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Elizabete Volkman

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO

ELIZABETE VOLKMAN

LICENCIATURA EM MATEMÁTICA E A PREPARAÇÃO PARA A


DOCÊNCIA: O QUE DIZEM OS LICENCIANDOS

PONTA GROSSA
2017
ELIZABETE VOLKMAN

LICENCIATURA EM MATEMÁTICA E A PREPARAÇÃO PARA A


DOCÊNCIA: O QUE DIZEM OS LICENCIANDOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Ponta Grossa (UEPG), na Linha de
Pesquisa Ensino e Aprendizagem, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Educação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Lúcia Pereira

PONTA GROSSA
2017
Dedico este trabalho aos meus filhos Rafael e
Arthur por compreenderem as minhas
necessárias ausências.
AGRADECIMENTOS

Ao concluir este trabalho sinto o dever de agradecer àqueles que


contribuíram, direta ou indiretamente, para que este sonho fosse realizado.

A Deus, pelo dom da vida e da sabedoria.

Em especial à Professora Doutora Ana Lúcia Pereira, minha orientadora,


pela confiança em mim depositada e por direcionar a construção desta pesquisa
com conhecimento, carinho e o rigor necessários.

Aos meus filhos Rafael e Arthur, pela compreensão nos momentos em que
não consegui dedicar-me a vocês durante a realização desta pesquisa.

Ao meu marido Alvir, que sempre esteve ao meu lado, participando dos
meus sonhos e encorajando-me a vencer os obstáculos para alcançar meus
objetivos.

Às minhas irmãs Vilma, Beatriz e Roselani, pelo apoio e incentivo.

Às professoras: Doutora Simone Luccas, Doutora Simone Regina Manosso


Cartaxo e Doutora Luciane Grossi, pelas valiosas contribuições no exame de
qualificação e na construção desta pesquisa.

Aos demais professores do Programa de Pós-Graduação da Universidade


Estadual de Ponta Grossa, aos colegas do Programa de Mestrado e ao Grupo de
Pesquisa pelas contribuições que auxiliaram na construção desta pesquisa.

E por fim, mas não por último, às minhas amigas Gabriele Granada Veleda,
pelos momentos de discussões e partilha em nossas viagens para Ponta Grossa e
Lizie Mendes Clock, pelo auxílio no exame de qualificação.

Agradeço a todos!
Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem
aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo
e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar.

Paulo Freire
VOLKMAN, Elizabete. Licenciatura em Matemática e a preparação para a
docência: o que dizem os licenciandos. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa.2017.

RESUMO

A aprendizagem da docência e o desenvolvimento profissional são processos que


ocorrem durante toda a vida do professor. A formação inicial em cursos de
licenciatura constitui a base de um processo formal e sistematizado de
aprendizagem do ensinar e da profissão docente, sendo ainda um período
importante de (re) construção e consolidação de práticas e concepções em torno do
ser professor. Desse modo, a presente pesquisa tem como objeto de estudo as
concepções discentes sobre a docência e sobre a preparação para a docência na
licenciatura. O estudo teve como objetivo principal analisar as concepções dos
acadêmicos da Licenciatura em Matemática sobre a docência e sobre a sua
preparação para a docência. Procuramos discutir os conceitos e princípios da
formação de professores, da docência e as contribuições dos estudos sobre os
saberes docentes para a formação inicial. Para fundamentar as análises sobre as
relações de poder e as hierarquias entre as disciplinas dentro do campo universitário
nos apoiamos nos conceitos de habitus, campo e capital cultural de Pierre Bourdieu.
A pesquisa se insere na abordagem qualitativa e os dados foram coletados por meio
de questionários (N=39) e entrevistas semiestruturadas (N=8) com licenciandos do
quarto ano do curso de Licenciatura em Matemática pertencentes a duas
universidades públicas estaduais do Paraná. Como procedimento metodológico
realizamos também a análise documental do Projeto Pedagógico do Curso de
Matemática das universidades investigadas. Para organização e análise dos dados
adotamos a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011) e Análise de clusters. Nossos
resultados apontam que a escolha profissional pelos licenciandos em Matemática
envolvem questões subjetivas como afinidade pela área, vontade de ser professor e
a docência como segunda opção e que o processo formativo vivenciado na
licenciatura influencia nesse processo de escolha profissional. Os licenciandos
investigados também enfatizaram a falta de conteúdos voltados para a docência na
Licenciatura em Matemática.

Palavras-chave: Formação inicial docente. Preparação para a docência. Saberes


docentes. Licenciatura em Matemática.
VOLKMAN, Elizabete. Degree in mathematics and preparation for teaching: what
the graduates say. 2017. Dissertation (Master in Education) – State University of
Ponta Grossa, Ponta Grossa. 2017.

ABSTRACT

Teaching and professional development are processes that occur throughout the life
of the teacher. The initial training in undergraduate courses forms the basis of a
formal and systematized process of teaching and the teaching profession, and is an
important period of (re) construction and consolidation of practices and conceptions
around being a teacher.In this way, the present research has as object of study the
conceptions of the math graduates on teaching and on their preparation for teaching.
The main objective of this study was to analyze the conceptions of the undergraduate
students in Mathematics about teaching and their preparation for teaching.We seek
to discuss the concepts and principles of teacher education, teaching and the
contributions of studies on teacher knowledge for initial training. In order to base
analyzes on power relations and hierarchies between disciplines within the university
field, we rely on Pierre Bourdieu's concepts of habitus, field and cultural capital.The
research is part of the qualitative approach and the data were collected through
questionnaires (N = 39) and semi-structured interviews (N = 8) with graduates of the
fourth year of the degree course in Mathematics belonging to two state public
universities of Paraná. As a methodological procedure we also performed the
documentary analysis of the Pedagogical Project of the Mathematics Course of the
researched universities. For data organization and analysis we adopted Content
Analysis (BARDIN, 2011) and Cluster Analysis. Our results point out that the
professional choice by the Mathematics graduates involve subjective questions such
as affinity for the area, willingness to be a teacher and teaching as a second option
and that the training process experienced in the degree affects this process of
professional choice. The licensees investigated also emphasized the lack of specific
contents for the teaching in the Degree in Mathematics.

KEYWORDS: Initial teacher training. Preparation for teaching. Teacher knowledge.


Degree in Mathematics.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Continuum do peso relativo do capital puro e institucional do


pesquisador.............................................................................................50

Figura 2 – Exemplo de como os dados foram organizados no Excel.....................119

Figura 3 – Dendrograma com os resultados da Análise de clusters dos


questionários.........................................................................................120

Figura 4 –Dendrograma com os resultados da Análise de clusters das


entrevistas.............................................................................................126
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Classificação dos saberes docentes .................................................... 36


Quadro 2 – Distribuição da carga horário do curso de licenciatura em
matemática da U1 ................................................................................ 65
Quadro 3 – Perfil dos professores formadores – U1 ............................................... 67
Quadro 4 – Distribuição da carga horário do curso de licenciatura em matemática
da U2 .................................................................................................... 70
Quadro 5 – Perfil dos professores formadores – U2 ............................................... 72
Quadro 6 – Perfil dos licenciandos participantes da pesquisa ................................ 78
Quadro 7 – Esquema de organização do questionário e roteiro da entrevista ........ 80
Quadro 8 – Perguntas abertas do questionário ....................................................... 94
Quadro 9 – Categoria: Escolha pelo curso de licenciatura ...................................... 95
Quadro 10 – Categoria: Dificuldades encontradas na graduação ........................... 97
Quadro 11 – Categoria: Preparação do curso para a docência .............................. 98
Quadro 12 – Categoria: Preparação para a docência ............................................. 99
Quadro 13 – Categoria: Articulação entre as disciplinas específicas e
pedagógicas ....................................................................................... 101
Quadro 14 – Categoria: Influências da prática pedagógica do professor
formador ............................................................................................. 102
Quadro 15 – Categoria: Escola como lócus de formação ....................................... 103
Quadro 16 – Categoria: Papel do professor ............................................................ 104
Quadro 17 – Categoria: Saberes necessários para a prática pedagógica do
professor ............................................................................................ 106
Quadro 18 – Categoria: Identidade com a carreira docente .................................... 108
Quadro 19 – Categoria: Papel do professor ............................................................ 109
Quadro 20 – Categoria: Saberes necessários para a prática pedagógica do
professor ............................................................................................ 111
Quadro 21 – Categoria: Escola como lócus de formação ....................................... 111
Quadro 22 – Categoria: Identidade do curso........................................................... 113
Quadro 23 – Categoria: Professor formador ........................................................... 114
Quadro 24 – Perguntas do questionário utilizadas para a Análise de Cluster ......... 116
Quadro 25 – Exemplo de categorização das perguntas para Análise de Cluster.... 117
Quadro 26 – Categorias e subcategorias finais....................................................... 129
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Exemplo de codificação das respostas ao questionário........................118


Tabela 2 – Códigos que geraram o Typical do clusters 1.......................................121
LISTA DE SIGLAS

AC Análise de Conteúdo
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
EAD Educação a Distância
IES Instituição de Ensino Superior
PPC Projeto Pedagógico do Curso
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................14

CAPÍTULO I – FORMAÇÃO DE PROFESSORES .................................................21


1.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL
................................................................................................................................21
1.2 FORMAÇÃO INICIAL, APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA E SABERES DOCENTES ..............30
1.3 O CAMPO UNIVERSITÁRIO: OS ESPAÇOS E AS RELAÇÕES DE PODER .......................38

CAPÍTULO II – LICENCIATURA EM MATEMÁTICA .............................................52


2.1 ASPECTOS GERAIS DA HISTÓRIA DO ENSINO DA MATEMÁTICA .................................52
2.2 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA: ASPECTOS LEGAIS .....................55
2.3 PROJETO PEDAGÓGICO DOS CURSOS DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA ................62

CAPÍTULO III – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA INVESTIGAÇÃO ...74


3.1 A ABORDAGEM QUALITATIVA DE PESQUISA ............................................................74
3.2 OS SUJEITOS PARTICIPANTES DA PESQUISA ..........................................................78
3.3 OS INSTRUMENTOS PARA COLETA DE DADOS .........................................................79
3.3.1 Questionário: primeira etapa de coleta dos dados .......................................81
3.3.2 Entrevista: segunda etapa de coleta de dados ............................................82
3.4 A ANÁLISE DOCUMENTAL......................................................................................84
3.5 SOBRE O TRATAMENTO DOS DADOS COLETADOS ...................................................85
3.6 ANÁLISE DE CLUSTERS .........................................................................................89

CAPÍTULO IV – APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS .............................92


4.1 APRESENTAÇÃO E TRATAMENTO DOS DADOS .........................................................92
4.2 APRESENTAÇÃO DOS DADOS DOS QUESTIONÁRIOS ................................................93
4.2.1 Categoria I – Escolha pelo curso de licenciatura..........................................95
4.2.2 Categoria II – Dificuldades encontradas no curso de graduação .................96
4.2.3 Categoria III – Preparação do curso para a docência ..................................97
4.2.4 Categoria IV – Preparação para a docência ............................................. ..99
4.2.5 Categoria V – Articulação entre as disciplinas específicas e
pedagógicas .............................................................................................. 101
4.2.6 Categoria VI – Influências da prática pedagógica do professor
formador .................................................................................................... 102
4.2.7 Categoria VII – Escola como lócus de formação ....................................... 103
4.2.8 Categoria VIII – Papel do professor .......................................................... 104
4.2.9 Categoria IX – Saberes necessários para a prática pedagógica
do professor ............................................................................................... 105
4.3 APRESENTAÇÃO DOS DADOS DAS ENTREVISTAS .................................................. 107
4.3.1 Categoria I – Identidade com a carreira docente ...................................... 108
4.3.2 Categoria II – Papel do professor .............................................................. 109
4.3.3 Categoria III – Saberes necessários para a prática pedagógica do
professor .................................................................................................... 110
4.3.4 Categoria IV – Escola como lócus de formação ........................................ 111
4.3.5 Categoria V – Identidade do curso ............................................................ 112
4.3.6 Categoria VI – Professor formador ............................................................ 114
4.4 APRESENTAÇÃO DOS DADOS OBTIDOS COM A ANÁLISE DE CLUSTERS ................... 116
4.5 ANÁLISE DOS DADOS, RESULTADOS E DISCUSSÕES ............................................. 128
4.5.1 Categoria I – Ser professor ....................................................................... 130
4.5.2 Categoria II – Escola como lócus de formação ......................................... 143
4.5.3 Categoria III – Professor formador ............................................................ 152
4.5.4 Categoria IV – Identidade do curso ........................................................... 159

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 174

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 180

APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido....................... 188


APÊNDICE B – Questionário de coleta de dados ............................................ 190
APÊNDICE C – Roteiro para Entrevista com os Licenciandos....................... 196
ANEXO1 – Matriz Curricular da Universidade 1 (U1) ....................................... 197
ANEXO2 – Matriz Curricular da Universidade 2 (U2) ....................................... 200
14

INTRODUÇÃO

Antes de iniciar a discussão propriamente dita sobre o objeto de estudo da


presente pesquisa, gostaria de explicar ao leitor algumas considerações a respeito
da pesquisadora e como foi a construção do objeto de pesquisa. Minha trajetória
acadêmica inicia-se com a entrada no curso de Licenciatura em Letras
Português/Inglês e um ano depois no curso de Pedagogia. Cursava a Licenciatura
em Letras no período noturno e o curso de Pedagogia no período vespertino, ambos
na Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória/PR
(FAFIUV), hoje Universidade do Estado do Paraná (UNESPAR), campus de União
da Vitória/PR. No ano de 2005 concluí a licenciatura em Letras e em 2006 a de
Pedagogia. Em 2006 iniciei na docência como professora no município de União da
Vitória/PR e em seguida comecei a atuar como pedagoga no quadro próprio do
magistério (QPM) do Estado do Paraná no mesmo município.
Minhas inquietações com a questão da formação docente iniciaram-se neste
período, onde, como pedagoga, tive a oportunidade de conversar com os alunos,
considerados indisciplinados, que eram trazidos pelos professores para
conversarem comigo. Nas conversas com os alunos, os mesmos relatavam que o
motivo das excessivas conversas em sala de aula e de não realizar as atividades,
era a falta de interesse pela disciplina, principalmente nas aulas de Matemática. Os
alunos também relatavam que não conseguiam entender os conteúdos de
matemática e atribuíam este fato à dificuldade do professor de Matemática em
“explicar direito” o conteúdo. Percebi que os motivos elencados pelos alunos para a
sua “indisciplina1” em sala de aula eram sempre os mesmos: não fazem as
atividades, pois não entendem o conteúdo. Coincidentemente, ou não, era
recorrente a indisciplina dos alunos nas aulas de Matemática, mais do que em
outras disciplinas. Percebi que os alunos têm uma relação muito específica com a
matemática, ou “amam” (uma pequena parcela), ou “odeiam” (uma grande parcela
dos alunos).
Se levarmos em consideração os argumentos dos alunos de que não
entendem o conteúdo de matemática, relacionada à dificuldade do professor em
“explicar direito” o conteúdo, podemos levantar a seguinte questão: Como se dá a

1
Devo ressaltar que as situações em sala de aula são diversas e muito complexas e que a
indisciplina não tem apenas uma causa e sim vários fatores.
15

formação do professor de matemática? Por que, na maioria das vezes, na visão do


aluno, é o professor que tem dificuldade em explicar os conteúdos matemáticos?
Podemos destacar que são várias as questões sobre o processo de ensino e
aprendizagem nas escolas e a maioria está relacionada à formação do professor
(GATTI, 2013; MIZUKAMI, 2002, 2013; DINIZ PEREIRA, 1999, 2011, VAILLANT;
MARCELO, 2012).
No ano de 2014 tive a oportunidade de participar do Grupo de Estudos e
Pesquisas sobre a Formação Docente (GEPTRADO) que tem como líder a
professora Dra. Susana Soares Tozetto. Com os estudos e discussões no grupo
aprofundei meus conhecimentos sobre a formação docente e o interesse pela
temática aumentou.
Quando iniciei no Programa de Mestrado em Educação da UEPG (PPGE) no
ano de 2015, na linha de Ensino e Aprendizagem, o meu projeto inicial de pesquisa
tinha como objeto de estudo o trabalho docente na formação inicial à distância no
curso de Pedagogia. Com as leituras e discussões sobre a temática e em conversas
com a minha orientadora acabei me interessando pela licenciatura em Matemática e
relembrei das dificuldades dos alunos em entender os conteúdos matemáticos. O
interesse em desvelar como ocorre a formação do professor de Matemática me
levou a pesquisar sobre as concepções dos licenciandos em Matemática sobre a
sua preparação para a docência, a fim de entender como os acadêmicos
consideram a sua formação e o que pensam sobre a docência. Inicialmente a
pesquisa seria desenvolvida na licenciatura em Matemática presencial e a distância
(EAD), no entanto encontrei muitas dificuldades em coletar os dados com os
licenciandos em Matemática a distância: o número muito reduzido de alunos que
chegam ao final do curso; a falta de retorno dos questionários enviados pelo google
docs; a dificuldade em marcar entrevistas, pois a maioria dos alunos não reside na
cidade onde é ofertado o curso. Estas e outras dificuldades encontradas na coleta
de dados causaram um desânimo e acabei desistindo de pesquisar na licenciatura
EAD, focando a pesquisa na licenciatura presencial.
Nesse sentido, o objeto de estudo desta pesquisa são as concepções dos
licenciandos em Matemática presencial sobre a docência e sobre a sua preparação
para a docência. O problema de pesquisa se institui: Qual a concepção dos
licenciandos do curso de Matemática sobre a docência e sobre a sua preparação
para a docência? A presente pesquisa objetiva analisar qual a concepção dos
16

acadêmicos da licenciatura em Matemática sobre a docência e sobre a sua


preparação para a docência e abarca os objetivos específicos:

 Investigar qual a concepção dos licenciandos sobre a docência;


 Analisar quais saberes docentes os licenciandos consideram
essenciais para o exercício da docência;
 Desvelar se o curso de licenciatura em Matemática prepara para o
exercício da docência na visão dos licenciandos.

A investigação se insere na abordagem qualitativa de pesquisa (BOGDAN;


BIKLEN, 1994; TRIVIÑOS, 2007), que considera como fonte direta dos dados o
ambiente natural e o investigador como instrumento chave.A pesquisa qualitativa é
descritiva e analítica e os investigadores qualitativos estão mais interessados no
processo do que nos resultados ou produtos.Os pesquisadores qualitativos tendem
a analisar seus dados indutivamente e o significado é de importância essencial na
pesquisa qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994; TRIVIÑOS, 2007).
O campo de pesquisa foram duas universidades públicas2 estaduais do
Paraná, situadas em regiões diferentes. Participaram do estudo 39 licenciandos do
quarto ano do curso de licenciatura em matemática, escolhidos a partir do interesse
em participar da pesquisa. A escolha pelo último ano da licenciatura em Matemática
partiu da premissa de que os licenciandos que estão concluindo a graduação
possuem melhores condições de refletir e dialogar sobre a sua preparação para a
docência, além de já terem consolidado algumas concepções e saberes ao longo do
curso.
Para a coleta de dados foram utilizados o questionário, as entrevistas
semiestruturadas e análise documental do Projeto Pedagógico dos cursos (PPC)
das universidades investigadas. Os dados foram analisados com base na Análise de
Conteúdo (AC) de Bardin (2011). A autora define a Análise de Conteúdo como “Um
conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das mensagens,
indicadores [...]” (2011, p. 42). Segundo Bardin (2011), as fases da AC organizam-se
em três polos cronológicos: pré-análise; exploração do material e tratamento dos

2
As Universidades participantes das pesquisas serão denominadas Universidade 1 (U1) e
Universidade 2 (U2).
17

resultados (inferência e interpretação). Desse modo, fazendo uso da metodologia


adequada na disposição e análise dos dados, após a categorização dos mesmos
com o auxílio da AC, e análise descritiva, foi realizado um trabalho de criação de
algoritmo programado no Software Mathematica®, onde contamos com a ajuda do
professor Dr. José Tadeu Teles Lunardi, do Departamento de Matemática e
Estatística da Universidade Estadual de Ponta Grossa– PR (UEPG), que nos ajudou
e auxiliou na construção da análise de clusters.
A análise de cluster permite agrupar os dados em clusters (categorias,
aglomerados), ou seja, são classificados em diferentes grupos (clusters) de acordo
com o grau de similaridade entre eles (FILHO et al., 2012).
A análise de cluster é uma “[...] denominação genérica para um grande
grupo de técnicas que podem ser utilizadas para criar uma classificação. Esses
procedimentos formam empiricamente clusters ou grupos de objetos fortemente
similares” (ALDENDERFER; BLASHFIELD, 1984, apud FILHO et al., 2012, p.111).
“Uma primeira vantagem associada à utilização da análise de conglomerados é o
maior grau de precisão analítica que o pesquisador pode atingir”. (FILHO et al.,
2012, p.123). Este tipo de análise de conglomerados (grupos) geralmente é utilizado
quando procuramos explorar as similaridades entre indivíduos, objetos, casos ou
variáveis a partir da formação de grupos (BATTAGLIA; DI PAOLA; FAZIO, 2016).
Em nossa pesquisa nos baseamos nos estudos de Battaglia; Di Paola e Fazio, (2016).
A análise de clusters como método de tratamento de dados é pouco utilizada
no Brasil (FILHO et al., 2012). Em consulta ao portal da Capes, no banco de teses e
dissertações, com o termo “Análise de Clusters” encontramos 179 registros, a
maioria em Programas de Pós-Graduação na área da Administração, Saúde e
Engenharia. Relacionado à área da educação encontramos uma pesquisa no
Programa de Pós-Graduação em Educação, Ciência e Tecnologia, duas pesquisas
na Educação Física e uma na Modelagem Matemática e Computacional. Em
programas de Pós-Graduação em Educação não encontramos nenhuma pesquisa
que utilizou a técnica de Análise Clusters.
Na área de formação de professores, a maioria das pesquisas sobre a
formação inicial concentra-se em discorrer sobre o funcionamento dos cursos de
licenciatura ou de alguma disciplina (ANDRÉ et al.,1999). Nas últimas décadas, de
acordo com Pachane e Domiciano (2012), as pesquisas na área de formação inicial
docente debruçam-se sobre o estudo de uma disciplina específica ou avaliam o
18

estágio supervisionado, de forma isolada do restante do curso. Diniz-Pereira (2013)


também enfatiza que a maioria das pesquisas sobre a formação inicial investiga uma
disciplina, com amostras muito reduzidas e dentro de um único curso ou programa, o
que, segundo o autor, limita a análise sobre a formação docente. Ainda andam a
passos tímidos as pesquisas que investigam os cursos de formação inicial com
vistas a compreender as subjetividades e identidades dos cursos, principalmente
sob o olhar do licenciando. Nesse sentido buscamos contribuir para a área de
formação de professores objetivando investigar as concepções dos licenciandos
sobre a docência e a preparação para a docência. Com o objetivo de analisar se o
curso prepara para o exercício da docência e se os licenciandos se sentem
preparados para ela, assim, o estudo da sua concepção, justificamos o uso do termo
“preparação para a docência”.
A preparação para a docência em cursos de licenciatura constitui-se em um
período importante de construção e (re) construção das concepções3 em torno do
“ser professor” e do que é a docência. Concepção aqui entendida na visão de
Thompson (1992, apud SILVA, 2013a, p.21) que considera as concepções como
“[...] crenças conscientes ou inconscientes, conceitos, significados, regras, imagens
mentais, e preferências [...]”. Ou seja, para Thompson (1997) o termo concepções
abrange uma estrutura mental geral que abarca as crenças, os significados e os
conceitos.
A docência se constitui como uma atividade complexa (SOARES; CUNHA,
2010) e interativa, que envolve a relação do professor com os saberes docentes e
com o outro, ou seja, envolve a contrapartida do outro. Como afirma Tozetto (2014,
p.17) “[...] é uma via de mão dupla”, quem ensina, sempre ensina algo a alguém
(ROLDÃO, 2007). A interatividade da docência implica considerar que “[...] o
processo formativo se desenvolve num contexto grupal, em que pessoas com
histórias de vida distintas se implicam mutuamente” (SOARES; CUNHA, 2010, p.27).
Nesse sentido, os professores mobilizam diferentes saberes em suas práticas
educativas. Assim, a docência envolve um repertório de saberes específicos da ação
docente (TARDIF, 2012).

3
Concepção: do latim conceptĭo,ōnis,compreensão, faculdade de perceber, é o ato ou efeito de
conceber (Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss, 2009). Segundo Cury (1994), Thompson (1992) é
quem primeiro discorre sobre os problemas de conceitualização entre crenças e concepções. Para
Thompson (1992), o sistema de crenças pode ser conceituado como convicções, não sendo
consensuais e dependem das experiências pessoais, assim as concepções abrangem o sistema de
crenças.
19

Valorizar os saberes docentes como a base da docência torna-se um passo


importante para a profissionalização4 docente e a valorização desses saberes
implica considerá-los na formação inicial, tornando-os como guia nos processos
formativos.
O século XXI trouxe a necessidade de se redefinir os paradigmas da ciência
moderna5 que considera o papel da teoria “[...] como abertura de caminhos para o
domínio da realidade natural e social pelo homem” (MIZUKAMI, 2002, p.11). Essa
concepção de teoria como guia da ação humana se reflete e sustenta a concepção
de conhecimento que norteia a formação de professores nas Instituições de Ensino
Superior e se corporifica no modelo da racionalidade técnica (MIZUKAMI, 2002).
Para a autora, “[...] esse modelo de formação apoia-se na ideia de acúmulo de
conteúdos teóricos para posterior aplicação ao domínio da prática” (p.13).
Considerando a formação de professores e em especial o curso de
licenciatura em Matemática como um campo social, permeado por interesses
específicos e por relações de poder, apoiamos nossas análises em Bourdieu (2013).
Para o autor, o campo universitário pode ser considerado um espaço onde imperam
lutas e conflitos simbólicos travados pelos agentes para legitimar suas posições
dentro do campo. Assim o campo universitário constitui-se em uma estrutura em que
os agentes ocupam determinadas posições de acordo com o acúmulo de capital
científico adquirido ao longo da trajetória acadêmica. Dessa forma, no campo
universitário, os professores e as disciplinas são hierarquizadas e podem ser
compreendidas à luz da teoria sociológica de Bourdieu (2013). Nesse sentido
compreendemos que o campo universitário constitui-se em um espaço formativo que
não é neutro, pois envolve diferentes interesses e posicionamentos. Assim nos
apoiamos nos conceitos bourdieusianos de Habitus, campo e capital cultural, a fim
de compreender as complexas relações entre os agentes e as estruturas sociais.

4
Profissionalização é concebida como processo externo que se refere ao profissionismo ou
profissionalismo e diz respeito à reivindicação de status dentro da divisão social do trabalho, que
requer negociações por parte de um grupo de atores no intuito de reconhecimento perante a
sociedade das qualidades específicas, complexas e difíceis de serem aprendidas (ANDRÉ et al.,
2012, p.106).
5
O paradigma da ciência moderna se refere ao modelo de racionalidade que se constituiu a partir da
Revolução científica do século XVI e foi desenvolvida nos séculos seguintes, basicamente sob o
domínio das ciências naturais (SANTOS, 2008, p. 20). Para o autor, a ciência moderna desconfia
sistematicamente das evidências da nossa experiência imediata (p. 24). Ver Santos, Boaventura de
Sousa (2008) “Um discurso sobre as ciências”.
20

A estrutura da dissertação está organizada da seguinte forma: No Capítulo I


apresentamos uma breve contextualização histórica sobre a formação de
professores no Brasil, a fim de compreender os caminhos percorridos até a
consolidação das licenciaturas e a construção do processo de formação de
professores. Neste capítulo também procuramos discutir conceitos e princípios da
formação de professores, da docência e as contribuições dos estudos sobre os
saberes docentes para a formação inicial. Também apresentamos a teoria de
Bourdieu e discutimos os conceitos de Campo, capital cultural e Habitus que
fundamentam as análises sobre o campo universitário. No Capítulo II procuramos
discutir a respeito da formação inicial do professor de Matemática e a legislação
vigente que orienta a licenciatura em Matemática no Brasil. Realizamos também
uma abordagem geral do ensino da matemática, buscando situar o leitor sobre
alguns marcos na história do ensino da matemática. O Capítulo III discorre sobre os
procedimentos metodológicos da pesquisa e o Capítulo IV está organizado com a
apresentação e análise dos resultados obtidos com os questionários, as entrevistas
e a análise de clusters.
Por fim, baseados nos referenciais aqui apresentados e nas análises
permitidas tecemos as nossas considerações finais, sem considerá-lo como um
trabalho definitivamente concluído, ainda mais em se tratando de formação para
docência que está em constante evolução.
21

CAPÍTULO I
FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Neste capítulo, apresentamos uma breve contextualização histórica sobre a


formação de professores no Brasil, à qual buscamos apresentar uma construção do
processo de formação de professores e as questões atuais que permeiam a
formação desse profissional. Neste capítulo também procuramos discutir conceitos e
princípios da formação de professores, da docência e as contribuições dos estudos
sobre os saberes docentes para a formação inicial. Também apresentamos a teoria
de Bourdieu e discutimos os conceitos de Campo, capital cultural e Habitus que
fundamentam as análises sobre o campo universitário.

1.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL

A formação de professores em cursos de licenciatura configura-se como um


importante vetor para se analisar os percalços da docência no Brasil. Pesquisas
desenvolvidas por autores como Gatti (2013); Diniz-Pereira (1999, 2011); André et
al. (2010) Vaillant e Marcelo (2012) apontam a forte relação existente entre a
formação docente e os desafios encontrados no exercício da docência. Nesse
sentido, torna-se indispensável entender como a formação docente se constituiu no
âmbito brasileiro para a compreensão das atuais problemáticas que permeiam a
formação dos professores.
A contextualização histórica sobre a formação docente envolve a análise de
um campo específico: o campo educacional6, com suas especificidades e
problemáticas. O campo educacional no Brasil foi se tornando ao longo do tempo
cada vez mais complexo, englobando várias modalidades de ensino; educação
superior; educação básica; educação infantil, educação de jovens e adultos etc.
Nesse sentido, o processo de formação docente no Brasil não segue um percurso
linear, contínuo e gradual, mas articula-se entre avanços e rupturas (SAVIANI,
2009).
A docência no Brasil inicia-se com a chegada dos jesuítas: a educação
religiosa. No entanto, a preocupação com o preparo para a docência inicia-se bem

6
O campo educacional parte da ideia de campo de Bourdieu (2008), que será discutido no final do
capítulo I.
22

mais tarde, em 1930. Durante o período colonial, com os colégios jesuítas, passando
pelas aulas régias e as reformas pombalinas até a criação dos cursos superiores em
1808, não há uma preocupação explícita com a questão da formação docente
(SAVIANI, 2009).
Segundo Saviani (2011), é a partir do século XIX que a preocupação com a
formação docente emerge, com a instauração dos sistemas de ensino. Até o século
XVIII, segundo o autor, os professores recebiam alguma formação, mas baseada no
princípio do “aprender fazendo”.
Com a lei das escolas de primeiras letras em 1827, aparece pela primeira
vez a preocupação com a formação dos professores. Ao determinar em seu artigo 4º
que os professores deveriam ser treinados nas capitais, a lei incide explicitamente
sobre a formação docente, no entanto, a formação ocorreria às expensas do próprio
professor. A lei das escolas de primeiras letras determinava a criação de escolas
primárias nas províncias e o ensino era pelo método mútuo7.
A partir do século XVIII, com a necessidade de universalizar a instrução
elementar, emerge o problema de formar professores para atuar nessas escolas. O
caminho escolhido para a questão da formação docente neste período, segundo
Saviani (2011), foi a criação de escolas normais, de nível médio, para formar os
professores primários, aqueles que atuariam nas escolas primárias (equivalente hoje
às séries iniciais do ensino fundamental), enquanto o nível superior tinha a
incumbência de formar professores para atuar na educação secundária (o que
equivale hoje às últimas séries do ensino fundamental e o ensino médio).
Em 1834, o Ato adicional promulgado neste período delegou a instrução
primária às províncias e estas adotaram para a formação dos professores a criação
de Escolas Normais, método que era utilizado nos países europeus (TANURI, 2000).
A primeira escola normal implantada no País foi no Rio de Janeiro em 1835, as
demais províncias seguiram o mesmo caminho. Segundo Tanuri (2000), as primeiras
Escolas Normais eram destinadas exclusivamente aos homens, excluindo-se as
mulheres, mesmo no ensino primário existia esta exclusão, ao passo que o currículo
para as mulheres contemplava o ensino para trabalho doméstico.

7
O método mútuo foi criado para atender classes numerosas, o professor orientava um aluno, que
era o mentor, e esse orientava outros alunos. Cada mentor orientava em média dez alunos, os
alunos com bom rendimento eram escolhidos para serem os mentores.
23

No final do Império as Escolas Normais foram abertas às mulheres, que logo


superaram os homens no exercício da docência, uma alternativa para um
casamento forçado ou para profissões como lavadeira ou parteira. Para Tanuri
(2000, p. 66), “[...] nesta época já se delineava a participação que a mulher iria ter no
ensino no País”. A ideia de que o ensino primário seria uma extensão da instrução
que já se exercia em casa, coloca a mulher como protagonista da educação para a
infância. Este pensamento era defendido por políticos e pensadores da época.As
mulheres não tinham muitas opções de trabalho e assim o magistério acabou se
tornando uma profissão feminina. “A feminização precoce do magistério tem sido
responsabilizada pelo desprestígio social e pelos baixos salários da profissão”
(TANURI, 2000, p. 67). Cabe ressaltar que a feminização do magistério ainda está
muito presente, como resquícios deste período, onde as mulheres não tinham
muitas opções de trabalho e encontravam na docência uma opção viável, aceitando
os baixos salários. Gatti e Barreto (2009, p.11) ressaltam que “[...] a feminização no
magistério, as transformações sociais, as condições de trabalho, o baixo salário, a
formação docente, as políticas de formação, a precarização e a flexibilização do
trabalho docente [...]”, mantêm relação direta ou indiretamente com a atual falta de
atratividade da carreira docente.
Retornando ao debate sobre os períodos históricos na formação docente,
Saviani (2009) ressalta que entre os períodos de 1890-1932, houve uma
consolidação das Escolas Normais, que eram fechadas e reabertas constantemente.
Na verdade, em todas as províncias as “Escolas Normais tinham uma trajetória
incerta e atribulada, submetidas a um processo contínuo de criação e extinção [...]”
(TANURI, 2000, p. 64). Somente com as ideias de democratização e a
obrigatoriedade da instrução primária em 1870, é que as Escolas Normais começam
a se firmar.
A consolidação das Escolas Normais se efetivou com a reforma da escola
paulista em 1890 com a criação da escola-modelo. Esta reforma do ensino em São
Paulo contou com um “enriquecimento do currículo” da Escola Normal e ênfase nos
exercícios práticos. Segundo Saviani (2009), pela primeira vez houve uma
preocupação com o preparo didático-pedagógico dos professores. Para Tanuri
(2000) e Saviani (2009),a escola-modelo paulista era centrada nas disciplinas
pedagógicas e foi por meio desta escola que o modelo pedagógico-didático torna-se
referência para a formação de professores nas Escolas Normais, estendendo-se
24

para todo o País. Assim, houve um deslocamento nos currículos das Escolas
Normais, a preocupação central passou a ser com os conteúdos pedagógicos e não
mais com os conteúdos a serem ensinados no ensino primário (TANURI, 2000).
O modelo pedagógico-didático das Escolas Normais,no entanto, não obteve
avanços significativos para o preparo docente e o modelo até então dominante,
centrado na preocupação com o domínio dos conteúdos a serem ensinados para os
alunos, voltou a vigorar (SAVIANI, 2009).
Com o decreto de 1932, Anísio Teixeira transformou a Escola Normal do
Distrito Federal em Escola de Professores, e modificou o currículo, incluindo a
prática de ensino. As Escolas de Professores posteriormente foram chamadas de
Institutos Superiores. A criação dos Institutos Superiores de Educação (1932-1939),
em Brasília por Anísio Teixeira e em São Paulo por Fernando de Azevedo em 1933,
ambos inspirados no ideário da escola nova, reforçam a preocupação com a
formação de professores no País.
Saviani (2009) ressalta que no contexto de expansão do ensino e exigência
de professores para atuar nas escolas (século XIX), a formação docente abarcou
dois modelos de formação: modelo dos conteúdos culturais cognitivos, que
privilegiava a cultura geral e o domínio dos conteúdos da área de conhecimento que
o professor iria lecionar e o modelo pedagógico-didático, que privilegiava a
preparação pedagógica e didática do professor. Na história da formação docente,
segundo o autor, o modelo do conteúdo cultural cognitivo predominou nas
universidades e nos Institutos Superiores de Educação, que eram responsáveis pela
formação de professores secundários.
Com a implantação dos Institutos Superiores de Educação uma nova fase se
inicia, buscando aliar o ensino à pesquisa. A implantação dos Institutos Superiores
“[...] foram pensados e organizados de maneira a incorporar as exigências da
pedagogia, que buscava se firmar como um conhecimento de caráter científico”
(SAVIANI, 2009, p. 146). Mais tarde os Institutos Superiores foram elevados a nível
universitário, tornando-se a referência para os estudos superiores no País. Neste
período foram criadas as primeiras universidades que agruparam os Institutos
Superiores já existentes. O Instituto de São Paulo foi incorporado à Universidade de
São Paulo e o da capital à Universidade de Brasília. Foi diante deste cenário que se
organizou os cursos de formação de professores para as escolas secundárias.
Segundo Gatti (2010), no início do século XX começa a preocupação com a
25

formação de professores para o nível secundário 8 em cursos específicos. Até então,


os profissionais que atuavam nesta modalidade de ensino eram compostos por
profissionais liberais ou autodidatas. Cabe lembrar que neste período, início do
século XX, o número de alunos era muito incipiente.
De acordo com Saviani (2009), a organização da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras se efetivou a partir do decreto-lei de 1939, e esta faculdade se
tornou referência em ensino superior, generalizando para todo o País o modelo de
ensino que ficou conhecido como 3 + 1, ou seja, três anos para o estudo das
disciplinas específicas do currículo da educação Básica, e um ano para a formação
pedagógica.
Gatti (2010) ressalta que o modelo de formação que vigorou neste período,
compreendia a formação de bacharéis, que acrescentava um ano de disciplinas da
área da educação para a obtenção da licenciatura, o já mencionado esquema 3 + 1.
Tanuri (2000) acrescenta que a formação pedagógica nos currículos dos cursos
superiores, neste período, era feita de forma complementar, depois da formação
específica, o que conferia aos conhecimentos pedagógicos um grau secundário,
menos importante, apenas um apêndice no currículo. A autora destaca que esta
forma de pensar o currículo, no que se refere aos conteúdos pedagógicos, ainda
está presente nas concepções de formação de professores, apesar de posteriores
mudanças na legislação. Gatti (2010) também faz uma ressalva sobre os resquícios
deste esquema na atual formação docente, mesmo que de forma implícita nos
currículos.

Adentramos o século XXI em uma condição de formação de professores


nas áreas disciplinares em que, mesmo com as orientações mais
integradoras quanto à relação “formação disciplinar/formação para a
docência”, na prática ainda se verifica a prevalência do modelo consagrado
no início do século XX para essas licenciaturas (GATTI, 2010, p.1.357).

A autora ressalta que mesmo com as alterações na legislação, o que se


observa atualmente nas licenciaturas é a “[...] prevalência da histórica ideia de
oferecimento de formação com foco na área disciplinar específica, com pequeno
espaço para a formação pedagógica” (GATTI, 2010, p.1.357).
Ainda segundo a autora, o esquema 3 + 1 veio a se estender para os cursos
de pedagogia, que na época eram responsáveis pela formação dos especialistas em

8
Equivalente hoje aos quatro últimos anos do Ensino Fundamental.
26

educação (orientadores, supervisores, diretores e inspetores educacionais) e pelos


professores para atuar nas Escolas Normais. Com este esquema, os cursos
superiores perdem seu ideário inicial, que buscava aliar a pesquisa e o ensino para
dar um “[...] caráter científico aos processos formativos” (SAVIANI, 2009, p.146).
Segundo Saviani (2009), predominou, especialmente no ensino superior, o
modelo de formação de professores centrado nos conteúdos cognitivos culturais,
deixando o aspecto pedagógico em segundo plano.

[...] os cursos de licenciatura resultaram fortemente marcados pelos


conteúdos cultural-cognitivos, relegando o aspecto pedagógico-didático a
um apêndice de menor importância, representado pelo curso de didática,
encarado como uma mera exigência formal para a obtenção do registro
profissional de professor (SAVIANI, 2009, p.147).

Neste sentido, destacamos que os cursos de licenciatura, desde sua criação,


foram marcados por uma nítida separação entre os conteúdos específicos e a
formação pedagógica. Cabe lembrar que a formação em nível superior era destinada
aos professores que atuariam no nível secundário, os professores que lecionariam
no nível primário eram formados nas Escolas Normais.
Com o golpe militar em 1964, uma nova fase se inicia no processo de
formação de professores no Brasil. Segundo Ferreira (2015), a ditadura militar trouxe
grandes mudanças em todos os níveis de ensino. A alteração mais significativa,
segundo a autora, foi instituída pelo Decreto 547 de abril de 1969, que autorizava o
funcionamento de cursos de licenciatura curta, com duração de três anos nas
universidades, com o objetivo de sanar a falta de professores em áreas específicas,
como as exatas.
Para Saviani (2009), mudanças importantes foram implementadas na
ditadura militar, principalmente com a lei 5.692/71, que modificou os ensinos
primário e secundário, alterando a nomenclatura desses níveis de ensino para
primeiro grau e segundo grau. Com esta nova estrutura de ensino, as Escolas
Normais são extintas pelo Parecer 349/72, sendo criadas as habilitações específicas
de magistério, em nível de segundo grau. A habilitação de magistério era
organizada, segundo Saviani (2009), em duas modalidades, com duração de três
anos que habilitava lecionar até a quarta série do ensino de primeiro grau e a
habilitação de quatro anos, que habilitava lecionar até a sexta série do ensino de
primeiro grau (hoje equivalente ao sexto ano do ensino fundamental).
27

Os currículos dos cursos de habilitação ao magistério, popularmente


conhecidos como Magistério, compreendiam um núcleo comum, destinado a garantir
a formação geral e uma parte diversificada para a formação pedagógica (SAVIANI,
2009). Podemos notar, neste cenário, que o Curso Normal deu lugar a uma
habilitação em nível de segundo grau, o que denota, de acordo com Saviani (2009),
uma precariedade da formação docente e a falta de interesse das políticas públicas
deste período em oferecer uma formação sólida para os professores que atuariam
nas primeiras séries do ensino de primeiro grau.
No período da ditadura militar era garantida, de acordo com a lei 5692/71, a
formação em nível superior para os professores para atuar nas últimas séries do
ensino de primeiro grau e para o ensino de segundo grau. No entanto, a mesma lei
permitia a formação em cursos de licenciatura curta, com duração de três anos,
como já mencionado anteriormente. O curso de Licenciatura na área de ciências, por
exemplo, habilitava para a docência em Biologia, Física, Matemática ou Química.
É importante enfatizar que no Brasil os cursos de licenciatura foram
implementados a partir da década de 1930, com a criação das Faculdades de
Filosofia, Ciências e Letras, criadas para atender às necessidades formativas dos
professores para atuar no nível secundário. Antes do século XX, não havia formação
específica para os professores que atuavam neste nível de ensino, os professores
que ensinavam matemática no nível secundário eram profissionais liberais. O
primeiro curso de licenciatura em Matemática instalado no Brasil foi o da
Universidade de São Paulo (USP) em 1934 (GOMES, 2012). Cabe ressaltar que a
USP foi uma das primeiras universidades instalada no País. O corpo docente do
curso de Ciências Matemáticas da USP contava com professores italianos.
A partir da década de 1980, segundo Saviani (2009), surgiu um amplo
movimento pela reformulação dos cursos de licenciatura no Brasil. A mobilização
dos educadores fomentou a expectativa de que com o fim do regime militar a
formação docente seria mais discutida e valorizada. Com a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDBEN), lei 9.394/96, aprovada em 1996, as expectativas de
mudanças qualitativas na formação não se confirmaram (SAVIANI, 2009), no
entanto, a LDBEN de 1996 trouxe mudanças significativas.
Com a aprovação da LDBEN em 1996, as licenciaturas curtas foram
extintas. Em seu art. 62, a LDBEN dispõe que:
28

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível


superior, em cursos de licenciatura, de graduação plena em universidades e
institutos superiores de educação [...] admitida como formação mínima para
o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries
do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal
(BRASIL, 1996).

Segundo Tanuri (2003), a adoção de uma medida comum para a formação


docente foi uma das principais mudanças da LDBEN/1996, pois permitia um
tratamento único para toda a educação básica no que se refere à formação de
professores. Cabe lembrar que a formação de professores que se inicia com a
escola de primeiras letras, estabelecia uma divisão na formação docente. Os
professores que atuariam nas escolas primárias eram formados na Escola Normal,
depois em cursos de habilitação para o Magistério; já os professores do ensino
secundário, os anos finais do ensino de primeiro grau e ensino de segundo grau,
eram formados nas universidades ou Institutos de Educação.
Com a LDBEN de 1996, a formação de professores para toda a educação
básica deveria ser em nível superior, nas universidades e Institutos Superiores de
Educação, no entanto, ainda se admitia a formação de nível médio para os anos
iniciais do ensino fundamental e para a educação infantil, apesar da ressalva contida
no Art. 87, que afirma: “Até o final da década da Educação somente serão admitidos
professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço”
(BRASIL, 1996). Entretanto, a obrigatoriedade de formação em nível superior para
os professores que atuam na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental não foi mantida, a exigência foi revogada pela Resolução CNE/CP nº
1, de 18 de fevereiro de 2002.
Outras mudanças importantes para a formação docente propostas pela
LDBEN de 1996, foram a criação dos Institutos Superiores de Educação e das
Escolas Normais Superiores e a implantação das 300 horas de prática de ensino. No
que se refere à criação dos Institutos Superiores e das Escolas Normais Superiores,
muitas críticas foram feitas a essas instituições de ensino devido à sua formação
aligeirada e a ínfima preocupação com a formação científica dos licenciandos,
desconsiderando a formação do pesquisador (DINIZ-PEREIRA 1999; FREITAS,
1999). Cabe lembrar que os Institutos Superiores de educação e as Escolas
Normais Superiores procuram enfatizar o ensino, não articulando a tríplice: ensino,
pesquisa e extensão como acontece nas universidades. Segundo Freitas (1999), a
29

nova LDB conferiu a obrigatoriedade da pesquisa apenas para as universidades, o


que cria uma distinção entre “universidades de ensino e universidades de pesquisa”.
Segundo a mesma autora, os cursos de licenciatura nos Institutos Superiores
possuem caráter técnico-profissionalizante, com carga horária reduzida e
aproveitamento de estudos realizados em níveis anteriores de escolaridade. Para
Freitas (1999), o aproveitamento de estudos e a carga horária reduzida, assim como
a exigência de qualificação dos professores formadores – 10% de mestres e
doutores, muito reduzida se comparada à das universidades que é de 30%, banaliza
o rigor necessário que deveria ser exigido para a formação de docentes.
Mais tarde, com as reformulações dos cursos de licenciatura e com a
reformulação dos cursos de Pedagogia em 2006, as Escolas Normais Superiores
foram gradativamente extintas.
Como podemos observar, muitas mudanças ocorreram nas políticas de
formação docente durante as várias décadas esboçadas neste breve contexto
histórico. As diretrizes para a formação docente e os currículos das licenciaturas vão
se constituindo lentamente, embora até hoje “[...] ainda não encontrem um
encaminhamento satisfatório” (SAVIANI, 2009, p.148).
O que se observa nos períodos analisados é o insucesso das políticas
públicas em prover uma formação docente que realmente atenda às reais
necessidades formativas dos professores e aos problemas do ensino no País. As
políticas educacionais neoliberais9 e as reformas educativas em âmbito nacional
tornam a educação um elemento facilitador e articulador da acumulação de capital
econômico e cultural. Para Bourdieu e Passeron (1992), o campo educacional é
permeado pela luta de classes, onde muitas vezes se sobressaem os interesses da
classe dominante, que de certa forma procuram articular as reformas e políticas
educacionais de maneira a beneficiá-los, desconsiderando os interesses das classes
populares.
Constatamos a partir da contextualização histórica que os percalços da
formação docente no País começam a ficar mais explícito a partir do século XIX,
com a necessidade da universalização do ensino. As questões sobre o processo de

9
A política neoliberal se baseia pela lógica do mercado capitalista, da competitividade e eficácia. Os
investimentos em educação seguem a prerrogativa do avanço e do progresso, minimizando a ação
do Estado frente à educação (FREITAS, 2002).
30

formação docente e as dificuldades de formar professores que atendam a atual


demanda da educação permanecem em aberto e ainda procuram soluções efetivas.
Buscamos agora discutir sobre os atuais desafios na formação inicial
docente e as problemáticas que envolvem o aprendizado da docência em cursos de
licenciatura.

