EHRENFELD, David. A Arrogância Do Humanismo
EHRENFELD, David. A Arrogância Do Humanismo
EHRENFELD, David. A Arrogância Do Humanismo
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mag ad o ram Drever o futuro
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“Este livro C ' A arrogância do humanismo | trata da ques- ft
tão mais importante com que o Ocidente se defronta agora — a nos
sa necessidade de uma profunda mudança de atitude e de uma nova
maneira de nos vermos. [...] uma nova autoconsciência — a qual seja
verdadeira para a nossa ciência atual e também para a nossa sabe
doria tradicional.”
Stephen Verney
New Scientist
“Um brilhante, feroz e intransigente ensaio. [...] O pensamento de Eh
renfeld é uma espécie poderosa e belade misantropia: ferirá muitas
cordas sensíveis.”
----------------------------- Human Behavior-----------------------------
“O que é verdadeiramente radical e revolucionário na espécie de ati
tude que o Professor Ehrenfeld e seus pares representam é que eles
estão dizendo ter chegado o momento em que temos de começar a
aceitar [...] limitações para a razão humana e a capacidade humana,
como parte da inabalável constituição do universo.”
-------------------------- S U IC op h e r Bo oke r--------------------------
^%pectator
“Uma extraordinária fopjte de idéias para os interessados em refletir
sistematicamente sobre as questões em torno do crescente ritmo da
desintegração das organizações sociais e físicas, e dadestruição da
natureza no mundo de hoje.”
------------------------------------ Choice---------------------------------
“Ehrenfeld oferece-nos um fascinante e extraordinariamente atual
tour de force sobre a atual discrepância entré a fé humanistlca uni
versai na razão, ciência e tecnologia, e a realidade viva da condição
humana. [...] Leitura obrigatória para todo universitário e cientista Ins
truído.” ,
----------------------------- fhom as E m m e l--------------------------
American Scientist
IS B N 85- /oni 'i i i
CAMPUS
788570 0 I /nnS
( I Mihtigii também da Editora Campus:
lllíilÔRIA DA ECOLOGIA
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I I 'Mi A) (/« uma Nova Ciência
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DA IAVOURA ÀS BIOTECNOLOGIAS
'll/'/! iiiiw ii II indústria no Sistema Internacionai
iioodmin, Barnard Sorj e John Wilkinson
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1 him llinldiln da Astronomia
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An t HAS DE GAIA
•) da Nossa Terra Viva
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I IK /V. in .i'i Mãos 0 Destino da Terra
Walnsr
David
EHRENFELD
A
ARROGÂNCIA
DO HUMANISMO
Tradução
Álvaro Cabral
SdUena CantpM
Do original
The Arrogance of Humanism
Copyright © 1978,1981, by Oxford University Press, Inc.
© 1992, Editora Campus Ltda.
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 5988 de ^ 4/ 12/ 73.
Nenhuma paite deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá
ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados:
eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.
Capa
Otávio Studart
Composição
R&R
Copy-desk
Paula Rosas
Revisão Tipográfica
Clélia Ramos
Marcelo Balbio
Isabel C. Rodrigues
índice Remissivo
Izaura Farias
Projeto Gráfico
Editora Campus Ltda.
Qualidade internacional a serviço do autor e do leitor nacional.
Rua Barão de Itapagipe 55 Rio Comprido
Telefone: (021)293-6443 FAX (021 )293-5683
20261 Rio de Janeiro RJ Brasil
Endereço Telegráfico: CAMPUSRIO
ISBN 85-7001-750-2
(Edição original: ISBN 0-19-502415-X, Oxford University Press. Inc. NY, USA)
Ficha Catalográfica
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte.
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
Ehrenfeld, David
E32a A arrogância do humanismo/ David Ehrenfeld; tradução Alvaro
Cabral. — Rio de Janeiro: Campus, 1992.
Tradução de: The arrogance of humanism
ISBN 85-7001-750-2
1. Humanismo. 2. Ciência e humanidade. 3. Ecologia I. Tiuio.
CDD — 304.2
92-0484 CDU — 502.7
92 93 94 95 96 5 4 3 2 1
AGRADECIMENTOS
D.E.
Middlesex, N.J.
Abril de 1978
PREFÁCIO À EDIÇÃO GALAXY
Capítulo 1
Falsos P re s s u p o s to s ................................................................................ 1
Capítulo 2
M i t o ...........................................................................................................17
Capítulo 3
R e a lid a d e .................................................................................................43
Capítulo 4
Emoção e R a z ã o .................................................................................. 101
Capítulo 5
O Dilema C o n serv acio n ista................................................................137
Capítulo 6
M isantropia e a Rejeição do H u m a n is m o ...................................... 167
Capítulo 7
P ara Além do H u m a n is m o ............................................................... 183
Capítulo 1
Falsos Pressupostos
Entrem na baleia — ou, melhor, admitam que
estão dentro da baieia (pois vocês estão, é
ciaro).
GEORGE ORWELL,
“Inside the Whaie”
Esta vasta planície, juntamente com as florestas que lhe são contí
guas, se lhes fosse permitido [...] ficar na posse e sob a cultura de
industriosos agricultores e mecânicos exibiriam em pouco tempo cenas
muito diferentes das que vem os hoje, ainda que encantadoras; pois
pelas artes da agricultura e do comércio, quase tudo o que é desejável
na vida poderia ser produzido com abundância aqui, estabelecendo-se
desse modo uma região rica, populosa e agradável [...], as águas [...]
possuem uma grande variedade de peixes excelentes; e as florestas e
prados nativos, uma grande variedade de caça...
Se povoada e cultivada à maneira dos países civilizados da Europa, sem
excesso de população, acomodaria, numa estimativa modesta, mais de cem
mil habitantes humanos vivendo da maneira mais feliz [...] e nâo tenho
dúvida de que este lugar será, num dia futuro, um dos locais mais populosos
e aprazíveis da terra.
Pois, por mais excelentes que possam ser em sua própria natureza, são
totalmente incompatíveis com a presente estrutura da natureza e com a li
mitada extensão da Terra. [...] Não se pretende que seja antinatural estabe
lecer fronteiras para o conhecimento e a facilidade humanos, ou para a
grandeza da sociedade, e confinar o que é finito a limites apropriados. É
conveniente, por certo, fixar fronteiras corretas para todas as coisas de
acordo com a sua natureza, e ajustar todas as coisas entre si na devida pro
porção. Sem dúvida alguma, essa excelente ordem é realmente estabeleci
da em todas as obras de Deus em seus vastos domínios. Mas há certas
determinações primárias na natureza, às quais todas as outras coisas de g ê
nero subordinado devem ser ajustadas.
Mito
“Compilamos uma lista que conterá todos os
possíveis nomes de Deus. [...] Temos razões
para acreditar”, prosseguiu o lama impertu-
bavelmente, “que todos esses nomes podem
ser escritos não mais do que com nove letras
num alfabeto que inventamos.”
ARTHUR C CLARKE,
“The Nine Billion Names of God”
Mente
“Antes que termine comigo, jovem, aprenderá a aplicar a psico-história
a todos os problemas como uma coisa natural e rotineira... Observe.”
Seldon retirou sua calculadora do estojo preso ao cinto. [...] Símbolos
vermelhos brilharam intensamente, sobressaindo do fundo cinza.
“Isso representa a condição do Império no presente”, disse ele. “[...]
Some-se a isso a conhecida probabilidade de assassinato imperial, revolta
do vice-rei, a repetição contemporânea de períodos de depressão econômi
ca, o índice declinante de explorações planetárias, o...”
Ele prosseguiu. A cada item mencionado, novos símbolos ganhavam
vida ao seu toque e fundiam-se na função básica que se ampliava e se
transformava.[...]
Finalmente Seldon parou. “Isto é Trantor daqui a cinco séculos. Como
interpreta isso, hein?”
Gael disse num tom de incredulidade: “Destruição total! Mas...mas isso
é impossível.[...]”
“E qual é a probabilidade numérica...?”
“Não saberia dizer.”
“V ocê pode certamente realizar uma diferenciação de campo, não
pode?”
Gael sentiu-se pressionado.[...] Calculou furiosamente e sentiu sua fron
te ficar suada e lustrosa.
“Uns 8.5%, não?”, disse ele.
“Nada mau”, respondeu Seldon, esticando o lábio inferior, “mas ainda
não foi bom. O número exato é 92,5%.”
“... quando uma determinada emoção deixa de ser uma parte útil de um
repertório de comportamentos, tratamos de eliminá-la.[...] É simplesmente
uma questão de engenharia comportamental”, disse Frazier.
Corpo
Além da mente, existe o corpo. Também neste caso acreditamos
na inevitabilidade do controle —■controle da nossa herança física e do
seu destino, um controle que nos liberta de muitas das doenças físicas do
corpo e finalmente nos libertará da maioria delas, se não de todas. Mais
do que isso, o controle que apagará os defeitos normais de forma e fun
ção a que nos habituamos, e nos ajudará a aproximarmo-nos da perfeição
que outrora era atribuída somente às máquinas e aos próprios deuses.
Soou uma voz vinda do alto.[...j “Lutamos, não por nós mesmos, mas
pelo crescimento, o crescimento constante. [...]Libertar-se destas fendas e
rachaduras, destas sombras e trevas, sair para a grandeza e a luz! [...jCres-
cer.[...]. Até que a Terra não seja mais do que um escabelo. [...]Até que o
espírito tenha expulso o medo para o nada e se expanda.[...]” Abriu os
braços, estendendo-os na direção do céu — “AU!”
Meio Ambiente
E no centro de um aglomerado de dez mil estrelas, cuja luz desfez a tênue
escuridão circulante, movia-se em círculos e o gigantesco planeta imperial,
Trantor. [...]
O mundo inteiro era uma distorção funcional. Em sua superfície não
existiam outros objetivos dotados de vida a não ser o homem, seus animais
de estimação e seus parasitas. Nenhuma folhinha de grama ou fragmento
de solo a descoberto podia ser encontrado fora dos 250 quilômetros
quadrados do Palácio Imperial. Não existia água nenhuma fora das terras
do palácio, exceto nas vastas cisternas subterrâneas que detinham o supri
mento de água de um mundo.
O metal refulgente, indestrutível e incorruptível que constituía a super
fície uniforme do planeta era o alicerce das gigantescas estruturas metálicas
que cobriam o planeta como um intrincado dédalo.j...]
Podia-se percorrer todo o mundo de Trantor e nunca deixar essa edifi
cação conglomerada, nem ver a cidade.
Uma frota de navios mais numerosa do que todas as esquadras de guerra
que o Império já tivera desembarcava seus carregamentos em Trantor
diariamente para alimentar os quarenta bilhões de seres humanos.[...]
Vinte mundos agrícolas eram o celeiro que abastecia Trantor. Um
universo era seu servo...
Realidade
Medio de fonte leporum surgit amari aliquid
quod in ipsos floribus angat.
(Do âmago da fonte dos prazeres brota um
gosto amargo que os sufoca mesmo entre
flores.)
LUCRÉCIO
De Herum Natura. Livro IV.
Não se pode prever a posição exata de uma bola após dois ou trôs
ressaltos das paredes de uma quadra de squash. O movimento inicial da
bola nunca é conhecido com precisão. Essa incerteza pode ser pequena mas
ampiia-se a cada rebatida. [...] [Um ciclone] poderia ter sido desencadeado
pelo bater de asa de uma gaivota solitária sobre o vasto oceano.[...]
Quando o DDT foi introduzido pela primeira vez como um pesticida nas
fazendas do Arizona e da Califórnia, a ninguém ocorreu perguntar se isso podia
ou não afetar as cascas dos ovos de pelicanos nas ilhas do Pacífico.[...]
1lá ;i Igum a dúvida sobre qual desses breves relatos é boa história, ou sobre
t|ual fornece a análise mais útil, confiável e notável da pobreza e riqueza
reais de uma região?
Não mais de uma em dez mil pessoas terá ouvido alguma vt / a pa
lavra “cHometria”, mas quase todas as famílias nos Estados Unidos e na
Grã-Bretanha contêm pelo menos um membro que foi submetido a algu
ma forma de teste psicológico, em geral na escola. Cresceu uma indús
tria para dar apoio a essa administração de testes, c os moinhos da
educação giram rapidamente a fim de produzir um número suficiente de
jovens psicólogos que mantenham o negócio em pleno funcionamento.
