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Valdemir - Prisão Preventiva 11-07-14

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CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO

PREVENTIVA

1 – INTRODUÇÃO

A chamada prisão processual, em qualquer de suas modalidades


(em flagrante, preventiva e temporária), tem cunho unicamente acautelatório, é medida da
qual se deve lançar mão quando claramente presente, além do fumus comici delicti,
também o periculum libartatis. Sempre levando em conta os princípios constitucionais que
norteiam o Direito Penal, mormente o da presunção de inocência, ou, estado de inocência,
e da dignidade da pessoa humana. Limitando, assim, o poder-dever estatal.

A custódia cautelar, anterior à sentença condenatória, reveste-se de


caráter provisório e visa dar eficiência ao processo penal, assim como garantir seu
resultado útil. É dizer, ao final, o integral cumprimento de eventual sentença condenatória
dele decorrente.

A prisão preventiva, modalidade de prisão provisória que será


objeto do presente estudo, pode ser decretada em qualquer momento do processo pelo juiz,
de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do querelante, ou mesmo mediante
representação da autoridade policial.

O que se pretende, é uma breve incursão pelas razões


justificadoras da custódia cautelar, em sua modalidade preventiva, à luz da Constituição
Federal e da legislação infraconstitucional, tendo em conta, ainda, a previsão de outras
medidas cautelares que se emergem da novel legislação (Lei 12.403/2011), recentemente
em vigência.

Portanto, inicia-se o estudo pelo exame da norma constitucional,


para então, adentrar aos dispositivos contidos no artigo 312 do Código de Processo Penal
Brasileiro, que traz positivado os casos em que se admite esta prisão processual. Vamos à
lei maior:
2 – A CONSTITUIÇÃO E A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

Se o processo, de modo geral, deve ser norteado pela Constituição,


com muito mais razão, o processo penal deve ter o mesmo norte.

O direito Penal é visto por muitos estudiosos como o grande


limitador do Ius Puniendi do Estado, na medida em que se fundamenta em princípios
constitucionais garantidores das liberdades individuais e de uma menor intervenção do
Estado sobre a pessoa, como os já referidos (presunção de inocência ou, estado de
inocência e dignidade da pessoa humana). A esse respeito, aponta Luiz Flávio Gomes:

Nenhum poder dentro do Estado constitucional e


humanitário de Direito (ECHD) pode ser absoluto ou
ilimitado. Esses limites, na atualidade, são revelados
por meio de princípios, que contam (quase todos)
com base constitucional expressa.1

Os princípios constitucionais, portanto, são os garantidores dos


direitos fundamentais, impedindo que o Estado repressor avance para além dos limites
ditados neste diploma legal. Se assim não fosse, poderíamos estar ainda vivendo as
angustias de um Estado abusivo no exercício do direito de punir o indivíduo. Como é
sabido, prática largamente difundida em outros tempos, de tristes e dolorosas memórias.

É razoável imaginar que, por seu turno, a legislação


infraconstitucional, materializada no Código penal, em considerável medida, tem o viés de
cercear as liberdades individuais, ou, o direito natural do cidadão. O que empresta ao
Estado, grande poder de coerção.

Inolvidável que as condutas positivadas, que se constituem crime,


prestam-se a informar que é vedado ao indivíduo sua prática, sob pena de incorrer em
ilícito penal e responder à conseqüente Ação Penal que daí decorre.

Por outro lado, o mesmo dispositivo que informa constituir crime


determinada conduta, estabelece o máximo de pena a ela imposta, ou seja, ao tempo que
limita a liberdade de agir do indivíduo, limita, igualmente, o poder de punir do Estado.

