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Capítulo 1 - ÓTIMO - INFÂNCIA E PSICOPATOLOGIA

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PARTE I

BASES TEÓRICAS E GENERALIDADES


Introdução

Avaliar o caráter patogênico ou, ao cegas ou portadoras de necessidades


contrário, maturativo de uma conduta especiais).
particular observada em uma criança, seja
− de outro lado, um ramo oriundo da
de forma isolada ou, sobretudo, em uma
psiquiatria e da psicopatologia do
interação com as pessoas do seu convívio,
adulto: os primeiros psiquiatras de
requer evidentemente um conhecimento
crianças se preocuparam inicialmen-
aprofundado do desenvolvimento dito
te em encontrar na criança quadros
“normal”. Portanto, esta primeira parte
nosográficos bem conhecidos em psi-
desenvolvimental é consagrada a isso,
mas não pretende, de modo algum, subs- quiatria adulta (cf. o problema da de-
tituir a leitura de obras de psicologia, de mência precocíssima).
neurofisiologia ou de metapsicologia psi- Como consequência, a psiquiatria
canalítica. É necessário conhecer a crian- da criança, mais ainda que a psiquiatria
ça, as diversas fases maturativas que ela do adulto, constituiu-se empiricamen-
atravessa e as principais referências orga- te a partir de uma prática, e não a partir
nizadoras do psiquismo antes de abordar de uma elaboração teórica. Secundaria-
o campo das condutas ditas patológicas. mente, uma reflexão sobre essa prática e
A psiquiatria de crianças e adolescen- uma tentativa de compreender o procedi-
tes é uma prática clínica empírica: suas mento clínico levaram os psiquiatras de
origens são marcadas pela heterogeneida- crianças e adolescentes a utilizar fontes
de dos primeiros interventores, heteroge- teóricas muito diversas. Nesta parte in-
neidade que pode ser reduzida, de forma trodutória, veremos de forma sucinta as
um pouco esquemática, a duas fontes: principais conceituações teóricas sobre as
− de um lado, um ramo oriundo da vas- quais repousa o exercício da psiquiatria
ta corrente da educação da criança: de crianças e adolescentes, sem pretender
os primeiros esforços do que viria a um exame completo e exaustivo.
se tornar a psiquiatria da criança fo- De fato, desde os anos de 1950, cons-
ram dirigidos de fato às crianças re- tata-se uma extensão e uma multiplicação
putadas como “ineducáveis” (surdas, consideráveis dos referentes teóricos apli-
12 Daniel Marcelli & David Cohen

cados à psiquiatria de crianças e adolescen- uma parcela de arbítrio e de artifício, mas


tes, o que resultou às vezes em um mosaico é inevitável devido à necessária concisão
conceitual em que o neófito tem muita di- desta primeira parte. Excluímos o conjun-
ficuldade para encontrar seu caminho. As- to da maturação neurofisiológica perina-
sim, às contribuições teóricas tradicionais tal: maturação neurológica e cerebral (de
da psicanálise e da psicologia da aprendi- que são testemunhos os reflexos neuro-
zagem vieram se somar, entre outras, as te- lógicos arcaicos: reflexo de Moro, reflexo
orias da epistemologia genética, as teorias de preensão, reflexo dos pontos cardeais,
etológicas, as teorias sistêmicas e da comu- marcha automática); maturação biológica
nicação, enfim, os novos conhecimentos (em particular evolução rápida da matu-
em neuroanatomia e em neurofisiologia. ração hepática). O conjunto desses proces-
Não é fácil dar uma visão global desses di- sos maturativos dá conta da neotenia do
versos trabalhos, porque seu ponto de vista bebê humano: entende-se por neotenia, de
não é o mesmo. Como observa J. Constant, fato, a prematuridade fisiológica do bebê
“Freud, Piaget, Wallon e muitos outros não humano em relação à maioria dos recém-
lançam o mesmo olhar sobre a criança. Eles -nascidos de outras espécies animais. O
não veem os mesmos fatos nem descre- recém-nascido humano vem ao mundo
vem os mesmos comportamentos. O modo com um equipamento insuficiente para se
como estudam seu objeto, pelo método e adaptar ativamente ao meio. Esse papel
pela referência teórica, dá a esse objeto uma é atribuído às pessoas próximas do bebê
significação diferente em todos os casos e, durante os primeiros anos. Esse dado fun-
às vezes, até mesmo oposta”. damental explica em parte a importância
Além disso, a maturação da criança da socialização no ser humano. Ao lado
é um processo permanente e contínuo. dos conceitos clássicos de filogênese (que
Todos os autores que se dispuseram a caracteriza a evolução das espécies) e de
estudá-lo, recortaram o processo em fase, ontogênese (que caracteriza o desenvolvi-
etapa, posição, ponto nodal, organização, mento do indivíduo a partir de seu patri-
etapa crítica, crise, etc., a fim de introdu- mônio genético), o conceito mais recente
zir uma classificação e/ou hierarquização de epigênese dá conta dessa neotenia.
nesse desenvolvimento. Osterrieth (1956), Denomina-se epigênese toda a organi-
a partir da análise dos trabalhos de diver- zação progressiva somática ou compor-
sos autores, destacou assim 61 períodos tamental do indivíduo que é uma cons-
cronológicos entre 0 e 24 anos (ou seja, um trução dependente, ao mesmo tempo,
novo período a cada 4-5 meses em média!). do programa genético e dos materiais e
Isso mostra como o estudo do desenvolvi- informações colocados à sua disposição
mento da criança, desde que se ultrapassa pelo ambiente. Esse conceito de epigêne-
o nível da simples observação compor- se explica as dificuldades em querer sepa-
tamental macroscópica (idade da postu- rar, de forma exageradamente caricatural,
ra sentada, depois em pé, da marcha, do o equipamento genético inato e o aporte
asseio, etc.), é complexo e deve levar em ambiental adquirido. Em uma espécie
conta o contexto teórico próprio do autor. particular, o lugar da epigênese é tanto
Dessas diversas correntes teóricas, iso- maior quanto a neotenia é importante: é
laremos apenas o que nos parece mais es- o caso, evidentemente, do bebê humano.
sencial à psiquiatria de crianças e adoles- Filogênese, ontogênese, epigênese
centes. Naturalmente, esse recorte contém – esses três nomes ilustram o desafio de
Infância e Psicopatologia 13

uma teoria que articula esses três planos: tro, e como se pode pensar a articulação
na espécie humana, o estoque de genes de entre esses dois planos? Essa indagação
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estruturas é de cerca de 10 mil (10 ), o es- percorre grande parte deste livro.
toque de neurônios cerebrais de cerca de Antes de abordar as grandes corren-
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100 bilhões (10 ) e o número de interco- tes teóricas de pensamento que percor-
nexões sinápticas entre esses neurônios rem o campo da psiquiatria da criança e
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de 1 trilhão (10 ) (J.-P. Changeux). As di- do adolescente, temos de examinar uma
ferenças entre essas quantidades colocam questão comum a essas correntes, tanto
a questão das relações entre a estrutura e no campo teórico quanto prático: a do
a função, depois entre a função e o funcio- normal e do patológico. Essa questão pre-
namento. A partir de um estoque de genes cede a das classificações na disciplina que
de estruturas em última análise limitado, se apoia essencialmente nas ferramentas
como se constrói a epigênese neuronal, de de epidemiologia, ainda que as condutas
um lado, e a epigênese interativa, de ou- sejam bem distintas.
1
O normal e o patológico

