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109292-Texto Do Artigo-196001-1-10-20160111

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Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 7: 3-21, 1997.

SEPULTAMENTOS PRÉ-HISTÓRICOS
DO VALE DO PERUAÇU - MG

André Prous*
Monica Carsalad Schlobach**

PROUS, A.; SCHLOBACH, M.C. Sepultamentos pré-históricos do Vale do Peruaçu - MG.


Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 7: 3-21, 1997.

RESUMO: São apresentados aqui os onze sepultamentos escavados no vale


do rio Peruaçu desde 1981. Após discussão de dados referentes a sexo, idade e
datação, é descrita a posição em que cada esqueleto se encontrava, bem como
os objetos que o acompanhavam. Objetivamos com isso discutir a existência de
padrões de enterramento para os dois períodos (Arcaico Médio - 4.500/7.000
BP - e Ceramista Recente a Médio - 600/1.200 BP) em que tais estruturas
foram encontradas no vale. Concluímos que há algumas feições típicas de cada
um desses dois períodos.

UNITERMOS: Arqueologia - Minas Gerais - Sepultamentos - Rituais.

Dos dez sítios escavados no vale do Peruaçu, Infelizmente, nenhum sepultamento foi encontra­
apenas dois abrigos (Lapas do Boquete e do Ma- do nas camadas mais antigas de ocupação dos
lhador) tinham sepultam entos nas áreas pes­ abrigos.
quisadas. Uma uma funerária foi retirada de um Alguns dentes e ossos humanos isolados fo­
sítio aberto que não chegou a ser pesquisado sis­ ram encontrados em diversas camadas da Lapa do
tem aticam ente. D escreverem os aqui os onze Boquete, de uma das sondagens da Lapa dos Bi­
enterramentos encontrados durante as escavações chos e uma cabeleira, em níveis recentes da esca­
entre 1983 e 1996, que parecem ser representa­ vação n° 2 da Lapa do Caboclo, seja provenientes
tivos de dois dos principais períodos de ocupação de áreas perturbadas por tocas, seja por covas de
do vale: o “Arcaico Médio” (por volta de 4.500/ silos.
7.000 BP: sepultamentos I, II e VI do Boquete, I,
IV e V do Malhador) e do período Ceramista Re­
cente a M édio - correspondente à cham ada Sepultamentos da Lapa do Boquete
‘Tradição Una” (entre 600 e 1200 BP: sepultamen­
tos III, IV e V do Boquete; II e III do Malhador). Os seis sepultamentos foram encontrados den­
tro de uma área de 55m2 escavados dentro do salão
principal.
(*) Departamento de Sociologia e Antropologia da Univer­
O sepultamento II foi escavado por A. Prous,
sidade Federal de Minas Gerais, Museu de História Natural
da UFMG e M ission Archéologique de Minas Gerais. que participou também da escavação dos de n° III
(**) Museu de História Natural da Universidade Federal a VI. O sepultamento II foi escavado por P. Jun­
de Minas Gerais. queira e I. Malta. Escavaram o sepultamento III

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PROUS, A.; SCHLOBACH, M.C. Sepultamentos pré-históricos do Vale do Peruaçu - MG. Rev. do Museu de Arqueolo­
gia e Etnologia, São Paulo, 7: 3-21, 1997.

Marcos Eugênio Brito e M. Castro e Silva; o sep. Sepultamento 2


IV foi escavado por R. Kipnis e E. Fogaça; o sep.
V por W. Neves; e o sep. VI, por V. Vesolowski. O Sepultamento II, encontrado na quadra K
11 em 1989, era de uma criança recém-nascida. A
Sepultamento 1 estrutura foi datada de pouco mais de 6.900 BP
(data de uma estrutura de combustão vizinha situa­
Foi encontrado na quadra inicialmente chama­ da estratigraficamente logo acima da cova), o que
da “A” na época da escavação (em 1983; foi pos­ corresponde à sua posição estratigráfica (no con­
teriormente identificada como P 27 na topografia tato entre as camadas III e IV).
geral). Trata-se de um adulto de sexo masculino A cova era oval, com de 35 x 23cm no topo e
de idade biológica de 35 a 39 anos, datado em profundidade de 25cm. Suas paredes eram prati­
6.040120 BP (CDTN 1022 - idade do nivel situa­ camente verticais. O esqueleto, embora frágil, esta­
do acima da coya) e 7.232 ± 222 BP (CDTN 1035), va completo e em excelente estado de preserva­
idade de carvões retirados fora da fossa mas próxi­ ção, provavelmente mercê ao contato com os pig­
mos à mesma, em um nível entalhado pela mesma). mentos ferruginosos. O corpo, articulado, foi colo­
Urna concha retirada da fossa (e provavelmente cado no fundo da fossa em decúbito dorsal, per­
enterrada pouco depois do preenchimento da mes­ nas fletidas (ambas caíram posteriormente para a
ma) foi datada de 7.154 ± 150 BP (CDTN 1036), direita); o braço direito estava dobrado, estando o
reforçando a estimativa de urna idade real por volta outro reto, ao longo da perna esquerda. A cabeça,
de 6.500 anos. virada para leste, apoiava na parede norte da cova.
O corpo apresentava-se completo e em bom Um colar de minúsculas contas de osso extrema­
estado. mente finas e frágeis (muitas quebraram-se ao se­
A cova media cerca de 70cm de diámetro e rem coletadas com as pinças) rodeava o pescoço e
quase 30 de profundidade, estando forrada com a parte superior do crânio foi coberto por pigmen­
vários blocos de calcário poliédricos, com diáme­ tos vermelhos. A parte inferior da cova foi com­
tro maior entre 20 e 30cm. O corpo, ainda articula­ pletamente preenchida por pigmentos amarelos, até
do, foi a seguir depositado em decúbito dorsal, os cobrir completamente o corpo (coletamos cerca de
quatro membros fletidos, coxas na vertical, mãos 300g de pigmento preparado puro); a parte superior
na altura do peito, a cabeça para NW e a bacia da cova foi vedada com o sedimento extraído ao
para SE. Embora a cabeça tenha rolado um pouco, se escavar a fossa, misturado com uma forte con­
parece ter inicialmente olhado para cima. Um blo­ centração de concreções de argila endurecida. Uma
co maior, utilizado como quebra-coco, repousava outra fossa com dimensões semelhantes, embora
sobre o tórax, enquanto outros cobriam o crânio, algo menos profunda, foi escavada na mesma épo­
sendo um deles colorido de vermelho. Vários nodu­ ca a 20cm da cova do sepultamento, mas não con­
los e lascas grandes de sñex (algumas retocadas) tinha nem esqueleto nem pigmentos, nem qualquer
estavam amontoados ao lado da cabeça. outra coisa a não ser o sedimento mais fofo que o
Infelizmente, é difícil afirmar que o material da camada circundante.
lítico foi colocado como acompanhamento, pois Em período posterior, uma raiz perturbou leve­
os homens pré-históricos escavaram a fossa até a mente a caixa toráxica da criança. Encontramos
base da ocupação antrópica, de onde peças das ca­ uma mandíbula de roedor aos pés da criança, sem
madas inferiores (equivalentes ao VII e VIII das que seja possível dizer se ela caiu na fossa quando
outras escavações) podem ter sido retiradas com o esta foi escavada ou se foi depositada intencional­
sedimento, antes de serem jogadas de volta ao se mente; parece pouco provável que se trate do res­
preencher a fossa. A presença de uma ocupação to de um animal que tivesse perturbado a cova,
antiga com uma fogueira acompanhada por blocos pois qualquer marca de toca teria sido notada no
grandes e quebra-cocos na quadra vizinha P 28, sedimento violentamente colorido.
na mesma altura da fossa, reforça esta hipótese. A
análise do material lítico da escavação n° 2, ainda Sepultamento 3
não realizada, poderá confirmar se os artefatos reto­
cados apresentam as características típicas dos ní­ A fossa foi cavada nos sedimentos rosados que
veis inferiores. correspondem às camadas II e III, mas origina-se