A finalidade de todos esses testes é dupla: detectar “incapacidades”
numa fase inicial, quando podem ser “tratadas”, e garantir que as crian
ças não avancem no sistema educacional num ritmo mais rápido ou mais
lento do que o justificado pelos escores de seus testes.
A parte mais perniciosa dessa maléfica charada é o processo de
triagem para a identificação de incapacidades. Isso foi detalhadamente
exposto por Peter Schräg e Diane Divoky no livro The M yth o fth e Hype-
ractive Child. A enumeração que ambas fazem da extraordinária confu
são de sinais e sintom as que se inform ava estarem presentes nas
condições não-existentes conhecidas como disfunção cerebral mínima e
síndrome de hiperatividade vale a pena ser lida. Quanto à DCM, tudo o
que for imaginável parece estar incluído; hipercinesia e hipocinesia,
sono muito leve e sono muito profundo, comportamento que é excepcio
nalmente sensível a outros e comportamento anti-social, progresso redu
zido em algumas áreas mas substancial em outras. E, é claro, a lista
abrange todos os traços de caráter que possam ter incomodado qualquer
administrador escolar. É tudo muito divertido se o leitor e seus filhos não
estiverem envolvidos nisso — o tipo de autoparódia inconsciente que só
poderia ser produzida por uma atividade tão carente de humor como é a
maior parte da psicologia moderna.
A razão para inventar todas essas incapacidades, para estreitar tan
to o caminho aceito da normahdade, não é difícil de descobrir. Diante da
tarefa de “educar” os filhos de uma sociedade incompreensível e em pro
cesso de desintegração, as pessoas responsáveis pela educação decidi
ram ocupar-se unicamente dos fragmentos que estão explodindo em
certa direção, à certa velocidade. Como afirmam Schräg e Divoky, “A
função primordial de todos os métodos de triagem é a mistificação, uma
atribuição ritual de legitimidade às decisões institucionais”.
Uma vez diagnosticado certo “estado”, os especialistas podem ini
ciar o laborioso e dispendioso processo de encaminhar a “vítima” de vol
ta ao e s tre ito cam inho do co m portam ento norm al. O In stitu to
Sul-oriental de Bio-realimentação de Knoxville, Tennessee, é um dos lu
gares onde se realiza esse tipo de trabalho. Mediante o uso de aimputa-
dores para transformar ondas cerebrais em sons audíveis ou sinais lumi
nosos, uma criança pode ser ensinada a suprimir padrões de pensamento
que produzem ondas cerebrais indesejáveis e um comportamento indese
jável (por exemplo, hiperativo). Se as reportagens jornalísticas sobre
esse trabalho são corretas, as crianças são devolvidas à escola sem seus
problemas de comportamento e suas notas logo melhoram. Acredito que
isso acontece, de fato, conforme foi descrito. Para o psicólogo, esse é o
fim da história.
Mas o psicólogo é um sujeito fácil de contentar. Vive inteiramente
no presente, extrapolando para o passado o futuro por meio de pressu
postos circulares que servem a seus próprios objetivos sem proveito para
mais ninguém. No passado, temos o dano cerebral “mínimo” no nasci
mento, ou as taxas hgeiramente anômalas de amadurecimento neuroló
gico, ou as pequenas irregularidades bioquímicas que supostamente
foram resposáveis pelo “estado”. Com uma certa ressonância científica
e, no entanto, totalmente desprovidas de qualquer valor científico, por
que a base da ciência é a prova e, na grande maioria dos casos, não existe
aqui prova nenhuma — apenas conjeturas, analogias e suposições. De
fato, como esses “estados” não existem como entidades reais, não podem
ter etiologias simples; há tantas etiologias de “hiperatividade” e de
“DCM” quanto as crianças que foram estigmatizadas.
Essa intervenção do passado cumpre uma importante função na
psicologia. Se os comportamentos tratados são vistos como o resultado
de uma doença, não se sente remorso por alterá-lo. A mesma interpreta
ção de comportamento atípico faz parte dos testes de personalidade que
descrevi no capítulo anterior. Até “simples” testes de colocação foram
combinados por essa atitude — por exemplo, quando se decide que
crianças lentas devem ser atrasadas na escola e as rápidas adiantadas
com base num teste. Em todos esses casos, as medidas corretivas ba
seiam-se na suposição de que conhecemos o problema — ou de que exis
te um problema. Tal suposição é freqüentemente falsa, e pede uma outra
suposição muito perigosa sobre o futuro, qual seja, que a correção do es
tado é boa para a criança e boa para a sociedade.
É aqui que uma análise de produto final é absolutamente essencial,
mas não pode ser realizada porque suas perguntas estão além da nossa
capacidade para responder. Mas podemos, pelo menos, formular as
iiueslões, as quais são reveladoras por si mesmas. Para um teste de roti
na, a questão mais simples é: qual é o efeito a longo prazo sobre as crian
ças e sobre a sociedade de ter classes cujos membros obtêm, todos, os
mesmos esa>res numa dada série de testes? Em tal análise, também ía-
mos querer saber: como são as crianças “hiperativas” c portadoras de
“dano cerebral mínimo”, quando lhes permitem crescer sem qualquer es-
tigmatização ou tratamento específico — não apenas até atingirem vinte
anos de idade mas até morrer? Possuem quaisquer traços distintivos de
personalidade em comum, conhecem os mesmos tipos de fracasso e de
realização, são diferentes das outras pessoas? Qual é o seu efeito líquido,
como adultos, sobre a sociedade em que vivem? Por exemplo, promo
vem guerra ou paz? O que é que o tratamento faz a essas crianças além
de melhorar as notas delas imediatamente após o tratamento? Sua criati
vidade é afetada de algum modo? Suas ambições? Sua capacidade de
amar? Sua autoconfiança? Sua felicidade? Sua competência para resistir
à tirania? Qual é o seu impacto ulterior sobre a sociedade? E, se não po
demos responder a essas indagações — como, de fato, não podemos — ,
que arrogância, combinada com que cegueira, nos leva a infligir esse
edifício swiftiano de testes às nossas próprias crianças? Se a análise de
produto fínal não dá respostas, ela nos leva, pelo menos, suficientemente
longe para ver como os psicólogos andam na pegada uns dos outros num cír
culo perpétuo, de modo que nenhum deles pode dizer para onde estão indo.
É possível que nesse caso a análise de produto final nos proporcio
ne, afinal de contas, algumas respostas. Com toda essa paixão por testes,
triagens, colocações e correções, por que é que a realização escolar e in
telectual não é melhor do que atualmente a conhecemos? Por que é que
os resultados da educação moderna são de uma tão monumental triviali
dade e mediocridade, tão inadequados e tão melancólicos? Seria um erro
culpar os testes por tudo isso, mas não se pode deixar de ser ctíüco quan
do a nossa arrogância é tão pouco justificada por nossas realizações.
A aplicação da teoria da catástrofe à previsão do comportamento é, se
possível, ainda mais swiftiana do que os testes psicológicos. Nas Viagens de
Gulliver, eis como conhecemos a excelsa Academia de Lagado:
Corpo
A arrogância que constitui uma parte tão importante da nossa ati
tude em relação ao controle da mente e do comportamento manifesta-se
também, como vimos no capítulo precedente, nos pontos de vista que te
mos a respeito do poder sobre os nossos corpos. Isso era de se esperar:
neste mundo físico, reducionista, mente e corpo já não parecem terrivel
mente diferentes, sendo ambos feitos das mesmas espécies de substân-
cias químicas que reagem de acordo com as leis comuns da termodinâ
mica. Portanto, separá-los é, em parte, um recurso descritivo, um modo
de organizar uma história complexa, talvez até uma concessão a um
modo ocidental tradicional de encararmos a nós próprios. Contudo, pode
muito bem ser que a antiga tradição possua certo valor: não considera
mos, de fato, nossas mentes e nossos corpos com o mesmo espírito — há
um atributo diferente na arrogância; uma profunda insatisfação com os
nossos corpos, uma sensação de que teria sido melhor se o nosso contro
le assumisse a forma de uma reestruturação e reposição de peças de um
mecanismo intrinsecamente defeituoso.
Podemos voltar a H.G. WeUs para examinar a estranha mistura de
N arrogância e insatisfação que é a nossa atitude em relação a nossos eus
físicos. Em nenhuma parte isso se mostra com mais clareza do que em O
alimento dos deuses. A esta altura, estamos começando a ficar famüiari-
zados com uma espécie de pensamento defeituoso que pode preparar,
mesmo na ficção científica, um alimento químico que tem a propriedade
de nos tornar maiores e melhores em todos os aspectos, sem efeitos cola
terais. A arrogância humanística desse tipo de devaneio é hoje algo co
mum, por certo mais do que no tempo de Wells. Não obstante, existe
algo de estranho na história.
Wells, sem dúvida, com toda a sua inteligência e perspicácia eco
lógica, deve ter percebido o absurdo fundamental de O alimento dos deu
ses. Quando tudo ficou proporcionalmente maior — cardos, formigas,
ratos e pessoas, tanto as plantas daninhas quanto as comestíveis — , en
tão o que foi que mudou na equação, exceto um multiplicador? O que
Wells está dizendo é que a estátua de Davi, de Michelangelo, teria sido
duplamente boa se tivesse o dobro de seu tamanho.
Só um sentimento forte podia ter interferido de modo tão potente
no seu senso comum, e ele revela esse sentimento numa fala proferida
por um dos jovens gigantes.
“Essa gente [os seres humanos de tamanho comum] está certa. Quer dizer,
de acordo com seu discernimento. Estavam certos em matar tudo o que
crescesse mais do que a sua espécie. [...] Sabem [...] que não podemos ter
pigmeus e gigantes juntos num só mundo. [...] Eles prosseguiriam — sãos
e salvos para sempre, vivendo suas vidas pigméias, fazendo-se reciproca
mente gentilezas e cmeldades pigméias; talvez até atingissem uma espécie
de milênio pigmeu, pusessem fim à guerra, acabassem com a superpopu
lação, SC instalassem numa cidade mundial para praticar artes pigméias,
adorando-se mutuamente até que o mundo comece a arrefecer...”
Aqui temos uma notável aberração de perspectiva. No decorrer da maior
parte da história, as criaturas afetadas pelo Alimento são representadas
como gigantescas. Mas, no final, os habitantes de tamanho normal da
Terra são subitamente retratados como anões ou pigmeus. Ora, a perspec
tiva não funciona desse modo, pois se a maioria inalterada tem que ser
considerada minúscula, então os comedores do Alimento já não podem
ser considerados gigantes. Estamos falando ou de gigantes ou de pigmeus
— não de uns e outros. O que isso significa, creio eu, é que Wells tinha
sentimentos conflitantes e igualmente intensos a respeito da humanidade.
Por um lado, considera-nos capazes de criar gigantes, de nos manipular
e manipular o que nos rodeia quase a bel-prazer. Por outro, está dominado
por uma consciência opressiva de nossas imperfeições. Estas são de todos
os tipos, inclusive terríveis imperfeições do espírito humano, mas Wells
prefere resumir e simbolizar todas elas numa imagem corporal, a repre
sentação de todos nós como “pigmeus”. Os seres humanos e o resto da
criação viva são inadequados, está ele dizendo, e a nossa estatura e poder
reais são as melhores características para simbolizar essa inadequação. É
verdade que Wells abandonou essa metáfora em outras obras — a
mudança milagrosa que ocorre em seu romance Nos dias do cometa afeta
unicamente a qualidade do amor fraterno, por exemplo. No entanto,
escreveu a fala do pigmeu.
E que fala notável! Podemos ficar sabendo como acabar com a
guerra, diz ele; podemos aprender a controlar o tamanho da nossa popu
lação; podemos até criar uma “cidade mundial” dedicada à prática das
artes. Mas, seja como for, desespera-se ele, continuaremos sendo pig
meus! Isso é uma auto-imagem trágica, mas não incomum. E não é a úl
tima contradição que encontraremos na arrogância do humanismo.
Os temas misturados e distorcidos de falta de auto-estima e de au
toconfiança foram transportados para a ficção moderna. Certamente
ocorrem juntos na repelente saga do homem biônico na televisão. Esse
herói, meio carne, meio plástico frágil, tem uma perna, um braço e um
olho artificiais (mas não um cérebro artificial), com os quais realiza suas
proezas super-humanas. O detalhe interessante a respeito de seu papel é
ser ele tão terrivelmente inexpressivo e tão pouco espontâneo. Não creio
que isso possa ser atribuído a um mau desempenho do ator e talvez só em
parte a um roteiro medíocre; há um outro fator envolvido.
