaremos guerra à
totalidade; sejamos testemunhas do irrepresentável; ativemos as diferenças e salvemos a honra
do nome”.
Foi esse recebimento “com sorriso irônico” que fez com que tantas teorias fossem
desconsideradas sem uma consideração própria. Muitos perceberam contradições entre teoria e
realidade, mas a desculpa da “contradição” como característica do pós-moderno foi usada pela
crítica e pela academia para continuarem irracionalmente apegadas a estruturas já não mais
317
pertinentes, para evitar que tivessem que promover uma reformulação de seus trabalhos e
metodologias.
Ou seja, "os Muitos afirmando seu primado sobre o Único" (HASSAN, 1987, p. 126).
Diversos desses fatores continuaram e fizeram nascer o Nobrow: indeterminação, pluralismo,
ecletismo, aleatoriedade, revolta. Entretanto, conforme vemos ao longo desta Tese, na opinião
de diversos teóricos, percebemos que nem todos concordam com essas características como
sendo “pós-modernas”. No que concerne à questão da revolta, por exemplo, a maioria dos
teóricos acredita que a grande característica da pós-modernidade é o “não mais se importar”,
em que ninguém acredita haver algum sentido em revoltar-se contra um mundo que não irá
mudar, não havendo razão em ir contra tudo de ruim que se acredita ser inerente à humanidade.
Agora, a revolta como uma volta da esperança, como um sintoma da crença que um futuro
diferente é possível, já se mostra como um sintoma contemporâneo de que superamos a pós-
modernidade.
radical que este tenha sido em sua própria época; é o que dá ao modernismo o
seu significado. Uma obra torna-se modernista ao repudiar seu passado, ao ser
"pós" alguma coisa. Cézanne é moderno porque pós-impressionista, da mesma
maneira que Duchamp, por ser pós-cubista. (KUMAR, 1997, p. 121).
"Uma obra pode se tornar moderna apenas se for, antes de mais nada, pós-moderna. O
pós-modernismo assim compreendido não é modernismo em seu fim, mas no estado nascente,
e esse estado é constante" (LYOTARD, 2002, p. 79). Kumar discute justamente essa citação
de Lyotard:
Dessa maneira, Bell (1996, p. 51) afirma que “na década de 1960 desenvolveu-se uma
poderosa corrente de pós-modernismo que levou a lógica do modernismo às suas últimas
consequências”. Nessa perspectiva, Kumar continua em relação a Lyotard:
tardio – se encantava com o choque do novo, era mais provável que o pós-modernismo se
apaixonasse pelo choque do velho” (JENCKS, 1992, p. 222, grifo do autor).
Houve apenas uma Revolução Modernista [...] e ela aconteceu há muito tempo
[...]. Certos aspectos do modernismo primitivo foram tão revolucionários que
não devemos esperar – mesmo com as coisas tão aceleradas como são agora –
experimentar as dores e prazeres de outro movimento comparável tão cedo
(KERMODE, 1968, p. 23).
O que nos leva, mais uma vez, de volta à ideia de alguma descontinuidade, de
algum novo fenômeno, ou fenômenos, que exigem uma reavaliação do
moderno. E fácil irritar-se com os debates entre críticos literários e
historiadores culturais quanto a se estamos vivendo em uma fase ou período
"moderno", "moderno tardio", "pós-moderno" ou algum outro analogamente
rotulado. Se isso fosse apenas uma questão de cultura, no sentido de
fenômenos artísticos, poderíamos – pelo menos como teóricos sociais – nos
sentir inclinados a deixar todo o assunto aos críticos culturais, se não a
programas de televisão de fim de noite nos canais de cultura. O que continua
a tornar os debates relevantes e interessantes é que eles são parte de uma
discussão muito mais ampla sobre as condições contemporâneas e a direção
futura das sociedades industriais. Originando-se sobretudo na esfera cultural,
o conceito de pós-modernismo (ou pós-modernidade) espalhou-se para
abranger um número cada vez maior de áreas da sociedade. Fala-se não só em
320
Alguns autores pensariam que esta questão foi mal colocada. Embora não
neguem que as mudanças culturais que os interessam estão, de alguma
maneira, associadas a mudanças na sociedade, eles desejam reservar o termo
pós-moderno – na linguagem que usam, um "posmoderno" sem hífen –
somente para a esfera cultural. A cultura posmoderna estaria portanto ligada a
alguma nova forma de sociedade, sendo "pós-industrial" o conceito
geralmente preferido. O posmoderno seria então para o pós-industrial o que a
cultura é para a sociedade. O posmodernismo é a cultura da sociedade pós-
industrial. (KUMAR, 1997, p. 123).
Assim introduzimos mais este termo, “posmoderno”, ao leque daqueles com os quais
estamos lidando.
Mas o problema é ainda mais sério, pois não só é mais difícil estudar a cultura
pós-modernista à parte seu contexto social, mas, na maioria das tentativas de
assim proceder, tornou-se claro que muito do conteúdo do pós-modernismo
deriva da maneira particular como a teoria entende a sociedade
contemporânea. Cultura e sociedade apenas na aparência são tratadas
separadamente. Na realidade, elas se fundem uma na outra. (KUMAR, 1997,
p. 124).
Mais uma vez, atualmente, mais do que nunca, “cada fase sucessiva da cultura moderna
envolveria um grau cada vez maior de diferenciação, culminando nas alegações feitas em
proveito próprio, autojustificadoras da arte no movimento modernista de fins do século XIX”
(LASH, 1990, p. 5).
Reforçamos novamente que, já em 1997, Kumar constatava o que vinte anos depois não
se pode negar de jeito nenhum: não há mais como apreender a contemporaneidade por meio de
separações, categorizações, rótulos, parâmetros completamente ultrapassados.
Nossa vida diária torna-se saturada por uma realidade – na TV, anúncios,
vídeo, computadores, o walkman, toca-fitas em automóveis e CDs, CDV e
DAT – que, cada vez mais, são representações [...]. Não há distinção, ou
distância, entre o significador (a imagem) e o referente (a coisa ou realidade
externa que supostamente representa). Cada um invade o espaço do outro,
ambos assumem a função do outro. A imagem, ou ilusão, imita o real e o real
é ilusório, composto de imagens. O real é tão imaginado como o imaginário.
[...] O posmodernismo introduz o caos, a inconsistência, a instabilidade em
nossa experiência da própria realidade (LASH, 1990, p. 15, grifo do autor).
Isso se agravou com a introdução do ciberespaço como medium ao qual todos esses
devices podem ter acesso, e através dos quais todas pessoas têm acesso – direto ou indireto –,
provocando ainda mais hibridações de diferentes realidades.
323
Qualquer que seja nossa avaliação desse ponto de vista, o importante é que,
mais uma vez, ele solapa toda a separação entre cultura e sociedade que Lash,
tal como Jameson, estava tão ansioso para provar. Se a cultura posmoderna
deveria ser "conduzida" pelo sistema econômico e social do capitalismo pós-
industrial, parece agora que esse sistema foi tão infiltrado pela cultura
posmoderna que se tornou o mais frágil dos veículos. Ou dizendo a mesma
coisa em termos diferentes, a cultura posmoderna tem que se "puxar para
cima" por suas próprias forças. A "realidade" social que suspostamente dava
alicerce ao reino "ilusório" da própria cultura dissolve-se em uma ilusão. Base
e superestrutura se fundem numa só. (KUMAR, 1997, p. 130).
Desde o momento em que Kumar escreveu essas palavras, vinte anos atrás, até hoje,
“fundição” é uma palavra primordial para a compreensão da contemporaneidade.
Assim como hoje ocorre: o Nobrow já está disseminado por todo o mundo, mas está
lutando para nascer como teoria devido às insistências da crítica em modificar suas
metodologias. Todas categorias, a partir da sua porosidade, deixaram de ser aplicáveis e, desse
modo, o mesmo acontece com as categorizações de época. Cada vez mais, será difícil
estabelecer parâmetros para o começo e o fim de uma era. A própria era Nobrow só está ficando
mais nítida aos olhos da teoria porque o esgotamento da pós-modernidade é evidente, e o único
motivo pelo qual podemos conceber um “começo” para o Nobrow é por sua característica
idiossincrática de simultaneidade: muitos traços da pós-modernidade continuarão a existir lado
a lado com traços de diversas outras épocas – o que não significa que estejamos retornando ao
passado.
Isso demonstra que, ao menos por parte desses teóricos, a esperança não havia morrido,
como todos que traçavam as características da pós-modernidade indicavam. Pelo menos eles,
ao serem receosos em declararem-se pós-modernistas, acabavam indiretamente declarando-se
contra seu pessimismo.
encontramos em uma nova situação, uma vez que agora podemos, pela
primeira vez, examinar retrospectivamente a modernidade. Podemos refletir
sobre ela. O "pós" de pós-modernidade refere-se não tanto a um novo período
ou sociedade chegando "após" a modernidade quanto à opinião sobre a
modernidade possível após o término da modernidade – ou, pelo menos,
quanto dela poderia ser completada em seus próprios termos. (KUMAR, 1997,
p. 150).
Nenhuma teoria de época torna sua antecedente obsoleta, em geral, apropria-se dela.
Esse fenômeno é extremamente potencializado no advento do Nobrow, que, por mais que tenha
superado o pós-modernismo, convive harmoniosamente com diversas de suas características
ainda correntes – mas não apenas isso, passa a coexistir com diversas características de diversas
outras teorias de época, todas vivendo em simultaneidade e harmoniosamente, ainda que
contrárias em sentido.
De fato, não importa o termo que usemos para denominar uma época, apenas importa
que a semântica que esse traz consigo não atrapalhe a sua compreensão. Se o pós-modernismo
já era um pouco mais hibridizado que outras épocas, o Nobrow é “além-hibridizado” (de acordo
com o subcapítulo 3.2.5) e tem diversas tendências de época vivendo simultaneamente dentro
de si, de maneira que, nesse caso, já não cabe mais nenhuma denominação, pois qualquer que
fosse, atrapalharia sua compreensão. Por isso esta Tese propõe o termo Nobrow, consciente da
contradição com essa visão explicada e consciente da antítese de nomear o inominável já
mencionada anteriormente; contudo, com essa nomeação, tornando possível sua apreensão.
Assim como também chegou a perguntar de que maneira eles se relacionam com o
Nobrow, ou como foram sementes de algo que floresceu no Nobrow.
[...] o início do fim, não apenas de outro século, mas de outro milênio,
forçosamente produzirá efeito sobre as teorias em estudo. Esse fato com
certeza afeta sua capacidade de despertar interesse, como demonstrado pela
popularidade de slogans sobre pós-modernidade e pós-história e pela
publicidade dada a esses pronunciamentos. (KUMAR, 1997, p. 161).
Mas houve outra causa para isso, mais imediata e, de algumas maneiras, mais
convincente. A aproximação do fim do século presenciou um dos fenômenos
mais notáveis da história contemporânea, talvez da história moderna como um
todo. Referimo-nos à derrocada e ao eclipse do comunismo na Europa Central
e Oriental e ao declínio do marxismo como ideologia em todo o mundo.
Talvez haja, tem de haver, um aspecto de puro acidente histórico nessa
coincidência, o fim do comunismo e o fim do século. Aparentemente não há
razão óbvia por que, se o comunismo estava destinado a fracassar, isso tivesse
que acontecer de forma tão espetacular exatamente na última década do século
XX. A coincidência, no entanto, é inegável e tem sido quase impossível
resistir à ideia de que talvez possa haver alguma conexão oculta entre os dois
fatos extraordinários. Uma vez que, simultaneamente, muitas das explicações
do desmoronamento do comunismo têm se baseado nas teorias da sociedade
de informação e da pós-modernidade [...], esse fato serviu também para
conferir a essas teorias de mudança grande parte dos aspectos habituais das
profecias tipo fin-de-siècle. O fim do século, o fim do comunismo, e o fim –
digamos – da modernidade, parecem ter pelo menos uma "afinidade eletiva"
331
entre si, mesmo que tivéssemos muito trabalho para especificar elos causais
entre elas. (KUMAR, 1997, p. 161).
Se houvesse uma reedição, posterior a 2001, desse texto de Krishan Kumar, ele com
certeza indicaria aqui o exemplo da queda das torres gêmeas, ocorrida em 2001, como grande
representação do “começo de século”, começo de milênio, começo de uma nova era histórica.
