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Controle Social

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SOUZA, R. M. de.

POLÊMICAS E ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS

CONTROLE SOCIAL E REPRODUÇÃO CAPITALISTA:


POLÊMICAS E ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS
Control and capitalist reproduction: controversy and contemporary
strategies

Reivan Marinho de Souza 1


RESUMO
Debate alguns elementos sobre a temática controle social
referenciada na concepção marxiana. Aborda teoricamente as
bases do controle na sociedade capitalista, a relação entre controle
social e a esfera da política e controle social e Serviço Social.
Indaga sobre a possibilidade, nessa sociedade, do capital manter o
controle da base material (produção social) para garantir a
acumulação, e o trabalho construir formas de controle (estratégias
sociais) para enfrentar as desigualdades sociais e promover a
reversão do desenvolvimento histórico do capitalismo a favor de
seus interesses. Argumenta que essa articulação é problemática
devido às determinações do capital e à ocorrência das crises
cíclicas e da crise estrutural que agrava e complexifica as
conseqüências sociais da reprodução material e social do trabalho
no mundo contemporâneo. Problematiza algumas estratégias
históricas de enfrentamento do trabalho sobre as determinações
1
Doutora em Serviço Social. Professora do Programa de Pós-graduação
(Mestrado) e do Curso de Graduação da Faculdade de Serviço Social da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL). E-mail: <reivansouza@yahoo.com.br>.

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SOUZA, R. M. de. POLÊMICAS E ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS

estruturais do controle capitalista, discutindo os limites dessa


relação entre a esfera da economia e a da política.
PALAVRAS-CHAVE
Controle social e Capitalismo. Controle social e Serviço Social.
Política social e Controle social.

ABSTRACT
We argue about some topics related to the social control home
which is referenced in the Marxian conception. This article
discusses, theoretically, the bases of control and the sphere of
political, social control and social work. It wonders about the
possibility, in this society, of capital to maintain the control of the
material base (social production) in order to ensure accumulation,
and work to build control forms (social strategies) to address social
inequalities and promote reversal of the capital’s historical
development of capitalism in their best interest. It argues that this
articulation is problematic because of the capital determinations as
well as the occurrence of cyclical and structural crises that, on the
order hand, exacerbates and complicates the social consequences
of the labor and social reproduction nowadays. It debates some
historical strategies of coping with work on the structural
determinations of capitalist control, discussing the limits of the
relationship between the sphere of economy and politics.
KEYWORDS
Capitalism and social control. Social control and social work. Social
policy and social control.

Submetido em 04/03/2011 Aceito em 30/04/2011

INTRODUÇÃO

Considerando a importância que o tema controle social assumiu


para os assistentes sociais no debate sobre a gestão das políticas

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sociais, no processo de redemocratização da sociedade brasileira, e


ainda representa nos dias atuais, é que propomos, neste artigo,
debater alguns elementos sobre a temática controle social.
Referenciada na concepção marxiana, abordamos teoricamente as
bases do controle na sociedade capitalista, a relação entre controle
social e a esfera da política e, por último, algumas considerações
sobre controle social e Serviço Social. Procuramos refletir se é
possível nessa sociedade o capital manter o controle da base
material (produção social) para garantir a acumulação, e o trabalho
construir formas de controle (estratégias sociais) para enfrentar as
desigualdades sociais e promover a reversão do desenvolvimento
histórico do capitalismo a favor de seus interesses. Essa articulação
é problemática devido às determinações do capital e à ocorrência
das crises cíclicas e da crise estrutural que agrava e complexifica as
conseqüências sociais da reprodução material e social do trabalho
no mundo contemporâneo. Assim, problematizamos algumas
estratégias históricas de enfrentamento do trabalho sobre as
determinações estruturais do controle capitalista, discutindo os
limites dessa relação entre a esfera da economia e a da política.

BASES DO CONTROLE SOCIAL NA SOCIEDADE CAPITALISTA

Entendemos que o controle social atinge as esferas da produção e


da reprodução social. Desde as origens da humanidade o homem,
através do trabalho, precisou exercer o controle sobre a natureza e
transformá-la conforme suas necessidades materiais e sociais. Para
Marx (1988a, p. 142), “[...] antes de tudo, o trabalho é um processo
entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por
sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a
Natureza”. Essa mediação é, portanto, a base sobre a qual se
constitui a sociedade e que, prevalecerá como atividade fundante
nas diversas formações sócio-históricas. Deduz-se com isso que o
controle da produção material, nas origens da sociedade, ou

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melhor, na comunidade primitiva, estava sob o domínio do


trabalho, o que não será identificado nas sociedades que a
sucederam.

No entanto, com a formação das sociedades de classes, como o


escravismo e o feudalismo, o homem constituiu novas bases de
organização social e de exploração do trabalho em que se
evidenciavam a divisão social do trabalho, a propriedade privada e
a produção do excedente econômico. Contudo, nessas sociedades,
devido ao precário desenvolvimento das forças produtivas,
baseado na agricultura e na pecuária, a condição de subordinação
dos escravos e servos impedia a ampliação da produtividade e, por
não ter se constituído uma classe revolucionária, o controle sobre a
produção da riqueza foi completamente transformado. O
feudalismo, em sua fase de transição e decadência, propiciou as
condições para a gênese de uma nova sociedade, a sociedade
capitalista, momento na história da humanidade em que se pôde
expandir a produção da riqueza social, consolidando a submissão
do interesse coletivo (trabalho) ao interesse privado de uma
classe. Há, nesse sentido, uma inversão na reprodução material e
social, ocorrendo a apropriação privada por uma classe (burguesia)
do que é produzido coletivamente pelo trabalho.