1.2 FORMAÇÃO INICIAL, APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA E SABERES DOCENTES10

A aprendizagem da docência e o desenvolvimento profissional são


processos que ocorrem durante toda a vida do professor. Compreendemos a
formação docente como um continuum (MIZUKAMI, 2002), um processo que
percorre toda a carreira docente e não se esgota na formação inicial.
A formação inicial em cursos de licenciatura constitui a base de um processo
formal e sistematizado de aprendizagem do ensinar e da profissão docente, sendo
ainda um período importante de (re) construção e consolidação de práticas e
concepções em torno do ser professor. Nesse sentido podemos compreender a
importância dos cursos de licenciatura na constituição da profissão docente, da
aprendizagem da docência e dos saberes docentes.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e com pesquisas realizadas por Gatti e Barreto
(2009), nos últimos anos, mais especificamente a partir da década de 1990, houve
um aumento significativo na oferta dos cursos de licenciatura. Com isso, cresceu o
número de matrículas no Ensino Superior, emergindo assim novas demandas ao
processo educativo, as quais, por sua vez, influenciam significativamente o processo
de formação inicial docente e a prática educativa no Ensino Superior (ANDRÉ et al.
2010).
Segundo André et al. (2010), as exigências legais expressas pelas reformas
educativas, associadas às circunstâncias atuais de crescimento dos cursos de
licenciatura, não têm alterado o contexto de valorização dos profissionais da
educação e a qualidade dos cursos de licenciatura.“A lógica de estruturação desses

10
Parte deste texto foi apresentado na XI Reunião Científica Regional da ANPED (ANPED Sul) com o
título "Preparação para a docência: um estudo com alunos concluintes de um curso de Licenciatura
em Matemática" (2016).
31

cursos traz preocupações em relação à qualidade da formação que propiciam”


(ANDRÉ et al., 2010, p.124).
Existem muitas críticas relacionadas ao modelo de formação inicial do Brasil
destacadas por pesquisadores da área. Dentre elas tem-se as dicotomias entre
teoria e prática, fragmentação do conhecimento, organização burocrática,
centralidade no saber científico, falta de vinculação com a realidade das escolas,
abordadas por Mizukami (2002), Cunha (2004), Soares e Cunha (2010), Imbernón
(2011), Diniz-Pereira, (2011), Vaillant e Marcelo (2012) e Gatti (2013).
Consideramos que o desenvolvimento profissional docente é um processo
que ocorre durante toda a vida do professor, sendo a aprendizagem da docência em
cursos de licenciatura parte deste processo mais amplo. A formação inicial docente,
nesse sentido, merece destaque, uma vez que é um período de sistematização e
consolidação de práticas e concepções sobre ensinar e aprender e também
momento significativo para o “tornar-se” professor.
Para Mizukami (2013), o grande desafio atualmente é a necessidade de
formar bons professores, por meio de um processo formativo que leve em conta um
mundo em constantes mudanças. É preciso pensar o ensino numa sociedade em
transformação e, consequentemente, considerar a aprendizagem da docência no
ensino superior como uma “preparação para que os saberes e os conhecimentos
apreendidos com aulas e estágios possam fornecer segurança e apoio para o tempo
complexo e decisivo do profissional de ingresso na carreira para a vivência das
outras fases profissionais” (MENDES; CLOCK; BACCON, 2014, p.2).
A docência constitui-se como uma atividade complexa e, assim como as
demais profissões, é aprendida (MIZUKAMI, 2013). Para Freire (1991, p. 58),
“Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro da tarde.
Ninguém nasce marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se
forma, como educador, permanentemente”. O autor afirma que não nascemos
educadores, não é uma competência inata, não é um “dom”, mas é preciso se
engajar em um processo formativo para se tornar educador e essa formação é
permanente.
Para entendermos a formação docente precisamos resgatar o que é a
docência. Se considerarmos a docência apenas como transmissão de
conhecimento, não se torna tão importante a formação desse educador, pois seu
papel resume-se à transmissão, basta saber o conteúdo a ser ensinado. Agora, se
32

entendermos que a docência é uma atividade complexa que exige o conhecimento


da realidade social, do aluno, e que o ensino não é só transmissão, que requer a
reflexão crítica, então a formação docente exige preparo e formação adequada.
O processo pelo qual se “aprende a ser professor” inicia-se muito antes da
formação inicial. Segundo Imbernón (2011), a formação docente encontra-se
fragmentada em vários momentos, entre eles: a experiência como discente; a
formação inicial específica; a vivência profissional ou iniciação na carreira; e a
formação permanente. Esses processos de formação são próprios e ocorrem ao
longo da vida do professor incluindo não só a educação formal.
Imbernón (2011) considera a docência como uma profissão que possui
determinados momentos de socialização, no entanto, a formação inicial é
considerada de suma importância. Como começo do processo formal de
aprendizagem da docência, assume papel primordial na formação permanente do
professor. Nesse sentido torna-se urgente as reflexões de como vem ocorrendo o
processo pelo qual se aprende a ser professor, ou seja, a formação inicial ou
aprendizagem da docência.
Para Vaillant e Marcello (2012), as críticas feitas ao processo de formação
docente põem em dúvida a capacidade das instituições de ensino superior de formar
professores que atendam as demandas da atual sociedade. Muitas das
mencionadas críticas, além das já citadas, recaem sobre o não reconhecimento do
professor como produtor de saberes e ainda o modelo de formação baseado na
racionalidade técnica (DINIZ-PEREIRA, 2011; VAILLANT; MARCELO, 2012).
Em consonância com os autores mencionados, para Soares e Cunha (2010,
p.14) o modelo de formação predominante em nosso país ainda pauta-se na
racionalidade técnica, ou seja, “[...] um ensino determinista, sistemático e
mecanicista, ancorado na concepção do conhecimento funcionalista”. Este modelo
de formação se expressa na prática educativa que mantém certo distanciamento
entre o professor e os alunos, “configura-se pela representação de que o professor é
o dono do saber racional, científico e válido” (SOARES;CUNHA, 2010, p.14).
Soares e Cunha (2010, p.13), corroborando com Imbernón (2011), alertam
para a necessidade de repensar os modelos de formação, pois esse “[...] modelo de
docente universitário porta-voz de um saber dogmático, capaz de transferir, pelo
dom da oratória, em aulas magistrais, seus saberes profissionais” não corresponde
às necessidades da sociedade atual.
33

Para Tozetto (2014, p.17), o ato de ensinar requer “sólido conhecimento por
parte de quem ensina”. Nesse mesmo sentido, Imbernón (2011, p. 63) enfatiza que a
formação inicial deve “[...] dotar o futuro professor ou professora de uma bagagem
sólida nos âmbitos científico, cultural, contextual, psicopedagógico e pessoal,
capacitá-lo a assumir a tarefa educativa em toda sua complexidade [...]”.
Tozetto (2014) também ressalta que ensinar é um ato “ambivalente”, “[...]
pois o professor também aprende quando ensina; é um processo interativo, uma via
de mão dupla [...]” (p.17). Do mesmo modo, a docência é uma atividade complexa
que requer um sólido conhecimento por parte dos formadores.
Educar é formar e “[...] formar é mais do que treinar o educando no
desempenho de destrezas”. Transformar a educação em treinamento técnico é “[...]
amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu
caráter formador” (FREIRE, 1996, p. 33).
Para Tardif (2012), um dos desafios para a formação dos professores seria
abrir espaço para o conhecimento dos “professores de profissão” dentro do próprio
currículo dos cursos de licenciatura. O autor supracitado ressalta que a formação
docente ainda baseia-se em conteúdos e lógicas disciplinares, e não profissionais.

Na formação de professores ensinam-se teorias sociológicas,


docimológicas, psicológicas, didáticas, filosóficas, históricas, pedagógicas
etc., que foram concebidas, a maioria das vezes, sem nenhum tipo de
relação com o ensino nem com as realidades cotidianas do ofício de
professor (TARDIF, 2012, p. 241).

O autor também nos chama a atenção para o fato de que os conteúdos


disciplinares na formação inicial não têm relação com a realidade escolar e nem com
o que realmente é o trabalho do professor.
Imbernón (2011) destaca que a formação inicial, como começo da
socialização profissional do professor, deve evitar o modelo formativo
“assistencialista e voluntarista” que leve a um papel de “técnico-continuísta”, o qual
posteriormente reflete um tipo de educação que apenas adapta os indivíduos
acriticamente à ordem social. A própria natureza formadora da docência não pode
reduzir-se a um processo técnico e mecânico.
Como afirma Tozetto (2014, p.18), “[...] é preciso preparar os futuros
professores com um conhecimento pedagógico e científico que promova práticas
conscientes, autônomas e críticas”. A formação do professor deve fornecer os
34

“pilares basilares” para que o profissional possa construir um conhecimento


pedagógico especializado, bem como o conhecimento do contexto social em que
está inserido que o permita intervir na realidade.
Nessa perspectiva, destacamos a importância da formação inicial docente
como formação crítica e ética dos futuros professores. Cabe aos formadores de
professores criar espaços para práticas intencionais de troca e diálogo
problematizadores que dotem o futuro professor de um conhecimento que o
possibilite “assumir a tarefa educativa em toda a sua complexidade” (IMBERNÓN,
2011, p. 63).
Para Baccon e Arruda (2015), o professor precisa ocupar o seu “lugar” como
educador. Os pesquisadores ressaltam que quando se ocupa o “lugar” de professor,
muitas são as expectativas que se colocam a esse profissional:

[...] espera-se que esse sujeito tenha um saber sobre o que é ser professor,
sobre o conteúdo, sobre a matéria que irá lecionar e que, além disso, ele dê
conta da sala de aula e da turma que estará sob sua responsabilidade.
Enfim, para ocupar-se o “lugar” de professor, o sujeito precisa receber uma
formação adequada para isso e desenvolver alguns saberes que lhe darão
a base e a sustentação no exercício desse ofício (BACCON; ARRUDA,
2015, p. 466).

Com isso, a formação inicial docente, além de propiciar ao futuro professor


os conhecimentos específicos do ofício de professor, deve propiciar também uma
formação que leve os candidatos à docência a serem autônomos, críticos,
conhecedores da realidade em que vivem e com capacidade para intervir
significativamente na realidade.
Nas últimas décadas houve um reconhecimento do papel do professor como
agente transformador na qualidade da educação. Reconhecendo que o professor
tem um papel central na educação e considerando que “[...] o conhecimento das
crenças e das metas dos professores são elementos fundamentais na determinação
do que fazem na sala de aula e por que fazem” (MIZUKAMI, 2002, p. 44), procurou-
-se compreender melhor as práticas pedagógicas dos professores, tomando como
mobilizadores dessas práticas os saberes docentes.
Conforme Tardif (2012), os contextos de formação docente devem levar em
conta os saberes experienciais dos professores em seu lócus de atuação. Para o
autor os saberes universitários, ou seja, os oriundos da formação inicial devem estar
em estreita relação com os conhecimentos que os professores de carreira mobilizam
35

em suas práticas pedagógicas. Em outras palavras, deve-se eliminar o


distanciamento entre aquilo que se estuda na universidade e o que acontece de fato
nas escolas.
Os estudos de Tardif (2012) e Gauthier (1998) sobre os saberes docentes
trazem um novo olhar sobre os processos formativos do professor e da
profissionalização docente. As pesquisas sobre os conhecimentos mobilizados pelos
professores de carreira em suas práticas pedagógicas podem contribuir para a
formação dos professores e para o processo de profissionalização docente, pois
valorizam os conhecimentos específicos da docência e assim legitimam a docência
como profissão.
Para Nóvoa (1995), a temática dos saberes docentes vem ao encontro da
necessidade de dar “voz ao professor”, a sua história de vida, opondo-se aos
estudos que reduziam a profissão docente a um conjunto de técnicas e
competências, sem relação com o pessoal e o profissional, interferindo
significativamente na identidade dos professores.
Os estudos de Tardif (1991; 1999; 2012) e Gauthier (1998) apontam que os
saberes docentes são variados e têm diferentes origens. No entanto, os saberes
construídos na formação inicial compõem os pilares para a construção de vários
outros saberes, como os saberes experienciais. Para Tardif (2012, p.11):

[...] o saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no


intuito de realizar um objetivo qualquer. Além disso, o saber não é uma
coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o saber deles e está
relacionado com a pessoa e a atividade deles, com a sua experiência de
vida, com sua história profissional, com as suas relações com os alunos em
sala de aula e com os outros atores escolares etc.

Dessa forma, os saberes são sempre mobilizados pelos professores em


suas práticas relacionados com a própria experiência do professor, dos
conhecimentos adquiridos ao longo de sua formação e de sua carreira. Para Tardif
(2012), o saber docente não envolve apenas os processos cognitivos do sujeito, mas
também como um saber social.
No Quadro 1 podemos observar como Tardif (2012) e Gauthier (1998)
classificam o reservatório de saberes docentes:
36

Quadro 1 – Classificação dos saberes docentes


SABERES DOCENTES
TARDIF GAUTHIER
Saberes da formação profissional Saberes das ciências da educação
(os saberes das ciências, transmitidos pela (relacionado ao saber profissional específico
instituição escolar; conhecimentos e que não está diretamente ligado com a ação
técnicas pedagógicas) pedagógica)
Saberes das disciplinas
(saberes que integram os programas de Saberes disciplinares
ensino nas disciplinas são originados da (conhecimento da matéria a ser ensinada)
tradição cultural e transmitidos pela
universidade)
Saberes curriculares Saberes curriculares
(os métodos e conteúdos) (relativo à transformação da disciplina em
programas de ensino)
Saberes da tradição pedagógica
Saberes da experiência (saber dar aulas)
(saberes que os professores desenvolvem Saberes da experiência
no exercício de sua função na prática em (construídos na profissão)
sala de aula) Saberes da ação pedagógica
(saber experiencial tornado público e
validado)
Fonte: a autora, organizado a partir deTardif (2012); Gauthier (1998)

Os autores mencionados classificam os saberes docentes de forma muito


parecida. No entanto, Gauthier (1998) aponta um saber específico à profissão
docente, os saberes da tradição pedagógica.
Para Tardif (2012), os conhecimentos universitários, ou seja, os da formação
inicial devem considerar os saberes docentes mobilizados pelos professores no
exercício de seu ofício. Nesse sentido, o pesquisador ainda acrescenta que “[...] os
professores utilizam muitas teorias, concepções e técnicas, de acordo com a
necessidade, mesmo que possa parecer contraditório para os pesquisadores
universitários” (p. 263). A tarefa em sala de aula exige dos docentes variados tipos
de habilidades e conhecimento e essa premissa deve ser considerada na formação
inicial. Nesse sentido os estudos sobre os saberes docentes podem contribuir para a
melhoria da formação inicial dos professores.
Pensar na docência implica atrelar à formação docente um corpus de
saberes específicos da profissão, existe uma base de conhecimentos específicos
para o ensinar que não se reduzem a conteúdos ou técnicas de ensino. Para Nóvoa
(2013, p. 5), o conhecimento profissional não é mera aplicação da teoria na prática,
exige reelaboração e está no “âmago do trabalho do professor”.
37

Gauthier (1998) ressalta que são os saberes específicos do ofício de


professor que diferenciam a docência das demais profissões. Imbernón (2011)
também explica que a especificidade da docência está nos conhecimentos
pedagógicos. Nessa perspectiva, a formação inicial docente precisa considerar que
os conhecimentos pedagógicos são a “alma da docência”, ou seja, a especificidade
da docência são os conhecimentos pedagógicos, pois, se não o fossem, bastaria
saber o conteúdo a ser ensinado para ser professor.
Valorizar os saberes como a base da docência e torná-los públicos e válidos
é um passo importante para a profissionalização docente e essa valorização começa
por considerar os saberes docentes na formação inicial, tornando-os norteadores
dos processos formativos. Como afirma Imbernón (2011, p. 67), “não se trata, pois,
de aprender um “ofício” no qual predominam estereótipos técnicos, e sim de
aprender os fundamentos de uma profissão”.
Tomando como base os estudos de Tardif (2012) e Gauthier (1998),
podemos afirmar que os saberes dos professores são adquiridos não só na
formação inicial, mas são resultantes dos conhecimentos adquiridos ao longo da
vida dos professores e de sua carreira profissional. No entanto, a formação inicial,
como mencionado anteriormente, é fundamental para a construção desses saberes.
Considerar os saberes docentes e tomá-los como ponto de partida para se
repensar os currículos na formação docente leva a outra questão importante que
deve ser considerada na aprendizagem da docência nas licenciaturas: a relação
universidade e escola. Para Mizukami (2013), a escola se constitui como um espaço
por excelência para a aprendizagem e desenvolvimento profissional. A autora
defende que a escola “[...] é local importante e privilegiado para a construção de
conhecimentos profissionais sobre a docência” (p. 26).
Mizukami (2013) defende que as estratégias formativas nas licenciaturas
para a formação docente devem ser centradas na escola. A autora ressalta que é
preciso vivenciar situações de sala de aula e refletir sobre as situações da escola
ainda durante a formação inicial. “É preciso, pois, começar a vivê-las nos cursos de
formação inicial de modo a serem instalados, nesse momento formativo, atitudes
investigativas e comprometimento com a autoformação” (MIZUKAMI, 2013, p. 27).
38

Para a autora supracitada, quando se assume a escola como lócus de formação do


professor, alguns limites11 encontrados na formação inicial podem ser superados.
Mizukami (2013), com base nos estudos Hammerness et al. (2005),
considera como um dos limites na formação inicial as preconcepções dos
licenciandos sobre a docência adquiridos pela experiência enquanto aluno. Essas
preconcepções sobre o ensino que os estudantes trazem ao entrar em um curso de
licenciatura são considerados pela autora como obstáculos para a aquisição de
novos conceitos na aprendizagem da docência nas licenciaturas e que podem ser
(re) construídos com a inserção do licenciando na escola, “aprendendo a pensar
como professores”. Outro limite na formação inicial citado por Mizukami (2013)
consiste na “complexidade da docência”. Os licenciandos em contato com a escola
desde os primeiros anos do curso de licenciatura conseguem compreender que as
situações em sala de aula são muito complexas, variáveis e imprevisíveis e que o
professor precisa mobilizar diferentes saberes. Nesse sentido, elegendo a escola
como “agência formadora”, a aprendizagem da docência na licenciatura configura-se
como momento de aprendizagens significativas em torno do “ser professor”.
Na seção seguinte procuramos discutir sobre o campo universitário e as
complexas relações que se desenvolvem nos espaços formativos na universidade.

1.3 O CAMPO UNIVERSITÁRIO: OS ESPAÇOS E AS RELAÇÕES DE PODER

Para compreendermos o campo universitário, de como se organiza o espaço


social e as relações de poder presentes entre os agentes das áreas de formação
que compõem o curso de licenciatura em Matemática, nos apoiamos no referencial
teórico de Pierre Bourdieu (1930-2002), especialmente nas noções de Habitus, de
Campo e de Capital Cultural.
Da praxiologia de Bourdieu (2004; 2013; 2007; 2008), nas diferentes áreas
sociais, os principais conceitos de sua teoria são os de habitus, campo, capital
cultural, capital simbólico e violência simbólica. De acordo com os objetivos da
nossa pesquisa abordaremos os conceitos de habitus, campo e capital cultural para
a análise de um campo específico: o campo universitário. Procuramos discutir esses

11
Limites na formação inicial pode ser entendido como um “limite que a formação inicial apresenta”,
não conseguindo dar conta de resolver tal questão sozinha, somente na IES, sem eleger a escola
como “agência formadora da docência” (MIZUKAMI, 2013, p.27).
39

conceitos genericamente para em seguida pensar o campo universitário em suas


especificidades.
Os vários conceitos da teoria bourdieusiana estão dispersos entre as suas
obras e sobre os vários temas que o autor aborda. Podemos considerar a teoria de
Bourdieu como eclética, mas mesmo parecendo à primeira vista que as obras do
autor pareçam fragmentadas em vários assuntos, elas se articulam em dois eixos
segundo Bonnewitz (2003): os mecanismos de dominação e a lógica das práticas
sociais dos agentes. Segundo a autora, a teoria bourdieusiana propõe uma
abordagem que procura analisar criticamente os espaços e as relações sociais para
compreender os mecanismos de reprodução da ordem social.
Segundo Nogueira e Nogueira (2009), a teoria de Bourdieu se opôs ao
empirismo positivista e atravessou fronteiras disciplinares, abrangendo vários
campos das ciências sociais, trazendo grandes contribuições ao campo da
educação. Bourdieu (2008) proporciona um novo modo de olhar a educação e a
escola, onde se via igualdade de oportunidades e meritocracia, o autor passa a ver
reprodução e legitimação das desigualdades sociais.
A teoria de Bourdieu, segundo Nogueira e Nogueira (2009), não se alicerça
nem no subjetivismo, nem no objetivismo, mas na teoria da prática, ou praxiológica,
que busca no conceito de habitus a superação do dilema subjetivismo/objetivismo.
Para Bonnewitz (2003), a sociologia de Bourdieu se fundamenta no conceito de
habitus, que representa, por um lado, as práticas individuais e por outro as práticas
coletivas, unindo o subjetivismo e o objetivismo em um único conceito.
O conceito de habitus pode ser considerado um dos principais conceitos da
teoria bourdieusiana, ao lado dos conceitos de campo e capital. Importante destacar
que os conceitos de habitus, campo e capital apresentam-se interligados na teoria
de bourdieusiana, formando um conjunto, onde um conceito alicerça o outro.
Segundo Nogueira e Nogueira (2009), o conhecimento praxiológico defendido por
Bourdieu seria uma alternativa de superar os problemas do subjetivismo e
objetivismo.

O conhecimento praxiológico não se restringiria a identificar estruturas


objetivas externas aos indivíduos, tal como o faz o objetivismo, mas
buscaria investigar como essas estruturas encontram-se interiorizadas nos
sujeitos construindo um conjunto estável de disposições estruturadas que,
por sua vez, estruturam as práticas e as representações das práticas
(NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009, p.23-24).
40

Para Nogueira e Nogueira (2009), Bourdieu procura compreender o caráter


estruturado ou ordenado das práticas sociais sem cair no subjetivismo, onde as
práticas dos sujeitos seriam organizadas autonomamente ou na concepção
objetivista, onde as práticas seriam execução mecânica de estruturas externas. Para
a superação desse dilema proposto pelo subjetivismo/objetivismo Bourdieu (2004a)
recorre ao conceito de habitus.
Para Bonnewitz (2003, p.75), o conceito de habitus na sociologia de
Bourdieu “[...] fornece a articulação, a mediação entre o individual e o coletivo”. Por
meio da noção de habitus Bourdieu (2007) formula uma teoria que abarca a relação
entre os agentes e as dimensões coletivas e individuais de ação. A vida em
sociedade exige uma socialização dos indivíduos, a qual pode ser entendida como
um conjunto de mecanismos pelos quais os indivíduos apreendem as relações
sociais, internalizam normas, valores e crenças de uma coletividade. Bourdieu
(2007) não concebe as normas e valores dentro de uma concepção tradicional,
como aprendizado descolado de luta de classes e posições sociais, para ele a
socialização dos indivíduos é concebida pela formação do habitus.
Segundo Nogueira e Nogueira (2009, p. 24), o habitus seria entendido como
“[...] sistema de disposições duráveis, estruturadas de acordo com o meio social dos
sujeitos [...]”. Assim esses sistemas funcionariam como uma “mediação entre as
dimensões subjetivas e objetivas do mundo social, ou simplesmente entre as
estruturas e a prática [...]”. Dessa forma, as práticas sociais não se constituiriam
mecanicamente, mas sim como um processo estruturado, ou seja, com
“propriedades típicas da posição social de quem a produz” (BONNEWITZ, 2003,
p.24).
Bourdieu (2004a, p. 26) define o habitus como “[...] um sistema de esquemas
adquiridos que funciona no nível prático como categorias de percepções e
apreciações, ou como princípios de classificação e simultaneamente como princípios
organizadores da ação [...]”. De acordo com essa definição, o habitus seria um
sistema de percepções, como atitudes, maneiras de pensar, agir, de se relacionar
etc., que são interiorizados pelos indivíduos por meio de suas “condições objetivas
de existência e que funcionam então como princípios inconscientes de ação,
percepção e reflexão” (BONNEWITZ, 2003, p.77).
Resumidamente, as práticas sociais dos sujeitos estariam previamente
estruturadas em relação à sua posição social, “[...] cada sujeito, em função de sua
41

posição nas estruturas sociais, vivenciaria uma série de características de


experiências que estruturariam internamente sua subjetividade [...]” (NOGUEIRA;
NOGUEIRA, 2009, p. 25). No entanto, o habitus não seria um conjunto inflexível de
regras de comportamento, mas um “princípio gerador” que seria adaptado pelos
sujeitos a cada situação, ou conjuntura de ação.
Bourdieu (2004a) ressalta a relação dialética e não mecânica do habitus com
a situação. O habitus seria então o resultado da internalizarão da estrutura social e
da posição social do indivíduo. Essa estrutura que o sujeito incorpora que passaria a
orientar as suas ações e representações seria colocada em ação nas diversas
situações, diferentes das quais o habitus foi formado. Assim o sujeito adaptaria as
suas ações para cada situação específica, remodelando alguns princípios de seu
habitus. No entanto, segundo Bourdieu (2004a), o habitus não muda totalmente,
existe um “núcleo”, digamos, que não sofre alterações, mantendo certas disposições
da origem social do sujeito.
Para Bourdieu (2008), o conceito de habitus abarca a existência de uma
“estrutura social objetiva” que se baseia nas relações de poder e luta de classes. Os
sujeitos participam dessas relações de poder, por meio de suas ações, acabam
perpetuando essas relações de classes e colaborando para manter a estrutura
social, mesmo que não tenham plena consciência disso. Dessa maneira, segundo
Nogueira e Nogueira (2009, p. 26), as “[...] ações dos sujeitos têm um sentido
objetivo que lhes escapa”. Os indivíduos pensam que são senhores absolutos de
suas ações, quando na verdade agem como membros de uma classe. Os sujeitos
incorporam as crenças e concepções de sua origem social e sem perceber, ou sem
ter plena consciência disso, acabam produzindo-as em suas ações cotidianas.
Nesse sentido, as ações de cada sujeito acabariam por “refletir e atualizar” as
marcas de sua posição social, pois essas marcas acabariam se tornando parte
constitutiva da subjetividade do próprio sujeito. Nesses termos, a subjetividade do
sujeito seria, segundo Bourdieu (2004a), “socialmente estruturada”, pois evidencia
as características de determinada posição social.
A “exteriorização”, segundo Bourdieu (2004a), é um mecanismo que expõe
os comportamentos e valores apreendidos e interiorizados como sendo naturais.
Assim os indivíduos agem como se esses comportamentos e valores fossem
naturalizados, não precisando refletir sobre eles, agindo “sem ser obrigado a lembrar
explicitamente das regras que é preciso observar para agir” (BONNEWITZ, 2003, p.
42

77). Agimos de certa maneira e não de outra como se já nascêssemos assim, ou


seja, nossas preferências e gostos podem parecer quase inatos, mas na verdade
são produtos do habitus.
No processo de socialização dos indivíduos, ou nas palavras de Bourdieu
(2008) de incorporação do habitus, a família e a escola têm um papel primordial. A
família desempenha um papel decisivo na primeira socialização, cada família ocupa
um lugar na estrutura social e transmite os esquemas de percepções e disposições
de acordo com a sua posição social. O habitus adquirido na família recebe
disposições advindas do habitus escolar, que vem para continuar ou reformular o
habitus familiar.
Segundo Bourdieu (2004a), cada disposição nova agarra-se às disposições
mais antigas, formando um só habitus, que está sempre procurando adaptar-se,
ajustar-se em função de novas necessidades e novas situações. O habitus, apesar
de estar sempre se reestruturando, como já foi dito anteriormente, apresenta uma
certa “inércia”, nossos sistemas de disposições não mudam totalmente conforme as
circunstâncias, eles adaptam-se de acordo com as disposições já existentes,
reestruturando-se, mas não por completo, apenas uma pequena fração é
reestruturada.
Na sequência, vamos arrolar como o autor concebe e analisa a realidade
social por meio dos conceitos de campo e capital cultural. Como já dito
anteriormente, os conceitos de habitus campo e capital cultural aparecem
imbricados na teoria bourdieusiana e são interdependentes.
Para a teoria bourdieusiana, segundo Bonnewitz (2003), o habitus, como
produto da filiação social, se reestrutura também em relação ao campo. O conceito
de campo, na sociologia de Bourdieu (2004a), articula-se com os conceitos de
habitus e capital cultural, essa relação entre campo e habitus se constitui como uma
relação de condicionamento. Para Bourdieu (2004a), o habitus se estrutura pelo
campo, pois é o resultado da incorporação das necessidades desse campo. Para o
autor, os agentes que integram determinado campo são dotados de habitus
parecidos.
Para Bourdieu (2007), as produções simbólicas (arte, cultura, religião etc.,)
seriam estruturadas internamente na sociedade, capazes de estruturar a percepção
dos indivíduos. Essas produções simbólicas representariam as formas como os
indivíduos manifestam suas crenças, percepções, pensamentos e valores e estariam
43

atreladas às características das posições que os indivíduos ocupam no espaço


social. Os bens simbólicos são produzidos e apropriados por determinados grupos
ou por um campo de produção.
Segundo Nogueira e Nogueira (2009, p. 31), “o conceito de campo é
utilizado por Bourdieu, precisamente, para se referir a certos espaços sociais nos
quais determinado tipo de bem é produzido, consumido e classificado”. Para
Bourdieu (2004a), a sociedade é composta por campos sociais, que são
relativamente autônomos, produzidos pela divisão social do trabalho. Com a
modernização da sociedade e com o aperfeiçoamento de certas atividades, a divisão
social do trabalho se torna mais complexa. No interior de setores, ou campos da
realidade social, os sujeitos passariam a “lutar pelo controle da produção e,
sobretudo pelo direito de legitimarem e classificarem os bens produzidos”
(NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009, p. 31).
Dentro dos campos, segundo Bourdieu (2004a), existem relações objetivas
entre as posições que os agentes ocupam. Em cada campo existe uma lógica
interna e necessidades específicas. Podemos citar entre eles, o campo artístico,
religioso, econômico, científico, que obedecem a lógicas diferentes, ou leis gerais
dos campos. Dentro deles os agentes disputam espaço e reconhecimento, tanto
para si como para suas produções. Muitas vezes os agentes não têm plena
consciência dessas disputas. O que está em jogo nos campos são as legitimações
de seus agentes e a manutenção do campo, ou seja, manter a sua estrutura atual e
os critérios de classificação e legitimação de seus agentes. Os agentes dominantes
são os que mais procuram manter o campo sem que esse sofra alterações
significativas e adotam estratégias de conservação do mesmo, assim como os
indivíduos que se encontram em posições inferiores também adotam estratégias,
mas com finalidades diferentes.
Segundo Nogueira e Nogueira (2009), os indivíduos que ocupam posições
inferiores dentro do campo tenderiam a adotar basicamente duas estratégias: ou
aceitam a hierarquia do campo, reconhecendo sua inferioridade, ou tentam contestar
os padrões e as estruturas do campo. Nesse sentido, Bourdieu (2007) afirma que
todo campo de produção simbólica seria um “palco de disputas” para legitimar bens
simbólicos como superiores. Dessa forma as produções simbólicas seriam
classificadas e hierarquizadas tanto nos campos como na sociedade em geral. Essa
classificação dos bens atingiria não só os bens simbólicos, mas todas as esferas
44

cotidianas, como as práticas e os hábitos (preferências, gostos, modos de vida etc.),


tudo hierarquizado e classificado socialmente.
Os indivíduos que se envolvem ou possuem bens considerados como
superiores ganham “prestígio e poder”, seja no interior de um campo específico ou
na sociedade em geral. Bourdieu (2008) se refere a essa posse de bens culturais
com o termo “capital cultural”. O conceito de capital cultural seria então a posse e o
domínio dos bens culturais considerados socialmente como superiores. O capital
cultural corresponderia “[...] ao conjunto das qualificações intelectuais produzidas
pelo sistema escolar ou transmitidas pela família” (BONNEWITZ, 2003, p. 53).
Bourdieu (2008) ressalta que o capital cultural pode existir sob três formas:
no estado incorporado, que seria sob a forma de disposições do corpo (por exemplo,
a facilidade de se expressar); no estado objetivado, que seria a posse de bens
culturais (como obras de arte, por exemplo) e no estado institucionalizado, que
corresponderia à posse de títulos acadêmicos.
Nesse sentido os indivíduos que se apropriam ou dominam os bens culturais
legitimados como superiores seriam beneficiados com uma série de “vantagens
sociais”, como reconhecimento, respeito e poder etc. Dessa forma, a hierarquia dos
bens simbólicos e do capital cultural tenderia a hierarquizar os indivíduos e os
grupos sociais.
As famílias consideradas mais favorecidas, com maior volume de capitais
econômicos e culturais, ressalta Bourdieu (2008), acabariam “repassando” esses
capitais para seus herdeiros. O autor chama a atenção para o fato das famílias com
maior capital cultural proporcionarem certo “privilégio cultural” aos seus filhos ao
fornecerem a eles um capital cultural considerado superior. Desta forma, o autor
procura explicar as desigualdades dos indivíduos das diferentes classes sociais
frente à escola.
Bourdieu (2008) considera que os alunos menos favorecidos, com menor
volume de capitais culturais e econômicos, tenderiam a ser “excluídos”, de forma
indireta, do sistema escolar e explica como essa exclusão se efetiva: “[...] não é
suficiente enunciar o fato da desigualdade diante da escola, é necessário descrever
os mecanismos objetivos que determinam a eliminação contínua das crianças
desfavorecidas” (Bourdieu, 2008, p. 41).
O autor fornece uma explicação sociológica para esclarecer as diferenças de
êxito que se atribuem aos alunos mais favorecidos, consideradas como diferenças
45

de dons. A ação do privilégio cultural não é percebida na maior parte das vezes,
apenas sob as formas mais “grosseiras”, “[...] como recomendações ou relações,
ajuda no trabalho escolar ou ensino suplementar, informação sobre o sistema de
ensino e as perspectivas” (BOURDIEU, 2008, p. 41).
As famílias transmitem certo capital cultural e certo ethos12 aos seus filhos,
no entanto, esta transmissão acontece mais por via indireta que direta. O autor
considera que a transmissão do capital cultural pelas famílias está relacionada
diretamente com o êxito escolar dos alunos, ou seja, “[...] é o nível cultural global do
grupo familiar que mantém a relação mais estreita com o êxito escolar da
criança”(BOURDIEU, 2008, p. 42). Essa premissa permite concluir que “[...] a ação
do meio familiar sobre o êxito escolar é quase exclusivamente cultural” (p. 42).
Com as considerações sobre o capital cultural, Bourdieu e Passeron (1992)
criticam o sistema escolar, alegando que o mesmo contribui para a reprodução da
sociedade, ao ignorar as diferenças culturais entre os estudantes e legitimar os
interesses da classe dominante. Dentro do sistema escolar existe uma forma de
reprodução das desigualdades culturais. Segundo Bourdieu e Passeron (1992), o
próprio sistema escolar contribui para essa reprodução. A seleção de significações,
ou seja, da “cultura” que será ensinada na escola é arbitrária, pois representa a
classe dominante. A seleção do que será ensinado na escola é produto de uma
relação de poder entre as classes.
Segundo Bonnewitz (2003, p.115), “a seleção das disciplinas ensinadas,
assim como a escolha dos conteúdos disciplinares é o produto de relações de força
entre grupos sociais”. Segundo a teoria bourdieusiana, fundamentar os critérios de
excelência em determinadas disciplinas é arbitrário. Um exemplo disso é valorizar as
destrezas da área da matemática ou o domínio da língua culta, que são mais
facilmente apreendidas pelos alunos com maior capital cultural. Nesse sentido a
cultura escolar não pode ser considerada neutra. Se considerarmos o campo
universitário podemos notar que este não se diferencia muito do sistema escolar
básico, pois também atribui a certas áreas de conhecimento maior prestígio
enquanto outras são menos valorizadas.

12
Sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre
outras coisas, as atitudes em face do capital cultural e à instituição escolar (BOURDIEU, 2008,
p.42).
46

No campo universitário, assim como na sociedade em geral, em que o


capital é legitimado historicamente pelos grupos dominantes, certos capitais culturais
são igualmente legitimados, como o domínio de certas áreas do conhecimento.
Podemos citar como exemplo as áreas de conhecimento legitimadas historicamente
pela comunidade científica, como a matemática e as ciências naturais.
Santos (2008), ao analisar a crise do paradigma dominante13 dispõe sobre
as ciências e sua legitimidade. Para o autor o modelo de racionalidade que preside à
ciência moderna se constitui basicamente sobre o domínio das ciências naturais.
Com base nos pressupostos da ciência moderna, que prioriza o conhecimento mais
“profundo e rigoroso” da natureza, baseado no rigor científico da “medição”
fundamentado nas ideias matemáticas, ou seja, o conhecimento verdadeiro era
aquele possível de ser mensurado, medido e comprovado por meio de dados. Estes
pressupostos da ciência moderna trouxeram algumas consequências para a
produção do conhecimento científico: conhecer significa quantificar, ou seja, para
que o conhecimento seja válido ele precisa ser provado por meio de dados
quantificáveis; o mundo não pode ser compreendido completamente, ou seja, o que
não se pode mensurar, medir e quantificar não pode ser compreendido totalmente
(SANTOS, 2008).
No século XX assiste-se a expansão das ciências sociais, mas ainda sob a
égide do rigor científico das ciências naturais. Esta dependência das ciências sociais
ao modelo de racionalidade científica das ciências naturais fez com que os
fenômenos sociais fossem estudados à luz do modelo científico destas últimas,
trazendo prejuízos à produção do conhecimento científico da área social. Hoje cada
vez mais se reivindica para as ciências sociais um estatuto epistemológico e
sociológico próprio, com base na especificidade dos estudos sociais. Santos (2008)
justifica o atraso das ciências sociais em relação às ciências naturais com base nas
dificuldades de se produzir conhecimento nesta área seguindo o modelo de
racionalidade científica das ciências naturais, já consagrado pela ciência moderna,
pois as sociais podem ser consideradas uma ciência subjetiva, o que dificulta a
aplicação do modelo de racionalidade baseado na mensuração. Esta dificuldade de
aplicação de um modelo de racionalidade já consolidado traz certa desconfiança

13
A crise do paradigma dominante se refere à crise dos padrões da ciência moderna. “Hoje são
muitos e fortes os sinais de que o modelo de racionalidade científica [...] atravessa uma profunda
crise. A crise do paradigma dominante é o resultado interactivo de uma pluralidade de condições”
(SANTOS, 2008, p.41). Ver Santos, Boaventura de Sousa (2008) “Um discurso sobre as ciências”.
47

para os métodos utilizados nas ciências sociais, acarretando uma desvalorização


das humanas em relação às ciências exatas. Segundo Santos (2008), na teoria das
revoluções científicas, as ciências sociais podem ser consideradas pré-
-paradigmáticas enquanto as naturais são paradigmáticas. Isso significa que as
naturais já possuem seu “status” consolidado enquanto as sociais ainda procuram se
consolidar.
Estas considerações sobre as ciências naturais e sociais procuram
esclarecer como algumas áreas do conhecimento gozam de certo prestígio
enquanto outras ainda buscam se consolidar e acabam recebendo menos
valorização. Podemos ressaltar as áreas das humanas, que no campo universitário
acabam sendo menos valorizadas e dentro dos currículos de formação de
professores tornam-se um apêndice.
Esta primeira aproximação com a sociologia de Bourdieu possibilitou
compreender os conceitos principais que alicerçam a teoria bourdieusiana. Agora
vamos adentrar na compreensão de um campo específico: o campo universitário.
Bourdieu (2013), em sua obra Homo academicus faz uma análise do campo
científico. Ao apreender o campo universitário como um campo marcado por
múltiplos poderes, o autor fornece um referencial que nos auxilia na compreensão
das relações complexas que permeiam esse campo, demonstrando que a produção
científica não é mero resultado da meritocracia e de talentos individuais e que as
tomadas de posições dos intelectuais obedecem a mecanismos específicos do
campo científico.
Embora Bourdieu (2013) tenha desenvolvido seus estudos em universidades
da França, em determinada época e contexto social, concentrando-se em
determinadas faculdades (de Letras, Ciências Humanas, Direito e Medicina),
podemos transpor suas análises para o campo universitário brasileiro. Sabemos que
cada universidade tem suas particularidades e que o universo das universidades
públicas difere muito das universidades particulares. Entretanto, as análises
bourdieusianas sobre o campo universitário trazem importantes contribuições para a
análise do espaço universitário brasileiro.
Assim como nos demais campos, como o artístico, político ou econômico, o
campo universitário obedece às leis gerais dos campos e leis específicas do campo
científico. Cada campo corresponde a um determinado habitus, ou seja, no interior
de cada campo, os agentes compartilham do habitus do campo. No interior dos
48

campos, e no campo universitário não é diferente, os agentes são caracterizados por


sua trajetória social, seu habitus e sua posição no campo.
Bourdieu (2013, p.106) considera o campo universitário como um:

[...] espaço de posições apreendidas por meio das propriedades dos


agentes que nele detém os atributos ou as atribuições e que lutam, com
armas e poderes capazes de produzir efeitos visíveis, para prendê-los ou
defendê-los, para conservá-los imutáveis ou transformá-los.

Nesse sentido, o campo universitário pode ser considerado um campo de


lutas e conflitos travados pelos agentes que nele se inserem, constituindo-se em
uma estrutura em que os agentes ocupam determinadas posições de acordo com o
acúmulo de capital científico adquirido ao longo da trajetória acadêmica. Os agentes
buscam legitimar suas posições dentro do campo por meio do acúmulo do capital
que é valorizado no campo universitário, ou seja, do capital científico.
A posse do capital científico confere ao detentor algumas “vantagens” no
interior do campo, os indivíduos que detêm a posse deste capital tenderiam a ter um
poder de influência, ou seja, esses indivíduos seriam legitimados pelos pares a
terem um poder maior de decisão sobre o campo. Um exemplo seria os agentes do
campo reconhecerem as opiniões dos sujeitos com maior capital científico como
tendo mais “valor” ou legitimidade, ou seja, mais poder de decisão em relação às
opiniões dos sujeitos com menor capital. Isso seria uma forma de desqualificar os
indivíduos com menor capital científico, mesmo que inconscientemente.
O campo universitário, segundo Bourdieu (2013), pode ser considerado um
espaço em que os agentes lutam para obter a autoridade científica, a qual pode ser
definida como a capacidade técnica, o poder social e a competência científica
(BOURDIEU, 2013). A posição que os agentes ocupam no campo universitário
depende de sua capacidade para obter a autoridade científica.
Para Bourdieu (2013, p.78), o campo universitário está organizado com base
em dois princípios fundamentais de hierarquização, que podem ser considerados
antagônicos: “[...] a hierarquia social segundo o capital herdado e o capital
econômico e político atualmente detido se opõe à hierarquia específica,
propriamente cultural, segundo o capital de autoridade científica ou de notoriedade
intelectual”. Para o autor, o capital herdado se refere à origem social do agente, ou
seja, universidade onde se formou, prestígio social e político etc., que muitas vezes
acaba se opondo ao capital próprio do campo universitário: o capital científico.
49

O autor ressalta que a hierarquia dos agentes dentro do campo universitário


se organiza em função de dois tipos de poder: o poder temporal, que corresponde
ao poder político, institucional e institucionalizado, materializado pela posição que o
agente ocupa na instituição, como a direção de equipes de pesquisa; cargos de
chefia de departamentos; pertencimento a comissões, comitês de avaliação; bancas
de concursos, teses etc., ou seja, todo poder que emana da instituição: a autoridade
científica. O segundo tipo de poder está relacionado ao prestígio pessoal do agente
e pode ser relativamente independente do poder temporal, como a quantidade de
publicações em revistas renomadas, de prestígio; número de citações; entrevistas à
mídia; pertencimento a um comitê de revista etc., tudo que se refere ao prestígio
intelectual e científico: a notoriedade intelectual. Esses dois tipos de capitais
científicos que são valorizados no campo universitário precisam do reconhecimento
(ou crédito atribuído pelos pares), ou seja, precisam ser reconhecidos pelo conjunto
dos agentes do campo.
Nesse sentido, Bourdieu (2013) ressalta que o capital científico se
materializa por meio dessas duas formas, dependendo a qual tipo de poder está
relacionado, ou seja, o capital científico institucionalizado, ligado ao poder temporal
e o capital científico “puro”, ou específico, ligado ao prestígio pessoal. A acumulação
do capital científico institucionalizado ou temporal ocorre por meio de estratégias
políticas, como a participação em comissão, cargos de chefia, convite para eventos
científicos, e necessitam do apoio dos pares e poder político institucionalizado. A
acumulação do capital puro ou específico ocorre por meio da contribuição do agente
para a ciência, como publicações em revistas de prestígio, participação em eventos
renomados, número de citações, e dependem do esforço pessoal do agente. A
Figura 1 ilustra as formas de capital científico acumulados pelos agentes do campo
universitário: o capital institucionalizado, representado pelo peso político forte, ligado
à administração científica (cargos de chefia, por exemplo), e o capital científico puro
ou específico, ligado a crédito científico como pesquisador.
50

Figura 1– Continuum do peso relativo do capital puro e institucional do pesquisador

Fonte: Schleckmann; Serva e Melo (2014)

Nesta perspectiva, a carreira científica torna-se um processo de acumulação


de capital científico – temporal e puro – o que demanda tempo e investimento por
parte do agente. Para Bourdieu (2013, p. 132), “[...] o poder propriamente
universitário só pode ser acumulado e mantido à custa de um gasto constante, e
importante de tempo”. O acúmulo de capital científico é que determina a posição do
agente e a estrutura do campo, pois os agentes com maior capital científico
procuram manter a estrutura do campo e sua posição dentro deste e os agentes
com menor acúmulo de capital científico, principalmente os novatos, buscam
legitimar suas posições por meio de estratégias que buscam modificar a estrutura do
campo, ou adotam estratégias para acumular capital científico sem, no entanto,
buscar a modificação da estrutura do campo.
Assim como existem lutas e conflitos para legitimar posições dentro do
campo universitário, existem lutas e conflitos para valorizar as áreas de
conhecimento dos agentes com maior capital científico. Bourdieu (2013) ressalta que
existe uma hierarquia social das faculdades e dentro das faculdades uma hierarquia
das disciplinas. O autor cita como exemplo as disciplinas canônicas14 na França,
que gozam de maior prestígio em relação às outras disciplinas.
Compreender os espaços e as relações de poder que permeiam o campo
universitário pode auxiliar na compreensão das diferentes estratégias que marcam
as escolhas dentro do universo acadêmico, desde as escolhas nos currículos dos

14
O Canônico é um adjetivo que caracteriza aquilo que está de acordo com os cânones, com as
normas estabelecidas ou convencionadas (Fonte:Dicionário Eletrônico Houaiss, 2009). Nesta
perspectiva Bourdieu conceitua as disciplinas canônicas como aquelas que estão de acordo com
as normas da época, ou seja, as disciplinas dominantes como a Filosofia.
51

cursos até as escolhas do caminho a ser seguido na constituição do modo de se


fazer pesquisa.
No próximo capítulo buscamos discutir sobre o ensino de matemática e
sobre a legislação que orienta o curso, bem como os desafios de formar professores
de Matemática. Buscamos também analisar o Projeto Pedagógico do curso de
licenciatura em Matemática das duas universidades investigadas.
52

CAPÍTULO II
LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

Neste capítulo, procuramos discutir a formação inicial do professor de


Matemática e a legislação vigente que orienta esta formação no Brasil. Realizamos
também uma abordagem geral sobre o ensino da matemática, buscando situar o
leitor sobre alguns marcos na história do ensino. Compreender sobre a formação do
professor de Matemática pode nos auxiliar na compreensão da problemática que
envolve o ensino desta disciplina na educação básica e dos desafios na formação
deste professor.

2.1 ASPECTOS GERAIS DA HISTÓRIA DO ENSINO DA MATEMÁTICA

No Brasil, o ensino formal da matemática se inicia com a chegada dos


jesuítas. Neste período, os conhecimentos matemáticos contemplavam o ensino de
operações fundamentais, adição, subtração, multiplicação e divisão de números
naturais (GOMES, 2012). Importante ressaltar que antes da chegada dos jesuítas os
índios já detinham conhecimentos matemáticos15. No período imperial, o ensino da
matemática, no espaço religioso, era voltado para os cálculos do calendário litúrgico
e datas religiosas importantes. Com a expulsão dos jesuítas, pelo Marquês de
Pombal, são instituídas as “aulas régias”, onde o ensino contemplava poucos alunos
e com dificuldades de encontrar professores. Neste período, apesar de se privilegiar
o ensino de línguas, também havia o ensino de conhecimentos matemáticos, como
as operações básicas.
Após a independência, em 1822, foi instituída a educação primária aos
brasileiros nas escolas de “primeiras letras”. Esta instrução privilegiava o ensino de
línguas e era bem diferente para os meninos e as meninas. O currículo matemático
para os membros do sexo masculino contava com as quatro operações aritméticas,
números decimais, proporções, noções gerais de geometria e para as meninas o
currículo matemático contava apenas com noções gerais de economia doméstica.