Esse acontecimento tão representativo também é extremamente pertinente em relação a
simbolizar o fim da pós-modernidade e o começo do Nobrow: se, conforme vimos ao longo
desta Tese, muitos teóricos marcam o início histórico da pós-modernidade com as bombas de
Hiroshima e Nagasaki – que simbolizaram o momento em que todos perderam a fé na
humanidade, em que caíram em desesperança, se isolaram e deixaram de agir ou, segundo tudo
o que sinalizamos anteriormente, foi o momento em que “ninguém acreditava haver algum
sentido em revoltar-se contra um mundo que não iria mudar” –, o momento da queda das torres
gêmeas em setembro de 2001 foi a culminância da revolta.
Podemos afirmar ainda que foi o retorno da revolta, o momento em que a humanidade
percebeu que não aguentava mais assistir a sua própria destruição sem fazer nada. Mesmo que
a fé no futuro ainda não tivesse sido reestabelecida, a humanidade iria lutar por ele. Já nos dias
seguintes ao ataque, milhares de grupos surgiram, milhões de pessoas começaram a se
mobilizar, seja qual fosse o lado que escolhessem: milhões alistaram-se no exército americano,
da mesma maneira, milhões integraram-se a grupos terroristas e centenas de ONGs surgiram.
Tudo em questão de dias. Eras não morrem de um segundo para o outro, elas vão
gradativamente perdendo suas características, se desgastando, deixando de ser. Mas se há um
momento que podemos destacar como o fim da pós-modernidade, a hora declarada de sua morte
– assim como a hora de nascimento do Nobrow –, esse momento foi o dia 11 de setembro de
2001.
Mesmo nos casos em que, como acontece com vários dos teóricos da pós-
modernidade, pouco entusiasmo demonstrem pelo estado das coisas que
descrevem, o alcance e natureza das afirmações dificilmente podem ser
considerados modestos ou carentes em grandiosidade. Neste fim do século
XX, ouvimos uma série de pronunciamentos e declarações que, tomados
juntos ou isoladamente, equivalem à alegação de que o mundo ocidental está
passando por uma das transformações mais profundas de sua existência.
(KUMAR, 1997, p. 162).
Todos esses acontecimentos de começo de milênio provaram que eles estavam certos.
Ainda que feita antes do advento do Nobrow, essa constatação de Kumar é ainda mais
pertinente para esta era do que para a pós-modernidade: temos que possibilitar a “avaliação
geral de um conjunto tão numeroso e variado de alegações” (KUMAR, 1997, p. 163) – já que
vinte anos depois, a velocidade se acelerou ainda mais, o Big Data aumentou ainda mais, a
produção cultural e teórica aumentou muito mais –, sem que seja necessário fazê-la por meio
de uma “enorme quantidade de material e a variedade de habilidades e técnicas” (KUMAR,
1997, p. 163) que inevitavelmente faria (e faz, como acontece com o Nobrow) acontecer essa
queda no vazio. Na era Nobrow, a falha da crítica em superar suas técnicas de avaliação traz o
fracasso dessa em apreender a contemporaneidade (conforme discorremos no subcapítulo 5.2).
O fluxo constante, nos últimos vinte a trinta anos, de novas teorias de mudança
não pode ser atribuído a maquinações da indústria da mídia. Elas têm que
refletir algo real na experiência dessas sociedades, um senso verdadeiro de
subversão e desorientação. Precisamos ter esse fato em mente, e verificar o
que ele poderia significar, qualquer que seja a nossa avaliação das teorias
particulares em estudo. (KUMAR, 1997, p. 163).
A glocalidade nos trouxe todo o fluxo cultural atemporal e ageográfico que nos fez
superar o conceito de identidade.
Assim nasceu a arte Nobrow, que fez surgir toda a cultura, a sociedade e a era Nobrow,
na qual não há a criação de novos grupos, não há como agrupar indivíduos, uma vez que Nobrow
é simplesmente a união de todos na inclassificação.
“[...] cabe relembrar a descrição que Charles Jencks faz de pós-modernismo, como um
fenômeno de ‘duplo código’, simultaneamente continuando e se opondo (ou ‘transcendendo’)
às tendências da modernidade e do modernismo” (KUMAR, 1997, p. 182). Conforme
indicamos anteriormente, não há como fugir do prefixo “pós”.
Foi devido em parte à existência de tal pluralidade de termos, todos eles com
significados que mudam a toda hora, que surgiu um terreno tão fértil para
desacordo, que se é uma bênção para as editoras, torna-se um pesadelo para
os teóricos sociais. Temos que aceitar o fato de que, qualquer que seja o
veredicto que possamos formular sobre a ideia de pós-modernidade, ele
dependerá em boa medida das definições altamente questionáveis que lhe
damos. As coisas, em outras palavras, não são o que são na sociedade de
informação ou no pós-fordismo. Nestes casos, observa-se um razoável grau
de consenso sobre seus significados. Nada de parecido aplica-se à pós-
modernidade. Se, no fim, concordarmos com Jameson em que pós
modernidade é um termo útil e, quem sabe, talvez até indispensável, isso
acontecerá porque a descrição que dele demos no capítulo anterior põe em
relevo certos aspectos da teoria que parecem especialmente promissores e
valiosos. Nossa definição do "campo de significado" em volta da pós-
modernidade sugere usos e perspectivas, um mapa de condições correntes, que
não correspondem a definições mais convencionais. (KUMAR, 1997, p. 182-
183).
Se continuarmos no mesmo passo, a nova era Nobrow, ainda mais plural que a pós-
modernidade, aumentará o desacordo (e o pesadelo). A única maneira de nos prevenirmos
contra isso é abandonarmos completamente as definições.
O contrário do que acontece com o Nobrow: sendo esse termo ainda não conhecido nem
disseminado, o fenômeno Nobrow está nas ruas, espalhado por todo o mundo, acontecendo
independentemente da sociedade estar consciente de tal fato ou não.
Contudo, a promoção de uma nomeação e de toda a ideia por trás dela definitivamente
a enraíza cada vez mais. Conforme se acredita estar em determinada situação, mais se age de
acordo com ela.
palavras (que tipo de teoria social podemos submeter a teste?), devemos ser
capazes de avaliar-lhe a plausibilidade pelo menos em algum grau, estudando
as alegações que faz sobre essa realidade bem concreta. (KUMAR, 1997, p.
195).
Esse tipo de argumento pode ser usado contra uma larga faixa de fenômenos
pós-modernos. O particularismo pós-moderno, o pluralismo e o ecletismo
existem, mas são manifestações ideológicas da unidade sistêmica subjacente,
cujos imperativos criam a própria diversidade, enquanto, ao mesmo tempo,
impõem uma homogeneidade mais profunda e mais global [...]. O padrão, seja
de lugar ou de produto, é semelhante: globalização ligada a localismo e
diversificação. A globalização, seguindo a lógica conhecida do
desenvolvimento capitalista, procura "economias de escala". Estas preferem a
padronização e a homogeneidade – o "produto global". (KUMAR, 1997, p.
198).
Não podemos dizer que alguma dessas duas variedades esteja incorreta.
Vem ocorrendo uma mudança abissal nas práticas culturais, bem como
político-econômicas, desde mais ou menos 1972. Essa mudança abissal está
vinculada à emergência de novas maneiras dominantes pelas quais
experimentamos o tempo e o espaço. Embora a simultaneidade nas dimensões
mutantes do tempo e do espaço não seja prova de conexão necessária ou
causal, podem-se aduzir bases a priori em favor da proposição de que há
algum tipo de relação necessária entre a ascensão de formas culturais pós-
modernas, a emergência de modos mais flexíveis de acumulação do capital e
um novo ciclo de "compressão do tempo-espaço" na organização do
capitalismo. (HARVEY, 1992, p. 7).
Embora Harvey tenha escrito a citação acima em 1989, tal mudança que ele descreve é
um dos primeiros sinais das transformações que fariam nascer cerca de dez anos depois o
Nobrow: mudanças na forma de experimentarmos o tempo e o espaço, compressão do tempo-
espaço, simultaneidade, flexibilidade.
Haveria, nesse sentido, uma sociedade completamente nova, mas não necessariamente
pós-capitalista ou pós-industrial, pois na contemporaneidade Nobrow há espaço para que
diversos tipos de sociedade existam em simultaneidade, mesmo que estes sejam contrários.
Em comum com diversos outros teóricos tratados ao longo desta tese, Harvey aqui
menciona o final da II Guerra Mundial como o golpe mortal na modernidade, de tal maneira
possivelmente reconhecendo esse momento como o nascimento histórico da pós-modernidade;
ainda que, como outros diversos teóricos, Harvey elenque inúmeros exemplos na arte atestando
o início estético – ou o início da discussão intelectual – do pós-modernismo no início dos anos
70 (cf. HARVEY, 1992, p. 45-67). Ele dá diversas caracterizações ao pós-modernismo que são
comuns ao Nobrow, lembrando que esse texto de Harvey foi escrito em 1989 e que diversas
características do pós-modernismo continuam a viver não totalitária, unitariamente, mas em
simultaneidade com outras díspares no advento do Nobrow: “[...] no auge da história intelectual
e cultura em que algo chamado ‘pós-modernismo’ emergiu de sua crisálida do antimoderno
para estabelecer-se por si mesmo como estética cultural.” (HARVEY, 1992, p. 15).
Toda essa consideração coloca a possibilidade de escolhermos qual caminho tomar, qual
projeto devemos seguir – o que muitos teóricos acreditam não estar em nossas mãos –, mas
independentemente desse fato, é importante mais uma vez observarmos e diferenciarmos quais
teóricos acreditam ou defendem um projeto, e quais apenas atestam seus limites temporais e
suas características.
O Nobrow não imita, não é cada prática da sociedade. Assim sendo, obviamente,
também – ponto em comum com a pós-modernidade – “apresenta-se com aparências bem
variadas”. Nesse sentido, um aspecto importantíssimo da evolução da pós-modernidade para o
Nobrow é justamente que essa superposição não enfraquece, mas fortalece e dá visibilidade a
todas sociedades e culturas (de acordo com o capítulo 1).
Por isso, as mudanças tão extremas no advento do Nobrow, uma época atemporal e
ageográfica.
As rachaduras nos espelhos podem não ser muito grandes e as fusões nas
extremidades podem não ser muito marcantes, mas o fato de todas elas
existirem sugere que a condição da pós-modernidade passa por uma súbita
evolução, talvez alcançando um ponto de autodissolução em alguma coisa
diferente. Mas o quê? (HARVEY, 1992, p. 325).
Nobrow! Lembrando que essa foi uma hipótese levantada por Harvey em 1989, e mesmo
nessa data ele já podia observar que a pós-modernidade estava para evoluir em algo novo muito
em breve. E a resposta é o Nobrow.
Nobrow parece ser esse poder estético desconhecido, mas é ele que está trazendo de
volta a estabilidade perdida na pós-modernidade. Nobrow é a unidade no exterior, no conjunto
da diferença trazido pela compressão do tempo-espaço, pela geopolítica e pela alteridade.
Segundo Eagleton, esses aspectos são objeto de controvérsias, porém, abaixo ele traz a
questão mencionada da “sabedoria reconhecida”, dizendo que apenas um ou outro teórico pode
questionar essas características que ele descreve – ainda que ele tente se isentar do “contra ou
a favor” –, contudo, com todos os teóricos estudados ao longo desta Tese, já estabelecemos que
as visões contraditórias do pós-modernismo são muitas.
Eagleton indica aqui a questão das diversas variedades presentes dentro do pós-
modernismo, algo de que muitos teóricos discordam entre si; todavia, essa é uma característica
primordial do Nobrow: a simultaneidade, a coexistência de tendências díspares. O que Eagleton
descreve, caso não seja idiossincrático do pós-modernismo, pode ter sido a emergência dos
primeiros sinais do nascimento do Nobrow, cuja “unidade no pluralismo” e “união na
indeterminação” são sua essência.
O pós-modernismo [...] não pode mesmo chegar a um termo, tanto quanto não
poderia haver um fim para a pós-Maria Antonieta. Ele não é, aos próprios
olhos, uma "etapa da história", mas a ruína de todo esse pensamento etapista.