É no capitalismo que o controle adquire uma particularidade em


relação às demais sociedades, pois o capital assume a função
determinante de controle social. O controle do capital sobre o
trabalho incorpora esta dimensão social, e só pôde se desenvolver
na sociedade quando conseguiu submeter o trabalhador à condição
de assalariado, quando este se defrontou no mercado como
vendedor de sua força de trabalho como algo independente de si
próprio, como algo estranho, alheio. Ou seja, como mero produtor
de valor. Daí advém a explicação de Marx de que o trabalho vivo é o
único produtor da riqueza social e que o capital, a partir da extração

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da mais-valia do trabalhador, sob circunstâncias históricas dadas,


passa a deter o controle social sobre a produção da riqueza e do
trabalho, inclusive sob a mistificação de que é o efetivo produtor
desta. O capital, portanto, assume a função de controle das relações
sociais e não pode prescindir do trabalho vivo enquanto substância
da expansão de seu processo sociometabólico (MESZÁROS, 2002).
Esta é, portanto, uma relação eminentemente social e determinante
que constitui a esfera da economia, da reprodução da base material.
O capital é produto de uma relação social − essa afirmação de Marx
está comprovada na história da sociedade, e iremos destacar os
elementos que a constituem.

No desenvolvimento da base material capitalista, o capital


intervém para assegurar o controle da reprodução dos seus ciclos
em movimento, tendo em vista garantir a produção, intensificar a
acumulação e controlar as crises resultantes dessa dinâmica. Na
esfera da política o controle social se expressa para regular a
relação entre indivíduo e sociedade, ou seja, a relação entre as
classes. Nessa esfera, o Estado 2 mantém uma relação de
complementaridade com a economia, com a base material, e
exerce o controle sobre a sociedade, em particular, sobre o
trabalho, para dirimir os efeitos das desigualdades sociais –
desemprego, miséria, precariedade das formas de trabalho e das
condições de vida, fome –, em face do agravamento da questão
social no capitalismo dos monopólios e visando evitar os conflitos
sociais entre as classes. No que se refere àquela relação de
complementaridade, o Estado interfere na dinâmica da economia
tanto na fase reguladora do capitalismo em que prevalece uma
2
Isso quer dizer que “[...] não se pode pensar num Estado desembaraçado de
seu papel vital. O Estado e o capital são totalmente inconcebíveis em separado.
O Estado moderno surge como um complemento às estruturas econômicas do
sistema do capital” (PANIAGO, 2001, p. 121).

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política keynesiana, quando como restringe sua intervenção


econômica e reduz direitos e benefícios sociais aos cidadãos, no
momento em que predominam alternativas de desenvolvimento
baseadas no neoliberalismo. Com isso, afirmamos que a natureza
do Estado é essencialmente liberal, e sua função social se constitui
para reproduzir a desigualdade entre as classes, pois é um
complemento para a manutenção das determinações econômicas
do capital, o que significa que representa os interesses
reprodutivos de uma dada classe. O reconhecimento da
determinação histórico-social do Estado no capitalismo não
engessa a dinâmica que ele assume na sociedade; sua forma se
altera a depender da dinâmica sociometabólica do capital, mas sua
natureza e função social, não. Há, portanto, uma relação intrínseca
entre a esfera da economia e a da política, o que não iguala suas
distinções fundamentais. A apreensão desses elementos se faz
necessária para entender por que o controle social é
eminentemente controle do capital sobre o trabalho.
Retomaremos essa discussão adiante.

Na obra de Marx (1978), a temática controle explicita-se nas


concepções de subsunção formal e de subsunção real do trabalho
ao capital. Disso decorre a apreensão do controle como inerente à
produção capitalista 3 e como se renova a subordinação do trabalho
ao capital para intensificar a extração do trabalho excedente. O
controle atinge os processos de trabalho e as condições objetivas e
3
A forma específica da produção capitalista se materializa na forma planejada de
realizar trabalho cooperado, que produz, ao mesmo tempo, mudanças objetivas
– aumento do número de mercadorias, diminuição do trabalho socialmente
necessário, autonomização das condições de trabalho em relação ao
trabalhador, economia no uso dos meios de trabalho, decorrente do consumo
coletivo de muitos trabalhadores e mudanças subjetivas – como o
reconhecimento da capacidade coletiva pelo trabalhador e, simultaneamente, o
fenômeno de alienação do trabalho.

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subjetivas de reprodução do trabalho, manifestando-se em formas


coercitivas. Ele incide sobre objetos específicos e implica formas de
disciplinamento da força de trabalho, de fragmentação do saber
operário, de desqualificação profissional e de alienação do
trabalho, marcando então a natureza da produção capitalista. O
controle é tratado nas obras de Marx, de Gramsci e,
contemporaneamente, no pensamento de Braverman, de
Burawoy, de Senett, que expõem as formas de controle do capital
em momentos históricos distintos.

A subsunção formal 4 expressa o movimento de subordinação


parcial do trabalho ao controle do capital. Nele, o trabalhador
ainda detém domínio técnico e subjetivo sobre o processo de
trabalho, o qual se expressa na habilidade artesanal e no controle
dos instrumentos, sendo peculiar ao processo manufatureiro. No
movimento de subsunção real o trabalhador perde o domínio
sobre o produto e o processo de produção, devido ao rompimento
das barreiras técnicas e subjetivas que impedem a expansão do
capital de forma generalizada. O trabalho subsume-se
integralmente às exigências da produção da mais-valia como um
fim em si mesmo – mais-valia relativa. O trabalhador é utilizado
como integrante de um organismo ativo que aumenta a sua
capacidade produtiva pelo caráter coletivo e coordenado do
trabalho generalizado com o processo de industrialização. O
controle torna-se imanente à produção desde a manufatura, a
grande indústria, até as formas históricas da produção capitalista
contemporâneas do taylorismo−fordismo e da produção flexível.
4
Para Marx (1978, p. 54), “[...] o caráter distintivo da subsunção formal do
trabalho ao capital se destaca, com maior clareza, mediante comparação com
situações nas quais o capital já existe desempenhando determinadas funções
subordinadas, mas não ainda em sua função dominante, determinante da forma
social geral, em sua condição de comprador direto de trabalho e apropriador
direto do processo de produção”.