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de um sedimento perturbado pelo homem pré- quena perturbação é, provavelmente, o animal


histórico, seja na época de que chamamos “0 in­ cujos ossos foram encontrados no final da galeria,
ferior”, seja da Camada “I superior”. Inclusive, um já no sepultamento vizinho.
resto de sedimento branco, típico das estruturas O teto de casca acabou desabando, possivel­
remanescentes do I, avança acima da fossa, o que mente, neste momento em que a fossa teria sido
a “dataria” do I inferior. No entanto, este indício completamente preenchida pelo sedimento cinza
não é seguro, pois outros fenômenos poderiam escuro. Este inclui carvões, numerosos coquinhos
produzir, localmente, o mesmo acúmulo de sedi­ e fragmentos de cansanção: todo material típico
mento branco compacto. Na ausência de datação das fossas para silos dos níveis 0 inferior e I su­
direta, avaliamos a idade do sepultamento entre perior. Os carvões de cobertura caíram todos para
alguns séculos e dois últimos milênios. oeste, seguindo o mergulho do “teto” desabado.
O corpo era de um jovem (de 10 a 14 anos, Finalmente, homens pré-históricos mais recentes
sexo não determinado) que tinha sido depositado iniciaram uma nova fossa, abandonada quando des­
inteiro, com todos os ossos preservados e em co­ cobriram a presença do sepultamento.
nexão. Estando os mesmos em bom estado de con­ O material associado ainda não foi analisado.
servação, não foi necessário endurecê-lo. Na re­ Comporta uma concreção ferruginosa raspada,
gião occipital, foi notada a presença de alguns con­ grãos de pigmento, uma cabaça, um recipiente e
juntos de fibras aderentes ao osso, possivelmente fibras vegetais trabalhadas. Os restos faunísticos
cabelos, que se desmancharam quando tentamos (inclusive uma vértebra de tatu) e as sementes en­
coletá-los. contradas no sedimento da fossa não são, prova­
Foi cavada uma fossa circular de 0,45m de velmente, “oferendas” associadas, mas, apenas,
diâmetro, por 0,3m de profundidade, fundo pouco material proveniente das camadas perturbadas
arredondado e paredes verticais. Após terem depo­ quando da escavação da cova. O mesmo pode se
sitado no fundo da fossa alguns grãos de pigmen­ dizer das (raríssimas) lascas de sílex espalhadas
to vermelho destacado de um bloco posteriormen­ na beirada oriental da estrutura. Quatro contas de
te jogado ao lado da fossa, os coveiros deposita­ colar (discoidais) perfuradas, com cerca de 3mm
ram o corpo encostado à parede oeste, os joelhos a de diâmetro, foram encontradas no nível 0 infe­
leste; a cabeça ficou inclinada para baixo; as per­ rior, logo acima do nível em que a fossa ficou visí­
nas, caíram cada uma de um lado, juntando-se os vel. Talvez um colar tenha sido depositado acima
pés ao sudeste da cova; junto deles estavam as duas da estrutura e perturbado, posteriormente, pelos
mãos, cruzadas acima do púbis. O morto estava últimos “cavadores” já mencionados.
envolto em uma “capa” de folhas de palmeiras,
retidas por um cordão que atravessava cada pecíolo Sepultamento 4
e passava ao redor do pescoço; a capa se estendia
por todo o fundo da cova. Os antebraços estavam O sepultamento IV corresponde a uma grande
amarrados por grandes tiras de entrecasca (com cova sub-circular que foi escavada dentro de uma
5cm de largura). Após terem preenchido o fundo fossa anterior onde vários “silos” tinham sido en­
da cova com alguns centímetros de sedimento, rico terrados. A cova sepulcral é, inclusive, posterior
em material orgânico, depositaram um pequeno ao silo n° III (cujo lado oriental foi destruído) e ao
vaso de cerâmica preta (cujo conteúdo ainda não silo IV (do qual restou apenas a extremidade sul).
foi analisado) e uma pequena cabaça. É, provavel­ Desta forma, o sepultamento IV pode ser conside­
mente, neste momento que cravaram pequenos rado “grosso modo” contemporâneo, ou pouco
postes de madeira de 2,5 a 4,5cm de diâmetro, para mais recente que o sepultamento III, na escala ar­
sustentar um pequeno teto feito com placas de uma queológica das camadas superiores, o que signifi­
casca espessa (provavelmente Angico, Piptadenia ca uma diferença de idade real não superior a al­
sp.). A maior “placa” de casca media 23 x 13cm. guns séculos. Muito profunda, a cova atravessou
O conjunto foi fechado, em seguida, e a “tampa” boa parte das camadas holocênicas.
de cascas coberta por carvões. Um roedor insta­ O corpo é de um adulto, provavelmente mascu­
lou-se acima do cotovelo direito cavando também lino e de grande estatura; foi enterrado inteiro, com
uma galeria de comunicação para a fossa próxima a cabeça envolta por uma estrutura trançada de
do sepultamento IV. O responsável por esta pe­ palha de palmeiras, a qual não foi ainda removida;

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assim sendo, não tivemos possibilidade de exa­ ças e o joelho esquerdo; continha um verdadeiro
miná-la, mas parece ter conservado os cabelos. nécessaire de sobrevivência para o Além.
O resto do corpo foi parcialmente mumificado Atrás do ombro esquerdo, ficaram as duas me­
pelas próprias condições ambientais,1restando pele tades de uma flecha: caniço no qual se encaixava
e ligamentos na altura do tronco, na bacia, na al­ uma forte ponta de madeira maciça com duas far­
tura dos braços e na parte inferior das pernas (in­ pas entalhadas. Atravessados sobre as pernas, dois
clusive os pés). fragmentos de madeira (um deles com extremida­
Foi cavada uma fossa oval de paredes quase de arredondada) são, provavelmente, o que restou
verticais, com 0,8 x 0,65m de diâmetro e mais de do arco.
0,5m de profundidade; ao norte, os limites da fossa Pode ser que tenham fechado o sepultamento
coincidem com o aparecimento de um grande bloco com um teto semelhante ao do sepultamento III,
abatido, enterrado sob as camadas superiores e que pois não houve preenchimento imediato da cova
não podia ser visto antes da escavação funerária. por sedimento; como prova disto, temos o fato que
Na base, foram jogados grânulos de pigmento a mandíbula caiu, por baixo da “cesta” emborcada,
vermelho; a seguir, o fundo e a parede ocidental sobre o púbis; a deformação do balaio (cujas va­
foram forradas por pecíolos de palmeiras que tal­ ras “assentaram” no joelho) e, talvez, a da grande
vez formassem uma capa semelhante à do sepulta- folha de palmeira sugerem também uma sedimen­
mento III; no entanto, foram poucos os restos de tação tardia. Deveremos procurar, nos vestígios
cordão encontrados, o que toma discutível sua as­ vegetais ainda não analisados e coletados antes do
sociação com a palha (na qual não identificamos reconhecimento da cova, elementos que possam
furos de costura). No fundo, os pecíolos formavam comprovar uma cobertura vegetal. Numa das
várias camadas de elementos paralelos, cada uma plantas, está inclusive assinalado um fragmento de
cruzando obliquamente a anterior. casca de árvore perto da cova, 30cm sudoeste da
O corpo foi assentado encostado na parede oci­ cabeça do indivíduo. Perturbações tardias pode­
dental, as pernas fletidas e abertas, os pés juntos riam ter provocado a destruição da proteção su­
embaixo da bacia, as mãos acima do púbis, uma perior.
delas segurando um anel de fibras vegetais, fecha­ Os numerosos gravetos, coquinhos e até algu­
das por um nó. A cabeça estava embrulhada numa mas espigas de milho, são, sem dúvida, proveni­
espécie de cesto emborcado. Tiras de entrecasca entes das fossas de silos perturbados pelo sepul­
enrolavam-se ao redor dos braços e passavam aci­ tamento. As poucas lascas de sílex também, ou
ma do peito. Vários objetos foram depositados no mais provavelmente, dos níveis pré-ceramistas per­
fundo da fossa: alguns grânulos de pigmento ver­ furados pela cova. Não há quase vestígios fau-
melho, um pote de cerâmica (grande, pelos padrões nísticos, a não ser uma mandíbula de roedor, en­
Una) colocado a sua direita. Na frente do corpo, contrada nas imediações da galeria que destruiu
encostada à parede oriental, uma enorme cabaça; um canto da cesta. Estando estes vestígios ainda
do lado esquerdo, mais três cabaças de tamanho por analisar, não os descreveremos mais deta­
médio. Foi, a seguir, colocada uma palma inteira lhadamente.
de coqueiro, provavelmente apoiada no peito (ou O balaio colocado acima das pernas do morto
sobre a cabeça) e na cabaça maior. Com o tempo, era feito com fibras duras, mas flexíveis de cipó;
a parte alta deslizou e o talo encurvou-se. continha duas lâminas polidas, uma goiva de con­
Cerca de 30cm acima do fundo da cova, um cha de bivalva e material para amarração: tiras de
lindo balaio trançado foi depositado sobre as caba­ entrecasca, uma bola de cera de abelha (parte des­
se material já foi ilustrado em Prous et al. 1994).
Dentro do balaio também havia uma pequena ca­
(1) O que não é fato inédito nas grutas de Minas: em dois baça contendo uma faca de sílex com vestígios de
m unicípios do sul do estado, foram documentados casos utilização e restos de pigmento vermelho no gume,
de mumificação natural: em Carangola (pesquisa inédita um novelo de barbante, outra bola de cera e vários
de Prous e Baeta) e em Rio N ovo (cf. Beltrão e Lima 1986) objetos de ossos. Entre estes, dois caninos superio­
onde também foram encontrados corpos repousando sobre
fibras vegetais. Uma criança, envolta em uma estrutura de
res de porco do mato, dois incisivos de capivara
fibras, apresentava o mesmo envólucro vegetal do Sepulta- (um deles, com uma bola de grude - resina ou cera
mento 4 do Boquete. - na parte proximal); oito dentes de paca soltos e