Ele não vem depois do modernismo no mesmo sentido que o positivismo vem
depois do idealismo, mas no sentido de que o reconhecimento de que o rei está
nu vem depois de se olhar para ele. E assim, da mesma forma como era
verdade que o imperador esteve nu o tempo todo, sob certo aspecto o pós-
modernismo existia mesmo antes de começar. Num determinado nível pelo
menos, ele não passa da verdade negativa da modernidade, um
desmascaramento de suas pretensões míticas e, portanto, presume-se que fosse
tão legítimo em 1786 quanto o é hoje. Esse modo de pensar não deixa muito
confortável o pós-modernismo, visto que seu relativismo histórico o faz
cauteloso diante dessas verdades transistóricas, mas essa afirmação, no final
das contas, representa o preço que ele tem de pagar por recusar-se a ver a si
próprio, pelo menos em termos filosóficos, como apenas mais um movimento
na grande sinfonia da História, que pela lógica deriva de seus predecessores e
prepara o caminho para o que vem depois. (EAGLETON, 1998, p. 37-38).
certo ponto dentro da estrutura daquele relato linear. "Até certo ponto" porque
é difícil saber se a finalização encontra-se dentro ou fora do que ela realiza,
assim como é difícil saber se a fronteira de um terreno faz ou não parte dele.
Mas, uma vez que a finalização precisa representar a finalização de algo um
mínimo específico, um fim para isso e não para aquilo, fica difícil deixar de
sentir que o pós-modernismo nasce do modernismo da mesma maneira que o
modernismo nasceu do realismo. A dificuldade do pós-modernismo quanto a
isso reside no fato de que, se no plano cultural ele de fato parecia um período
histórico determinado, no plano filosófico ele devia existir há muito tempo,
muito antes de qualquer pessoa ter notícia do significante ou dos circuitos de
excitação libidinosa. [...] Enfim, o "pós" é um marcador histórico ou teórico?
Se a História como a modernidade a concebe não passa de ilusão, então
algumas alegações pós-modernistas com efeito se mostraram verdadeiras o
tempo todo, ainda que não possamos distinguir com precisão verdadeiras para
quem. Para começar, nunca existiu qualquer Progresso ou Dialética ou
Espírito-de-Mundo; o mundo não é assim, nem nunca foi. Mas a teoria pós-
moderna desconfia de frases como "do jeito que o mundo é", ou era; será que
ela não está opondo a "ilusão ideológica" à "verdade", numa jogada
epistemológica que consideraria ingênua demais? Talvez então a modernidade
tenha sido mesmo, no seu tempo, bastante real – talvez essas noções de
progresso e de dialética e de todo o resto tenham apresentado resultados
concretos, tenham de certa forma correspondido realmente a alguma realidade
histórica. Mas, nesse caso, o pós-modernismo só consegue sua imunidade à
ingenuidade epistemológica à custa de um historicismo que ele reputa
repugnante tanto quanto. (EAGLETON, 1998, p. 38-39).
A questão do fim da história é algo que precisamos mencionar, mas na qual não
adentraremos, pois ela não afeta nossa análise da transitoriedade “pós-modernidade/Nobrow”,
mesmo que o suposto fim da história tenha se dado na transitoriedade anterior
“modernidade/pós-modernidade”. Nobrow pode ser uma cultura que não é linear –
temporalmente – mas isso não significa que ela não irá ser – temporalmente – superada.
“O pós-modernismo, do jeito que se apega ao particular, relutaria em aceitar que existem
proposições que se aplicam a todos os tempos e lugares, e nem por isso podemos dizê-las vazias
ou triviais.” (EAGLETON, 1998, p. 110). Mais uma diferença fundamental entre o pós-
modernismo e o Nobrow, que demonstra a superação do pós-modernismo: o Nobrow em si se
aplica a todos os tempos e lugares. “Da mesma forma, também fica difícil para nós resgatar a
excitação quimérica que deve ter tomado conta do mundo com o conceito de universalidade.”
(EAGLETON, 1998, p. 110).
Este estudo tem por objeto a posição do saber nas sociedades mais
desenvolvidas. Decidiu-se chamá-la de ''pós-moderna''. A palavra é usada, no
continente americano, por sociólogos e críticos. Designa o estado da cultura
após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da
literatura e das artes a partir do final do século XIX. Aqui, essas
transformações serão situadas em relação à crise dos relatos. (LYOTARD,
2002, p. XV).
Para começar, o saber científico não é todo o saber; ele sempre teve ligado a
seu conceito, em competição com uma outra espécie de saber que, para
simplificar, chamaremos de narrativo e que será caracterizado mais adiante.
Não se trata de dizer que este último possa prevalecer sobre ele, mas seu
modelo está relacionado às idéias de equilíbrio interior e de convivialidade,
comparadas às quais o saber contemporâneo empalidece, sobretudo se tiver
que sofrer uma exteriorização em relação àquele que sabe (sachant) e uma
alienação em relação a seus usuários bem maiores do que antes. A
desmoralização consequente dos pesquisadores e dos professores é fato
importante, tanto que veio à tona, como se sabe, junto àqueles que se
destinavam a exercer estas profissões, os estudantes, ao longo dos anos 60, em
todas as sociedades mais desenvolvidas, e veio retardar sensivelmente,
durante este período, o rendimento dos laboratórios e das universidades que
não conseguiram evitar a sua contaminação. (LYOTARD, 2002, p. 12).
348
Uma ciência que não encontrou sua legitimidade não é uma ciência
verdadeira; ela cai no nível o mais baixo, o de ideologia ou de instrumento de
poder, se o discurso que deveria legitimá-la aparece ele mesmo como
dependente de um saber pré-científico, da mesma categoria que um relato
"vulgar". O que não deixa de acontecer se se volta contra ele as regras do jogo
da ciência que ele denuncia como empírica. Considere-se o enunciado
especulativo: um enunciado científico é um saber somente se for capaz de
349
O que torna a linguagem científica como tal é exatamente essa pressuposição. Não temos
que fugir da legitimação, mas sim das metodologias não mais cabíveis que acreditamos serem
inerentes a essa. É preciso que, para se de definir, se abra espaço para a indefinição no saber
científico. Um “processo de deslegitimação cujo motor é a exigência de legitimação” e a “crise
do saber científico” vem da “erosão interna do princípio de legitimação do saber” (LYOTARD,
2002, p. 70-71). Precisamos buscar esse afrouxamento enciclopédico que trará emancipação
para a ciência e para todo o conhecimento em geral. Trataremos mais precisamente sobre o
papel da teoria em todo esse cenário no subcapítulo 5.2.
5.1.3 Hipermodernidade
A partir do final dos anos 70, a noção de pós-modernidade fez sua entrada no
palco intelectual com o fim de qualificar o novo estado cultural das sociedades
desenvolvidas. Tendo surgido inicialmente no discurso arquitetônico (em
reação ao estilo internacional), ela bem depressa foi mobilizada para designar
ora o abalo dos alicerces absolutos da racionalidade e o fracasso das grandes
ideologias da história, ora a poderosa dinâmica de individualização e de
pluralização de nossas sociedades. Para além das diversas interpretações
propostas, impôs-se a ideia de que estávamos diante de uma sociedade mais
diversa, mais facultativa, menos carregada de expectativas em relação ao
futuro. Às visões entusiásticas do progresso histórico sucediam-se horizontes
mais curtos, uma temporalidade dominada pelo precário e pelo efêmero.
Confundindo-se com a derrocada das construções voluntaristas do futuro e o
concomitante triunfo das normas consumistas centradas na vida presente, o
período pós-moderno indicava o advento de uma temporalidade social inédita,
marcada pela primazia do aqui-agora. (LIPOVETSKY, 2004b, p. 51).
Tudo se passa como se tivéssemos ido da era do pós para a era do hiper. Nasce
uma nova sociedade moderna. Trata-se não mais de sair do mundo da tradição
para aceder à racionalidade moderna, e sim de modernizar a própria
modernidade, racionalizar a racionalização – ou seja, na realidade destruir os
"arcaísmos" e as rotinas burocráticas, pôr fim à rigidez institucional e aos
entraves protecionistas, relocar, privatizar, estimular a concorrência. O
voluntarismo do "futuro radiante" foi sucedido pelo ativismo gerencial, uma
exaltação da mudança, da reforma, da adaptação, desprovida tanto de um
horizonte de esperanças quanto de uma visão grandiosa da história. Por toda
a parte, a ênfase é na obrigação do movimento, a hipermudança sem o peso de
qualquer visão utópica, ditada pelo imperativo da eficiência e pela necessidade
da sobrevivência. Na hipermodernidade, não há escolha, não há alternativa,
senão evoluir, acelerar para não ser ultrapassado pela "evolução": o culto da
modernização técnica prevaleceu sobre a glorificação dos fins e dos ideais.
Quanto menos o futuro é previsível, mais ele precisa ser mutável, flexível,
reativo, permanentemente pronto a mudar, supermoderno, mais moderno que
os modernos dos tempos heróicos. A mitologia da ruptura radical foi
substituída pela cultura do mais rápido e do sempre mais: mais rentabilidade,
mais desempenho, mais flexibilidade, mais inovação. Resta saber se, na
realidade, isso não significa modernização cega, niilismo técnico-mercantil,
processo que transforma a vida em algo sem propósito e sem sentido.
(LIPOVETSKY, 2004b, p. 56-57).
352
Tudo o que Lipovestky caracteriza como “hiper” é comum ao que, na cultura Nobrow,
caracterizamos como excessos e acelerações idiossincráticas dessa cultura, que é sempre
mutável e flexível, de acordo com a necessidade descrita acima no cenário – exato – de um
futuro pouco previsível.
Definitivamente uma nova fase surgiu – conforme indicado por Lipovestky –, não mais
compatível com os parâmetros da pós-modernidade – “um estágio de transição, um momento
de curta duração. E este já não é mais o nosso”. Hoje, observamos novos parâmetros tanto na
ideia de hipermodernidade quanto no de Nobrow, haja vista que “[...] a hipermodernidade
multiplicou as temporalidades divergentes.” (LIPOVETSKY, 2004b, p. 58), concepção esta
comum à do Nobrow. “Superar a temática pós-moderna, reconceitualizar a organização
temporal que se apresenta – eis o propósito deste texto” (LIPOVETSKY, 2004b, p. 58) e desta
Tese, de acordo com as justificativas no subcapítulo 5.2.
Há um novo presenteísmo que caminha lado a lado com a esperança no futuro, que não
a anula.
Nobrow é a era do “em aberto”, na qual todas as tendências (mesmo as opostas) podem
caminhar juntas, lado a lado, em convivência pacífica. É a era de depreciação e de superação
de todo e qualquer valor.
Cultura-mundo
Até o presente, era a cultura que claramente traçava o ritmo da existência, que
conferia sentido à vida, integrando-a num conjunto de parâmetros religiosos,
360
Conforme tratado nos subcapítulos 4.1.1.1 e 5.1.2, a cultura Nobrow se tornou o mundo,
de arte passou a ser cultura, que passou a ser sociedade, que passou a ser era, que passou a ser
mundo. Uma de suas mais importantes características é o mencionado “estilhaçamento dos
sistemas de referência” da cultura-mundo. Já não há mais “um elo de integração e identificação
social entre todos” (LIPOVETSKY; JUVIN, 2012, p. 4), Nobrow é uma era de incerteza e
indeterminação, é a era de união de todo o mundo na incerteza.
qualquer lugar, uma vez que os recantos mais isolados estão ligados ao global.
Cada vez mais, os homens perfazem a experiência de um só mundo, no qual
as interdependências, interconexões e interações se ampliam. Claro, nem todo
mundo se assemelha às elites do jet-set, que compartilham os mesmos hábitos,
consomem as mesmas marcas de luxo e sentem-se em casa nas mesmas
grandes redes de hotéis internacionais. Todavia, nada impede que,
concomitantemente a esse ''cosmopolitismo de aeroportos internacionais'', se
manifeste a experiência cotidiana de um mundo unificado, mediante ameaças
ecológicas, difusão ''por transporte aéreo'' das epidemias virais, imperativos
universais do mercado, crises financeiras, migrações e diásporas, atos
terroristas, grandes acontecimentos mundiais (Olimpíadas, Copas do Mundo,
morte de Michael Jackson): fenômenos que desconhecem fronteiras e são
percebidos desse modo. De onde se segue que a cultura-mundo favorece novas
formas de vida transnacionais e o sentimento crescente de estarmos vivendo
num mesmo contexto globalizado. (LIPOVETSKY; JUVIN, 2012, p. 4-5).
