109292-Texto Do Artigo-196001-1-10-20160111
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SEPULTAMENTOS PRÉ-HISTÓRICOS
DO VALE DO PERUAÇU - MG
André Prous*
Monica Carsalad Schlobach**
Dos dez sítios escavados no vale do Peruaçu, Infelizmente, nenhum sepultamento foi encontra
apenas dois abrigos (Lapas do Boquete e do Ma- do nas camadas mais antigas de ocupação dos
lhador) tinham sepultam entos nas áreas pes abrigos.
quisadas. Uma uma funerária foi retirada de um Alguns dentes e ossos humanos isolados fo
sítio aberto que não chegou a ser pesquisado sis ram encontrados em diversas camadas da Lapa do
tem aticam ente. D escreverem os aqui os onze Boquete, de uma das sondagens da Lapa dos Bi
enterramentos encontrados durante as escavações chos e uma cabeleira, em níveis recentes da esca
entre 1983 e 1996, que parecem ser representa vação n° 2 da Lapa do Caboclo, seja provenientes
tivos de dois dos principais períodos de ocupação de áreas perturbadas por tocas, seja por covas de
do vale: o “Arcaico Médio” (por volta de 4.500/ silos.
7.000 BP: sepultamentos I, II e VI do Boquete, I,
IV e V do Malhador) e do período Ceramista Re
cente a M édio - correspondente à cham ada Sepultamentos da Lapa do Boquete
‘Tradição Una” (entre 600 e 1200 BP: sepultamen
tos III, IV e V do Boquete; II e III do Malhador). Os seis sepultamentos foram encontrados den
tro de uma área de 55m2 escavados dentro do salão
principal.
(*) Departamento de Sociologia e Antropologia da Univer
O sepultamento II foi escavado por A. Prous,
sidade Federal de Minas Gerais, Museu de História Natural
da UFMG e M ission Archéologique de Minas Gerais. que participou também da escavação dos de n° III
(**) Museu de História Natural da Universidade Federal a VI. O sepultamento II foi escavado por P. Jun
de Minas Gerais. queira e I. Malta. Escavaram o sepultamento III
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PROUS, A.; SCHLOBACH, M.C. Sepultamentos pré-históricos do Vale do Peruaçu - MG. Rev. do Museu de Arqueolo
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assim sendo, não tivemos possibilidade de exa ças e o joelho esquerdo; continha um verdadeiro
miná-la, mas parece ter conservado os cabelos. nécessaire de sobrevivência para o Além.
O resto do corpo foi parcialmente mumificado Atrás do ombro esquerdo, ficaram as duas me
pelas próprias condições ambientais,1restando pele tades de uma flecha: caniço no qual se encaixava
e ligamentos na altura do tronco, na bacia, na al uma forte ponta de madeira maciça com duas far
tura dos braços e na parte inferior das pernas (in pas entalhadas. Atravessados sobre as pernas, dois
clusive os pés). fragmentos de madeira (um deles com extremida
Foi cavada uma fossa oval de paredes quase de arredondada) são, provavelmente, o que restou
verticais, com 0,8 x 0,65m de diâmetro e mais de do arco.
0,5m de profundidade; ao norte, os limites da fossa Pode ser que tenham fechado o sepultamento
coincidem com o aparecimento de um grande bloco com um teto semelhante ao do sepultamento III,
abatido, enterrado sob as camadas superiores e que pois não houve preenchimento imediato da cova
não podia ser visto antes da escavação funerária. por sedimento; como prova disto, temos o fato que
Na base, foram jogados grânulos de pigmento a mandíbula caiu, por baixo da “cesta” emborcada,
vermelho; a seguir, o fundo e a parede ocidental sobre o púbis; a deformação do balaio (cujas va
foram forradas por pecíolos de palmeiras que tal ras “assentaram” no joelho) e, talvez, a da grande
vez formassem uma capa semelhante à do sepulta- folha de palmeira sugerem também uma sedimen
mento III; no entanto, foram poucos os restos de tação tardia. Deveremos procurar, nos vestígios
cordão encontrados, o que toma discutível sua as vegetais ainda não analisados e coletados antes do
sociação com a palha (na qual não identificamos reconhecimento da cova, elementos que possam
furos de costura). No fundo, os pecíolos formavam comprovar uma cobertura vegetal. Numa das
várias camadas de elementos paralelos, cada uma plantas, está inclusive assinalado um fragmento de
cruzando obliquamente a anterior. casca de árvore perto da cova, 30cm sudoeste da
O corpo foi assentado encostado na parede oci cabeça do indivíduo. Perturbações tardias pode
dental, as pernas fletidas e abertas, os pés juntos riam ter provocado a destruição da proteção su
embaixo da bacia, as mãos acima do púbis, uma perior.