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mais dois, atados a um graveto, formando um bu- preservado e que ainda não se tentou restaurar.
ril encabado; enfim, três espátulas de ossos de pata Os pré-históricos entupiram a seguir a fossa
de cervídeo. com o sedimento previamente retirado para cavá-
la, sem deixar marco que pudesse ser notado pelos
Sepultamento 5 arqueólogos. A pequena estrutura de combustão
amorfa assinalada anteriormente poderia ser o que
Foi encontrado em 1995, no limite entre as sobrou do sedimento escavado dentro de uma
quadras L 20 e L 21. Cavada a partir do contato fogueira antiga. Isto explicaria a homogeneização
entre as camadas 0 (ainda marcada pelas pertur­ do material e sua localização exatamente ao lado
bações consecutivas à introdução do gado na re­ da cova. Não parece ser uma fogueira, pois car­
gião) e I. Embora não tenhamos ainda datação para vões e cinzas estão misturados de maneira homogê­
o enterramento, sua antigüidade pode ser estima­ nea e o conjunto apresenta o aspecto de um mate­
da entre 600 e 800 anos. Tratava-se de uma crian­ rial perturbado. O bloco de pigmentos poderia ter
ça com poucos meses de vida, cujo esqueleto foi sido abandonado pelos coveiros, que não deixa­
quase completamente preservado; alguns cabelos ram pó colorido na fossa nem na uma.
ainda aderiam ao crânio.
Logo antes de notar-se a cova, notamos a pre­ Sepultamento 6
sença de uma estrutura de combustão circular de
30cm de diâmetro com carvões e cinzas mistura­ A extremidade da fossa do sepultamento VI
dos, cujo centro estava ocupado por uma plaqueta foi percebida no corte norte da quadra L 21 en­
de calcário. Um nódulo de pigmento escuro com quanto estavam sendo escavadas as camadas III e
vários centímetros de diâmetro foi encontrado na IV. Decidimos, portanto, abrir a quadra M 21, onde
borda desta estrutura. Embora seja possível que encontra-se a quase totalidade da estrutura, desco­
estes vestígios sejam independentes e um pouco brindo o enterramento de uma criança de 18 ± 6
posteriores ao sepultamento que apareceu logo a meses. O esqueleto estava completo, muito bem
seguir, imediatamente a leste, veremos que não se preservado; coletamos até restos de tecidos moles
pode descartar a possibilidade de que cinzas e car­ ao longo da coluna vertebral e fezes amareladas
vões resultem da ação dos coveiros. entre as pemas.
A criança teve sua cabeça enfeitada com penu­ Algumas marcas de perturbação (“fossa B”)
gem branca de ave e recebeu um adorno formado foram notadas no nível superior da camada III mas
por minúsculas contas de colares, encontradas so­ não é absolutamente seguro que tenham a ver com
bretudo na região do tórax. Foi a seguir deposita­ o sepultamento. Já no nível III inferior, ficou clara
da em posição fletida dentro de um pote com cer­ a presença de uma cova de 40cm de largura e 80
ca de 35cm de diâmetro (ainda não reconstituído) de comprimento cujo sedimento fofo e cinzento
e mais de 25cm de boca; as pernas estavam a su­ destacava-se sobre o sedimento bege a oeste; a les­
deste e a cabeça foi encontrada a noroeste. Um te, contrastava com uma mancha colorida por pig­
fragmento de cabaça apareceu dentro da uma, mas mentos vermelhos. A cova aprofundava-se nos se­
pode ter caído posteriormente, quando a tampa da dimentos compactos das camada IV e do nível su­
uma cedeu. perior da camada V. Uma datação de 4.480 ± 70
A fossa, com cerca de 60cm de diâmetro, foi BP (Beta 98574) para carvões associados aos pig­
escavada no sedimento das camadas I e II até atingir mentos da camada III inferior indica a data prová­
vários blocos e pedra, perfurando uma grande fo­ vel do enterramento.
gueira anterior que ocupava boa parte das quadras A cova tinha 80 x 40cm seguindo um eixo
L 20 e 21. Depositaram então a uma, rodeada por norte-sul, tendo uma profundidade de 29cm e pa­
cintas vegetais que devem ter servido como base redes abruptas. Notou-se a presença de um degrau
para estabilizar o pote (de base arredondada) e tal­ ao norte. A criança foi deitada de bruços com as
vez, de alça para o transporte. Colocaram então pemas esticadas e os pés cmzados, o esquerdo aci­
outra vasilha, emborcada, para servir de tampa. A ma do direito; os braços ao longo do corpo, uma
oeste da cova, ainda colocaram uma cabaça; ao mão sobre a coxa direita, a outra ao longo da coxa
noroeste coletamos um cálice floral e sementes de esquerda; a cabeça estava virada para oeste. Res­
cansanção, além de um objeto de fibras muito mal tos de fibras vegetais trançadas com dois fios fo­