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As formas de controle referem-se, portanto, às condições reais de


organizar a produção capitalista e as relações sociais. Para Marx
(1978), o capital ignora as necessidades básicas do trabalho a partir
de uma relação de subordinação em que se dessubstancializa a
unidade que compõe o processo produtivo na divisão do trabalho.
O controle tanto remete às expressões objetivas quanto subjetivas
de domínio do capital sobre o trabalho. No entanto, distingue-se
das formas de controle subjetivas que se traduziram no domínio
religioso 5 e nas formas de servidão das sociedades precedentes –
vassalagem, formas patriarcais, escravidão –, sem o traço material
característico das formas de controle capitalista. O controle se
origina da exploração da força de trabalho, “[...] que o capital
possui por natureza como sua força produtiva imanente” (MARX,
1988a, p. 251).

Marx (1988a) destaca na primeira forma capitalista de produzir –


cooperação e manufatura – que a função controle nasce no
momento em que a atividade produtiva está concentrada num
único comando. Na manufatura objetivam-se formas de controle
que elevam a continuidade do trabalho, desenvolvem as variações
da capacidade de trabalho e a relação entre proprietário dos meios
de produção e trabalhador a uma mera relação monetária. Altera-
se a relação de superioridade e subordinação que, de traço servil,
patriarcal, se tornou de natureza material, econômica e, ao mesmo
tempo, livre e voluntária 6, dada a venda da força de trabalho como
5
O domínio religioso manifesta uma relação de controle subjetivo exercida pelos
representantes do poder político e religioso nas formas primitivas de
organização da sociedade capitalista, que fixa regras de convívio social e
religioso baseadas na superioridade sobre homens que ainda não desempenham
a função de livres vendedores da sua força de trabalho.
6
Embora o trabalhador se torne livre e venda voluntariamente sua força de
trabalho como mercadoria através de um contrato social que regulariza a
jornada de trabalho, depende desta venda para se reproduzir física e

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mercadoria ao capital. Constituem-se a alienação do trabalho e o


controle coercitivo. Ocorrem alterações no processo produtivo que
traduzem as primeiras modificações da divisão do trabalho –
separação entre trabalhadores e propriedade das condições de
realização do trabalho –, na adaptação dos instrumentos às
funções específicas dos trabalhadores parciais, na habilidade
artesanal mantida pela virtuosidade do trabalhador, no reduzido
investimento em aprendizagem, na emergência dos supervisores
na produção, na disciplina e hierarquia do trabalho posta pelo
planejamento autoritário da produção e na exploração extensiva
da força de trabalho pelo aumento da jornada de trabalho – mais-
valia absoluta.

Na grande indústria, o capital torna-se a forma genérica de


organização da produção social. Marx (1988b) postula que há
continuidade de determinados aspectos do controle presentes na
manufatura, contudo rompem-se as barreiras técnicas e subjetivas
que impediam a expansão do capital. Ocorre a subsunção real do
trabalho ao capital, o trabalho fica submetido inteiramente às
exigências da produção de mais-valia relativa. O controle objetiva-se
pela transformação da condição técnica do trabalho; o trabalhador
torna-se um objeto de extração de mais-trabalho através do uso
intensivo de maquinaria pela redução da jornada de trabalho. A
introdução da maquinaria como instrumento de trabalho permite a
diminuição dos poros da produção, o barateamento das mercadorias
e a utilização do trabalho feminino e infantil, com extração de mais-
valia relativa. Esse é o fundamento que explica a radical
transformação no modo capitalista de produção no final do século

espiritualmente na sociedade. Só encontrará trabalho para exercer seu ofício ao


vendê-lo no mercado. Essa é a contradição básica em que opera a sociedade
capitalista – liberdade do trabalhador para produzir a riqueza material e para ser
explorado.

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XVIII. A maquinaria 7 constitui o órgão que centraliza a realização do


trabalho coletivo combinado, diferentemente do princípio subjetivo
da divisão do trabalho na manufatura. Ou seja, “[...] a partir do
momento em que a máquina executa todos os movimentos
necessários ao processamento da matéria-prima sem ajuda humana,
temos um sistema de maquinaria automática capaz de ser
continuamente aperfeiçoado em todos os seus detalhes”
(MARX,1988b, p. 12). A produção mecanizada teve de revolucionar a
base natural encontrada – o artesanato – por uma motivação
consciente do capital.

Gorz (1996, p. 81), embora criticado por posições que validam a


ideia do fim da sociedade do trabalho em outras obras, acrescenta
ao debate sobre o caráter coercitivo do controle na fábrica,
quando afirma que “[...] o despotismo na fábrica é tão velho
quanto o próprio capitalismo [...]. O processo de produção deve
ser organizado [e percebido] como uma exigência inerte da própria
máquina, como um imperativo intrínseco à matéria”. Essa
afirmação de que a natureza da produção capitalista é despótica
demonstra que são impostos ao trabalho a organização, os
objetivos e as modalidades do trabalho fabril e que para se atingir
os rendimentos que a produção capitalista exige – produção da
mais-valia relativa – se torna necessário ocultar para o trabalhador
que a exigência máxima da produção é algo imperativo à máquina
e estranho ao trabalho. Tal imposição parece algo neutro e
7
Convém enfatizar que a “[...] criação da máquina é a resposta concreta, a
versão mais bem elaborada e o maior testemunho para o fato de que o trabalho
organizado em padrões manuais já não mais satisfazia às exigências do mercado.
O capital recorreu, então, à ciência e à técnica; incorporou as descobertas e os
avanços da mecânica, como mais tarde da eletricidade, da eletrônica;
transformou o trabalho do cientista em sua mais importante força produtiva,
dissolvendo os últimos vestígios dos elementos naturais. Nascia a ciência
aplicada e a Revolução Industrial” (MELLO, 1999, p. 91).

