Paulo Rangel Biblio
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PAULO RANGEL(")
Nesse caso, como asseguram AMILTON BUENO e SALO DE CARVALHO (4J, "Os
direitos fundamentais - direitos humanos constitucionalizados - adquirem, portanto, a
função de estabelecer o objeto e os limites do direito penal nas sociedades democráticas".
2
<> Derecho Procesal Penal, 25'. edição, Buenos Aires, Dei Puert~, ano 2000, p. 2.
<31 A Essência da Constituição, 4'. edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1998, p. 37.
1•> Aplicação da Pena e Garantismo. l'. edição, Rio de Janeiro, LumenJuris, 2001, p. 17.
cn Alteração Substancial dos Fatos e sua Relevância no Processo Penal Português, 2'. edição, Coimbra,
Almedina, 1999, p. 144.
<•> Idem, p.145.
<•> "Na interpretação conforme a Constituição, o órgão jurisdicional declara qual das possíveis interpretações
de uma norma legal se revela compatível com a lei fundamental. (... ) O papel da interpretação conforme a
Constituição é, precisamente, o de ensejar, por via de interpretação extensiva ou restritiva, conforme o
caso, uma alternativa legítima para o conteúdo de uma norma que se apresenta como suspeita" (Luís
RosERTO BARRa;o, Interpretação e Aplicação da Constituição, 3•. edição, Rio de Janeiro, Saraiva, 1999,
p. 182).
0
•> História do Brasil, 6•. edição, São Paulo, Universidade de São Paulo, 1999, pp. 366 e 376.
IV - O PruNdPIO DA CoNGRuíNOA
É cediço por todos que o juiz julgará a lide nos limites entre os quais foi
proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões não suscitadas, para as quais a
lei exige iniciativa das partes (n>, sendo-lhe vedado julgar ultra, citra e extra petita.
É a correlação que deve existir entre o que se pediu e o que foi concedido.
Trata-se de uma garantia processual decorrente do princípio constitucional da
ampla defesa, visando impedir surpresas desagradáveis ao réu, comprometendo
sua dignidade enquanto pessoa humana.
O princípio em epígrafe vem ao encontro dos direitos de ampla defesa, do
contraditório e dos poderes de cognição do juiz (limitado que é pelo objeto do
processo). Nesse caso, todos os pedaços do fato que não constam do objeto do
processo, porém que mudam a acusação e dos quais o réu não se defendeu,
somente poderão ser conhecidos pelo juiz, em sua sentença, se houver o
aditamento a denúncia e, mesmo assim, se surgirem através de provas
substancialmente novas, a fim de evitar o arquivamento implícito do inquérito
policial (12>. Do contrário, a sentença será manifestamente nula.
O nosso Código de Processo Penal, sendo ele da Era Vargas, dispõe, em seu
art. 564, III, m, que ocorrerá a nulidade por falta da sentença. Na verdade, não é
a ausência da sentença que acarreta a nulidade, pois, sem ela, não há a entrega
da prestação jurisdicional, mas sim a ausência dos requisitos que lhe são
essenciais, bem como se o juiz julgar ultra, extra e citra petita n3 >_ A sanção de
nulidade é um corolário lógico do respeito as garantias constitucionais dadas ao
acusado, pois as normas jurídicas, como expressão da vontade do Estado, devem
ser utilizadas e aplicadas com o fim precípuo de se atingir o bem comum. O bem
de toda a coletividade, com o conseqüente respeito à dignidade da pessoa
humana.
Destarte, salienta o culto Dr. MARCELO ABELHA (14>, a quem devotamos grande
<m Art. 128 do Código de Processo Civil: - O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe
defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.
lllJ "Entende-se por arquivamento implícito o fenômeno de ordem processual decorrente de o titular da ação
penal deixar de incluir na denúncia algum fato investigado ou algum dos indiciados, sem expressa mani-
festação ou justificação deste procedimento. Este arquivamento se consuma quando o juiz não se pronun -
cia na forma do art. 28 com relação ao que foi omitido na peça acusatória. Melhor seria dizer arquivamento
tácito." Cf JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal . 8'. edição, Rio de Janeiro, Forense, 1999,
p. 176.
l 13>0 Código de Processo Penal Português tem regra clara e própria sobre o tema em seu art. 379,
onde comina pena de nulidade à sentença que, não respeitando os limites traçados pelos arts.
