Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

2011 Cap 2

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 53

2

Elementos formais de games

Os jogos não constituem uma disciplina muito bem definida. Para que um
determinado campo esteja bem estabelecido, é necessário que haja disposição
comum entre seus termos, uma espécie de acordo ou conformidade de
proposições. Mas o principal conceito que permeia essa “área”, justamente o de
jogo, é cercado de dilemas, provenientes da existência das diversas interpretações
e conotações que recebe. Evidentemente, isto não contribui para a consolidação de
uma disciplina chamada “Jogos”.
Por outro lado, nos anos 1980, por conta da popularização e
profissionalização da indústria de videogames, começaram a surgir muitas
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

pesquisas, artigos, e, mais tarde, até mesmo cursos superiores ligados aos jogos,
principalmente àqueles voltados para sua versão digital. Na década seguinte, as
investigações avançaram ainda mais, proporcionando até mesmo o surgimento da
denominação, que se tornou internacionalmente conhecida, dos game studies
(estudos dos jogos). Se este fato não foi suficiente para constituir uma nova
disciplina, por outro lado, ajudou a organizar alguns dos conhecimentos que
cercam o segmento dos videogames, além de propiciar debates acalorados.
Diante de tal incerteza epistemológica, parece que os games acomodam-se
melhor aos novos paradigmas, que nos propõem aceitar o pensamento complexo
nos moldes apregoados por Edgar Morin (1973). Sob esta óptica, o pesquisador é
visto como sujeito criativo, que utiliza métodos intercambiáveis, e adota a
transposição de conhecimentos como princípio. Neste sentido, os games
assemelham-se muito ao próprio design, conforme visão de Bomfim (1997, p. 40).
Este autor propõe
“a criação de novos paradigmas para a formação e utilização dos conhecimentos,
sejam eles científicos ou não, que tenham como ponto de partida a observação
multidisciplinar de uma situação concreta, e não uma interpretação particular
através de ciências disciplinares”.
Os jogos, portanto, e principalmente os jogos digitais, possuem diversas
configurações, cuja interpretação dependerá do contexto e da relação subjetiva
37

com seu usuário: “entre sujeito e objeto não existe estado permanente; apenas
processo, cuja complexidade não se estabelece apenas pela relação em si, mas
também pela interpretação que a ela se dá” (idem, ibidem). O conceito de jogo,
portanto, é dinâmico, mutável, interpretável.
Faremos, a seguir, um exercício de definição, cujo objetivo não é encerrar o
assunto, já que, neste caso, estaríamos, sim, contradizendo o exposto acima. Mas,
diante de tantas formulações, nossa proposta é especificar a que servirá como
referência para a análise que sará efetuada neste trabalho.

2.1.
Conceito de Jogo
O termo “jogo” pode designar simplesmente um artefato. Podemos exprimir
esta acepção na seguinte frase: “quero comprar este jogo”. Mas o que nos
interessa aqui é compreender o jogo por seu viés estrutural, ou seja, compreender
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

o que configura um jogo. A história demonstra que tal exercício é algo bastante
controverso. Wittgenstein (2001, p. 27) já apontava esta dificuldade ao utilizar
justamente o conceito de jogo para apresentar sua noção “de semelhanças
familiares”:
[...] se investigarmos o que há de comum em todos os jogos, perceberemos que
semelhanças surgem e desaparecem. Há características comuns entre um jogo de
tabuleiro e um jogo de cartas. Mas há traços que os distinguem. O mesmo pode se
dizer dos jogos de cartas e dos jogos de bola: ‘muita coisa comum se conserva, mas
muitas se perdem. (idem, ibidem).
A própria definição de Huizinga, segundo a qual
o jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e
determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas,
mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de
um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da ‘vida
quotidiana. (Huizinga, 2001, p. 33),
já sofreu muitos desgastes por conta das mudanças de nossa sociedade e do
surgimento de novos tipos de jogos. Os esportes de competição, por exemplo, não
podem ser considerados mais atividades tão voluntárias, já que se tornaram
38

atividades profissionais. Já os videogames propiciaram o surgimento de alguns


jogos sem limites de tempo, como os MMORPG1.
É importante ressaltar que em algumas línguas, como o inglês (to play) ou o
alemão (spielen), não há distinção entre jogar, brincar, representar ou outros atos
de ocupação voluntária e exteriores à vida cotidiana. O conceito de jogo que nos
interessa é aquele que Juul (2005) denomina “rule-based games” (jogos baseados
em regras). Neste trabalho, partiremos, portanto, do “modelo clássico de jogo”
(“classic game model”) estabelecido por Jesper Juul (2005, p. 6), e que, segundo
o próprio autor, foi traçado historicamente por milhares de anos. Ele consiste em
três diferentes níveis: o nível do jogo em si, o nível da relação do jogo com o
jogador e o nível da relação entre a atividade de jogar e o resto do mundo.
Segundo esse autor, jogo é:
1. um sistema formal baseado em regras,
2. com resultados variáveis e quantificáveis,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

3. em que a diferentes resultados são atribuídos diferentes valores,


4. em que o jogador exerce um esforço para influenciar os resultados,
5. o jogador deixa-se influenciar emocionalmente pelo resultado,
6. e as consequências das atividades são negociáveis e opcionais (Juul, 2005).
Para Juul, esse é o modelo com base no qual os jogos são construídos, e, de
certo modo, evidencia as condições que caracterizam algo como um jogo. É
importante ressaltar que, nesse modelo, não fica explícita a necessidade de haver
um vencedor. Por outro lado, os itens 4 e 5 influenciam positivamente no sentido
de haver uma competição, o que leva à condição de vitória ou derrota.
Esse ponto é essencial, pois muitos autores, como o filósofo André Lalande,
afirmam que o que distingue um jogo de uma brincadeira não é a necessidade ou
não de regras, mas sim a existência de vencedores e derrotados (Frasca, 2007).
Com base nesta distinção, Gonzalo Frasca define “paidea” (ou brincadeira) como
uma “atividade física ou mental que não tem um objetivo útil imediato, nem um

1
MMORPGs é a sigla de “massive multiplayer online real player games”, ou “jogos
massivos multiusuários de representação” (RPGs). Neste tipo de jogo, teoricamente a partida não
tem fim. O jogo fica aberto permanentemente nas redes de computadores, podendo cada jogador
entrar e sair conforme a sua estratégia. Evidentemente, ao sair do jogo, a partida tem um fim
temporário para o jogador, mas o jogo continua para os outros usuários.
39

objetivo definido, e cuja razão de existir é somente o prazer experimentado pelo


jogador” (idem, ibidem). Já “ludus” (ou jogo) é um tipo particular de brincadeira,
definido como uma “atividade organizada por um sistema de regras que define a
vitória ou a derrota, um ganho ou uma perda" (idem, ibidem). Katie Salen e Eric
Zimmerman (2004, p. 72) concordam: “os jogos são brincadeiras mais
organizadas e formalizadas”. Em geral, a brincadeira é uma atividade mais livre,
destituída de objetivos e de regras formalmente constituídos, tem livre duração e
independe da necessidade de haver competição, com vencedores e perdedores.
Exemplos de brincadeiras clássicas são o “pular corda”, o “brincar de
casinha” ou “brincar de carrinho”. Tais brincadeiras até podem ser regidas por
regras, estabelecidas informalmente pelas crianças, mas sem grandes
compromissos. Por outro lado, não há condição de vitória ou derrota. Há também
versões contemporâneas de brincadeiras dentro do mundo digital. A série The
Sims2, por exemplo, além de não possuir regras formalmente consentidas (nem
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

condição de fim), também não estabelece na partida uma situação que redunde em
vencedores e perdedores. Portanto, se adotarmos o modelo de Frasca, The Sims
estaria mais para um brinquedo que para um jogo.
Desse modo, os jogos, ao contrário das brincadeiras, são estruturados com
base em dois elementos principais: “ends” e “means” (Parlett, 1992). O primeiro
pode ser evidenciado pela necessidade de haver uma condição de fim, em geral
definido pelo objetivo do jogo, que leva um ou mais participantes a vencer e o(s)
outro(s) a perder. Muitos autores definem-no também como “condição de fim”.
No jogo de xadrez, por exemplo, o final é definido pelo xeque-mate, e o vencedor
é aquele que executa esta ação. O segundo elemento, means, pressupõe a
existência de regras, plenamente acordadas, que balizam as ações dos
competidores. Por exemplo, uma regra diz que o bispo, uma das peças do xadrez,
só se pode mover na diagonal. É importante ressaltar dois pontos: as regras devem

2
The Sims é um game desenvolvido pelo designer Will Wright e publicado pela Electronic
Arts. O game é considerado, segundo os próprios criadores, um “simulador de pessoas”. O jogador
cria personagens e cenários que interagem entre si, em situações que procuram retratar o “mundo
real”. O jogo não possui um objetivo específico, nem regras formalmente estabelecidas dentro de
um contexto de jogo. O game gerou diversas versões e extensões, com variedades temáticas.
40

ser claramente mensuradas (ou seja, nelas não pode haver ambiguidades), e elas
devem ser aceitas e respeitadas pelos jogadores.
A esses dois elementos, Wolf acrescenta e ressalta a necessidade do conflito
(que provoca também emoção) e o uso de algum tipo de habilidade (esforço) que
faz um jogador sobressair sobre o outro.
Elementos que deveriam ser encontrados em um jogo são o conflito (contra um
oponente ou as circunstâncias), regras (determinando o que pode e não pode ser
feito e quando), uso de alguma faculdade – play ability (como habilidade física,
estratégia ou sorte), e algum de resultados mensurável (como vitória vs. derrota, ou
a obtenção da maior pontuação ou o tempo mais rápido para atingir uma tarefa)
(Wolf, 2001, p. 14).
A necessidade de conflito é importante, pois um jogo que possui regras
muito bem definidas e uma condição de fim, mas não é marcado por um conflito
permeando a experiência, não propicia o desafio necessário para a prática do jogo.
O outro elemento – uso de alguma faculdade – são as habilidades empregadas
pelo jogador.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

Consideraremos, portanto, os jogos como atividades competitivas (que


levam à vitória ou à derrota), que possuem regras definidas e claramente
mensuráveis; apresentam um objetivo que norteia as ações do jogador; necessitam
de conflitos; e, como resultado, propiciam uma sensação de tensão e diversão. Na
seção 2.2., exploraremos com mais detalhes estes e outros elementos que
caracterizam o jogo.

2.1.1.
Videogames
Na língua inglesa, a mesma palavra, “game”, designa os significados
distintos que atribuímos às palavras “game” e “jogo”. Mas, no Brasil, a palavra
“game” é historicamente associada aos jogos que funcionam em meios digitais e
interativos. Não se usa a palavra “game” para referir-se, por exemplo, à tranca ou
ao gamão.
Por outro lado, comumente, nosso país adota quatro denominações para os
games: além de “game” e “videogame”, utiliza-se também “jogo eletrônico” e
“jogo digital”. Para ter-se uma ideia da falta de consenso, as dissertações e teses
de doutorado, assim como os artigos do principal simpósio da área no Brasil,
adotam todas as denominações, indiscriminadamente. Tomando como exemplo os
artigos (longos ou curtos) que foram aprovados na trilha Art & Design do
41

SBGames 2007, principal simpósio de videogames do Brasil, chegamos à seguinte


proporção: 35% dos artigos utilizaram a palavra “game”; 35% adotaram a
expressão “jogo eletrônico”; 15% usaram “videogame” e outros 15%, “jogo
digital”.
No entanto, todas as denominações apresentam certos problemas. A palavra
“game”, pelo seu caráter generalista, é, em princípio, pouco apropriada. Além
disso, sofre grande resistência por ser uma palavra em inglês. Grande parte da
mídia especializada, por outro lado, como revistas (EGM, Nintendo etc.) e até
mesmo jornais (caderno Informática da Folha de S.Paulo ou caderno Link do
jornal O Estado de S. Paulo), passou a adotá-la sistematicamente.
“Jogo eletrônico”, apesar de ser uma denominação bastante usada no Brasil,
é adotado também para identificar jogos que, para funcionar, possuem
dispositivos eletrônicos, mas não se utilizam de um monitor, tela ou vídeo para
representar o jogo em si. Visualmente, eles se parecem muito mais com os
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

brinquedos eletrônicos. O Gênius é um bom exemplo dessa categoria de jogos.


Outra desvantagem da expressão “jogo eletrônico” é estar associada também a
certos jogos de azar, como os caça-níqueis.
“Jogo digital” é uma denominação que surgiu mais recentemente. O termo
tende a se propagar, pois há uma recomendação governamental, que estipula que
os cursos superiores da área sejam chamados de Jogos Digitais3. Assim como jogo
eletrônico, porém, “jogo digital” pode vir a ser utilizado para designar outros tipos
de jogos que utilizam a tecnologia digital, mas que não se caracterizam como
videogames.
Por fim, temos a denominação “videogame”, que provém da composição do
termo em latim “video” (primeira pessoa do singular do verbo videre, ver, olhar,
compreender) com a palavra inglesa “game”. Videogame4 é, portanto, jogo
representado em vídeo. A palavra é uma herança da expressão inglesa “video
game”, que é escrita separadamente. No Brasil, o termo popularizou-se nos anos

3 Unicsul, Unisinos, PUC-SP, PUC-MG, Senac-SP e FMU adotaram a expressão “Jogo


Digital” para denominar seus cursos – todos eles tecnólogos.
4 Em Portugal, o termo foi “traduzido”. Lá se utiliza a palavra “videojogos”.
42

1980 com a enorme vendagem conseguida pelo console Atari 2600.