A própria arte, por muito tempo esfera "protegida", não é poupada. Cai-se na
cultura-mundo quando o elemento de oposição constituído pelas vanguardas
é ele próprio integrado na ordem econômica, quando a cultura não constitui
mais "um império em um império", quando o mercado coloniza a cultura e os
modos de vida. Quando, igualmente, as mídias e o ciberespaço se tornam
instrumentos primordiais da relação com o mundo e, através deles, afirmam-
se novas formas de vida transnacional, novas percepções do mundo marcadas
pelas interdependências e pelas crescentes interconexões. Na idade moderna,
as transformações mais importantes da esfera cultural foram impulsionadas
pela dinâmica da ideologia individualista, com suas exigências de liberdade e
de igualdade; na era da hipermodernidade, a economia e seu poder
multiplicado é que se impõem como a instância principal da produção cultural.
Daí se vê que, se a cultura-mundo está associada à globalização, ela deve ser
vista, mais ainda, como o estado da cultura que acompanha a
hipermodernidade. Assim, é uma hipercultura de terceiro tipo que agora tece
sua teia sobre o mundo e o reconfigura, além dos territórios e das categorias
clássicas referentes à questão. Não mais as oposições alta cultura/baixa
cultura, cultura antropológica/cultura estética, cultura material/cultura
ideológica, mas uma constelação planetária em que se cruzam cultura
tecno-científica, cultura de mercado, cultura do indivíduo, cultura midiática,
cultura das redes, cultura ecologista: uns tantos polos que constituem as
"estruturas elementares" da cultura-mundo. (LIPOVETSKY, 2011, p. 14-15).
ser vista, mais ainda, como o estado da cultura que acompanha a hipermodernidade”
(LIPOVETSKY, 2011, p. 14-15), da mesma maneira, podemos relacionar a associação da
cultura Nobrow com a glocalização, como estado da cultura que acompanha a era Nobrow.
Essa é a descrição do artista Nobrow, que sofre influência de artes do mundo inteiro e
que pode propagar sua arte para o mundo inteiro.
Contudo, nem a sociedade, nem a academia, nem a crítica se adaptaram e não estão
preparadas para lidar com a cultura-mundo nem com a cultura Nobrow (de acordo com a
discussão do subcapítulo 5.2).
“Imprecisão” é a palavra-chave.
E ela não para aí; agora todas as esferas da vida social e íntima são afetadas.
A família, a identidade sexual, as relações entre os gêneros, a educação dos
filhos, a moda, a alimentação, as novas tecnologias: a incerteza tornou-se a
coisa mais bem partilhada do mundo. Mesmo a "alta" cultura não escapa à
desorientação generalizada, como demonstra a relação com a arte
contemporânea, percebida como "incompreensível", do domínio do "qualquer
coisa", e ainda por cima vendida a preços astronômicos. Aliás, é a própria
cultura tradicional, humanista e literária, que constituía o alicerce da formação
tido como intransponível, que se vê abalada, por sua vez, e sentida cada vez
mais, especialmente pelas novas gerações, como defasada de sua época.
(LIPOVETSKY, 2011, p. 21).
Toda essa cultura e a arte contemporânea são tidas como “incompreensíveis” por falta
de capacidade da teoria em admitir a incerteza (conforme tratado no subcapítulo 5.2). A cultura
tradicional pode estar defasada, mas ela tem espaço na simultaneidade de tendências
característica do Nobrow; o que está defasado de sua época e se vê completamente abalado é o
olhar crítico que não tem capacidade de enxergar o Nobrow.
Estamos perdidos em um mar de Big Data e não conseguiremos nunca alcançar clareza
e compreensão com a aceleração contemporânea, o que nos leva à grande questão a ser
analisada: conseguir deixar de estar desorientados nesse contexto contemporâneo ou ter que
aprender a viver com a desorientação, a abraçá-la?
da outra. O segundo fenômeno nos trouxe toda uma nova diagramação da cultura, conforme
elucidado no subcapítulo 1.1.1. Já o terceiro fenômeno é novidade corrente, porém, não é
tendência majoritária, é apenas uma visão (e consequente reação) extremamente trágica por
parte daqueles que não compreendem bem as potencialidades tanto da globalização quanto da
glocalização, conforme tratado nos subcapítulos 3.3.1 e 3.2.3.1.
Não há compreensão que a globalização pode trazer mais visibilidade para cada
particularismo, porém, há que se compreender que a dissolução das identidades, característica
do Nobrow, é inexorável, o que não significa que as culturas locais sejam obliteradas.
Essa nova situação não está livre do perigo. Os indivíduos libertos dos
enquadramentos coletivos, mas "desnorteados" e frágeis, podem querer buscar
uma integração "tranquilizante" em grupos, "seitas", redes por vezes radicais
e violentas. Esse fenômeno não é marginal: tudo leva a crer que vai prosseguir
em razão das novas demandas identitárias originadas por uma
hiperindividualização causadora de ansiedade. Uma das vertentes da
hipermodernidade é, assim, o aumento do caos balcanizado, das seitas e dos
movimentos terroristas. Mesmo que não consigam romper a democracia, as
minorias ativas conseguem pô-la em estado de choque, aterrorizar o cotidiano,
367
A cultura-mundo significa cultura universal, mas isso não quer dizer que ela
aboliu a diversidade das culturas particularistas no mundo. Sobre um pano de
fundo globalista de agora em diante convergente e de origem ocidental podem
erguer-se instituições políticas, ideologias e valores dominantes que não são
de modo algum os partilhados pelo Ocidente liberal: a globalização
hipermoderna não traz consigo de maneira alguma o triunfo certo das
democracias liberais. A cultura-mundo não suprime as idiossincrasias
culturais, tampouco as soberanias nacionais. (LIPOVETSKY, 2011, p. 64-65).
Retomemos, então, a questão da arte, que, conforme sinalizamos ao longo desta Tese,
foi fundindo-se com a cultura, com a sociedade, com a contemporaneidade em geral, até
tornarem-se uma só. Em meio a isso, Lipovetsky pergunta:
Uma cultura realmente em tudo nova jamais irá existir, sempre haverá traços de outras
culturas. A diferença no advento do Nobrow é que não conseguimos identificar mais esses
traços, de maneira que temos muitas obras que parecem fundamentalmente novas. Essa é “a
novidade histórica dessa cultura desconstrutiva” (LIPOVETSKY, 2011, p. 69-70), não porque
ela transformou as referências, mas porque elas não existem mais. “A cultura-mundo não
determina apenas o mundo das indústrias culturais e da rede. Ela significa também um novo
lugar e um novo estatuto da arte em nossas sociedades.” (LIPOVETSKY, 2011, p. 87).
Assim sendo, cabe mais um questionamento: “Uma das grandes apostas da cultura-
mundo está aí: como educar os indivíduos e formar espíritos livres em um universo com
informações em excesso?” (LIPOVETSKY, 2011, p. 69). Conforme amplamente discutido no
subcapítulo 5.2, a resposta está em aprender a lidar, a trabalhar, a compreender, a viver com as
indefinições e indeterminações.
O ideal seria buscar a “anulação das hierarquias” (LIPOVETSKY, 2011, p. 108) sem
uniformizar comportamentos, sem estabelecer qual comportamento seria o idealista.
É preciso repetir: a cultura-mundo, por mais globalizante que seja, não é Una;
é ambivalente, paradoxal, contraditória. Jogando com suas forças e suas
tensões diversas, é possível inflectir o curso das coisas e configurar um mundo
melhor. Não se trata de cultivar um sonho grandioso, mas de simplesmente
alimentar o debate, fixar prioridades, traçar linhas. Uma tal política, que visa
afastar a hipermodernidade da selva que ela tende a ser, não constitui uma
política de civilização, mas poderia fazer desta uma ordem simplesmente mais
"civilizada". (LIPOVETSKY, 2011, p. 149).
Sob o ponto de vista da longa duração, três grandes ondas relativas aos
domínios da arte, dos costumes e da economia estruturaram/desestruturaram
a organização do mundo e da cultura. A primeira fratura é ilustrada pela arte
e suas vanguardas iconoclastas, que se propuseram a destruir não apenas a arte
burguesa mas todos os códigos tradicionais das formas expressivas: na esteira
de Rimbaud, tudo será feito para que o barco da arte se estilhace e afunde no
mar. Além das proclamações revolucionárias, foi de fato um liberalismo
artístico total que se afirmou e que, daí em diante, triunfa através do que se
convencionou chamar "arte contemporânea". A segunda onda de
descontinuidade abalou, a partir dos anos 1960, as normas da vida cotidiana,
os valores burgueses e familiares, as relações entre os sexos. Lançando seus
sutiãs por cima das barricadas, buscando sob o asfalto a praia do prazer e do
sexo, derrubando a autoridade dos mestres, rompendo os tabus de um
moralismo conformista, as jovens e os jovens de 1968, de Berkeley a Praga
ou ao Quartier Latin, fazem soprar a ventania do liberalismo cultural. Este será
um instrumento importante na escalada do hiperindividualismo. É na virada
dos anos 1970-80 que se inicia a terceira grande onda de desregulamentação,
esta econômica, que, com o neoliberalismo, procura desmantelar o sistema de
regulamentações, os controles administrativos e as barreiras protecionistas,
374
Contudo, o que se deve aceitar é que esse “novo modo de composição” que nossa época
(quer a consideremos hipermodernidade ou Nobrow) tanto necessita é a “decomposição”: é
livrar-nos de grupos, movimentos, diretrizes, classificações. Aceitar a decomposição
generalizada, nos unir apenas na indefinição. É aprender a navegar sem bússolas. Uma
reinvenção verdadeira das regras.
Tudo já está religado, o mundo hoje funciona em redes, o que não há são estruturações.
O mundo não necessita de novas regulações, necessita aprender a viver sem elas, a viver na
375
irremediável incerteza, pois realmente “jamais redescobriremos o mundo das certezas e dos
equilíbrios anteriores” (LIPOVETSKY, 2011, p. 195-196).
Mas desorientação não é apocalipse. Diante do mundo por vir, nada pior que
um medo causador de imobilismo e da tentação de recuo. Todas as nações
conhecem o processo de desorientação, mas nem todas veem a globalização
com a mesma inquietude, com o mesmo pessimismo. Nesse sentido, cabe-nos,
e o Estado tem sua parte nisso, recriar as condições de um clima de confiança
respondendo a três grandes imperativos. Em primeiro lugar, reabilitar a cultura
do trabalho e do mérito: libertar as forças do trabalho, estender o tempo de
atividade, inventar novos sistemas de aposentadoria, recompensar mais o
mérito, eliminar os "desestímulos" ao trabalho, preparar melhor para a vida
profissional através da formação inicial e contínua. O hedonismo cultural não
é a solução do problema: é mobilizando as forças criadoras de riqueza e de
crescimento e, portanto, de futuro, que a desorientação escapará ao abismo da
desolação. (LIPOVETSKY, 2011, p. 196).
Aqui, novamente, reitera-se a ideia de educar para viver na desorientação, e não ir contra
ela. “Como viver no hipermundo da desorientação? Deve-se realmente constatar que, diante
dele, os homens não dispõem das mesmas armas.” (LIPOVETSKY, 2011, p. 197). Assim,
devemos trocar as armas, modificar nosso modo de visão.
cúbico, são mais pesados que muitos sólidos, mas ainda assim tendemos a vê-
los como mais leves, menos "pesados" que qualquer sólido. Associamos
"leveza" ou "ausência de peso" à mobilidade e à inconstância: sabemos pela
prática que quanto mais leves viajamos, com maior facilidade e rapidez nos
movemos. Essas são razões para considerar "fluidez" ou "liquidez" como
metáforas adequadas quando queremos captar a natureza da presente fase,
nova de muitas maneiras, na história da modernidade. Concordo prontamente
que tal proposição deve fazer vacilar quem transita à vontade no "discurso da
modernidade" e está familiarizado com o vocabulário usado normalmente para
narrar a história moderna. Mas a modernidade não foi um processo de
"liquefação" desde o começo? Não foi o "derretimento dos sólidos" seu maior
passatempo e principal realização? Em outras palavras, a modernidade não foi
"fluida" desde sua concepção? (BAUMAN, 2001, p. 8-9).
O que não podemos continuar negando, não querendo enxergar, “deixado de notar”, é
essa “redistribuição”, “reconfiguração” da sociedade, independentemente de, como indivíduos,
termos a desculpa de não notá-la por causa de tais padrões e configurações duros. Toda a teoria
precisa se libertar para nos ajudar a enxergar essa nova condição, mas cada indivíduo também
deve se libertar e tomar consciência.