358 e 359, condene o argüido por fatos não constantes do objeto do processo.
tw Elementos de Direito Processual Civil, 2•. edição, São Paulo, RT, 2000, Vol. I, p. 62.
<"1 "Ar/. 360- Se o réu estiver preso, será requisitada a sua apresentação em juízo, no dia e hora designados".
Pensamos que tanto o réu preso corno o que se encontra solto devem ser citados para responder
ao pedido formulado na denúncia. A requisição é ordem que se dirige ao Diretor do presídio ou
ao delegado de polícia para que apresente o preso naquele dia, local e hora determinados.
U7l "Ar/. 28- Se o órgão do Ministério Piíblico, ao invés de apresentar a deniíncia, requerer o arq11ivamento
do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as
razões invocadas, fará remessa do inquérito 011 peças de informação ao proatrador-geral, e este oferece-
rá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de
arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender" (sem grifos no original).
0 •> Decreto nº 678, de 06/11/92.
Art. 8º . Garantias judiciais:
( .. .)
2. ( ... )
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa;
d} direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua
escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com se-u defensor;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento,
como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;
4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo pro-
cesso pelos mesmos fatos.
19
< > M1TTERMAJER, C. J.A. Tratado da Pro va em Mat éria Criminal, 3' . edição, São Paulo, Bookseller, 1997,
p. 59.
< > RANGEL, Rui Manuel de Freitas. O ônus da Prova no Processo Civil. l ' . edição, Coimbra, Almedina,
20
2000, p. 35.
<21 >Através do Promotor em exercício na Promotoria de Justiça junto ao Tribunal do Júri, em respei-
to ao princípio do Promotor Natural.
<22) Rox1N, Claus. Ob. cit., p. 159.
É exatamente esse fato da vida que tem que ser traduzido e transportado
para o processo, através da pretensão processual penal, a fim de circunscrever
os limites do conhecimento do juiz dentro do qual julgará a lide. Portanto, o
objeto do processo tem três funções básicas que nos são apontadas pelo jurista
alemão CLAus RoxIN: !24 l
Em resumo, podemos dizer que o objeto do processo é o tema proposto como res
iudicanda e que sua finalidade mais característica é a obtenção da res iudicata . O
objeto resulta ser assim um assunto da vida; a materialidade afirmada como penalmente
relevante as> .
Ora, se o fato da vida, objeto do processo, já foi objeto da sentença que passou
em julgado, não pode o réu ser acusado, novamente, pelo mesmo fato, sob pena
de haver violação da regra do ne bis in idem, verdadeira garantia penal de todo e
qualquer acusado em um processo penal justo e democrático. O processo penal
tem exatamente esse escopo: servir para abordar um fragmento da vida (criminal)
em sua totalidade !26 ,. Trazer parte da vida praticada e vivida pelo homem para
o processo, a fim de que possamos julgar se, efetivamente, aquele fato merece
ou não uma resposta penal do Estado, no sentido de se aplicar a sanctío íurís
23
( ) Ob. cit., p. 240.
(2')Ob. cit., p. 160.
25
< l ÜLMEOO, Clariá. Derecho Procesal Penal. Argentina, Cordoba, 1984, p. 229.
cui füLJNG, Emest. Derecho Procesal Penal. l'. edição, Argentina, DIN, 2000, p. 83.
Conceito.
intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é pelo contrário, uma qualidade, mais
intensa e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim
imutáveis, além do ato em sua existência formal , os efeitos, quaisquer que sejam, do
próprio ato" <32l.
A coisa julgada pode ser formal ou material. Formal, quando fica limitada ao
processo que com ela se encerra. Material, quando transcende nos seus efeitós
para atingir processo posterior sobre o mesmo litígio <33 l. Criam-se vínculos e
limitações de natureza processual e material que impedem o bis in idem, ou seja,
o reexame do mérito da questão decidida em outro processo perante as mesmas
partes.
Fundamento.
2
< •> A modificação da ação se produz se o objeto do processo é diverso e a cumulação se existem
vários objetos do processo. Cf JuAN-Lu,sGoMEZCOLOMER. El Proceso Penal Alemán - Introduccion y
Normas Basicas. 1•. edição, Barcelona, Bosch, 1985, p . 41.
30
l > MANZINI, Vincenzo. Tratado de Derecho Pro cesal Penal, 3'. edição, Buenos Aires, El Foro, 1996,
Tomo IV, p. 511.
