Grupo A
Grupo A
Grupo A
7783
Resumo
Abstract
This essay deals with studies on humanist education, with the objective of presenting political-
pedagogical foundations for a liberating literacy, based on Paulo Freire's theory. The
humanizing, emancipatory and democratic character of Freire's pedagogy, underlies a
conception of literacy, in which the cognitive, cultural, emotional, ethical, and political
development is not dissociated. In this serious moment when the world is hit by a pandemic of
unimaginable proportions, children, more than ever, need to be heard, welcomed, and respected
in their fragilities, potentialities, and peculiar ways of living this unusual moment. Liberating
literacy promotes their intense participation as subjects in the creative production of
knowledge. The reading of the world that, in Freire's perspective precedes the reading of the
word, expands in the processes of reading and writing and becomes more curious, promoting
different ways of reading, saying, and writing the world in a liberating literacy process.
Keywords: Liberating literacy. Humanistic education. Paulo Freire.
1
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Metodista de São Paulo. Líder do Grupo de Pesquisa “Políticas de gestão
educacional e de formação dos profissionais da educação” e do Grupo de Estudos Paulo Freire.
E-mail: betecampos@terra.com.br.
83
Revista Estudos Aplicados em Educação | São Caetano do Sul, SP | v. 6 | n. 11 | p. 83-96 | 2021 | ISSN 2525-703X
Elisabete Ferreira Esteves Campos
1 Introdução
84
Revista Estudos Aplicados em Educação | São Caetano do Sul, SP | v. 6 | n. 11 | p. 83-96 | 2021 | ISSN 2525-703X
A educação humanista em Paulo Freire: apontamentos para uma alfabetização libertadora
seja porque estão reivindicando condições adequadas de trabalho com o advento da COVID-
19, ou porque promovem uma educação que não atende aos valores requeridos por uma parcela
das famílias. A volta às aulas presenciais sem que todos os profissionais da educação tenham
sido priorizados no programa de vacinação, é um exemplo do descaso com a educação no País
e, especialmente, com os grupos populares que frequentam as escolas públicas.
É um cenário dramático, complexo, mas oportuno para os debates em torno do papel da
educação e dos pressupostos para uma alfabetização libertadora, com base no pensamento de
Freire, fundamentada em princípios éticos, em contextos escolares que sejam permeados por
relações dialógicas entre educadores e educandos inquietos, curiosos e questionadores.
Nesse ensaio, problematizaremos o ensino cartilhesco, mecanicista para, em seguida,
tratar dos sentidos e significados de uma alfabetização libertadora. Destacamos o necessário
acolhimento das crianças na pandemia, reafirmando processos e práticas de alfabetização
concebida como exercício de cidadania. Encerramos apontando que os programas de
alfabetização em disputa evidenciam contradições, tornando ainda mais necessários os debates
acerca da educação para o fortalecimento de um projeto de sociedade democrática.
85
Revista Estudos Aplicados em Educação | São Caetano do Sul, SP | v. 6 | n. 11 | p. 83-96 | 2021 | ISSN 2525-703X
Elisabete Ferreira Esteves Campos
Freire, de forma inquieta, opunha-se à alfabetização cartilhesca para ensinar que “Eva
viu a uva” ou “a asa é da ave” a adultos que haviam enfrentado “as durezas de um dia de
trabalho ou de um dia sem ‘trabalho’” (FREIRE, 2014, p. 136-137) ou a trabalhadores
envolvidos com reivindicações para melhorar suas condições de trabalho e de vida. Tais
práticas mantinham os adultos como receptores alienados de um conhecimento sem significado.
Convencido de uma necessária alfabetização conscientizadora, Freire criou nos
“Círculos de Cultura”, um “método ativo, dialogal, crítico e criticizador” (FREIRE, 2014, p.
141). O conteúdo programático partia do levantamento vocabular e compreensão dos sentidos
e significados da diversidade de palavras que faziam parte da forma de expressão dos grupos
populares. A investigação também identificava temas significativos de sua vida cotidiana.
Nesse processo investigativo, palavras e temas geradores emergiam do diálogo entre a equipe
envolvida com a educação popular e os adultos interessados em participar do programa de
alfabetização.