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ram encontrados ao longo da coluna vertebral, no 1996 por M. Schlobach, W. Neves, V. Vesolowski,
braço esquerdo e na nuca, assim como na frente H. C. Branco, J. Rodet, S. Nascimento, J. Cardoso
da face. Pigmentos amarelos forravam as laterais e A. Zanetti.
da fossa na altura do tórax. Pigmentos vermelhos Em todos os casos, retiramos assepticamente
tinham sido despejados em grande quantidade aci­ (com luvas e máscara) amostras para análise de
ma das coxas, do tronco e da cabeça. No degrau já DNA.
mencionado ao norte da cabeça, o pigmento ver­
melho formava uma camada de 3cm de espessura, Sepultamento I
15 de comprimento e 5 de largura acima da qual
repousavam 4 grandes bolas de pigmento amarelo.
Este sepultamento foi escavado em 1981/82
Coletamos mais de 30g de pigmento vermelho e
por Paulo Junqueira e sua equipe. Encontrava-se
131 de amarelo, embora muito se tenha perdido
entre as quadras H27 e H28. Inicialmente, em 1981,
durante os trabalhos. Também coletamos uma ma­ foram evidenciados na quadra H27 a região do crâ­
téria pastosa amarelada entre as coxas, provavel­
nio e a parte superior do tronco. Em 1982, a equipe
mente de origem fecal. iniciou a escavação da quadra H28, a fim de com­
Segundo uma reconstituição possível, uma pletar a exumação do indivíduo.
fogueira teria sido acesa a leste de M 21, sobre a As primeiras falanges são encontradas no ní­
qual teriam despejado pigmentos vermelhos; a fos­ vel 3 da estratigrafía estabelecida por P. Junqueira
sa teria sido então escavada, cortando a extremi­ (que corresponde ao nosso nível II). Mas é no sedi­
dade ocidental da fogueira. Neste caso, o sepulta- mento vermelho do que chamou camada 4 (e que
mento seria datado pelos carvões. Existe, no en­ denominamos nível III) que surgem os demais os­
tanto, a possibilidade que o enterramento tenha sos. Junqueira escreve no caderno de campo: “O
sido realizado depois, se considerarmos as pertur­ início da decapagem do sedimento vermelho mos­
bações discretas notadas no III superior como in­ trou sem dúvida alguma que o indivíduo foi enter­
dicadores da presença da fossa já neste nível. Nes­ rado no sedimento vermelho, onde já se vê nitida­
te caso, o enterramento não teria relação com o mente o corte da cova no sedimento in situ.”
fogo nem com a lente de pigmento, e seria um Assinalamos também a presença de um se­
pouco posterior à datação proposta. dimento remexido vizinho e sobreposto à área do
sepultamento - a leste do mesmo - que constitui­
Ossos “avulsos” e perturbados ria fossa posterior à do enterramento: “O tronco
do indivíduo parece ter sido remexido por uma
Alguns ossos como falange ou dente foram cova que fizeram posteriormente (remexido rosa
cinzento da linha G/H)” (idem).
encontrados avulsos na escavação n° 1, mas a maio­
ria se encontrava em regiões perturbadas por fos­ Logo, parece tratar-se de sepultamento pro­
sas antrópicas ou tocas de animais. Na escavaçaõ veniente de um nível preceramista médio a tardio.
n° 2, em M 20, foram recuperados os ossos de um Apesar de termos enviado ao Laboratório Beta
braço de criança pequena numa grande toca que (Miami - EUA) algumas costelas do indivíduo, a
fim de precisar esta data, não foi possível datá-lo,
se prolonga dentro da quadra M21 entre blocos
desabados, na altura das camadas V/VI, as quais pois não continha colágeno suficiente.
não foram escavadas neste setor. Este último acha­ Trata-se de indivíduo do sexo feminino, de 35
do indica a probabilidade da existência de um sé­ a 39 anos de idade. Seu estado de conservação é
timo sepultamento, infantil, datado de cerca de 7/ mediano: “O esqueleto está muito fragmentado, os
ossos finos estão muito impregnados de dendritos
8.000 anos em M 21.
de manganês” (idem ibidem). No que se refere aos
ossos longos, a maioria dos que foram encontrados
estavam fragmentados (caso do rádio e ulna direi­
Sepultamentos da Lapa do Malhador
tos, da tíbia esquerda e do úmero direito). Outros
foram descritos como cortados: os rádio e ulna
Foram encontrados 5 esqueletos, num total de esquerdos. Quanto aos demais ossos longos, não
15m2 escavados; o sepultamento n°l foi escavado foram recuperados. Além desses ossos, não foram
em 1982 por P. Junqueira e os demais em 1995 e tampouco encontrados os dos pés e todas as coste-
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gia e Etnologia, São Paulo, 7: 3-21, 1997.

Ias esquerdas. Os demais ossos estavam conecta­ Sepultamento II


dos, apesar de terem sido deslocados em alguns
casos. Esse sepultamento encontrava-se no interior
Foi cavada uma cova oval, que no momento da quadra LIO. Destaca-se um dado interessante
das escavações encontrava-se bem mais profunda quanto à sua localização: ele - assim como o sepul­
na região noroeste (área do crânio) do que a su­ tamento III - encontra-se na extremidade de um
deste (região reservada aos pés).2Mas tal fato deve- sedimento concrecionado que, apesar de não ser
se a um microfalhamento que provocou o rebaixa­ espesso (cerca de 3cm), já é visível no nível em
mento de um pacote sedimentar. que sua fossa aparece. Assim, essa concreção pode
O indivíduo foi depositado deitado, porém ter direcionado a escolha de sua localização exa­
com as pernas fletidas. O crânio encontrava-se ta, ou porque se evitou cavar no sedimento concre­
“com a face voltada para cima a noroeste (295°). cionado, ou porque se procurava algo de estável
O malar esquerdo estava solto, bem como um inci­ (um sucedâneo de uma concreção) para firmar a
sivo inferior (...). O corpo foi jogado na sepultura parede da fossa.
de lado, estando a parte do lado direito voltada A fossa desse sepultamento começa a aparecer
para baixo. A mão direita passa por cima da esquer­ já no nível 0 Inferior. Logo, trata-se de um sepul­
da, estando os dedos apoiados no punho esquerdo. tamento extremamente recente, já que pertence a
O rádio e o cúbito esquerdo estão cortados, faltan­ um nível sub-superficial (que se inicia a 5cm de
do o restante do antebraço e do braço” profundidade da superfície, e cujo sedimento con­
Aparentemente, foram jogados blocos de pe­ tém boa quantidade de estrume, possivelmente
dras sobre as a pernas: “Várias pedras e blocos intrusivo5). Inclusive, o sedimento remexido que
concrecionados foram atirados sobre o esqueleto, preenche a cova é de coloração marrom-orgânica,
principalmente junto das tíbias e perônios, já na o que se deve também ao fato de ela conter ainda
porção norte da quadra” grande quantidade de vestígios vegetais, como
O material encontrado no sedimento remexi­ veremos a seguir.
do que parece ter remexido a fossa “constou de Um dos ossos pode ser datado, por 14C (já que
algumas lascas de sílex, carvão, coquinho, vérte­ continha colágeno). Obtivemos a datação de 810
bras de peixe, plaquetas de tatu, fauna pequena e ± 40 BP (Beta 104505), não calibrada.
Strophocheilidae (...) Como adereços funerários Encontrava-se em ótimo estado de conserva­
podemos verificar alguns Strophocheilidae per­ ção, apesar de pertencer a uma criança (de 6 ± 2
furados próximos à omoplata direita”. Também anos anos de idade). Trata-se de um enterramento
junto à mandíbula parece ter sido encontrada uma primário, e assim todos os ossos estavam ainda
plaina semelhante: “A mandíbula estava quebra­ conectados. Foi possível identificar e coletar uma
da, estando apoiada em um Strophocheilidae com amostra de seus cabelos.
perfuração” . Além disso, junto ao axis e ao atlas, Foi cavada uma fossa de forma arredondada
havia uma espinha de cobra inteira, que, segun­ (cujo diâmetro ia de 36 a 42cm), de paredes verti­
do Junqueira, teria sido depositada junto à pes­ cais e fundo dissimétrico (era ligeiramente mais
soa enterrada. De fato, também é possível que a alto onde repousaram as costas e a pélvis do que
cobra tenha apenas aproveitado a fossa como ni­ na região dos pés). A profundidade total não exce­
nho. dia 35cm.6
Segundo P. Junqueira,3 não foram encontra­ Essa fossa foi então forrada por, ao menos,
dos pigmentos, artefatos vegetais ou outros vestí­ uma camada de vegetais que denominanos proviso­
gios que são comumente evidenciados nos sepul­ riamente “palha”
tamentos do vale.4 A criança foi então depositada, “acomodada
sentada, hiperfletida, com o braço esquerdo lateral

(2) Assim , a cota do negativo da clavícula era 92; a do (5) De vez que predomina aqui um silt rosado, porém m es­
crânio, 84; a da bacia, 64 e a dos pés, 46. clado de estrume, provavelmente devido ao pisoteio hu­
(3) Comunicação pessoal. mano e de gado.
(4) Como cabaças, cerâmica ou lítico. (6) De forma que sua base encontrava-se no nível III Inferior.