31
< >Tratado de Derecho Procesal Penal, 3' . edição, Buenos Aires, EJEA, 1989, Tomo III, pp. 320/321.
32
< > Eficácia e Autoridade da Sentença. 3' . edição, Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 54.
33
< > EsERHARD Schmidt. Los Fundamentos Teóricos y Constítucionales dei Derecho Procesal Penal. Buenos
Aires, Bibliográfica Argentina, 1957, p . 160.
A coisa julgada impede, assim, que os fatos que foram objeto de julgamento
possam ser investigados, novamente, pelo Estado em face do mesmo réu, com a
desculpa de melhor apurar os fatos e descobrir situações que agregam o fato
principal ou de circunstâncias que lhe pertencem, porém que não foram objeto
de julgamento.
Limites.
34
< i Ob. cit., p . 513.
l35l MANZINI, prelecionando sobre os pressupostos para aplicação da regra do no bis in idem, afirma
que deve se pretender intentar uma nova ação penal, não obstante existir uma sentença anterior
irrevogável de absolvição acerca da mesma pretensão punitiva (eadem causa petendi [a mesma
causa de pedir]); que haja identidade sobre o fato sobre o que decide a sentença e aquele sobre o
que se quisera acionar (eadem res [a mesma coisa]) e que haja identidade também de pessoa
(eadem persona [a mesma pessoal), ob. cit., pp. 524/525. Havendo esses pressupostos, haverá bis
inidem.
36
< l Ob. cit., p. 436.
Ora, o que entender por fato principal para acobertá-lo com o manto da coisa
julgada?
Entendemos que fato principal é aquele fato material ocorrido no mundo
dos homens; independentemente da qualificação jurídico-penal dada ao fato. É
o fato, cometido pelo homem, em sua integridade física. É o fato histórico ocorrido
na vida.
Se Tício subtraiu para si coisa móvel alheia, mediante destruição de obstáculo, com
emprego de arma de Jogo (fato da vida, ocorrido no mundo dos homens), porém, o
Ministério Público somente imputou a ele a subtração para si de coisa móvel alheia
mediante destruição de obstáculo (furto qualificado), não pode o Estado, após o
trânsito em julgado, mesmo com provas novas, instaurar processo pelo crime de
im Art. 472 do CPC. "A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando,
nem prejudicado terceiros (... )"
< > "O fundamento político da limitação subjetiva da coisa julgada penal está no próprio direito
33
As regras legais acima merecem uma análise, mesmo que superficial, de suas
implicações diante de tudo que acima foi visto.
Em primeiro lugar o caput do art. 384 fala em circunstância elementar, termo
esse que é impróprio, pois ou é circunstância e, portanto, está em volta de, ou é
elementar e, nesse caso, está dentro. A elementar mexe na estrutura do crime,
ou seja, faz com que desapareça ou surja outro. A elementar funcionário público
se for retirada do delito do art. 319, CP (prevaricação) o mesmo desaparece.
Entretanto, se for retirada do delito do art. 312, CP (peculato), restará o tipo do
art. 168, CP (apropriação indébita).
A circunstância aumenta ou diminui a pena, porém o tipo fundamental
continua o mesmo. A violenta emoção diminui a pena no homicídio, mas o tipo
continua o mesmo (cf. art. 121, § 1º, CP). No furto, o repouso noturno aumenta a
pena porém, se não existir, o tipo continua o mesmo.
Não vemos razão para distinguir, como o Código faz (e a doutrina aceita
42
< >), entre circunstância que agrava a pena prevista na parte geral do
Código Penal (o fato do agente cometer o crime contra ascendente: filho que
cni Cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 18•. edição, São Paulo, Saraiva, 1987, v.
4, pp. 235/236.
X. CASOS CONOlETOS
4° caso: Tício é acusado por ter furtado do interior de uma fazenda três vacas leiteiras,
colocando-as em seu caminhão depois de ter derrubado a cerca de proteção da fazenda
no dia 15/01/00, às 20:00 h.
No curso da instrução, descobre-se, com provas novas, que, na verdade, foram
furtados três cavalos da raça mangalarga marchador e não três vacas.
Pergunta-se: há necessidade de se aditar a denúncia para que possa Tício ser
condenado pela prática do crime de furto dos três cavalos ou é indiferente?