Curiosamente, a Philco já tinha lançado, em 1977, um console nacional chamado
Telejogo. A palavra “telejogo” é a composição do termo grego “tele” (longe) com
“jogo”: uma denominação bastante apropriada, pois descreve de certo modo o
caráter virtual dos videogames. Mas provavelmente o nome foi abandonado por
estar associado ao produto da Philco.
Embora inicialmente a palavra “videogame” tenha sua origem nos jogos
para console – diferenciando-se dos jogos para computador –, hoje ela é utilizada
para nomear todo o segmento. É também uma designação que gera menos
confusão do que jogo eletrônico ou simplesmente game, pois ninguém associa
videogame a um jogo de azar ou a algum tipo de esporte radical. Videogame é
simplesmente o jogo representado em vídeo. O único inconveniente é que
“videogame” serve também para se referir ao hardware. Por exemplo, o console
Nintendo Wii é um videogame.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

Para evitar ambiguidades, neste trabalho adotaremos a palavra videogame


para designar o campo como um todo, e jogo digital ou game para designar um
(01) jogo (o software). Todos os termos referem-se, portanto, aos jogos que são
representados em tela/vídeo, seja o da televisão, do computador, de dispositivos
móveis, ou de dispositivos de jogos portáteis. Os videogames são, portanto, um
“novo” formato para os jogos, só que jogados por meio de uma tela, visor ou
monitor.
Embora os monitores de videogame empreguem tecnologias ligeiramente
diferentes entre si – alguns utilizam tubos de raios catódicos, outros, cristal
líquido –, todos eles permitem representar imagens com base na composição
gráfica de pontos5. Esta especificidade possibilita-nos apontar uma das diferenças
dos videogames em relação aos jogos tradicionais: o fato de eles “requererem
telas que permitem alterar as imagens rapidamente” (Wolf, 2001, p. 19).
Evidentemente o game deve propiciar interatividade. Segundo Wolf, certos jogos,

5 Alguns autores, como Mark Wolf, estabelecem como critério para definir um jogo como
videogame a necessidade da existência da tecnologia de construção de imagens por pontos/pixels
(Wolf, 2001, p. 19).
43

como o Clue VCR Game, versão de um jogo de tabuleiro, não podem ser
qualificados como videogames, porque a imagem do visor não proporciona
interação (idem, ibidem, p. 17).
Juul (2005), no entanto, alega que os videogames trouxeram novos atributos
para os jogos. Ou seja, os jogos mudaram ou, se não mudaram, se ressignificaram.
Num dos aspectos estudados, os videogames fazem uma fusão dos jogos,
enquanto regras formais – o supracitado modelo clássico de jogos –, e a ficção – o
universo contextual em que o game está inserido. Juul afirma que a ficção auxilia
na construção das regras, enquanto as regras permitem que o jogador imagine o
mundo ficcional.
Outro aspecto mencionado por Juul é que, por ser apenas uma representação
gráfica, a experiência de jogar é também uma ação segura. Numa partida de
videogame, o jogador pode desafiar monstros, pular obstáculos que seriam
intransponíveis no mundo “real”, até mesmo morrer, sem machucar-se.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

Evidentemente a representação gráfica e ficcional, a interação e a segurança já


estavam mais ou menos presentes em outros tipos de jogos e brincadeiras. O que
distingue esses tipos de jogos ou brincadeiras dos videogames é a intensidade com
que essas características trabalham conjuntamente, por meio de gráficos mais
realistas e de respostas mais imediatas do sistema, permitidas por um sistema de
interação mais ágil.
Por fim, é importante lembrar que, num jogo de tabuleiro, as regras devem
ser lidas e respeitadas para o prosseguimento do jogo. No videogame, as regras
estão implementadas nos códigos de programação do jogo, e as ações são
executadas pelo computador. Este conjunto de características contribui, portanto,
para que os videogames propiciem uma sensação maior de imersão
(principalmente nos modelos produzidos a partir dos anos 1990) do que a
desencadeada por outros tipos de jogos.
A contrapartida disso é que, à medida que os videogames ganham maior
poder de processamento e construção, e cresce a possibilidade de exploração de
narrativas e de interação, mais complexos se tornam os games. Consideramos esta
uma característica fundamental, que distingue os games dos jogos mais
tradicionais, como os de tabuleiro e de cartas. Por serem implementados em
sistemas digitais, os games multiplicam sua rede combinatória, criando um tecido
44

de complexidade inviável nos jogos físicos. Machado alerta para este fato ao falar
sobre os meios hipermidiáticos, em termos que poderiam ser aplicados
apropriadamente aos games:
A disponibilidade instantânea de todas as possibilidades articulatórias do texto
verbo-audiovisual favorece uma arte da combinatória, uma arte potencial, em que,
em vez de se ter uma ‘obra’ acabada, tem-se apenas seus elementos e suas leis de
permutação definidas por um algoritmo combinatório. (Machado, 1997, p. 146).
Em geral, os comportamentos complexos emergem da interação dos
elementos discretos que compõem o sistema de algum fenômeno. Nos sistemas
hipermidiáticos, a estrutura combinatória construída e parametrizada pelos
algoritmos também exprime tal comportamento, com a diferença de que a
percepção que deles podemos ter é ditada pela velocidade instantânea dos
computadores. “A hipermídia permite justamente exprimir tais situações
complexas, polissêmicas e paradoxais que uma escritura sequencial e linear, plena
de módulos de ordem, jamais poderia representar” (idem, ibidem, p. 148).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

Os games também são sistemas. No coração de cada game há um conjunto


de elementos formais que interagem para inserir o jogador dentro de uma
experiência dinâmica (Fullerton et al., 2004). Quanto maior o número de
elementos dentro desse sistema, maior a possibilidade de interação da parte do
jogador e maior a variação de partidas e de saídas possíveis dentro do jogo. Cada
novo elemento adicionado dentro universo do game torna-o mais complexo.
Por outro lado, o designer terá menos chance de prever o resultado embutido
em sua solução projetual. Como afirma Morin (1973, p. 17), “a complexidade é
um tecido de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: coloca o
paradoxo do uno e do múltiplo”. Este paradoxo é o grande desafio do designer de
games e de toda a equipe de produção envolvida no desenvolvimento de jogos
digitais, equipe cada vez mais numerosa e multifacetada, que constrói o uno-game
com base no arranjo múltiplo dos elementos compositivos cujo objetivo é fazer do
jogo uma experiência de pura diversão e desafio.
O fato é que os videogames representam uma nova linguagem. São jogos,
mas podem ser experiências de uma realidade ficcional representada por gráficos
e sons inusitados. Podem ser cinemas interativos, narrativas desafiadoras, mundos
repletos de fantasias. O desafio e o conflito são necessários para o jogo, mas,
diante da constituição de uma nova linguagem, eles podem ser apenas um detalhe
45

menos importante para o projeto. Basta olhar para alguns “games” que não são
jogos, como The Sims. No futuro, talvez os videogames nem sejam mais
representados em vídeos, o que propiciará nova onda de debates sobre o termo
empregado para se referir a essa forma de jogo vista pelas telas dos dispositivos
digitais.

2.2.
A mecânica do jogo
Os primeiros jogos de nossa história eram muito simples, compostos por um
pequeno conjunto de instruções. Em jogos como mancala6, damas ou gamão, as
instruções descreviam o objetivo do jogo, as regras que definem as ações do
jogador e a forma de preparação da partida. À medida que os jogos foram se
tornando mais complexos – e, como vimos, os videogames foram os maiores
responsáveis por isso –, as regras que regem a partida começaram a ficar
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

recheadas de detalhes, incluindo novos componentes que os primeiros jogos não


contemplavam. A construção deste novo sistema de regras passou a ser realizada
numa escala de difícil compreensão por parte do projetista. O sistema como um
todo tornou-se mais complexo. Nesse momento histórico, uma expressão, que
descreve a construção deste sistema, adquiriu popularidade entre os designers e
desenvolvedores de games: a mecânica do jogo.
O Dicionário Houaiss (2001, p. 1874) define mecânica como “um ramo da
física que estuda o comportamento de sistemas submetidos à ação de uma ou mais
forças”. Em seu sentido figurado, mecânica é o “conjunto dos meios empregados
para se atingir determinado fim” ou “uma maneira de operar” (idem, ibidem). Ou
seja, quando se fala em mecânica de um jogo, o designer deve descrever, com
base na composição de seus elementos, o modo pelo qual este sistema vai operar,
de forma que se torne um jogo. O designer vai projetar suas engrenagens. O
resultado deste sistema tem de ser harmônico e funcionar de modo que o jogador

6
Mancala (awele, oware, awale, awari, wari, walu, adji, ti, dentre outras denominações) é
um jogo de raciocínio, originado na África, em época estimada em 4000 a.C. O jogo é composto
por duas fileiras de orifícios, onde são colocadas sementes. O objetivo é colher o maior número
possível de sementes do seu adversário.
46

concentre-se apenas na partida, não na apreensão de seu funcionamento. Ou seja,


o designer dever criar os mecanismos que conduzam o jogador a atingir os
objetivos do jogo, respeitando, para isso, determinadas regras estabelecidas. A
definição mais formal de Järvinen (2008, p. 70) coincide com esse ponto de vista.
O autor define a mecânica do jogo como os “meios que guiam o jogador a agir
com um comportamento que o leve a seguir por um caminho que possibilite que
ele atinja seus objetivos”.
Tais definições estão alinhadas com o que descrevemos como mecânica –
“modos de se operar para se atingir um fim”. O fim, portanto, é o objetivo do
jogo. Alguns autores, como Miguel Secart (2008), criticam tais definições,
justamente porque estão condicionadas ao objetivo do jogador. Esse autor lembra
que alguns games, como The Sims, não possuem um objetivo definido. Isento
dessa polêmica, o pesquisador Daniel Cook (2006) descreve a mecânica do jogo
como “um sistema/simulação baseado em regras que facilitam e estimulam um
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

usuário a explorar e aprender as propriedades dentro de um espaço de


possibilidades, auxiliado pelo uso de mecanismos de feedback”. Ou seja, as
engrenagens devem funcionar de modo que o jogador seja estimulado a agir; de
sua ação, o sistema responde com um efeito; o jogador recebe o feedback deste
efeito; e, com base nele, o jogador realiza outra ação.
Miguel Secart (2008) prefere descrever a mecânica do jogo simplesmente
como “métodos invocados por agentes, projetados para a interação com o estado
do jogo”. Esse autor assume que a definição é uma metáfora que tem como
referência a programação orientada a objetos. Esta interpretação provém da
constatação de que todos os jogos seguem tal paradigma. Seguindo esse
raciocínio, conclui-se que tal abordagem facilitaria a transposição do projeto em
um algoritmo de jogo. De acordo com esse modelo, um método é “compreendido
como um conjunto de ações ou comportamentos que estão disponíveis para uma
determinada classe” (idem, ibidem). Deste modo, segundo Secart, a mecânica do
jogo é uma ação criada para que o jogador possa interagir com o ambiente do
jogo. E essas interações modificam o estado do jogo. Só que, para que sejam
desencadeadas, essas ações não devem só respeitar algumas regras; elas estão
relacionadas aos desafios projetados para o jogo. Ou seja, a mecânica do jogo é
um conjunto de engrenagens articuladas dentro de um sistema de regras, mas que
47

só são acionadas se o jogador vencer alguns desafios. Portanto, é da mecânica do


jogo que emerge o desafio.
É importante ressaltar esse ponto, porque os jogos são motivados por
desafios. Paul Schuytema (2008) afirma que é o desafio do game que nos prende a
atenção e que nos mantém colados à tela do videogame. Podemos até nos lembrar
dos belos gráficos, das histórias interessantes que contextualizam o game, ou da
bela trilha sonora que nos deixa imersos, mas é principalmente o desafio que nos
faz voltar a jogar mais.
O ‘impulso’ contínuo para jogar um game é nosso desejo de superar o desafio.
Adoramos encontrar oposição e sairmos vitoriosos. Adoramos decodificar padrões.
Adoramos aprender habilidades e usá-las para eliminar as barreiras colocadas à
nossa frente. Como jogadores, ansiamos por desafios – às vezes difíceis, às vezes
fáceis –, no entanto, é o desafio do game, o efeito de ‘atração’, que nos mantém
jogando. (idem, ibidem, p. 201).
É importante ressaltar que desafio, assim como diversão, é um conceito
subjetivo. O que é desafiador para uma pessoa pode não ser para outra, ou pode
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

sê-lo em um nível muito maior ou ainda muito menor do que para outra. Por
exemplo, o resta-um é um famoso passatempo, composto por pequenos pinos
colocados em orifícios cujo conjunto possui um desenho em forma de cruz, dentro
de um tabuleiro. Apenas em um dos orifícios não é posto um pino. O objetivo do
passatempo é capturar todos os pinos até que o tabuleiro fique apenas com um
deles. Para capturar cada pino, é preciso saltar um pino sobre o outro, como se faz
no jogo de damas. O pino sobre o qual foi feito o salto é retirado do tabuleiro.
Para quem nunca brincou com esse passatempo, o grande desafio é eliminar todos
os pinos, menos um deles. Mas, para quem já conseguiu o feito e conhece o
percurso certo para alcançar-se o objetivo, o passatempo perde a graça, e o desafio
se esvai. Por outro lado, o desafio existiu em algum momento, mesmo para aquela
pessoa que já conseguiu o feito, ou ainda é um desafio para aquela que nunca o
conseguiu.
Baseado nisso, o psicólogo Mihaly Czikszentmihalyi (Fullerton et al., 2004;
Adams; Rollings, 2007; Schell, 2008) criou a chamada Teoria do Fluxo. Desta
teoria, conclui-se que o desafio de um game aflora do cruzamento com a
habilidade do jogador. Se o desafio for alto, mas a habilidade do jogador é baixa,
ele ficará frustrado. Se, ao contrário, o desafio for baixo, mas sua habilidade for
alta, ele se sentirá entediado. Cabe ao designer de games, portanto, projetar uma
48

mecânica que leve ao equilíbrio entre os componentes que geram esse desafio.
Um jogo bom não é necessariamente aquele que possui um desafio quase
inalcançável. Desse modo, o desafio deve ser projetado.
Para melhor compreensão de seu próprio ato projetual, alguns autores e
designers de games desconstroem a mecânica do jogo em alguns elementos
componentes. Há diversas classificações para isso. Partiremos do modelo de
Schell (2008), mas nele faremos ajustes que o tornem mais apropriado para este
trabalho7. Schell afirma que a mecânica do jogo é formada por seis elementos:
Regras, Espaço, Objetos/Atributos/Estados, Ações, Habilidades (Skill) e Sorte.
Consideramos aqui um modelo parecido, mas composto por quatro elementos: de
um lado, há uma arena, local em que se estabelece a partida; dentro dela há peças
que realizam ações, que, por seu lado, são regidas com base em um sistema de
regras. Estas, por fim, são sistematizadas para funcionar como um jogo. Estes
elementos inter-relacionam-se por meio de uma mecânica. A seguir,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

descreveremos os detalhes de cada engrenagem.

