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A Pedagogia Freireana e A Eja Na Educação Dos Sujeitos

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A PEDAGOGIA FREIREANA E A EJA NA EDUCAÇÃO DOS SUJEITOS

PRIVADOS DE LIBERDADE: POSSIBILIDADES E ENTRAVES

FREIREAN PEDAGOGY AND EJA IN THE EDUCATION OF THE PRIVATE


SUBJECTS OF FREEDOM: POSSIBILITIES AND HINDRANCES

PEDAGOGÍA FREIREANA Y EJA EN LA EDUCACIÓN DE LOS SUJETOS


PRIVADOS DE LA LIBERTAD: POSIBILIDADES Y LIMITACIONES

Tailan Cristina Maciel1


Vanessa Elisabete Raue Rodrigues2

RESUMO:

A presente discussão busca, através de uma investigação bibliográfica, as influências da


pedagogia de Paulo Freire na Educação de Jovens e Adultos, considerando os aspectos
pertinentes da Pedagogia de Freire, corroborando para a educação daqueles que estão privados
de liberdade. Assim, aponta-se a educação a partir da pedagogia freireana, como um meio de
reinserção social, promoção da autonomia, emancipação e reinserção social do sujeito
aprisionado. Busca ainda, contemplar a educação nas prisões como uma prática para a
liberdade, para além das grades, para a vida e convivência em sociedade.

Palavras-Chaves: Paulo Freire, EJA, prisão, educação.

ABSTRACT:

The present discussion seeks, through a bibliographic investigation, the influences of Paulo
Freire's pedagogy in the Education of Youth and Adults, considering the pertinent aspects of
Freire's Pedagogy, corroborating to the education of those who are deprived of their freedom.
Thus, education is pointed out based on Freire's pedagogy, as a way of social reintegration,
promotion of autonomy, emancipation and social reintegration of the imprisoned subject. It
also seeks to contemplate education in prisons as a practice for freedom, beyond the bars, for
life and coexistence in society.

1
Pós-graduanda em Docência e Diversidade e Diversidade Sexual e de Gênero pela Faculdade Descomplica (d). Possui graduação em
Pedagogia: docência e gestão educacional, pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO). Interesse em pesquisas
relacionadas ao gênero, com ênfase no sistema prisional brasileiro, bem como, a educação em espaços não formais, educação para os Direitos
Humanos. E-mail: thailancristinamaciel@gmail.com
2
Graduada em Pedagogia, Especialista em Psicopedagogia Institucional pela Universidade do Centro Oeste, UNICENTRO (2003), Mestre
em Educação (2015), Doutora em Educação e Pós doutora em Educação na Universidade Estadual de Ponta Grossa. É pesquisadora do
Grupo GEPÊPrivação da Universidade de São Paulo. Foi Coordenadora Pedagógica da Penitenciária Industrial de Guarapuava e do Centro
de Regime Semiaberto de Guarapuava, é integrante do Comitê do Pacto Universitário de Educação em Direitos Humanos da Universidade
Estadual do Centro Oeste - Unicentro. É coordenadora pedagógica do Centro de Educação Básica para Jovens e Adultos, Nova Visão
instalada no Complexo Penitenciário de Guarapuava. E-mail: vanessarodrigues@unicentro.br
A pedagogia Freireana e a EJA Na Educação dos sujeitos privados de liberdade:
possibilidades e entraves

Keywords: Paulo Freire, EJA, prison, education.

RESUMEN:

La presente discusión busca, por medio de una investigación bibliográfica, las influencias de
la pedagogía de Paulo Freire en la Educación de Jóvenes y Adultos, llevando en consideración
los aspectos relevantes de la Pedagogía de Freire, corroborando, para la educación de las
personas que están privadas de libertad. Así, se apunta la educación desde la pedagogía
freireana, como medio de reinserción social, promoción de la autonomía, emancipación y
reinserción social del sujeto encarcelado. La discusión busca también, contemplar la
educación en las prisiones como una práctica para la libertad, más allá de las barras de la
prisión, para la vida y la convivencia en sociedad.

Palabras clave: Paulo Freire, EJA, prisión, educación.

INTRODUÇÃO

A educação traz consigo a condição de transformação individual e social dos sujeitos.


