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Projeto Licenciatura Filosofia Ensino Médio

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Título do Projeto de Licenciatura em Pedagogia - IEAR/UFF

Possibilidades do filosofar entre jovens do Ensino Médio:


“experiências do pensamento” para produção de sentidos

Maio a Dez/2024

Coordenação: Profa. Silmara Lídia Marton


Bolsista do projeto: Julia Ferreira Cerutt Ramos

Resumo: A Filosofia é uma forma de pensar que abriga a relação contínua com a cultura e com a
experiência humana de modo que mantém aberta a busca e produção de sentidos. Atualmente, em
função de uma série de crises que se conjugam, sendo elas de ordem ecológica, econômica, social,
institucional, política, psíquica e epistemológica, e por força da intensificação de um “modus
operandi” na sociedade prenhe de desigualdades sociais que faz imperar a aceleração, a necessidade
de atender o mercado, a concorrência, o produtivismo, o consumismo e o individualismo, em
conformidade com uma lógica neoliberal do sistema capitalista, podemos ver diante dos nossos
olhos entre muitos jovens, ainda que em meio a muitas lutas e esperanças, uma carência para
vislumbrar horizontes de construção de sentidos para suas existências e para a coletividade. Assim,
se faz muito necessário insistir na intensificação da formação cultural e, no interior dessa, em
formas de pensar e conhecer que foram, historicamente, sendo produzidas pelos seres humanos para
explicar, compreender, solucionar problemas, oferecer possibilidades. Entre essas formas de pensar
que incluem a ciência, a arte, os mitos, a filosofia, entre outros, temos nessa última o lugar
predominante da conservação de uma tensão que gera possibilidades de operar crítica,
deslocamentos conceituais, perguntas e a produção de sentidos, de modo que, tendo um alcance em
termos éticos, estéticos, políticos, epistemológicos, ontológicos e existenciais, é de relevância
fundamental na formação humana e, portanto, na educação. Nesse sentido, o que pretendemos com
este projeto é desenvolver encontros de filosofia como “experiências do pensamento” entre os
jovens do ensino médio de uma instituição escolar, fazendo uso da linguagem artística que, de modo
intenso, dá consistência às sensações e percepções presentes em toda experiência humana. A
conjugação da experimentação do pensamento através de perguntas, dúvidas, diálogos, escuta,
escrita e leitura, de forma coletiva, com linguagens artísticas, poderá viabilizar sensível e
intelectivamente processos autoformativos e de transformação entre os jovens. Pretendemos assim
contribuir para sua formação através desse exercício de si.