Palavras como trabalho, terra, enxada, tijolo, moradia, favela, dentre outras e temas
como arte popular, reforma agrária, profissão, nacionalismo, são alguns exemplos que surgiram
nos diferentes grupos de alfabetizandos (FREIRE, 2008, 2014). Palavras e temas eram
organizados em fichas com imagens que compunham o material usado nos “Círculos de
Cultura”, que substituíam os espaços escolares tradicionais.
Por estarem em diferentes localidades, com diferenças culturais, regionais e distintos
interesses, as palavras e temas não eram iguais em todos os Círculos. Mas os mesmos princípios
e fundamentos didático-pedagógicos constituíam os trabalhos grupais, uma vez que o diálogo
problematizador acerca das palavras e temas mediavam as relações democráticas.
A organização em círculos viabilizava a proximidade e participação ativa de todo o
grupo, proporcionando a aprendizagem coletiva das palavras geradoras. Desdobradas em
sílabas, formavam-se outras palavras, ampliando a compreensão do sistema de escrita ao
mesmo tempo em que se dialogava sobre seus sentidos e significados. Com a palavra favela,
por exemplo, propunha-se analisar
86
Revista Estudos Aplicados em Educação | São Caetano do Sul, SP | v. 6 | n. 11 | p. 83-96 | 2021 | ISSN 2525-703X
A educação humanista em Paulo Freire: apontamentos para uma alfabetização libertadora
É preciso que ela [a professora] saiba que a sintaxe de seus alunos, sua prosódia, seus
gostos, sua forma de dirigir-se a ela e a seus colegas, as regras com que brincam ou
brigam entre si, tudo isso faz parte de sua identidade cultural a que jamais falta um
corte de classe. E tudo isso tem de ser acatado para que o próprio educando,
reconhecendo-se democraticamente respeitado no direito de dizer “menas gente”, possa
aprender a razão gramatical dominante por que deve dizer “menos gente” (FREIRE,
2007, p. 68, destaques do autor).
[...] o que se verifica na análise dessas cartilhas, tomadas como exemplares ilustrativos
dos séculos XVI até o século XX e início do século XXI, é que por mais que se tenham
(re)elaborado os métodos, os livros usados como propagadores de “novas” propostas
não conseguiram se desvencilhar de um “modelo”, ou seja, de uma estrutura que, aqui
defendo, ficou viva na memória daqueles que se constituíram como autores desses
“novos” livros. Na essência, o que vemos é que cada nova cartilha traz sempre ecos de
uma tradição que ficou marcada na memória de quem um dia utilizou-se desse
referencial na sua construção de leitor-autor (VIEIRA, 2017, p. 188).
87
Revista Estudos Aplicados em Educação | São Caetano do Sul, SP | v. 6 | n. 11 | p. 83-96 | 2021 | ISSN 2525-703X
Elisabete Ferreira Esteves Campos
88
Revista Estudos Aplicados em Educação | São Caetano do Sul, SP | v. 6 | n. 11 | p. 83-96 | 2021 | ISSN 2525-703X
A educação humanista em Paulo Freire: apontamentos para uma alfabetização libertadora
linguística do povo brasileiro, que poderá dar suporte para os docentes e para as crianças
entenderem os elementos que constituem tal diversidade. E respeitá-las para aprender outras
formas de comunicação.
Assim como há diversidade na linguagem falada, a escrita também é diversa e, como
explica Ferreiro (2013), as culturas escritas são históricas e sociais. Há aspectos léxicos,
sintáticos, semânticos, ortográficos, marcas de fala, que fazem parte desse processo histórico
de construção linguística, com peculiaridades em diferentes tempos e lugares. A escrita, com
suas marcas e complexidades, precisa ser compreendida em contextos de usos sociais e com
suas referências linguísticas.
Os programas oficiais de alfabetização, no entanto, deixam as escolas à mercê das
intencionalidades políticas e ideológicas dos diferentes governos. A cada mudança de governo,
muda-se a política e o programa. A exclusão dos docentes dessas deliberações, leva à
retrocessos uma vez que os grupos políticos desconsideram o percurso das diferentes redes de
ensino do País e as peculiaridades de cada escola e respectivos projetos político-pedagógicos.