A verdade nua e crua é que os nossos dispositivos e sobressalentes
biônicos nunca podem igualar-se aos órgãos que pretendem substituir. A
evolução, ainda que seja perdulária e fortuita, teve três bilhões de anos
para harmonizar os organismos com seus meios ambientes. Isso não sig-
nifica que sejamos perfeitos como resultado. Significa, porém, que seria
muito difícil, na prática, realizar mudanças fundamentais em nossos cor
pos que nos equipassem melhor para o que consideramos ser a vida de
um humano. O biólogo evolucionista Emst Mayr escreveu certa vez a
respeito do assunto de macromutações: “Dar a um tordo as asas de um
falcão não fará dele um melhor voador. Na verdade, tendo todo o equi
pamento restante de um tordo, o mais provável é que ele dificilmente
fosse capaz sequer de voar.” A própria idéia de um ser humano biônico
paira entre o absurdo e o profano — igualmente ofensivo para as sensi
bilidades científicas e rehgiosas. Como é pungente, pois, ler nos jornais
a respeito do grande número de crianças norte-americanas que estão pe
dindo a seus pais licença para mandar amputar as pernas e substituí-las
por membros biônicos.
A reparação de órgãos doentes é um objetivo menos estrondoso e
muito mais modesto e legítimo do que a produção de super-homens arti
ficiais; mas a força subjacente, o sonho de eliminar completamente a
morte e a doença, faz parte da mesma arrogância que leva muitos norte-
americanos a acreditar que o homem biônico não está muito longe da
realidade. Contudo, mesmo que as metas imediatas possam ser mais mo
destas, as nossas realizações dificilmente chegarão algum dia a corres
ponder às nossas expectativas ou mesmo às declarações feitas em artigos
na imprensa. A “bengala biônica a laser" é um bom exemplo: num artigo
publicado num jornal a respeito de um jovem cego que usa uma dessas
bengalas, sua mãe declarou que “ele ainda tem a bengala biônica e gosta
de usá-la, embora ela tenda a enguiçar com bastante freqüência. Quando
isso acontece, é feito um rápido conserto, enquanto o meu filho se vale
da bengala convencional”. Não só uma begala a laser é um patético
substituto para um olho humano mas também, o que não causa surpresa,
não está à altura de um cão-guia de carne e osso. Os cães-guias de cego,
embora mais caros de adquirir e treinar, não enguiçam regular e dispen
diosamente, e duram cerca de dez anos. E, o que é mais importante, os
cães-guias têm pelo menos mais quatro sentidos em funcionamento;
também têm discernimento e afeição por seus donos.
Se o exemplo da bengala biônica parece injusto, por causa do está
gio inicial de desenvolvimento da invenção, então o que dizer de substi
tutos biônicos que existem há muito mais tempo? Nenhum, nem mesmo
artefatos com séculos de existência, como os óculos, faz mais do que res
taurar a função normal, e a maioria ou não consegue fazer isso ou não
dura a vida inteira do usuário (a menos que essa vida seja interrompida
pela avaria). Não desejaríamos passar sem a maioria desses artefatos.
()()
mas é perigoso romantizá-los, pois isso nos faz um duplo desserviço;
exagera os nossos poderes de criação e controle, e contribui para a nossa
insatisfação irracional com os nossos corpos reais.
Há um outro problema com os dispositivos biônicos, um problema
que afeta muitas outras invenções. Ocorre sempre aquilo que os econo
mistas denominariam trade-offs, isto é, a cessão de uma vantagem para
se obter outra considerada mais desejável. Tal permuta está sempre en
volvida no uso desses dispositivos. O usuário de lentes de contato sente
com freqüência desconforto e irritação causados por elas, e há o constan
te risco de infecção. Mas esse tipo de trade-off talvez não seja o mais sé
rio de todos. Mais importante é a perda de independência, um fenômeno
sutil que pode até não ser reconhecido e levado em conta pelas pessoas
que o vivenciam. O homem com a bengala biônica trocou períodos de
dez anos de relativa independência com um cão-guia pelo envolvimento
com uma vasta rede técnica e comercial que produz e conserta o seu dis
positivo biônico, e sobre a qual ele não tem controle. Se vive em Nova
York, o conserto de sua bengala avariada pode ser retardada em semanas
por uma greve na fábrica de componentes eletrônicos em San Diego.
Para uma assistência rápida, o usuário deve viver numa área que conte
com representantes autorizados do fabricante de bengala para prestação
dos serviços de assistência. E terá sempre que pagar os consertos.
Talvez nesse caso, e nos outros, os benefícios do artefato biônico
valham, por vezes, o seu preço. Isso é, porém, difícil de avahar, porque
a nossa sociedade nunca registra nem leva em conta o verdadeiro preço.
Isso é mais visível na situação hoje corrente, em que pessoas essencial
mente mortas são mantidas num irremediável estado vegetativo por uma
complexa e custosa maquinaria e serviços técnicos. Um outro exemplo é
o dos novos métodos de diagnóstico (como a tomografia axial computa
dorizada, um progresso em relação aos aparelhos convencionais de
raios X), os quais são tão excessivamente dispendiosos que o seu uso
para uma minúscula percentagem da população, muitas vezes para diag
nosticar doenças incuráveis, faz recair um pesado ônus financeiro sobre
todos os contribuintes do país. A conclusão a que devemos inevitavel
mente chegar é que os nossos arrogantes pressupostos a respeito do nos
so controle presente e futuro sobre os nossos corpos impediram-nos de
avaliar a qualidade e as consequências totais desse controle — não reali
zamos análises de produto final— e, assim, o cálculo do preço real nunca é
feito.
O quadro que começa a surgir não é, em absoluto, desmentido pe
las nossas experiências com modernos tratamentos e medicamentos “mi-
lagrosos”. Devo dizer desde já que muitos desses medicamentos agem,
na maioria dos casos, do modo que se presume que devem agir. Os anti
bióticos, em especial, eliminaram categorias inteiras de doenças e redu
ziram-nas ao status de curiosidades médicas. É uma ingratidão perguntar
o preço — para avaliar o efeito total? Não penso assim.
Mesmo os antibióticos não são uma benção pura; o seu próprio
êxito tem causado novos problemas, aparentemente insolúveis. Pacien
tes pedem-nos para usos inadequados (como o tratamento da maioria das
doenças viróticas) e, com excessiva freqüência, os médicos aquiescem.
Um resultado são desnecessárias reações anafiláticas e alergia; um outro
ainda pior é a proliferação por toda a parte de bactérias resistentes a an
tibióticos. Sabemos hoje que essa resistência pode ser transferida de uma
bactéria para a seguinte, e isso pode até ocorrer entre seres humanos e
animais domésticos, os quais recebem rotineiramente doses de antibióti
cos para promover o crescimento. Os hospitais, onde os antibióticos são
mais usados, têm estirpes tão virulentas de bactérias resistentes que o
pessoal de enfermagem dos berçários vê-se compelido a lavar os bebês
recém-nascidos com uma substância altamente tóxica, a fim de impedir
uma infecção cutânea. Quase todas as principais doenças bacterianas
possuem hoje variedades moderada ou altamente resistentes aos antibió
ticos, e estamos agora inteiramente empenhados numa corrida desespe
rada para in v en tar novos an tib ió tico s m ais depressa do que as
bactérias podem adquirir resistência. Além disso, o vazio ecológico
deixado pelo desaparecimento de bactérias sensíveis aos antibióticos
foi preenchido por todas as espécies de organismos previamente inó
cuos. E. coli, a bactéria intestinal normal e geralmente benéfica, está
agora envolvida num número de infecções muito maior do que antes
da era dos antibióticos.
i Os tranqüilizantes também têm seus usos, especialmente no trata
mento de doenças mentais graves. São amplamente usados, porém, para
ajudar as pessoas a escapar das tensões da vida moderna. Numa análise
de produto final, faríamos a pergunta: “É benéfico para o indivíduo e a
sociedade que existam drogas capazes de emudecer os sintomas gritan
tes de tensão?” Acho que a resposta é não; isso é como usar tampões para
os ouvidos, a fim de não ser perturbado pelo ruído da campainha de alar
me contra incêndios.tA própria tensão é um sintoma, e um sintoma útü,
uma indicação de que as condições ambientais devem ser mudadas, ou
de que o ambiente onde se vive deve ser trocado por outro. Como todas
as drogas, os tranqüilizantes também têm efeitos paradoxais, que são
( íH
bastante comuns. Em alguns casos, aumentam a ansiedade, cm outros a
agressividade e a hostilidade são o resultado.
Até o nome que atribuímos a esses compostos químicos — tran
quilizante — é um sinal da nossa arrogância e uma prova de que essa ar
rogância é injustificada. Conforme assinalou o biólogo celular Paul
Weiss, tendemos a inventar nomes para mascarar a nossa ignorância e,
procedendo assim, fingimos entender certos acontecimentos “isolados”,
que na verdade são parte de um sistema muitíssimo mais vasto que não
compreendemos. Em outras palavras, damos às nossas descobertas c in
venções nomes que têm uma generalidade abrangente e transmitem uma
aura de poder, a fim de ocultar o que Weiss chama de “as amputações
que permitimos serem perpetradas na totalidade orgânica. [...] da nature
za e do nosso pensamento sobre a natureza”. Weiss chama a esses nomes
“gnomos antropomórficos. [...] semideuses, como os da antiguidade, fa
zendo as tarefas que não entendemos”. Weiss não estava se referindo à
palavra “tranqüilizante” mas o caso é, no entanto, o mesmo: os nossos
ouvidos humanísticos não gostam do som de palavras que subentendam
fraqueza, ignorância ou incerteza. Assim, as próprias palavras que esco
lhemos para descrever as nossas descobertas e invenções constituem as
melhores indicações do grau em que nos iludimos a nós mesmos.
Talvez a auto-ilusão não seja em nenhum caso mais acentuada do
que na “guerra” contra o câncer. O câncer causa mais medo do que qual
quer outra doença nos tempos atuais, e isso é quase certamente porque se
trata de uma negação de um dos nossos mecanismos inatos de controle:
o controle do crescimento. Além disso, estamos tão profundamente com
prometidos com um mundo de nossa própria criação, um mundo que só
faz sentido se conservarmos uma fé incondicional nos pressupostos do
humanismo, que a própria idéia de câncer é um terror e uma ameaça.
Mas é muito mais do que a natureza fundamental da doença o que nos as
susta: é, acima de tudo, a nossa extraordinária falta de êxito em enfrentá-
la. Após dezenas de anos de pesquisa e bilhões de dólares gastos, o que
se conseguiu? Se dermos ouvidos aos porta-vozes das instituições filan
trópicas que ajudam a financiar a “guerra”, grandes progressos estão
sendo realizados. Não é verdade. Meia dúzia de cânceres de menor im
portância podem atualmente ser detidos ou revertidos, e muito poua)s
inteiramente eliminados. Mas os próprios medicamentos antincoplásia)s
e a radiação que são empregados podem causar câncer após um intervalo
de anos, assim como a morte mais imediata por outras causas. Não se re
gistraram avanços fundamentais — apenas uma infinidade de impasses.
As taxas de cura para a maioria dos cânceres de mama, pulmões e apare
lho gastrintestinal são as mesmas ou piores do que eram há 25 anos, e a
incidência dessas doenças aumentou horrivelmente. (É significativo que
a reunião dos dados que provam esses fatos sombrios enfrentou grande
resistência — o que bastou para que o dr. Donald Gould intitulasse um
artigo sobre o assunto “Câncer: A conspiração do silêncio”.) Na realida
de, estamos no escuro: como disse Sir Peter Medawar, nem sequer sabe
mos se existe um elem ento psicossomático na “história natural do
câncer”. Pior do que a nossa ignorância são os desastres paradoxais, os
“duplos vínculos” que parecem ser típicos da longa luta contra essa
doença. Por exemplo, a mamografia foi anunciada como um novo e em
polgante método para o diagnóstico precoce do câncer de mama; com-
provou-se depois que os raios X usados nesse processo podem causar
mais cânceres do que detectá-los. Quase parece existir uma espécie de
“princípio de incerte2a ” funcionando nesse caso, assim como em muitas
das situações ambientais que examinarei mais adiante. Em outras pala
vras, os nossos próprios atos de diagnóstico e tratamento causam rever
berações suficientes (perniciosas) dentro do sistema para que seja
contrariado o objetivo original desses atos.