A questão do normal e do patológico liação fatores bem diferentes: capacidade


preocupa mais o filósofo do que o médi- de sublimação em um setor, importância
co: a este último interessa antes de tudo de contrainvestimentos defensivos, flexi-
descobrir o que pode fazer ou não por seu bilidade ou rigidez do conjunto do fun-
paciente, e não saber se ele é “normal ou cionamento mental, avaliação do nível de
patológico”. Se essa atitude pragmática se conflito em função da idade, etc.
justifica no âmbito da medicina somática, Portanto, os critérios de normalidade
o mesmo não ocorre no campo da psi- não podem se limitar a circunscrever a
quiatria, campo cercado por todos os la- conduta que motivou o pedido de exame,
dos de problemas éticos, culturais, sociais resumindo-se a uma simples grade de de-
e políticos, entre outros. O psiquiatra, no codificação sintomática.
exercício de sua especialidade, não pode
se abstrair de um contexto que delimita e
define em parte seu modo de trabalho. O
psiquiatra de criança também é interpe- O NORMAL E O PATOLÓGICO:
lado pelas mesmas razões, mas a isso se PROBLEMAS GERAIS
acrescenta a incerteza em face do cresci-
mento da criança, assim como o lugar de Desde Canguilhem, ficou evidente
destaque que essa criança ocupa na famí- que o normal e o patológico constituem
lia e na sociedade. os dois termos indissociáveis de um par
Assim, o psiquiatra de criança é soli- antitético: não se pode definir um sem o
citado a examinar um pequeno paciente, outro. O problema é ainda mais compli-
que na maioria das vezes não precisa de cado em francês, pois a isso se acrescenta
nada, para que ajude a eliminar uma con- uma confusão criada pela fonética entre o
duta que a família, a escola, os vizinhos anormal (do latim norma: o esquadro) e a
ou a assistente social julgam não ade- anomalie (da raiz grega ομαλοξ: liso, sem
quada com base em critérios geralmente aspereza). Assim, é preciso esclarecer as
externos e adaptativos. Esse psiquiatra, relações entre a anomalia, o anormal e o
por sua vez, leva em conta em sua ava- patológico.
Infância e Psicopatologia 15

As diversas definições possíveis do os políticos, os administradores ou os


normal estão ligadas a quatro pontos de pais e professores para suas crianças. Se
vista: esse ideal é definido pelo grupo social,
isso equivale mais ou menos a confun-
− o normal como saúde, em oposição à
di-lo com a norma estatística. Se esse
doença;
ideal é um sistema de valor pessoal (ideal
− o normal como média estatística; do ego), então é preciso ver como ele fun-
− o normal como ideal, utopia a realizar ciona, pois hoje se conhece bem uma certa
ou a perseguir; “doença da idealidade” (patologia narcí-
sica), o que equivale a definir um “funcio-
− o normal como processo dinâmico, namento mental normal”.
capacidade de restaurar um certo Fazer do normal um processo de
equilíbrio. adaptação, uma capacidade de reação
Confundir normal e saúde em oposi- para recobrar um equilíbrio anterior per-
ção a anormal e doença constitui eviden- dido, significa introduzir uma avaliação
temente uma posição estática que não dinâmica. Mas, no campo psicossocial,
corresponde mais à dimensão dinâmica uma tal definição oferece o risco de re-
da maioria das doenças: o paciente diabé- duzir o conceito de normalidade a um
tico antes da descompensação e o asmáti- estado de aceitação, de submissão ou de
co antes da crise são normais no sentido conformismo às exigências sociais. Para
da ausência de sintomas. Não se pode alguns, a capacidade de adaptação, ou
mais reduzir a doença às suas manifesta- o que chegou a ser chamado de adapta-
ções ruidosas. É preciso que intervenha bilidade, seria um critério melhor que a
também a potencialidade de recobrar a própria adaptação: resta ainda definir os
saúde, que nos aproxima da definição do critérios dessa capacidade, o que pode
normal como processo. acabar por remeter à definição do normal,
Associar o normal à média é, em pri- seja como média, seja como utopia.
meiro lugar, confundir o anormal e a ano- Como se vê, não há uma definição
malia e, depois, jogar para o campo do simples e satisfatória do normal; todos os
patológico tudo o que não está na zona quadros de referência selecionados com-
mediana da curva de Gauss: os sujeitos portam exceções nas quais se insinua o
de baixa estatura e os indivíduos super- patológico. Na realidade, normal e pato-
dotados no plano intelectual são patoló- lógico são tão dependentes um do outro
gicos? Na psiquiatria, é preciso levar em quanto “o acaso e a necessidade” (J. Mo-
conta ainda a pressão cultural: assim, nod, 1970) na genética: a necessidade de
corre o risco de ser considerada anormal reprodução exerce uma inevitável pressão
toda conduta que se desvia da média. normativa, enquanto a possibilidade da
Desse ponto de vista, os resistentes fran- evolução implica um desvio aleatório.
ceses, durante a ocupação eram anormais, Contudo, o médico não enfrenta aqui
assim como a maioria dos homens ditos um problema teórico, e sim uma escolha
“progressistas”. prática: diante deste ou daquele paciente
Remeter o normal a um modelo, a deve intervir ou se abster? O psiquiatra
uma utopia, é instaurar ipso facto um sis- de crianças e adolescentes, mais do que
tema de valores, uma normalidade ideal, qualquer outro especialista, se vê diante
aquela com que provavelmente sonham desse dilema, pois o estado sintomático
16 Daniel Marcelli & David Cohen