Na verdade, nenhum molde foi quebrado sem que fosse substituído por outro;
as pessoas foram libertadas de suas velhas gaiolas apenas para ser
admoestadas e censuradas caso não conseguissem se realocar, através de seus
próprios esforços dedicados, contínuos e verdadeiramente infindáveis, nos
nichos pré-fabricados da nova ordem: nas classes, as molduras que (tão
intransigentemente como os estamentos já dissolvidos) encapsulavam a
totalidade das condições e perspectivas de vida e determinavam o âmbito dos
projetos e estratégias realistas de vida. A tarefa dos indivíduos livres era usar
sua nova liberdade para encontrar o nicho apropriado e ali se acomodar e
adaptar: seguindo fielmente as regras e modos de conduta identificados como
corretos e apropriados para aquele lugar. São esses padrões, códigos e regras
a que podíamos nos conformar, que podíamos selecionar como pontos estáveis
de orientação e pelos quais podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada
vez mais em falta. Isso não quer dizer que nossos contemporâneos sejam
guiados tão somente por sua própria imaginação e resolução e sejam livres
para construir seu modo de vida a partir do zero e segundo sua vontade, ou
que não sejam mais dependentes da sociedade para obter as plantas e os
materiais de construção. Mas quer dizer que estamos passando de uma era de
"grupos de referência" predeterminados a uma outra de "comparação
universal", em que o destino dos trabalhos de autoconstrução individual está
endêmica e incuravelmente subdeterminado, não está dado de antemão, e
tende a sofrer numerosas e profundas mudanças antes que esses trabalhos
378
Sendo assim, não há mais determinação, não há mais referência. Para Bauman, padrões
e configurações não são dados nem evidentes. No Nobrow, eles simplesmente são
completamente transcendidos. Não há como, conforme indicado por ele, “reclassificar”, mas
devemos, sim, deixar de classificar totalmente. Ele fala sobre nossa “versão individualizada e
privatizada da modernidade”:
Não há mais como negar que esse “limite natural” chegou, não há como continuarmos
procedendo dessa maneira, insistindo em salvaguardar algo que já se foi, nos arrastando em
uma suposta pós-modernidade “morta-viva”. Essa “diferença entre ‘próximo’ e ‘distante’, ou
entre o espaço selvagem e o civilizado e ordenado” (BAUMAN, 2001, p. 19) não está prestes
a desaparecer, ela já desapareceu e nós insistimos em dizer que continuamos enxergando-a
quando ela não mais está lá.
As pessoas não sentem tal necessidade de se libertar, pois não sabem que estão presas
às delimitações da sociedade. Todavia, a crítica sabe muito bem que deve se libertar, mesmo
que ainda não saiba bem do que, ela tem contudo consciência que está presa de alguma forma
que a impede de fazer seu trabalho.
O título dado por Norbert Elias a seu último livro, publicado postumamente,
A sociedade dos indivíduos, capta com perfeição a essência do problema que
assombra a teoria social desde seu começo. Rompendo com uma tradição
estabelecida desde Hobbes e forjada novamente por John Stuart Mill, Herbert
Spencer e a ortodoxia liberal na doxa (o quadro não examinado de toda
cognição adicional) de nosso século, Elias substituiu o "e" e o "versus" pelo
"de" e, assim, deslocou o discurso do imaginário das duas forças, travadas
numa batalha mortal mas infindável entre liberdade e dominação, para uma
"concepção recíproca": a sociedade dando forma à individualidade de seus
membros, e os indivíduos formando a sociedade a partir de suas ações na vida,
enquanto seguem estratégias plausíveis e factíveis na rede socialmente tecida
de suas dependências. A apresentação dos membros como indivíduos é a
marca registrada da sociedade moderna. Essa apresentação, porém, não foi
uma peça de um ato: é uma atividade reencenada diariamente. A sociedade
moderna existe em sua atividade incessante de "individualização", assim
como as atividades dos indivíduos consistem na reformulação e renegociação
diárias da rede de entrelaçamentos chamada "sociedade". Nenhum dos dois
parceiros fica parado por muito tempo. E assim o significado da
"individualização" muda, assumindo sempre novas formas – à medida que os
resultados acumulados de sua história passada solapam as regras herdadas,
estabelecem novos preceitos comportamentais e fazem surgir novos prêmios
no jogo. A "individualização" agora significa uma coisa muito diferente do
que significava há cem anos e do que implicava nos primeiros tempos da era
381
Os seres humanos não mais "nascem" em suas identidades. Como disse Jean-
Paul Sartre em frase célebre: não basta ter nascido burguês – é preciso viver a
vida como burguês. (Note-se que o mesmo não precisaria ser nem poderia ser
dito sobre príncipes, cavaleiros ou servos da era pré-moderna: nem poderia
ser dito de modo tão resoluto dos ricos nem dos pobres de berço dos tempos
modernos.) Precisar tornar-se o que já se é é a característica da vida moderna
– e só da vida moderna (não da "individualização moderna", a expressão sendo
evidentemente pleonástica; falar da individualização e da modernidade é falar
de uma e da mesma condição social). A modernidade substitui a determinação
heterônoma da posição social pela autodeterminação compulsiva e
obrigatória. Isso vale para a "individualização" por toda a era moderna – para
todos os períodos e todos os setores da sociedade. No entanto, dentro daquela
condição compartilhada há variações significativas, que distinguem gerações
sucessivas e também as várias categorias de atores que compartilham o mesmo
cenário histórico. (BAUMAN, 2001, p. 44-45).
No Nobrow, “sociedade” não é mais condição sine que non. Têm-se autonomia e
autoafirmação, porém nunca identificação.
5.1.5 Supermodernidade
Iniciamos aqui este subcapítulo com a discussão dos papéis da antropologia e da
etnologia, um complemento importante à discussão dos subcapítulos 3.3.1.1, 3.3.1.2 e 5.2.
Contudo, a questão hoje em dia é que não é mais possível ser um “observador externo”.
A cultura Nobrow é ubíqua e nos circunda, todos fazemos parte dela.
“O antropólogo que tem e que deve ter interesses históricos não é, nem por isso, stricto
sensu, um historiador.” (AUGÉ, 2012, p. 15). Dados esses detalhamentos, Augé nos fala da
situação presente:
Esses são os grandes questionamentos ao qual devemos buscar resposta: esses novos
modos de circulação específicos e esse novo fluxo cultural atemporal e ageográfico mencionado
são passíveis de um olhar antropológico? E etnógrafo? Precisamos com urgência repensar essas
questões para podermos apreender a contemporaneidade Nobrow, que não está sendo
propriamente estudada, teorizada, compreendida.
Essa antropologia tanto não deve efetuar-se através de tais categorias repertoriadas que
já não apreendem a sociedade contemporânea quanto não deve abordar nem criar novos campos
empíricos – a apreensão do Nobrow deve dar-se além desses. “O concreto da antropologia está
no extremo oposto do concreto definido por certas escolas sociológicas como apreensível nas
ordens de grandeza das quais são eliminadas as variáveis individuais.” (AUGÉ, 2012, p. 24). A
antropologia deve dar-se na indefinição.
É, no mínimo, miopia, a recusa de enxergar o Nobrow por não conseguir não só “duvidar
das identidades absolutas” como também superar qualquer tipo de identificação.
Basta saber do que se está falando e basta-nos, aqui, constatar que, qualquer
que seja o nível ao qual se aplica a pesquisa antropológica, ela tem por objeto
interpretar a interpretação que outros se fazem da categoria do outro, nos
diferentes níveis que situam o lugar dele e impõem sua necessidade: a etnia, a
tribo, a aldeia, a linhagem ou qualquer outro modo de agrupamento até o
átomo elementar de parentesco, do qual se sabe que submete a identidade da
filiação à necessidade da aliança; o indivíduo, enfim, que todos os sistemas
rituais definem como compósito e cheio de alteridade, figura literalmente
impensável, como o são, em modalidades opostas, a do rei e a do feiticeiro.
(AUGÉ, 2012, p. 26-27).
Não apenas o progresso em seu sentido de “evolução” – cuja ideia encalhou na aurora
da pós-modernidade –, mas também o progresso temporal: realmente, “o tempo não é mais um
princípio de inteligibilidade” (AUGÉ, 2012, p. 27), o tempo já não segue suposta ordem
cronológica intrínseca (de acordo com o detalhamento no subcapítulo 3.1.2.3).
mais. Desse ponto de vista, ninguém se expressa melhor que Pierre Nora, em
seu prefácio ao primeiro volume dos Lieux de mémoire: o que estamos
buscando na acumulação religiosa de testemunhos, documentos, imagens, de
todos os "sinais visíveis daquilo que foi", diz ele, em suma, é nossa diferença,
e "no espetáculo dessa diferença o brilho súbito de uma identidade
inencontrável. Não mais uma gênese, mas o deciframento de que estamos à
luz do que não somos mais." (AUGÉ, 2012, p. 28-29).
Devemos trocar tais formas antigas por formas novas, e também devemos deixar de
buscar formas, aprender a trabalhar além delas. Temos que deixar de buscar tanto as formas
quanto as “identidades inencontráveis”.
O que é novo não é que o mundo não tenha, ou tenha pouco ou menos sentido,
é que sentíamos explícita e intensamente a necessidade diária de dar-lhe um:
de dar um sentido ao mundo, não a determinada aldeia ou a determinada
linhagem. Essa necessidade de dar um sentido ao presente, senão ao passado,
387
Como dissemos, não é uma questão de “menos sentido”, mas sim uma questão de falha
em atribuir sentido devido às amarras das denominações, não mais compatíveis com a
contemporaneidade Nobrow da superabundância, do excesso.
Isso ainda sem se considerar o ciberespaço, que potencializa ainda mais essa memória,
esse prolongamento e a história, que entrecruza tudo.
Abramos um parêntese para colocar uma ponderação de Jeudy em relação à
“atualização”:
Esse “atualizar” passa a ser mais necessário do que nunca neste tempo do Nobrow, que
já é atemporal em seu próprio presente. Mas como o próprio Jeudy sinaliza: “o tempo é inatual”:
Essa superabundância espacial funciona como uma isca, mas uma isca cujo
manipulador teríamos dificuldade em identificar (tudo não passa de uma
miragem). Ela constitui, para uma larguíssima faixa, um substituto dos
universos que a etnologia transformou tradicionalmente em seus. Desses
universos, eles mesmos amplamente fictícios, poder-se-ia dizer que são
essencialmente, universos de reconhecimento. É próprio dos universos
simbólicos constituir para os homens que os receberam por herança mais um
meio de reconhecimento do que de conhecimento: universo fechado, onde
tudo se constitui em signo, conjuntos de códigos dos quais alguns têm a chave
e o uso, mas cuja existência todos admitem, totalidades parcialmente fictícias,
391
Não apenas a superabundância espacial, mas também a superação da geografia são dois
dos fatores que trouxeram a mencionada “dificuldade de identificar”, que no Nobrow se
transformou em “impossibilidade de identificar”. Já não é mais possível aceitar “sociedades
identificadas”, pois tais identificações já não têm mais como corresponder à realidade, já não
existem mais “culturas concebidas”.
Ainda aí, é preciso que nos entendamos: assim como a inteligência do tempo,
parece-nos, é mais complicada pela superabundância factual do presente do
que minada por uma subversão radical dos modos prevalentes da interpretação
histórica, assim também a inteligência do espaço é menos subvertida pelas
agitações em curso (pois ainda existem terras e territórios, na realidade dos
fatos de campo e, mais ainda, naquela das consciências e das imaginações,
individuais e coletivos) do que complicada pela superabundância espacial do
presente. Esta se expressa, como vimos, nas mudanças de escala, na
multiplicação das referências energéticas e imaginárias, e nas espetaculares
acelerações dos meios de transporte. Ela resulta, concretamente, em
consideráveis modificações físicas: concentrações urbanas, transferências de
população e multiplicação daquilo a que chamaremos "não lugares", por
oposição à noção sociológica de lugar, associada por Mauss e por toda uma
tradição etnológica àquela de cultura localizada no tempo e no espaço. Os não
lugares são tanto as instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas
e bens (vias expressas, trevos rodoviários, aeroportos) quanto os próprios
meios de transporte ou os grandes centros comerciais, ou ainda os campos de
trânsito prolongado onde são alojados os refugiados do planeta. Porque
vivemos uma época, também sob esse aspecto, paradoxal: no próprio
momento em que a unidade do espaço terrestre se torna pensável e em que se
reforçam as grandes redes multirraciais, amplifica-se o clamor dos
particularismos; daqueles que querem ficar sozinhos em casa ou daqueles que
querem reencontrar uma pátria, como se o conservadorismo de uns e o
392
E pouco importa que sejamos de certo modo beneficiários, pois estamos longe,
cada um por sua vez, de dominar todos os aspectos dessas novas civilizações
e culturas, e falta muito para isso. Inversamente, as culturas exóticas não
pareciam, outrora, tão diferentes aos observadores ocidentais que eles não
tenham ficado tentados a, primeiro, lê-las por meio das grades etnocentradas
de seus costumes. Se a experiência distante ensinou-nos a descentrar nosso
olhar, temos que tirar proveito dessa experiência. O mundo da
supermodernidade não tem as dimensões exatas daquele no qual pensamos
viver, pois vivemos num mundo que ainda não aprendemos a olhar. Temos
que reaprender a pensar o espaço. (AUGÉ, 2012, p. 37).