Qual é a probabilidade de que a nossa ciência e tecnologia avan
cem ao ponto de ser capazes de curar todas as formas mais graves de
câncer? Uma vez mais se afirma o princípio de incerteza, pois há boas
razões para crer que o estilo de vida que toma a pesquisa e a terapia po
tencial do câncer remotamente possíveis é também o causador do câncer.
Foi estimado, em virtude das taxas de câncer rapidamente crescentes em
áreas urbanas e em certas áreas industriais, que 80% a 90% de todos os
cânceres são causados ambientalmente. Mesmo que essa estimativa seja
algo exagerada, o número continua sendo significativo, porque a mesma
espécie de expansão urbana, de crescimento industrial (sobretudo na in
dústria química), e o vertiginoso ritmo de vida que estão associados ao
câncer também estão produzindo os esforços de pesquisa para combatê-
lo. A sociedade suficiente engenhosa para realizar sofisticadas pesquisas
sobre o câncer é a sociedade suficientemente engenhosa para inventar
coiscis tais como os substitutos do açúcar, os ingredientes para a roupa de
dormir das crianças, os corantes alimentares e os test kits para piscinas
que podem causá-lo.
Mas suponha-se que aceitamos a improvável suposição de que en-
a>ntraremos curas efetivas para as formas mais graves de câncer, curas
c|ue não causem elas próprias uma grave doença, tratamentos para o cân
cer tlc mama que não mascuhnizem, tratamentos para o câncer de bexiga
c|uc não tornem o corpo propenso a infecções fatais, que não façam cair
o cabelo e produzam uma constante sensação de náusea. O qut ocorre
ria então? Numa carta ao New York Times, Ira Glasser, diretora execu
tiva da Liga de Liberdades Civis de Nova York, descreveu as condições
em Willowbrook, um hospital psiquiátrico, no início deste último quar
tel do século XX:
Pessoas e Máquinas
Não muito antes de estas páginas serem escritas, um jornal norte-
americano estampou a seguinte manchete: “Computador para Ajudar a
Escolher Jurados.” Continuando a leitura, tomou-se óbvio que a man-
cluMe era demasiadamente sensacionalista: o computador estava apenas
sendo usado para uma seleção dos questionários apresentados a prová
veis jurados, a fim de eliminar aqueles cujas respostas os desqualificas
sem automaticamente para servir num determinado caso. Não obstante,
a manchete faz ressaltar um ponto importante: os seres humanos estão
atribuindo cada vez mais à proficiência de suas máquinas um valor supe
rior ao de seus próprios talentos. Isso ficou mais evidenciado na seção
“Corpo”, em conseqüênda de uma profunda insatisfação com os nossos
eus físicos, mas é claro que, embora tenhamos maior consideração por
nossas aptidões mentais, existe um sentimento generalizado de que po
tencialmente, quando não concretamente, os computadores são mais rá
pidos, mais eficientes, mais objetivos e mais exatos do que nós na
execução de algumas mais importantes funções da mente.
Esse exagero dos atributos de máquinas à nossa própria custa não é
novidade; embora, como acontece tão freqüentemente com uma opinião co
mum, tenha começado como sátira. O primeiro uso da palavra “robô” ocorre
em R.U.R., uma peça teatral escrita pelo autor tcheco Karel Capek, na se
gunda década do século XX. Encontramos em R. U.R. o seguinte diálogo:
HELENA: E no entanto você continua fazendo Robôs! Por que é que não
estão nascendo mais crianças?
DR. GALL: Entenda, são tantos os Robôs que estão sendo fabricados que
as pessoas estão se tomando supérfluas; o homem é realmentc um sobre
vivente. Mas deve deve começar a extinguir-se após uns reles trinta anos
de competição. Essa é a parte horrível da coisa. Você poderia quase pensar
que a natureza ficou ofendida com a fabricação dos Robôs.
MO
Hm seguida, ele imagina que foi deliberadamente imobilizado por
seus inimigos, que usaram o elevador como armadilha, mas não é esse o
caso. Atordoado, sentindo náuseas, Tarden começa finalmcnte a dar-se
conta da natureza absolutamente impessoal da máquina.
Meio Ambiente
Os mais espetaculares fracassos do controle humano e negações de
onisciência humana manifestaram-se em nosso relacionamento com
muitos meios ambientes humanos. Em nenhum caso importante fomos
capazes de demonstrar um modo amplo e bem-sucedido de administra
ção do nosso mundo, nem o compreendemos suficientemente bem para
sermos capazes de administrá-lo em teoria. Só nos poucos casos em que
sistemas pequenos e remotos puderam, com efeito, ser tratados como se
estivessem isolados, a administração e o controle funcionaram; mas não
se pode dirigir um mundo inteiro desse modo.
Sempre me assombra a confiança com que nos dispomos a mudar
coisas que estão além do nosso controle. O tratamento “protetor” dos vi
trais da catedral de Chartres, descrito no capítulo anterior, é um exemplo
[x;qucno e invulgarmente simples disso. A dificuldade, como ocorre com
IreqüÊncia, não fora prevista. Foi descoberta primeiro por membros da
Associação para a Defesa dos Vitrais Franceses, um grupo constituído
por numerosos artistas, e descrita num artigo de Pierre Schneider publi
cado no New York Times:
E, é claro, a Natureza pode ser tudo menos simples. Assim, num nível
mais elevado, pode-se ver que se combinam o problema do contexto
restrito do humanista e o problema de maximização simultânea de variá
veis. O resultado é devastador para o mito do poder e do controle.
Para além das semi-soluções e dos problemas residuais, para além
dos problemas de contextos limitados e de um excessivo número de va
riáveis, existem certas realidades ecológicas que impõem restrições adi
cionais — ainda que, por vezes, sobrepostas — ao nosso exercício do
poder. A mais direta delas é que poucos sistemas biológicos no mundo,
sejam eles organismos individuais ou grupos de organismos, desenvol
veram quaisquer mecanismos para enfrentar grandes entradas exceden
tes de energia concentrada em seus ambientes imediatos, energia do tipo
que o homem tem agora facilmente à sua disposição. Nós mesmos forne
cemos um bom exemplo disso: embora contemos com inúmeros meios
bioquímicos e fisiológicos de desintoxicar e exaetar uma legião de dife
rentes venenos, não dispomos de nenhum mecanismo para expelir ^
energia em excesso. Se ingerímos calorias demais, engordamos em nos
so detrimento. Convivemos com os venenos, sobretudo em substâncias
vegetais, desde que existimos, mas a energia excedente constitui um
novo fenômeno.
Muitos sistemas ecológicos são frágeis e espccialmente vulnerá
veis à nossa interferência energética. São frágeis porque evoluíram em
ambientes extremamente estáveis (florestas tropicais, recifes de a>ral e
lagos antigos e profundos) ou porque estão “preocupados” com alguma
força ambiental irresistível (tundra, desertos, encostas escarpadas de
montanhas). A título de exemplo, um único raü de motocicleta transde-
serto pode alterar e destruir substancialmente 1.300 km^ de comunidade ve
getal do deserto. Achamos que esse dano perdurará por um século ou mais.
Uma segunda restrição ecológica é o tempo. As comunidades ve
getais e animais mudam suas estruturas e composições de espécies com
o passar do tempo; o processo é conhecido como sucessão. Podemos
modificar o processo, tirá-lo dos trilhos, mas dificilmente poderíamos
acelerá-lo de um modo previsível. A maioria das atividades ambientais
energéticas levam a sucessão de volta a estágios anteriores, que estão do
minados por organismos em conflito com pessoas: as ervas daninhas, as
pragas, os parasitas. Assim, podemos destruir a estrutrura labiríntica de
um solo de floresta em milésimos de segundo com uma bomba ou cm
horas com uma máquina de terraplanagem, a qual, entretanto, só será re
cuperada quando várias décadas de lenta mudança em termos de suces
são tiverem preparado o caminho para a sua reconstituição. Nesse
meio-tempo, teremos de viver com o bambu, a grama imperata, o espi
nheiro bravo ou coisa parecida. Num outro exemplo, na América do
Norte, a ambrósia americana é um membro das mais antigas comunida
des vegetais sucessivas; ela floresce em solos recentemente revolvidos
mas, se a deixarmos sozinha, desaparecerá após um ou dois verões, sen
do substituída pela virga-áurea, a marianeira e a amora silvestre. Contu
do, se for arrancada à força — de preferência por uma escavadeira
mecânica — , as condições serão ideais para a volta de mais ambrósias na
primeira oportunidade. A natureza fornece o melhor dos paradoxos.
A irreversibilidade é a terceira restrição ecológica. Parece difícil
para a mente humanística apreender o significado dos muitos processos
irreversíveis que deflagramos em sistemas vivos; a tendência é para ne
gar que alguma coisa tão definitiva, tão completamente fora do no.sso
controle, possa ocorrer. Mas a verdade é que estamos causando mu
danças irreversíveis o tempo todo. Espécies são extintas em ma.ssa, e
nenhuma proeza genética logrará jamais trazê-las de volta. Desertos
substituem terras onde vicejaram hortas e pradarias; há alguns milliares
de anos, o Saara era uma região fértil e, mais recenlemente, a terra cres-
tada e fendida de muitas áreas do moderno Iraque era o berço da nos
sa civilização agrícola. Talvez os desertos não sejam permanentes
mas, comparados com a escala de tempo das civilizações humanas,
podem ser encarados como tais. “Fazedores de desertos” é, na verda
de, um título tão apropriado para os seres humanos quanto o de “usuá
rios de ferramentas”.
Um dos vários mecanismos de que dispomos para criar desertos
merece ser examinado brevemente. O processo inicia-se com a excessiva
pastagem por gado bovino, ovino e caprino. Quando a vegetação é redu
zida, mais solo arenoso, árido e de cor clara fica exposto, e isso aumenta
o albedo ou a reflexividade da paisagem. Quando o albedo aumenta,
mais luz solar é refletida e a terra torna-se um pouco mais fria. O ar que
passa sobre essa paisagem é menos aquecido do que o normal e tende a
ascender menos. Isso, por sua vez, diminui a formação de nuvens, o que
provoca o declínio das precipitações pluviais. A menor quantidade de
chuvas impede que a vegetação volte a crescer, o albedo aumenta ainda
mais, etc. E assim se expande o deserto. O cientista britânico W. Orme-
rod, cuja obra é citada no Capítulo 5, assinalou que os nossos bem-inten
cionados e m agníficos esforços científicos para elim inar a doença
tripanossomíase do gado na África podem, em algumas regiões, levar à
maciça expansão dos rebanhos, superpastagem e, possivelmente, a ace
leração de acontecimentos que estão causando hoje a expansão do Saara
na direção sul, ao longo de uma extensa frente. Nesse caso, podemos ver
que o problema da irreversibüidade é aumentado pela complexidade das
interações ambientais. Poucas coisas são tão simples quando nós, em
nossa arrogância, imaginamos que fossem.
Limites
Não examinamos em profundidade nestes capítulos as técnicas de
auto-sugestão que são de uso comum para corroborar os pressupostos
humanísticos. Essas técnicas abrangem: o uso de modelos matemáliais
que fazem suas suposições impróprias (de linearidade, de generalidade,
de continuidade, de valores de importância, de randomicidade, etc.); os
engenhosos métodos de extrapolação de um presente insuficicntemcntc
descrito para um futuro incognoscível; os complexos métodos eslatísti-
COS de ponderar, ou ignorar, ou acentuar indícios a fim de se preservar
uma aparência de objetividade enquanto se providencia a resposta dese
jada; o crédito ou o descrédito de certas classes de percepção, e muitas
outras. Todas essas técnicas mereceriam um livro inteiro e não um que
eu possa escrever. Em vez disso, vali-me da idéia de anáUse de produto
final, o que significa que acredito ser correto julgar um processo pelos
seus resultados mesmo quando não se entende tudo da teoria dos meca
nismos e dos defeitos intrínsecos envolvidos. De fato, quando estamos
lidando com o nosso próprio futuro, isso não só é justo mas necessário.
Com base nessas anáUses de produto final, concluí que os pressu
postos humanísticos estão errados, que há limites para os conhecimentos
e o poder que os seres humanos podem reunir para qualquer fim. Como
as referências a esses limites foram disseminadas ao longo deste capítu
lo, creio ser útil juntá-las num só ponto.