Nessa perspectiva, a pesquisa atenta para as considerações da Pedagogia de Paulo Freire na
construção de uma sociedade menos desigual, mais humana e igualitária, principalmente para
aqueles que se encontram privados de liberdade.
Busca-se pela investigação bibliográfica, aportes teóricos que tratem da educação em
seu sentido amplo, com objetivo de compreender como a pedagogia freireana na educação de
jovens e adultos pode contribuir na reinserção social do sujeito privado de liberdade, na busca
pela autonomia, emancipação e não apenas como um meio de diminuir a pena pela remição.
Dessa forma, ampara-se na Educação de Jovens e Adultos nas unidades prisionais, como uma
prática para a liberdade, construída através dos eixos metodológicos que contemplem os
direitos humanos e o desenvolvimento integral do sujeito, a partir do diálogo, que para Paulo
Freire é essencial na construção do conhecimento.
As seções apresentadas dividem-se em duas partes, a primeira aborda a Pedagogia de
Paulo Freire e a Modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA), relatando as diferentes
concepções de educação, a partir da pedagogia freireana, sua influência e contribuições para
que a Educação de Jovens e Adultos ultrapasse os limites impostos pelos modelos
educacionais vigentes. O segundo momento vem tratar da educação de jovens e adultos no
contexto prisional, apontando a educação como prática de liberdade a partir da concepção de
Paulo Freire.

Revista Educação e Ciências Sociais, Salvador, v.4, n.7, 2021.


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Tailan Cristina Maciel e Vanessa Elisabete Raue Rodrigues

A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE E A MODALIDADE EJA

A premissa que insere a educação na construção do ser humano, encontra no diálogo


ênfase, assim como, eficácia enquanto um processo de emancipação do sujeito, na sua
inserção democrática e ativa na sociedade a qual está inserido. Paulo Freire (1987), em seu
legado na educação, propõe, uma educação através do diálogo, superando os discursos de
educação como mera transmissão de conhecimento, tampouco a sua neutralidade frente as
transformações sociais, advindas de diferentes períodos históricos.
A partir de Paulo Freire, a crítica da realidade, é eminente, e deve se fazer presente
nos discursos educacionais, distinguindo a ação social do homem, como sujeito apto a
compreender sua identidade, ideologias e o modo como se vive. Para tanto, a educação surge
como o elo das trincheiras que se ramificam os saberes. O educador, orientador desse trajeto,
é responsável pela abertura ao risco e as possibilidades do saber. Uma vez que, ensinando é
que se aprende, aprendendo é que se ensina e vice-e-versa. A educação, portanto, como troca
de saberes.
Quando se propõe uma troca de saberes, a pedagogia de Freire não se limita apenas ao
diálogo entre duas pessoas ou mais, mas busca a compreensão e significado das coisas. Nesse
sentido, a complexidade desse diálogo deve superar a dicotomia entre certo e errado, ou tão
somente na representação, sem a efetiva ação. O diálogo é a práxis, enquanto ação e reflexão,
deve-se partir de uma ação transformadora. Assim, na pedagogia de Freire, o diálogo parte de
uma ação politizada. Para o educador tudo é política, inclusive a efetivação e manutenção das
desigualdades que perpassam gerações.
Para entender a dinâmica expressa nos apontamentos já citados sob a perspectiva do
diálogo, é preciso ter consciência da superação da educação tradicional e autoritária, o que
Freire, define como a educação bancária, em seu livro “Pedagogia do Oprimido”.
Metaforicamente o educador trata da educação como um processo mecânico, pelo qual o
professor deposita o conhecimento e o aluno, apenas, recebe. Crítica essa, realizada de forma
verticalizada em respeito da superação do modelo insuficiente do ensino tradicional.
Neste caminho reflexivo, a educação não representa um processo de domesticação. A
educação a partir do diálogo, é concebida através da práxis pedagógica, seguindo três eixos
fundamentais: ética, política e epistemologia.
Nas palavras de Freire (1979) apud Gadotti (1998):

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A pedagogia Freireana e a EJA Na Educação dos sujeitos privados de liberdade:
possibilidades e entraves