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ao corpo, levemente fletido e abraçando a pema o material encontrado no alto da cova (antes de
esquerda por fora com a mão na altura do tornozelo. aparecer o esqueleto) e o material achado na altura
O braço direito estava em posição lateral, levemen­ do indivíduo.
te fletido com a mão sobre o abdômen. Ambos os No primeiro momento, foram encontrados
pés encontravam-se dobrados lateralmente na arti­ dois fragmentos de cerâmica, a serem estudados,
culação tíbia/talus. O direito tinha o lado mesial algumas lascas de sílex, raros fragmentos de pig­
apoiado contra o solo, e o esquerdo o lado lateral. mentos, vegetais e conchas. Como esse material
A cova era bastante pequena e o indivíduo foi es­ não se encontrava imediatamente próximo ao cor­
premido para que nela coubesse (da mesma ma­ po e é pouco numeroso, acreditamos que faça par­
neira que o sepultamento III). O joelho esquerdo te do sedimento de preenchimento da fossa, e não
estava mais alto que o direito, com a articulação de vestígios aí colocados intencionalmente.
fêmur/coxal em ângulo obtuso. A pema direita es­ No segundo momento, encontramos, além das
tava sobre o braço direito, com a articulação fê­ fibras vegetais já citadas, algumas folhas (nas 3a e
mur/coxal em angulação aguda” 7 Sua cabeça, um 4a decapagens), bem como poucos carvões e outros
pouco virada para baixo, encontrava-se ao norte vegetais. Quanto aos pigmentos, foram encon­
da fossa e voltada para o sul; seus pés encontravam- trados sobretudo nas duas últimas decapagens, sob
se ao sul da fossa. os pés e mãos. Eles tanto podem ter sido deposi­
Foi então recoberta - desde a cabeça, passan­ tados sob esses membros, quanto sobre eles (no
do pelo tórax e até os pés - por uma capa de fibras segundo caso, teriam caído sob eles após o apo­
vegetais, estruturadas em forma de feixes espessos drecimento das carnes). Além desses objetos, que
(até 5cm). A diferença de outros sepultamentos acreditamos estarem ligados ao preenchimento da
encontrados no vale, essa capa não parece ter sido estrutura, encontramos também meia dúzia de os­
amarrada ao corpo por cordões, que não foram en­ sos de animais e poucas lascas de sílex. Mas o ar­
contrados aqui. Por outro lado, dada a má conserva­ tefato mais interessante (ou menos comum) foi uma
ção dos vegetais (somente poucos fragmentos da espátula em osso: tratar-se-á de objeto enterrado
“palha” restavam), talvez tenham havido cordas com a criança? E difícil afirmar que sim ou que
na estrutura, que não se conservaram. não, de vez que se encontrava a 5cm da pema di­
Talvez essa capa tenha envolto a criança, pas­ reita, porém na altura da mandíbula. Até recente­
sando por baixo do corpo. É possível também que, mente, acreditávamos que, no vale do Peruaçu,
antes de colocar-se o corpo na cova, sua cabeça geralmente tais espátulas seriam encontradas as­
tenha sido envolta em um tipo de fibras vegetais sociadas a níveis mais antigos. Atualmente, esse
diverso dos demais. Aguardamos análises - já em achado - e principalmente o do Sepultamento 4
vias de iniciar-se - da técnica em conservação Elay- do Boquete acima descrito - nos levam a reavaliar
ne G. Lara, que estudará todos os artefatos vegetais tal idéia.
encontrados no sítio. Logo, os vestígios encontrados aqui cujos es­
Conforme mencionamos acima, havia fios de tudos deverão apresentar maiores informações são,
cabelo misturados às fibras vegetais encontradas além dos provenientes do próprio indivíduo enter­
no crânio. Assim, coletou-se um tufo, para análise rado e dos artefatos vegetais que o envolviam, a
de DNA do indivíduo. Também as amostras de pe- cerâmica (que, entretanto, parece ser intrusiva, já
riósteo encontradas no fêmur e na tíbia esquerdos, que foram encontrados somente dois fragmentos,
bem como no fêmur direito, foram coletadas. no alto da fossa), os pigmentos e a espátula de osso.
Quanto aos sedimentos para análises de pa- Esse último pode ter-se constituído no único artefa­
leopatologia, foram coletados em duas regiões: no to depositado propositalmente com a criança.
interior da pelve (sedimento do abdômen) e no inte­
rior do tórax. Sepultamento III
No que concerne aos vestígios encontrados na
fossa, distinguimos dois momentos de escavação: Esse sepultamento, como o anterior, foi en­
contrado durante a escavação da quadra LIO . En­
tretanto, ele se encontrava parcialmente no limite
(7) Anotação de campo realizada por Verônica W. de Aguiar com as quadras LM9, e assim abrimos l/2m 2 su­
e Santos, que escavou este sepultamento. plementar nessas quadras, a fim de exumar o es-

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queleto. Em ambos os momentos da escavação, a caixe no espaço disponível. O pé esquerdo estava