atual da criança não prediz absolutamen- só levam em conta seu estado? Em


te seu futuro estado de adulto. Para além termos mais políticos, será que não é
das condutas sintomáticas, o psiquiatra a mera frequência à escola que define
de crianças e adolescentes deve encontrar alguns escolares como deficientes? (cf.
um outro sistema de avaliação. discussão sobre o Q. I., Capítulo 9);
− a distribuição desigual e constante
dos sexos na população de pacientes
de psiquiatria de crianças e adoles-
PROBLEMA DO NORMAL E DO centes é um problema sério: 70% de
PATOLÓGICO NA meninos e 30% de meninas. Deve-se
PSICOPATOLOGIA DA CRIANÇA concluir que ser menino é mais pa-
tológico do que ser menina, ou que
Enquanto o exercício da psiquiatria a normalidade ideal e/ou social cor-
de crianças e adolescentes se limitava à responde melhor às capacidades e ne-
prática de uma terapia em um consultório cessidades da menina? Esse problema
privado, a questão do normal e do patoló- é tanto mais agudo à medida que a
gico era secundária. Mas, com a enorme distribuição sexual da população psi-
expansão da prática psiquiátrica infantil quiátrica adulta é inversa (maioria de
e de suas aplicações à saúde mental da mulheres em relação aos homens).
população e com uma eficácia garantida,
À parte qualquer abordagem indi-
ainda que adicionada de um custo econô-
vidual, essas simples constatações esta-
mico igualmente garantido, impõem-se
tísticas já justificam uma reflexão sobre
escolhas estratégicas. Foi-se o tempo em
o campo de atividade do psiquiatra de
que se podia esperar que toda criança fi-
crianças e adolescentes. Essa reflexão se
zesse uma psicanálise profilática: tal po-
resume à pergunta: as crianças examina-
sição encobria um erro profundo sobre a
das pelo psiquiatra representam a futura
própria função da análise de uma criança,
clientela potencial de consulta adulta ou
erro justificado na época pela confusão
são fundamentalmente diferentes desta?
ou pelas incertezas no campo específico
Estudos epidemiológicos levam a crer
da psicanálise e da educação (cf. os deba-
que se deve ficar com a segunda hipótese.
tes entre M. Klein e A. Freud nos anos de
Outras perguntas se colocam então para
1930). Atualmente, a higiene mental deve
explicar essa diferença: ela deveria ser
se preocupar também, não com seu rendi-
atribuída à eficácia da ação dos psiquia-
mento no sentido estritamente comercial,
tras de crianças e adolescentes? Traduz a
mas com sua eficácia. Por isso, é preciso
falta de correspondência entre a deman-
refletir sobre certas avaliações estatísticas
da de consulta para crianças que não se
em grande escala:
ajustam momentaneamente a um modelo
− a frequência das chamadas inteligên- ideal de desenvolvimento (dos pedago-
cias limítrofes variam em função da gos, dos pais) e que depois serão adultos
idade. Ela diminui consideravelmente sadios? Como se vê, essas perguntas pa-
na idade adulta: será que isso significa recem fundamentais no âmbito da saúde
que a inteligência aumenta com a ida- mental da população.
de ou, mais simplesmente, que os cri- Já no caso de uma criança particular,
térios de avaliação aplicados à criança a avaliação do normal e do patológico se
Infância e Psicopatologia 17

coloca de outra maneira; é preciso então mas organizadoras do psiquismo até


reconhecer o sintoma, avaliar seu peso aquelas que se observam nos estados pa-
e sua função dinâmica, tentar situar seu tológicos estruturados. O estudo de fobias
lugar dentro da personalidade da criança ou de condutas ritualizadas (cf. Capítulo
(estrutura para os psicanalistas ou estilo 17) é perfeitamente convincente. Mesmo
temperamental para os psicólogos desen- para uma conduta aparentemente mais
volvimentistas) e, finalmente, examinar desviante, como a gagueira, encontra-se
essa personalidade no quadro de sua evo- uma fase de desenvolvimento em que
lução diacrônica e em um ambiente parti- esta poderia ser qualificada de fisiológica
cular. É dessa quádrupla avaliação sinto- (cf. Capítulo 17).
mática, dimensional, desenvolvimental e Portanto, a descrição semiológica e a
ambiental que depende qualquer conduta identificação de uma conduta não são su-
da psiquiatria de crianças e adolescentes. ficientes para definir seu papel patogêni-
co ou organizador. Deve-se acrescentar a
isso uma avaliação dinâmica e econômica.
Normalidade e conduta O ponto de vista econômico consiste em
sintomática avaliar em que medida a conduta incri-
minada é apenas uma formação reacional
A primeira preocupação do psiquiatra ou, ao contrário, em que medida está liga-
de crianças e adolescentes diante de uma da também a um investimento sublimató-
conduta pouco comum é avaliar seu ca- rio; em outras palavras, em que medida
ráter patológico ou normal. Na realidade, o ego foi parcialmente amputado de suas
os termos dessa alternativa não são muito funções pelo compromisso sintomático
adequados. Seria preferível que o médico ou, ao contrário, em que medida ele pode
a substituísse pela seguinte indagação: reintroduzir essa conduta em seu poten-
essa conduta manifesta (mentalizada ou cial de interesses ou investimentos diver-
agida) tem um poder patógeno dentro do sos? O ponto de vista dinâmico e desen-
funcionamento mental da criança ou as- volvimental procura avaliar se a conduta
sume um papel organizador? Widlöcher sintomática é eficaz para ligar a angústia
(1978) observou com muita pertinência conflituosa e, desse modo, permitir a con-
que o médico costuma se comportar como tinuidade do movimento maturativo, ou
se houvesse dois tipos heterogêneos de se, ao contrário, é ineficaz para ligar essa
conduta: o primeiro caracterizaria con- angústia que ressurge incessantemente,
dutas-sintomas próprias ao âmbito pato- provocando novas condutas sintomáticas
lógico e o segundo condutas existenciais e entravando o movimento maturativo.
próprias à normalidade. Essas duas abordagens de um sintoma,
A experiência clínica mais simples funcional, de um lado, e desenvolvimen-
mostra como essa atitude é falaciosa. tal, de outro, devem se completar. De um
Quer se trate de operações de pensamen- ponto de vista histórico, é importante
to internas (fobia, pensamento obsessivo), assinalar que essas perspectivas foram
quer de condutas externas (passagem ao introduzidas pela corrente psicanalítica
ato, gagueira, etc.), encontra-se quase (ver mais adiante), respectivamente sob
sempre uma linha de continuidade que a terminologia “econômico” (para funcio-
subentende as diversas condutas huma- nal) e genético (para desenvolvimental),
nas, desde as que testemunham pré-for- sendo que este último termo adquiriu um
18 Daniel Marcelli & David Cohen