delas segurando um anel de fibras vegetais, fecha Os numerosos gravetos, coquinhos e até algu
das por um nó. A cabeça estava embrulhada numa mas espigas de milho, são, sem dúvida, proveni
espécie de cesto emborcado. Tiras de entrecasca entes das fossas de silos perturbados pelo sepul
enrolavam-se ao redor dos braços e passavam aci tamento. As poucas lascas de sílex também, ou
ma do peito. Vários objetos foram depositados no mais provavelmente, dos níveis pré-ceramistas per
fundo da fossa: alguns grânulos de pigmento ver furados pela cova. Não há quase vestígios fau-
melho, um pote de cerâmica (grande, pelos padrões nísticos, a não ser uma mandíbula de roedor, en
Una) colocado a sua direita. Na frente do corpo, contrada nas imediações da galeria que destruiu
encostada à parede oriental, uma enorme cabaça; um canto da cesta. Estando estes vestígios ainda
do lado esquerdo, mais três cabaças de tamanho por analisar, não os descreveremos mais deta
médio. Foi, a seguir, colocada uma palma inteira lhadamente.
de coqueiro, provavelmente apoiada no peito (ou O balaio colocado acima das pernas do morto
sobre a cabeça) e na cabaça maior. Com o tempo, era feito com fibras duras, mas flexíveis de cipó;
a parte alta deslizou e o talo encurvou-se. continha duas lâminas polidas, uma goiva de con
Cerca de 30cm acima do fundo da cova, um cha de bivalva e material para amarração: tiras de
lindo balaio trançado foi depositado sobre as caba entrecasca, uma bola de cera de abelha (parte des
se material já foi ilustrado em Prous et al. 1994).
Dentro do balaio também havia uma pequena ca
(1) O que não é fato inédito nas grutas de Minas: em dois baça contendo uma faca de sílex com vestígios de
m unicípios do sul do estado, foram documentados casos utilização e restos de pigmento vermelho no gume,
de mumificação natural: em Carangola (pesquisa inédita um novelo de barbante, outra bola de cera e vários
de Prous e Baeta) e em Rio N ovo (cf. Beltrão e Lima 1986) objetos de ossos. Entre estes, dois caninos superio
onde também foram encontrados corpos repousando sobre
fibras vegetais. Uma criança, envolta em uma estrutura de
res de porco do mato, dois incisivos de capivara
fibras, apresentava o mesmo envólucro vegetal do Sepulta- (um deles, com uma bola de grude - resina ou cera
mento 4 do Boquete. - na parte proximal); oito dentes de paca soltos e
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mais dois, atados a um graveto, formando um bu- preservado e que ainda não se tentou restaurar.
ril encabado; enfim, três espátulas de ossos de pata Os pré-históricos entupiram a seguir a fossa
de cervídeo. com o sedimento previamente retirado para cavá-
la, sem deixar marco que pudesse ser notado pelos
Sepultamento 5 arqueólogos. A pequena estrutura de combustão
amorfa assinalada anteriormente poderia ser o que
Foi encontrado em 1995, no limite entre as sobrou do sedimento escavado dentro de uma
quadras L 20 e L 21. Cavada a partir do contato fogueira antiga. Isto explicaria a homogeneização
entre as camadas 0 (ainda marcada pelas pertur do material e sua localização exatamente ao lado
bações consecutivas à introdução do gado na re da cova. Não parece ser uma fogueira, pois car
gião) e I. Embora não tenhamos ainda datação para vões e cinzas estão misturados de maneira homogê
o enterramento, sua antigüidade pode ser estima nea e o conjunto apresenta o aspecto de um mate
da entre 600 e 800 anos. Tratava-se de uma crian rial perturbado. O bloco de pigmentos poderia ter
ça com poucos meses de vida, cujo esqueleto foi sido abandonado pelos coveiros, que não deixa
quase completamente preservado; alguns cabelos ram pó colorido na fossa nem na uma.
ainda aderiam ao crânio.
Logo antes de notar-se a cova, notamos a pre Sepultamento 6
sença de uma estrutura de combustão circular de
30cm de diâmetro com carvões e cinzas mistura A extremidade da fossa do sepultamento VI
dos, cujo centro estava ocupado por uma plaqueta foi percebida no corte norte da quadra L 21 en
de calcário. Um nódulo de pigmento escuro com quanto estavam sendo escavadas as camadas III e
vários centímetros de diâmetro foi encontrado na IV. Decidimos, portanto, abrir a quadra M 21, onde
borda desta estrutura. Embora seja possível que encontra-se a quase totalidade da estrutura, desco
estes vestígios sejam independentes e um pouco brindo o enterramento de uma criança de 18 ± 6
posteriores ao sepultamento que apareceu logo a meses. O esqueleto estava completo, muito bem
seguir, imediatamente a leste, veremos que não se preservado; coletamos até restos de tecidos moles
pode descartar a possibilidade de que cinzas e car ao longo da coluna vertebral e fezes amareladas
vões resultem da ação dos coveiros. entre as pemas.