O mesmo pode-se dizer do Nobrow. Ainda não aprendemos a olhá-lo, nem mesmo a
enxergá-lo.
Nas sociedades ocidentais, pelo menos, o indivíduo quer um mundo para ser
um mundo. Ele pretende interpretar por e para si mesmo as informações que
lhe são entregues. Os sociólogos da religião puseram em evidência o caráter
singular da própria prática católica: os praticantes querem praticar à sua
maneira. Do mesmo modo, somente em nome do valor individual
indiferenciado pode ser superada a questão da relação entre os sexos. Essa
individualização dos procedimentos, observemos, nem é tão surpreendente se
nos referimos às análises anteriores: nunca as histórias individuais foram tão
explicitamente referidas pela história coletiva, mas nunca, também, os pontos
de identificação coletiva foram tão flutuantes. A produção individual de
sentido é, portanto, mais do que nunca, necessária. Naturalmente, a sociologia
pode perfeitamente pôr em evidência as ilusões das quais procede essa
individualização dos procedimentos e os efeitos de reprodução e de
estereotipia que escapam, totalmente ou em parte, à consciência dos atores.
Porém, o caráter singular da produção de sentido, transmitido por todo um
aparelho publicitário – que fala do corpo, dos sentidos, do frescor de viver – e
toda uma linhagem política, cujo eixo é o tema das liberdades individuais, é
interessante em si mesmo: ele tem origem no que os etnólogos estudaram nos
outros, sob diversas rubricas, a saber, o que poderíamos chamar as
antropologias, mais do que as cosmologias, locais, isto é, os sistemas de
representação nos quais são informadas as categorias da identidade e da
alteridade. (AUGÉ, 2012, p. 38-39).
“mudanças que afetaram as grandes categorias por meio das quais os homens pensam sua
identidade e suas relações recíprocas” (AUGÉ, 2012, p. 41) – tais categorias foram superadas
e/ou simplesmente deixaram de ser aplicáveis e/ou de existir. Ainda que Augé coloque as “três
figuras do excesso” mencionadas como chave para caracterizar a supermodernidade, elas não
são suficientes para caracterizar o Nobrow – para tal precisamos transcender as categorias.
Os limites da visão culturalista das sociedades, tanto quanto ela pretende ser
sistemática, são evidentes: substantificar cada cultura singular é ignorar tanto
seu caráter intrinsecamente problemático, comprovado, contudo, quando
preciso, por suas reações às outras culturas ou pelos movimentos bruscos da
história, quanto a complexidade de uma trama social e de posições individuais
que jamais se deixam deduzir do "texto" cultural. (AUGÉ, 2012, p. 50).
Precisamos de uma nova visão culturalista das sociedades que, ao se abster de classificar
algo cegamente sem a adequada compreensão, não ignore “seu caráter intrinsecamente
problemático”, típico de qualquer objeto cultural Nobrow.
Os não lugares não apenas são “a medida da época”, como também são modo importante
de se compreender a superação do espaço na contemporaneidade e toda a sua cultura. “É no
anonimato do não lugar que se experimenta solitariamente a comunhão dos destinos humanos.”
(AUGÉ, 2012, p. 110).
Vê-se bem que por "não lugar" designamos duas realidades complementares,
porém, distintas: espaços constituídos em relação a certos fins (transporte,
trânsito, comércio, lazer) e a relação que os indivíduos mantêm com esses
espaços. Se as duas relações se correspondem de maneira bastante ampla e,
em todo caso, oficialmente (os indivíduos viajam, compram, repousam), não
se confundem, no entanto, pois os não lugares mediam todo um conjunto de
relações consigo e com os outros que só dizem respeito indiretamente a seus
fins: assim como os lugares antropológicos criam um social orgânico, os não
lugares criam tensão solitária. (AUGÉ, 2012, p. 87).
Contudo, hoje, nenhuma palavra tem tamanho poder de evocação para evocar os
produtos da cultura Nobrow.
No caso desses produtos da cultura Nobrow, a palavra nunca será suficiente para criar
uma imagem, muito pelo contrário, poderá acabar induzindo a criação de uma imagem
completamente errônea.
O espaço do não lugar não cria nem identidade singular nem relação, mas sim
solidão e similitude. Ele também não concede espaço à história,
eventualmente transformada em elemento de espetáculo, isto é, na maior parte
das vezes, em textos alusivos. A atualidade e a urgência do momento presente
reinam neles. Como os não lugares se percorrem, eles se medem em unidades
de tempo. Os itinerários não funcionam sem horários, sem quadros de chegada
ou de partida, que sempre concedem um lugar à menção dos atrasos eventuais.
Eles se vivem no presente. Presente do percurso, que se materializa, hoje, nos
voos de longo curso, numa tela onde se inscreve a todo instante a progressão
do aparelho. (AUGÉ, 2012, p. 95).
nunca está ausente de qualquer lugar que seja. A volta ao lugar é o recurso de
quem frequenta os não lugares (e que sonha, por exemplo, com uma residência
secundária enraizada nas profundezas da terra). Lugares e não lugares se
opõem (ou se atraem), como as palavras e as noções que permitem descrevê-
las. Porém, as palavras em moda – as que não tinham direito à existência há
uns 30 anos – são as do não lugar. Assim, podemos opor as realidades do
trânsito (os campos de trânsito ou os passageiros em trânsito) àquelas da
residência ou do domicílio, o trevo (onde a gente não se cruza) ao cruzamento
(onde a gente se encontra), o passageiro (que define sua destinação) ao
viajante (que flana a caminho) – significativamente, aqueles que ainda são
viajantes para a SNCF tornam-se passageiros quando tomam o TGV –, o
conjunto ("grupo de habitações novas", para o dicionário Larousse), onde não
se vive junto e que nunca se situa no centro de nada (grandes conjuntos:
símbolo das zonas ditas periféricas), ao monumento, onde compartilhamos e
comemoramos, a comunicação (seus códigos, suas imagens, suas estratégias)
à língua (que se fala). (AUGÉ, 2012, p. 98-99).
Tanto o não lugar quanto a glocalidade estão presentes em todo tipo de espaço, de forma
direta ou indireta.
“O não lugar é o contrário da utopia: ele existe e não abriga nenhuma sociedade
orgânica.” (AUGÉ, 2012, p. 102). Assim como esse “espaço-mundo” do Nobrow.
A etnologia sempre tratou de pelo menos dois espaços: o do lugar que ela
estuda (uma aldeia, uma empresa) e aquele, mais amplo, onde este lugar se
insere e de onde se exercem influências e opressões que não deixam de surtir
efeito no jogo interno das relações locais (a etnia, o reino, o Estado). O
etnólogo é, assim, condenado ao estrabismo metodológico: não deve perder
de vista nem o lugar imediato da sua observação nem as fronteiras pertinentes
de seus limites exteriores. Na situação de supermodernidade, uma parte desse
exterior é feita de não lugares e uma parte desses não lugares, de imagens. A
frequência dos não lugares, hoje, é a oportunidade de uma experiência sem
verdadeiro precedente histórico de individualidade solitária e de mediação não
humana (basta um cartaz ou uma tela) entre o indivíduo e o poder público.
(AUGÉ, 2012, p. 108).
Nobrow é a era do inclassificalismo e, assim sendo, por definição, jamais poderá ser
compreendido através de categorias predefinidas. A batalha contra a obliteração da crítica
depende diretamente da sua capacidade de libertar-se de mencionadas amarras.
[...] Sacudir a crítica de seus grilhões [...]: é preciso arrancá-la do reduto das
utopias, da ordem de modelos ideológicos europeus. A crítica deve constituir-
se sem respaldo em metarrelatos, sejam eles moral-religiosos, político-
filosóficos e/ou econômico sociais, tradicionais ou modernos, sejam eles
macrocoletivos e/ou microgrupais [...] e/ou ainda individuais, na forma de
ideais do ego inflexíveis, desejos obsessivos ou fantasias finalísticas –
geralmente oclusos numa dimensão não-verbalizada –, material psíquico todo
ele herdado e internalizado no processo de socialização num contexto marcado
por metarrelatos. É preciso interromper essa lógica de legitimação histórica da
crítica, uma vez que ela não é necessária para a sua expressão e
desdobramento. A crítica deve legitimar-se em si própria; deve, pois, ser
estrategicamente autorreferencial (TRIVINHO, 2001b, p. 165-166).
Essa lógica não só não é necessária, como também não é mais aplicável a objetos
Nobrow e à sociedade Nobrow.
Ainda se insiste em preferir a certeza, mesmo sabendo que ela já não é mais possível.
Mesmo ao transpor a crítica para as novas bases da contemporaneidade Nobrow, ela não
conseguirá compreendê-la estando “presa a fabulações secularizadas” (TRIVINHO, 2001b, p.
166) e articulada por categorias quaisquer, e não apenas as mencionadas – para compreender o
não categorizável, é necessário abandonar a análise feita por categorias.
Com esse perfil ético-filosófico, de vocação social, essa crítica se volta, por
um lado, exclusiva e intensamente, para a esfera do hodierno, para uma
presentidade histórica desprovida de quaisquer horizontes dialético-
transcendentes, o que nem por isso significa necessariamente que ela esgote e
dissipe, em vão, nessa esfera, todas as suas energias e potenciais. A negação
de seu respaldo em metarrelatos tradicionais e modernos europeus de oposição
não implica, pois óbvio, nenhuma conformidade às formações sociais
existentes e futuras. Por outro lado, ela se abre ao fluxo permanente do devir
no plano do hodierno, sem, no entanto, desejar extrair ou fazer dele um
programa global de ação teórico-prática para o presente. A esperança não é
nenhuma utopia; se fragmentos dela existem, confinam-se, talvez, na
404
Importa muito, vale muito a pena potencializar essas incertezas que chamamos de
Nobrow, potencializar “mesmo, incertamente, (novas) tendências que representem valores
existenciais antropologicamente mais satisfatórios do que os socialmente incentivados até
agora” (TRIVINHO, 2001b, p. 169-170). Todo esse esforço em superar as categorizações
desatualizadas é abraçar a incerteza. Realizando tal tarefa incertamente nos abrimos para a
indeterminação, para o imprevisível, em vez de nos fecharmos para esses, trazendo tanto a
obliteração deles quanto a da própria crítica.
Está aí a grande questão: a crítica não tem opção. Se ela escolher o “dogma viciado”,
em vez de escolher pela multiplicidade, ela já não mais conseguirá analisar qualquer objeto da
contemporaneidade. Ela pode escolher qualquer abordagem, a abordagem não importa,
contanto que se livre de tais amarras dogmáticas.
No que toca aos estudos teóricos, ela pode se efetivar [...] tanto à maneira
predominantemente direta sobre seu objeto, quanto ao estilo mediado, ao nível
da forma de estruturação, profundidade e tendência conceituais da
argumentação [...]. A rigor, em ambos os casos, não importa tanto a linha de
abordagem escolhida, se a crítica não estiver respaldada em metarrelatos.
(TRIVINHO, 2001b, p. 171).
Se, por um lado, hoje, a crítica não pode ser, de fato, somente a de estirpe
teórica inflexível, até dogmática, para a qual ou se é frontalmente contra o
existente ou não se é crítico, lembre-se porém, por outro lado, que, também
hoje, em teoria na área de Humanidades, quanto mais radical e radicalizado
for o princípio vital de contraponto, de oposição em relação aos vetores
predominantes da época, menos perdas a crítica acumulará como ato social
instituinte. (TRIVINHO, 2001b, p. 172).