Em primeiro lugar, há limites impostos pela nossa incapacidade
para conhecer o futuro, para fazer previsões exatas a longo prazo. Trata-
se de um limite teórico e inalterável baseado na grande complexidade e
incerteza dos acontecimentos interatuantes que determinarão o futuro, e
na influência catalítica sobre o futuro de acontecimentos aparentemente
insignificantes no presente.
Em segundo lugar, existem limites impostos pelas conseqüêndas
de fracassos anteriores dos nossos pressupostos de controle; esses limites
assumem a forma de ondas crescentes de semi-soluções e problemas re
siduais, tais como foram descritos por Eugene Schwartz, todos precipi
tando ojnomento de uma paralisia final e colapso de novos esforços para
manter a situação sob um fac-símile de controle.
Em terceiro lugar, temos um limite especialmente frustrante, que é
descrito pela teoria de maximização de Von Neumann e Morgenstem, a
qual diz, com efeito, que num mundo complexo não podemos alcançar
simultaneamente o melhor em todas as coisas. Esse terceiro limite é o
que explica por que a evolução revelou-se mais confiável do que os nos
sos substitutos para ela. A evolução é lenta e devastadora, mas resultou
numa infinidade de soluções funcionais e flexíveis, cujo êxito é coastan-
lemente testado pela própria vida. A evolução é, em grande medida, cu
mulativa e vem funcionando três bilhões de anos a mais do que os nossos
esforços atuais. Os nossos mais brilhantes aperfeiçoamentos sobre a Na
tureza são, com muita freqüência, uma solução ilusória para um proble
ma que foi isolado do contexto, uma maximização local, transitória, que
está fadada a ser seguida por contra-ajustes sumamente indesejáveis em
lodo o sistema.
o quarto limite é inerente ao que chamei anteriormente princípio
de incerteza (por causa de sua semelhança puramente análoga mas su
gestiva com o princípio de incerteza da física). É a noção de que a nossa
capacidade para buscar soluções técnicas para certas espécies de proble
mas aumenta juntamente com a nossa capacidade para aumentar e mul
tiplicar esses tipos de problemas; de que não resolvemos problemas
quando adquirimos novas tecnologias porque as novas tecnologias agra
vam, simultaneamente, os nossos problemas.
Existem outros limites a que apenas aludi: impostos por recursos
em declínio e pela exaustão da capacidade dos sistemas ecológicos para
suportar uma excessiva interferência sem mudança radical nem desinte
gração. Finalmente, há a perversão das nossas tecnologias de controle
para fins perniciosos, que caracterizei suscintamente nas minhas duas
“leis” da ciência e da tecnologia, e a qual se limita em virtude de sua es
sencial destrutividade.
Diante de tudo isso, fica difícil entender o otimismo ilimitado de
pessoas como Murray Bookchin, porque ele se combina com um conhe
cimento profundo do que hoje está acontecendo no mundo. Bookchin
leva em conta as realidades ecológicas da vida contemporânea. Por que
é, então, que adota o injustificado otimismo de um culto humanístico cu
jos esforços para remodelar o mundo à nossa própria imagem nos brin
daram com um extenso rosário de fracassos cada vez piores? A
tendênda preponderante do presente, dominado pelo humanismo, é para
mais solos arruinados, mais desertos, mais crianças com anomia, mais
sodedades fragmentadas e violentas, mais armamentos cujo horror supe
ra a imaginação, mais técnicas de supressão autocrática e mais mecanis
mos para isolar os seres humanos uns dos outros. Como é possível extrair
dessa realidade presente uma utopia livre de esforços penosos, em que a
tecnologia é a “parceira da criatividade do homem”? Tudo o que posso
dizer é que Bookchin e outros como ele fugiram da realidade para um
mundo bem mais suave de sonhos tecnopastorais.
Aqueles que ignoram o estado atual do mundo têm uma fé no hu
manismo que é muito mais fá d l de compreender. Percebendo o nosso
poder, mas não as suas consequências, eles estão livres para projetar suíls
fantasias num futuro mágico. OrweU escreveu; “O culto do poder turva
o julgamento político porque leva, quase inevitavelmente, à convicção
de que as tendências atuais prosseguirão.” Isso também é verdadeiro
para outras formas de julgamento além das políticas. Aqui temos os
Kahns e os Berrys, os “futurólogos”, que ficaram fascinados com nossos
breves surtos de poder ao ponto de acreditar que tudo continuará... por
que deixamos uma bola de golfe e o autógrafo de um Presidente na Lua,
seremos capazes de construir jardins suspensos no espaço e povoá-los
com uma multidão feUz. Mas não importa quão forte seja a maré, chega
o momento em que ela atinge o nível máximo retrocede. Mesmo enquan
to os futurólogos escrevem, os nossos surtos de poder estão sendo pagos
de mil maneiras e em mil lugares, embora não haja ninguém capaz de so
mar os custos.
Não houve espaço dedicado ao louvor da criatividade humana nes
te capítulo, e isso incomodará muitos que estão acostumados com as cos
tumeiras autofelidtações humanistas. Não desejo apresentar uma visão
inteiramente amarga da humanidade ou deixar a impressão de que acre
dito serem fracassos absolutos todas as nossas obras recentes. Mas os
êxitos são isolados e contrários à tendência dominante, além de serem
devidamente exaltados em inúmeros outros livros de outros autores. É
agora mais importante lembrar ao mundo os nossos fracassos, e se for
mos bem-sucedidos nessa tarefa, não faltará tempo mais tarde para o
apropriado orgulho.
Também sei que, fora do mundo da tecnologia, existe um outro
mundo de criação humana, o mundo das “humanidades”, das obras-pri
mas antigas, como S. Francisco falando aos pássaros, de Giotto, que
louvam a glória de Deus, e das novas obras-primas, como Uma casa
para o sr. Biswas, de V.S. Naipaul, que exaltam o espírito de homens e
mulheres. Para muitos, esse mundo é a concretização do humanismo;
quem dera que assim fosse. No entanto, à semelhança de Janus, o deus
romano da porta, que tinha o rosto voltado ao mesmo tempo para dentro
e para fora de casa, ou do Satã com três rostos na ilustração do Círculo
inferior do Inferno feita por Doré, o humanismo tem mais de uma face.
Se aceitamos um mundo, temos de aceitar o outro; fizemos ambos. E es
ses mundos estão ligados, pois ocorreu a todos, menos aos críticos mais
relativistas, que a despeito da imensa riqueza e da gigantesca população
desta moderna era tecnológica, não estamos produzindo obras-primas
em humanidades com a mesma freqüência que costumávamos produzir.
É uma convenção da literatura humanística que, depois de qualquer
crítica severa às invenções humanas, venha um “mas”, uma ressalva e, pelo
menos, um vislumbre de final feliz e as inevitáveis circunstâncias atenuan
tes que nos livrarão do anzol que nós próprios fabricamos. Espero que os
meus leitores entendam por que não adoto essa convenção, embora a minha
imaginação esteja, como a da maioria, bem abastecida de finais felizes.
Capítulo 4
Emoção e Razão
“Por que não caminhou em redor do bura
co?”, perguntou o Homem de Haia.
“Eu não sabia o bastante”, respondeu o Es
pantalho, jovialmente. “Minha cabeça est.-í
recheada de palha, sabe, e é por isso que estou
indo a Oz, para pedir-lhe um cérebro.”
“Ah, entendo”, disse o Homem de Lata.
“Mas, afinal de contas, o cérebro não é a
melhor coisa do mundo.”
“Você tem um?”, indagou o Espantalho.
“Não, a minha cabeça está totalmente vazia”,
respondeu o Homem de I.ata, “mas tive ou-
trora cérebro e um coração também; por isso
é que, tendo experimentado ambos, gostaria
muito mais de ter um coração...”
“Mesmo assim”, disse o Espantalho, “pedirei
um cérebro em vez de um coração; pois um
tolo não saberia o que fazer com um coração,
se tivesse um.”
“Ficarei com o coração”, retorquiu o Homem
de Lata, “pois o cérebro não faz ninguém feliz,
e a felicidade é a melhor coisa do mundo.”
L. FRANK BAUM, O mágico de Oz
“A jovem número vinte é incapaz de definir
um cavalo!”, disse o sr. Gradgrind. [...] “Um
dos rapazes que dê a definição de um cavalo.
Bitzer, você.”
“Quadrúpede. Herbívoro. Quarenta dentes,
sendo vinte e quatro molares, quatro caninos
e doze incisivos. Muda de pelagem na prima
vera; nas regiões alagadiças, também muda
os cascos. Qs cascos são duros mas precisam
ser calçados com ferraduras. Idade conhecida
por marcas na boca.” [...]
“Agora, menina número vinte, você sabe o
que é um cavalo”, disse o sr. Gradgrind.
CHARLES DICKFNS, Tempos difíceix
É uma tolice supor que os povos “primitivos” são sempre sábios em tudo
o que fazem — talvez o homem fosse apenas um agricultor incompetente.
Mas nem Owen nem eu pensamos assim. Como assinala Owen, o homem
vivia numa região onde o alimento pode ser facilmente cultivado com
abundância, apesar das devastações causadas pelos insetos, e os agricul
tores nessa área plantam muitas culturas diferentes de modo que alguma
coisa esteja sempre pronta para ser colhida. Simplesmente, não é neces
sário matar as pragas. Eu iria mais longe e assinalaria que Owen afirmou
haver uma larva em quase todas as plantas. Seriam algumas das plantas
que permaneceram livres de pragas levemente repugnantes ao paladar dos
insetos? Haveria uma lenta sabedoria evolutiva no sentimento de que não
vaUa a pena o incômodo de apanhar as larvas de borboleta? Talvez. E
talvez possa ser dito o mesmo a respeito da estranha relutância em mondar
Owen afirma que:
Fedro recordou uma frase de Thoreau: “Você jamais ganha alguma coisa
a menos que tenha perdido alguma coisa”. E então começou a ver, pela
primeira vez, a incn vel magni tude do que o homem, quando adquiriu poder
para compreender e governar o mundo em termos de verdades dialéticas,
tinha perdido. Tinha construído impérios de capacidade científica para
manipular os fenômenos da natureza e transformá-los em enormes mani
festações de seus próprios sonhos de poder e riqueza — mas, para isso,
preterira um império de compreensão de igual magnitude: uma compreen
são do que significa ser uma parte integrante do mundo, e não um inimigo
dele.
Mas entre fé e razão, como entre graça e natureza, não existe separação.
Tende-se por vezes a esquecer também isso (com muito maior freqüência
nos velhos tempos; alguns dos nossos ancestrais eram tão obtusos quanto
nós e, uma vez que dois conceitos estivessem sentados nas cadeiras de uma
distinção confiável, eles achavam cansativo demais levantar esses concei
tos de suas respectivas cadeiras e fazê-los abraçarem-se um ao outro).
Fosse qual fosse a obstusidade de nossos ancestrais e a de muitos de nós,
as coisas são assim, e assim é a vida: existe distinção sfem separação.
A razão tem o seu próprio domínio, e a fé o dela. Mas a razão pcxJ' pe
netrar no domínio da fé levando-lhe a sua necessidade de fazer perguntas,
o seu desejo de descobrir a ordem interna do verdadeiro e a sua aspiração
à sabedoria— o que é o que acontece com a teologia. E a fé pode penetrar
no domínio da razão, levando-lhe a ajuda de uma luz e de uma verdade
que são superiores e elevam a razão em sua própria ordem que é o que
acontece com a filosofia cristã.
O Dilema da Conservação
Olhai os lírios do campo, como clcs crcsccm;
não labutam nem fiam. Eu, porém, vos afir
mo que nem Salomão, em Ioda a sua glória,
se vestiu como qualquer um deles.
MATEUS, 6: 28-29
Exageros e Distorções
A Usta precedente contém a maior parte, se não a totalidade das ra
zões que uma sociedade humanística engendrou para justificar a conser
vação, pouco a pouco, de coisas na Natureza que, à primeira vista, nada
parecem valer para nós. Como tal, todas elas são racionalizações — com
freqüência, racionalizações verdadeiras, sem dúvida, mas racionaliza
ções, apesar de tudo. E, sendo elas o que são, o normal é que sejam pron
tamente detectadas por quase todo o mundo e tendam a não ser muito
convincentes, independentemente de sua maior ou menor sinceridade.
