Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Para Compreender A Verdade Cap 8

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 18

PARTE III

A CIÊNCIA MODERNA INSTITUI-SE:


A TRANSIÇÃO PARA O CAPITALISMO
CAPITULO 8

DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO:
UMA LONGA TRANSIÇÃO

Numa era de transição, o velho e o novo freqüentemente se misturam.


No período de transição de um regime social para outro, encontram-se ca-
racterísticas do velho regime, ao mesmo tempo em que traços do regime
novo aparecem em determinados níveis da realidade social.
A transição do feudalismo ao capitalismo significou a substituição da
terra pelo dinheiro, como símbolo de riqueza: foi o período em que um con-
junto de fatores preparou a desagregação do sistema feudal e forneceu as
condições para o surgimento do sistema capitalista.
É importante salientar, entretanto, que a passagem do regime feudal ao
capitalista se deu com variações nos diversos países; além disso, num mes-
mo país a passagem se deu de forma lenta e gradual, de modo que, ao mesmo
tempo em que surgem características do novo regime, persistem caracterís-
ticas do regime anterior.
Assim,
não podemos falar de verdadeira passagem ao capitalismo senão quando regiões
suficientemente extensas vivem sob um regime social completamente novo. A
passagem somente é decisiva quando as revoluções políticas sancionam juri-
dicamente as mudanças de estrutura, e quando novas classes dominam o Estado.
Por isso a evolução dura vários séculos. (Vilar, 1975, pp. 35-36)

Essa evolução não foi "natural", inexorável, e não se deu sem graves
conflitos, muita violência no campo e nas cidades, luta pela tomada de poder.
Os séculos XV, XVI e XVII (particularmente os dois últimos) são aqueles
em que mais acentuadamente ocorrem mudanças que marcam a passagem do
sistema feudal ao sistema capitalista. Nos séculos XV e XVI, na Europa, a
descentralização feudal é gradualmente substituída pela formação de Estados
nacionais unificados e pela centralização de poder, com a formação das mo-
narquias absolutas. Na Inglaterra, o processo de unificação foi favorecido
pelo enfraquecimento da nobreza e, conseqüentemente, do parlamento - que
tinha nela sua principal sustentação - em função da Guerra das Duas Rosas,
iniciada em 1455, entre duas facções de nobres rivais. Esse enfraquecimento
da nobreza e do parlamento propiciou o estabelecimento de uma monarquia
absoluta, que teve como seus principais representantes Henrique VIII (1509-
1547) e Elisabete (1558-1603). Na França, em que desde o início do século
XIV já praticamente havia sido concluída a formação territorial e em que os
reis tinham já muita força, a ocorrência de uma guerra contra a Inglaterra -
a Guerra dos Cem Anos (1337-1453) - favoreceu o aparecimento de uma
consciência nacional, a derrocada do poder feudal e o surgimento de monarcas
absolutos extremamente poderosos, a ponto de esse país tornar-se o grande
modelo dos regimes absolutos. A Espanha tornou-se um país unificado do
ponto de vista político e territorial em 1515, com a incorporação do reino
de Navarra. Antes disso, tinha havido já a incorporação do reino de Granada
(1492) e a união das monarquias de Castela e Aragão (1469). Alemanha e
Itália foram exceções no processo de unificação desenvolvido na Europa nes-
se período. Por essa época, a Alemanha era composta de inúmeros reinos
independentes e não constituía um estado consolidado.
A Itália, no século XIV, estava dividida em uma infinidade de pequenos
estados, alguns deles com formas de governo bastante democráticas. Entre-
tanto, no curso desse século e do seguinte, todos eles caíram sob o domínio
de governantes despóticos. Ao longo dos séculos XIV e XV, os estados maio-
res e mais poderosos foram incorporando os menores, de forma que, no início
do século XVI, cinco estados dominavam a península italiana: as repúblicas
de Veneza e Florença, o ducado de Milão, o reino de Nápoles e os Estados
da Igreja.
No século XV, a Itália detinha o monopólio das principais rotas co-
merciais do Mediterrâneo; a partir do descobrimento da América, os centros
do comércio transferiram-se para a Costa Atlântica. Essa alteração ocorreu
em função de empreendimentos marítimos levados a efeito por países da
Europa ocidental, visando à descoberta de uma rota marítima comercial para
o Oriente, uma vez que as cidades italianas detinham o controle do Medi-
terrâneo. O primeiro país que se lançou nesses empreendimentos foi Portugal,
que não apenas descobriu um caminho pelo Atlântico para chegar ao Oriente,
como também descobriu novas terras, que se transformaram em colônias por-
tuguesas. Portugal construiu, nesse processo, durante os séculos XV e XVI,
um império tricontinental, com colônias na África, Ásia e América.
A Espanha, que logo em seguida a Portugal lançou-se em expedições
marítimas, empreendidas com o apoio da coroa espanhola, também formou
um vasto império colonial, incluindo parte dos Estados Unidos, o México,
as Antilhas, a América Central e quase toda a América do Sul. A França e
a Inglaterra também chegaram a diversos pontos da América, durante os
séculos XV e XVI, mas por diversas razões aí não fixaram colônias imedia-