2.2.1.
Regras
As regras correspondem ao elemento mais genérico da mecânica do jogo.
Alguns autores as consideram como sinônimo de mecânica8. Para Brathwaite e
Schreiber (2009, p. 28), “a mecânica do jogo é mais um termo para o que outros
chamam comumente de regras”. De certa forma, as regras, se não abarcam,
influenciam diretamente o funcionamento de todos os outros componentes da
mecânica. Como afirma Juul (2005), o jogo é um sistema formal baseado em
regras; elas são o princípio de tudo. Para Huizinga (2001, p. 14), são elas que
“determinam aquilo que ‘vale’ dentro do mundo temporário por ele circunscrito.
As regras de todos os jogos são absolutas e não permitem discussão”. Uma das

7
Os elementos que nos interessam são aqueles a serem usados como referência para definir
as variáveis que serão utilizadas no experimento a ser descrito no final deste projeto.
8
Autores como Hunicke, LeBlanc e Zubek (2010) ou Brathwaite e Schreiber (2009) que
consideram a mecânica como o mesmo que regra são também aqueles que utilizam o conceito de
dinâmica como aquela que põe as regras em movimento. Os três primeiros autores criaram o
modelo MDA (mechanics-dynamics-aesthetics).
49

contribuições que os videogames trouxeram foi inserir as regras no algoritmo do


jogo, o que dificulta serem burladas. Mas, nos jogos mais tradicionais, a partida é
conduzida pelos próprios jogadores, que precisam respeitar o sistema de regras; “a
desobediência às regras implica a derrocada do mundo do jogo; o jogo acaba; [...]
quebra o feitiço e a vida ‘real’ recomeça” (idem, ibidem).
Juul (2005) entende as regras de um jogo como uma máquina de estado, que
pode ser visualizada do mesmo modo que uma árvore ramificada de
possibilidades. Jogar o game é explorar esta árvore. Como um jogo possui
múltiplas saídas, o jogador precisa despender um grande esforço para obter
resultados positivos. Mas, para Juul, em um jogo é mais fácil obter resultados
negativos do que positivos. Ou seja, em geral, é mais fácil perder do que ganhar
em um jogo. O desafio provém dessa relação. Por isso, alguns jogadores tentam
burlar as regras. Ao fazer isto, crêem que conseguem diminuir o grau de
dificuldade do jogo.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

Portanto, as regras do jogo não formam o desafio em si, mas elas balizam o
que o jogador terá de enfrentar para atingir o objetivo do jogo. Ou seja, elas têm
que ser constituídas para não tornar o jogo amarrado demais – a ponto de tornar o
objetivo inalcancável – ou livre demais – a ponto de não deixar claro o objetivo.
Por exemplo, se, no resta-um, a regra estabelecendo que o pino que saltou para
capturar um outro não pudesse ser capturado na jogada seguinte, o objetivo
poderia tornar-se impossível de ser alcançado. Ou, se houvesse uma regra
permitindo capturar pinos na diagonal, ou, ainda, dois pinos por vez, o desafio se
esvairia.
O historiador da área de jogos David Parlett (citado em Schell, 2008)
classificou as regras em fundamentais, operacionais, comportamentais,
descritivas, legislativas, oficiais, consultivas e caseiras. As regras operacionais são
o que os jogadores fazem para jogar; as regras descritivas são aquelas que vêm
com o jogo, num documento em forma de instruções. Mas o que mais nos
interessa aqui são as regras que Parlett chama de fundamentais. Elas
correspondem às regras básicas, que formam o alicerce conceitual do jogo. Todas
as regras pertencentes às outras categorias acima elencadas são desdobramentos
dessas regras fundamentais. Todo o projeto do jogo parte delas. De certa forma, as
regras definem tudo o que pode ou não ser feito no jogo, desde as ações do
50

jogador até o comportamento dos NPCs9. Elas também definem os limites do


jogo, o número de jogadores, as variações que o jogo proporciona de uma partida
para outra, o sistema de progressão, entre outros elementos. É por isso que, para
alguns designers e pesquisadores, as regras praticamente definem o projeto do
jogo.
Assim como a mecânica do jogo, as regras também são construídas com
base na combinação de alguns componentes, que serão descritos a seguir:

2.2.1.1.
Objetivo do Jogo
O objetivo do jogo corresponde à meta; é o que o jogador deve realizar
durante uma partida para conquistar a vitória (ou impedir a derrota). Por conta
disso, Schell (2008) afirma que o objetivo é a principal regra, a que vai definir
todas as outras. No xadrez, por exemplo, o objetivo é deixar o rei adversário em
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

posição de xeque-mate. E todas as outras regras, desde a forma como deve ser
estruturado o tabuleiro, até o sistema de movimentação, são definidas para pôr em
prática o objetivo projetado.
Muitas vezes, ele é confundido com a condição de vitória, o que nem
sempre é verdade. No jogo Tetris, por exemplo, o objetivo é evitar que as peças
caindo do alto da tela sejam empilhadas até chegar ao topo. Não há
necessariamente uma vitória. O jogador joga contra seu ranking: quanto mais
tempo conseguir evitar o empilhamento, maior será sua “pontuação”. Por outro
lado, se não existe uma condição de vitória explicitamente definida, quando
supera sua pontuação, o jogador sente-se vitorioso. Em alguns games, no entanto,
o objetivo coincide com a condição de vitória. Por exemplo, em jogos de luta,
como o Street Fighter, o objetivo, assim como a condição de vitória, é nocautear
seu adversário.
Assim como a condição de vitória, a condição de derrota (o popular game
over) também está, em parte, relacionada ao objetivo do jogo. Na maioria dos
jogos, se o jogador não conquista o objetivo, ele perde. No Pac Man, por

9
NPC é a abreviação para non player character, ou personagem não jogável, cujo
51

exemplo, o objetivo de cada fase é comer todos os pontos que estão espalhados
em um labirinto. Mas, para isso, o jogador tem que fugir de fantasmas rondando o
local. Se o jogador esbarrar em um deles, perde uma vida. Ao perder todas as
vidas, ele é derrotado. Em alguns games, o jogador caminha inevitavelmente para
a derrota. No Tetris, por exemplo, há um momento em que o jogador não
consegue evitar sua derrota, já que as peças caem em velocidade progressiva. Há
jogos, por outro lado, que não possuem condição de derrota: o jogo não acaba
enquanto o jogador não chega ao objetivo. É o caso de alguns games de aventura,
também conhecidos como adventures, como Full Throttle ou Monkey Island.
Alguns games, por outro lado, não têm um objetivo definido, como já
mencionamos acima, no caso do The Sims, que, por conta disso, algumas pessoas
não consideram um jogo. Em contrapartida, pessoas que o defendem afirmam que
o objetivo é criado pelo próprio jogador. Por outro lado, há jogos que possuem
mais de um objetivo, ou objetivos diferentes por jogador. Por exemplo, no jogo de
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

tabuleiro War, o objetivo de cada jogador é conquistar seu próprio “objetivo”,


que, por seu lado, é definido por uma carta sorteada. Mas cada jogador tem um
objetivo diferente.
De qualquer forma, o objetivo é importante, porque é ele que define a
dimensão do desafio. Deste modo, para que o desafio seja possível, o objetivo,
mais do que ser, tem de parecer exequível para o jogador. Senão, como afirma
Czikszentmihalyi, o jogador ficará frustrado. Por exemplo, no War, que é um jogo
disputado por turnos, o último a jogar pode ser eliminado antes mesmo de iniciar
seu primeiro ataque. Isso tem boa probabilidade de acontecer, quando o War é
jogado por seis pessoas. Quem joga esse jogo sabe o quanto é frustrante ser
sorteado como o sexto jogador a começar.

2.2.1.2.
Limites
Para Huizinga (2001), esse componente é uma das principais características
que definem um jogo. Segundo esse autor, a limitação dá-se em termos de tempo

comportamento é, em jogos digitais, controlado pelo algoritmo do sistema.


52

e de espaço. O jogo “possui um caminho e um sentido próprio”, que só valem


enquanto o jogador estiver no interior do ele chama de “círculo mágico”. O
jogador fica enfeitiçado, dentro de um universo paralelo, pois, para Huizinga, o
jogo “não é vida ‘corrente’, nem vida ‘real’. Pelo contrário, trata-se de uma
evasão da vida ‘real’ para uma esfera temporária de atividade com orientação
própria” (idem, ibidem, p. 11). O jogador fica, como se diz hoje, num estado de
suspensão do descrédito, ou seja, ele tem de acreditar que aquilo que não é “real”,
o é, sim, para aquele contexto. Atualmente, costuma-se dizer que, neste estado de
coisas, o jogador está imerso na partida.
De um ponto de vista projetual, “os limites são tudo aquilo que separa o
jogo daquilo que não é jogo” (Fullerton et al., 2004, p. 76). Fullerton classifica-os
em físicos e conceituais. Exemplos de limites físicos são, por exemplo, o espaço
que delimita o campo de futebol. No caso dos videogames, é comum impedir que
o jogador ultrapasse um determinado cenário. O personagem controlado pelo
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

jogador anda até chegar a um ponto que não consegue passar: quando acontece
isso, ele fica andando sem sair do lugar. Em um projeto de games, estabelecer
limites físicos é fundamental, não só porque eles estabelecem uma regra (como as
bordas laterais de um campo de futebol), mas para impedir que o jogador fique
andando em locais sem função alguma dentro da partida. Para entender a relação
dos limites com o projeto, basta imaginar se a quadra de basquete fosse do
tamanho de um campo de futebol. Os desafios, com certeza, seriam bem
diferentes.
Já os limites conceituais podem ser estabelecidos com base em qualquer
elemento que participa da construção da mecânica do jogo. Pode ser a pontuação,
o estabelecimento de um número de jogadores por partida ou o tempo de jogo. Em
alguns jogos, se o jogador zerar sua pontuação, ele está fora. Em New Super
Mario Bros, cada fase tem a duração de 400 segundos, nem mais, nem menos.
Quando o tempo se esgota, o jogador sai temporariamente do círculo mágico, e
pode fazer uma pausa. Em sua versão para Wii, é possível jogar New Super Mario
Bros com até quatro jogadores, cada um com seu controle. Se houver uma quinta
pessoa, ela deve (ou deveria) ficar de fora.
É interessante apontar esta questão, de como os espectadores podem
interferir numa partida. Teoricamente, eles estão fora dos limites do jogo, mas,
53

por exemplo, numa partida de Wii Sports, como Tennis, uma pessoa que está fora,
como mero espectador, pode interferir na partida, bastando para isso ela dar um
esbarrão em quem está jogando. É muito comum também dizer que a torcida de
um time é o décimo segundo jogador, embora ela esteja “fora” dos limites da
partida. Ou seja, apesar de os limites separarem o jogo daquilo que não o é, o
designer nem sempre consegue controlar ou prever situações de intervenção
externa. E o que não é jogo passa a fazer parte do jogo.

2.2.1.3.
Jogadores
Evidentemente, jogos precisam de jogadores. Há jogos para uma pessoa,
para duas, para um grupo, ou jogos que permitem que milhares de pessoas joguem
simultaneamente. Existem jogos que podem ser jogados somente por um número
fechado de participantes, enquanto outros contemplam formações diferenciadas.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

Projetar um jogo para uma pessoa é diferente de projetar para um grupo, não
só do ponto de vista das regras, mas também pela configuração tecnológica. Um
mesmo game necessita de programações diferentes, dependendo de como é
tratado o fator jogador. Por exemplo, games que precisam de dois jogadores
podem ser jogados em rede, ou podem compartilhar de um mesmo console, tendo
cada jogador seu controle. Na ausência do segundo jogador, um jogo utiliza
inteligência artificial, fazendo o sistema atuar como o outro jogador. Neste caso,
em geral, as regras são as mesmas, mas a programação é diferenciada.
E. M. Avedon (citado em Fullerton et al., 2004) estabeleceu sete padrões de
interação quando se considera o número de jogadores. O primeiro é o padrão
jogador único versus o jogo. Neste, o jogador joga contra o jogo, ou seja, o
jogador compete contra o próprio sistema, e não contra um oponente pessoal.
Exemplos clássicos disso são a Paciência, o Campo Minado ou o Space Invaders.
Este modelo é muito popular em jogos digitais, pois com o advento da
computação, o próprio sistema pode controlar a partida. O segundo padrão é uma
variação do primeiro: muitos jogadores atuam contra o jogo. Jogos de azar, como
roleta e bingo, são exemplos deste tipo, pouco utilizado no universo dos
videogames.
O terceiro padrão é o usual jogador versus jogador, presente em jogos, como
xadrez, damas ou gamão; em esportes de competição, como squash ou tênis; e
54

diversos videogames, como Pong, FIFA Soccer, Mortal Kombat e Street Fighter.
O quarto padrão é denominado competição unilateral. Nele, dois ou mais
jogadores combatem contra um jogador. Fullerton et al. (2004) citam o Scotland
Yard como um exemplo típico: um jogador denominado Mr. X, o criminoso, é
perseguido por todos os oponentes, que fazem o papel de detetives. Há alguns
jogos que não seguem esse padrão, mas podem levar a essa situação, como o War.
Quando um jogador está em evidente vantagem sobre os outros, pode haver um
acordo entre os “perdedores” para enfraquecê-lo. Para evitar este tipo de situação,
as regras de alguns jogos impedem este tipo de ataque, quando o consideram um
antijogo.
O quinto padrão, denominado competição unilateral, ocorre quando três ou
mais jogadores competem diretamente, numa espécie de cada um por si. Assim
como o terceiro padrão, este é um modelo muito popular, aparecendo tanto em
jogos de tabuleiro, como Banco Imobiliário (Monopoly), e jogos de cartas, como
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

pôquer ou Uno, quanto em videogames, como Age of Spires ou Quake, ou ainda


esportes de competição, como a maratona ou modalidades de natação e corrida. O
sexto padrão é o de jogos cooperativos, em que jogadores atuam conjuntamente
para atingir o objetivo comum. Exemplos disso são o jogo de tabuleiro Lord of the
Rings, ou algumas gincanas, que, por motivos sociopedagógicos, seguem este
padrão para fugir do modelo de competição. Finalmente, o sétimo padrão é o de
competição entre times, em que duas ou mais pessoas competem contra outro
time, que pode ou não ter o mesmo número de componentes. É um padrão muito
usual em diversos esportes de competição, como futebol, basquete ou vôlei, mas
também ocorre nos games massivos multiusuários (MMORPGs) e mesmo em
jogos de cartas, como o buraco em duplas, por exemplo.