1
GOMES, Luiz Flávio. Limites do "ius puniendi" e bases principiológicas do garantismo penal. Disponível em:
http://www.lfg.blog.br.10 abril. 2007.
Para além desse aspecto, o Código Penal também limita o poder de
punir do estado na medida em que deve informar, com clareza e exatidão, a conduta
considerada ilícita, é dizer, todo o mais, que não está ali positivado, é permitido, portanto,
não constitui crime. (Nullum crimen, nulla poena sine praevia lege poenali) 2

De todo modo, seja o que for que o Direito Penal limite, se a


liberdade do indivíduo, ou o direito de punir do Estado, importa esperar que o manejo da
persecução penal seja orientado, precipuamente, pelas disposições e princípios
constitucionais, em maior medida que pelas disposições infraconstitucionais.

Em que pese a legislação penal infraconstitucional ser alicerçada em


princípios constitucionais, sua interpretação e aplicação, quando orientada pelo medo ou
pela comoção social, pode se distanciar daqueles princípios, a ponto de promover muito
mais injustiça do que justiça.

É possível verificar, mormente nas decisões judiciais sobre esse


tema, uma inclinação acentuada ao atendimento à legislação infraconstitucional
(cerceadora das liberdades) em detrimento da lei maior (garantidora das liberdades). Como
bem menciona Streck, existe: "um certo fascínio pelo Direito infraconstitucional, a ponto
de se ‘adaptar’ a Constituição às leis ordinárias”3.

Esse “fascínio” pela interpretação extensiva (in malam partem) da


lei penal e processual penal produz uma persecução penal inclinada a atender, muito mais,
aos interesses vingativos da vítima, ou dos seus, do que ao mais nobre postulado da justiça,
que é dar a cada um o seu direito. No caso em exame, o de responder ao processo em
liberdade.

A inclinação acentuada referida atenta diretamente contra o já citado


princípio da presunção da inocência, estatuída no art. 5º, inciso LVII, da Constituição
Federal Brasileira, que preconiza: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”.4 Esse dispositivo garante ao indivíduo o status
de inocente até final condenação. O estado de inocência é um postulado desde há muito
2
Constituição Federal do Brasil Art. 5o, II: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei.
Idem, Art. 5o, XXXIX: não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
3
STRECK. Lênio. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2.002, p. 30-31.
4
Constituição federal do Brasil Art. 5º, LVII.
reconhecido, já em 1789 a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do cidadão
destacava em seu artigo 9º:
Todo acusado é considerado inocente até ser
declarado culpado e, se se julgar indispensável
prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da
sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela
lei.5

Pois muito bem, outro princípio constitucional emerge nesse estudo,


o da dignidade da pessoa humana, este, quiçá o mais importante dos princípios
constitucionais, por sua abrangência e pelas implicações que sua inobservância pode
produzir. Por esta e por outras razões, já em 1949 a Assembléia das Nações Unidas
consagrou de forma textual a expressão: “A dignidade do homem é intangível. Os poderes
públicos estão obrigados a respeitá-la e protegê-la”.

Como não poderia deixar de ser, a Constituição brasileira de 1988


recepcionou este postulado em seu artigo 1º, inc. III6, como princípio fundamental a ser
observado. A este respeito, leciona com maestria Sarlet: Veja-se:

[...] temos por dignidade da pessoa humana a


qualidade intrínseca e distintiva de cada ser
humano que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos
e deveres fundamentais que asseguram a pessoa
tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe
garantir as condições existenciais mínimas para
uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação ativa e co-responsável nos
destinos da própria existência e da vida em
comunhão com os demais seres humanos.7

Por fim, sendo princípio fundamental recepcionado pela


Constituição Federal, não pode ser permitido ao operador do direito relativizar seu sentido
5
Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do cidadão
6
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
...
III - a dignidade da pessoa humana;
7
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5.
ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 62.
ou sua abrangência, sob pena de por em risco todos os demais princípios relativos à
liberdade, até mesmo, de apequenar o sentido de Estado Democrático de Direito, como
bem demonstra o Professor Rizzatto Nunes:

O que o intérprete tem de fazer é apontar o conteúdo


semântico de dignidade, sem permitir que façam
dele um conceito variável conforme se duvide do
sentido de bem e mal ou de acordo com o momento
histórico. Aliás, foi esse tipo de relativização,
vigente em vários períodos da história, que serviu
para justificar todo tipo de atrocidade.8

Em que pese tantos dispositivos em favor da liberdade, que exaltam


a dignidade humana e são, de regra, observados, o direito brasileiro admite exceções a essa
regra, basta que sejam preenchidos alguns requisitos dispostos na legislação
infraconstitucional, em especial aqueles elencados no artigo 312 do Código de Processo
Penal.