A criança teve sua cabeça enfeitada com penu Algumas marcas de perturbação (“fossa B”)
gem branca de ave e recebeu um adorno formado foram notadas no nível superior da camada III mas
por minúsculas contas de colares, encontradas so não é absolutamente seguro que tenham a ver com
bretudo na região do tórax. Foi a seguir deposita o sepultamento. Já no nível III inferior, ficou clara
da em posição fletida dentro de um pote com cer a presença de uma cova de 40cm de largura e 80
ca de 35cm de diâmetro (ainda não reconstituído) de comprimento cujo sedimento fofo e cinzento
e mais de 25cm de boca; as pernas estavam a su destacava-se sobre o sedimento bege a oeste; a les
deste e a cabeça foi encontrada a noroeste. Um te, contrastava com uma mancha colorida por pig
fragmento de cabaça apareceu dentro da uma, mas mentos vermelhos. A cova aprofundava-se nos se
pode ter caído posteriormente, quando a tampa da dimentos compactos das camada IV e do nível su
uma cedeu. perior da camada V. Uma datação de 4.480 ± 70
A fossa, com cerca de 60cm de diâmetro, foi BP (Beta 98574) para carvões associados aos pig
escavada no sedimento das camadas I e II até atingir mentos da camada III inferior indica a data prová
vários blocos e pedra, perfurando uma grande fo vel do enterramento.
gueira anterior que ocupava boa parte das quadras A cova tinha 80 x 40cm seguindo um eixo
L 20 e 21. Depositaram então a uma, rodeada por norte-sul, tendo uma profundidade de 29cm e pa
cintas vegetais que devem ter servido como base redes abruptas. Notou-se a presença de um degrau
para estabilizar o pote (de base arredondada) e tal ao norte. A criança foi deitada de bruços com as
vez, de alça para o transporte. Colocaram então pemas esticadas e os pés cmzados, o esquerdo aci
outra vasilha, emborcada, para servir de tampa. A ma do direito; os braços ao longo do corpo, uma
oeste da cova, ainda colocaram uma cabaça; ao mão sobre a coxa direita, a outra ao longo da coxa
noroeste coletamos um cálice floral e sementes de esquerda; a cabeça estava virada para oeste. Res
cansanção, além de um objeto de fibras muito mal tos de fibras vegetais trançadas com dois fios fo
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ram encontrados ao longo da coluna vertebral, no 1996 por M. Schlobach, W. Neves, V. Vesolowski,
braço esquerdo e na nuca, assim como na frente H. C. Branco, J. Rodet, S. Nascimento, J. Cardoso
da face. Pigmentos amarelos forravam as laterais e A. Zanetti.
da fossa na altura do tórax. Pigmentos vermelhos Em todos os casos, retiramos assepticamente
tinham sido despejados em grande quantidade aci (com luvas e máscara) amostras para análise de
ma das coxas, do tronco e da cabeça. No degrau já DNA.
mencionado ao norte da cabeça, o pigmento ver
melho formava uma camada de 3cm de espessura, Sepultamento I
15 de comprimento e 5 de largura acima da qual
repousavam 4 grandes bolas de pigmento amarelo.
Este sepultamento foi escavado em 1981/82
Coletamos mais de 30g de pigmento vermelho e
por Paulo Junqueira e sua equipe. Encontrava-se
131 de amarelo, embora muito se tenha perdido
entre as quadras H27 e H28. Inicialmente, em 1981,
durante os trabalhos. Também coletamos uma ma foram evidenciados na quadra H27 a região do crâ
téria pastosa amarelada entre as coxas, provavel
nio e a parte superior do tronco. Em 1982, a equipe
mente de origem fecal. iniciou a escavação da quadra H28, a fim de com
Segundo uma reconstituição possível, uma pletar a exumação do indivíduo.
fogueira teria sido acesa a leste de M 21, sobre a As primeiras falanges são encontradas no ní
qual teriam despejado pigmentos vermelhos; a fos vel 3 da estratigrafía estabelecida por P. Junqueira
sa teria sido então escavada, cortando a extremi (que corresponde ao nosso nível II). Mas é no sedi
dade ocidental da fogueira. Neste caso, o sepulta- mento vermelho do que chamou camada 4 (e que
mento seria datado pelos carvões. Existe, no en denominamos nível III) que surgem os demais os
tanto, a possibilidade que o enterramento tenha sos. Junqueira escreve no caderno de campo: “O
sido realizado depois, se considerarmos as pertur início da decapagem do sedimento vermelho mos
bações discretas notadas no III superior como in trou sem dúvida alguma que o indivíduo foi enter
dicadores da presença da fossa já neste nível. Nes rado no sedimento vermelho, onde já se vê nitida
te caso, o enterramento não teria relação com o mente o corte da cova no sedimento in situ.”
fogo nem com a lente de pigmento, e seria um Assinalamos também a presença de um se
pouco posterior à datação proposta. dimento remexido vizinho e sobreposto à área do
sepultamento - a leste do mesmo - que constitui
Ossos “avulsos” e perturbados ria fossa posterior à do enterramento: “O tronco
do indivíduo parece ter sido remexido por uma
Alguns ossos como falange ou dente foram cova que fizeram posteriormente (remexido rosa
cinzento da linha G/H)” (idem).
encontrados avulsos na escavação n° 1, mas a maio
ria se encontrava em regiões perturbadas por fos Logo, parece tratar-se de sepultamento pro
sas antrópicas ou tocas de animais. Na escavaçaõ veniente de um nível preceramista médio a tardio.