Resposta:
Há necessidade do aditamento, pois ares descrita não corresponde a do fato
real ocorrido na vida. O que significa dizer: furto de três vacas não houve. A
repercussão, inclusive, de eventual sentença condenatória pelo furto de três
vacas no juízo cível é evidente, pois, ao se fazer a liquidação de sentença
parasedeterminaroquantum debeatur, teráquesefazeremcimadoan debeatur
determinado na sentença, e este menciona três vacas e não três cavalos.
Vejam que, nesse caso, não se trata de outro tipo penal, mui~o menos de fato
diverso, mas sim do mesmo fato, porém com identificação errônea dares,
5º caso: Tício é acusado da prática do crime de homicídio qualificado por motivo fútil .
Em seu interrogatório, alega que, na data do Jato, 15/01/00, não se encontrava na
cidade do Rio de Janeiro, mas sim em viagem ao exterior, tendo retornado em 25/01/
00.
As testemunhas arroladas pelo Ministério Público corroboram os fatos descritos
na denúncia, porém discordam, com dados precisos, da data do fato, alegando
que o mesmo ocorrera em 30/01/00, e não 15/01/00. Praticados os demais
atos do processo e juntados documentos comprovadores de que o fato
ocorrera, realmente, em 30/01/00, pergunta-se:
O juiz está autorizado a pronunciar o acusado pelo crime descrito na denúncia
sem que o Ministério Público adite a denúncia, alterando a data do fato?
Resposta:
A resposta só poderá ser negativa. O réu se defendeu, exercendo o contraditório,
de fato ocorrido no dia 15/ 01/00, e não de fato ocorrido na data de 30/01/
00. Perceba o leitor que o álibi alegado vem de encontro com a data descrita
na denúncia e, portanto, se não houver o aditamento impróprio de retificação
à denúncia, não poderá Tício ser pronunciado, pois naquela data (15/01 ./00),
efetiva e realmente, não se encontrava no local do crime. O fato é o mesmo e,
sob o ponto de vista penal material, a alteração da data é irrelevante; porém,
sob o ponto de vista penal processual, há profunda repercussão no direito de
defesa.
Destarte, independentemente de haver alteração fática ou aumento de pena,
sempre que a mudança for de encontro ao direito de defesa, deve a denúncia
ser aditada. <45 >
<">O leitor n ão pode deixar de conhecer a brilhante obra do Prof.º G USTA VO B ADA Ró d enominad a
"Correlação entre A cusação e Sentença" (São Paulo, RT, 2000, pp. 130/ 131 ) onde o autor defende
que: "A relevân cia ou não de um determinado aspecto do fato imputado é determinada pela def esa apre-
sentada pelo imputado. Em outras palavras, se as regras da correlação entre acusação e sentença têm em
vista preservar o prin cípio do contraditório e, em um determinado aspecto, evitar prejuízos e surpresas
para o acusado, os fat os trazidos ao processo pela def esa são fundam entais para delimitar a relevân cia ou
não da mutação do fato processual.
Sempre qu e a mudança do fat o processual res ultar em alteração de um elemento do delito, ao se ter em
vista o fato penal, haverá relevân cia processual e o prejuízo causado à def esa é evidente".
7° caso: Tício é processado e julgado pelo crime de roubo simples (art. 157, caput, do
CP) , sendo absolvido. A sentença absolutória transita em julgado. A autoridade
policial, através do depoimento de várias pessoas que não prestaram depoimento nos
autos do inquérito e, muito menos, no processo, porém compareceram à delegacia,
espontaneamente, verifica que, na verdade, houve emprego de arma de Jogo por parte
de Tício, inclusive, logrando êxito em localizar a arma que foi escondida por ele em
um terreno baldio. Diante dessas peças de informação, remete as mesmas para a
Vara Criminal onde Tício foi julgado e o juiz dá vista ao Promotor de Justiça para
que adote as providências que entender cabíveis.
Pergunta-se: pode o Promotor de Justiça oferecer denúncia, pelo mesmo fato,
em face de Tício, porém imputando o emprego de arma de fogo, ou seja,
roubo com emprego de arma de fogo?
Resposta:
A resposta é negativa. Tício já foi julgado por aquele fato ocorrido no mundo,
por aquele pedaço da vida, não podendo ser julgado, duas vezes, pelo mesmo
fato, sob pena de afrontarmos a coisa julgada. Não se pode confundir o tipo
penal com o fato praticado que já foi objeto de julgamento. Se o Ministério
Público (Estado-administração) não apurou o fato com todos os seus
elementos que o integram, não faz sentido, agora, com o trânsito em julgado
da decisão, chamar Tício para responder por um pedaço do fato. Muito menos
por porte de arma, que foi absorvido pelo crime de roubo. O fato é um só. Do
contrário, se assim não pensarmos, não haverá a segurança jurídica necessária
à manutenção da paz e da segurança social.