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inerente ao processo, e o trabalhador deve adequar-se a tal


condição de modo que seja inviabilizado qualquer movimento de
contestação. Para atingir o objetivo da acumulação capitalista, a
finalidade da produção deve se contrapor à satisfação, à
necessidade, ao valor de uso das mercadorias em favor do
trabalho. Segundo os argumentos apresentados por Gorz (1996),
entendemos que a história do capitalismo industrial só pode ser
compreendida como a história do capital pela via despótica de
controle da força de trabalho. A razão da coerção, segundo ele,
deve ser buscada na divisão do trabalho, na medida em que os
objetivos do capital devem permanecer estranhos aos do trabalho.
Conforme os pressupostos marxianos, o controle se desenvolve
para tornar os meios – instrumentos, máquinas – e o processo de
produção como elementos estranhos ao trabalho, o que exige uma
maior subordinação.

Nas formas de controle contemporâneas no taylorismo−fordismo e


na produção flexível também são identificadas as bases coercitivas
do controle, pois a natureza capitalista foi apenas aperfeiçoada em
face das alterações tecnológicas e dos processos de acumulação,
dadas as crises capitalistas de natureza cíclica e estrutural. Com o
taylorismo−fordismo são operacionalizadas inúmeras mudanças
que darão um contorno diferenciado à expansão capitalista no
século XX. Aperfeiçoando a Teoria da Administração Cientifica de
Taylor – separação entre concepção, controle e execução –, Ford
consolida a disciplina, a hierarquia das funções e a rigidez da
produção, inovando em termos de produção em massa. Sua
peculiaridade é que penetrou na sociedade como um novo sistema
de reprodução da força de trabalho que, além de permitir uma
renda satisfatória para o consumo dos produtos, ampliou o
controle sobre a vida do indivíduo, em geral, às questões
familiares, da sexualidade, da probidade moral, ou seja, um novo
padrão de conduta do trabalhador. Essa é uma forma diferenciada

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de controle social dos processos iniciais da produção capitalista,


embora mantenha a essência da articulação entre produção e
reprodução social.

Em face da incapacidade das forças econômico-sociais de controlar


através do fordismo e das políticas keynesianas as contradições
inerentes ao desenvolvimento capitalista nos anos de 1970, ensaia-
se a transição da rigidez fordista para a era da acumulação flexível.
Instaura-se o modelo toyotista de base flexível, que introduz novos
meios de trabalho (flexibilidade das linhas de produção) e os
conhecimentos inovadores da informática e da microeletrônica,
adequando-os à instabilidade dos mercados. Diferentemente do
fordismo, traduz uma série de técnicas organizacionais e de
relações de trabalho em face do mercado restrito para atender à
demanda. Sob uma suposta autonomia do processo de trabalho
este modelo toyotista exige um controle mais intenso da força de
trabalho, pela “[...] necessidade de implantar formas de capital e
de trabalho intensivo” (ANTUNES, 1999, p. 55-56). As mudanças na
gestão do controle são evidentes, no entanto, mantém-se sua
dimensão econômica, que não só sustenta a reprodução do capital,
como inova em termos de sua tendência de expansão.

CONTROLE SOCIAL E ESFERA DA POLÍTICA

Para Mészáros (1987, p. 32), “[...] no decurso do desenvolvimento


humano, a função de controle social foi alienada do corpo social e
transferida para o capital, que adquiriu assim o poder de aglutinar
os indivíduos num padrão hierárquico estrutural e funcional”.
Contudo, esse autor destaca que no mundo contemporâneo, com
a crise estrutural, as contradições do capitalismo tornam-se cada
vez mais explosivas, demonstrando o caráter irracional do controle
social. Em suas palavras, “[...] a crise que enfrentamos não se
reduz simplesmente a uma crise política, mas trata-se da crise

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estrutural geral das instituições capitalistas de controle social na


sua totalidade” (MÉSZÁROS, 1987, p. 53).

As contradições do capitalismo atual se manifestam nos índices de


pauperização, no desemprego crônico, na intensificação da taxa de
exploração do trabalho, na devastação do meio ambiente, na
amplitude da violência nas diversas esferas (urbana, trabalho etc.),
nas formas de alienação, na desestruturação de relações sociais
que configuram o status quo dominante. Com essas consequências
sociais explicita-se “[...] a contradição [fundamental] entre uma
perda efetiva de controle e a forma vigente de controle, o capital,
que pela sua própria natureza somente pode ser controle dado que
é constituído mediante uma objetificação alienada da função de
controle, como um corpo reificado separado e em oposição ao
próprio corpo social” (MÉSZÁROS, 1987, p. 33). A irracionalidade
do controle demonstra o limite da expansão do capital sobre a
sociedade, pois “[...] os limites do capital colidem com os limites da
própria existência humana” (MÉSZÁROS, 1987, p. 37). O capital,
ainda que de forma reificada, está sendo compelido a tomar
conhecimento de seus próprios limites. Em face dessa
complexidade histórica do momento, para o autor não causa
espanto o surgimento e a disseminação da ideia do controle pelos
trabalhadores nesta sociedade. Embora importantes reações dos
trabalhadores venham ocorrendo, entendemos que se constituem
num controle restrito, pois atingem aspectos da reprodução da
força de trabalho e não o cerne do sistema do capital que funda a
existência da questão social.

Ao tratarmos dos aspectos referentes à reprodução capitalista no


item anterior, parece que a base material, econômica, técnica da
produção fosse desprovida de dimensão política e social. Os
elementos determinantes da produção social revelam o quanto foi
e é necessário para o capital exercer o controle social sobre o

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trabalhador, para que a natureza alheia (alienada) do trabalho


pudesse e possa ser assimilada como única pelo operariado e pela
sociedade em geral. Marx (1978, 1988ª, 1988b) se refere a essas
formas de controle como controle social tanto em termos da
produção quanto da reprodução social. Ao explicitar a subsunção
formal e real, está tratando da forma social da produção capitalista
e desta determinação sobre a vida dos indivíduos. Para ele só seria
possível pensar no controle social do trabalho na sociedade, em
termos reais e plenos nas esferas da economia e da política,
quando se concretizasse a superação da ordem capitalista.