n° 2, em M 20, foram recuperados os ossos de um Apesar de termos enviado ao Laboratório Beta
braço de criança pequena numa grande toca que (Miami - EUA) algumas costelas do indivíduo, a
fim de precisar esta data, não foi possível datá-lo,
se prolonga dentro da quadra M21 entre blocos
desabados, na altura das camadas V/VI, as quais pois não continha colágeno suficiente.
não foram escavadas neste setor. Este último acha Trata-se de indivíduo do sexo feminino, de 35
do indica a probabilidade da existência de um sé a 39 anos de idade. Seu estado de conservação é
timo sepultamento, infantil, datado de cerca de 7/ mediano: “O esqueleto está muito fragmentado, os
ossos finos estão muito impregnados de dendritos
8.000 anos em M 21.
de manganês” (idem ibidem). No que se refere aos
ossos longos, a maioria dos que foram encontrados
estavam fragmentados (caso do rádio e ulna direi
Sepultamentos da Lapa do Malhador
tos, da tíbia esquerda e do úmero direito). Outros
foram descritos como cortados: os rádio e ulna
Foram encontrados 5 esqueletos, num total de esquerdos. Quanto aos demais ossos longos, não
15m2 escavados; o sepultamento n°l foi escavado foram recuperados. Além desses ossos, não foram
em 1982 por P. Junqueira e os demais em 1995 e tampouco encontrados os dos pés e todas as coste-
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(2) Assim , a cota do negativo da clavícula era 92; a do (5) De vez que predomina aqui um silt rosado, porém m es
crânio, 84; a da bacia, 64 e a dos pés, 46. clado de estrume, provavelmente devido ao pisoteio hu
(3) Comunicação pessoal. mano e de gado.
(4) Como cabaças, cerâmica ou lítico. (6) De forma que sua base encontrava-se no nível III Inferior.
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ao corpo, levemente fletido e abraçando a pema o material encontrado no alto da cova (antes de
esquerda por fora com a mão na altura do tornozelo. aparecer o esqueleto) e o material achado na altura
O braço direito estava em posição lateral, levemen do indivíduo.
te fletido com a mão sobre o abdômen. Ambos os No primeiro momento, foram encontrados
pés encontravam-se dobrados lateralmente na arti dois fragmentos de cerâmica, a serem estudados,
culação tíbia/talus. O direito tinha o lado mesial algumas lascas de sílex, raros fragmentos de pig
apoiado contra o solo, e o esquerdo o lado lateral. mentos, vegetais e conchas. Como esse material
A cova era bastante pequena e o indivíduo foi es não se encontrava imediatamente próximo ao cor
premido para que nela coubesse (da mesma ma po e é pouco numeroso, acreditamos que faça par
neira que o sepultamento III). O joelho esquerdo te do sedimento de preenchimento da fossa, e não
estava mais alto que o direito, com a articulação de vestígios aí colocados intencionalmente.
fêmur/coxal em ângulo obtuso. A pema direita es No segundo momento, encontramos, além das
tava sobre o braço direito, com a articulação fê fibras vegetais já citadas, algumas folhas (nas 3a e
mur/coxal em angulação aguda” 7 Sua cabeça, um 4a decapagens), bem como poucos carvões e outros
pouco virada para baixo, encontrava-se ao norte vegetais. Quanto aos pigmentos, foram encon
da fossa e voltada para o sul; seus pés encontravam- trados sobretudo nas duas últimas decapagens, sob
se ao sul da fossa. os pés e mãos. Eles tanto podem ter sido deposi
Foi então recoberta - desde a cabeça, passan tados sob esses membros, quanto sobre eles (no
do pelo tórax e até os pés - por uma capa de fibras segundo caso, teriam caído sob eles após o apo
vegetais, estruturadas em forma de feixes espessos drecimento das carnes). Além desses objetos, que
(até 5cm). A diferença de outros sepultamentos acreditamos estarem ligados ao preenchimento da
encontrados no vale, essa capa não parece ter sido estrutura, encontramos também meia dúzia de os
amarrada ao corpo por cordões, que não foram en sos de animais e poucas lascas de sílex. Mas o ar
contrados aqui. Por outro lado, dada a má conserva tefato mais interessante (ou menos comum) foi uma
ção dos vegetais (somente poucos fragmentos da espátula em osso: tratar-se-á de objeto enterrado
“palha” restavam), talvez tenham havido cordas com a criança? E difícil afirmar que sim ou que
na estrutura, que não se conservaram. não, de vez que se encontrava a 5cm da pema di
Talvez essa capa tenha envolto a criança, pas reita, porém na altura da mandíbula. Até recente
sando por baixo do corpo. É possível também que, mente, acreditávamos que, no vale do Peruaçu,
antes de colocar-se o corpo na cova, sua cabeça geralmente tais espátulas seriam encontradas as
tenha sido envolta em um tipo de fibras vegetais sociadas a níveis mais antigos. Atualmente, esse
diverso dos demais. Aguardamos análises - já em achado - e principalmente o do Sepultamento 4
vias de iniciar-se - da técnica em conservação Elay- do Boquete acima descrito - nos levam a reavaliar
ne G. Lara, que estudará todos os artefatos vegetais tal idéia.