8º caso: Tício, Caio e Mévio são processados e julgados pelo crime de latrocínio tentado
(subtração patrimonial tentada e homicídio tentado), sendo condenados no 1º grau
de jurisdição. Apelam da sentença, alegando, primeiro, inépcia da denúncia e, segundo,
atípicidade do Jato. O Tribunal de Justiça, por maioria de votos, nega provimento ao
recurso, porém um voto vencido dava provimento para absolver os acusados.
A Defensoria Pública interpõe recurso de Embargos Infringentes com base no
voto vencido e o Grupo de Câmaras absolve os acusados, alegando que o
fato era atípico e determina a remessa dos autos à comarca de origem, para
que o Ministério Público o_fereça denúncia pelo crime de homicídio tentado
que, na opinião do Tribunal, era o crime remanescente. e·>
Pergunta-se: está correta a decisão do Tribunal em absolver pelo latrocúúo
tentado e entender que havia crime de homicídio tentado, peterminando o
oferecimento de denúncia em face dos acusados por este crime?
Resposta:
A negativa se impõe. Quanto à absolvição pelo crime de latrocínio tentado, o
Tribunal agiu dentro de sua esfera de competência e a decisão deve ser (como
foi) cumprida. Porém, determinar que se instaure contra os réus processo
por crime de homicídio tentado foi um equívoco, para não dizer um errar in
iudicando. Até porque, o recurso foi exclusivo dos réus, não sendo admissível
uma reforma que não seja aquela pedida. Ou dá o que os réus pediram ou
deixa como está, porém, jamais piorar, de qualquer modo, sua situação jurídica
(cf art. 617 do CPP). Na medida em que dá provimento aos embargos
infringentes, porém manda processar os réus por outro crime, julga ultra petita.
Os réus já foram absolvidos pelo fato ocorrido na vida e que foi objeto do
processo, fazendo operar, assim, a coisa julgada. Dar uma nova roupagem
1"' Confronte, para tanto, esta passagem lúcida feita pelo Dr. MARCELO ABELHA, em sua obra "Ele-
mentos de Direito Processual Civil", 1'. edição, São Paulo, RT, 2000, v. 2, p. 279, afirmando que "Por
intermédio desse preceito fica extremamente clara a opção política do legislador, de q11e, 'com a sentença
definitiva não mais sujeita a reexames recursais, ares i11 i11dici11m ded11cta se transforma em res fodi-
cata, e a vontade concreta da lei, afirmada 110 julgado, dá ao imperativo j11rídico, ali contido, a força e
a11toridade de lexspecialis entre os sujeitos da lide q11e a decisão compôs'.
1'> Este fato é verídico e foi vivido pelo autor na comarca de Cachoeiras de Macacu no interior do
Estado do Rio de Janeiro em 1996.
9° caso: Tício é processado e julgado pelo crime de roubo simples (art. 157, caput, do
CP), sendo absolvido. A sentença absolutória transita em julgado. A autoridade
policial, através do depoimento de várias pessoas que não prestaram depoimento nos
autos do inquérito e, muito menos, no processo, porém, compareceram à delegacia,
espontaneamente, verifica que, na verdade, houve emprego de arma de Jogo por parte
de Caio, que ameaçou a vítima enquanto Tício subtraía ares, inclusive, logrando
êxito em localizar a arma na residência de Caio, sendo este reconhecido pelas
testemunhas.
Diante dessas peças de informação, a autoridade policial remete as mesmas
para a Vara Criminal onde Tício foi julgado e o juiz dá vista ao Promotor de
Justiça para que adote as providências que entender cabíveis.
Pergunta-se: pode o Promotor de Justiça oferecer denúncia, pelo mesmo fato,
em face de Tício e Caio, porém imputando aos mesmos o crime de roubo com
emprego de arma de fogo e mediante concurso de agentes (art. 157, § 2°, I e
II, do CP)?