As políticas que não partem de uma avaliação da realidade “não levam em conta em um mínimo
instante, os homens em situação” (FREIRE, 2005, p. 98). Ou seja, desconsideram as
especificidades das comunidades escolares tão diversas em nosso País.
O tema da alfabetização transforma-se em “slogans” e “mensagens salvadoras”
(FREIRE, 2005) nos discursos políticos, depositando os conteúdos dos planos de governos nos
educadores e educandos, que permanecem na condição de implementadores de tais políticas.
Cabe destacar que no atual momento de recrudescimento de pautas autoritárias e
ultraconservadoras, ataques ao posicionamento crítico e à educação emancipadora se tornam
cada vez mais exacerbados. A necessária conscientização dessa realidade é fundamental nos
processos de ensino e aprendizagem, para que a escola cumpra seu papel de contribuir com a
construção e fortalecimento de uma sociedade democrática, propondo que as crianças, desde
cedo, vivenciem ambientes e relações solidárias e éticas, fundadas no “sonho por um mundo
menos malvado, menos feio, menos autoritário, mais democrático, mais humano” (FREIRE,
2001, p. 17).
Esse momento crucial que estamos vivendo, exige de nós outro olhar para a educação e
para as crianças. Sem compreender de forma clara o que acontece, as crianças sentem os
impactos da pandemia, vivendo um período de incertezas, de privações, impedidas de
frequentar a escola, afastadas de seu convívio social com outras crianças e com outros membros
da família.
É preciso acolhê-las e dialogar com elas sobre como têm vivido esse cotidiano, o que
fazem e o que sentem. “As educadoras precisam saber o que se passa no mundo das crianças
com quem trabalham” (FREIRE, 2007, p. 98), respeitando seu “direito de falar a que
corresponde o nosso dever de escutá-las” (p. 26).
Ainda que as interações ocorram de forma remota, é preciso acolhê-las em suas
angústias e seus medos, incentivando que expressem seus sentimentos nesse momento de tantas
restrições e perdas. Aproveitar o pouco tempo de contato virtual com colegas, é uma rica
oportunidade de interação que precisa ser alegre, prazerosa e respeitosa. Certamente nem todos
os estudantes terão essa oportunidade pela falta de recursos e, nesse caso, construir outras
formas de contato é também um compromisso com todas as crianças do País.
Divergindo de uma prática educativa para o desenvolvimento de “competências e
habilidades socioemocionais” que se alinha aos pressupostos individualistas da teoria
neoliberal, a alfabetização libertadora ao respeitar a individualidade das crianças, não
89
Revista Estudos Aplicados em Educação | São Caetano do Sul, SP | v. 6 | n. 11 | p. 83-96 | 2021 | ISSN 2525-703X
Elisabete Ferreira Esteves Campos
Ler é uma operação inteligente, difícil, exigente, mas gratificante. Ninguém lê ou estuda
autenticamente se não assume, diante do texto ou do objeto da curiosidade a forma
crítica de ser ou de estar sendo sujeito da curiosidade, sujeito da leitura, sujeito do
processo de conhecer em que se acha. Ler é procurar ou buscar criar a compreensão do
lido; daí, entre outros pontos fundamentais, a importância do ensino correto da leitura
e da escrita. É que ensinar a ler é engajar-se numa experiência criativa em torno da
compreensão. Da compreensão e da comunicação (FREIRE, 2007, p. 29).
A leitura da palavra não se dissocia da leitura de mundo que a precede e se amplia com
os conhecimentos formais (FREIRE, 2008). E por isso se torna uma leitura curiosa, sendo que
“a experiência da compreensão será tão mais profunda quanto sejamos nela capazes de associar,
jamais dicotomizar, os conceitos emergentes da experiência escolar aos que resultam do mundo
da cotidianidade” (FREIRE, 2007, p. 30).
A compreensão da realidade, que parte das experiências cotidianas e do pensamento
infantil se amplia com a compreensão de conceitos, levando a um processo de alfabetização
significativo.
Refuta-se, dessa forma, currículos padronizados, livros com conteúdos cartilhescos,
memorizações, relações autoritárias e formação alienada, quando os docentes sabem “da
impossibilidade de desunir o ensino dos conteúdos da formação ética dos educandos” (FREIRE,
2014, p. 93).