Sem eliminar o capital e suas bases estruturantes não há


possibilidade de domínio do trabalho sobre a produção social da
sociedade, e tampouco na esfera da política, principalmente pela
subordinação dessa esfera à base material. A política é meio, não é
fim. Longe de expressar um conjunto de medidas estratégicas que
afetem profundamente a estrutura dessa sociedade, a política
corresponde a um conjunto de ações esporádicas, desprovidas de
uma finalidade explícita. Conforme salienta Mészáros, (1987, p. 53):
“A política fica condenada a seguir um padrão de movimento
reativo tardio e de curto prazo, em resposta às crises
desconcertantes que irrompem, numa frequência crescente, na
base econômico-social [...] da acumulação de capital”.

Sobre os limites da intermediação política do Estado em relação ao


trabalho, Paniago (2009, p. 8) destaca que

Os trabalhadores perderam, e continuam a perder; o


capital conseguiu se impor sem uma oposição política
equivalente à gravidade das medidas opressivas
contra o trabalho, na base material da produção,
amparadas pelo autoritarismo das mediações
políticas e de seu Estado. Reafirmou-se o fundamento
da própria produção capitalista – ‘capitalistas de um

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lado, assalariados de outro’ –, uma relação em que o


trabalho se encontra subordinado ao capital, não
podendo livrar-se dele enquanto permanecer vigente
o quadro estrutural da produção de mercadorias.
Essas determinações causais definem o espaço para
as reivindicações e conquistas dos trabalhadores, mas
sempre no sentido de preservar a relação de
dependência (capital e trabalho abstrato), jamais no
sentido da eliminação da relação de exploração. Os
imperativos da produção de valor extraído da força
de trabalho é que definem o objeto e a margem da
distribuição da riqueza, e não o contrário. No
momento em que a acumulação de capital necessitou
recompor sua taxa de lucratividade, como imposição
da crise estrutural, nada impediu a ofensiva do capital
sobre o trabalho, impondo-lhe a retirada dos ganhos
anteriormente concedidos.

O Welfare State, enquanto exemplo histórico de Estado, representou


ganhos materiais e legais (acesso às políticas sociais de caráter
universal e de direitos trabalhistas) para a classe média trabalhadora,
promovendo-a principalmente à condição de consumidora em massa
dos produtos fordistas. A política keynesiana regulatória correspondeu
às alternativas necessárias para a saída da crise dos anos 20 e 30 no
mundo capitalista. No entanto, “[...] a força dos trabalhadores ao
‘arrancar’ do capital melhores condições de vida e de trabalho
colaborou para a revitalização do sistema como um todo,
transformando uma aparente vitória do trabalho diante do capital em
fortalecimento de seu domínio e êxito” (PANIAGO, 2009, p. 3). Eis uma
ironia histórica ao trabalho: seria possível através do acirramento da
luta democrática pelo controle social alcançar-se a emancipação do
trabalho? Produz-se a ilusão de que é possível reduzir a exploração do
trabalho, colocar limites ao capital, sem alterar a base de seu sistema.
O que foi vivenciado pelos países centrais na era do Welfare State,
não desconsiderando certa melhoria nas condições de reprodução
social do trabalho (cidadania – direitos sociais e trabalhistas), não

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significou nenhuma superação nem ampliação efetiva do controle


do trabalho sobre a reprodução social. Representou efetivamente
um período expansionista do capital, que retardou durante 30 anos
o colapso de seu sistema e a confirmação dos limites de suas ações
remediadoras para controlar as crises. No Welfare State foram
atingidos os efeitos, as consequências da reprodução capitalista,
pois nos anos de 1970 demonstra-se objetivamente no mundo o
acirramento das suas contradições basilares.

De modo peculiar, Marshall (1967) em sua obra Cidadania, classe


social e status, ao tratar da cidadania na sociedade contemporânea,
fundamenta-se no suposto de que existem classes sociais
antagônicas e que a luta pela conquista dos direitos é mediada pelo
Estado. Acrescenta que a cidadania não é incompatível com as
desigualdades econômicas e sociais. A cidadania não implica, para
ele, superação das desigualdades no capitalismo, mas a redução
dos seus níveis mais elevados através de uma estratégia
governamental de suposta distribuição da riqueza. A intenção não
é superar ou erradicar as desigualdades, apenas amenizá-las,
possibilitando o acesso de parcela da classe trabalhadora ao
emprego, aos benefícios sociais e aos direitos trabalhistas. Esta é a
expressão mais moderna de sujeitos de direitos e deveres, que
constituem a base da cidadania 8.
8
Para enriquecer o debate, destacamos a crítica de Tonet (2001) à cidadania:
“Considerados apenas neste aspecto de membros da sociedade civil, todos os
homens são livres, iguais e proprietários. Mas o que significa exatamente isto? O
que significa a liberdade para este homem ‘natural’? Significa o ‘direito’ de
buscar, por todos os meios ao seu alcance, a satisfação dos seus interesses, o
que implica necessariamente o choque e a luta contra os indivíduos, movidos
pela mesma lógica. Mesmo esta liberdade, porém, não passa de uma aparência
de liberdade, dado que não é nem pode ser ele que decide, livre e
conscientemente, sua forma de atividade, mas esta lhe é imposta pela natureza
alienada das relações sociais. Por sua vez, a igualdade significa que todos os
homens têm o mesmo ‘direito’ de mover-se de acordo com esta lógica. [...]

64 Temporalis, Brasilia (DF), ano 10, n.20, p.49-76, jul./dez. 2010.


SOUZA, R. M. de. POLÊMICAS E ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS

Isso nos mostra o quanto a conquista da cidadania, dos direitos


sociais está plenamente adequada à convivência com as
desigualdades econômicas e sociais. A história do capitalismo
demonstra o quanto a efetividade das políticas sociais (padrão de
proteção social ao trabalho) esteve restrita à experiência dos
países centrais e que os países periféricos apenas ampliaram sua
condição de subordinação econômica, com o aumento da pobreza
e do desemprego, assumindo até mesmo feição estrutural,
conforme atesta Mészáros (2002).