2.2.1.4.
Game balance
Um dos grandes pressupostos que cercam a área de jogos é que eles devem
ser equilibrados e/ou balanceados. Por exemplo, em um jogo disputado por
diversos jogadores, todos devem começar com as mesmas possibilidades de
vitória. Em games cujos jogadores podem iniciar com recursos diferentes, esta
diferença deve trabalhar a favor da estratégia, mas não deveria permitir o
55

desequilíbrio de forças entre os jogadores. Ou seja, a possibilidade de vitória deve


ser igual para todos. O princípio que rege este conceito é o da justiça.
O supracitado exemplo do War é um caso de jogo parcialmente
desbalanceado. É conhecido o fato de o último a jogar levar certas desvantagens
em relação ao primeiro, principalmente quando a partida é jogada por seis
oponentes. Os defensores do War afirmam que isto deve ser entendido como parte
do jogo, já que a ordem é estabelecida pelos dados, e a sorte é um dos elementos
que podem ser utilizados na mecânica de jogo. De qualquer forma, o designer de
games deve trabalhar pela imparcialidade, pois é bom que os jogadores entrem em
uma partida sabendo que terão as mesmas chances de vitória.
Ao considerarmos o conceito de game balance, há dois tipos de jogos
multiusuários: os simétricos e os assimétricos. Nos games simétricos, as regras
estabelecem uma equidade de forças desde o início; os jogadores começam com o
mesmo número de peças, com os mesmos atributos e podem utilizar os mesmos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

métodos. Exemplos de jogos simétricos são o xadrez, o jogo de damas e o Mortal


Kombat, nos casos em que os dois jogadores escolhem o mesmo personagem. De
maneira geral, os jogos simétricos são mais fáceis de ser balanceados. Em jogos
assimétricos, os jogadores começam com atributos diferentes, seja no
posicionamento, nos valores de uma variável, na diversidade de forças, entre
outros aspectos. Exemplos de jogos assimétricos são o War e o próprio Mortal
Kombat, quando os jogadores escolhem personagens diferentes.
O conceito de game balance não está, porém, só relacionado a esse tipo de
equilíbrio, que se almeja em games multiusuários. Leva-se também em conta o
balanço das forças internas que regem a própria mecânica do jogo. Jogos que
oferecem muito mais punições do que premiações podem ser considerados
desbalanceados, se não permitirem a progressão do jogador. Neste segundo
sentido, Fullerton et al. (2004, p. 235) afirmam que “balancear um game é o
processo de assegurar que o jogo obteve os resultados que você (o designer)
previu em termos de experiência: que o sistema possui a complexidade
prefigurada e que os elementos do sistema estão trabalhando juntos sem que haja
resultados indesejados”. Por exemplo, jogos cujos desafios sofram picos de
dificuldade não previstos podem estar desbalanceados. Ou games que propiciam
diferentes percursos para completar uma fase, mas nos quais, se percebe
56

posteriormente, um dos caminhos é bem mais fácil, são jogos que possuem pontos
de desequilíbrio.
Schell (2008) lista 12 tipos de balanceamento, cada qual relacionado a uma
característica que pode influir no equilíbrio do jogo, como, por exemplo, a
longevidade de uma partida, que pode impedir a recuperação de um jogador; a
aleatoriedade ou o acaso, que faz com que ele seja sorteado para um caminho
muito mais complicado; a sobrecarga ou o esforço repetitivo de uma habilidade
física; o descompasso entre recompensa e punição; e até mesmo a fragilidade de
informações contextuais, que fornecem dados insuficientes para a compreensão do
jogo como um todo.
No entanto, não só para Schell (2008), mas também para Adams (2007) e
Fullerton et al. (2004), o elemento-chave que propicia o equilíbrio da partida
provém da relação desafio x habilidade. Mais uma vez citando a Teoria do Fluxo
de Czikszentmihalyi, um game que exige toda a habilidade do jogador é
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

desbalanceado, se ainda assim ela for insuficiente para os desafios do jogo. Do


mesmo modo, se as dificuldades da partida estão muito aquém da habilidade do
jogador, o jogo está desequilibrado, pois é entediante.
A maioria dos designers entende que construir regras bem balanceadas é a
tarefa mais árdua num processo de design de games, já que ela envolve diversos
elementos interdependentes, e os resultados nem sempre são possíveis de prever, a
não ser após muitos testes, sejam em protótipos físicos preliminares, sejam em
protótipos mais avançados.

2.2.1.5.
Emergência
Segundo Juul (2005), a emergência resulta de um conjunto de regras que são
construídas de tal forma que propiciem variações de partidas. Com base na
variação, os jogadores têm de estabelecer diferentes estratégias, de acordo com o
que lhe está sendo proposto. Ou seja, das regras “emerge” uma multiplicidade de
partidas diferentes, possibilitando ao jogador melhorar seu desempenho toda vez
em que voltar a jogar. Jogos de estratégia utilizam muito esse componente, já que
o jogador pode optar por obter mais alimentos ou atacar um inimigo ou coletar
moedas, e suas decisões levam a resultados diferentes. Quanto mais variações o
designer fornecer ao jogador, maiores desafios surgem do game. Isto vale tanto
57

para as ações do jogador, quanto para as de seus oponentes, mesmo se estes forem
controlados por inteligência artificial.
Por exemplo, no jogo Age of Empires, os inimigos de seu império atacam de
diferentes maneiras em cada jogada, fazendo com que o jogador utilize estratégias
diferentes a cada partida. O desafio emerge dessas variações, o que não
aconteceria na mesma proporção se o game se comportasse do mesmo modo em
todas as partidas. Por exemplo, em jogos de aventura do tipo Full Throttle, há
muito pouca emergência, já que não há variação de uma partida para outra. Os
enigmas são sempres os mesmos, os itens a serem coletados estão sempre no
mesmo local, os diálogos são idênticos. O jogador pode optar por percursos
diferentes; ou, nos diálogos, selecionar respostas10 que ainda não tinha escolhido
em outra partida, mas, ainda assim, a multiplicidade de jogadas possíveis é
pequena; e, no final, o jogo chega inexoravelmente ao mesmo desfecho.
Koster (2005) afirma que os jogos devem exercitar nossas mentes. Jogos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

que não cumprem esta função tornam-se entediantes. O autor afirma que o jogo-
da-velha falha neste ponto, pois ele torna-se evidente após algumas partidas: o
desafio se esvai. A emergência deve permitir o envolvimento em novos desafios,
fazendo com que o game fique mais e mais atrativo. Um exemplo clássico é o
xadrez, que, de tão repleto de variações, possibilita aprender-se novas estratégias
por toda uma vida; nele, o aprendizado nunca termina.
É importante ressaltar que a emergência surge da variação propiciada pelo
sistema de regras, e não deve ser confundida com a variação oferecida com base
em outros elementos. Por exemplo, há jogos que permitem a você escolher a
caracterização do personagem; às vezes, este até pode ser desenhado pelo próprio
jogador, mas isto não implica diversidade de partidas. É apenas a escolha de um
novo avatar. Por outro lado, o xadrez possui apenas seis personagens diferentes,
propicia poucos tipos de movimentos, e, ainda assim, há nele uma alta dose de
emergência. O Tetris, do mesmo modo, só fornece ao jogador três tipos de ação

10
Neste jogo, quando se estabelece um diálogo com base em um NPC (non player
character), o jogador deve optar entre duas ou três respostas pré-estabelecidas, como acontece em
questões de múltipla escolha.
58

(mover a peça para a direita ou a esquerda, girar e descê-la) e, do mesmo modo, é


um jogo emergente.
Evidentemente, as variedades (tipos diferentes de interação, multiplicidade
de personagens, diversidade de movimentos, entre outras) também podem
propiciar a emergência, mas elas, em si, sem estar conjugadas a um contexto de
regras, não a garantem. Dunniway e Novak (2005) afirmam, nesse sentido, que
não basta adicionar mais itens, atributos e habilidades, pois chega um ponto em
que o jogador não utiliza mais tantos recursos. Waldrop (citado em JUUL, 2005)
acrescenta que, se observarmos sistemas complexos, como os da física e da
biologia, constataremos que as leis neles vigentes são muito básicas; mas a
emergência provém da organização do sistema, que propicia uma imensa
possibilidade de formas de interação entre os componentes.
Uma questão que resulta dessa discussão é se é possível prever a
emergência. Juul (2005) relata experiências em que o próprio designer é
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

surpreendido pelo resultado de seu projeto; nem mesmo ele imaginava que seu
jogo fosse tão emergente. O autor afirma que a surpresa ocorre porque o jogador e
o designer não conseguem imaginar todas as ramificações que um game
proporciona e todas as possíveis seções (partidas), já que a emergência é
consequência “da interação entre o sistema do game e a cognição humana” (idem,
ibidem, p. 82). No entanto, baseados no trabalho do matemático John Conway,
que desenvolveu o jogo Game of Life, muitos designers ou pesquisadores, entre
eles Juul e Fullerton, afirmam que o designer pode prever algumas situações que
levam à emergência. Por exemplo, todos os sistemas emergentes são fortemente
conectados: a mudança de um de seus elementos influi no estado de todos os
outros elementos (idem, ibidem). Fullerton et al. (2004, p. 126) completam: “os
sistemas emergentes são interessantes para os designers de games porque os jogos
podem empregar técnicas de emergência para construir cenários críveis, mas
imprevisíveis”.

2.2.1.6.
Progressão
Juul define progressão como “desafios independentes postos em série”
(JUUL, 2005, p. 5). Em jogos que apresentam um sistema de progressão mais
evidente, o jogador tem um percurso predefinido de ações para completar o jogo
59

e, por isso mesmo, estas são estruturas que se encaixam adequadamente em jogos
de aventura. Mas, na maioria dos games, a progressão também está presente, na
medida em que os desafios vão crescendo em dificuldade, conforme o jogo
avança.
Os primeiros games das décadas de 1970 e 1980 eram muito simples. A
progressão estabelecia-se pelo aumento contínuo da dificuldade do desafio. Isto
era possível porque os games eram curtos; suas partidas duravam poucos minutos.
O jogador jogava diversas vezes, basicamente para superar seu recorde. Com o
aumento da complexidade, os games passaram a ter partidas muito mais
demoradas, e a construção da progressão passou a ser algo mais difícil de
elaborar, uma vez que ninguém consegue superar tantos desafios por horas a fio,
sem que haja uma parada. Como diz Shuytema (2008), os games passaram a ser
divididos em seções (levels), como um romancista faz com os capítulos.
Neste sentido, Juul (2005, p. 82) afirma que há certa contradição entre a
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

emergência e a progressão: “progressão e emergência são dois caminhos extremos


para se criar games; na prática, a maioria dos games pende entre os dois polos”.
Em geral, os games emergentes possuem uma configuração horizontal, baseados
em um cenário com muitas variações, enquanto os games que possuem progressão
seguem um eixo vertical, pois avançam em diversos cenários, que vão
aumentando em dificuldade. É por isso que games de estratégia tendem a ser
emergentes, e os games de aventura, jogos de progressão. Embora ambos
solicitem atitudes cerebrais, nos primeiros, o jogador deve estabelecer “táticas por
meio da análise da situação, escolhendo ações e desafios que aproximarão o
jogador do seu objetivo final” (Cardoso; Sato, 2008), enquanto, em jogos de
aventura, os principais desafios são “a exploração do universo do jogo, a coleta e
seleção de itens, a solução de enigmas e quebra-cabeças” para que o jogador possa
continuar na partida (idem, ibidem).
Dunniway e Novak (2005) afirmam que a diversão deve ser constante, e a
progressão, controlada, de forma que o jogador não se aborreça, permitindo que
ele chegue ao fim do jogo sem problemas. Uma das dificuldades em se atender
essa proposição é que ela deveria contemplar a diferença de habilidades entre os
públicos. Nos citados videogames das décadas de 1970 e 1980, os designers
acreditavam que os games tinham de ser muito difíceis. Os jogadores só
60

conseguiam passar de fase após muitas tentativas. Era comum encontrar jogadores
que desistiam, sem nunca conhecer fases avançadas do jogo. Por outro lado, jogos
muito fáceis nas primeiras fases afugentavam certos tipos de jogadores
conhecidos como hard core gamers11. Para resolver isso, muitos games abrem
uma partida sugerindo níveis preliminares de dificuldade: Fácil, Normal, Difícil.
Já Fullerton (citado em Dunniway; Novak, 2005) sugere que os games propiciem
uma progressão automotivada, ou seja, os jogadores definiriam por si próprios o
momento de subir a níveis mais difíceis de progressão. Por exemplo, em New
Super Mario Bros, o jogador pode jogar a primeira fase várias vezes; com isso, ele
vai treinando para encarar uma fase mais difícil.

2.2.1.7.
Gerenciamento de turnos da partida
O gerenciamento da partida é um elemento que está muito ligado à
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

progressão do jogo e a influencia diretamente. Jogos são baseados em turnos ou


ocorrem continuamente, sem paradas, o que no universo dos videogames é
denominado “jogo em tempo real”. Embora o termo seja recente, na realidade,
essa modalidade de gerenciar uma partida é muito comum e antiga. A maioria dos
esportes de competição, como futebol ou as diversas modalidades de atletismo ou
natação, ocorrem sem alternância de jogadas, ou seja, em tempo real.
Jogos por turno, por outro lado, são muito populares em jogos de cartas ou
tabuleiro. O surgimento dos jogos por turno está muito ligado ao princípio da
justiça, ou seja, joga um jogador, para depois o outro realizar sua jogada. Mas há
também o fato de que em alguns jogos é difícil gerenciar a partida em tempo real;
a própria regra foi criada para vigorar dentro desta modalidade. É difícil imaginar
como seria jogar xadrez em tempo real, pareceria muito mais um jogo de ação do
que de estratégia.
Em geral, jogos de ação são gerenciados em tempo real (esportes de
competição, games de plataforma, FPSs) e jogos de racionício, por turno (xadrez,
War, alguns adventures). Mas isto nem sempre é verdade. Jogos de estratégia em

11
Hard core gamers são, basicamente, jogadores que jogam muitas horas por dia, gostam
61

tempo real (RPSs), como Age of Empires ou Age of Mythology, ajudaram a


quebrar esse paradigma, trazendo para os jogos de estratégia a simultaneidade de
ações entre jogadores dentro de um jogo que precisa do uso do raciocínio. Ou
seja, o jogador tem de pensar rápido.
Da mesma forma, muitos consideram que os jogos de tabuleiro são típicos
jogos baseados em turnos e que os videogames ocorrem em tempo real. Talvez
isto explique por que designers de games não gostam de utilizar os jogos de
tabuleiro como protótipos de videogames. Fullerton et al. (2004, p. 163)
argumentam a favor do uso dos tabuleiros para prototipar fisicamente os
videogames, pois eles “permitem que você crie uma estrutura para o game, que
você pense como os vários elementos interagem, e formule uma abordagem
sistêmica de como o game funciona”.
Finalmente, é importante acrescentar que há uma modalidade de jogos por
turno que, de certa forma, mistura as duas modalidades: o jogo por turno com
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

ações simultâneas. Um exemplo clássico dela é a batalha naval. O jogo é


interrompido por turnos para que cada jogador decida sua jogada. Mas a ação final
é simultânea.

2.2.1.8.
Conflitos
Conflitos são choques de interesses, enfrentamentos entre duas partes. Nos
jogos, eles surgem para impedir que o jogador alcance seu objetivo. Os jogos
possuem dois vetores: um positivo, que corresponde ao que o jogador deve fazer
para alcançar os objetivos; e um negativo, que impede o jogador de conquistá-lo.
O conflito provém desta relação. Crawford (citado em Salen; Zimmerman, 2004,
p. 249) afirma que “o conflito é um elemento intrínseco aos jogos. Ele pode ser
direto ou indireto, violento ou não violento, mas ele está presente em todos os
jogos”.
Salen e Zimmerman (2004), por seu lado, afirmam que os jogos são
sistemas de conflitos, e estes são constituídos como um produto direto de suas

de games com grandes desafios e, ocasionalmente, se tornam jogadores profissionais.