encontrados no sítio. Logo, os vestígios encontrados aqui cujos es
Conforme mencionamos acima, havia fios de tudos deverão apresentar maiores informações são,
cabelo misturados às fibras vegetais encontradas além dos provenientes do próprio indivíduo enter
no crânio. Assim, coletou-se um tufo, para análise rado e dos artefatos vegetais que o envolviam, a
de DNA do indivíduo. Também as amostras de pe- cerâmica (que, entretanto, parece ser intrusiva, já
riósteo encontradas no fêmur e na tíbia esquerdos, que foram encontrados somente dois fragmentos,
bem como no fêmur direito, foram coletadas. no alto da fossa), os pigmentos e a espátula de osso.
Quanto aos sedimentos para análises de pa- Esse último pode ter-se constituído no único artefa
leopatologia, foram coletados em duas regiões: no to depositado propositalmente com a criança.
interior da pelve (sedimento do abdômen) e no inte
rior do tórax. Sepultamento III
No que concerne aos vestígios encontrados na
fossa, distinguimos dois momentos de escavação: Esse sepultamento, como o anterior, foi en
contrado durante a escavação da quadra LIO . En
tretanto, ele se encontrava parcialmente no limite
(7) Anotação de campo realizada por Verônica W. de Aguiar com as quadras LM9, e assim abrimos l/2m 2 su
e Santos, que escavou este sepultamento. plementar nessas quadras, a fim de exumar o es-
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Quanto a outros materiais associados, além das Este é o único esqueleto cujos ossos apresen
varas já mencionadas, devem-se mencionar alguns tam-se, na sua maioria, mal conservados. Dois fato
grânulos de pigmento encontrados na peneira da res contribuem para explicá-lo:9 sua antigüidade
última decapagem - logo, devendo corresponder maior do que a dos sepultamentos II e III (vide
à prática, encontrada nos outros sepultamentos des supra) e o fato de tratar-se de uma criança.
se abrigo, bem como nos do Boquete, de jogarem- Alguns ossos estavam tão friáveis que, mesmo
se grãos de pigmento na cova, antes ou depois da quando aguardávamos 24 horas para sua eviden-
deposição do corpo. ciação completa (e por vezes outras tantas para sua
Dois gastrópodes inteiros com perfurações remoção) - com o intuito de tomar seu ressecamen-
foram encontrados, e seu estudo posterior mostra to menos danoso -, muitos esfarelavam-se ao ser
rá se trata-se de artefatos. Algumas peças líticas retirados. Dessa forma, nem todos os ossos estão
foram encontradas na última decapagem, na altu inteiros, e, como a maioria não fora fusionada por
ra dos tornozelos e punhos, distantes destes no tratar-se de um recém-nascido, possivelmente fal
máximo lOcm. Entre elas, duas são possivelmente tarão algumas epífises ou outros ossos pequenos.
quebra-cocos. A fossa cavada para enterrar a criança tinha
Alguns poucos ossos e um bom número de forma arredondada - sendo ligeiramente maior no
vegetais (alguns queimados) foram assinalados, sentido N/S (diâmetro de 34cm) do que no L/O
mas, por estarem dispersos pela fossa, acredita (diâmetro de 27cm). Era muito profunda: cerca de
mos que são provavelmente provenientes dos ní 70cm.10 De forma que sua base encontrava-se na
veis de preenchimento. O mesmo ocorre com al altura do nível VIII Inferior, o qual caracteriza-se
guns poucos carvões. pela grande quantidade de blocos calcários. Desse
Concluindo, parece não ter havido prática de nível de blocos, alguns foram provavelmente retira
oferendas alimentares, e os objetos pessoais pos dos - já que na maior parte da área do fundo da
síveis teriam sido feitos com pedras e madeira. fossa não estão presentes - e apenas alguns foram
Outro dado digno de nota é a raridade dos pig deixados, formando assim um semicírculo na borda
mentos encontrados: aparentemente, foi somente da fossa que ia de norte (passando por sudeste) a
jogada no fundo da fossa uma pequena quantida sul. Completando essa linha, encontrava-se uma
de dos mesmos. concreção - mais alta do que os blocos - que parece
ter escorado a fossa. Exatamente nos espaços não
Sepultamento IV ocupados por eles, foi depositada uma camada de
pigmentos e, acima dela, a criança.