fossa apareceu no contato entre os níveis e 0 I. de tal forma comprimido contra a parede, que a
Logo, ele parece ser um pouco mais antigo do que articulação das falanges com os metatarsos encon-
o sepultamento II, mas pertence, também, a um travam-se dobradas, estando as falanges em posi­
nível sub-superficial, e apresentará, portanto, os ção quase vertical, para cima. Já o pé direito foi
mesmos problemas para datação já enunciados a contorcido para a esquerda, de forma a se ajustar a
respeito do Sepultamento II, do qual deve ser sua aresta lateral contra a parede da cova.”
contemporáneo. Sobre o crânio, encontrou-se uma capa de
Foi encontrado inteiro, aparentemente na mes­ fibras vegetais. Estas, à diferença dos trançados já
ma posição em que foi enterrado, visto estarem os citados, não apresentam sinais de manufatura,
ossos todos ainda em conexão. Tratava-se de uma exceto, talvez, pelo seu alinhamento paralelo. Mas,
mulher, de idade estimada entre 35 a 39 anos. como esse alinhamento pode ocorrer naturalmen­
Cavou-se uma fossa praticamente circular (diâ­ te (caso da embira), provavelmente não se trata de
metro variando de 55 a 60cm), de paredes retas e artefato. A grande quantidade de fibras diminui
fundo côncavo. Este último possuía um declive, abruptamente em direção à face, onde aparece
na região norte da fossa,8 que era orientado para grande quantidade de fibras, desta vez trançadas e
SE. Sua profundidade é de aproximadamente torcidas. Tudo isso sugere um tratamento dife­
50cm. Dessa forma, ela perfurou os níveis I a V. renciado para o crânio, que talvez se assemelhasse
Em seguida, a fossa foi forrada com um trança­ ao que foi encontrado no sepultamento III da Lapa
do de fibras vegetais (embira?), do qual encontra­ do Boquete, onde “o morto estava envolto em uma
mos fragmentos em praticamente todo o fundo da ‘capa’ de folhas de palmeiras, retidas por um
cova e em algumas laterais. Como estava muito cordão que atravessava cada pecíolo e passava ao
friável, só pudemos coletar poucas amostras. Fo­ redor do pescoço” (Prous 1992/93). Entretanto, tal
ram encontrados também, na parte mais alta da “capa” “estendia-se por todo o fundo da cova”
parede da fossa, fragmentos vegetais tubulares que (idem), o que não era o caso no sepultamento em
poderiam ser a borda de um grande cesto, dentro estudo.
do qual teria sido colocado o indivíduo antes mes­ Enfim, à direita do indivíduo, foram coloca­
mo de ter sido depositado na fossa. Logo, a ques­ das obliquamente três varas, que aparentemente
tão que se coloca é: trata-se de esteiras (que pode­ não apresentam vestígios antrópicos. Estas varas,
riam forrar fundo e laterais da cova) ou seria um cuja extremidade superior apareceu atrás da calo­
grande cesto trançado? ta craniana (mas alguns centímetros mais alta do
Outra questão que se coloca é: teria havido, que ela). Podem fazer parte da estrutura - esco­
sob o crânio, um forro complementar, feito de te­ rando alguma cobertura que tivesse sido colocada
cido mais “fino”? É o que sugerem as anotações em sua parte superior - novamente, como no sepul­
de campo. Como o material em questão foi coleta­ tamento já citado do Boquete, onde “cravaram pe­
do separadamente, e como será estudado em bre­ quenos postes de madeira, de 2,5 a 4,5cm de diâ­
ve por uma especialista, esperamos responder fu­ metro, para sustentar o pequeno teto feito com pla­
turamente essa questão. cas de uma casca”. No entanto, como estavam to­
Depositou-se então o indivíduo, que, segundo dos juntos e na mesma direção, indo dar no canto
W. Neves - que escavou o sepultamento - “foi aco­ SE (e não no centro) da fossa, e como não foram
modado sentado, hiperfletido em posição fetal” encontrados outros materiais nesta região superior
O crânio voltava-se para baixo e apontava na dire­ da fossa, acreditamos que possam ser, na verdade,
ção SE. Ainda segundo o antropólogo: “A cova objetos pessoais pertencentes à pessoa enterrada.
desse sepultamento apresenta-se muito estreita, Dois materiais, em princípio humanos e de
dando a impressão que o indivíduo foi espremido interesse especial, foram coletados para análise de
dentro dela, até porque as pemas acham-se pressio­ DNA: no fêmur direito, fragmentos de periósteo;
nadas contra a parede, tendo sido torcidas para a e, contornando a 10a costela direita, algo semelhante
esquerda do indivíduo, o que permitiu o seu en­ a uma pele. Além disso, foi feita coleta de sedi­
mento da caixa craniana e da região abdominal,
visando esta última encontrarem-se materiais para
(8) Onde estava apoiada a cintura escapular do indivíduo. estudos de paleoparasitologia.

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Quanto a outros materiais associados, além das Este é o único esqueleto cujos ossos apresen­
varas já mencionadas, devem-se mencionar alguns tam-se, na sua maioria, mal conservados. Dois fato­
grânulos de pigmento encontrados na peneira da res contribuem para explicá-lo:9 sua antigüidade
última decapagem - logo, devendo corresponder maior do que a dos sepultamentos II e III (vide
à prática, encontrada nos outros sepultamentos des­ supra) e o fato de tratar-se de uma criança.
se abrigo, bem como nos do Boquete, de jogarem- Alguns ossos estavam tão friáveis que, mesmo
se grãos de pigmento na cova, antes ou depois da quando aguardávamos 24 horas para sua eviden-
deposição do corpo. ciação completa (e por vezes outras tantas para sua
Dois gastrópodes inteiros com perfurações remoção) - com o intuito de tomar seu ressecamen-
foram encontrados, e seu estudo posterior mostra­ to menos danoso -, muitos esfarelavam-se ao ser
rá se trata-se de artefatos. Algumas peças líticas retirados. Dessa forma, nem todos os ossos estão
foram encontradas na última decapagem, na altu­ inteiros, e, como a maioria não fora fusionada por
ra dos tornozelos e punhos, distantes destes no tratar-se de um recém-nascido, possivelmente fal­
máximo lOcm. Entre elas, duas são possivelmente tarão algumas epífises ou outros ossos pequenos.
quebra-cocos. A fossa cavada para enterrar a criança tinha
Alguns poucos ossos e um bom número de forma arredondada - sendo ligeiramente maior no
vegetais (alguns queimados) foram assinalados, sentido N/S (diâmetro de 34cm) do que no L/O
mas, por estarem dispersos pela fossa, acredita­ (diâmetro de 27cm). Era muito profunda: cerca de
mos que são provavelmente provenientes dos ní­ 70cm.10 De forma que sua base encontrava-se na
veis de preenchimento. O mesmo ocorre com al­ altura do nível VIII Inferior, o qual caracteriza-se
guns poucos carvões. pela grande quantidade de blocos calcários. Desse
Concluindo, parece não ter havido prática de nível de blocos, alguns foram provavelmente retira­
oferendas alimentares, e os objetos pessoais pos­ dos - já que na maior parte da área do fundo da
síveis teriam sido feitos com pedras e madeira. fossa não estão presentes - e apenas alguns foram
Outro dado digno de nota é a raridade dos pig­ deixados, formando assim um semicírculo na borda
mentos encontrados: aparentemente, foi somente da fossa que ia de norte (passando por sudeste) a
jogada no fundo da fossa uma pequena quantida­ sul. Completando essa linha, encontrava-se uma
de dos mesmos. concreção - mais alta do que os blocos - que parece
ter escorado a fossa. Exatamente nos espaços não
Sepultamento IV ocupados por eles, foi depositada uma camada de
pigmentos e, acima dela, a criança.
Este sepultamento encontrava-se totalmente Em razão da maior antiguidade desse sepulta­
no interior da quadra M i l . Sua posição estratigrá- mento, os elementos vegetais não estão preserva­
fica - e espacial - é extremamente interessante: na dos, e não sabemos se houve, como nos outros se­
parte superior da cova, quando seu contorno ainda pultamentos do abrigo, deposição de artefatos ve­
está mal definido, há uma mancha de pigmentos getais sob ou sobre a criança. Entretanto, a posição
amarela (no contato entre os níveis II e HI) que faz do esqueleto - cujas vértebras lombares encontra­
parte de todo um conjunto de manchas e grânulos vam-se bastante oblíquas em relação aos ossos
identificados nesse contato nas quadras M/N 11 em ilíacos, e cuja calota craniana encontrava-se com­
outubro de 1994; esta mancha continua na altura pletamente emborcada - nos leva a pensar que a
do nível III Superior, porém passa por outos tons deposição de sedimento junto aos ossos pode não
(de grená e marrom); finalmente, firma-se o contor­ ter-se dado logo de sua inumação. Por isso, é possí­
no da fossa (quando a mancha apresenta novamente vel que o corpo tenha sido envolto em algum artefa­
coloração amarela) no nível ID Médio. Tudo isso to que o isolava do meio exterior.
sugere uma associação entre a “área de atividade”
em M/N 11 e o sepultamento.
Para datá-lo, poderemos utilizar uma fogueira (9) ) O conhecimento do pH desta estrutura também pode­
ria contribuir para essa explicação. Entretanto, não dispú-
localizada ao norte da mesma quadra, pertencente
nhamos de aparelho para medi-lo.
ao nível superior ao do sepultamento (nível II). De (10) Entretanto, a criança, tendo sida depositada pratica­
qualquer forma, pertence ao Pré-Cerâmico médio mente em seu fundo, encontrava-se a cerca de 50cm de seu
a tardio. topo.