15
Para D‟Ambrosio (2005), a matemática indígena é considerada uma Etnomatemática, ou seja,
diferentes formas de matemática próprias de grupos culturais. Para o autor os indígenas possuíam
diferentes conhecimentos matemáticos como a geometria e aritmética.
53

Com a criação das escolas provinciais, o ensino da matemática contava com


as disciplinas de aritmética, álgebra, geometria e posteriormente trigonometria, mas
ainda havia o predomínio das disciplinas literárias e humanistas (GOMES, 2012).
Na época da Proclamação da República, segundo Gomes (2012), 85% da
população brasileira era analfabeta. O ensino de matemática ou de línguas era para
poucos, geralmente para a classe mais favorecida da população. A reforma do
ensino instituída em 1890 por Benjamim Constant buscava romper com a tradição
humanista e literária no ensino secundário, adotando um currículo que privilegiava o
ensino de ciências e matemáticas.
No campo científico já era notória a importância da matemática com o
método científico de René Descartes (1596-1650) e as concepções positivistas de
August Comte (1798-1857). Com a ciência moderna a matemática ganhou grande
relevância.
Na revolução industrial, a pesquisa matemática ganhou novo enfoque, a
chamada matemática aplicada, que buscava atender aos avanços científicos e
tecnológicos da época. O ensino da matemática neste período contemplava as
disciplinas de geometria, álgebra, aritmética e trigonometria e visava a formação de
engenheiros, geógrafos e topógrafos, que atuariam nas construções, como pontes,
portos e canais. No final do século XIX e início do século XX, começa-se a discutir
em congressos internacionais sobre o ensino da matemática, onde são debatidas
propostas pedagógicas para o ensino da matemática que atendam aos avanços e a
conjuntura social deste período (PARANÁ, 2008).
Com o ideário escolanovista, e as ideias de introduzir a “situação de vida
real” na escola, o ensino de matemática ganhou nova abordagem, mas acabou se
tornando um ensino livresco e com ênfase na memorização. Os conhecimentos
matemáticos eram ensinados com ênfase no aspecto empírico (GOMES, 2012).
Fiorentini (1995) ressalta que a tendência empírico-ativista (escolanovista) teve
grande influência no ensino da matemática em todo o País, assim como outras
tendências como a formalista clássica, a formalista moderna, a tecnicista, a
construtivista e socioetnoculturista.
Segundo Fiorentini (1995), a tendência formalista clássica, baseada no
modelo euclidiano, vigorou até meados da década de 1950, quando deu lugar para a
tendência formalista moderna, que privilegiava o rigor e a linguagem matemática.
Para Stamato (2003), a tendência formalista concebe a matemática como uma
54

ciência neutra, sem ambiguidades, infalível e abstrata. Para a visão formalista a


matemática tem o papel de “[...] reproduzir o processo intelectual das descobertas
matemáticas, sem considerar qualquer fato externo”(STAMATO, 2003, p.22). Neste
sentido o ensino da matemática consistia em axiomas, definições e teoremas.
No entanto, o ensino de matemática neste período (até 1960) era diferente,
as classes sociais dominantes eram ensinadas no modelo euclidiano e as classes
populares, quando tinham alguma instrução, “[...] privilegiava-se o cálculo e a
abordagem mais mecânica e pragmática da matemática” (FIORENTINI, 1995, p.7).
Bourdieu e Passeron (1992) ressaltam que o campo educacional sempre foi
marcado pela luta de classes, e o ensino para as classes populares constitui-se em
um arbitrário cultural, privilegiando as habilidades dos “herdeiros” das classes
dominantes. Para ao autor, o sistema de ensino reproduz as desigualdades sociais.
A tendência tecnicista, segundo Fiorentini (1995),tornou-se a “pedagogia
oficial” instituída pelo golpe militar de 1964. O caráter mecânico de ensino da
pedagogia tecnicista buscava “inserir a escola nos modelos de racionalização do
sistema de produção capitalista” (FIORENTINI, 1995, p.15). Para a tendência
tecnicista a escola teria a função de preparar o indivíduo para desempenhar
determinadas funções na sociedade. O ensino tecnicista da matemática privilegiava
a memorização de fórmulas e a resolução de problemas. A tendência construtivista
surgiu no Brasil entre as décadas de 1960 e 1970, mas no ensino da matemática se
estabeleceu a partir da década de 1980. Esta tendência privilegiava o ensino da
matemática de forma interativa e reflexiva, a matemática era vista como uma
construção dos estudantes com as estruturas e as relações abstratas. No
construtivismo a ênfase era no processo e não no produto do conhecimento.
Fiorentini (1995) ressalta que a tendência socioetnocultural privilegia os
aspectos socioculturais da Educação Matemática e suas bases teóricas são
encontradas na etnomatemática. Com esta tendência a matemática passa a ser
considerada um conhecimento dinâmico, prático e relativo (PARANÁ, 2008).
Considerando as várias tendências e processos no ensino da matemática,
podemos observar que a forma de se conceber o ensino, e em especial o ensino da
matemática, que envolve as relações entre o ensino, a aprendizagem e o
conhecimento matemático (FIORENTINI, 1995), são fatores que influenciam direta
ou indiretamente no processo de ensino e aprendizagem (CARVALHO, 1991).
Segundo Fiorentini (1995, p. 4), o modo como o professor concebe a matemática e o
55

ensino da matemática influencia diretamente na sua forma de ensinar, “[...] por trás
de cada modo de ensinar se esconde uma particular concepção de aprendizagem,
de ensino, de matemática e de educação”. Para Stamato (2003), o ensino da
matemática está vinculado à concepção epistemológica assumida pelo professor.
Nesse sentido, as concepções de ensino e em particular do ensino da matemática,
advêm do processo formativo do professor e de sua história de vida (NÓVOA, 1995).
A trajetória do ensino da matemática no Brasil nos faz pensar sobre os
processos de formação do professor de Matemática, já que o ensino da matemática
encontra-se atrelado ao processo de formação do profissional desta área. Na
próxima seção vamos discutir sobre a legislação que orienta os cursos de
licenciatura e a formação do professor de matemática.

2.2 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA: ASPECTOS LEGAIS

A intervenção estatal em questões educacionais é efetivada principalmente


por meio de alterações na legislação. Nas últimas décadas assistimos várias
mudanças propostas pela legislação brasileira. Apesar das alterações na legislação
não se efetivarem em saltos qualitativos na formação dos professores, mudanças
importantes foram propostas, que alteram significativamente a formação docente
nas Instituições de Ensino Superior (IES). Compreender a história da legislação
referente às políticas públicas que orientam a formação dos professores no Brasil
nos auxilia a entender como se constituiu a identidade dos cursos de licenciatura em
Matemática e os caminhos percorridos até a consolidação desses cursos.
Como vimos no capítulo anterior, as políticas públicas para os cursos de
licenciatura não seguem um processo linear, são marcadas por avanços e
retrocessos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, lei
9394/96) foi um marco na história do ensino do País. A LDBEN de 1996 traz
mudanças importantes para a formação de professores e para as universidades. Em
seu Artigo 53, a lei delibera sobre a autonomia das instituições de ensino superior
para fixar seus currículos.

No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades,sem


prejuízo de outras, as seguintes atribuições:
I – (...) II – fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as
diretrizes gerais pertinentes;
56

III – estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica,


produção artística e atividades de extensão (BRASIL, 1996).

A autonomia para fixar os currículos, conferida pela LDBEN/1996, com a


ressalva de seguir as diretrizes pertinentes, deixa a cargo das instituições de ensino
superior decidir sobre os conteúdos que deverão compor o currículo nas
licenciaturas. A LDBEN/1996, em seu Artigo 65, também fixou um mínimo de
trezentas horas de prática de ensino para a formação docente nas licenciaturas.
Mudanças importantes ocorreram nos anos seguintes à aprovação da
LDBEN/96. Em 2002 foram aprovadas as Diretrizes Nacionais para a Formação de
Professores (DCN), que passaram a orientar os Projetos Pedagógicos dos cursos
(PPC) de licenciatura e auxiliar na construção do currículo dos cursos. As DCN
constituem-se em um novo marco na história da formação de professores no Brasil.
Para Rosso et al. (2010), as DCN projetam mudanças significativas para a
formação docente. Para o autor, as diretrizes, apesar de trazerem alguns avanços,
“[...] passou ao largo de muitos pontos presentes no debate sobre a formação do
professor, as condições objetivas do trabalho na escola e o significado social e
profissional da docência” (ROSSO, et al., 2010, p. 823). Segundo o mesmo autor, as
DCN foram embasadas pelo viés das competências, tanto profissionais como
pessoais. Essa concepção pode ser vista em todo o documento e em especial nos
Artigos 3º, 4º e 6º:

Art. 3º A formação de professores que atuarão nas diferentes etapas e


modalidades da educação básica observará princípios norteadores desse
preparo para o exercício profissional específico, que considerem:
I – a competência como concepção nuclear na orientação do curso; [...];
Art. 4º Na concepção, no desenvolvimento e na abrangência dos cursos de
formação é fundamental que se busque:
I – considerar o conjunto das competências necessárias à atuação
profissional;
II – adotar essas competências como norteadoras, tanto da proposta
pedagógica, em especial do currículo e da avaliação, quanto da
organização institucional e da gestão da escola de formação.
Art. 6º Na construção do projeto pedagógico dos cursos de formação dos
docentes serão consideradas:
IV – as competências referentes ao domínio do conhecimento pedagógico;
V – as competências referentes ao conhecimento de processos de
investigação que possibilitem o aperfeiçoamento da prática pedagógica;
(BRASIL, 2002a).

Scheibe (2003) acrescenta que as DCN ao conceberem as noções de


competência como concepção que orienta a formação profissional dos professores,
57

ao invés dos saberes docentes, partem para um projeto de educação e de


sociedade pautado no domínio técnico. Para a autora, o conceito de competência,
nos termos em que é utilizado no texto, está vinculado à capacidade de resolução de
problemas, em dada situação. Nesse sentido, o conceito de competência que deve
nortear a formação docente está atrelado a uma “[...] concepção produtivista e
pragmática, em que a educação é confundida com informação e instrução,
distanciando de seu significado mais amplo de humanização” (SCHEIBE, 2003,
p.178). Essa concepção de formação docente explicitada pela autora nos remete ao
modelo de formação pautado pela racionalidade técnica.
Segundo Diniz-Pereira (1999), as licenciaturas no Brasil se constituíram
pautadas no modelo da racionalidade técnica, onde o professor é visto como um
especialista, um técnico. Nesse modelo de formação, as técnicas de ensino se
sobressaem e cabe ao professor aplicar as regras que são extraídas do
conhecimento específico e pedagógico. O modelo de formação docente que se
orienta pela racionalidade técnica eleva a necessidade de um conjunto de disciplinas
específicas do conhecimento, no caso do conhecimento matemático, e outro de
disciplinas pedagógicas para compor as bases da ação docente, sem que haja
nenhuma articulação entre as duas áreas do conhecimento (DINIZ-PEREIRA, 1999).
Segundo Perez Gomes (1995, p. 96), para o modelo formativo da racionalidade
técnica a atividade docente é instrumental “[...] dirigida para a solução de problemas
mediante a aplicação rigorosa de teorias técnicas científicas”. Rosso et al. (2010, p.
824) também tece considerações a respeito das reformas educativas pautadas no
modelo da racionalidade técnica.

[...] as implantações de reformas curriculares baseadas nos princípios da


racionalidade técnica promovem um modelo curricular prescritivo e
fragmentado, reduzindo o espaço para críticas, debates, entendimento e
comprometimento com a proposta dos grupos participantes.

As reformas curriculares baseadas na racionalidade técnica dificultam uma


formação docente humanizadora (FREIRE, 1996) que leve em conta os contextos
mais amplos que permeiam a docência. No entanto, algumas tentativas de
superação do modelo formativo da racionalidade técnica foram esboçadas nas DCN,
procurando aproximar a formação docente do modelo de racionalidade prática, “[...]
um modelo onde o professor reflete, toma decisões, cria e recria sua prática”
(JUNQUEIRA; MANRIQUE, 2015, p. 630).
58

Podemos observar esta tentativa de aproximação com o modelo de


racionalidade prática no Artigo 6º

§ 3º A definição dos conhecimentos exigidos para a constituição de


competências deverá, além da formação específica relacionada às
diferentes etapas da educação básica, propiciar a inserção no debate
contemporâneo mais amplo, envolvendo questões culturais, sociais,
econômicas e o conhecimento sobre o desenvolvimento humano e a própria
docência (BRASIL, 2002a).

As DCN, ao propor o debate sobre questões que permeiam a docência,


aponta para uma tentativa de se aproximar do modelo da racionalidade prática, no
entanto, ao analisar o documento como um todo, poucos são os apontamentos
nesta direção.
Cabe ressaltar que alguns avanços consideráveis são identificados nas DCN
no sentido de superar a dicotomia entre teoria e prática, como o Artigo 12 que
delibera sobre a prática de ensino.

Art. 12. Os cursos de formação de professores em nível superior terão a sua


duração definida pelo Conselho Pleno, em parecer e resolução específica
sobre sua carga horária.
§ 1º A prática, na matriz curricular, não poderá ficar reduzida a um espaço
isolado, que a restrinja ao estágio, desarticulado do restante do curso.
§ 2º A prática deverá estar presente desde o início do curso e permear toda
a formação do professor.
§ 3º No interior das áreas ou das disciplinas que constituírem os
componentes curriculares de formação, e não apenas nas disciplinas
pedagógicas, todas terão a sua dimensão prática (BRASIL, 2002a).

Nesse sentido as licenciaturas deverão articular a prática de ensino ao


restante do curso, não ficando a prática centralizada no estágio, todas as disciplinas
devem ter a dimensão prática. As DCN também demonstram certa preocupação com
a articulação entre os conteúdos na licenciatura, propondo em seu artigo 11 eixos
articuladores; da formação comum com a formação específica; dos conhecimentos a
serem ensinados e dos conhecimentos filosóficos, educacionais e pedagógicos que
fundamentam a ação educativa; das dimensões teóricas e práticas (BRASIL, 2002a).
Para Mizukami (2013, p. 28), no momento formativo vivido na licenciatura é
essencial que seja oferecida uma “sólida formação teórico-prática”. A autora defende
que é preciso vivenciar situações de sala de aula e fazer diagnósticos da escola
durante a fase da formação inicial em cursos de licenciatura, o que pode auxiliar os
licenciandos na aprendizagem profissional ao longo de sua trajetória docente.
59

O Artigo 12 das DCN cita que a duração dos cursos será definida em
resolução específica. A Resolução CNE/CP2, de 19 de fevereiro de 2002, define a
duração e carga dos cursos de licenciatura.

Art. 1º A carga horária dos cursos de Formação de Professores da


Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de
graduação plena, será efetivada mediante a integralização de, no mínimo,
2800 (duas mil e oitocentas) horas, nas quais a articulação teoria-prática
garanta, nos termos dos seus projetos pedagógicos, as seguintes
dimensões dos componentes comuns:
I – 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular,
vivenciadas ao longo do curso;
II – 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a partir do
início da segunda metade do curso;
III – 1800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os conteúdos curriculares
de natureza científico-cultural;
IV – 200 (duzentas) horas para outras formas de atividades acadêmico-
-científico- culturais (BRASIL, 2002b).

A Resolução CNE/CP2 de 2002 define quatrocentas horas de prática como


componente curricular e quatrocentas horas de estágio supervisionado, além das
duzentas horas de atividades acadêmico-científico-culturais. A carga horária total
mínima dos cursos deve ser de duas mil e oitocentas horas. Importante ressaltar que
as DCN trazem um conceito importante, o da simetria invertida.

Art. 3º A formação de professores que atuarão nas diferentes etapas e


modalidades da educação básica observará princípios norteadores desse
preparo para o exercício profissional específico, que considerem:
II – a coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro
professor, tendo em vista:
a) a simetria invertida, onde o preparo do professor, por ocorrer em lugar
similar àquele em que vai atuar, demanda consistência entre o que faz na
formação e o que dele se espera (BRASIL, 2002a).

Segundo Mello (2000, p.102), “[...] a situação de formação profissional do


professor é inversamente simétrica à situação de seu exercício profissional. Quando
se prepara para ser professor, ele vive o papel de aluno”. As DCN ressaltam essa
condição da formação docente, o professor apreende a docência na condição de
aluno e nesta situação traz consigo preconcepções sobre a docência (MIZUKAMI,
2013). Para a autora, estas preconcepções sobre o ensino e a docência que os
licenciandos adquirem na educação básica e trazem para a formação inicial, podem
ser considerados como obstáculos para a aquisição de novos conceitos e para a
aprendizagem da docência de forma contextualizada.
60

Para Mizukami (2013), as preconcepções podem ser (re)construídas quando


se assume a escola como lócus de formação. Para Silva (2011), os estudantes,
quando ainda estão no processo de formação inicial compartilham o habitus
estudantil16 adquirido durante sua trajetória como estudante, pois ainda não se
concretizou neles o habitus professoral. Nesse sentido, “os discentes não
apreendem os saberes do ofício de professor na condição de professores e sim
como alunos que são” (SILVA, 2011).
Com a aprovação das DCN para a formação de professores, um novo
desenho curricular foi proposto para os cursos de licenciatura em Matemática. Outro
documento importante que norteia a licenciatura em Matemática são as Diretrizes
Nacionais para os cursos de Matemática (BRASIL, 2002c).
A referida Diretriz Nacional propõe, assim como as DCN para a formação de
professores, uma especificidade para os cursos de licenciatura, conferindo aos
cursos identidades próprias. As Diretrizes para os cursos de Matemática definem o
campo de atuação do bacharel e do licenciando, conferindo objetivos diferenciados
para cada curso. No documento fica definido que o bacharel poderá atuar no ensino
superior e na pesquisa, enquanto o licenciando atuará principalmente na Educação
Básica. Com essas orientações quanto ao campo de atuação, as Diretrizes definem
a que se destinam os cursos de bacharelado e licenciatura. No entanto, ressaltamos
que a atuação do bacharel nos cursos superiores que se destinam à formação
docente como os cursos de licenciatura traz uma questão preocupante, já que este
profissional não teve contato com as questões sobre a docência. Outra questão
preocupante implícita nos objetivos dos cursos de licenciatura e bacharelado se
refere às áreas do conhecimento, enquanto as ciências exatas gozam de certo
prestígio, observamos a histórica desvalorização das ciências humanas (SANTOS,
2008).

16
[...] somente quando ensinam em sala de aula é que adquirem o conhecimento prático da docência.
Como estudante estruturam o habitus do “ofício” que operam: o habitus estudantil, e não o
professoral. E o último será estruturado somente com o e no exercício da docência como docente,
e não como futuro docente ou estudante da docência. O que vimos mostrando é que tanto o aluno
quanto o professor, “ao praticarem seus ofícios”, o fazem por meio da constituição de um habitus.
Todavia, como são sujeitos posicionados em lugares específicos, desenvolvem o habitus de
acordo com as respectivas posições, mas sempre imbricada e simultaneamente: habitus
professoral e habitus estudantil. [...] que significa que quando os alunos dos cursos de formação de
professores estão realizando sua formação inicial nas universidades eles podem apenas
desenvolver o habitus estudantil e não o habitus professoral (SILVA, 2011).
61

Bourdieu e Passeron (1992) também enfatizam a valorização de certas


áreas do conhecimento, consideradas “nobres” pela classe dominante, como o
domínio da língua ou da matemática. Nesse sentido, podemos inferir que a
licenciatura acaba sendo desvalorizada, mesmo que de forma implícita, quando se
omite a atuação do licenciando no ensino superior, ao passo que a docência no
ensino superior é mais valorizada do que na educação básica (JUNQUEIRA;
MANRIQUE, 2015). As autoras ressaltam que a identidade dos cursos de
matemática deve ser mantida, no entanto, o campo de atuação dos bacharéis seria
os cursos superiores de bacharelado e as instituições ou áreas onde o conhecimento
matemático é requerido, pois as Diretrizes definem habilidades específicas
diferenciadas para licenciandos e bacharéis. Para as Diretrizes Nacionais para os
cursos de Matemática, os licenciandos precisam adquirir habilidades relacionadas ao
ensino da matemática, denominados como educadores matemáticos, enquanto os
bacharéis, denominados matemáticos, adquirem habilidades relacionadas ao raciocínio
lógico. As diretrizes ressaltam que um curso de bacharelado deve garantir aos seus
egressos uma sólida formação matemática (BRASIL, 2002c).
Os currículos dos cursos de licenciatura, segundo as Diretrizes Nacionais
para os cursos de Matemática, compõem uma parte comum composta por: Cálculo
Diferencial e Integral; Álgebra Linear; Fundamentos de Análise; Fundamentos de
Álgebra; Fundamentos de Geometria; Geometria Analítica, e ainda deve incluir os
conteúdos matemáticos presentes na educação básica e conteúdos da ciência da
educação, da história e filosofia das ciências e da matemática (BRASIL, 2002c).
Note-se que nos conteúdos da matemática as Diretrizes orientam que sejam
ensinados os fundamentos de Análise, de Álgebra e de Geometria, dando a entender
que o objetivo da licenciatura não consiste em garantir um sólido conhecimento
matemático, como nos cursos de bacharelado e sim a aquisição por parte do
licenciandos dos fundamentos dessas disciplinas. Na apresentação dos conteúdos, as
Diretrizes ressaltam que os cursos de licenciatura devem levar em conta os conteúdos
da educação básica. As Diretrizes também orientam que os conhecimentos e conceitos
matemáticos adquiridos pelo estudante durante a educação básica devem ser
considerados no processo formativo nos cursos de matemática.
As Diretrizes Nacionais para os cursos de Matemática, apesar de trazerem
avanços significativos, mostram um documento contraditório, os conteúdos são
apresentados de forma fragmentada e desvinculada de significados mais amplos,
62

não favorecendo uma visão global da docência para os estudantes (JUNQUEIRA;


MANRIQUE, 2015). Nesse sentido, as autoras lançam a questão já consagrada por
muitos autores como Diniz-Pereira (1999; 2011), Mizukami (2013), Gatti (2010),
entre outros: “[...] se somente ter uma consistente formação em conteúdos
matemáticos basta para preparar para as rápidas transformações da sociedade, do
mercado de trabalho e das condições de exercício profissional” (JUNQUEIRA;
MANRIQUE, 2015, p. 633).
Na sequência vamos analisar como a legislação que orienta os cursos de
licenciatura em Matemática se efetiva no Projeto Pedagógico dos cursos de
licenciatura (PPC) e como são tratadas as questões sobre a docência nos PPC.

2.3 PROJETO PEDAGÓGICO DOS CURSOS DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

O projeto Pedagógico de um curso de licenciatura (PPC) é o documento


oficial da instituição que expressa a identidade do curso. As Diretrizes Curriculares
Nacionais para os cursos de Matemática buscam orientar a formulação do PPC dos
cursos de bacharelado e licenciatura em Matemática. Segundo as referidas
Diretrizes, os cursos devem observar as seguintes orientações expressas no Artigo
2º (BRASIL, 2002c, p.7):

O projeto pedagógico de formação profissional a ser formulado pelo curso


de Matemática deverá explicitar:
a) o perfil dos formandos;
b) as competências e habilidades de caráter geral e comum e aqueles de
caráter específico;
c) os conteúdos curriculares de formação geral e os conteúdos de formação
específica;
d) o formato dos estágios;
e) as características das atividades complementares;
f) a estrutura do curso;
g) as formas de avaliação.

Nesse sentido o PPC dos cursos de licenciatura em Matemática deve conter


estas informações expressas no artigo 2º das Diretrizes Curriculares para os cursos
de Matemática. No PPC dos cursos também deve estar expressa a legislação que
fundamenta a formação de professores de Matemática.
A proposta de análise do PPC dos cursos das universidades investigadas,
denominadas U1 e U2, visa refletir sobre os aspectos que interessam para os
propósitos da pesquisa (perfil do egresso, objetivos do curso, competência
63

profissional, perfil do professor formador e grade curricular do curso). A análise do


PPC dos cursos de licenciatura em Matemática das universidades investigadas toma
como base a concepção de currículo como espaço de disputas e conflitos, não
existindo neutralidade na definição do currículo. Silva (1996, p. 23) destaca que o
currículo condensa relações de poder e “[...] corporifica relações sociais”, que estão
“mutuamente implicadas”. Corroborando com Silva (1996) sobre as definições de
currículo, podemos considerar o campo universitário como um espaço de lutas e
conflitos travados pelos agentes que nele se inserem (BOURDIEU, 2013). Dessa forma,
as diferentes hierarquias ocupadas pelos professores e pelas disciplinas dentro do
campo universitário se refletem na construção dos Projetos Pedagógicos dos cursos.
Assim, o conceito de campo proposto por Bourdieu (2004c, p. 20) nos auxilia
na compreensão sobre as disputas e as relações envolvidas no interior das IES na
elaboração e organização de seus currículos. O autor ressalta que a noção de
campo designa o espaço relativamente autônomo, como um “microcosmo dotado de
suas leis próprias”. Bourdieu (2004c, p. 22) acrescenta que “[...] uma das
manifestações mais visíveis da autonomia do campo é sua capacidade de refratar,
retraduzindo sob uma forma específica as pressões ou as demandas externas”. A
autonomia relativa do campo universitário abarca essa refração que ocorre na
elaboração do PPC, pois ao mesmo tempo em que a autonomia do campo confere
essa premissa, as IES interpretam a legislação de modo a converter as leis às
demandas e relações de poder que são instauradas no interior do campo, ou seja,
interpretam as leis de acordo com o que convém dentro das relações estabelecidas
no interior do campo. Longe de ser um espaço neutro de se elencar conteúdos
importantes para a formação docente, a construção do PPC e da matriz curricular
pode ser considerada um espaço de lutas e conflitos que buscam legitimar a posição
dos agentes dentro do campo universitário (BOURDIEU, 2013).
Adentrando na análise do PPC do curso da U1, podemos observar que o
curso de licenciatura é ofertado no período integral e noturno e as formas de acesso
são por meio de vestibular; Processo Seletivo Simplificado (PSS); transferência e
Plenificação para os licenciandos em Ciências. Assim as formas de acesso ao curso
são diversificadas, propondo uma gama de acesso dos estudantes ao curso, o que
nos leva a inferir que a U1 incentiva o acesso dos estudantes ao curso de licenciatura.
De acordo com Gatti (2010), a falta de atratividade da carreira docente se reflete nos
baixos números de candidatos aos cursos de licenciatura. De acordo com estudos
64

realizados pela autora, apenas 2% dos jovens estudantes do Ensino Médio almejam a
carreira docente. Este é um dado preocupante que se reflete também na forma como as
IES organizam o PPC dos cursos de licenciatura, como, por exemplo, propor
alternativas para evitar a evasão dos alunos da licenciatura em Matemática. Importante
ressaltar que a U1 oferta, além dos cursos de licenciaturas, vários outros cursos de
graduação em áreas muito diversificadas, além de cursos em nível médio.
Prosseguindo na análise, observamos que o PPC da U1 expressa uma
concepção de matemática “enquanto uma ciência em construção” (p. 5). Nesse
sentido a matemática não se configura como uma ciência pronta e acabada, mas
que está sempre em evolução. Em consonância com o conceito de matemática
expresso no texto, o PPC da universidade ressalta o tripé ensino, pesquisa e
extensão, que deve ser vivenciado durante a formação inicial no curso de
licenciatura em Matemática. O estímulo à construção de novos conhecimentos está
em sintonia com o conceito de professor expresso pelo documento que assim se
posiciona: “O professor, essencialmente pesquisador de seu saber e de seu fazer,
vai instituir-se como aquele que media os processos formativos a fim de cultivar,
também no aluno, a postura de pesquisador sobre a matemática e seu ensino” (PPC da
U1, p. 5;6). A concepção de professor expressa pelo documento vem ao encontro dos
objetivos do curso:

[...] Garantir a apropriação de conhecimentos matemáticos e pedagógicos,


bem como suas formas de produção e comunicação; estabelecer relações
entre a matemática e outras áreas do conhecimento [...] Formar cidadãos
conscientes e críticos da realidade na qual estão inseridos[...] Preparar
professores para o ensino de matemática pautado em processos de
construção do conhecimento de maneira contextualizada, [...] Formar
profissionais que, através da pesquisa sobre a matemática e sobre o
ensino, sejam autônomos no trabalho com as diversidades inerentes à sua
prática [...] Preparar para a utilização das novas tecnologias em suas
práticas [...] formar um educador que investiga a sua prática e propõe novas
alternativas pedagógicas, preocupa-se com a disseminação e a produção
do saber científico [...] (PPC, U1, p.7;8).

A licenciatura em Matemática da U1 tem como objetivo formar o professor


para atuar principalmente no magistério da educação básica e no ensino superior,
assim como “poderá atuar em instituições que compreendam, em suas práticas, o
trabalho com o conhecimento matemático e/ou ensino” (p. 8). Nesse sentido
podemos entender que os licenciandos, depois de formados, poderão atuar tanto na
educação básica como no ensino superior e em instituições onde sejam exigidos os
65

conhecimentos matemáticos. Cabe lembrar que as Diretrizes Nacionais para os


cursos de matemática fazem uma distinção entre os campos de atuação dos cursos
de bacharelado e da licenciatura. Segundo as Diretrizes, “Os cursos de bacharelado
em Matemática existem para preparar profissionais para a carreira no ensino
superior e pesquisa, enquanto os cursos de licenciatura têm como objetivo principal
a formação de professores para a educação básica” (BRASIL, 2002c, p.1). Apesar
de não excluir a atuação do licenciando nos cursos superiores, as diretrizes
ressaltam que os cursos de licenciatura formam profissionais para atuarem
principalmente na educação básica. No entanto, quando analisamos os objetivos
elencados pelo PPC da U1 para o curso fica visível que a prioridade é a formação do
pesquisador, que tem como ponto positivo o incentivo à pesquisa.
Conforme o PPC da U1, a duração do curso é de quatro anos e para
completar o currículo pleno do curso de licenciatura em matemática, o acadêmico
deverá cumprir um total mínimo de três mil, cento e sete (3.107) horas distribuídas
da seguinte forma, conforme o Quadro 217:

Quadro 2– Distribuição da carga horária do curso de licenciatura em Matemática da U1


Formação Disciplinas C. H. %
Formação Específica Cálculo diferencial e integral I; II; História da 1.768 h 56,9 %
matemática; Álgebra; Álgebra linear; Análise real;
Fundamentos da matemática; Geometria analítica;
Geometria espacial; Geometria plana e desenho
geométrico; Cálculo numérico; Estatística e
Probabilidade; Séries e Equações diferenciais;
Física geral.
Formação Pedagógica Psicologia da educação; estrutura e Funcionamento 204 h 6,6 %
da educação básica; Fundamentos da Educação.
Formação Básica Libras 51 h 1,6 %
Prática como Instrumentação para o ensino da matemática I; II; 476 h 15,3 %
componente curricular III; IV.
Estágio Supervisionado Estágio Supervisionado em Matemática I e II. 408 h 13,2 %
Atividades Educação das Relações Ético-Raciais; Ensino de 200 h 6,4 %
complementares: História e cultura Afro-Brasileira e Africana;
acadêmico-científico- Prevenção e Combate ao uso de Drogas.
-culturais
TOTAL 3.107 100%
Fonte: a autora, com base no PPC do curso de licenciatura em Matemática da U1

Observando a distribuição da carga horária do curso dentro das áreas de


conhecimento, podemos notar que a maior parte da carga horária do curso é
destinada aos conhecimentos específicos da matemática. A formação pedagógica,

17
A distribuição da carga horária do curso de acordo com o número de horas das disciplinas foi
baseada no estudo de Gatti e Barreto (2009) e no PPC da U2.
66

que incorpora a Prática como componente curricular e os Estágios Supervisionados


somam 35,1% da carga horária do curso, um pouco abaixo da carga horária
destinada aos conhecimentos específicos que é de 56,9%. Segundo Gatti e Barreto
(2009), os cursos de Matemática no Brasil procuram oferecer maior proporção de
horas destinadas aos conhecimentos específicos da área da matemática, e os
conhecimentos “específicos para a docência” compõem uma parte menor nos
currículos, assim como para a pesquisa. Os autores ressaltam que, apesar dos
conhecimentos específicos serem importantes, os currículos dos cursos de matemática
ainda não incorporaram um número de horas maior para os conteúdos relacionados à
docência, importantes para o desenvolvimento profissional do licenciando.
Para Diniz-Pereira (1999), o modelo de formação ainda muito presente nas
IES aponta para uma supervalorização dos conteúdos da área de formação. Nesse
sentido o que se percebe “[...] são cursos de licenciatura com identidade de
bacharelado, onde a formação pedagógica ocupa lugar secundário”. (JUNQUEIRA;
MANRIQUE, 2012, p. 47).
Nesta perspectiva curricular da U1, podemos destacar que ainda falta na
formação oferecida pelo curso um enfoque maior sobre as questões que permeiam a
realidade da escola, do que realmente é a docência e dos saberes docentes que são
mobilizados pelos professores em suas práticas pedagógicas na escola (TARDIF,
2012). A predominância das áreas do conhecimento específico de matemática
também revela relações de poder e disputas travadas no campo universitário
(BOURDIEU, 2013) dentro da reformulação do currículo, uma vez que se o curso
tem como foco a licenciatura não se justifica o predomínio de conteúdos
matemáticos e uma carga horária reduzida de conteúdos voltados para a docência.
Nesse sentido, podemos inferir que as disciplinas pedagógicas ocupam um lugar
periférico no currículo da U1. Candau (1987) e Gatti (1997) ressaltam que os cursos
de licenciatura no Brasil tendem a conferir um maior “valor” ao bacharelado do que a
licenciatura, com pouca atenção às questões sobre o ensino. Nesse sentido, os
cursos de licenciatura são permeados por disputas, que acabam valorizando mais os
conteúdos específicos da área do curso, no caso as disciplinas voltadas para a área
da matemática.
O Estágio Supervisionado da U1, incorporado como disciplina de Formação
Específica Profissional, será desenvolvido a partir do início da segunda metade do
curso, totalizando quatrocentas e oito horas. As Diretrizes Curriculares Nacionais
67

para a Formação de Professores orientam que “os estágios sejam desenvolvidos a


partir do início da segunda metade do curso” (BRASIL, 2002a). Percebemos que o
PPC segue o que orientam as Diretrizes. No entanto, autores como Diniz-Pereira
(1999), Vaillant e Marcelo (2012) e Mizukami (2013) ressaltam que: “[...] o contato
com a prática docente deve aparecer desde os primeiros momentos do curso de
formação” (DINIZ-PEREIRA, 1999, p. 47). Mizukami (2013, p. 26) adverte que: “[...] a
escola é local importante e privilegiado para a aprendizagem e desenvolvimento
profissional, bem como para a construção de conhecimentos sobre a docência”.
Nesse sentido eleger a escola como lócus de formação pode propiciar aos
licenciandos um maior contato com o local onde poderão atuar futuramente, assim o
acadêmico terá condições de refletir sobre as situações que envolvem a sala de aula
e o ensino.
Importante ressaltar que no PPC da U1 estão elencadas algumas
características do perfil do professor formador: demonstrar valorização pela
docência; possuir um sólido domínio dos conhecimentos matemáticos e
pedagógicos; conhecer a realidade das escolas nas quais atuará seu aluno em
formação, bem como as propostas pedagógicas presentes na educação básica; ser
capaz de articular conteúdos do ensino superior com os da educação básica e inter-
-relacionar o conteúdo da sua disciplina com os conteúdos das demais disciplinas do
curso; atuar observando o princípio da simetria invertida (PPC da U1).
O PPC do curso aponta para um perfil de formador que conheça a realidade
e o funcionamento da escola, conheça os conteúdos ministrados na educação
básica e valorize a docência. O formador também deverá reconhecer a simetria
invertida, ou seja, que seus alunos apreendam a docência na condição de aluno.
Para melhor visualizarmos o perfil dos professores da U1, o Quadro 318
apresenta algumas informações que foram coletadas do currículo Lattes dos
professores:

Quadro 3– Perfil dos professores formadores – U1


GRADUAÇÃO Nº %
Licenciatura em matemática 10 66,6
Licenciatura em ciências habilitação em matemática 3 20,1
Bacharelado em matemática 2 13,3
(Continua)

18
No Quadro 3 apresentamos o perfil dos professores que compõem o departamento de matemática
e que lecionam no curso de Licenciatura em matemática há pelo menos quatro anos.
68

(Continuação)
MESTRADO Nº %
Matemática 5 33,3
Educação 3 20
Ciências da computação e matemática computacional 2 13,3
Métodos numéricos e engenharia 2 13,3
Ensino de ciências 1 6,6
Matemática e computação 1 6,6
Física 1 6,6
DOUTORADO Nº %
Matemática 2 20
Engenharia elétrica 2 20
Estatística 1 10
Ensino de ciências 1 10
Engenharia mecânica 1 10
Física 1 10
Educação científica e tecnológica 1 10
Ciências da computação 1 10
PÓS-DOUTORADO Nº %
Não especificado 1 6,6
DESENVOLVE PESQUISAS NA ÁREA DE: Nº %
Na área das exatas (Probabilidade e estatística; Homogeneização; Análise 11 73,4
numérica; Tecnologias e métodos numéricos; Programação linear)
Ensino de matemática/Educação matemática 5 33,3
Formação de professores 3 20
VÍNCULO INSTITUCIONAL Nº %
Efetivo 15 100
EXPERIÊNCIA COMO DOCENTE NA EDUCAÇÃO BÁSICA Nº %
Não possui experiência como docente na Educação Básica 11 73,4
Possui experiência como docente na Educação Básica 4 26,6
TOTAL DE MESTRES 15 100
TOTAL DE DOUTORES 10 66,6
Fonte: a autora com base no Currículo Lattes dos professores formadores da U1

Os dados19 revelam que a maioria dos professores formadores possui


graduação na área da licenciatura e apenas dois formadores em cursos de
bacharelado. A maioria dos professores formadores realizou o Mestrado na área das
ciências exatas: 33,3% na área da Matemática e 39,8% em áreas afins, somando
73,3% e 26,6% realizaram o Mestrado na área da Educação ou Ensino da
Matemática. Podemos notar que 80% dos formadores realizaram o Doutorado na
área das ciências exatas e que apenas 20% concluíram o Doutorado na área de
Ensino. A maioria dos professores formadores desenvolve pesquisas na área das
ciências exatas e 53,3% na área de ensino. Importante ressaltar que alguns
professores desenvolvem pesquisas em mais de uma área. De acordo com os

19
Como os dados não foram coletados por meio de entrevistas e sim por meio do currículo Lattes dos
professores, servem como dados estimativos, por não possuírem uma precisão exata, considerando
que os currículos podem estar desatualizados ou os professores podem ter omitido alguns dados.
69

dados, todos os formadores com pelo menos quatro anos de atuação na licenciatura
em Matemática da U1 são efetivos, ou com dedicação exclusiva ou quarenta horas.
Os dados coletados do currículo Lattes também revelam que a maioria dos
professores não tem experiência como docente na Educação Básica, no entanto
isso não significa que nunca tiveram contato com a escola, pois muitos professores
formadores desenvolvem projetos nesta modalidade de ensino.
Uma análise geral do PPC da U1 nos permite inferir que o curso de
licenciatura em Matemática privilegia a formação do pesquisador em seus objetivos,
mas não contempla essa formação para a pesquisa na grade curricular do curso.
Na análise do PPC da U2 verificamos que o curso de licenciatura em
Matemática é ofertado somente no período noturno, sendo a forma de ingresso por
meio de vestibular e PSS (Processo Seletivo). Cabe ressaltar que a U2 oferta
somente cursos de licenciatura.
O PPC do curso expressa uma concepção de Educação Matemática
embasada nos pressupostos de Schulman (1986) e considera que o ensino da
matemática requer “conhecimentos diferentes daqueles exigidos para os
matemáticos”. O PPC do curso de licenciatura em Matemática da U2 adota a
concepção de professor como “mediador, capaz de orientar o processo de
aprendizagem de seus alunos conscientes de seu papel na formação de cidadãos
críticos”. O curso de licenciatura em Matemática da U2 objetiva formar profissionais
para atuar na educação Básica e/ou exercer atividades como autônomos,
ministrando aulas particulares ou reforço de aprendizagem, bem como atividades de
assessoria que envolvam atividades ligadas às áreas da matemática. Note-se que o
PPC da U2 segue o que orientam as Diretrizes para os cursos de matemática no
que se refere ao campo de atuação do licenciando e do matemático.
Conforme o PPC da U2, para concluir o curso de licenciatura em Matemática
os acadêmicos deverão cumprir um total de 3.564 horas em disciplinas obrigatórias,
conforme o Quadro 4:
70

Quadro 4– Distribuição da carga horário do curso de licenciatura em matemática da U2


Conteúdos curriculares Disciplinas C. H. %
Formação Específica Cálculo diferencial e integral I e II; Geometria 1.662 h 46 %
Analítica; Matemática Elementar; Geometria
Euclidiana; Fundamentos da Matemática; Álgebra
Linear; Equações Diferenciais Ordinárias;
Desenho Geométrico e Geometria Descritiva;
Estatística e Probabilidade; Álgebra Moderna;
Física Geral; Cálculo Numérico; História e
Filosofia da Matemática; Análise na reta;
Matemática Financeira.
Formação Pedagógica Instrumentalização para o ensino de matemática 446 h 12 %
no ensino Fundamental; Didática da matemática;
Instrumentalização para o ensino da matemática
no Ensino Médio; Ensino de matemática na
perspectiva da educação matemática; Psicologia
da educação; Políticas Educacionais; Tecnologias
aplicadas à educação matemática; Modelagem
Matemática na perspectiva da educação
matemática.
Formação Básica Produção textual; Iniciação à pesquisa; Libras. 198 h 6%
Prática como A prática como componente curricular deve 538 h 15%
componente curricular permear todo o curso, mas o PPC não especifica
como.
Estágio Supervisionado Estágio Supervisionado. 480h 13%
Atividades Participação em cursos e eventos na área; 240 h 7%
complementares: programas de iniciação à docência; Publicações
acadêmico-científico- em eventos e revistas.
-culturais
Trabalho de conclusão de curso 30h 1%
TOTAL 3.564 100%
Fonte: a autora, com base no PPC do curso de licenciatura em Matemática da U2

Podemos observar no Quadro acima que a maior parte da carga horária do


curso é destinada aos conhecimentos específicos da matemática.
De acordo com a grade curricular da U2, a Prática como Componente
Curricular e o Estágio Supervisionado integram o currículo da Prática Profissional.
No PPC do curso de licenciatura em Matemática da U2 não é explicado como a
Prática como Componente Curricular vai se efetivar no curso, insere-se apenas pela
grade curricular as horas referentes a essa Prática. A disciplina de Matemática
Elementar, que compõe a Formação Básica, ofertada no primeiro ano do curso, foi
introduzida no currículo para atender aos alunos que possuem dificuldades nos
conteúdos matemáticos que fazem parte da educação Básica. O PPC da U2 ressalta
que os professores observaram estas dificuldades dos alunos no primeiro ano do
curso. Dessa forma, observamos que as IES procuram estratégias para evitar a
evasão dos alunos da licenciatura em Matemática.
71

As disciplinas de Iniciação à Pesquisa e Produção Textual, de acordo com o


PPC, têm a intenção de iniciar o aluno à escrita e leitura de trabalhos científicos.
O Estágio Supervisionado inicia-se na segunda metade do curso, no terceiro
ano. O Estágio Supervisionado da licenciatura em Matemática da U2 possui um
regulamento próprio. O Documento que rege o Estágio Supervisionado encontra-se
anexo ao PPC do curso e dispõe uma forma específica de regência de estágio. De
acordo com o regulamento todos os professores do Colegiado são responsáveis
pelos estagiários. Cada professor, independente da área, se específica ou
pedagógica, fica responsável por um licenciando e acompanha o estágio do mesmo.
O regulamento dispõe que cada dia de estágio do licenciando na escola seja
acompanhado por um professor diferente que compõe o colegiado de matemática.
No final do estágio os professores que observaram o licenciando e acompanharam o
estágio se reúnem e conferem uma nota para o acadêmico. A U2 possui convênio
com as escolas nas quais os licenciandos realizam os estágios.
A disciplina Didática da Matemática é ofertada no segundo ano do curso e
as disciplinas de prática de Ensino I e II no terceiro e quarto ano respectivamente.
O PPC da U2 não dispõe sobre um perfil de professor formador, ressalta os
princípios norteadores que devem ser observados na formação do professor de
Matemática: a competência como concepção nuclear na orientação do curso; a
coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro professor, tendo
em vista a simetria invertida, a aprendizagem como processo de construção de
conhecimento, o conteúdo como suporte e constituição das competências, a
avaliação como parte integrante do processo de formação e a pesquisa, como foco
no processo de ensino aprendizagem (PPC da U2). Importante ressaltar que o PPC
da U2 segue o modelo de competência como concepção do curso, exatamente
como dispõem as Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores, muito
criticada por pesquisadores como Scheibe (2003); Rosso et al. (2010), entre outros.
O Quadro 5 apresenta algumas informações sobre o perfil dos professores
formadores da U220:

20
Elegemos como professores formadores os professores que atuam há pelo menos quatro anos no
curso, no entanto quando fomos aplicar este critério para os formadores da U2, somente três
formadores se encaixavam neste perfil, assim não foi possível aplicar o critério escolhido na U2.
72

Quadro 5 – Perfil dos professores formadores – U2


GRADUAÇÃO Nº %
Licenciatura em Matemática 10 90,9
Licenciatura em Física 1 9,09
MESTRADO Nº %
Educação 2 18,18
Ensino da Matemática 3 27,27
Na área das exatas 3 27,27
DOUTORADO Nº %
Educação 2 18,18
Ensino da Matemática 2 18,18
Na área das exatas 0 0
PÓS-DOUTORADO Nº %
Educação 1 9,09
DESENVOLVE PESQUISAS NA ÁREA DE: Nº %
Educação Matemática 6 66
Tecnologias e educação 2 18,18
Formação de professores 3 27,27
Modelagem Matemática 4 36,36
Ensino de Física 1 9,09
Políticas educacionais 1 9,09
VÍNCULO INSTITUCIONAL Nº %
Efetivo 7 77
Colaborador 4 36,36
EXPERIÊNCIA COMO DOCENTE NA EDUCAÇÃO BÁSICA Nº %
Não atuou como docente na Educação Básica 6 66
Atuou como docente na Educação Básica 5 55
TOTAL DE MESTRES 8 72,2
TOTAL DE DOUTORES 4 36,36
Fonte: a autora, com base no Currículo Lattes dos professores formadores da U2

De acordo com o Quadro acima, podemos observar que todos os


professores formadores da U2 são formados em licenciatura. Dos professores
formadores, um pouco mais de 72% possuem mestrado, desses, 45% na área da
educação. Um pouco mais de 36% dos formadores possuem doutorado, todos na
área de ensino ou educação. Podemos observar também que 66% dos professores
formadores da U2 não possuem experiência como docente na Educação Básica.
A análise do PPC do curso de licenciatura em Matemática revela que as
universidades investigadas procuram adequar seus currículos com vistas a atender
à legislação vigente que orienta a formação dos professores, mas sem, no entanto,
quebrar com a lógica dos processos formativos baseados na concepção que
considera a teoria como guia da prática. A histórica concepção de que a teoria deve
ser o guia da prática se efetiva nos currículos das licenciaturas por meio do
oferecimento de uma sólida formação teórica que deverá guiar a prática, vista como
aplicação de uma teoria (MARTINS, 2007). Essa concepção, da teoria como guia da
prática, pode ser identificada na organização das disciplinas, com ênfase na
73

formação teórica, e com a organização do estágio supervisionado nos últimos anos


do curso (MARTINS, 2007), coerente com o modelo da racionalidade técnica.
Podemos considerar que o PPC das universidades investigadas promove um
modelo de formação afinado com a legislação no plano da retórica que não se
concretiza na ação (CARTAXO, 2014).
No próximo capítulo apresentaremos os procedimentos metodológicos da
pesquisa: A abordagem da pesquisa; Os sujeitos participantes da pesquisa; Os
instrumentos de coleta de dados e o Tratamento dos dados coletados.
74

CAPÍTULO III
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA INVESTIGAÇÃO

Este capítulo foi organizado para apresentar a trajetória metodológica


percorrida para a realização desta pesquisa. Com o objetivo de analisar as
concepções dos licenciandos sobre a docência e a sua preparação para a docência,
delineou-se o caminho metodológico: A abordagem da pesquisa; Os sujeitos
participantes da pesquisa; Os instrumentos de coleta de dados e o Tratamento dos
dados coletados.