Resposta:
Quanto a Tício, nada mais se pode fazer, já há o trânsito em julgado e não pode
ser ele chamado para responder pelo mesmo fato. O fato é um só. Se o Estado
não identificou e apurou o fato corretamente, estando a decisão acobertada
pelo trânsito em julgado, Tício está livre das garras da justiça. Do contrário,
seria estabelecermos o bis in idem. <47 l
Entretanto, quanto a Caio, nada impede que seja chamado para responder pelo
crime de roubo com emprego de arma de fogo e mediante concurso de agentes,
na medida de sua culpabilidade. A sentença fez coisa julgada entre as partes
para as quais foi dada, ou seja, o Estado-administração (Ministério Público) e
Tício, mas não para Caio. Nesse caso, Caio teve o componente subjetivo
necessário da co-autoria, qual seja: a resolução comum de realizar o fato, o
atuar de cooperação consciente e querida <45 l. Portanto, deve responder na
1471 A expressão bis in idem não pode autorizar o entendimento de que deve sempre haver punição
(condenação) no primeiro processo para evitar_o segundo, mas sim a impossibilidade de novo
processo pelo mesmo fato, independentemente do resultado do primeiro.
1431 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal - parte general. 4'. edição, Espanha, Comares,
1993, p. 618.
10º caso: Tício é investigado em regular inquérito policial pela prática do crime de
furto qualificado, mediante rompimento de obstáculo, porém não há o laudo de exame
de corpo de delito, mas sim os depoimentos do lesado e de três testemunhas
comprovando o rompimento. Concluído o inquérito, o Ministério Público denuncia
Tício pelo furto simples, entendendo que o exame de corpo de delito, comprovando o
rompimento, era indispensável e, portanto, nada menciona quanto à qualificadora.
O juiz recebe a denúncia e silencia quanto à qualificadora. No curso da instrução, o
laudo chega aos autos, comprovando o rompimento de obstáculo.
Pergunta-se: pode o Ministério Público aditar a denúncia para incluir a
qualificadora do rompimento de obstáculo, considerando ser o laudo prova
nova?
Resposta:
A resposta é negativa. Não há, no processo penal, hierarquia enn:e as provas,
ou seja, uma prova não vale mais do que a outra. O Ministério Público tinha
em mãos provas que autorizavam o oferecimento de denúncia pelo furto
mediante rompimento de obstáculo e não utilizou, acarretando, assim, o
arquivamento implícito-objetivo do tipo derivado (rompimento de obstáculo)
do inquérito policial. O laudo, surgido no curso da instrução, não é
considerado substancialmente prova nova, mas sim, formalmente, o que significa
dizer: não altera o quadro probatório do processo a ponto de ser considerado
prova nova. A prova da qualificadora já constava do inquérito e não foi
utilizada.
O princípio reitor para o Ministério Público oferecer denúncia é o do in dubio
pro societa te, ou seja, na dúvida, diante das provas contidas no inquérito, deve
resolvê-la em favor da sociedade, denunciando o indiciado.
Assim, houve o arquivamento implícito-objetivo do elemento derivado do tipo
e o laudo constitui prova nova formal, e não substancial <c9>.
Do contrário, havendo prisão em flagrante delito pela prática do crime de
homicídio e não havendo, ainda, laudo nos autos do inquérito, não se poderia
oferecer denúncia com base nos outros elementos de prova constantes dos
autos, o que constituiria verdadeiro absurdo.
<o> Cf. para melhor esclarecimento sobre o conceito de prova substancial e formalmente nova, a obra
do autor citada na nota n.º 5 em sua p. 117.
BIBLIOGRAFIA:
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RT, 2000, Vol. 1.
4. BELING, Ernest. Derecho Procesal Penal. 1". edição, Argentina, DIN, 2000.
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11. lsASCA, Frederico. Alteração Substancial dos Fatos e sua Relevância no Processo
Penal Português. 2ª. edição, Coimbra, Almedina, 1999.
12. JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 8ª. edição, Rio de Janeiro,
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16. LIEBMAN, Enrico Tulio. Eficácia e Autoridade da Sentença, 3ª. edição, Rio de
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17. MANZINI, Vincenzo. Tratado de Derecho Procesal Penal. 3ª. edição, Buenos Aires,
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20. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 3a. edição, Rio de Janeiro, Lumen
Juris, 2000.
23. RoXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. 25ª. edição, Buenos Aires, Del Puerto,
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25. TOURINHO Frrno, Fernando da Costa. Processo Penal. 18ª. edição, São Paulo,
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