164
tamente. Foi apenas no século XVII, tendo consolidado seus Estados nacio-
nais, que efetuaram essa tarefa. A Inglaterra - que já possuía colônias na
África e na Ásia - iniciou a povoação do litoral atlântico, implantando co-
lônias, como as treze colônias da América do Norte. A França, que também
já possuía colônias na África, implantou suas colônias na América, como o
Canadá, a Guiana Francesa e as Antilhas.
Outro país que devido a atividades mercantis conquistou colônias foi
a Holanda, que, em fins do século XVI e início do XVII, apoderou-se, pela
força, de pontos na América (como a Ilha de Curaçao e Litoral e Nordeste
do Brasil), na África e no Oriente.
A colonização reintroduziu uma prática extinta há cinco séculos: a es-
cravidão. Negros africanos eram trazidos para trabalhar como escravos nas
plantações e nas minas das colônias, suprindo a necessidade de mão-de-obra
não qualificada.

O CAPITALISMO

Somente se emprega o termo "capitalismo" quando se trata de uma


sociedade moderna, "(...) onde a produção maciça de mercadorias repousa
sobre a exploração do trabalho assalariado, daquele que nada possui, realizada
pelos possuidores dos meios de produção" (Vilar, 1975, p. 36).
Na sociedade capitalista, as pessoas somente conseguem sobreviver se
comprarem os produtos do trabalho uns dos outros, já que possuem atividades
especializadas, não produzindo todos os bens de que necessitam. Assim sen-
do, deve haver troca entre os diversos produtos dos trabalhos privados.
A transformação da matéria-prima em produtos é feita pelo trabalhador,
que vende sua força de trabalho ao capitalista em troca de um salário. O
capitalista é dono dos meios de produção (matérias-primas, ferramentas, etc.)
e se apropria dos produtos acabados. A sociedade capitalista tem como elementos
fundamentais a propriedade privada, a divisão social do trabalho e a troca.
A seguir abordar-se-ão os acontecimentos que levaram ao desenvolvi-
mento de uma sociedade com essas características a partir da sociedade feudal.

A FRAGMENTAÇÃO DA SOCIEDADE FEUDAL

O renascimento do comércio e o crescimento das cidades

A sociedade feudal era constituída de unidades estanques: os feudos.


Estes eram auto-suficientes, com economia voltada para a subsistência. Os

165
reinos então existentes eram, dessa forma, fragmentados, e os reis - apenas
nominalmente donos das terras - tinham poderes limitados, dadas as carac-
terísticas do sistema feudal. As relações sociais fundamentais eram de dois
tipos: a relação de vassalagem, por meio da qual se processava o modo de
apropriação da terra; e as relações servis, em que o trabalhador possuía ins-
trumentos próprios de produção e dele o senhor extraía um excedente de
trabalho.
Na sociedade feudal, basicamente agrária, particularmente na primeira
metade da Idade Média, em que se media a riqueza de uma pessoa pela
quantidade de terras que possuísse, a importância das cidades era muito pe-
quena. As trocas praticamente inexistiam e, quando ocorriam, eram princi-
palmente efetuadas dentro dos feudos, entre produtos e sem envolver dinheiro.
A partir da segunda metade da Idade Média, alguns fatores contribuíram
para a ativação do comércio, dentre eles: a produção de excedentes agrícolas
e artesanais, que podiam, então, ser trocados; e as Cruzadas, que deslocaram
milhares de europeus por meio do continente. Esses indivíduos necessitavam
de provisões, que lhes eram fornecidas por mercadores que os acompanhavam.
Como conseqüência do crescimento do comércio, cresceram também
as cidades. Estas surgiram em locais estratégicos para a atividade comercial,
como, por exemplo, o cruzamento de duas estradas. Essas cidades, entretanto,
encontravam-se em terras pertencentes aos senhores feudais, que cobravam
impostos e taxas de seus habitantes. Além disso, os senhores eram os diri-
gentes dos tribunais de justiça em suas terras, sendo, portanto, responsáveis
pela resolução de uma série de problemas surgidos nas cidades, advindos das
atividades comerciais, que não tinham capacidade para resolver. Por essas
razões, as cidades rebelaram-se e muitas delas obtiveram a liberdade por
meio de luta, compra ou doação.
Com a expansão do comércio, as cidades passaram a oferecer trabalho
a um maior número de pessoas, que para lá se dirigiam; as cidades livres
ofereciam asilo aos servos fugitivos dos domínios senhoriais.
As oficinas confiadas aos servos, nos feudos, para a fabricação de ob-
jetos de uso do próprio feudo, foram substituídas por oficinas urbanas. Nesse
período, os mercados eram locais e os produtores independentes organiza-
vam-se em corporações de ofício.
Os habitantes das cidades dedicavam-se, fundamentalmente, ao artesa-
nato e ao comércio, e não produziam o alimento de que necessitavam para
subsistir, o que gerou a divisão do trabalho entre cidade e campo, de onde
provinha o alimento para os habitantes da cidade. Essa situação, aliada ao
crescimento populacional - favorecido pela diminuição da incidência de epi-
demias, produto, por sua vez, entre outros fatores, da maior disponibilidade