Se for possível constatar, com a necessária clareza, indícios e


elementos suficientes de que, em liberdade, o agente incorreria em conduta atentatória a
uma das hipóteses contidas no referido artigo, aí sim, poder-se-ia, excepcionalmente,
mantê-lo sob custódia provisória. Aí está o caso da aplicação da exceção prevista na lei
ordinária sobre a regra constitucional.

O que se teme é o uso indiscriminado da exceção, que de tão


reiterada, pode transformar-se em regra para todos os efeitos, em reprise, um processo
penal consubstanciado unicamente na norma infraconstitucional, em franco desprezo aos
princípios constitucionais que a norteiam.

Permitir uma persecução penal que se afaste, ainda que


milimetricamente, dos princípios garantidores dos direitos individuais que a Constituição
Federal preconiza, é o mesmo que permitir o arbítrio do homem sobre o homem. Prática
largamente difundida nos anos negros e tenebrosos da Idade Média, bem como nos porões
do autoritarismo, em tempos mais recentes.

8
http://terramagazine.terra.com.br/blogdorizzattonunes/blog/2013/12/09/o-principio-constitucional-da-dignidade-da-
pessoa-humana.
É, portanto, fundamental que se prime pela liberdade como regra.
Assim ensina Moreno Victor Catena:

A regra terá, por isso, de consistir no respeito pela


liberdade do arguido, devendo o seu funcionamento
subordinar-se a uma ‘apertada’ compreensão dos critérios
da necessidade, da proporcionalidade e da menor
intervenção possível. Este último adquire, alias, especial
importância na órbita da prisão preventiva, onde integra
o conteúdo do chamado princípio da subsidiariedade
segundo o qual a detenção só pode ocorrer quando as
restantes medidas de coação se mostrem, em concreto,
inadequadas ou insuficientes.9

Vê-se pelo cotejo entre os princípios garantidores da liberdade que a


Constituição preconiza, e as normas cerceadoras da legislação infraconstitucional, a
possibilidade de existência de conflitos de direitos e interesses fundamentais, restando ao
operador do direito a árdua tarefa de solucioná-los.

Embora haja um aparente conflito entre as normas, é admissível a


medida extrema consubstanciada na custódia cautelar, desde que, como dito, havendo
prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, haja ainda fundado receio de
danos à ordem pública, à ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou
para assegurar a aplicação da lei penal, se for o caso.

Atente-se às palavras do Mestre Delmanto:

Primeiro hão de ser constatadas a materialidade do delito


e a existência de graves indícios de sua autoria (que são
pressupostos da prisão cautelar); em seguida, deverá ser
aferida a ocorrência do perigo concreto que a
manutenção da liberdade do acusado representa para a
instrução processual ou para a futura aplicação da lei
penal (seus requisitos).10

Sem olvidar que a opção de lançar mão da prisão preventiva, quando


existentes ambos os pressupostos já mencionados, deve ser precedida de profunda e
9
CATENA, Moreno Victor. Derecho Procesal Apud. DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As Modalidades de Prisão
Provisória e Seu Prazo de Duração. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 71
10
DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2. ed. rev. e ampl. Rio
de Janeiro: Renovar, 2001. p. 84.
exaustiva análise do caso concreto, sob pena de se promover uma injustiça maior e mais
danosa que a própria conduta imputada ao agente. É dizer, o acusado pode ficar sob
custódia provisória por mais tempo que a pena a ser imposta, em caso de condenação.
Inaceitável num Estado Democrático de Direito.