sentido completamente diferente com a disso, S. Freud havia introduzido uma


descoberta do DNA. linha divisória entre os indivíduos que
Resta o difícil problema da ausência apresentam uma organização mental ou
aparente de qualquer conduta desvian- estrutura de tipo psicótico e os que têm
te, no sentido da norma estatística. Na uma estrutura neurótica, não em função
realidade, todos os levantamentos epi- do significado de sua conduta, mas em
demiológicos sistemáticos mostram que função da eficácia da psicanálise. Para
a ausência de sintoma em uma criança é Freud, não há diferença entre o homem
uma eventualidade tanto mais rara quan- sadio e o homem neurótico: ambos apre-
to mais avançados são o exame clínico e sentam o mesmo tipo de conflito edipia-
a avaliação por testes psicológicos. Con- no, utilizam os mesmos tipos de defesas
tudo, algumas crianças crescem sem apa- (recalque, deslocamento, isolamento, con-
rentar tais sintomas: evidentemente, elas versão) e passaram pelas mesmas fases de
não passarão por consulta. Para a maioria maturação durante a infância. A única di-
delas, essa normalidade sintomática refle- ferença entre o indivíduo neurótico sadio
te provavelmente a saúde mental. Mas, e o indivíduo neurótico doente reside na
para outras, essa normalidade de facha- intensidade das pulsões, do conflito e das
da nada mais é do que um conformismo defesas, intensidade que se constata nos
adaptativo, uma organização em falso-self pontos de fixação neurótica e na relativa
segundo Winnicott, uma submissão às rigidez das defesas. A compulsão de repe-
pressões e exigências das pessoas do seu tição, característica essencial do neurótico
convívio. Essas crianças conformistas, doente, representa o elemento de morbi-
que se adaptam na aparência, mostram-se dade mais distintivo: a definição da nor-
incapazes de construir uma organização malidade como processo adaptativo se
psíquica interna coerente e de elaborar os aplica relativamente bem a esse quadro, e
inevitáveis conflitos de desenvolvimen- a saúde pode ser definida como a capaci-
to. A título de exemplo, durante as gra- dade de utilizar o leque mais amplo pos-
ves crises da adolescência, que põem em sível de mecanismos psíquicos em função
questão os fundamentos identitários, não das necessidades.
é raro constatar nos antecedentes infantis Na criança, as relações entre o com-
desses pacientes um “branco” aparente, plexo de Édipo como fase maturativa do
uma espécie de normalidade insípida e desenvolvimento e a neurose como or-
sem relevo. ganização patológica estão longe de ser
simples (cf. discussão no Capítulo 17).
E as proposições teóricas de M. Klein,
Normalidade e ponto de vista que mergulham no mais profundo e no
estrutural mais precoce da organização do psiquis-
mo infantil, já não correspondem ne-
Para além da avaliação sintomática, cessariamente à ideia que se faz hoje do
é preciso se reportar também a um pon- desenvolvimento precoce do bebê sadio
to de vista dimensional no plano do de- no plano de sua fantasmática. Em sua
senvolvimento. Anna Freud foi uma das concepção, não há diferença qualitativa
primeiras a destacar a noção de linha de fundamental entre o desenvolvimento
desenvolvimento e a insistir na diversi- normal e o desenvolvimento patológico,
dade de dimensões a considerar. Antes nem mesmo no campo dos estados psicó-
Infância e Psicopatologia 19

ticos. A única diferença é quantitativa: a transformações estruturais possíveis por


intensidade das pulsões agressivas pode muito tempo; a dependência prolonga-
efetivamente provocar uma angústia tal da das pessoas próximas pode provocar
que a evolução maturativa é bloqueada. modificações imprevisíveis. Todos esses
Os diversos estados patológicos não são fatores brevemente enumerados mostram
muito diferentes das fases maturativas a dificuldade frequente e, provavelmente,
normais correspondentes ao patamar também o erro de definir com excessivo
atingido quando do bloqueio evolutivo. rigor uma estrutura psíquica na criança.
A avaliação do patológico se baseia jus- Hoje se prefere uma abordagem di-
tamente na análise dos fatores que impe- mensional bastante próxima, no fim das
dem o bom andamento da maturação e contas, das primeiras proposições de A.
do desdobramento de uma organização Freud com seu conceito de linha de de-
neurótica. A esse respeito, M. Klein as- senvolvimento (ver a seguir) que leva
sinala a importância da inibição das ten- em conta a diversidade de dimensões
dências epistemofílicas e do recalque da pertinentes (afetiva, comportamental,
vida imaginária. cognitiva, familiar, linguística, motriz,
O interesse dessas breves evocações etc.), sabendo que essa visão progressiva
teóricas de Freud e M. Klein reside em e diacrônica do desenvolvimento poderá
mostrar que a linha divisória entre o nor- em parte ser contemplada na noção de
mal e o patológico não pode mais ser es- temperamento. Assim sendo, a questão
tabelecida apenas em relação à estrutura continua em aberto: sobre que bases e
mental da criança. A utilização de termos critérios delimitar a patologia mental da
próprios à patologia (fase esquizopara- criança, como compreender e integrar
noide, defesa maníaca, posição depressi- umas às outras as diversas condutas pa-
va) para designar estados normais, pata- tológicas ou dificuldades observadas?
mares maturativos necessários durante o Desse ponto de vista, o lugar ocupado
crescimento da criança, mostra o quanto é pelos transtornos instrumentais na psico-
insuficiente a mera referência estrutural. patologia infantil é esclarecedor. A título
É preciso refletir aqui sobre a noção de de exemplo, tomaremos o caso do sinto-
estrutura mental na psicopatologia infan- ma “dificuldade de aprendizagem da lin-
til. Bem mais que no adulto, a definição guagem escrita” (cf. a seguir).
da “estrutura mental” de uma criança é
cheia de imprevistos; essa estrutura nun-
ca se deixa captar com a mesma nitidez. Normalidade e ponto de vista
De fato, a delimitação de condutas pato- desenvolvimental: desarmonia
lógicas é mais incerta, e as ligações possí- e imaturidade
veis entre diversas condutas sempre pare-
cem mais fracas que na patologia adulta. O crescimento e a tendência à pro-
Além disso, a mistura constante de mo- gressão constituem o pano de fundo em
vimentos de progressão e de regressão constante mutação ao qual o psiquismo da
dilui qualquer contorno mais preciso: a criança deve se adaptar. Esse crescimen-
incompletude do funcionamento psíquico to apresenta duas vertentes que a escola
não permite falar de um modelo estável americana de psicologia do ego de Hart-
e consumado; a existência de momentos mann distinguiu, separando os processos de
críticos no desenvolvimento dá conta das maturação e os processos de desenvolvimento.
20 Daniel Marcelli & David Cohen