62

regras. As regras determinam as situações em que surge o conflito; elas


especificam o momento em que dois vetores que se contradizem aparecem no
jogo.
Por exemplo, em New Super Mario Bros, há uma regra definindo que, ao
capturar 100 moedas, Mario obtém uma nova vida. Por outro lado, há outra regra
dizendo que o jogador tem 400 segundos para completar cada fase. Se não o fizer,
perde uma vida. Há momentos do game em que o jogador fica num dilema,
decorrente de um conflito que foi constituído por toda a mecânica do jogo: ele
deve perder tempo capturando mais moedas ou deve seguir adiante para completar
a fase em um tempo mais confortável. A ação de capturar moedas funciona como
um vetor positivo; o tempo, por outro lado, é o vetor negativo. A necessidade de
tomar a decisão com base no embate entre os dois vetores cria tensão no jogador.
Em geral, quanto maior o conflito, maior a tensão.
Há diversos tipos de vetores que impedem o jogador de conquistar seu
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

objetivo: os obstáculos, os oponentes, o próprio tempo, as condições físicas do


jogador, um simples dilema provocado por alguma regra, entre outros elementos.
Os obstáculos são agentes que impedem fisicamente o jogador de conseguir
seu objetivo, como, por exemplo, as canaletas de uma corrida de obstáculos, os
degraus que aparecem em New Super Mario Bros, o relevo do jogo Crash Titans,
entre outros exemplos. Os oponentes são os adversários, como o zagueiro de uma
partida de futebol, as peças controladas pelos adversários no jogo de War, ou o
império inimigo no game Age of Empires, que pode ser controlado por outro
jogador ou por inteligência artificial. Há jogos em que o conflito é constituído
pela superação do relógio, e, não à toa, os jogadores dizem que jogam “contra o
tempo”. Mas há conflitos que surgem do simples dilema provocado pelas regras.
Em Free Cell, por exemplo, há uma regra que impede o jogador de voltar uma
jogada (na versão digital, ele pode voltar apenas uma vez por turno). Se ele
perceber que uma sequência de jogadas é equivocada, ele não pode voltar atrás.
Isto o deixa em constante estado de conflito.
Os conflitos podem ser gerados com base em vetores que trabalham
sozinhos ou conjugados com outros. Por exemplo, no hipismo, o cavaleiro joga
contra os obstáculos e contra o tempo. No vôlei, o jogador enfrenta oponentes,
63

mas a rede também é um obstáculo. No Pac Man, o jogador tem que lutar contra
os fantasmas e desviar das paredes do labirinto.

2.2.2.
Ações
Se as regras são o correspondente da máquina no estado do jogo, as ações
são os métodos que modificam o estado de coisas. No jogo, nada é alterado,
enquanto não ocorre uma ação. Schell (2008) afirma que as ações são os verbos da
mecânica do jogo. Ele as divide em duas categorias: ações operacionais e ações
resultantes. Järvinen (2008) prefere chamar as primeiras de mecânicas e as
segundas de procedimentos12. As primeiras correspondem às ações que o jogador
executa, como, por exemplo, mover uma peça, atacar o inimigo, pular um buraco.
Ele as realiza para atingir o objetivo do jogo.
A maioria dos jogos possui uma ação operacional básica, que se repete
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

sistematicamente no jogo. Ela é chamada de ação central do jogo. Por exemplo,


em jogos de aventura, a ação central é coletar itens. Em FPSs, a ação central é
atirar. Nos games de plataforma, as ações centrais são correr e pular. Nos jogos de
damas, a ação central é mover e capturar peças. Xavier e Protásio (2009) afirmam
que a maioria das categorias de jogos mantém a mesma ação central, ainda que o
jogo tenha avançado tecnologicamente. Por exemplo, todos os jogos de luta
mantêm o mesmo tipo ataque, baseados no sistema de combo13, desde os
primeiros títulos da série Street Fighter ou Mortal Kombat, para arcade, até os
mais recentes lançamentos, que possuem gráficos realistas e visualidade 3D.
É importante salientar que as ações operacionais do jogador também têm
seus procedimentos (contrariando a classificação de Järvinen, que chama de
procedimentos as ações resultantes). Dos jogos de luta, cada combo é um

12
Prefiro a classificação de Schell, afinal, como veremos, algumas ações
operacionais também solicitam procedimentos específicos. Além disso, a utilização da
palavra “mecânica” para descrever as ações do jogador pode gerar confusão com a
expressão “mecânica do jogo”, em seu sentido genérico.
13
Na linguagem dos videogames, combo corresponde a uma sequência de
ataques desferida por um jogador sobre seu oponente. Cada combo gera uma
consequência diferente. Se no combo um dos ataques falhou, o resultado será diferente.
Dependendo do combo, o jogador pode levar seu oponente a nocaute.
64

procedimento. Em jogos de aventura, os procedimentos são partes essenciais da


mecânica do jogo. Nestes games, a todo momento, o jogador deve resolver
enigmas e obter itens para seguir adiante. A solução de enigmas e a obtenção de
recursos são alcançadas por procedimentos definidos pelo designer de games, mas
executadas pelo jogador. O grande desafio no jogo de aventura é o jogador saber
como proceder para obter um item.
As ações resultantes são as ações executadas pelo sistema de regras. São
chamadas de resultantes porque ocorrem como consequência de outra ação. Seu
caso mais visível são as ações que resultam imediatamente após a ação
operacional do jogador. Por exemplo, quando, num game de tiro, o jogador atinge
um oponente, o sistema responde fazendo-o cair morto no chão; ao coletar um
item em jogos de aventura, o sistema adiciona o objeto em seu inventário; quando,
no Pac Man, o jogador choca-se com o fantasma, ele perde uma vida; e assim por
diante. As primeiras ações são as operacionais; as segundas, as resultantes.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

Mas ações resultantes podem ocorrer também como consequência do


começo da partida; são as ações que organizam o estado inicial do jogo. Em jogos
físicos (de tabuleiro ou de cartas), há um nome para estas ações: elas constituem a
“preparação da partida”; são executadas pelo próprio jogador, seguindo o manual
de instruções. Em jogos digitais, as ações de preparação são executadas
automaticamente pelo próprio sistema, que pode reconfigurar o estado inicial com
base em aleatoridades, níveis de dificuldade (fácil, médio ou alto), ou de um ponto
salvo pelo jogador em partidas iniciadas em outro momento. Em alguns games, o
jogador pode configurar o tipo de partida que deseja dentro de um menu de
opções. Em seguida, o jogo é iniciado com base nessas escolhas. Outras ações
resultantes são as executadas pela inteligência artificial do jogo ou aquelas
realizadas por conta da ociosidade do sistema (chamadas de eventos idle).
A grande contribuição dos jogos digitais foi tirar do controle dos jogadores
grande parte das ações resultantes. Em jogos físicos, como os de tabuleiro, os
jogadores têm de executar também os procedimentos do sistema, o que, em
algumas ocasiões, gera muita confusão. Por conta disso, alguns jogos mais
tradicionais pedem a ação de um árbitro ou mestre, que pode realizar as ações
resultantes com neutralidade. Nos videogames, as ações resultantes são
executadas pelo algoritmo do sistema.
65

2.2.2.1.
Controle das ações: dispositivos
Como vimos acima, as ações operacionais são controladas pelo jogador. Na
maioria das vezes, os controles são manuais, e não estamos mencionando aqui
somente os joysticks dos videogames. Os próprios jogos em suas versões mais
tradicionais, como os de tabuleiro e de cartas, utilizam simplesmente a mão. São
manuais no sentido estrito do termo, pois o jogador utiliza as mãos, diretamente,
para pegar as peças (peões ou cartas, por exemplo). Evidentemente, há jogos
tradicionais que utilizam comandos de voz; e esportes de competição, que
utilizam diversas partes do corpo.
Os joysticks, por seu lado, são mediações ou interfaces para controle das
ações operacionais em videogames. Fundamentalmente são controlados de modo
manual. Mesmo o Wii remote, controle sem fio da Nintendo, considerado um
marco que rompeu paradigmas, é “manuseado”. A novidade desse controle é o
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

reconhecimento de movimentos. Atualmente há grande esforço da indústria em


criar outras formas de interação, que não utilizem só a mão. O Kinect, da
Microsoft, usa uma combinação de sensores, câmeras e microfone para interpretar
movimentos, expressões faciais e a voz do jogador.
Os controles de videogames mais tradicionais, por outro lado, não utilizam
somente as mãos; mais importantes do que as mãos, são os dedos. Seja o teclado
ou o mouse, seja um joystick, em todos esses casos a questão fundamental é a
escolha das teclas e botões que serão utilizados para a interação. Em geral, a
escolha das teclas é definida por critérios ergonômicos. Por exemplo, no teclado
de um computador, são utilizadas comumente as teclas “WASD” como
direcionais, pois estão localizadas em uma posição confortável do teclado.
Empregando somente os dedos da mão esquerda, o jogador pode pressionar
facilmente a tecla “A” para fazer seu personagem andar para a esquerda, e a “D”
para fazê-lo andar no sentido contrário. Deste modo, a mão direita fica livre para a
interação como outras teclas ou para o uso do mouse.
Teoricamente, alguns games poderiam utilizar teclas distantes para dificultar
esse tipo interação. Por exemplo, o “A” para fazer a personagem andar para a
esquerda, e o “M” para fazê-lo andar para a direita, ambas as teclas manuseadas
pela mão esquerda. Esta escolha só faria sentido se a intenção fosse realmente
dificultar a interação. Ou seja, o próprio designer de games definiria teclas
66

desconexas para aumentar o desafio do jogo. Neste caso, as teclas seriam


escolhidos por critérios provenientes da mecânica do jogo, e não por princípios
ergonômicos.
Por isso, nos jogos de ação, cujo grande apelo reside na destreza motora, o
manuseio do controle procura ser confortável, já que o desafio está “dentro” do
jogo, não nos controles. Em geral, mais do que um item da mecânica, os controles
são um elemento do projeto de usabilidade. Deste modo, ainda que os controles de
interação sejam definidos pelos designers de mecânica de games, em geral, a
palavra final será dada pelo profissional ligado à ergonomia ou pelo designer de
interface.

2.2.2.2.
Controle das ações: habilidades (skills)
Os jogadores precisam utilizar algum tipo de habilidade para executar as
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

ações operacionais do jogo. Em geral, há o predomínio de duas capacidades:


destreza física ou algum tipo de faculdade mental. Há habilidades, no entanto, que
não se enquadram exatamente nestes dois tipos, ou são desdobramentos de um ou
de ambos. Por exemplo, o truco ou o pôquer exigem malícia; Imagem e Ação é
um jogo que solicita a capacidade de representar conceitos ou objetos por meio de
desenhos ou de mímicas. O cubo mágico ou a estrela maldita solicitam capacidade
de construção e visualização tridimensional. Podemos afirmar, portanto, que todas
as inteligências múltiplas identificadas por Howard Gardner14 são passíveis de ser
utilizadas na mecânica de um jogo.
Por exemplo, Schell (2008) acrescenta as habilidades sociais (ou
interpessoais, segundo a classificação de Gardner), que estão presentes em
diversos tipos de jogos. Neles, os jogadores têm de, por exemplo, influenciar as
pessoas, fazer amigos, formalizar pactos, e utilizar outras práticas interpessoais,
que, se bem realizadas, contribuem para que o jogador conquiste seu objetivo no

14
Howard Gardner é um psicólogo que questionou a tradicional abordagem de inteligência,
que só leva em conta as habilidades linguística e lógico-matemática. Em sua Teoria das
Inteligências Múltiplas, Gardner (2000) considera pelo menos sete habilidades distintas. Além das
duas citadas, ele identifica também a inteligência espacial, musical, cinestésica, interpessoal e
intrapessoal.
67

jogo. Elas não se encontram somente nos games massivos on-line. Para o autor,
elas também são identificadas em alguns esportes de competição, como futebol ou
basquete, que possuem como eixo fundamental o trabalho em equipe.
Geralmente, em grande parte dos jogos há ênfase em uma das tantas
habilidades. Por exemplo, o xadrez é um jogo que solicita raciocínio, e o tiro ao
alvo é um jogo que exige principalmente a habilidade motora do jogador. Muitos
gêneros de jogos, na realidade, são classificados justamente por solicitar uma das
habilidades, como, por exemplo, os games de ação ou os jogos de memória.
Games de ação utilizam predominantemente a destreza motora. Exemplos
típicos deles são alguns FPSs, como Doom ou Half Life, games de plataforma, da
série Mario, Sonic ou Crash, ou jogos que exigem a repetição correta de uma
sequência de imagens, como Guitar Hero. Os esportes de competição, como
futebol ou vôlei, atletismo, natação, tiro, entre outros, também exigem muita
habilidade física. Mesmo alguns jogos não digitais, como tapa-certo ou quebra-
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

gelo, também solicitam principalmente a destreza motora.


Há muitos tipos de jogos, por outro lado, que utilizam predominantemente
habilidades mentais. Assim como nos jogos de ação, há, nesse caso, muitas
variações. Osborn (1975, p. 3) classifica as habilidades mentais em quatro tipos:
absortiva, que é a habilidade de observar e aplicar a atenção; retentiva, a
habilidade de memória em gravar e lembrar; raciocinativa, a habilidade de
analisar e de julgar; e criativa, a habilidade de visualizar, prever e gerar ideias. Há
jogos para todos estes tipos de habilidades. Jogos de estratégia, como Age of
Empires ou xadrez, solicitam muita habilidade absortiva, já que o jogador tem de
tomar decisões com base na análise da situação. Os jogos de memória ou o jogo
de tabuleiro Master exigem habilidade retentiva. Jogos que solicitam o desvendar
de enigmas pedem muita habilidade raciocinativa. O jogo Imagem e Ação exige
habilidade criativa. Evidentemente, grande parte dos jogos solicita mais de uma
habilidade mental; o próprio xadrez exige também habilidade raciocinativa, além
da absortiva.
A maioria desses jogos, é claro, exige também outras habilidades, além
daquela que melhor o caracteriza. O futebol e o vôlei utilizam esquemas táticos, e,
como afirmamos, habilidade interpessoal e física; nos FPSs, os jogadores
procuram o melhor posicionamento estratégico e decidem sobre o momento mais
68

adequado de usar cada arma. Há jogos, como o Pictureka, que exigem várias
habilidades. Neste jogo, composto por tabuleiros recheados com diversas
pequenas imagens, num determinado momento, o jogador deve tirar uma carta que
lhe fornece um desafio. O desafio pode ser, por exemplo, identificar seis animais
com asas, no tempo especificado pela ampulheta. Nesta simples jogada, o jogador
precisa interpretar a mensagem, imaginar as figuras, procurá-las no tabuleiro e
apontar para elas antes que o tempo se esgote. Além de destreza física, o jogador
precisa ter inteligência espacial, habilidade mental absortiva e raciocinativa. Para
completar, o jogador também precisa contar com o acaso, sorteando uma carta
mais fácil.
Esse é um ponto, aliás, que gera muita discussão. De fato, em alguns jogos,
a sorte interfere no resultado de uma jogada, favorecendo ou não um jogador. Por
outro lado, acreditar que há pessoas com mais ou menos sorte é defender a tese de
que a sorte é uma habilidade. Ou seja, o “sortudo” é uma pessoa que possui uma
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

capacidade a mais do que os “azarados”: ele é dotado de um poder “divino” que o


torna mais sortudo. Nada a ver, portanto, com conseguir manipular o valor
lançado pelo dado, já que isto é uma habilidade motora (nos jogos digitais, o
jogador não pode contar com tal destreza, pois não é ele que “lança” os dados; o
acaso é definido por algoritmo).
De fato, algumas pessoas acreditam que é possível “jogar” com a sorte. Não
fosse assim, jogos de azar, como bingo ou roleta, não fariam tanto sucesso.
Àqueles que defendem ser monetária a motivação destes jogos, lembramos que há
jogos só exigindo sorte, e não envolvendo dinheiro, mas que são pura diversão.
Por exemplo, o bezette é um jogo popular cujo objetivo é encaixar todas as
argolas em uma haste. Cada participante recebe uma quantidade definida de
argolas, mas elas só podem ser inseridas na haste para cada número 1 sorteado
com o lançamento de três dados. O número 6, por outro lado, faz com que se ceda
uma das argolas para outro jogador, dificultando a conquista de objetivo deste
oponente. Um jogo desse tipo faz sentido para quem acredita na sorte, ou, na
ausência desta crença, para quem procura “entrar no espírito do jogo”, assoprando
os dados, olhando para o céu, ou realizando qualquer outro tipo de ação que
“interfira” no resultado, antes do lançamento dos dados.
69