[...] o artista [...] inventa efetivamente leis e ritmos totalmente novos, mas essa
novidade não surge do nada, e sim nasce exatamente como livre resolução de
um complexo de sugestões que a tradição cultural e o mundo físico
propuseram ao artista sob a forma inicial de resistência e passividade
codificada. (ECO, 2016, p. 17).
Além de toda questão já levantada, atualmente ainda temos que considerar toda uma
nova abrangência desse “complexo de sugestões”, pois a tradição cultural e o mundo físico já
não são as únicas influências desse complexo. Na era Nobrow, superamos o espaço e o tempo,
e nosso leque de influências culturais passou a ser o mundo todo.
“A estética de Pareyson postula um universo cultural como comunidade de pessoas
identificadas, existencialmente situadas, embora abertas à comunicação com base numa
unidade substancial de sua estrutura” (ECO, 2016, p. 28). Porém, ao sobrepor os elementos
ciberculturais, surge uma crise existencial típica da cultura Nobrow justamente pela falha na
possibilidade de identificação: não podemos mais identificar nem nosso próprio universo
407
cultural nem suas pessoas componentes, não podemos mais situar nenhum desses, podemos
apenas exponenciar a comunicação.
[...] colocamos uma obra que, a nosso ver, não teve a fortuna que merecia e
foi menos discutida do que se poderia esperar: estamos pensando na História
social da arte e de literatura, de Arnold Hauser. A obra de Hauser, como
evidenciam suas contínuas e densíssimas referências bibliográficas, oferece
uma meditação acerca de numerosas pesquisas sobre a arte, de caráter
filológico e sociológico; contudo, o autor imprime em sua síntese a marca
indubitável de uma concepção pessoal da relação arte-história-sociedade, uma
visão que não se deixa aprisionar jamais num sociologismo estreito e
dogmático. Ao contrário, a própria impostação marxista, que é visível no
andamento da exposição, não impõe ao autor nenhum esquema, pois a visão
que ele tem das relações sociais é sempre livre e dinâmica: nela, nenhuma
relação necessária de causa e efeito é imposta como lei recorrente do processo
artístico e histórico em geral, mas a interseção múltipla dos fatores e o senso
das individualidades atuantes torna a relação entre os fenômenos de cultura e
os fenômenos econômicos não dogmática e sempre “humana”. (ECO, 2016,
p. 32, grifo do autor).
Dessa maneira livre e dinâmica, também a estética deve agir para compreender a arte
contemporânea. Nesse momento histórico em que nos encontramos, não há como fugir da
“interseção múltipla dos fatores” (ECO, 2016, p. 32).
Nenhum tipo de fenômeno nem a relação de diversos tipos entre si têm mais a
possibilidade de ser dogmático – o dogma já não funciona na sociedade Nobrow.
o inominável por tais preocupações pedantes. Há diversas teorias de crítica estética que
propõem metodologias cataloguistas, como a de Léon Bopp (1954), em que ele identifica, em
que ele simplesmente lista sessenta e seis elementos de avaliação para poder catalogar a arte da
maneira mais quantitativa possível; o que devemos compreender é que tais teorias cartesianas,
por mais mérito que tenham em suas idiossincrasias, já não eram suficientes há muito tempo
para uma crítica a qualquer outra coisa que não uma das ciências duras e, muito menos, o são
na contemporaneidade Nobrow, algo muito mais próximo da proposta de estética feita por
Umberto Eco:
Essa notação, entretanto, segue de par com a evidência de que expressiva parte
das intervenções ensaísticas atuais sobre arte e cibercultura ancora-se numa
metodologia descritivo-constatatória e/ou terminológico-classificatória,
muitas vezes não sendo senão um panegírico (mesmo quando velado),
flagrantemente laudatório, em prol das tendências da época, no todo ou em
parte – neste último caso, com o referendo, quase sempre tácito, a algum
aspecto prático então tomado como vantajoso. Além disso, não é difícil
perceber que os termos do debate estão mal colocados. (TRIVINHO, 2007, p.
214).
Temos que fugir de nossa epistème fragmentária e abraçar todas as áreas como
diferentes linguagens em um mesmo esforço de compreensão da civilização mediática. A arte
já não pode mais ser compreendida sem a comunicação que lhe proporciona todo o respaldo
cultural internacionalizado para sua produção e vice-versa, além de todos os exemplos
mencionados acima. Qualquer análise sociológica ou filosofia da contemporaneidade deve
passar pela comunicação, hoje enraizada em cada prática ou produção cultural. Assim sendo,
para superar os problemas mencionados, é necessário desfazermo-nos das amarras descritivo-
constatatórias e/ou terminológico-classificatórias que nos impedem de compreender nosso
Zeitgeist.
Faz-se igualmente necessário o estudo, conforme Trivinho indica, da relação entre
estética e tecnologia comunicacional avançada, no que “concerne [...] à situação da produção
artística inovadora em sua relação com os materiais e suportes digitais e [...] com a própria
413
São esses objetos de olvido os principais pressupostos sine qua non da cultura Nobrow.
[...] De tal maneira que, na atualidade, é impossível não reconhecer que a arte
digital acabou por vigorar, involuntariamente, como emblema exponencial
das tendências (cada vez mais acentuadas e que, aliás, viraram mote
acadêmico) de fusionismo dessimbólico entre ente humano e aparato
informático e de, por assim dizer, ‘promiscuidade’ apolítica tácita entre
corpo, subjetividade e cyberspace. O argumento em prol do contrário parece,
há muito, ter perdido seu momento de validação histórica. (TRIVINHO, 2007,
p. 225-226, grifo do autor).
É impossível não fazer tal reconhecimento não somente da arte digital, mas de toda
forma de arte Nobrow, digital ou não. Por mais “impossível de não reconhecer” que tal fato
seja, há ainda uma tendência cega da crítica a negá-lo e obliterá-lo, insistindo que a arte nada
mais é do que um reflexo de tendências social-históricas, jamais sendo uma ferramenta dessas
e para o surgimento de si mesmas, jamais podendo ser um vetor antropológico. Na atualidade,
constata-se que tal “fusionismo” sempre esteve ligado à arte, desde sua origem até sua
414
“Crash” é a palavra mais exata para descrever tal momento histórico, no qual a arte,
que sempre teve um princípio estético fundador no social e hoje mais do que nunca se tornou a
semente de toda uma civilização, é “desmerecida” – palavra extremamente atenuante para a
situação.
Temos assim presente, a questão de outro dos grandes objetivos desta Tese: dar
visibilidade à arte Nobrow, dar espaço a obras que estão perdidas no mundo simplesmente por
416
A reflexão teórica perde, nesse caminho, o seu maior sentido, o sentido que
vale a sua existência: o de vigorar justamente como contraponto (tanto mais
radical quanto possível) àquilo para o que ela estranhamente agora conflui.
Em tais condições, é a reflexão que, antes de tudo, se despolitiza – vale
pontuar, antes mesmo de ela despolitizar a sua relação com a forma do
existente e com os elementos constitutivos deste –, aprofundando-se ainda
mais a defasagem no âmbito de sua estruturação interna e de seu
desenvolvimento epistemológico, bem como, consequentemente, o seu
despreparo social. (TRIVINHO, 2001b, p. 17).
Arte é [ou deve(ria) ser], mais que outra expressão humana, heterodoxia,
desconstrução e/ou ruptura. Do contrário, oblitera-se o que lhe é mais caro: a
identidade a si própria, sustentada no pressuposto originário de mutação
contínua, seja em seu próprio âmbito, seja no do social-histórico. Nessa
perspectiva, tensionamento estético e da estética e, por esta, do real, implica
(re)politização multidimensional da arte (tanto em seu momento de
concepção quanto em sua práxis). (TRIVINHO, 2007, p. 229, grifo do autor).
Atualmente a crítica não consegue acompanhar a arte, por trazer uma desconstrução
ainda mais acentuada (conforme visto no subcapítulo 5.2) do que – por definição – a arte sempre
nos trouxe; obliterando dessa maneira sua identidade. Ainda devemos considerar o agravante
da aceleração: tal mutação contínua, hoje, se dá em ritmo tal que não conseguimos acompanhar,
muito menos, estudar e analisar cada uma dessas mutações. “É assim que, como ato instituinte
singular e autêntico de uma antítese social da sociedade, a arte acaba por sofrer um processo de
asfixia” (ADORNO, 1970, p. 81). Outro fator agravado na contemporaneidade é o fato de a arte
ser ainda mais multidimensional, de ter conquistado ainda mais dimensões (segundo o
subcapítulo 4.1), de forma tal que sua “(re)politização”, ou como veremos a seguir, sua
transpolitização, é elemento fundamental para sua sobrevivência. “Eis que, quando aqui se
417
Essa ruptura se faz necessária para a compreensão do fenômeno Nobrow, pois já não
existe mais nenhuma idiossincrasia que possa analisar o que não se encaixa em categoria
alguma enquanto presa em suas próprias amarras categóricas.
Todos esses processos e fenômenos não apenas não são administráveis ou controláveis
por tais instituições, como já chegaram ao ponto de não serem nem percebidos e, se forem, não
têm ao menos sua existência reconhecida. Tais instituições não se dão ao trabalho de tomar
conhecimento. Para uma compreensão adequada da contemporaneidade, faz-se necessário:
418
Esses elementos já foram transcendidos, de modo que não há por que continuarmos nos
subordinando a eles. “Trata-se de um projeto reflexivo que, no âmbito estético e fora dele, não
pode ser realizado – nunca é demais frisar – senão pelo crivo de uma crítica teoricamente
reconstituída, epistemologicamente reavivada, e metodologicamente reorientada”.
(TRIVINHO, 2007, p. 231). Não há como a epistemologia proceder sem fazê-lo.
Não adianta nos apegarmos freneticamente ao categorismo e, nesse cenário, não importa
o quanto tentemos, não seremos bem-sucedidos, pois o próprio imaginário (todo imaginário,
não apenas o político citado) irá perdendo as categorias que o sustentam por não achar
correspondente nem no real nem no simulacro. Não é apenas na arte que já há tal renúncia, mas
em toda sociedade.
Sem esse questionamento, a ciência não terá como seguir adiante. Não há mais como
nos basearmos em desculpas adjetivizadas como “predominante”, “permitido”. Esse “mundo
fundado na racionalização e no cálculo informáticos” (TRIVINHO, 2007, p. 232) não
conseguirá nunca internalizar a contemporaneidade que vive sem conceitos, sem categorias,
sem classificações. Sem transcender esse mundo, a ciência morrerá. Seria a concepção do “jogar
contra si mesmo”.
Somente essa compreensão, realmente, está à altura, porque Nobrow não é algo que
envolve determinado contexto, determinado social-histórico; Nobrow é seu contexto, Nobrow
é o seu social-histórico, é a sua comunicação, é a sua arte, é a sua cultura, é a sua civilização, é
a sua era. Nobrow é multidimensional. Temos que aceitar e absorver o sentido citado da
transpolitização para podermos não só colocá-la em prática, mas também questioná-la, se
necessário (sem a transpolitização, acabamos por perder a habilidade do “colocar-se contra si
mesmo”). O caminho para tal iniciou-se justamente com a arte, que, “com sua incomparável
liberdade”, nos libertou das amarras do classificalismo através da arte Nobrow, que
posteriormente tomou seu multiaspecto para os outros campos mencionadas acima – Trivinho
420
explica, em breve comentário, como esse processo pode se dar: “pelo fato de os media operarem
em circularidade viciosa, auto-referencial e ad infinitum – numa palavra, no vazio –, por
condicionarem a liberação de significantes [...] e se reduzirem a ela, é que a comunicação, em
seu conjunto, se converte num fenômeno estético” (TRIVINHO, 2001a, p. 165). Se permitirmos
a visibilidade do Nobrow, a transpolitização do Nobrow, conseguiremos nos libertar dessas
amarras em todas as áreas, em todo lugar. Cada uma dessas áreas estará à altura dessa
“dimensão abstrata” que toma nossa contemporaneidade por completo.