Os processos de maturação representam Além dessas interações constantes com


o conjunto de fatores internos que pre- o ambiente, os processos de maturação não
sidem o crescimento. Esses fatores têm devem ser vistos como processos que se
um peso enorme sobre a criança. Além desenrolam de modo regular e harmonioso
dos fatores somáticos de crescimento, há em uma progressão sem choque nem con-
aqueles que Anna Freud chama de for- flito, o que constituiria de certo modo um
ças progressivas do desenvolvimento: a hipotético “desenvolvimento normal”.
criança procura imitar o pai, os irmãos Como vimos nos parágrafos anterio-
ou irmãs mais velhos, o professor ou res, a avaliação da angústia ligada aos
simplesmente os “grandes”. Quer ter os conflitos próprios ao desenvolvimento
atributos ou suas características ao mes- não é suficiente para distinguir o normal
mo tempo em que despreza os pequenos, do patológico. Só é possível julgar a ca-
ou pelo menos aqueles que são um pouco pacidade de progressão que a conduta
menores que ela… sintomática preserva e que autoriza a or-
ganização estrutural ou, ao contrário, seu
Os processos de desenvolvimento in- poder de fixação e/ou de regressão, de
cluem o conjunto de interações entre a uma perspectiva diacrônica.
criança e o ambiente, e os fatores externos A intensidade e o caráter patogênico
podem desempenhar um papel positivo desses pontos de fixação e dessas regres-
ou negativo nesse crescimento. sões podem provocar distorções cada vez
Se o valor heurístico dessa distinção é maiores do desenvolvimento. A. Freud
evidente, na prática clínica não é fácil se- propõe, aliás, como critério de avaliação
parar processos de maturação e processos do patológico, o estudo da desarmonia
de desenvolvimento em razão da perma- entre as linhas de desenvolvimento. A
nente repercussão mútua. De fato, é preci- autora define várias linhas de desenvol-
so abandonar a posição cristalizada e cien- vimento que representam eixos particula-
tificamente falsa que consiste em fazer do res do crescimento de uma criança: linha
crescimento da criança um processo gene- de desenvolvimento que vai do estado
ticamente programado em sua totalida- de dependência à autonomia afetiva e às
de desde o nascimento. As pesquisas em relações de objeto de tipo adulto, linha
psicofisiologia demonstraram claramente de desenvolvimento da independência
a importância das interações entre equipa- corporal (do aleitamento à alimentação
mento de base e aporte ambiental. Assim, racional ou da incontinência ao controle
os modelos que ajudam a compreender de esfíncteres), linha de desenvolvimento
melhor essa complexidade são os modelos do corpo ao brinquedo e do jogo ao traba-
de epigênese probabilística, isto é, que in- lho, etc. Para A. Freud, a patologia pode
tegram a ideia de interações bidirecionais nascer de uma desarmonia de nível ma-
entre os diferentes níveis constitutivos da turativo entre essas linhas. Esse conceito
organização psíquica ou a ideia de que a de desarmonia faz muito sucesso (cf. Ca-
experiência vivida pela criança partici- pítulo 18: Nas fronteiras da nosografia).
pa enquanto tal de seu desenvolvimento Mas, também aqui, é preciso demonstrar
no plano fisiológico (Cohen, 2007). Desse discernimento ao distinguir o normal e
ponto de vista, os trabalhos de Patrícia o patológico. A própria A. Freud assina-
Kuhl sobre o desenvolvimento da lingua- la que “a desarmonia entre as linhas de
gem são fundamentais (Kuhl, 2000). desenvolvimento somente constitui um
Infância e Psicopatologia 21

fator patogênico quando o desequilíbrio lógico, mas também à noção de “força do


é excessivo”. Em nenhum caso, a mera ego” amplamente utilizada pelos psicana-
existência de um desequilíbrio é suficien- listas da escola de Hartmann.
te para definir o patológico.
Uma outra noção que se refere impli-
citamente a um modelo ideal ou estatís- Normalidade e ambiente
tico de desenvolvimento normal é muito
utilizada em psicopatologia infantil para Winnicott disse com muita pertinên-
condutas clínicas que se situam no limi- cia que uma criança pequena sem sua mãe
te do normal e do patológico: trata-se da não existe: ambos, mãe e filho, formam
imaturidade. um todo sobre o qual deve incidir a ava-
A partir da imaturidade, numerosos liação e o esforço terapêutico. Essa verda-
quadros clínicos foram isolados em ba- de é válida também para a criança maior e
ses etiopatogênicas muito diversas. Os para o adolescente. A avaliação do normal
primeiros autores que empregaram esse e do patológico no funcionamento de uma
conceito justificavam a referência a um criança não poderia ignorar o contexto
processo de maturação puramente neuro- ambiental, parental, fraternal, escolar, re-
fisiológico em razão de sinais observados sidencial, amigável, religioso, etc.
em EEG que, aliás, são agrupados sob o Várias condutas consideradas pato-
nome de “traçado imaturo ou dismatu- lógicas pelas pessoas próximas apare-
ro”: traçado globalmente lento para a ida- cem, na realidade, ou como sinais de um
de (mas que poderia ser fisiológico para protesto sadio, ou como testemunhos da
crianças menores) revelando uma sensibi- patologia das pessoas próximas. Em con-
lidade exagerada à hiperpneia e frequen- dições de ambiente patológico, é o caso de
tes sinais de “irritação” ou ondas lentas condutas como o roubo ou a mentira (cf.
de predominância occipital. Capítulo 10), ou de comportamentos apa-
Do mesmo modo, a imaturidade afe- rentemente mais desorganizados, como o
tiva ou emocional remete a um conjunto delírio induzido (cf. Capítulo 22).
de condutas marcadas sobretudo pela Os critérios de avaliação aplicados à
dificuldade de controlar as emoções, sua criança devem levar em conta o contexto:
intensidade e sua labilidade, a dificulda- de fato, a mesma conduta pode ter um sen-
de de tolerar a frustração, a dependência tido muito diferente conforme se manifes-
afetiva, a necessidade de segurança, a su- te em uma criança que se beneficia de uma
gestionabilidade, etc. contribuição familiar positiva ou, ao con-
Encontra-se aqui um conjunto de tra- trário, em uma criança que vive em meio a
ços descritos em diversas organizações uma desorganização geral, como é o caso
patológicas, em particular os transtornos das famílias-problema (cf. Capítulo 22).
externalizados. Será que se deve ver nisso Porém, não é fácil avaliar a repercussão
o traço de uma lesão ou de um disfuncio- das condições externas dentro da estrutura
namento? Em uma perspectiva analítica, psicológica da criança. A noção de patolo-
essa imaturidade afetiva e emocional re- gia reacional não deve levar a supor que
mete às noções de tolerância à frustração um sintoma possa responder total e perma-
e de capacidade de passagem ao ato, que, nentemente a um simples condicionamen-
para A. Freud, constituem um dos ele- to ou a uma reação linear do tipo estímu-
mentos de avaliação do normal e do pato- lo-resposta. Além disso, é preciso avaliar o
22 Daniel Marcelli & David Cohen

grau de interiorização dessa conduta e seu dislexia é o sintoma da doença “dislexia”,


