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ASPECTOS DA CRÍTICA LITERÁRIA NO SÉCULO XIX

AMARAL, Daniela Vieira

Universidade Federal do Rio Grande

Em junho de 1852, O Pelotense, primeiro jornal da cidade de Pelotas


(1851-1855), publicou uma crítica literária da Revista Universal Lisbonense a
respeito do livro de poesias Dores e flores, de Emílio Augusto Zaluar (1826 –
1882). Embora no jornal não haja nenhuma informação concernente à autoria da
crítica, averigua-se que na própria revista o autor identifica-se com a letra “C.”1
É inegável a importância da relação entre jornais, folhetins e história da
literatura. Socorro de Fátima Pacífico Barbosa afirma a necessidade de análise dos
pontos de contato e influências entre a imprensa brasileira e a literatura do século
XIX e, ao discorrer sobre essa temática, cita uma indagação de Antônio Candido
sobre a dívida da literatura para com os jornais: “Quem sabe quais e quantos
desses subprodutos influíram na formação do nosso romance? Às vezes mais do
que os livros de peso em que se fixa de preferência a atenção” (BARBOSA, 2007,
p. 23 – 24).
O objetivo deste trabalho é demonstrar a possibilidade de, através do
estudo da crítica literária sobre Dores e flores, realizar-se uma análise acerca de
diversos itens relacionados à teoria e à crítica literária. Para esse intento, o estudo
apresenta fundamentações em materiais de diversos autores, tais como Northrop
Frye, Roman Witold Ingarden, Anatol Rosenfeld, Umberto Eco, Leyla Perrone-
Moisés, assim como Dicionário de Símbolos e História da Literatura Portuguesa,
entre outros.
Roman Ingarden estuda a estrutura da obra literária por meio de uma
“análise da sua estratificação ôntica, no intuito de apresentar uma ontologia geral
de toda obra escrita ou composta de palavras e orações” (INGARDEN, 1960, apud
ROSENFELD, 1976, p. 17). Segundo o crítico, a estrutura de uma obra literária
deve ser analisada segundo uma teoria de estratificações. O estudo deve ser
intrínseco, voltado para a obra em si mesma; utilizando-se, para isso, de quatro
estratos (ou camadas), quais sejam: estrato fônico, estrato das unidades de
significação, estrato das objetividades apresentadas e estrato dos aspectos
esquematizados, além da camada dos sinais tipográficos impressos no papel
(letras).
A crítica examina e explora o estrato das unidades de significação (léxico,
sintaxe, figuras de linguagem, campos semânticos etc.) ao buscar o significado
simbólico dos dois substantivos femininos do título: dores e flores. De acordo com o

1
Revista Universal Lisbonense. Segunda série. Tomo IV. Undecimo anno: 1851 – 1852, p. 298.
Disponível em http://books.google.com.br/books?id=xrEDAAAAYAAJ&. Acesso em 12 jul. 2009.
Dicionário de Símbolos, de Juan-Eduardo Cirlot (1984, p. 256), verifica-se que “a
flor, por sua natureza, é símbolo da fugacidade das coisas, da primavera e da
beleza”; idéias que contrastam com a de dor (sofrimento, nostalgia, desesperança).
A alegria é passageira, cedendo lugar ao desgosto; demonstrando, conforme
denuncia a crítica, a existência desses dois sentimentos contraditórios no âmago
de qualquer ser humano.
Ainda nessa camada, é possível anotar a menção a várias teorias e seres
mitológicos, tais como a referente ao Orpheu (poeta e músico, filho de Apolo e
Calíope) e à “theoria pindarica dos illustres filhos de Apollo” 2. Essa característica
de fazer apontamentos à mitologia é predominante no Arcadismo, período que se
estende de 1756 a 1825 e cujo nome “foi inspirado em Arcádia; região da Grécia
onde, segundo a mitologia, pastores e poetas viveriam uma existência de amor e
poesia. Por isso é também comum no Arcadismo a referência a seres da mitologia
clássica, tais como ninfas, deuses etc.” (TUFANO, 1995, p. 55). Observa-se que
esse fato pode indicar que o autor da crítica, embora não identificado, seja
influenciado pela escola arcadista.
Nessa linha, destaca-se também o chamado estrato fônico, constituído
pelos fonemas, sonoridades verbais, orações, rimas, ritmo, ecos etc. Nota-se que a
crítica tece vários comentários sobre, especialmente, as rimas das poesias de
Zaluar.
Já quando a crítica questiona o significado de determinadas palavras,
está penetrando no estrato das objetividades apresentadas, constituído pelo que é
imageticamente construído na obra, ou seja, o universo imaginário do poema
(seres, espaço, tempo, ambientação etc.). Por exemplo, ao indagar o que é uma
múmia de humano cinzel em “Jerusalem” e ao dizer que desconhece a real
conceituação de vaga amante em “Ao deixar Portugal”.
Outro aspecto relevante é a visão da crítica sobre o Romantismo: “Por
estas phrases [...] vê-se que o Sr. Zaluar é um poeta alistado na escola
sentimentalista”. Esse movimento literário apresenta um conjunto de características
que permeiam suas obras, e uma delas é justamente o exagero sentimental e
melodramático em associação com um ponto de vista pessimista, ao invés da
racionalização e da objetividade. “O egotismo e o sentimentalismo sem peias são
as notas dominantes; o tédio, a melancolia, o sonho, a Idade Média, o soturno e o
funéreo são os temas preferidos” (MOISÉS, 1994, p. 57).
A crítica largamente tece comentários desfavoráveis aos tons de
lamentação e de desilusão dos poemas de Zaluar: “Note-se, porém, que em quanto
o poeta se limitar a tanger essa corda única, por mais suave e melodiosa que ella
seja, embora se chame Chateaubriand ou Lamartine, cahirá irremediavelmente
n’uma enfadonha monotonia, n’uma repetição escusada das mesmas
lamentações”.
Dessa forma, a “corda única”, ou seja, o sentimentalismo é indício de
monotonia e tédio para o crítico, ainda que seja proveniente de escritores
reconhecidos, como Chateaubriand ou Lamartine. Esse pensamento está em
sintonia com o que defende Salete de Almeida Cara (1989, p. 30, grifo da autora):
“Por esse caminho a poesia romântica pode correr o risco de transformar-se num
mero balbucio emotivo, sufocado na esfera pessoal, e o texto seria apenas
expressão dessa emotividade (a função emotiva da linguagem)”.