Chegamos, então, ao debate de um elemento muito caro ao


Serviço Social: o entendimento sobre a esfera da política. A esfera
da política é compreendida de forma diferenciada entre os
próprios marxistas. No nosso entendimento, esta esfera formaliza-
se historicamente quando o indivíduo passa a ser concebido como
cidadão, membro da sociedade burguesa, cujos direitos de
igualdade, liberdade, segurança e propriedade constituem os
direitos humanos universais (MARX, 1991). O cidadão burguês é o
indivíduo voltado aos seus interesses particulares, conforme os
princípios liberais do capitalismo. Ele participa da esfera da política,
submetendo o interesse particular ao interesse geral – vontade
coletiva representada no Estado −, sem, entretanto, romper com o
interesse individual burguês. A concepção liberal de cidadania,

Enfim, a propriedade significa que todos eles dispõem de algum bem que pode
ser de interesse para os outros, enquanto cada um tem carências para cuja
satisfação deverá entrar no circuito da troca mercantil” (TONET, 2001, p. 99). E
prossegue: “A comunidade política, da qual o cidadão é o momento essencial,
não é nem poderá ser uma comunidade real, efetiva, porque no solo social que
lhe dá origem as relações entre os homens não são de união, mas de oposição,
não são de mútuo enriquecimento, mas de mútua desapropriação. E, se alguma
união existe entre eles, ou é como uma imposição jurídico-política, ou como uma
reação alienada (solidariedade, assistência, ‘campanhas de fraternidade’) ou,
ainda, como resistência e como luta, tendo em vista a construção de uma
comunidade efetivamente humana” (TONET, 2001, p. 101).

Temporalis, Brasilia (DF), ano 10, n.20, p.49-76, jul./dez. 2010. 65


SOUZA, R. M. de. POLÊMICAS E ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS

herdeira do pensamento de Hobbes, Locke e Rousseau está


assentada no pressuposto de que todos os homens são iguais e
livres por natureza. A liberdade é, portanto, considerada um bem
natural da sociedade.

Reafirmamos que a cidadania, constitutiva da esfera da política,


não implica superação das contradições capitalistas expressas nas
desigualdades sociais; ela reflete um estágio civilizado das relações
humanas em que o homem ainda está submisso ao limite da
emancipação política, da conquista dos direitos – liberdade política.
A emancipação política “[...] não é o modo radical e isento de
contradições da emancipação humana. O limite da emancipação
política manifesta-se imediatamente no fato de que o Estado pode
livrar-se de um limite sem que o homem dele se liberte realmente”
(MARX, 1991, p. 23). A emancipação política promove a “[...]
redução do homem, de um lado, a membro da sociedade burguesa,
a indivíduo egoísta independente e, de outro, a cidadão do Estado, a
pessoa moral” (MARX, 1991, p. 52).

O Estado enquanto instância reguladora dos conflitos sociais atua


para consolidar a emancipação política, administrando as
desigualdades sociais. A diferença para o pensamento marxiano é
que a política não se constitui de forma autônoma na sociedade,
pois está articulada à economia, à base material, não existe em
separado da produção social. A esfera da política mantém também
uma relação de dependência com a base econômica, e desta
condição se explica seu limite e sua importância estratégica na
sociedade. Apesar de ser nesta esfera que os conflitos sociais se
expressam, é no modo de produção da existência material que as
desigualdades sociais entre as classes se constituem, encontrando-
se aí os fundamentos dos males sociais. “O equívoco metodológico
consiste, pois, em tomar a esfera da política, que é parte, momento
da totalidade social, como princípio, como fundamento da

66 Temporalis, Brasilia (DF), ano 10, n.20, p.49-76, jul./dez. 2010.


SOUZA, R. M. de. POLÊMICAS E ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS

inteligibilidade dos fenômenos sociais” (TONET, 1995, p. 50). Como


se o indivíduo arbitrariamente pudesse eleger na vida em
sociedade qualquer elemento como princípio que fundamenta o
todo. Segundo Tonet (1995, p.50), Marx atribui “[...] ao intelecto
político a incapacidade de compreender as causas dos males
sociais”, isso porque seu princípio reside exatamente na
onipotência da vontade, na prevalência da vontade política. “O
intelecto político é político exatamente na medida em que pensa
dentro dos limites da política” (MARX, 2009, p.11).

Na história da sociedade moderna, quando se atribuiu à política o


campo de resolutividade da problemática social foram operadas
diversas inversões. Atribuiu-se à ineficiência, à inoperância, à
corrupção das ações administrativas e assistenciais do Estado e de
seus administradores a responsabilidade pela não eliminação da
pobreza e do desemprego. A solução seria produzir outra forma de
Estado ou aperfeiçoá-lo, reformá-lo, para garantir o bem-estar de
todos. Esta ação em nada altera as causas dos males sociais;
apenas atua sobre suas consequências, pois nega o
reconhecimento da classe burguesa como responsável pela
existência desses males. Com isso, preserva-se a natureza do
próprio Estado, que é regular as relações sociais, e não eliminar os
fundamentos das desigualdades sociais − a gênese da relação
capital x trabalho. Convém salientar que, apesar do cerne da
contradição burguesa estar na esfera da economia, é na esfera da
política que o acirramento dos conflitos sociais poderá chegar ao
limite, produzindo momentos de ruptura com a sociedade
capitalista. Este é o campo em que se movimenta a política para
manter o controle social burguês.

De modo diferenciado, o controle social não matizado pela


contradição capital x trabalho só é possível através do controle
integral do trabalho sobre sua vida noutra sociedade. O controle

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SOUZA, R. M. de. POLÊMICAS E ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS

social não é um conceito evidente, já que o controle do capital,


embora privado, também é social. Se faz necessário precisá-lo. Por
controle social do trabalho entendemos, na esteira de Marx, “[...] o
domínio consciente e coletivo dos produtores sobre o conjunto do
processo de produção, distribuição e consumo” (TONET, 2001, p.
115). Processo este em que a produção teria como objetivo atender
às necessidades humanas em vez da reprodução do capital, o que
demonstra sua confluência com a emancipação humana.