Nesse caso, racionalizações estão muito longe de ser tão convincentes,
para a maioria das pessoas, quanto os argumentos econômicos a curto
prazo usados para justificar a preservação de recursos “reais”, como o
petróleo e a madeira.
Numa sociedade capitalista, qualquer pessoa ou empresa que tra
tasse os não-recursos como se fossem recursos faliria provavelmente aí
pela época de receber a primeira medalha por relevantes serviços públi
cos. Numa sociedade socialista, o resultado seria o não-cumprimento de
quotas de crescimento, o que pode ser tão desagradável quanto a falènda
a partir de um ponto de vista pessoal. As pessoas não estão preparadas
para chamar a alguma coisa um recurso por causa de considerações a
longo prazo ou probabilidades estatísticas que possam vir a ser. Por ra
zões análogas, a maioria das populações ocidentais está disposta a conti
nuar vivendo nas vizinhanças de usinas nucleares e respirando fibras de
amianto. Os humanistas não gostam de preocupar-se com perigos que es
tão longe da vista, sobretudo quando o “conforto” material está em jogo.
Se examinarmos o último item na lista, o “valor coaservador” de não
recursos, a dificuldade toma-se imediatamente óbvia. O valor camômico,
neste caso, é remoto e nebuloso; é proteção contra umsíls desagradáveis que
possam ocorrer durante a noite, os perigos desamhecidos de uma mudança
irreversível. N ã o só o risco é neb u loso, m as se um perigo se caracteriza
co m o resultado da perda d e um não-recurso, p od e ser im p o ssív e l provar
ou m esm o detectar a con exão. M esm o n os c a so s em que parece provável
que a perda d e um n ão-recu rso d ese n c a d e ie m u d an ças in d e se já v e is a
lo n g o prazo, a argum entação pode ser com p lexa e técnica dem ais para
ser m uito persuasiva; poderá até contrariar a crença popular.
U m e x e m p lo e x c e le n te , em bora n ão-p rem ed itad o, d este ú ltim o
ponto fo i fornecido p elo eco lo g ista D avid O w en e, independentem ente,
p e lo san itarista W .E . O rm erod. A firm aram e le s qu e a m o sc a tsé -tsé ,
transm issora da doença de gado tripanossom íase, pode ser esse n c ia l ao
bem -estar de vastas áreas da Á frica a o su l d o Saara, porque m antém o
gado fora das regiões propensas ao e x c e sso d e pastagem e conseq ü en te
form ação do deserto. M as o s programas d e erradicação da tsé-tsé p ro sse
guem a todo o vapor.
Por causa da grande com p lexid ad e das relações am bientais e da in
fin id ad e de in terlig a çõ es entre ob jeto s e a c o n tecim en to s na N atureza,
também é p o ssív e l que e co lo g ista s e am bientalistas partam para o ex tre
m o op o sto e postulem co n seq ü ên cias futuras a partir d e acon tecim en tos
presentes quando, na verdade, é im provável qu e exista qualquer lig a çã o
ou relação causal. Há m esm o aq u eles que, avançando m uito além da p o
siç ã o e c o lo g ic a m e n te a c e itá v e l, ainda q u e h u m a n ística , d e L eo p o ld ,
pressupõem que tiido na Natureza é esse n c ia l à sob revivên cia d o m undo
natural porque a ev o lu çã o assegura que tudo está aqui para um propósito
ou um a razão im portante. R. AUen, por e x em p lo , resum iu num a revista
de divu lgação cien tifica suas razões para apoiar-se estritam ente em argu
m entos de recursos com v istas à preservação da riqueza da Natureza: o
clim a e co n ô m ico é agora d e tal ordem , observa e le , que
Riscos Adicionais
Mesmo quando é inteiramente legítimo encontrar valores humanísti-
cos para antigos não-recursos, pode ser arriscado, de um ponto de vista de
conservação, fazer isso. O que acontece é que descobrir um papel de recurso
para essas partes outrora sem vaha de Natureza revela-se uma semi-solução,
e não tarda a aparecer uma série de problemas residuais. Os ecologistas J.
Gosseünk, Eugene Odum e seus colegas realizaram uma investigação para
descobrir o “valor” dos mangues justamarítimos ao longo da costa sudeste
dos Estados Unidos, investigação essa que — apesar de sua elegância cien
tífica — pode servir como ilustração desses riscos.
A finalidade do projeto era estabelecer um valor monetário defini -
do para os mangues, baseado em propriedades de recurso concreto. Por
tanto, os valores estéticos não foram considerados. As propriedades
estudadas compreendiam a ação dos mangues na remoção de poluentes
das águas costeiras (uma espécie de tratamento terciário dos esgotos),
produção de peixe para pesca espx>rtiva e como fonte de alimento (os
mangues servem de “berçário” para o peixe novo), o potencial para a
aquacultura e uma série de outras funções difídeis de quantificar. O va
lor final do mangue inato foi calculado em 82.940 dólares por meio hec
tare. Embora o cálculo fosse complexo e especulativo, o qual poderia ser
concebivelmente contestado por alguns ecologistas, estou perfeitamente
disposto a aceitá-lo. Os mangues salinos são valiosos.
Chamar a atenção para o seu valor será a melhor maneira de con
servar os mangues salinos? Se um dado mangue valesse menos quando
colocado em uso concorrente do que em sua condição intata, a resposta
poderia ser “sim”, desde que o mangue fosse de propriedade pública.
Mas a descoberta do valor pode ser perigosa; com efeito, renuncia-se a
todo direito para rejeitar os pressupostos humanistas.
Em primeiro lugar, qualquer uso concorrente com um valor supe
rior, por menos que seja o diferencial, teria direito à prioridade no uso da
região do mangue. Como a grande maioria dos usos concorrentes são ir
reversíveis, um subseqüente aumento relativo no valor da terra algadiça
chegaria tarde demais. De um modo geral, não demolimos apartamentos
luxuosos a fim de recuperar mangues justamarítimos.
Em segundo lugar, os valores mudam. Se, por exemplo, é desco
berto um novo processo e o tratamento terciário do esgoto fica subita
m ente menos dispendioso (ou se o esgoto adquire valor como m a
téria-prima), então descobriremos, de um instante para outro, que os
mangues de maré passaram a “valer” muito menos do que antes.
Em terceiro lugar, a implicação do estatuto é que tanto as qualida
des valiosas quanto as sem valor do mangue são todas conhecidas e iden
tificadas. Inversamente, isso significa que as qualidades do mangue
salino a que não foi atribuído um valor convencional não são muito im
portantes. Esse é um pressuposto deveras perigoso.
Em quarto lugar, C.W. Clark calculou que lucros rápidos decor
rentes da exploração imediata, mesmo ao ponto de extinção de um recur
so, são com freq ü ên cia econom icam ente su p erio res aos lucros
continuados, a longo prazo, que poderiam ser gerados pelo recurso inta-
to. Esse princípio econômico foi demonstrado pela indústria baleeira, es
pecialmente no Japão, onde se percebeu que o dinheiro obtido da rápida
extinção comercial das baleias pode ser reinvestido em várias indústritus
de “crescimento”, e os lucros totais serão, em última análise, maiores do
que se as baleias tivessem sido caçadas num ritmo que lhes permitisse
sobreviver indefinidamente. Em outras palavras, descobrir um valor para
alguma parte da Natureza não é garantia de que seja racional para nós
preservá-la; o inverso pode prevalecer.
r rt
Sugere-se que, se oferecida para doação [ao Estado do Texas], uma área
só seja aceita quando o seu escore de área natural exceder os escores mé
dios do mesmo tipo, ou de tipo semelhante, de comunidade no sistema em
vigor de reserva de áreas naturais.
Dos animais puros e dos que não são puros, das aves e dos répteis terres
tres, entraram de dois em dois com Noé na arca, o macho e fêmea, confor
me ordenara Deus a Noé. (Gênesis, VII; 8-9)
E um excelente precedente.
Valores Não-Econômicos
A tentativa de preservar não-recursos encontrando para eles um
valor econômico produz uma satisfação de duplo vínculo. Boa parle do
valor descoberto para não-recursos é indireto, no sentido de que consiste
em evitar problemas que poderiam, em outras circustâncias, surgir .sc os
não-recursos se perdessem. Essa é a base do duplo vínculo. Por um lado,
se o não-recurso é destruído e nenhum desastre sc scguc,o argumento da
conservação perde toda a capacidade para inspirar crédito. Por outro
lado, se o desastre se segue à extinção de um suposto não-recurso, pode
fícar impossível provar a conexão entre os dois acontecimentos.
Um modo de evitar esse duplo vínculo consiste em identificar os
valores «áo-econômicos inerentes a todas as comunidades e espécies na
turais, e atribuir-lhes uma importância pelo menos igual à dos valores
econômicos indiretos. A primeira dessas qualidades universais poderia
ser classificada como o valor da “arte natural”. Foi expressa de maneira
magistral pelo grande naturalista Archie Carr, em seu livro Ulendo:
Seria causa de fúria mundial se os egípcios resolvessem extrair pedras das pi
râmides, ou os franceses permitissem que moleques apedrejassem o Louvre.
Seria o mesmo se os norte-americanos constraíssem represas no Vale do Co
lorado. A reverência por paisagens originais é uma das humanidades. Foi a
primeira humanidade. Calculada em termos de nervos e humores humanos,
não há diferença do valor de uma obra de arte e de uma obra da natureza. Exis
te, porém, uma diferença. [...] Qualquer arte poderá, de algum modo, algum
dia, ser substituída — a sinfonia total da paisagem da savana, nunca.
Esse ponto de vista não é comum e leva tempo para nos acostu
marmos a ele mas, segundo parece, está ganhando popularidade. Num
artigo sobre os ameaçados micos-leões do Brasil, minúsculo e colorido
primata das matas atlânticas, A.F. Coimbra Filho expôs a noção arte na
tural numa declaração franca e ponderada que é notavelmente semelhan
te a cituação anterior:
Essa arte natural, ao contrário da arte feita pelo homem, não possui
valor econômico, seja direta ou indiretamente. Ninguém a pode comprar
ou vender por sua qualidade artística, nem sempre estimula o turismo e
tampouco ignorá-la causa, por essa razão, alguma perda de bens, ou ser
viços, ou œmunidades. É distinto do valor de recurso estético e recreati
vo descrito anteriormente e pode aplicar-se a comunidades ou espécies
que nenhum turista se desviaria um único quilômetro para ir ver, ou a
qualidades que nunca são reveladas numa observação casual.
Livre como está de alguns dos problemas associados aos debates
em tomo de recursos, o fundamento lógico da conservação da arte natu
ral é, não obstante, à sua própria maneira, um pouco inventado e um pou
quinho confuso. Em primeiro lugar, apresenta o tipo de problema de
classifição que examinei acima. Se é válida a analogia com a arte, não
seria de se esperar que todas as partes da Natureza tenham igual valor ar
tístico. Muitos críticos diriam que El Greco foi um pintor mais importan
te do que Norma Rockwell mas será a savana de Seregenti artisticamente
mais valiosa do que a tundra de pinheiros de Nova Jérsei ou as dunas
costeiras de Ainsdale-Southport, em Lancashire? Se assim fosse, o que
aconteceria nesse caso?
Mesmo que admitamos que o argumento artístico para a conservação
não tem que favorecer esse tipo de comparação, ainda existe algo de errado,
pois o conceito de arte natural ainda tem suas raízes na mesma cosmovisão
humanfetica, homocêntrica, que é responsável por ter trazido o mundo natu
ral, inclusive nós próprios, para a sua atual condição. Se o mundo natural vai
ser conservado meramente porque é artisticamente estimulante para nós, en
tão ainda o estaremos conservando por razões egoístas. Há ainda uma con
descendência e uma superioridade ímplídtas na atitude dos seres humanos,
os pais indulgentes, para com a natureza, a bela criança problemática. Essa
atitude não está em harmonia com as descobertas inspiradoras de humildade
da ecologia nem com a cosmovisão ecológica, enfatizando o encadeamento
e a imensa complexidade do relacionamento humano com a natureza, que
caracteriza agora um importante setor do pensamento conservacionista.
Tampouco está de acordo com o crescente bloco de sentimento essendal-
mente religioso que aborda a mesma posição — igualdade nesse relaciona
mento — a partir de uma direção não-dentífica.
O Princípio de N oé
Os expoentes da arte natural prestaram-nos um grande serviço, ao
estarem entre os primeiros a assinalar a natureza insatisfatória de íilgu-
mas das razões econômicas representadas para apoiar a conservação.