90
Revista Estudos Aplicados em Educação | São Caetano do Sul, SP | v. 6 | n. 11 | p. 83-96 | 2021 | ISSN 2525-703X
A educação humanista em Paulo Freire: apontamentos para uma alfabetização libertadora
Parecia estar ali há muito tempo. O outro, que tinha acabado de chegar, apesar de não
ser tão velho, também não era novo. Ao longo da prateleira, outros livros pareciam
cochilar, alheios à conversa. (GOMES, 2017, p. 5, destaque nosso)
[...]
Os olhos da bibliotecária se iluminaram por detrás das finas lentes dos óculos de aro
azuis, e um sorriso nasceu em seu rosto (GOMES, 2017, p. 16, destaque nosso).
Livro que cochila, sorriso que nasce, não fazem parte do linguajar cotidiano, mas são
exemplos de uma necessária prática pedagógica intencional, que permite focalizar a leitura para
a compreensão do sentido figurado das palavras e perceber o estilo linguístico do autor,
desafiando as crianças para que elas próprias construam linguagens figuradas.
Cabe à escola instrumentalizar os educandos no campo da língua e da linguagem, por
meio do ensino dinâmico e significativo. Ainda que certa forma de expressão não faça parte do
universo dos educandos, é necessário que aprendam o sistema formal da língua “que revela
outra estrutura de pensar que não a sua” (FREIRE, 2008, p. 79).
As crianças, na medida em que avançam na compreensão do sistema de escrita
alfabética, aprendem, ao mesmo tempo, a estrutura da linguagem formal, e assim vão também
avançando na leitura e na produção de seus próprios textos. Com a prática de leitura rodiziada
91
Revista Estudos Aplicados em Educação | São Caetano do Sul, SP | v. 6 | n. 11 | p. 83-96 | 2021 | ISSN 2525-703X
Elisabete Ferreira Esteves Campos
de livros, pode-se propor que os estudantes elaborem sinopses sobre o que leram, apresentando
aos colegas seus argumentos para indicar ou não determinado livro. A escrita de sinopses
implica em aprender seus elementos característicos e requer empenho dos estudantes, uma vez
que irão compartilhar com os colegas. Escrita, leitura e oralidade, prenhe de significados, são
indissociáveis na alfabetização libertadora.
Os estudantes de anos posteriores, podem escrever textos mais elaborados,
considerando as características do gênero, a construção gramatical, concordância verbal,
ortografia e demais elementos que compõem a escrita formal. Podem divulgar suas produções
em murais, criando um jornal ou um blog da escola. A escrita tem objetivos comunicativos
reais e requer criatividade e responsabilidade na sua elaboração.
Com tais argumentos, defendemos que a alfabetização não se inicia nem se encerra nos
primeiros anos de escolaridade e não significa apenas aprender o sistema alfabético. A
apropriação da linguagem é um processo contínuo, por meio de interações dialógicas entre
educadores e educandos, mediada pela diversidade textual, com diferentes temas, promovendo
a reflexão acerca de seus sentidos e significados, da análise dos recursos linguísticos, da
organização gramatical, dentre outros aspectos.
Essa aprendizagem não ocorre por meio de discursos vazios, posto que se trata de uma
vivência diária de participação coletiva. É preciso que as crianças aprendam, logo cedo, que
“fazer história é estar presente nela e não simplesmente nela representado” (FREIRE, 2008, p.
40) e é na escola que estudantes vivenciam a cidadania como conceito imbuído de valores
humanistas, em defesa do bem-estar coletivo.
O compromisso com a educação cidadã, requer a abordagem de temas sensíveis a toda
a humanidade como direitos humanos, preservação ambiental, saneamento básico, saúde,
trabalho, racismo, preconceito, dentre outros. Ao discutir tais temas, desde a infância, a
educação escolar contribui com a construção de uma sociedade mais solidária, que respeita toda
a forma de vida no planeta.