Dentro de uma visão macroeducacional, onde a ação pedagógica não se


limita à escola, a organização da sociedade é também tarefa do educador. E,
para isso, o seu método, a sua estratégia, é muito mais desobediência, o
conflito, a suspeita, do que o diálogo [...]. Não pretendo com isso condenar
todo diálogo. O diálogo, porém, não pode excluir o conflito, sob pena de ser
um diálogo ingênuo. Eles atuam dialeticamente: o que dá força ao diálogo,
entre os oprimidos é a sua força de barganha frente ao opressor. É o
desenvolvimento do conflito com o opressor que mantém coeso o oprimido
com o oprimido. (GADOTTI, 1998 apud FREIRE, 1979, p. 12-13)

A tarefa de educar no sentido amplo, assim como se desvela na pedagogia de Paulo


Freire, é o educar para as diferenças, para o conhecer, compreender e agir. A formação crítica
do educando, não surge como um feixe de luz em determinado ponto escuro. Acontece,
conforme é instigada. Dessa forma, Freire, enfatiza a apropriação cultural do sujeito, ou seja,
sua cultura e seu meio, são fatores imprescindíveis no seu processo de aprendizagem. Assim,
o educador que se compromete com a educação segundo a concepção de Paulo Freire, deve
estar consciente da complexidade e a importância de seu trabalho e efetivação na construção
de conhecimento juntamente com seu aluno. Conforme dito, o conhecimento parte de uma
troca de saberes.

A EJA A PARTIR DAS CONCEPÇÕES DE PAULO FREIRE

A Educação de Jovens e Adultos se faz necessária e pertinente para o contexto


educacional brasileiro. Os avanços educacionais no Brasil, se analisados em seu contexto
geral, pode-se afirmar que, foram significativos em diversos âmbitos, principalmente no que
remete as legislações, que tratam da educação como direito de todo e qualquer cidadão. Direito
este, previsto pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205 e, ratificado pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional no 9.394/96.
A partir disso, os avanços são notórios, embora de forma ineficiente em alguns
momentos. Essa ineficiência é citada por Gadotti (1998), que garante estar atrelada ao que ele
define como tecnoburocracia. Para o autor, esse conceito tende a moldar as organizações,
assim como o Estado, impondo inclusive, novas crenças e valores, supervalorizando a
hierarquia, o poder e suas relações. Partindo desse pressuposto, pode-se atentar a discrepância
de um sistema excludente, que cada vez mais está aparelhado à manutenção do poder e à
estratificação social. Nessa concepção, o professor é apenas um agente defensor dos interesses
do Estado e não defensor dos direitos dos cidadãos para com o Estado.
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Tailan Cristina Maciel e Vanessa Elisabete Raue Rodrigues

Em meio a essa variante e nas dificuldades que a educação brasileira perpassa por
décadas, muitos brasileiros não tiveram a oportunidade de dar continuidade aos estudos,
principalmente na idade própria da etapa escolar. Muitos sofrem com as vulnerabilidades de
um sistema econômico avassalador, responsável pela efetivação de muitas desigualdades. A
educação enquanto direito, não é garantida a todos, existem muitas lacunas a serem
preenchidas que remetem ao mero direito, um deles é o acesso e permanência.
O território brasileiro, segundo dados do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE)
DE 2019, possui aproximadamente cerca de 11 milhões de pessoas analfabetas. Essa
afirmação, é advinda de um processo de escolarização que se consolidou no modo de produção
escravagista, nascendo juntamente com as desigualdades e as diferentes funções sociais. Qual
seria, o papel da educação, nessas circunstâncias?
A educação para a camada dos menos favorecidos, surge do efeito da industrialização
desenfreada e a necessidade da mão-de-obra para o manuseio das máquinas, advindas da
Revolução Industrial. Assim, a educação formal é reflexo da modernização dos modos de
produção primitivos para os escravistas.
O surgimento da EJA no Brasil não foi diferente, ela se consolidou a partir da
necessidade da qualificação da mão de obra para atender as demandas do mercado. Era
necessário a eficiência de seres humanos, na produção, sem qualquer caráter educacional que
promovesse a criticidade. A única possibilidade de ensino para jovens e adultos de forma
crítica e autônoma, partia da concepção de Paulo Freire, porém o regime da Ditadura Militar
rompeu essas oportunidades no determinado período.
Para Freire (2005), a educação é a condição de conscientizar-se perante as
adversidades da vida, sobretudo se posicionar frente a elas. Para tanto, é necessário que esta
educação propicie ao educando essa condição, de conscientização, libertação e reflexão.