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O corpo foi depositado sentado, sobre uma es­ diretamente sobre os ossos, parece pertencer ao se­
pessa (3cm) camada de pigmento amarelo, as cos­ dimento de preenchimento da fossa.
tas voltadas para NO, os pés - colocados imediata­
mente à frente dos ossos da pélvis - apontando Sepultamento V
para SE.
Por não haver uma disposição clara dos ossos Este foi o terceiro sepultamento evidenciado
e por não termos familiaridade com esqueletos não na quadra LIO. Sua fossa foi notada no contato
fusionados e tão pequenos, não podemos assegu­ entre os níveis III e IV. Mas, foi necessário escavar
rar a validade dos nomes atribuídos em campo aos essa fossa ainda por 30 centímetros de profundi­
ossos longos. Entretanto, como dispúnhamos das dade - até a altura do nível VI - antes de deparar­
coordenadas cartesianas, das cotas de altura e das mos com o crânio, que estava misturado a fibras
inclinações de cada osso11 - e tendo sido todos vegetais. Dessa forma, trata-se do sepultamento
eles numerados pudemos redesenhar - em mais antigo do sítio.
laboratório - o conjunto dos ossos longos em pa­ O nível III apresenta alguns carvões que pode­
pel milimetrado. Os ossos desenhados foram com­ rão ser datados, mas não imediatamente acima do
parados com as diversas fotos Polaroid, que con­ sepultamento, e sim numa quadra vizinha.
firmaram suas posições. Por fim, realizamos um Trata-se de uma criança, de idade de 4 ± 1
desenho para as diversas falanges, que também foi ano. Foi encontrada inteira, com todos os ossos in
coerente com o primeiro desenho. Dessa forma, situ. A cova não parece ter sofrido perturbações
formulamos duas reconstituições hipotéticas no importantes. O estado de conservação dos ossos é
que se refere à posição dos braços, pernas, mãos e muito bom, principalmente se levarmos em conta
pés. que se trata de uma criança, e que pertence a um
Segundo ambas as reconstituições, as pemas nível médio. A única alteração apresentada em al­
estariam hiperfletidas,12 e os braços enlaçariam- guns ossos são pequenas manchas negras, prova­
nas na altura do peito (ou talvez do abdômen). As velmente de manganês.
mãos, talvez entrelaçadas, localizar-se-iam-se ao Por outro lado, observou-se também na calota
sul da fossa. craniana algo que parece ter sido uma lesão, que
Entretanto, a presença de raízes no interior da teria sido cicatrizada. Os estudos antropológicos
fossa e a posição de alguns ossos sugerem que a poderão explicar do que se trata.
posição original do corpo foi modificada. Na verda­ Foi escavada uma fossa oval, sendo bem mais
de, a pressão dos sedimentos na área da cova pode larga a SE, onde se encontrava o crânio (34cm de
ter sido exercida principalmente para baixo (o que largura) e bem mais estreita a NO, onde estavam
nos levaria à primeira reconstituição) ou para o lado os pés (20cm). Seu comprimento máximo media
noroeste (caso em que a segunda reconstituição 83cm. Quanto à profundidade máxima, chega a
seria a correta). Aguardamos, entretanto, o resulta­ 46cm, o que é bastante para uma criança enterrada
do das análises de Antropologia Física, que - na deitada. Suas paredes eram bem retas ao longo do
medida em que os ossos não estiverem destruídos comprimento da fossa, mas inclinadas com ângulo
demais - nos fornecerão dados para testar tais re­ próximo a 45° nas áreas onde seriam depositados
constituições.13 a cabeça e os pés (corte longitudinal).
Note-se que este sepultamento foi o único em Primeiramente, a cabeça da criança parece ter
que encontramos um “leito” de pigmentos. Nos ou­ sido envolvida com fibras vegetais semelhantes às
tros, os pigmentos eram apenas esparsos, dando a encontradas no sepultamento III: paralelas, mas não
impressão que foram salpicados. trançadas. Dizemos envolvida, pois encontramos,
Nenhum artefato foi assinalado, exceto uma após a retirada do crânio, fibras que parecem idên­
lasca de sílex que, por ser isolada e não repousar ticas às encontradas sobre o mesmo, e coletadas
sobretudo em setembro de 1995. Além da região
do crânio, essas fibras foram encontradas sobre as
(11) Em que pese a imprecisão de tais medidas para objetos
costelas esquerdas e sobre a tíbia direita. Todas
que mediam poucos centímetros.
(12) Devendo estar praticamente verticais originariamente.
essas “impressões” de campo poderão ser testadas
(13) Uma vez que poderemos então confrontar as atribui­ no estudo do material. Não foi encontrado, entre­
ções definitivas dos ossos longos às propostas aqui. tanto, nenhum fragmento de corda que prenderia

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essa “capa” (cf. descrição sepultamento III), a qual na peneira. Sob e dentro do crânio e entre duas
parece cobrir toda a criança. vértebras toráxicas, foram coletados fragmentos
Em seguida, ainda semelhantemente ao que maiores de pigmento branco e amarelo. Acredita­
encontramos no sepultamento III, parece que a fos­ mos que estes dois últimos fragmentos tenham sido
sa foi recoberta por esteiras trançadas - cujos ves­ colocados sobre o indivíduo, e tenham sido deslo­
tígios estavam presentes inclusive ao longo das cados após o seu descamamento: além da presen­
paredes. No fundo da cova, coletamos outras amos­ ça da capa de vegetais acima descrita (que devia
tras desse trançado. Ou então, tratava-se de um deixar uma certa “folga” no sedimento, que poste­
cesto, onde a criança teria sido colocada. riormente teria sido consolidado), nota-se que
Finalmente, encontramos fragmentos de um ambas as regiões do corpo onde se encontravam
outro tipo de vegetal trançado que, diferentemente pigmentos apresentam “descontinuidades”, ou seja,
do anterior, era longo e estreito. Pareceu-nos tratar- espaços por onde podem ter-se infiltrado.
se de um feixe de uns 3cm de largura. Encontrava- É interessante notar que nenhum artefato de
se imediatamente sob os ossos longos, passando uso doméstico foi encontrado: isso se deve, como
sob os braços e o antebraço direitos e dando uma assinala Prous (1992/93) provavelmente à classe
volta sob os joelhos da criança. Também na base de idade do indivíduo sepultado: não se espera que
do crânio foi encontrado um fragmento. uma criança desempenhasse atividades de subsis­
Comovas esteiras e os feixes não se conserva­ tência no seio do grupo.
ram, não pudemos encontrar sobreposição entre
eles. Pelo seu relevo, parece entretanto que os fei­
xes se encontravam sobre as esteiras. Algumas reflexões sobre os
Diferentemente dos outros sepultamentos en­ costumes funerários no vale do rio Peruaçu
contrados no sítio, o indivíduo foi colocado esten­
dido, em decúbito lateral direito, olhando para a A partir da documentação coletada nestes anos
direita. Perto do osso frontal, fora colocado um de pesquisa, podemos apontar algumas caracterís­
bloco de sílex, bruto e sem sinais de uso. O braço
ticas que, no entanto, somente poderão ser conside­
esquerdo encontrava-se fletido (a parte distai do radas confirmadas em termos cronológicos quan­
antebraço apontava em direção ao norte) e o direito
do um maior número de enterramentos tiver sido
estendido. As mãos encontravam-se unidas, talvez estudado.
cruzadas. Já a perna esquerda estava estendida,
Os enterramentos pré-cerâmicos fazem um uso
enquanto a direita estava cruzada sobre ela. Dessa intenso de pigmentos no caso de sepulturas de
forma, os dois pés estavam bastante separados um
crianças, sendo que os adultos seriam acompanha­
do outro, estando o esquerdo no extremo norte da
dos por instrumentos de pedra e, eventualmente,
cova e o direito no seu extremo oeste. Quanto às
cobertura de blocos. No entanto, pode ser que esta
posições dos pés, o esquerdo encontrava-se em
última “característica” decorra apenas do fato que
posição vertical,14 virado para SO. Já o direito es­
na cova do sepultamento I do Boquete tenham-se
tava orientado de leste para oeste e incünado para
retirado blocos do sedimento natural, que foram
leste. Logo, o calcanhar estava virado para o leste
“rearrumados” para delimitar a fossa apenas por­
e encontrava-se mais baixo do que os tarsos.
que estavam imediatamente disponíveis.
Três tipos de materiais são dignos de nota nes­
Os enterramentos do período ceramista carac­
se sepultamento: o primeiro é uma conta de mate­
terizam-se por um uso muito discreto dos pigmen­
rial vegetal perfurada, que parece ser um adereço.
tos e as pela presença de instrumentos, particular­
Foi encontrada na peneira, proveniente da quadra
mente vegetais. No entanto, esta última caracterís­
LIO (possivelmente da região toráxica ou do crâ­
tica decorre da preservação das matérias perecíveis
nio).
em razão da duração relativamente curta decorrida
Os pigmentos foram bastante abundantes. Ge­
até a chegada dos arqueólogos: não podemos afir­
ralmente, na região do crânio, encontramos peque­ mar que cabaças, arcos e cestas não teriam sido
nos fragmentos de pigmento amarelo, recolhidos
enterrados nos períodos anteriores. Os poucos res­
tos trançados encontrados no sepultamento VI do
Boquete evidenciam este fenômeno de degrada­
(14) As falanges estavam umas em cima das outras. ção, que parece ter-se completado em cerca de