3.1 A ABORDAGEM QUALITATIVA DE PESQUISA

Quando pensamos num fenômeno social educacional específico que nos


interessa investigar, consequentemente precisamos definir qual método de pesquisa
será mais adequado para tal investigação. Portanto, o método de pesquisa orienta-
-se pelo objeto de estudo e, os objetivos deste estudo que irão orientar a
metodologia de investigação, ou seja, o método da pesquisa será orientado pelo
objeto de estudo. Para Triviños (2007), a escolha dos procedimentos para a
explicação dos fenômenos deve ser coerente com o problema a ser investigado.
Dessa forma, considerando a natureza da presente pesquisa e o problema “Qual a
concepção dos licenciandos sobre a docência e sobre a sua preparação para a
docência?”, optamos pela abordagem qualitativa por considerá-la mais adequada e
a que mais atende ao objetivo desta pesquisa. Bogdan e Biklen (1994, p.16)
estabelecem que as questões a investigar na pesquisa qualitativa “[...] são
formuladas com o objetivo de investigar os fenômenos em toda a sua complexidade
e em contexto natural”. Esta abordagem torna-se coerente com as especificidades
do fenômeno que pretendemos desvelar: a aprendizagem da docência no curso de
licenciatura em Matemática.
Bogdan e Biklen (1994)utilizam o termo pesquisa qualitativa como um termo
“genérico” que agrupa diversas estratégias de investigação que partilham
determinadas características. Para Triviños (2007), conceituar a pesquisa qualitativa
não é tarefa fácil, considerando que a dimensão teórica da pesquisa é dada pelo
investigador. No entanto, vamos esboçar, baseados em Bogdan e Biklen (1994) e
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em Triviños (2007), algumas características que identificam esse tipo de pesquisa: a


pesquisa qualitativa.
o Na pesquisa qualitativa a fonte direta dos dados é o ambiente natural
e o investigador como instrumento-chave – Nesse tipo de pesquisa é
ressaltada a importância do ambiente na configuração dos sujeitos. O
pesquisador mantém uma visão ampla e complexa do real social. A
pesquisa qualitativa parte do fenômeno social concreto e o
investigador qualitativo está em contato direto com o ambiente de
estudo, entende que as ações dos sujeitos podem ser melhor
compreendidas quando observadas no ambiente natural onde
ocorrem. Outro dado importante na pesquisa qualitativa é a ação do
pesquisador como peça-chave. É ele quem revista os materiais de
estudo em sua totalidade e o entendimento do investigador é peça-
-chave da análise.
o A pesquisa qualitativa é descritiva – Os dados não são expressos
somente em números, mas em forma de palavras e imagens na
descrição dos fenômenos. Os resultados escritos têm citações feitas
com base nos dados e estão impregnados de significados que o
ambiente lhes outorga. Os dados contêm registros descritivos como
transcrições de entrevistas, notas de campo, vídeos, documentos
pessoais e/ou oficiais. Os investigadores qualitativos procuram
analisar os dados em toda a sua riqueza de detalhes, respeitando a
forma em que estes foram registrados ou transcritos. Os
investigadores abordam o mundo de forma detalhada ao recolherem
os dados descritivos. A descrição funciona como método quando não
se quer perder nenhum detalhe.
o Os investigadores qualitativos estão mais interessados no processo
do que nos resultados ou produtos – A pesquisa qualitativa estuda o
processo dos fenômenos não só em sua superfície, mas também
penetra em sua estrutura.
o Os pesquisadores qualitativos tendem a analisar seus dados
indutivamente – A pesquisa qualitativa parte do fenômeno social,
onde começa a análise. Os resultados e a interpretação surgem da
percepção do fenômeno visto num contexto, assim chega-se ao
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conceito. As abstrações ou conceitos são construídos no agrupamento


dos dados particulares coletados. Os dados coletados não têm por
objetivo confirmar ou refutar hipóteses previamente construídas.
o O significado é de importância essencial na pesquisa qualitativa – Os
investigadores qualitativos estão interessados no modo como os
sujeitos dão sentido às suas vidas, ou seja, aos pressupostos que dão
fundamento à vida das pessoas. A pesquisa qualitativa ilumina a
dinâmica interna das situações, ao apreender as perspectivas dos
participantes.

Para Bogdan e Biklen (1994), na abordagem qualitativa o mundo precisa ser


examinado com a ideia de que “nada é trivial”, ou seja, tudo pode ser utilizado para
construir uma pista que pode nos estabelecer uma compreensão mais clara do
nosso objeto de estudo. Triviños (2007) ressalta que na pesquisa qualitativa todas
as partes estão relacionadas, não existe a visão isolada das partes e não se seguem
sequências rígidas. Outro ponto a se observar na pesquisa qualitativa, segundo
Bogdan e Biklen (1994), é que os investigadores estabelecem estratégias e
procedimentos que permitam considerar o ponto de vista do informador.
A partir da explanação sobre as características da pesquisa qualitativa
podemos inferir que ela vai ao encontro dos objetivos do presente estudo. A
pesquisa qualitativa possibilita estudar um grupo ou população, identificando
variáveis que não podem ser medidas facilmente como a que vamos desvelar.
Nesse sentido, encontramos elementos comuns da pesquisa qualitativa em nossa
investigação, pois a análise qualitativa que realizamos das informações não se
restringe apenas à descrição dos dados. O ambiente natural para a coleta de dados
foram as Universidades e os sujeitos pesquisados e o pesquisador foram
instrumentos-chave para a investigação.
Trazendo as características da pesquisa qualitativa para a nossa
investigação, os dados foram coletados no ambiente natural onde ocorrem, ou seja,
nas universidades investigadas. A ação das pesquisadoras configurou-se como
peça-chave, revistando os materiais de estudo, elaborando os instrumentos de
coleta de dados, realizada mediante questionários, entrevistas e análise documental
de diferentes instrumentos, transcrevendo as entrevistas e organizando os dados (os
questionários e o roteiro das entrevistas foram organizados pelas pesquisadoras).
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A descrição dos fenômenos, ou seja, das percepções dos licenciandos, foi


realizada de forma descritiva e analítica, os resultados escritos contêm citações
feitas com base nos dados, como os registros descritivos (transcrições de
entrevistas, dados dos questionários e documentos oficiais).
Os dados foram analisados observando os detalhes, respeitando a forma
como estes foram registrados nos questionários ou transcritos das entrevistas,
buscando apreender as perspectivas dos participantes. Os resultados e a
interpretação surgiram da percepção que as investigadoras tiveram das concepções
dos licenciandos sobre a docência, visto num contexto. As abstrações ou conceitos
foram construídos por meio do agrupamento dos dados. Dessa forma,
compreendemos que as características da pesquisa qualitativa foram contempladas
em nossa investigação sobre a concepção dos licenciandos sobre a docência e
sobre a sua preparação para a mesma.
Na fundamentação teórica realizamos a pesquisa do tipo bibliográfica, que
segundo Severino (2007, p.122) é um tipo de pesquisa que se realiza a partir do “[...]
registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos,
como livros, artigos, teses etc.”. Este tipo de pesquisa baseia-se na consulta de
textos e documentos publicados a respeito do problema que nos propusemos a
investigar. A pesquisa bibliográfica é muito utilizada no meio acadêmico, o
pesquisador se serve das pesquisas já existentes para fundamentar sua
investigação, “[...] utiliza-se de dados ou de categorias já trabalhados por outros
pesquisadores e devidamente registrados” (SEVERINO, 2007, p.122). A partir da
consulta bibliográfica o pesquisador vai formulando seus pressupostos, assim a
pesquisa bibliográfica torna-se a base para qualquer tipo de trabalho científico.
Nesse sentido nos servimos da pesquisa bibliográfica para fundamentar nossa
pesquisa. Na análise do PPC das Universidades investigadas e dos documentos
oficiais (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; Diretrizes para a Formação
de Professores; Diretrizes para o curso de Matemática; Orientações para os
Estágios Curriculares) realizamos a pesquisa do tipo documental.
Realizada a etapa de coleta de dados,utilizamos análise de conteúdo e
análise de clusters para identificar as categorias e para que o significado das falas
dos sujeitos da pesquisa fosse captado. Assim, foi possível exercer a reflexão sobre
o objeto investigado, oferecendo a interpretação do estudo e possíveis contribuições
à questão de pesquisa.
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3.2 OS SUJEITOS PARTICIPANTES DA PESQUISA

Participaram da pesquisa 39 licenciandos do quarto ano do curso de


Licenciatura em Matemática de duas universidades públicas estaduais do Paraná. A
escolha das duas universidades selecionadas como objeto de estudo na presente
pesquisa se deu por conta da pesquisadora já ter acesso a ambas por conta de seus
estudos. Os sujeitos foram escolhidos a partir do interesse em participar da
pesquisa. A escolha pelo último ano da licenciatura em Matemática partiu da
premissa de que os licenciandos que estão concluindo a graduação já possuem uma
bagagem maior em termos de saberes e concepções construídos durante essa
trajetória, podendo assim refletir e dialogar sobre a sua preparação para a docência.
Os sujeitos que concordaram com a participação no estudo foram convidados a
responder a um questionário com perguntas abertas e fechadas. Solicitamos aos
participantes que respondessem sobre como consideram a docência e a sua
preparação para a mesma. Ao final do questionário havia um campo não obrigatório
para que os sujeitos que optassem por fornecer mais informações sobre o tema
investigado preenchessem dados pessoais para posterior entrevista, mediante
agendamento prévio. Participaram das entrevistas oito licenciandos.
Para melhor compreendemos quem são os participantes de nossa pesquisa,
o Quadro 6 dispõe sobre o perfil dos licenciandos investigados.

Quadro 6 – Perfil dos licenciandos participantes da pesquisa


Feminino 58,9%
SEXO
Masculino 41,1%
Entre21 e 25 anos 76,9%
IDADE Entre 28 e 47 anos 23,1%
CURSOU O ENSINO MÉDIO Escola pública 84,6%
EM ESCOLA Particular 15,4%
Solteiros 69,2%
ESTADO CIVIL
Casados 30,8%
Não têm filhos 76,9%
FILHOS Têm filhos 23,1%
Entre 2 e 4 salários 61,5%
RENDA FAMILIAR
Entre 4 e 8 salários 38,5%
Trabalham 61,55
ATIVIDADE PROFISSIONAL
Não trabalham 38,5%
Atuam como professor 58,4%
Atuam em outras atividades 41,6%
Fonte: a autora
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De acordo com o Quadro, podemos verificar que a maioria dos licenciandos


que participaram da pesquisa é do sexo feminino, retratando a predominância das
mulheres nos cursos de licenciatura. A maioria dos estudantes investigados é
oriunda de escolas públicas, com idade entre 21 e 25 anos e são solteiros. Esses dados
estão em consonância com os dados do Censo da Educação Superior de 2014.
A maioria dos licenciandos possui renda familiar entre 2 e 4 salários
mínimos, retratando que os estudantes das licenciaturas são provenientes de
classes menos favorecidas. De acordo com Diniz-Pereira (2011), os candidatos
egressos das escolas públicas e das escolas técnicas e noturnas encontram mais
chances de serem aprovados nos cursos de licenciatura.

3.3 OS INSTRUMENTOS PARA COLETA DE DADOS

Para Bogdan e Biklen (1994), o termo “dados” refere-se aos materiais brutos
que os investigadores recolhem sobre o fenômeno que se encontram a estudar e
constituem a base de análise da pesquisa. Os dados incluem os materiais que os
investigadores registram, ou podem ser materiais que outros criam e o investigador
usa para análise, como documentos oficiais. Dessa forma os dados utilizados na
presente pesquisa incluem questionários, entrevistas e análise documental. Os
dados são, segundo Bogdan e Biklen (1994), simultaneamente “as provas e as
pistas”, ligam-se ao mundo empírico e incluem os elementos necessários para
pensar de forma adequada e profunda acerca dos aspectos do fenômeno que se
pretende desvelar.
Para a coleta de dados foram utilizados três instrumentos para desvelar a
concepção dos licenciandos sobre a docência e a preparação para a mesma. Com
os sujeitos investigados foram utilizados dois instrumentos: questionário e entrevista
semiestruturada. O terceiro instrumento foi a análise documental, utilizada para
analisar a Matriz Curricular e aspectos do Projeto Pedagógico (PPC) do curso de
Licenciatura em Matemática.
Foram selecionadas do questionário 18 questões, sendo que 9 tinham como
objetivo caracterizar o perfil dos licenciandos, e 9 eram perguntas relacionadas à
temática da investigação sobre a concepção dos licenciandos sobre a docência e a
preparação para a docência. Antes da aplicação do questionário aos licenciandos, o
mesmo foi discutido e analisado no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Políticas
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Públicas e Formação de Professores (GEPPE). Os tópicos das entrevistas também


passaram pela análise intersubjetiva do grupo de pesquisa.
As entrevistas semiestruturadas foram organizadas com base em seis
tópicos, que complementam o objeto de investigação “concepções sobre a docência
e a preparação para a docência”. Os tópicos foram organizados como elementos
que permitam que o sujeito investigado discorresse sobre a temática e não como
perguntas objetivas que limitassem as respostas dos participantes da pesquisa.
Destacamos que o questionário original aplicado aos alunos era composto por 22
questões (APÊNDICE B), no entanto, como o objetivo da presente pesquisa são as
concepções dos licenciandos sobre a docência e a sua preparação para a docência
optamos por apresentar no Quadro 7 apenas as perguntas que convergiam com o
objeto de estudo da nossa pesquisa.

Quadro 7 – Esquema de organização do questionário e roteiro da entrevista

QUESTÕES ABERTAS DO QUESTIONÁRIO TÓPICOS RELACIONADOS À


ENTREVISTA

Quais os motivos que o levaram pela escolha do Escolha pelo curso de licenciatura
curso?
Qual a maior dificuldade encontrada na O curso prepara para ser professor
graduação?
Você acha que o teu curso de licenciatura oferece Ser professor
subsídios suficientes para você atuar em sala de
aula? Justifique. Articulação entre as disciplinas
Você sente-se preparado para o exercício da pedagógicas e específicas
docência? Sim, Não. Por quê?
Para você as práticas do professor formador Estágio Curricular – contribuições
influenciam na sua formação como professor? Se
sim, como? Influência dos professores formadores
Qual a contribuição do Estágio Supervisionado (práticas; visões de mundo)
para a sua formação?
Houve articulação entre as disciplinas específicas Saberes docentes
e as disciplinas pedagógicas? Se sim, como?
Qual o papel do professor?
Para você o que o professor precisa saber para
atuar em sala de aula?

Fonte:a autora

Antes da coleta dos dados necessários ao desenvolvimento da pesquisa,


torna-se importante que o pesquisador se comporte de acordo com padrões éticos
relativos à pesquisa. Isso se dá com a utilização do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE A), proposto pela Plataforma Brasil. No termo, os
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sujeitos investigados foram informados sobre o tema de estudo, optando ou não pela
participação. As assinaturas dos termos foram coletadas antes da realização das
entrevistas com a garantia de anonimato dos investigados.
O uso de mais de um tipo de instrumento para a coleta de dados torna-se
oportuno e vem ao encontro do objetivo da pesquisa, visto que cada instrumento tem
suas potencialidades e limitações. A utilização de questionário, entrevista e análise
documental é apropriada, pensando na abordagem de pesquisa qualitativa, por
subsidiar-nos múltiplas perspectivas para análise do fenômeno que nos propusemos
a investigar. A opção por tópicos, nas entrevistas semiestruturadas, por parte da
pesquisadora, justifica-se pela possibilidade de os sujeitos da investigação
discorrerem sobre a temática, estimulando os entrevistados a falarem livremente
sobre o tema, não cerceando a conversa.

3.3.1 Questionário: primeira etapa de coleta dos dados

Para Triviños (2007), o pesquisador qualitativo, que considera a participação


do sujeito como um dos elementos de sua pesquisa, apoia-se em métodos que
reúnem características que ressaltam sua implicação e das pessoas que fornecem
as informações. Nesse sentido, os questionários com perguntas abertas e as
entrevistas semiestruturadas são apropriadas para os objetivos do pesquisador
qualitativo. No entanto, o questionário com perguntas fechadas pode ser útil,
segundo Triviños (2007), quando se quer caracterizar os sujeitos pesquisados em
seus traços mais gerais, como o perfil dos sujeitos. A elaboração e a utilização do
questionário constituem-se em fase importante de coleta de dados, pois sua
finalidade é conter questões relevantes para a pesquisa, relacionando-se ao objetivo
de estudo e direcionando, de certa forma, os tópicos das entrevistas, que
consideramos o principal instrumento de coleta de dados para a nossa pesquisa.
O questionário aplicado aos licenciandos (APÊNDICE B) foi composto por
questões fechadas e abertas. No início do questionário foi explanado sobre as
finalidades do estudo, juntamente a orientações de como preencher o questionário,
e a opção de identificação pessoal ou anonimato.
O questionário nos permitiu compreender como o coletivo entende a
temática investigada, expresso por suas concepções a respeito da “docência e a
preparação para a docência”, pois abrange um número maior de sujeitos.
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As questões objetivas (fechadas) estavam relacionadas aos dados etários,


sexo, filhos, estado civil, trabalho, renda familiar e se estudou em escola pública
antes da graduação, a fim de caracterizar os sujeitos participantes da pesquisa e
elaborar o perfil dos Licenciandos. As questões subjetivas (abertas) tinham como
finalidade desvelar as concepções dos licenciandos sobre a docência e a sua
preparação para a mesma.
Os questionários foram aplicados nas Universidades onde os licenciandos
estudavam, após agendamento prévio com os professores da disciplina. Nas datas e
horários agendados, foram aplicados os questionários, respondidos na presença da
pesquisadora. Foi explicado aos licenciandos sobre o objetivo do estudo, o
anonimato dos participantes e as questões relativas à ética na pesquisa. Os
licenciandos poderiam perguntar se tivessem dúvidas em algumas das perguntas do
questionário.
Na primeira tentativa, na U1, responderam o questionário 23 do total de 28
licenciandos, o restante havia faltado neste dia; posteriormente, na segunda
tentativa, os cinco licenciandos que faltavam responderam ao questionário. Na U2,
responderam o questionário 11 licenciandos do total de 12, um aluno faltou neste
dia. Ao final do questionário havia um campo, não obrigatório, para que os sujeitos
que optassem por fornecer mais informações sobre o tema investigado
preenchessem com dados pessoais para posterior entrevista, mediante
agendamento prévio.
Para complementar as informações prestadas, optou-se também pela
realização da entrevista semiestruturada, que foi realizada com os sujeitos que se
disponibilizaram, no preenchimento do questionário, a fornecer mais informações
para o estudo. Concederam entrevista relativa à temática investigada 8 dos 13
licenciandos, que informaram no questionário seu interesse em participar da
pesquisa com mais informações, seis da U1 e dois da U2.

3.3.2 Entrevista: segunda etapa de coleta de dados

A segunda etapa da coleta de dados compreendeu fase significativa da


pesquisa e foi realizada, mediante agendamento prévio, com os licenciandos que
manifestaram seu interesse em participar da entrevista.
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De acordo com Bogdan e Biklen (1994), a entrevista consiste em uma


conversa intencional entre pessoas, geralmente entre duas pessoas, dirigida por
uma delas, com o intuito de captar informações sobre a outra. Para os autores, a
entrevista pode ser a estratégia dominante para a coleta de dados, podendo ser
utilizada juntamente com outras técnicas. Em nosso estudo, utilizamos a entrevista
juntamente com outros instrumentos de coleta de dados: o questionário e a análise
documental. Bogdan e Biklen (1994) ressaltam que a entrevista é utilizada para a
coleta de informações descritas na própria fala do sujeito e permite ao investigador
desenvolver intuitivamente uma ideia de como os sujeitos interpretam aspectos do
fenômeno investigado. Segundo os autores, as entrevistas variam quanto ao modo
de estruturação, de acordo com o objetivo do tema estudado. Para os autores, na
entrevista que não segue uma estruturação rígida, o investigador permite que o
entrevistado esteja à vontade e fale livremente sobre seus pontos de vista.
Para Triviños (2007), a entrevista semiestruturada pode ser considerada
como o principal meio que tem o investigador qualitativo para a coleta de dados.
Para o autor, ao mesmo tempo em que valoriza a presença do investigador, a
entrevista semiestruturada fornece todas as perspectivas possíveis para que o
informante tenha liberdade e espontaneidade para se expressar, enriquecendo a
investigação. Dessa forma, a modalidade de entrevista escolhida para o estudo foi a
semiestruturada, por proporcionar que o entrevistado tenha liberdade de falar sobre
os assuntos que fossem surgindo como desdobramento do tema principal.
As entrevistas foram realizadas nas dependências da própria Universidade
em que os licenciandos estudavam, em dias e horários agendados previamente, de
acordo com a disponibilidade do entrevistado. Logo no início da entrevista os
licenciandos foram informados sobre o objetivo da pesquisa, sobre a autorização
para que as mesmas sejam gravadas em áudio e foi garantido que o que for dito na
entrevista será tratado confidencialmente. Enfatizamos também, no momento da
entrevista, que haveria a preservação da identidade do indivíduo e que as
entrevistas seriam transcritas para análise.
Participaram da entrevista seis licenciandos da U1 e dois licenciandos da
U2, totalizando oito entrevistados.
O roteiro da entrevista (APÊNDICE C) foi elaborado com o cuidado de
permitir uma análise qualitativa das respostas dos entrevistados. Importante
esclarecer que os tópicos das entrevistas não nasceram a priori, foram construídos
84

com base nas informações prestadas nos questionários, nos conhecimentos que as
pesquisadoras possuíam do fenômeno a ser investigado e da teoria que embasa a
ação do investigador (TRIVIÑOS, 2007).
O roteiro com os tópicos sobre a temática “a docência e a preparação para a
docência”, foi conduzido de acordo com as respostas dos entrevistados. Para
Bogdan e Biklen (1994), o processo de entrevista requer flexibilidade.Ser flexível
significa responder à situação imediata, ou seja, aproveitar as respostas dos sujeitos
para extrair dos mesmos as percepções sobre o tema investigado. Para os autores,
os entrevistadores qualitativos têm o papel de compreender os pontos de vista dos
sujeitos e as razões que os levaram a assumi-los, tentando ao máximo não julgar a
opinião dos sujeitos e não emitir juízos de valor. Nesse sentido, as entrevistas foram
conduzidas de maneira a extrair as concepções dos sujeitos entrevistados, sem
constranger os mesmos e sem julgamentos, aproveitando a fala dos sujeitos para
extrair as concepções dos mesmos sobre a docência e a preparação para a mesma,
à medida que as respostas fossem surgindo.
Para Triviños (2007), a duração de uma entrevista é flexível e depende dos
objetivos do estudo e das circunstâncias que rodeiam o informante e o teor do
assunto. Nas entrevistas realizadas com os licenciandos, a duração foi calculada
previamente, porém foi flexível, respeitando o tempo dos sujeitos investigados. Em
média as entrevistas tiveram a duração entre 25 e 45 minutos. As entrevistas foram
transcritas e analisadas o mais breve possível para que as informações não verbais
não fossem prejudicadas, pois as entrevistas gravadas foram acompanhadas por
anotações gerais sobre os entrevistados.

3.4 A ANÁLISE DOCUMENTAL

A análise documental pode ser considerada, no presente estudo, como a


terceira etapa de coleta de dados. Segundo Bogdan e Biklen (1994), os materiais
escritos pelos sujeitos também são usados como dados, entre esses materiais
podemos citar os documentos oficiais. Para os autores, nesses documentos os
investigadores podem ter acesso à “perspectiva oficial”; como é a organização de
uma instituição, por exemplo.
Para Triviños (2007, p.111), a análise documental “[...] é um tipo de estudo
descritivo que fornece ao investigador a possibilidade de reunir uma grande
85

quantidade de informações sobre leis [...]”. Bardin (2011, p. 46) define análise
documental como “[...] um conjunto de operações visando representar o conteúdo de
um documento sob uma forma diferente do original, a fim de facilitar num estado
ulterior a sua consulta e referenciação”. Para a autora, a análise documental
enquanto tratamento das informações contidas nos documentos, tem por objetivo
dar forma conveniente e representar de maneira diferente a informação, por
intermédio de procedimentos de transformação. Nesse sentido as pesquisadoras
acharam necessária a análise dos documentos oficiais das instituições de ensino
superior onde foi realizada a coleta de dados com os sujeitos participantes da
pesquisa. A análise documental justifica-se por buscar compreender os elementos
estruturantes do curso, sendo apresentados de maneira a buscar inferências nas
falas dos sujeitos pesquisados.
Para a presente pesquisa, a análise documental será realizada para os
seguintes documentos oficiais: Matriz curricular do curso de Licenciatura em
Matemática das universidades investigadas e alguns aspectos do PPC dos referidos
cursos, de acordo com o que elencamos como pertinentes ao propósito da pesquisa.
As DCN serviram de apoio para a análise do PPC e da Matriz Curricular dos cursos.

3.5 SOBRE O TRATAMENTO DOS DADOS COLETADOS

A interpretação dos dados coletados é uma etapa importante da pesquisa


qualitativa, no entanto não está desvinculada das outras etapas. Para Triviños
(2007), na investigação qualitativa não há separação entre as etapas da pesquisa,
na etapa de coleta de informações já existe uma busca de significados e explicação
dos fenômenos investigados. Bogdan e Biklen (1994) definem a análise dos dados
como o processo de busca e organização sistemática dos dados colhidos da
temática a ser investigada, ou seja, a análise envolve o trabalho com os dados, sua
organização e interpretação.
Assim como existem vários estilos diferentes de investigação qualitativa,
diferentes instrumentos de coleta de dados, existe uma variedade de maneiras de
trabalhar e analisar os dados, lembrando que a análise dos dados deve ser coerente
com o objetivo da pesquisa, assim como os instrumentos de coleta de dados e a
abordagem da pesquisa. Nesse sentido elegemos como metodologia para analisar
os dados da investigação, a Análise de Conteúdo (AC). A metodologia escolhida
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permite analisar as respostas escritas dos questionários e os discursos transcritos


das entrevistas realizadas com os licenciandos. Segundo Bardin (2011), a AC pode
ser aplicada a todas as formas de comunicação.
A escolha pela metodologia da AC justifica-se por acreditarmos que esta
metodologia possui rigor metodológico e instrumentos adequados que se aplicam
aos discursos, permitindo inferências por parte do pesquisador.
Bardin (2011, p. 42) define a Análise de Conteúdo como “Um conjunto de
técnicas de análise das comunicações, visando obter, por procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das mensagens, indicadores
[...]”. Esses indicadores podem ser quantitativos ou não e permitem a inferência de
variáveis inferidas destas mensagens, bem como a explicitação e sistematização do
conteúdo das mensagens. Segundo Triviños (2007), a AC aplica-se aos estudos das
“motivações, atitudes, valores, crenças, tendências”, presentes nas comunicações,
com ênfase nas linguagens escritas e orais, apesar de não excluir outras formas de
comunicação. Segundo o mesmo autor, na utilização da AC deve-se ter bem claro
que se trata de um conjunto de técnicas, pois se não temos clareza deste aspecto, o
processo de inferência pode ser prejudicado.
A metodologia da AC abarca fases necessárias para a organização da
análise das comunicações. Segundo Bardin (2011), as fases da AC organizam-se
em três polos cronológicos: pré-análise; exploração do material e tratamento dos
resultados (inferência e interpretação).
A pré-análise consiste na organização do material e corresponde a um
período de intuições que tem por objetivo operacionalizar e sistematizar as ideias
iniciais. Na pré-análise o analista procura conduzir um plano de análise, um
esquema preciso do desenvolvimento das operações posteriores. Trata-se, portanto,
de estabelecer um programa que pode ser flexível, mas deve ser preciso.
Esta primeira fase da AC, segundo Bardin (2011, p. 95), inclui “a escolha
dos documentos; a formulação de hipóteses e dos objetivos e a elaboração de
indicadores que fundamentem a interpretação final”. Esses fatores estão
interligados, mas não são obrigatoriamente sucessivos. Nesta fase da pré-análise,
primeiramente realiza-se uma leitura geral, “flutuante”, que consiste em conhecer o
texto, aos poucos a leitura vai tornando-se mais “precisa”.
Na escolha dos documentos para a análise, estes podem ser determinados
a priori. Nos documentos demarcados, procede-se a construção de um corpus, que
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consiste nos documentos que serão submetidos a essa análise. A escolha do corpus
consiste na utilização de escalas, seleções e regras. Bardin (2011) destaca algumas
regras para a seleção dos documentos: Regra da exaustividade; Regra da
representatividade; Regra da homogeneidade e Regra de pertinência.
Resumidamente, a regra da exaustividade consiste na escolha de todos os
elementos do corpus; a da representatividade, numa amostra do corpus; da
homogeneidade, obedecem critérios precisos de escolha, devem ser homogêneos;
da pertinência, o corpus deve ser adequado, ou seja, obedecer ao objetivo que
suscita a análise. Na escolha dos documentos seguimos a regra da homogeneidade
e exaustividade, pois os elementos do corpus obedeceram a regras precisas de
escolha, foram analisados exaustivamente os elementos pertinentes para responder
à questão norteadora da pesquisa.
A formulação das hipóteses e dos objetivos é uma fase da pré-análise onde
o analista vai formular hipóteses e estabelecer os objetivos gerais. A partir da leitura
“flutuante” podem surgir intuições, que podemos formular em hipóteses. Segundo
Bardin (2011), a hipótese consiste em uma “suposição” que se origina da intuição
que fica em suspensão até que seja submetida a análise propriamente dita. Nem
sempre temos uma hipótese, às vezes o estudo é seguido “às cegas”, sem uma
ideia de resultado, assim como pode o analista ser guiado por hipóteses implícitas.
Ainda segundo a autora, as hipóteses nem sempre são estabelecidas na pré-
-análise, em nossa pesquisa não foram estabelecidas hipóteses a priori. Para Bardin
(2011), o objetivo é a finalidade geral a qual nos propusemos a investigar
determinado fenômeno, em nosso estudo fomos guiados pela questão de pesquisa:
“Qual a concepção dos licenciandos sobre a docência e sobre a sua preparação
para a docência?”.
Na elaboração dos indicadores parte-se da premissa de que os textos
podem conter índices que a análise vai “fazer falar”, o trabalho preparatório será o
da escolha e organização desses índices, em função da hipótese, caso haja.
Escolhidos os índices, procede-se à construção dos indicadores. Os indicadores que
fundamentam a análise final podem ser testados em algumas passagens ou
elementos dos textos (pré-teste de análise).
Na pré-análise realizamos também a preparação formal do material, que
inclui as transcrições das entrevistas, recorte de textos, anotações em fichas etc.
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O segundo polo cronológico da AC é a exploração do material, que será


realizada com a conclusão das fases da pré-análise. Bardin (2011, p.101) define a
exploração do material como “a administração sistemática das decisões tomadas”, é
a descrição analítica, que permite a codificação, a classificação e a categorização.
Essa é uma fase longa, é a fase da análise propriamente dita.
A codificação é o processo pelo qual se “trata o material”. A codificação
corresponde a uma transformação dos dados brutos do texto, segundo regras
precisas. A categorização, para Bardin (2011, p.117), consiste em uma “operação de
classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação, e
seguidamente por reagrupamento, [...] com critérios previamente definidos”. As
categorias são rubricas ou classes, que reúnem um grupo de elementos, agrupando-
-os em razão de caracteres comuns sob um título genérico. O critério de
categorização pode ser semântico; sintático; léxico ou expressivo. Em nossa
pesquisa seguimos o critério semântico, por categorias temáticas, e léxico, por
classificação das palavras segundo o sentido (significantes). As informações serão
categorizadas por meio de significantes comuns. Significantes representam o que
Bardin (2011) define como a unidade de registro. É a unidade de significação
codificada e corresponde ao segmento de conteúdo considerado unidade base, que
visa à categorização.
Para Bardin (2011, p.118), “classificar elementos em categorias impõe a
investigação do que cada um deles tem em comum com outros”. O que permite o
agrupamento dos elementos são as partes em comum que existem entre eles. A
clareza necessária dos polos cronológicos que compõem a AC, que permitirá ao
analista organizar as categorizações.
O terceiro polo cronológico, o tratamento dos resultados (inferência e
interpretação) permite que os resultados brutos sejam tratados de forma que se
tornem significativos e válidos. O pesquisador, dispondo dos resultados, pode
realizar inferências e interpretações coerentes com o objetivo previsto. A inferência,
segundo a autora, designa a indução a partir dos fatos. Bardin (2011, p.137) ressalta
que a AC “[...] constitui um bom instrumento de indução para se investigarem as
causas (variáveis inferidas) a partir dos efeitos (variáveis de inferência ou
indicadores; referências no texto)”. As inferências podem ser obtidas “a partir de um
ou vários entre os seguintes índices: unidades léxicas; estruturas sintáticas etc.”
(p.137).
89

Utilizar a metodologia da AC, segundo Bardin (2011), é ter a pretensão de


compreender para além dos significados de um texto, comunicação etc. O método
da AC leva a descobrir as estruturas e conteúdos de uma mensagem, possibilitando
esclarecer os elementos de significações desta. Nesse sentido a AC possibilitou
desvelar as percepções dos licenciandos a respeito da docência e a sua preparação
para a mesma.

3.6 ANÁLISE DE CLUSTERS

A Análise de Clusters (Cluster Analysis – ClA) é composta por


procedimentos estatísticos que podem ser usados para classificar objetos ou
indivíduos observando as semelhanças ou dissemelhanças entre eles, sem definir
previamente critérios de inclusão em qualquer agrupamento (QUINTAL, 2006). A
Análise de Clusters, segundo a autora, pode ser considerada uma análise
exploratória de dados, que busca “[...] criar grupos e descobrir relações entre os
elementos desses grupos, que provavelmente não seria possível serem detectadas
sem esta análise” (QUINTAL, 2006, p.11).
Este tipo de análise de conglomerados (grupos) geralmente é utilizado
quando procuramos explorar as similaridades entre indivíduos, objetos, casos ou
variáveis a partir da formação de grupos (BATTAGLIA; DI PAOLA; FAZIO, 2016).
Optamos em utilizar a Análise de Clusters em nossa pesquisa com base nos
estudos de Battaglia, Di Paola e Fazio (2016). Os autores utilizaram o método de
Análise de Cluster para análise qualitativa de dados educacionais a partir de um
exemplo de estudo quantitativo sobre as respostas a um questionário com perguntas
abertas, onde calculavam a distância por similaridade. Em nossa pesquisa a técnica
de agrupamento por meio da Análise de Clusters pode contribuir na medida em que
possibilita o agrupamento dos sujeitos investigados pela similaridade das respostas,
para a organização e análise posterior dos dados.
De acordo com o estudo que se pretende realizar e o contexto do mesmo, o
pesquisador escolherá uma medida de semelhança ou uma medida de
dissemelhança (QUINTAL, 2006). Segundo a autora, a semelhança mede o grau de
proximidade entre os objetos e a dissemelhança reflete o grau de diferença ou
afastamento entre dois objetos, ou seja, dois objetos pertencem ao mesmo cluster
se são semelhantes e pertencem a clusters diferentes se são dissemelhantes.
90

A análise de clusters agrupa os respondentes em grupos distintos (clusters)


de maneira que os respondentes em um mesmo cluster são mais próximos
(similares) do que respondentes que se encontram em clusters diferentes. Esse
agrupamento é realizado através de algoritmos computacionais, a partir de códigos
matemáticos, o software utilizado na análise de clusters permite o agrupamento em
subgrupos de unidades por semelhanças entre si (BATTAGLIA; DI PAOLA; FAZIO,
2016). Em nossa pesquisa, as unidades ou objetos de estudo são os licenciandos
participantes da pesquisa e cada grupo de licenciandos constituído (cada cluster),
formado após a submissão ao software, indica que esses licenciandos compartilham
de elementos em comum, ou seja, possuem semelhanças entre si, assim o
pesquisador procura identificar e analisar quais são essas semelhanças.
Segundo Battaglia, Di Paola e Fazio (2016), os métodos de análise de
clusters podem ser diferenciados grosseiramente em não hierárquicos (ou Centroid-
-Based) e hierárquicos (também conhecidos como métodos de clustering baseados
em conectividade). O método hierárquico é baseado na ideia central de construir
uma árvore binária dos dados que são então fundidos em grupos semelhantes. Esta
árvore é um resumo útil dos dados que estão conectados aos clusters com base na
sua distância conhecida, e às vezes é referido como um Dendrograma (BATTAGLIA;
DI PAOLA; FAZIO, 2016). Existem várias estratégias para se identificar clusters. Em
nossa pesquisa usaremos a técnica de construção de clusters hierárquicos,
baseados na medida de similaridade (distância) conhecida como city-
-blockdistance (ou distância “Manhattan”), com critério de distância entre clusters
dado pela distância média. Truncaremos a árvore hierárquica em uma certa
distância máxima, para que possamos obter um número de clusters que possa ser
interpretado como representativo do conjunto de respondentes como veremos na
seção 4.4.
Para a submissão ao software, análise de clusters, seguimos as seguintes
etapas: 1 - Seleção dos dados; 2 - Organização dos dados; 3 - Escolha do método
de formação de clusters a aplicar; 4 - Seleção da medida de
semelhança/dissemelhança; 5 - Discussão e apresentação dos resultados.
Em nossa pesquisa utilizamos dados qualitativos do questionário aplicado
aos 39 licenciandos e entrevistas realizadas com 8 deles. A pesquisa em educação
que usa perguntas abertas e tem como objetivo quantificar dados qualitativos
geralmente envolve o desenvolvimento de procedimentos de codificação, isso requer
91

uma análise das respostas dos alunos para revelar (e depois examinar) padrões e
tendências e encontrar temas comuns emergentes deles (BATTAGLIA; DI PAOLA;
FAZIO, 2016). Utilizamos a Análise de Conteúdo (AC) para agrupar as respostas
descritivas do questionário em categorias, que podem ser consideradas como as
“estratégias de resposta” típicas postas em ação pelos licenciandos. Dessa forma foi
possível resumir todo o conjunto de respostas dadas ao questionário e entrevistas
em número limitado de estratégias de resposta, facilitando a análise subsequente.
Uma vez identificadas as categorias relevantes utilizadas pelos respondentes do
questionário e entrevista, a Análise de Clusters busca agrupar os respondentes em
grupos (clusters) de similaridade quanto às respostas ao questionário e das
entrevistas de forma que os respondentes que pertencem a um mesmo cluster
apresentam mais similaridades entre si do que membros que pertencem a clusters
diferentes.
As categorias originadas com os dados (questionário e entrevistas) foram
organizadas em tabelas por meio de códigos/gabaritos e posteriormente no Excel
para a submissão ao Software Mathematica®.
Para a codificação utilizamos os componentes1 e 0, onde 1 significa que o
aluno usou uma determinada estratégia de resposta para responder a uma pergunta
do questionário e 0 significa que ele não usou, ou seja, que ele não respondeu
positivamente. Esse procedimento será melhor explicado no capítulo 4.4.
Após a categorização dos dados por meio da AC e análise descritiva, foi
realizado um trabalho de criação de algoritmo programado no Software
Mathematica®. Para fazermos a Análise de Clusters, contamos com o auxílio do
professor, já referenciado, Dr. José Tadeu Teles Lunardi, que também colaborou na
interpretação dos resultados dos clusters. Os dados originados com a utilização do
software serão apresentados após a apresentação dos dados originados com os
questionários e entrevistas.
No próximo capítulo apresentamos os dados obtidos com os questionários e
as entrevistas e os resultados da análise de clusters, bem como a interpretação e
análise dos mesmos.
92

CAPÍTULO IV
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

O presente capítulo está organizado com a apresentação e análise dos


resultados obtidos com os questionários e com as entrevistas. Os dados dos
questionários e das entrevistas foram inicialmente analisados separadamente e após
em conjunto, pois a entrevista permitiu complementar as informações obtidas com a
aplicação dos questionários. A apresentação dos dados obtidos com o questionário
e com as entrevistas e suas respectivas análises nos possibilitou a construção de
categorias onde foi possível compreender a concepção dos licenciandos sobre a
docência e sobre a sua preparação para a mesma. As categorias originadas com os
dados dos questionários e das entrevistas foram agrupadas e deram origem às
categorias e subcategorias finais. A análise documental realizada no capítulo II
permitiu analisar a estrutura do curso de Licenciatura em Matemática e no presente
capítulo realizar inferências com as falas dos licenciandos.

4.1 APRESENTAÇÃO E TRATAMENTO DOS DADOS

Segundo Bardin (2011), a categorização é a passagem dos dados brutos


para dados organizados em categorias, seguindo um critério de agrupamento.
Para a análise das informações contidas nos questionários e entrevistas
empregamos a análise de conteúdo. Iniciamos o procedimento de análise com a
leitura flutuante do conteúdo dos questionários para conhecer os textos e em um
segundo momento das entrevistas. Posteriormente prosseguimos na análise,
efetuando a preparação do material, organizando o conteúdo das respostas em
tabelas. A unidade de registro escolhida foi a palavra, que vamos chamar de
significantes21. A unidade de registro consiste em uma unidade de significação e
corresponde ao segmento de um conteúdo a considerar como unidade base,
visando à codificação e à contagem de frequência (BARDIN 2011). A unidade de
contexto escolhida foi a frase que corresponde a um segmento de conteúdo, cujas
dimensões são superiores à unidade de registro e que possibilitem a compreensão

21
Significantes são palavras e expressões que, apesar de não serem iguais, apresentam o mesmo
sentido ou significado.
93

da significação da unidade de registro (BARDIN, 2011). Assim a frase nos serviu de


unidade de compreensão da unidade de registro.
Nesse sentido, para construir o sistema de categorias de nossa pesquisa,
seguimos um processo: as categorias dos questionários foram constituídas a priori;
as subcategorias dos questionários e as categorias e subcategorias das entrevistas
não foram construídas a priori, a análise da mensagem constituiu o ponto de partida;
a análise categorial realizou-se por meio do desmembramento do texto em
categorias e subcategorias, segundo reagrupamentos analógicos; as análises
realizaram-se a partir das frases (unidades de contexto), dos significantes (unidades
de registro), e inferências.
Os resultados obtidos com o questionário e com as entrevistas foram
organizados seguindo a técnica da AC, com a apresentação dos significantes das
respostas dos licenciandos, que permitiram a categorização. As informações obtidas
com os questionários e entrevistas permitiram localizar os significantes nas falas dos
sujeitos da pesquisa para que pudessem ser agrupadas. Importante destacarmos
que os licenciandos da U1 foram identificados por L1 ao L28 e os licenciandos da U2
serão identificados por L29 ao L39 nos dados originados dos questionários. Nos
dados originados das entrevistas os licenciandos serão identificados pelo mesmo
número que ocupavam nos questionários acrescentando a letra “E”.
Na seção seguinte descrevemos como cada categoria foi construída a partir
dos dados coletados com os questionários primeiramente e após as categorias
originadas das entrevistas e na sequência as categorias finais que foram originadas
com a junção das categorias elencadas com os dados dos questionários e das
entrevistas. As categorias e subcategorias originadas com os questionários e com as
entrevistas serão descritivas para que o leitor entenda os caminhos percorridos até a
construção das categorias finais que foram originadas com o agrupamento das
categorias e subcategorias originadas dos questionários e entrevistas. As categorias
finais que serão analisadas, pois agrupam todos os dados. Na seção seguinte serão
apresentados os dados originados com os questionários e entrevistas e na
sequência a apresentação dos dados originados com a análise de clusters.

4.2. APRESENTAÇÃO DOS DADOS DOS QUESTIONÁRIOS


94

Em contato com os nossos dados, tivemos como objetivo identificar de que


maneira nossos sujeitos da pesquisa elaboraram seus conceitos e saberes, ou seja,
suas concepções sobre a docência e sobre a sua preparação para a docência. Os
dados dos questionários foram originados das nove perguntas abertas que nos
permitiram elaborar nove categorias. É importante destacarmos que, apesar de não
termos essa intenção no início, de que as perguntas do questionário fosse as nossas
categorias, no decorrer do processo de organização dos dados, achamos
interessante as respostas dos licenciandos para cada uma delas, e percebemos que
elas continham representações interessantes e por isso, optamos por mantê-las
como categorias principais, de onde geramos as subcategorias. Diante disso,
podemos afirmar que as nossas categorias dos questionários foram construídas a
priori, diferente das subcategorias que não foram construídas a priori.
A análise do questionário nos permitiu construir as seguintes categorias:
Escolha pela licenciatura; Dificuldades encontradas na graduação; Preparação do
curso para a docência; Preparação para a docência; Articulação entre as disciplinas
específicas e pedagógicas; Influências da prática pedagógica do professor formador;
Escola como lócus de formação; Papel do professor; Saberes necessários para a
prática pedagógica do professor. Apresentamos a seguir as perguntas que
originaram as categorias e na sequência apresentamos cada categoria e as
subcategorias.

Quadro 8 – Perguntas abertas do questionário

PERGUNTAS ABERTAS DO QUESTIONÁRIO CATEGORIA


Quais os motivos que o levaram pela escolha Escolha pelo curso de licenciatura
do curso?
Qual a maior dificuldade encontrada na Dificuldades encontradas na graduação
graduação?
Você acha que o seu curso de licenciatura Preparação do curso para a docência
oferece subsídios suficientes para você atuar
em sala de aula? Justifique.
Você sente-se preparado para o exercício da Preparação para a docência
docência? Sim, Não. Por quê?
Houve articulação entre as disciplinas Articulação entre as disciplinas específicas e
específicas e as disciplinas pedagógicas? Se pedagógicas
sim, como?
Para você as práticas do professor formador Influências da prática pedagógica do professor
influenciam na sua formação como professor? formador
Se sim, como?
Qual a contribuição do Estágio Escola como lócus de formação
Supervisionado para a sua formação?
Qual o papel do professor? Papel do professor
(Continua)
95

(Continuação)
Para você o que o professor precisa saber Saberes necessários para a prática pedagógica
para atuar em sala de aula? do professor
Fonte: a autora

4.2.1 Categoria I – Escolha pelo curso de licenciatura

Ao analisarmos as falas dos licenciandos, sobre o motivo para a sua escolha


pelo curso de licenciatura, encontramos alguns significantes que nos possibilitaram
organizar essa categoria que chamamos de Escolha pelo curso de licenciatura.
Vejamos no Quadro 9:

Quadro 9 – Categoria: Escolha pelo curso de licenciatura


CATEGORIA SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS %
A – Afinidade com Significantes: Tenho afinidade L1; L2; L4; L5;
a matemática com a área; Sempre ter ido L6; L7; L10; L11;
48,9%
bem na matemática; Sempre L16; L17; L18;
gostei da disciplina L19; L21; L27;
matemática. L29; L32; L34;
L37; L39
B – Identidade com Significantes: Gostar da L3; L8; L9; L15;
a carreira docente matemática e desejo de ser L22; L25; L31;
23%
professora; Fazer a diferença L33; L35;
como professora; Vontade de
Escolha pelo
atuar como docente nesta
curso de
área; Sempre quis ser
licenciatura
professora.
C – Segunda opção Significantes: Gostaria de L12; L20; L23;
de curso cursar engenharia, mas acabei L24; L26; L30;
parando na matemática; Não L36; L38; 20,5%
ter passado no vestibular da
UFPR em outro curso; Meio
mais fácil de conseguir
emprego; Falta de condições
financeiras para cursar outro
curso.
D – Influência de Significantes: Estímulo de L13; L14; L28;
professores professores; Tive um bom
7,6%
professor de matemática;
Inspirada no meu professor de
matemática; Ter tido bons
professores de matemática.
Fonte: dados do questionário

A categoria I abarca as subcategorias: A – Afinidade com a matemática; B –


Identidade com a carreira docente; C –Segunda opção de curso e a subcategorias D
– Influência de professores, que foi construída para nominar e juntar os dados que
apresentaram um percentual menor que 10% das respostas.
96

Observando o Quadro 9, podemos perceber que na categoria I perpassam


quatro possibilidades. Na primeira podemos destacar, observando os significantes
apresentados pelos licenciandos, que a maioria deles afirmou ter afinidade com a
matemática e por este motivo escolheram a licenciatura. Percebemos que os alunos
alegam gostar da matemática e relacionam sua escolha ainda com o fato de terem
se dado bem com a disciplina no tempo de escola. Outra justificativa para a escolha
pela licenciatura e que ficou em segundo lugar na categorização, com 23%, se
relaciona com o tornar-se e ser professor. Os significantes desta subcategoria
revelam que os licenciandos têm o desejo de ser professor, o que implica também
na identidade da carreira docente. A subcategoria C, “segunda opção de curso”
revela que um pouco mais de 20% dos licenciandos investigados não escolheram a
licenciatura com a intenção de ser professor, o que revela a falta de identidade com
a carreira docente. A subcategoria D, que atingiu percentual menor com relação às
demais, se intitula como “Influência de professores” e agrupa as justificativas
discentes pela escolha do curso de Licenciatura em Matemática associadas à
identificação com a profissão docente incentivada pelos professores da Educação
Básica. Podemos observar que alguns estudantes se identificaram com a carreira
docente por incentivo ou por admirar alguns professores, muito antes de
ingressarem na licenciatura. Isso demonstra um indício de que os acadêmicos
trazem concepções e crenças sobre a docência advindas de sua experiência como
discente.