166
e melhor qualidade de alimentos que os aperfeiçoamentos técnicos possibi-
litaram -, tornou necessário o crescimento da produção agrícola, o que levou
à abertura de novas terras ao cultivo. Essas terras atraíram muitos campone-
ses, que se libertaram dos feudos e passaram a cultivá-las, em troca de pa-
gamento aos senhores feudais pelo seu arrendamento. Muitas terras incultas
foram, assim, transformadas em terras produtivas.
Inúmeros servos foram libertados dos feudos, porque o trabalho livre
era mais produtivo para os senhores do que o trabalho servil. Alguns senho-
res, entretanto, e principalmente a Igreja não libertaram seus servos. Por essa
razão, esse foi um período de grandes conflitos. Camponeses por vezes in-
vadiam e depredavam propriedades da Igreja e agrediam padres, muitas vezes
ajudados pelos habitantes das cidades, que tinham, em geral, muitas razões
para entrar em conflito com os senhores feudais.
Um fator que contribuiu para a liberdade dos camponeses foi a peste
negra, no século XIV, que, provocando enorme quantidade de mortes, valo-
rizou o trabalho da mão-de-obra disponível. Isso gerou conflitos ainda mais
violentos entre servos e senhores. Se anteriormente as revoltas dos campo-
neses eram apenas locais, agora a escassez de mão-de-obra
dera aos trabalhadores agrícolas uma posição forte, despertando neles um senti-
mento de poder. Numa série de levantes em toda a Europa ocidental, os camponeses
utilizaram esse poder muna tentativa de conquistar pela força as concessões que
não podiam obter - ou conservar - de outro modo. (Huberman, 1979, p. 59)
Em meados do século XV, na maior parte da Europa ocidental, os arrenda-
mentos pagos em dinheiro haviam substituído o trabalho servil e, além disso,
muitos camponeses haviam conquistado a emancipação completa. (Nas áreas
mais afastadas, longe das vias de comércio e da influência libertadora das
cidades, a servidão perdurava.) (Idem, 1979, p. 61)

A abertura do comércio para o mundo

A expansão marítima e do sistema colonial, no final do século XV,


produziu muitas riquezas, que levaram a um maior desenvolvimento do co-
mércio. As Cruzadas haviam contribuído para o incremento do comércio,
tanto no que se refere à reabertura do Mediterrâneo oriental ao Ocidente (em
especial Gênova e Veneza) quanto à difusão do consumo de produtos orien-
tais. Por outro lado, as cidades italianas, aliadas aos muçulmanos do Oriente,
passaram a ter o monopólio das principais rotas comerciais do Mediterrâneo,
dificultando o comércio europeu. A superação dessa dificuldade poderia ser
conseguida uma vez que se chegasse ao Extremo Oriente por outra rota ma-
rítima, que não utilizasse o Mediterrâneo. Esse vultoso e caro empreendi-

167
mento foi financiado pela burguesia, enriquecida pelo desenvolvimento co-
mercial, gerando a expansão atlântica dos séculos XV e XVI. Nessa empresa
descobriram-se novas terras, que se transformaram em colônias de diversos
países da Europa ocidental. A utilização do Oceano Atlântico ocasionou uma
grande transformação no comércio, já que este, agora, passou a envolver não
só a Europa e a Ásia, como também essas novas terras - as colônias.
Essas colônias foram, também, importantes no fornecimento de metais
preciosos para as metrópoles, nessa época em que o ouro e a prata eram
muito necessários ao desenvolvimento do comércio.
A expansão atlântica trouxe outros efeitos. Um deles foi o desenvol-
vimento do mercantilismo, um conjunto de princípios e medidas práticas ado-
tadas por chefes de estado europeus - bastante variáveis ao longo do tempo
e nos diferentes países - com o objetivo de gerar riqueza para o país e
fortalecer o estado. Embora heterogêneas, as políticas adotadas tinham como
um princípio fundamental o de que a riqueza de um país se traduz na quan-
tidade de ouro e prata acumulada e o principal meio de obtê-los é por meio
do comércio com outros países, em que se garanta um saldo positivo da
balança comercial (o valor das exportações supera o das importações). Para
tanto, o estado intervinha nas atividades econômicas por meio de medidas
que incluíam incentivo ao desenvolvimento da indústria no país, à aquisição
de colônias, às exportações e tarifas elevadas para a importação.
Nesse processo de extraordinária expansão comercial, desenvolveram-
se instituições financeiras, bancos, bolsas, etc, tendo em vista subsidiar as
atividades mercantis. Além disso, desenvolveu-se o empréstimo usuário que
passaria a ser, juntamente com outras formas já citadas, uma das maneiras
de se acumular capital nesse período. Para tanto, indivíduos que possuíssem
dinheiro disponível emprestavam-no cobrando altas taxas de juros.
Segundo Huberman (1979), nas grandes feiras existentes na fase final
da Idade Média, os últimos dias eram dedicados a negócios em dinheiro. Aí
se trocavam os vários tipos de moedas, negociavam-se empréstimos, paga-
vam-se dívidas e faziam-se circular letras de câmbio e de crédito. Nessas
feiras, os banqueiros da época realizavam grandes negócios financeiros. "Ne-
gociar em dinheiro levou a conseqüências tão grandes que passou a constituir
uma profissão separada" (p. 34). Ainda, segundo esse autor, os banqueiros
passaram a ser o poder atrás dos reis, porque estes necessitavam constante-
mente de sua ajuda financeira.
O sistema colonial também desempenhou importante papel no desen-
volvimento do mercantilismo, tanto porque as colônias passaram a constituir