Mas algo mais se faz necessário, algo que não depende de valores huma-
nísticos. Charles S. Elton, um dos fundadores da ecologia, indicou um
outro valor de não-recurso, a razão fudamental para a conservação e a
única que não admite concessões nem transigências:
porque é uma relação correta entre o homem e as coisas vivas, porque ofe
rece oportunidades para uma experiência mais rica e porque tende a pro
mover a estabilidade ecológica — resistência ecológica a invasores c a
explosão nas populações nativas.
Ele afirmou que essas razões podiam ser harmonizadas e que, reuni
das, poderiam gerar um “sábio princípio de coexistência entre o
homem e a natureza.” Desde que essas palavras foram escritas, igno
ramos essa harmonia dos fundamentos lógicos da conservação, repe
lindo a primeira razão, ou razão religiosa, como embaraçosa ou
ineficaz, e confiando em provas racionais, humaníslicas e “solidtimen-
te científicas” de valor.
Não estou tentando desacreditar todos os usos econômicos e egoís
tas da Natureza nem recomendar o abandono das bases racionais do
recurso para a conservação. O egoísmo, dentro de limites, é necessário à
sobrevivência de qualquer espécie, inclusive a nossa. Além disso, se
confiássemos exclusivamente em motivações de não-recurso para a con
servação, acabaríamos descobrindo, dado o atual estado da opinião mun
dial e das aspirações materiais, que em breve nada restaria para conservar.
Mas fomos excessivamente descuidados em nosso uso de argumentos de
recursos — distorcendo-os e exagerando-os para fins a curto prazo e
consentindo que eles confundissem e dominassem o nosso pensamento a
longo prazo. As razões de recurso para conservação podem ser usadas, se
honestas, mas devem ser sempre apresentadas em conjunto com as razões
não-humanistas, e cumpre deixar claro que as últimas são mais importan
tes em todos os casos. E quando uma comunidade ou espécie não tem
valor econômico conhecido ou outro valor para a humanidade, é tão
desonesto e imprudente inventar fracos valores de recurso para essa
comunidade ou espécie quanto é desnecessário abandonar o esforço para
conservá-la. O seu valor não-humanístico é suficiente para justificar a sua
proteção — mas não necessariamente para garantir sua segurança nesta
cultura mundial obcecada pelo humano.
Tentei mostrar neste capítulo a complexidade diabólica e a astúcia
da armadilha dos humanistas. “Você ama a Natureza?”, perguntam eles.
“Quer salvá-la? Então diga-nos para que ela serve.” A única saída para
essa espécie de armadilha, se é que há uma saída, é esmagá-la, rejeitá-la
com veemência. Esse é o realismo final; chegaremos a ele mais cedo ou
mais tarde — se mais cedo, então com menos sofrimento.
Os argumentos não-humanísticos só terão plena e merecida impor
tância depois que tiverem mudado as atitudes culturais hoje predominan
tes. M ovim entos m issionários m oralm ente sustentados, com o as
sociedades filantrópicas, estão atuando muito bem hoje em dia, mas não
alimento ilusões sobre a probabilidade de uma mudança ética em nossa
cultura faustiana sem o estímulo de alguma catástrofe geral.
Nem todos os problemas têm soluções aceitáveis; não tenho cons
trangimento em prever uma aqui. Por um lado, os conservacionistas, em
termos gerais, não terão êxito usando unicamente a abordagem do recur
so, e prejudicarão com freqüência a sua própria causa. Por outro lado,
uma combinação eltoniana de argumentos humanistas e não-humanistas
também pode fracassar, e se for bem-sucedida, como Mumford deu a en
tender em “Prospect”, será provavelmente por causa de forças que os
conservacionistas não esperavam nem controlavam:
Como freqüência, os fatores mais importantes na determinação do •'uturo
são os irracionais. Com “irracional” não quero dizer subjetivo nem neuró
tico, porque, do ponto de vista da ciência, qualquer pequena quantidade
ou ocasião única pode ser considerada irracional, uma vez que não se
presta ao tratamento estatístico nem à observação repetida. Sob esse título,
temos de levar em conta, quando considerarmos o futuro, a pos.sibilidade
de milagres. [...] Por milagres não entendemos algo foia da ordem da na
tureza, mas algo que ocorre tão infreqüentemente e que provoca uma mu
dança tão radical que não se pode in clu í-lo em nenhuma previsão
estatística.
Misantropia e a Rejeição do
Humanismo
Os sermões eram exortações morais, livres de
noções abstratas e repletos de aplicação práti
ca, que o caráter virtuoso e ascético do prega
dor tornava ainda mais impressionantes. [...] O
mais poderoso argumento usado não era a
ameaça de Inferno e Purgatório mas, antes, os
resultados palpáveis da “maledizione”, a ruína
temporal infligida ao indivíduo pela maldição
que adere à malfeitoria. [...] E só assim podiam
os homens, mergulhados em paixões e culpa,
ser levados ao arrependimento e à regeneração
que era o principal objetivo desses sermões.
JAKOB BURCKHARDT
The Civilization o f the Renaissance in Italy
Se fosse possível segui-lo até as suas raízes psi
cológicas, descobrir-se-ia, acredito, que o princi
pal motivo para o “desprendimento” é um desejo
de escapar à dor de viver e, sobretudo, ao amor,
o qual, sexual ou não-sexual, significa trabalho
árduo. Mas não é necessário argumentar aqui se
o ideal ascético ou o ideal humanístico é “supe
rior”. A questão é que eles são incompatíveis.
GEORGE ORWELL,
“Reflections on Gandhi”
Sinto-me, no começo, apavorado e confuso
com essa triste solidão, na qual estou colocado
em minha filosofia, e imagino-me algum estra
nho monstro que, não sendo capaz de conviver
em sociedade, foi banido de todo relaciona
mento humano e largado no mais profundo e
sombrio abandono. De bom grado correria
para a multidão em busca de abrigo c calor;
mas não consigo persuadir-mc a estabelecer
relações eom tal deformidade. [...] IX'clarei a
minha desaprovação de seus sistemas; e posso
ficar surpreendido se eles expressarem sua
aversão ã minha pessoa?
DAVID IIUME,
A Treatise o f lliunan Nature
T
Ele próprio sustentava que sua influência pessoal era o resultado de uma
iluminação divina e pôde, portanto, sem presunção, atribuir um lugar muito
elevado ao ofício de pregador, o qual, na grande hierarquia dos espíritos,
ocupa, segundo ele, o lugar imediatamente abaixo dos anjos.
U'i.
■■i.. . t
à supressão da distinção entre sonhos nacionalistas e realidade. Imagina-
se que o que se quer e se deseja que aconteça está realmente acontecendo.
É claro, não é necessário ser profundamente nacionalista para ceder à
racionalização de desejos, mas o incentivo de um grupo amistoso facilita
a auto-sugestão.
Embora não haja muitos não-humanistas por aí, existem alguns —
mais do que isso, são muitas as pessoas que têm algumas crenças, sonhos,
antipatias e inimigos em comum com os adversários do humanismo;
naturalistas e amantes da natureza, antitecnólogos, conservacionistas de
todos os tipos, populistas, certas pessoas religiosas, inimigos da burocra
cia e da despersonaüzação, etc. Seus desejos tenderiam a conceder crédito
à crença de que a sociedade moderna não funciona muito bem e de que a
organização está, se não em processo de desintegração, pelo menos
ingressando numa fase de declínio. Nesse contexto, toda deficiência, todo
fracasso, da sociedade moderna, por mais insignificantes ou temporários
que possam ser, poderão ser vistos como um presságio, e saudados com
júbilo ou, pelo menos, com tranqüila satisfação. É fácil perder a perpec-
tiva sob tal influência, ser arrebatado por um sentimento de justifiaição
pessoal. Afinal de contas, no momento em que escrevo estas linhas, não
houve nenhum colapso global (pelo menos, nenhum que seja óbvio) de
organização ou invenção humanista e, inegavelmente, os habitantes dos
países mais confessadamente humanísticos e “progressivos” ainda estão
vivendo mais tempo e com mais luxo do que o resto dos habitantes do planeta.
Um outro motivo para contaminação resulta de um sentimento cada
vez mais comum de raiva frustada e impotente — a raiva especial
daqueles que sabem que são impotentes para afetar as forças que os
ameaçam. Essa raiva é o sentimento produzido num adversário da energia
nuclear que paga a conta da luz elétrica sabendo que o seu dinheiro
ajudará a prover os salários dos tecnólogos nucleares, seu exército de
pessoal de relações públicas e suas gigantescas contas de despesas. É o
sentimento produzido quando um grupo unido e irado de seus vizinhos,
numa reunião pública, instruído por engenheiros federais financiados
pelos impostos, presume que a sua oposição ao “controle de enchentes”
por meio de represas e comportas deve querer dizer que você vive em
terras altas e pouco está ligando, realmente, para o que possa acontecer
aos outros. É o sentimento produzido quando lhe dizem que sua filha na
escola maternal deve ser examinada por um psicólogo para ver se ela pode
sobreviver à passagem para o jardim de infância (embora ela e suas
professoras digam que a menina está perfeitamente apta) e, depois que a
promoção recebeu o beneplácito da ciência, você recebe a a>nta pela
consulta do “especialista”. É o sentimento produzido quando você se dá
conta de que toda vez que o supermercado de sua cidade se expande, o
número de variedades de produtos alimentícios basicamente diferentes
que ele oferece declina; e quando você se percebe também de que, para
manter o tipo de “eficiência” que expulsou do mercado todos os pequenos
comerciantes — quitandeiros, açougueiros, etc. — locais, esse super
mercado tem que sustentar uma rede gigantesca de fabricantes de enlata
dos e intermediários na comercialização de todo e qualquer artigo, cuja
participação substancial nos lucros significa menos dinheiro para os
agricultores, o que, por sua vez, significa que só podem sobreviver as
gigantescas agroindústrias com seus modernos métodos de alta produti
vidade, o que, por sua vez, significa finalmente que você não pode mais
comprar carne sem DES ou possivelmente até PBB, cenouras sem DBCP,
frangos sem tctradclina ou milho sem metabolitos de atrazina, nem
poderá comer maçãs e batatas sem ser um acessório para o extermínio de
abelhas, borboletas e minhocas — a menos que você tenha muitíssimo
dinheiro ou viva nas cercanias de uma cooperativa de alimentos orgânicos.
Para alguns que estão preocupados, como muitos de nós estamos,
com a injustiça e têm consciência da enorme dificuldade pessoal para
levar a efeito alguma ação significativa contra ela, ou até mesmo em saber
por onde começar, pode haver um secreto consolo numa profecia de
destruição global ou, numa forma não tão extrema, de colapso econômico
generalizado que acarrete o desmoronamento da sociedade moderna.
Embora compreensível, essa espécie de motivação parece sórdida e
ignóbil; tem uma aura de maldade. Nada existe de heróico ou inspirador
no tipo de fraqueza que leva alguém a dizer coisas terríveis a respeito dos
seus adversários. OrweU captou muito bem esse sentimento quando
escreveu, em “The Lion and the Unicom”, sobre “as críticas irresponsá
veis de pessoas que nunca estiveram nem esperam estar nunca numa
posição de poder”. Ele não se referia ao anti-humanismo ou às previsões
catastróficas, mas suas palavras nem por isso são menos apropriadas.
Uma última fonte de contaminação é sugerida pelos comentários de
OrweU num ensaio intitulado “Politics versus Literature: An Ej?amination of
Gulliver’s Travels”. Ao aprofundar a análise da loucura final de Swif e da
quase loucura de Toktói, ele descobre elementos comuns que, para mim, são
uma reminiscência de parte do espírito anti-humanista. Envolvendo uma
rejeição de toda a sociedade humana, essa parte está mais perto da verdadeira
misantropia do que qualquer outra já por mim citada.
Swift tem muito em comum — mais, creio eu, do que tem sido assinalado
com Tolstói, um outro descrente da possibilidade da felicidade. Em
ambos os homens temos a mesma perspectiva anarquista recobrindo uma
disposição de espírito autoritária; em ambos uma análoga hostilidade à
ciência [grifo meu], a mesma impaciência com adversários, a mesma
incapacidade para discernir a importância de qualquer questão que não
fosse de interesse para eles; e, em ambos os casos, uma espécie de horror
ao processo de vida, embora no caso de Tolstói lhe tivesse ocorrido mais
tarde e de um modo diferente. A infelicidade sexual dos dois homens não
era da mesma espécie mas havia isto em comum: em ambos uma sincera
aversão estava misturada com um fascínio mórbido.