4.2.2 Categoria II – Dificuldades encontradas no curso de graduação

Nesta categoria denominada Dificuldades encontradas no curso de


graduação foram agrupados os significantes que revelaram as dificuldades
elencadas pelos licenciandos na trajetória acadêmica durante o curso de licenciatura
em matemática. Com as respostas dos licenciandos surgiram duas subcategorias: A
– Dificuldades na matemática básica e B –Tempo para os estudos, como podemos
observar no Quadro 10:
97

Quadro 10 – Categoria: Dificuldades encontradas na graduação


CATEGORIAS SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS %
Significantes: Muitos L1; L5; L6; L7;
conteúdos básicos não foram L12; L13; L14;
A – Dificuldades na 67,8%
Dificuldades vistos na escola; Pouco L15; L19; L21;
matemática básica
encontradas conhecimento da matemática L22; L23; L24;
no curso de básica; Pouco conhecimento L25; L28; L29;
graduação adquirido no Ensino Médio; L31; L32; L33;
Falta da matemática básica; L35; L38;
Conteúdos matemáticos que
eu não dominava no início do
curso; Dificuldades com a
matemática que deveria ser
aprendida na educação
básica.
B – Tempo para Significantes: Não poder me L2; L8; L9; L10;
estudos dedicar ao curso, Ter que L16; L17; L27;
32,2%
dividir estudo e trabalho; L34; L36; L37;
Estudar e trabalhar ao
mesmo tempo dificultou o
estudo; Não ter tempo para
estudar; Não ter tempo para
se dedicar ao curso.
Fonte: dados do questionário

Na subcategoria A – Dificuldades na Educação Básica revelam-se respostas


discentes sobre as dificuldades relacionadas com a matemática básica, reconhecida
pelos participantes da pesquisa como conteúdos que deveriam ser aprendidos na
Educação Básica, e que deveriam ser dominados pelos alunos antes de
ingressarem na licenciatura. Na subcategoria B – Tempo para os estudos os
significantes revelam as dificuldades citadas pelos acadêmicos como a falta de
tempo para os estudos. Nota-se nos significantes que os licenciandos alegam que
precisam trabalhar e por este motivo não conseguem se dedicar ao curso.

4.2.3 Categoria III – Preparação do curso para a docência

A categoria III revela, por meio dos significantes, como os licenciandos


avaliam a preparação para a docência que a licenciatura em Matemática
proporcionou a eles durante o período formativo. A categoria foi nomeada como:
Preparação do curso para a docência e abarca duas subcategorias: A – Não
prepara para o exercício da docência e B – Prepara, mas deixa lacunas, conforme
observamos no Quadro 11 abaixo:
98

Quadro 11 – Categoria: Preparação do curso para a docência


CATEGORIAS SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS %
Significantes: O curso não
prepara; Dá uma mesclada
L1; L3; L5; L7;
entre licenciatura e bacharel;
L8; L11; L12; L16;
Não foca na licenciatura;
L17; L19; L30;
Poucas metodologias
L32; L33; L34;
relacionadas com ensino
Preparação do L37; L39 57,9%
A – Não prepara básico; Não relaciona com os
curso para a para o exercício da conhecimentos de sala de
docência docência aula; Temos conteúdos de
bacharel; Tempo de formação
e preparo insuficiente; Deveria
ter mais disciplinas voltadas
para o ensino; Não somos
preparados para dar aula; As
matérias visam apenas a
matemática pura; É uma
licenciatura com conteúdo
bacharelesco; Querem formar
bacharéis e não professores;
Sinto falta de conteúdos
voltados para a licenciatura;
Muito pouco se vê dos
conteúdos para atuar em sala
de aula; Não é bacharelado e
nem licenciatura, é um pouco
dos dois.
Significantes: Prepara, mas 3
vejo muitas lacunas; Os
B – Prepara, mas L2; L4; L3; L6;
conteúdos da educação básica
deixa lacunas L9; L10; L13; L14;
deveriam ser mais 42,1%
L15; L18; L20;
trabalhados; Os conteúdos de
L21; L22; L23;
matemática de sala de aula da
L24; L25; L26;
educação básica são deixados
L28; L29; L31;
de lado; Falta um pouco de
L35; L38
discussões acerca das
situações de sala de
aula;Temos matérias do
campo da licenciatura; A teoria
que temos é suficiente para
atuar em sala de aula;Temos
questões que permeiam o
ensino; Temos os
conhecimentos pedagógicos e
matemáticos.
Fonte: dados do questionário

Na subcategoria A as respostas dos licenciandos justificam a não


preparação para a docência pelo fato de o curso não oferecer discussões e
conteúdos voltados para a docência. Os licenciandos relatam que o curso concentra-
-se nos conteúdos específicos e não foca na licenciatura. Os sujeitos investigados
consideram que a licenciatura em matemática precisa definir a sua identidade como
um curso de licenciatura. Os licenciandos que relatam que o curso prepara para a
99

docência ressaltam que ainda faltam conteúdos e discussões sobre a escola, como
podemos observar nos significantes das falas dos licenciandos.

4.2.4 Categoria IV – Preparação para a docência

Na categoria Preparação para a docência são apresentados os


significantes que expressam como os licenciandos se sentem em relação à
docência, ou seja, como consideram a sua preparação, se se sentem preparados ou
não para assumir a tarefa educativa na escola. Surgiram desta categoria duas
subcategorias que abarcam as respostas dos licenciandos: A – Sentem-se
preparados e B – Não se sentem preparados. Como podemos observar no Quadro
12 abaixo:

Quadro 12 – Categoria: Preparação para a docência


CATEGORIA SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS %
Significantes: Os estágios nos 5
proporcionam grande noção
de como trabalhar; Com os L1; L2; L4; L5;
estágios concluídos me sinto L6; L13; L14; L20;
preparado; o PIBID me deu a L21; L24; L26;
base, a experiência; O estágio L28; L29; L30;
ajudou na preparação; Com a L31; L33; L34; 51,4%
experiência obtida no estágio L38;
estou preparada; Já participei
do PIBID e com os estágios
A – Sentem-se estou preparada; Os estágios
preparados e a participação nos
programas de docência
ajudaram muito;Me sinto
preparada, mas sei que os
estudos não cessam; Para
aplicar os conteúdos no dia a
dia de sala de aula terei que
Preparação pesquisar e me preparar mais;
Não me sinto preparado cem
para a
por cento, mas sei que terei
docência que estudar mais; tenho que
me aperfeiçoar mais;
Experiência vivida nos 4 anos
de PIBID; O PIBID me deu
uma base boa; Participação no
PIBID.

(Continua)
100

(Continuação)
B – Não se sentem Significantes: Falta de
preparados atividades voltadas para a
L3; L7; L8; L9;
escola; O curso não foca na
L11; L12; L16;
licenciatura; Poucas
L17; L18; L22;
disciplinas voltadas para o
L23; L25; L32;
ensino; Não há um preparo
L35; L36; L37; 48,6%
específico para a docência;
L39;
Nos construímos professores
durante toda a nossa carreira.
Tenho consciência que o
aprendizado não acaba; Não
temos disciplinas relacionadas
com a matemática básica; Não
temos conhecimento de como
ensinar determinados
conteúdos;
Fonte: dados do questionário

Podemos perceber no Quadro 11 que 51,4% dos respondentes dizem


sentirem-se preparados para assumir a docência e 48,6% relatam não se sentirem
preparados. Na subcategoria A surgiram respostas dos licenciandos que alegam
sentirem-se preparados para o exercício da docência. Podemos observar que os
estudantes justificam suas respostas com base no “conhecimento sobre a escola”.
Afirmam que se sentem preparados por já terem realizado os estágios e participado
de Programas de Iniciação à Docência, como o PIBID22, o que proporcionou um
contato maior com a escola. Notamos, nos argumentos dos licenciandos sobre a sua
preparação para a docência, que os mesmos sentem-se seguros para assumir a
tarefa educativa quando conhecem a realidade escolar. Esse conhecimento sobre a
escola foi proporcionado, segundo os licenciandos, pelos estágios e pelo PIBID.
Os licenciandos que se dizem despreparados para o exercício da docência
justificam suas respostas também com base no “conhecimento sobre a escola”. Na
subcategoria B, os estudantes relatam que não se sentem preparados, pois na
licenciatura não têm atividades e discussões sobre a docência. A licenciatura em
Matemática, na visão dos licenciandos, foca muito nos conteúdos matemáticos.
Percebemos na fala dos acadêmicos que a falta de conhecimento sobre a realidade
nas escolas gera angústia e insegurança. O distanciamento entre a universidade e a

22
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência. Este Programa tem como objetivo a
“concessão de bolsas de iniciação à docência para alunos de cursos de licenciatura e para
coordenadores e supervisores responsáveis institucionalmente pelo PIBID e demais despesas a
ele vinculadas”(CAPES). No programa os licenciandos iniciam sua prática docente por meio de
aulas de reforço, auxílio ao professor etc. (CAPES. Disponível em:
<http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid>. Acesso em: 23 set. 2016).
101

escola acaba não proporcionando um conhecimento sobre o local onde os


licenciandos irão atuar, além de não proporcionar o conhecimento sobre a
complexidade que envolve a docência. Podemos observar nos significantes, que
alguns licenciandos percebem que a licenciatura é apenas o início da formação
docente, que a formação do professor deve ser permanente.

4.2.5 Categoria V – Articulação entre as disciplinas específicas e pedagógicas

Nesta categoria foram agrupadas as respostas dos licenciandos sobre como


eles avaliam a articulação entre as áreas do conhecimento específico e do
conhecimento pedagógico nas disciplinas da licenciatura em matemática. A
categoria foi denominada de Articulação entre as disciplinas específicas e
pedagógicas e abarca duas subcategorias que revelam como os licenciandos
consideram essa articulação: A – não houve articulação e B – houve alguma
articulação, como podemos observar no Quadro 13:

Quadro 13 – Categoria: Articulação entre as disciplinas específicas e pedagógicas


CATEGORIA SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS %
Significantes: Nunca L1; L2; L4; L6; L9;
percebi esta articulação; L10; L12; L14;
A – Não houve 75%
Não consegui identificar L15; L16; L17;
articulação
nenhuma articulação entre L18; L19; L20;
as disciplinas. L21; L22; L23;
Articulação
L24; L25; L26;
entre as L27; 28; L30; L31;
disciplinas L34; L35; L37;
específicas e
B – Houve alguma Significantes: Algumas
pedagógicas
articulação atividades realizadas na
L5; L7; L8; L11;
disciplina de geometria;
29; 32; 33; 36; 39;
Houve uma tentativa, mas
de forma tradicional;
Breves momentos de forma
isolada: Houve articulação, 25%
exemplos do dia a dia de
sala de aula;
Aproximando a
matemática com a sua
forma de ensinar; Nas
disciplinas de história da
matemática, didática e
modelagem matemática
houve, nas outras pouco;
As teorias e as discussões
sempre são articuladas.
Fonte: dados do questionário
102

De acordo com o Quadro 13, podemos observar que a maioria dos


licenciandos diz não ter percebido a articulação entre as áreas do conhecimento
específico de matemática com os conhecimentos pedagógicos e 25% dos
licenciandos perceberam alguma articulação nas disciplinas de Geometria, História
da Matemática, Didática e na disciplina de Modelagem matemática. Nestas
disciplinas, segundo os licenciandos, houve alguma articulação, mas ressaltam que
de forma isolada ou tradicional.

4.2.6 Categoria VI – Influências da prática pedagógica do professor formador

A categoria VI, denominada de Influências da prática pedagógica do


professor formador, abarca as respostas dos licenciandos sobre como eles
percebem a influência do professor formador na aprendizagem da docência e nas
suas práticas pedagógicas durante os estágios ou em sua atuação como professor.
Ao discorrerem sobre a prática pedagógica do professor formador, os licenciandos
relatam algumas experiências onde foram influenciados por seus professores.
Emergiram das respostas dos licenciandos duas subcategorias: A – Influências
positivas e B – Ausência de influência positiva, conforme podemos observar no
Quadro 14:

Quadro 14 – Categoria: Influências da prática pedagógica do professor formador


CATEGORIA SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS %
A – Influências Significantes: Servem como L1; L2; L3; L5; 6
positivas exemplo de como ser L7; L10; L13; L16;
62,1%
professor; Se usarem várias L18; L19; L21;
metodologias podem L24; L25; L31;
Influências da
influenciar positivamente; Os L33; L34; L37;
prática bons servem como exemplo; L39
pedagógica do Recebi influência de todo
professor professor que tive o privilégio
formador de conviver; As práticas dos
professores e de outros
professores através da vida
escolar servem de referência.
B – Ausência de Significantes: São poucos L4; L8; L9; L12;
influência positiva professores que têm uma L22; L23; L28;
37,9%
didática adequada; L25; L30; L32;
Influenciam negativamente; L38;
Ver o que não devemos fazer;
Exemplos de como não ser um
professor; mas os alunos
acabam pegando isso.
Fonte: dados do questionário
103

A maioria dos licenciandos considera que os professores influenciam


positivamente e servem de referência quando realizam práticas inovadoras e quando
os alunos os consideram “bons professores”. Os licenciandos apontam também que
os professores podem influenciar de forma não positiva, com práticas que os
mesmos desaprovam. No entanto, admitem que podem “pegar essas práticas”.
Percebe-se que os licenciandos relatam que foram influenciados não só pelos
professores formadores, mas também pelos professores da Educação Básica.

4.2.7 Categoria VII – Escola como lócus de formação

A categoria VII foi chamada de Escola como lócus de formação por


agrupar os significantes que consideram a escola como local onde pode ou não
ocorrer a formação prática dos licenciandos. Os significantes das respostas dos
licenciandos foram agrupados em duas subcategorias: A – Estágio como experiência
enriquecedora, que agrupa as respostas dos licenciandos que consideram o estágio
como um momento que fornece grande aprendizado e B – Estágio como experiência
negativa, que agrupa as respostas dos licenciandos que consideram que o estágio
não fornece um aprendizado significativo, como podemos observar no Quadro 15:

Quadro 15 – Categoria: Escola como lócus de formação


CATEGORIA SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS %
A – Estágio como Significantes: Sem ele não teria
experiência conhecimento da realidade da
L2; L3; L4; L5; 74,2%
enriquecedora escola; Um modo de nos
L6; L7; L8; L9;
colocar na prática; Válido para
L10; L11; L12;
conhecer a realidade da escola;
L13; L14; L15;
Aprendemos e conhecemos a
L16; L18; L19;
realidade; Aprimoramento da
Escola como L21; L20; L22;
experiência; Conhecimento de
L29; L32; L34;
lócus de como ser um professor;
L36; L37; L39;
formação Conhecer como é o ambiente
escolar; grande momento de
reflexão; deveria ter estágio
desde o primeiro ano.

(Continua)
104

(Continuação)
CATEGORIA SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS %
Significantes: Não ajuda muito;
Escola como Vamos aprender dar aula
B – Estágio como L1; L17; L25;
lócus de quando formos professores e
experiência L28; L30; L31;
não estagiando; Quase
formação negativa L33; L35; L38;
nenhuma contribuição; A
realidade da escola é bem
25,7%
diferente do estágio; O estágio
nos moldes de hoje torna-se
dispensável; O estágio foi um
momento muito traumático; Não
é algo bom; Durante o estágio
vivemos um “faz de conta”.
Fonte: dados do questionário

De acordo com as respostas dos licenciandos da subcategoria A, o estágio


proporciona grande aprendizado ao permitir um maior contato com a escola. Para os
licenciandos o conhecimento sobre a realidade da escola permite a reflexão sobre a
docência. Na subcategoria B, 25,7% dos licenciandos veem o estágio como uma
experiência negativa e um momento difícil. Esses licenciandos consideram o estágio
uma situação fictícia, e que só aprenderão a ser professores quando estiverem
atuando como docentes.

4.2.8 Categoria VIII – Papel do professor

Analisando as falas dos licenciandos, agrupamos na categoria Papel do


professor, os significantes que consideravam qual a função do professor na escola.
Emergiram desta categoria três subcategorias: A – Transmissor de conhecimento,
que agrupam significantes que consideram que o papel do professor é transmitir
conhecimento; B – Mediador; e C – Auxiliar na construção do conhecimento,
conforme o Quadro 16:

Quadro 16 – Categoria: Papel do professor


CATEGORIA SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS %
A – Transmissor de Significantes: Ensinar, transmitir L1; L4; L5; L9;
conhecimentos conhecimento; Ensinar L11; L14; L16; 46,2%
conhecimento; Ensinar o L19; L20; L21;
Papel do conteúdo; Passar seus L22; L23; L26;
professor conhecimentos. L27; L28; L33;
L34; L36;

(Continua)
105

(Continuação)
B – Mediador Significantes: Ser mediador do 3
conhecimento; Fazer a ponte L2; L7; L8; L10; 33,3%
entre o aluno e o conhecimento, L13; L17; L18;
mediando este caminho; L24; L25; L32; 35;
Mediador; Ser mediador e L37; L39;
modelador do pensamento do
aluno; Mediar o conteúdo.
C – Auxiliar na Significantes: Instigar seus
construção do alunos a aprender; auxiliar na 20,5%
L3; L6; L12; L15;
conhecimento construção do conhecimento;
L29; 30; L31; 38;
Processo de reflexão sobre o
conhecimento; Propiciar
ambiente propício para a
construção do conhecimento;
Despertar no aluno o interesse
pelo conhecimento.
Fonte: dados do questionário

Podemos observar no Quadro acima que a maioria dos licenciandos


considera que o professor deve ser o transmissor de conhecimento, ou seja, o
professor é visto como alguém que transmite o que sabe, assim ele assume um
papel central, é o transmissor, aplicador de técnicas de ensino. Essa forma de se
conceber a docência aponta para uma concepção de ensino compatível com o
paradigma da racionalidade técnica que desconsidera o caráter reflexivo da
educação. Em segundo lugar na categorização ficou a subcategoria B, que abarca
significantes que consideram o professor como mediador do conhecimento. Nesta
perspectiva o professor tem um papel de facilitador, de conduzir o aluno. Na
subcategoria C, o professor deve auxiliar o aluno na construção do conhecimento.
Para esta perspectiva de ensino, o professor tem um papel ativo, de auxiliar o aluno
a construir seu próprio conhecimento de maneira reflexiva. Assim o professor não é
visto como mero transmissor de conhecimento ou aplicador de técnicas, e a
docência é considerada um meio de se refletir sobre o ensino, envolvendo a
possibilidade de transformação por meio da formação crítica dos estudantes.

4.2.9 Categoria IX – Saberes necessários para a prática pedagógica do


professor

A categoria Saberes necessários para a prática pedagógica do


professor foi construída para designar o que os licenciandos consideram como
importante para o exercício da docência, ou seja, o que o professor precisa saber
106

para ensinar. A partir dos significantes foi possível agrupar duas subcategorias: A –
Domínio da matemática; B – Conhecimento pedagógico. Vejamos no Quadro 17:

Quadro 17 – Categoria: Saberes necessários para a prática pedagógica do professor


CATEGORIA SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS %
Significantes: Precisa saber o 7
conteúdo e as metodologias;
A – Domínio da L1; L3; L4; L5; 74,3%
Primeiro o domínio de sua
matemática L7; L8; L10; L11;
matéria, depois saber como o
L12; L13; L14;
aluno aprende; Saber o conteúdo
L16; L17; L18;
e conhecer diferentes
L19; L21; L23;
metodologias; Conhecimento
Saberes L24; L25; L26;
específico e conhecer práticas
L28; L29; L32;
necessários pedagógicas; Domínio da área da
L36; L38; L39;
para a matemática e conhecer o aluno;
prática Ter o conhecimento matemático e
saber o conhecimento didático;
pedagógica
Conhecimento acadêmico da
do matemática; Saber matemática e
professor algumas técnicas de ensino.
B – Conhecimento Significantes: Saber as melhores
pedagógico maneiras para ensinar; Saber
L2; L6; L20; L22; 25,7%
didática e conhecimento sobre a
L34; L35; L30;
matemática; Conhecimento de
L31; L37;
metodologias diferenciadas e dos
alunos; Precisa ter no mínimo
conhecimento sobre a turma, a
escola.
Fonte: dados do questionário

Nas respostas dos licenciandos podemos observar que o conceito de saber


e conhecimento são considerados como sinônimos. Nesse sentido, quando se tratar
das falas dos licenciandos vamos utilizar o termo que aparece no significante. Na
categoria B usamos o termo conhecimento por ser o significante que mais apareceu
nas falas dos licenciandos. Para a construção das subcategorias consideramos o
significante que o licenciando atribuiu maior valor, ou seja, se o licenciando atribuiu
maior valor ao conteúdo matemático em sua fala, citando-o primeiro, mesmo sem
excluir o conhecimento pedagógico, consideramos que se encaixa na subcategoria
A. Se o licenciando citou primeiro o conhecimento pedagógico, mesmo sem
desconsiderar os conhecimentos matemáticos, consideramos que se encaixa na
subcategoria B. Considerando os significantes da subcategoria A, podemos observar
que a maioria dos licenciandos considera como importante o professor saber o
conteúdo que irá lecionar, apesar de não desconsiderarem que o professor precisa
saber sobre metodologias de ensino e didática. Relacionando os significantes da
107

categoria Saberes necessários para a prática pedagógica do professor com os


da categoria Preparação do curso para a docência, podemos inferir que os
licenciandos, ao conferirem uma importância maior ao saber específico da
matemática, são influenciados pela identidade do curso que, como vimos na análise
do PPC, considera mais importante o saber matemático.
A subcategoria B abarca significantes que consideram importante o
professor saber sobre as metodologias e sobre as didáticas, ou seja, sobre os
conhecimentos pedagógicos, apesar de não desconsiderar os conteúdos
matemáticos.Para os licenciandos que se encaixam nesta categoria, os
conhecimentos pedagógicos são muito importantes para a atuação do professor em
sala de aula.Também consideram importante conhecer a realidade da escola.
Na seção seguinte vamos apresentar os dados que surgiram com as
entrevistas.

4.3 APRESENTAÇÃO DOS DADOS DAS ENTREVISTAS

As entrevistas constituem a segunda etapa da coleta de dados e buscaram


complementar os dados coletados com os questionários. Participaram das
entrevistas oito licenciandos que manifestaram interesse no questionário em
participar desta segunda etapa. Em nossas análises os licenciandos foram
denominados por números, L1, L2 até L39. Como vimos anteriormente os
licenciandos denominados L1 a L28 são oriundos da U1 e os licenciandos L29 ao
L39 são da U2. Os licenciandos da U1 que participaram da entrevista foram o L10E;
L12E; L13E; L14E; L15E e L17E e os licenciandos da U2 foram o L30E e o L31E.
Nesta sessão vamos apresentar os dados que emergiram com as entrevistas,assim
como realizamos com os dados dos questionários e na próxima seção que
pretendemos analisar os resultados que surgiam dos questionários e entrevistas que
nos permitiram agrupar todos os dados em categorias finais.
Em contato com os dados das entrevistas percebemos que seria possível
agrupá-los em seis categorias; três categorias que agrupam os significantes das
concepções dos licenciandos sobre a docência, que chamamos de: Identidade com a
carreira docente; Papel do professor e Saberes necessários para a prática
pedagógica do professor e três categorias que agrupam os significantes das
108

concepções dos licenciandos sobre a preparação para a docência que denominamos:


Identidade do curso; Professor formador e Escola como lócus de formação.
Nas entrevistas procuramos complementar os dados que apareceram nos
questionários. Dessa forma denominamos as categorias e subcategorias que
emergiram com os dados das entrevistas de forma muito similar com os do
questionário, com a diferença de que na categoria Identidade do curso emergiu a
subcategoria: Disputa entre as disciplinas e na categoria Professor formador
emergiu a subcategoria Experiência na educação básica, dados que não
apareceram nos questionários, como veremos mais adiante.

4.3.1 Categoria I – Identidade com a carreira docente

Na categoria I agrupamos os significantes que revelaram porque os sujeitos


da pesquisa escolheram a carreira docente e como se sentem em relação à
docência. Nominamos esta categoria de Identidade com a carreira docente que
abarca duas subcategorias: Docência como segunda opção, para designar os
licenciados que escolheram a docência por falta de opção e Afinidade com a
docência, que agrupa os sujeitos que escolheram a docência por se identificarem
com a carreira docente. Vejamos no Quadro 18:

Quadro 18 – Categoria: Identidade com a carreira docente


CATEGORIA SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS
Significantes: Não era a minha
primeira opção; Como a maioria do
Docência como
pessoal do primeiro ano eu não entrei
segunda opção
pensando em ser professor; Tentei
engenharia e não passei; Acabei
optando pela licenciatura por falta de
Identidade opção; Se eu fosse fazer engenharia
com a carreira L14E; L12E;
eliminaria algumas matérias; A maioria
docente L17E; L30E;
não entra querendo ser professor;
Muita gente entra para a licenciatura,
mas não é isso que querem; O
pessoal entra pra licenciatura, mas
não quer a licenciatura; A gente ouve
falar que os professores ganham
pouco daí a gente não quer.
Significantes: Era um sonho desde
quando eu era criança; Me identificava
Afinidade com a L15E; L13E;
com a licenciatura;Eu queria ser
docência L10E; L31E;
professor; Eu sabia que queria ser
professor.
Fonte: dados das entrevistas
109

Como podemos observar nos significantes expostos no Quadro acima, a


subcategoria Docência como segunda opção revela que os licenciandos que se
encaixam nesta subcategoria optaram pela docência como uma segunda opção,
pois não passaram no vestibular para engenharia ou outro curso que consideram
mais valorizado. Dessa forma escolheram a licenciatura em Matemática por possuir
mais afinidade com o curso pretendido ou veem a licenciatura como um degrau para
outros cursos. A metade dos licenciandos entrevistados relata que não pretende ser
professor, pois não considera a carreira atraente, uma das razões apontadas são os
baixos salários. De acordo com o Quadro acima, percebemos que uma parte
considerável dos entrevistados que estão se formando em um curso de licenciatura
entraram no curso sem o desejo de ser professores e que apenas a metade dos
sujeitos que ingressaram no curso pretendiam ser professores. A falta de
atratividade da carreira docente acaba afastando os jovens dos cursos de
licenciatura e os licenciandos que acabam optando pela docência por falta de opção
acarretam outro fator importante para a profissionalização docente, a falta de
identidade com a carreira. A identidade com a docência gera o sentimento de
pertença e um maior comprometimento com a educação.

4.3.2 Categoria II – Papel do professor

Esta categoria que denominamos Papel do professor foi construída para


agrupar os significantes que revelam o que os sujeitos entrevistados consideram que
seja a função do professor na escola. A categoria divide-se em duas subcategorias:
Transmissor ou mediador de conhecimentos e Auxiliar na construção do
conhecimento, como podemos observar no Quadro 19:

Quadro 19 – Categorias: papel do professor


CATEGORIAS SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS
Transmissor de Significantes:Deve ser o transmissor
conhecimentos do conhecimento; Ensinar o aluno;
L14E; L17E;
Transmitir os conhecimentos; Passar o
L13E; L10E;
conteúdo.
Papel do
professor
(Continua)
110

(Continuação)
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS
Mediador Significantes: Tem que ser mediador; L15E; L12E;
Mediar o conhecimento; Mediar o
conhecimento até o aluno; Ser o
mediador; Mediar o conhecimento até
o aluno.
Auxiliar na Significantes: Tem que ajudar o aluno L30E; L31E;
construção do a construir seu conhecimento; Auxiliar
conhecimento o aluno para construir o conhecimento;
Proporcionar oportunidades para que
ele construa o conhecimento.
Fonte: dados das entrevistas

Podemos observar no Quadro acima que a maioria dos entrevistados


considera que o professor deve ser o transmissor de conhecimento. Esta concepção
de ensino considera o professor como um aplicador de técnicas de ensino, assim o
professor assume um papel central, ele que detém o conhecimento. O professor
como mediador ficou em segundo lugar, junto com a subcategoria que considera o
professor um auxiliar na construção do conhecimento. Na concepção de ensino de
professor como mediador, o professor assume um papel de facilitador do ensino, de
incentivador da aprendizagem. Para os sujeitos que consideram o professor como
auxiliar na construção de conhecimento, o professor assume um papel mais ativo,
de promover a construção do conhecimento, ou seja, considera que o ensino
abrange a reflexão e o debate.

4.3.3 Categoria III – Saberes necessários para a prática pedagógica do


professor

A categoria III foi organizada para designar o que os sujeitos entrevistados


consideram como essencial o professor saber para exercer a docência. A categoria
foi nomeada de Saberes necessários para a prática pedagógica do professor e
compõe as subcategorias: Domínio do conteúdo e Conhecimento pedagógico, como
podemos ver no Quadro 20:
111

Quadro 20 – Categoria: saberes necessários para a prática pedagógica do professor


CATEGORIA SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS
Significantes: Deve saber
primeiramente o conteúdo; Saber o
conteúdo e depois as metodologias; L15E; L14E;
Saberes L17E; L13E;
necessários Domínio do conteúdo Primeiro domínio completo do que
vamos ensinar; Primeiro dominar o L10E;
para a prática
pedagógica do conteúdo.
professor Significantes: Precisa primeiro saber
como ensinar e saber o que vai
Conhecimento L30E; L31E;
ensinar; Saber como ensinar essa é
pedagógico L12E;
a grande questão, até mais do que o
conteúdo específico.
Fonte: dados das entrevistas

Podemos observar no Quadro acima que a maioria dos sujeitos que


participaram das entrevistas consideram que o professor precisa ter o domínio do
conteúdo matemático para ensinar, apesar de não desconsiderarem o saber
pedagógico. Em segundo lugar ficaram os sujeitos que consideram que o professor
precisa saber primeiro como ensinar, ou seja, saber sobre as metodologias de
ensino e didática. Para os licenciandos que se enquadram nesta subcategoria, o
saber pedagógico assume grande importância para o exercício da docência.

4.3.4 Categoria IV– Escola como lócus de formação

A categoria IV é composta por duas subcategorias: Contribuições do Estágio


Supervisionado e Programas de Iniciação à Docência e Estágio como experiência
negativa. Esta categoria foi nomeada de Escola como lócus de formação por
agrupar as falas dos sujeitos sobre como os mesmos avaliam a experiência que
tiveram em contato com a escola durante os estágios ou Programas de Iniciação à
Docência para a sua formação como professor. Observamos no Quadro 21 abaixo:

Quadro 21– Categoria: Escola como lócus de formação


CATEGORIA SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS
Contribuições do Significantes: Contribui muito com
Estágio Supervisionado a experiência que a gente não tem; L15E; L14E;
Escola como e Programas de O PIBID também contribui muito; L12E; L17E;
lócus de iniciação à docência Acho que todos deveriam participar L13E; L10E;
formação do PIBID, ajuda muito.
(Continua)
112

(Continuação)
Estágio Supervisionado Significantes: O estágio é um L30E; L31E;
como experiência “simulado” e não contribui muito,
negativa você sabe o trabalho mesmo como
professor não seria assim; Não
acho que contribui tanto, o PIBID é
bem melhor.
Fonte: dados das entrevistas

Podemos perceber que a maioria dos licenciandos entrevistados considera


que o estágio contribui muito para a sua formação por proporcionar um maior
contato com a escola. Os licenciandos também apontam os Programas de Iniciação
à Docência como o PIBID como experiências que contribuem muito para a formação
do professor. A categoria Estágio como experiência negativa teve 25% de
representatividade e os sujeitos que se enquadram nesta categoria relatam que os
estágios não contribuem muito para a formação do professor. Esses licenciandos
consideram que os Programas de Iniciação à Docência como o PIBID fornecem
experiências mais significativas. Para os licenciandos desta categoria o estágio não
corresponde ao que realmente é o trabalho do professor.

4.3.5 Categoria V – Identidade do curso

A categoria V agrupa as respostas dos sujeitos sobre como os mesmos


avaliam a sua preparação para a docência durante o processo formativo no curso de
licenciatura em Matemática. Esta categoria foi nomeada Identidade do curso por
agrupar respostas que apontam sobre a estruturação do curso de licenciatura em
Matemática, sendo uma categoria maior, que não abarca apenas uma temática,
como nas outras categorias.
A categoria V é composta pelas subcategorias: Preparação para a docência;
Disputa entre as disciplinas; Articulação entre os conteúdos específicos e
pedagógicos, como podemos observar no Quadros 22:
113

Quadro 22 - Categoria: Identidade do curso


CATEGORIAS SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS
Significantes: Não tem conteúdos da
escola básica; falta mais discussões
sobre a escola; Eles não ensinam pra
Preparação para a nós as coisas da escola que a gente
docência que o deveria saber; Ainda falta conteúdos
curso oferece voltados para a educação básica,
como se trabalha em sala de aula não
é falado; Focar mais no que acontece
na escola; Na questão de
L15E; L14E;
metodologias fica a desejar a gente
L12E; L17E;
não tem; Ensinam muito conteúdo e
L13E; L10E;
não o básico de sala de aula; O curso
L31E; L30E;
não forma nem professor nem
bacharéis; Eles (os professores)
Identidade do confundem licenciatura com
curso bacharelado; Tem que tirar este
espírito de bacharel; O curso fica
naquela corda bamba não sabe se é
licenciatura; A gente é preparado para
fazer os cálculos diferenciais; A gente
aprende muita matemática pura;
Disputa entre as Significantes; O professor que é
disciplinas bacharel "puxa farinha pro saco dele";
Os professores das específicas
pensam "vou formar o pesquisador"; L15E; L14E;
Os professores que são do L12E; L17E;
bacharelado puxam tudo pro lado L13E; L10E
deles; os que são da licenciatura
ensinam licenciatura; A gente vê
quando levam tudo pro bacharelado;
Articulação entre os Não tem articulação nenhuma; Não
conteúdos percebi nenhuma articulação Nas
L15E; L14E;
específicos e matérias de modelagem houve
L12E; L17E;
pedagógicos articulação; Na disciplina de
L13E; L10E;
instrumentalização houve alguma
L30E; L31E;
articulação; houve um pouco em
algumas disciplinas.
Fonte: Dados das Entrevistas

Como podemos observar no Quadro 22, na subcategoria Preparação para a


docência, que todos os licenciandos entrevistados apontam que faltam conteúdos e
discussões voltadas para a docência no processo formativo oferecido pela
licenciatura em matemática. Os sujeitos agrupados nesta subcategoria relatam que
o curso foca muito nos conteúdos matemáticos e as questões sobre a escola são
deixadas em segundo plano. De acordo com as falas dos licenciandos podemos
inferir que o curso não se identifica como licenciatura, pois os sujeitos apontam para
o caráter bacharelesco do curso. Além da falta de conteúdos voltados para a
docência, os acadêmicos percebem um conflito entre os campos de conhecimento
114

específico e pedagógico. Alguns sujeitos entrevistados relatam que percebem que


existe “uma espécie de disputa” entre as áreas de conhecimento matemático e
pedagógico. Nesse sentido, podemos observar nos significantes das falas dos
licenciandos que os conteúdos matemáticos são mais valorizados dentro do curso.
Na subcategoria Articulação entre os conteúdos específicos e pedagógicos
foram agrupados os significantes das falas dos licenciandos sobre como os mesmos
percebem a articulação entre as disciplinas. De acordo com nossos dados, todos os
licenciandos consideram que ou não houve articulação ou esta se manteve isolada
em algumas disciplinas como instrumentação e Modelagem matemática.

4.3.6 Categoria VI – Professor formador

A categoria VI foi organizada para designar como os licenciandos


investigados avaliam as influências e experiências do professor formador. Nesse
sentido, nomeamos a categoria de Professor formador, por agrupar duas
temáticas. Esta categoria VI agrupa duas subcategorias: Influências do professor
formador e Experiências na educação básica. Vejamos nos Quadros 23:

Quadro 23 – Categoria: Professor formador


CATEGORIA SUBCATEGORIAS SIGNIFICANTES LICENCIANDOS
Significantes: Os professores da
graduação influenciam muito tanto
negativa como positivamente; Eu me
policio para não pegar algumas coisas;
Influências do
Professor Algumas coisas devemos cuidar para
professor formador
formador não fazer igual; Tem que ter uma L15E; L14E;
reflexão sobre o que pode ser feito e o L12E; L17E;
que não devemos copiar; eu já me L13E; L10E;
espelhei em um professor, ele não tem L30E; L31E;
didática nenhuma em sala de aula,
quando entrei em sala de aula [para
lecionar] fui lá pra trás e olhei, falei
“nossa, estou fazendo igual o professor,
escrevendo no cantinho”.
(Continua)
115

(Continuação)
Significantes: A gente nota quando o
professor diz coisa que não existe na
educação básica; A gente nota quando
o professor já passou pela educação
Experiência na
básica, principalmente depois do
Professor educação básica
estágio; Existe diferença entre os que já
formador
atuaram na educação básica, a gente
L15E; L14E;
percebe; Eu acho que tem diferença
L12E; L17E;
sim, ele [professor formador] não vai
L13E; L10E;
perceber que tipo de aluno está
L30E; L31E;
recebendo, ele acha que o aluno vem
pronto; Se o professor trabalhar lá atrás
ele vai saber das dificuldades da rede
pública, ele vai saber da dificuldade dos
alunos na matemática básica; o
professor que já trabalhou na Educação
Básica sabe o que acontece lá.
Fonte: dados das entrevistas

Podemos perceber, de acordo com o Quadro acima, que todos os sujeitos


entrevistados percebem a influência das práticas pedagógicas do professor formador
em suas práticas como professor, algumas positivas e outras negativas. Podemos
notar também que os licenciandos avaliam as práticas do professor formador como
“boas”, quando influenciam positivamente e “ruins” quando são práticas que os
mesmos precisam “cuidar para não fazer igual”. Relatam também que já se
perceberam agindo da mesma forma que seus formadores. Nesse sentido, podemos
perceber que os licenciandos têm consciência de que são influenciados, positiva e
negativamente, pelas práticas pedagógicas dos professores formadores.
Na subcategoria Experiências na educação básica são destacados os
significantes que apresentam como as experiências do professor formador
influenciam na prática pedagógica na universidade. De acordo com os dados das
entrevistas, todos os licenciandos também relatam que percebem quando o
professor formador possui experiência na educação básica, demonstrando ter
conhecimento das dificuldades encontradas nessa modalidade de ensino.
Para melhor analisarmos as categorias representativas dos questionários e
entrevistas, as mesmas serão agrupadas em categorias e subcategorias finais e
analisadas na seção 4.5.
Após a categorização dos dados originados com os questionários e
entrevistas, os mesmos foram submetidos ao software Mathematica®, onde será
116

feita uma nova análise denominada Análise de clusters que será apresentada a
seguir.

4.4 APRESENTAÇÃO DOS DADOS OBTIDOS COM A ANÁLISE DE CLUSTERS

Após a categorização dos dados dos questionários, os mesmos foram


submetidos ao software Mathematica®, onde faremos uma nova análise,
denominada Análise de Clusters. Apresentaremos primeiramente os resultados
obtidos com a submissão dos dados dos questionários, das entrevistas, da Análise
de Clusters e após os resultados.
Para a submissão dos dados ao software, seguimos algumas etapas
importantes. Primeiramente escolhemos o objeto, em nosso estudo serão os
licenciandos (N=39). Em seguida selecionamos os dados que serão submetidos, em
nosso caso os dados do questionário (9 questões abertas do total de 22 perguntas
do questionário) e das entrevistas:

Quadro 24 – Perguntas do questionário utilizadas para a Análise de Cluster


Pergunta 1 – Quais os motivos que o levaram pela escolha do curso de licenciatura?

Pergunta 2 – Qual a maior dificuldade encontrada na graduação?


Pergunta 3 – Você acha que o seu curso de licenciatura oferece subsídios suficientes para
você atuar em sala de aula? Justifique.
Pergunta 4 – Você sente-se preparado para o exercício da docência? Sim, Não. Por quê?
Pergunta 5 – Houve articulação entre as disciplinas específicas e as disciplinas
pedagógicas? Se sim, como?
Pergunta 6 – Para você as práticas do professor formador influenciam na sua formação
como professor? Se sim, como?
Pergunta 7 – Qual a contribuição do Estágio Supervisionado para a sua formação?

Pergunta 8 – Qual o papel do professor?


Pergunta 9 – Para você o que o professor precisa saber para atuar em sala de aula?

Fonte: a autora (2017)

Em um segundo momento organizamos os dados, que foram primeiramente


analisados por meio da AC, onde foram agrupadas as respostas abertas do
questionário em subcategorias de acordo com as variáveis, que são as unidades de
registro (significantes). A análise dos questionários por meio da AC nos permitiu
agrupar os resultados em nove categorias e as respostas dos licenciandos em
subcategorias que foram submetidas ao software para a Análise de Cluster.
117

No Quadro 25 apresentamos um exemplo de como iniciamos a organização


dos dados para a Análise de Cluster por meio da categorização.

Quadro 25 – Exemplo de categorização das perguntas para Análise de Cluster


Pergunta 1 – Escolha pelo curso de Licenciatura (Categoria)
SUBCATEGORIAS
A1 – Afinidade com a matemática
Variáveis agrupadas a partir das Unidades
B1 – Identidade com a carreira docente
de registro (significantes)
C1 –Segunda opção de curso
D1 –Influência de professores
Fonte: a autora (2017)

Como podemos observar no quadro exemplificado, as possibilidades de


respostas à pergunta 1 do questionário são A1, B1, C1 e D1. As letras representam
a quantidade de subcategorias identificadas.No caso encontramos 4 subcategorias:
A, B, C e D e o número posterior à letra. Neste caso o número 1, representa a
pergunta do questionário que representa a categoria. As 9 perguntas do questionário
e as 6 subcategorias das entrevistas foram categorizadas conforme demonstrado no
Quadro 28. O passo seguinte foi a transformação das subcategorias em códigos
para que o programa Mathematica® possa fazer a leitura das matrizes de cada
sujeito.
Para o agrupamento dos respondentes em clusters é crucial o
estabelecimento de uma medida de “similaridade” entre os respondentes, com
respeito à maneira como respondem ao questionário.Para isso, inicialmente é
estabelecido um código, que é o “gabarito” associado a cada respondente. Neste
trabalho, o “gabarito” de cada respondente foi construído com base no uso ou não
de cada uma das subcategorias de respostas definidas a priori.
O gabarito consiste em uma sequência de dígitos 0‟s e 1‟s, onde a posição
de cada dígito na sequência identifica a subcategoria a ele associada. Associa-se o
dígito “1” a uma subcategoria caso a mesma tenha sido utilizada pelo respondente, e
“0” caso contrário, ou seja, resposta afirmativa do licenciando foi atribuído o número
1 e onde o licenciando respondeu negativamente à questão foi atribuído o número 0.
Por exemplo, se o licenciando respondeu que escolheu a licenciatura por afinidade
com matemática (A1) será atribuído 1 a essa resposta e nas demais respostas (B1,
118

C1 e D1 serão marcados 0). A Tabela 1 exemplifica como foram codificadas as


respostas ao questionário:

Tabela 1 – Exemplo de codificação das respostas ao questionário


Respostas/ A1 B1 C1 D1 A2 B2 A3 B3 A4 B4 A5 B5 A6 B6 A7 B7 A8 B8 C8 A9 B9
Licenciando
L1 1 1 0 0 1 0 1 0 0 1 1 0 1 0 0 1 1 0 0 1 0
L2 1 1 0 0 0 0 1 0 0 1 1 0 0 1 1 0 0 1 0 0 1
L3 0 1 0 0 0 1 0 1 1 0 0 0 0 1 1 0 0 0 1 0 1
L4 1 0 0 0 0 0 0 1 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 0 1 0
L5 1 0 0 0 1 0 0 1 0 1 0 1 1 0 1 0 1 0 0 1 0
L6 1 0 0 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 0 1 0 1 0
Fonte: a autora (2017)

No exemplo da Tabela 1 foram codificadas as perguntas do questionário de


seis licenciandos para exemplificar como foram realizadas as codificações e
categorização das respostas dos 39 licenciandos às 9 perguntas do questionário.
Observe que L1 representa o licenciando 1 até o Licenciando 6 (L6), dos 39
Licenciandos (L39). As letras “A”, “B” e “C” representam a possibilidade de resposta
e o código 1 representa a escolha de resposta (subcategoria) feita pelo licenciando.
Observe que os licenciandos (L2 e L4) marcados em vermelho não responderam à
pergunta 2 do questionário e o L3 não respondeu à pergunta 5. Nas colunas são
representadas as perguntas do questionário compostas por números e as
possibilidades de respostas, representadas por letras A1, B1, C1 e D1 para a
primeira pergunta, assim os números ao lado das letras representam o número da
pergunta. As linhas representam os licenciandos e os códigos 0 e 1 representam as
escolhas do licenciando, ou seja, o gabarito de respostas de cada licenciando. Por
exemplo, o L1 ficou com a seguinte sequência numérica de respostas nas perguntas
que estão representadas na Tabela 1:

L1 1 1 0 0 1 0 1 0 0 1 1 0 1 0 0 1 1 0 0 1 0

O gabarito de respostas do L1 é então codificado pela sequência: 1 1 0 0 1 0


1 0 0 1 1 0 10 0 1 0 0 1 0. Essa sequência se refere ao gabarito ou matriz que revela
as respostas de cada Licenciando. O software trabalha com esse gabarito de
respostas ou matrizes numéricas e gera os clusters a partir delas calculando sua
distância média. Esse código numérico permite ao software codificar as respostas e
agrupá-las em clusters. Cada cluster gera um typical, que nada mais é do que as
respostas dos licenciandos em códigos.
119

Por exemplo, se a maioria dos licenciandos respondeu positivamente a


subcategoria A1, que foi previamente organizada pelo pesquisador, é gerado o
código 1. Se a maioria dos licenciandos não respondeu positivamente àquela
subcategoria será atribuído 0. Lembrando que as respostas dos licenciandos às
perguntas do questionário foram agrupadas em subcategorias.
Os valores médios gerados pelo typical correspondem à frequência que
cada subcategoria foi representada dentro do cluster (frequências expressas em
uma escala de 0 a 1). Frequência zero representa o fato que essa subcategoria
nunca apareceu nas respostas dos estudantes investigados e frequência 1
representa o fato que essa subcategoria apareceu em quase cem por cento das
respostas dos estudantes dentro desse grupo, e assim por diante.
Após a construção dos gabaritos para cada um dos respondentes, a análise
de clusters associa uma medida de “distância”, (distância “Manhattan”),que é uma
medida de “dissimilaridade” (diferença) entre cada par de gabaritos. Se a distância
entre dois dados gabaritos resulta em zero então os gabaritos são completamente
idênticos (completamente similares). À medida que a distância entre dois gabaritos
aumenta os gabaritos são cada vez mais dissimilares (diferentes).
As tabelas com os resultados da codificação das 9 perguntas do
questionário e das 6 subcategorias das entrevistas foram organizadas no Excel,
conforme o exemplo na Figura 2:

Figura 2 – Exemplo de como os dados foram organizados no Excel

Fonte: a autora (2017)

Após submetidas ao software que gerou a Análise de Cluster os licenciandos


foram agrupados em cinco clusters. Com os resultados da análise de agrupamento
quantitativo, estes são analisados da seguinte maneira: os maiores clusters obtidos
120

no nível hierárquico estabelecido são interpretados como os mais representativos


(PEREIRA; COSTA E LUNARDI, 2017).
Os cinco clusters que emergiram dos resultados são numerados de baixo
para cima, sendo os clusters C1, C2 e C4 os mais representativos, como podemos
observar no dendrograma da Figura 3:

Figura 3 –Dendrograma com os resultados da Análise de clusters dos questionários

Fonte: a autora (2017)

Como podemos observar no dendrograma, os números posicionados à


direita referem-se aos sujeitos da pesquisa, ou seja, os números atribuídos aos
licenciandos (L1 ao L39). Observando a figura, podemos identificar que foram
gerados cinco clusters, cada agrupamento na cor verde refere-se a um cluster.
Analisando o dendrograma de baixo para cima, o cluster 1 (C1), por exemplo, é
composto por sete licenciandos (L1, L31, L35, L5, L33, L29, L17); o cluster 2 abarca
os licenciandos L2, L3, L9, L34, L8, L16, L10, L27 e assim sucessivamente até o
cluster 5 (C5). Como mencionado anteriormente, cada cluster gera um typical, que
são as respostas médias, ou o típico das respostas dos licenciandos representadas
121

pelos códigos 0 e 1, como no exemplo da Tabela 2 com o typical das respostas dos
licenciandos do cluster 1:

Tabela 2 – Códigos que geraram o typical do cluster 1


C1 1 2 3 4 5 6 7 8 9
A B C D A B A B A B A B A B A B A B C A B
typical 1 1 0 0 1 0 1 0 0 1 0 1 1 0 0 1 1 0 1 1 0
Fonte: a autora (2017)

Observando o dendrograma da Figura 3 e relacionando o typical das


respostas dos licenciandos com as categorias e subcategorias originadas das
análises dos questionários, buscamos identificar o perfil dos licenciandos que
compõem cada cluster para relacioná-los, estabelecendo diferenças e semelhanças
entre os licenciandos e as universidades de origem.
O cluster 1 (C1) foi composto por sete licenciandos (L1, L31, L35, L5, L33,
L29, L17) com o typical= {1,1,0,0,1,0,1,0,0,1,0,1,1,0,0,1,1,0,1,1,0}. Esses valores
médios representam a frequência que cada subcategoria foi representada dentro do
cluster (frequências expressas em uma escala de 0 a 1). Esse é típico que formou o
cluster C1, ou seja, a maioria dos licenciandos que ficaram nesse cluster, respondeu
o código acima (typical) em cada uma das subcategorias. Nesse sentido, a maioria
dos sujeitos investigados que foram agrupados no cluster C1 responderam que
escolheram a licenciatura por terem afinidade com a área da matemática e se
identificam com a carreira docente. Apesar de responderem ter afinidade com a
área, a maior dificuldade encontrada por esses licenciandos no curso de graduação
foi a dificuldade com os conteúdos matemáticos que deveriam ser aprendidos na
educação básica. Quanto à sua preparação para a docência, a maioria dos
licenciandos do C1 relata que se sentem preparada para o exercício da docência,
mas acham que a licenciatura em Matemática deixa lacunas, como a falta de contato
com a escola, de discussões sobre a realidade escolar e de conteúdos voltados para
a docência, bem como a falta de articulação entre as disciplinas pedagógicas e
específicas. A maioria dos licenciandos do C1 ressalta as influências positivas do
professor formador para a sua preparação para a docência. Os licenciandos que
compõem o C1 veem o estágio como uma experiência negativa, um período que não
oferece muitas contribuições por ser um momento “fictício”, que não corresponde ao
que realmente é a atividade docente. Quanto às concepções sobre a docência, a
maioria dos licenciandos do C1 considera que o professor precisa ter o domínio do
122

conteúdo matemático e que o papel do professor é transmitir conhecimentos.