2
Esclarece-se que todas as citações realizadas ao longo do texto e que não estão referenciadas
pertencem à crítica literária publicada no jornal O Pelotense, 1852.
Em História da literatura brasileira, José Veríssimo (1969, p. 11)
desconsidera Zaluar como um autor de literatura brasileira, afirmando que:

Os portugueses que para cá vieram fazer literatura após a


Independência, Castilhos, Zaluares, Novais e outros, nem pela
nacionalidade ou sentimento, nem pela língua ou estilo, não
pertencem à nossa literatura, onde legitimamente não se lhes abre
lugar. São por todas as suas feições portugueses. (VERÍSSIMO,
1969, grifo meu).

Veríssimo estabelece como critério para definir a nacionalidade da


literatura de um autor a sua origem natal. Dessa forma, pelo fato de Zaluar ter
nascido em Portugal, onde foi criado e alfabetizado, notam-se em suas poesias
lusitanismos na língua e no estilo; retirando-o, assim, do rol dos autores de
literatura brasileira. Em Dores e flores, há a reunião de poesias produzidas tanto
em Lisboa quanto em solo brasileiro; destacando-se que “Ao deixar Portugal” foi
escrita a bordo do brigue Experiencia, em 28 de novembro de 18493.
É interessante perceber que Zaluar, mesmo tendo transitado por diversas
áreas do conhecimento, na literatura e nos jornais, suas poesias não lograram
repercussões nas histórias literárias. Também não são vastas as referências ao
seu nome e às suas obras em dicionários de literatura; há breves anotações, por
exemplo, na História da literatura do Rio Grande do Sul, de Guilhermino César e na
Enciclopédia de literatura brasileira, de Afrânio Coutinho e José Galante Sousa.
Pode-se dizer, então, que Zaluar não pertence ao cânone brasileiro; porém, o que
não se pode afirmar é que esse fato decorra das suas poucas alusões nos livros de
literatura.
Apesar dessas constatações, não se pode descartar a hipótese de que as
obras de Zaluar, à época e, até mesmo, posteriormente, tenham influenciado
trabalhos de outros escritores e poetas, já que suas poesias circulavam em jornais
e eram objeto de crítica literária, sendo um exemplo a que é estudada neste
trabalho.
Não obstante essa deturpação, a crítica literária é fundamental na relação
autor-obra-público; fazendo, muitas vezes, a ligação entre os extremos da tríade. É
uma das formas de legitimação da literatura, assim como as academias, as
instituições de ensino e as premiações. Além disso, apresenta papel indispensável
na própria seleção do cânone. De acordo com Ivan Teixeira (1998, p. 38), “a função
do crítico é facilitar a comunicação entre a obra e o público, entre o passado e o
presente: faz parte de seu ofício saber selecionar no passado as obras mais
apropriadas para a interpretação do presente.”

Referências Bibliográficas
BARBOSA, Socorro de Fátima Pacífico. Jornal e literatura: a imprensa brasileira no
século XIX. Porto Alegre: Nova Prova, 2007.

BORDINI, Maria da Glória. Fenomenologia e teoria literária. São Paulo: Edusp,


1990.

3
ZALUAR, Emílio Augusto. Dores e flores. Rio de Janeiro: Typographia de F. de Paula Brito,
1851, p. 36.
C. Crítica Litteraria: Dores e flores. Revista Universal Lisbonense. Lisboa, 29 jan.
1852, p. 294 – 298. Disponível em
http://books.google.com.br/books?id=xrEDAAAAYAAJ&. Acesso em 12 jul. 2009.
CARA, Salete de Almeida. A poesia lírica. São Paulo: Ática, 3ª edição, 1989.

CÉSAR, Guilhermino. História da literatura do Rio Grande do Sul 1737 – 1902.


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São Paulo: Fundação de Assistência ao Estudante, 2001, p. 1099 e p. 1378.

CRÍTICA Litteraria: Dores e flores. O Pelotense, Pelotas, 09 jun. 1852; 12 jun.


1852; 16 jun 1852; 25 jun 1852, p. 2 – 3.

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WWW.arqnet.pt/dicionario/zaluar.html. Acesso em 19 jul 2009.

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TUFANO, Douglas. Estudos de Literatura Brasileira. São Paulo: Moderna, 1995.

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VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: J. Olympio,


1969.

ZALUAR, Emílio Augusto. Dores e flores. Rio de Janeiro: Typographia de F. de


Paula Brito, 1851. Disponível em
http://books.google.com.br/books?id=Y64CAAAAYAAJ&. Acesso em 12 jul. 2009.

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