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5.000 anos no ambiente desta Lapa. Objetos de Não se pode afirmar que os sepultamentos te­
osso deveriam ter-se preservado, já que há vestígios nham sido realizados preferencialmente em certos
de fauna até os níveis inferiores. No entanto, são sítios; com efeito, foram encontrados apenas nas
ausentes na maioria dos sepultamentos: apenas re­ duas Lapas onde mais de 14m2 foram escavados;
gistramos as continhas de colar - aparentemente os 55m2 escavados na parte abrigada da Lapa do
reservadas a crianças menores - e instrumentos em Boquete correspondem a 10% da área abrigada
dois sepultamentos recentes do Boquete e do Ma- mais propícia à ocupação, com uma densidade de
lhador. De qualquer forma, o investimento relati­ pouco mais de 1 corpo para cada 10m2, para uma
vamente alto feito para os infantes dentro dos pa­ duração de presença humana no vale de cerca de
drões do grupo (elaboração de adornos delicados, 11.000 anos; haveria, portanto, potencialmente cer­
preparação grandes quantidades de ocre amarelo, ca de 50 a 60 mortos enterrados no sítio. Conside­
o mais difícil de se obter) sugere uma preocupação rando provável que estejamos dispondo de uma
muito grande para com os filhos desde seu nasci­ amostra arqueológica representativa do canyon, é
mento. A amarração das mãos dos adultos e ado­ legítimo pensar que a grande maioria dos antigos
lescentes na cultura Una pode ser interpretada de habitantes não era sepultada em abrigos. Não temos
diversas maneiras, desde uma técnica para facili­ indícios que tenham sido destruídos por cremação
tar o transporte do corpo até uma preocupação em (ritual praticado em outras regiões do norte de
impedir uma “liberação” terrena do defunto. De Minas Gerais, conforme Machado 1990), pois isto
qualquer modo, a posição das mãos nos sepulta­ costuma deixar vestígios como restos ósseos quei­
mentos mais antigos encontrados sugere que esta mados, o que não ocorre. Os poucos ossos avulsos
técnica não teria sido utilizada no pré-cerâmico. encontrados durante as diversas escavações estão
O enterramento do corpo, ainda articulado, em bom estado e parecem ter sido transportados
mantém-se durante todo o período de ocupação por animais.
humana para o qual temos registro de ritos funerá­ Parece haver uma certa homogeneidade entre
rios. No entanto, aparece na cultura Una o enter­ os padrões de enterramento em cada um dos dois
ramento em uma, aparentemente reservado a cri­ períodos em que aparecem no vale. No futuro, es­
anças muito pequenas. peramos poder enriquecer os dados já disponíveis
Fora dos abrigos e já fora do canyon, nos sítios no estado de Minas Gerais com análises comparati­
que podemos provisoriamente considerar Tupi- vas com outras regiões do mesmo estado. Parece
guaranis, o enterramento em uma, provavelmente ser de especial interesse o estudo dos achados do
secundário, é atestado por achados casuais. Sul de Minas, que parecem apresentar algumas
Embora tenham aparecido alguns pequenos semelhanças com alguns dados expostos aqui. Por
ossos humanos avulsos na Lapa do Boquete, não exemplo, seria interessante averiguar-se o que
temos encontrado nenhum sepultamento do perío­ constaria de um “nécessaire para o Além” de um
do limite entre o Holoceno e o Pleistoceno; obvia­ indivíduo do sexo feminino, ou de uma criança -
mente não se pode ter certeza ainda que os primei­ já que dispomos, no Peruaçu, de um para um adulto
ros habitantes da região não tenham nunca aprovei­ de sexo masculino. Ou então comparar este últi­
tado os abrigos para fins funerários, mas se isto mo a “kits” de outras regiões do estado. De fato, o
ocorreu, deve ter sido em caráter excepcional ou estudo dos padrões de enterramento pré-histórico
dentro de poucos abrigos, provavelmente ainda não em Minas parece ainda nos reservar vários padrões,
sondados. hoje insuspeitos.

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PROUS, A.; SCHLOBACH, M.C. Sepultamentos pré-históricos do Vale do Peruaçu - MG. Rev. do Museu de Arqueolo­
gia e Etnologia, São Paulo, 7: 3-21, 1997.

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PROUS, A.; SCHLOBACH, M.C. Sepultamentos pré-históricos do Vale do Peruaçu - MG. Rev. do Museu de Arqueolo­
gia e Etnologia, São Paulo, 7: 3-21, 1997.

SEPULTAMENTO III
LAPA DO BOQUETE

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PROUS, A.; SCHLOBACH, M.C. Sepultamentos pré-históricos do Vale do Peruaçu - MG. Rev. do Museu de Arqueolo­
gia e Etnologia, São Paulo, 7: 3-21, 1997.

SEPULTAMENTO IV
LAPA DO BOQUETE

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PROUS, A.; SCHLOBACH, M.C. Sepultamentos pré-históricos do Vale do Peruaçu - MG. Rev. do Museu de Arqueolo­
gia e Etnologia, São Paulo, 7: 3-21, 1997.

SEPULTAMENTO IV
LAPA DO BOQUETE

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PROUS, A.; SCHLOBACH, M.C. Sepultamentos pré-históricos do Vale do Peruaçu - MG. Re v. do Museu de Arqueolo­
gia e Etnologia, São Paulo, 7: 3-21, 1997.

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PROUS, A.; SCHLOBACH, M.C. Sepultamentos pré-históricos do Vale do Peruaçu - MG. Rev. do Museu de A rqueolo­
gia e Etnologia, São Paulo, 7: 3-21, 1997.

PROUS, A.; SCHLOBACH, M.C. Prehistoric burials in Peruaçu Valley - MG. Rev. do Museu
de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 7: 3-21, 1997.

ABSTRACT: This paper presents eleven burials excavated in Perua?u Valley


since 1981. After discussing data refering to sex, age and radiocarbon dating,
the skeleton position and objects accompaning it are described. Our aim is to
discuss the existence of burial patterns in the two Periods (Medium Archaic -
4.500/7.000 BP - and Medium/Recent Ceramist - 600/1.200 BP). We conclude
that there are some typical features for each period.

UNITERMS: Archaeology - Minas Gerais State - Burials - Rituals.

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Recebido p ara publicação em 25 de junho de 1997.

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