Com isto, encerram-se as considerações sobre os aspectos


constitucionais que norteiam, ou devem nortear as decisões que impõe a segregação
provisória daqueles que respondem a processo penal e passa-se ao exame, breve, de cada
uma das hipóteses elencadas no referido dispositivo legal.

3 - A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA

A “Ordem Pública” redunda em conceito deveras amplo e


impreciso. Não serve, portanto, como fundamentação para qualquer medida repressora, em
especial a privação da liberdade. Data vênia assemelha-se muito mais a uma “desculpa
esfarrapada” do que a um fundamento jurídico penal.

Sobre o tema, Gomes Filho leciona com maestria:

“A idéia de ‘ordem pública’, longe de representar um


conceito que pode ser corretamente delimitado, constitui
um recurso retórico do legislador, utilizado [citando José
Eduardo Campos de Oliveira Faria] ‘com o objetivo de
superar a rigidez tipificadora da dogmática jurídica’ e
que implica ‘a ruptura dos padrões de unidade e
hierarquia inerentes aos princípios da
constitucionalidade, da legalidade e da certeza
jurídica.”11

E vai além:

“A decretação de prisão para a garantia da ordem


pública, além de não ser um ‘instrumento a serviço do
instrumento’, é uma antecipação da punição ditada por
razões de ordem material, sendo pressuposto o
reconhecimento da culpabilidade.” 12

11
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A Motivação das Decisões Penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2001.
12
Idem, Presunção de Inocência e Prisão Cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991.
O reconhecimento da legitimidade da prisão cautelar com base na
“ordem pública” implica em ampliar muito, e perigosamente, o poder discricionário do
juiz, mitigando sobremaneira o poder limitador da lei. Neste sentido, o mesmo autor
expressa com clareza esse raciocínio:

“No caso especial da prisão cautelar, o apelo à ‘ordem


pública’ representa, em última análise, a superação dos
limites impostos pelo princípio da legalidade estrita, que
se postula fundamental à matéria, para propiciar a
atribuição de um amplo poder discricionário ao juiz que
nesse particular não fica sujeito a limitações senão da
própria sensibilidade.” 13

Importa asseverar que a chamada “ordem pública” retrata o controle


do Estado sobre as sociedades organizadas, é dizer, a mantença de um coletivo ordenado,
subsumido ao regramento que garante esta ordem.

Nessa linha de raciocínio, é forçoso admitir que a custódia do


acusado a pretexto da manutenção da “ordem pública” é dirigida a atender muito mais à
necessidade do Estado em manter esse controle do que, propriamente, ao perfeito
andamento do processo penal.

É certo que a sociedade obediente é diretamente atingida pela


conduta de um agente transgressor das regras estabelecidas, de modo que, sua custódia
presta-se a atender de forma igualmente direta esta mesma sociedade.

Assim pontua Pacelli sobre o tema, vejamos:

A prisão para a garantia da ordem pública não se destina a


proteger o processo penal, enquanto instrumento de
aplicação da lei penal. Dirige-se, ao contrário, à proteção
da própria comunidade, coletivamente considerada, no
pressuposto de que ela seria duramente atingida pelo não-
aprisionamento de autores de crimes que causassem
intranqüilidade social.14

13
Idem.
14
OLIVEIRA, Eugênio Pacielli. Curso de Processo Penal.pág.435.
Como já dito, não se trata de medida acautelatória do processo penal,
senão de medida assecuratória do controle social pelo Estado. Não obstante, o respeitado
Professor Auri Lopes Júnior tem posicionamento ainda mais extremado quanto à legitimidade
da medida em exame:

Não é cautelar, pois não tutela o processo, sendo, portanto,


flagrantemente inconstitucional, até porque, nessa matéria,
é imprescindível a estrita observância ao princípio da
legalidade e da taxatividade. Considerando a natureza dos
direitos limitados (liberdade e presunção de inocência), é
absolutamente inadmissível uma interpretação extensiva
(in malan partem) que amplie o conceito de cautelar até o
ponto de transformá-la em medida de segurança pública.15