Introdução:
Quais as possibilidades para iniciar e/ou persistir no exercício do pensamento filosófico
entre jovens na educação básica brasileira? É esta pergunta que norteou a escrita deste projeto no
sentido de concretamente tornar viável esta modalidade de pensamento que é a Filosofia cuja
materialidade envolve criar e pensar conceitos e, para os fins deste projeto, especificamente, venha
a ser trabalhada junto aos jovens do Ensino Médio. Como vimos acompanhando, através da Lei
13.415/17 foi instituído o “Novo Ensino Médio” e, desse modo, foi retirada a obrigatoriedade do
ensino da disciplina de Filosofia no ensino básico. Há um histórico que já nos é bem familiar de
bastante vulnerabilidade que cerca a efetividade do ensino de Filosofia no Brasil. Diante disso, nas
últimas décadas houve muitos avanços entre os professores e professoras de Filosofia no sentido de
um maior amadurecimento acerca da área levando em conta a necessidade de reafirmar a relevância
do modo de pensar filosófico, especificando sua natureza, sua abrangência e impacto inegável na
transformação social. Atualmente, mobilizações têm se intensificado em todo o país no sentido de
ampliar os debates acerca da retirada da disciplina de Filosofia no currículo escolar, na forma de
assembleias, produções de artigos, livros, palestras, entre outras formas, a fim de resistir a essa
situação. Diante de um quadro ainda incerto de conquistas nessa direção, consideramos ser
necessário criar e intensificar outras ações que façam chegar a filosofia na escola que, sabemos, não
têm essas ações a pretensão de substituir essa lacuna disciplinar, mas dar acesso a este saber da
cultura.
A disciplina obrigatória de Filosofia apresenta um histórico de idas e voltas nos currículos
escolares da escola brasileira, pois sua presença sempre foi marcada por muita instabilidade desde
os anos 30 do século passado, ainda que já naquele tempo a Filosofia fosse inegavelmente
valorizada entre muitos educadores do país. No início do texto do “Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova (1932)”, é bastante contundente a ênfase na necessidade de uma formação cultural,
filosófica, científica e atenta ao contexto social. Afirmava-se que a educação em geral sofria da
ausência de filosofia e ciência e que era necessário ao educador a aquisição de uma cultura múltipla
e diversa, de um gosto pela crítica e pelo debate de ideias. Porém, na prática, a filosofia não era
efetivamente exercida na sua especificidade educativa, atendendo muito mais a critérios genéricos,
sendo tratada como o “conhecimento humano mais profundo, fundamental para a compreensão da
essência da vida” (FAVARETTO, 2011, p. 18). Em 1961, através da Lei 4.024, a disciplina de
Filosofia deixara de ser obrigatória, e depois de 10 anos, a partir dos anos 70, no contexto violento e
autoritário do regime militar, os “anos de chumbo” da ditadura, através da Lei n. 5.692 de 1971, não
há quase resquício de ensino de filosofia nas escolas brasileiras. Nessa época, o projeto educacional
se orientava por um ensino profissionalizante com perfil tecnicista, isento de qualquer compromisso
com a formação em ciências humanas, excluindo não somente Filosofia como Sociologia dos
currículos nas escolas. Quanto mais totalitário é um regime, menos brechas para a liberdade do
pensamento. Assim aconteceu. Somente nos anos 90, mais precisamente através da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96), em seu artigo 36, se exigia que todo aluno deveria
ter o domínio dos conhecimentos filosóficos e sociológicos para o seu exercício como cidadãos.
Durante, aproximadamente, três anos na Câmara e no Senado Federal tramitou um projeto de lei
complementar substituindo o artigo 36, fazendo valer a obrigatoriedade tanto de Filosofia como de
Sociologia no ensino médio, porém, foi vetado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso,
em 2001, por motivos de ônus orçamentário e pela falta de professores com a formação exigida à
altura do que se exigia para o ensino da disciplina, alegações essas do então presidente que, segundo
muitos estudiosos da área do ensino de Filosofia, não teriam sustentação já que o que estaria em
jogo seria apenas o remanejamento de horas nos currículos das escolas para a disciplina de Filosofia
e a presença já neste período de um número maior de profissionais já formados que poderiam dar
aulas nas escolas. Com o esforço e luta de muitos professores e professoras de Filosofia no Brasil e
sua movimentação política através de encontros, debates, negociações, pressões, cursos de
formação e produção de textos, artigos, livros, etc, a situação muda. As disciplinas de filosofia e
sociologia foram novamente incorporadas ao currículo do Ensino Médio nas escolas em junho de
2008, com a Lei nº 11.684, tornando obrigatório o seu ensino no primeiro, segundo e terceiro anos.
Em 2016, com o golpe que tirou Dilma Rousseff do poder, seu vice-presidente Michel Temer
assume e promove a medida provisória da reforma do ensino médio em 2016 que, em 2017, vira
Lei.
Podemos perceber no rápido percurso de idas e voltas de Filosofia no Ensino Médio, a
história de uma disciplina não consolidada porque, uma vez que se constitui como um saber
estratégico de formação humana que, portanto, é transformador para os jovens em termos
existenciais, políticos, epistêmicos, culturais, é vista como perigosa para, principalmente, os grupos
de extrema direita no país. Daí o seu caráter transgressor, revolucionário, de resistência à qualquer
tipo de opressão. Conhecer essa história é imprescindível para saber que houve muito retrocesso,
mas os avanços também. Esses últimos porque houve luta dos professores, a criação de
possibilidades de resistência, esforço intelectual para delinear melhor o sentido da própria filosofia
em processos de ensinar e aprender. Envolve trabalho intelectual, político e engajado. O
neoliberalismo vem atingindo já o coração da educação, seja nas escolas e até nas universidades,
segundo a lógica do mercado, da produtividade, da privatização, do consumo, do empreendimento e
do estímulo para que o professor não pare de investir continuamente em sua formação, seja flexível,
e que o aluno, futuro profissional, seja o “empresário de si mesmo”. O ideal de “formação” se
vincula à lógica da competência, flexibilização, produtividade, dinamismo, num circuito vicioso e
extenuante de cobrança e velocidade de resultados, de produtos que, por sua vez, reafirmam a lógica
capitalista e neoliberal. Há discursos, dispositivos e práticas educacionais alinhados a essa lógica
que já atingem as salas de aulas, professores e alunos. A exclusão da disciplina de Filosofia no
Ensino Médio é parte desse pacote perverso. Então, consideramos que a resistência deva ser no
sentido de não somente reagir a essa política, como de criação e afirmação de outras lógicas que não
sejam opressivas, cristalizadoras do pensamento nas salas de aula e para além dos espaços escolares
e universitários, por movimentos mais amplos, coletivos. Resistências de várias ordens que se
conjugam com o próprio sentido antidogmático, crítico, criativo, corajoso e inventivo do
pensamento que o processo de filosofar exige, não por ser um imperativo, mas porque é libertador e
não sufocante.
O pensar filosoficamente já é uma ação que pode se materializar na forma de mudanças
entre os jovens. Coletivamente, reunindo as diversas alternativas de ensino, através da continuidade
de estudos sobre o ensino da Filosofia, dar a ver a sua legitimidade não somente como disciplina,
ainda que isso seja necessário para que seja concretamente exercida, mas como uma atividade que
ofereça, de fato, uma relação contínua com a cultura e com a experiência humana e de modo que
possa produzir sentidos entre os jovens. Professores precisam se valorizar e se unir. Mas, não só
entre professores o movimento pode se dar. Estudantes e professores que, engajados numa luta mais
ampla, lutem por direito à educação pública e democrática, direito à vida com dignidade, direito às
suas existências nas mais variadas formas e possibilidades, à criação de mundos possíveis. E para
isso, mais do que nunca, em tempos perversos de silenciamento, negação, violência e autoritarismo,
é preciso lutar paciente e persistentemente.

