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A Bruxa

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“ Insira um Título Aqui”

Gabriel Zyzzo
CAPÍTULO 01 _ A BRUXA

Dizem que no casebre de madeira no sopé da serra, vive uma bruxa… Rafael
acreditava piamente nisso. Com toda a certeza que sua mente infantil podia ter, ele
sabia que uma bruxa vivia a poucos metros de sua casa.
As crianças da região não ousavam chegar perto de lá, os adultos não falavam
sobre ela, e os animais evitavam aquele pequeno casebre como um demônio evitaria
a cruz. Mas Rafael era um garoto curioso, eles sempre são… antes que o peso das
responsabilidades e do amargor da vida adulta consumissem sua fantasia.
Uma certa noite, saiu de fininho pela porta dos fundos, logo após o jantar,
quando seus pais estavam dormindo. Rafael era curioso e impetuoso, mas não era
tolo. Ele sabia dos riscos que estava tomando, ou ao menos imaginava que os riscos
eram maiores do que ele poderia sonhar.
Ainda sim, ele seguiu caminho até o pequeno casebre no sopé da serra, se
houvesse ali mesmo uma bruxa, ele teria de saber.
Lembrou-se de uma conversa que teve com seu irmão mais velho, João Paulo:
— Como sabe que é uma bruxa, e não uma feiticeira?
— Você sabe a diferença? – havia inquirido seu irmão, com um olhar divertido
na face.
— Feiticeiras são do bem, bruxas são do mal…
— Não é bem isso – ele riu – a diferença está na maneira que elas conseguiram
usar magia.
— Como assim?
— As feiticeiras nascem podendo usar magia, a magia flui de seu sangue
porque algum antepassado dela foi uma criatura mística, como um espírito ou uma
fada, ou até um dragão.
— Como um dragão faz filhos humanos?
Seu irmão ignorou a pergunta.
— Mas bruxas são diferentes… bruxas não nasceram com a magia, elas tem
pactos com criaturas de outros planos, como demônios e até deuses antigos. Isso as
permite usar magia.
— E como você sabe disso?
— Dungeons and Dragons, quinta edição.
— Isso é um jogo, não é vida real – Rafael riu e retrucou.
Ambos ficaram rindo até a memória se apagar. Quando deu por si, estava
parado em frente à porta vermelha do casebre, a mão trêmula subindo lentamente
para tocar à porta.
Portas são coisas interessantes, elas são ligações… ligam um ambiente à outro,
nunca se sabe o que pode estar por detrás de uma porta. Principalmente uma porta
que delimita a casa de uma bruxa. Poucas coisas são tão misteriosas quanto uma
porta fechada, não sabia que coisas o aguardavam do outro lado.
Por um instante, quis desistir de conhecer a bruxa, sentia o medo percorrer
sua espinha e tocar-lhe a ponta dos dedos. Um pavor quase primordial o fez congelar
ali mesmo, e foi então que a porta se abriu.Pode ter sido o vento, tinha que ser o
vento, caso contrário, a bruxa já saberia que ele estava ali.
Engoliu em seco, e adentrou a casa com aspecto rústico. Algumas velas
estavam espalhadas pelo lugar, iluminando a sala de estar. Uma poltrona com
aparência confortável, um tapete de pele de algum animal, uma estante com vários
livros e muitas plantas envasadas por toda parte. Era o que via…
Apesar de estar no verão, e em Pernambuco, a temperatura estava muito
baixa, como se a casa da bruxa fosse um frigorífico. Mas não conseguia ver nenhum
ar condicionado em qualquer lugar, nem sinal de energia elétrica.
Ouviu passos pelo corredor escuro à direita e travou, queria correr dali, mas
suas pernas não se mexiam de medo, e curiosidade. A luz bruxuleante das velas
revelou um rosto feminino que se aproximava. A moça tinha entre 20 à 25 anos, era
bem jovem, mas na perspectiva de Rafael, era bem mais velha que ele, seu cabelo
castanho era bem cacheado e possuía um nariz afilado, como uma modelo, parecia
ser de fora, como se fosse uma estrangeira, era a sensação que ela passava.
— Boa noite, criança – sua voz era suave como uma brisa de verão – o que está
fazendo aqui em minha casa?
— Errr… eu… – seu coração parecia que ia pular pela boca – eu vim ver a
bruxa – respondeu, antes que pensasse bem nas consequências dessa frase.
— Veio me ver? – sorriu a bruxa – que fofo, mas tem algum motivo em
especial?
— Não… – abaixou a cabeça – só estava curioso.
— Então entre – apontou para o corredor escuro, e várias velas se acenderam
– tenho muito a te mostrar.
Seguiram pelo corredor iluminado pelas velas, que faziam sombras disformes
nas paredes enquanto andavam. Admirou-se com o comprimento do corredor, como
se ele fosse maior que a casa em si.
Até que chegou em um escritório no final da casa, que tinha a porta
entreaberta.
— Gosta de magia, garoto? – perguntou a bruxa – à propósito, qual seu nome?
— R-rafael – gaguejou – e eu gosto sim de magia, mas nunca vi nenhuma.
— É um belo nome – riu a bruxa – meu nome é Alice.