Menos extremadas, mas não menos contundentes, as palavras do


eminente doutrinador Fernando Tourinho Filho retratam, com grande fidelidade, a linha de
raciocínio deste autor relativamente à fragilidade das “circunstancias autorizadoras”. Alerta
o Professor:
“Não se pode olvidar que o diploma processual penal
pátrio data de 1942, elaborado, portanto, em plena época
ditatorial. Nessa época, não era reconhecido pelo
ordenamento jurídico brasileiro o princípio da presunção
de inocência como preceito constitucional. Assim, ditas
circunstâncias autorizadoras repousam na conveniência
da sociedade ou têm um critério meramente utilitário.” 16

Note-se que o posicionamento doutrinário é pacífico quanto à


fragilidade da hipótese “ordem pública” embasar, por si só, a custódia processual de um
acusado. Ainda assim, para aumentar a inquietação sobre esta matéria, a hipótese “ordem
econômica” mostra-se ainda mais frágil. Vamos a ela.

4 - A GARANTIA DA ORDEM ECONÔMICA

Pelas razões acima, aventadas por Tourinho Filho, somadas a


outras, que por certo emergirão, conclui-se, com relativa tranquilidade, que esta hipótese
autorizadora da decretação da medida extrema, igualmente, mostra-se pouco densa e,
portanto, insuficiente para estribar a privação cautelar da liberdade de locomoção.

15
LOPES JR. Aury. Novo regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Diversas. p.
93.
16
TOURINHO FILHO, Fernando. Considerações sobre a prisão preventiva. Revista Síntese de Direito Processual Penal e
Processual Penal. Ano VI, n. 34, out./Nov. 2005.
A hipótese referida incorporou a redação do art. 312 do Código
Processual Penal através da Lei nº 8.884 de 11 de junho de 1994, conhecida também como
Lei Antitruste. Deveria aplicar-se, portanto, unicamente aos crimes contra a ordem
econômica. É dizer: estando solto, o acusado poderá reincidir na prática a ele imputada e,
com isto, abalar a ordem econômica.

Não se admite a decretação de custódia cautelar fulcrada nesta


hipótese, quando a conduta atribuída ao acusado atentar a outro bem jurídico tutelado pelo
direito penal, que não a “ordem econômica”.

Assim se posiciona o professor Rogerio Greco:

“A lei 8.884, de 11 de junho de 1994, fez incluir no art.


312 do CPP a expressão ordem econômica. Assim,
segundo Paulo Rangel, quis ‘permitir a prisão do autor do
fato-crime que perturbasse o livre exercício de qualquer
atividade econômica, com abuso de poder econômico,
visando à dominação dos mercados, à eliminação de
concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. A prisão
para garantir a ordem econômica somente poderá ser
decretada se se tratar de crimes previstos nas leis nº
8.137/90, 8.176/91, 8.078/90 e 7.492/86 e demais normas
que se referem à ordem econômica, como quer o art. 170
da Constituição Federal e seguintes c/c art. 20 da lei
8.884/94’”.17

Inobstante qualquer posicionamento favorável, ao ver do autor, esta


inclusão é absolutamente desnecessária, senão por outras razões, pelo simples fato de que a
expressão se amolda à perfeição como “espécie” (ordem econômica) do “gênero” (ordem
pública). Está, portanto, contida nessa hipótese. O que remete ao entendimento de que a
expressão é totalmente suprimível do texto processual.

Em outras palavras, a ordem econômica integra o conceito de ordem


pública, ou seja, garantir a ordem pública significa garantir a ordem econômica nela
inserida.
17
GRECO, Rogério. Atividade Policial, aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais, editora
Impetus, 2ª edição, 2009, páginas 70/71
Neste raciocínio, ante flagrante desnecessidade da expressão
“ordem econômica” no texto legal, denota-se que sua inclusão teve cunho retórico e
meramente político, impulsionado, quiçá, pelas bases ideológicas do novo “Estado
Liberal” que emergia à época. Prenhe de políticas escancaradamente intervencionistas.