168
mercados consumidores das manufaturas metropolitanas, como porque pas-
saram a ser fontes de matérias-primas e metais preciosos.
O grande aumento no fornecimento desses metais, provindos das minas
das colônias, duramente exploradas, permitiu uma rápida cunhagem de moe-
das, que entrou em desequilíbrio com o lento aumento da produção. Esse
fato levou a uma alta geral de preços na Europa, prejudicando os trabalha-
dores e a nobreza feudal, fortalecendo a burguesia.

Os camponeses são expulsos da terra

Uma das formas de os donos de terra aumentarem seus rendimentos e


fazerem frente ao aumento de preços foi o fechamento das terras, ocorrido
no século XVI em algumas partes da Europa, basicamente na Inglaterra. Hou-
ve pelo menos dois tipos de cercamento: o que envolvia mudanças na forma
de utilização da terra e o que envolvia as terras comuns do feudo.
Com o aumento do preço da lã, decorrente do crescimento da indus-
trialização desta, surgiu a oportunidade de os senhores das terras ganharem
dinheiro por meio da transformação da atividade de agricultura em criação
de ovelhas e da utilização da terra para pasto. Essas terras foram cercadas
para tal fim, e muitos lavradores perderam o meio de sobrevivência, pois
somente alguns foram empregados para cuidar das ovelhas.
Além disso, muitas vezes o senhor simplesmente expulsava o arrenda-
tário das terras ou cercava terras comuns do feudo, que serviam de pastagem
e eram de uso de todos os seus habitantes, deixando sem pasto o gado do
arrendatário.
Além do cercamento, outro recurso utilizado pelos senhores para au-
mentar seus rendimentos foi a elevação das taxas a serem pagas pelos arren-
damentos de terra. Estas tornaram-se muito altas e os camponeses que não
podiam pagá-las eram forçados a abandoná-la.
O fechamento das terras e a elevação dos arrendamentos fizeram com
que milhares de pessoas ficassem sem condições de sobrevivência, e, no
futuro, quando a indústria capitalista teve necessidade de trabalhadores, essas
pessoas formaram parte da mão-de-obra por ela utilizada.

O absolutismo e o fortalecimento da burguesia

O fechamento das terras e o aumento da taxa de arrendamento foram


os efeitos mais distantes da alta geral de preços na Europa, que, por sua vez,
foi conseqüência do mercantilismo. Este, por outro lado, estava relacionado
ao surgimento do absolutismo, ao fortalecimento do poder real.

169
Esse processo histórico veio se desenvolvendo a partir da Baixa Idade
Média, quando a burguesia, recém-formada pelo incremento do comércio,
necessitava do estabelecimento de um mercado nacional regulamentado e
unificado, por exemplo, em termos de pesos e medidas. Além disso, neces-
sitava de apoio contra os nobres feudais e a Igreja, que retinham as riquezas
da época, e de segurança contra bandos armados que a assaltavam, bem como
de segurança contra os senhores feudais, que a exploravam por meio de taxas.
A solução para esse problema constituiu-se no apoio dado pela bur-
guesia às tentativas de centralização de poder nas mãos dos monarcas feudais.
Assim se constituíram as monarquias absolutas - fundamentadas ou não na
religião -, sistema em que o rei possui, em tese, poderes ilimitados. Na prá-
tica, entretanto, para manter sua posição, o monarca precisava fazer conces-
sões. Em tese, o rei estava acima das classes; na prática, era condicionado
por sua situação de classe e pelas pressões que recebia das classes influentes.
Burguesia e realeza uniram-se, portanto, tendo em vista interesses co-
muns. Em troca de benefícios, como uma regulamentação que unificasse o
mercado e ampliasse seu campo de atividades econômicas, a burguesia ofe-
recia influência política e social, bem como recursos financeiros.
Esse processo foi modificando o panorama territorial, político e social
da Europa.
Surgiram nações, as divisões nacionais se tornaram acentuadas, as literaturas
nacionais fizeram seu aparecimento, e regulamentações nacionais para a indús-
tria substituíram as regulamentações locais. Passaram a existir leis nacionais,
línguas nacionais e até mesmo Igrejas nacionais. Os homens começaram a
considerar-se não como cidadãos de Madri, de Kent ou de Paris, mas como
da Espanha, Inglaterra ou França. Passaram a deverfidelidadenão à sua cidade
ou ao senhor feudal, mas ao rei, que é o monarca de toda uma nação. (Hu-
berman, 1979, p. 79)

O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA MODERNA

O início da indústria moderna foi possível graças à presença de duas


condições: a existência de capital acumulado e a existência de uma classe
trabalhadora livre e sem propriedades.
Como já vimos, antes da introdução do capitalismo acumulava-se ca-
pital principalmente por meio da troca de mercadorias. Entretanto, esta não
foi a única forma: pirataria, saque, conquistas e exploração em diferentes
níveis tiveram importante papel na acumulação primitiva de capital, que ser-
viu de base para a grande expansão industrial dos séculos XVII e XVIII.