Ela abriu a porta do escritório e o garoto pôde ver o que tinha dentro: diversos
frascos com poções, ervas medicinais, algumas criaturas estranhas em potes
herméticos e diversos símbolos pintados por toda parte com tinta roxa ou vermelha.
— Aqui é meu escritório, onde realizo minhas magias. Vou te dar uma poção
bem especial – pegou, com cuidado, uma poção verde da prateleira e entregou ao
garoto – essa é a poção dos olhos de dragão, após tomar ela, você consegue enxergar
fadas e espíritos da natureza, e vai poder se comunicar com eles. Mas só dura alguns
minutos, e é bem difícil de ser feita, então use com moderação.
— Porque está me dando isso?
— É incomum receber visitas, e quando vêm, sempre estão atrás de algo… uma
poção de cura para alguém da família, maneiras de conseguir riqueza fácil, ajuda
para encontrar objetos perdidos, poções do amor e por aí vai. Já você, você veio aqui
por pura e inocente curiosidade juvenil, isso me encanta.
Assentiu com a cabeça e deu um sorriso, daqueles sorrisos que somente
crianças dão quando conseguem algo que há muito esperavam.
— Gosta de animais? – perguntou Alice, satisfeita.
— Gosto sim, por que?
— Venha para o quintal comigo – respondeu misteriosamente e passou a
caminhar pelo casebre, indo em direção ao referido quintal.
O garoto a acompanhou, calado, enquanto guardava a poção no bolso da
bermuda tactel.
Seguiram por mais uma série de corredores infindáveis, dessa vez, parecia que
a distância ainda era o dobro da anterior, até que viraram à esquerda, onde uma
portinha de madeira velha estava mal colocada sobre suas dobradiças. A bruxa
empurrou suavemente a porta, que rangeu bastante antes de abrir.
Chegaram a um descampado enorme, como um pasto, Rafael tinha certeza
que esse local estava muito distante de sua casa, que era coberto por serras e terra
seca. Aqui, a relva era úmida e gelada, e viu plantas que antes, só tinha visto em
livros de ciências, como pinheiros e samambaias.
— Se prepare – disse a bruxa – e tente não ter medo.
Após dizer isso, levou a mão esquerda à boca e assobiou, fazendo o som
estridente percorrer por todo o descampado. Após o barulho do assobio, Rafael
escutou o barulho de cascos batendo com força na grama, e em seguida o som de um
trotar rítmico e acelerado, chegando cada vez mais perto dele.
O trote deixou de ser acelerado para se tornar constante, e o som crescente
fazia-no pensar que a criatura estava cada vez mais próxima, mas ainda não via nada,
apesar do sol estivesse raiando claro no céu e o ambiente não tivesse nenhum
obstáculo.
Rafael lembrou de um fato curioso: o som se aproximando dessa maneira era
parte de um fenômeno que acabara de aprender na escola, efeito Doppler, que é um
fenômeno ondulatório que surge quando há velocidade relativa entre uma fonte de
ondas e seu observador. A frequência do som dos cascos era cada vez mais rápida,
fazendo o som ser cada vez mais agudo, até que o garoto tivesse certeza que tinha
algo logo à sua frente.
— Beba um gole da poção – Alice murmurou.
Algo estava errado, ele sentia o calor corporal de algo grande, mas não era só
isso, ouvia um relinchar baixo, um gemido feminino, o barulho de algo crepitando e…
mais calor? O calor era insuportável, como se ele estivesse próximo a uma fogueira.
Obedientemente, bebeu a poção com os olhos fechados, o gosto era diferente
de tudo que ele já havia tomado: era herbáceo, mas doce e cítrico. Era como se fosse
um suco de laranja, mas com mais gosto de erva do que fruta.
Abriu os olhos lentamente e viu fogo.
Com um susto, deu um passo abrupto para trás, fazendo a criatura à sua
frente relinchar alto e levantar as patas dianteiras. Era um equino, aparentemente,
mais especificamente uma mula. A mula era mais alta que um cavalo normal, tinha o
pelo completamente marrom, cascos feitos não de quitina, mas de osso alvo e rijo. E
no lugar de sua cabeça… apenas fogo, um fogaréu enorme que fazia brilhar todo seu
campo de visão.
Ele já havia escutado lendas, inúmeras histórias sobre esse ser, mas nunca iria
imaginar que era real…
Alice se aproximou da mula sem cabeça e acariciou o pescoço da criatura, sem
se importar com a temperatura alta de sua cabeça (ou falta dela). Com os olhos
brilhando e refletindo a luz do sol e das próprias chamas, ela olhou para Rafael e
sorriu. Seu cabelo castanho esvoaçava devido ao fluxo do ar quente, e fazia com que
sua sombra no chão se tornasse uma enorme mão que buscava o garoto.
— Então Rafael, está pronto para entrar em um mundo de magia? – seu
sorriso se tornou mais largo – por que não se torna meu aprendiz?
O garoto arregalou os olhos, seu coração parecia estar quase saindo pela boca,
mas teve forças o suficiente para se empertigar e dizer um sonoro:
— Sim, por favor!

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