poder patogênico para a organização psí- entidade autônoma, caracterizada por uma
quica atual da criança (cf. a seguir: Diag- lesão específica não visível em exames de
nóstico médico e psiquiátrico). neuroimagem convencional, mas podendo
É a essa conduta que respondem os ser explorada em protocolos em imagem
conceitos de transtorno reacional, mas funcional. Contudo, esses protocolos ape-
também as noções de vulnerabilidade e nas testemunham correlações e o fato de
de competência (cf. Capítulo 21). Assim, que em certas crianças o desenvolvimento
querer definir em função do ambiente de áreas especializadas no tratamento da
uma criança normal e uma criança pato- linguagem escrita graças à aprendizagem
lógica equivale, em alguma medida, a de- não ocorre de forma tão eficaz.
finir um ambiente normal ou patológico, Para outros, a dificuldade de apren-
isto é, uma sociedade normal ou patoló- dizagem da linguagem escrita resulta da
gica, o que nos remete às diversas defini- imaturidade de uma função instrumental
ções possíveis da normalidade e ilustra e nada mais é que o prolongamento ex-
também o risco de uma reflexão fechada cessivo de um patamar normal encon-
em si mesma quando se aborda esse pro- trado no início de toda aprendizagem da
blema em um plano puramente teórico. leitura e da escrita. Trata-se, portanto, de
um transtorno de desenvolvimento, qua-
se sempre transitório, preocupante ape-
Um exemplo paradigmático: os nas por suas consequências secundárias
transtornos de aprendizagem da (fracasso escolar, oposição da criança,
língua escrita etc.). Em certas crianças, essas dificulda-
des são mais estruturais e revelam trans-
A aprendizagem da língua escrita é, tornos mais perenes na aprendizagem da
por essência, um processo de aprendiza- linguagem escrita. Testemunho disso são
gem cultural e, portanto, totalmente de- as dificuldades frequentes que elas apre-
pendente de estimulações ambientais. De sentam no plano fonológico desde o ma-
fato, não basta ser exposto à linguagem ternal. Alguns reservam para esses casos
escrita via livros, imagens publicitárias, o qualificativo dislexia-disortografia.
jornais, etc., para desenvolver competên- Outros autores compreendem a difi-
cias de leitura. culdade de aprendizagem da linguagem
Alguns autores veem os transtornos escrita como o testemunho de um proces-
da linguagem escrita como testemunho de so específico de inibição que traduz a per-
uma deficiência no plano neuropsicológi- sistência de um conflito edipiano ativo e o
co em uma concepção não muito distante recalque secundário. A dislexia é um dos
das teorias lesionais anatomoclínicas da sintomas da neurose na criança. A inibi-
psiquiatria do século XIX, mas apoiada nos ção aqui vem sufocar as potencialidades
conhecimentos da alexia* do adulto. Essa de aprendizagem.
posição, verdadeira petição de princípio, Outros ainda acreditam que a apren-
é tão indemonstrável quanto irrefutável: a dizagem da linguagem apenas revela a
inadequação das exigências escolares ou a
* N. de R. T.: déficit na compreensão da escrita incompetência do pedagogo em face das
decorrente da lesão cerebral e não relacionada a possibilidades das crianças. A dificuldade
comprometimento visual. de aprendizagem da linguagem escrita
Infância e Psicopatologia 23

é o testemunho da doença da escola, de recente e data dos anos de 1970. A epide-


suas estruturas e de seu conteúdo. miologia permite determinar a frequência
Finalmente, o ambiente social e fami- de doenças ou de fatos de saúde, investi-
liar, com suas faculdades de estimular as gar e apontar fatores de risco ou de vul-
aprendizagens da criança, seria um dos nerabilidade que são às vezes fatores de
principais fatores explicativos para aqueles causalidade, e igualmente avaliar a perti-
que veem na fortíssima correlação entre o nência dos métodos de intervenção, seja
iletrismo do adulto e o nível socioeconômi- no tratamento ou na prevenção.
cos da família a resultante desse vínculo. A epidemiologia descritiva visa dar
Vemos aqui, a propósito de uma con- respostas às questões de quem, quando,
duta facilmente identificável, as diversas onde: quem é afetado pelo fenômeno de
tentativas de integrá-la em um conjunto saúde? Quando ocorre a doença? Onde
conceitual mais amplo, em referência a: ocorre a doença? A epidemiologia des-
critiva avalia ainda a prevalência e a inci-
− um quadro lesional ou neuropsico-
dência de um transtorno. A taxa de preva-
lógico;
lência é igual ao número de casos sobre a
− um quadro desenvolvimental; população estudada, enquanto a incidên-
− um quadro cognitivo; cia representa a frequência de novos casos
surgidos na população estudada durante
− um quadro psicopatológico; um período dado. Para uma incidência
− um quadro pedagógico; igual, a prevalência é tanto mais impor-
tante quanto a duração de uma doença é
− um quadro ambiental. longa.
Note-se que essas abordagens teóricas A epidemiologia analítica visa res-
não são necessariamente incompatíveis. ponder à questão de como e por quê.
Isso explica a dificuldade de qualquer Utilizando métodos de análise estatísti-
tentativa de classificação em psicopato- ca adaptados, ela procura determinar o
logia infantil e seu caráter sempre insa- papel favorecedor, ou mesmo causal, de
tisfatório. Contudo, algumas entidades certos fatores. Um fator de risco é uma
descritivas aparecem com uma certa re- característica associada a uma probabi-
gularidade: tais agrupamentos semioló- lidade maior de ocorrência de um pro-
gicos só podem ser interpretados como blema de saúde. O risco relativo mede
associação de condutas correlacionadas o grau de ligação entre um problema de
mais ou menos regularmente e cujo iso- saúde e um fator de risco. Por convenção,
lamento só se justifica por sua frequência. costuma-se falar em marcador de risco
para qualificar os fatores de risco cuja na-
tureza não se pode modificar (por exem-
plo, o fato de ser um menino). Quando a
PRINCÍPIOS DE EPIDEMIOLOGIA probabilidade de ocorrência de um pro-
PSIQUIÁTRICA blema de saúde é menor, fala-se em fator
de proteção. No que se refere a esses fa-
Generalidades e definições tores, enumeram-se os fatores proximais,
cujos efeitos são quase imediatos, e os
O interesse pelos problemas de saú- fatores distais, cujos efeitos se estendem
de mental e de avaliação é relativamente mais no tempo.
24 Daniel Marcelli & David Cohen