Não é possível atuar em favor da igualdade, do respeito ao direito à voz, à


participação, à reinvenção do mundo, num regime que negue a liberdade de
trabalhar, de comer, de falar, de criticar, de ler, de discordar, de ir e vir, a
liberdade de ser. (FREIRE, 2005, p.193)

O papel da educação na atual conjuntura política e social brasileira, é de extrema


complexidade, principalmente, quando se trata dos alunos e jovens que buscam uma melhor
condição de vida na atuação no mundo de trabalho. Assim, muitos optam por dar continuidade
aos seus estudos na modalidade EJA que, apesar dos seus inúmeros enfrentamentos, é a
possibilidade de combater as estatísticas negativas de um sistema de ensino que opera em
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A pedagogia Freireana e a EJA Na Educação dos sujeitos privados de liberdade:
possibilidades e entraves

favor da classe dominante.


Os desafios da EJA, se inserem nesse contexto. Na tentativa de garantir o direito a
educação para jovens e adultos, na complexidade de repensar estratégias pedagógicas que
contemplem as disparidades sociais no âmbito educacional e a necessidade de tornar sentido
os conteúdos escolares ao cotidiano do aluno.
A visão de que a aprendizagem se dá apenas na idade correta, ou seja, para crianças e
jovens deve ser superada, principalmente a questão da alusão de que o papel da EJA é
recuperar a escolarização perdida. É necessário que, haja a compreensão de que os jovens e
adultos são efetivamente capazes de aprender ao longo de sua vida e o conhecimento não se
limita apenas a uma determinada idade. As transformações sociais, econômicas e políticas,
podem e devem ser acompanhadas por essa parcela da população.
Dessa forma, Paulo Freire (1999), adverte:

Não há razão para se envergonhar por desconhecer algo, testemunhar a


abertura dos outros, a disponibilidade curiosa à vida, a seus desafios, são
saberes necessários à prática educativa (FREIRE, 1999, p. 153).

Outro ponto a ser enfatizado, é que superar essa visão da EJA, não é fazer alusão das
desigualdades educativas que precisam ser superadas. Na perspectiva de Paulo Freire, a
aprendizagem ela se dá a partir da troca de experiências, na relação com o outro, no
envolvimento entre o professor e seus alunos. A proposta de aprendizagem de Freire (1987)
vai além da mecanização do ato de ler, para o educador o aluno precisa aprender a ler o mundo
a sua volta. Assim, isso só será possível, através da conscientização, uma vez que, o aluno
precisa ter contato com aquilo que está a sua volta, que faz parte da sua realidade, e não que
é exterior a ela, é preciso uma revolução.

A pedagogia, como pedagogia humana e libertadora, terá dois elementos


distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão revelando o mundo da
opressão e vão comprometendo-se na práxis; o segundo, em que,
transformada a realidade opressiva, esta pedagogia deixa de ser a do
oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente
libertação. (FREIRE, 1987, p. 44).

Uma educação deve se concentrar na prática da liberdade, pois, muitos dos brasileiros
não reconhecem a sua realidade ou não compreendem as causas das desigualdades existentes
no país. Nas palavras de Gadotti (2003, p. 257), conforme a pedagogia de Paulo Freire “a
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educação não é neutra, é um ato político”. Portanto, a educação para a liberdade é garantir os
direitos de cidadania, além de que, todos os sujeitos possam ter consciência desses direitos e
possam cobrá-los, ou seja, uma educação para a liberdade, é centrada na criticidade e
democracia do ser social.