Podemos observar ainda que a maioria dos licenciandos que compõem o C1 é
oriunda da U2.
O Cluster 2 (C2) foi composto por oito licenciandos (L2, L3, L9, L34, L8, L16,
L10, L27) e corresponde ao typical= {1,1,0,0,0,1,1,0,0,1,1,0,1,1,1,0,1,1,0,0,1}. De
acordo com o typical do C2 podemos observar que a maioria dos licenciandos que
se encontram neste cluster relata que escolheu a licenciatura em Matemática por ter
afinidade com a área e com a carreira docente. Os licenciandos responderam que a
falta de tempo para estudar foi a maior dificuldade que encontraram durante a
graduação. A maioria dos licenciandos do C2 considera-se preparada para assumir
a docência, mas acha que a licenciatura em Matemática deixa algumas lacunas,
como a falta de conteúdos voltados para a docência e a desarticulação entre as
disciplinas específicas e pedagógicas. Os licenciandos do C2 também relatam que
as práticas pedagógicas dos professores formadores influenciam positiva e
negativamente a docência dos futuros professores. Para os sujeitos do C2 o estágio
supervisionado fornece uma experiência enriquecedora, um momento de muito
aprendizado. Quanto às concepções sobre a docência, os licenciandos do C2
consideram essencial o professor possuir o conhecimento pedagógico para ensinar,
no entanto consideram que o papel do professor é transmitir o conhecimento até o
aluno. A maioria dos licenciandos do C2 é oriunda da U1.
No Cluster 3 (C3) foram agrupados seis licenciandos (L11, L36, L37, L12,
L32, L19) e corresponde ao typical= {0,0,1,0,1,0,1,0,0,1,0,1,1,1,1,0,1,1,0,1,1}.
Podemos observar no typical do C3 que a maioria dos licenciandos optou pela
licenciatura como uma segunda opção de curso. Relatam também que encontraram
dificuldades durante a graduação nos conteúdos matemáticos que não foram
aprendidos na educação básica. Quanto à preparação para a docência, os
licenciandos do C3 relatam que se sentem preparados e que o curso de licenciatura
em matemática prepara para o exercício da docência, apesar de deixar algumas
lacunas, como a falta de discussões sobre a docência e a sobre a escola e pouca
articulação entre as áreas pedagógicas e específicas. Os licenciandos do C3
também relatam que percebem as influências positivas e negativas da prática
pedagógica dos professores formadores em suas próprias práticas como
professores em formação. Os sujeitos que compõem o C3 consideram o estágio
supervisionado como uma experiência muito positiva, um momento de muito
123

aprendizado. Para os licenciandos do C3 o papel do professor deve ser de auxiliar


na construção do conhecimento e o mesmo precisa ter o domínio do conteúdo
matemático e conhecimento pedagógico. Podemos observar que dos licenciandos
que compõem o C3 metade é da U1 e a outra metade da U2.
O Cluster 4 (C4) é composto por treze licenciandos (L4, L6, L39, L7, L18,
L21, L22, L13, L14, L24, L26, L20, L15), sendo que doze são da U1 e apenas um da
U2. Podemos notar que é o maior cluster em número de licenciandos. De acordo
com o typical = {1,0,0,0,1,0,0,1,1,0,1,0,1,0,1,0,1,0,0,1,0} que compõe o C4, os
licenciandos deste cluster justificam sua escolha pela licenciatura em matemática
pela afinidade com a área. Os licenciandos do C4 durante a graduação encontraram
dificuldades na matemática básica que deveria ser aprendida em anos anteriores de
escolaridade. Quanto à preparação para a docência, a maioria dos sujeitos do C4
relata não se sentir preparada, justificando sua resposta com base na falta de
preparação para a docência oferecida pelo curso de licenciatura em Matemática. Os
licenciandos que compõem o C4 relatam que as disciplinas específicas e
pedagógicas não conversam, ou seja, são desarticuladas e percebem uma maior
valorização das disciplinas específicas no interior do curso. Para os licenciandos do
C4, os professores formadores oferecem influências positivas e servem como
exemplo para os futuros formandos. Os licenciandos do C4 também consideram o
estágio supervisionado como um momento de grande aprendizado, e ressaltam que
o estágio deveria ser oferecido desde os primeiros anos da licenciatura em forma de
observação, para que os futuros professores conheçam a realidade escolar e
tenham mais familiaridade com a docência. Para os licenciandos que foram
agrupados no C4, o papel do professor é de transmissor de conhecimento, nesse
sentido o professor precisa dominar o conteúdo matemático. A maioria dos
licenciandos do C4 é oriunda da U1, apenas um aluno é da U2.
No Cluster 5 (C5) foram agrupados cinco licenciandos (L30, L25, L23, L38,
L28) com o typical= {0,0,1,0,1,0,1,0,1,0,1,0,0,1,0,1,1,1,0,1,0}. Observando o typical
do C5 podemos perceber que os licenciandos que compõem este cluster
escolheram a licenciatura como uma segunda opção de curso e como a maioria dos
licenciandos investigados encontraram dificuldades na matemática básica durante a
graduação. Quanto à preparação para a docência, a maioria dos licenciandos do C5
sente-se preparada para assumir a tarefa educativa na escola, porém ressalta que a
licenciatura em Matemática deixa algumas lacunas como a falta de conteúdos
124

voltados para a docência e de articulação entre as áreas específicas e pedagógicas


com ênfase nos conteúdos específicos da matemática. Para os licenciandos do C5,
os professores formadores não oferecem influências positivas. A maioria dos
licenciandos também considera o estágio supervisionado como uma experiência
negativa, que não contribui muito para a formação do futuro professor. Para a
maioria dos licenciandos que compõem o C5, o professor precisa dominar os
conteúdos matemáticos, auxiliar o aluno na construção do conhecimento.Neste
cluster três licenciandos são oriundos da U1 e dois da U2.
A Análise de clusters agrupa os licenciandos por similaridade de respostas
e dissimilaridades, ou seja, os licenciandos que compartilham da mesma opinião em
relação a determinado tema são agrupados em um mesmo cluster. Com a descrição
das respostas dos licenciandos que compõem cada um dos cinco clusters
procuramos caracterizar o perfil dos licenciandos que agrupam os clusters e
compará-los, buscando compreender como cada cluster se posiciona em relação às
concepções sobre a docência e sobre a preparação para a docência.
Podemos observar que o cluster 4 agrupa o maior número de licenciandos,
seguido pelo cluster 2 e pelo cluster 1. Comparando os três maiores clusters,
podemos inferir que a maioria dos licenciandos investigados escolheu a licenciatura
por se identificar com a área da matemática e com a carreira docente. Também
podemos inferir que a maioria dos licenciandos participantes da pesquisa concorda
que a licenciatura em Matemática valoriza mais os conteúdos matemáticos,
deixando pouco espaço dentro do curso para as discussões sobre a escola e sobre
a docência. Os licenciandos dos clusters 1 e 2 consideram-se preparados para
assumir a docência enquanto os licenciandos do cluster 4 sentem-se
despreparados, justificando suas respostas com base na falta de discussões sobre a
escola e sobre a docência oferecida pela licenciatura em Matemática. Podemos
observar que a maioria dos licenciandos que compõem os dois maiores clusters (C4
e C2) é oriunda da U1 e o terceiro maior cluster (C1) é composto, em sua maioria,
por estudantes da U2.
Comparando os resultados, percebemos que os licenciandos do C4 e C2
escolheram a licenciatura em matemática por ter afinidade com a área e com a
carreira docente. Os sujeitos dos C2 e C4 concordam que a licenciatura em
Matemática deixa algumas lacunas, como a falta de conteúdos voltados para a
docência e a desarticulação entre as disciplinas específicas e pedagógicas, que a
125

prática pedagógica dos professores formadores influencia positiva e negativamente


a docência dos futuros professores e que o estágio supervisionado é um momento
de grande aprendizado. Também convergem na mesma opinião sobre o papel do
professor como transmissor de conhecimento. Nesse sentido o professor precisa
dominar o conteúdo matemático. Quanto à preparação para a docência, os
licenciandos do C2 consideram-se preparados e os licenciandos do C4 não se
sentem preparados para assumir a docência.
Em comparação com o C2 e C4, podemos perceber que os sujeitos do C1
também escolheram a licenciatura por terem afinidade com a área da matemática e
se identificam com a carreira docente. Relatam que se sentem preparados para o
exercício da docência, mas acham, assim como os C2 e C4, que a licenciatura em
Matemática deixa lacunas, como a falta de contato com a escola, de discussões
sobre a realidade escolar e de conteúdos voltados para a docência, bem como a
falta de articulação entre as disciplinas pedagógicas e específicas. Diferente dos C2
e C4, os sujeitos do C1 veem o estágio como uma experiência negativa, um
momento que não agrega muito à sua formação por ser um processo em que não
corresponde com o que realmente será a docência quando os mesmos forem atuar
como professores.
Podemos ainda inferir que a maioria dos licenciandos da U1 compartilha da
mesma opinião sobre as concepções sobre o que é a docência e quanto ao preparo
para a docência oferecida pelo curso, enquanto os licenciandos da U2 diferem de
opinião sobre a docência e sobre o preparo para a mesma.
Os resultados das entrevistas também foram submetidos ao Software
Mathematica®: Análise de clusters, e as respostas dos licenciandos participantes
das entrevistas seguiram o mesmo código dos utilizados para os questionários, ou
seja, 1 para a resposta positiva e 0 para respostas negativas. Com os dados das
entrevistas foram agrupadas 10 subcategorias. Participaram das entrevistas oito
licenciandos, que estão representados pelos números de 1 ao 8, como podemos
observar no Dendrograma abaixo:
126

Figura 4 – Dendrograma com os resultados da Análise de clusters das entrevistas

Fonte: a autora (2017)

Os licenciandos oriundos da U1 são representados pelos números 1 ao 6 e


os licenciandos da U2 pelos números 7 e 8. Observando o dendrograma de baixo
para cima, podemos notar que foram formados 3 clusters. Dois com os licenciandos
da U1 e um clusters com os licenciandos da U2.
O Cluster 1 (C1) é composto por dois licenciandos (1 e 6) os dois da U1. C1
Os sujeitos agrupados no C1 escolheram a licenciatura por se identificam com a
carreira docente. Quanto à preparação para a docência, os sujeitos do C1
consideram que na licenciatura em Matemática ainda faltam conteúdos voltados
para a área de ensino e enfatizam a desarticulação das disciplinas, ressaltando que
apenas nas disciplinas de instrumentação houve alguma articulação. Os
licenciandos agrupados no C1 consideram o professor como mediador do
conhecimento, assim precisa ter o domínio do conhecimento específico e
pedagógico. Quanto ao professor formador, os sujeitos do C1 relatam que são
influenciados, tanto positiva quanto negativamente por seus professores, também
relatam que percebem diferenças entre os formadores que já atuaram na educação
básica e que nunca atuaram.
Podemos observar, considerando as categorias e subcategorias que foram
organizadas a priori, que tipicamente, ou seja, a maioria dos entrevistados
agrupados no C2 que escolheram a licenciatura não se identificam com a carreira
docente. Para os licenciandos do C2, a licenciatura foi uma segunda opção de
curso. Quanto à concepção sobre a docência, os sujeitos agrupados no C2
127

consideram que o professor precisa dominar o conteúdo que irá ensinar, mas
também precisa possuir conhecimento sobre didática e metodologias de ensino.
Quanto à preparação para a docência, os licenciandos que compõem o C2
consideram que na licenciatura em Matemática faltam discussões e conteúdos
voltados para a docência e que as áreas do conhecimento específico e pedagógico
são desarticuladas e encaixotadas.
Os sujeitos do C2 também enfatizam que o curso não foca na licenciatura e
sim nos conteúdos matemáticos, ressaltando o caráter bacharelesco da licenciatura
em Matemática. Para os licenciandos da C2, na licenciatura em Matemática existe
uma valorização maior das disciplinas específicas e que os mesmos percebem uma
espécie de “disputa” entre áreas de conhecimento matemático e pedagógico. Nesse
sentido, os licenciandos enfatizam que os professores ao valorizarem mais os
conteúdos matemáticos acabam menosprezando os conteúdos pedagógicos que
buscam por espaço dentro do curso. A maioria dos licenciandos do C2 considera
que o professor formador influencia positivamente na formação dos futuros
professores de Matemática e que percebem quando o professor formador não tem
experiência na educação básica, que segundo os licenciandos diferencia
positivamente a prática pedagógica do professor.
O Cluster 3 (C2) agrupa dois licenciandos, que se identificam pelas
dissimilaridades de respostas em relação ao C1 e C2. Podemos observar que os
licenciandos que compõem o C3 são oriundos da U2. Podemos considerar, de
acordo com as respostas dos licenciandos agrupados no C2, associado às
categorias e subcategorias que deram origem aos clusters, que os sujeitos deste
cluster escolheram a licenciatura como uma segunda opção e que não se identificam
com a carreira docente. Os sujeitos deste cluster consideram que para o exercício
da docência é necessário o domínio do conhecimento matemático e pedagógico e
que o professor deve auxiliar o aluno na construção do conhecimento. Para os
licenciandos do C3 na licenciatura em Matemática faltam conteúdos voltados para a
docência, mas o curso procura articular os conteúdos matemáticos e pedagógicos
em algumas disciplinas como Modelagem Matemática. Podemos observar também
que de acordo com o dendrograma os licenciandos 7 e 8 pertencentes a U2
ficaram em um único clusters o que evidencia o distanciamento das respostas dos
alunos da U1 em relação aos alunos da U2.
128

Com a submissão dos dados das entrevistas, foi possível perceber com a
Análise de Clusters que os licenciandos foram agrupados ou não de acordo com a
instituição de ensino. Assim emergiu um dado interessante, os licenciandos das
duas instituições se diferem quanto às suas opiniões a respeito da sua preparação
para a docência, apesar de compartilharem opiniões sobre alguns pontos como: a
escolha pela docência e as influências do professor formador.
Comparando os clusters, percebemos que os licenciandos do C2, assim
como os do C3, não se identificam com a carreira docente, apenas os licenciandos
do C1 escolheram a docência por se identificarem com a carreira. Os licenciandos
do C1 consideram que o professor precisa ser mediador do conhecimento e que
precisa possuir conhecimento matemático, além do saber sobre didática e
metodologias de ensino. Os licenciandos do C2 e C3, também acham que para o
exercício da docência é necessário o domínio do conhecimento matemático e
pedagógico, mas para o C3 o professor deve auxiliar o aluno na construção do
conhecimento. Na opinião dos licenciandos dos três Clusters (C1, C2 e C3), na
licenciatura em Matemática ainda faltam discussões e conteúdos voltados para a
docência e que as áreas do conhecimento específico e pedagógico são
desarticuladas. Os licenciandos do C1 e C2 relatam que o curso procura articular os
conteúdos matemáticos e pedagógicos em algumas disciplinas. Nas falas dos
licenciandos do C2 ficou mais evidenciada a disputa entre as disciplinas. Na seção
4.5 os resultados dos Clusters serão mais bem discutidos e analisados, juntamente
com os resultados e discussões das categorias finais.
Na seção seguinte apresentaremos as categorias finais que foram
organizadas com o agrupamento das categorias originadas com os questionários e
entrevistas, as análises das mesmas com os resultados e discussões.

4.5 ANÁLISE DOS DADOS, RESULTADOS E DISCUSSÕES

Dedicamos esta seção para as análises e interpretações dos principais


dados do nosso estudo, articulando o referencial teórico e os resultados alcançados
ao problema de pesquisa. Ao fazermos a nossa trajetória de pesquisa com o objetivo
de apontar como se dá a preparação para a docência para os licenciandos de
Matemática das duas universidades investigadas, e como os sujeitos conceituam a
docência, buscamos apontar como os autores discutem essa formação,
129

relacionando com os resultados da nossa pesquisa. Em contato com os nossos


dados, procuramos identificar como nossos sujeitos elaboraram esses conceitos,
esses saberes, ou seja, suas concepções sobre a docência e sobre a sua
preparação para a docência, que nos permitiram construir algumas categorias.
Como já mencionado, em nossas análises os sujeitos participantes da
pesquisa foram denominados por números, L1 a L28 para os licenciandos da U1 e
L29 a L39 para os licenciandos da U2. Os licenciandos que participaram da
entrevista serão denominados por L mais o número que ocupavam no questionário
acrescido da letra “E”. Assim os licenciandos da U1 serão denominados L10E; L12E;
L13E; L14E; L15E e L17E e os licenciandos da U2 vamos denominar L30E e L31E
nos dados das entrevistas. As denominações têm por objetivo situar o leitor sobre os
dados originados do questionário e os da entrevista e também a que universidade os
licenciandos pertencem. As categorias e subcategorias originadas dos questionários
e das entrevistas foram agrupadas e nos permitiram construir quatro categorias e
sete subcategorias, divididas em dois eixos, que vamos chamar de categorias e
subcategorias finais e que serão apresentadas e analisadas a seguir:

Quadro 26 – Categorias e subcategorias finais

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS

Eixo 1 Identidade com a carreira docente


CONCEPÇÕES
SOBRE A Ser professor
DOCÊNCIA Papel do professor

Saberes necessários à prática docente

Escola como lócus de Contribuições do Estágio Supervisionado


formação e Programas de iniciação à docência
Eixo 2
CONCEPÇÕES
SOBRE A Professor Formador Referências e experiências do professor
PREPARAÇÃO
PARA A
DOCÊNCIA Preparação para a docência

Identidade do curso Disputa entre campos de conhecimento

Articulação entre as disciplinas


pedagógicas e específicas

Fonte: dados dos questionários e entrevistas


130

Quando analisamos nossos dados por meio da AC, construímos categorias


de acordo com a recorrência de significantes (unidades de registro) e significados
nas frases (unidades de contexto) das respostas dos licenciandos, esses
significantes e significados foram agrupados, o que deu origem às categorias. Essa
forma de análise nos permitiu identificar como os licenciandos avaliam seu processo
formativo no curso de licenciatura em Matemática e as suas concepções sobre a
docência de forma conjunta, não separando as IES. Com a submissão dos dados ao
software para a Análise de Clusters, esta nos permitiu “olhar além das categorias”.
Percebemos com a junção dos dados que os licenciandos se diferem quanto à
instituição de ensino à qual pertencem, que o processo formativo vivido na
licenciatura imprime algumas “marcas” nos sujeitos que possibilitou ao software
agrupá-los em Clusters diferentes de acordo com as similaridades de respostas.
Esses dados não seriam percebidos tão fortemente sem a Análise de Clusters. Nas
análises das categorias e subcategorias finais os resultados alcançados com os
clusters serão discutidos e analisados.

4.5.1 Categoria I –Ser professor

O modo como nos vemos e nos consideramos professores torna-se um dos


pilares da nossa identidade docente. O processo identitário constrói-se pelo
significado que cada professor ou futuro professor “confere à atividade docente no
seu cotidiano, com base em seus valores, em seu modo de situar-se no mundo, em
sua história de vida, em suas representações, em seus saberes, em suas angústias
e anseios, no sentido que tem em sua vida o ser professor” (PIMENTA;
ANASTASIOU 2002, p.77). A socialização formativa vivida na licenciatura é
determinante para a apreensão do habitus professoral que guiará as ações no
exercício docente dos futuros professores (SILVA, 2011). Nesse sentido as
concepções sobre o “ser professor” que os licenciandos constroem e (re) constroem
em seu processo formativo podem interferir significativamente em sua futura prática
pedagógica e em sua identidade docente.
A categoria Ser professor agrupa as respostas dos licenciandos sobre suas
concepções sobre a docência, e engloba três subcategorias: Identidade com a
carreira docente; Papel do professor e Saberes necessários à prática docente.
131

Iniciamos nossas análises arrolando sobre a subcategoria Identidade com a


carreira docente. Consideramos que os motivos que levaram o acadêmico até a
escolha de um curso de licenciatura, ou seja, pela docência, ter o desejo ou não de
ser professor, são fatores importantes que implicam também na identidade que este
profissional irá construir, no “lugar” que ocupará (BACCON; ARRUDA, 2015),
momento considerado como crucial ao pensarmos na construção dos saberes
necessários para o exercício do professor (TARDIF, 1991, 1999, 2012; GAUTHIER,
1998). A escolha por um curso de graduação envolve questões subjetivas e sociais,
dentro de algumas possibilidades que se apresentam para o licenciando no
momento da escolha. Os agentes tendem a adotar certas estratégias de ascensão
social de acordo com a sua posição no espaço social e volume de capital
(econômico, social, simbólico e cultural) disponível, assim certas estratégias de ação
seriam menos arriscadas. Os agentes com menor volume de capital, tanto
econômico como cultural, tenderiam a investir menos em estratégias educacionais
arriscadas. Para Bourdieu (2008), a relação entre as dimensões individuais e
coletivas e as estruturas sociais que irão definir nosso habitus, ou seja, nossas
escolhas são definidas dentro das possibilidades disponíveis de acordo com a
posição que ocupamos dentro da estrutura social. Vejamos como as falas dos
licenciandos revelam suas escolhas:

L4 – Afinidade com a área, para aprofundar meus conhecimentos.


L5 – O fato de sempre ter ido bem na matemática na época da escola.
L6 – Sempre gostei da disciplina matemática.
L13 – Facilidade com a matéria durante o ensino médio e estímulo de
professores.
L28 – Porque eu gosto de matemática e porque tive incentivo de alguns
professores.
L29 – Afinidade com a disciplina e bons professores.

A maioria dos licenciandos investigados relata que escolheu a licenciatura


por gostar da área da matemática. Percebemos que os alunos alegam gostar da
área da matemática e relacionam sua escolha com o fato de terem habilidade com a
disciplina no tempo de escola. As escolhas dos licenciandos revelam escolhas
“menos arriscadas” e com maiores chances de êxito, como o investimento em uma
área que acreditam ter facilidade, aumentando suas chances de sucesso. Dessa
forma as escolhas nem sempre são plenamente conscientes, mas relacionadas às
132

nossas estratégias de ação (BOURDIEU, 2008). Podemos observar ainda que


alguns estudantes se identificaram com a carreira docente por incentivo ou por
admirar alguns professores, muito antes de ingressarem na licenciatura, isso
demonstra que os acadêmicos trazem preconcepções sobre a docência advindas de
sua experiência como discente (MIZUKAMI, 2013; TARDIF, 2012; VAILLANT;
MARCELO, 2012). Segundo Imbernón (2011), a formação docente encontra-se
fragmentada em vários momentos, entre eles a experiência como discente.
Mizukami (2013) ressalta que ao entrarem num curso de licenciatura os estudantes
trazem preconcepções sobre o ensino do tempo em que eram alunos na educação
Básica. Essas preconcepções muitas vezes equivocadas e adquiridas de maneira
descontextualizada acabam cristalizando-se em concepções sobre a docência. Para
a autora, essas preconcepções podem ser (re) construídas ou (re) formuladas
quando a universidade assume a escola como lócus de formação.
Outra justificativa para a escolha do curso, a qual ficou em segundo lugar na
categorização dos questionários e em primeiro lugar nas entrevistas, revela que os
licenciandos pesquisados justificam sua escolha pelo curso como opção que
“acabou dando certo”, mesmo não sendo a primeira escolha de curso, pois não
passou no vestibular para Engenharia, por exemplo. Observa-se nas falas:

L12 – Gostaria de cursar engenharia, mas acabei parando em matemática,


e foi o melhor acaso. Acabei gostando muito da matemática.
L38 – Não ter passado no vestibular da UFPR em outro curso. Devido a
esse fato e por ter afinidade para com a matemática, optei pelo curso.
L14E – [...] eu particularmente, não era a primeira opção de curso, eu
passei a gostar no finalzinho do primeiro ano, aí eu comecei a perceber
assim que era realmente o que eu queria [...].
L12E – Na verdade eu acho que como a maioria do pessoal do primeiro ano
eu não entrei pensando em ser professor, eu entrei, na verdade tentei
alguns vestibulares, tentei engenharia e não passei e aí eu acabei optando
pela matemática.
L15E – [...] eu vejo que muitos entram na licenciatura, não porque gostam
da licenciatura, de ser professor e que querem ensinar, mas porque não
passaram em engenharia, ou porque não tem bacharel aqui, ou porque foi o
mais fácil entrar, é uma segunda opção.

A escolha pelo curso de graduação é uma questão importante para o jovem


que define sua carreira, no entanto podemos observar que uma grande parcela dos
licenciandos teve a licenciatura como segunda opção, demonstrando pouco
interesse em ser professor. Esse dado é salientado na pesquisa de André et al.
133

(2010) que ressalta como uma das novas demandas ao trabalho do professor
formador a relação que os alunos dos cursos de licenciatura estabelecem com a
docência, “[...] perceber no aluno, futuro professor, a falta de motivação para a
docência e de um movimento de autoimplicação no seu próprio processo formativo
constitui um desafio e consome tempo e energia dos docentes [...]” (p.130). Esses
alunos ingressam na licenciatura sem se identificarem com a carreira, isso traz
prejuízos à identidade e profissionalização docente (GATTI, 2010).
Outra possibilidade de escolha se relaciona com o desejo de ser professor,
que podemos observar nos fragmentos de falas abaixo:

L1 – Gostar de matemática e o desejo de ser professora. Pois tenho


vontade de lecionar, de ensinar e tentar fazer a diferença mesmo que
mínima, para a pessoa que deseja minha ajuda.
L4 – Por querer fazer a diferença positiva como professora de matemática
para meus alunos.
L8 – O interesse pela matemática e a vontade de atuar como docente nessa
área.
L35 – Sempre quis ser professora e como me identificava com a
matemática escolhi a licenciatura.
L10E – Porque tive um excelente professor de matemática e foi inspirada
nele que comecei a gostar do ensinar, transmitir conhecimento.
L15E – Eu sou sincero, eu não tinha certeza do que, se era ciência, se era
de matemática, se era português, mas eu sabia que queria ser professor.

Assim sendo, notamos que os sujeitos da pesquisa que permanecem nesta


subcategoria explicam que têm o desejo de ser professor, o que implica também na
identidade que este profissional irá construir, no “lugar” que ocupará (BACCON;
ARRUDA, 2015), bem como na construção dos saberes docentes (TARDIF, 1991,
1999, 2012; GAUTHIER ,1998).
Para Imbernón (2011), a preparação para a docência pode ser considerada
como a fase primordial, onde se aprende “os fundamentos de uma profissão”.
Segundo o mesmo autor, os futuros professores devem estar preparados para
assumir a tarefa educativa em toda a complexidade que envolve o exercício da
docência e isso exige comprometimento, que será possível com o sentimento de
pertença, ou seja, com a identidade profissional. No entanto, a construção da
identidade profissional envolve a escolha profissional.
Na subcategoria Papel do professor foram agrupadas as falas dos
licenciandos que revelam o que os mesmos compreendem sobre o tornar-se e ser
134

professor. Esta subcategoria revela também o que os licenciandos consideram ser a


função do professor na escola, como podemos observar nos excertos abaixo:

L1 – A função do professor é ensinar, transmitir conhecimentos.


L5 – O professor tem que transmitir o conhecimento, ensinamentos.
L19 – O professor deve transmitir conhecimentos, conhecer e ensinar.
L27 – O papel do professor é passar seus conhecimentos.

Podemos observar que alguns licenciandos consideram que o papel do


professor é transmitir o conhecimento aos alunos. Essa concepção de ensino se
enquadra no enfoque tradicional ou artesanal, onde a finalidade do ensino é a
transmissão do conhecimento (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002). Nesse modelo o
ensino que é praticado nas instituições segue a “tradição”, preservando um habitus
consagrado (BOURDIEU; PASSERON, 1992). Segundo Pimenta e Anastasiou
(2002), no modelo de ensino tradicional o conhecimento profissional advém da
prática e resulta da adaptação do docente ao campo escolar, sem modificar ou
alterar o habitus institucionalizado (BOURDIEU, 2004b).
Roldão (2007) esclarece que a ação de ensinar é específico do ofício de
professor, é o que distingue a atividade docente das demais atividades profissionais.
A afirmação da autora nos remete a outra questão: “O que se entende por ensinar?”.
Segundo a autora citada, o ato de ensinar está relacionado a questões conceituais e
históricas. Para a mesma autora, existe a concepção de que ensinar é uma forma de
transmitir aos outros o que se sabe e uma segunda concepção que considera que o
ensinar exige a capacidade de mobilizar o estudante para que se aproprie dos
conhecimentos de maneira ativa, ou seja, que o aprendiz possa construir seu próprio
conhecimento.
Para Roldão (2007), o estatuto diferencial do ofício do professor é a ação de
ensinar. A autora esclarece que não basta colocar à disposição do aluno os
conhecimentos, mas criar condições para que a aprendizagem ocorra, ou seja, é
preciso que sejam estruturadas ações que levem o estudante a se apropriar do
conhecimento, o que exige a mobilização de diferentes saberes (TARDIF, 2012). O
docente é “aquele que ensina, não porque sabe, mas porque sabe ensinar”
(ROLDÃO, 2007, p. 101). A autora supracitada reitera que a ação de ensinar é o
diferencial do professor e é essa ação que pode ou não contribuir para a
profissionalização docente.
135

O entendimento de ensinar como sinônimo de transmitir um saber deixou de


ser socialmente útil e profissionalmente distintivo da função em causa, num
tempo de acesso alargado à informação e de estruturação das sociedades
em torno do conhecimento enquanto capital global. [...] a função específica
de ensinar já não é hoje definível pela simples passagem do saber, não por
razões ideológicas ou apenas por opções pedagógicas, mas por razões
sócio-históricas (ROLDÃO, 2007, p. 95).

Nesse sentido, em razão das rápidas transformações da sociedade do


conhecimento, as informações estão disponíveis globalmente, assim a função do
professor precisa ser distinta da simples passagem de informações. Para se criar um
estatuto de profissionalidade23 docente precisamos diferenciar o ato de ensinar da
simples transmissão de conhecimento.
Nessa direção encontramos também, nos discursos dos licenciandos, os que
consideram que a função do professor é mediar o conhecimento ou auxiliar o aluno
a construir o próprio conhecimento:

L18 – O papel do professor é de ser um mediador do conhecimento e


também de ser um incentivador para os alunos, transformar o que é dito
difícil em algo fácil e gostoso de aprender.
L31 – O professor deve fornecer meios e caminhos para que o aluno possa
construir conhecimentos novos partindo inclusive de conhecimentos trazidos
do cotidiano, o professor deve facilitar, oportunizar o contato de alunos com
o conhecimento e com o processo de reflexão acerca desses
conhecimentos.
L33 – Repassar o conhecimento aos alunos nas mais diferentes formas
existentes para isso, seja mediando a construção do conhecimento ou seja
de outra maneira.

Esses licenciandos entendem que o ato de ensinar requer diferentes


saberes, entre eles os conhecimentos pedagógicos e saberes experienciais
(TARDIF, 2012). Para André et al. (2012, p.104), essa especificidade da docência em
saber transformar o conhecimento do conteúdo em ensino, “reforça o estatuto de
profissionalidade”.
Nas falas dos licenciandos encontramos ainda discursos que revelam a
complexidade da docência. Alguns licenciandos consideram que ser professor
extrapola a sala de aula e vai muito além do ensinar conteúdos como podemos
observar nas falas abaixo:

23
“A profissionalidade é entendida como um processo interno do professor, que consiste na aquisição
de conhecimentos que são mobilizados nas atividades docentes. São saberes próprios da profissão
docente que englobam os saberes disciplinares e pedagógicos” (ANDRÉ et al., 2012, p.106).
136

L15E – [...] eu acho que o papel do professor vai muito além do ensinar
matemática, muitas vezes eu escuto colegas na minha sala de aula dizendo
que o professor não tem o papel de psiquiatra, de psicólogo, muito pelo
contrário, ele não pode direcionar o aluno como os psicólogos, porém, ele
pode trazer o aluno pra perto pra conversar muito mais do que o psicólogo,
então não é só ensinar matemática, mas ele esquece que para que ele
atinja o objetivo da matemática ele tem que saber qual é a dificuldade do
aluno e muitas vezes não é regra decimal, não é uma equação, mas é o que
está acontecendo na realidade dele, em casa, na escola, no trabalho, se ele
é excluído pelos colegas ou não, eu acho que o objetivo do professor vai
além de ensinar.
L14E – Ser professor não é só dar aulas, tem que ter amor, tem que saber
ensinar.
L12E – O professor precisa saber o conhecimento de metodologias, de
como lidar com os alunos porque é muito difícil a relação professor-aluno,
acaba não tendo essa relação e fica distante dos alunos e isso é muito
complicado, eu acho que o professor tem que ter essa relação [...].
L30E – [...] hoje em dia a gente está desfocando um pouco, o professor está
tendo que ensinar a ser justo, corretos, ensinar valores que não são trazidos
de casa, hoje em dia o papel do professor também é orientar, hoje em dia
querendo ou não a gente tem é isso, problemas sociais que trazem pra
dentro da escola.

Para esses licenciandos o professor assume tarefas que vão muito além de
apenas ensinar os conteúdos aos alunos. O professor precisa lidar com situações
muito complexas e imprevisíveis. As falas dos licenciandos revelam uma concepção
de ensino coerente com o enfoque hermenêutico ou reflexivo, que considera o
ensino como “uma atividade complexa que ocorre em cenários singulares
claramente determinadas pelo contexto” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p.185).
Os licenciandos investigados enfatizam a dimensão relacional envolvida na
docência (ANDRÉ et al., 2012). Segundo Roldão (2007), quando ensinamos sempre
ensinamos algo a alguém, isso envolve a dimensão pessoal e profissional. A
interatividade da docência também é enfatizada por Soares e Cunha (2010). Para as
autoras a docência se constitui como uma atividade complexa e interativa, que
envolve a relação do professor com os saberes docentes e com o outro, ou seja,
envolve a contrapartida do outro. Como afirma Tozetto (2014, p.17),“é uma via de
mão dupla”, o objetivo do professor é o ensino e para que se atinja esse objetivo
interagimos com pessoas. A interatividade da docência implica considerar que “o
processo formativo se desenvolve num contexto grupal, em que pessoas com
histórias de vida distintas se implicam mutuamente” (SOARES; CUNHA, 2010, p.
27). Esta “trama invisível que impacta os processos de ensino e aprendizagem”
137

coloca para o professor o desafio de compreender os contextos mais amplos em que


o processo de ensino se desenvolve (p. 27).
Os licenciandos participantes da pesquisa também relatam sobre o tornar-se
e ser professor e a carreira docente:

L12E – Eu acho a carreira de professor um pouco atrativa, mas falta


mais...quando a gente fala que vai ser professor as pessoas falam “vai ser
sofrido”, mas não é assim eu acho...é uma visão um pouco preconceituosa,
sem prestígio até pelo governo e tal, mas...
L15E – [...] eu vejo que hoje está se tornando uma cúpula, é a mesma coisa
que médico, a sociedade transforma “ah... por que é médico” coloca num
pedestal lá em cima, e os professores está acontecendo isso, em vez de ser
uma categoria unida estão se dividindo, os professores da universidade têm
que estar no pedestal, mas quem está no papel que é a educação básica
ninguém valoriza.
L17E – Eu quero ser professora, eu espero que eu possa transmitir o que
eu aprendi de forma que todos os alunos que passem por mim aprendam
aquele determinado conteúdo que eu vou estar passando pra eles. Hoje em
dia a carreira está desvalorizada, uma desvalorização da carreira,
desmotivação, a gente teve aula com muitos professores que estavam
desmotivados, espero que mudem muita coisa, estou me formando e quero
que melhore, quero melhorar, não vou atingir todo mundo, mas quem
estiver ao meu redor.
L13E – O professor é a pessoa mais importante que tem, eu acredito nisso.
Quero seguir a carreira docente, eu tenho consciência de que não é o
melhor salário do mundo, mas dá instabilidade você consegue viver como
professor, eu tenho as melhores expectativas assim, vim do meu último
estágio esperançosa...então eu tenho uma expectativa boa, a carreira
docente não é valorizada é uma carreira sofrida.
L10E – Eu conheço muito pouco da realidade da carreira docente, o que eu
quero assim é pouco, eu só quero dar aulas, entrar numa sala de aula
conhecer os alunos e fazer assim...eles serem fascinados pela matemática
assim como eu sou fascinada.
L30E – Eu gostei do curso de Matemática, até passou pela minha cabeça
ser professor, mas aí desisti, tive bastante contato com a sala de aula,
participei do PIBID, fiz projetos desde o primeiro ano até o começo do último
ano e no último fiz Iniciação Científica, pretendo talvez ser professor do
Ensino Superior, talvez. A maioria não quer ser professor, iniciamos em 45
e mais 5 de dependentes e nos formamos em 8.

Podemos observar na fala dos licenciandos que os mesmos têm consciência


das dificuldades e da desvalorização da carreira docente, no entanto muitos são
otimistas, acham que essa desvalorização tende a diminuir e acreditam na docência,
no exercício do professor como transformador da sociedade. Os licenciandos
entrevistados também relatam que a carreira docente não é atraente e elegem como
justificativa os baixos salários. O discurso recorrente de que o professor “ganha mal”
e a desvalorização do professor, desembocam na pouca atratividade da carreira
docente, distanciando os jovens do desejo de ser professor (GATTI; BARRETO,
138

2009). Para as autoras, alguns fatores contribuem com a falta de atratividade da


carreira docente como “a feminização do magistério, as transformações sociais, as
condições de trabalho, o baixo salário, a formação docente, as políticas de
formação, a precarização e a flexibilização do trabalho docente” (2009, p.11).
No discurso dos licenciandos podemos perceber que a desmotivação
docente atinge também os professores formadores, isso se deve, segundo pesquisa
de André et al. (2010), aos desafios da docência que acabam se refletindo no Ensino
Superior, como a desvalorização docente, já enraizada na sociedade e que se
incorpora nas expectativas dos licenciandos, que acabam ficando desmotivados
quanto ao seu próprio processo formativo, trazendo novas demandas aos
formadores, como, por exemplo, motivar os alunos, lidar com a defasagem advinda
do ensino básico. Para André et al. (2010), nas últimas décadas houve muitas
mudanças no perfil do aluno das licenciaturas, dentre elas podemos citar a relação
que o aluno estabelece com a docência e a precariedade da escola pública.
Segundo a autora, os alunos “ingressam na licenciatura sem o domínio dos
conteúdos básicos, que deveriam ter sido adquiridos na escolarização anterior”
(p.130), e isso traz novas demandas ao trabalho dos professores formadores
Para os autores supracitados, os jovens que ingressam na licenciatura
buscam uma formação rápida, demonstram pouco interesse em aprofundamentos
teóricos e têm grande receio em seguir a carreira docente. De acordo com
pesquisas de André et al. (2012, p.102), os professores formadores “são unânimes
ao afirmar que um grande desafio do seu trabalho docente era lidar com o „novo‟
aluno dos cursos de licenciatura”. A pesquisa de André et al. (2012, p.102) revela o
que o perfil dos estudantes de licenciatura mudou nos últimos anos, são “jovens
provenientes de classes sociais emergentes, egressos do sistema público de ensino,
com acesso restrito aos bens culturais e com muitas defasagens na sua trajetória
escolar”. No entanto, como podemos observar em alguns relatos dos licenciandos,
estes ainda buscam ingressar na docência para “fazer a diferença”, ou seja, eles têm
esperanças de conseguir modificar a sua realidade (muitos são provenientes de
classes populares) e a realidade dos seus futuros alunos.
Segundo Gatti (2014), já é conhecido de todos que a carreira docente não
atrai os jovens, principalmente nas áreas específicas de Matemática, Química e
Física, e ainda dos que ingressam na licenciatura nessas áreas, em torno de 70%
desistem antes do final do curso. A falta de atratividade da carreira docente acaba
139

se refletindo na Educação Básica. Segundo dados da pesquisa de Alves e Silva


(2013), o número de professores atuando no ensino básico fora de sua área de
formação é muito elevado, na disciplina de Matemática pouco mais de 38% dos
professores tinham formação na área. A pesquisa revela a grande carência
formativa dos professores, na região Norte essa carência se acentua (10% de
professores atuando com formação específica na área de Matemática), na região
Sul, apesar de menor a carência, menos da metade dos professores que lecionam
na educação básica (últimos anos do fundamental e no Ensino Médio) possui
formação específica na área da Matemática (42,9%). A situação exposta pela
pesquisa de Alves e Silva (2013) exige políticas de valorização das licenciaturas,
que mesmo dentro das Universidades gozam de menos prestígio (GATTI, 2014;
SANTOS, 2008; BOURDIEU, 2013). Segundo Gatti (2014), no Brasil ainda
carecemos de políticas que valorizem a docência e que tragam suporte para a
permanência dos licenciandos tanto na licenciatura quanto na escolha pela carreira
docente depois de formados.
Prosseguindo nas subcategorias de análise, a subcategoria Saberes
necessários à prática docente foi organizada com os discursos dos licenciandos
sobre o que eles consideram importante o professor saber para atuar em sala de
aula. Partimos da premissa de que a docência envolve um repertório de saberes
específicos do ofício docente (TARDIF, 2012), assim os professores no exercício da
docência precisam mobilizar diferentes saberes em sua prática pedagógica. Tardif
(2012) e Gauthier (1998) consideram que os saberes docentes são plurais e
possuem fontes variadas, no entanto os autores ressaltam que os saberes
construídos na formação inicial compõem os pilares para a construção de vários
outros saberes, entre eles os saberes experienciais.
Em nossas análises constatamos que a maioria dos licenciandos considera
como essencial o professor saber o conteúdo que será ensinado:

L14E – [...] o professor primeiramente deve saber o conteúdo, dominar


aquilo que está falando, isso é o principal porque não adianta você não
saber nada do conteúdo, vai chegar lá e falar só abobrinha [...].
L17E – O professor tem que ter domínio do que ele vai falar do conteúdo
dele, não a questão da matemática básica, mas tem que saber do que ele
está falando [...] o professor ele tem que saber pra ele, porque se ele não
souber nem pra ele, como ele vai explicar uma coisa que nem ele não sabe,
eu acho que é isso, tem que saber explicar, transmitir, fazer com que os
alunos entendam o que ele tá falando.
140

L13 – O professor para entrar em sala de aula precisa ter o conhecimento


específico, o aluno detecta de imediato se você não sabe o que está
falando, o aluno tem noção disso [...].

As falas dos licenciandos evidenciam que os mesmos atribuem uma


importância considerável ao saber específico de Matemática. Vaillant e Marcelo
(2012) ressaltam que o docente deve sim possuir conhecimento da matéria que
ensina, no entanto o conhecimento da matéria não significa o conhecimento apenas
do conteúdo matemático a ser administrado, envolve o conhecimento sobre a
disciplina que ensinamos. Para os autores, o conhecimento sobre a disciplina abarca
“o corpo de conhecimentos gerais de uma matéria, os conceitos específicos,
definições, convenções e procedimentos” (p. 72). Além desses conhecimentos da
matéria, o conhecimento sobre a disciplina envolve o conhecimento “dos paradigmas
de pesquisa em cada disciplina, do conhecimento em relação às questões como a
validez, tendências, perspectivas e pesquisa no campo de sua especialidade”
(VAILLANT; MARCELO, 2012, p. 72). O conhecimento sobre a disciplina “é
importante na medida em que determina o que os professores vão ensinar e de que
perspectiva o farão” (VAILLANT; MARCELO, 2012, p. 72). Os autores supracitados
esclarecem que quando o docente não possui os conhecimentos necessários da
estrutura de sua disciplina de atuação pode apresentar de forma inadequada o
conteúdo aos alunos. “O conhecimento que os docentes possuem do conteúdo a
ensinar também influi no que e como ensinam” (p. 72). Nesta perspectiva, possuir o
conhecimento da matemática envolve bem mais do que simplesmente saber o
conteúdo que vai lecionar, esta é uma visão limitada do que seria o conhecimento
específico.
A importância dada pelos licenciandos ao saber específico dos conteúdos de
matemática também está atrelada a uma perspectiva tradicional de ensino. Como
afirmamos acima, o modelo tradicional enfatiza a transmissão do conhecimento.
Nesse modelo de ensino são valorizados os conhecimentos disciplinares específicos
da área. O modelo tradicional também considera a docência um “dom inato”, nesse
sentido os conhecimentos pedagógicos são menosprezados (PIMENTA;
ANASTASIOU, 2002). Para Imbernón (2011, p. 7), “a profissão docente deve
abandonar a concepção predominante no século XIX de mera transmissão do
conhecimento acadêmico”. Esse modelo de ensino se tornou obsoleto, segundo o
autor, ao passo que a sociedade mudou muito nos últimos anos e a instituição
141

educativa evoluiu, no entanto sem quebrar com as “linhas diretrizes que lhes foram
atribuídas em sua origem: centralista, transmissora, selecionadora e individualista”
(p. 7). Nesse sentido podemos inferir que para se repensar a questão do ensino,
tanto na Educação Básica como no Ensino Superior é preciso que se repense as
próprias instituições e seus modelos de ensino.
Nesta mesma subcategoria identificamos que alguns dos licenciandos
investigados consideram o saber específico importante, mas não desconsideram os
conhecimentos da didática e metodologias de ensino, como podemos observar nos
discursos:

L4 – Saber o conteúdo, conhecer diferentes metodologias para serem


aplicadas num mesmo assunto.
L8 – Além dos conhecimentos matemáticos é importante ter os
conhecimentos didáticos para poder transmitir o conhecimento de maneira
eficaz.
L17 – Conhecimento acadêmico da matemática, aliado às técnicas de
aprendizado, didática.
L35 – Didática, conhecimento sobre a matemática e também saber transpor
esses conhecimentos para que sejam ensinados. Conhecer diferentes
metodologias de ensino também é necessário para que os conteúdos sejam
abordados de maneiras diferentes.
L12E – Além do conhecimento específico o professor precisa saber o
conhecimento de metodologias, de como lidar com o aluno, porque é muito
difícil a relação professor-aluno [...] eu acho que tem que estar muito forte
as metodologias, como ensinar, essa é a grande questão, até mais do que o
conhecimento específico [...] As metodologias são importantes por causa
disso, várias maneiras de ensinar.

Na maioria dos relatos acima podemos perceber que os licenciandos


consideram essencial saber o conteúdo específico associado à didática, vista pelos
mesmos como um método de ensino. Para Pimenta e Anastasiou (2002), este
enfoque técnico conferido à didática considera que o ensino é compreendido como
campo de aplicação dos conhecimentos científicos por meio de técnicas e modelos
predeterminados. Nesse sentido a Didática se preocupa com a busca de métodos e
técnicas de ensino “sem se preocupar com a diversidade e a desigualdade das
condições de aprendizagem” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 184). Esses
licenciandos consideram que o conhecimento pedagógico se resume em saber
diferentes metodologias de ensino.
142

Identificamos também que alguns licenciandos consideram importante, além


dos conhecimentos específicos e pedagógicos, o conhecimento sobre o aluno, sobre
a escola, enfim, sobre os contextos mais amplos que envolvem o ensino:

L15E – [...] o domínio do conteúdo acho importantíssimo, não só para a


matemática, mas para qualquer assunto abordado.O professor na minha
visão, ele precisa ter o domínio do conteúdo, do conhecimento que ele
aprendeu na graduação e ter o domínio não só da didática, mas ele saber,
conhecer o aluno que tem.
L10E – O professor tem que ter uma base de tudo, eu acho que tem que
saber a matéria, isso é essencial, o como transmitir essa matéria, o como
conversar com o aluno, visualizar a turma no geral.
L30E – Pra dar aula o professor primeiro tem que saber o objetivo da aula,
tem que saber o que ele quer passar, a linguagem que os alunos vão
entender o que ele está falando, ele tem que saber demonstrar o que ele
quer ensinar, tem que ser paciencioso e entender que nem todos os alunos
vão entender da mesma forma, o professor precisa saber pelo menos
setenta por cento de cada um, do específico e do pedagógico, não adianta,
temos exemplos de pessoas que eram ótimas detentoras do conhecimento
científico, mas péssimos professores, ou professores que tinham pedagogia
e não tinham conhecimento científico, você tem que ser meio termo, tem
que ser bom nos dois.