Este sepultamento encontrava-se totalmente Em razão da maior antiguidade desse sepulta
no interior da quadra M i l . Sua posição estratigrá- mento, os elementos vegetais não estão preserva
fica - e espacial - é extremamente interessante: na dos, e não sabemos se houve, como nos outros se
parte superior da cova, quando seu contorno ainda pultamentos do abrigo, deposição de artefatos ve
está mal definido, há uma mancha de pigmentos getais sob ou sobre a criança. Entretanto, a posição
amarela (no contato entre os níveis II e HI) que faz do esqueleto - cujas vértebras lombares encontra
parte de todo um conjunto de manchas e grânulos vam-se bastante oblíquas em relação aos ossos
identificados nesse contato nas quadras M/N 11 em ilíacos, e cuja calota craniana encontrava-se com
outubro de 1994; esta mancha continua na altura pletamente emborcada - nos leva a pensar que a
do nível III Superior, porém passa por outos tons deposição de sedimento junto aos ossos pode não
(de grená e marrom); finalmente, firma-se o contor ter-se dado logo de sua inumação. Por isso, é possí
no da fossa (quando a mancha apresenta novamente vel que o corpo tenha sido envolto em algum artefa
coloração amarela) no nível ID Médio. Tudo isso to que o isolava do meio exterior.
sugere uma associação entre a “área de atividade”
em M/N 11 e o sepultamento.
Para datá-lo, poderemos utilizar uma fogueira (9) ) O conhecimento do pH desta estrutura também pode
ria contribuir para essa explicação. Entretanto, não dispú-
localizada ao norte da mesma quadra, pertencente
nhamos de aparelho para medi-lo.
ao nível superior ao do sepultamento (nível II). De (10) Entretanto, a criança, tendo sida depositada pratica
qualquer forma, pertence ao Pré-Cerâmico médio mente em seu fundo, encontrava-se a cerca de 50cm de seu
a tardio. topo.
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O corpo foi depositado sentado, sobre uma es diretamente sobre os ossos, parece pertencer ao se
pessa (3cm) camada de pigmento amarelo, as cos dimento de preenchimento da fossa.
tas voltadas para NO, os pés - colocados imediata
mente à frente dos ossos da pélvis - apontando Sepultamento V
para SE.
Por não haver uma disposição clara dos ossos Este foi o terceiro sepultamento evidenciado
e por não termos familiaridade com esqueletos não na quadra LIO. Sua fossa foi notada no contato
fusionados e tão pequenos, não podemos assegu entre os níveis III e IV. Mas, foi necessário escavar
rar a validade dos nomes atribuídos em campo aos essa fossa ainda por 30 centímetros de profundi
ossos longos. Entretanto, como dispúnhamos das dade - até a altura do nível VI - antes de deparar
coordenadas cartesianas, das cotas de altura e das mos com o crânio, que estava misturado a fibras
inclinações de cada osso11 - e tendo sido todos vegetais. Dessa forma, trata-se do sepultamento
eles numerados pudemos redesenhar - em mais antigo do sítio.
laboratório - o conjunto dos ossos longos em pa O nível III apresenta alguns carvões que pode
pel milimetrado. Os ossos desenhados foram com rão ser datados, mas não imediatamente acima do
parados com as diversas fotos Polaroid, que con sepultamento, e sim numa quadra vizinha.
firmaram suas posições. Por fim, realizamos um Trata-se de uma criança, de idade de 4 ± 1
desenho para as diversas falanges, que também foi ano. Foi encontrada inteira, com todos os ossos in
coerente com o primeiro desenho. Dessa forma, situ. A cova não parece ter sofrido perturbações
formulamos duas reconstituições hipotéticas no importantes. O estado de conservação dos ossos é
que se refere à posição dos braços, pernas, mãos e muito bom, principalmente se levarmos em conta
pés. que se trata de uma criança, e que pertence a um
Segundo ambas as reconstituições, as pemas nível médio. A única alteração apresentada em al
estariam hiperfletidas,12 e os braços enlaçariam- guns ossos são pequenas manchas negras, prova
nas na altura do peito (ou talvez do abdômen). As velmente de manganês.
mãos, talvez entrelaçadas, localizar-se-iam-se ao Por outro lado, observou-se também na calota
sul da fossa. craniana algo que parece ter sido uma lesão, que
Entretanto, a presença de raízes no interior da teria sido cicatrizada. Os estudos antropológicos
fossa e a posição de alguns ossos sugerem que a poderão explicar do que se trata.
posição original do corpo foi modificada. Na verda Foi escavada uma fossa oval, sendo bem mais
de, a pressão dos sedimentos na área da cova pode larga a SE, onde se encontrava o crânio (34cm de
ter sido exercida principalmente para baixo (o que largura) e bem mais estreita a NO, onde estavam
nos levaria à primeira reconstituição) ou para o lado os pés (20cm). Seu comprimento máximo media
noroeste (caso em que a segunda reconstituição 83cm. Quanto à profundidade máxima, chega a
seria a correta). Aguardamos, entretanto, o resulta 46cm, o que é bastante para uma criança enterrada
do das análises de Antropologia Física, que - na deitada. Suas paredes eram bem retas ao longo do
medida em que os ossos não estiverem destruídos comprimento da fossa, mas inclinadas com ângulo
demais - nos fornecerão dados para testar tais re próximo a 45° nas áreas onde seriam depositados
constituições.13 a cabeça e os pés (corte longitudinal).