Entende-se, portanto, que é por meio da emancipação humana que

[...] o homem individual real recupera em si o cidadão


abstrato e se converte, como homem individual, em
ser genérico, em seu trabalho individual e em suas
relações individuais; somente quando o homem
tenha reconhecido e organizado suas forces propres
[próprias forças] como forças sociais e quando,
portanto, já não separa de si a força social sob a
forma de força política, somente então se processa a
emancipação humana (MARX, 1991, p. 52).

É no momento em que os homens podem se realizar plenamente


como seres sociais e se libertar dessa contradição que ocorre a
emancipação política: de um lado, indivíduo egoísta, e de outro,
cidadão do Estado.

Para Mészáros (1987, p. 69-70), o controle social só pode ser


definido em detalhes e exercitado na fase transitória do socialismo,
pois dependem da sua articulação prática com as estratégias
alternativas que têm domínio crítico dos elementos e determinam
o controle social da sociedade em desintegração. Assim, ele se
limita a mencionar os aspectos mais importantes – a relação entre
economia e política:

68 Temporalis, Brasilia (DF), ano 10, n.20, p.49-76, jul./dez. 2010.


SOUZA, R. M. de. POLÊMICAS E ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS

Como se sabe, os críticos burgueses de Marx nunca


deixaram de acusá-lo de usar de ‘determinismo
econômico’. Porém nada poderia estar mais distante
da verdade. Isto porque o programa marxiano é
formulado exatamente como a emancipação da ação
humana do poder das implacáveis determinações
econômicas. Quando Marx demonstrou que a força
bruta do determinismo econômico, desencadeada
pelas desumanizadoras necessidades da produção do
capital, impera sobre todos os aspectos da vida
humana, demonstrando ao mesmo tempo o caráter
inerentemente histórico − ou seja, necessariamente
transitório – do modo de produção predominante, ele
tocou a ferida da ideologia burguesa: o vazio de sua
crença metafísica na “lei natural” das relações de
produção vigente. E, ao revelar as contradições
inerentes a esse modo de produção, ele demonstrou
a necessária ruptura de seu objetivo, o determinismo
econômico. Tal ruptura, todavia, teve de se consumar
pela extensão aos seus limites extremos,
submetendo absolutamente tudo – incluindo a
suposta autonomia do poder de deliberação política –
ao seu próprio mecanismo de controle estrito;
ironicamente, porém, quando isso é alcançado (como
resultado de crescente apetite por ‘corretivos’,
concebidos para assegurar a ilimitada expansão do
poder do capital), [...]. A completa e, agora, patente
subordinação da política aos ditames mais imediatos
do determinismo econômico da produção do capital
é um aspecto vital dessa problemática. Esta é a razão
por que o caminho para o estabelecimento de novas
instituições de controle social deve passar através de
uma radical emancipação da política do poder do
capital (MÉSZÁROS, 1987, p. 69-70).

A ofensiva dos trabalhadores contra o capital para constituir a


sociedade dos produtores associados depende do enfrentamento
consciente do trabalho dos elementos constitutivos do controle

Temporalis, Brasilia (DF), ano 10, n.20, p.49-76, jul./dez. 2010. 69


SOUZA, R. M. de. POLÊMICAS E ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS

capitalista dominante: propriedade, formas de produção e


acumulação capitalista, exploração intensa do trabalho, alienação e
o Estado. O processo de construção do controle social requer o
envolvimento ativo da comunidade dos produtores associados
através da reativação das energias criativas reprimidas dos
diversos grupos sociais e do cultivar da dimensão coletiva da
organização social. Um processo global, radical, intenso e
efetivamente coletivo, que supere as ações parciais de indivíduos
e/ou grupos sociais. Momento em que seria possível articular a
esfera da política à da economia. Segundo Marx (1995, p.90) uma
“[...] revolução política com alma social [...]”.

CONTROLE SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL

Conforme exposto na introdução o debate sobre o controle social


adquire relevância no Serviço Social com o processo de
democratização da sociedade brasileira, após a ditadura militar.
Destacamos também que a aproximação do Serviço Social ao
marxismo desde os idos do Movimento de Reconceituação, e nos
anos de 1980 com a recorrência às fontes originais marxianas,
possibilitou entender as determinações histórico-sociais do
capitalismo sobre a gênese e natureza da profissão na sociedade, o
que contribuiu politicamente para a profissão entender e desvendar
as desigualdades sociais resultantes da reprodução capitalista.

Neste contexto, ampliam-se as instâncias políticas de participação


profissional na elaboração de planos, programas e projetos no
âmbito das políticas sociais. E os assistentes sociais são
requisitados para participar da gestão dos Conselhos, Conferências
e Fóruns nas esferas estaduais e municipais, como mecanismos
necessários para concretizar os processos de municipalização e
descentralização das políticas sociais. Esses Conselhos e
Conferências são considerados espaços de resistência da classe

70 Temporalis, Brasilia (DF), ano 10, n.20, p.49-76, jul./dez. 2010.


SOUZA, R. M. de. POLÊMICAS E ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS

trabalhadora às restrições dos direitos e gastos sociais que


configuram as tendências atuais à focalização e à mercantilização
das políticas sociais com o neoliberalismo. São, desse modo,
instâncias governamentais em que se exercita o controle social
sobre as políticas públicas, avaliando, fiscalizando e
acompanhando as ações do Estado. Para Correia (2005, p. 224),
controle social é “[...] o controle da sociedade sobre o destino das
políticas sociais, para que atendam aos reais interesses da maioria
da população”. No entanto, a autora reconhece os limites e as
contradições que envolvem as práticas de controle social, quando
argumenta que à medida que podem aglutinar segmentos da
classe trabalhadora no exercício da fiscalização das ações do
Estado, podem, por outro lado, fortalecer o poder institucional e
facilitar a criação de mecanismos de manipulação e de cooptação
das lideranças dos movimentos sociais.