Mas, por ser um atributo que teoricamente não depende da ação direta do
jogador, o uso isolado da sorte costuma ser evitado. No entanto, na falta de
solução mais adequada, que evite o atributo sorte, o designer pode utilizá-la em
combinação com outros atributos. No War, o jogador utiliza os dados para
empreender um combate com seu adversário. No entanto, a estratégia também
trabalha a favor deste combate, na medida em que o jogador pode escolher se vai
atacar com um ou mais dados, ou se vai atacar com mais ou menos unidades.
Mesmo em alguns dos chamados jogos de azar, a sorte pode ser bem combinada
com outras habilidades. O jogo de roleta (em um cassino) solicita que o jogador
saiba combinar o elemento aleatório com a aferição probabilística. Isto explica por
que alguns jogadores vencem muito mais do que outros.
De qualquer forma, aqueles que defendem a tese da sorte como uma
habilidade específica do jogador acreditam que ela provoca uma ação operacional
da partida. Os que rejeitam esta tese entendem que a sorte desencadeia
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

simplesmente uma ação resultante, que não é “lançada” pelo jogador. Ela é um
elemento à parte, que interfere na jogada, mas que é resultado do simples e puro
acaso.

2.2.2.3.
O fator acaso
O acaso é uma “ocorrência, acontecimento casual, incerto ou imprevisível”
(Houaiss, 2001, p. 46). É provocado por algo acidental, eventual, fortuito. Por
isso, é tão associado à sorte. Por outro lado, os mais racionalistas acreditam que o
acaso é fruto da imprevisibilidade dos fenômenos, devido ao caráter limitado do
conhecimento humano. Neste caso, a sorte não existe; e o acaso é fruto do que não
pode ser previsto. Nos jogos, o acaso também retrata este dualismo: de um lado, o
acaso pode ser tratado pela sorte, resultado de funções algorítmicas aleatórias; de
outro, o acaso é tratado por um algoritmo, que tenta prever os fenômenos,
denominado genericamente inteligência artificial (IA).
De qualquer forma, seja desencadeado pela sorte, seja por IA, o acaso é o
fator que provoca somente uma ação resultante. Deste modo, ambas podem ser
utilizadas em mecânicas de jogos, de acordo com determinadas conveniências,
para provocar ações fundamentais para o fluxo do jogo. Para Schell (2008, p.
153), o “acaso é uma parte essencial da diversão em um jogo porque o acaso
70

significa incerteza, e incerteza significa surpresa”. Em alguns jogos, não há


surpresa; os NPCs, por exemplo, comportam-se sempre do mesmo modo. É o caso
dos inimigos de Mario em New Super Mario Bros. Eles andam por percursos
previamente definidos.
Assim, se o designer precisar do acaso, ele pode utilizar-se da sorte ou da
IA. No entanto, em algumas mecânicas, o uso da sorte pode provocar situações
desequilibradas, o que pode comprometer o próprio fluxo do jogo. Por exemplo,
há jogos em que o simples fato de o jogador cair numa casa do tabuleiro elimina-o
do jogo, por mais avançado que esteja na partida.
Por outro lado, em jogos de tabuleiro é muito comum a sorte ser utilizada
para definir situações. Isto se deve ao fato de ser muito mais fácil lançar um dado
do que ter de seguir uma instrução criada por IA. Em jogos de tabuleiro,
interrupções constantes para leitura de regras afetam o fluxo do jogo; ao contrário
de jogos digitais, cuja instrução (criada por IA) é executada “em tempo real”. De
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

fato, desde que bem projetado, o uso da sorte em jogos não contraria o princípio
do balanceamento. No War, por exemplo, os jogadores estabelecem seus
territórios com base no sorteio de cartas. Neste caso, transfere-se à sorte, como se
ela fosse um poder divino, a decisão de definir certos parâmetros para o jogo, e,
deste modo, nenhum jogador poderá alegar injustiça.
Nos videogames, a sorte também é utilizada, mas, por estar escondida atrás
de algoritmos, não aparece de forma tão evidente para o jogador. Deste modo,
dificilmente, ela é vista como uma ação operacional, a não ser que o jogador
clique num dado virtual para sortear determinada ocorrência. Schell (2008)
afirma, por outro lado, que a sorte tem um importante papel nos games, não no
sentido de definir uma simples jogada, mas porque, combinada com a
probabilidade, pode gerar mecânicas muito interessantes. É o mesmo cálculo
efetuado por um jogador de roleta. A sorte está presente, mas ela será combinada
com resultados probabilísticos ou com algoritmos para gerar variações na
mecânica do jogo.

2.2.3.
Peças
Jogos contêm peças. Qualquer entidade que possa ser manipulada ou
interfira diretamente na partida é considerada uma peça, do personagem
71

controlável ou não pelo jogador aos objetos (ou itens) que participam da mecânica
do jogo. Em jogos de tabuleiro, são os peões, as cartas, o dinheiro etc. Nos
esportes de competição, como futebol ou basquetebol, é a bola. Nos jogos de
cartas, as próprias cartas. Nos videogames, são os avatares, os NPCs, os itens e
recursos. Schell (2008) afirma que as peças – ou objetos, como ele prefere dizer –
são os substantivos da mecânica do jogo. Por isso, muitas vezes, os objetos de
cena confundem-se com as próprias peças. Por exemplo, a cesta de basquete é um
elemento do cenário, mas pode ser compreendida como um item do jogo. O
próprio ambiente (arena) poderia ser considerado uma peça. Para tanto, Schell
afirma que a diferença é que peças possuem atributos e estados, os quais podem
ser manipulados durante a partida.
Os conceitos de atributos e estados também provêm da programação
orientada a objetos. Por meio desse modelo, objetos são entidades que possuem
um estado interno, composto por atributos, e um comportamento. Exemplos de
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

atributos são a posição do objeto, seu tamanho, suas capacidades, entre outros. O
comportamento define seu repertório de ações utilizadas para responder às
mensagens que provêm do sistema ou de outros objetos. Portanto, se os objetos
são substantivos, os atributos são os adjetivos e os comportamentos, os verbos.
Por meio desta gramática, as peças relacionam-se sistematicamente de forma que
se modifique o estado do sistema como um todo.
Diante da complexidade dos games atuais, cada um repleto de inúmeras
peças, é comum se construir um diagrama para cada objeto. O diagrama, chamado
comumente de classe, ajuda designers e programadores a compreender como os
objetos relacionam-se e quais ações influenciam o estado do outro objeto. Isto é
particulamente útil para compreender o comportamento dos NPCs. O diagrama a
seguir mostra as ações de um NPC hipotético que ataca o herói do jogo, no
momento em que este penetra em seu raio de alcance. O NPC do exemplo possui
dois atributos: o de ficar parado/em movimento e o raio de alcance. Ele executa as
ações de andar, atacar e contra-atacar. As regras estabelecem como será o sistema
de ataque. Por exemplo, o herói, controlado pelo jogador, só morre quando
atingido três vezes pelo NPC. O NPC, por outro lado, morre no primeiro ataque
do herói. Embora muito utilizada para compreender o comportamento dos NPCs,
o diagrama de classe pode ser aplicado a qualquer peça do jogo.
72

Quadro I - Exemplo de aplicação de diagrama de classe


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

Segundo Shell uma das graças dos jogos é tornar secretos alguns atributos.
Por exemplo, no caso do diagrama anterior, o jogador, inicialmente, pode não
saber se o NPC vai atacá-lo. Mas nem sempre isto é verdade, e tampouco serve de
parâmetro para saber se um jogo é ou não divertido. O autor cita o xadrez como
um jogo que não possui segredos, todos os seus atributos são bem conhecidos
pelos jogadores. Já o pôquer não teria muita graça se as cartas de cada jogador
fossem públicas. Schell afirma que os jogos tornam-se dramaticamente diferentes
quando uma informação é definida como pública ou privada.
As peças podem representar personagens ou objetos (itens/powerups). Os
personagens são representações de entidades, como humanos, animais, monstros,
duendes, entre outros seres vivos ou fantásticos. Em geral, estão ligados a jogos
que possuem um contexto ficcional. Os itens são seres inanimados, que podem
representar desde artefatos, como chaves, capacetes, armas de todos os tipos, até
recursos, como moedas, alimentos, munições e poções mágicas. Tanto
personagens quanto objetos podem ser controlados ou não pelo jogador. Nos
jogos de tabuleiro, todas as peças são controladas pelo jogador, desde as suas
próprias peças, que são manuseadas para executar uma ação operacional, até
aquelas que são manipuladas como consequência da ação de um dos jogadores.
73

Nos jogos digitais, as peças não controláveis, que executam as ações resultantes,
são manipuladas pelo algoritmo do jogo.
Na maioria dos jogos, o jogador pode controlar mais de uma peça. Por
exemplo, no FIFA Soccer, o jogador controla vários atletas; no Tetris, o jogador
vai controlando cada peça que cai na interface do jogo; no xadrez, ele controla
todas as peças de sua cor. Em games de ação ou aventura, o jogador não só
controla o personagem principal, como também diversos itens. Em alguns jogos
de plataforma, por outro lado, o jogador só controla o seu personagem, que pula
de um local para outro do cenário. Em alguns desses games, há itens que só
podem ser coletados por meio de colisão; não podem nem ser movidos pelo
jogador. Mas, em grande parte dos games atuais, principalmente aqueles que
possuem um contexto ficcional, o jogador controla um personagem pincipal.
Em geral, os personagens controláveis representam o herói do jogo, como
Lara Croft, Sonic, Duke Nukem e Mario, exemplos de personagens criados
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

especialmente para os videogames. Costuma-se utilizar a palavra “avatar” para


referir-se a um personagem controlado pelo jogador. Sabe-se que o significado
hindu da palavra refere-se à encarnação de um deus. De fato, quando o jogador
controla Lara Crofit ou Sonic, é como se ele encarnasse naquele personagem.
Deste modo, em seu momento de imersão, qualquer jogador pode tornar-se um
Indiana Jones ou um monstro sanguinário. Muitos games fazem sucesso
justamente porque inserem em seus personagens atributos fantásticos, como voar
ou destruir oponentes com raio laser. Não raro, games unem em um mesmo avatar
a delicadeza física de um personagem de mangá com a força de um brutamontes.
Games como The Sims permitem ao jogador construir sua própria caracterização,
incluindo a escolha de atributos físicos e psicológicos. Os NPCs, por outro, na
maioria das vezes, configuram o vilão ou o oponente. Os videogames, deste
modo, exponenciam o caráter competitivo dos jogos. Na ausência de outro
jogador, o NPC é caracterizado da forma mais repugnante possível, estimulando
ainda mais o combate e o desejo de vitória.
Já os objetos representam qualquer coisa inanimada que pode ser obtida,
capturada, perdida, acionada para melhorar ou piorar o desempenho do jogador.
Schuytema (2008) classifica-os como itens ou powerups. Segundo o autor (idem,
ibidem, p. 254), os itens “são objetos encontrados no mundo e que são pegos pelo
74

jogador e adicionados a algum tipo de gerenciamento de inventário”. Ou seja, um


item é coletado intencionalmente pelo jogador e guardado para que ele o use no
momento mais conveniente da partida. Os powerups, por outro lado, são pegos
intencional ou acidentalmente, mas possuem um efeito temporário. Pode ser uma
planta mágica que fornece uma força sobrenatural, ou um cristal que transforma
provisoriamente o avatar em um ser invisível. Após o efeito desvanecer-se, o
personagem volta a seu estado normal.

2.2.4.
Arena
A arena é o palco em que ocorre a partida. Ela está circunscrita aos limites
físicos que foram determinados pelas regras do jogo (vide seção 2.2.1.2. Limites).
É o componente espacial do círculo mágico. Numa partida de futebol, é o campo
delimitado pelas linhas laterais; no xadrez, a arena corresponde ao tabuleiro. Em
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

alguns jogos de cartas ou de dados, a arena é escolhida pelos próprios jogadores,


geralmente uma mesa, ainda que esta delimitação não seja um fator fundamental.
No caso dos videogames, a ambientação só se concretiza após o clique de
um mouse ou o pressionar de um botão de um joystick. Nem sempre a arena é
vista por completo, já que a tecnologia digital permite ao espaço de delimitação
do game ser expandido para além de sua tela de visualização. Este fator traz
grandes vantagens para os games, em relação a jogos físicos, como os de
tabuleiro, pois o espaço não precisa ser limitado; quem limita é a tela. Há diversos
truques para “enganar” o visor, desde dividir o jogo em vários níveis/cenários
(algo que acontece desde os primeiros games da primeira geração, no final da
década de 1970), até fazer com que o mouse “empurre” a tela, fazendo surgir
novas partes do cenário. Em alguns jogos de estratégia, partes do ambiente ficam
totalmente escuras, como se houvesse uma névoa negra que impedisse sua
visualização. À medida que o jogador invade estes locais, o cenário vai se
revelando. Do ponto de vista tecnológico, este recurso melhora o desempenho do
sistema, na medida em que não é necessário mostrar todo o ambiente de uma só
vez. Do ponto de vista da mecânica, cria-se uma atmosfera de mistério, já que não
se sabe se há algum inimigo dentro da névoa.
Um ambiente digital pode se autoconstruir ou transformar, bastando para
isso que seus desenvolvedores criem um algoritmo procedural, que alterem ou
75

reinventem espaços no decorrer da partida. Pelo menos teoricamente, um


ambiente digital pode ser ilimitado. Um dos efeitos colaterais dos espaços
“ilimitados” é obrigar o jogador a perambular por espaços não-jogáveis ou que
nada contribuem para a mecânica do jogo. Embora este tipo de recurso possa ser
justificado pela própria mecânica – a ideia seria o jogador perder-se em ambientes
escusos –, algumas vezes é fruto de algum erro de design ou de implementação. O
efeito mais nocivo disso é o jogador sentir-se tão aborrecido, que perderá o foco
na partida. Ele não se sentirá mais imerso naquele universo, pois terá reflexões
metalinguísticas, tais como questionar se aquilo é um bug ou se faz parte do jogo.
Ele sai do círculo mágico e o enxerga de fora. Espaços sem função podem
representar a porta de saída do jogo.
Por outro lado, a tecnologia digital, da mesma forma que amplia o ambiente,
pode também aprisionar. Uma simples variável algorítmica mal controlada por
seus programadores, pode colocar o jogador em um beco sem saída; e, no caso
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