Note-se que este sepultamento foi o único em Primeiramente, a cabeça da criança parece ter
que encontramos um “leito” de pigmentos. Nos ou sido envolvida com fibras vegetais semelhantes às
tros, os pigmentos eram apenas esparsos, dando a encontradas no sepultamento III: paralelas, mas não
impressão que foram salpicados. trançadas. Dizemos envolvida, pois encontramos,
Nenhum artefato foi assinalado, exceto uma após a retirada do crânio, fibras que parecem idên
lasca de sílex que, por ser isolada e não repousar ticas às encontradas sobre o mesmo, e coletadas
sobretudo em setembro de 1995. Além da região
do crânio, essas fibras foram encontradas sobre as
(11) Em que pese a imprecisão de tais medidas para objetos
costelas esquerdas e sobre a tíbia direita. Todas
que mediam poucos centímetros.
(12) Devendo estar praticamente verticais originariamente.
essas “impressões” de campo poderão ser testadas
(13) Uma vez que poderemos então confrontar as atribui no estudo do material. Não foi encontrado, entre
ções definitivas dos ossos longos às propostas aqui. tanto, nenhum fragmento de corda que prenderia
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essa “capa” (cf. descrição sepultamento III), a qual na peneira. Sob e dentro do crânio e entre duas
parece cobrir toda a criança. vértebras toráxicas, foram coletados fragmentos
Em seguida, ainda semelhantemente ao que maiores de pigmento branco e amarelo. Acredita
encontramos no sepultamento III, parece que a fos mos que estes dois últimos fragmentos tenham sido
sa foi recoberta por esteiras trançadas - cujos ves colocados sobre o indivíduo, e tenham sido deslo
tígios estavam presentes inclusive ao longo das cados após o seu descamamento: além da presen
paredes. No fundo da cova, coletamos outras amos ça da capa de vegetais acima descrita (que devia
tras desse trançado. Ou então, tratava-se de um deixar uma certa “folga” no sedimento, que poste
cesto, onde a criança teria sido colocada. riormente teria sido consolidado), nota-se que
Finalmente, encontramos fragmentos de um ambas as regiões do corpo onde se encontravam
outro tipo de vegetal trançado que, diferentemente pigmentos apresentam “descontinuidades”, ou seja,
do anterior, era longo e estreito. Pareceu-nos tratar- espaços por onde podem ter-se infiltrado.
se de um feixe de uns 3cm de largura. Encontrava- É interessante notar que nenhum artefato de
se imediatamente sob os ossos longos, passando uso doméstico foi encontrado: isso se deve, como
sob os braços e o antebraço direitos e dando uma assinala Prous (1992/93) provavelmente à classe
volta sob os joelhos da criança. Também na base de idade do indivíduo sepultado: não se espera que
do crânio foi encontrado um fragmento. uma criança desempenhasse atividades de subsis
Comovas esteiras e os feixes não se conserva tência no seio do grupo.
ram, não pudemos encontrar sobreposição entre
eles. Pelo seu relevo, parece entretanto que os fei
xes se encontravam sobre as esteiras. Algumas reflexões sobre os
Diferentemente dos outros sepultamentos en costumes funerários no vale do rio Peruaçu
contrados no sítio, o indivíduo foi colocado esten
dido, em decúbito lateral direito, olhando para a A partir da documentação coletada nestes anos
direita. Perto do osso frontal, fora colocado um de pesquisa, podemos apontar algumas caracterís
bloco de sílex, bruto e sem sinais de uso. O braço
ticas que, no entanto, somente poderão ser conside
esquerdo encontrava-se fletido (a parte distai do radas confirmadas em termos cronológicos quan
antebraço apontava em direção ao norte) e o direito
do um maior número de enterramentos tiver sido
estendido. As mãos encontravam-se unidas, talvez estudado.
cruzadas. Já a perna esquerda estava estendida,
Os enterramentos pré-cerâmicos fazem um uso
enquanto a direita estava cruzada sobre ela. Dessa intenso de pigmentos no caso de sepulturas de
forma, os dois pés estavam bastante separados um
crianças, sendo que os adultos seriam acompanha
do outro, estando o esquerdo no extremo norte da
dos por instrumentos de pedra e, eventualmente,
cova e o direito no seu extremo oeste. Quanto às
cobertura de blocos. No entanto, pode ser que esta
posições dos pés, o esquerdo encontrava-se em
última “característica” decorra apenas do fato que
posição vertical,14 virado para SO. Já o direito es
na cova do sepultamento I do Boquete tenham-se
tava orientado de leste para oeste e incünado para
retirado blocos do sedimento natural, que foram
leste. Logo, o calcanhar estava virado para o leste
“rearrumados” para delimitar a fossa apenas por
e encontrava-se mais baixo do que os tarsos.
que estavam imediatamente disponíveis.