Entendemos o significado histórico das lutas sociais contra a


ofensiva neoliberal no âmbito das políticas sociais na atualidade,
entretanto ressaltamos os limites da intervenção dos profissionais
e representantes da classe trabalhadora nesses espaços da gestão
pública estatal. Os argumentos dos defensores do controle social
na esfera da política tanto estão assentados nos aspectos políticos
como nos aspectos econômicos – controle dos trabalhadores
sobre o fundo público e sobre os processos de acumulação de
capital e aspectos relacionados à reprodução da força de trabalho.
Assim, esse fundo público tanto é utilizado para subsidiar a
produção industrial e agrícola e os serviços de infraestrutura, como
também financia a reprodução da força de trabalho, ou seja,
quando o investimento é orientado para garantir bens e serviços
de consumo coletivo, a exemplo saúde, educação, assistência,
entre outros.

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SOUZA, R. M. de. POLÊMICAS E ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS

É inegável a contribuição política dos setores organizados da classe


trabalhadora e dos assistentes sociais nessa gestão, no entanto,
indagamos: por que as resultantes desta intervenção política nos
Conselhos não alteram essencialmente as estratégias institucionais
que incidem sobre as condições precárias de reprodução do trabalho?

Dentre os limites do controle social, Correia (2005, p. 227) aponta


“[...] que os objetivos do controle social estão na contramão [dos
interesses públicos coletivos] e parecem cada vez mais inatingíveis
[...]”, principalmente com o refluxo dos movimentos sociais na
década de 1990. Pode-se afirmar que os Conselhos têm se
constituído em espaços para garantir o repasse de recursos
financeiros na gestão das organizações sociais, subsídios para a
rede privada em detrimento da ampliação da rede pública.

A questão que indicamos não consiste em negar os mecanismos


criados pelos segmentos da classe trabalhadora, mas em entender
os limites do controle social numa sociedade essencialmente
desigual, uma vez que promove apenas um controle restrito da
sociedade civil sobre o desenvolvimento da sociedade. O Estado
constitui-se para garantir a coesão social, o consenso entre as
classes, em suma, para administrar os conflitos sociais, lidando com
as contradições da sociedade que derivam da produção da
existência material. Embora explicite a dinâmica contraditória do
capitalismo, só existe para regular a contradição, jamais para
superá-la. Seu limite está na sua essência, na sua natureza. Sua
dinâmica reflete o conjunto das forças políticas presentes na
sociedade. Num dado momento faz concessões à classe
trabalhadora em função da necessidade de legitimidade social e da
pressão da forças de resistência, no entanto, isso não nega sua
essência – representar os interesses das classes dominantes. É o
que move a dinâmica do Estado, ainda que os trabalhadores
tenham construído historicamente formas de enfrentamento.

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SOUZA, R. M. de. POLÊMICAS E ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS

A base objetiva da lógica do sistema é que dá (ou


retira) a sustentação das conquistas políticas do
trabalho. Da mesma forma, este quadro de crise
estrutural, e as necessidades reprodutivas do sistema
como um todo é que definem a ‘margem da ação
transformadora’ pela luta de classes. Se a ilusão
democrática reformista prevaleceu num terreno
favorável de crescimento do capital, as condições
atuais da crise estrutural exigem uma reorientação da
luta do trabalho por seus direitos. Mesmo as
conquistas mais parciais só poderão ser realizadas
numa luta contra o capital, pois não se trata de um
cenário de restrições e austeridade de base
conjuntural, ou passageira (PANIAGO, 2009, p. 5).

Os trabalhadores, de forma organizada, precisam enfrentar


radicalmente os elementos centrais constitutivos do controle
social do capital. Conforme Paniago (2009), a ilusão democrática
da conquista de direitos na era da social-democracia produziu a
falsa ideia de concessão do capital em favor do trabalho,
contribuindo para um afastamento dos ideários de classe mais
radicais que avançaram a partir da crise estrutural. Convém
considerar, portanto, que o desemprego estrutural, as formas de
trabalho precárias, o não acesso a bens, serviços e equipamentos
de uso coletivo, a perda de direitos e o crescimento exponencial do
pauperismo têm interferido decisivamente para limitar as ações
coletivas dos trabalhadores que denunciam as suas condições
precárias de reprodução social. Eis os limites reais com os quais o
Serviço Social e os diversos segmentos organizados se deparam na
sociedade atual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos que o controle da produção material e da vida dos


indivíduos sobre o domínio consciente e livre do trabalho como

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SOUZA, R. M. de. POLÊMICAS E ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS

controle social está para além da sociedade do capital (MÉSZÁROS,


2002). Segundo Marx (1988b, p. 153), “[...] o capital pressupõe o
trabalho assalariado, o trabalho assalariado o capital. Condicionam-
se reciprocamente e se criam reciprocamente [...]”. Para realizar o
controle social o homem enquanto ser social teria de superar essa
condição, que o aliena e o impede de alcançar a emancipação
humana. O controle social supõe, portanto, o domínio consciente
do trabalho sobre a reprodução social da vida humana. Ele requer a
efetiva emancipação humana e a superação do controle do capital.
Essa é a única possibilidade de o trabalho enfrentar o domínio do
capital. As formas atuais de controle social, embora respeitando os
projetos políticos avançados da classe trabalhadora e as lutas de
resistência, na sua maioria apenas amenizam os efeitos
desastrosos do capital sobre a reprodução do trabalho, exercendo
uma funcionalidade efetiva à reprodução capitalista. É preciso,
portanto, entender os fundamentos que explicam o controle
social, a dinâmica do capital e a relação de subordinação do
trabalho. O controle social pelo trabalho supõe, portanto, a
efetividade de seu projeto revolucionário através do
fortalecimento das lutas sociais que enfrentem os determinantes
estruturais do capital.

Apresentamos algumas questões polêmicas sobre o tema controle


social. Não pretendemos com isso esgotar a discussão, mas tão
somente problematizar elementos que consideramos
fundamentais para o debate teórico no Serviço Social.

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afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo,1999.

74 Temporalis, Brasilia (DF), ano 10, n.20, p.49-76, jul./dez. 2010.


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