Não se trata, pois, de uma estética como disciplina teórica, como um saber
orientado para o estudo do belo, das produções artísticas do espírito ou da arte
421
mesmo em uma única ramificação ou tendência” (TRIVINHO, 2007, p. 233), pois o caminho
traçado até aqui demonstrou como a arte Nobrow tornou-se toda a sociedade Nobrow e esta, a
era Nobrow. Contudo, isso não significa dizer que toda arte produzida hoje seja Nobrow (em
sua semântica de “arte que não se encaixa em nenhuma categoria”); muito pelo contrário, a
tendência de influências culturais completamente internacionalizadas que resultam em
produções atemporais e ageográficas produz também um resgate a categorias bem definidas de
arte – muitos artistas passaram a estudar, por exemplo, o impressionismo francês, em pleno
século XX, e em outros países que não a França, o que não significa que eles estejam produzindo
arte Nobrow, eles estão, na realidade, produzindo arte impressionista, completamente encaixada
nos parâmetros de tal categoria, porém essa produção foi proporcionada pelos parâmetros da
comunicação Nobrow, provedora de tais influências culturais atemporais e ageográficas – desse
modo, a contemporaneidade Nobrow, na arte, se traduz em um cenário no qual temos
diversidade, no qual podemos, em uma exposição que trata da “arte do século XXI”, encontrar
obras impressionistas, góticas, renascentistas, rupestres, surrealistas, abstratas, expressionistas
etc., em um mesmo salão, convivendo na mais plena harmonia tradutora da realidade
contemporânea.
Esse procedimento, com efeito, somente poderia ser levado a cabo – sublinhe-
se – pelo prisma de uma categoria incondicional de crítica, desprovida, por
pressuposto, da ilusão corrente de se considerar que tais e quais aspectos
particulares das tecnologias interativas e do cyberspace são, em si – mormente
pelas possibilidades pragmáticas que entreabrem –, positivos ou vantajosos.
O procedimento contém como valor imensurável, o que, de resto, continua a
ser verdade histórica em estética: a autonomia mais radical que sempre se pode
buscar, mesmo a duras penas, em determinada época, sempre dignificou, em
reverso – onde o ápice é mais alto –, o labor da arte. (TRIVINHO, 2007, p.
234).
Para analisar o Nobrow, faz-se necessário uma crítica “desprovida”. Desprovida de tudo,
de protocategorias, de preconceitos, de metodologias, de ilusão, de julgamento. Uma crítica
politizada (ou transpolitizada) que valore e dê respaldo tanto para a autonomia da arte quanto
para a sua própria autonomia.
Todavia, a empiria terá que transcender seus parâmetros (de acordo com a argumentação
do subcapítulo 5.2), afinal, a indeterminação hoje deixou de ser apenas um aspecto e passou a
ser a realidade em si.
425
Conclusão
(ADORNO).
O que pudemos averiguar, ao analisar diversas teorias e diversos autores com opiniões
divergentes – ao mesmo tempo em que comparamos nossos próprios resultados da pesquisa de
campo –, foi que a grande característica da contemporaneidade é a simultaneidade de
tendências: diversas teorias de época, mesmo muitas que já haviam sido consideradas mortas,
coexistem atualmente. Verificamos, primeiramente, que muitos autores concordam que nossa
época contemporânea é a pós-modernidade, principalmente ao longo do capítulo 5. Nesse
capítulo, também constatamos que o pós-moderno e outras teorias de época não conseguem
mais abranger certas características da atualidade, ainda que algumas de suas características
continuem presentes. Nobrow é a categoria substitutiva para pensar esse novo tempo. Nobrow
é o sucessor do pós-modernismo (da teoria de época que se encerrou na virada de milênios,
independentemente de como a chamem), ainda que o pós-modernismo continue vivo em partes.
Nobrow é a contemporaneidade cujas características de inclassificabilidade e simultaneidade
permitem a coexistência harmoniosa de diversas tendências.
Nossa segunda hipótese era de que Nobrow diz respeito ao isolamento local de artistas,
os quais, porém, estão unidos internacionalmente via ciberespaço. Nobrow é a união de tudo na
indeterminação; é a possibilidade de categorização de obras que, na cultura contemporânea, são
inclassificáveis. Por meio da análise de obras, da pesquisa de campo e da pesquisa bibliográfica,
426
A terceira e última hipótese considerava que o século XXI começou com forte tendência
à cultura Nobrow. Ela está altamente disseminada; as artes e a cultura não estão sendo
propriamente classificadas/nomeadas; entretanto, não há divulgação ou conhecimento desse
termo, não há consciência desse fato. Artistas e movimentos culturais se classificam
erroneamente em movimentos ultrapassados não mais vigentes ou simplesmente deixam de se
classificar, não conseguem, assim, se encaixar.
Muitos artistas comprometem seu estilo original para tentar se encaixar em algum grupo,
para poder participar de alguma exposição. Muitos nomeiam-se com denominações genéricas
atreladas aos meios que utilizam ou ao seu território: arte brasileira, arte digital, arte
contemporânea. Outros realmente buscam não se nomear. A maioria sente orgulho em atestar
427
que não há nada parecido com o que faz, mas sente-se desconfortável com as desvantagens de
não compartilhar tendências com mais ninguém – sente-se isolada, ainda que reconheça a
visibilidade que possui e as influências que recebe em rede.
De outro lado, há toda uma nova tendência de artistas que buscam radicalmente inserir-
se em um estilo supostamente ultrapassado – como artistas que se denominam renascentistas,
surrealistas –, que têm suas características extremamente bem definidas. Mesmo esses artistas,
cuja arte não pode ser chamada de inclassificável, de Nobrow, fazem parte da época Nobrow,
cuja característica de simultaneidade de tendências permite a existência de sua arte
concomitante tanto com diversas outras tendências de características bem definidas como com
artistas Nobrow que não encaixam-se em nenhum estilo.
O grande exemplo que ilustra a maneira como as três hipóteses se dão foi registrado no
subcapítulo 5.2.2: “a contemporaneidade Nobrow [...] se traduz em um cenário no qual temos
diversidade, no qual podemos, em uma exposição que trata da ‘arte do século XXI’, encontrar
obras, impressionistas, góticas, renascentistas, rupestres, surrealistas, abstratas, expressionistas
etc., em um mesmo salão, convivendo na mais plena harmonia tradutora da realidade
contemporânea”.
Através da observação de campo realizada em diversas viagens, durante congressos,
visitas a exposições, museus e ateliers, foi registrada a presença do Nobrow em diversas
localidades da Europa, Ásia e Américas; a pesquisa online comprovou sua presença nos demais
continentes, confirmando nossa segunda hipótese. A análise das obras do corpus, de acordo
com o subcapítulo 4.2, demonstrou o enquadramento dessas nos parâmetros Nobrow, atestando
suas influências culturais não traçáveis e a dificuldade de cada um em adequar-se e nomear-se,
confirmando nossa terceira hipótese.
Ao comparar os levantamentos da pesquisa de campo com os levantamentos
bibliográficos, foi possível estabelecer uma relação entre as mais recentes pesquisas acadêmicas
sobre fluxo cultural e as entrevistas realizadas: tanto nas pesquisas quanto nas entrevistas, a
impossibilidade de reconhecimento de influências culturais na atualidade foi mencionada,
comprovando nossa segunda hipótese.
também a tornam inclassificável, também a colocam dentro dos parâmetros Nobrow de não
categorização, de “além-hibridismo”, de simultaneidade, entre outros.
O quarto capítulo tratou das relações entre as novas mídias e a arte – sendo essa relação
um dos fatores que fizeram surgir o Nobrow –, sobre a indefinição da arte contemporânea,
tratando teoricamente e com exemplos práticos – a análise do corpus desta tese, que referenciou
as obras e artistas analisados como Nobrow –, sobre a dificuldade de reconhecimento de
influências culturais, bem como sobre a inclassificabilidade e a não categorização da arte
contemporânea, demonstrando que esta se encaixa nos parâmetros Nobrow. As análises de
obras de arte variadas, de diversas mídias, atestaram sua atinência ao Nobrow. Esses resultados
comparados aos testemunhos, entrevistas e descrições providenciados pelos autores de tais
obras demonstraram como se dá a percepção dos artistas em relação ao alcance da percepção
do Nobrow, como eles tentam sem sucesso se localizar estética e historicamente no campo da
arte e da cultura em uma era sem parâmetros e sem conhecimento do termo Nobrow, além das
consequências para tais artistas e suas obras, da dificuldade de encaixar-se e nomear-se. Esse
capítulo não apenas demonstrou que a arte Nobrow está disseminada por todo o globo, como
também atestou que o fluxo cultural influenciou e chegou até artistas do mundo inteiro, criando
tal arte, fazendo a arte Nobrow acontecer. O fluxo cultural atemporal e ageográfico
proporcionado pela glocalidade uniu no Nobrow artistas inclassificáveis isolados em seus
bunkers glocais. Esses artistas não tinham consciência do fenômeno Nobrow, mas estavam
plenamente conscientes da sua dificuldade em classificar-se.
No quinto capítulo, verificamos a insuficiência das teorias de época atuais para retratar
a contemporaneidade, já que a cultura atual não segue um horizonte único, um estilo único
constitutivo de uma época. Através da análise de tais teorias e das comparações com as
características da contemporaneidade – indicadas ao longo de toda a Tese, em especial no
capítulo três –, demonstramos que o presente cultural escapa a categorizações – as
categorizações atualmente não são mais absolutas, não conseguem compreender toda uma
época ou um grupo – e dentro de sua antítese característica, o inclassificável hoje se chama
Nobrow. O capítulo analisa, uma a uma, as principais teorias da contemporaneidade e, em
caráter mais profundo, as teorias da hipermodernidade, da modernidade líquida, da
supermodernidade e, é claro, da pós-modernidade – esta de acordo com a visão de diversos
teóricos de opiniões dispares, para alcançar a análise suficientemente densa requerida para
desatestar uma teoria tão largamente aceita; analisou-se, assim, aspecto por aspecto de cada
uma delas, verificando quais propriedades de suas definições cabem na contemporaneidade e
430
quais não cabem. Tais teorias não são inviáveis, mas foram desafiadas ao longo do capítulo,
que demonstrou sua erosão, seu desgaste, dessa forma, também atestando a contemporaneidade
da simultaneidade de tendências, a época Nobrow. A partir do percurso traçado ao longo dos
capítulos – pela história da comunicação, pela análise da contemporaneidade e pela apuração
das obras Nobrow – esse quinto capítulo argumentou, conclusivamente, que as teorias vigentes
não conseguem tratar os detalhes contemporâneos abordados. Em especial na segunda parte
desse capítulo final, argumentamos que a crítica também não consegue mais lidar com tais
detalhes, apreendê-los propriamente, finalizando com propostas de transcendência de
parâmetros cartesianos de análise, que não mais traduzem a realidade. Principalmente através
dos resultados alcançados no capítulo anterior, se evidenciou a unicidade do indivíduo produtor
de cultura contemporâneo e, em comparação com a generalização de tais teorias, se ratificou o
fato de que indivíduos não mais são categorizáveis, caindo assim dentro das tendências Nobrow
– agora já comprovado que é impossível um grupo de indivíduos seguir características únicas
idênticas, com a exceção de quando se propõem propositalmente a fazê-lo, nesta era de
confluência internacional de características culturais.
Todavia, a empiria terá que transcender seus parâmetros, afinal, a indeterminação hoje
deixou de ser apenas um aspecto e passou a ser a realidade em si, a realidade Nobrow.
Em suma, pudemos dessa maneira atestar que Nobrow é a evolução do hibridismo vinda
da interatividade típica da cibercultura, é o inclassificável na era da cibercultura, consequência
dessa interatividade mundial; é um fenômeno simultaneamente local e internacional, glocal,
situado na era da cibercultura, que utiliza o ciberespaço como meio para a internacionalização
da cultura, inserido no núcleo da glocalidade, que proporciona a mundialização de culturas ao
mesmo tempo em que nos isola em nossos bunkers glocais.
Nobrow são todas as artes e todos os artistas influenciados e inspirados por todas as artes
e todos os artistas, de todo o mundo.
431
Nobrow realmente é não apenas um novo conceito, não é apenas uma nova arte, uma
nova cultura, uma nova comunicação, uma nova estética, mas muito além disso, é um novo
momento na história da cultura do século XXI, é a nossa época contemporânea como um todo.
Assim sendo, concluímos com a mesma ressalva que finalizou a introdução desta Tese,
com a esperança de que possamos ter iniciado um debate acadêmico já há muito em atraso: “a
história da cultura do século XXI ainda não está sendo profundamente escrita e caracterizada;
e ela não deve continuar prosseguindo sem rumo”.
“[...] não há nada de menos científico do que querer ignorar a presença de fenômenos
ainda não definidos exatamente” (ECO, 2016, p. 51). É exatamente essa a valia desta Tese.
432
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