Três tipos de materiais são dignos de nota nes
Os enterramentos do período ceramista carac
se sepultamento: o primeiro é uma conta de mate
terizam-se por um uso muito discreto dos pigmen
rial vegetal perfurada, que parece ser um adereço.
tos e as pela presença de instrumentos, particular
Foi encontrada na peneira, proveniente da quadra
mente vegetais. No entanto, esta última caracterís
LIO (possivelmente da região toráxica ou do crâ
tica decorre da preservação das matérias perecíveis
nio).
em razão da duração relativamente curta decorrida
Os pigmentos foram bastante abundantes. Ge
até a chegada dos arqueólogos: não podemos afir
ralmente, na região do crânio, encontramos peque mar que cabaças, arcos e cestas não teriam sido
nos fragmentos de pigmento amarelo, recolhidos
enterrados nos períodos anteriores. Os poucos res
tos trançados encontrados no sepultamento VI do
Boquete evidenciam este fenômeno de degrada
(14) As falanges estavam umas em cima das outras. ção, que parece ter-se completado em cerca de
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5.000 anos no ambiente desta Lapa. Objetos de Não se pode afirmar que os sepultamentos te
osso deveriam ter-se preservado, já que há vestígios nham sido realizados preferencialmente em certos
de fauna até os níveis inferiores. No entanto, são sítios; com efeito, foram encontrados apenas nas
ausentes na maioria dos sepultamentos: apenas re duas Lapas onde mais de 14m2 foram escavados;
gistramos as continhas de colar - aparentemente os 55m2 escavados na parte abrigada da Lapa do
reservadas a crianças menores - e instrumentos em Boquete correspondem a 10% da área abrigada
dois sepultamentos recentes do Boquete e do Ma- mais propícia à ocupação, com uma densidade de
lhador. De qualquer forma, o investimento relati pouco mais de 1 corpo para cada 10m2, para uma
vamente alto feito para os infantes dentro dos pa duração de presença humana no vale de cerca de
drões do grupo (elaboração de adornos delicados, 11.000 anos; haveria, portanto, potencialmente cer
preparação grandes quantidades de ocre amarelo, ca de 50 a 60 mortos enterrados no sítio. Conside
o mais difícil de se obter) sugere uma preocupação rando provável que estejamos dispondo de uma
muito grande para com os filhos desde seu nasci amostra arqueológica representativa do canyon, é
mento. A amarração das mãos dos adultos e ado legítimo pensar que a grande maioria dos antigos
lescentes na cultura Una pode ser interpretada de habitantes não era sepultada em abrigos. Não temos
diversas maneiras, desde uma técnica para facili indícios que tenham sido destruídos por cremação
tar o transporte do corpo até uma preocupação em (ritual praticado em outras regiões do norte de
impedir uma “liberação” terrena do defunto. De Minas Gerais, conforme Machado 1990), pois isto
qualquer modo, a posição das mãos nos sepulta costuma deixar vestígios como restos ósseos quei
mentos mais antigos encontrados sugere que esta mados, o que não ocorre. Os poucos ossos avulsos
técnica não teria sido utilizada no pré-cerâmico. encontrados durante as diversas escavações estão
O enterramento do corpo, ainda articulado, em bom estado e parecem ter sido transportados
mantém-se durante todo o período de ocupação por animais.
humana para o qual temos registro de ritos funerá Parece haver uma certa homogeneidade entre
rios. No entanto, aparece na cultura Una o enter os padrões de enterramento em cada um dos dois
ramento em uma, aparentemente reservado a cri períodos em que aparecem no vale. No futuro, es
anças muito pequenas. peramos poder enriquecer os dados já disponíveis
Fora dos abrigos e já fora do canyon, nos sítios no estado de Minas Gerais com análises comparati
que podemos provisoriamente considerar Tupi- vas com outras regiões do mesmo estado. Parece
guaranis, o enterramento em uma, provavelmente ser de especial interesse o estudo dos achados do
secundário, é atestado por achados casuais. Sul de Minas, que parecem apresentar algumas
Embora tenham aparecido alguns pequenos semelhanças com alguns dados expostos aqui. Por
ossos humanos avulsos na Lapa do Boquete, não exemplo, seria interessante averiguar-se o que
temos encontrado nenhum sepultamento do perío constaria de um “nécessaire para o Além” de um
do limite entre o Holoceno e o Pleistoceno; obvia indivíduo do sexo feminino, ou de uma criança -
mente não se pode ter certeza ainda que os primei já que dispomos, no Peruaçu, de um para um adulto
ros habitantes da região não tenham nunca aprovei de sexo masculino. Ou então comparar este últi
tado os abrigos para fins funerários, mas se isto mo a “kits” de outras regiões do estado. De fato, o
ocorreu, deve ter sido em caráter excepcional ou estudo dos padrões de enterramento pré-histórico
dentro de poucos abrigos, provavelmente ainda não em Minas parece ainda nos reservar vários padrões,
sondados. hoje insuspeitos.
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PROUS, A.; SCHLOBACH, M.C. Sepultamentos pré-históricos do Vale do Peruaçu - MG. Rev. do Museu de Arqueolo
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SEPULTAMENTO III
LAPA DO BOQUETE
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SEPULTAMENTO IV
LAPA DO BOQUETE
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gia e Etnologia, São Paulo, 7: 3-21, 1997.
PROUS, A.; SCHLOBACH, M.C. Prehistoric burials in Peruaçu Valley - MG. Rev. do Museu
de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 7: 3-21, 1997.
Referências bibliográficas
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