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO CONTEXTO PRISIONAL E A


PRÁTICA PARA LIBERDADE

O sistema prisional brasileiro se caracteriza como uma crise institucional que permeia
por décadas. O Brasil possui, a terceira maior população carcerária mundial,
aproximadamente 748.009 presos, conforme dados do Levantamento Nacional de
Informações Penitenciárias (INFOPEN) de 2019. Soma-se a esse número as condições
insalubres e as distintas realidades que se confrontam nesses espaços, dentre elas, cerca de
61% do total das pessoas privadas de liberdade, não possuem o Ensino Fundamental completo,
dados que ressaltam a precariedade da educação pública brasileira.
Se a discussão no item anterior se concentra na educação e seu papel essencial na
condição da formação integral do ser humano, neste tópico ela se desmantela em uma
perspectiva de humanização, reintegração e ressocialização do sujeito privado de liberdade.
Daí a sua complexidade e entrave na efetivação nos espaços prisionais, uma vez que, os
direitos se difundem com a própria privação da liberdade.

A vida carcerária é uma vida em massa. Sobretudo para os presos,


evidentemente. Como consequência, ela lhes acarreta uma verdadeira
desorganização da personalidade, ingrediente central do processo de
prisionização. Entre os efeitos da prisionização, que marcam,
profundamente, essa desorganização da personalidade, cumpre destacar: a
perda da identidade e a aquisição de nova identidade; o sentimento de
inferioridade; o empobrecimento psíquico; a infantilização, a regressão. O
empobrecimento psíquico acarreta, entre outras coisas: o estreitamento do
horizonte psicológico, a pobreza de experiências, as dificuldades de
elaboração de planos a médio e longo prazos. A infantilização e a regressão
manifestam-se, entre outras coisas, através de: dependência, busca de
proteção, busca de soluções fáceis, projeção da culpa no outro e dificuldade
de elaboração de planos. (SÁ, 1998, p.10).

O Brasil é um dos países ativos em diversos acordos e convenções, contra as violações


de direitos fundamentais de vida, porém, não opera de forma efetiva, principalmente quando
se trata dos direitos daqueles que se encontram privados de liberdade. A Declaração Universal

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dos Direitos Humanos, criada em 1948, trata dos direitos humanos e a sua garantia para todos
os cidadãos, inclusive os sujeitos aprisionados. Assim, autoridades e a sociedade civil como
um todo, se obrigam a atender essa condição, principalmente no tratamento dos apenados, de
forma humanizada, considerando seus direitos fundamentais, incluindo o direito a educação.
Dessa forma, a educação nas unidades prisionais, além de direito, é vista como um dos
processos necessários, na construção da autonomia, na humanização e na reintegração social
do sujeito. A partir dessa perspectiva, é que a EJA tem seu papel no processo educativo desses
sujeitos, visto que, a prática da educação para a liberdade, é almejada para aqueles que se
encontram em cárcere. Liberdade essa, que se situa na concepção de Paulo Freire pela
educação, e é possível a “humanização e libertação do homem e da sociedade brasileira”
(FREIRE, 2009, p. 44).
Nas unidades prisionais brasileiras, onde a violação de direitos, é uma das
características principais, a educação é vista pelo detento como uma forma de se sentir como
um sujeito de direitos, os quais são tão almejados. Segundo Julião (2009, p. 272) a escola é
considerada pelos detentos como “um oásis dentro do sistema penitenciário”, um local onde
conseguem “se sentir livres e respeitados”.
Nessas condições, a educação para os sujeitos privados de liberdade, atua na
construção de emancipação, ou seja, é através das suas vivências na escola, propiciadas pelas
suas experiências sociais, os conteúdos escolares, a leitura e escrita. Que esse sujeito
compreenda o mundo a sua volta, adquirindo sua autonomia e criticidade. Pois, a educação
atenta sobre a possibilidade de mudança de conduta. Nas palavras do educador, “a mudança
do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de
sua superação.” (FREIRE, 2004, p.79).
A busca por melhores condições de vida é a principal justificava para que a maioria
dos sujeitos busquem na educação o caminho para tal. Para os sujeitos que se encontram
privados de liberdade, essa condição não se difere, uma vez que muitos encontram na
educação um meio de repensar seus projetos, sua vida e almejar um futuro diferente depois de
cumprir sua pena. Sabe-se portanto, que o mercado de trabalho no país se encontra em
declínio, e vem tornando-se cada vez mais disputado. Nesse sentido, quanto melhor são as
capacidades e habilidades, mais chances de adquirir uma vaga de trabalho.
Vale ressaltar, no entanto que, aproximadamente, 61% das pessoas que cumprem pena
no Brasil não possuem o ensino fundamental completo. Assim, fica evidenciado a falta de
escolaridade, como um fator determinante de exclusão social, no mundo do trabalho. Além de