170
Entretanto, além do capital acumulado, era necessária a existência de
mão-de-obra disponível. O fechamento de terras e a elevação dos arrenda-
mentos, no século XVI, forneceram a mão-de-obra necessária para a indústria,
na medida em que expulsaram muitos camponeses de suas terras, criando
uma classe trabalhadora livre e sem propriedades.

O capital e a produção

O sistema doméstico

Enquanto o mercado era apenas local, o artesanato, com a estrutura de


corporação que lhe servia de apoio, era suficiente para suprir as necessidades
do comércio. Quando, entretanto, o mercado se expandiu, tornando-se nacio-
nal e mesmo internacional, o sistema de corporações de artesãos inde-
pendentes não mais respondia às crescentes exigências do comércio, tornan-
do-se um entrave ao seu desenvolvimento. Sua superação exigia a subordi-
nação da esfera produtiva ao capital mercantil. Nesse momento, surgiu o
intermediário, "o capitalista".
Segundo Huberman (1979), o mestre artesão era cinco pessoas numa
só: à medida que comprava matéria-prima, era um negociante ou mercador;
quando trabalhava essa matéria-prima, era um fabricante; se tinha aprendizes,
era empregador; enquanto supervisionava o trabalho desses aprendizes, era
capataz; e, à medida que vendia ao consumidor o produto acabado, era um
comerciante lojista.
Quando surgiu o intermediário, as funções de negociante e comerciante
lojista foram subtraídas ao artesão. O intermediário, que podia ser um ex-ar*
tesão, um ex-camponês rico, por exemplo, entregava ao artesão a matéria-
prima que este trabalhava em sua casa, com seus ajudantes. O produto aca-
bado era entregue ao intermediário, que o negociava. A esse sistema de pro-
dução dá-se o nome de sistema doméstico (ou putting-out).
Com a expansão da economia em âmbito nacional, o "capitalista", que
no sistema de corporações não tinha função de destaque, passou a ter im-
portante papel, uma vez que as transações comerciais passaram a ocorrer
numa escala muito mais ampla, envolvendo grandes quantidades de dinheiro.
Ao intermediário "capitalista" pertencia o produto, que era vendido no
mercado com lucro. O mestre artesão e seus aprendizes eram trabalhadores
tarefeiros. "Trabalhavam em suas casas; dispunham de seu tempo. Eram ge-
ralmente os donos das ferramentas (embora isso nem sempre ocorresse). Mas
já não eram independentes (...)" (Huberman, 1979, p. 124).

171
No sistema doméstico, não há uma revolução nas condições de produ-
ção: o que há é uma reorganização da produção, uma modificação na forma
de negociação das mercadorias.

A manufatura
A expansão sempre crescente do comércio e o afluxo de trabalhadores
sem propriedades levaram as cidades a uma nova reorganização no sistema
produtivo, dando surgimento ao sistema de manufatura. A manufatura, en-
tretanto, nunca foi um sistema de produção dominante: ao seu lado persisti-
ram sempre restos dos regimes industriais precedentes.
O sistema de manufatura implica a reunião de um número relativamente
grande de trabalhadores sob um mesmo teto, empregados pelo proprietário
dos meios de produção, executando um trabalho coordenado, num mesmo
processo produtivo ou em processos de produção que, embora diferentes, são
encadeados, com auxílio de um plano. Nesse sistema, portanto, os trabalha-
dores perdem os meios de produção, que passam a ser de propriedade do
capitalista, e passam a trabalhar em troca de um salário, vendendo sua força
de trabalho. O proprietário dos meios de produção não realiza o trabalho
manual; exerce apenas a função de orientar e vigiar a atividade de outros
indivíduos, de cujo trabalho vive.
No sistema de manufatura, cada trabalhador realiza apenas parte do
trabalho necessário à elaboração de um determinado produto. Este, para estar
completo, depende do trabalho do conjunto de indivíduos no processo pro-
dutivo.
O parcelamento das tarefas leva à diminuição do tempo de trabalho
necessário para se elaborar um determinado produto, levando, conseqüente-
mente, a um aumento da produção e, portanto, a uma maior valorização do
capital.
O parcelamento das tarefas leva ainda: à desqualificação do trabalho
(o trabalho da manufatura, por ser parcelar, exige menor qualificação do tra-
balhador e, conseqüentemente, menor aprendizado do que no artesanato), com
a conseqüente redução do valor da força de trabalho; e à especialização das
ferramentas, que se vão adaptando às funções parcelares.
Na manufatura, o trabalhador é transformado em trabalhador parcial,
mas ainda é ele, com sua habilidade e rapidez, quem comanda o processo
de trabalho, quem determina o ritmo e o tempo de trabalho socialmente ne-
cessários para a produção de uma mercadoria.
E nisso estão os limites da manufatura, que vão constituir sérios en-
traves ao desenvolvimento do capital: em primeiro lugar, embora o trabalho
seja desqualificado, ainda é o trabalhador com a ferramenta quem elabora o