Portanto, impõe-se a compreensão de que a expressão em


comento, por retórica que é, desmerece maiores aprofundamentos. O que remete ao exame
de outra hipótese elencada no dispositivo legal.

5 - A CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL

A hipótese ora retratada, “conveniência da instrução criminal”


para decretação da prisão preventiva, igualmente desencadeou discussões doutrinárias
quanto a ser suficiente para justificar a segregação cautelar. Longe de ser pacífico o tema.
De todo modo, em que pese a divergência de opiniões, natural no estudo do Direito, a
expressão se nos parece dotada de alguma especificidade, o que facilita sua compreensão e
análise, porquanto se mostra um tanto mais precisa terminologicamente.

Pois bem, o art. 312 do Código de Processo Penal admite a


decretação de prisão preventiva por conveniência da instrução criminal somente quando
estritamente necessária, ou seja, solto o agente, a persecução penal in judicio se deturparia
e não chegaria a bom termo. Nas palavras de Tornagui, verifica-se esta hipótese quando:
“O acusado livre está destruindo provas, corrompendo testemunhas, influenciando
18
peritos, etc.” Nesses casos, especificamente, é que se admite razoável a custódia
cautelar.

Que não se confunda, entretanto, conveniência da instrução


criminal com dificuldade ou impossibilidade material do Estado em encontrar o acusado
para comparecer ao processo. A carência de material humano somado ao seu insuficiente
aparelhamento não justifica, sob qualquer hipótese, a segregação.

As palavras de Tourinho Filho:

18
TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1995.
“não é o fato de o réu estar sempre viajando, a negócios,
ou a passeio, que a autoriza (a prisão preventiva). A
providência apontada, para tais casos, é a decretação da
revelia, nos termos do art. 367 do CPP”.19

No mesmo sentido, Tornaghi:

“Não a justifica (a decretação da prisão preventiva),


porém, o comodismo, a facilidade de ter o acusado
sempre à mão”.20

Veja-se que o texto legal traz a expressão “conveniência”, que não


pode ser interpretada noutro sentido que não o de “necessidade”. A “conveniência da
instrução criminal” nasce, em verdade, da imprescindibilidade de se prestar a tutela
jurisdicional penal de forma isenta e livre de interferência. A resposta do Estado deve ser
precedida de um processo sem mácula, que busque a verdade real dos fatos.

Há que se admitir, entretanto, que existem casos em que a expressão


“conveniência” não é empregada como “necessidade”, mas, simplesmente como
conveniência. Como bem exemplifica Gualberto Garcez Ramos, apontando a hipótese
seguinte:

“Um acusado ameaça de morte uma testemunha de um


total de cinco que o viram cometer o crime. Se ele a
matar, restarão quatro a testemunhar contra ele. Numa
situação como essas não há, rigorosamente, necessidade
absoluta de prisão preventiva por conveniência da
instrução criminal. Há isto sim, conveniência”.21
Ainda que não seja necessária sua custódia, pela conveniência da
instrução criminal, já que outras quatro testemunhas ainda restam, subtrai-se da hipótese
suscitada que, em havendo indícios suficientes de que o agente matou uma das
testemunhas, a este deverá ser imputado novo crime, com nova persecução penal.

Assim, em reprise, cumpre asseverar que não é qualquer viagem a


negócios ou a passeio que deve autorizar a efetivação da custódia preventiva, tampouco o
19
TOURINHO FILHO, Fernando. Considerações sobre a prisão preventiva. Revista Síntese de Direito Processual Penal e
Processual Penal. Ano VI, n. 34, out./Nov. 2005.
20
TORNAGHI, Hélio Bastos. Instituições de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1978.
21
RAMOS, João Gualberto Garcez. A Tutela de Urgência no Processo Penal Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.
comodismo judiciário, mas sim, a verificação de fatos concretos, praticados pelo acusado,
que comprovem atitudes concretamente danosas (e não, possivelmente danosas) e
contrárias aos interesses da instrução criminal, de modo que seja “necessária” a decretação
da prisão preventiva para o bom prosseguimento do feito.