Textos informativos, jornalísticos, artigos de opinião, contribuem para problematizar o
descaso com as cidades, com as comunidades das periferias, com a destruição ambiental que
desencadeia a propagação de doenças e epidemias. É preciso dialogar com os estudantes, ao
longo da educação básica, sobre o desequilíbrio ambiental que, somado à negligência das
políticas públicas, repercute na devastação e destruição do planeta, não garantindo condições
dignas de vida a todas as pessoas. A educação alienante, que dissocia conteúdos escolares das
questões sociais, é caminho para o abismo. Como seres de opção, podemos formular uma
resposta mais contundente para transformar essa realidade.
Temos hoje uma geração de adultos que vivenciou uma escola autoritária, em que a
leitura e escrita eram atividades burocráticas, desvinculadas da realidade e do pensamento
crítico. A destruição ambiental não parecia um problema, nem as desigualdades, tidas como
fatalismos. Essa educação bancária afastou gerações da leitura crítica do mundo como também
da leitura de textos que poderiam contribuir com a conscientização dos dramas sociais vividos
por milhões de pessoas. Afastou gerações da análise criteriosa sobre os problemas sociais.
Em nosso país se perde, a cada ano, milhões de leitores, como mostra a pesquisa
“Retratos da Leitura no Brasil” (PRO-LIVRO, 2020) e curiosamente, a queda ocorre entre os
mais ricos. É árdua a tarefa da educação em recuperar leitores e uma formação crítica roubada
de muitas gerações. As crianças de hoje podem vivenciar a cidadania crítica para que não se
transformem nos adultos alienados de amanhã.
Ainda que se tenha avançado nos debates sobre alfabetização, as políticas educacionais
são elaboradas por técnicos que participam da equipe de governo e não partem da realidade das
92
Revista Estudos Aplicados em Educação | São Caetano do Sul, SP | v. 6 | n. 11 | p. 83-96 | 2021 | ISSN 2525-703X
A educação humanista em Paulo Freire: apontamentos para uma alfabetização libertadora
escolas. Por outro lado, tais políticas não são simplesmente implementadas (BALL,
MAGUIRE; BRAUN, 2016), uma vez que passam pela visão de mundo dos educadores e
educandos, pelas condições estruturais e pela forma como são compreendidas e consideradas
nas práticas pedagógicas.
No entanto, a histórica relação de mando e subordinação que ainda predomina na
sociedade brasileira, vale-se de sua força impositiva para coagir docentes a colocarem em
prática políticas e programas de governo. “Manda quem pode, obedece quem tem juízo” é uma
expressão comum em contextos autoritários e foi recentemente reforçada pelo Ministro da
Saúde, ao afirmar que “é simples assim: um manda e o outro obedece” (MAZUI, 2020).
Mesmo sob pressão, educadores adeptos às pautas democráticas, ao assumirem o
compromisso com uma educação integral, ética, humanizadora e libertadora, ao se manterem
firmes em seus propósitos não são levados pelas políticas de forma acrítica e podem reafirmar
a “luta incansável pela escola pública, de um lado, e de outro, o esforço para ocupar o seu
espaço no sentido de fazê-la melhor” (FREIRE, 2001, p. 28).
Apesar dos condicionamentos impostos pela política, pela economia, ideologia ou
cultura dos grupos dominantes, os educadores e educadoras não estão determinados à
submissão da ideologia reacionária.
Conscientes dos limites de sua prática, a professora progressista sabe que a
questão que se coloca a ela não é a de esperar que as transformações radicais
se realizem para que possa atuar. Sabe, pelo contrário, ter muito o que fazer
para ajudar a própria transformação radical (FREIRE, 2001, p. 28).
Para Freire (2001, p. 28), a professora progressista não está “condenada ao imobilismo
fatalista, imobilismo que não é capaz de compreender a dialeticidade entre infra e supra
estrutura”. E é por isso que, “recusando a visão ingênua da educação como alavanca da
transformação, recusa, igualmente, o desprezo por ela”.
Nesse sentido, “a claridade política é indispensável, necessária, mas não suficiente”,
(FREIRE, 2001, p. 28). A escola é local de debate, de diálogo, de crítica, de trabalho coletivo
para o fortalecimento de um projeto político-pedagógico que recusa a simples imposição de
programas e políticas que mudam a cada mudança de governo.