Objetivos Gerais:
- Desenvolver “experiências do pensamento” entre os jovens do ensino médio de uma instituição
escolar.

Objetivos Específicos:
- Provocar o exercício da filosofia como ato criativo que pensa conceitos já formulados e, ao
mesmo tempo, o seu deslocamento para a criação de conceitos.
- Estimular a indagação, a pergunta, a dúvida, o tensionamento e crítica entre os estudantes através
da leitura de textos, em geral, curtos e temáticas filosóficas e fazendo uso de dispositivos da Arte,
que podem incluir músicas, poesias, literatura, entre outras linguagens artísticas, a fim de provocar
experiências sensíveis e criadoras de sentidos entre essa geração; e,
- Propiciar encontros em que se concretize a realização de espaços/tempos de diálogo, conversa,
escuta, respeito à alteridade, interesse pelo filosofar e disposição para o exercício livre e singular do
pensamento de cada estudante, na perspectiva de um cultivo de si e da cultura, e com horizonte de
produção de sentidos para suas existências no mundo.

Pressupostos Teórico-Metodológicos:
O projeto se norteia por subsídios importantes de ordem teórica e metodológica destacados
na obra “A Escola Pública Aposta no Pensamento” (KOHAN; OLARIETA, 2012) atrelada a autores
como López, Deleuze e Guattari e Michel Foucault. A conjunção desses estudos despertou alguns
anos atrás a realização conjunta de projetos de extensão, pesquisa, ensino e iniciação à docência
com colegas professoras e/ou ex-professoras do campus UFF onde trabalho. Foram parcerias de oito
anos e junto às crianças de duas escolas públicas. A isso se seguiu a realização de um projeto de
extensão da mesma natureza sob minha coordenação com um bolsista, ex-aluno de curso de
graduação em Geografia. Essa ação aconteceu junto a estudantes do ensino médio de uma outra
instituição escolar. Recentemente, em 2023, através de outro projeto de extensão relativo a cinema e
educação, foram realizados dois encontros com estudantes de ensino médio. Foram marcantes as
suas falas no sentido de experimentarem angústias em relação ao mundo e ao seu futuro.
Há uma compreensão que nos anima de que a filosofia envolve uma prática que inclui
diálogo, diferença, diversas linguagens em ação. Dois desses subsídios são fundamentais: leitura de
textos que forcem o pensamento e exercício de avaliação dos pressupostos, na direção das
perguntas, dúvidas, ideias, argumentos e criação de outras possibilidades de pensar. Os textos
podem ser filosóficos ou não. Entende-se que a leitura de textos escritos, narrativos, poéticos, assim
como as imagens e os sons propiciam esse exercício do pensamento sem dogmatizações, mais livre.
Conforme pontua Kohan (2012):
Vivência (leitura) de um texto: Só pensamos quando algo, como um texto, força o
pensamento. Os textos podem ser escritos, narrativos ou poéticos, também
imagéticos, dramatizações corporais, audiovisuais ou informáticos. Podem ajudar a
exercitar diversas formas de expressão e experimentação, de leitura participativa,
dramática, etc. Os textos serão sensíveis à capacidade dos participantes, mas
também potencializarão essa capacidade. Não serão dogmáticos, moralizantes ou
pobremente escritos. Terão beleza, enigma, força.
(...)
Espera-se uma prática dialogada em que os participantes troquem ideias e
argumentos, levando em consideração o exame dos seus pressupostos e
consequências. A discussão filosófica é a terra dos “por quês” e dos “para quês”.
(KOHAN, 2012, p. 20 e 21).