“No sétimo ano, no mês de Kislev, o rei de Acádia (Babilônia) reuniu suas
tropas, marchou para a terra de Hatti e sitiou a ’’cidade de Judá" [Jerusalém],
e no segundo dia do mês de Adar ocupou a cidade e capturou o rei.“
ntes de ler este capítulo final, peço ao leitor que ponha de lado a
zes de resolver tudo a contento do que para acreditar que tudo o que é
bom está chegando a um fim permanente.
Um outro argumento falso que devemos eliminar desde o começo
é a acusação de “caverna e margem do rio”. Dizem os defensores do pro
gresso perpétuo: “Vocês não vão, certamente, querer que voltemos a fa
zer sabão de banha de porco e hxívia, e a bater as nossas roupas sujas nas
pedras da margem de um rio! Deveremos abandonar os nossos medica
mentos modernos, as nossas comunicações, os nossos transportes rápi
dos e seguros, e voltar a pé, extenuados, às cavernas? Com cérebros
como os nossos, por que viver como animais?”
Eis uma questão que não faz o menor sentido fora de um contexto
humanista, porque se baseia no pressuposto de que podemos agir como
mais nos agrade. Obviamente, poucos de nós querem viver em cavernas.
Mas 0 que queremos é, com freqüência, uma coisa separada do que real-
mente acontece, e nem por um minuto acredito que as duas coisas coin
cidam no futuro. Isso é, em parte, porque queremos muitas coisas
diferentes, muitas das quais são mutuamente incompatíveis. Enquanto
houver máquinas de lavar “modernas”, a maioria dos que podem adqui
ri-las continuará, sem dúvida, usando-as; e se chegarmos ao ponto em
que só houver pedras nas margens dos rios, então, se quisermos ter nos
sas roupas lavadas e houver margens de rio por perto, usaremos as pe
dras. Ou poderá haver outras alternativas que os hum anistas não
consideraram. A questão, porém, é que não é correto imputar uma nos
talgia do desconforto e do trabalho cansativo aos adversários dos pressu
postos humanistas, apenas porque não acreditamos no sonho humanista.
A Política do Anti-humanismo
Não tenho nenhuma predileção especial por um partido político ou
por uma filosofia política, e esforcei-me ao máximo para evitar que este
hvro se tornasse político. A política e as convicções políticas são, em ge
ral, humanísticas em sua essência — só diferem da tecnologia em que
pretendem oferecer um caminho para a salvação através da aplicação da
teoria e do planejamento sócio-econômicos, em vez de fazê-lo através da
aplicação da ciência. Como mera variedade de expressão humanista — e
não uma com que eu esteja particularmente familiarizado —, o tema é
Expectativas e Opções
A verdadeira perspectiva, até onde me é permitido calcular as p ro
babilidades. é muito sombria, c qualquer pensamento sério deve partir
desse fato.
GEORGE ORWELL, "TowarãEuropcan
Unity”
... e em cada época surgirão coisas que são novas e não foram prenun
ciadas porque não promanam do passado.
J.R.R. TOLKIEN, The Silmarillion
“Deus criou o homem e criou o mundo para o homem viver nele, e acho
que Ele criou a espécie de mundo em que teria querido viver se Ele fosse
um homem — o chão para caminhar, os grandes bosques, as árvores e a
água, e os animais selvagens para ali viverem. E talvez Ele não tenha pos
to no homem o desejo de caçar e matar animais, mas acho que Ele sabia
que, estando a caça acessível ao homem, este acabaria aprendendo por si
mesmo a fazê-lo, uma vez que ainda não era ele próprio um Deus...
“Colocou-os aqui, ao homem, e aos animais que este perseguiria e ma
taria, prevendo tudo. Acredito que Ele disse: ‘Assim seja’. Acho que Ele
até previu o fim. Mas Ele disse: ‘Dar-lhe-ei sua oportunidade. Também
lhe darei advertência e presciência, juntamente com o desejo de perseguir
e o poder de matar. Os bosques e campos que ele assola e a caça que de
vasta serão a conseqüência e a assinatura do seu crime e da sua culpa, c
sua punição.”
Não admira que os bosques arruidados que eu costumava outrora per
correr não clamem por retaliação!, pensou ele: as pessoas que os destruíram
se encarrgarão de levar a cabo também a sua vingança.
O Espírito Humano
D e qualquer modo, a primavera chegou, até em Londres N.l, e eles tuio
podem impedir que você a desfrute. Essa é uma reflexão satisfatória.
Quantas vezes fiquei observando os sapos acasalarem-se, ou um par de
lebres travando uma luta de boxe no jovem milharal, e pense em Kxlas as
pessoas importantes que, se pudessem, me impediríam de desfrutar isso.
Mas, felizmente, não podem. [...] a primavera ainda é primavera. A.v bom
bas atômicas estão empilhando-se nas fábricas, a polícia está fazendo
suas rondas nas cidades, as mentiras jorram dos alto-falantes, mas a Ter
ra ainda está girando em torno do Sol, e nem os ditadores nem os buro
cratas, p o r mais profundamente que desaprovem o processo, podem
impedi-lo.
GEORGE ORWELL,
“Some Thoughts on the Common Toad"
[Ao homem] foi consentido governar o mundo durante seis dias por
I vontadedeDeus. N o sétimo dia, porém, está proibido por mandado divino
de dar forma a qualquer coisa que seja útil a seus propósitos. Desse modo,
reconhece que não tem direitos de propriedade nem autoridade sobre o
mundo...
... Portanto, até o menor trabalho realizado no Sabá é uma negação do
fato de que Deus é o Criador e o Senhor do mundo. É uma arrogante
pretensão do homem como seu próprio senhor. ...se alguém engendrou,
sem o menor esforço, uma mudança, por ínfima que seja, num objeto para
fins humanos, então profanou o Sabá...
No entanto, para ter êxito em qualquer coisa, seja o que for, uma [x;.s.soa
deve entregar-se compreensivamente ao seu trabal ho e estar prcpartida para
qualquer emergência. Quando relembro as minhas prtiprias c pequenas
realizações, vejo um jogo não muito sofisticado de ferramentas de carpin
teiro, um relógio de lata e algumas tachas para tapetes, não muitas, para
facilitar o empreendimento, como já foi mencionado na história. Mas,
acima de tudo, tinham que ser levados em conta alguns anos de escolari
dade, quando estudei com diligência as leis de Netuno, e a essas leis tentei
obedecer quando viajei no Ultramar; valeu a pena.
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7
Referências
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2. M ko
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'I
índice Remissivo
M
O
Maddox, John, 169
Odum, Eugene, 156
“Maledizione”, 167,181
“O Homem de Seis Milhões de Dóla
Mal thus, 11,185
res”. Ver Biônico, Homem Oleo
Mangues salinos, 146,156
duto Trans-Alasca, 95
Mao, 195
O’Neill, Gerard, 39
Margalef, Ramón, 151
Organização, 106-108,118,131,
Maritain, Jacques, 134
171,185-193,197
Marlowe, 30
Ormerod, W.E., 9 0 ,1 4 8
Ma/sh, George P., 149 Orwell, George, 1, 1 0 ,1 2 -1 3 , 44,
Marxismo. Ver Comunismo 99, 1 0 8 ,1 3 5 , 167, 170, 172,
Mateus, Evangelho de, 135,137 176, 178, 192, 198, 203, 205
Maurício, 149 Otimismo, 183-184
Máxima produção ininterrupta, 87-88 Owen, D.F., 126,148
Mayr, Ernest. 66 Owen, John, 154
May, Robert, 152
Medawar, Sir Peter, 70
Menonitas, 204 Paisagens cultivadas, 200, 202
Meton, 109 Paisagens, Ver Paisagens cultivadas
M icos-leôes, 160 Paleoncéfalo, 1 0 5 ,1 0 9 ,1 1 2 ,1 3 2
Milho de citoplasma T, 36, 92 Parker, lan, 154
“Modelo”, uso de, 114 Patrick, Ruth, 144
Monoculturas, 92,143 Pediculária, 147
Montanheses, 87 Pensamento mágico, 59-63
Morgenstern, Oskar, 87, 98 Pessimismo, 177,183
Pesticidas. Ver Herbicidas e Inseticidas Rosenhead, Jonathan, 58
Pinchot. Gifford, 138
Pirsig, Robert, 132-134
Planejamento, 46-47,143 Sabá, 206-207
Platão, 109,115,132-133 Salinidade dos solos, 85, 91
Poluição, controle da, 93 Sapo de Houston, 138, 150
Poluição, indicadores de, 144-145 Savonarola, Girolamo, 168, 180
Pombos bravos (extintos) norte-ame Schneider, Pierre, 82
ricanos, 150 Schumacher, E.F., 49, 193, 203
Pós-histórico, período, 107,176
Schwartz, Eugene, 83, 8 7 ,9 8
Preservação da Natureza (Estados
Schweitzer, Albert, 3
Unidos), 139
Seidenberg, Roderick, 49, 105-109
Pressupostos do humanismo, explica
Seldon, Hari, 19-20, 22, 27, 49, 50
ção dos, 12-14
Semi-soluções, 83-87, 98, 156, 185
Previsão, limites de, 38, 49-51, 97-
Serengeti, 154,161
98,185
Shapley, Deborah, 123
Previsões metereológicas, 3 8 ,5 0
Shelley, Mary, 30
Problemas residuais, 83-86, 8 8,108,
Sherrington, C.S., 45
175
Siberianos, rios, 85
Produto final, análise de, 45-48, 56-
57, 59, 67, 72, 84, 98,191 Siekevitz, Phillip, 74
Profecias de catástrofes, 169,172, Sierra Club, 140
179-180 Sinsheimer, Robert, 74, 75
Projeto ambiental, 38-40, 94 Sistema de Bem-Estar Social (Esta
Psico-história, 19,21, 23, 25,44 dos Unidos), 195
Psicológicos, testes, 23-Z5, 55-57, Skinner, B.F., 21, 59-62,134
59,103 Slocum, capitão Joshua, 209
Snezhnevsky, Andre, 117
Socialismo, 194
Q
“Qualidade”, 1 3 3 ,1 3 4 ,1 7 6 ,1 9 2 ,2 0 0 Solos. VerSalinizüção dos solos
Quarto Mundo, 204 Southern, H.N., 102
Stálin, Joseph, 15
R Stamp, Sir Dudley, 46
Randall, John Herman Jr., 14 “Star Trek” (Jornada nas Vstrelas), 28
Rasmussen, Relatório, 119,123-126 Stone, C.D., 162
Ratos (Noruega), 101-103,125 Sucessão ecológica, 89, 151
Recombinaço. Ver Genes, Transfe Sul-africanos, 18
rência de Sundstrom, Eric, 112-113
Recursos, definição de, 138,149 Swift, Jonathan, 17.3, 176
Reddaway, Peter, 117 Szilard, Leo, 111, 186
Renascença, 8 ,1 6 8
Represas, 85,171
Revolução Verde, safras de, 91 Tadmor, Hayim, 179
Rockwell, Norman, 161 Tecnologia intermediária, 20.3
Tecnologia. Ver Tecnologia interme Varíola, vírus da, 163
diária Vicunha, 141
Teilhard de Chardin, Padre, 186 Vietnã, 8 7 ,1 1 0 ,1 4 1
Televisão, 176,189 Vitrais da Catedral de Chartres, 34,
Tennessee ValleyAuthority (TVA), 195 81-84
Texas, 158 Von Neumann, John, 87,98'
Thoreau, 132
Tocqueville, Alexis de, 181
Tolkien, J.R.R., 194, 198, 201, 204
w.z
Wald, George, 97
Tolstoi, 172
Wallace, Robert, 10-11
Torá, 134
Wedgwood. C.V., 5 1 ,5 4
Tranquilizantes, 68
Weiss, Paul, 69, 93
Tripanossomíase, 9 0 ,1 4 8
Wells, H.G., 27, 63, 64
Tsé-Tsé, mosca, 148
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u.v Wodehouse, P.G., 113
União Soviética, 3 7 ,8 5 ,1 1 7 ,1 9 5 , 207 Wordsworth, 14
Ussher, bispo James, 17, 76 Wright, H.E.Jr., 143
Zeeman, E.C., 26, 58
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