dos videogames, não há maneira de sair de um local definitivamente fechado, a


não ser desligando o aparelho e recomeçando o jogo. Os jogos de aventura são os
mais passíveis deste tipo erro. O jogador pode precisar de uma chave para sair de
uma sala, mas esta chave está do lado de fora do local. Por outro lado, alguma
condição incorretamente programada fechou a sala definitivamente. Sem a chave,
que está fora do local, não há como sair do ambiente virtual.
Desse modo, muitos ambientes dos games são construídos de forma que o
jogador seja conduzido para os espaços corretos. Schuytema (2008, p. 279) afirma
que “o ambiente do game tem duas funções principais: criar uma sensação para o
local e um clima para os jogadores e orientar e conduzir a movimentação da
mecânica”. Neste caso, o ambiente leva naturalmente o jogador ao caminho onde
ele deve completar uma missão ou desvendar um enigma. Ou seja, “embora os
jogadores queiram ter liberdade de escolha, eles também querem saber o que fazer
a seguir” (idem, ibidem, p. 281). Games de plataforma, com percursos simples e
lineares, ou RPSs, que trabalham em espaços labirínticos que direcionam o
jogador, fazem isto muito bem.
A esse respeito Järvinen (2008, p. 65) classificou os ambientes em três tipos.
Os primeiros são denominados boards/fields: “são ambientes estáticos utilizados
para restringir a interação dos componentes de acordo com as necessidades
76

previstas no sistema de regras ou aqueles ambientes que fornecem a base para


acrescentar componentes”. Estes ambientes são projetados por motivações
funcionais, de acordo com as necessidades da mecânica, e não raro compostos
dentro de uma grade que permite estabelecer mais facilmente relações entre seus
componentes. Jogos do tipo Tetris, Pac Man, games de estratégia como
Civilization e games de esporte utilizam esse tipo de ambiente. O segundo tipo são
os chamados setups, que organizam o espaço de forma que o estado do jogo seja
comunicado aos participantes, muito comum em jogos de cartas. O último tipo,
denominado ecosystem(s), representa os ambientes “sem costura”, abertos, que
simulam a física e as forças da natureza. A proposta é muito mais voltada a
motivações de ordem temática ou contextual, do que a um aspecto funcionalista.
Järvinen cita como exemplos disso os jogos massivos de RPG, como Everquest.
De certa forma, Järvinen respalda a afirmação de Shuytema, pois classifica
o ambiente do jogo como um espaço ora orientado por questões funcionais,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

ligadas à mecânica do jogo, ora por questões contextuais, ligadas ao universo


fantástico do game. Evidentemente há diversas nuances entre estes dois polos.
Games como Tetris possuem uma arena quase abstrata, construída apenas para
delimitar o espaço jogável. Ambientes de games de plataforma, como Sonic ou
Mario, também são desenvolvidos com base em uma estrutura que atende
principalmente aos requisitos provenientes da mecânica do jogo, mas, por outro
lado, apresentam elementos relacionados a um contexto ficcional. Em Mario Bros,
em primeiro plano, há buracos, blocos e degraus, que devem ser pulados pelo
personagem principal, e, ao fundo, há cogumelos e montanhas coloridas, que
ajudam a recriar esteticamente o ambiente da trama. Jogos de estratégia, como
Age of Mythology ou Civilization, possuem ambientes compostos com base na
simbiose entre as necessidades mecânicas e contextuais do jogo. Em The Sims,
uma das brincadeiras é justamente construir o cenário e imaginar um jogo a partir
dele.
Um dos grandes desafios do designer de games, no entanto, é construir
cenários que não atrapalhem o fluxo da partida. De acordo com o senso comum na
área de games. entende-se que a distinção entre o que é um elemento meramente
decorativo do cenário e aquilo que é um objeto de interação do ambiente deve ser
sutil o bastante para não desfazer o contexto, e claro o suficiente para não
77

atrapalhar a mecânica. Do mesmo modo, entende-se que os diversos palcos


compondo o ambiente completo do jogo não são simples sucessões de salas. Eles
estão interconectados pela mecânica do jogo.
Os ambientes de alguns games tornaram-se tão complexos que passaram a
exigir profissionais mais especializados, que conheçam melhor os segredos da
construção espacial. Muitos arquitetos passaram a compor as equipes de produção
de um jogo digital. Mais tarde percebeu-se que os ambientes não são simples
espaços de circulação; eles estão relacionados aos desafios e à progressão do jogo.
Nesse momento, a indústria de games criou um novo campo de atuação, o level
design, algo que abordaremos adiante.

2.3.
Outros elementos que definem o design de um game
A mecânica do jogo é o elemento central do design de um jogo. Mas ela,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

sozinha, não define um game. O design estabelece-se com base na relação da


mecânica com outros elementos, como a história (contexto ficcional), a
representação estética (visual e sonora), os componentes do design de interface e o
level design do jogo. O nível de participação de cada elemento varia de game para
game. Há games que não possuem história ou outros muito simples, estruturados
em um simples nível (level) e ambiente. Alguns jogos elementares, como
brincadeiras de rua, são construídos quase exclusivamente pela mecânica de jogo.
No entanto, é cada vez mais evidente a participação daqueles elementos na
construção dos games atuais, principalmente quando considerarmos os jogos
digitais de última geração. Ou seja, se a mecânica é o elemento central do jogo,
outros elementos entram em cena para constituir o game, principalmente se
enfocamos o videogame como um artefato distinto dos jogos clássicos,
constituído de uma linguagem e uma estética específica. Descreveremos a seguir
os elementos que contribuem para a construção dessa linguagem e que estão no
escopo de atuação do designer de games.

2.3.1.
O level design
O termo level pode ser traduzido literalmente como nível. Segundo Gaspar
(2009, p. 38), “nível, no videogame, corresponde a uma unidade jogável ou parte
78

jogável, [...] mas no Brasil se costuma traduzir level por fase”. Segundo o autor, o
termo “exprime também uma ideia de progressão e incremento de dificuldade”.
Ou seja, o level design corresponde ao ato projetual de separar o game em
diversas fases, que progridem em níveis crescentes de desafio e dificuldade.
Percebe-se, portanto, que o papel do level design mistura-se bastante com o do
próprio design de games, na medida em que ambos interferem neste processo. Em
geral, a distinção de papéis é feita simplesmente pela intensidade de atuação de
cada um sobre este elemento. O design de games estabelece as linhas mestras do
funcionamento progressivo do jogo. O level design vai detalhá-lo, concretizá-lo,
compondo cada fase com todas as particularidades necessárias.
Uma fase pode ser comparada com o capítulo de um livro ou a cena de um
filme. Ela exprime, portanto, uma unidade elementar que separa uma parte da
outra de uma obra. Rouse afirma que, “quando finalmente o jogador vê que o level
terminou, ele compreende que completou uma parte significativa do jogo” (2001,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

p. 409). Os primeiros games, no entanto, possuíam um sistema de progressão que


não implicava necessariamente uma divisão por fases tão marcada quanto a dos
capítulos de um livro. No Tetris, por exemplo, as peças vão, de tempos em
tempos, caindo mais velozmente. Estes “tempos” marcam os níveis de progressão,
mas na interface do jogo não há mudanças significativas.
Com o aumento da complexidade dos games, os jogos passaram a ser
divididos em diversos ambientes, e estes passaram a demarcar também os limites
de cada fase. Com isso, a expressão level design “perdeu o seu significado original
de simples incremento do grau de dificuldade” (Gaspar, 2009, p. 40). Cada fase de
progressão passou a ser projetada em conjunto com cada ambiente, e o level
designer ficou associado mais a um arquiteto, ou, melhor ainda, a um urbanista.
Os level designers “criam os espaços e ambientes em que você atravessa e
experimenta quando você joga videogames” (Co, 2006, p. X). Não se perdeu de
vista a questão da progressão do game, mas agora ela é constituída também com
base nos elementos do cenário: “a maioria dos level designers modelam e
projetam os elementos da arquitetura, assim como criam as várias formas de
obstáculos” (idem, ibidem). Na medida em que o level designer passou a interferir
no cenário, também passou a cooperar na construção gráfica e sonora do
ambiente, trabalhando conjuntamente com artistas e designers de som.
79

Adams e Rollings (2007) afirmam que o level designer cria partes essenciais
da experiência de um jogador, entre elas, o espaço em que o game é constituído,
as condições iniciais da fase (que ocorrem no início de cada cenário), a sequência
de desafios com que o jogador vai se defrontar em cada fase, as condições finais
do fim da fase (em termos de condição de vitória ou derrota naquela fase), a
sincronicidade entre a história e a mecânica, e os detalhes estéticos, com base nas
definições dos artistas e designers de games.
Alguns dos instrumentos que o level designer utiliza para projetar o
encadeamento de fases são os diagramas em forma de layout e as plantas baixas
do jogo. Os layouts seguem alguns padrões, cada qual representa um tipo de
progressão. Em layouts lineares, o “jogador experimenta os espaços do jogo em
uma sequência fixa sem corredores ou ramificações laterais”. É típica de alguns
jogos de plataforma (idem, ibidem, p. 405). No layouts paralelos, há uma série de
caminhos diferentes, que, no final, terminam inexoravelmente na mesma sala, mas
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

um deles precisa ser escolhido pelo jogador. Muitos games de aventura seguem
este padrão. Os layouts anulares possuem uma forma de anel, ou seja, o jogador
circula várias vezes por um mesmo ponto, ainda que atalhos possam abreviar o
caminho. É um desenho típico de games de corrida. Os layouts em forma de rede
conectam os espaços com base em uma variedade de caminhos e são ideais para
games de exploração. No layout raio de roda, que contempla uma sala central que
se abre a diversos caminhos sem fim, o jogador deve ir e voltar para o eixo central
para resolver os enigmas do jogo. Em boa parte dos games, há uma combinação
destes layouts, e parte do papel do level designer é saber construir criativamente
novos padrões que levem a experiências diferenciadas para cada jogo.

2.3.2.
Design de interface
A interface de um game, como, aliás, a de qualquer dispositivo físico ou
digital, tem a função de facilitar a utilização de um objeto. Norman (2006, p. 11)
afirma que “o design deve transmitir a essência de operação do aparelho; a
maneira como ele funciona; as ações possíveis que podem ser executadas”. Este
autor, aliás, prefere utilizar o conceito de design do dia a dia para designar o
campo que estuda a relação de uso entre o objeto e o usuário, seja ele um produto
físico ou um aplicativo de computador, pois, para ele, os princípios são os
80

mesmos. O design, nesta acepção, é “um ato de comunicação, o que significa ter
um profundo conhecimento e compreensão da pessoa com que o designer está se
comunicando” (idem, ibidem). Como a interface é a esfera de comunicação entre o
usuário e o objeto, não é de estranhar-se que se denomine todo esse campo de
atuação como design de interface.
A grande distinção entre os jogos e os outros objetos do dia a dia é que
naqueles o “usar” está mesclado ao “jogar”; o interagente não é só um usuário,
mas também um jogador. O design de interface de um game deve, portanto,
trabalhar a favor da mecânica do jogo, tanto quanto para o funcionamento de seus
mecanismos de uso. Adams e Rollings (2007, p. 224) afirmam que “a interface
com o usuário traz o jogo para o jogador, extrai o jogo de dentro do computador,
tornando-o visível, audível e jogável”. Deste modo, a interface localiza-se em uma
camada intermediária entre o jogador e a mecânica do jogo:
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

Quadro II - Relação entre a mecânica, a interface e o jogador (Adams; Rollings, 2007)

As saídas correspondem aos feedbacks visuais e auditivos do game; as


entradas são acionadas pelos controles de interação do jogo, como, por exemplo,
os joysticks ou o mouse, em conjunto ou não com os elementos virtuais da
interface gráfica, como botões, menus etc. Os desafios correspondem às ações
resultantes da mecânica do jogo, enquanto o que Adams e Rollings chamam de
ações corresponde especificamente às ações operacionais do jogo. A camada de
baixo – a mecânica do jogo – pertence ao espectro de atuação do design do jogo.
A camada de cima – a interface com o usuário – está dentro da esfera de atuação
do design de interface.
81

Evidentemente, além de tornar o game jogável, como afirmam Adams e


Rollings, a interface também tem de ser usável. Há momentos dentro de um game,
em que o interagente age tipicamente como um usuário, no sentido de realizar
uma operação como se o game fosse um objeto de uso: selecionar um novo jogo,
salvar a partida, definir opções customizáveis, guardar um item no inventário,
entre outras ações. Há momentos, por outro lado, em que o interagente está
simplesmente jogando, ou seja, ele é um jogador, pois está atirando, pulando
obstáculos, movendo-se no universo diegético do game. As duas formas de ação –
usar e jogar – muitas vezes se mesclam, e os projetos da mecânica e da interface
do jogo são pensados conjuntamente.
Já dissemos, na seção 2.2.2.1., que a decisão sobre qual controle será
escolhido pelo designer para que o jogador realize uma ação operacional do jogo é
determinada por requisitos ergonômicos e lúdicos (relativo à mecânica). Do
mesmo modo, a composição da interface gráfica deve ser realizada de modo que
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

seja propiciada uma integração entre os momentos de uso e os de jogo. Há games,


em que os menus, os huds, e os botões relativos à interface de uso ficam expostos
na tela durante toda a partida, pois eles possuem uma relação direta com a
mecânica do jogo. Há jogos, por outro lado, cuja tela precisa estar totalmente
preenchida com a interface do jogo durante quase toda a partida. Neste caso, a
interface de uso aparece conforme a necessidade do usuário, bastando para isso
que ele acione algum botão.
A camada de interface dos dispositivos digitais utiliza diversos métodos
para tornar seu uso compreensível e, por que não, transparente. Um dos mais
conhecidos estudos a este respeito redunda nos chamados princípios de avaliação
heurística de Jakob Nielsen (1993). Nielsen levantou inúmeras modalidades de
problemas de usabilidade típicos das interfaces digitais e as reduziu a dez
categorias. São elas: Visibilidade do status do sistema; Casamento entre o sistema
e o mundo real; Liberdade nos controles do usuário; Consistência e padronização;
Prevensão de erros; Reconhecimento, de preferência, a memorização;
Flexibilidade e eficiência de uso; Design minimalista (estética); Sistema de ajuda
que auxilia no reconhecimento, diagnóstico e reparo de erros; e Documentação.
Embora as heurísticas de Nielsen sejam aplicadas comumente na área de
games, diversos pesquisadores notaram que há diversos princípios que são
82