172
produto e esse trabalhador especializado ainda necessita de um longo período
de aprendizagem, o que lhe dá força ante o capital; em segundo lugar, como
a manufatura tem sua base no elemento subjetivo, no trabalhador, ela está
restrita pelo limite físico, orgânico, desse, que impede que a produtividade
do trabalho aumente incessantemente.
Como conseqüência dessas limitações, a manufatura não conseguiu eli-
minar o artesanato e o sistema doméstico, e teve de coexistir com eles em
determinados setores da produção, contribuindo inclusive para fortalecê-los,
na medida em que os instrumentos de produção empregados pela manufatura
eram produzidos de forma artesanal.
Por todas essas razões, "o processo de acumulação de capital manufa-
tureiro não tem meios de regular o próprio mercado de trabalho e este vai
ser controlado através de legislação" (Oliveira, 1977, p. 23), tanto no que
diz respeito à disciplina, como também no que diz respeito à regulação de
salários e jornada de trabalho (os prolongamentos da jornada de trabalho
marcam o período manufatureiro).

O sistema fabril

Diante de circunstâncias favoráveis, como o interesse cada vez maior


no aumento da produção e as limitações impostas pela manufatura a essa
expansão, a especialização das ferramentas (decorrente do parcelamento das
tarefas executadas pelo trabalhador) criou condições para o surgimento da
máquina, uma combinação de ferramentas simples, que, por sua vez, favo-
receu a ocorrência do que veio a ser denominado revolução industrial, no
século XVIII, na Inglaterra.
A ferramenta foi retirada das mãos do trabalhador e passou a fazer
parte da máquina, rompendo-se a unidade entre o trabalhador parcelar e sua
ferramenta, existente na manufatura.
A máquina, na medida em que permite a substituição da força motriz
humana por novas fontes de energia no processo de produção (inicialmente
o vapor, posteriormente o gás e a eletricidade), libera o processo produtivo
dos limites do organismo humano, o que possibilita um grande aumento da
produção.
Com a introdução da máquina, elimina-se a necessidade, seja de tra-
balhadores adultos e resistentes, seja de operários especializados e hábeis,
uma vez que o operário nada mais tem a fazer senão vigiar e corrigir o
trabalho da máquina. Há, assim, uma maior desqualificação do trabalho do
operário, que não mais precisa passar por uma longa aprendizagem para exer-
cer sua função: como conseqüência, torna-se possível a utilização de mão-
de-obra não qualificada (principalmente mulheres e crianças).

173
Na produção mecanizada (sistema fabril), o trabalhador perde o controle
do processo de trabalho. É ele quem se adapta ao processo de produção (e
não mais o contrário, como acontecia na manufatura). A máquina determina
o ritmo do trabalho e é responsável pela qualidade do produto. Também a
quantidade de produtos e o tempo de trabalho necessário à elaboração de um
produto deixam de ser determinados pelo trabalhador.
A produção mecanizada elimina o artesanato, o sistema doméstico e a
manufatura, onde quer que apareça.
O sistema fabril, com siias máquinas movidas a vapor e a divisão do trabalho,
podia fabricar os produtos com muito mais rapidez e mais barato do que os
trabalhadores manuais. Na competição entre trabalho mecanizado e trabalho
manual, a máquina tinha de vencer. E venceu - milhares "de pequenos mestres
manufatores e independentes" (independentes porque eram donos dos instru-
mentos do meio de produção) decaíram à situação de jornaleiros, trabalhando
por salário. (Huberman, 1979, pp. 177-178)

O PENSAMENTO NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO

As considerações anteriores reportam-se aos fundamentos econômicos


do período que estamos denominando transição para o capitalismo. Um re-
gime social, porém, não se compõe apenas desses fundamentos.
A cada modo de produção corresponde não somente um sistema de relações
de produção, como também um sistema de direito, de instituições e de formas
de pensamento. Um regime social em decadência serve-se precisamente deste
direito, dessas instiUiições e desses pensamentos já adquiridos, para opor-se
com todas as suas forças às inovações que ameaçam sua existência. Isto pro-
voca a luta das novas classes, das classes ascendentes, contra as classes diri-
gentes que ainda acham-se no poder e determina o caráter revolucionário da
ação e do pensamento que animam estas lutas. (Vilar, 1975, p. 47)

A colocação de Vilar aponta para o fato de que, na luta entre camadas


sociais pelo poder político, as idéias, os pensamentos e o conhecimento já
produzidos também serão utilizados pelas camadas dirigentes como instru-
mentos para manter o estado de coisas que lhes traz vantagens, ou deter
eventuais avanços da camada ascendente. Na medida em que o regime social
entra em processo de decadência, há a tendência de substituição das idéias
a ele relacionadas por outras mais condizentes com o momento então vivido.
Numa fase inicial do período de transição, a rejeição das idéias, da
imagem do universo e das maneiras de pensar feudais gerou um certo vazio
intelectual, uma vez que não foi imediatamente seguida pelo surgimento de
uma nova imagem do universo, deixando sem respostas muitos dos problemas