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serem violados de seus direitos fundamentais de vida, as pessoas privadas de liberdade, se


inserem em uma estatística que, pode contribuir para novos delitos. Considerando, a falta de
escolaridade e trabalho, as condições socioeconômicas, como fatores que favorecem a entrada
dos indivíduos no mundo do crime.
Nas palavras de Robert Sampson (2002, p.17):

O poder econômico está ligado ao crime nas duas pontas: os muito pobres
ingressam no crime porque não têm nada a perder, e os muito ricos cometem
crimes porque a confiança na impunidade faz com que se sintam livres de
qualquer controle.

Se as prisões se configuram em uma perspectiva de ressocialização do sujeito,


colaborando para sua reinserção na sociedade. Necessário se faz, de antemão que,
investimentos em educação sejam priorizados, é preciso combater a negligência do Estado,
superando a ideia de privilégio. Se por ventura, almeja-se que o sujeito que encontra-se em
cárcere, ganhe liberdade e reconstrua sua vida, é indispensável que as políticas nas prisões
deem suporte para o feito. Não faz sentido, esperar mudanças significativas, em um sistema
que atua em favor da opressão, desigualdade e violação de direito.

O princípio fundamental que deve ser preservado e enfatizado é que a


educação no sistema penitenciário não pode ser entendida como privilégio,
benefício ou, muito menos, recompensa oferecida em troca de um bom
comportamento. Educação é direito previsto na legislação brasileira. A pena
de prisão é definida como sendo um recolhimento temporário suficiente ao
preparo do indivíduo ao convívio social e não implica a perda de todos os
direitos. (TEIXEIRA, 2007, p.15)

Na perspectiva da Educação de Jovens e Adultos privados de liberdade, é urgente a


necessidade de implementação de uma educação específica, que atenda a demanda e as
dificuldades enfrentadas pelos educadores nesses espaços. Tratar a educação nos espaços
prisionais, a partir da Pedagogia de Paulo Freire, é superar a mera expectativa da educação
como processo de ressocialização como meio de conquistar a liberdade. No entanto, é preciso
ir além, a educação na concepção freiriana, é situar o sujeito nas possibilidades de mudança
da vida atual, ou seja, não se vislumbrar em uma condição que está além da sua situação no
presente, é preciso que a transformação comece a partir do real, insistindo na construção da
autonomia, da emancipação para verdadeira reinserção social.

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possibilidades e entraves

A educação como ação conscientizadora e emancipatória, deve assegurar aos sujeitos,


seus direitos e deveres. A educação nas prisões, precisa superar o desejo simples pela remição
de pena ou, até mesmo, as interpretações dos detentos sob a escola de um local onde para
“arejar a cabeça”. É fundamental que, os sujeitos compreendam seu espaço, no sentido amplo,
e principalmente em sala de aula, requer um trabalho que insira-os nos projetos educacionais
de forma efetiva e que sejam executados a partir de suas experiências e vivências. Transpor a
ideia de que, por estarem privados de liberdade, sua vida se resume ao cárcere, há vidas,
sonhos, objetivos, que urgentemente precisam ser resgatados, dando sentido a sua existência,
a qual, muitas vezes são, é suprimida junto da condenação. “É fundamental, contudo, partimos
de que o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o
mundo.” (FREIRE, 2009, p. 47).
A transformação da realidade é possível através da educação. Freire na obra A
educação Como Prática de Liberdade (2005), a conscientização dos sujeitos é o aspecto
fundamental, pois a partir dela, é possível lutar por um futuro melhor, por seus direitos,
tornando-se assim, críticos e democráticos.

O que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a libertação dos


homens, não podemos começar por aliená-los ao mantê-los alienados. A
libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que
se deposita nos homens, não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis,
que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-
lo. (FREIRE, 2013, p. 93).