específicos dos games. Schaffer (2008, p. 81) afirma que “a natureza do games,
orientados por experiência, muda alguns aspectos das heurísticas de usabilidade,
se comparadas com as interfaces orientadas por tarefas. É válido fazer avaliações
com as heurísticas de Nielsen, mas há outras opções mais válidas”. Ou seja, é
possível utilizar as heurísticas de Nielsen nas interfaces de games, principalmente
quando elas são orientadas por tarefas. Mas pesquisadores de jogos já
desenvolveram estudos voltados para heurísticas relacionadas à usabilidade de
games, mais apropriadas para a aplicação em interfaces específicas de jogos.
Algumas dessas heurísticas são fortemente orientadas para questões
relacionadas à mecânica dos jogos, sem necessariamente abordarem aspectos de
usabilidade. Por exemplo, as heurísticas de Melissa Federoff (2005) incluem “a
mecânica deve parecer natural” ou “deve haver um nível de dificuldade variado”.
Por outro lado, quando afirma que “os controles devem ser intuitivos e planejados
para serem utilizados naturalmente”, Federoff aponta para uma integração maior
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

entre a mecânica e a usabilidade. Desurvire, Caplan e Toth (citados em Schaffer,


2008), por sua vez, desenvolveram em 2004 uma lista de 43 heurísticas agrupadas
no que os autores denominaram HEP (Heuristic Evalluation for Playability),
classificando-as em quatro categorias: jogabilidade, história, mecânica e
usabilidade. Considerando esta classificação muito voltada para o design do jogo
(ou, como eu prefiro dizer, para a interface do jogo em contraponto à interface de
uso), Schaffer criou uma nova lista de heurísticas, dividindo-as em três categorias:
geral, interface gráfica do usuário e jogabilidade. A primeira mescla aspectos de
usabilidade e jogabilidade. A segunda está relacionada à camada de interfaces de
uso, orientadas por tarefas. A última é voltada a heurísticas que orientam para
questões de jogabilidade, constituídas pela mecânica do jogo.
Nem sempre é possível separar claramente o design de interface em dois
componentes, um relativo à interface de uso e outro à interface de jogo. Muitos
games possuem interfaces que hibridizam as ações de uso e de jogo. À medida
que os dispositivos de controle de interação se tornarem cada vez mais naturais –
algo que vem acontecendo em consoles como Wii ou Kinect –, as ações de uso,
orientadas a tarefas, possivelmente continuarão a existir, mas estarão cada vez
mais diluídas na interface e nas ações de jogo.
83

2.3.3.
A História
Há diversas polêmicas que cercam a relação entre jogos e histórias. Em uma
das mais tradicionais, há uma discussão que envolve o embate entre a
narratologia, ou seja, o ramo que compreende os jogos como histórias, e a
ludologia, que descreve os jogos pelo seu viés lúdico. Independentemente desta
polêmica, é possível não só analisar, mas também criar jogos orientando-se por
um dos dois modos de compreendê-los. Há jogos, como o Tetris, por exemplo,
que são orientados por regras e que, em certa medida, representam a corrente
ludológica. Há games, por outro lado, que são conduzidos por uma história,
particularmente os adventures (games de aventura), sendo, portanto, exemplos de
games narrativos.
Juul (2005) afirma que os jogos são fenômenos transmidiáticos, assim como
as narrativas. Ou seja, do mesmo modo que diversos meios podem contar uma
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

história, diversos suportes podem ser utilizados para um jogo. Há ainda uma
dialética dentro desta própria relação, pois jogos podem ser suportes para
histórias, da mesma forma que uma história pode ser suporte para um jogo. Por
outro lado, nem todo jogo possui uma história, da mesma forma que nem toda
história possui um jogo.
Há pontos em comum entre os jogos e as histórias, e um deles é que ambos
se referem a conflitos. Segundo Schuytema (2008), os dois – jogos e histórias –
podem se encaixar muito bem justamente por causa desse componente, e é por
isso que games e histórias estão casados desde que surgiram os primeiros arcades.
A grande contribuição de Donkey Kong, criação de 1981 do designer japonês
Shigeru Miyamoto, foi a composição de um enredo que instituía um conflito:
Mario deveria salvar sua namorada das garras do vilão, justamente Donkey Kong,
e para isso passava por diversos obstáculos. Ou seja, ele notou que com base no
mundo real é possível retirar um arcabouço de tramas que podem ser
representadas numa linguagem de videogame. Consequentemente, Miyamoto
percebeu que:
“o fator de motivação e imersão do videogame estava na contextualização do
mundo imaginário e fantástico que o ambiente virtual poderia oferecer ao jogador
[...]; Miyamoto inseriu um sistema simbólico que permitia, além da interação no
ambiente virtual, uma identificação do jogador com os símbolos e significados no
contexto do jogo” (SATO, 2007, p. 3).
84

É intessante notar, por outro lado, que, apesar da motivação ficcional


instituída pela história, alguns elementos referentes especificamente à ludologia
interferem no contexto, apesar da inverossimilhança que eles podem provocar.
Juul (2005) afirma que é difícil entender por que Mario tem três vidas. Segundo o
autor, a explicação possível está nas regras do jogo: seria difícil demais vencer se
Mario tivesse só uma vida. Ou seja, da mescla entre regras de jogos e elementos
ficcionais (história) são introduzidos certos componentes que só fazem sentido na
linguagem dos games. Evidentemente, nem todo game precisa ter uma história, e,
nem por isso, eles deixaram de contribuir para a construção da estética do meio.
Mesmo games que não possuem história e são conduzidos somente pelas regras
do jogo possuem alguma forma de representação, às vezes bem abstrata, outras
vezes constituída basicamente para atender à funcionalidade do jogo, mas ainda
assim conduzida por uma forma de comunicação que só faz sentido no universo
dos games.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

Juul (2005) classifica os jogos em cinco grandes tipos, se considerarmos a


relação entre jogos e histórias. O primeiro são os jogos abstratos, cujas peças não
representam algo; o jogo são as regras. Exemplos dele são o jogo de damas e o
Tetris. O segundo tipo é o que ele denomina jogos icônicos, aqueles cujas partes
possuem algum significado. Juul dá como exemplo os jogos de baralho, que
possuem representações do Rei e da Rainha. Não há relações explícitas entre os
personagens, mas é possível sugerir algo. O terceiro tipo é composto pelos jogos
com mundos incoerentes. Há um ambiente ficcional, mas cujas partes não se
casam perfeitamente. Um exemplo dele é Mario Bros, cujo herói tenta capturar
sua amada, em um cenário repleto de cogumelos, tubos que levam a ambientes
subterrâneos, ou moedas que flutuam. O quarto tipo contradiz o anterior, e
representa os jogos com mundos coerentes. São exemplos dele jogos de aventura,
games de guerra ou esportes. O último caso compreende os jogos encenados, em
que um game orientado por regras é representado em ambientes elaborados, mas
sem relação com a mecânica. Juul cita como exemplos deste caso Denki Blocks ou
WarioWare.
O que nos interessa, nessa discussão, por outro lado, é que os games de
hoje, ou pelo menos grande parte deles, possuem uma história. Adams e Rollings
(2007) afirmam que, se a história não ajuda em todos os casos, há, por outro lado,
85

quatro possíveis razões para incluí-la: as histórias possuem grande apelo


emocional, fornecendo significados ao progresso do jogo; as histórias facilitam a
concepção de games mais longos (por exemplo, aqueles construídos com diversos
níveis), já que estes precisam de variedade; as histórias facilitam a compreensão
da mecânica do jogo; e as histórias atraem uma audiência maior.
É importante, no entanto, não confundir a história instituída para compor um
contexto com a narrativa provocada como consequência de uma partida. Neste
sentido, até mesmo games abstratos, como o Tetris, podem fornecer narrativas,
bastando para isso que o jogador conte sua experiência após a partida. Por outro
lado, a união plena destes dois fatores torna o game algo diferenciado, pois o
jogador desloca-se do papel tradicional de leitor proporcionado pelos meios
tradicionais de contar histórias para tornar-se partícipe da construção ficcional.
Segundo Gallo (2002, p. 197), o destinatário das narrativas tradicionais deve
“deixar os eventos seguirem os rumos previstos e predeterminados pelo autor,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

agindo apenas em sua própria instância mental-psicológica, por meio de sua


cooperação textual, em uma chamada participação passiva”. Segundo esse mesmo
autor, ao participar de narrativas nos videogames, a interatividade apresenta-se
como “possibilidade comunicacional na construção de narrativas abertas e
dinâmicas” (idem, ibidem).
Portanto, o que o designer pode proporcionar com a história, além de
simplesmente fornecer um contexto ficcional, é oferecer, ao jogador, narrativas
multidirecionais, que podem ser conduzidas pelos desafios construídos pela
mecânica do jogo. Nem sempre isto ocorre, mesmo em games que possuem forte
apelo ficcional. Em alguns jogos, a estrutura narrativa é linear, conduzida por uma
história única, e intercalada com desafios precisos. Outros games, como The Sims,
por outro lado, são muito abertos, proporcionam inúmeras narrativas diferentes,
mas não possuem regras de jogo muito estabelecidas, tampouco grandes desafios.
“O roteiro de um game deve ser ao mesmo tempo flexível para induzir as ações
preferenciais do jogador e suficientemente restritivo de forma a não ser tão aberto
quanto o infinito, no seu escopo” (Bateman, 2007, p. 7).
Não há, por outro lado, por que condenar o desenvolvimento de games com
histórias lineares. Adams e Rollings (2007) afirmam que no início dos anos 1990
foram realizadas muitas experimentações com o intuito de criar games com
86

estruturas narrativas não lineares. A indústria, porém, retornou à prática de


desenvolver jogos com histórias lineares posteriormente. Algumas explicações
possíveis, segundo o autor, é que games com histórias lineares requerem produção
de menos conteúdo; a programação é mais simples e menos sujeita a erros; e a
estrutura dramática é menos comprometida, já que pode ser construída com mais
precisão. Os games com histórias não lineares, por seu lado, podem possuir
múltiplos finais. Cada evento realizado pelo jogador pode levá-lo a uma história
diferente. Tal evento pode ser o esforço para atingir um desafio ou a decisão por
um ou outro caminho, com base em perguntas realizadas durante o jogo. Uma
terceira via, híbrida, segundo Adamse Rollings, é o que eles chamam de foldback
stories. Nela, o jogador percorre caminhos com base em estruturas não lineares,
mas que o levam necessariamente a um ponto único, em que deve realizar eventos
inevitáveis. A partir dele, o jogador trafega novamente por estruturas não lineares
até chegar a outro local definido, em que deverá realizar outros eventos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

inevitáveis. É um padrão muito utilizado atualmente, pois permite ao jogador certa


liberdade, sem que haja a necessidade de que a indústria faça frente aos custos e
complexidades dos games não lineares com múltiplos finais. Há, por outro lado,
uma grande gama de possibilidades a ser desenvolvida, se considerarmos a
construção de games com estruturas não lineares, em que cada percurso
proporciona desafios e narrativas diferentes. Este é um campo que ainda pode ser
amplamente explorado no universo dos videogames.

2.3.4.
Projeto visual e sonoro
Como todo produto de design, as soluções não se encerram somente com a
concretização funcional do objeto. Na área de games, costuma-se dar grande
ênfase à mecânica do jogo, como elemento fundamental do design de um game.
Mas a experiência completa de uma partida de videogame não se constitui
somente com os desafios proporcionados pela mecânica. Ela completa-se com a
configuração estética proveniente dos elementos visuais e sonoros do jogo.
Qualquer jogador sabe quão frustante é ter que jogar uma partida sem som. Do
mesmo modo, a imagem é um componente fundamental na configuração da
ambientação do jogo, propiciando maior imersão, emoção e contribuindo para a
construção contextual do projeto.
87

Swink (2009, p. 171) afirma que, se o designer “trocar toda a arte, música e
sons de um game por formas e cores puramente abstratas, o que você estará
removendo é a representação”. Ou seja, a funcionalidade do game estará
assegurada, mas a representação metafórica será eliminada. Järvinen (2008)
reforça este ponto, ao afirmar que não é somente a história que comunica o tema
do jogo; imagens e sons também fornecem contexto. Para o autor, a representação
material (visual e sonora) das diversas partes componentes dos games objetiva
fins retóricos.
Por outro lado, assim como reforçam certas interpretações, imagens e sons
guiam e persuadem os jogadores a realizar determinadas ações. Portanto, eles não
contribuem somente para a construção contextual do jogo, eles tornam mais
eficazes a mecânica do jogo. A mecânica é abstrata, imagens e sons são elementos
concretos. Eles conduzem as ações do jogador, fornecem feedbacks, explicitam o
estado do jogo.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

Nesse sentido, imagens devem ser concebidas também para auxiliar o


desempenho do jogador. Atributos da imagem, como cor, constraste, perspectiva,
intensidade, iluminação, nitidez, matiz, brilho, trabalham para facilitar a interação
do jogo. Um game de plataforma sem muito contraste e variação de cor e matiz
pode confundir um jogador. Ele não sabe o que é plataforma e o que é apenas
elemento contextual do cenário. Esta característica não proporciona um novo
desafio para o jogo, pois a ação central é pular de um ponto a outro do ambiente, e
não ter que descobrir o que do cenário é passível de interação ou não. Da mesma
forma, um ambiente mal iluminado, para “criar um clima”, em um FPS pode
dificultar a navegação, em vez de inserir novos conflitos. As imagens devem
trabalhar a favor das ações do jogo, independentemente de sua função contextual,
caso contrário, a mecânica pode ficar comprometida.
O mesmo acontece com o áudio. Além de construir a atmosfera do jogo, ele
auxilia na comunicação das ações do jogo, tanto as operacionais, quanto as
resultantes. O design de som é composto por três trilhas: a música, a dublagem
dos personagens e os efeitos sonoros. O primeiro dos três componentes é, na
maioria das vezes, um som não diegético, que serve para dar emoção ao jogo. Já a
dublagem trabalha de forma siginificativa a favor da mecânica do jogo,
direcionando as ações do jogador, dando dicas, lembrando que ele possui itens em
88

inventários. Apesar de sua possível contribuição a favor da mecânica, uma


dublagem mal realizada pode comprometer todo o contexto de um game:
“jogadores toleram efeitos sonoros que não soam corretamente, mas um ator que
não age de forma adequada destrói a imersão” (Adams; Rollings, 2007, p. 258).
Um ator maduro tentando emitir a voz de um adolescente pode provocar um tom
cômico não desejado. Os efeitos sonoros, por fim, são os maiores responsáveis
por fornecer feedbacks para a mecânica do jogo: uma vida perdida, um item
adquirido, uma passagem de fase são momentos relevantes em uma partida, que
precisam de ser reforçados. Mas a função dos efeitos sonoros não se resume a
contribuir para a mecânica do jogo. Sons ambientes, como buzinas, ventania,
pessoas conversando preenchem o espaço com vida e alteram a percepção do
jogador.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710761/CA

Você também pode gostar