Percebemos nesses discursos que esses licenciandos consideram que o


professor precisa mobilizar diferentes saberes (saberes disciplinares, curriculares,
saberes experienciais e saberes da ação pedagógica). Isto fica evidenciado quando
os licenciandos apontam que é preciso “saber o objetivo da aula, o que quer passar,
a linguagem utilizada, saber o conteúdo específico, o pedagógico, ter uma visão
geral da turma, conhecer o aluno”. Vaillant e Marcelo (2012) consideram como um
dos componentes do conhecimento docente saber sobre “o onde e a quem se
ensina”. Os autores ressaltam que os professores devem estar atentos à “dimensão
ecológica do conhecimento”, que não reside nos indivíduos, mas nas relações que
estes estabelecem com seus alunos, com seus pares e com o ambiente onde o
ensino se desenvolve. Isso exige que os professores “estejam sensibilizados para
conhecer as características socioeconômicas e culturais de seu ambiente, as
oportunidades que podem ser integradas no currículo, as expectativas dos alunos
etc.” (VAILLANT; MARCELO, 2012, p.74).
Para Imbernón (2011, p.14), os contextos em que o ensino se concretiza
requerem cada vez mais dos professores “a capacidade de se adequar a eles
metodologicamente”. Isto exige “uma visão de um ensino não tão técnico [...] que
analisa a educação como um compromisso político prenhe de valores éticos e
143

morais e o desenvolvimento da pessoa e a colaboração entre iguais como um fator


importante no conhecimento profissional”. Para o autor, a docência exige variadas
funções como: “motivação, luta contra a exclusão social, participação, animação de
grupos, relações com estruturas sociais, com a comunidade. E é claro que tudo isso
requer uma nova formação inicial e permanente” (p.14). Nesse sentido, a formação
docente deve abandonar o conceito de professor “enciclopédico e o do especialista-
-técnico”, proveniente de uma formação baseada na racionalidade técnica, “cuja função
é transmitir conhecimentos mediante a aplicação mecânica de receitas e procedimentos
de intervenção projetados e oferecidos a partir de fora” (IMBERNÓN, 2011, p.43).
O que se espera do docente é um papel mais ativo tanto nas questões de
ensino, como na escola e no processo de profissionalização, em uma perspectiva
mais crítica sobre os processos que envolvem a docência como as políticas públicas
e os processos avaliativos. Em suma, podemos dizer que a atividade docente em
sala de aula exige dos professores variados tipos de habilidades e conhecimentos e
essa premissa deve ser considerada na formação inicial.

4.5.2 Categoria II – Escola como lócus de formação

Quando consideramos os saberes docentes como ponto de partida para se


repensar os currículos da formação inicial, isso nos leva a pensar sobre outra
questão importante na preparação docente nas licenciaturas: a relação entre
universidade e escola, já que os conhecimentos e habilidades adquiridas na
formação inicial precisam estar em estreita relação com os conhecimentos que os
professores de carreira mobilizam em suas práticas pedagógicas, eliminando o
distanciamento entre o que se aprende na licenciatura e o que realmente acontece
nas escolas (TARDIF, 2012). A escola é considerada por muitos autores
(MIZUKAMI, 2002, 2013; VAILLANT; MARCELO, 2012; IMBERNÓN, 2011; TARDIF,
2012, entre outros) como um ambiente privilegiado para a aprendizagem da
docência, ou seja, a escola é essencialmente um lócus de formação docente.
Na categoria Escola como lócus de formação reunimos os discursos dos
licenciandos sobre como eles percebem (ou não) a contribuição da escola em seu
processo formativo como futuros professores. Nesta categoria os licenciandos
discorreram sobre as experiências vivenciadas no contato com a realidade escolar e
a maioria apontou as Contribuições do Estágio Supervisionado e Programas de
144

iniciação à docência (PIBID) como importantes para sua preparação docente como
podemos observar nos discursos:

L15E – O estágio para mim proporcionou muita experiência, inclusive o


PIBID, apesar de ser um programa a parte pode auxiliar muito, foi um
programa que eu participei um ano, mas me proporcionou muito a ter uma
visão de como é a sala de aula além do estágio. O PIBID deveria ser um
programa, não digo obrigatório, mas deveria ser para todos como um
complemento do currículo.
L14E – No terceiro ano eu aprendi muito com o estágio, a professora levou
nós, a gente aprendeu, viu que cada escola tem o seu jeito, tem o seu
ensino, não eram escolas centrais e sim escolas de bairros, isso a gente
viu, agora nesse ano no estágio a gente não aprendeu nada, a professora
não dá aula só dá texto, a gente só sabe que foi na escola, fez nossa parte
daquele jeito, só e acabou...
L12E – O estágio contribui muito, legal, mas poderia contribuir mais, são
dois anos só, como eu disse, a gente sabe que precisa de uma experiência
um pouco maior, até por isso os alunos que fazem o PIBID saem na
vantagem muito grande porque estão na escola desde o primeiro
ano...Quando eu comecei o estágio foi algo bem interessante porque eu
nunca tinha tido contato com a sala de aula, quando eu iniciei eu acabei me
apaixonando no momento, eu nunca tinha visto, é uma profissão difícil não
é algo fácil de se fazer [...] mas eu acho que no geral eu vou gostar muito de
ser professor porque as experiências no estágio foram muito boas [...].

Esses licenciandos relatam que o estágio contribuiu significativamente para


a sua formação docente. Para Vaillant e Marcelo (2012), os estágios são o
“componente estrela” da formação inicial docente, são momentos importantes nos
quais os futuros professores entram em contato com a escola e interagem com os
estudantes e com os professores da Educação Básica. Para muitos licenciandos o
estágio será o primeiro contato com a sala de aula como futuro professor, em uma
situação sistematizada e formal.
As experiências vividas nos estágios proporcionam experiências práticas de
ensino e “representam uma ocasião privilegiada para pesquisar o processo de
aprender e ensinar” (VAILLANT; MARCELO, 2012). Para Silva (2011), é na ação
concreta de ensino que os saberes profissionais são mobilizados, mas para que haja
a construção de novos saberes e a reformulação dos mesmos, assim como a
desmistificação de concepções enraizadas é necessário a reflexão sobre a
docência, que pode ser iniciada de forma sistemática e planejada na licenciatura.
Inseridos no ambiente escolar os licenciandos têm a oportunidade de refletir sobre
os processos de ensino, mas nem sempre esta reflexão sobre a docência acontece.
Nos relatos dos licenciandos investigados foi possível perceber que as experiências
no estágio são diferentes de acordo com a maneira como são coordenadas pelos
145

formadores. Em muitas ocasiões os estágios se resumem em “cumprir um


componente obrigatório do currículo”, sem muitas discussões sobre a docência e
sobre os processos de ensino (GATTI, 2014).
Nos últimos anos várias pesquisas (PIMENTA; LIMA, 2004; 2006;
FORNAZARI, 2012; CALDERANO, 2012; GATTI, 2012; GATTI; BARRETO, 2009)
foram desenvolvidas para se conhecer melhor os Estágios Supervisionados nas
licenciaturas e os resultados não são animadores. As pesquisas indicam que na
maioria das IES o Estágio Supervisionado não possui um projeto específico, carece
de apoio institucional e convênio com as escolas e ainda conta com
acompanhamento e avaliação precários.
Vaillant e Marcelo (2012) também apontam algumas limitações que
influenciam no desenvolvimento dos estágios como: Práticas de estágios não
estruturadas e organizada; Ausência geral de um currículo explícito para o estágio;
Falta de preparo dos supervisores de estágio; Baixo status dos estágios nas IES, o
que representa menos recursos; Falta de reconhecimento pelas escolas básicas da
importância do estágio. Importante ressaltar que a falta de um convênio das IES24
com as escolas de Educação Básica dificulta os estágios e maximiza a
desvalorização do mesmo no interior das escolas. Esta falta de articulação entre
escola e IES, no que se refere aos estágios, só aprofunda ainda mais o fosso entre a
Universidade e a escola. Gatti (2013), com base em relatos de pesquisa acentua
que é quase inexistente projetos institucionais de estágios articulados com as redes
de ensino. O distanciamento entre universidade e escola dificulta o conhecimento
das demandas da escola por parte das IES. Cartaxo e Martins (2014, p. 344) são
mais incisivas e consideram que “as licenciaturas não têm razão de existir
desvinculadas das necessidades geradas nas escolas onde seus egressos irão
atuar”. Nesse sentido, conhecer as demandas da escola e proporcionar aos
licenciandos a compreensão destas demandas seria um dos desafios das IES.
Outra situação importante no que se refere aos estágios apontada pelos
licenciandos foi o início das práticas de estágio no interior da licenciatura. A maioria
dos licenciandos considera que o estágio deveria ser iniciado desde o primeiro ano
da licenciatura em Matemática, como mostram os discursos:

24
De acordo com a legislação vigente, que orienta o desenvolvimento dos estágios no interior das
licenciaturas (Lei 11.788/2008), fica a critério das IES celebrarem convênios com as redes de
Educação Básica (BRASIL, 2008).
146

L15E – Acho que o estágio deveria ser desde o primeiro ano, para o aluno
se dar conta do que vai enfrentar, já nos anos iniciais, porque muitos
chegam no quarto ano e dizem “ah eu não quero dar aula, eu não quero ser
professor”, mas aí deixou pra ver isso só no quarto ano, pra ver que não
quer?...o problema não é se ele vai dar aula ou não depois que ele sair da
graduação, mas que tipo de aluno esse professor que não quer dar aula,
que não quer ser professor, que tipo de aluno ele vai formar?
L12E – Uma questão importante da grade curricular é a questão do estágio
que é a partir do terceiro ano, eu acho que seja pelo menos só uma
observação deveria ter, mesmo com uma carga horária reduzida, mas eu
acho que o aluno deveria estar em sala de aula desde o primeiro ano do
curso, pois é um curso de licenciatura, se fosse dessa forma seria muito
mais fácil fazer as metodologias, você estaria na escola vendo o que
acontece, conseguiria fazer um paralelo né...
L17E – O estágio é bom, mas deveria ter mais coisa, poderia ter mais
contato antes com os alunos, fica dois anos sem ter contato, deveria ter
logo nos primeiros anos porque é uma licenciatura, porque é importante
isso, mas eu também acho que de certa forma no primeiro ano, acho que no
primeiro ano contato, observação, não chegar a uma intervenção porque a
gente não tem bagagem nenhuma. Seria importante até para ter uma
seleção, porque muita gente que entra pra uma licenciatura, mas não é isso
que querem e vai ver isso muito tarde.
L13E – [...] uma diferença que eu vejo é os colegas que fazem o PIBID e os
que não fazem, os que fazem estão a mil anos na nossa frente porque têm
a experiência desde o primeiro ano, eu acho isso muito importante, [...] valia
apena você investir numa disciplina que pudesse pôr o aluno lá, não precisa
fazer docência, só observação, [...] mas está ali vivenciando a experiência
pra no terceiro ano não levar aquele susto.

Notamos nos discursos um anseio muito grande dos licenciandos em


conhecer a escola, em ter contato com os alunos até mesmo para confirmar as suas
escolhas pela docência. Os licenciandos relatam que o contato com a escola apenas
no terceiro ano acaba prejudicando sua formação docente e até as suas escolhas
por permanecer na licenciatura. Os discursos desses licenciandos deixam bem claro
que o contato com a escola e com a situação concreta em sala de aula que vai
definir a sua escolha profissional. Percebemos nos relatos que os acadêmicos
consideram os estágios um “divisor de águas”, um momento importante para
perceberem se realmente irão “gostar da sala de aula” e se realmente irão seguir a
carreira docente.
De acordo com as DCN para a formação de professores que orientam os
cursos de Licenciatura e o PPC das universidades investigadas, o estágio deve ser
desenvolvido a partir do início da segunda metade da licenciatura em Matemática.
No entanto, percebemos nas falas dos licenciandos que os mesmos acham
importante o estágio ser desenvolvido desde o início do curso, corroborando com o
147

que dizem os autores da área de formação de professores (DINIZ-PEREIRA,1999;


VAILLANT; MARCELO, 2012; MIZUKAMI, 2002, 2013).
Para Mizukami (2013), as escolas são lócus de formação docente, nesse
sentido são locais privilegiados para a construção de conhecimentos sobre a
docência. A autora ressalta que quando a universidade elege a escola como
“agência formadora da docência”, muitas das preconcepções dos licenciandos sobre
o ensino, advindas de sua experiência como discente na Educação Básica, podem
ser (re)formuladas e adquirem novo sentido se as experiências vividas na
licenciatura forem vinculadas à experiência prática nas escolas, onde o aluno-
-licenciando formulou suas preconcepções, muitas vezes de forma
descontextualizada. Nesse sentido as experiências vivenciadas na licenciatura são
determinantes para a (re) construção das concepções sobre a docência e do “ser
professor” que irão influenciar as ações docentes do futuro professor em diferentes
situações escolares.
Percebemos também na fala dos licenciandos que as experiências
vivenciadas no PIBID contribuem significativamente para o conhecimento sobre a
realidade das escolas. Os acadêmicos investigados salientam que os alunos que
participam do PIBID estão em “vantagem” ao estarem em contato com a escola
desde o início do curso. De acordo com Gatti (2014), as pesquisas na área de
formação de professores apontam que os Programas de Iniciação à Docência como
o PIBID trazem resultados positivos e “estimulam os estudantes das licenciaturas a
escolherem a docência e nela permanecerem”. Podemos inferir, com base nos
relatos dos licenciandos investigados e na literatura existente, que o contato com a
escola pode definir se o futuro professor seguirá a carreira docente. Nesse sentido,
inferimos também que o contato com a escola de forma sistemática e organizada
aumenta as chances do licenciandos permanecerem na sua escolha pela docência.
Assim como encontramos nos relatos licenciandos que consideram o estágio
uma experiência positiva para a sua formação e aprendizagem da docência na
licenciatura, encontramos relatos que apontam os estágios como uma experiência
negativa como nos discursos abaixo:

L1 – O estágio contribui pra aprender como não ser professor, a disciplina


não nos dá suporte para aprender ser professor, durante o estágio vivemos
um “faz de conta” e não aprendemos nada sobre a profissão.
148

L22 – No estágio, diferente do PIBID, aprendi o que não se deve fazer em


sala de aula e nas aulas de estágio só conversa... não se discute forma de
ensino e dificuldades encontradas.
L25 – A contribuição é quase nenhuma, pois a realidade é bem diferente.
L28–Sinceramente não ajuda muita coisa, pois vamos aprender a dar aula e
se relacionar com os alunos quando for professor e não estagiando.
L30 – O estágio foi um momento muito traumático visto que os professores
do curso ficaram anotando cada palavra comentada. Mesmo assim a
realização do mesmo fez com que eu percebesse algumas falhas que há
tempo eu cometia, assim como o fato de algumas atitudes podem repercutir
no desenvolvimento da turma.
L35 – Para mim estágio supervisionado não é algo bom, pois o fato de estar
sendo supervisionada, todas as aulas do estágio me deixam nervosa e faz
com que eu perca um pouco do meu dinamismo, por mais que não seja esta
a intenção.
L38 – É válido no sentido de propiciar uma nova experiência. Entretanto, o
estágio nos moldes que temos torna-se dispensável ao meu ver.
L31E – No estágio eles (os professores formadores) chegam e ficam te
olhando a aula toda e cada dia um, chega a ser um pouco complicado, a
gente ficava envergonhado, a gente não pode ser meio louco e tentar
explorar algumas coisas, por exemplo, no meu estágio eu trabalhei com
resolução de problemas com o uso de tecnologias, em um momento eu fui
levar os alunos na sala de informática [...] aí deu um problema eles ficaram
no tumulto, eu reservei antes, cheguei antes, mas não tinha nenhum
computador instalado, tive que instalar os programas em todos, eu coloquei
os arquivos, mas eles (os alunos) mexeram nos cabos e aí desligaram os
computadores e não adiantava resetar... [...]foi meio terrorista né. Eu
confesso que o estágio é um simulado, você nunca vai fazer tanto
planejamento quanto você faz no estágio, mas é relevante para o
aprendizado em sala de aula.

Podemos perceber nas falas dos licenciandos que as experiências


vivenciadas no estágio não foram positivas. Os licenciandos veem no estágio uma
oportunidade de aprendizado significativo, ficam ansiosos para conhecer a escola,
querem logo entrar em sala de aula para conhecer e confirmar suas escolhas, mas
quando encontram experiências negativas acabam se frustrando e isso contribui
para o desestímulo para seguir a carreira docente.
Percebemos durante a construção e a análise das categorias e
subcategorias, que estas não são estanques e delimitadas, que as mesmas se inter-
-relacionam. Em se tratando da docência e saberes profissionais docentes na
licenciatura, nos deparamos com vários elementos que se entrecruzam e podem ser
relacionados. Nesse sentido, relacionando as falas dos licenciandos na subcategoria
Escola como lócus de formação com as outras subcategorias, podemos inferir que
as escolhas pela docência são reafirmadas durante o processo formativo na
licenciatura. Os licenciandos que relataram escolher a docência e no final do curso
149

desistiram de seguir a carreira docente são praticamente os mesmos que relatam


experiências negativas nos estágios. Isso pode ser confirmado se relacionarmos os
discursos dos licenciandos na categoria Escola como lócus de formação com os
discursos desses sujeitos na categoria Ser professor.
O sentido atribuído pelos licenciandos ao estágio, a nosso ver, influenciam
no processo formativo e na profissionalidade docente, conferindo sentidos e
significados ao “ser professor”. As experiências nos estágios quando proporcionam
práticas consideradas bem-sucedidas, ou seja, práticas que indicam a possibilidade
de sucesso profissional, contribuem para que os futuros professores permaneçam
na escolha pela docência (JUNCKES; ANDRÉ, 2012). Nessa perspectiva, quando as
licenciaturas oportunizam práticas curriculares que proporcionam a vivência de
situações que permitam o contato do licenciando com a escola de forma organizada
e orientada, como nos estágios supervisionados, nos Programas de Iniciação à
Docência (PIBID) ou em projetos de intervenção na escola, “tais práticas contribuem
para a aproximação e identificação com a docência” (JUNCKES; ANDRÉ, 2012,
p.121). De acordo com os autores, a forma como os estágios são organizados nas
licenciaturas e a maneira como os licenciandos são orientados, com a abertura ou
não para momentos de reflexão sobre as práticas observadas e vivenciadas nos
estágios, são fatores que definem o papel dos estágios na formação dos futuros
professores.
Experiências mal sucedidas nos estágios, como as relatadas por alguns
licenciandos, e a falta de discussões sobre questões relacionadas ao ensino
evidenciadas nos relatos, acabam não só afastando os futuros professores da
docência como também desvirtuam o objetivo atribuído ao estágio. Isso vai ao
encontro da importância do Estágio Supervisionado apontado por Baccon (2005) e
Baccon e Arruda (2010), como um divisor na decisão do licenciando em ser
professor.
Para Gatti (2014), os estágios são um ponto crítico das licenciaturas. A
autora esclarece que o modo como os estágios são organizados preocupa, ao passo
que não expressam como se articulam com a educação básica e não oferecem as
condições para um acompanhamento efetivo por parte dos professores formadores.
A Lei 11.788/2008 (BRASIL, 2008) orienta que os estágios devem ser realizados no
ambiente de trabalho dos estudantes e precisam ser supervisionados (Art.1º). A
referida lei orienta também que as IES elaborem normas complementares e critérios
150

de avaliação de seus graduandos (Art. 7º). Nesse sentido, Gatti (2014) critica a
forma como os estágios são organizados nas licenciaturas. Para a autora, os
estágios “mostram-se, em sua maioria, sem um planejamento que diga de suas
propostas e ações” (p. 40). A autora acrescenta ainda que fica evidente nas
pesquisas que as IES ou ignoram ou desconhecem a lei que orienta os estágios (lei
11.788/2008).
Os dados de nossa pesquisa revelaram ainda que as universidades
investigadas propõem ações para a melhoria dos estágios na licenciatura em
Matemática. Uma das universidades investigadas elaborou um documento
específico, com normas bem definidas para os estágios e celebrou convênios com a
rede de ensino de seu município. No entanto, todos os esforços propostos pela
universidade para a melhoria dos estágios, a nosso ver, não surtiram os efeitos
desejados25. Com os resultados da Análise de Clusters percebemos, na fala da
maioria dos alunos da licenciatura em Matemática desta instituição, o
descontentamento com o modelo de estágio proposto. Com base nos discursos dos
licenciandos foi possível inferir que alguns licenciandos desta universidade
acabaram se afastando da docência por vivenciarem experiências negativas nos
estágios.
Os licenciandos precisam sentir-se acolhidos nos estágios, precisam saber
que têm o apoio dos formadores e que em qualquer dificuldade serão orientados e
não julgados como em um tribunal. Gatti (2014) lembra, apropriadamente, que “os
estagiários ainda são estudantes, o papel dos supervisores de estágio é crucial na
orientação dos mesmos e na criação de condições de reflexão, análise e diálogo
com as realidades educacionais e as contribuições das teorias” (p. 42-43).
Pimenta e Lima (2006) ressaltam que compete ao estágio possibilitar que os
licenciandos possam compreender a complexidade da docência e das ações
praticadas por seus profissionais como um meio de se preparar para a sua inserção
na carreira docente. Nesse sentido, a função do estágio não consiste em selecionar
os licenciandos com base apenas em sua atuação nas práticas de estágio. A lei que
orienta os estágios nas instituições de ensino salienta que o “estágio obrigatório é

25
Logicamente que precisariam de estudos mais aprofundados para afirmar efetivamente que o
modelo proposto pela U2 não alcançou seus objetivos. No entanto, os resultados alcançados com
nossa pesquisa nos permitem inferir que ainda há uma limitação no que se refere aos estágios.
151

aquele definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é requisito para
aprovação e obtenção de diploma” (BRASIL, 2008, Art. 2º § 1°).
Ainda nesta categoria de análise, nos relatos ficou evidente que os
licenciandos percebem que o estágio é uma forma de articulação entre os
conhecimentos científicos adquiridos na academia com as práticas profissionais em
sala de aula.

L2 – Muito válido, sem ele (estágio) não teria conhecimento dos meus
anseios e medos na hora de efetivamente aplicar meus conhecimentos em
sala de aula como professora.
L5 – Ajuda muito para se inserir na sala de aula, colocando um pouco na
prática as teorias e vendo como é a realidade da escola.
L8 – Para mim foi de grande importância pela inserção no ambiente escolar
durante a graduação e poder colocar em prática a teoria vista em sala de
aula.
L37 – Adquirir uma visão do modo como o ensino ocorre na prática. No
curso estudamos metodologias e concepções as quais temos a
oportunidade de validar no estágio de maneira a buscarmos determinar
quais tornam o ensino vantajoso.

Segundo Junckes e André (2012), o estágio configura-se como uma forma


de aproximar a realidade das escolas com as teorias ministradas e os saberes
construídos no âmbito da licenciatura. De acordo com a pesquisa dos autores
supracitados, os professores formadores “referem-se aos estágios como um ponto
de apoio para as teorias que apresentam aos alunos em sala de aula”. Gatti (2014)
também ressalta que os estágios deveriam ser espaço favorável para construir a
relação entre teoria e prática.
Nos relatos percebemos que os licenciandos consideram que na prática se
aplicam as teorias estudadas na graduação. Esta concepção de teoria como guia da
prática está coerente como o modelo da racionalidade técnica, onde primeiro se
ensinam os aportes teóricos e após os mesmos são validados na prática
(MIZUKAMI, 2002). Lembrando que para Martins (2007) a relação entre teoria e
prática não deve seguir a “expressão de teoria como guia da prática”, esta
concepção de ensino coloca a teoria como “superior” à prática, desvalorizando os
conhecimentos e ações ligadas às práticas pedagógicas.
Apesar dos estágios são serem o foco principal do nosso estudo, emergiram
muito fortemente. Com os resultados da Análise Clusters ficou evidente que os
152

licenciandos da U2, em sua maioria, compõem a subcategoria de análise “Estágio


como experiência negativa”.
Os dados revelam que ainda são muitos os desafios que se colocam para a
realização do estágio no interior das licenciaturas das universidades investigadas.
Cabe às IES buscar alternativas para viabilizar a realização do Estágio
Supervisionado de maneira a proporcionar experiências enriquecedoras a todos os
envolvidos no processo.

4.5.3 Categoria III – Professor formador

Quando discutimos a situação da formação docente na licenciatura, emerge


naturalmente a prerrogativa de quem irá formar este futuro professor. Assim surgiu a
discussão sobre o papel do professor formador no interior das licenciaturas em
Matemática das universidades investigadas. Nos dados da nossa pesquisa
emergiram questões a respeito da atuação do professor formador, mais
especificamente sobre as Referências e experiências do professor formador.
Pensar a docência no ensino superior exige compreendê-la no contexto em
qual emerge (BOLZAN; POWACZUK, 2017). Nesse sentido é importante apresentar
o pensamento expresso por alguns licenciandos sobre as Influências da prática
pedagógica do professor formador:

L2 – O professor da universidade é o último exemplo antes de entrar numa


sala de aula como professor.
L3 – De certa forma sempre usamos os professores como espelhos na
nossa formação.
L13 – Influenciam, por exemplo, um aluno que entrou no curso de
licenciatura e ainda não sabe de conviver direito o que quer, com as
práticas pedagógicas do professor da universidade vai poder decidir se é
realmente isso que ele quer.
L16 – As práticas influenciam, não apenas deles, mas de todo professor
que tive o privilégio de conviver, até mesmo de catequistas.
L24 – As práticas do professor mudam a nossa visão de “como” ensinar.
L35 – Da mesma forma que os alunos lá na educação básica avaliam os
professores, nós também o fazemos observando a prática do professor.
L12E– A prática dos professores da universidade influencia e muito, porque
até um professor de estágio inclusive falou que a gente estava falando “o
meu número, a minha equação”, isso é coisa do professor da universidade,
e mesmo inconsciente, às vezes você não pensa que está fazendo igual o
professor, [...] então eu acho que os professores são um exemplo, seja o
exemplo que você não quer seguir, ou seja o exemplo que você vai seguir,
mas ele sempre serve como exemplo.
153

L13E – [...] Muitos professores, que vêm de muitos anos, vêm na maneira
tradicional, infelizmente vai chegar uma hora que vai esbarrar na gente, [...]
um exemplo, eu tive uma professora de desenho que dava uma aula
diferenciada, tinha oficinas, eu espero seguir os passos dela, mas na minha
turma tem pessoas que vão seguir o tradicional, que é mais fácil, você
prepara a aula, passa, o aluno copia, repete [...].
L30E – Eu acho que os professores influenciam na prática pedagógica, a
gente tinha uma visão quando a gente começou o curso que todo professor
que não reflete, não discute é a tendência de uma cópia de outro professor.

Foi possível perceber nos discursos dos licenciandos que os mesmos têm
consciência de que são influenciados por seus formadores, tanto positiva quanto
negativamente. Alguns acadêmicos percebem que são influenciados não só pelos
professores na universidade, mas também pelos professores da Educação Básica.
Para Silva (2011), a docência pode ser considerada uma profissão apreendida “pela
vivência da discência”, ou seja, os licenciandos aprendem a ser professores na
condição de aluno e assim são influenciados pelo ensino de seus formadores. “Os
licenciandos avaliam seus formadores constantemente e estes passam a ser
modelos de aprendizagem da profissão” (CARTAXO, 2014, p. 99).
Nos discursos do sujeito da pesquisa também percebemos que os
formadores servem de referência e influenciam na decisão do licenciando em seguir
ou não na docência. A pesquisa de André et al. (2012) levanta um aspecto
importante do papel do professor formador citado pelos sujeitos da nossa pesquisa:
a escolha pela docência. De acordo com o autor supracitado, o papel que o
formador desempenha no estímulo aos estudantes para seguirem a docência é
muito relevante. O formador desempenha um papel central na formação dos futuros
professores: “são os mestres modelos que com sua forma específica de dar aula e
de se relacionar, contribuem efetivamente para a aprendizagem dos licenciandos,
assim como deixam marcas indeléveis para a sua profissão”(ANDRÉ et al., 2012,
p.110).
Para os licenciandos que participaram de nossa pesquisa as práticas do
professor formador servem de exemplo e podem ser seguidas, mesmo as práticas
consideradas tradicionais. Para Soares e Cunha (2010), o modelo de docente
universitário tradicional, baseado na erudição, ainda predomina nas universidades
brasileiras. Este modelo de professor universitário “remonta às origens da
universidade, na Idade Média, mas manteve seus traços essenciais quando a
universidade abraçou a ciência moderna positivista” (SOARES; CUNHA, 2010, p.
154

14). Segundo as autoras, esse modelo de professor universitário dogmático, “capaz


de transferir, pelo dom da oratória, em aulas magistrais, seus saberes profissionais,
não mais atende às necessidades da sociedade contemporânea” (p. 13).
As falas dos sujeitos investigados também revelam que quando não há
reflexão sobre as práticas dos professores formadores por parte dos licenciandos,
estes acabam se tornando “cópia” de seus professores. Importante destacar que as
práticas pedagógicas observadas nos estágios, assim como na graduação,
constituem em rico material para a reflexão sobre a docência.
A maioria dos licenciandos considera que os formadores podem ser
referências positivas em sua formação como docente, mas uma parte considerável
deles considera que alguns professores universitários não influenciam
positivamente. Vejamos os discursos abaixo:

L8 – Muitas vezes os professores da universidade dão exemplos de como


não ser um professor.
L23 – Alguns influenciam, alguns mostram o que não devemos fazer.
L30 – Influenciam em grande parte em uma visão de que não quero ser um
professor como “fulano”.
L15E – Os professores da graduação influenciam muito, eu me policio para
não pegar certas manias [...], por exemplo, o professor que avalia só pela
prova, o professor não está sendo justo, eu acho uma injustiça [...] na
graduação eu vejo muito isso acontecer e acho errado. [...] às vezes eu me
policio nisso, aqui nós temos professores que eles não se importam com
nada disso, para eles o que importa é dominar o conteúdo e não se você vai
ser igual eles ou não no método de avaliação. Eu me espelhei para não
fazer isso [...].
14E – Eu me espelhei em um professor, ele não tinha didática nenhuma em
sala de aula, quando eu entrei em sala de aula e fui lá pra trás e olhei, falei
“nossa, estou fazendo igual o professor, escrevendo no cantinho, pra lá pra
cá”, ele escreve um pouco em cada parte do quadro, não tinha organização
e eu comecei a fazer isso, porque a gente acaba olhando e repetindo, a
gente gosta dele. Outros professores nos espelham bastante, alguns são
perfeccionistas e a gente acaba ficando assim, tentando ser perfeccionista,
nisso a gente se espelha.

Que os professores formadores são referências positivas e negativas, ficou


evidente em nossa pesquisa. O que chama a atenção é o fato de o licenciando
vivenciar práticas que desaprova e assim mesmo considerar que pode seguir tais
práticas, mesmo que inconscientemente. O fato de “gostar” do formador é um dos
fatores apontados pelos sujeitos da pesquisa que tornam o professor uma
referência, influenciando o estudante a seguir a sua prática. Podemos inferir, com
essa afirmação, que quando os licenciandos se identificam com um professor,
155

quando “gostam dele”, este acaba sendo uma referência e os alunos acabam
seguindo seu exemplo, mesmo considerando sua prática pedagógica desapropriada.
Percebemos nas falas também que a maioria dos licenciandos que relataram
desaprovarem práticas de seus formadores tenta “se policiar” para não seguir tais
práticas. Para André et al. (2012), os formadores são vistos pelos licenciandos como
“modelos” e a forma como estes atuam é percebida “como fontes de referência” para
as práticas pedagógicas dos futuros professores.
A pesquisa de André et al. (2012) revela também que alguns professores
formadores são vistos pelos estudantes como “modelos às avessas”, ou seja,
“oferecem exemplos de como não se deve ser o trabalho do professor” (p.113).
Discutir as práticas pedagógicas dos professores formadores não é nada trivial, mas
acreditamos que estas sofrem influências das relações de poder no campo
universitário (BOURDIEU, 2013) e das questões ligadas ao ensino, bem como da
formação do professor formador.
A docência universitária na visão de Soares e Cunha (2010, p. 23) tem
pouca visibilidade, “haja vista que os critérios para avaliação e progressão na
carreira docente são essencialmente relacionados à pesquisa”. As questões sobre o
ensino, nesse sentido, sofrem certa desvalorização. O ensino torna-se um capital
menos valorizado dentro do campo universitário, ao passo que é o acúmulo de
capital institucionalizado e puro que confere aos docentes universitários um maior
status e poder de decisão sobre o campo (BOURDIEU, 2013). O habitus
institucionalizado no campo universitário confere às atividades de pesquisa um
reconhecimento maior do que as atividades de ensino. Estas questões sobre o que
se valoriza no campo universitário refletem não só na forma como são vistas as
questões sobre o ensino e a docência universitária, mas também influenciam na
formação do professor formador.
A formação profissional dos professores universitários não tem seu foco no
ensino. Em sua maioria, os professores universitários são especialistas em áreas do
conhecimento diferentes das que compõem os conhecimentos necessários para a
atuação docente (GATTI, 2014). Segundo a autora, a maioria dos professores
formadores não teve uma formação didática e uma parcela deles não teve a
perspectiva de que atuariam como formadores de professores. Gatti (2014, p.46)
acrescenta ainda que a formação disciplinar do professor formador, assim como a
formação para a pesquisa, podem ser consideradas satisfatórias, mas “o mesmo não
156

se pode dizer de sua formação para o exercício da docência”. A autora completa


dizendo que a maioria dos professores universitários desconhece que existem saberes
específicos da docência, ou seja, saberes pedagógicos para se atuar como professor e
que esses saberes são validados cientificamente por meio de estudos e pesquisas.
A formação do professor formador, muitas vezes desvinculada da
preparação para a docência universitária, cria uma “ambivalência acadêmica”
(GATTI, 2014) que dificulta a valorização dos saberes específicos da docência e “a
consideração dos processos de aprendizagem dos estudantes. Isso rebate nas
licenciaturas” (p. 46).
Gatti (2014) ressalta que muitos dos docentes que atuam nas licenciaturas
não são oriundos desses cursos, mas de bacharelados e não tiveram contato com
as questões de ensino e nem formação para serem docentes ou formadores de
docentes.
Com base no perfil dos formadores das universidades investigadas,
podemos afirmar que a maioria dos formadores é graduado em licenciatura, no
entanto o que chama atenção é a área de formação escolhida na Pós-Graduação
pelos docentes da licenciatura em Matemática das universidades investigadas. Os
formadores que optaram pela área de ensino são muito incipientes, a maioria prefere
a área das exatas26.
Ainda sobre a formação do professor formador, podemos afirmar com base
no perfil dos formadores das universidades investigadas, que a maioria dos
docentes que atuam na licenciatura em Matemática não possui experiência como
docente na Educação Básica. Segundo Gatti (2014, p. 46), não há dados do número
de professores atuando nas licenciaturas “que tiveram experiência direta com as
redes de ensino ou a sala de aula na Educação Básica” ou com os problemas da
realidade da escola.
Se ter experiência como docente na Educação Básica é um diferencial que
pode melhorar a prática pedagógica do professor formador ainda não sabemos, não
encontramos pesquisas sobre esta temática. O que podemos afirmar é que os

26
Esta escolha pode estar relacionada com a exigência das IES em seus processos de seleção de
docentes. A maioria das IES exige nos editais dos concursos públicos que os docentes possuam a
graduação e Pós-Graduação na mesma área específica em que o docente irá atuar. Por exemplo,
para atuar na licenciatura em Matemática é exigida (na maioria das IES) a graduação e Pós-
-Graduação na área da Matemática, dificilmente as IES exigem licenciatura ou Pós-Graduação na
área de educação ou ensino para se atuar nas licenciaturas, exceto para atuar no curso de
pedagogia, basta olhar os editais dos concursos para docentes universitários.
157

licenciandos percebem diferenças entre os formadores que já atuaram como


docente na Educação Básica e os que nunca atuaram, como podemos observar nos
discursos:

L15E – Na aula do professor que já atuou na educação básica e que hoje


atua na graduação existe diferença, com certeza, isso influencia muito
porque eu acho que pro professor dar conta [...] o professor vem dar aula na
universidade e não sabe o que acontece lá, ele acaba jogando a culpa para
os professores da rede pública, mas ele nunca pisou no chão da sala de
aula, [...] o professor aqui tem a ideia de que o aluno vem pronto, mas será
que ele sabe as dificuldades que o aluno tinha lá atrás, no ensino médio?
[...] Agora se ele trabalhar lá atrás na educação básica ele vai saber das
dificuldades encontradas na rede pública e falando específico do meu curso,
vai saber das dificuldades da matemática básica.
L14E – Eu acho que a prática do professor que nunca atuou na educação é
diferente, não sabem o que acontece lá embaixo, o que tem, porque os que
estão aqui na universidade passaram rapidamente e não sabem realmente
que muitos aqui chegam mal, mal sabem a matemática básica mesmo, eles
não sabem o que aconteceu lá e não fazem nada para corrigir aqui, agora
os que conhecem a realidade já mudam totalmente a prática de ensino
deles. Não vou generalizar, mas alguns professores nos prepararam.
Diziam: “você vai passar por isso, isso”, preparam para a realidade, falaram
o que era ser professor, como é ser um bom professor, porque você
escolheu a licenciatura, porque você escolheu ser professor, esses sim
mostraram pra nós o verdadeiro sentido, e isso contribuiu bastante para a
nossa formação.

Para esses licenciandos os docentes do ensino superior que nunca atuaram


na Educação Básica não possuem conhecimento da realidade da escola pública.
Podemos perceber nas falas que eles se referem à defasagem escolar nos
conteúdos matemáticos que reflete a falta de qualidade da escola básica e que,
segundo eles, os docentes do ensino superior não têm conhecimento sobre. Alguns
licenciandos também relatam a falta de discussões sobre a docência por parte dos
formadores que nunca atuaram na educação básica. Os licenciandos possuem a
perspectiva de que se o formador atuar na Educação Básica vai saber sobre as
dificuldades encontradas nesta modalidade de ensino. De acordo com a pesquisa de
Cartaxo (2014), os formadores ao se referirem sobre as influências que lhes
proporcionaram pensar na perspectiva de uma licenciatura alfabetizadora, citam os
projetos que desenvolveram na escola, tanto na licenciatura como em grupos de
pesquisa, como experiências que proporcionaram maior contato com a escola.
Os licenciandos também relatam algumas diferenças na metodologia
utilizada pelo professor formador que já atuaram na educação básica e a maneira
como interage com os alunos.
158

L12E – Na questão da metodologia existe diferença entre o professor que


nunca atuou na educação básica. O professor da educação básica tem que
saber como passar aquilo e é uma coisa que os professores que fazem
mestrado e doutorado e já vão pra universidade acabam não tendo, porque
eles acabam focando nos conteúdos específicos e acabam esquecendo,
muitas vezes esses professores acabam não sabendo como passar o
conhecimento [...] não é só chegar ali e jogar as coisas, tem que saber
passar, como sentir os alunos, isso é muito importante.
L13E – O professor que já atuou na educação básica conhece mais o aluno,
são professores que chegam na frente da sala de aula visualizando o aluno,
tem outro tipo de contato com o aluno, não existe aquela barreira, eu sei
tudo e você não sabe nada, ele já é mais mediador do que o professor que
foi direto pro mestrado, não passou pelo ensino fundamental e médio, eu na
minha visão eu acho que tem diferença.

Para esses licenciandos os formadores que já atuaram como docentes na


Educação Básica se diferem pelo modo como lidam com as questões do ensino,
demonstrando maior preocupação com a aprendizagem dos alunos, sendo mais
mediador e interagindo de maneira menos horizontal. Os acadêmicos investigados
relatam ainda que os formadores que não tiveram contato com a escola como
docentes focam muito nos conteúdos específicos e possuem dificuldades em
“passar o conteúdo”. Como já citado anteriormente, a formação dos professores
formadores influencia muito no modo como estes percebem as questões sobre a
docência universitária.
Muitos dos formadores que atuam nas licenciaturas, como já citado, não
tiveram uma formação didático-pedagógica. E soma-se a isso ainda o enfoque
tradicional da formação docente, que segundo Vaillant e Marcelo (2012, p. 89) ainda
está muito presente em nossas instituições e “subjaz a crença de que qualquer
docente pode desempenhar tarefas de formador”, sem nenhuma formação
pedagógica. Para Gatti (2014), o conhecimento da disciplina não é o mesmo que o
conhecimento da disciplina voltada para o ensino. A autora ressalta que os cursos de
Pós-Graduação não têm assumido “nem parcialmente a formação de „mestres‟–
professores que serão formadores de novas gerações” (p. 46). Os cursos de
mestrado e doutorado visam à formação do pesquisador. Nessa postura, segundo
Gatti (2014), está imbuída a concepção de que quem sabe, sabe ensinar.
Soares e Cunha (2010), corroborando com Gatti (2014), explicam que desde
a implantação dos cursos de Pós-Graduação stricto sensu no Brasil a prioridade é a
formação do professor universitário, com enfoque na pesquisa. As autoras ressaltam
que vem crescendo o número de professores de diferentes áreas, que buscam a
159

Pós-Graduação em educação, “muitos quebram a lógica de se especializar no seu


campo disciplinar e procuram uma formação que atenda a especificidade da
profissão docente” (p. 17).
Prosseguindo na análise da subcategoria Referências e experiências do
professor formador, encontramos relatos de alguns licenciandos que consideram
não existir muita diferença entre os formadores que já atuaram na Educação Básica,
mas admitem que exige um esforço pessoal do professor:

L1E – Tem diferença entre professor que já atuou na escola, mas não dá
pra generalizar, eu tive professor que passou pelo ensino fundamental e
não deram aula muito bem, acho que desmotivou. Eu acho que tem
diferença sim, [...] mas não são todos, [...] eu acho que tem muitos
professores que não passaram e dão aula muito bem, um tipo de esforço
pessoal talvez.

Como podemos perceber no relato, o aluno considera que depende muito do


formador, de seu esforço em “dar uma boa aula”. Salientamos que, como esclarece
Soares e Cunha (2010), muitos formadores procuraram se inteirar das questões
pedagógicas para sanar possíveis dúvidas, ou lacunas na sua formação sobre os
processos de ensino na universidade.
As questões sobre a formação do professor para atuar nas licenciaturas e as
práticas pedagógicas desses docentes, não só nas licenciaturas, permanecem em
aberto e “não é seara tranquila” (GATTI, 2014, p. 47). Discutir questões ligadas às
práticas nas universidades torna-se um desafio, visto que existem ações e práticas
enraizadas e um habitus estruturado dentro do campo universitário (BOURDIEU,
2013; 2004b).

4.5.4 Categoria IV– Identidade do curso

Defendemos que a formação docente se constitui como um continuun, ou


seja, um processo contínuo e amplo que perpassa toda a vida profissional dos
professores. Defendemos também que a formação inicial em cursos de licenciatura
constitui a base de um processo sistemático e intencional de aprendizagem do
ensinar e da profissão docente, sendo ainda um período crucial de (re)construção e
consolidação de saberes e práticas (TARDIF, 2012). A licenciatura é o espaço onde o
futuro professor irá adquirir e/ou reformular suas concepções e saberes sobre a
docência, construindo um conhecimento teórico-prático para atuar como docente.
160

Dessa forma, os conhecimentos advindos da formação na licenciatura constituem-se


em alicerces para a atividade docente dos futuros professores. Nesse sentido,
buscamos investigar como os futuros professores consideram sua formação na
licenciatura em Matemática das universidades investigadas. A categoria Identidade
do curso abarca as concepções discentes sobre a sua Preparação para a
docência sobre a Articulação entre as disciplinas pedagógicas e específicas no
interior do curso e sobre a Disputa entre campos de conhecimento presentes na
licenciatura em Matemática das universidades investigadas.
Iniciamos nossas análises pela subcategoria Preparação para a docência,
que agrupa os relatos discentes sobre como os mesmos avaliam a sua preparação
para serem professores. Observamos nos discursos abaixo como os acadêmicos da
licenciatura em Matemática se sentem em relação à sua preparação para a
docência:

L2 – Me sinto preparada, mas sei que os estudos não cessam, pois tudo o
que é visto no período da graduação, em se tratando de matérias
específicas, apenas aumenta o meu saber específico, mas aplicá-lo no dia a
dia numa escola não é viável, terei que pesquisar e me preparar para
ministrar aulas.
L3 – Eu me sinto preparada, mas não cem por cento, ainda tenho que me
aperfeiçoar mais.
L8 – Sinto que estou preparada, com os estágios concluídos e com a
preparação que tivemos durante o curso acredito que estou preparado.
L9 – Sinto que estou preparado, a universidade deu oportunidade de
participar do PIBID, onde não apenas me deu certeza que quero ser
professor, como me deu a base e a experiência de como atuar na escola. O
estágio também ajudou.
L12 – Com a experiência obtida no estágio e com as docências terminadas,
acredito que a única coisa que falta é a experiência, como um “quase”
formado acredito que está bom para um professor.
L29 – Sinto que necessito me aprofundar mais, especialmente em
metodologias de ensino para determinados conteúdos.
L32 – Já tenho feito estágios, tendo algumas aulas PSS e tendo participado
do PIBID, me sinto preparada, mas tenho consciência de que meu
aprendizado não acaba com a graduação, posteriormente preciso de
atualização.
L35 – Estou preparada, nosso curso por mais que seja difícil e rigoroso tem
uma boa preparação e bons professores, mas ainda acho que para que eu
seja uma boa professora preciso me especializar melhor para que minhas
aulas sejam as melhores e os alunos aprendam efetivamente.

Nas falas dos licenciandos é possível perceber que os mesmos associam a


sua concepção de estarem preparados para a docência com as experiências
adquiridas durante os estágios e programas de iniciação à docência como o PIBID.
161

Para esses licenciandos o contato coma escola proporciona essa “experiência” que
eles consideram importante para se sentirem preparados. Os relatos discentes
evidenciam que o desconhecimento sobre a realidade da escola proporciona aos
licenciandos insegurança e a sensação de despreparo. Para Mendes, Clock e
Baccon (2014, p. 2), a aprendizagem da docência na licenciatura deve ser pensada
como “uma preparação para que os saberes e os conhecimentos apreendidos pelos
alunos com as aulas e estágios possam fornecer segurança e apoio para o tempo
complexo e decisivo do profissional de ingresso na carreira”. Isso possibilita a
segurança necessária para a vivência de fases posteriores na carreira docente.
O processo de socialização discente vivenciado na licenciatura,pode ser
considerado, nos termos de Bourdieu (2004b), um processo de incorporação do
habitus, ou seja, os licenciandos incorporam em seu habitus as disposições
advindas das experiências como acadêmico. Nesse sentido o habitus dos
licenciandos acaba se reestruturando e adquirindo novas disposições de acordo com
as vivências na licenciatura, visto que o habitus se estrutura pelo campo, pois é o
resultado da incorporação das necessidades desse campo (BOURDIEU, 2004b).
Nesse sentido, os agentes que integram o campo universitário são dotados de
habitus parecidos (BOURDIEU, 2004b).
Foi possível perceber também nos discursos, que os licenciandos têm
consciência de que a licenciatura é apenas o início de um processo de formação
docente e que os mesmos devem seguir se aperfeiçoando. Esta perspectiva de
formação expressa pelos licenciandos corrobora com o entendimento de formação
docente e desenvolvimento profissional como um continuum (MIZUKAMI, 2002), um
processo que não se esgota na formação inicial.
Os dados de nossa pesquisa revelaram que grande parte dos licenciados da
Matemática não se sente preparada para o exercício da docência, e citam a falta de
conteúdos voltados para o ensino, como podemos observar nos discursos:

L1 – Não me sinto preparada, o curso não prepara para atuar como


professora, não temos disciplinas relacionadas à matemática básica, em
como ensinar determinados conteúdos.
L5 – Falta preparação, pois falta atividade voltada para a docência.
L14 – O curso não está preparando o suficiente para ingressar na escola.
L4 – Poucas metodologias relacionadas aos assuntos trabalhados no
ensino fundamental e médio.
L7 – Deveriam ter mais disciplinas voltadas às áreas educacionais.
162

L18 – [...] o curso deveria ter disciplinas voltadas para como ensinar
determinados conteúdos.
L25 – Por se tratar de um curso de licenciatura sinto falta de disciplinas
voltadas para a área.
L20 – Não sinto que estou preparada porque não há um preparo específico
aqui na universidade para começar o exercício da docência.
L25 – O curso não prepara, temos que correr atrás se quisermos ser bons
professores.
L34 – A minha formação em licenciatura não me deixa preparada para
lecionar, e esta não é uma opção que pretendo seguir.
L31 – Mesmo encontrando dificuldades ao lidar com algumas situações que
surgem em sala de aula que não são tratadas na graduação, acredito que o
curso procura abordar e intensificar a relação entre teoria e prática,
universidade e escola
L33 – Acredito que exercer a docência indica que muitos desafios deverão
ser vencidos e entre esses desafios alguns como: Como dar uma boa aula?
Como lidar com situações difíceis? Não são sequer citados na graduação.
Particularmente quando comecei a dar aula me senti muito perdida.
L12E – Eu acho que os acadêmicos não saem tão preparados assim, eu
acho que falta um pouco de conhecimentos da escola e falta de como
aplicar algumas coisas,eu me vi em várias situações em que os alunos
vinham me perguntar as coisas e eu não sabia como explicar para eles,
talvez nessa parte falte um pouco no curso, falta ligação.