A educação como prática da liberdade proposta por Freire (2014) compreende o
compromisso coletivo com a escola pública que em sua essência é inclusiva, humanizadora e
democrática, promovendo a educação crítica de educadores e educandos, consolidando sua
intencionalidade político-pedagógica.
É nessa matriz crítica que o diálogo se torna o “indispensável caminho” (FREIRE, 2014,
p. 141) para a elaboração de um projeto político-pedagógico, em cada escola, com a
participação de toda comunidade escolar, para romper com as amarras de um projeto de
destruição da democracia que vem se desenhando com sua ideologia manipuladora para
controle de corpos e mentes promovendo uma leitura distorcida da realidade.
Os pressupostos de uma alfabetização libertadora “enquanto ato político e ato de
conhecimento” implicam em um processo de aprendizagem da escrita e da leitura da palavra,
simultaneamente com a ‘leitura’ e a ‘reescrita’ da realidade” (FREIRE, 2008, p. 41).
Com o apoio teórico de Freire, apresentamos, nesse ensaio teórico, argumentos que nos
permitem indicar os fundamentos para uma alfabetização libertadora, como instrumento
poderoso para o enfrentamento da atual investida repressora sobre a educação, que vem
ocorrendo de forma sistemática. A luta contra a opressão, é um compromisso ético de todo
docente que assume a educação como “ato de amor”, que é em si “um ato de coragem”
(FREIRE, 2014, p. 127).
93
Revista Estudos Aplicados em Educação | São Caetano do Sul, SP | v. 6 | n. 11 | p. 83-96 | 2021 | ISSN 2525-703X
Elisabete Ferreira Esteves Campos
Considerações
94
Revista Estudos Aplicados em Educação | São Caetano do Sul, SP | v. 6 | n. 11 | p. 83-96 | 2021 | ISSN 2525-703X
A educação humanista em Paulo Freire: apontamentos para uma alfabetização libertadora
Referências
BALL, Stephen J.; MAGUIRE, Meg; BRAUN, Annette. Como as escolas fazem as políticas:
atuação em escolas secundárias. Tradução de Janete Bridon. Ponta Grossa: Editora UEPG,
2016. 332p.
CAMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei n. 867/2015. Inclui, entre as diretrizes e bases
da educação nacional, o "Programa Escola sem Partido". Brasília, 2015. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=286B1B87D7AF
413244ADA930E17D364D.proposicoesWeb1?codteor=1317168&filename=Avulso+-
PL+867/2015. Acesso em: 23 out. 2020.
FREIRE, Paulo. Política e Educação: ensaios. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 46. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. 18. ed. São Paulo: Olho
D´água, 2007.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler – em três artigos que se complementam. 49. ed.
São Paulo: Cortez Editora, 2008.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 38. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
GACH, Jocilene dos Santos Pepe; KLEIN, Rejane. Um estudo sobre o material didático
utilizado na alfabetização da rede pública do município de Irati. In: Congresso Nacional de
Educação. 12., 2015. Anais [...]. Paraná: PUC, 2015. p.35568-35583.
GOMES, Alexandre de Castro. O livro que lê gente. Ilustrações de Cris Alhadeff. São Paulo:
Cortez, 2017.
MAZUI, Guilherme. ‘É simples assim: um manda e o outro obedece’, diz Pazzuelo ao lado de
Bolsonaro. G1. Globo. publicado em 22 out. 2020. Disponível em:
https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/10/22/e-simples-assim-um-manda-e-o-outro-
obedece-diz-pazuello-ao-lado-de-bolsonaro.ghtml. Acesso em: 22 out. 2020.
95
Revista Estudos Aplicados em Educação | São Caetano do Sul, SP | v. 6 | n. 11 | p. 83-96 | 2021 | ISSN 2525-703X
Elisabete Ferreira Esteves Campos
SANTOS NETO, Elydio dos; ALVES, Maria Leila; SILVA, Marta Regina de Paulo da. Por
uma pedagogia da infância oprimida: as crianças e a infância na obra de Paulo Freire. EccoS –
Rev. Cient. São Paulo, n. 26, p. 37-58, jul./dez. 2011.
96
Revista Estudos Aplicados em Educação | São Caetano do Sul, SP | v. 6 | n. 11 | p. 83-96 | 2021 | ISSN 2525-703X