174
levantados. Bernal (1976a) considera essa fase inicial fundamentalmente des-
trutiva, na medida em que a preocupação central foi a destruição da síntese
aristotélica; mas afirma que, embora não se tenha, nessa fase, encontrado
solução para a maioria dos problemas levantados, abriu-se caminho para
sua solução durante a grande luta de idéias do momento posterior.
Essa espécie de vazio intelectual, que se sucedeu à demolição da visão
de mundo medieval, levou a um período impregnado de misticismo, de su-
perstições grosseiras, de credulidade meio cega, de crença irracional na magia.
Mas,
se essa credulidade do "tudo é possível" é o reverso da medalha, também
existe um anverso. Esse anverso é a curiosidade sem fronteiras, a acuidade de
visão e o espírito de aventura que conduzem às grandes viagens de descobri-
mentos (...) que enriquecem prodigiosamente o conhecimento dos fatos e ali-
mentam a curiosidade pelos fatos, pela riqueza do mundo, pela variedade e
multiplicidade das coisas. (Koyré, 1982, p. 48)

Na nova visão de mundo, que veio a substituir a visão medieval, o


homem, no seu sentido mais genérico, era a preocupação central. As relações
Deus-homem, que eram enfatizadas pelo teocentrismo medieval, foram subs-
tituídas pelas relações entre o homem e a natureza. Isso significava, com
relação ao conhecimento, a valorização da capacidade do homem de conhecer
e transformar a realidade. Foi proposta uma ciência mais prática, que pudesse
servir ao homem, e que teve em Francis Bacon (1561-1626) seu maior de-
fensor, em contraposição ao saber contemplativo da Idade Média, época de
predomínio da Igreja e da nobreza feudal.
As crescentes necessidades práticas, geradas pela ascensão da burgue-
sia, aliadas ao desenvolvimento da crença na capacidade do conhecimento
para transformar a realidade, foram responsáveis pelo interesse no desenvol-
vimento técnico.
É importante notar que - diferentemente do que ocorre em nossos dias,
em que a ciência e técnica já não são mais separáveis e "a produção não só
determina a ciência, como esta se integra na própria produção, como sua
potência espiritual ou como uma força produtiva direta" (Vazquez, 1977,
p. 223) - , na maior parte do período de transição, as inovações técnicas
ocorreram em função de necessidades práticas e não como decorrência do
desenvolvimento científico. Todavia, as exigências de incremento da produ-
ção material, relacionadas ao surgimento e ascensão da burguesia, impulsio-
naram a constituição e o progresso da ciência natural. Segundo Vazquez
(1977), a época moderna é aquela em que as exigências que se apresentam
à ciência adquirem grande amplitude e um caráter mais rigoroso.

175
Para Bernal (1976a), no final do período de transição ao capitalismo,
os interesses dos governos e das classes dominantes no comércio, navegação,
manufatura e agricultura levaram a realizações culminantes na ciência: aqui,
portanto, já "se faz um esforço organizado e consciente para utilizar a ciência
para fins práticos" (p. 447).
O humanismo subjacente à proposta de uma ciência mais prática esteve
presente também nas artes e na filosofia e foi incentivado tanto pela burgue-
sia como pelo desenvolvimento do absolutismo. Era interessante para a bur-
guesia uma renovação de valores, de forma que estes representassem melhor
seus interesses que os até então vigentes. Para a monarquia, essa renovação
também era interessante, desde que representasse aproximar de si maior nú-
mero possível de pessoas. A contraposição de valores que o período abrigou
(antropocentrismo e teocentrismo; fé e razão; ciência contemplativa e ciência
prática) significou, na realidade, uma luta entre camadas sociais pelo poder.
Os valores por elas assumidos representavam interesses concretos, que era
conveniente defender. A burguesia precisava destruir os obstáculos para seu
desenvolvimento, representados pela Igreja, que atacava práticas capitalistas,
mas que, por outro lado, retinha riquezas importantes para o incremento eco-
nômico do período. Esta é uma das razões que se encontram na origem do
movimento da Reforma protestante. Outra razão foi o fato de os reis, uma
vez fortalecidos, não quererem dividir seu poder com o Papa. Além disso,
os camponeses, que desejavam pôr fim à servidão, viam com simpatia o
movimento da Reforma; da mesma forma, viam com simpatia esse movi-
mento os nobres, interessados nas riquezas que a Igreja concentrava por
quaisquer que fossem os métodos.
A Reforma protestante questionou as idéias religiosas que estavam na
base do poder temporal da Igreja e provocou a divisão do mundo cristão. A
Igreja reorganizou-se por meio da Contra-Reforma e reafirmou todos os dog-
mas católicos. Segundo Chauí (1984), a expressão mais alta e mais eficiente
da Contra-Reforma foi a Companhia de Jesus, objetivando a ação pedagógi-
co-educativa para fazer frente à escolaridade protestante. Além disso, a Igreja
passou a enfatizar o direito divino dos reis, fortalecendo a tendência dos
novos estados nacionais à monarquia absoluta de direito divino.
É no quadro da Contra-Reforma, como renovação do catolicismo para combate
ao protestantismo, que a inquisição toma novo impulso e se, durante a Idade
Média, os alvos privilegiados do inquisidor eram as feiticeiras e os magos,
além das heterodoxias tidas como heresias, agora o alvo privilegiado do Santo
Ofício serão os sábios: Giordano Bruno é queimado como herege, Galileu é
interrogado e censurado pelo Santo Oficio, as obras dos filósofos e cientistas
católicos do século XVII passam primeiro pelo Santo Ofício antes de receberem