A epidemiologia avaliativa procura ram com pessoas que não têm a doença:
avaliar a eficácia das condutas de cuidado os estudos “expostos” versus “não expos-
ou das políticas de prevenção. tos”, nos quais se constituem grupos de
sujeitos expostos ou não a um risco e que
são estudados ao longo do tempo para
Principais tipos de estudos verificar o aparecimento deste ou daque-
epidemiológicos le fenômeno mórbido; os experimentos
clínicos abertos, que determinam o efeito
Entre as numerosas variáveis que de um tratamento em aberto, isto é, sem
determinam as estratégias de pesquisas grupo de comparação nem conduta de
utilizadas em epidemiologia, é preciso avaliação em cego; os experimentos clí-
distinguir as condutas segundo a fonte de nicos randomizados em duplo-cego, que
dados (por exemplo: individual ou coleti- estudam o efeito de um tratamento com
va), segundo o momento da coleta de da- um grupo-controle. As avaliações são em
dos (por exemplo: antes ou depois de um cego, o paciente e o clínico não sabem que
acontecimento), segundo o tipo de amos- tratamento foi escolhido, enfim, a escolha
tragem (por exemplo: grupo de doentes, do tratamento é feita ao acaso; os estudos
população geral). em cross-over, que são uma variação do es-
Os principais tipos de estudos expe- tudo em duplo-cego. O grupo-tratamento
rimentais ou descritivos utilizados em e o grupo-controle são trocados durante o
epidemiologia psiquiátrica são: os estu- percurso em cego. Com isso, cada grupo
dos retrospectivos, que se fundamentam serve de controle ao outro.
em dados ou acontecimentos passados; os
estudos prospectivos, baseados na obser-
vação dos acontecimentos e da evolução Noção de criança e
dos transtornos tal como se produzem. de meio de risco
Um dos problemas desses estudos longi-
tudinais é que algumas pessoas desapa- Um dos objetivos da conduta epide-
recem e não é possível acompanhá-las ao miológica é poder indicar medidas pre-
longo do tempo; os estudos de coortes, ventivas. A prevenção é um dado fun-
que estudam um grupo escolhido no in- damental em qualquer política de saúde
terior de uma população previamente mental. Trata-se de indicar intervenções
definida. Esse grupo é estudado durante que permitam prevenir o aparecimento
um longo período. Esses estudos forne- de um fenômeno mórbido. Distinguem-se
cem estimativas diretas do risco associa- três níveis diferentes: a prevenção primá-
do a um fator causal suspeito. Estão en- ria, que visa prevenir o aparecimento do
tre os estudos mais onerosos; os estudos próprio transtorno; a prevenção secun-
transversais, que dão informações sobre dária, que visa detectar precocemente o
a prevalência de doenças em uma popu- transtorno e tratá-lo, a fim de evitar seu
lação de estudo representativa em um agravamento ou a manifestação de sua
momento dado. Às vezes são chamados morbidade; e a prevenção terciária, que
também de estudos de prevalência; os visa evitar ou atenuar as complicações do
estudos de casos testemunhos, que es- transtorno
tudam de maneira retrospectiva pessoas A epidemiologia analítica permite
com uma doença particular e as compa- isolar fatores de risco ou fatores associa-
Infância e Psicopatologia 25

dos a este ou àquele transtorno. A partir criança: a dos limites do normal e do pa-
desses fatores de risco podem-se definir tológico; a da natureza desenvolvimental
meios de risco, isto é, ambientes que apre- da criança; e por último, a dos efeitos do
sentam vários fatores de risco associados ambiente sobre ela.
a um transtorno, e crianças de risco, isto é, A questão do normal e do patológico
crianças que apresentam vários fatores de na criança está no cerne da psiquiatria do
risco de um transtorno. É importante de- desenvolvimento (cf. dito anteriormente).
marcar os fatores de risco, tanto do lado Ainda que alguns sintomas ou condutas
do ambiente, da família, quanto da pró- pareçam claramente patológicos e, por-
pria criança. tanto, de fácil identificação, os limites
No plano da psicopatologia geral, com a normalidade são às vezes muito
foram isolados alguns fatores de risco mais tênues. Por isso, é necessário regu-
desenvolvimentais para as crianças. Eles lar as ferramentas de medida: qualidade
são coligidos no Quadro 1.1. Pode-se ob- dos questionários de detecção ou de diag-
servar que a maior parte desses fatores é nóstico, modo de coleta de informação
pouco específica de um transtorno parti- confiável, informantes múltiplos (profes-
cular. Assim, o fato de ser menino é um sores, crianças, pais). De um lado, mui-
marcador de risco, devido à razão sexual tas crianças podem indicar a presença de
desfavorável para o menino, de várias pa- sintomas característicos de um transtorno
tologias psiquiátricas invalidantes, como sem com isso sentir qualquer embaraço.
a deficiência mental, o autismo, a hipera- Nesse caso, a criança deve ser considera-
tividade, etc. da doente? De outro lado, a definição do
normal e do patológico também difere
muito em função da idade da criança e de
Condutas clínica e seu nível de evolução e de maturidade.
epidemiológica Do mesmo modo, o impacto de um acon-
tecimento potencialmente patogênico po-
Assim como a conduta clínica, a pes- derá ser muito diferente. Enfim, os efeitos
quisa epidemiológica enfrenta três ti- do ambiente são complexos e intricados.
pos de dificuldades em saúde mental da A maior parte das variáveis identificadas

Quadro 1.1 Principais fatores de risco psicopatológico na criança


Fatores ligados à criança
– Crianças prematuras, nascidas com uma malformação ou hospitalizadas em reanimação no nas-
cimento
– Crianças com uma doença crônica ou uma deficiência
– Crianças que foram internadas em instituições ou separadas de seus próximos
– Crianças maltratadas
– Crianças do sexo masculino
Fatores ligados ao contexto
– Família monoparental
– Pais que apresentam uma patologia psiquiátrica
– Acontecimentos de vida traumáticos
– Condições socioeconômicas desfavoráveis
26 Daniel Marcelli & David Cohen

como fator de risco são suscetíveis de en- mesmo diagnóstico de um dado paciente,
gendrar patologias muito diversas. Esses e se esse paciente continua recebendo o
fatores interagem de maneira complexa, e mesmo diagnóstico ao longo de sua evo-
há uma enorme diversidade deles: fatores lução. A fim de melhorar a validade dos
hereditários, ambientais, relacionais, so- diagnósticos em psiquiatria, as últimas
ciais, familiares, biológicos, psicológicos, três décadas foram marcadas por enor-
etc. Além disso, a criança é um ser que mes esforços de definição diagnóstica em
depende das pessoas próximas. As conse- função da presença de sintomas definidos
quências de um fator de risco serão variá- de maneira consensual. Essas principais
veis em função das reações de seu meio e classificações são descritas mais adiante.
de suas capacidades de adaptação. Portanto, a noção de sintoma em
Embora algumas dificuldades sejam uma criança é uma noção complexa, in-
comuns, o ponto de vista clínico difere to- dependentemente dos pontos menciona-
talmente da conduta epidemiológica. Na dos acima:
conduta clínica, o interesse é pelo doente, − a criança raramente se consulta por
sobre o qual se fará um diagnóstico e se si mesma; ela é levada pelos pais ou
buscarão as causas de aparecimento e de professores em nome de sintomas que
agravamento pertinentes para o sujeito. preocupam ou que são mais ruidosos.
Desse diagnóstico clínico e etiológico re- Esses sintomas não são necessaria-
sultará um procedimento de cuidados mente os principais sintomas, e con-
cujo êxito será avaliado. A conduta epi- vém esclarecer as coisas;
demiológica, por sua vez, não se interessa
pelo sujeito doente, mas por um fato de − por outro lado, em vários casos, a
saúde que aparece em um grupo. No pla- criança sofre muito mais com as con-
no da compreensão etiológica, a condu- sequências dos transtornos do que
ta epidemiológica examina as causas de com os próprios transtornos;
aparecimento e de propagação do fato de − em outros casos, o sintoma permanece
saúde na população, e examina o impacto porque ela obtém com isso benefícios
de uma eventual intervenção terapêutica secundários que na interação com as
no grupo. pessoas próximas revelam uma ver-
dadeira dinâmica em círculo vicioso
(por exemplo: o pai ou a mãe deixa de
trabalhar; regime de “favor”);
A NOSOGRAFIA NA PSIQUIATRIA
− de um ponto de vista psicopatológi-
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
co, o sintoma pode ser visto como um
sinal de aviso de um conflito incons-
Diagnóstico médico e ciente ou pré-consciente. O sintoma é
psiquiátrico então o produto de um deslocamento
inconsciente do conflito que é preciso
O diagnóstico médico e psiquiátrico investigar e analisar para interromper
só tem utilidade quando é válido e con- a sintomatologia. Portanto, nesses ca-
fiável. A confiabilidade diagnóstica se sos, não se deve desprezar o sintoma,
refere à sua coerência. Ela avalia até que com o risco de vê-lo perdurar, ou de
ponto diferentes examinadores fazem o não mais contar com o assentimento e
Infância e Psicopatologia 27