Segundo o artigo XXVI da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de


1948, a educação é consolidada como um direito universal. Essa garantia, deve ser pautada na
equidade e igualdade, onde todos tenham as mesmas condições e acesso ao ensino,
objetivando o “pleno desenvolvimento da personalidade humana” (ONU, 1948, p. 14). Assim,
a educação deve ser garantida pelo Estado, visando sua prioridade e necessidade de
implementação e garantia para os diferentes grupos sociais, inclusive aqueles que se
encontram em vulnerabilidade social.
A educação de Jovens e Adultos privados de liberdade na perspectiva de Paulo Freire,
deve ser centralizada na educação para os direitos humanos, na educação em consonância com
os demais direitos garantidos por lei. A educação para a liberdade, é voltada para a
construção/recuperação da dignidade humana. Educação esta, que supera o modelo autoritário
e opressor. É necessário que, o professor que se compromete com uma educação nos espaços

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prisionais, precisa compreender a complexidade de seu trabalho e sua ênfase, enquanto


mediador do processo de ensino aprendizado, ambos aprendendo juntos, construindo
conhecimentos.
Dessa forma, educar para os direitos humanos, é sobretudo educar,

[...] para a justiça social e para a diversidade cultural, contra o sexismo e o


racismo. É educar para a consciência planetária. É educar para que cada um
de nós encontre seu lugar no mundo, educar para pertencer a uma
comunidade humana planetária, para sentir profundamente o universo. É
educar para a planetização e não para a globalização. (GADOTTI, 2007, p.
27).

O papel da educação no Sistema Penitenciário Brasileiro, é de inestimável valor,


considerando todas as dificuldades e enfrentamentos para a sua manutenção nesses espaços.
A educação como prática de liberdade a partir da perspectiva de Paulo Freire, desvela o seu
papel enquanto construção individual e social do sujeito. É necessário, portanto, investimentos
em políticas públicas que contemplem a temática da educação como forma de reintegrar o
sujeito privado de liberdade a sociedade. Considerando as diversidades, a perspectiva de
desenvolvimento humano, proporcionando uma educação de qualidade, comprometida com a
reconstrução do conhecimento e a preparação para a vida além das grades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Paulo Freire foi um dos maiores educadores e influenciadores da educação, não se


limitando ao território brasileiro, mas alcançando o mundo a fora. Seus ensinamentos e a
forma como concebe a educação, vai além da prática de sistematização. E uma educação para
a conscientização, a humanização dos seres humanos.
A Pedagogia de Freire, traz a condição de mudança, de emancipação nos aspectos
culturais e sociais. Uma educação que se propõe a criticidade e democracia, buscando transpor
as desigualdades existentes. Propiciando aos educandos essa condição de transformação.
O sistema prisional brasileiro constitui-se como uma crise institucional, ou seja, está
longe de sanar suas precariedades e condições desumanas presentes nas unidades prisionais,
uma vez que, o sistema prisional opera em favor das desigualdades e manutenção das mesmas.
Nessa degradante realidade, a educação surte como um dos caminhos para que, os sujeitos
privados de liberdade compreendam a complexidade do processo de ensino, a sua relação com

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possibilidades e entraves

o meio social, bem como a conscientização e instrumentalização dessa condição.


A EJA nos espaços prisionais, conta com inúmeros desafios, dentre eles, sucateamento
nos recursos, espaços inapropriados, com a necessidade de superação do aspecto educacional
como mero privilégio. Ainda assim, a educação como prática de liberdade se torna uma das
possibilidades para a diminuição das estatísticas negativas que perduram sob o sistema
penitenciário brasileiro.
Nesse sentido, novos aportes teóricos devem surgir, uma vez que, a temática se faz
necessária, considerando os aspectos metodológicos aqui evidenciados. A Pedagogia de Paulo
Freire na perspectiva da prática de liberdade, para sujeitos que se encontram privados dessa
condição, é a construção de ideias a partir da realidade que se insere, é a apropriação do
conhecimento que torna a liberdade alcançável, em todos os sentidos.

REFERENCIAS

DEPEN. Departamento Penitenciário Nacional. Relatório Anual. Disponível em:


<http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/relatorio-de-acoes-dogoverno/1.Relatorioanual.
Depenverao20.04.2020.pdf >. Acesso em: 05 de fevereiro de 2021.

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2009.

FREIRE, P. Educação como Prática da Liberdade. 28. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2005.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 35. Ed. São
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FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30 ed. São


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