Relativamente à eventual possibilidade de fuga do acusado, há que


se verificar o fundamento sobre o qual se embasará a decisão pela custódia provisória.
Neste ponto, Marques vislumbra duas hipóteses fundamentais, uma para assegurar a
instrução criminal e a outra em face à segurança da aplicação da lei penal. Vejamos:

“[estas hipóteses se caracterizam quando] houver perigo


de fuga que o impeça [o acusado] de comparecer ao
juízo, a fim de levar esclarecimentos úteis à instrução da
causa, a prisão preventiva poderá ser decretada “por
conveniência da instrução criminal”: [ou seja aqui]
teremos então providência cautelar instrumental. Mas se
tudo indica que o réu, temeroso do resultado do processo,
fuja do distrito de culpa ou, então, provável seja essa
fuga, por não apresentar garantias suficientes à Justiça,
visto lhe ser indiferente a vida errante dos perseguidos
pelos órgãos da repressão penal, a prisão preventiva terá
cabimento “para assegurar a aplicação da pena”: [ou seja
aqui] teremos, então, a providência cautelar final.” 22

Na esteira das palavras do mestre, segue exame da derradeira


hipótese de prisão processual segundo o artigo 312 do Código de Processo Penal brasileiro.

6 - A GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL

Finalmente uma questão menos polêmica a ser tratada, ainda assim,


não menos instigante. A decretação de prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei
penal é definida brilhantemente por Luiz Antonio Câmara nas seguintes palavras:

“Esse pressuposto cautelar autoriza a denominada prisão


como cautela final: decreta-se a custódia para assegurar o
22
MARQUES, José Frederico. A Nova Lei Penal. São Paulo: Saraiva, 1976.
cumprimento da lei penal quando busca a Justiça deixar à
sua disposição, acessível, no distrito da culpa, o indiciado
ou acusado responsável pela prática de uma infração
penal, com o fito de que, proferida ao final decisão
condenatória, não venha ela a ser executada, evitando-se
que, entregue a prestação jurisdicional, não se encontre
meios para efetivá-la em face da não presença do
condenado”. 23

Por óbvio, não se aceita a determinação da custódia pela simples


conveniência do juízo ter “sempre a mão” o indiciado ou acusado.

Todavia, até certo ponto é compreensível que se admita o cabimento


da medida. E a doutrina assim entende, visto que a finalidade da decretação de preventiva,
por esta hipótese, é a não frustração do ius puniendi do Estado, em razão da fuga do
acusado.

Não se espera unanimidade na aceitação deste requisito como


justificador da medida extrema. Embora relativamente pacífica a doutrina, há quem se
levante contra a maioria. Entre os autores contrários está Pisapia, citado por Gomes Filho,
para quem a prisão preventiva decretada a este título, nada mais é que um “‘expediente
prático’ a serviço de um sistema que reconhece a própria incapacidade em providenciar
24
medidas adequadas para o cumprimento de suas decisões.” . Porém, sem muitos
seguidores esse posicionamento.

Inobstante a afronta ao princípio da presunção da inocência, é


possível constatar casos em que se justificaria a medida. Como para acusados abastados,
com condições econômicas de se evadir do país e viver confortavelmente em outro e que
demonstrem concretamente esta intenção. Vide caso do ex Diretor do Banco do Brasil,
Henrique Pizzolato.25

De todo modo, quer parecer que a prisão preventiva, nestes casos,


mostra-se, em alguma medida, necessária, pois caso contrário estaria malogrado o direito
23
CÂMARA, Luiz Antonio. Prisão e Liberdade Provisória: Lineamentos e Princípios do Processo Penal Cautelar.
Curitiba: Juruá Editora, 1997. p. 119.
24
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de Inocência e Prisão Cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991.
25
O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado a 12 anos e sete meses de prisão no
processo do mensalão, foi preso na Itália, na cidade de Maranello, após operação conjunta das polícias brasileira e
italiana. Ele estava foragido desde novembro do ano passado. http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,ex-diretor-
do-banco-do-brasil-e-preso-na-italia,1126948,0.htm
que a sociedade delegou ao Estado de punir e, por via de consequência, a sociedade
restaria frustrada.