Nos relatos podemos perceber que os licenciandos consideram que ainda


falta na licenciatura em Matemática discussões e conteúdos voltados para as
questões relacionadas ao ensino. Para Imbernón (2011, p. 63), a formação inicial
deve “dotar o futuro professor de uma bagagem sólida nos âmbitos científico,
cultural, psicopedagógico e pessoal”, para que os futuros professores possam
assumir a docência em toda a sua complexidade. Nas licenciaturas, ainda
prevalecem “o oferecimento de formação com foco na área disciplinar específica,
com pequeno espaço para a formação pedagógica” (GATTI, 2010, p. 1.357). Essa
premissa apontada pela autora pode ser verificada na análise dos PPC das
universidades investigadas. De acordo com a análise do PPC, a grade curricular da
licenciatura em Matemática dessas universidades dedica uma parte considerável da
carga horária do curso para os conteúdos matemáticos.
Tardif (2012) corroborando com Gatti (2010) aponta que a formação inicial
docente ainda baseia-se em conteúdos e lógicas disciplinares e não profissionais.
Para o autor, os conteúdos disciplinares que compõem as licenciaturas não têm
relação com o que realmente é o trabalho do professor. O autor complementa
dizendo que um dos desafios da formação inicial de professores seria abrir espaço
para o conhecimento dos professores de carreira dentro do próprio currículo das
163

licenciaturas. Em consonância com o exposto pelos autores, vejamos mais alguns


relatos sobre a preparação para a docência e a identidade do curso na visão dos
licenciandos:

L3 – O curso não foca cem por cento na formação de um professor, dá uma


mesclada um pouco com quem vai lecionar e quem deseja ser bacharel.
Poderia ter mais foco naquilo que se chama licenciatura.
L6 – Não relacionam os conhecimentos de sala de aula, são conteúdos
voltados para o bacharel.
L14 – Temos professores que querem formar bacharelados e não
licenciandos.
L21 – Algumas matérias visam apenas a matemática pura (para mestrado
em área pura e aplicada) e deixa a licenciatura um pouco de lado. Não faz a
ligação dos conteúdos ministrados em sala com a prática da área
(educação básica). Muitos conteúdos que vamos precisar para ensinar no
ensino básico não aprendemos na universidade.
L24 – [...] querem formar pesquisadores bacharéis e não professores, as
matérias não são adequadas.
L15E – O meu curso não forma nem professor nem bacharéis, deixa a
desejar nos dois. O curso prepara, mas não como deveria. Temos
professores muito bons, mas é que muitos desses professores precisam
evoluir muito ainda, evoluir no sentido de que o que temos aqui é
licenciatura em Matemática, no momento em que abrir o bacharel, quem
sabe vai abrir um novo horizonte, uma nova ideia, vai clarear a mente de
alguns professores, eles confundem licenciatura com bacharelado, muitos
confundem.
L14E – O curso ensina, mas não prepara a gente propriamente pra ser
professor, prepara para ser bacharel, isso eu posso dizer, porque o que a
gente tem de matérias pedagógicas?
L13E – O curso não preparou, infelizmente o curso é bem defasado assim,
porque fica naquela corda bamba, ele não sabe se ele é bacharelado ou
licenciatura [...] a gente aprende o que é “a mais” para ir para o mestrado
[...] eu acho que falta um pouquinho de focar nisso (os conteúdos) pro
ensino médio, pro fundamental. [...] eu acho que falta um pouco disso no
curso, por ser licenciatura, se fosse bacharelado...ele não se define, ele não
foca nem na licenciatura, nem no bacharel, aí acaba faltando, porque você
tem as disciplinas aplicadas no curso são direcionadas pro bacharel e
algumas são focadas na licenciatura, com carga horária menor do que as
aplicadas, então eu acho deficiente neste sentido.

Os depoimentos acima indicam que a identidade do curso de licenciatura em


Matemática não está bem definida. De acordo com os relatos discentes existe uma
falta de definição do curso em seus propósitos, para os estudantes o curso “não se
define como licenciatura”. Esta falta de definição é apontada pelos licenciandos
como um dos motivos do seu despreparo para a docência. Diante do exposto pelos
licenciandos e com base na análise do PPC das universidades investigadas,
podemos inferir que existe um certo descompasso em relação às ações e aos
propósitos do curso, ao passo que o enfoque deste está voltado para a formação do
164

matemático. Com a Análise de clusters foi possível identificar que os relatos sobre a
falta de identidade do curso se concentravam nas falas dos licenciandos da U1.
Autores da área de formação docente como Gatti (2013, 2008), Gatti e
Barreto (2009) e Diniz-Pereira (1999) enfatizam que nas licenciaturas ainda se
verifica a predominância do oferecimento de uma formação focada na área
disciplinar específica, com espaço reduzido para a formação pedagógica.
A dicotomia entre bacharelado e licenciatura ainda não se encontra resolvida
nos cursos de Matemática, interferindo na identidade desses cursos. Sobre a
identidade da licenciatura em Matemática, ressaltamos que as Diretrizes Nacionais
para os cursos de Matemática definem as especificidades dos cursos de licenciatura
e bacharelado, conferindo às licenciaturas identidade própria. Segundo as Diretrizes,
a licenciatura em Matemática deve focar no educador matemático, os licenciandos
precisam adquirir habilidades relacionadas ao ensino da matemática. Mas essas
considerações muitas vezes não se concretizam nos currículos das licenciaturas. O
que se observa “são cursos de licenciatura com identidade de bacharelado”
(JUNQUEIRA; MANRIQUE, 2012, p. 47) como podemos verificar nos depoimentos
dos discentes das licenciaturas em Matemática investigadas neste estudo.
Para a maioria dos licenciandos investigados a organização curricular do
curso prioriza o ensino da matemática “pura”, com pouco espaço para as questões
sobre o ensino. Os acadêmicos investigados enfatizam ainda que os conteúdos que
compõem os currículos da educação básica também deixam de ser abordados no
curso. Lembrando que as Diretrizes para os cursos de Matemática orientam que as
IES incluam nos currículos das licenciaturas em Matemática os conteúdos
matemáticos presentes na educação básica, assim como os conteúdos das ciências
da educação, história da educação, filosofia das ciências e da matemática (BRASIL,
2002c). No entanto, o que se verifica é “o esquema de superioridade dos
conhecimentos disciplinares sobre os conteúdos pedagógicos” (GATTI, 2013).
Pesquisa de Gatti e Barreto (2009) e Gatti (2010), que analisou os currículos
e ementas curriculares das licenciaturas com maior carga horária nos currículos da
educação básica (Letras, Matemática e Ciências Biológicas), revelou que as
licenciaturas em Matemática são as que mais buscam um equilíbrio entre os
“conhecimentos específicos da área” e os “Conhecimentos específicos para a
docência”, embora na maioria das IES se mantenha ainda um maior número de
horas para as disciplinas relacionadas aos conhecimentos específicos, “espelhando
165

mais a ideia de um bacharelado do que licenciatura” (GATTI, 2010, p. 1.374). Nesse


sentido, relacionar os conhecimentos acadêmicos com os conhecimentos
profissionais da docência seria um desafio para as licenciaturas.
Lembrando que a dicotomia “conteúdo disciplinar versus conteúdos
pedagógicos” não se resolve apenas com a abertura de espaço para as disciplinas
pedagógicas no currículo da licenciatura em Matemática, algumas disciplinas
pedagógicas acabam priorizando uma formação “teórico-acadêmica”, também sem a
dimensão prática e desvinculada das realidades concretas da sala de aula, “como se
de teorias psicológicas, sociológicas ou outras decorressem naturalmente práticas
de ensino para o exercício da docência nas salas de aula” (GATTI, 2013, p. 98),
como podemos observar nos discursos abaixo que resumem a perspectiva da
maioria dos discentes:

L15E – [...] muitos professores que são da parte das matérias pedagógicas
também não proporcionam o que deveriam proporcionar, ou pelo menos do
que está na ementa.
L12E – Eu acho que ensina mais os conteúdos específicos (o curso), eu
acho assim que poderia ter uma articulação um pouco melhor [...] as
matérias pedagógicas e articuladoras eu acho que sejam trabalhadas de
uma maneira um pouco errada, por exemplo, a professora chega te coloca
um texto e você faz um resumo e acabou [...] talvez se fosse um trabalho
mais prático, mais didático [...].
L13E – Eu acho que tinha que ter mais disciplinas pedagógicas, mas
deveria ser mais focado, uma disciplina complementa a outra, tudo bem,
mas a gente acaba vendo a mesma coisa em duas ou três disciplinas [...]
agora, por exemplo, eu pego um cálculo diferenciado integral, se eu não fui
bem no primeiro ano, no segundo eu já estou enroscando, é tudo uma
linhagem, e já a visão do aluno para disciplina pedagógica é “eu só vou ler”.

Longe de dizer que a teoria não seja necessária, no entanto a formação


teórica por si só não é suficiente para a construção dos saberes profissionais
necessários para a prática docente dos futuros professores (TARDIF, 2012), e se for
desenvolvida de forma tradicional, como aponta o relato dos licenciandos, torna-se
um complicador. Embora os currículos se abasteçam das ciências, “o volume e a
constante mudança em conhecimentos, áreas de saber e formas de conhecer,
trazem para os currículos escolares e a formação dos docentes um grande desafio”
(GATTI, 2016, p.166).
A perspectiva epistemológica assumida pelo formador, como já citado
anteriormente, rege os processos de ensino em sala de aula. Segundo Gatti (2013),
existem várias perspectivas sobre o que se entende por didática, a perspectiva
166

“técnico-instrumental” considera a didática e as práticas de ensino como “ciências de


procedimentos”, ou seja, um conjunto de métodos e técnicas de ensino. Esta
concepção de didática, que inferimos estar coerente com os relatos dos discentes
investigados, encontra-se em consonância com o modelo de formação que
considera o professor um técnico, aplicador de métodos de ensino.
Nesse sentido, fornecer nas licenciaturas “um vasto rol de disciplinas com
ausência de um eixo claro para a docência” (GATTI, 2010, p.1.374) sem um aparato
epistemológico consistente e coerente com o perfil de licenciandos que se pretende
formar, desemboca numa “pulverização” na formação docente, o que “indica frágil
preparação” do futuro professor para assumir a docência (p.1.374).
Podemos perceber nos relatos dos discentes “a manutenção de uma
tradição formativa”, que teve sua origem no século passado, quando as
universidades abraçaram a ciência moderna positivista (SOARES; CUNHA, 2010) e
se criou um habitus institucionalizado (BOURDIEU, 2004b) que concebe o
conhecimento disciplinar como suficiente para se formar um professor (GATTI, 2014;
IMBERNÓN, 2011; DINIZ-PEREIRA, 1999). Esta concepção de formação docente
ainda está muito presente nas IES (MIZUKAMI, 2002; SOARES; CUNHA, 2010). O
habitus estruturado que sustenta os currículos das licenciaturas no campo
universitário mantém suas raízes na tradição disciplinar, que remonta às primeiras
universidades implantadas no Brasil, mesmo que com modificações dispersas, “aqui
e ali” (GATTI, 2014).
Importante destacar que a crise do paradigma dominante de ciência, “põe
em evidência as insuficiências e limites estruturais da ciência moderna” e
possibilitam que paradigmas emergentes se aflorem nas ciências favorecendo “o
questionamento quanto ao modelo de professor chamado tradicional” (SOARES;
CUNHA, 2010, p.14).
A docência universitária se desenvolve em um “espaço de conexão de
conhecimentos, subjetividades e culturas que exige um conteúdo científico,
tecnológico e artístico altamente especializado, orientado para a formação de uma
profissão” (SOARES; CUNHA, 2010, p.28). Nesta perspectiva a formação dos
estudantes na licenciatura deve ser voltada para a reflexão e a compreensão de
situações problemáticas que envolvem a prática profissional (TARDIF, 2012). Nesse
sentido, Soares e Cunha (2010) ressaltam que a formação, visando a compreensão
das situações reais que envolvem a prática profissional, “implica para o docente
167

universitário a tarefa de compreender criticamente a profissão em foco e o contexto


mais amplo na qual ela se insere” (p. 28). De acordo com as autoras é importante ter
consciência desta dimensão da complexidade da docência universitária, ou seja, que
esta está interligada com as questões da profissão docente.
A concepção de docência e de professor que alicerça a licenciatura em
Matemática também influencia no modo como os futuros professores serão
formados. Nesse sentido o papel da licenciatura na construção dos saberes
docentes por parte dos licenciandos se torna imprescindível. “A docência vai muito
além da atividade técnica e instrumental”, assim como a construção dos saberes por
parte dos licenciandos vai além do domínio de conteúdos e técnicas de ensino
(MACENHAM; TOZETTO, 2013, p. 22). Como os saberes docentes não são
repassados e sim construídos pelo próprio sujeito (MACENHAM; TOZETTO, 2013),
e incorporado ao seu habitus, o futuro professor necessita confrontar as suas
concepções provenientes das experiências advindas do campo disciplinar com as
questões pedagógicas do ensino, fazendo uma articulação. Nesse sentido
importante apresentar o que expressam os acadêmicos investigados na
subcategoria Articulação entre as disciplinas específicas e pedagógicas.
Vejamos alguns relatos:

L2 – Não houve articulação entre os conteúdos pedagógicos e específicos,


nunca percebi esta ligação.
L12 – Não houve uma tentativa disso (de articulação), os professores
tentaram nos passar algo, mas foi de uma maneira tão tradicional que nem
me lembro mais.
L16 – Se houve alguma articulação entre os conteúdos específicos e
pedagógicos foi em breves momentos isolados.
L17 – Não consegui identificar nenhuma articulação.
L26 – Não houve articulação, mas no curso de matemática não é tão
necessário as pedagógicas.
L12E – [...] o que mais me decepcionou no curso foi talvez essa falta de
comunicação entre as disciplinas, poderia ser melhor, me preparar melhor
para a carreira do que está me preparando assim, talvez esta ligação entre
as matérias pedagógicas, articuladoras com a matemática da escola, isso
deixou muito a desejar.

Os licenciandos foram quase unânimes em dizer que não perceberam muita


articulação entre os conteúdos específicos e pedagógicos. Nesse sentido as
Diretrizes Nacionais para a formação dos professores propõe os eixos articuladores:
da formação comum com a formação específica; dos conhecimentos a serem
168

ensinados e dos conhecimentos filosóficos, educacionais e pedagógicos que


fundamentam a ação educativa; das dimensões teóricas e práticas (BRASIL, 2002a).
De acordo com as DCN, as licenciaturas precisam articular os conhecimentos da
formação comum com a formação específica, ou seja, dos conteúdos comuns à
formação com os conteúdos matemáticos e destes com os conhecimentos
pedagógicos e filosóficos que alicerçam teoricamente a ação docente, unindo teoria
e prática. Essas orientações, de acordo com os depoimentos dos licenciandos
investigados, não se concretizaram na prática formativa na licenciatura em
Matemática das universidades investigadas. De acordo com Gatti (2013), a estrutura
e os currículos atuais das licenciaturas geram disciplinas “encaixotadas”, sem
interlocuções e os conhecimentos específicos isolados dos conhecimentos
pedagógicos que geralmente são desvalorizados no interior das licenciaturas.
O modelo de formação docente que se orienta pela racionalidade técnica
eleva a necessidade de um conjunto de disciplinas específicas do conhecimento, no
caso do conhecimento matemático, e outro de disciplinas pedagógicas para compor
as bases da ação docente, sem que haja nenhuma articulação entre as duas áreas
do conhecimento (DINIZ-PEREIRA, 1999).
O momento formativo vivenciado pelo licenciandos é crucial para a (re)
construção de práticas e saberes docentes (TARDIF, 2012) e deve oferecer uma
“sólida formação teórico-prática” (MIZUKAMI, 2013) que possibilite aos licenciandos
assumir a tarefa educativa de forma autônoma, consciente da complexidade que
envolve a docência (IMBERNÓN, 2011). A formação inicial na licenciatura, como
começo da socialização profissional dos licenciandos, deve evitar o modelo
formativo “assistencialista e voluntarista” que leva os futuros professores a assumir
um papel de “técnico-continuísta” coerente com o modelo formativo da racionalidade
técnica e com uma perspectiva educacional de adaptação dos indivíduos
acriticamente na ordem social (IMBERNÓN, 2011). A natureza formadora da
docência não pode se resumir em um processo técnico e mecânico. Educar é formar
e “formar é mais do que treinar o educando no desempenho de destrezas” (FREIRE,
1996, p. 33). Transformar a licenciatura em treinamento técnico é “amesquinhar o
que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter
formador” (p. 33). Nesse sentido, o que se espera das licenciaturas é a formação
profissional, ou seja, que o licenciando apreenda os fundamentos de uma profissão
(IMBERNÓN, 2011), o que se diferencia de um treinamento para assumir a
169

docência. O futuro professor precisa ocupar o seu “lugar” como educador (BACCON;
ARRUDA, 2015) e “para ocupar-se o „lugar‟ de professor, o sujeito precisa receber
uma formação adequada e a sustentação no exercício desse ofício” (p. 466), o que
será possível com o conhecimento teórico-prático necessário para se atuar como
docente.
A dimensão teórico-prática na licenciatura, de acordo com as DCN para a
formação de professores, deve ser articulada nas disciplinas por meio da Prática
como Componente Curricular, não ficando a prática centralizada nos estágios, todas
as disciplinas devem ter a dimensão prática. Nessa perspectiva, as disciplinas
específicas, assim como as pedagógicas, devem articular os conhecimentos
matemáticos e os conhecimentos práticos, que fazem parte da ação educativa.
Sobre essa articulação vejamos o que dizem alguns discentes:

L15E – Na matéria de instrumentação houve articulação entre as disciplinas


pedagógicas e específicas porque eu lembro no terceiro ano que a
professora articulava os conteúdos, tanto do fundamental como no médio.
L32 – Houve nas disciplinas como metodologia, modelagem, história da
matemática, didática e informática, nas demais disciplinas poucas vezes.
L39 – Teve articulação principalmente nas disciplinas pedagógicas como
metodologia, modelagem matemática, as quais fizeram uso das disciplinas
específicas na abordagem de diversos temas, articulação com as
pedagógicas, nas específicas não houve, ou raramente, principalmente nas
disciplinas de física, cálculo Diferencial e Integral.
L13E – [...] são raros esses acontecimentos, não tem articulação, é muito
pouco, eu tive apenas na aula de instrumentação, essa volta, olha se você
ensinar tal conteúdo você faz assim, assim, vai por este caminho, quais são
os métodos e tal, porque existem várias maneiras de pensar.
L14E – [...] no meu curso não tem articulação, quatro anos de curso e só no
terceiro ano com instrumentação, a única vez que teve articulação, mas nos
outros anos não, nunca falaram nada para nós dos conteúdos da educação
básica [...].

Esses alunos da licenciatura em Matemática relatam que em algumas


disciplinas os professores tentaram fazer articulações entre os conteúdos
específicos e pedagógicos, principalmente nas disciplinas de Instrumentação,
Metodologia e Modelagem Matemática. Nas disciplinas específicas não houve
articulação com os conteúdos pedagógicos de acordo com esses alunos. A
fragmentação do ensino nas licenciaturas e a falta de vinculação destas com a
realidade escolar não são recentes e geram debates entre os pesquisadores da área
(DINIZ-PEREIRA, 1999, 2011; GATTI, 2013, 2014; IMBERNÓN, 2011; SOARES;
170

CUNHA, 2010; TARDIF, 2012) sem, no entanto, se concretizarem em soluções


efetivas.
A docência universitária para que atinja o objetivo da formação profissional
dos estudantes precisa garantir a integração entre o conhecimento prático e teórico
“num currículo que seja orientado para a ação” (SOARES; CUNHA, 2010, p. 29).
Necessita também a “congruência” entre a formação vivenciada pelo licenciando e
“o tipo de educação que posteriormente lhe será pedido” (p. 33). As autoras
complementam dizendo que é necessário a coerência entre o conhecimento didático
do conteúdo e o conhecimento pedagógico transmitido, bem como a forma que
esses conhecimentos são trabalhados nas licenciaturas. Nesse sentido destacamos
a importância de uma identidade do curso e a objetividade de seus propósitos e
ações, bem como ter bem claro o perfil de profissionais que se pretende formar,
evitando cair no “paradoxo de ensinar a não ensinar” (IMBERNÓN, 2011).
Os licenciandos relatam que, além da desarticulação nos conteúdos
específicos e pedagógicos, observam que existe um conflito entre os campos
matemático e pedagógico.
Na subcategoria Disputa entre campos de conhecimento, foram
agrupadas as falas dos sujeitos investigados sobre como estes percebem a área
matemática e sua relação com o campo pedagógico. Vejamos os depoimentos
abaixo:

L15E – O curso para melhorar primeiro de tudo, é feita tanta reunião pra
coisas inúteis, deveriam sentar e se preocupar, deveriam analisar disciplina
por disciplina [...] o que está errado, deveria ser uma reunião para todos,
não só da parte pedagógica, mas como um todo, vamos melhorar e tirar
este espírito de bacharel, não é só isso, [...] o que acontece, o professor que
é bacharel ele vai puxar o quê? “farinha para saco dele”, “eu vou formar o
pesquisador, já que esse povo da pedagógica”... e o da pedagógica
também, “vou puxar só pra parte pedagógica, porque a matemática não é
tão importante”.
L14E – Os professores que são das específicas puxam tudo para lado
deles, agora aqueles que são formados na licenciatura, ensinam
licenciatura, depende do professor isso, tem que ter amor, gostar. A gente
vê quando levam tudo para bacharelado, alguns focam na licenciatura
outros não.

Nos depoimentos discentes percebemos uma certa “ambivalência” entre as


áreas de conhecimento. Bourdieu (2004, p. 68) nos alerta que a ideia de campo leva
a “pôr em causa a visão irenista do mundo científico, a de um mundo de trocas
generosas em que os investigadores colaboram para um mesmo fim”. Para o autor o
171

que se observa “são conflitos e competições no interior das estruturas de domínio”


(p. 68), mesmo que veladas e sem a plena consciência dos agentes. No entanto, o
autor alerta que “os investigadores às vezes têm característica, que em certos
aspectos os une e, noutros aspectos, os separam, os dividem, os opõem” (p. 68).
Nesse sentido, longe de ser um espaço neutro, o campo universitário é marcado por
conflitos e lutas simbólicas. Esta luta simbólica se corporifica nas disciplinas que de
certa forma representa, segundo Bourdieu (2004b, p. 69), “uma associação
disciplinar”, que faz funcionar no campo disciplinar “algo como comunidade que gere
parte de interesses comuns”. Os integrantes das áreas de conhecimentos, que o
autor chama de disciplinas, buscam interesses comuns e defendem os interesses
relativos a seus campos de atuação.
Bourdieu (2004b, p.73) ressalta que:

A progressiva institucionalização na universidade destes universos


relativamente autônomos é o produto de conflitos que visam impor a
existência de novas entidades e das fronteiras destinadas a delimitá-
las e protegê-los (aquilo que está em causa nos conflitos é o monopólio de
um nome, com todas as consequências, linhas orçamentais, cargos,
créditos etc.).

Os universos autônomos que o autor se refere são as disciplinas, que


representam áreas de conhecimento e buscam legitimação e reconhecimento.
Algumas disciplinas, de acordo com Bourdieu (2004b), já têm sua área de
conhecimentos delimitada e contam com prestígio histórico, como a área da
Matemática e outras ainda buscam delimitar seus campos e legitimar-se como as
áreas das ciências humanas. Estes conflitos podem ser percebidos no interior das
licenciaturas, com maior e menor prestígio atribuído aos diferentes campos de
conhecimento. Para Cartaxo e Martins (2014, p. 346), "[...] a maioria das
licenciaturas na sua organização curricular tende a atender aos apelos do
engessamento fundado na disputa entre as disciplinas específicas e as
pedagógicas".
No interior do campo universitário, os agentes passam a lutar,“sobretudo
pelo direito de legitimarem e classificarem os bens produzidos” (NOGUEIRA E
NOGUEIRA, 2009, p. 31), no caso do campo universitário o capital científico. Assim,
dentro do campo existem relações objetivas entre as posições que os agentes
ocupam. Dentro do campo ainda os agentes disputam espaço e reconhecimento,
tanto para si como para as suas produções (BOURDIEU, 2004b). Nesta perspectiva,
172

os agentes buscam legitimar a sua posição dentro do campo, bem como valorizar as
suas áreas de conhecimento. Assim o campo universitário não se configura como
um espaço neutro de se elencar conteúdos importantes para a formação docente, a
construção do PPC e da matriz curricular pode ser considerada um espaço de lutas
e conflitos que buscam legitimar a posição dos agentes dentro do campo
universitário (BOURDIEU, 2013). Dessa forma, as diferentes hierarquias ocupadas
pelos professores e pelas disciplinas dentro do campo universitário se refletem na
construção dos Projetos Pedagógicos e nos currículos dos cursos.
Nesse sentido, o campo universitário pode ser considerado um campo de
lutas e conflitos travados pelos agentes que nele se inserem, constituindo-se em
uma estrutura em que os agentes ocupam determinadas posições de acordo com o
acúmulo de capital científico adquirido ao longo da trajetória acadêmica.
Os acadêmicos visualizam na prática a dicotomia e as relações de força nas
áreas de conhecimento que compõem as disciplinas do curso. Nos relatos dos
discentes foi possível perceber que os formadores da área da Matemática defendem
seu campo de conhecimento e deixam transpassar para os alunos certo privilégio
que goza a disciplina da Matemática em relação às disciplinas pedagógicas no
interior do campo. Ao conferir maior valor aos conteúdos matemáticos, os
formadores contribuem, mesmo que não percebam, e de forma implícita, para a
desvalorização das áreas pedagógicas por parte dos licenciandos.
Os licenciandos enfatizam também que alguns acadêmicos da licenciatura
desvalorizam as matérias pedagógicas, conferindo maior valor aos conteúdos
matemáticos, os depoimentos abaixo evidenciam essa posição:

L10E – As matérias pedagógicas são menosprezadas no curso, porque os


colegas ainda não têm a visão de que essas matérias vão te ajudar, vão dar
suporte muito grande para você trabalhar com os alunos [...], mas é claro
que é uma matéria que você assim, ah é fácil, não é como uma análise que
você tem que sentar e resolver, tem que sentar, ler e entender pronto, assim
então elas são deixadas de lado por nós acadêmicos, mas eu creio que lá
na frente vai fazer muita falta.
L13E– [...] existe uma divisão, os alunos que estão focados no bacharelado
não dão importância que deveria se dar para as pedagógicas [...] eu tenho
colegas que estão se preparando para entrar no mestrado, eles sentem que
na hora que eles vão disputar com o bacharel dá diferença, porque eles não
têm todo o conteúdo do bacharel.

Nos depoimentos acima podemos perceber que alguns licenciandos não


visualizam a docência na educação básica, assim pretendem seguir nos estudos na
173

Pós-Graduação e sentem que seriam prejudicados por não possuírem conteúdos


matemáticos mais aprofundados. Podemos inferir, com base nos relatos dos
licenciandos, que desde a graduação alguns acadêmicos já começam a
menosprezar os conteúdos pedagógicos, o que acaba, implicitamente, influenciando
no desprestígio dos cursos de licenciatura em relação ao bacharelado em
Matemática, decorrente da desvalorização das disciplinas pedagógicas.Nesse
sentido, podemos inferir que o maior prestígio aos conhecimentos matemáticos e à
profissão de matemático, em relação aos conteúdos pedagógicos, que representa o
valor simbólico do ensino e da docência, com menor status profissional, influencia
nas escolhas profissionais dos licenciandos. Nesse sentido, Bourdieu (1983, p.125)
esclarece que “os agentes avaliam suas possibilidades e supõem que os
investimentos se organizam com referência a uma antecipação consciente ou
inconsciente das chances médias de lucro em função do capital acumulado”, ou
seja, os licenciandos visualizam as chances de alcançarem uma profissão que lhes
renderia maior lucro e prestígio, de acordo com o capital adquirido na licenciatura.
Assim os licenciandos, mesmo que não tenham plena consciência disso, investem
seus esforços na docência no Ensino Superior ou na profissão de matemático, por
considerarem, inconscientemente ou não, que essas atribuições poderiam render-
-lhes maior status ou prestígio profissional. Essas considerações de Bourdieu (2013)
nos permitem refletir sobre os processos que se instauram no interior das IES e que
conferem às disciplinas pedagógicas menor prestígio nos cursos de licenciatura em
Matemática.
Cabe ressaltar que além do menor status da docência em relação à
pesquisa nas IES, as disciplinas pedagógicas também sofrem a desvalorização
histórica decorrente do desprestígio das ciências humanas conferido pelo paradigma
científico da ciência moderna (SANTOS, 2008).
A desvalorização das disciplinas pedagógicas por parte dos licenciandos
pode trazer consequências para o ensino nas escolas, uma vez que esta concepção
de que quem sabe, sabe ensinar pode guiar as ações do futuro professor e trazer
implicações para a identidade e profissionalidade docente.
174

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao nos propormos investigar as concepções sobre a docência e sobre a


preparação para a mesma na licenciatura, buscando analisar as concepções dos
licenciandos, nos deparamos com questões que envolvem os processos formativos
no curso de licenciatura em Matemática. Nesse sentido buscamos no referencial
teórico sobre a formação docente os aportes para discutir sobre a preparação para a
docência na licenciatura. Buscamos também o entendimento de como se constituiu
a formação de professores no Brasil para subsidiar a discussão sobre as questões
atuais que permeiam a formação docente. Para buscar subsídios que nos
auxiliassem nas análises sobre a preparação para a docência do professor de
Matemática, conceituamos o ensino da Matemática e discutimos os aspectos legais
sobre a formação do professor desta área, para posteriormente analisarmos o PPC
das licenciaturas em Matemática das universidades investigadas.
Entendendo que o universo acadêmico e a formação docente que se efetiva
neste espaço não podem ser analisadas superficialmente, sem entender as práticas
e ações que se desenvolvem neste campo, buscamos em Bourdieu (2013) nos
conceitos de campo, capital cultural e habitus, a fundamentação para as análises
sobre o campo universitário. Ao apreender o campo universitário como um campo
marcado por múltiplos poderes, o autor fornece um referencial que nos auxilia na
compreensão das relações complexas que permeiam esse campo, demonstrando
que as tomadas de posições dos formadores obedecem a mecanismos específicos
do campo científico.
Analisar as concepções dos licenciandos da Matemática sobre a docência e
a sua preparação para a mesma implica em um exercício de compreensão dos
sentidos atribuídos por esses estudantes ao momento formativo vivenciado na
licenciatura, considerando o habitus constituído no universo acadêmico. A
socialização ou incorporação do habitus se reveste de significações à medida que os
licenciandos vão construindo o significado para o ser professor.
O que significa ser professor, o que é a docência para esses estudantes?
Como eles avaliam a sua preparação para assumir esta tarefa tão complexa? Estas
inquietudes nos impulsionaram no caminho investigativo e a trajetória desta
pesquisa nos levou a algumas inferências: com base no posicionamento dos
licenciandos sobre a sua preparação para a docência foi possível desvelar que o
175

processo formativo na licenciatura pode ser um momento de identificação com o


ofício docente, mesmo para os licenciandos que inicialmente não vislumbravam a
docência, assim como a licenciatura pode ser um espaço que afasta os licenciandos
da docência na educação básica. Nesse sentido podemos apontar alguns fatores
que podem consolidar a escolha dos licenciandos pela docência ou afastá-los da
carreira docente como: o modo como está organizado o currículo na licenciatura; a
importância atribuída às disciplinas que compõem o currículo da licenciatura em
Matemática; as influências do professor formador e as experiências dos estágios.
Estes fatores contribuem para a formação do habitus estudantil (SILVA, 2011)
influenciando a concepção de docência construída pelo licenciando, assim como
podem (re)construir preconcepções sobre a docência (MIZUKAMI, 2013).
O aporte teórico adotado para fundamentar as análises juntamente com
dados coletados na pesquisa nos permitiu desvelar as concepções dos licenciandos,
apontando alguns aspectos:
– Sobre as concepções sobre a docência: os licenciandos com base em sua
concepção sobre o papel do professor elaboram uma concepção de ensino, a
maioria conceituando o ensino como transmissão de conhecimento; alguns como
processo mediado pelo professor e poucos como construção de conhecimento.
Coerente com a concepção de ensino, a maioria dos licenciandos investigados
considera muito importante o professor saber o conhecimento específico de
Matemática, sendo que este deverá transmitir o conhecimento aos alunos e nesse
sentido o conhecimento dos conteúdos se torna muito importante. Poucos
licenciandos revelaram uma concepção de docência como atividade complexa, que
exige a mobilização de diferentes saberes (TARDIF, 2012). Podemos inferir que a
concepção sobre a docência revelada pelos licenciandos está em estreita relação
com a sua preparação para a docência vivenciada no curso, principalmente da
identidade do curso; dos conflitos entre as áreas do conhecimento específico e
pedagógico; das experiências vivenciadas nos estágios e das influências do
professor formador e do que este valoriza. Estes aspectos sobre a formação docente
na licenciatura contribuem para a construção dos saberes docentes e para os
sentidos atribuídos à docência pelos acadêmicos.
– Sobre as concepções sobre a preparação para a docência, alguns
aspectos se destacam: o espaço formativo na licenciatura não é neutro, como foi
possível perceber nos relatos dos licenciandos sobre os conflitos no interior da
176

licenciatura. Nesse sentido, o campo universitário é permeado por lutas e conflitos


simbólicos que buscam legitimar as posições dos agentes dentro do campo
(BOURDIEU, 2013). Os formadores procuram legitimar suas posições por meio do
acúmulo de capital científico e buscam valorização para as suas áreas de
conhecimento e para suas produções. Estes aspectos do campo universitário
influenciam na maneira como os licenciandos são formados, com a valorização das
atividades de pesquisa (representado pela valorização do pesquisador) em
detrimento das atividades de ensino (representado pela docência); valorização das
disciplinas matemáticas; desvalorização, mesmo que implícita, das disciplinas
pedagógicas; falta de articulação entre as áreas de conhecimento. Nessa
perspectiva, as diferentes hierarquias ocupadas pelos professores e pelas
disciplinas dentro do campo universitário se refletem na construção dos Projetos
Pedagógicos e nos currículos dos cursos.
Os dados revelaram que a licenciatura em Matemática das universidades
investigadas busca oferecer uma formação sólida nos âmbitos científicos e culturais,
mas sem ,no entanto, abandonar o modelo formativo coerente com a racionalidade
técnica. Inferimos esta premissa com base nos depoimentos dos licenciados sobre a
falta de conteúdos voltados para a docência, com a análise do PPC e da matriz
curricular com maior carga horária destinada aos conteúdos matemáticos. O modo
como os estágios são organizados, somente no final do curso, e a falta de
esclarecimento sobre como a Prática como Componente Curricular se efetiva no
curso também nos fornecem subsídios para inferir tal proposição.
Foi possível inferir com base nos relatos dos licenciados e com a análise do
PPC que as licenciaturas em Matemática das universidades investigadas buscam se
adequar às Diretrizes que orientam a formação dos professores no âmbito da
retórica, sem, entretanto, se concretizar em ações efetivas no interior dos cursos. O
que se desvelou foram cursos com características bacharelescas, com pequeno
espaço para discussões sobre a docência, mesmo nas disciplinas pedagógicas e
nos estágios.
Ficou evidente na pesquisa que os estágios se revelaram, de acordo com as
falas dos licenciandos, como espaços pouco organizados, mas que contribuem
muito para a formação destes. A maioria dos estudantes considera os estágios como
um momento de muito aprendizado sobre a docência e sobre a profissão docente.
Ainda sobre os estágios, foi possível inferir que estes se efetivam no curso como um
177

momento definitivo no que se refere à escolha pela docência por parte do


licenciando. Nesse sentido ficou evidenciado que o estágio se configura como um
divisor na decisão do licenciando em ser professor (BACCON, 2005; BACCON;
ARRUDA, 2010). Outro dado importante que se destacou na pesquisa foi a
influência do professor formador, visto pela maioria dos alunos como referência na
sua prática pedagógica subsequente. Nesse sentido ficou evidenciado que os
formadores servem de modelo funcional e exercem influência em uma visão
posterior de ensino (CARTAXO; MARTINS, 2014). Tendo em vista os aspectos
observados nos relatos discentes, destacamos o papel relevante que o formador
exerce na identificação dos estudantes com a docência” e a importância das
atividades curriculares que favoreçam a aproximação dos estudantes com a
realidade escolar (ANDRÉ et al., 2012). Desse modo o perfil do formador é um dado
muito importante que pode ser decisivo na hora de se colocar o currículo em ação,
especialmente no caso da Prática de Ensino e dos Estágios Supervisionados.
Vivemos em tempos de reconfiguração sobre o ser professor, “aprender a
ser professor nesse contexto, não é, portanto, tarefa que se conclua após estudos
de um aparato de conteúdos e técnica de transmissão deles” (MIZUKAMI, 2002,
p.12). “A aprendizagem da docência, nesse sentido, deve se dar por meio de
situações práticas que sejam efetivamente problemáticas” (p.12), o que requer que
sejam trabalhados não só conhecimentos, mas também atitudes (MIZUKAMI, 2002).
A universidade vive tempos conturbados e de muitos desafios postos pelas novas
demandas que se apresentam, principalmente no que se refere aos novos” alunos
das licenciaturas (ANDRÉ et al., 2010). Nesse sentido, torna-se necessário
abandonar a concepção de universidade como entidade administrativa, que assume
um papel de treinamento de graduandos para o mercado de trabalho com um
enfoque técnico voltado para execução de tarefas (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002).
O modelo de racionalidade técnica e o ensino com enfoque numa concepção
baseada na transmissão de conhecimento não cabe mais nas diferentes mudanças
às quais passa a universidade (SEVERINO, 2002). A universidade ainda guarda
algumas concepções enraizadas sobre o ensino e um habitus institucionalizado que
dificulta esta se assumir como instituição social, onde o ensino é concebido como
uma construção coletiva, alunos e professores construindo conhecimentos.
Importante ressaltar que ao construir nossas análises, a partir dos dados
apontados pelos clusters, estes nos permitiram apontar que os licenciandos das
178

universidades investigadas se diferem quanto às suas concepções sobre a docência


e como percebem a sua preparação para ser professor. Os licenciandos da U1 em
sua maioria compartilham das mesmas concepções e avaliam a sua preparação
para a docência de maneira muito parecida entre si. Percebemos também alguns
dados interessantes: que a maioria dos licenciandos da U2 vê o estágio como uma
experiência negativa;que a disputa entre as disciplinas específicas e pedagógicas é
mais enfatizada nas falas dos licenciandos da U1.
Assim, os clusters nos permitiram inferir que o modo como os processos
formativos são organizados no interior das IES imprimem marcas nos licenciandos
que influenciam as suas concepções sobre a docência, como o papel do professor, o
que o professor deve saber para ensinar, bem como a escolha pela docência depois
de formado. Quando os clusters dividiram os licenciandos por universidade, ficou
evidente que a IES pode direcionar o modo como os futuros professores conceituam
a docência, bem como influenciar no futuro profissional de seus egressos. Levando
em consideração esses aspectos da formação docente, podemos apontar que os
futuros professores elaboram suas ações de acordo com as experiências que
tiveram durante a licenciatura, ou seja, agem de acordo com o habitus adquirido
(BOURDIEU, 2004b).
Tendo em vista os resultados alcançados, foi possível constatar que os
licenciandos nos dão pistas sobre quais aspectos do processo formativo na
licenciatura precisam ser repensados. Constatamos também que os resultados de
nossa pesquisa convergem com o que dispõe a literatura sobre a formação inicial
docente.
Esperamos que os apontamentos desta pesquisa possam contribuir, se não
para impulsionar a mudança de certas práticas formativas e curriculares nas
licenciaturas, para se refletir sobre os processos formativos na licenciatura em
Matemática.
A pesquisa aqui apresentada, apesar das limitações, acabou investigando os
sentidos que os sujeitos atribuem ao seu processo formativo, o que envolve uma
série de questões, desde as concepções sobre a aprendizagem da docência,
concepções de ensino e da própria profissão docente, e traz resultados que podem
servir de fio condutor para novas investigações sobre a formação inicial nas
licenciaturas. Procuramos respostas para as concepções sobre a docência e a
preparação docente na licenciatura e descobrimos também que algumas indagações
179

permaneceram em aberto, seja porque não era nosso objetivo de estudo e por conta
da imensa quantidade de dados à qual nos deparamos, o que não nos possibilitou
analisar tudo. Podemos citar alguns pontos que permanecem em aberto: o
compromisso social e a função da universidade pública na formação docente; como
o perfil do professor formador influencia nas práticas formativas na licenciatura; as
experiências do professor formador e a influência na prática pedagógica na
licenciatura. Esses pontos nos despertam, como pesquisadora, o desejo de
continuar pesquisando e contribuindo para as reflexões e possíveis avanços na
formação de professores no Brasil.
180

REFERÊNCIAS

ANDRÉ, M. ALMEIDA, P. C. A de.; HOBOLD, M. S.; AMBROSETTI, N.B; PASSOS,


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ANDRÉ, M. SIMÕES, R. H. S.; CARVALHO, J. M.; BRZEZINSKI, I. Estado da arte


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APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


189

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO- MESTRADO E DOUTORADO

CARTA DE ESCLARECIMENTO PARA OBTENÇÃO DO CONSENTIMENTO LIVRE E


ESCLARECIDO

Caro(a) Acadêmico(a):

Eu, Elizabete Volkman, portadora do CPF: 03547746973, residente na Rua Marechal


Deodoro, 986 –Cidade Nova – CEP 89400-000, na cidade de Porto União – SC, telefone de contato
(42) 84184320, mestranda do programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Ponta
Grossa, estou desenvolvendo uma pesquisa intitulada Licenciatura em Matemática e a preparação
para a docência: o que dizem os Licenciandos sobre o curso de licenciatura em Matemática, com a
orientação da Profa. Dra. Ana Lúcia Pereira Baccon, professora do programa de Pós-Graduação-
Mestrado e Doutorado da Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG.
Você será solicitado a responder a um questionário e se desejar uma entrevista. Ambos de
respostas simples. Seu nome e sua identidade serão mantidos em sigilo. Os dados serão utilizados
na pesquisa para compreender como os acadêmicos avaliam sua formação inicial. Só participarão da
entrevista os acadêmicos que se disponibilizarem ao final do preenchimento do questionário. As
entrevistas serão agendadas previamente, de acordo com as suas disponibilidades de datas e
horários.

Como abordagem ética deste estudo asseguro-lhe que:


Não sofrerá quaisquer constrangimentos e não interferirá nas suas atividades;
Nos escritos os acadêmicos não serão identificados ou chamados pelo nome;
Os participantes da pesquisa não serão avaliados ou testados;
Você poderá desistir a qualquer momento da pesquisa.
Informo, ainda, que os participantes têm garantias de acesso, em qualquer etapa da
pesquisa, sobre esclarecimentos de eventuais dúvidas. Caso deseje será informado a respeito do
resultado da pesquisa.
Informo que o Sr.(a) tem garantias de acesso, em qualquer etapa da pesquisa, sobre
qualquer esclarecimento de eventuais dúvidas. Caso tenha alguma consideração, ou dúvidas sobre a
ética na pesquisa,entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) na Av. Carlos
Cavalcanti, 4,748 – BlocoM – Sala 100 –Campus Universitário, CEP 84030-900 –Ponta Grossa –PR,
e no telefone (42) 3220-3102, horário de segunda asexta das 8 h às 12 h.
Atenciosamente
Elizabete Volkman

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu,_______________________________________________________,RG_____________a
cadêmico do curso de licenciatura em matemática, aceito participar da pesquisa e acredito ter sido
suficientemente informado(a) a respeito da participação neste estudo.
Ficou claro para mim que minha participação é isenta de despesas e que tenho garantias de
acesso aos resultados e direito de esclarecer minhas dúvidas a qualquer momento. Entendo que
minha identidade será confidencial e que posso sair do estudo a qualquer momento, antes ou durante
o mesmo, sem penalidade ou prejuízo.
O termo de consentimento livre e esclarecido será feito em duas vias, sendo um de posse
do(a) entrevistado(a) e outro do pesquisador.

___________________________________
Assinatura do participante da pesquisa

_____________________________________
Assinatura do pesquisador responsável RG _____________________Fone________________
Ponta Grossa, _____ de _____________________de ___________.
190

APÊNDICE B – Questionário de coleta de dados


191

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Prezado acadêmico:

O Programa de Pós-Graduação em Educação da UEPG deseja conhecer


sua opinião a respeito do curso de licenciatura em Matemática. Peço sua
colaboração para a pesquisa, respondendo a todas as perguntas do
questionário. Não é necessário se identificar, no entanto sua identidade será
mantida em sigilo. Não existe resposta correta ou incorreta, o que nos
interessa é a sua opinião sincera sobre o que for perguntado.

1- Sexo: ( ) M. ( ) F. Idade_______________________
2- Você cursou o Ensino Médio em escola:
( ) Pública
( ) Particular
3- Estado civil:

( ) Casado(a)
( ) Solteiro(a)
( ) Viúvo(a)
( ) Divorciado(a)

4- Tem filhos?

( ) Sim
( ) Não

5- Você trabalha? Se sim qual profissão?

( ) Sim ____________________________
( ) Não

6- Renda Familiar:

( ) Até 2 salários mínimos


( ) Até 4 salários mínimos
( ) Até 6 salários mínimos
( ) Até 8 salários mínimos
( ) Mais de 10 salários mínimos

7- Qual a maior dificuldade encontrada na graduação?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________
192

8- Quais os motivos que o levaram pela escolha do curso?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________

9- Você sente-se preparado(a) para o exercício da docência?


( ) Sim ( ) Não

Por quê?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________

10- Para você o que o professor precisa saber para atuar em sala de aula?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________

11- Qual a contribuição do Estágio Curricular Supervisionado para a sua


formação?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________

12- Qual a relação entre teoria e prática?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________

13- O que é ensino?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
193

___________________________________________________________________
_________________________________________________________________

14- Qual a função da escola?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________

15- Para você existe alguma diferença entre o professor de matemática


formado na modalidade presencial e a distância?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________

16- Qual o papel do professor?


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17- Você acha que o seu curso de licenciatura oferece subsídios suficientes
para você atuar em sala de aula? Justifique.
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18- Para você as práticas pedagógicas do professor da universidade


influenciam na sua formação como professor? Se sim, como?
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19- Houve articulação entre as disciplinas específicas e as disciplinas


pedagógicas? Se sim, como?
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194

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21- A estrutura do curso (Currículo, Conteúdos) está organizada de maneira a


facilitar o processo de ensino e aprendizagem?
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22- Quais as fragilidades e os pontos positivos do teu curso de licenciatura?


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Você aceita participar da entrevista?

( ) Não
( ) Sim

Nome: ______________________________________________________
E-mail:_______________________________________________________
Telefone: ____________________________________________________

Sobre as informações prestadas:

( ) Autorizo a divulgação das informações, desde que seja preservada a minha


identidade.

Assinatura:______________________________________________________
195

APÊNDICE C – Roteiro para entrevista com os licenciandos


196

ROTEIRO DA ENTREVISTA–TÓPICOS

Escolha pelo curso de licenciatura

O curso prepara para ser professor

Ser professor

Articulação entre as disciplinas pedagógicas e específicas

Estágio Curricular –contribuições

Influência dos professores formadores (práticas; visões de mundo).

Saberes docentes
197

ANEXO 1

Matriz Curricular da Universidade 1 (U1)


198
199
200

ANEXO 2

Matriz Curricular da Universidade 2 (U2)


201

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