176
o direito à publicação e as obras dos pensadores protestantes são sumariamente
colocadas na lista das obras de leitura proibida (O Index). (Chauí, 1984, p. 68)

Foi nesse contexto que surgiu a chamada ciência moderna, no século


XVII, com Galileu (1564-1642), que precisou suplantar inúmeros obstáculos
para ser instaurada. Foi necessário derrubar a visão de mundo proposta por
Aristóteles, reinterpretada pelos teólogos medievais e oficialmente em vigor.
A dissolução do Cosmo significa a destruição de uma idéia, a idéia de um
mundo de estrutura finita, hierarquicamente ordenado, de um mundo qualita-
tivamente diferenciado do ponto de vista ontológico. Essa idéia é substituída
pela idéia de um Universo aberto, indefinido e até infinito, unificado e gover-
nado pelas mesmas leis universais, um universo no qual todas as coisas per-
tencem ao mesmo nível do Ser, contrariamente à concepção tradicional que
distinguia e opunha os dois mundos do Céu e da Terra. (Koyré, 1982, p. 155)

O Universo visto por Aristóteles era estático, com seres caminhando


para um fim determinado e dispostos de acordo com uma hierarquia bem
definida. Era um mundo fechado e dotado de qualidades não passíveis de
mensuração matemática. A nova visão de mundo, instaurada nesse período
de transição, era mecanicista. Galileu e Newton (1642-1727), importantes
construtores dessa nova visão, perceberam as dimensões matemáticas e
geométricas dos fenômenos da natureza e propuseram leis do movimento, leis
essas mecânicas. Descartes (1596-1650) também se preocupou com as
leis do movimento e tratou toda a natureza, inclusive o corpo do próprio
homem, seguindo o modelo mecanicista. Hobbes (1588-1679) foi além, no
que se refere à ampliação do campo de abrangência do modelo mecanicista:
estendeu-o para o próprio conhecimento.
A formulação de uma nova imagem do universo exigia o repensar de
toda a produção de conhecimento, suas características, suas determinações,
seus caminhos. Essas considerações metodológicas fizeram parte das preo-
cupações de diversos pensadores do período: Galileu, Bacon, Descartes, Hob-
bes, Locke (1652-1704) e Newton.
Aliada ao rompimento das idéias do mundo medieval, rompeu-se tam-
bém a confiança nos velhos caminhos para a produção do conhecimento: a
fé, a contemplação não eram mais consideradas vias satisfatórias para se
chegar à verdade. Um novo caminho, um novo método, precisava ser encon-
trado, que permitisse superar as incertezas. Surgem, então, duas propostas
metodológicas diferentes: o empirismo, de Bacon, e o racionalismo, de Des-
cartes. Esses dois autores dedicaram parte de sua obra a discutir o caminho
que conduziria ao verdadeiro conhecimento.

177
Embora não tenham elaborado uma teoria do conhecimento, também
Galileu e Newton propuseram, na prática, caminhos para se chegar à verdade,
que se contrapunham àqueles que vigoravam no período feudal.
A utilização da razão, de dados sensíveis e da experiência (em contra-
posição à fé) são traços que marcam o trabalho dos pensadores desse período,
como conseqüência da transferência da preocupação com as relações Deus-
homem para a preocupação com as relações homem-natureza. Esses traços
aparecem, embora com ênfases muito diferenciadas, nos trabalhos de Galileu,
Bacon, Descartes, Hobbes, Locke e Newton.
Ainda ligadas à preocupação com relação ao conhecimento, situam-se
as considerações de Descartes e Locke quanto a sua origem. O primeiro
defende a noção de idéias inatas como fontes de verdade, enquanto o segundo
se coloca frontalmente contrário a essa noção, afirmando que todo conheci-
mento provém da experiência sensível.
Seguindo os novos caminhos traçados pelos pensadores que se desta-
caram nesse período de transição, foi-se firmando um novo conhecimento,
uma nova ciência, que buscava leis, e leis naturais, que permitissem a com-
preensão do universo. Essa nova ciência - a ciência moderna - surgiu com
o surgimento do capitalismo e a ascensão da burguesia e de tudo o que está
associado a esse fato: o renascimento do comércio e o crescimento das ci-
dades, as grandes navegações, a exploração colonial, o absolutismo, as alte-
rações por que passou o sistema produtivo, a divisão do trabalho (com o
surgimento do trabalho parcelar), a destruição da visão de mundo própria do
feudalismo, a preocupação com o desenvolvimento técnico, a Reforma, a
Contra-Reforma. A partir de então, estava aberto o caminho para o acelerado
desenvolvimento que a ciência viria a ter nos períodos seguintes.

178

Você também pode gostar