A título de ilustração e embasamento teórico, invocam-se as


ponderadas palavras de Gomes Filho, valendo-se de algumas ideias de Pompeo Pezzatini:

“A terceira das finalidades atribuídas por nosso


legislador ordinário à prisão preventiva é de ‘assegurar a
aplicação da lei penal’, ou seja, evitar que, diante da
possível fuga do acusado, pelo temor da condenação,
venha a ser frustrada a futura execução da sanção
punitiva.”
“Evidencia-se nessa justificação talvez a mais típica
dentre as funções atribuídas à custódia cautelar, aceita
como um ‘mal necessário’: entre o risco de submeter
antecipadamente à prisão um inocente e o risco de tornar
possível ao culpado subtrair-se à execução da pena, com
a fuga, prefere-se a segunda alternativa.” 26

Em que pese este entendimento, ainda que em alguma medida seja


aceitável esta providência, estará sempre sob a sombra da possibilidade, nada remota, de a
custódia provisória se mostrar, ao final, mais rigorosa que a própria pena. Ou, ainda, pior,
completamente injusta, ante uma eventual sentença absolutória.

7 – CONCLUSÃO

Enfim, a discussão acerca da prisão processual está longe de findar-


se, quer sob o atual regramento, quer sob o regramento previsto no novo Código de
Processo Penal, que se avizinha.

Por derradeiro, não se pode prescindir de fazer referência às sábias


palavras do jurista Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, quando afirma, sobre as
liberdades públicas no Brasil:

“Em se tratando de liberdades públicas, ‘defender um


(indivíduo), aqui, significa defender todos’, tanto que a
violação às Liberdades Públicas de um é ofensa a todos,
tamanha a importância que elas têm”. 27
26
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de Inocência e Prisão Cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991
27
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. In: Garantias Constitucionais e Processo Penal: A Crise da Segurança
Pública no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2002. p. 182
Com as palavras do mestre, encerra-se o presente estudo, cuja
pretensão não vai além de retratar, sucintamente, a posição de alguns dos grandes
pensadores e defensores de todas as liberdades, e com isto compartilhar as inquietações
que emergem deste, que é o ramo mais inebriante do direito: O Direito Criminal.

"No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma


dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser
substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa
que se acha acima de todo preço, e por isso não admite
qualquer equivalência, compreende uma dignidade."28

8 - Bibliografia:

Constituição federal do Brasil 1988.

Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do cidadão.

Código Penal Brasileiro.

STRECK. Lênio. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito.


Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2.002, p. 30-31.

CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. O Processo Penal em Face da


Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 95.

CATENA, Moreno Victor. Derecho Procesal Apud. DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As


Modalidades de Prisão Provisória e Seu Prazo de Duração. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
p. 71

GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A Motivação das Decisões Penais. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2001.

____________. Presunção de Inocência e Prisão Cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991.

TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1995.

____________. Instituições de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1978.

TOURINHO FILHO, Fernando. Considerações sobre a prisão preventiva. Revista Síntese


de Direito Processual Penal e Processual Penal. Ano VI, n. 34, out./Nov. 2005.
28
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Trad. Leopoldo Holzbach. São
Paulo: Martin Claret, 2004, p. 65.
RAMOS, João Gualberto Garcez. A Tutela de Urgência no Processo Penal Brasileiro.
Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

MARQUES, José Frederico. A Nova Lei Penal. São Paulo: Saraiva, 1976.

CÂMARA, Luiz Antonio. Prisão e Liberdade Provisória: Lineamentos e Princípios do


Processo Penal Cautelar. Curitiba: Juruá Editora, 1997. p. 119.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. In: Garantias Constitucionais e Processo Penal:


A Crise da Segurança Pública no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2002. p. 182

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