Tomamos como inspiração fundamental para a prática do filosofar a compreensão de


Deleuze e Guattari (1992, p. 11) de que filosofia é “criação de conceitos”, considerando que esses
conceitos não são exatamente formas, resultados, produtos, descobertas ou achados, mas que
emergem do processo de criação imanente a atividade do filosofar que, longe de um estado de
inatividade, se faz presença para si e para o mundo pelo conceito.
O pensar filosoficamente decorre de uma experiência de pensamento que diz respeito àquilo
que nos acontece, que insiste em nós de modo a nos forçar a produzir novos sentidos para nossas
existências e para a vida. Na direção do argumento de López, em sintonia com Foucault, é “una
askésis, un ejercicio de sí en el pensiamento, una ‘experiencia modificadora de si’ en el juego de la
verdad”. (FOUCAULT apud LÓPEZ, 2008, p. 80).

Plano de Trabalho do Bolsista


- Atividades a serem desenvolvidas pelo bolsista: - participação em grupo de estudos de textos com
referências teóricas junto com a coordenação do projeto e cujas categorias conceituais norteiam o
seu conteúdo e forma de realização; - elaboração conjunta do planejamento dos encontros a serem
feitos na escola junto com os jovens do Ensino Médio, o que poderá incluir sugestões de
dispositivos da Arte e textos; - realização dos encontros com os estudantes do Ensino Médio da
instituição escolar indicada; - realização de relatos dos encontros com registros na forma de
imagens fotografadas, produções escritas dos estudantes, e quaisquer outros dados oriundos destes
mesmos encontros; - avaliação conjunta e contínua com a coordenação através de reuniões
semanais; - produção de relatórios e participação em eventos para socialização do projeto.

- Local de atuação: CIEP 302 Charles Dickens, localizado no bairro de Jacuecanga, cidade de Angra
dos Reis (RJ).

- Período de realização: Os encontros acontecerão semanalmente durante o ano de 2024 junto às


turmas de jovens matriculados no Ensino Médio do CIEP e que forem indicadas pela instituição
e/ou grupos de jovens de variadas turmas, também sob indicação de sua coordenação pedagógica.

- Procedimentos: Os encontros demandarão, mediante preparação teórico-metodológíca, a


provocação de “experiências de pensamento” entre os estudantes, as quais exigirão concentração,
domínio que gere interesse e não dispersão, utilização de linguagens artísticas e dispositivos outros
para o registro das ações. A condução dos encontros exigirá que, no processo, se desenvolva uma
atitude atenta, sensível e de muita disposição para conversa e escuta.
Referências Bibliográficas

AZEVEDO, Fernando et al. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) e dos
Educadores (1959). Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Que é a Filosofia? São Paulo: Editora 34, 1992.
FAVARETTO, Celso. O Papel Estratégico da Filosofia no Ensino Médio. Dialogia, São Paulo, n.
13, p. 15-24, 2011.
KOHAN, Walter Omar; OLARIETA, Beatriz Fabiana. A Escola Pública Aposta no Pensamento.
Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
LÓPEZ, Maximiliano Valério. Filosofía com Niños y jóvenes: la comunidad de indagación a partir
de los conceptos de acontecimiento y experiência trágica. Buenos Aires: Centro de Publicaciones
Educativas y Material Didáctico, 2008.

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