a colaboração da criança e da família tonomia é bastante utilizado na prática


para prosseguir o tratamento; corrente no campo dos transtornos gra-
ves do desenvolvimento para verificar a
− finalmente, a sintomatologia de uma
gravidade do quadro clínico, assim como
criança pode também testemunhar
sua evolução.
um grave disfuncionamento da fa-
mília que se organiza em torno da
criança doente, evitando assim ter de
Principais classificações
enfrentar os profundos conflitos da
família. As três classificações mais utilizadas na
França são todas classificações multiaxiais:
Noção de abordagem multiaxial − a Classificação Internacional de Doenças,
10ª versão (CID-10) da Organização
Um dos avanços no plano clínico nes- Mundial de Saúde. Ela distingue três
tes últimos trinta anos, além do apareci- eixos: o eixo do diagnóstico psiquiá-
mento de critérios diagnósticos consen- trico, o eixo do diagnóstico somático
suais nas classificações internacionais, e o eixo dos aspectos psicossociais.
é a adoção pela maioria dos clínicos da Note-se que nessa classificação o eixo
abordagem multiaxial. Essa abordagem psicossocial é particularmente deta-
decorre diretamente da complexidade lhado;
de fatores pertinentes em psiquiatria da
− o Manual Diagnóstico e Estatísti-
criança, como se mencionou mais aci-
co de Transtornos Mentais, 4ª edição
ma. A abordagem multiaxial consiste em
(DSM-IV), publicado originalmente
tentar distinguir para um sujeito o plano
pela APA. É a mais utilizada em epi-
clínico do plano estrutural ou de sua per-
demiologia e em investigação clíni-
sonalidade, mas igualmente outras di-
ca. Trata-se de uma classificação em
mensões pertinentes. Certos eixos estão
cinco eixos: o eixo clínico, o eixo da
incluídos no formato de avaliação das
personalidade, o eixo do diagnóstico
classificações internacionais e, portanto,
somático, o eixo psicossocial e o eixo
fazem parte da avaliação padrão. Assim,
do funcionamento global atual;
podem-se distinguir, por exemplo, o eixo
das potencialidades cognitivas, o eixo − classification française des troubles
das doenças orgânicas, o eixo dos acon- mentaux de l’enfant et de l’adolescent
tecimentos de vida, o eixo dos aspectos (CFTMEA) é uma classificação ainda
psicossociais, o eixo do funcionamento utilizada por numerosos clínicos na
global, o eixo prognóstico, etc. Em fun- França. Ao contrário das duas classi-
ção de investigações particulares, um ou ficações anteriores, que apresentam
outro aspecto poderá ser analisado e de- critérios diagnósticos detalhados para
talhado com precisão. A vantagem dessa cada categoria diagnóstica, essa clas-
abordagem multiaxial é permitir abordar sificação não propõe nenhum. Trata-
uma criança sob vários ângulos, em sua -se mais de um glossário diagnóstico.
diversidade e, potencialmente, em uma Assim, ela se apoia essencialmente na
tentativa de distinguir as principais va- experiência e no julgamento do clíni-
riáveis pertinentes para ela. Quanto aos co. É organizada em dois eixos: o eixo
cuidados de enfermagem, o eixo da au- clínico e o eixo de fatores associados,
28 Daniel Marcelli & David Cohen

que compreende os fatores orgânicos, não presentes no DSM foram consi-


de um lado, e as condições ambien- derados, por exemplo, no campo dos
tais, de outro. Uma das originalidades transtornos de aprendizagens.
dessa classificação reside na inclusão
de categorias diagnósticas específicas
para os bebês; Prevalência dos principais
− o Psychodynamic Diagnostic Manual, transtornos psiquiátricos na
PDM, é uma classificação americana criança
recente, que procura conciliar uma
perspectiva psicodinâmica e uma A prevalência dos principais transtor-
conduta clínica rigorosa e informa- nos psiquiátricos na criança é apresenta-
tiva. Ela propõe três eixos, e a seção da no Quadro 1.2. Nele figuram também
sobre psiquiatria da criança é particu- a razão sexual de cada patologia relacio-
larmente rica. Os três eixos conside- nada e a idade média do início dos trans-
rados são: o perfil do funcionamento tornos para as patologias crônicas.
mental (MCA axis), que descreve, en-
tre outras, as capacidades de regula-
ção, de aprendizagem, de acesso à Referências
relação, o estilo defensivo da criança,
CANGUILHEM G.: Le normal et le pathologique.
etc.; o perfil de personalidade (PCA
PUF, Paris, 1966.
axis), que distingue os esquemas em
FREUD A.: Le normal et le pathologique chez
emergência e sua eventual gravidade; l’enfant. Gallimard, Paris, 1962.
a experiência subjetiva, que remete LEBOVICI S., DIATKINE R.: Le concept de norma-
mais classicamente à sintomatologia lité. In: ANTHONY E.J., CHILAND C., KOUPER-
apresentada pela criança (SCA axis), NICK: L’enfant à haut risque psychiatrique. PUF,
sabendo que alguns diagnósticos Paris, 1980, 29-43.

Quadro 1.2 Prevalência, razão de sexo e início dos principais transtornos segundo a CID-10 em
psiquiatria da criança e do adolescente
Prevalência vida Razão de sexo Idade média de
inteira menino/menina início
Deficiência intelectual 2-3% 2/1 < 3 anos
Autismo* 4/10.000 4/1 < 3 anos
Transtorno hipercinético 1-2% 4/1 < 6 anos
Dislexia 2% 2/1 6 anos
Transtorno obsessivo-compulsivo 0,5% 2/1 10 anos
Ansiedade de separação 3% 1/1 6 anos
1
Suicídio 0,5/ano/100.000 1/2 15 anos
Depressão 2-5% 1/2 15 anos
1
Prevalência anual para a faixa de 5 a 14 anos expressada para 100.000 habitantes (DREES, 2006).
*N. de R. T.: trabalhos mais recentes, como o de Brydou (1997), sugerem uma prevalência de 1:1000.
Infância e Psicopatologia 29

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION: Diagnos- MONOD J.: Le hasard et la nécessité. Le Seuil, Pa-
tic and statistical manual of mental disorders, ris, 1970.
DSM-IV. APA, New York, 1994. MOUQUET M.C., BELLAMY V, CARASCO V.: Sui-
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